Revista CNT Transporte Atual-JUN/2007

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EDIÇÃO INFORMATIVA DO SEST/SENAT

CNT

ANO XIII NÚMERO 142

T R A N S P O RT E AT UA L

VELHO

CHICO TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO DIVIDE GOVERNO E SOCIEDADE CIVIL

LEIA ENTREVISTA COM O EMPRESÁRIO ABRAHAM KASINSKY




CNT CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE PRESIDENTE Clésio Soares de Andrade PRESIDENTE DE HONRA DA CNT Thiers Fattori Costa VICE-PRESIDENTES DA CNT

Pedro José de Oliveira Lopes Oswaldo Dias de Castro Daniel Luís Carvalho Augosto Emílio Dalçóquio Geraldo Aguiar Brito Viana Augusto Dalçóquio Neto Euclides Haiss Paulo Vicente Caleffi Francisco Pelúcio

TRANSPORTE DE CARGAS

Newton Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Meton Soares Júnior TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Marco Antonio Gulin TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

José Fioravanti PRESIDENTES DE SEÇÃO E VICE-PRESIDENTES DE SEÇÃO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Otávio Vieira da Cunha Filho Ilso Pedro Menta TRANSPORTE DE CARGAS

Flávio Benatti Antônio Pereira de Siqueira

TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Luiz Wagner Chieppe Alfredo José Bezerra Leite Jacob Barata Filho José Augusto Pinheiro Marcus Vinícius Gravina Tarcísio Schettino Ribeiro José Severiano Chaves Eudo Laranjeiras Costa Antônio Carlos Melgaço Knitell Abrão Abdo Izacc Francisco Saldanha Bezerra Jerson Antonio Picoli José Nolar Schedler Mário Martins

TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

José da Fonseca Lopes Mariano Costa TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

Glen Gordon Findlay Hernani Goulart Fortuna TRANSPORTE FERROVIÁRIO

Rodrigo Vilaça Nélio Celso Carneiro Tavares TRANSPORTE AÉREO

Wolner José Pereira de Aguiar José Afonso Assumpção CONSELHO FISCAL (TITULARES) David Lopes de Oliveira Éder Dal’lago Luiz Maldonado Marthos José Hélio Fernandes CONSELHO FISCAL (SUPLENTES) Waldemar Araújo André Luiz Zanin de Oliveira José Veronez DIRETORIA TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS

Luiz Anselmo Trombini Eduardo Ferreira Rebuzzi Paulo Brondani Irani Bertolini

TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

Edgar Ferreira de Sousa José Alexandrino Ferreira Neto José Percides Rodrigues Luiz Maldonado Marthos Sandoval Geraldino dos Santos Dirceu Efigenio Reis Éder Dal’ Lago André Luiz Costa Mariano Costa José da Fonseca Lopes Claudinei Natal Pelegrini Getúlio Vargas de Moura Braatz Nilton Noel da Rocha Neirman Moreira da Silva TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Luiz Rebelo Neto Paulo Duarte Alecrim André Luiz Zanin de Oliveira Moacyr Bonelli José Carlos Ribeiro Gomes Paulo Sergio de Mello Cotta Marcelino José Lobato Nascimento Ronaldo Mattos de Oliveira Lima José Eduardo Lopes Fernando Ferreira Becker Pedro Henrique Garcia de Jesus Jorge Afonso Quagliani Pereira Claudio Roberto Fernandes Decourt Pedro Lopes de Oliveira

Virgílio Coelho

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Celso Marino - cel/rádio (11) 9141-2938 Publicação do Sest/Senat, registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal sob o número 053. Editada sob responsabilidade da AC&S Assessoria em Comunicação e Serviços Ltda. Tiragem 40 mil exemplares

Os conceitos emitidos nos artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da CNT Transporte Atual

FRETAMENTO

PAN-2007

Empresas de transporte turístico negociam com a ANTT novas resoluções

O Rio de Janeiro já está quase pronto para o início dos Jogos, em julho

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CIDADE CONGESTIONADA

Estudo mostra como transporte público foi relevado em São Paulo, que apostou em vias para carros

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ANO XIII | NÚMERO 142 ENTREVISTA Abraham Kasinsky fala sobre a Cofap e como foi criar uma fábrica de motos aos 82 anos

DO CHILE AO MUNDO

Aos 76 anos, a LAN supera adversidades, expande suas rotas para os quatro continentes e firma parceria com a TAM para crescer no mercado brasileiro

REPORTAGEM DE CAPA

O projeto de transposição do rio São Francisco ainda divide governo e sociedade civil. Para as obras, que constam no PAC, estão previstos investimentos de R$ 4,9 bilhões até 2010

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E MAIS Editorial Cartas Alexandre Garcia Mais Transporte Ferrovia PAC Sest/Senat Debate Idet Humor

CAPA JOSÉ ISRAEL ABRANTES | SÃO FRANCISCO RIO ABAIXO

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CARRO ELÉTRICO Com alto investimento, modelo vira febre na Europa e Estados Unidos PÁGINA

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“A transposição do São Francisco pode dar novo alento ao sertanejo nordestino e novas perspectivas de desenvolvimento à região” CLÉSIO ANDRADE

EDITORIAL

O “novo” Velho Chico

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ividida entre os prós e os contras, a transposição do rio São Francisco, finalmente, ganha contornos reais e deve ser iniciada, no segundo semestre, com a construção das primeiras passagens de águas para as estações de bombeamento no município de Cabrobó, em Pernambuco. Há momentos em que a autoridade pública deve se impor, sem a arrogância natural do poder, mas também sem a hesitação dos que não sabem que caminho tomar. Parece ser a melhor atitude para um assunto sobre o qual não existe consenso. Levado a cabo conforme propõe o governo, o projeto de transposição do rio São Francisco pode finalmente dar um novo alento ao sertanejo nordestino e novas perspectivas de desenvolvimento à região. Incluído que foi no Programa de Aceleração do Crescimento, estão previstos investimentos de R$ 4,9 bilhões, em três anos, para todo o projeto, incluídas as exigências de permissões ambientais. Além da oferta de recursos hídricos para uma população carente de água, as obras no São Francisco devem levar os benefícios imediatos, ainda este ano, para mais de uma centena de municípios na margem do rio ou por onde passarão as águas. Aqueles que observam a polêmica com

atenção concluem que houve falta de habilidade do governo em comunicar eficientemente os objetivos a serem alcançados. As opiniões contrárias convergem apenas quando se trata da revitalização da bacia do São Francisco. A ação humana implacável, notadamente nos últimos cem anos, derrubou matas ciliares que protegiam as margens do rio provocando o assoreamento, esgotos in natura de populações ribeirinhas sujaram as águas do rio da integração nacional. Com as obras de transposição, vem junto a promessa de um novo “Velho Chico” para o Brasil. Faz parte do projeto revigorar as margens do rio e dar, sob o ponto de vista do meio ambiente, sustentabilidade em sua área de influência, de tal maneira que toda uma população carente, estimada em 12 milhões de pessoas, seja beneficiada com uma perspectiva concreta de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Em meio a toda controvérsia, os brasileiros devem adotar um argumento decisivo em favor do projeto: em toda a história de nosso país, nunca essa região castigada por secas rigorosas e periódicas recebeu um volume considerável de investimentos financeiros capaz de reverter a hostilidade do meio ambiente e esboçar um plano de felicidade para o povo do semi-árido brasileiro.


