REVISTA
CNT CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE | ANO IX | NÚMERO 101 | NOVEMBRO 2003
UM
RETRATO
BRASIL
DO
PESQUISA RODOVIÁRIA REVELA: MAIS DE 80% DAS ESTRADAS DO PAÍS ESTÃO EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS
Aplicar anĂşnci Sest/Senat 10 a das pĂĄginas 2 e
io institucional anos, o mesmo e 3 da edição 99
CNT Confederação Nacional do Transporte PRESIDENTE Clésio Andrade
DIRETORIA SEÇÃO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS
PRESIDENTE DE HONRA Thiers Fattori Costa VICE-PRESIDENTES SEÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS
Newton Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO
Meton Soares Júnior SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
Benedicto Dario Ferraz SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS
José Fioravanti PRESIDENTES E VICE-PRESIDENTES DE SEÇÃO SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
Otávio Vieira da Cunha Filho e Ilso Pedro Menta SEÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS
Flávio Benatti e Antônio Pereira de Siqueira SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS
José da Fonseca Lopes e Mariano Costa SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO
Elmar José Braun e Renato Cézar Ferreira Bittencourt SEÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO
Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira e Nélio Celso Carneiro Tavares
Denisar de Almeida Arneiro, Eduardo Ferreira Rebuzzi, Francisco Pelucio, Irani Bertolini, Jésu Ignácio de Araújo, Jorge Marques Trilha, Oswaldo Dias de Castro, Romeu Natal Pazan, Romeu Nerci Luft, Tânia Drumond, Augusto Dalçoquio Neto, Valmor Weiss, Paulo Vicente Caleffi e José Hélio Fernandes SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
Aylmer Chieppe, Alfredo José Bezerra Leite, Narciso Gonçalves dos Santos, José Augusto Pinheiro, Marcus Vinícius Gravina, Oscar Conte, Tarcísio Schettino Ribeiro, Marco Antônio Gulin, Eudo Laranjeiras Costa, Antônio Carlos Melgaço Knitell, Abrão Abdo Izacc, João de Campos Palma, Francisco Saldanha Bezerra e Jerson Antonio Picoli SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS
Edgar Ferreira de Sousa, José Alexandrino Ferreira Neto, José Percides Rodrigues, Luiz Maldonado Marthos, Sandoval Geraldino dos Santos, José Veronez, Waldemar Stimamilio, André Luiz Costa, Armando Brocco, Heraldo Gomes Andrade, Claudinei Natal Pelegrini, Getúlio Vargas de Moura Braatz, Celso Fernandes Neto e Neirman Moreira da Silva
SEÇÃO DO TRANSPORTE AÉREO
SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO
Constantino Oliveira Júnior e Wolner José Pereira de Aguiar
Cláudio Roberto Fernandes Decourt, Antônio Carlos Rodrigues Branco, Luiz Rebelo Neto, Moacyr Bonelli, Alcy Hagge Cavalcante, Carlos Affonso Cerveira, Marcelino José Lobato Nascimento, Maurício Möckel Paschoal, Milton Ferreira Tito, Silvio Vasco Campos Jorge, Cláudio Martins Marote, Jorge Leônidas Pinho, Ronaldo Mattos de Oliveira Lima e Bruno Bastos
CONSELHO FISCAL Waldemar Araújo, David Lopes de Oliveira, Ernesto Antonio Calassi, Éder Dal’Lago, René Adão Alves Pinto, Getúlio Vargas de Moura Braatz, Robert Cyrill Higgin e José Hélio Fernandes
Revista CNT CONSELHO EDITORIAL Bernardino Rios Pim, Etevaldo Dias, Lucimar Coutinho, Maria Tereza Pantoja e Sidney Batalha
EDITORES RESPONSÁVEIS
Marcelo Fontana • (11) 5096-8104 marcelofontana@otmeditora.com.br Rua Monteiro Lobato, 123 • sala 101 CEP 31.310-530 • Belo Horizonte MG
Ricardo Ballarine • ricardo@revistacnt.com.br Antonio Seara (Arte) • seara@revistacnt.com.br
TELEFONES
REPÓRTERES
E-MAILS
Eulene Hemétrio e Rodrigo Rievers
revistacnt@revistacnt.com.br revistacnt@uol.com.br
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
(31) 3498-2931 e (31) 3498-3694 (Fax)
Ana Cristina D’Angelo, Luciene Ferreira, Marília Mendonça, Rogério Maurício e Zulmira Furbino
NA INTERNET
FOTOGRAFIA
ASSINATURAS
Paulo Fonseca e Futura Press
0800 78 2891
INFOGRAFIA
ATUALIZE SEU ENDEREÇO
Agência Graffo • (31) 3378-7145 • www.graffo.inf.br
atualizacao@cnt.org.br
www.cnt.org.br
DIAGRAMAÇÃO E PAGINAÇÃO PRODUÇÃO
Publicação mensal da CNT, registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal sob o número 053, editada sob responsabilidade da AC&S Comunicação.
Rafael Melgaço Alvim • rafael@revistacnt.com.br Sandra Carvalho • foto@revistacnt.com.br
IMPRESSÃO WEB Editora TIRAGEM 40 mil exemplares
Antonio Dias e Wanderson F. Dias
A soja é um dos principais produtos do Brasil. Reportagem disseca a produção e dá dicas sobre consumo
52 HIDROVIAS País rico em extensão de águas navegáveis, o Brasil não aproveita seus recursos de forma viável e econômica
PUBLICIDADE
ENDEREÇO
REDAÇÃO
CARGA DE OURO
44 ADEUS AO SUCATÃO O avião presidencial prepara sua despedida. O governo estaria acertando a compra de uma nova aeronave
40
REVISTA
CNT ANO IX | NÚMERO 101 | NOVEMBRO 2003
8
CAOS AMPLIADO
36
POLÊMICA AÉREA
A Pesquisa Rodoviária 2003 aponta que a situação das estradas piorou no último ano. Mais de 80% dos trechos analisados estão em condições precárias de uso
Há 100 anos, os irmãos Wright teriam realizado o 1º vôo da história. Sem registro, o feito criou polêmica com Santos Dumont e o 14-Bis
HISTÓRIA DO ABANDONO A ALTERNATIVA DA PPP TURISMO RODOVIÁRIO EXCLUÍDOS DO TRANSPORTE ALEXANDRE GARCIA MAIS TRANSPORTE PREMIAÇÃO IDET CARTAS REDE TRANSPORTE HUMOR CAPA PAULO FONSECA
17 22 26 32 57 58 61 62 64 65 66
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 7
f EDITORIAL
S.O.S transporte CLÉSIO ANDRADE PRESIDENTE DA CNT
GERADOR DE MAIS DE 2,5 MILHÕES DE EMPREGOS, O TRANSPORTADOR PASSA PELA MAIOR CRISE DE SUA HISTÓRIA E NÃO SUPORTA MAIS OS PESADOS ENCARGOS
É
extremamente preocupante a falta de senso de oportunidade contida na ação do Poder Executivo. Exatamente no momento em que se discute a desoneração da produção através da redução da carga tributária sobre as empresas; quando um projeto de reforma fiscal para o país tramita no Congresso Nacional, o governo lança mão de legislação, paralela e concorrente, valendo-se de medida provisória para elevar substancialmente a alíquota da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) no absurdo e inadmissível percentual de 150%, passando-a de 3% para 7,6%. Que medida política é essa que, sob alegação de retirar o efeito cascata da Cofins, resulta em aumentar em mais de 90% a tributação a ser paga pelo transportador e pelas empresas intensivas em mão-de-obra, nas quais haverá um aumento considerável nos custos porque os recursos humanos representam mais de 60% de seus recursos produtivos? Além disso, cabe lembrar ao Executivo que matéria constitucional que já passou por emenda não pode ser alterada por medida provisória, conforme o artigo 246 da Constituição Federal. E o artigo 195, que trata da Contribuição Social, sofreu emenda em 1998.
Acreditamos no governo Lula e nele reiteramos nossa confiança e apoio, mas é impossível calar diante de tal destrato para com a classe empregadora do país. Gerador de mais de 2,5 milhões de empregos, o setor transportador passa pela maior crise de sua história, por não mais suportar os pesados encargos, a concorrência desleal e predatória do transporte clandestino, a falta de infra-estrutura viária e o abandono das estradas brasileiras. Esse quadro compromete o preço dos fretes, aumenta o tempo da viagem, eleva substancialmente os custos operacionais e a manutenção e força a reposição de veículos pelo desgaste prematuro, o que gera sucateamento da frota. O transportador é um empreendedor determinado, mas está chegando ao limite do suportável. Até quando e quanto resistiremos? Até quando contabilizaremos prejuízos sucessivos, que dilapidam nossa capacidade de investir, de poupar e de consumir? Por termos consciência de nossa importância na economia brasileira é que ainda nos resta um fio de esperança e resistimos, acreditando que o governo perceberá seus equívocos apoiando aqueles que, além de exercer uma atividade essencial ao país, são as artérias do desenvolvimento econômico.
8 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
PESQUISA RODOVIÁRIA EDIÇÃO 2003
O RETRATO É PIOR DO QUE SE IMAGINOU ESTUDO APONTA QUE 83% DAS ESTRADAS ESTÃO EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS. SEM A CIDE, A MALHA NÃO RECEBE INVESTIMENTO POR
descaso das autoridades com as rodovias há muito é sentido pelos usuários. Transportadores, passageiros e motoristas são obrigados a conviver com estradas esburacadas, mal-sinalizadas e com traçados antigos e sinuosos. Além dos significativos prejuízos econômicos resultantes da falta de recursos para conservação da malha rodoviária, o país enfrenta altos índices de perdas humanas, dano irreparável para milhares de famílias. Somente entre janeiro e outubro de 2003, foram 4.514 mortes registradas pela Polícia Rodoviária Federal nas BRs do país. O quadro de degradação das rodovias aprofundou-se ainda mais no último ano, segundo constata a Pesquisa Rodoviária
O O CAOS QUE SE INSTALOU VAI TRAZER MAIS PROBLEMAS PARA A SOCIEDADE
RODRIGO RIEVERS
2003 da CNT, maior e mais completo levantamento sobre a situação da malha rodoviária brasileira. Para chegar à detalhada radiografia do caos que se instalou no sistema de transportes rodoviário do país, foram percorridos 56.798 quilômetros, 47.645 km sob gestão estatal (União ou estados) e 9.153 km de rodovias sob gestão da iniciativa privada, num total de 109 ligações rodoviárias pesquisadas. Após 32 dias de coleta de dados, a Pesquisa Rodoviária identificou que as rodovias estatais estão em avançado grau de deterioração no que se refere ao pavimento, à geometria da via e à sinalização. A salvação fica por conta dos 9.153 km administrados pela iniciativa privada. Tanto que as dez primeiras colocações no ranking
A MELHOR RODOVIA SP-310 (Washington Luís) TRECHO LIMEIRA-SÃO CARLOS CONCESSIONÁRIA
Centrovias, do grupo espanhol OHL INÍCIO DA CONCESSÃO
1998 DURAÇÃO DO CONTRATO
20 anos RODOVIAS SOB ADMINISTRAÇÃO
SP-310 e SP-225 TRECHO SÃO CARLOS-SÃO JOSÉ DO RIO PRETO CONCESSIONÁRIA
FOTOS CNT/DIVULGAÇÃO
10 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
APENAS 4%, DE 48 MIL KM DE TRECHOS SOB GESTÃO ESTATAL ESTÃO EM ÓTIMO ESTADO
Triângulo do Sol INÍCIO DA CONCESSÃO
1998 DURAÇÃO DO CONTRATO
20 anos RODOVIAS SOB ADMINISTRAÇÃO
SP-310, SP-326 e SP-333 EXTENSÃO 305 km QUALIDADES Sinalização, geometria e
pavimento ótimos PEDÁGIOS 6
dos melhores trechos ficaram com as concessões. Nada menos que 82,8% dos 47.645 km de rodovias sob gestão estatal são classificadas como deficientes, ruins ou péssimos quando analisados, de forma simultânea, o pavimento, a geometria da via (traçado) e a sinalização. Mesmo levando-se em consideração algumas alterações na metodologia da pesquisa atual em relação à edição de 2002 (leia texto nesta edição), as estradas estatais apresentaram piora significativa. No ano passado, 59,2% dos 47.103 km avaliados foram considerados deficientes, ruins ou péssimos, contra os 82,8% apurados em 2003. O resultado da degradação da malha rodoviária em relação a 2002 também pode ser observado pela proporção de rodovias
TRÁFEGO BOM A SP-310 teve o melhor resultado
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 11
classificadas em ótimo e bom. Em 2003, somente 17,3% dos trechos (8.207 km) sob gestão estatal apresentaram condições favoráveis de conservação. A queda foi vertiginosa se comparada a 2002, quando os números apurados perfaziam 40,8% do total da extensão sob gestão estatal. Mais preocupante ainda é o fato de apenas 4% (1.894 km) dos quase 48 mil km de trechos estatais estarem em ótimo estado – em 2002, eram 7.041 km (14,9%). Observada apenas a característica do pavimento, a Pesquisa Rodoviária identificou que 58,5% ou 27.885 km de estradas estatais apresentam comprometimentos
A VERBA DA CIDE VEM ‘CARIMBADA’ DA ÁREA ECONÔMICA
A PIOR RODOVIA BR-459 (Wenceslau Brás) TRECHO POÇOS DE CALDAS-LORENA ADMINISTRAÇÃO
Governo Federal EXTENSÃO
239 km PROBLEMAS
Sinalização, geometria e pavimento péssimos PEDÁGIO
Nenhum
PERIGO Placa da BR-459 deteriorada
BURACOS TOMAM CONTA DO PAÍS s motoristas que passarem por um dos 47 trechos classificados como críticos pela Pesquisa Rodoviária 2003 precisam redobrar a atenção. O mau estado de conservação transformou essas ligações rodoviárias em verdadeiras trilhas, tamanha a quantidade de buracos e terra. Uma delas é a ligação rodoviária entre Curvelo (MG) e Ibotirama (BA). Na altura do KM 70, no município baiano de Patateca, há um trecho bastante comprometido pelos buracos. No trecho da BR-110 que liga Salvador (BA) a Paulo Afonso
O
graves como buracos, ondulações, trincas e afundamentos. Esses trechos foram avaliados como deficientes, ruins ou péssimos. Nesse quesito, a piora também foi representativa em relação ao ano passado, quando 35,9% do pavimento apresentavam essas características. A degradação do pavimento, provocada pelos escassos recursos para manutenção e conservação das estradas, é causa da menor vida útil do sistema de suspensão de veículos de passeio e de transporte de cargas. Segundo o proprietário de oficina mecânica Dimitri Diniz, alinhamento de direção e balanceamento das rodas, por mais bem feitos que sejam, não resistem a uma viagem de 740 km pela BR040, entre a capital federal e Belo Horizonte. “Observamos que os
(BA), há também uma série de buracos na altura de Ribeira do Pompal (BA). A BR-316, principal ligação entre Belém (PA) e São Luiz (MA), é o retrato fiel da aventura a que é submetido o motorista. Em Santa Luzia do Paruá (MA), há um trecho de asfalto carcomido e só. Daí em diante, há apenas uma mistura do que era asfalto com muita terra. A rodovia é uma das piores colocadas no ranking da pesquisa. Na altura dos KMs 144 e 179, o asfalto virou terra os e caminhões correm o risco de atolar no período das chuvas.
clientes que usam mais as estradas também gastam mais com a manutenção”, informa Diniz. Para as empresas de transportade de cargas e passageiros, os prejuízos são incalculáveis. Os gastos anuais com manutenção dos veículos são elevados e provocam aumento do custo do frete e a perda de competitividade, o que empurra o setor de transporte rodoviário para o tênue limite da insolvência. “Houve uma piora significativa em relação ao ano passado. Mesmo com todo o esforço de investimento que os empresários fazem em suas frotas, a situação de caos que se instalou nas rodovias poderá trazer transtornos maiores para toda a sociedade caso o sistema transportador continue na crise em que se encontra, aprofundada pe-
12 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
PREOCUPAÇÃO NO FIM DE ANO s motoristas brasileiros que se preparam para viajar com suas famílias para as festas de fim de ano e durante as férias escolares devem redobrar a atenção por causa da precariedade das rodovias, principalmente as de responsabilidade da União e dos Estados. Preocupada com o movimento intenso de veículos de passeio nesse período, a Polícia Rodoviária Federal prepara a já tradicional operação de Natal e réveillon. Segundo o inspetor Ricardo Torres, da PRF em Brasília, todo o efetivo de 7.300 homens da corporação estará de plantão no período. “Como tradicionalmente ocorre, vamos trabalhar em escalas de revezamento de 24 horas por 72 horas. Mas pode haver convocação extra”, admite o inspetor. Ele diz que, como não há recursos e nem tempo hábil para melhorar a condição das rodovias, só resta aos motoristas redobrar a atenção e tomar algumas precauções. “Antes de sair para a viagem, é necessário fazer a revisão geral no veículo. Se a estrada não ajuda, é mais um motivo para o carro estar em ordem”, assinala Torres. Evitar dirigir à noite ou sob chuva e respeitar a velocidade é também fundamental para evitar acidentes. Além disso, os motoristas devem evitar dirigir por longos períodos de tempo porque o cansaço atrapalha os reflexos. E o uso de cinto de segurança é indispensável Todo cuidado realmente é pouco, se forem computados apenas os acidentes ocorridos em rodovias federais entre janeiro e outubro deste ano. Foram 81.432 acidentes,
O
com 4.514 mortos e 47.025 feridos. O mesmo período do ano passado registrou 82.223 acidentes – 4.853 mortos e 44.192 feridos. Para se ter idéia do que significa o número de mortes nas estradas brasileiras: do início da guerra do Iraque até o dia 29 de outubro, o exército dos EUA tinha registrado 141 baixas durante a invasão e mais 142 no período de ocupação. Já uma reportagem publicada em outubro deste ano pelo jornal inglês “The Times” estima que 4.000 civis foram mortos durante o conflito no Iraque.
