ENTREVISTA KASSIN
Na época que fiz a entrevista a seguir, em 2021, era pandemia e eu estava muito interessado em produção e produtores musicais, porque além de ser um dos meus empregos do sonho, me cativa a ideia de que há uma mente por trás de um disco além da banda ou artista, uma pessoa maluca o bastante pra além de aprender tocar algum instrumento, uns nem isso, se aprofundou em como captar, gravar e mexer num som até que soe como foi imaginado, juntando as peças sonoras da cabeça de outra pessoa de um jeito que ela mesma, muitas vezes, não poderia fazer.
O Kassin é uma dessas mentes, das melhores e mais conhecidas da produção musical brasileira. Alexandre Kassin, 50 anos, nascido no Rio de Janeiro, produziu mais discos que você ama do que provavelmente você saiba agora. Para citar alguns artistas que ele já trabalhou sem entrar na parte funda da piscina: Los Hermanos, Moreno Veloso, Vanessa da Mata, Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Jorge Mautner, Lenine, Nação Zumbi, Gal Costa, Erasmo Carlos e por aí vai, a lista é
longa e daria pra continuar, até disco póstumo do Tim Maia teve o dedo dele, o famoso Racional vol 3.
Além de produtor, ele também é músico de carreira solo com 3 discos, teve (tem?) as bandas Acabou La Tequila, +2 (com moreno veloso e Domenico Lancelotti) e Orquestra Imperial com vários outros nomes famosos da música brasileira, já tocou com João Donato, Lincoln Olivetti e atualmente é baixista ocasional da banda que acompanha o Jorge Ben. Não preciso dizer mais muita coisa sobre o nível desse cara.
Relendo a entrevista agora pra esse zine, fiquei com a sensação de que poderia ter feito outras perguntas, o que talvez explique o fato do porque não gostei dela na época e não publiquei em lugar nenhum. No meu nervosismo de fã abobado, acabei não fazendo algumas perguntas que agora me vêm à mente que me parecem bem mais interessantes hahaha. Enfim, fica pra uma próxima e obrigado pela música e respostas, Kassin.
Entrevista feita por email em maio de 2021.
Tim: Pra começar de leve queria que você falasse um pouco sobre como é isso de ter tanta banda/artistas com nomes parecidos com o seu. Rola muito de te confundirem ou não acharem o seu trabalho?
Kassin: Isso não me incomoda em nada, o Cassim eu não conheço pessoalmente, mas a Miranda Kassin conheci pessoalmente costumamos brincar que somos primos, nossas famílias descendem de uma região próxima. Adoro ela. Se a pessoa não consegue soletrar o que está procurando ninguém tem culpa sobre isso.
Eu considero você como um dos caras mais manjadores de som que tem por aí, até pelas fotos da sua coleção de discos, teve alguma descoberta musical recente que te surpreendeu? O que você anda ouvindo ultimamente?
Eu amo ouvir música e faço isso constantemente. Recentemente tenho ouvido: Sparks, The Necessaries, Danny G & the Major 7ths, Mildlife, The Orielles, Basil Kirchin, Kikagaku Moyo, Slide Hampton, Pilot, Diane
Tell, Laurie Spiegel, Debarge, Makoto Matsushita, Minako Yoshida, Egberto Gismonti e por aí vai.
Uma coisa que achei bem curioso no que li e ouvi sobre você, foram as coincidências ou sorte que você teve em vários momentos da sua vida, não sei se essa é a melhor palavra, mas coisas como morar no andar de cima do Edson Lobo ou no seu primeiro encontro pessoalmente com o Lincoln Olivetti, você se considera um cara sortudo?
Acho que tive muita sorte na vida, conheci e ou toquei com quase todos os meus ídolos, a música sempre esteve presente na minha vida e eu sempre vivi a vida através da música, é sem dúvida a coisa que eu mais gosto. O Edson e a Tita Lobo me acolheram como família quando eu estava com 10 anos de idade, eu via eles tocando com os amigos deles semanalmente, João Donato, Wanda Sá, Paulo Jobim frequentavam a casa deles. O Lincoln que eu sou fã desde pequeno, comprei o disco dele com Robson na loja aos 8 anos de idade, um dos meus maiores ídolos, conheci, virei amigo, fizemos
coisas maravilhosas juntos. Tenho muita sorte.
Li uma entrevista do Robert Pollard em que ele diz que gosta que seus álbuns sejam diversos, com vários estilos e emoções, citou uma “fórmula” dos 4 Ps com os gêneros que um álbum dele deve conter: pop, psicodélico, progressivo e punk. Ouvindo seus discos solo, eu percebo algumas características bem marcantes, mas também influência de vários estilos diferentes. Você tem determinadas características ou estilos que você gosta que seus álbuns passem?. Como funciona a escolha do repertório de um disco pra você?
Eu até agora sempre que comecei a gravar já tinha o repertório e como eu queria que a gravação soasse 85% na minha cabeça, o estúdio sempre foi só um lugar de execução dessas ideias. Eu penso na estética do álbum, e penso paralelamente em como eu gosto de apresentar aquilo ao vivo, eu gosto de soar ao vivo como nos álbuns, então tem coisas que às vezes descarto para que eu mantenha a identidade dos shows. Não
me prendo a um estilo até porque não me prendo a um estilo como ouvinte, gosto que haja diversidade de gêneros nos discos e acho isso enriquecedor. Faço os discos para mim então tem que ser algo que eu ouviria.
