Exposição Correio da Manha RJ

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Maria do Carmo Rainho

Correio da Manhã uma revolução de imagens nos anos 1960

Rio de Janeiro 2018


079.81 C824

Correio da Manhã : uma revolução de imagens nos anos 1960 / [Curadoria: Maria do Carmo Rainho]. - Rio de Janeiro : Casa 12 Projetos & Edições, 2018. 80p. ; il. ; 21cm. Catálogo da Exposição “Correio da Manhã : uma revolução de imagens nos anos 1960”, realizada de 30 de outubro até 23 de dezembro de 2018, na Caixa Cultural Rio de Janeiro. ISBN : 978-85-89077-11-8 1. Correio da Manhã (jornal) – História - Exposições. 2. Fotojornalismo – Brasil – História – Exposições. 3. Imprensa – Brasil – História - Exposições. I. Rainho, Maria do Carmo.

CDD 23. ed. 079.81 Ficha catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Rutonio J. F. de Sant’Anna - CRB-7/2968


Sumário

Apresentação 5 A política em pauta 7 Pelas ruas do Rio 19 Arte e resistência 41 O Correio na copa 59

A moda e as políticas do corpo

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O marechal Henrique Lott, então candidato do PTB-PSD ao governo da Guanabara, em visita ao Correio da Manhã em agosto de 1965, é recebido por sua diretora, Niomar Moniz Sodré Bittencourt. No mês de abril daquele ano, o Correio havia publicado uma longa entrevista de Lott, que teve grande repercussão. A candidatura de Lott acabou vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral no mês de setembro. Rio de Janeiro, 11/8/1965. Fotógrafo: Erno Schneider. 4

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O jornal carioca Correio da Manhã foi um dos mais relevantes veículos brasileiros da grande

imprensa do século XX. Sua longa história (1901-1974) é marcada pela independência, por opiniões firmes e editoriais destemidos, quase sempre de oposição ao governo federal. Por sua direção passaram o fundador Edmundo Bittencourt, seu filho, Paulo Bittencourt, e, a partir de 1963, a viúva deste, Niomar Moniz Sodré Bittencourt. A despeito de ter defendido a saída do presidente João Goulart, nos editoriais “Basta” e “Fora”, de 31 de março e 1º de abril de 1964, ainda em abril daquele ano e até a transferência do controle do jornal em setembro de 1969, o Correio da Manhã pautou sua linha editorial por uma forte oposição aos governos militares. Tal postura se conformava não apenas nos textos, mas também nas fotografias que evidenciavam um olhar engajado para eventos como protestos de estudantes, passeatas, manifestações contra a censura, o fechamento do Congresso. Nas páginas dos cadernos de esportes, moda e cultura, editoriais quebravam a rigidez do padrão figurativo que vigorou por décadas na imprensa diária. O cotidiano do Rio de Janeiro, desfiles de carnaval, a Copa do Mundo de 1966, festivais da canção, espetáculos teatrais, jovens cineastas que movimentavam o eixo Rio-São Paulo, estrelas de cinema e costureiros internacionais em visita ao país, sem esquecer a adoção de modas como os biquínis e as minissaias: nada escapava aos fotógrafos do Correio da Manhã. É fundamental apontar que essa revolução de imagens se deu a partir da contratação do premiado fotógrafo Erno Schneider e da constituição de uma equipe de profissionais que se somaram àqueles que lá atuavam, como Luís Bueno Filho e Manoel Gomes da Costa. Ao ingressar no jornal, Erno conseguiu também que fossem adquiridos equipamentos modernos, como máquinas com grandes teleobjetivas; lutou para que fossem publicados os créditos das fotos, algo inédito na imprensa diária; negociou melhores salários para os fotógrafos junto à Direção e premiou aqueles que mais conseguiam publicar suas imagens na primeira página. Mais do que isso, Erno estimulou os fotógrafos a propor pautas e realizar ensaios sobre os quais, posteriormente, os jornalistas iriam escrever. Valorizou composições inovadoras, evitou ao máximo o uso de flash, apostou na oposição entre luz e contraluz, sobretudo na composição de silhuetas. E na edição das imagens, junto com Luiz Vilhena, laboratorista, obteve os melhores cortes e enquadramentos. Ao se pautar pela autonomia das imagens, Erno Schneider e sua equipe nos lembram que as fotografias vão muito além da função ilustrativa ou documental. E que elas estão vivas e em constante movimento, no limiar entre passado e presente, dialogando tanto com outras imagens que lhes são contemporâneas quanto com aquelas que as precederam. A potência dessas fotografias reside ainda no que Maurício Lissovsky qualifica como os índices de futuro que carregam: elas nos atingem ao atravessar décadas, ultrapassando o tempo da sua produção e recepção. A partir de ampla pesquisa no Arquivo Nacional, foram selecionadas imagens que registram de modo sensível, belo e inovador, alguns dos principais acontecimentos da vida pública no Brasil na década de 1960. É uma proposta inédita e uma homenagem aos fotojornalistas brasileiros, sobretudo aos que atuaram no Correio da Manhã. Para a realização do projeto contamos com o patrocínio do Programa de Ocupação dos Espaços da Caixa Cultural que, nos últimos anos, vem apostando no segmento de artes visuais, especialmente nas mostras sobre fotografia. Fundamental para a sua realização foi também o apoio da equipe da Caixa Cultural Rio. Maria do Carmo Rainho

uma revolução de imagens nos anos 1960

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Passeata contra a carestia. Cinco mil mulheres, de rosário na mão e rezando a Ave Maria, marcharam sob a escolta de 700 soldados da PM do Largo do Russel ao Palácio Laranjeiras. Rio de Janeiro, 29/4/1966. Fotógrafo: Milton Santos. Publicada em 30/4/1966. 6

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A política em pauta

No curto período de cinco anos, entre 1964 e 1969, os fotojornalistas do Correio da Manhã produziram uma vigorosa narrativa visual de oposição à ditadura militar. Por vezes explicitamente, como nas tomadas das passeatas, manifestações e prisões de estudantes. Em outros momentos, de modo sutil, como na foto de capa que exibia moradores do interior do Paraná assistindo embevecidos a uma apresentação da Esquadrilha da Fumaça, encerrando um treinamento “antiguerrilha”, conforme matéria nas páginas subsequentes. Havia espaço também para outros temas da política: passeatas de senhoras católicas contra a carestia; protestos de aeromoças da Panair na porta do Palácio Laranjeiras; embarque de soldado brasileiro da Força Interamericana de Paz; visitas de autoridades estrangeiras ao país. O recurso das páginas gráficas e grande quantidade de fotografias foi habitualmente empregado; exemplar é a cobertura da viagem do presidente francês Charles de Gaulle ao Brasil em 1964, para a qual foram destacados sete fotógrafos e foi utilizado um helicóptero. Em 1966, Castelo Branco ordenou o fechamento do Congresso Nacional. Erno Schneider, o único fotógrafo a permanecer no local, retratou a movimentação das tropas do Exército e a primeira noite dos deputados e senadores em vigília. Temendo não conseguir sair com os rolos de filmes, deixou alguns deles com a deputada Ivete Vargas do PTB (que os guardou no sutiã) e outros com o enfermeiro da Câmara. Tão logo recuperou o material, embarcou para o Rio de Janeiro e providenciou a sua publicação. Ao longo de 1968 os fotógrafos do Correio da Manhã teriam sua atuação mais destacada. Não apenas pela quantidade dos eventos que registraram, mas pela resistência que exibiram ao enfrentar o aparato repressor. Espancamentos e prisões eram comuns: Rubens Seixas foi um dos alvos preferenciais dos policiais. Luiz Pinto também sofreu violência física, Rodolpho Machado foi detido algumas vezes. A morte de Edson Luís, assassinado naquele ano pela Polícia Militar num protesto contra o fechamento do restaurante estudantil do Calabouço, recebeu uma extensa cobertura do jornal. Além de matérias e editoriais como o intitulado “Assassinato”, do dia 29 de março, em que foram utilizadas as palavras barbárie e covardia para qualificar a ação da polícia, foram publicadas inúmeras fotografias dos eventos que se seguiram à morte do estudante. No dia do seu enterro, os cinemas Império, Pathé e Odeon anunciavam os filmes “A noite dos Generais”, “À queima roupa” e “Coração de luto”. Enquanto grupos de fotógrafos faziam tomadas das manifestações na altura do bar Amarelinho, o fotógrafo Osmar Gallo captou a presença maciça de policiais em frente ao cinema Império, em imagem sensível publicada na capa do jornal. O Correio da Manhã pagou o preço da autonomia: censura; atentado a bomba à sua sede em 7 de dezembro de 1968; invasão da Redação horas após a decretação do AI-5 no dia 13 de dezembro daquele mesmo ano e prisão de jornalistas, da proprietária Niomar Moniz Sodré e dos diretores Osvaldo Peralva e Nelson Batista. Some-se a isso o boicote imposto pelos governos federal e estadual, que deixaram de publicar matérias pagas e publicidade. Aos poucos, médios e grandes anunciantes fizeram o mesmo, levando o jornal a ser arrendado a um grupo de empresários em 1969 até chegar à falência e ao fechamento em 1974. Nas imagens de política se revelam as qualidades dos fotógrafos do Correio: o desejo de experimentação e a técnica apurada se somam ao comprometimento com a informação e a coragem para produzir estes registros. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Moradores da cidade de Joaçaba pararam para assistir à exibição da Esquadrilha da Fumaça que encerrou o treinamento “antiguerrilhas”, na Operação Charrua. Joaçaba, Paraná, 10/12/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 13/12/1966. Acervo do autor. 8

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Soldados do Exército no Congresso Nacional. Brasília, 20/10/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 21/10/1966. Charles De Gaulle participa de solenidade em homenagem à Força Expedicionária Brasileira – FEB, no Monumento aos Pracinhas. Rio de Janeiro, 13/10/1964. Fotógrafo: Equipe. Publicada em 14/10/1964. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Enterro do estudante Edson Luís de Lima Souto no cemitério São João Batista, em Botafogo. Rio de Janeiro, 29/3/1968. Fotógrafo: Rubens Seixas. Policiais portando fuzis, na Cinelândia, reprimem as manifestações após o enterro do estudante Edson Luís de Lima Souto. Fotógrafo Osmar Gallo. Publicada em 29/3/2018. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Passeata na Avenida Rio Branco pela libertação do líder estudantil Wladimir Palmeira. Rio de Janeiro, 5/8/1968. Fotógrafo: Rubens Seixas. Publicada em 6/8/1968. O marechal Costa e Silva em homenagem pelo seu 64o aniversário. Naquele dia ele havia sido eleito presidente da República com 295 votos da Arena e 1 do MDB. Hotel Nacional, Brasília, 3/10/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. 12

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Policiais do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS que acompanhavam a passeata de trote aos calouros, promovida pelos estudantes da Escola Nacional de Engenharia, exigiram a retirada de cartazes considerados subversivos. Rio de Janeiro, 14/5/1966. Fotógrafo: Alberto França. O batalhão da Guarda Presidencial no Congresso Nacional, em uma das solenidades da posse do marechal Costa e Silva como presidente da República. Brasília, 15/3/1967. Fotógrafo: Equipe (Erno Schneider, Alberto França). Publicada em 16/3/1967. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Soldado se despede da mãe no embarque do Regimento Escola de Infantaria, integrante da Força Interamericana de Paz, para São Domingos, República Dominicana. Rio de Janeiro, 24/5/1965. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 25/5/1965. Acervo do autor. 14

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O Palácio dos Arcos abriu as portas para a sua primeira recepção oficial em 14/3/1967. Na cerimônia, em seu último ato como presidente, o marechal Castelo Branco assinou o decreto que mudou o nome do prédio para Palácio Itamaraty. Castelo Branco observa a escultura “Duas irmãs”, de Alfredo Ceschiatti, no Palácio dos Arcos. Brasília, 14/3/1967. Fotógrafo: Erno Schneider. 16

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O general Emílio Garrastazu Médici perfilado na frente do Congresso Nacional no dia da sua posse como presidente da República. Brasília, 30/10/1969. Fotógrafo: Paulo Reis. Publicada em 31/10/1969. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Botafogo nasce (ou morre) na praia que jรก morreu, s.d. Fotรณgrafo: George Gafner. Publicada em 30/9/1961. 18

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Pelas ruas do Rio

As páginas do Correio da Manhã com matérias sobre o Rio de Janeiro habitualmente traziam fotos que evidenciavam um olhar atento aos problemas da cidade e uma independência nas críticas aos seus governantes. Exemplar é a coluna “Gerico”, publicada a partir dos anos 1940, com registros de Luís Bueno Filho e denúncias sobre buracos nas ruas, falta de saneamento, escassez de transportes, acúmulo de lixo, entre muitas outras. Em meados da década de 1960, com a chegada de Erno Schneider e sua equipe de fotógrafos, essas reportagens ganharam outros sentidos. Segundo ele, em sua passagem pelo Jornal do Brasil, em especial na coluna “Onde o Rio é mais carioca”, foi estimulado a fazer tomadas diferentes, apurando o olhar. A sensibilidade e a delicadeza para com a cidade Erno levaria para o Correio na cobertura de temas como as enchentes e os desabrigados; o cotidiano nas favelas e as políticas de remoção dos seus moradores; a falta d’água que atingia todas as regiões; os personagens que eram a cara do Rio, como o Profeta Gentileza. As praias, especialmente as de Copacabana e Ipanema, as práticas desportivas, a sociabilidade e a estética dos seus frequentadores também estavam lá em muitas páginas gráficas e imagens criativas. O carnaval carioca era outro foco das atenções do Correio, fossem as cenas de ruas, os clóvis, os mascarados, os blocos como Cacique de Ramos e Bola Preta, fossem os desfiles de escolas de samba, passistas, baianas, ritmistas. São registros sensíveis, poéticos, que respeitam os sujeitos nas imagens e os leitores do jornal, nunca apelando para o sensacionalismo, a vulgaridade ou a violência. E que levaram um dos fotógrafos do Correio, Manoel Gomes da Costa, a ganhar o Prêmio Esso de Fotografia em 1966, com a foto “Brasil no Golfe Internacional”.

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Flagrante nas ruas de Copacabana, 9/10/1966. Fotógrafo: Fernando Pimentel. uma revolução de imagens nos anos 1960

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O pequeno músico de Copacabana, 8/11/1966. Fotógrafo: Altifício Ferreira.

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Enchente em Copacabana, 18/3/1967. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 19/3/1967. Moradores da favela da Ilha das Dragas, na Lagoa, lutam para não serem removidos pelo governador Negrão de Lima, 25/1/1969. Fotógrafo: Luiz Pinto. Publicada em 28/1/1969. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Falta de água. Morro do Cabuçu, 8/8/1969. Fotógrafo: Milton Santos. Publicada em 9/8/1969. Desabrigada pelas enchentes. Maracanã, 22/2/1967. Fotógrafo: Fernando Pimentel. Publicada em 23/2/1967. 24

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Engraxate, 18/5/1968. Fotógrafo: Rubens Seixas. Natal na cidade, s.d. Fotógrafo: George Gafner. Publicada em 21/12/1963. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Feira. Copacabana, 10/11/1966. Fotรณgrafo: Erno Schneider. Feira livre, agosto 1963. Fotรณgrafo: George Gafner. 26

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Pelada nas areias de Copacabana, s.d. Fotógrafo: George Gafner. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Frescobol em Ipanema. Rio de Janeiro, 14/11/1966. Fotรณgrafo: Fernando Pimentel. Publicada em 16/1/1968. A hora e a vez de Ipanema, 14/11/1966. Fotรณgrafo: Erno Schneider. Publicada em 14/4/1967. 28

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Frescobol, s.d. Fotógrafo: George Gafner. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Turistas. Copacabana, 14/11/1964. Fotógrafo: João Mendes. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Carlinhos, pandeiro de ouro, 19/2/1969. Fotรณgrafo: Luiz Pinto. Publicada em 20/2/1969. 32

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A pequena foliã e o menino que busca água, sem tempo para fantasias. “Buraco Quente”, Mangueira, 6/1/1965. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 28/2/1965. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Juracy, integrante da ala das baianas da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Fotógrafo não identificado. Publicada em 9/2/1961. 34

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Vera Viana no carnaval do hotel Copacabana Palace, s.d. Fotógrafo: Altifício Ferreira. Publicada em 24/2/1966. 36

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Escola de samba desfila no domingo de carnaval, 20/2/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 24/2/1966. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Desfile do bloco Cacique de Ramos, s.d. Fotรณgrafo: Erno Schneider. Publicada em 24/2/1966. 38

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O bloco Bafo da Onça, 3/3/1965. Fotógrafo: Erno Schneider. uma revolução de imagens nos anos 1960

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A atriz Brigitte Bardot em visita ao Brasil. Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, 10/1/1964. Fotรณgrafo: Milton Santos. Publicada em 11/1/1964. 40

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Arte e resistência

Na década de 1950 o jornalismo cultural já ocupava um espaço considerável no Correio da Manhã, levando o jornal, em agosto de 1959, a agrupar no segundo caderno os lançamentos de livros e atividades literárias; as informações relativas às exposições de arte e vernissages; os ensaios e críticas de música, teatro, cinema e literatura; as matérias sobre rádio, televisão, moda; e a agenda cultural. A densidade de ensaios, críticas e notícias de cultura se coadunava com a relevância que o casal Paulo e Niomar Bittencourt dispensava às artes. Paulo transitava bem entre o popular e o erudito e tinha entre seus amigos próximos o músico Pixinguinha. Niomar, por sua vez, empreendera uma batalha pela criação do Museu de Arte Moderna, consumada em 1948 no Rio de Janeiro, e foi sua diretora executiva na década seguinte, cuidando da ampliação do acervo e do convite ao arquiteto Affonso Eduardo Reidy para a construção da nova sede do MAM no Aterro do Flamengo. Pelo segundo caderno do Correio passaram, nos anos 1960, nomes como Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, José Louzeiro, José Lino Grünewald, Sérgio Augusto, Jayme Maurício e o seu “Itinerário das artes plásticas”, Arthur José Poerner, Antônio Moniz Vianna, comandando a crítica de cinema, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Paulo Perdigão, Germana de Lamare, Van Jafa, Paulo Francis, Ruy Castro, Mauro Ivan, Fuad Atala, entre muitos outros. Foi também no caderno de cultura que Carlos Heitor Cony em sua coluna “Da arte de falar mal” confrontou a ditadura militar em textos como ‘A revolução dos caranguejos’, de 14 de abril de 1964. A efervescência cultural dos anos 1960, em todas as suas manifestações e intensidades, teve espaço garantido não apenas em textos, mas também em imagens. E se a preocupação com a estética sempre pautou os registros relacionados aos temas da cultura, a partir de meados da década assistiu-se também a uma publicação mais intensiva de fotografias. O recurso das páginas gráficas, empregado sobretudo para as matérias sobre teatro, festivais da canção, novos músicos e entrevistas tornou-se uma constante no Correio, além da diminuição do uso de fotografias de divulgação em detrimento de material produzido pelo próprio jornal.

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A atriz Leila Diniz desfila na Avenida Rio Branco, anunciando uma atração do Programa Flávio Cavalcanti. Rio de Janeiro, 22/10/1970. Fotógrafo: Milton Santos. Publicada em 24/10/1970. 42

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Domingos de Oliveira, ator e cineasta. Rio de Janeiro, 20/1/1968. Fotógrafo: Rodolpho Machado. Publicada em 3/2/1968. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Visita ao Museu de Arte Moderna. Rio de Janeiro, 16/9/1968. Fotรณgrafo: Milton Santos. 44

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O diretor de cinema Cacá Diegues. Rio de Janeiro, 19/8/1969. Fotógrafo: Adalberto. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Cena da peça Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda, com direção de José Celso Martinez Correa. Teatro Princesa Isabel, Rio de Janeiro, 21/1/1968. Fotógrafo: Rodolpho Machado. Cena da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez Correa. S.l., s.d. Fotógrafo: Manoel Gomes da Costa. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Almoço realizado pelo ministro Magalhães Pinto para a classe teatral a fim de debater a divulgação do teatro brasileiro no exterior. Presentes os escritores Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa. Palácio Itamaraty, Rio de Janeiro, 26/4/1967. Fotógrafo: Antônio Andrade. Publicada em 27/4/1967. 48

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Clarice Lispector e Tom Jobim no lançamento do livro A maçã no escuro. Rio de Janeiro, 1961. Fotógrafo: George Gafner. uma revolução de imagens nos anos 1960

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A escritora Maria Carolina de Jesus, autora de O quarto de despejo, à beira do rio Tietê. São Paulo, s.d. Fotógrafo: não identificado. Publicada em 2/8/1960. 50

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Clementina de Jesus. Rio de Janeiro, s.d. Fotógrafo: George Gafner. Publicada em 6 /2/1966. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Caetano Veloso canta Alegria, Alegria, no II Festival da Música Popular Brasileira. São Paulo, 21/10/1967. Fotógrafo: Morales. 52

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Os Mutantes apresentam a música Caminhante noturno no III Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho. Rio de Janeiro, 30/9/1968. Fotógrafo: Erno Schneider. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Tom Jobim e Chico Buarque, vencedores do III Festival Internacional da Canção com a música Sabiá. Maracanãzinho, Rio de Janeiro, 8/10/1968. Fotógrafo: Equipe. 54

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Geraldo Vandré canta Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando) no III Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho. Rio de Janeiro, 30/9/1968. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 1/10/1968. uma revolução de imagens nos anos 1960

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O cantor Wilson Simonal no IV Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho. Rio de Janeiro, 6/10/1969. Fotógrafos: Gilmar Santos e Adalberto. Publicada em 11/10/1969. 56

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Elis Regina no III Festival Internacional da Canção. Rio de Janeiro, 8/10/1968. Fotógrafo: Equipe. Paulinho da Viola em ensaio com Martinho da Vila. Rio de Janeiro, 13/10/1970. Fotógrafo: Gilmar Santos. Publicada em 16/10/1970. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Garrincha no amistoso Brasil x País de Gales. Maracanã, Rio de Janeiro, 14/5/1966. Fotógrafo: Fernando Pimentel. 58

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O Correio na Copa

A Copa do Mundo de Futebol de 1966, sediada na Inglaterra, foi a primeira em que o Correio da Manhã contou com um fotógrafo exclusivo: Erno Schneider. Nas Copas anteriores realizadas no exterior, as matérias eram acompanhadas de imagens de agências internacionais. Graças ao patrocínio do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, em 1966 o jornal conseguiu manter na Inglaterra uma equipe de seis pessoas. Além de Erno, Nilo Dante, então secretário de redação do jornal e coordenador do grupo; Achilles Chirol, comentarista; e os jornalistas Lúcio Lacombe, Raul Pragana e Janós Lengyel. Dante tinha, entre suas funções, a de encontrar diariamente nos aeroportos passageiros a caminho do Brasil que se dispusessem a transportar o material fotográfico a ser publicado. Nos meses que precederam a Copa, Schneider e Fernando Pimentel fizeram no Brasil inúmeras fotografias dos jogos amistosos, exames médicos e treinos nas cidades de Lambari, Caxambu, Teresópolis e Serra Negra. Em junho de 1966, Erno seguiu com a seleção por Madri, Glasgow, Gotemburgo, Estocolmo e Malmoe, locais onde ela jogou partidas preparatórias até chegar à Inglaterra. Se a seleção em campo não rendeu o esperado – e o tricampeonato acabou sendo conquistado apenas no México em 1970 – ao menos possibilitou uma série de registros plasticamente impecáveis em belas jogadas de ataque, disputas acirradas, faltas perigosas. Ressalte-se que fotos de futebol não são das mais fáceis, exigindo atenção e, sobretudo, capacidade de antecipação dos fotógrafos. Estes exploraram também o carisma de jogadores como Pelé e Garrincha e a atenção a eles dispensada pelos torcedores. Parte desse conjunto extensivo de imagens acabou publicada em ensaios e páginas gráficas, antes ainda da viagem para a Europa e ao longo desta. Vale registrar, finalmente, as tomadas do encontro entre o rei do futebol e a rainha da Inglaterra após um jogo realizado no Maracanã, uma das muitas homenagens à monarca em sua viagem ao país em 1968, da qual selecionamos uma fotografia.

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Tostão, autor de dois gols na vitória do Brasil contra a Suécia, em partida preparatória para a Copa do Mundo de 1966. Gotemburgo, Suécia, 30/6/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. 60

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Pelé no amistoso Brasil X Suécia. Gotemburgo, Suécia, 30/6/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 3/7/1966. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Pelé no jogo Brasil X Alemanha. Maracanã, Rio de Janeiro, 6/6/1965. Fotógrafo: Equipe. 62

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O jogador Paraná no amistoso Brasil X Suécia. Gotemburgo, Suécia,30/6/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Publicada em 3/7/1966. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Garrincha e os pequenos fãs na concentração em Lambari, Minas Gerais, 16/4/1966. Fotógrafo: Fernando Pimentel. Publicada em 17/4/1966. 64

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Pelé em treino da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1966. Inglaterra, 14/7/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Inglaterra campeã da Copa do Mundo de Futebol. Estacionamento do estádio de Wembley, Londres, 1/8/1966. Fotógrafo: Erno Schneider. 66

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Pelé com a taça recebida após a vitória dos paulistas contra os cariocas no jogo em homenagem à rainha Elizabeth no Maracanã. Rio de Janeiro, 10/11/1968. Fotógrafo: Rodolpho Machado. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Candidatas ao título de Rainha e Princesa do IV Centenário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 11/2/1965. Fotógrafo: Manoel Gomes da Costa. Publicada em 12/2/1965. 68

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A moda e as políticas do corpo

Nenhuma época foi tão especial em matéria de moda como a década de 1960. Os cânones da elegância e do bom gosto foram questionados pelas roupas produzidas por jovens criadores, oriundos das camadas médias e sem vinculação com a alta costura, como Mary Quant. Conservadores de todo o mundo se chocaram com as minissaias. A duras penas, mulheres adotaram as calças compridas em universidades e locais de trabalho. Os homens, aos poucos, passaram a usar os cabelos longos e roupas coloridas e estampadas. Era o unissex. Biquínis menores e a sugestão de topless, sob a forma do monoquíni, evidenciavam mudanças profundas na relação dos sujeitos com seus corpos. Não nos esqueçamos, aliás, do surgimento da pílula. E assim como a alta costura não era mais o farol que guiava a moda, Paris não era mais o seu centro; cabia a Londres esse lugar. A ruptura com os tradicionais padrões de figuração nas fotografias de moda tornou-se, portanto, urgente: novos modelos de roupas, destinados aos jovens, exigiam gestos largos, pernas e braços abertos, movimentos que pontuassem a ideia de dinamismo, uma ampla exposição do corpo. Na segunda metade dos anos 1960 os editoriais de moda do Correio da Manhã são um dos vetores da valorização da fotografia pelo jornal: alguns deles apresentam de seis a oito imagens, páginas duplas, legendas e textos curtos. Uma parte considerável de seus fotógrafos atua na produção desses registros, como Adalberto França, Antônio Andrade, Fernando Pimentel, Gilmar Santos, Manoel Gomes da Costa, Milton Santos, Osmar Gallo, Rodolpho Machado, Sebastião Marinho, além de Erno Schneider, ainda que este bissextamente. Após a saída de Erno e sua equipe, em 1969, o caderno Feminino foi dos poucos espaços do jornal a manter a face experimental da fotografia, o que se revela nas imagens de Pedro de Moraes, Jacques Avadis e Antônio Guerreiro.

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Desfile do costureiro Rudi Gernreich na Feira Nacional da Indústria Têxtil - FENIT. O criador do monoquíni, item de moda praia que deixava os seios totalmente à mostra, afirmava, então, que a mulher estava caminhando para a nudez quase completa. O modelo apresentado no desfile no Brasil, contudo, foi adaptado de modo a cobrir o busto. São Paulo, 21/8/1967. Fotógrafo: Antônio Andrade. Publicada em 22/8/1967. 70

Correio da Manhã


Paco Rabane e manequins vestindo suas roupas em metal na Feira Nacional da Indústria Têxtil - FENIT. São Paulo, 21/8/1967. Fotógrafo: Antônio Andrade. Publicada em 22/8/1967. uma revolução de imagens nos anos 1960

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As modelos de Pierre Cardin exibem vestidos em linhas geométricas e meias de renda. Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, 9/3/1966. Fotógrafo: Fernando Pimentel. Publicada em 10/3/1966. 72

Correio da Manhã


Hiroko, manequim de Pierre Cardin. Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, 9/3/1966. Fotógrafo: Fernando Pimentel. Publicada em 10/3/1966. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Em sua viagem acompanhando a seleção brasileira de futebol, antes da Copa do Mundo realizada na Inglaterra, Erno Schneider clicou diversas jovens pelas ruas das cidades suecas usando minissaias. Algumas dessas imagens foram publicadas na matéria “Minissaia já correu em maratona”, uma das primeiras do jornal a tratar do tema. Estocolmo, junho de 1966. Fotógrafo: Erno Schneider. Acervo do autor. 74

Correio da Manhã


Vera Barreto Leite e Norberto no editorial “Qual é o pente que te penteia”, 3/10/1969. Fotógrafo: Jacques Avadis. Publicada em 5/10/1969. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Gilles Jacquard no editorial “Moda à nossa moda”, com roupas da butique carioca Aniki Bobó. Rio de Janeiro, 6/11/1969. Fotógrafo: Paulo Azevedo. Publicada em 9/11/1969. 76

Correio da Manhã


As modelos Regina e Suzete no editorial “Moda marota”. Rio de Janeiro, 18/11/1969. Fotógrafo: Pedro de Moraes. Publicada em 23/11/1969. uma revolução de imagens nos anos 1960

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Projeto CASA 12 PROJETOS & EDIÇÕES Curadoria, pesquisa iconográfica e textos Maria do Carmo Rainho Projeto Expográfico Marcus Handofsky Revisão de textos Dora Rocha Programação Visual Moema Mariani Marcus Handofsky Iluminação Milton Giglio/ATELIER DA LUZ Produção Gráfica e Montagem Rodrigo Pinilla/VETOR COMUNICAÇÃO VISUAL Produção Executiva CASA 12 PROJETOS & EDIÇÕES Assistência de Produção Isabel Valle/BAMBUAL Divulgação/Fotografia Aline Borba/SEVEN STAR Leonardo Mattos/PARADIGMA PRODUÇÕES CULTURAIS Impressão catálogo Stamppa Grupo Gráfico Agradecimentos Ana Maria Mauad (Laboratório de História Oral e Imagem | LABHOI - UFF) Aziz Ahmed Bertholdo De Castro Erno Schneider Fuad Atala Luiz Carlos De Souza Mariana Handofsky Nilo Dante Osmar Gallo Pery Cotta Ruy Castro Acervo Iconográfico ARQUIVO NACIONAL Acervo Hemerográfico FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL Patrocínio Caixa e Governo Federal

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CAIXA Cultural Rio de Janeiro Av. Almirante Barroso, 25, Centro

Instagram: @caixaculturalrj Curta facebook.com/CaixaCulturalRiodeJaneiro Acesse www.caixacultural.gov.br

Alvará de funcionamento da CAIXA Cultural RJ no 041667, de 31/03/2009, sem vencimento

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