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Escreva para CNT TRANSPORTE ATUAL As cartas devem conter nome completo, endereço e telefone dos remetentes revistacnt@acsmidia.com.br ETANOL “O Brasil quer ser referência mundial na produção de etanol. Mas, para isso, é necessário que estruture, além de sua cadeia produtiva, sua rede logística, como mostra muito bem a reportagem “O etanol pede passagem”. Não adianta investir em um lado e esquecer o outro. É como deixar escapar das mãos, talvez, uma das melhores oportunidades de crescimento e projeção internacional do país. Parabéns à revista CNT Transporte Atual por ressaltar uma questão de crucial importância como a produção de etanol no Brasil.” Renato Couto Gravataí-RS

“É NECESSÁRIO QUE O BRASIL ESTRUTURE, ALÉM DE SUA CADEIA DE PRODUÇÃO, SUA REDE LOGÍSTICA” questões são sempre os causadores de dramas como esses vividos por ferroviários e concessionárias. Sidiney José Lima Rio de Janeiro-RJ PORTO

DOS LEITORES E também que dê o resultado dessas intervenções nas operações do porto. João Silva Cambará São Francisco do Sul-SC KOMBI Gostei da reportagem sobre os 50 anos da Kombi. Acho que não tem uma família brasileira que não tenha andado ou trabalhado no veículo. Também tenho uma Kombi e não a vendo por nada. É meu instrumento de trabalho. É como se fosse parte de mim. Por isso, me identifiquei com muitas pessoas citadas na matéria. Parabéns à CNT Transporte Atual por mais essa brilhante matéria.

RFFSA Fico triste em ver o país demorar a resolver questões tão importantes como a da Rede Ferroviária Federal. A reportagem “Fim da Rede Ferroviária”, mostra, além do drama vivido pelas empresas em função da demora na extinção da Rede - o lado do ferroviário, cujos direitos ficam incertos. Muitas pessoas trabalharam a vida toda e não sabem se terão direitos garantidos. A demora e a burocracia na solução de inúmeras

Parabenizo a reportagem que retrata a situação do porto de São Francisco do Sul. Nossa cidade depende economicamente do porto. A melhoria do terminal significa crescimento do município. Moro em São Francisco e cresci vendo a movimentação portuária. Hoje trabalho em atividade dependente dessa operação. Para mim, o mais importante é que a revista continue acompanhando a questão, até o final das obras.

JOSÉ GERALDO FERREIRA Sete Lagoas-MG

BIODIESEL É muito importante divulgar que outros tipos de combustíveis estão sendo estudados e desenvolvidos, como fez a reportagem “Com o foco no biodiesel”. É interessante saber que a sua utilização pode ajudar toda a sociedade num processo que começa desde os campos de plantação

até as bombas de gasolina. Outro ponto importante que foi destacado na matéria é que a pesquisa deve ter o foco no setor de transportes, que é responsável por grande parte do consumo do diesel usado no país. João Paulo de Souza Poços de Caldas-MG TÁXI ESPECIAL A matéria “Atendimento diferenciado” é um exemplo de iniciativas que melhoram a vida das pessoas com um atendimento especial. O táxi adaptado é uma idéia simples, mas com um grande significado para quem precisa utilizá-lo, pois o atendimento é feito com mais segurança e conforto. O táxi especial é uma grande idéia que deveria ser usada por outras empresas prestadoras de serviço para melhorar a qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais. Elizabeth Carvalho Franca-SP CARTAS PARA ESTA SEÇÃO

Rua Eduardo Lopes, 591 31230-200 - Belo Horizonte (MG) Fax (31) 3411-7007 E-mail: revistacnt@acsmidia.com.br Por motivo de espaço, as mensagens serão selecionadas e poderão sofrer cortes


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“A CPMF foi criada para resolver o problema dos hospitais públicos. Serve apenas para aumentar a arrecadação da Receita” 0PINIÃO

ALEXANDRE GARCIA

Reforma tributária e CPMF rasília (Alô) - Teve repercussão nacional o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, mostrando que trabalhamos quatro meses e 26 dias para pagar impostos. Na verdade, para sustentar governos - federal, estaduais e municipais , porque o tamanho dos impostos é inversamente proporcional à qualidade dos serviços públicos. Teoricamente, o Estado existe para prestar bons serviços de justiça, polícia, educação, saúde e de estímulo à igualdade social e ao desenvolvimento econômico. Pagamos 40% do que ganhamos e produzimos para sustentar o Estado. Na década de 70, pagávamos metade disso. Nossos irmãos chilenos, argentinos e mexicanos trabalham cerca de três meses para pagar impostos. Mesmo assim, o Brasil apresenta sinais de um padrão de crescimento novo: o crescimento sustentado, mas graças à iniciativa privada e a despeito do Estado ineficiente. O Estado e seu sistema regulatório pouco confiável, seu peso burocrático e tributário, e sua capacidade de perder recursos para a corrupção, tem que gerar superfaturamentos para pagar propinas e comissões. Ainda bem que as políticas fiscal e monetária têm a sensatez de não buscar soluções heterodoxas. Com isso, estamos conseguindo números de risco-país e de reservas, “nunca antes vistos neste país”. Só que o preço do crescimento sustentado vai ter que ser uma rigorosa vigilância. Ultimamente, o presidente Lula tem falado em reforma tributária. Não será preciso um tradutor sagaz para perceber o que ele quer dizer: é preciso renovar a CPMF, que termina em dezembro. A contribuição foi criada em 1996 para

B

resolver o problema dos hospitais públicos, plagiando a boa idéia do imposto único, que fora enterrada pelos banqueiros nacionais. Mas logo foi deturpada, servindo apenas para aumentar a arrecadação da Receita Federal. Naquela época, representava 0,74% do PIB. Hoje, é o dobro: 1,38%. Foram R$ 32 bilhões no ano passado. O College University, de Londres, e o Goldman Sachs, de Nova York, afirmam que, se o Brasil quiser estar entre as cinco maiores economias mundiais em 2050, terá que ter capacidade interna de crescer, sem depender de capitais ou financiamentos externos. Quer dizer, poupança interna. Pois a CPMF tira, por ano, mais de R$ 30 bilhões daquilo que as pessoas põem nos bancos. É um fator desestimulante do crescimento, já que desestimula a poupança. Cobra 0,38% da movimentação bancária de ricos ou pobres; cobra todos os estágios da produção, do comércio, da vida financeira das pessoas, numa cascata injusta e cruel. E ainda serve como dedo-duro, violando o sigilo bancário, já que, numa simples regra de três, descobrese, pela arrecadação de um determinado CPF ou CNPJ, o quanto essa pessoa movimentou. O governo já está mobilizado para continuar a retirar dos correntistas esses R$ 35 bilhões que vai arrecadar neste ano. Por isso, foi importante o lançamento, em maio, do Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Manutenção da CPMF. Já foram quatro prorrogações da “contribuição provisória” e o governo quer prorrogá-la por mais quatro anos. Se o governo precisa desse dinheiro para manter o equilíbrio fiscal, que trate de se tornar mais eficiente. Assim é que tem feito a iniciativa privada, que precisou se adaptar à redução de impostos de importação ou à queda do dólar.


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Prestes a completar 90 anos, o fundador da Cofap, Abraham Kasinsky, trajetória de empreendedor e lança biografia, após insistência de sua exENTREVISTA

ABRAHAM KASINSKY

AQUELE QUE POR

os 82 anos, quando boa parte das pessoas que chegam a essa idade já está aposentada há muito tempo, ele resolveu abrir uma empresa. Em 1999, entre 16 possibilidades de negócio, escolheu aquela que virou sensação nos dias atuais: uma fábrica de motocicletas. Abraham Kasinsky, filho de imigrantes judeus russos, é um empreendedor nato. Mais do que vitorioso no mundo dos negócios, tornou-se um criador de mitos. A Cofap, fábrica de autopeças fundada em 1951, virou sinônimo de amortecedor. Transformou os cães da raça dachsund em estrelas dos comerciais da empresa na década de 90. Embalados pelo trabalho do publicitário Washington Oli-

A

RICARDO BALLARINE

vetto, os cães são chamados até hoje de “cofapinho” – uma seleção dessas propagandas podem ser vistas no YouTube, no endereço http://www.youtube.com/watch?v=Tklg0KtTN8E. E depois de vender a Cofap, em 1997, parou por dois anos antes de fundar a Kasinski Motos. Recebeu inúmeras homenagens, como Empresário do Ano, Melhor Campanha Publicitária e Empreendedor do Ano. Por tudo isso, amigos próximos o definem como “aquele que faz”. Agora, prestes a completar 90 anos, em 11 de julho, Abraham Kasinsky, ou “seu Abrão”, como é chamado, vê sua vida reconstruída em forma de livro, na biografia “Kasinsky – Um Gênio Movido a Paixão”

(Geração Editorial, 614 págs, R$ 64,90), de Maria Lúcia Doretto. Obra que o empresário achava que não valia a pena ser escrita. Depois, cedeu e contou “tudo” à sua ex-secretária pessoal, com quem conviveu profissionalmente por 29 anos na Cofap. Nesta entrevista, feita no escritório da Cofap, no prédio do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, Kasinsky fala da inspiração de criar a empresa, da vida de empreendedor, de Washington Olivetto, que assina o prefácio, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Kasinsky, que travou duelos com o ex-dirigente sindical em portas de fábrica, Lula “hoje é um gênio”. Maria Lúcia também participou da conversa.

Como surgiu a idéia da biografia? Maria Lúcia – No dia em que chegaram os donos dos conglomerados internacionais, os italianos da Magneti Marelli e os alemães da Mahle, para assumir a Cofap e tomaram conta da sala das reuniões. Estávamos assistindo a uma coisa inusitada. Porque seu Abrão sempre ocupou a posição central, era a figura de destaque, e de repente ele estava sentado numa cadeira no canto, assistindo a tudo sem dizer uma palavra. E aquilo me causou um impacto grande. Quando sai, disse que precisávamos escrever um livro, pois a história é bonita demais para não ser registrada. E o primeiro capítulo do livro nasceu na minha cabeça no caminho da Cofap até a minha casa.


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MARCELLO LOBO

fala da sua secretária

FAZ E como foi a reação dele? Maria Lúcia – Ele disse que a vida dele não valia um livro, não queria fazer. Ele dizia: “Eu vou ter uma estante cheia de livros, vou dar para os meus amigos e ninguém vai ler”. Disse que eu tinha o livro delineado na minha cabeça e que iria fazer. Eu só perguntei a ele se poderia escrever tudo. Ele me respondeu “pode, só escreva a verdade”. O que não pôde entrar no livro? Abraham Kasinsky – Eu acho que pode tudo, desde que não ofenda a minha mulher (risos). Ao receber a proposta da biografia, o senhor dis-

se que sua vida não valia um livro. E anos depois de ter vendido a Cofap, falou que não queria ter vendido a empresa. Houve algum arrependimento? Kasinsky – A vida não valer um livro é uma questão íntima. E a Cofap era uma outra história, uma coisa bonita. É até hoje uma marca conhecida no mundo inteiro. A Cofap estava presente em 98 países dos cinco continentes.

Hoje seria possível criar uma empresa como a Cofap e ter o mesmo sucesso? Kasinsky – Acho que sim. Os produtos que a Cofap fazia eram de necessidade imediata. Não eram de longo prazo, era uma peça desgaste, as pessoas tinham que consumir. Uma coisa é certa. Faz tantos anos que criei a Cofap, como faz muitos anos que vendi a Cofap, e até agora não apareceu um concor-

rente. Eu fui um “azarado”, porque eu fiz uma coisa que ninguém queria fazer (risos). E de onde veio essa idéia, de fazer algo que ninguém fazia? Kasinsky – Isso eu aprendi com o meu pai. Ele me dizia: “Quando você fizer alguma coisa, não faça algo que enfeite, faça alguma coisa que gaste”. Hoje, muito se fala nas dificuldades em ser um em-


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DIVULGAÇÃO

preendedor, por conta da burocracia, impostos, mercado. Para o senhor, que tem sido um empreendedor a vida inteira, quais são as dificuldades de montar um negócio no Brasil? Kasinsky – Não tem dificuldade nenhuma. É preciso ter vontade de ser um empreendedor e confiança. Eu sou um camarada muito teimoso, prepotente, agressivo. Eu não me desanimo, eu vou em frente. Ela é testemunha disso, pois me conhece há mais de 40 anos. Eu sempre tive confiança absoluta no meu objetivo. E como foi iniciar uma empresa no período inicial da industrialização no país? Kasinsky – Fui um desbravador. Era uma luta, ia de oficina em oficina, visitei o Brasil de cabo a rabo, fui do Acre ao Rio Grande do Sul. Conhecer o mercado é determinante para o sucesso? Kasinsky – Eu era conhecido como a melhor casa de peça para automóvel de São Paulo. Por que era a melhor? Não, porque era sabido. Eu conhecia muito bem o mercado.

Maria Lúcia – No decorrer do livro, mostro que o conhecimento que ele tinha do mundo automotivo e das autopeças foi fundamental. Ele sabia quais eram os concorrentes no Japão, na Europa, ele conhecia as fábricas, a produção. Esse conhecimento deu a ele muitas possibilidades de tomar decisões rápidas. Seria impossível ter sucesso se ele não conhecesse muito bem o seu negócio. Como foi negociar no exterior? Kasinsky – Quando eu fui para a Itália receber um prêmio da Fiat, eu pedi para falar com o presidente da empresa. Pensei “eu sou presidente, ele é presidente, por que eu não posso falar com ele?”. Eu titica lá no Brasil, cheguei e disse a ele: “Sou fabricante brasileiro, o senhor tem uma montadora lá, e eu quero fazer um produto para o seu carro. O seu motor não vai gastar tanto”. E ele disse “Por quê?”. Eu respondi que o meu produto era melhor. E consegui. Entre tantas homenagens que o senhor recebeu, qual o emocionou mais? Kasinsky – Deixa eu pensar, voltar para trás não é

PERSISTÊNCIA Kasinsky cedeu e falou “tudo” a Maria Lúcia

fácil (risos). Ela é capaz de responder essa pergunta melhor. Maria Lúcia – Os prêmios mais importantes eram os concedidos pelos clientes mais difíceis. O prêmio que foi considerado o maior na Cofap foi o oferecido pela Audi. Mais de mil fornecedores passaram por uma série

de avaliações e no final restaram 22. Desses, 21 eram europeus, 20 deles alemães, e um era brasileiro, a Cofap. Todos os prêmios brasileiros foram muito celebrados, mas esse chegou num momento em que a Cofap tinha acabado de se instalar na Alemanha, entregue por uma casa automobilística de tradição.


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“Fui um desbravador. Era uma luta, ia de oficina em oficina, visitei o Brasil de cabo a rabo, fui do Acre ao Rio Grande do Sul” Kasinsky – Naquela época, qualquer prêmio era uma felicidade, um avanço. Eu queria provar que era capaz de fazer uma coisa bem-feita. Eu sou muito orgulhoso, prepotente, metido a besta (risos). Maria Lúcia – Não dá para dissociar a figura do Abraham Kasinsky da Cofap. Então, os

prêmios dados para a empresa e que ele recebia como fundador eram os que mais o emocionavam. Mais do que os individuais, como o Empreendedor do Ano. E o que o levou a abrir uma fábrica de motos aos 82 anos? Kasinsky – Aí é uma outra história. Vamos chamar de presunção. Eu não podia parar. Nunca quis parar. Eu só quero morrer de um jeito, sentado atrás da minha mesa de trabalho. Não quero morrer aposentado, num banquinho, numa cadeira de rodas. Quero morrer trabalhando. Não via possibilidade de viver se não fosse trabalhando. Graças a Deus, eu tenho uma saúde muito boa. Nunca tive uma doença que me prendesse na cama por muito tempo. Por que o senhor escolheu moto? Kasinsky – Eu queria fazer qualquer coisa. Era um mercado que eu achava que seria promissor. Na cidade, o que a pessoa mais quer no dia-adia? Chegar mais cedo em casa. E isso só é possível de moto. Maria Lúcia – Depois da saída da Cofap, ele tinha 16

possibilidades de negócios e optou pela moto, pois queria continuar no ramo automotivo, que era o mercado que ele conhecia. O senhor toparia fazer novamente publicidade com o Washington Olivetto? Kasinsky – Faria, claro. Ele é muito rápido de raciocínio. Meio louco também, mas com idéias geniais (risos). A idéia de usar um cão dachsund na propaganda do amortecedor foi dele? Kasinsky – Não, foi do meu filho, que um dia na rua viu um cachorro e disse “olha pai, é igual ao seu amortecedor”. Maria Lúcia – E no início o Washington achou que era uma bobagem. E somente numa reunião extra de trabalho é que ele se convenceu da idéia. Foi a propaganda de maior recall da publicidade brasileira, segundo o Washington. Até hoje é uma propaganda muito lembrada... Maria Lúcia – O Washington realizou um dos sonhos do seu Abrão. Ele queria que as pessoas chegassem nas lojas e pedissem “eu quero um cofap”. O amortecedor Cofap virou um produto de consumo no Brasil.

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Qual a relação com o presidente Lula? Kasinsky – Eu lembro do Lula em cima de um caminhão me xingando em frente à fábrica. Eu encontrei duas vezes com o presidente e ele me trata do mesmo jeito. “Ô companheiro”, companheiro uma ova, você é presidente (risos). Nós sempre nos demos muito bem. Eu disse para o Lula que ele foi uma figura muito marcante na minha vida. Eu xinguei a mãe dele, ele xingou a minha (risos). Como o senhor avalia hoje o Lula? Kasinsky – Eu o conheci como operário. Ele evoluiu, cresceu, instruiu-se, não tenho dúvida disso, hoje ele é um gênio, não dá para negar. Tem uma memória prodigiosa, uma capacidade de absorver coisas. Ele merece ser presidente da República. Começou como operário, simples, apanhou para burro, não é doutor em nada, mas é doutor em trabalhar. Ele continua sendo um homem simples. Essa é a grande genialidade dele. Para um operário ser um presidente é preciso ter muita coragem. Quando é que um operário vai ser novamente presidente? Não sei, mas ele venceu. ●


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MAIS TRANSPORTE EESC-USP/DIVULGAÇÃO

TURBOS A Cummins lançou dois modelos de turbos para motores diesel. A novidade é voltada para caminhões médios, que possuem de 150cv a 170cv de potência. Os turbos foram desenvolvidos por engenheiros brasileiros. A empresa produz no Brasil, aproximadamente, 200 modelos de motores para o segmento automotivo, para máquinas de mineração e exploração de petróleo.

MERCANTE Está em operação o novo sistema de cobrança do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante. Chamado de Sistema Mercante, foi desenvolvido pelo Ministério dos Transportes e pelo Sepro (Serviço de Processamento de Dados do Ministério da Fazenda) e elimina papéis, carimbos e desburocratiza o processo. O sistema transmite os dados de embarque através do documento de transporte, calcula o imposto e debita na conta do importador, o que dificulta fraudes no processo de cobrança. O sistema já está sendo utilizado nos portos de Salvador e Ilhéus, na Bahia.

PRÊMIOS Mais uma vez, o Brasil voltou para casa com prêmios da SAE Aerodesign East Competition, prova de equipes universitárias que apresentam seus projetos de engenharia. Na edição realizada em maio, nos Estados Unidos, a equipe da EESC-USP (Escola de Engenharia de São Carlos) se tornou bicampeã na categoria classe aberta, com o projeto de um avião com menos de 5 kg. A Universidade Federal de Itajubá garantiu o terceiro lugar na categoria regular e foi mencionada como melhor trajetória de vôo e maior peso carregado.

BAGAGEM Quem for viajar para outros países deverá ficar atento às novas regras de franquia de bagagem nos aviões. Desde maio, o peso máximo

permitido para viagens à Europa é de duas peças de 23 kg - se o volume for excedido, a bagagem será enviada pelo terminal de cargas. Para os vôos feitos na América do

Sul em classe econômica, é permitido o volume máximo de 20 kg e de 30 kg para primeira classe. Para os EUA, permanecem duas peças de 32 kg.


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“A Atilis é um produto econômico e gera baixo consumo de pneus e de combustível e também oferece agilidade no trânsito” JOSÉ GILDO VENDRAMINI

ENTREVISTA FRANCISCO JOSÉ GILDO MADEIRA VENDRAMINI

EDUCAÇÃO A administradora de rodovias OHL Brasil desenvolveu o Projeto Escola, iniciativa que forma educadores para o trânsito. A empresa, que faz concessões em rodovias no interior de São Paulo, pretende com o programa orientar professores e alunos

De olho nos autônomos sobre a responsabilidade no trânsito. O curso mostra a importância de ações como o respeito à sinalização, travessia em locais seguros, baixo consumo de bebidas alcoólicas, medidas que ajudam a reduzir o número de acidentes.

POR ÉRICA ALVES

pontos de vista técnico, mercadológico e ambiental dos pneus. O evento buscou ampliar a interação entre os expositores e o público para criar mais oportunidades de negócios.

A carroceria é indicada para quais tipos de serviço? Pode ser usada nos transportes urbano, escolar, fretamento e turismo. Para isso, a carroceria foi projetada para acomodar melhor e facilitar a locomoção dos passageiros.

REACUFAIR Foi realizada no final de maio a 8ª edição da Recaufair Feira e Convenção Internacional de Pneus e Equipamentos. A exposição ofereceu serviços sobre reformas, reciclagem de pneus e apresentou novidades sobre os

COMODIDADE A Viação Catarinense está prestando serviço de duas classes em um único piso na linha Florianópolis-São Paulo/ABC Paulista. O diferencial é que o ônibus possui seis poltronas-leito (com ar-condicionado, TV/DVD, água mineral, manta,

travesseiro e kit lanche) e 31 poltronas com serviço executivo. Além disso, os clientes das cidades de Joinvile e Curitiba também podem usufruir do conforto das poltronas de espera, café expresso, água mineral, TV a cabo e ar-condicionado, serviços das novas salas Vip.

A Caio Induscar está lançando uma nova carroceria de microônibus em parceria com a Mercedes-Benz. Para falar mais sobre a Atilis, o gerente nacional de vendas da empresa, José Gildo Vendramini, conversou com a CNT Transporte Atual. Qual é o perfil que a Caio quer atender com o lançamento da Atilis? Por ser um produto prático e de baixo custo de manutenção, os autônomos e as pequenas empresas são o público-alvo, mas também temos o objetivo de atingir os frotistas.

Quais são as características que diferenciam a nova carroceria das outras que a empresa já fabricava? É um produto diferente. É padronizado, menos customizado, e será vendido como carroceria Induscar e chassi Mercedes-Benz. Poderá ser comercializado por meio de representantes comercias da Induscar e concessionárias Mercedes. Além disso, a Atilis é um produto econômico, gera baixo consumo de pneus e de combustível e também oferece agilidade no trânsito. Qual a facilidade da Atilis? Disponibilizamos um guia de manutenção que orienta o contudor a fazer pequenos reparos e regulagens, mostrando a localização dos componentes da carroceria, de maneira simples e prática que qualquer pessoa pode executar.

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MAIS TRANSPORTE AVIAÇÃO

Limite a líquido não causa problema Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) vai iniciar em junho uma supervisão sobre o controle de líquidos em bagagem de mão nos 35 aeroportos internacionais do país. A fiscalização segue um padrão internacional e visa verificar se os aeroportos estão cumprindo a resolução nº 7 da Anac, em vigor desde 1º de abril e que prevê limitações na quantidade de substâncias líquidas nessa bagagem em vôo internacional. A supervisão terá uma periodicidade ainda não divulgada pela agência reguladora e ocorrerá, inicialmente, no aeroporto de Porto Alegre. Além da fiscalização, a agência vai treinar funcionários dos terminais para o cumprimento da norma em vigor. A resolução da Anac, que atende a uma determinação da OIAC (Organização Internacional de Aviação Civil), prevê que líquidos, gel, pasta, creme, aerossol e similares deverão ser colocados em embalagem plástica transparente, vedada, com capacidade

A

máxima de 1 litro, sem exceder a dimensão de 20 cm x 20 cm. Líquidos em frasco acima de 100 ml não poderão ser transportados na bagagem de mão, mesmo se o frasco estiver parcialmente cheio. A agência reguladora vem observando que a aplicação das novas medidas de segurança para esse tipo de bagagem está ocorrendo sem problemas. O procedimento é de responsabilidade dos aeroportos. No caso

de alguma inadequação, a Anac oferece capacitação de pessoal para garantir a qualidade dos serviços. No caso dos passageiros, a resolução também parece estar sendo bem aceita. Segundo a assessoria de imprensa da Abav (Associação Brasileira das Agências de Viagem), “não têm ocorrido reclamações dos passageiros com bagagem de mão com relação aos líquidos transportados em vôos internacionais”. (POR RUY ALMEIDA) ANAC/DIVULGAÇÃO

SUPERVISÃO Anac está fiscalizando transporte de líquidos

O jornalista aprofunda o debate surgido após os ataques de 11 de setembro e investiga como a Al-Qaeda surgiu e qual sua ideologia e o papel das agências de inteligência dos EUA no atentado terrorista. De Lawrence Wright. Companhia das Letras, 504 págs, R$ 56

O livro busca compreender a nova forma de divulgação das informações pela internet, na chamada de web 2.0. O blog foi o canal de confiança encontrado por quem procura serviços noticiosos na rede. De Hugh Hewitt. Thomas Nelson Brasil, 264 págs, R$ 34,90

O autor mostra os obstáculos que se apresentam ao crescimento do país, boa parte deles presente na Constituição de 1988. Discute juros, assistencialismo e gastos públicos. De Fabio Giambiagi. Campus, 288 págs, R$ 59,90


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TRANSPORTE INTERNACIONAL

CIT faz cinco anos e discute meio ambiente oi realizada entre os dias 2 e 4 de maio, na Cidade da Guatemala, a 7ª Assembléia Ordinária da CIT (Câmara Interamericana de Transporte). Estavam presentes na reunião dez representantes dos 19 membros da entidade: além do Brasil, Argentina, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Guatemala. O evento marcou os cinco anos de existência da CIT. O Brasil foi representado pelo presidente de honra da CNT, Thiers Fattori Costa, e pelo presidente da Anttur (Associação Nacional dos Transportadores de Turismo), Martinho Ferreira de Moura. A próxima edição do evento será realizada em outubro no Brasil, em São Paulo. Na abertura do evento, Paulo Vicente Caleffi, secretário-geral

F

da CIT, destacou os objetivos de integração e troca de informações que norteiam as ações da entidade. Caleffi falou sobre as providências que estão sendo tomadas para o registro na OEA (Organização dos Estados Americanos) e na ONU (Organização das Nações Unidas). A principal discussão mundial hoje esteve presente no congresso da CIT. Os membros participantes compartilharam a preocupação mundial com o aquecimento global. A CIT quer que os transportadores de carga e de passageiros sejam protagonistas atentos ao tema ambiental. Por isso, combustíveis orgânicos e alternativos, assim como análises sobre a emissão de gases na atmosfera, foram amplamente discutidos no evento. Um dos temas discutidos tratou da implantação de escolas

de motoristas na América Central, projeto que conta com o apoio do Brasil, México e da Argentina. A 7ª Assembléia da CIT também colocou na mesa temas como pedágios, segurança, operador logístico, integração rodoviária e o transporte entre o México e os Estados Unidos. No segundo dia da assembléia, os participantes estiveram na cerimônia de abertura da Feira Expotrans, evento do mercado transportador da América Central. O vice-ministro de Comunicações, Infra-estrutura e Transportes da Guatemala, Roberto Dias, destacou a importância do transporte na economia do país - o setor representa 4% do PIB guatemalteco. Paulo Caleffi também participou da Expotrans e falou sobre os atuais problemas do transporte internacional e o seu futuro.

Ao comemorar cinco anos de existência, a CIT contabiliza uma série de ações como parte da proposta de integrar e padronizar o transporte internacional. Criada em 2002, por iniciativa da CNT, a CIT incentivou a criação de órgãos governamentais dedicados ao transporte, como aconteceu no Equador, a aproximação do governo com a iniciativa privada, caso da Argentina, e promoção de cursos de capacitação, como o do convênio com o Exército brasileiro. Alem dos dez países que participaram da assembléia na Guatemala, também são membros da CIT Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Curaçao, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Para mais informações, acesse www.citamericas.org. PAULO ZIEGLER/DIVULGAÇÃO

ENCONTRO Paulo Vicente Caleffi, secretário-geral da CIT, explica as ações da entidade na abertura da 7ª Assembléia Ordinária


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TOYOTA/DIVULGAÇÃO

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TECNOLOGIA

A TODO

VAPOR

PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL LEVA CARRO ELÉTRICO A SER A NOVA APOSTA DA INDÚSTRIA, MAS SÓ NO EXTERIOR POR

or trás da discussão cada vez maior sobre o aquecimento do planeta, debate-se, principalmente, a poluição gerada pela emissão de gases poluentes na atmosfera através de veículos automotores. O questionamento é comum à maior parte dos especialistas, que discutem medidas a serem adotadas, já a curto prazo. A indústria automotiva, sob pressão mundial, vê na tecnologia dos híbridos uma saída

P

RUY ALMEIDA

para esse problema. O carro elétrico começa a se tornar realidade nos grandes centros mundiais, como os Estados Unidos, Japão e Europa. No Brasil, ainda é uma opção distante e depende da decisão das matrizes em dar urgência no desenvolvimento do carro elétrico nacional. A redução do nível de poluentes alcançaria índices significantes. Segundo pesquisa da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), se houvesse a tro-

ca de toda a atual frota nacional de veículos leves por veículos híbridos, aqueles que utilizam duas fontes de energia para se movimentar e que, geralmente, adota o motor elétrico como fonte alternativa, a poluição veicular seria reduzida em até 80%. Essa taxa geraria, de acordo com a engenheira Juliana de Freitas Queiroz, no Projeto Introdução do Veículo Híbrido no Brasil: Avanço Tecnológico Aliado à Qualidade de Vida, desenvolvido para a con-

clusão do curso de mestrado profissional em Engenharia Automotiva da Escola Politécnica (PoliUSP), sob a orientação do professor Marcelo Masserani, uma economia de R$ 450 trilhões anuais. De acordo com a pesquisa de Juliana Queiroz, a substiuição de um veículo convencional por outro com a tecnologia híbrida proporciona uma economia de R$ 18 mil durante sua vida útil. Esse valor considera não só a economia em combustível,


SUCESSO O Prius revolucionou o mercado de híbridos e é destaque de vendas da Toyota nos Estados Unidos

mas também em créditos de carbono estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto e em gastos com doenças respiratórias pelo sistema de saúde pública. Segundo o coordenador do curso de engenharia mecânica da PUC-Minas, José Ricardo Sodré, o carro elétrico ou híbrido é uma realidade remota no Brasil, pois não existe uma pesquisa de relevância no país para a implantação desse tipo de veículo. Isso significa dizer que se pode levar

"O carro elétrico não gera ruídos e deve levar as pessoas a terem atenção no trânsito" JOSÉ RICARDO SODRÉ, COORDENADOR DA PUC-MINAS

de uma a duas décadas para o início da produção em escala comercial. Sodré acredita ainda que esse é um processo evolutivo no país, que “vai queimar todas as etapas”, como ocorreu com o biocombustível. “No final das contas, o carro elétrico deverá se impor em relação aos veículos atuais. Os benefícios são vários, não é poluente e não provoca ruídos, o que deve levar as pessoas a terem mais atenção no trânsito, entre outros”, afirma.

Marcelo Masserani, professor do curso de engenharia automotiva da Poli-USP, também concorda que “a produção de carro híbrido no Brasil é incipiente. Apenas em São Paulo existem ônibus elétricos numa linha regular. No exterior, existe um crescimento muito grande, especialmente, em países da Europa, nos EUA e no Japão”. Masserani enumera os benefícios. “Diminuição de gases poluentes, num nível de 80%, com a utilização de um alternador e de combustíveis como gás, etanol, diesel ou gasolina, e redução do consumo. O motor elétrico ainda conserva a energia no momento em que o carro pára, economizando em muito os gastos do consumidor”, diz. O projeto de carro elétrico brasileiro ainda está em fase de produção de protótipos, como é o caso do Pálio Elétrico da Fiat, desenvolvido em parceria com a Usina de Itaipu, Eletrobrás e Ampla Energia e Serviços (com atuação no Estado do Rio) e que deve ser lançado nos Jogos Pan-Americanos, em julho, no Rio de Janeiro. As grandes montadoras não têm previsão de quando poderão produzir para o mercado brasileiro. Segundo o especialista Acácio Barreto, da Ampla, responsável pelo setor de pesquisa e desenvolvimento da empresa no projeto, a parceria tem, num pri-


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A Ford lançará seu segundo modelo

FIAT/DIVULGAÇÃO

VALE APOSTAR NO CARRO ELÉTRICO? Vantagens • Baixa emissão de gases poluentes • Não produz ruídos • Economia • Bom desempenho • Frenagem produz energia para o motor elétrico • Materiais de fabricação leves Desvantagens • Autonomia reduzida • Carga e recarga de bateria em torno de 8h • Alto custo do automóvel • Pesquisas incipientes para a escala industrial

NO BRASIL Pálio elétrico nacional deve ser lançado nos Jogos Pan-Americanos, em julho

"O motor elétrico conserva energia e economiza os gastos do consumidor" MARCELO MASSERANI, PROFESSOR DA POLI-USP

meiro momento, o objetivo de usar o protótipo em atividades reais dentro da Ampla, nas quais são usados hoje carros a gasolina ou a álcool. Serão realizadas diversas medidas para avaliar o comportamento dos veículos elétricos em serviço e na recarga das baterias. Um dos motivos que levou a Ampla a apostar nessa tecnologia, além do custo menor em combustível e dos ganhos ambientais, foi a possibilidade de negociar créditos de carbonos via MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). De acordo com o

Protocolo de Kyoto, os países industrializados não precisam diminuir suas emissões de carbono na atmosfera desde que invistam em projetos ambientalmente limpos. O modelo atual do Pálio Elétrico tem uma autonomia de 120 km, velocidade máxima de 130 km/h e bateria com tempo de recarga de 8h. Em cinco anos, segundo os responsáveis pelo projeto, a meta é construir um veículo com custo similar ao de um modelo popular. Esse, por sua vez, teria autonomia de 450 km, velocidade máxima de 150 km/h e tempo de recarga das baterias de 20 minutos.

Já a Toyota, líder no mercado de híbridos, informa que não pretende iniciar um projeto no Brasil e que sua expansão se dará apenas na criação de uma nova fábrica para produzir veículos populares. A fabricante japonesa revolucionou o mercado de híbridos com o modelo Prius, carro com um dos coeficientes de aerodinâmica mais baixos do mercado, sistema híbrido inovador e um aspecto futurista e conservador ao mesmo tempo. A Toyota ultrapassou a General Motors e se tornou, pela primeira vez, a maior montadora do mundo.


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de híbrido no Salão de Detroit, em 2008 ISTOCKPHOTO

PERFIS DOS MODELOS Pálio Elétrico (em fase de testes) Potência: 15 KW Forma de abastecimento: na tomada Autonomia: de 120 km com bateria carregada Tempo de recarga da bateria: 6h à 8h Preço estimado: R$ 44 mil a R$ 55 mil Toyota híbrido Consumo: 4,3 l de gasolina a cada 100 km Bateria: 500v Potência: 110cv Aceleração: 0 a 100 km/h em 11s Redução de poluentes: 89%

TOMADA Donos de carros híbridos têm benefícios para recarregar a bateria

Com toda essa atenção e o sucesso nas vendas por todo o mundo, o nome Prius se tornou sinônimo de híbrido nos Estados Unidos, onde foram vendidos 250 mil veículos em 2007. Na cidade, o Prius híbrido de gasolina e eletricidade consome 4,3 litros a cada 100 km (média de 23 km/l), tornando-o um dos automóveis mais econômicos do mercado. A Toyota afirma que conseguiu reduzir em 89% as emissões liberadas, comparando a um veículo a gasolina. Em baixas velocidades, o Prius faz uso do seu motor elétrico, utilizando a sua bate-

ria de 500v. Quando o nível de bateria se encontra baixo, o Prius muda para o motor a gasolina, permitindo assim recarregar a bateria através do alternador enquanto circula. Em condução normal, usa ambos motores, o que significa mais performance com menos consumo de combustível e um nível de emissões mais baixo. Das principais montadoras que já possuem modelos elétricos no exterior, Ford e General Motors também descartam planos de investir no modelo no Brasil. A Ford, que produz o Escape nos Estados Unidos, concentra-se

A TOYOTA REDUZIU EM

89% AS EMISSÕES LIBERADAS, COMPARANDO A UM CARRO A GASOLINA

na produção do seu segundo modelo híbrido que será lançado no Salão de Detroit, em 2008. A GM, montadora do EV1, vai investir, por enquanto, nos modelos multicombustíveis. Segundo a assessoria da montadora, “não existe perspectiva a curto ou mesmo a médio prazo de termos veículos elétricos no Brasil. A busca mais eminente atualmente é em torno de energias flexíveis. O país, hoje, detém uma tecnologia que o mundo inteiro está interessada, ou seja, dos motores de álcool, gasolina e a mistura de ambos em qualquer proporção”. ●



FOTOS JOSÉ ISRAEL ABRANTES | SÃO FRANCISCO RIO ABAIXO

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REPORTAGEM DE CAPA

TRANSPOSIÇÃO

DIVIDIDA OBRAS NO SÃO FRANCISCO ALIMENTAM DISCUSSÕES ENTRE FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS AO PROJETO POR

FLAVIANE PAIXÃO

onsiderado o maior projeto de infra-estrutura hídrica da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a transposição do rio São Francisco começa a sair do papel mesmo contrariando uma parcela da sociedade civil e governos estaduais. Pelo menos 20 liminares que solicitavam a paralisação do empreendimento já foram derrubadas na Justiça. O Exército deve iniciar a construção dos primeiros acessos do rio às estações de bombeamento de água em Cabrobó (PE), no início do se-

C

gundo semestre. Para essa etapa, serão consumidos cerca de R$ 103 milhões. O processo licitatório para a construção da obra aconteceu em abril. Setenta e seis propostas foram recebidas na concorrência pública, em que participam 20 consórcios empresariais e outras seis prestadoras individuais. O resultado pode ser divulgado em 90 dias, contados a partir de maio. A transposição consiste em captar água do rio e conduzi-la por dois canais - um na direção dos Estados de Pernambuco e Paraíba (Eixo Les-


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TRADIÇÃO

Moradores têm o rio como parte da família “O São Francisco é como um pai e um bom patrão. Através dele consegui criar nove filhos e adotar outros dois. Nem todo empregador é como ele: farto e justo. Ele é imponente, tem muito poder e sua força a gente vê pela correnteza. Da porta da minha casa eu o vejo passar todos os dias.” Quem assim definiu o “Velho Chico” foi o pescador Antônio Gomes dos Santos, de Penedo (AL). Aos 65 anos, ele passou grande parte da sua vida dedicada à pescaria e considera o rio um membro da sua família. Mas um dos elementos que viu quase desaparecer por tais águas foi o barco, devido à precária condição de navegação. E isso deixou saudades. “As barcaças e barcos vinham carregados com arroz, óleo e algodão para descarregar na indústria. Essa cena quase não existe mais”, diz. Outro que tem relação familiar com o rio é o pescador Norberto Antônio dos Santos, 59 anos. Morador de Três Marias (MG), ele exerce essa profissão desde o final da década de 50 e costuma brincar que, quando a fome aperta, é só colocar a água para esquentar enquanto vai buscar um peixe. “Minha vida é maravilhosa ao lado do rio, mas é necessário cuidar dos afluentes e dele próprio. O São Francisco está muito doente e precisando de ‘san-

gue’, está carente de ajuda. Como retirar algo dele se está degradado, poluído e com as nascentes secando?” Essa relação quase intrínseca da população ribeirinha com o rio da integração nacional e a diversidade histórico-cultural, fruto dessa combinação, foi tema de um estudo de 13 pesquisadores, incluindo a Universidade Federal de Sergipe e a Universidade de Brasília. O resultado foi a publicação de um livro “Rio Sem História? Leituras sobre o Rio São Francisco”. “Os cantadores da região sanfranciscana acreditam que o rio tem história e conhecem profundamente essa relação ao cantá-lo em seus versos, personifica-o: o São Francisco é alguém, é dotado de personalidade, caráter, humor. Ora malvado, ora grande benfeitor, ora soturno, ora cantante e confidente, ora carrasco”, como consta no balanço historiográfico da obra feito por Vanessa Maria Brasil. O Velho Chico ainda perpassa pelos hábitos religiosos, rituais e arte, interferindo e construindo costumes. Segundo o Iman (Instituto Manoel Novaes para o Desenvolvimento da Bacia do São Francisco), dentre as tradições do rio, uma das principais figuras é o próprio barqueiro - considerado tanto o proprietário da embarcação quanto o remeiro -, por sua

notável participação no intercâmbio entre as comunidades ribeirinhas. Em muitos casos, os barqueiros do médio São Francisco vivem praticamente dentro do rio com suas famílias, acomodandose precariamente em camarotes feitos de madeira. Como em todo o Nordeste, no São Francisco também há a figura da benzedeira ou rezadora. Conforme os costumes locais, elas curam alguns tipos de males com rezas específicas usando para as benzeduras ramos verdes de arruda, mastruz, crista-de-galo ou outro vegetal tenro, a depender da doença: desde espinhela caída até mauolhado. A encomendação das almas é outro ritual costumeiro, feito por pessoas que percorrem uma via-sacra à meia-noite até o cemitério. Todo o rito é voltado para pedir misericórdia das almas. “Praticamente em todas as cidades que o rio banha há uma cultura e história grandiosa de tradições folclóricas, cultivadas conforme as peculiaridades de cada região. O rio ajudou a construir a identidade dessas populações e qualquer interferência nele pode afetar essa relação”, afirma o filósofo especializado em filosofia contemporânea pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Alfeu Trancoso.

TRADIÇÃO O vapor Benjamin

te) e o outro para o Rio Grande do Norte, Ceará e parte da Paraíba (Eixo Norte). A intervenção será feita abaixo da barragem de Sobradinho (BA), onde a vazão mínima garantida do rio está regularizada em 1.850 m_/s. A previsão de retirada de água é da ordem de 26 m_/s, quantidade essa equivalente a 1,4% do que o São Francisco despeja no oceano. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) prevê para todo o empreendimento R$ 4,9 bilhões até 2010, Parte desse montante será aplicado em 36 iniciativas descritas como condicionantes pela licença ambiental emitida pelo


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Guimarães, presença marcante no São Francisco desde a década de 20 e que hoje faz passeios aos domingos

CARRANCAS As esculturas de madeiras espantariam os maus espíritos das águas

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Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A União estima beneficiar cerca de 12 milhões de pessoas com a conclusão das intervenções. “A transposição é a garantia de oferta hídrica e melhora na gestão dos reservatórios (açudes) existentes na região, que estão no semi-árido setentrional. O rio São Francisco tem 80% de toda a água disponível no Nordeste brasileiro, e vamos distribuir um pouco sem causar impacto nele”, diz o coordenador-geral do projeto de transposição do Ministério da Integração Nacional, Rômulo Macedo. Quanto aos reservatórios, ele afirma que os fenômenos climáticos tendem a interferir no armazenamento das águas. Nessa área do país, onde há períodos recorrentes de seca que podem chegar até três anos consecutivos, geralmente há perdas por evaporação. “O problema é que o líquido se acumula nos açudes formando um espelho d’água e, no período seco, ele evapora. Em situação de cheias, há casos de transbordamento devido à quantidade de água anterior armazenada.” A mesma ponderação climática é feita por alguns acadêmicos no que se refere à transposição, fator que poderia com-