MALABARISMO Em estrada da Bahia, ônibus tenta se equilibrar no que resta do asfalto
la incapacidade do governo criar condições para que o sistema rodoviário brasileiro possa circular dignamente”, assinala o presidente da CNT, Clésio Andrade. O presidente da Associação Brasileira dos Transportadores de Cargas (ABTC), Newton Gibson, diz que a má conservação das estradas do país reflete diretamente nos custos operacionais das empresas. “O gasto com manutenção dos veículos representa, em média, 20% do custo de operação”, afirma o dirigente. Além disso, Gibson ressalta que a as condições precárias das rodovias aumentam os problemas para encontrar peças de reposição no mercado, já que a idade de algu-
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 13
INOVAÇÕES NO MÉTODO ais aprofundado levantamento sobre a situação da malha rodoviária brasileira, a Pesquisa Rodoviária 2003 utiliza o conceito de ligação rodoviária. Pela metodologia, ligação rodoviária é uma extensão formada por uma ou mais rodovias federais ou estaduais pavimentadas, com alto volume de transporte de cargas e passageiros. As ligações rodoviárias podem ser geridas pela União, Estados ou empresas privadas. Em 2003, foram analisadas além das 97 ligações rodoviárias avaliadas em 2002, outras 12 novas ligações, num total de 109. Cada ligação é estudada a cada trecho
M
ABISMO Em Minas, motoristas driblam barranco
mas frotas de caminhões é bastante avançada. “No Nordeste, a má conservação traz ainda outro problema, pois acaba sendo aliada do roubo de cargas. Isso porque os buracos fazem com que os veículos andem em baixa velocidade, o que facilita o trabalho de assaltantes”, diz Gibson. A Pesquisa Rodoviária informa que a sinalização, requisito básico para segurança dos usuários das estradas, também apresenta índices desfavoráveis. Nada menos que 77,6% do trecho de 47.645 km sob gestão estatal estão com-
de 10 km, observando-se três características: pavimentação, sinalização e geometria da via. Com esses dados chega-se ao estado geral de uma ligação rodoviária. Além de incluir 12 novas ligações, a pesquisa de 2003 apresentou outra inovação: a identificação georeferenciada dos pontos críticos das rodovias. O método permite identificar locais com grande comprometimento de segurança e fluidez do trânsito de acordo com latitude e longitude. Outra novidade se refere à criação do relatório de trechos críticos, contendo a identificação dos 20% da extensão em piores condições de cada rodovia.
prometidos – em 2002, eram 50,4%. O único quesito que, se comparado à pesquisa de 2002, apresentou melhora foi a geometria da via. A Pesquisa Rodoviária de 2003 mostra que agora 86,4% das estradas sob gestão estatal apresentam graves deficiências, contra 92,6% em 2002.
Sem a Cide Para ordenar o caos em que se transformou o sistema rodoviário do país e reconstruir trechos totalmente destruídos, restaurar segmentos desgastados e conservar a malha rodoviária nacional, se-
14 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
INVESTIDOR PODE SUMIR equilíbrio das contas públicas é um dos fatores fundamentais para atrair o investimento estrangeiro. Mas não menos importante que a saúde financeira do país são as condições que esses mesmos investidores encontrarão para circular produtos e serviços. "Em aproximadamente cinco anos, a situação das rodovias vai começar a afetar outros setores da economia e poderá haver risco de desabastecimento de produtos. Além de causar transtornos para toda a sociedade, certamente esse quadro de colapso da malha rodoviária vai afugentar os investimentos que o país tanto almeja", avalia o presidente da CNT, Clésio Andrade. Ele diz que a necessidade de o país manter os fundamentos da economia em ordem “não pode ser um fim em si mesmo”.
O riam necessários investimentos anuais de R$ 7,5 bilhões. No entanto, tomando como base o orçamento do Ministério dos Transportes para 2004, não é difícil prever que a situação tende a se agravar. Para o próximo ano, a pasta terá R$ 2,29 milhões, já incluído o valor de custeio do ministério. “A sociedade se esforçou, a Câmara e o Senado aprovaram a Cide exatamente porque há uma consciência da necessidade de infra-estrutura de transportes. O governo precisa se conscientizar que os recursos da Cide devem ser destinados à sua finalidade, que é a infra-estrutura de transportes”, assinala Clésio Andrade. Segundo o presidente da CNT, os cerca de R$ 10 bilhões anuais da Cide (imposto embutido nos pre-
NUMA 1ª FASE, OS R$ 10 BI DA CIDE DARIAM PARA RECUPERAR A MALHA RODOVIÁRIA
ISOLAMENTO Sem asfalto, sem apoio, a estrada não oferece nada
ços dos combustíveis) dariam para, no primeiro ano, recuperar todo o parque rodoviário, e, a partir do segundo ano, trabalhar a expansão das estradas, bem como melhorar a geometria das vias. Mesmo com o retrato da situação rodoviária, até agora os recursos continuam sendo desviados para cobrir despesas da União. Reportagem publicada pela “Folha de S. Paulo”, com base no relatório da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados, mostra que o próprio Ministério dos Transportes usa recursos da Cide para pagar pessoal, dívidas e outras despesas correntes. Fontes vinculadas à Pasta admitem que o desvio do imposto
Para Clésio Andrade, o país precisa conciliar a gestão macroeconômica com a necessidade de investimentos. O presidente da CNT não acredita que a Parceria Público-Privada (PPP), divulgada pelo governo como forma de estimular investimentos privados em infra-estrutura, solucionará o problema. Segundo Clésio Andrade, a iniciativa privada se interessaria apenas por uma parte das rodovias federais. "Eu não acredito nessa parceria. O país tem hoje praticamente 60 mil quilômetros de rodovias federais pavimentadas, e temos certeza de que não mais que 4.000 km teriam interesse para a iniciativa privada porque seriam economicamente viáveis através de pedágios. Os demais trechos, tirando os já privatizados, teriam de estar sob controle estatal porque nenhum empresário investirá para perder dinheiro.”
realmente ocorre e que os números estão corretos. Mas argumentam que esses recursos já vêm carimbados da área econômica, ou seja, só podem ser utilizados em despesas com pessoal, encargos sociais, despesas correntes, investimentos em obras físicas no ministério e investimentos em empresas vinculadas à pasta. Para o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros Autônomos, José Fonseca Lopes, a Cide é mais um tributo para tapar buraco no caixa do governo. “Eu acho que quem foi constituinte como o presidente da República não deveria fazer o acordo que fez com o governo anterior para destinação dos recursos da Cide.
JÚLIO FERNADES/CNT/DIVULGAÇÃO
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 15
A Cide era para ser destinada à infra-estrutura de transporte e o acordo feito no governo FHC só serviu para que este governo também garanta o superávit primário. Com isso, o setor de transportes perde pelo menos R$ 7 bilhões”, assinala. Fonseca diz que, diante do quadro de degradação das rodovias que acarreta aumento no custo do frete e perda de competitividade, cresce a insatisfação dos caminhoneiros, que são vítimas do alto custo de rodagem e dos acidentes provocados pela má conservação das estradas. “Não descartamos um 'paradão' nacional para chamar a atenção do governo.”
Respeita, mas com ressalvas Principal gestor da malha rodoviária brasileira, o Ministério dos Transportes informou por meio de sua assessoria de imprensa que respeita a Pesquisa Rodoviária CNT, mas ressalta que o levantamento não se limita apenas às rodovias federais. O ministério diz
ainda que alguns dos trechos citados como críticos pela pesquisa já passaram por manutenção. É o caso da BR-459, ligação de Poços de Caldas (MG) a Lorena (SP), eleito o pior trecho rodoviário. A assessoria diz ainda que um dos buracos que a pesquisa constatou na BR-116 já foi consertado. Existem ao menos dois buracos na rodovia, um no KM 466 e outro no KM 500. A assessoria do ministério não soube informar qual deles havia sido tapado. A Revista CNT procurou o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), mas até o fechamento desta edição não recebeu retorno. O Ministério dos Transportes também contesta o fato de a pesquisa incluir na metodologia avaliações como o nível de benfeitorias das estradas, tais como a existência de restaurantes e postos policiais. Ainda segundo a assessoria, a implantação de tais melhorias não cabe à pasta. Além disso, a assessoria afirma que a recuperação das rodovias federais tomou impulso a partir de
PREOCUPAÇÃO No anúncio dos resultados da pesquisa, alerta sobre a amplitude do caos rodoviário
A ABCAM AMEAÇA COM UM “PARADÃO” PARA PRESSIONAR POR MELHORIAS
julho, quando a pesquisa já estava em campo. Este ano, o ministério investiu R$ 600 milhões destinados a conservar 28 mil km e restaurar outros 2 mil. Até o fim do ano serão investidos mais R$ 100 milhões. Esses R$ 700 milhões equivalem a 9,33% do valor necessário para iniciar a restauração, a 30,56% do orçamento total do Ministério dos Transportes para 2004 e a 7% do total previsto de arrecadação da Cide. A verba é insuficiente para o país retomar o crescimento econômico e zelar pelas vidas humanas que cruzam as estradas diariamente sem saber se chegarão a seu destino. A questão não é mais descobrir ou culpar os responsáveis pela degradação, mas, sim, trabalhar e investir para dar condições mínimas de segurança e de uso às rodovias. O Brasil não pode mais esperar. t Para ver os números completos da PESQUISA RODOVIÁRIA, acesse www.cnt.org.br Leia mais em reportagem na página 22 e na coluna de Alexandre Garcia
MODAL RODOVIÁRIO HISTÓRIA
m 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial, a indústria e o transporte brasileiros começavam o seu período de expansão. Na área política, o presidente Getúlio Vargas era deposto pelos chefes das Forças Armadas. Em dezembro, Eurico Gaspar Dutra, eleito presidente, convocara a quarta Assembléia Nacional Constituinte. Entre 24 a 31 de julho de 1946, um encontro em Araxá (MG) determinou o futuro dos transportes do país. A Segunda Conferência Nacional das Classes Produtoras definiu o rumo da economia nacional e, entre suas decisões, o encontro recomendou a criação de um Plano Geral de Viação Nacional e o prosseguimento do Plano Rodoviário Nacional. Era o início de um projeto que iria colocar o Brasil na estrada. Um processo que culminou na construção de mais de 1,7 milhão de quilômetros de rodovias e elevou o transporte rodoviário a principal motor da economia, responsável por 62% da movimentação de carga, gerador de R$ 80 bilhões anuais de receitas e de mais de 1,2 milhão de empregos diretos.
E
DNER Em dezembro de 1946, o decreto-lei 8.436 concedeu autonomia administrativa ao
CELIVALDO CARNEIRO/FUTURA PRESS
16 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
A CRIAÇÃO DO SISTEMA RODOVIÁRIO SURGIU PARA ATENDER O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA
LAMA E CAOS Transamazônica é o retrato fiel do abandono
O DECLÍNIO QUE AMEAÇ COMO O BRASIL ESCOLHEU E DEPO QUE É RESPONSÁVEL POR MOVIMEN
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 17
DNER e instituiu o Fundo Rodoviário Nacional, que passou a ser subvencionado pelo imposto sobre os combustíveis e lubrificantes – semelhante à atual Cide. Esses recursos, distribuídos permitiram a execução de um grande programa de construção e melhoramento das estradas. Até meados da década de 40, as estradas de rodagem, em sua maioria de terra, não cobriam todo o território nacional.
50 anos em 5
DE UM IMPÉRIO A PARARO PAÍS IS ABANDONOU O SISTEMA DE TRANSPORTES TAR MAIS DE 60% DAS CARGAS PRODUZIDAS
Getúlio Vargas, de volta ao poder em 1951, construiu 600 km de rodovias por ano, até seu suicídio, em 1954. Juscelino Kubitschek tomou posse em 1956 e colocou em execução o seu Plano de Metas, com o slogan 50 anos em 5. O país abriu um grande processo de crescimento também na área dos transportes, com a construção de várias estradas. A transferência da capital federal para Brasília ajudou na expansão da malha rodoviária, pois o governo se viu obrigado a montar um programa para ligar Brasília ao restante do país. Duas grandes estradas são projetadas: a Belém-Brasília e a Brasília-Fortaleza.
Período militar O fim do governo JK marcou um intervalo no desenvolvimento, provocado pela
DNIT NEGA ABANDONO DA MALHA RODOVIÁRIA Plano Nacional de Viação e o Sistema Rodoviário Nacional não foram abandonados. Quem garante é o coordenador de planejamento do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), Jonny Marcos do Valle Lopes. Mas ele admite que a meta atual do governo federal é recuperar a malha existente e adiar a construção e duplicação de novos trechos. Para o engenheiro, o fim dos recursos do extinto Fundo Rodoviário Nacional é o principal motivo para a situação atual das rodovias federais. Jonny Lopes explica que o PNV é uma diretriz, que determina quais rodovias federais serão construídas em determinados locais. A construção de fato depende de uma série de fatores, como vontade política e previsão orçamentária. Em 2002, por emenda de lei, incluiu-se no PNV a BR-450 e a BR-437. Lopes confirma que muitas rodovias planejadas há anos não chegam a ser construídas por não serem mais necessárias. Existem no PNV cerca de 21 mil km de rodovias federais planejadas que não saíram do papel. “Pode ser que essas estradas nunca sejam construídas. Existem casos de o Estado ter construído uma estrada que acabou com a necessidade da rodovia federal”, diz Lopes. O coordenador do DNIT declara que diversas rodovias têm apenas parte do projeto implantado. Um delas é a BR-070, no Distrito Federal, com trechos que atravessam fazendas. A lista é extensa: BR-010, BR-174, BR-230 e BR-307 (todas no Amazonas), BR-158, BR-163 e BR235 (no Pará), BR-020 e BR-122 (na Bahia), entre outras. Para a implantar um trecho de rodovia, é a necessário tráfego local, justifica Lopes. Segundo o engenheiro Lopes, o projeto que altera o PNV (PLC 18/2002, que tramita no Senado) prevê a transferência para o Estado das rodovias federais sem expressão, ou seja, que não estejam em pontos estratégicos ou não sejam consideradas de segurança nacional.
O
WALTER ALVES/FUTURAPRESS
18 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
crise de Jânio Quadros até o golpe militar de 1964. Foi no período da ditadura que nasceu, em 29 de dezembro de 1964, o primeiro Plano Nacional de Viação (PNV). Os militares dão sequência aos investimentos que JK iniciou em infra-estrutura. O setor de transporte foi um dos mais privilegiados. Em 1967, criou-se o Ministério dos Transportes. Seis anos depois, o Congresso Nacional aprovou o projeto do segundo PNV, que ainda está em vigor.
COMO SEGUIR? Nos 1,7 milhões de km de rodovias, os 150 mil alfaltados têm buracos de todos os tamanhos
DESCONHECIDO, PNV FAZ 30 ANOS pesar de a maioria da população desconhecer, está em vigor há 30 anos a lei 5.917/73, que instituiu o Plano Nacional de Viação (PNV). O PNV organiza o Sistema Rodoviário Nacional (SRN) e regulamenta rodovias, ferrovias, hidrovias e aerovias federais. Pelo artigo 7º da lei, nenhuma rodovia que não conste no SRN pode receber verba no Orçamento da União para ser construída ou ampliada. Dessa forma, toda vez que uma rodovia é projetada deve ser aprovado um projeto no Congresso Nacional alterando o PNV para incluí-la na relação descritiva das rodovias do SRN. Isso aconteceu recentemente com a BR-450, novo trecho
A
rodoviário, de 36 km, para interligar as BRs 020 e 040, no Distrito Federal. Aprovado em 1964 pelo Congresso Nacional, o PNV foi alterado em setembro de 1973. Há alguns anos, um novo projeto alterando o PNV (PLC 018) está tramitando no Senado, mas que ainda não tem previsão de entrar na pauta de votações em plenário. Anteriormente existiram outros planos que visavam a organização dos sistemas de transportes nacionais: Plano Geral de Viação Nacional (1934), Plano da Comissão de Estradas de Rodagem Federais (1927), Plano de Viação Férrea (1912) e Plano Geral de Viação (1886).