Falando um pouco do seu último trabalho com o Frank Jorge, é bem clara a sua influência na sonoridade do disco, levando as composições do Frank Jorge pra um lado inesperado, ao menos pra mim. Foi um desejo seu, desde o começo da parceria, conectar a música dele com esses novos ritmos e linguagens?
O disco ficou assim por um acaso, começamos o disco antes da pandemia , e iriamos gravar ele com banda juntos no estúdio, a pandemia começou e achávamos que em 3 meses conseguiriamos, mas a medida que eu fui fazendo as demos, inicialmente tentando fazer algo com som de bateria acústica mas programando, a partir de um momento comecei a programar sem me preocupar com a ideia de ser um disco tocado e partir dali ambos gostamos do resultado pois apontou para um caminho novo, eu gosto muito
do resultado do disco.
Eu vejo principalmente por comentários de vídeos no youtube que existe muita gente fora do brasil que gosta da sua música, mas também vira e mexe vejo comentários de brasileiros, talvez desavisados, falando mal do seu som. Como aconteceu isso de sua música ser bastante reconhecida fora do Brasil? Você considera que tem mais fãs no exterior que aqui?
Não sei dizer, mas com certeza faço mais shows fora do Brasil que dentro. Acho que eu faço uma música que não é exatamente para o senso comum, nada contra o senso comum e a música pop, eu adoro música pop e faço música pop como produtor, mas artisticamente sei que o que eu faço é ambicioso, é entre estilos então não pega carona em uma situação sociocultural, se eu vou a um festival de rock não é rock, se eu vou a um festival de jazz não é jazz, eu sempre fiquei entre, mas sinto que as pessoas que gostam e acompanham a minha música sempre acompanham, isso para mim é gratificante, recebo mensagens de todos os lugares do mundo, pessoas
que casaram com uma música minha, versões de músicas minhas em outras línguas (Paisagem Morta foi gravada em Gales recentemente), soube de um casal que deu o nome da filha de Nara nos estados unidos por causa de “ quando Nara Ri”, sempre fico feliz em ver que de alguma maneira minha música chegou dessa maneira a vida das pessoas.
Como é sua relação com o Rio de Janeiro? Eu relaciono sua música muito com o RJ, sei lá, o lado mais “ensolarado” do RJ, desde o acabou la tequila, seus discos solo, os discos que você produziu do Los Hermanos, o +2, a Orquestra Imperial etc. E queria saber se os rumos que a cidade tomou hoje influenciou algo na sua e na música que é feita aí na sua opinião.
O Rio sempre foi violento, sempre teve péssimos governos, eu amo o Rio com todos os seus problemas e todas suas soluções, o Rio me influencia sempre, a música, o futurismo , a natureza. O que me dá vergonha do Rio é exportar para os outros estados a ignorância política, a ignorância religiosa, digo isso sem ataque aos evangélicos,
a bancada política evangélica eu não gosto mas adoro os evangélicos e acho que eles salvam a música aqui no rio, a quantidade de músicos de altíssimo nível vindos das igrejas hoje me dá muita alegria. Eu pessoalmente tenho mais admiração religiosa pelo candomblé, mas admiro muito a música das igrejas evangélicas.
Outra caso curioso pra mim foi a trilha que você fez pro anime “Michiko & Hatchin”, como rolou esse convite? Você é fã de animes/mangás?
Sempre gostei de games, de mangás e de animes. Fui fazer um show no Japão e fui convidado a fazer essa trilha, foi um trabalho intenso e maravilhoso, compus 64 temas, um ano de trabalho.Tem temas ali com 20 pessoas tocando, arranjos, big band, tem Wilson das Neves, Aurea Martins, B Negão, Moreno, Ritchie cantando cançoes originais, a trilha saiu em 2 cd’s no japao.
Eu sou um grande fã do Miranda e gosto muito de ver entrevistas dele no youtube até hoje, sempre aprendo muito, e sei que vocês sempre foram muito amigos, inclusive com ele produzindo o som do
primeiro disco do Acabou La Tequila. Tem alguma história com ele ou algum aprendizado que ele te passou que poderia contar aqui?
Foi um dos meus maiores amigos e me pego pensando nele quase todos os dias, uma tremenda falta ele faz. Com ele só aprendi, em todos os meus discos ele foi a primeira pessoa a escutar e me dar opiniões sobre tudo, inclusive a ordem final dos meus dois últimos discos foi feita por ele.
Já vi ele consertar um arranjo no estúdio enquanto dormia, ele roncava alto, de repente acordou falou “bateria faz isso, baixo faz isso, guitarra faz isso, teclado só entra lá na frente…” e de repente tudo certo, um gênio. Uma das pessoas mais inteligentes que eu conheci.
Para terminar, aos aspirantes da produção musical atuais, você teria alguma dica pra quem tá começando nesse mundo?
Eu acho que não importa o equipamento, o que interessa é o que você faz com ele, se foi feito num laptop
tudo e ficou bom isso que importa. Se foi feito num telefone, mas a música é incrível, isso que importa. A ideia vale mais que o equipamento. O importante é saber ouvir. Ouvir e tentar entender. O acesso ao conhecimento no mundo hoje é infinito só não aprende quem não quer, é só saber aprender.
Ouça sons da carreira solo, bandas e produções dele: