a trajetória de niemeyer

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faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de sรฃo paulo

auh156 histรณria e teoria da arquitetura iv abril/2013 anรกlise comparativa de textos sobre a trajetรณria de Niemeyer por Bastos&Zein, Rodrigo Queirรณz e Roberto Segre ana cristina niessner 5640358




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bibliografia introdução Bastos&Zein Rodrigo Queiróz Roberto Segre

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Niemeyer: Do plasticismo simbólico ao partido estrutural e ao volume escultórico (127-140), Revisitando os metres: Niemeyer, Mendes da Rocha (353-361) ambos em: BASTOS, Maria Alice Junqueira, ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo: Perspectiva, 2010. Introdução (11-17) de QUEIROZ, Rodrigo Criatiano. Oscar Niemeyer e Le Cobusier: encontros. Tese de dourado. São Paulo: FAUUSP, 2007. Oscar Niemeyer: tipologias e liberdade plástica, por Segre em SEGRE, Roberto, OHTAKE, Ricardo. Oscar Niemeyer: 100 anos, 100 obras. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2007. publicado no site Vitruvius. leitura complementar: Depoimento, de Niemeyer em revista MÓDULO n. 9, fevereiro/1958.

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A abordagem destes textos, apesar de serem publicações com no máximo 3 anos de intervalo, são abordagens distintas sobre a autonomia formal de Niemeyer. Trata-se de textos inseridos em obras maiores: o de Bastos e Zein, num panorama da arquitetura brasileira pós 1950; o de Rodrigo Queiróz, a introdução duma tese de doutorado que traz a leitura comparativa entre Corbusier e Niemeyer; e o de Segre, insere-se num livro comemorativo do centenário do arquiteto.

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Assim, os ambientes sócio-políticos do arquiteto e dos autores se entremeiam, oferecendo discursos sobre um objeto recente, com certos denominadores comuns, em ideias e formas, a ambos – críticos e arquiteto. Contudo, como debatido em aula nesta disciplina, não há narração histórica definitiva e verdadeira, e os textos oferecem versões e interpretações condicionadas a experiências pessoais e contemporâneas, o que os torna interessantes e complementares.


A obra de Bastos e Zein aborda o repertório essencial do tema deste exercício, no contexto brasileiro, a arquitetura após 1950. As autoras acadêmicas atuam no departamento de história, nas faculdades de arquitetura e urbanismo da USP e Mackenzie, publicando outros livros que tangenciam a construção de uma identidade brasileira através da arquitetura. A obra em questão aborda não só a enorme experiência de Niemeyer, mas também, e não com menos mérito, outros expoentes da arquitetura brasileira como Lina Bo Bardi, Affonso Reidy, Villanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, João Filgueiras Lima, entre outros. Segundo Montaner, no prefácio deste mesmo livro, as autoras se afastam de uma relação direta e unívoca entre arquitetura e política, uma tendência comum no pensamento arquitetônico dos anos 60 e rompem com interpretações mitificadoras e redutivas, o que tornaria o livro predisposto a tornar-se referência no estudo e ensino da arquitetura no Brasil. Nos capítulos em questão, as autoras abordam uma categorização de fases do arquiteto marcada por obras de transição, que trazem uma mudança significativa nas subsequentes. O arquiteto, de fato, nunca as confirmou, exceto ao registrar na revista Módulo, n.9, em “Depoimento”(1958), que o projeto para o museu de Caracas e as obras de Brasília mudam sua maneira de projetar, após um periodo de viagens na Europa. “[os projetos citados] marcam uma nova etapa no meu trabalho profissional. Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção para com os problemas fundamentais da arquitetura”

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Segundo elas, Oscar, ao escrever textos posteriores sobre suas obras, busca ser difuso, provendo-as, assim, de uma sensação de unidade, como se não passassem por transições, mas fossem contínuas. Para as autoras, no entanto, há ao menos outras 3 transições pertinentes de ordem artística no conjunto niemeyriano, a que remetem o título do capítulo (plasticismo simbólico, partido estrutural e volume escultórico) que corroboram com 4 etapas distintas em sua carreira descritas a seguir: 1. o início da trajetória profissional do arquiteto, admitido também por ele, se dá em 1936, com o projeto para o Ministério da Educação e Saúde, RJ. 6

2. marca-se pela transição colocada pelas obras de Brasília e o projeto do museu em Caracas, 1955, assimilados ao plasticismo simbólico referido. 3. a segunda transição constatada pelas autoras é o Centro Musical da Barra, 1968, e o Museu Exposição Barra’72, 1969. Quando começa a explorar possibilidades tecnológicas de grandes estruturas. 4. edifícios da década de 1980, como o panteão da Praça dos 3 Poderes de Brasilia, 1985, caracterizam-se por serem mais esculturais, esquemáticos e indiferentes ao entorno, inserindo-se ao contexto de volume escultórico.