Em pouco mais de 20 anos, o Brasil deu um salto imenso. Em 1954, existiam 1.200 km de rodovias asfaltadas, número que se multiplicou por 50 em 1974 – 60 mil km estavam pavimentados. Atualmente são pouco mais de 150 mil km, de um total de 1,7 milhões de quilômetros de rodovias. São da época expansionista nomes como Transamazônica, Translitorânea e Transbrasiliana. A crise internacional do petróleo levou à redução das atividades da indústria automobilística, quando parte do FRN foi transferida para outras prioridades e resultando na perda da autonomia financeira do DNER e seus órgãos
PAULO FONSECA
20 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
ENGENHEIRO DE JK FALA DA HISTÓRIA POR
ANA CRISTINA D’ ANGELO
m fins de janeiro de 1960, eu e Luiz Souza Lima (então prefeito de Belo Horizonte) estávamos no Rio e fomos cumprimentar o presidente pelo Ano Novo. Quando entramos no Palácio, fomos conduzidos a uma ante-sala. Juscelino (Kubitschek) chegou e logo disse: 'Tenho três problemas graves: a mudança do Congresso, a inauguração de Brasília e a conclusão do meu programa de metas'. Perguntei-lhe: 'Presidente, o senhor consegue inaugurar Brasília no próximo 21 de abril?'. ‘Inauguro. Agora não tem mais jeito’.' Entra o diretor-geral do DNER, Régis Bittencourt. 'Régis, eu o chamei porque vou lhe fazer um apelo: preciso abrir a estrada Cuiabá-Porto Velho.' O presidente o considerava como ministro de Estado. Conhecido por sua franqueza, respondeu: 'Não posso assumir essa responsabilidade, presidente.' Com carinho, JK argumentou: 'Por que Régis, o que há que você não pode fazer essa estrada?'. 'Os encargos sobre os meus ombros estão muito pesados, falta um ano para entregar o governo e temos de terminar toda a rede rodoviária do Sul e do Nordeste. O DNER não tem dinheiro nem estrutura para construir 1.500 km de estradas.' E o presidente logo respondeu: 'Régis, estou a par da enorme carga sob sua responsabilidade, mas eu preciso fazer a Cuiabá-Porto Velho. Essa estrada fecha o périplo de meu programa rodoviário e dessa forma
“E
TESTEMULHA Levínio da Cunha Castilho lembra conversa com JK faremos a conquista da Amazônia pela cabeceira dos rios. Rondônia é do tamanho de São Paulo, com riquezas minerais e terras férteis. Régis, pode mandar abrir urgente a concorrência pública para início da construção. Tenho 300 milhões de sobra do orçamento e vou aplicá-los nessa obra. No decorrer do exercício, arranjarei o restante.” O diálogo acima é relato de Levínio da Cunha Castilho, engenheiro mineiro de 80 anos que protagonizou boa parte da história da construção de rodovias durante o governo de JK. Dono da Construtora Pioneira, Levínio venceu várias concorrências para a abertura de rodovias. Leia trechos da conversa com o engenheiro. Revista CNT: Como eram conciliadas decisões estratégicas e a viabilidade técnica dos trechos abertos durante o governo JK? Levínio da Cunha Castilho: JK tinha uma visão universal do problema que coincidia com a visão do Régis Bittencourt, sempre ponderando entre a política e o economicamente viável. As diretrizes eram apresentadas, obviamente, ao Congresso Nacional. Do
que era aprovado, começava-se pelo trecho que garantia retorno ao capital aplicado. Quando e por que o poder público se descuidou das estradas? A decadência se deu após a Constituição de 1988, que retirou dinheiro do Fundo Rodoviário Nacional para o pagamento de pensão ao funcionalismo. A manutenção do serviço público inviabilizou investimentos para a manutenção. O que o senhor pensa do modelo de privatização adotado? A manutenção oferecida pela iniciativa privada é uma boa alternativa. Há queixas sobre abuso nos valores dos pedágios, críticas sobre contratos que não contemplam o interesse dos usuários. Como em qualquer modelo, há partes boas e outras ruins. Não há dúvida de que o padrão de qualidade de muitos trechos melhorou. O balanço final é bom, mas a recuperação das estradas cabe aos Estados, não há outra alternativa. Somente são privatizadas estradas em boas condições, as que estão abandonadas nunca serão privatizadas.
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 21
estaduais – mais uma vez, à semelhança com o que hoje acontece com a Cide. Em 1988, extinguiu-se o FRN. Em 1975, os investimentos federais na expansão, operação e manutenção do setor de transportes correspondia a cerca de 1,7% do PIB. Esse percentual baixou para cerca de 0,4% em 1989 e atingiu 0,2% em 1998.
Sem transferência A Constituição de 1988, no capítulo do Sistema Tributário Nacional, criou uma distorção ao transferir para Estados e municípios a quase totalidade dos recursos resultantes das contribuições fiscais dos usuários das rodovias, sem transferir os encargos sobre as rodovias da malha federal para estes. Essa distorção decorreu da extinção da Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos (IULCLG) e do Imposto sobre Serviços de Transporte (IST), de competência federal e que compunham o antigo Fundo Rodoviário Nacional, cujos recursos eram repartidos entre a União, Estados e municípios. Esses impostos, na nova estrutura tributária, foram substituídos pelo ICMS, cuja arrecadação pertence integralmente aos Estados e municípios. O processo de transferência de recursos gerados pela
LEI DE 1988 CRIOU DISTORÇÃO AO EXTINGUIR IMPOSTO DE USUÁRIOS DE RODOVIA
contribuição fiscal dos usuários das rodovias já havia sido iniciado em 1985, com a extinção da Taxa Rodoviária Única (TRU), que era também repartida entre União, Estados e municípios, e sua substituição pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cuja arrecadação é rateada somente entre o Estado arrecadador e municípios, eliminando-se a parte da União. O quadro de distorções continua. A Cide serve para pagar e custear de tudo, menos para os objetivos pelos
quais foi criada. Imposto embutido nos preços dos combustíveis, a Contribuição sobre Domínio Econômico deveria ser destinada a investimentos em obras de infra-estrutura e manutenção do transporte. Ao observar a história, percebe-se que erros são comuns e inerentes a qualquer atividade humana. No Brasil, tem-se a impressão de que, ao trocar uma sigla, o equívoco anterior é apagado. Sai FRN, entra Cide. Mas o buraco continua sendo o mesmo. t
22 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
POLÍTICA PÚBLICA INVESTIMENTOS
CASAMENTO COM RESPONSABILIDADE GOVERNO APOSTA NA PPP PARA ATRAIR A INICIATIVA PRIVADA PARA PROJETOS SOCIAIS E DE INFRA-ESTRUTURA ividir os riscos com a iniciativa privada e incrementar os investimentos em obras de interesse social são os principais objetivos do programa de Parcerias Público-Privadas (PPP), projeto de lei elaborado pelo Ministério do Planejamento que tramita no Congresso Federal. A parceria pretende provocar uma mudança na cultura e no ambiente organizacional do setor público. Com o novo sistema, o governo passaria a regular as relações comerciais, em contratos de longo prazo, visando o fornecimento de serviços públicos por entidades particulares. O assessor especial do Ministério do Planejamento, Fernando Haddad, um dos autores do projeto, afirma que “a PPP muda completamente o sistema de concessão, sem perder, porém, os contratos já firmados. Com o programa, vamos contratar um fluxo de serviço ao invés de contratar uma obra, o que é muito mais vantajoso. O governo remunera o serviço já executado, prevê regras que criam um ambiente favorável à formação de parcerias e muda o conceito de garantias”, diz Haddad.
D
POR
EULENE HEMÉTRIO
FERNANDO HADDAD Governo aposta na PPP
Segundo o assessor do Planejamento, “a PPP irá abrir espaço para incentivar a infraestrutura e melhorar as relações público-privadas no setor de transporte. O usuário terá uma maior eficiência nos serviços e o governo irá definir as prioridades para abrir licitação, o que estimulará a concorrência. A PPP é um instrumento para viabilizar o Plano Pluri-Anual de 2004-2007 e nós estamos trabalhando articulados”. Conforme já acontece em alguns países como Portugal, Irlanda, Itália e Inglaterra, a empresa ou consórcio privado assume a responsabilidade pelo projeto de engenharia, construção, operação e financiamento do empreendimento. Com a estrutura de alocação de riscos, o dispêndio de recursos do Tesouro (concentrado no início do projeto) se tornaria um dispêndio orçamentário de custeio (ao longo da vida do projeto). Diferente da privatização, não há venda de ativos na PPP. O setor público concede o direito a um operador privado de prover certo serviço público (como fornecimento de água, esgoto, transporte, infra-estrutura escolar ou hospitalar ou de prisões) por
NOVEMBRO 2003 CNTCBTU/DIVULGAÇÃO REVISTA 23
ALTERNATIVA O metrô pode ser um dos meios beneficiados com investimentos privados após a aprovação da PPP
determinado período de tempo e remunera de acordo com a execução do projeto. De acordo com as normas do programa, a liberação de recursos estaria vinculada ao cumprimento de metas. A forma de pagamento seria uma garantia para a qualidade do produto.
Racionalização Através da PPP, o governo afirma pretender induzir o setor privado a prestar serviços visando a racionalização dos custos e o atendimento na qualidade exigida. Além disso, o projeto levaria o setor público a definir suas prioridades por metas desejadas, delegando ao setor privado a escolha dos meios. O programa exigiria a especificação prévia detalhada da produção e distribuição dos bens e serviços, assim como a pré-definição da qualidade requerida. “Isso deve ser feito através da identificação precisa dos riscos e o estabelecimento de seus mitigantes, como também da mensuração do valor do projeto em termos de custos ajustados ao risco e ao tempo de vida útil. Uma outra vantagem da PPP está
24 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
ALTERNATIVA VIÁVEL PARA O TRANSPORTE lém do setor de transportes, muitas outras áreas podem ser beneficiadas com o programa de Parcerias Público-Privadas (PPP). Segundo o professor de direito público da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, o programa é muito genérico e cabem nele vários tipos de disposições. Algumas combinações podem não dar certo e outras possuem chances de dar bons resultados. “Envolver a iniciativa privada na prestação de serviços de utilidade pública, como no caso do metrô de São Pauto, por exemplo, pode funcionar muito bem. Por outro lado, tenho dúvidas dessa eficiência na área de saneamento porque, diferente do metrô, a empresa não pode simplesmente cortar o abastecimento para a população que não tem condições de pagar”, ressalta o advogado. Dentre os modelos viáveis, Marques Neto cita o arrendamento de prédios públicos como estádios (nas Olimpíadas) e presídios (para suprir o déficit de vagas no sistema prisional). Segundo o professor, a remuneração da iniciativa privada, nestes casos, se baseia na exploração do serviço e o investidor tem maior garantia de retorno. “Há muitas alternativas de alta viabilidade. O que não podemos é ficar esperando a aprovação da lei. Cada setor deve ir elaborando seus próprios modelos desde já.” Marques Neto diz que é impossível tratar com um rótulo único uma multiplicidade de situações que carecem de soluções específicas. Segundo o advogado, porém, “há entraves na lei atual que impedem algumas práticas e que obstáculos jurídicos precisam ser removidos para tornar viáveis os modelos. Uma cláusula a ser revista, por exemplo, seria a dos prazos dos contratos administrativos para reforçar a garantia do setor privado”.
A
MODERNIZAÇÃO Avenidas ao redor do porto de Santos estão na mira
A FORMA DE PAGAMENTO É UMA GARANTIA DA QUALIDADE DO PRODUTO, A LIBERAÇÃO É VINCULADA AO CUMPRIMENTO DE METAS
na concorrência, que vai exigir uma maior qualificação das concessionárias. A proposta é motivar a inovação tecnológica e o investimento em educação e pesquisa através da interface entre as empresas e as universidades, entre a indústria e a ciência” afirma Haddad. O professor de direito público da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques Neto, acredita que o principal desafio do Estado seria tornar o projeto confiável economicamente e financeiramente viável. “A PPP é um avanço nas negociações do governo, mas o projeto, por si só, não vai resolver todas as questões. Mais importante que as garantias de retorno financeiro ao setor privado é a credibilidade do Estado. O governo tem que demonstrar que vai garantir o retorno e não trazer insegurança para o mercado”, destaca Marques Neto. O professor afirma, ainda, que há várias soluções possíveis através da PPP e que o sucesso do projeto vai depender da habilidade de negociação do governo. “Em uma
RICARDO NOGUEIRA/FUTURA PRESS
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 25
concessão de rodovia com baixo tráfego, por exemplo, o investimento privado se torna inviável. Nesse caso, o Estado pode se responsabilizar por 50% do valor do pedágio, desonerando o usuário e garantindo um serviço de qualidade. Os recursos podem vir da Cide e o usuário também pode ser envolvido na fiscalização através de um serviço 0800”, diz Marques Neto. Apesar de considerar a iniciativa do programa extremamente positiva, ele ressalta, no entanto, que “não é preciso esperar a aprovação da lei para que as parcerias comecem a ser estruturadas. Não podemos ficar dependendo de uma lei para resolver os problemas do país. Antes de sua aprovação, já se pode modelar ini-
ciativas e, eventualmente, fazer pequenas alterações na legislação vigente para que elas sejam viabilizadas. É preciso arregaçar as mangas já”, afirma Neto. De acordo com o professsor, ao se difundir a idéia de uma nova solução como salvadora, o que implicaria mudanças na legislação federal, oblitera-se a iniciativa do administrador público, entravando soluções criativas até que, a longo prazo, o PPP seja referendado pelo Congresso Nacional. “Desde que respeitadas as normas atinentes às licitações (Lei Federal 8.866/93) e à matéria fiscal e orçamentária, há uma ampla margem para modelos, como, por exemplo, o arrendamento de empreendimentos públicos”. t
ADAUTO APOSTA NA PPP COMO SAÍDA PARA CRISE duplicação da BR-101 nas regiões Sul e Nordeste, a construção do arco rodoviário do Rio de Janeiro ou das avenidas perimetrais do porto de Santos, em São Paulo. Grandes obras que estão arquivadas por insuficiência de recursos financeiros encontram, nas Parcerias Público-Privadas (PPP), a saída para a falta de incentivos no setor. Uma semana depois de ser anunciado o programa, o ministro dos Transportes, Anderson Adauto, determinou à área técnica da Pasta a elaboração de um levantamento completo das obras e trechos que podem entrar na PPP. Segundo Adauto, o relatório deverá conter, além das obras em
A
condições de serem incluídas no projeto, os percentuais de participação do Estado e da iniciativa privada em cada uma delas. Segundo a assessoria de imprensa do ministro, Adauto se mostrou bastante otimista com o programa, afirmando que, a partir da PPP, o financiamento da infra-estrutura do país ganha um novo impulso. Como exemplo, cita a parceria estabelecida com a Petrobras, em julho deste ano, que está reduzindo o custo das obras rodoviárias em cerca de 12% através do fornecimento direto do material betuminoso. Adauto considera a empresa um importante parceiro e disse que já negocia novas parcerias com a estatal.
Segundo ele, o conceito da PPP prevê a parceria com a iniciativa privada para a realização de obras de interesse público que seriam de responsabilidade do governo, mas que o Estado sozinho não poderia arcar com a execução dos projetos. O ministro ressalta, ainda por meio de sua assessoria, que o novo modelo de concessões, em elaboração pelo Ministério dos Transportes, prevê rentabilidade de cerca de 15% para as concessionárias vencedoras da licitação. De acordo com o ministro, o investimento pode ser considerado como um bom negócio para a iniciativa privada, com a garantia de tarifas justas e baratas aos usuários.
LEANDRO NUNES/FUTURA PRESS
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 27
MODAL RODOVIÁRIO TURISMO
A VIAGEM RECOMEÇA SETOR VISLUMBRA CENÁRIO OTIMISTA PARA 2004 POR
ZULMIRA FURBINO
uito se fala, a publicidade não cansa de vender e as revistas segmentadas proliferam: o Brasil é um país turístico. Entre imagens de artistas globais pedindo para visitar tal Estado, cenários deslumbrantes de praias, montanhas e dunas, existe uma realidade não tanto ensolarada. O país de orlas paradisíacas viu o turista que viaja de ônibus cair pela metade na última década. Em números absolutos, 10 milhões de pessoas trocaram de meio de transporte ou deixaram de viajar pelas estradas. Motivos: medo de viajar por estradas esburacadas e mal-sinalizadas, que aumentam o perigo em rotas noturnas, e a queda do poder aquisitivo da população. A situação real é difícil de enxergar pois não existem estatísticas atualizadas – a Embratur só dispõe de pesquisas até 2000. Como o mote que elegeu o governo Lula, a esperança é norma vigente no setor. O presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Turismo, Fretamento e Agências de Viagem (Anttur), Martinho Ferreira de Moura, acredita que o setor “foi ao fundo do poço”, mas que começará a se recuperar em 2004. No entanto, as dificuldades que provocaram a perda de 50% do público viajante
M
permanecem como entraves para uma rápida recuperação do turismo rodoviário no Brasil. Segundo o superintendente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), José Luiz Santolin, a atual situação econômica do Brasil inibe a movimentação de passageiros. “É preciso um tratamento generalizado para estimular o desenvolvimento do setor, com investimentos nas estradas e intensificação das fiscalizações”, diz Santolin. O dirigente da Abrati defende ainda que qualquer programa para o setor que venha a ser implantado tenha como uma das metas a geração de emprego e renda para a população em geral. Para o vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagem em Minas (Abav), Cícero Lage, a falta de segurança nas estradas prejudica não só o turismo via companhias de transporte, como tambeem o realizado em veículos próprios. “Nos últimos três anos, o número de viagens de Belo Horizonte com direção a Porto Seguro caiu cerca de 30%”, conta. Dados da Abrati registram a perda de 22% de turistas no trajeto São Paulo-Salvador entre 1997 e 2000. A linha São Paulo-Poços de Caldas é o trecho com maior movimentação do país para trajetos
acima de 75 km. Segundo a Abrati, 1.171.078 pessoas viajaram nesse circuito em 2000, número que poderia ser maior caso a estrada que dá acesso à cidade mineira estivesse em boas condições de tráfego – o trecho de Lorena a Poços da BR-459 teve a pior avaliação na Pesquisa Rodoviária CNT. Em alguns casos, a situação é mais dramática. A linha Brasília-Belém amargou queda de 61,5% de 1997 a 2000, ainda segundo a Abrati. O trecho, em 60º lugar no levantamento da CNT, tem classificação deficiente. Para se ter uma idéia da importância da atividade na movimentação econômica do país, de acordo com o secretário nacional de políticas de Turismo, Milton Zuanazzi, as viagens rodoviárias são responsáveis por 80% a 90% do fluxo turístico, número que segue a tendência mundial. Segundo a Embratur, em 1998, 85% dos 375 milhões de turistas que ingressaram nos vários países da Europa fizeram viagens intra-regionais. Mais: a Organização Mundial do Turismo afirma que, em 2020, 76% das viagens realizadas pelos turistas em todo o mundo serão de curta distância, o que reforça a tese de que a oferta de infra-estrutura e de segurança nas rodovias é essencial para o desenvolvimento do turismo. E viajar significa dinheiro circulando. Em 2001, os gastos com bens e serviços realizados durante os passeios turísticos no interior do país chegaram a R$ 38,8 bilhões, ou 4,1% do PIB.
