Apˆ endice A Distribui¸c˜ ao de Boltzmann da energia A Mecˆ anica Estat´ıstica ´e uma a´rea da F´ısica que utiliza m´etodos estat´ısticos em uma teoria cin´etica para a´tomos e mol´eculas a fim de explicar propriedades macrosc´opicas da mat´eria. Por exemplo, ´e um teorema da Mecˆanica Estat´ıstica que o valor m´edio da energia cin´etica das mol´eculas de um g´as a temperatura T ´e 21 kB T (para cada grau de liberdade)1 . Um exemplo vai nos conduzir a um dos mais importantes resultados da f´ısica, conhecido como distribui¸ca ˜o de Boltzmann, que relaciona a Termodinˆamica com a Mecˆanica Estat´ıstica: Nos concentremos na distribui¸ca˜o das mol´eculas na nossa atmosfera, desconsideremos os ventos e suponhamos que ela est´a em equil´ıbrio t´ermico a temperatura T . Se N ´e o n´ umero total de mol´eculas em um volume V do g´as a press˜ao P , ent˜ao P V = N RT , ou P = nkB T , onde n = N/V ´e o n´ umero de mol´eculas por unidade de volume. Como a temperatura ´e constante, a press˜ao ser´a proporcional a` densidade. Vamos agora buscar a varia¸ca˜o de densidade em fun¸ca˜o da altitude na atmosfera. Se tomamos uma unidade de a´rea a uma altura h, ent˜ao a for¸ca vertical sobre a a´rea ´e a press˜ao P . Como o sistema est´a em equil´ıbrio, as for¸cas sobre as mol´eculas devem ser balanceadas, ou seja, a for¸ca resultante sobre cada uma deve ser nula, ent˜ao se tomamos uma camada de espessura h + dh, a press˜ao exercida na a´rea inferior da camada deve exceder a press˜ao sobre a a´rea de cima da camada de forma a balancear com o peso (a Fig. 62 ilustra a situa¸ca˜o). 1
T em Kelvin, kB = 1, 38 × 10−23 J/K ´e a constante de Boltzmann.
191
192
A Distribui¸ca˜o de Boltzmann da energia g h + dh
FIGURA 62 - A press˜ao sobre uma camada h + dh deve ser tal a balancear o peso. mg ´e a for¸ca da gravidade em cada mol´ecula, n dh ´e o n´ umero total de mol´eculas na se¸ca˜o de a´rea unit´aria. Da´ı temos a equa¸ca˜o diferencial de equil´ıbrio Ph+dh − Ph = dP = −mgn dh . (A.1) Como P = nkB T e T ´e constante, podemos eliminar P e ficar com uma equa¸ca˜o para n dn mg =− n. (A.2) dh kB T A solu¸ca˜o dessa equa¸ca˜o diferencial nos fala como a densidade varia em fun¸ca˜o da altura na nossa atmosfera idealizada n = n0 e−mgh/kB T ,
n0 ´e a densidade a h = 0 .
(A.3)
Na Fig. 63 vemos o gr´afico da densidade de part´ıculas em fun¸ca˜o da altura.
densidade, n (×1025 atomos/m3 )
2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0
0
10
20 30 altura, h (km)
40
50
FIGURA 63 - Densidade de a´tomos n em fun¸ca˜o da altura h. Com n0 = 2, 4 × 1025 atomos/m3 , T = 300 K, g = 10 m/s2 , m = 5, 3 × 10−26 Kg, massa do O2 . ´ interessante notar que o numerador do expoente da Eq. (A.3) ´e a energia E
193 potencial de cada a´tomo, ent˜ao a densidade em cada ponto ´e proporcional a e− /kB T ,
(A.4)
onde ´e a energia potencial de cada a´tomo. Vamos supor agora que h´a outras for¸cas agindo nos a´tomos, por exemplo que elas sejam carregadas e estejam sob a influˆencia de um campo el´etrico, ou que haja atra¸ca˜o entre elas. Supondo que haja apenas um tipo de mol´ecula, a for¸ca em uma pequena por¸ca˜o de g´as ser´a a for¸ca sobre uma mol´ecula vezes o n´ umero de mol´eculas na por¸ca˜o. Por simplicidade vamos pensar que a for¸ca age na dire¸ca˜o x. Da mesma forma do problema da atmosfera, se tomamos dois planos paralelos no g´as separados por uma distˆancia dx, ent˜ao a for¸ca sobre cada a´tomo vezes a densidade n vezes dx deve ser balanceada pela diferen¸ca de press˜ao, ou seja, F n dx = dP = kB T dn .
(A.5)
Lembrando que dW = −F dx ´e o trabalho feito sobre uma mol´ecula ao “lev´ala� de x at´e x + dx, e que o trabalho realizado ´e igual a` diferen¸ca de energia potencial2 , U , ou seja dU = −F dx, obtemos da Eq. (A.5) que dn dU =− , n kB T
(A.6)
que pode ser facilmente integrada e resulta n = n0 e−U/kB T ,
(A.7)
onde U ´e a varia¸ca˜o de energia entre o estado final e o inicial. Au ´ ltima express˜ao ´e conhecida como Lei de Boltzmann e pode ser traduzida da seguinte forma: a probabilidade de encontrar mol´eculas em uma dada configura¸ca˜o espacial ´e tanto menor quanto maior for a energia dessa configura¸ca˜o a uma dada temperatura. Tal probabilidade diminui exponencialmente com a energia divida por kB T .
2
Com a condi¸ca ˜o que F seja deriv´ avel de um potencial.
Apˆ endice B Deriva¸c˜ ao cl´ assica da radia¸c˜ ao de corpo negro A radiˆancia de um corpo negro est´a associada diretamente a` energia das ondas eletromagn´eticas na cavidade. Vamos ent˜ao calcular quanta energia por unidade de volume existe dentro da cavidade. O c´alculo envolve contabilizar o n´ umero de ondas eletromagn´eticas que podem estar na cavidade, al´em do c´alculo da energia m´edia que elas transportam. Consideremos uma cavidade c´ ubica de lado L, por simplicidade, com um dos v´ertices em (0, 0, 0). A equa¸ca˜o de onda obedecida por uma das componentes de uma onda eletromagn´etica no v´acuo ´e ∂2F ∂2F ∂2F 1 ∂2F + + = . ∂x2 ∂y 2 ∂z 2 c2 ∂t2
(B.1)
F = F (x, y, z, t) representa alguma das componentes dos campos el´etrico ou magn´etico oscilantes e c ´e a velocidade da luz. Uma maneira conveniente de escrever a solu¸ca˜o dessa equa¸ca˜o ´e a seguinte: F (x, y, z, t) = C sen(k1 x) sen(k2 y) sen(k3 z) sen(ωt),
(B.2)
onde C ´e uma constante arbitr´aria. O campo el´etrico deve se anular nas paredes do cubo, ou seja, em x = y = z = 0 e x = y = z = L. Dessa forma, as constantes k1 , k2 e k3 devem obedecer a`s rela¸co˜es n2 π n3 π n1 π ; k2 = ; k3 = , (B.3) k1 = L L L onde n1 , n2 e n3 s˜ao inteiros positivos. A freq¨ uˆencia angular ω pode ser escrita como 2πc ω= , λ 194
195 onde λ ´e o comprimento da onda. Assim, uma solu¸ca˜o de onda que obedece a`s condi¸co˜es de contorno ser´a n πx n πy n πz 2πct 1 2 3 F (x, y, z, t) = C sen sen sen sen . (B.4) L L L λ Esta ´e a equa¸ca˜o para uma onda estacion´ aria dentro do cubo. Podemos imediatamente deduzir a rela¸ca˜o entre o comprimento de onda e o tamanho da aresta L do cubo, substituindo a equa¸ca˜o acima na equa¸ca˜o de onda. Obtemos n π 2 n π 2 n π 2 2π 2 1 2 3 + + = , L L L λ ou, 4L2 (B.5) n21 + n22 + n23 = 2 . λ Vamos ent˜ao contar o n´ umero de ondas estacion´arias na cavidade. Consideremos um sistema de coordenadas num espa¸co vetorial de 3 dimens˜oes, onde as componentes s˜ao n´ umeros inteiros (n1 , n2 , n3 ). n1 (n1 , n2 , n3 ) n2
n3 O volume de uma esfera nesse espa¸co seria o n´ umero total de modos, se os valores de n1 , n2 e n3 pudessem ser negativos. Como somente n´ umeros positivos s˜ao permitidos, dividiremos o volume da esfera por 8. Al´em disso, devemos levar em conta que existe um grau de liberdade adicional corre~ e B. ~ As duas orienta¸co˜es spondente a` orienta¸ca˜o relativa entre os vetores E poss´ıveis correspondem a`s duas polariza¸co ˜es da radia¸ca ˜o. ~ B
~ E
~ B
~k
~ E
~k
196
B Deriva¸ca˜o cl´assica da radia¸ca˜o de corpo negro n=1 n=2
L n=3
FIGURA 64 - Modos de onda estacion´aria dentro da cavidade. EntËœao, contabilizando isto tamb´em, vemos que o n´ umero de ondas estacion´arias no espa¸co n ´e 1 4 Ă— 2 Ă— Ď€(n21 + n22 + n23 )3/2 8 3 Ď€ 2 = (n1 + n22 + n23 )3/2 . 3
N=
(B.6)
Podemos escrever N em termos do comprimento de onda, usando a expressËœao (B.5), da seguinte forma: 8Ď€L3 N= . (B.7) 3Îť3 O n´ umero de modos por unidade de comprimento de onda ´e obtido calculando dN/dÎť, ou seja, −
dN 8Ď€L3 = dÎť Îť4
⇒
−
1 dN 8Ď€ = 4, 3 L dÎť Îť
(B.8)
que corresponde ao n´ umero de modos da cavidade por unidade de comprimento de onda e de volume. Para encontrar a energia m´edia de cada onda por unidade de volume e por unidade de comprimento de onda, devemos multiplicar a expressËœao anterior por uma energia m´edia h i. Sabemos que a energia carregada por uma onda eletromagn´etica ´e independente do comprimento de onda; depende apenas da intensidade (amplitude) da onda. Ap´os essa considera¸caËœo, podemos escrever a expressËœao para a energia (E) por unidade de volume (L3 ), ou seja, a densidade de energia, u, por comprimento de onda, da seguinte forma 1 dE 1 dN 8Ď€ du = 3 = −h i 3 = 4 h i . dÎť L dÎť L dÎť Îť
(B.9)
Para fazer contato com os dados experimentais, vamos relacionar a energia dentro do volume da cavidade a` potˆencia por unidade de a´rea irradiada
197
∆A ∆x FIGURA 65 - Radia¸ca˜o com incidˆencia normal – vis˜ao em perspectiva de uma das paredes da cavidade. ∆A0 θ ∆A
θ
FIGURA 66 - Radia¸ca˜o com incidˆencia obl´ıqua – corte transversal. pela superf´ıcie da cavidade. Consideremos, ent˜ao, uma pequena a´rea ∆A da cavidade c´ ubica (figura 65). Vamos, inicialmente, por simplicidade, supor ainda que toda incidˆencia ´e normal e, depois, generalizamos para qualquer aˆngulo de incidˆencia. Nesse caso, o tempo que a radia¸ca˜o leva para percorrer a cavidade ´e ∆x . (B.10) ∆t = c A quantidade de energia por unidade de comprimento de onda no volume ∆A ∆x est´a relacionada a` radiˆancia1 por unidade de comprimento da onda, ou seja, dE dR dR 2∆x ∆A =2 ∆t ∆A = , (B.11) dλ dλ dλ c onde o fator 2 leva em conta o fato de que apenas metade da radia¸ca˜o na dire¸ca˜o x incide sobre a a´rea ∆A – a outra metade viaja no sentido contr´ario, e incide na parede oposta. Portanto, se toda radia¸ca˜o atingisse a parede a 90◦ , ter´ıamos dR c dE du c = = . (B.12) dλ dλ 2∆x ∆A dλ 2 E se a incidˆencia n˜ao for normal? Na figura 66 vemos que a a´rea ∆A0 , que 1
Recorde que a defini¸ca ˜o de radiˆ ancia ´e potˆencia por unidade de a ´rea, ou seja, energia por tempo por a ´rea.
198
B Deriva¸ca˜o cl´assica da radia¸ca˜o de corpo negro
recebe a mesma quantidade de radia¸ca˜o, ser´a maior do que ∆A por um fator que depende do aˆngulo de incidˆencia, isto ´e, ∆A . cos θ Neste caso, teremos para a potˆencia irradiada, ∆A0 =
dR 1 dE = , 0 dÎť dÎť 2∆t ∆A0
(B.13)
(B.14)
onde agora ∆t0 ´e dado por
∆x , (B.15) c cos θ que ´e o tempo necess´ario para se percorrer a distˆancia de uma parede a` outra da cavidade – veja que, como a radia¸caËœo tem incidˆencia obl´Ĺqua, o caminho percorrido ser´a ∆x0 = ∆x/ cos θ. Incluindo esses ingredientes na expressËœao (B.14), e tomando uma m´edia sobre os aˆngulos, vem ∆t0 =
c 12 dR dE c hcos2 θi dE du c = = = dÎť dÎť 2∆x ∆A dÎť 2∆x ∆A dÎť 4 2Ď€c = 4 h i . Îť
(B.16)
Quanto vale h i, a energia m´edia carregada por cada onda? As ondas carregam a energia proveniente da emissËœao do material, cujas cargas, ao serem aceleradas pela radia¸caËœo eletromagn´etica, irËœao irradiar. Devido a` quase que total independˆencia entre os resultados emp´Ĺricos e as caracter´Ĺsticas espec´Ĺficas da cavidade, podemos fazer um modelo simples para calcular a energia m´edia h i. Vamos supor que a mat´eria na cavidade seja composta por osciladores harmˆonicos carregados, e, tratando-se se um sistema relativamente simples (oscilador + radia¸caËœo), podemos relacionar h i com a temperatura, atrav´es dos procedimentos usuais da Mecˆanica Estat´Ĺstica. Classicamente, uma cole¸caËœo de osciladores se distribui em energia , a` temperatura T , com uma densidade de probabilidade de Boltzmann dada por 1 − /kT e . (B.17) Z A constante de normaliza¸caËœo, Z, conhecida em Mecˆanica Estat´Ĺstica como fun¸ca Ëœo parti¸ca Ëœo, pode ser calculada imediatamente, lembrando-se que a probabilidade de se encontrar um oscilador com qualquer energia ´e 1. Isto se traduz da seguinte forma: Z ∞ Z 1 ∞ − /kT p( ) d = e d = 1 Z 0 0 p( ) =
199 e portanto, Z=
Z
∞
e− /kT d = kT.
(B.18)
0
Ent˜ao, a energia m´edia ´e obtida imediatamente, por Z ∞ Z ∞ 1 e− /kT d p( ) d = h i = kT 0 0 = kT .
(B.19)
Finalmente, obtemos a equa¸caËœo cl´assica para a distribui¸caËœo da radia¸caËœo de uma cavidade: dR 2Ď€c = 4 kT . dÎť Îť
(F´ormula de Rayleigh-Jeans)
(B.20)