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1. MEC 1936, autor Marcos Leite Almeida 2. MAM Caracas, 1955. fonte: PAPADAKI S., 1956. Oscar Niemeyer: Works in Progress 3. Pestana Casino Park, 1976. fonte: www.dnoticias.pt 4. Praรงa dos 3 Poderes, 1985. fonte: blog.planalto.gov.br/


No capítulo Revisitando os Mestre: Niemeyer e Reidy, retomam a organização de ideias posta anteriormente, em “Niemeyer: do plasticismo simbólico ao partido estrutural e ao volume escultórico”, dando continuidade a análises da etapa 4 da carreira do arquiteto, dentro do período de 1985 a 1995, em que incluem-se os projetos do Memorial da América Latina em São Paulo, 1988, e o MAC Niterói, 1991. Apesar de afirmarem um sistema de categorias, a partir de uma comparação formal e cronológica, justificam e defendem-se de não pretenderem classificar as obras do autor, nem resumir sua produção, pois seria superficial e insuficiente.

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Constantemente, além de descrições formais e estruturais detalhadas de cada projeto e de análises sobre a intenção de Niemeyer, as autoras abrem discussões comparativas de obras de mesmo programa ou raciocínio construtivo. Por exemplo: 1. na página 130, ao relacionar plantas de sistema regular de apoios de menor vão como o Aeroporto de Brasília – planta circular – e o Itamaraty – planta quadrada. Ambos propõem uma solução de envoltório em colunata. 2. Na mesma página, explora a similaridade dos elemento pré-fabricados para lajes e fachadas nos projetos do Ministério do Exército em Brasília, 1967, e do Convento dos Dominicanos, em Saint Baume, França, 1967. 3. Mais pra frente, na página 359, aborda as paisagens e singularidades de programas de museus como o MAC Niterói, 1991-96, o Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, 2002, e o, anterior a estes, Museu de Arte Moderna de Caracas, 1954.


SOBRE STROETER Neste último capítulo abordado em Bastos e Zein, desenvolve-se um diálogo com um trecho de texto do arquiteto João Rodolfo Stroeter. Vale a pena ressalta-lo, pois as abordagens parecem discursar de maneiras distintas e cabe aqui, tendo em vista o estudo pretendido, voltar a pontos narrativos como este. Apesar de ser um trecho breve e menos específico que os capítulos inteiros de Niemeyer abordados por Bastos e Zein, Stroeter culmina no ponto tangente às autoras, em que concordam que, com o passar do tempo, o arquiteto passa a coincidir cada vez mais arquitetura com estrutura, além de ambos constatarem a despreocupação das obras do arquiteto com um programa de funções específicos. Contudo, Stroeter, diferentemente delas, descreve as obras de Oscar generalizadamente, dizendo que as obras e o autor se desenvolvem e se recriam com a passagem do tempo e a unidade de seus projetos se dá na força criativa dominadora nos partidos, que atrai clientes que buscam antes de tudo um projeto inusitado.

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Em alguns momentos as autoras apontam textos que o próprio arquiteto publicou na revista Módulo, criticandoos. Por exemplo, sobre seu modelo narrativo reiterativo, em que procura passar uma sensação difusa que refletiria unidade em seus projetos – contraponto a abordagem que as autoras fazem. Ou na possível resposta indireta de Niemeyer a críticos que buscavam naquele momento uma “verdade estrutural” e não a viam em obras do período definido pelas próprias autoras como Plasticismo Simbólico. Elas apontam neste que os críticos e Niemeyer estavam equivocados quanto ao conceito de “estrutura” que abordavam.

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Aliás, neste sentido, Bastos e Zein caminham para uma historiografia que aplica a divisão cronológica da arquitetura brasileira. O livro em si sumariza os capítulos por blocos temporais, classificados por décadas, o que reflete-se também na forma como apontam as etapas já citadas da carreira do arquiteto, por exemplo. Apesar de parecer brusco, as autoras abordam transições pertinentes e suavizam esses blocos impostos por datas determinadas através de exemplos sucessivos, demonstrando uma passagem mais difusa de etapa para etapa. Desta forma, não dividem, por exemplo, o capítulo “Niemeyer: do plasticismo simbólico ao partido estrutural e ao volume escultórico” marcadamente nas categorias analisadas, indicam em seu título as abordagens diferentes que veem na trajetória arquitetônica do arquiteto, abarcando uma a uma ao longo do capítulo num texto único.


Já em sua tese de dourado, Rodrigo Queiroz, professor do departamento de projetos da FAUUSP, constrói um diálogo entre Oscar Niemeyer e Le Corbusier através da relação de influencia e contra-influencia. O trecho introdutório inserido no doutorado de Queiróz foi uma opção de recorte pois não haveria como analisar a extensa obra em tão curto tempo. Nesta primeira parte, o autor aborda sucintamente como procedeu sua abordagem comparativa, cujo tema é especialmente o arquiteto em questão e sua trajetória arquitetônica. No sentido de classificar, mais sutil que Bastos&Zein, mas também num panorama temporal linear, o autor, através da busca de padrões e relações, encontra uma conversa entre as obras de Oscar e Cobusier, balizada por três encontros entre ambos: Em 1936, no Rio de Janeiro; 1947 em Nova Iorque; e 1955 em Paris, que aflorariam novas direções para os dois. Rodrigo Queiroz interpreta os procedimentos projetuais de Niemeyer e, no decorrer da tese, visa analisar com mais detalhes as influencias entre os arquitetos, comparando obras de mesmo programa (como Ronchamp e a igreja de São Francisco de Assis) ou quanto a permeabilidade de Niemeyer, sendo ele o legado deixado por Le Corbusier na arquitetura brasileira. Assim por uma questão pedagógica e talvez redutora da densa análise proposta por Queiroz nas seguintes mais de 450 páginas de sua tese, conduzira-se sucintamente aqui as fases denominadas por ele que se definem pelos diálogos entre os arquitetos.

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1. pré 1936: Niemeyer associa os códigos corbusianos com versatilidade, por exemplo na sede do Ministério da Educação e Saúde - através do térreo livre, fachada livre e terraço jardim, incorporando intervenções. Nele, Niemeyer adapta a trama da estrutura à forma do edifício, num leque; enquanto Le Corbusier, mais purista, faz dos pilares um organizador da forma. 2. pós 1936: Niemeyer pendula na obediência e transgressão em que, no Cassino da Pampulha, 1940, por exemplo, incorpora o volume puro e suspenso, mas também expõem a construção oval do salão de danças. 12

3. pós 1947: é um instante de inflexão da relação mestre/ discípulo estabelecida em 1936. A exemplo, o complexo da Pampulha ou o Museu de Caracas, que possuem caráter plástico. 4. pós 1955: Niemeyer encontra dessa vez o vetor de síntese formal do monumento, como assimilado logo em 1956, nos estudos dos palácios da nova capital. 5. rompimento com a tradição cubista: inverte a lógica corbusiana de que o volume é a concepção arquitetônica e, através da espessura de grandes planos horizontais, membranas e cascos, expõem a espessura que confere o perfil à forma, como o projeto da Universidade de Constantine, 1969.


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1. MEC, 1936, Wikimidia comons 2. Cassino da Pampulha, 1942. flickr: amblipyge 4. Palรกcio da Alvorada, 1958. rodrigo pontes 5. Universidade de Constantine, 1969. flickr: hynomos


Assim, Rodrigo classifica o conjunto das obras de Niemeyer, num percurso não usual, dando sequencia a seu mestrado que verte também sobre o arquiteto, denominado “O Desenho de um Processo: Os estudos de Oscar Niemeyer para o projeto do edifício do Congresso Nacional de Brasília”, de 2003.

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Apesar das abordagens diferentes, Queiroz e a dupla Bastos e Zein, tangenciam alguns pontos em comum, como ao tratar da plasticidade que Niemeyer encontra em determinado período, citando o Museu de Caracas e Brasília. O primeiro, no entanto, traz um diagnóstico específico a partir de seu espectro, encontrando relações e influencias corbusianas. Já as autoras, trazem comparações e análises entre as próprias obras e as soluções encontradas pelo arquiteto que são desenvolvidas ao longo do tempo. Pode-se dizer que são estudos paralelos sobre a mesma temática, olhares de pontos diferentes que as vezes convergem e noutras seguem caminhos distintos, colaterais.


O terceiro texto em questão é de Roberto Sagre, arquiteto, crítico de arquitetura e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este trecho, acessível online na página Vitruvius, compõem também o livro comemorativo “Oscar Niemeyer: 100 anos, 100 obras” com Roberto Ohtake. Em “Tipologias e liberdade plástica”, o autor começa esclarecendo o abandono de algumas normas tipológicas pelo Movimento Moderno que identificavam soluções formais fechadas, mantendo apenas a essência desses princípios. Ao não rejeitar os resquícios da tradição clássica, Niemeyer encontrou formalmente os mesmo esquemas tipológicos em soluções inéditas. Seguindo de maneira fluida, o autor demonstra sua devoção pelo arquiteto, discorrendo diferentemente dos autores analisados anteriormente, sem tentar categorizar obras ou periodizar a trajetória profissional de Niemeyer. Apesar do título expressar a padronagem de tipologias na liberdade plastica de Oscar, o textto não busca linearidades incisivamente. Correlaciona obras que adotam sistemas construtivos ou estruturais similares, mas sem uma pretensão definida em explorar classes. “Em diversos projetos, a plataforma é assumida como um elemento contínuo horizontal: na Feira Internacional do Líbano (1962); na sede da Universidade de Haifa (1964); no campus da Universidade de Constantine (1968) e no Centro Cultural Oscar Niemeyer em Goiânia (2006). Em outros casos, a esplanada assume níveis diferenciados, ao afundar-se na terra, como no Centro Cultural de Le Havre (1972); ou se compartimenta como no Memorial de América Latina em São Paulo (1986).”

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Segre, além de analisar o âmbito estrutural dos projetos, transborda metáforas sobre as obras, remetendo-as a natureza, como em: “A dimensão individual aparece na sua casa em Canoas (1953), cuja laje curvilínea que define o espaço social da residência, é uma nuvem captada do céu e inserida no claro da mata atlântica.” Ou ainda em

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“O caráter escultural dos volumes, a superação das geometrias elementares e a inspiração nas formas complexas da natureza acontecem nas assimetrias dos dois vulcões do Centro Cultural de Le Havre (1972); e na forma plástica – quase um casco animal – da cobertura do auditório da Bolsa de Trabalho de Bobigny (1972).” Essa demonstração afetuosa e parcial sobre a genialidade de Niemeyer é justificável por se tratar da obra comemorativa de um arquiteto centenário que engloba e sintetiza um período marcante e reconhecido internacionalmente, que é o Modernismo na arquitetura brasileira. Apesar de notar-se nos textos a admiração pelo arquiteto, é neste que fica mais evidente a contemplação.


Segre propõe ainda que o clímax da criatividade de Niemeyer é o conjunto monumental do sistema urbanístico formado pela Esplanada, Congresso Nacional e Praça dos Três Poderes. E indica o fracasso de Le Corbusier ao reinterpretar-lo em Chandigarh, na Índia, ou a tentativa de Wallace Harrison, em Albany, que não atingiram a iconicidade imponente de Brasília - enaltecendo mais uma vez Oscar. Assim, enquanto Segre o celebra, vê-se, por exemplo, em Bastos e Zein contraposições a colocações do arquiteto. Este discorre num texto pouco fragmentado, quase que continuo apesar de subtemas em negrito que remetem as fases elucidadas pelos outros autores - como: “A persistente racionalidade”, “Monumentalidade e dimensão urbana”, “Curvas, cascas e suportes”, mas que passam sutilmente pela leitura. Assim, distingue-se especialmente este último texto dentre os 3 analisados, por ser uma narrativa mais solta, até espontânea, por não ser tão categórica ou acadêmica, apesar de escrita também por um professor da área, mas por se encontrar numa circunstância memorativa, jornalística e tender ser cativante, ou seja parcial decididamente.

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