Investimentos O presidente da Anttur aponta indícios de recuperação do setor. Em São Paulo, a iniciativa privada voltou a investir nos rodoportos – estações de atendimento ao turista nas estradas, com restaurantes, lojas e lanchonetes. As principais rodovias brasileiras, como a BR-116, que liga São Paulo a Curitiba, e Fernão Dias estão recebendo melhoramentos. Em setembro, segundo a Embratur, Santa Catarina recebeu R$ 7,9 milhões para obras de infra-estrutura de transporte rodoviário. No mesmo mês, o Rio de Janeiro anunciou a implantação
MÁRIO ANGELO/FUTURA PRESS
28 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
CRISE ABERTA Passageiros deixaram os terminais e foram para a rua em busca de opções
INVESTIMENTO EM CONFORTO riatividade, conforto e mimos para os clientes. Essa foi a solução encontrada pelas empresas de transporte de passageiros para driblar uma crise que, nos últimos tempos, retirou do setor cerca de R$ 600 milhões anuais. Foi assim que a oferta de serviços como TV a cabo, alimentação especial, classes diferenciadas, programas de quilometragem, entre outros, proporcionaram um aumento de cerca de 25% no fluxo de passageiros. De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Turismo, Fretamento e Agências de Viagem, Martinho Ferreira de Moura, a melhora na programação das companhias foi uma reação à concorrência das companhias aéreas, à má conservação das estradas e à falta de
C
AS VIAGENS RODOVIÁRIAS SÃO RESPONSÁVEIS POR 80% DO FLUXO TURÍSTICO NACIONAL
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 29
investimentos no setor de apoio rodoviário. Hoje, as tarifas aéreas voltaram ao patamar da realidade e novos rodoportos estão sendo construídos nas principais vias de acesso do país, que também começam a receber melhoramentos. Além disso, as empresas de transporte de passageiros nunca abriram mão de manter boas frotas a serviço dos turistas, diz Moura. Os veículos da frota brasileira estão equipados com ar-condicionado, frigobar, calefação, poltronas confortáveis e vidros panorâmicos. E mais: oferecem diversão e serviço de bordo ao freguês. Um dos exemplos de uso da criatividade para atrair os passageiros é o da São Geraldo. A empresa colocou à disposição dos passageiros que saem de São Paulo em direção a Natal, Salvador e Aracaju veículos com a TV Santo Forte, que oferece a programação da Rede Globo. Estamos investindo em diversão cinco estrelas para tornar a viagem ainda mais agradável e dar ao nosso passageiro a sensação de estar em sua própria casa, explica a diretora de marketing da empresa, Simone Porcaro. Na Expresso 1001, a novidade fica por conta das cinco salas vips que a empresa oferece para os clientes executivos dos terminais rodoviários do Rio de Janeiro, São Paulo, Campos dos Goitacazes (RJ), Niterói (RJ) e Florianópolis. As salas contam com refrigeração de ar, poltronas confortáveis, TV, recepcionista e serviço de bar. Além disso, a empresa foi a primeira no Brasil a operar com veículos de dois andares em linhas regulares. O Doble Class, como é chamado o ônibus de dois andares da empresa, está disponível para o circuito Rio-São Paulo. As medidas deram resultado. A empresa garante que só com o Doble Class o número de passageiros com destino a São Paulo cresceu 25%.
Há também quem apele para a tradição. É o caso da Itapemirim, que não costuma investir em extras para atrair o freguês. Oferecemos segurança e conforto, ônibus novos e funcionários bem treinados, afirma a assessoria de imprensa da empresa. Mesmo assim, facilidades como TV e vídeo a bordo fazem parte dos serviços oferecidos pela empresa desde o final da década de 70.
OS MUNICÍPIOS ESTÃO SE ORGANIZANDO E O POTENCIAL ATRATIVO DE CADA REGIÃO VEM SENDO REDESCOBERTO
EXPRESSO 1001/DIVULGAÇÃO
EXPRESSO 1001/DIVULGAÇÃO
30 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
Dados da Embratur mostram que, entre os mais de 5.500 municípios brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro respondem por quase 8% do turismo interno nacional. Juntas, as duas cidades – somadas a Fortaleza, Salvador, Natal, Belo Horizonte, Porto Alegre, Santos, Recife, Itanhaém, Brasília, Curitiba e Porto Seguro – representam 25% do fluxo turístico no Brasil. Vale lembrar também que o setor tem grande capacidade de gerar emprego e renda por envolver 52 segmentos da área produtiva. Santolin avalia que “não existe crescimento da atividade turística sem melhoria urgente na malha rodoviária”. Para o superintendente da Abrati, a situação precária das estradas é fator fundamental para a queda e defende a aplicação de verbas para a melhoria do modal. “A falta de segurança e a péssima condição da malha rodoviária brasileira contribuem para a retração do mercado de turismo interno. Estamos permanentemente participando de fóruns de discussão e reivindicando investimentos na malha, pois
de sinalização de acesso nas rodovias estaduais que levam aos principais destinos fluminenses. No mesmo mês, a Prefeitura de Maceió iniciou obras de reurbanização no valor de R$ 10 milhões para atrair investimentos turísticos. “A preocupação com o transporte rodoviário de passageiros no Brasil envolve o turismo interno e o estrangeiro”, explica Zuanazzi. Segundo ele, os Ministérios do Turismo e dos Transportes trabalham juntos na definição de prioridades de recuperação da malha rodoviária do país. Nesse sentido, a maioria das rodovias litorâneas brasileiras deverão receber cuidados especiais. “Exemplo disso é a BR-101, que cruza o litoral brasileiro”, aponta o secretário nacional de Turismo. As portas de ingresso do turista estrangeiro no país, do Rio Grande do Sul ao Amapá, e as estradas que levam aos pontos de atratividade turística estarão contempladas na lista de prioridades dos ministérios, diz Zuanazzi.
O TURISMO É RESPONSÁVEL POR UM EM CADA NOVE EMPREGOS GERADOS NO MUNDO
SERVIÇO União de abastecimento com alimentação: postos crescem nas estradas
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 31
RODOVIÁRIAS SE MODERNIZAM PARA EVITAR QUEDA s terminais rodoviários urbanos são um desafio à parte. Nos últimos anos, a maior parte deles vem registrando queda de demanda em função da concorrência criada com o transporte clandestino e os ônibus fretados não-legalizados. Em 2000, o principal terminal rodoviário, o Tietê (SP), o maior da América Latina, com cerca de 97 mil usuários ao dia, embarcou 11,3 milhões de passageiros. Em 2001, o número caiu para 11,1 milhões. O superintendente da Abrati, José Luiz Santolin, ressalta que os investimentos na modernização de terminais atraem o passageiro do serviço regular de transporte, mas que a estrutura brasileira ainda é muito deficitária nesse sentido. "É preciso um plano efetivo de fortalecimento dos terminais. Temos até uma receptividade boa no governo federal, mas ações práticas ainda não se fa-
O
zem presentes. Temos esperança de que em 2004 a situação melhore." Para Santolin, o transporte clandestino fica facilitado em terminais desorganizados e sem segurança. O dirigente da Abrati estima que o transporte clandestino causa prejuízo de 20% a 30% para empresas regularizadas. Sob o comando da Socicam, empresa especializada na administração e operação de terminais rodoviários, o Tietê passou por uma revitalização que incluiu ampliação da área comercial, ambiente mais claro e acolhedor, assentos confortáveis e bilheterias similares aos guichês de aeroportos. "O objetivo é mudar o conceito de terminais rodoviários no Brasil, transformando-os de simples ponto de convergência de passageiros a centros de apoio ao sistema de transporte", explica a assessoria de imprensa da empresa. A revitalização, já concluída, consumiu
R$ 14 milhões e começa a dar resultados. "A taxa de consumo no terminal passou de 38% do total de usuários antes da reforma para 50%", informa a Socicam. Além disso, o terminal registrou uma discreta reação no embarque, que chegou a 11,6 milhões. No terminal Novo Rio (RJ), também administrado pela Socicam, o número de embarques caiu de 8 milhões em 2000 para 7,07 milhões em 2002. Para atrair usuários e aumentar a segurança, o terminal passará por uma revitalização nos próximos dois anos. Segurança também é uma preocupação do terminal rodoviário de Belo Horizonte, onde a média mensal de passageiros caiu de 503 mil em 2002 para 452 mil este ano. O terminal, antes administrado por uma empresa privada, agora está sob o comando da prefeitura. Desde então, a vigilância foi reforçada em 30%.
MARCELO ALVES/FUTURA PRESS
90% do transporte de passageiros ainda são feitos pelo modal rodoviário”, destaca Santolin. Martinho Ferreira de Moura avalia que o aquecimento começa com a municipalização do turismo. “Os municípios estão se organizando para receber os turistas. Com isso, o potencial atrativo de cada região vem sendo redescoberto e locais que não chamavam a atenção viram destino, como Penedo (RJ).” Na avaliação do Ministério do Turismo (MT), uma das características da oferta turística do Brasil tem sido a promoção de poucos destinos em áreas pontuais, o que resulta em produtos de apelo repetitivo. Isso significa que existe um potencial a ser revelado e trabalhado no interior do país, além da necessidade de encontrar alternativas de desenvolvimento local e regional. Para desenvolver esse potencial, o ministério pretende estimular governos estaduais, parceiros estratégicos do setor privado, municípios e
comunidade para criar um ambiente de diversidade e competitividade para o produto turístico brasileiro. O objetivo é ofertar no mínimo 81 produtos que aumentem o fluxo doméstico e internacional de turistas e melhorem as condições sócio-econômicas no interior do Brasil. O projeto faz parte do Plano Nacional de Turismo, elaborado pelo ministério, que pretende gerar 1,2 milhão de empregos até 2007. De acordo com o MT, nos últimos oito anos, a atividade foi uma das que mais gerou novos empregos e reaproveitou mão-de-obra proveniente de outros setores no Brasil. Segundo a OMT, o turismo responde por um em cada nove empregos gerados no mundo. Para atingir a meta a que se propôs, o governo federal irá ampliar a oferta de crédito aos empreendedores do turismo e as ações de captação de investimentos – no Brasil e no exterior. A expectativa é gerar investimentos de R$ 12 bilhões até 2007. t
JAQUELINE MAIA/DIARIO DE PERNAMBUCO/FUTURA PRESS
32 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
RECLAMAÇÃO Em Recife, a população se queixa do preço da passagem, da demora e dos ônibus lotados
TRANSPORTE PÚBLICO PESQUISA
EXCLUSÃO MAPEADA REVISTA CNT REVELA PRIMEIROS RESULTADOS DE ESTUDO DO ITRANS POR
esponsável pela execução de uma das mais completas pesquisas so-bre mobilidade urbana no país, o Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte (Itrans) prepara-se para finalizar a análise dos dados do trabalho Mobilidade e Pobreza. O estudo avaliou as condições de mobilidade das populações com renda familiar até três salários mínimos das regiões metropolitanas de São Paulo (RMSP), Rio de Janeiro (RMRJ), Belo Horizonte (RMBH) e Recife (RMR).
R
RESULTADO MOSTRA A DIFICULDADE DAS CLASSES DE BAIXA RENDA
RODRIGO RIEVERS
Dividida em duas etapas, entrevistas feitas com a técnica de grupos focais e pesquisa domiciliar, a análise terá seu resultado final divulgado durante seminários a serem realizados em cada uma das regiões metropolitanas, com participação de entidades públicas e privadas vinculadas ao transporte urbano e associações de usuários de transporte. O primeiro será dia 20 de novembro, em São Paulo. No dia 24, será a vez de Recife. Não há datas definidas para Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
A Revista CNT teve acesso a umas tabelas com dados da pesquisa domiciliar. Apesar de a análise estar em fase final de conclusão, o levantamento comprova a dificuldade de mobilidade no grupo pesquisado. Uma das tabelas avaliou o que essas populações vêem como principal problema do bairro. Em Belo Horizonte e São Paulo, o transporte aparece em quarto lugar, atrás dos itens desemprego, violência e saúde. No Rio, ele é o terceiro elemento em ordem de importância. E, em Recife, o transporte urbano foi o se-
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 33
gundo mais citado, atrás apenas da violência. Nessa faixa de renda, o transporte público é um problema muito importante, mesmo que não apareça na mesma proporção, pois essas populações não têm acesso a outros meios de locomoção, diz o sociólogo Maurício Cadaval, presidente do Itrans. Em outra avaliação, a dura realidade de falta de acesso ao transporte fica mais evidente. No item “problemas com os meios de transporte para trabalhar ou conseguir trabalho”, em Belo Horizonte, das 223 famílias entrevistadas, 64,4% responderam que enfrentam dificuldade de acesso. O item “pagar o preço da passagem” aparece como o problema mais citado nas regiões metropolitanas de SP, BH e Recife. No Rio, “demora a passar” foi a principal causa apontada. O preço da tarifa e a qualidade dos serviços são questões que dificultam o acesso ao transporte, assinala Cadaval. Na dificuldade, não resta outra alternativa a essas famílias senão improvisar. O modo mais utilizado pelas famílias na RMSP é comprar passes mais baratos. Em função de uma lei municipal que garante gratuidade para quem estiver trajando uniforme escolar, no Rio esse é o jeitinho que caiu na boca do povo. Em Recife, a maior parte dos entrevistados compra vale-transporte de segunda mão. Em Belo Horizonte, a caminhada virou alternativa. “Isso mostra a dificuldade de mobilidade da população de baixa renda”, diz Cadaval. t
36 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
AVIAÇÃO HISTÓRIA
100ANOSDE PO VÔO DOS IRMÃOS WRIGHT AINDA GERA BRIGA COM O VÔO DO 14-BIS DE
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 37
ia 17 de dezembro de 1903. Dois irmãos, Orville e Wilbur Wright, até então construtores de bicicletas, decidem experimentar sua engenhoca voadora em uma praia de Kitty Hawk, na Carolina do Norte (EUA). Com um vento de 45 km/h, o Flyer levanta vôo e permanece no ar por cerca de 12 segundos. O mais velho dos irmãos, Orville, está a bordo da máquina e, depois de um girar brusco do leme, vai de encontro ao chão. É o primeiro vôo da história. A versão descrita acima, defendida pelos Estados Unidos, apesar de não ser documentada e nem ao menos reconhecida pela Federação Internacional de Aeronáutica (FIA), é considerada, em muitos países, o primeiro salto rumo à história da aviação. Já no Brasil, comemorar o centenário do primeiro vôo no dia 17 de dezembro de 2003 é quase uma afronta aos feitos históricos do inventor brasileiro Alberto Santos Dumont. A polêmica sobre o pioneirismo do vôo se deve ao mistério que envolve os irmãos norte-americanos. Ninguém nunca teve certeza da veracidade do vôo dos Wright, pois não existe nenhum documento oficial que registre o fato. Todos os detalhes que se têm da decolagem foram passados pelos próprios inventores, alguns anos após a façanha, quando eles mostraram fotos que seriam de 1903. A FIA, por exemplo, considera o vôo de Santos Dumont, em 23 de outubro de 1906, em Paris, na França, com o seu famoso avião
D LÊMICA SA NTOS DUMONT
POR
EULENE HEMÉTRIO
FOTOS WWW.FIRST-TO-FLY.COM/DIVULGAÇÃO
14-Bis, como sendo o primeiro. Na ocasião, milhares de pessoas encontravam-se no Campo de Bagatelle para ver o desempenho do jovem brasileiro. A grande vitória alcançada por Santos Dumont foi noticiada pelos mais importantes jornais do mundo e o Aeroclube da França chegou a registrar o acontecimento em ata especial. O prêmio recebido por Santos Dumond referia-se a um vôo de um aparelho mais pesado que o ar, que saiu do chão com os próprios recursos a bordo. O 14-Bis fez a sua corrida no solo, saiu do chão, ganhou altura e pousou em seguida, usando trem de pouso (duas rodas). Já o Flyer dos irmãos Wright só veio a ser apresentado em público em 1908, também na cidade de Paris. Os norte-americanos apresentaram o avião – um aparelho mais moderno e potente – alegando estarem voando nele havia cinco anos. A máquina percorreu mais de 100 km no céu – uma distância jamais alcançada por outros inventores –, ganhou a opinião pública e convenceu o mundo. Para justificar sua ausência durante todo esse período, os irmãos Wright afirmaram ter mantido segredo sobre os vôos para não perder o direito à patente do invento. Wilbur e Orville tornaram-se celebridades e, ao contrário de Santos Dumont, capitalizaram seu invento. A tão moderna máquina, no entanto, era um planador que, até 1908, ainda não possuía rodas. O Flyer dependia de uma catapulta para ser lançado ao ar. Sua base
38 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
OLHO era composta de um sky, que o fazia deslizar no solo até alçar vôo. Segundo conta o historiador Henrique Lins de Barros, autor do livro Santos Dumont e a Invenção do Vôo, muitos inventores já diziam estar voando desde 1901, mas eram sempre relatos pessoais, não reconhecidos pela comunidade aeronáutica. “Os critérios para se reconhecer o vôo eram os mesmos utilizados hoje em recordes olímpicos. O feito deveria ser anunciado com antecedência para apreciação do público e também de uma comissão, que iria avaliá-lo”, diz Barros. O primeiro vôo dos Wright, por exemplo, não obedeceu a esses critérios. Apesar de os irmãos alegarem que havia cinco testemunhas no local, nada foi anunciado publicamente no dia da decolagem. No caso da aviação, Barros explica que essa exigência era importante porque há uma diferença muito grande entre pulo, salto e vôo – ainda não muito clara nessa época –, sendo necessária a presença de especialistas para identificar a ação e reconhecê-la. Os irmãos Wright chegaram a declarar que, em 1904, convidaram representantes de todos os jornais de Dayton (EUA) para assistirem a um vôo do Flyer, mas o avião não decolou. Os 12 repórteres teriam retornado no dia seguinte, a pedido dos inventores, mas presenciaram um novo fracasso. A partir daí, segundo eles, a imprensa nunca mais prestou atenção ao que faziam. Para piorar, os irmãos suspen-
deram os vôos de 1905 a 1908, logo após a constituição da FIA. Isso criou fortes suspeitas de que o Flyer não obedecia aos critérios estipulados pela federação para ser homologado como vôo. Todas as experiências com a aviação criaram polêmica sobre pioneirismo. Para os ingleses, o título deveria pertencer a George Cayley, que, em 1849, voou alguns metros em um planador rebocado por uma corda. Um ano antes, o também inglês John Stringfellow teria feito um vôo curto dentro de um galpão.
PIONEIROS? Os Wright e o medo de perder patente
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 39
Em 1890, o francês Clement Ader tentou voar num aparelho que tinha a forma de um morcego, mas não foi bem-sucedido na experiência. O nome do seu invento – avião –, no entanto, foi adotado universalmente em substituição à denominação aeroplano. Estão no páreo, ainda, o inglês Hiram Stevens Maxim, que teria voado em 1894, um americano de origem alemã chamado Gustave Whitehead, que também atingiu o mesmo objetivo em 1901, e o alemão Karl Jatho, por suas experiências em 1903. A experiência de outros inventores foi essencial para a montagem do planador dos irmãos Wright. Entre elas, a de Liliental, em 1891, se destaca. Depois de anos de trabalho, o inventor começou a testar os efeitos de sucção e da resistência. Com estacas de salgueiro cobertas com algodão, ele conseguiu fazer um planador no qual
OFICIAL? O vôo do14-Bis está na FIA
podia segurar a estrutura com os braços e, ao ficar pendurado, se equilibrava. Para experimentar o invento, Liliental saltou de uma prancha de saltos e começou a planar. O inventor morreu em 1896, ao testar um planador a motor. Quando as notícias sobre ele chegaram a Dayton, os irmãos Wright começaram a buscar informações
a respeito. No início do verão de 1900, a dupla começou a construir o seu próprio planador. A mitificação dos Wright causava espanto em Santos Dumont. “O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois de apresentarem em público a lâmpada elétrica, o telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lâmpada elétrica, telefone ou aparelho de telegrafia sem fios, dizendo que os tinha construído antes deles?”, escreveu em “O Que Eu Vi, O Que Nós Veremos”. Verdade ou não, o vôo realizado pelos Wright ainda hoje sofre pressão do governo dos EUA para ser homologado como primeiro vôo da história. O Museu Americano, para ter o Flyer em seu acervo, assinou um documento em que compromete a defender o pioneirismo do vôo dos Wright. A polêmica continua longe do fim. t
40 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
AVIÃO PRESIDENCIAL RENOVAÇÃO
RICARDO BALLARINE E RODRIGO RIEVERS
POR
vice-presidente Marco Maciel iria representar o Brasil em uma viagem à China. Depois de embarcar em Recife, o Boeing presidencial rumou a paradas estratégicas na Europa antes de atingir Pequim. No ar, o pânico tomou conta da tripulação e passageiros quando uma das turbinas pegou fogo. O sistema hidráulico ficou comprometido, assim como o trem de pouso. O piloto teve que fazer um pouso de emergência em Amsterdã. Ninguém saiu ferido, mas a viagem prosseguiu, por segurança, em um avião comercial. Era 14 de dezembro de 1999. Sucatão. O apelido do avião presidencial nunca fez tanto sentido, apesar das constantes afirmativas do comando da Aeronáutica de que a aeronave é segura. Fernando Henrique Cardoso, dizem, teria dado o apelido. Nunca se sabe, afinal, a máxima “esqueçam o que eu escrevi” tem sua fonte rechaçada. Corre também a versão de que o apelido teria sido dado pelo ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia. Incomodado por uma goteira incessante que o atormentava durante uma das viagens que fez no Boeing presidencial, falou o apelido para o presidente FHC. E pegou. Esse 707-300 fez 35 anos em fevereiro e é funcionário público desde 1986, quando foi adquirido da Varig. Encarou José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, FHC e Lula. Sucatão. Não há quem não tenha medo.
O
UMATROCA
SUCATÃO SERÁ APOSENTADO, MAS GOVERN
RICARDO STUKERT/AGÊNCIA BRASIL/DIVULGAÇÃO
SILENCIOSA O NÃO FALA SOBRE O NOVO ÔNIBUS AÉREO
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 41
Mesmo os mais experimentados em viagens, como... FHC. Depois do incidente com Maciel, decidiu dar um tempo para o avião na hora de cruzar oceanos e convocou edital de licitação para um substituto. Ficou o resto do mandato viajando em um Airbus da TAM. Como... Lula. No início do seu passaporte presidencial, em fevereiro, em Paris, perguntou ao comandante, em tom de pé de ouvido: “Vem cá, você tem certeza de que este avião é seguro mesmo?” Sucatão. Dizem que o avião está condenado. E há quem o defenda. O aviso vem dos céus, segundo a entidade mediúnica Fundação Cacique Cobra Coral. As panes, como a que passou Maciel, teriam sido alertadas por mensagens espíritas. Na terra, a Aeronáutica é defensora da nave. Na era FHC, o brigadeiro José Marconi Santos rebateu alegações de riscos para o presidente. O comandante do 2º Esquadrão da Base Aérea do Rio, o tenente-coronel Jorge Guedes Lopes, já chegou a afir-mar que o avião presidencial poderia voar por mais 30 anos. E atingiu um arroubo de otimismo, quando analisou o ritmo de viagens. “Chegaria a mais 75 anos.” Difícil acreditar, quem arrisca? O co-piloto de vôos comerciais Leonardo Vidigal decreta: “Foi um avião muito utilizado para transporte de passageiros nas décadas de 70 e 80. Mas há muito tempo não é utilizado com esse fim”. Sucatão. Tem luxo, quem já voou sabe. Suíte presidencial, cama, banheiro com chuveiro, mesa de trabalho e refeição e duas poltronas de três e dois lugares. Comporta mais 40 pessoas. Está equipado com três sistemas de navegação modernos e independentes, um deles para ser usado sem apoio de terra. É um tanto barulhento, um “pouco” mais que a média atual. Às vezes, dá pane. Sabe como é, 35 anos nas costas, muita viagem, aeroporto. Depois do fogo, ele, o Sucatão, resolver esfriar. Lula, naque-
42 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
FAB/DIVULGAÇÃO
vestido de presidente dos Estados Unidos fez sua guerra particular lá no alto, brigou, matou, salvou sua família e ainda pilotou o avião para pousar. Mas, o diretor que se candidatar a filmar tal aventura terá que esperar o Planalto se decidir pelo novo... como será chamado o avião que substituirá o Sucatão? A disputa está entre o Airbus ACJ e o Boeing BBJ. Ambos estão na faixa de R$ 50 milhões, que podem ser R$ 100 milhões dependendo das modificações. O assunto é tratado como segredo de Estado. Ninguém fala, ninguém sabe de nada em Brasília. As assessorias ministeriais se transformaram em verdadeiras muralhas. A Revista CNT, imbuída da esperança de obter informações sobre a nova aeronave,
la viagem a Paris, foi usar o tal chuveiro quente. Quando abriu a válvula, nada. A água tinha se congelado nos canos. Motivo: como o avião fora preparado às pressas, não houve checagem total. Depois de quase 20 anos transportando os presidentes brasileiros, o Sucatão está pa-ra dizer adeus. Sim, Lula quer aposentálo. Ele, o Sucatão, deixará de ser o nosso Air Force One, aquela fortaleza voadora em que o Harrison Ford, como presidente dos EUA no filme, voou e lutou com terroristas russos. Pendurado na traseira do avião, porta aberta, carga voando, o Indiana Jones tra-
“VEM CÁ, VOCÊ TEM CERTEZA DE QUE ESTE AVIÃO É SEGURO MESMO?”
O ADEUS FHC e equipe teriam dado o apelido de Sucatão (acima)
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 43
ANDRE BRANT/CBPRESS/FUTURA PRESS
começou o seu périplo pela Esplanada. Procurou a assessoria do Ministério da Defesa para abrir caminho. Foi in-formada que o assunto precisava passar pelo crivo do Palácio do Planalto. Que foi o próximo passo. A assessora da Casa negou. Negou todas as informações solicitadas. Negou também nota de Ancelmo Gois, em “O Globo”, em que dá como certa a escolha do Airbus. Novamente, nada de agenda com ministros, secretários, técnicos, segundo escalão. A revista ainda procurou a assessoria do ministro José Viegas, mas a porta está fechada também. Foi e voltou mais duas vezes na Defesa e no Planalto, atrás agora de qualquer informação, qualquer uma, do novo, do velho avião. Com qualquer um. Depois de dez dias, prazo terminando, a reportagem foi orientada a procurar a Aeronáutica, com os cuidados do brigadeiro Telles Ribeiro. Mais três dias de espera. Quando surgiu o tenente-coronel Coutinho (única apresentação fornecida) para dizer que iria procurar as informações solicitadas. Enfim, esperança. Ilusão. Dessa vez, o medo venceu. Dias depois, Coutinho deu seu veredito. Conversara com a assessoria da Defesa e Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa e Divulgação do Planalto. Eis a ordem: “A Aeronáutica está proibida de falar sobre o Boeing presidencial”, pois havia ocorrido “muita especulação a respeito da troca da aeronave”. Proibida? “Proibida é uma palavra muito forte”, disse o militar. E o repórter retrucou: “Mas foi o senhor mesmo que usou a palavra”. E o militar respondeu: “Digamos que a orientação é relativa à inconveniência sobre falar da troca do avião, pois isso gerou muitas especulações”. Nesta era, fala-se quando convém. A tranca é forte. Ao contrário do Sucatão, o governo é silencioso. t
44 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
MODAL AQUAVIÁRIO MEIO AMBIENTE
RIO ONDE POUCOSE GOVERNO DIZ QUE HIDROVIAS NÃO DEGRADAM A NATUREZA. AS ON
SECRETARIA DE ESTADO DA COMUNICAÇÃO DO MATO GROSSO/DIVULGAÇÃO
NAVEGA GS CONTESTAM
POR
LUCIENE FERREIRA
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 45
e “navegar é preciso”, como diziam os navegadores portugueses durante a expansão européia, o Brasil ainda não descobriu as vantagens des-se meio de transporte. Privilegiado em recursos hídricos, o país possui 42 mil quilômetros de rios navegáveis, 18 mil deles sem necessidade de qualquer intervenção, mas faz uso de apenas 8.000 km. No entanto, ao contrário do que completa a frase imortalizada pelo poeta Fernando Pessoa e cantada por Caetano Veloso, “viver também é preciso”. Conjugar as vantagens econômicas do transporte fluvial com a preservação do meio ambiente é o grande desafio e, também, o principal ponto de discordância entre ambientalistas e defensores desse modal. A partir de 1997, o governo federal tentou incrementar o uso de hidrovias, destacando-as em três dos 42 projetos do Programa Avança Brasil. Mas o avanço foi pequeno, concretizando-se apenas a hidrovia do Madeira, uma parceria do governo federal, do Estado do Mato Grosso e iniciativa privada. O Programa Brasil em Ação, que substituiu o anterior, incluiu na pauta de prioridades as hidrovias Telespires/Tapajós e Araguaia/Tocantins, que foram embargadas por movimentos ambientalistas que não concordaram com a implantação das “estradas d'água”. Embora a restrição judi-
S
cial tenha sido revogada, as hidrovias ainda não foram liberadas. O fato é que as obras de engenharia, muitas vezes indispensáveis para a navegação, como derrocamento (remoção de afloramentos rochosos) e dragagem (retirada de areia do fundo do rio para aprofundamento da calha), são rechaçadas por algumas ONGs. Os ambientalistas entendem que o derrocamento elimina diversas espécies de seres vivos que vivem nos rios e nas rochas e interfere na velocidade natural da água, prejudicando de forma irreversível todo tipo de vida do ecossistema. Repelem, também, a dragagem, por entenderem que a retirada da areia leva embora, também, nutrientes fundamentais para os seres aquáticos. “Não somos contra a navegação fluvial, não concordamos é com a construção de hidrovias porque, além de prejudicar o meio ambiente, estimula a expansão agrícola e modifica toda a cultura local”, justifica o presidente do Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural, Maurício Galinkin. Já os que defendem a hidrovia não concordam com o termo “construção”. Para eles, as obras e a sinalização são importantes para garantir segurança aos navegadores e até aos moradores dos arredores do rio. Não concordam também com os impactos negativos. Alegam que os danos ao meio ambiente são bem menores que a construção de estradas e ferrovias, que exigem desmatamentos e interferências muito maiores e nocivas à fauna e flora.
46 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
AILON FARIA MOURA/FUTURA PRESS
“Todo e qualquer empreendimento gera algum impacto, mas o da hidrovia é pequeno e temporário”, assegura o secretário Executivo de Transporte Aquaviário do Ministério dos Transportes, José Alex Botelho Oliva. Alex Oliva acrescenta que são necessários apenas 35 metros para a calha de navegação e que os rios, em média, têm 800 metros de largura. “Procuramos o meio do rio, que é o lugar mais profundo, exatamente para evitar a dragagem desnecessária.” Em contraposição aos ambientalistas, que alegam a poluição das águas pelos combustíveis, o secretário afirma que as emissões nas estradas são muito mais danosas ao ambiente e à saúde humana. A discussão sobre a instalação das obras é tão acirrada que não faltam acusações dos dois lados. Hidrólogos e empresários acusam as ONGs de estarem defendendo interesses de grupos internacionais, especialmente produtores de so-ja, que seriam responsáveis por apoios financeiros a essas instituições. Os ambientalistas se defendem e responsabilizam o governo pelo descaso com o meio ambiente e com os povos ribeirinhos, que sofreriam com o incremento da navegação.
Pantanal ameaçado
POMO DA QUESTÃO Obras para ampliação ficam na berlinda quanto à preservação
Um dos projetos condenados é expansão da hidrovia ParaguaiParaná, que corta cinco países da América do Sul: Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Argentina. Maurício Galinkin adverte que o
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 47
HIDROVIA É ESSENCIAL PARA ESCOAR PRODUÇÃO história dos meios de transporte no Brasil sempre esteve ligada aos interesses econômicos dos diferentes governos que conduziram o país. Na fase da colonização, o transporte fluvial e por meio de animais eram os mais utilizados para conquistar as terras e levar produtos a todos os rincões. A ferrovia foi adotada ainda pelo governo imperial, a partir de uma Carta de Lei para exploração de estradas em geral, publicada em 1828. A intenção era interligar as diferentes regiões do país, principalmente ao litoral fluminense, o pólo econômico de então. Mas a primeira locomotiva, a “Baroneza”, só foi construída em 1854, por Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, conside-
A
aprofundamento do leito do rio Paraguai, para permitir a passagem de comboios maiores, vai acelerar o fluxo da água e impedir o alagamento natural durante metade do ano. Segundo ele, se a altura do rio baixar 50 cm, metade do Pantanal pode desaparecer. A obra, segundo ele, comprometeria uma área de 140 mil quilômetros quadrados e colocaria em risco centenas de espécies e atividade dos agricultores que dependem do pasto revigorado com a cheia. Também refletiria de forma negativa no ecoturismo e na pesca, principais fontes de economia da região. O projeto vem sendo contestado pela Coalisão Rios Vivos, formada por 100 ONGs dos países envolvidos.
rado o patrono do Ministério dos Transportes. Os maiores investimentos ferroviários foram realizados em função da exportação do café, que abria novas fronteiras, e contava com a participação efetiva do capital inglês. A partir de 1940, década em que se iniciou a industrialização do país, a ferrovia foi perdendo sua força para um outro meio: o rodoviário. A justificativa é que as estradas eram capazes de fazer a integração nacional a um custo mais reduzido, mas o fato é que elas serviram para atrair investidores estrangeiros, principalmente norte-americanos. Na década seguinte, começaram a se instalar no Brasil, as montadoras com sede nos Estados Unidos. Para o secretário-executivo de Transporte
O superintendente da Administração da Hidrovia do Paraguai (Ahipar), Fermiano Yarzon, garante que o projeto, no trecho brasileiro, prevê obras de dragagens de pequenos volumes que não prejudicarão o santuário ecológico. Afirma que os estudos das obras e dos impactos ambientais deverão ser entregues aos governos dos cinco países até o final deste ano para que sejam discutidos com a sociedade organizada em audiências públicas. “Desde que ambientalmente sustentável, o projeto é de vital importância para a economia do Mato Grosso do Sul e do Brasil, pois integra a América Latina e reduz substancialmente o frete de nossas mercadorias de exportação e de rece-
Aquaviário do Ministério dos Transportes, Alex Oliva, esse foi um equívoco histórico. Em sua opinião, o sistema rodoviário, hoje responsável por mais de 60% das cargas transportadas no país, é imbatível para distâncias de até 300 km. A partir desse limite, perde para o ferroviário e hidroviário, que apresentam custos menores e possibilidade de transporte de maior volume. Oliva defende o sistema multimodal, em que os três modos sejam interligados com o objetivo de assegurar mais rapidez e menor custo. Por isso, acredita na retomada das hidrovias como eixo fundamental para o desenvolvimento econômico e escoamento da produção nacional para mercados externos.
BLAIRO MAGGI Implantação no rio Madeira
bimento de produtos do Mercosul”, completa. Discórdias à parte, o transporte fluvial se mostra realmente muito mais competitivo que o rodoviário ou ferroviário, no caso de grandes volumes e em grandes distâncias. Segundo estudos do Ministério dos Transportes, o custo do transporte por hidrovia é duas vezes menor que pelas ferrovias e até cinco vezes inferior ao das rodovias. Além das tarifas mais baixas, as barcaças transportam volumes muito maiores que os caminhões. Cada barco comporta 3.000 toneladas, contra as cerca de 30 toneladas transportadas por caminhão. Como o transporte é feito, geralmente, em comboios de seis bar-
48 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
RETRATOS D0 SUBAPROVEITAMENTO DO MODAL hidrovia Paraguai-Paraná, segundo o superintendente da Administração da Hidrovia do Paraguai (Ahipar), Fermiano Yarzon, não tem sido aproveitada em todo seu potencial porque não tem nenhuma obra de melhoria. Em 2002, foram transportadas 2,1 milhões de toneladas por suas águas. Ele prevê que o volume poderia alcançar 10 milhões de toneladas por ano. O principal produto transportado é o minério de ferro, que representou 1,5 milhão de toneladas no ano passado, destinadas principalmente para a Argentina. Em seguida, ficaram os grãos, com 488,7 mil toneladas, exportados para Bolívia e Argentina. Com 1.020 km, a hidrovia do Paraná é totalmente sinalizada e responsável pelo transporte de 2,5 milhões de toneladas, 95% delas de grãos, principalmente soja. É um importante eixo de exportação do porto de Santos. O diretor da Ahrana, Antônio Badih Chehin, diz que, com a implantação de obras previstas no Plano Plurianual (PPA) do governo federal, a expectativa é alcançar 13,5 milhões de toneladas até 2006. Serão realizados derrocamentos no canal de Guaíra e melhorias na ponte Maurício Joppert, em Presidente Epitácio (entre São Paulo e Mato Grosso do Sul). Uma das mais antigas hidrovias do Brasil, a Sul movimenta 5,8 milhões de toneladas/ano. De acordo com o diretor da AHSul, José Luiz Fay de Azambuja, a partir da implantação da nave-
A
gação na Lagoa Mirim, que já está dragada, mas ainda não em operação, a hidrovia se tornará um novo e importante corredor do Mercosul, unindo São Paulo a Montevidéu. Construída para o aproveitamento das nove hidrelétricas instaladas no Tietê, a hidrovia Tietê-Paraná é o principal corredor de exportação do Centro-Oeste para Santos. De acordo com o diretor do departamento hídrico da Secretaria de Transportes de São Paulo, Oswaldo Francisco Rossetto Júnior, a previsão é encerrar o ano com o transporte de mais de 2 milhões de toneladas, das quais 1,2 milhão em grãos e óleos transportados na maior distância. Admite, no entanto, que a capacidade da hidrovia é de transportar 25 milhões toneladas por ano. A bacia do Nordeste é composta por 12 rios estaduais e o federal Parnaíba (que integra o Piauí e o Maranhão), numa extensão de 4.000 km de vias navegáveis. Mas a hidrovia é subutilizada, transportando pequenas e variadas cargas, além de passageiros, e alcança 800 toneladas por quilômetro útil (TKU) anuais. Já está em fase de licitação a conclusão de duas eclusas na barragem de Boa Esperança, em Guadalupe (PI), para a correção de um desnível de 48 metros do Parnaíba. A obra irá permitir a navegabilidade em mais 830 km no Piauí, além de interligar ferrovias e estradas que dão acesso aos outros Estados. O superintendente da Ahinor, José Oscar
Frazão Frota, estima que, a partir da melhoria, prevista para terminar em dois anos, poderão ser transportadas 1,2 milhão de toneladas/ano de soja. Sem saída para o Atlântico, a hidrovia do São Francisco é interligada aos principais centros econômicos do país por ferrovias e estradas. A navegabilidade do rio melhorou depois da construção da eclusa de Sobradinho, na Bahia. Pela hidrovia são transportadas cerca de 60 mil toneladas/ano de grãos.
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 49
caças, é possível transportar de uma só vez até 18 mil toneladas de mercadorias. Alex Oliva explica que a hidrovia é mais indicada para produtos de baixo valor agregado como grãos e minérios. Mesmo assim, o transporte aquaviário (considerando, também, o marítimo) representa apenas 13,5% da matriz de transporte brasileira. Dados do governo federal indicam que são transportadas pelas hidrovias brasileiras cerca de 23 milhões de toneladas/ano, com uma distância média de transporte de 1.350 km, 6,26 milhões de tonelaFUTURA PRESS
TODA OBRA PROVOCA IMPACTO, MAS O DA HIDROVIA É PEQUENO ECONOMIA Tem vantagem mesmo em barcos menores
das/ano de minérios e 3,9 milhões de toneladas de grãos a granel.
Intermodalidade Mas a hidrovia sozinha não é viável no transporte de cargas. Para ser viável, precisa estar inserida num sistema multimodal, ou seja, é fundamental que haja ligação com ferrovias ou rodovias, com mais racionalidade. Seria, então, a via ideal para a exportação, chegando de maneira mais rápida e barata a portos marítimos pouco utilizados.
É sob esse raciocínio que hidrólogos entendem que a hidrovia seria o meio mais fácil para estimular o desenvolvimento das regiões Centro-Oeste e Norte. Com vocação para a plantação de grãos, especialmente a soja, o Centro-Oeste ainda utiliza muito os portos do Sul e Sudeste para desaguar a produção, aumentando a distância e elevando o preço final do produto. O caminho inverso para portos principalmente do Amazonas e Maranhão já mostrou que as hidrovias podem ser aliadas para a
conquista do mercado externo. Pela hidrovia do Madeira, por exemplo, foram transportadas, no ano passado, 1,5 milhão de toneladas de grãos, que saíram para a Europa pelo porto de Itacotiara (AM), a um custo muito menor que nos anos anteriores: US$ 57 a tonelada contra US$ 110, se saísse pelo porto de Santos. Além disso, a viagem até o Amazonas dura, em média, de quatro a cinco dias e para a cidade paulista, entre dez e 15 dias. Um dos maiores beneficiados com a hidrovia do Madeira foi o
FUTURA PRESS
50 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
SUBUTILIZAÇÃO Mais barata, hidrovia é pouco aproveitada no Brasil
NA AMAZÔNIA “INDOMÁVEL” A ENGENHARIA É NATURAL rincipal centro hidrográfico em termos de volume de água do país, a Amazônia Ocidental compreende o rio Amazonas e seus afluentes e é considerada “indomável”. Totalmente natural, não sofre qualquer intervenção de engenharia. A hidrovia do Madeira, uma das prioridades do governo federal, é navegável numa extensão de 1.056 km, entre Porto Velho e sua foz, no rio Amazonas. De acordo com o superintendente da Administração da Amazônia Ocidental, Elpídio Gomes da Silva Filho, cerca de 5 milhões de toneladas/ano de cargas já são transportadas pelo rio Madeira. Ao todo são transportados pelo Amazonas 12 milhões de toneladas anuais. Do lado da Amazônia Oriental, com uma extensão de aproximadamente 1.000 km, o governo tenta implantar a hidrovia Teles
P
Pire-/Tapajós, que esteve embargada em função de uma ação impetrada por ONGs ambientalistas. Por 345 km, ela é navegável sem qualquer intervenção, mas em outros 677 km são necessários derrocamentos e dragagens para permitir a navegação, além da construção de um canal e uma eclusa (diques que permitem, por enchimento ou esvaziamento, a transposição das embarcações) para corrigir o desnível do rio. O superintendente da Administração da Amazônia Oriental, Michel Dib Tachy, diz que a implantação da hidrovia seria fundamental para o escoar os grãos do Mato Grosso. A Tocantins-Araguaia é navegável por seis meses no ano, de novembro a maio, época da safra de grãos. O superintendente da Ahitar (Administração da Hidrovia Tocantins-Araguaia), Josenir Gonçalves Nasci-
mento explica que no rio Araguaia, entre Palestina (PA) e Bico do Papagaio, na divisa do Pará, Tocantins e Maranhão, a navegação não é possível em função da corredeira de Santa Isabel. Para tanto, seria necessária a derrocagem do local, motivo do embargo. Nascimento afirma que pela hidrovia são transportadas cerca de 3 milhões de toneladas/ano, mas a previsão é alcançar 6 milhões toneladas/ano, com as obras das eculsas de Tucuruí (PA), que já tem 40% das obras prontas, e a de Lajeado (TO), que só alcançou 10% da construção. Ele acredita que, se forem construídas as hidrelétricas de Estreito e Serra Quebrada, ambas no Maranhão, o transporte pode subir para 14 milhões de toneladas anuais. Isso porque a hidrovia alcançaria a ferrovia Norte-Sul, que leva ao porto de São Luís.
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 51
ENTRE ÍNDIOS, ONGs E TRIBUNAIS ma das hidrovias que mais tem provocado discórdia é a Araguaia-Tocantins. As obras chegaram a ser embargadas por liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decisão confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas em março deste ano a restrição foi revista. A briga começou em 1999, quando cinco dos oito antropólogos contratados para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental da hidrovia denunciaram fraude na divulgação do relatório, que é uma síntese do primeiro documento. De acordo com os especialistas, o estudo abordou três questões distintas: diagnóstico da situação dos povos indígenas das áreas de influência da hidrovia, impactos diretos e indiretos sobre essas comunidades e medidas para corrigir os problemas levantados. A versão final, segundo os antropólogos, apontou só o diagnóstico. Com base nas denúncias, a ONG Instituto Socioambiental (ISA), junto com o Ministério Público e os povos xavantes, ajuizou uma ação que impediu a obra por quatro anos. O movimento ganhou apoio da Rede Cerrado, Coalisão Rios Vivos, Simpósio Ambientalista do Cerrado e Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (Cebrac). O atraso na implantação da hidrovia prejudicou duas empresas que apostaram no empreendimento. A Navbel, do Grupo Splice, adquiriu 16 barcaças e investiu US$ 20 milhões, US$ 12 milhões financiados pelo BNDES. A Araguaiana aplicou US$ 3,5 milhões na compra de cinco balsas, também com recursos do BNDES. Ambas continuam impedidas de trafegar e as embarcações estão paradas. O diretor da Araguaiana, Andreas Langen,
U
diz que a empresa perde R$ 2 milhões por mês sem o transporte de soja. No prejuízo, ele também computa a prestação mensal que deve ao BNDES de R$ 100 mil, o que resultou na inclusão do nome da empresa e o seu, como avalista, no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). O movimento ambientalista alega que as obras (derrocamentos, dragagens e eclusas) prejudicariam a fauna aquática, principal fonte de alimentação da população ribeirinha, estimularia a agricultura extensiva e mecanizada e provocaria devastação e poluição por defensivos agrícolas, além de elevar a influência do homem sobre as tribos da região. “Teremos mais problemas de invasões de terras indígenas e de infra-estrutura para receber o fluxo migratório”, diz o advogado dos xavantes, Fernando Mathias Baptista, do ISA. Ele é contestado pelo secretário de Transporte Aquaviário do Ministério dos Transportes, Alex Oliva, que garante que os impactos seriam menores que os alardeados. Cita o exemplo do derrocamento, que atualmente é feito com martelo hidráulico (jatos de água) e não mais com explosivos, mais agressivos. Oliva acentua que a hidrovia poderia gerar mais de 800 mil empregos diretos e indiretos, além de proporcionar o desenvolvimento econômico da região central do Brasil, que tem se consolidado como pólo produtor de grãos. O superintendente da Tocantins-Araguaia, Josenir Gonçalves Nascimento, garante que nenhuma obra será executada sem o aval da comunidade. “A hidrovia viabiliza a questão ambiental, pois precisamos preservar o rio para podermos utilizá-lo”, argumenta.
governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, maior produtor de soja do mundo e um dos responsáveis por sua implantação. Dono da Hermasa, empresa responsável pelo transporte de 95% dos produtos que seguem pelo rio, já exportou, este ano, pela hidrovia, cerca de 1,6 milhão de toneladas. O secretário de Assuntos Estratégicos do Mato Grosso, Clóvis Vettorato, diz que o governador pretende triplicar a produção de grãos do Estado nos próximos dez anos e alcançar 45 milhões de toneladas. Para tanto, está implantando o mais ousado programa rodoviário do país. Pretende, até o final do seu governo, elevar os 1.900 km de estradas para 2.500 km. O investimento principal será na BR163, que liga o Estado à hidrovia Tapajós, e BR-158, que segue paralela à Araguaia/Tocantins e pode ligar a ferrovia Carajás ao porto do Madeira, em São Luís (MA). “À medida que melhora as condições de escoamento, a demanda cresce”, aposta o secretário. Indagado sobre os impactos que as obras poderiam provocar nas populações indígenas da região, Vettorato é taxativo: “Os índios querem desenvolvimento e condições de vida adequadas, mas às vezes são usados como instrumentos de outros interesses inconfessáveis.” Ele se refere a ONGs que estariam a serviço de concorrentes internacionais. “O Mato Grosso pratica agricultura de alta tecnologia com respeito ao meio ambiente. Isso assusta os concorrentes do Norte.” t
52 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
SAÚDE ALIMENTAÇÃO
GRÃO DA ECONOMIA AJUDANOBEM-ESTAR PRINCIPAL PRODUTO TRANSPORTADO NAS ESTRADAS, A SOJA AINDA É UMA DESCONHECIDA NA MESA DO BRASILEIRO POR
que eu e os companheiros falamos desse assunto é sobre a melhoria do preço do frete, ou se deu muita soja no ano. Às vezes, a gente se pergunta sobre a soja transgênica. Uns falam que é muito boa, outros que não.” Há 12 anos, o caminhoneiro Renaldo da Silva, 37 anos, percorre uma média de 17.000 km por mês pelas estradas do país transportando soja. Ele é um dos responsáveis por levar as 42 milhões de toneladas de grãos, 80% da safra nacional, para os portos por rodovias. E pouco sabe sobre o produto que traz o sustento para si e sua família. Casado, pai de dois filhos e morador de Barra Velha (SC), Renaldo desconhece os benefícios do grão. Um alimento versátil, de alto poder nutritivo e de grandes potencialidades funcionais. Produzido em larga escala no país – o Brasil é o segundo maior produtor do mundo – e responsável por grandes divisas na balança comercial. Só esses quesitos já poderiam colocar a soja como um dos principais alimentos nacionais do século 21.
“O
MARÍLIA MENDONÇA
Mas não é essa a realidade. O grão, conhecido como “sagrado” pelas civilizações orientais, ainda busca seu lugar na mesa da maioria dos brasileiros. Riquíssima em proteína – que pode ser mais benéfica que a de origem animal – e em minerais como ferro, potássio, fósforo, cálcio e vitaminas do complexo B, a soja se firma a cada dia como indispensável em uma dieta ideal. Além disso, seu consumo traz vantagens, pois tem grande potencial curativo e preventivo de doenças. Potencial que ainda está sendo explorado em pesquisas no mundo inteiro. Além das já conhecidas propriedades na ajuda à redução de doenças cardiovasculares e na diminuição dos sintomas da menopausa, vem sendo estudado também o uso de um de seus componentes no combate ao vírus da Aids. Segundo a engenheira de alimentos e pesquisadora da Embrapa Soja de Londrina (PR), Vera de Toledo Benassi, 42, estudos “in vitro” mostram que foi verificada a potencialidade da saponina, um dos componentes do grão, na inibição da proliferação do HIV.
O CONSUMO DE SOJA TRAZ VANTAGENS, DEVIDO AO POTENCIAL CURATIVO E PREVENTIVO DE DOENÇAS
RIQUEZA Safra de 52 milhões de toneladas
WEIMER CARVALHO/FUTURA PRESS
54 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
Outros estudos já comprovaram o caráter benéfico do alimento. Com base em algumas dessas pesquisas, o FDA (agência que regulamenta o comércio de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos) oficializou o potencial terapêutico do grão na prevenção das doenças do coração. E recomenda o consumo diário de 25 g de proteína de soja (cerca de 60 g de grãos ou farinha), como forma de prevenção de doenças cardiovasculares ao reduzir os níveis de colesterol total e do mau colesterol (LDL). Mas se o potencial nutritivo da soja é unanimidade entre especialistas, apesar do vasto número de pesquisas e estudos ainda há discussões com relação à utilização, principalmente da isoflavona, na ajuda à redução do risco de câncer de mama, próstata e cólon. A isoflavona é um composto da soja, também chamado de fi-
BRASIL PROJETA SAFRA RECORDE PARA 2004 ais do que trazer benefícios à população, a soja faz muito bem à saúde econômica do país. Segundo maior produtor do grão no mundo – fica atrás apenas dos Estados Unidos –, o Brasil terá este ano uma safra recorde. O número estimado da produção 2002/2003 é de 52,21 milhões de toneladas, a maior já produzida no país. Segundo dados da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), do total de US$ 16,214 bilhões em exportações entre janeiro e julho deste ano, a soja foi responsável por US$ 4,472 bilhões. Até o fim do ano, o Brasil deve exportar US$ 8 bilhões em soja. A produção norte-americana do grão supera a do Brasil – 74,3 milhões de tonela-
M
das. No entanto, em valores, as exportações brasileiras atingiram, em 2002, US$ 6 bilhões, quase igualando as vendas externas dos EUA, de US$ 7,2 bilhões. Para 2003, as projeções indicam que o Brasil exportará US$ 7,5 bilhões de soja, chegando a 2004 como o maior exportador mundial do produto, segundo o chefe do departamento econômico da CNA, Getúlio Pernambuco. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) prevê um aumento da produção do grão em 2004. E a polêmica soja transgênica – cujo plantio foi liberado com restrições pelo governo federal – será em parte responsável por isso. A companhia estima que o país colherá entre 56,1 milhões e 58 milhões de toneladas, um aumento de
7,8% a 11,5% em relação à safra atual. Do total produzido este ano, de 13% a 14% são de grãos geneticamente modificados. O crescimento irá precisar de melhorias do transporte para garantir competitividade internacional. Segundo o governo federal, em 2000, cerca de 80% da carga que seguiu para os portos foi por rodovias, 14,81% por ferrovias e 4,23% por hidrovias. Levantamento da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, a extinta Geipot, feito em 2000 mostra que o país desperdiça US$ 70 milhões em frete e combustível. A falta de ferrovias e estradas mal-conservadas fazem com que o produto brasileiro agregue custos e chegue ao destino com pouca diferença de preço com relação ao produto americano.
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 55
toestrógeno, cuja estrutura química é semelhante ao estrógeno (hormônio feminino). Estudos tentam comprovar sua capacidade para aliviar os efeitos da menopausa e da tensão pré-menstrual e reduzir um outro problema causado pela deficiência hormonal: a osteoporose. Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, o médico Antônio Gabriel Vieira ressalta que os estudos científicos comprovaram como viável apenas seu uso para o alívio das ondas de calor associadas à menopausa e como auxiliar na redução dos níveis de colesterol, desde que prescrito por profissional habilitado. Segundo ele, as demais alegações, relacionadas ao câncer de mama, osteoporose, reposição hormonal e doenças cardiovasculares, ainda não têm comprovação científica para justificar o uso. A professora e médica Maria Inés Genovese, CRISTINA CABRAL/O POPULAR/FUTURA PRESS.
do departamento de alimentos e nutrição experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, concorda. “Ainda não foram estabelecidos os mecanismos de ação das isoflavonas, as relações dose-efeito, as variações de resposta de acordo com a idade, raça e sexo e os efeitos colaterais.” Em contrapartida, ela apresenta números de diversos estudos epidemiológicos que mostram uma menor incidência de câncer de mama, próstata e cólon nas populações da Ásia, onde o consumo per capita de soja é 20 a 50 vezes maior que nas populações ocidentais. Formada pela Unicamp, a engenheira de alimentos Vera Benassi defende uma interação médico-paciente para se chegar a uma conclusão com relação ao uso das isoflavonas. “Há muitos casos em que o uso da isoflavona é benéfico, não funciona apenas como um placebo. Além disso, é indiscutível a melhora nutricional, o fortalecimento da imunidade do indivíduo. Não é só um remedinho. Médicos de diversas especialidades, como cardiologistas, dermatologistas, endocrinologistas, indicam seu uso.” A importância, reafirma Vera, é ressaltada pelo interesse de pesquisadores do mundo inteiro.
“Gosto esquisito” A engenheira faz parte de um projeto chamado Soja na Mesa, desenvolvido pela Embrapa Soja, em Londrina (PR), que tem por objetivo divulgar o grão como o alimento rico que é. Segundo ela, não existe estatística do consumo per capita da soja no Brasil. Mas muito já mudou desde que o alimento foi introduzido no país na década de 70. Uma das maiores barreiras para o consumo do grão, o sabor, vem sendo driblado pelo desenvolvimento de processos que eliminam a lipoxidase, responsável pelo “gosto esquisito” da soja. E receitas são desenvolvidas para adaptar a soja ao cardápio brasileiro.
EM SÉRIE Produção começa a crescer no Brasil
56 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
JAPÃO TEM BAIXO ÍNDICE DE CÂNCER hoyo, missô, tofu, natô, kinako, tonyo... Todas essas iguarias da culinária japonesa têm algo em comum: são feitas à base de soja. Segundo Reimei Yoshioka, 67 anos, vicepresidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (SBCJ), o grão está ligado à tradição oriental. Dados epidemiológicos mostram que o grande consumo pelas populações orientais poderia ser o fator determinante na baixa incidência de certos tipos de câncer (mama, próstata e cólon), doenças cardiovasculares, osteoporose e sintomas da menopausa. Filho de imigrantes japoneses que vieram para o Brasil na década de 20 e morador da Liberdade, maior colônia japonesa no país, Yoshioka é um dos defensores da popularização do alimento. Cita uma pesquisa sobre alimentação e longevidade, feita pela Universidade de Kyoto, no Japão. Segundo ele, foram pesquisados os hábitos alimentares das comunidades de Okinawa, no sul do Ja-
S
pão, do Havaí (EUA), onde há uma grande colônia nipônica, e de Campo Grande (MS). Nos dois primeiros lugares, onde é tradicional o consumo de soja, peixe, verdura e arroz, constatouse o mesmo tipo de longevidade. Já na cidade brasileira, os hábitos alimentares da comunidade estavam influenciados pelos costumes locais – ricos em carne vermelha e sal. Conclusão: um maior índice de obesidade e menor tempo de vida da população. Foi feito um experimento com um grupo de pessoas de Campo Grande. Após oito semanas com uma alimentação tradicional japonesa, constatou índices, como o do colesterol, similares aos colhidos no país oriental. "Essa pesquisa comprova que a alimentação é fundamental", diz Yoshioka. A fim de estimular o consumo da soja no país, a SBCJ iniciou uma campanha de popularização, com o apoio da Embrapa Soja, de Londrina. O movimento fará palestras e eventos educativos.
advindos do produto e estendeu a soja para a dieta de toda a família. “Sinto as vantagens do uso da soja de forma evidente. Dá mais energia e aumenta a imunidade das crianças também. É muito raro eles ficarem doentes. Há uma boa diferença na pele e nos cabelos. E o intestino funciona maravilhosamente bem. Sinto também uma alteração no meu humor, que melhorou muito”, diz. Para adaptar o grão ao paladar da família, Maria “abrasileirou” o uso da soja. “Fui inovando. Faço feijoada vegetariana, uso a soja em cozidos. Meus filhos gostam muito do grão torradinho.” E Renaldo, encarregado de despachar para a exportação os grãos que devem gerar US$ 8 bilhões este ano ao Brasil, já começa a olhar a soja com outros olhos. Perguntado se já consumiu algum produto derivado, a resposta é óbvia, cita os comuns: óleo, margarina. Recusa e valoriza. “Uma vez, eu comi um hambúrguer de soja. Não tem nada a ver com o hambúrguer normal. É a mesma coisa de chupar uma tangerina enxertada, o sabor é diferente. Mas, na estrada, a gente não tem escolha, não. Às vezes, mesmo um hambúrguer de soja vale ouro.” E deixa o caminho aberto para novos sabores. “Se é tão bom pra saúde, poderia experimentar outras coisas de soja.” t PAULO FONSECA
Avessa às controvérsias entre estudiosos, a professora de línguas Maria Indelicato de Miranda provou e aprovou o uso da soja em sua dieta. Casada com um médico anestesista e mãe de três filhos, era vítima de constantes crises de irritabilidade e fortes dores de cabeça no período pré-menstrual. Maria passou então a fazer uso do grão e seus derivados há dois anos por indicação de uma amiga. Hoje, com os sintomas da TPM bastante amenizados, ela comemora outros benefícios CRESCIMENTO Soja ganha a prateleira dos supermercados com variedade
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 57
OPINIÃO ALEXANDRE GARCIA
A galinha e o ouro
B
O BRASIL DESPERDIÇA MAIS EM CONGESTIONAMENTOS E MÁ CONSERVAÇÃO DAS ESTRADAS DO QUE TODO O VALOR DE SUAS IMPORTAÇÕES
RASÍLIA (Alô) - Em Tangará da Serra, Mato Grosso, os agricultores locais conseguiram se unir para pleitear manutenção para a mal-cuidada BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. O orçamento federal reservou R$ 1,5 milhão para manter o trecho da estrada que interessava aos produtores da região. Segundo eles, a verba foi gasta com uma patrolagem na estrada, que nada adiantou. Sem desanimar, eles se cotizaram e levantaram dinheiro para fazer o que era necessário para tornar a estrada transitável. Gastaram R$ 95 mil. Se fosse possível fazer uma projeção nacional para isso, veríamos que se paga no mínimo 15 vezes o preço justo. Aí descobre-se por que o dinheiro desaparece, e a estrada também. A privatização de rodovias foi um caminho; ferrovias privadas também abrem perspectivas, mas como financiar o desenvolvimento necessário para acompanhar o "espetáculo do crescimento", quando ele vier? A previsão de crescimento do PIB para o próximo ano é de 3%. Mas por onde vai circular essa riqueza? Dobrar as exportações é possível; estamos aprendendo a vender, em lugar de sermos comprados. Mas será impossível na atual estrutura de escoamento terrestre e portos. O diagnóstico tem sido sempre o mesmo: falta dinheiro para investir. A Constituição de 1988 foi madrasta para a infraestrutura de transporte. A estrutura tributária que ela criou deu inconstância e insegurança para investimentos públicos em transporte. A Cide, a partir de 2001, é só teoria no que diz respeito a investimentos em transporte. Tem servido para pagar juros e aposentados por conta do Tesouro. Será ficção também o planejamento estratégico para o transporte? O quadro é sombrio. As más estradas e a frota já na terceira idade não perdem apenas cargas valiosas, mas vidas valiosíssimas. Para cada 1.000 km de rodovias temos 213 mortos por ano. A estrutura de transportes não tem condições de acompanhar o crescimento da economia do Brasil
e paira sobre ela um potencial colapso. O transporte fica com custo elevado e é absolutamente ineficiente. O pior: é um setor endividado e sem capacidade de financiar seus investimentos. Como se isso não bastasse, o Brasil desperdiça mais em congestionamentos e má conservação das estradas do que todo o valor de suas importações. Isso sem contar o roubo anual de R$ 1 bilhão em cargas. O desafio gigantesco é encontrar recursos para modernizar os portos, as rodovias, as ferrovias, a frota de caminhões, hoje com idade média de 18 anos. Como vencer o desafio? Dizem as boas línguas que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem dinheiro sobrando para financiar estradas de escoamento de produção e de integração entre os vizinhos sul-americanos, mas não empresta por falta de projetos. A nata do capitalismo encontrou uma boa solução para ter excelentes portos nos Estados Unidos: empresas privadas que lançam debêntures no mercado para se financiar. As debêntures ficam ligadas a projetos específicos, que dão boa renda. Aqui, o pedágio é apenas um paliativo, que só funciona em regiões com alta densidade de tráfego. Ninguém vai conseguir financiar a conservação da Belém-Brasília com pedágio. Mas ninguém pode buscar soluções privadas sem esquecer que a infra-estrutura de transportes é responsabilidade do Estado. É fácil para o Estado arrecadar os impostos gerados pela riqueza transportada e lavar as mãos sobre o sangue justo do transporte. Os que governam e os que legislam precisam levar em conta uma verdade óbvia: sem transporte – rodovias, hidrovias, ferrovias, portos – não há válvula aberta para o motor da economia e ele afoga. Sem atividade econômica, não há impostos. O transporte é gerador crucial de impostos. É a galinha que gera ovos de ouro. E os impostos têm que ter retorno em serviços e investimentos. Se matarem a galinha, perderão o ouro.
58 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
MAIS TRANSPORTE BASTIDORES & NEGÓCIOS
CARTÃO DE FRETE A Pamcary está lançando novas funções no mercado de transporte de cargas em seu cartão eletrônico. Uma das novidades é o pagamento eletrônico de fretes, processo que substitui a carta-frete, um modelo de pagamento vigente há mais de 50 anos, considerado complexo e descentralizado. Outra nova função do cartão é o crédito eletrônico das despesas para os pedágios. Dentro desse processo, o transportador e o embarcador poderão creditar os valores do pedágio no próprio cartão portado pelo caminhoneiro, sem deixar de cumprir a legislação que trata do assunto. O novo cartão será distribuído aos usuários do Pamcary em dezembro.
VOLTA AO MUNDO A exposição "Asas do vento" poderá ser visitada até o dia 30 deste mês, no Museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro. A mostra apresenta imagens da primeira volta ao mundo em um motoplanador, realizada pelo piloto Gérard Moss em 100 dias. O acervo é composto por fotografias aéreas, mapas da rota da viagem, planos de vôo, cartas meteorológicas, objetos pessoais, entre outras peças. Os visitantes também poderão assistir a uma exibição de vídeo sobre a viagem.
FENATRAN/DIVULGAÇÃO
TECNOLOGIA Segurança no transporte de carga foi destaque no Anhembi
FENATRAN 2003 A Fenatran 2003 terminou com saldo positivo e a promessa de aquecimento das vendas para o próximo ano nos setores de transporte e logística. A feira foi realizada entre 20 a 24 de outubro no Anhembi, em São Paulo. Segundo os organizadores, cerca de 33 mil pessoas visitaram o evento nesse período. Os destaques foram os equipamentos de segurança e as novas tecnologias para transportes de cargas. Para o diretor da Fenatran, Evaristo Nascimento, a 14ª edição de uma das maiores feiras do transporte da América Latina superou em 20% a marca de visitação de 2001. Um fator
que provocou a alta, segundo os organizadores do salão, foi a mudança do perfil do público, que está cada vez mais profissionalizado. Participaram da Fenatran 232 expositores, 21 deles internacionais, em uma área de 74 mil metros quadrados. Ficaram expostos no Pavilhão do Anhembi 44 caminhões pesados, 38 leves, 63 comerciais leves, 54 reboques e 20 veículos de competição, além de charretes, carroças e um trator. O Salão Internacional do Transporte de Cargas e Logística foi organizado pela Alcântara Machado e patrocinado pela Anfavea e pela NTC.
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 59
CONCESSÃO DE RODOVIAS Novidades em tecnologias e produtos usados na construção, conservação e operação de rodovias serão assuntos debatidos por dirigentes e técnicos de empresas concessionárias e representantes de órgãos públicos rodoviários em novembro. Fornecedores nacionais e internacionais apresentarão seus produtos na 3ª Exposição Internacional de Produtos para Rodovias (Brasvias 2003). Esse evento ocorre paralelamente ao 3 º Congresso Brasileiro de Concessões, que acontece entre os dias 26 e 28, no Centro de Convenções Expo-Gramado, no Rio Grande do Sul. O encontro terá em sua programação seminários e palestras sobre o Programa Brasileiro de Concessão.
FEIRA DO CAMINHOENRO Está marcada para os dias 28, 29 e 30 de novembro a Feira do caminhoneiro que neste ano será no município de Feira de Santana, na Bahia. O evento, promovido pela "Revista do Caminhoneiro" com o apoio do Sest/Senat, será realizado no Parque de Exposições João Martins da Silva. O objetivo é reunir caminhoneiros para shows, gincanas e diversos entretenimentos para iniciar a confraternização natalina da categoria.
FESTCAM
TEMA ÚNICO O caminhão é motivo de festa na Bahia e feira em Ribeirão Preto
A Feira de Negócios e Tecnologia do Setor de Transporte de Ribeirão Preto (Festcam) será realizada de 4 a 7 de dezembro no Parque Permanente de Exposições em Ribeirão Preto (SP). O evento, que tem como patrocinadores a Cooperativa dos Agricultores da Região de Orlândia (Carol), a Petrobras, o Banco do Brasil, a Autovia e a Vianorte, tem o objetivo de informar profissionais da área sobre as novas tecnologias e
promover reciclagem profissional. A feira terá estrutura de um pavilhão totalmente coberto com 5.000 metros quadrados, além de uma área externa quatro vezes maior. Estarão presentes empresas dos mais variados setores do transporte, representando mais de 500 marcas. A expectativa de público dos organizadores é de 20 mil pessoas. Informações: www.festcam.com.br MILTON M. FLORES/FUTURA PRESS
60 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
DIP COMUNICAÇÃO/DIVULGAÇÃO
CNT EM PAUTA PRÊMIO DE JORNALISMO As inscrições para o Prêmio CNT de Jornalismo 2003 foram prorrogadas até o dia 17 de novembro. Podem concorrer trabalhos veiculados pela imprensa nacional (jornal, revista, rádio e televisão) no período de 9 de novembro de 2002 a 9 de novembro de 2003. O objetivo é estimular, divulgar e prestigiar trabalhos jornalísticos que contribuam para o melhor entendimento, pela sociedade e poder público, da importância do transporte na vida econômica, política e cultural do país, assim como apontar problemas e soluções para o setor. Mais informações no site www.cnt.org.br.
DESTAQUE 2003
ECOLOGIA O simpósio Biodiesel e Suas Aplicações em Motores Ciclodiesel, realizado no último dia 31 no Sest/Senat de Ribeirão Preto, reuniu 132 participantes de vários Estados, representando empresas interessadas no uso do combustível alternativo no transporte de carga
TRANSPORTE COLETIVO Alternativas para reduzir o preço da tarifa do transporte coletivo é o tema principal da Carta de João Pessoa, documento produzido ao final do 3º Seminário Técnico Fetronor - Tendências e Estratégias para o Transporte Coletivo, realizado na capital paraibana em 31 de outubro. Empresários, autoridades, técnicos e dirigentes de diversas entidades representativas do transporte coletivo do Nordeste debataram as
possíveis soluções para as questões que entravam o desenvolvimento do transporte público da região. As discussões abordaram principalmente os valores das tarifas do transporte coletivo e alternativas para seu barateamento. A Carta será enviada às autoridades da região e a segmentos organizados da sociedade. O objetivo é a adoção de medidas que possam contribuir para resolução da questão.
Os transportadores brasileiros entregaram no dia 23 de outubro, na sede da entidade da CNT, o Prêmio Destaque de 2003 a Celso Delle Donne Luchiari, diretor da Transportadora Americana (TA). Na solenidade de honraria, mais 13 empresários e pessoas que se destacaram em ações em prol do transporte brasileiro foram agraciados com a medalha JK e Ordem do Mérito do Transporte Brasileiro.
MONTES CLAROS Será assinado um acordo de cooperação mútua para o projeto social "Independência e Cidadania - Preparação para o 1º Emprego", no dia 13 de novembro, em Montes Claros (MG). O programa será desenvolvido pelo Sest/Senat de Montes Claros em parceria com a Infraero e deve beneficiar no primeiro ano 100 adolescentes de 16 a 18 anos, matriculados na Escola Municipal Professora Maria de Lourdes Pinheiro. O objetivo é o desenvolvimento social sustentável das comunidades carentes localizadas no entorno do aeroporto da cidade com atividades nas áreas de educação, capacitação profissional e inserção dos jovens no mercado de trabalho.
JÚLIO FERNANDES/CNT/DIVULGAÇÃO
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 61
PROTEÇÃO Prêmio de Conservação e Uso Racional de Combustível incentiva a eficiência energética do setor
MEIO AMBIENTE RECONHECIMENTO
A RECOMPENSA EMPRESAS SÃO PREMIADAS POR USO RACIONAL DE COMBUSTÍVEL ove empresas do setor de transporte rodoviário que investiram de forma sistemática na na busca de eficiência energética tiveram seu trabalho reconhecido e receberam, no dia 23 de outubro, em Brasília, o Prêmio Nacional de Conservação e Uso Racional de Combustível. A iniciativa do Ministério das Minas e Energia em parceria com a CNT/Idaq e Petrobras/Conpet premia as empresas do setor de transporte de cargas e passageiros. O prêmio, instituído por decreto da Presidência da República, é coordenado pelo Programa Nacional da Racionalização do Uso dos Derivados do Petróleo e do Gás Natural (Conpet) e Instituto
N
de Desenvolvimento Assistência Técnica e Qualidade em Transporte (Idaq). Na categoria de transporte de cargas, o primeiro lugar foi para a Transporte Excelsior (RJ). “Foi um esforço que empreendemos para acompanhar a tendência de economizar combustível e reduzir o impacto ambiental da atividade”, diz o diretor Sérgio Sales Loureiro. Na categoria transporte de passageiros, o primeiro lugar foi para a maranhaense Expresso Ro-doviário 1001. Receberam menção honrosa a Rotasol S/A Transportes Urbanos, Empresa de Transportes Flores Ltda. e Expresso Guanabara S/A por apresentarem índices de desempet nho de referência.
POR
RODRIGO RIEVERS
ESFORÇO DE ECONOMIA E REDUÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL NO SETOR DE CARGA E PASSAGEIRO
62 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
ESTATÍSTICA IDET
ESPERANDO O FIM DE ANO E
EXPECTATIVA NO ÚLTIMO TRIMESTRE VEM DAS FESTAS E DO AUMENTO DE ESTOQUES
base em fatores sazonais. Setembro é tradicionalmente marcado pela queda no número de passageiros transportados nas estradas. O segmento interestadual registrou 5,76 milhões de viagens, queda de 3,6% na comparação com igual período de 2002 na média diária de passageiros. O acumulado no ano aponta uma recuperação de 6%. No segmento
MODAL FERROVIÁRIO DE CARGA TONELADAS TRANSPORTADAS AGOSTO/2003 ORIGEM
m setembro, foram transportadas 37 milhões de toneladas de mercadorias nas estradas brasileiras. Esse número é 4% menor que o registrado em agosto e 4,35% menor que o verificado no mesmo período de 2002. O levantamento feito pela CNT/Fipe-USP indica que a recuperação do setor industrial deve estar baseada na utilização de estoques acumulados. Apesar do resultado, a expectativa é de recuperação no último trimestre, em decorrência das festas de final de ano e da recomposição dos estoques da indústria e do comércio. No modal ferroviário de carga, a pesquisa registrou em agosto movimentação de 32,2 milhões de toneladas úteis. Em comparação com julho, houve um aumento próximo de 10% na média diária e, com igual período de 2002, a alta foi de 12,2%, em virtude da alta das exportações de minério de ferro e produtos siderúrgicos. A movimentação de carga nos aeroportos foi de 37.958 toneladas em agosto. Apesar da queda, o Idet trabalha com expectativa de alta para o último bimestre, com
intermunicipal, foram realizados 46,1 milhões de deslocamentos – 2,1 milhões de passageiros transportados por dia útil. No transporte coletivo urbano (ônibus), foram registrados 907,7 milhões de deslocamentos em 512,3 milhões de quilômetros rodados. O Índice de Passageiros Quilômetro (IPK) médio foi de 1,75. O IPK oscilou entre 1,287, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e 2,575, no Rio Grande do Sul. O IPK estabelece a relação entre demanda por transporte coletivo, número de passageiros e oferta, representada pela quilometragem percorrida. A média histórica do IPK no Brasil é de 2,3. Para mais esclarecimentos e/ou download das tabelas completas, acesse www.cnt.org.br ou www.fipe.com.br. t
DESTINO UF
NORTE
NORDESTE
CENTRO-OESTE
SUDESTE
1.528.636
5.123.818
-
-
404.789
347.947
-
2.463
-
755.199
CENTRO-OESTE
-
-
256.806
523.84
-
780.646
SUDESTE
-
7.01
74.857
21.424.124
17.02
21.523.011
SUL
-
-
-
9.601 2.511.540
2.521.141
1.933.425
5.478.775
331.663
21.960.028 2.528.560
32.232.451
NORTE NORDESTE
BRASIL
FONTE: CNT / FIPE-USP
SUL
BRASIL 6.652.454
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 63
ORIGEM
MODAL FERROVIÁRIO DE CARGA TONELADAS TRANSPORTADAS SETEMBRO/2003 DESTINO UF
NORTE
NORDESTE
CENTRO-OESTE
MG
SP
SUDESTE
SUL
BRASIL
138.704
20.12
5.025
18.215
197.822
240.284
9.511
413.644
23.348
922.367
25.417
23.853
582.666
650.038
23.023
1.644.193
CENTRO-OESTE 69.476
15.899
273.115
441.346
113.328
597.025
14.781
970.297
NORTE NORDESTE
MG
23.846
176.368
131.098
2.516.388
665.067
3.292.611
47.104
3.671.027
SP
262.891
396.665
474.925
592.387
12.903.846
14.449.983
2.394.663
17.979.128
324.68
602.39
657.758
3.421.662
14.723.919
20.367.630
2.794.931
24.747.390
8.644
144.282
48.537
207.502
1.888.660
2.424.398
6.612.531
9.238.393
564.852
1.705.058
1.009.852
4.112.578
17.506.396
24.279.376
9.454.778
37.013.917
SUDESTE SUL BRASIL
FONTE: CNT / FIPE-USP
ORIGEM
MODAL DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO PASSAGEIROS TRANSPORTADOS (2003) MÊS NORTE
NORDESTE
CENTRO-OESTE
SUDESTE
SUL
BRASIL
JANEIRO
22.004.448
163.515.207
25.992.131
497.740.878
141.474.673
850.727.338
FEVEREIRO
24.112.501
160.329.751
26.770.739
497.302.286
155.780.787
864.296.063
MARÇO
26.874.073
168.865.199
28.855.698
472.999.584
146.092.257
843.686.811
ABRIL
28.074.296
174.171.473
28.190.352
482.318.454
155.495.410
868.249.985
MAIO
29.270.849
182.936.982
30.655.620
509.587.832
160.013.155
912.464.437
JUNHO
28.172.628
175.373.645
28.843.222
491.086.569
151.164.901
874.640.965
JULHO
28.642.788
181.284.272
28.371.395
491.652.709
154.106.274
884.057.438
AGOSTO
29.903.698
185.562.608
28.480.548
501.067.958
157.195.252
902.210.063
SETEMBRO
30.349.604
186.153.217
28.801.060
505.369.169
157.033.193
907.706.243
FONTE: CNT / FIPE-USP
64 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
DO LEITOR revistacnt@revistacnt.com.br
PEDÁGIO CARO Com relação à matéria de capa da edição de setembro 2003 da Revista CNT, sob o título Hora de revisar o preço do pedágio (NR: o título da reportagem da edição 99 é A outra face da crise), a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) entende que a Redação tem todas as prerrogativas para editar entrevistas e utilizar ou não as informações que solicita na elaboração dos textos que publica. Lamenta-se, no entanto, a não publicação de fatos relevantes que poderiam esclarecer melhor alguns dos pontos tratados na matéria mencionada. O primeiro deles diz respeito ao valor das tarifas de pedágio. Diz o texto publicado: Na combalida Argentina, por exemplo, o preço médio cobrado é de US$ 1,4 por quilômetro, quase três vezes menor que a média brasileira – US$ 3,4 por quilômetro. É fato notório que as tarifas praticadas na Argentina são subsidiadas com recursos públicos. O Programa Brasileiro de Concessão de Rodovias não prevê subsídio às concessionárias. Quanto aos serviços e benefícios colocados à disposição dos usuários, como socorro médico e mecânico – uma característica do modelo brasileiro –, que a revista classificou de modelo sofisticado, informamos que pesquisa realizada pelo Ministério dos Transportes com usuários de rodovias concedidas indica que eles não estão dispostos a abrir mão desses serviços em troca da diminuição da tarifa de pedágio. A resposta pela manutenção desses serviços foi superior a 95%. Outro ponto que não ficou bem
“O POVO PRECISA CONHECER A HISTÓRIA DO DESCASO, QUE COMEÇOU NA DÉCADA DE 70”
esclarecido no material publicado é a questão da rota de fuga. Confundiuse rota de fuga com rota alternativa. Rota alternativa é aquela que permite o deslocamento entre dois pontos sem utilizar trecho de rodovia concedida. A rota de fuga é aquela pela qual o veículo utiliza a rodovia concedida, beneficiando-se da qualidade da via e dos serviços prestados, e só se desvia da praça de pedágio. Na quase totalidade dos casos, o uso de via alternativa também não beneficia o usuário, como comprova, entre outras, a pesquisa mencionada nas informações enviadas a essa revista. Ivson Queiroz Assessor de imprensa da ABCR RESPOSTA DA REDAÇÃO Em nenhum momento a reportagem classificou o modelo de concessão de sofisticado. Tal expressão foi empregada pelo assessor técnico da NTC, Neuto Gonçalves dos Reis, reproduzida entre aspas. Da mesma forma, informamos no parágrafo anterior à citação que os usuários e transportadores apóiam os benefícios das rodovias em concessão. Sobre a questão das rotas, a palavra alternativa foi utilizada duas vezes, no título e no trecho: ... percorrido o trajeto alternativo (de fuga dos pedágios).... Assim como o assessor utilizou no final de sua carta, ao se referir a uma via alternativa, quando pensou em dizer via de fuga. São nuances que a língua permite e que em nenhum momento descaracterizam o significado real. Também informamos ao leitor que a opção pela rota de fuga provoca maior gasto de combustível por percorrer estradas
em péssimas condições. O custo total é vantajoso exatamente pelo alto preço dos pedágios, foco central da referida matéria. RODOVIAS Cumprimentos pela excelente matéria sobre a situação das rodovias brasileiras (Gerador de R$ 80 bi..., edição 98). O povo precisa conhecer a história desse descaso, que começou nos anos 70. Deoclécio Dantas Teresina (PI) FARDO É um absurdo o valor do pedágio cobrado pelos concessionários brasileiros, conforme a reportagem Outra face da crise (edição 99). Simplesmente o setor de transporte nunca fez tanta conta para manter a frota nas estradas, para cumprir compromisso com os clientes e entregar as cargas no tempo determinado. Por que ao menos não se isenta de pagar o IPVA de veículos (no caso, caminhões) com mais de cinco anos? Assim estariam aliviando um pouco o duro fardo que o transportador carrega nas costas. Rafael Sganderlla Caxias do Sul (RS)
CARTAS PARA ESTA SEÇÃO Rua Monteiro Lobato, 123, Sala 101, Ouro Preto Belo Horizonte, Minas Gerais Cep: 31310-530 Fax: (31) 3498-3694 E-mail: revistacnt@revistacnt.com.br As cartas devem conter nome completo, endereço e telefone. Por motivo de espaço, as mensagens serão selecionadas e poderão sofrer cortes
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 65
DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO • DEZEMBRO 2003
IDAQ CALCULANDO CUSTOS OPERACIONAIS DE VEÍCULOS RODOVIÁRIOS
A TARIFA DO TRANSPORTE URBANO E RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS
Dia 2 • 10h10, com reprise às 16h30
Dias 26 e 29 • 10h10, com reprise • 16h30
Os profissionais do setor de transporte rodoviário irão conhecer neste vídeo, todos os itens que compõem uma planilha de custos e quais são as fórmulas usadas para calculá-los. Os custos fixos e variáveis de automóveis, ônibus e caminhões são explicados de forma detalhada. Neste trabalho, as questões serão respondidas através de contas e fórmulas indispensáveis para que a planilha de custos seja utilizada de forma eficaz.
Destinado ao setor de transporte urbano e rodoviário de passageiros, este vídeo tem como objetivo atender a técnicos das empresas operadoras e aos órgãos gestores desse setor. Visa mostrar se o que está recebendo paga os seus custos e se a tarifa cobrada é justa. Dessa maneira, será mostrada a forma de cálculo do preço para os serviços de transporte em áreas urbanas e rodoviárias.
QUALIDADE ORIENTADA AO CLIENTE
MELHORANDO O DESEMPENHO DE VEÍCULOS
Dia 15 • 10h10, com reprise • 16h30
Dia 22 • 10h10, com reprise • 16h30
Richard Whiteley apresenta este vídeo-seminário baseado em seu livro "A Empresa Totalmente Voltada para o Cliente". Em cada segmento do programa, Whiteley explora um aspecto da empresa voltado para o cliente, explicando suas características e benefícios, exemplificados pelas empresas de padrão mundial apresentadas no filme. Whiteley também discorre sobre as formas de implantar o programa e mensurar resultados.
Analisa o rendimento dos modernos motores de combustão e seu uso eficiente face às condições de tráfego, as limitações de velocidade quanto ao aspecto legal e de mecânica do veículo e as limitações de peso e seus efeitos sobre o desempenho, consumo e durabilidade. O programa mostra ainda questões sobre aerodinâmica, acessórios e segurança.
SEST/SENAT ÁREA DE OPERAÇÃO NAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE CARGAS
que as empresas tenham uma nova chance de gravá-lo.
Dia 5 • 12h e reprise • 14h30 • PEAD 2 Dias 30 e 31 • 9h e reprise • 13h30 • PEAD 1
PROMOTOR DE VENDAS
Este curso possui seis vídeo-aulas, com os seguintes temas: Área de Operação, Cliente e a Transportadora, Etapas do Transporte de Cargas 1 e 2, Administração da Frota e do Pessoal e Tecnologias para o Transporte de Cargas. O curso conta também com o reforço de material didático impresso objetivo e dinâmico. Esse curso volta à programação para
Dias 2 e 3 • 9h e reprise • 13h30 • PEAD 1 Dias 6 e 7 de janeiro •12 h e reprise • 14h30 • PEAD 2
As empresas de carga têm nova chance de gravar o curso Promotor de Vendas. São 12 aulas que trazem as características da venda do transporte de carga, peculiaridades do mercado de fretes, formação de preços e custos, além de técnicas de vendas, planejamento na pré e pósvenda e a habilidades na negociação.
66 CNT REVISTA NOVEMBRO 2003
HUMOR DENNY
DENNY é cartunista do jornal MOGI NEWS, de Mogi das Cruzes (SP)
NOVEMBRO 2003 CNT REVISTA 67