POR DENTRO DO SÃO FRANCISCO Extensão: 2.700 km Nascente: serra da Canastra, em São Roque de Minas (MG) Foz: entre Sergipe e Alagoas Área da bacia: 634 mil km2 Cobertura: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Goiás e o Distrito Federal também fazem parte da bacia Municípios da bacia: 504 municípios - 9% do total de cidades do país (48,2% estão na Bahia, 36,8% em Minas Gerais, 10,9% em Pernambuco, 2,2% em Alagoas, 1,2% em Sergipe, 0,5% em Goiás e 0,2% no Distrito Federal) População sob influência: 13 milhões de pessoas (Censo de 2000) DIVISÃO Trecho 1: Alto São Francisco Trajeto: das nascentes até Pirapora (MG) Área: 100.076 km2, ou 16% da área total Extensão: 702 km de extensão População: 6,247 milhões de habitantes Trecho 2: Médio São Francisco Trajeto: de Pirapora (MG) até Remanso (BA) Área: 402.531 km2, ou 53% da área total Extensão: 1.230 km População: 3,232 milhões de habitantes Trecho 3: Submédio São Francisco Trajeto: de Remanso (BA) até Paulo Afonso (BA) Área: 110.446 km2, ou 17% da área total Extensão: 440 km População: 1,944 milhão de habitantes Trecho 4: Baixo São Francisco Trajeto: de Paulo Afonso (BA) até a foz, entre Sergipe e Alagoas Área: 25.523 km2, ou 4% da área total Extensão: 214 km População: 1,373 milhões de habitantes Fonte: Ministério da Integração Nacional

CARTÃO POSTAL Beleza do pôr-do-sol encanta e atrai turistas de todo o país

prometer a eficácia da intervenção no rio. De acordo com a geóloga e mestre em geologia regional pela UnB (Universidade de Brasília), Luciana Felício Pereira, as perdas por evaporação e infiltração devem persistir após a conclusão da obra. “O governo pretende tirar água de uma região de semiárido para levar à outra com o mesmo perfil. Sabemos que as taxas de evaporação em lugares com esse clima são altas. Isso também vai acontecer durante o novo trajeto. Aquela área tem grande período de estiagem e o ideal seria captar água de um local úmido”, diz Luciana. Em relação ao solo, a geóloga afirma que as águas

serão despejadas em leitos secos de açudes e poderão ser absorvidas. “Existem aqüíferos da faixa litorânea que são alternativas de uso para aquelas localidades, desde que haja tratamento prévio.” O custo energético para o abastecimento e irrigação também é considerado outro entrave. Para que a água consiga superar os obstáculos naturais presentes no seu caminho e percorrer toda a distância até chegar ao destino final, ela precisa ser bombeada. “O que já deve inviabilizar a utilização por pequenos lavradores e populações ribeirinhas. Quem vai poder pagar por isso serão os grandes empresá-

rios”, diz Luciana. Rômulo Macedo garante que o valor do metro cúbico da água não terá impacto significativo na conta que o usuário paga ao mês. Segundo ele, no trecho da obra em que se exige maior bombeamento de água (Eixo Leste), o custo do metro cúbico está estimado em R$ 0,17. Quem também compartilha o pensamento de que a água transposta não contemplará o sertanejo é a advogada e diretora da ONG cearense Esplar, Magnólia Azevedo Said. “Se olharmos o mapa do Ceará vamos ver que nem de longe a rota da transposição passa pelos sertões dos Inhamuns, Central, de Crateús e de Irauçuba.


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Essas são as áreas mais secas do Estado. A transposição vai se prestar a diferentes usos como da carcinicultura, agronegócio e da fruticultura irrigada.” Há mais de 30 anos atuando nessa região, a ONG desenvolve atividades voltadas para a agroecologia e o serviço da agricultura familiar. “A obra é social, ambiental e economicamente insustentável”, diz. Sob a ótica do desenvolvimento regional e da melhor gestão hídrica, o presidente do Instituto Internacional de Ecologia e coordenador do programa mundial de águas da Academia Brasileira de Ciências, José Galizia Tundisi, acredita que a transposição será benéfi-

ca para o país. Mas afirma que ela deve vir acompanhada de um projeto de gerenciamento de alto nível na qualidade da água e da bacia hidrográfica. “Existem tecnologias e processos de manejo que podem diminuir as taxas de evaporação dessas localidades. Se o programa vier focado em um ótimo gerenciamento da água e com a perspectiva de usos múltiplos para o crescimento, concordo com a transposição. Ela não pode ser apenas concebida como uma obra de canalização para transportar água”, diz. Segundo ele, esse tipo de projeto deve ser encarado como política de longo prazo a ser feita paulatina-

“O rio São Francisco tem 80% da água disponível no Nordeste, e vamos distribuir sem causar impacto” RÔMULO MACEDO, coordenador-geral do projeto de transposição

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mente, observando cada alteração que possa acontecer para ser corrigida. O que há de unanimidade entre acadêmicos e movimentos engajados na causa do São Francisco é a necessidade de revitalização de sua bacia. O início do processo de degradação do rio, também conhecido como da integração nacional, remonta há mais de cem anos. A ação humana contribuiu para a derrubada das matas que cobriam suas margens e encostas, provocou o assoreamento do leito do rio prejudicando a navegação e o habitat dos peixes. Em alguns lugares, a falta de tratamento de esgoto das cida-


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FAMÍLIA O São Francisco é parte integrante de vida dos moradores ribeirinhos

“A obra vai se prestar a diferentes usos. É insustentável socialmente”

MAGNÓLIA AZEVEDO SAID, diretora da ONG Esplar

des ribeirinhas tornou as águas mais poluidas. Tentar dar vida nova ao “Velho Chico” faz parte de uma segunda iniciativa da União. A intenção principal é seu esgotamento sanitário. O PAC prevê investimentos da ordem de R$ 856,2 milhões para realizá-la. Neste ano serão contemplados projetos que abrangem 165 municípios, 74 deles ribeirinhos e os outros 91 sob a área de influência da bacia do São Francisco. Cerca de 90% dessas cidades já têm projetos concluídos e em fase de análise por parte da Codevasf (Companhia

de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), vinculada ao Ministério da Integração Nacional. “O governo tem sido incompetente ao difundir o real objetivo da transposição, que é de levar água a uma região carente de recursos hídricos para também promover o desenvolvimento e a sustentabilidade. Os ribeirinhos podem ficar tranqüilos, não vai acontecer nada para essas populações. Essa água também não vai faltar para Minas (nascente) e Bahia”, afirma Rômulo Macedo. Esses dois Estados mantêm po-

sições contrárias ao projeto no formato em que está. A gestão mineira afirma que 70% da água transposta será usada para irrigação, o que não atenderia a população pobre do Nordeste. Já o governo baiano questiona desde os custos da obra até a ausência de estudos referentes aos impactos ambientais na própria bacia do rio. Conforme o Estado, dos 44 itens que compõem tal levantamento, apenas 12 apresentam efeitos positivos. “Pernambuco apóia integralmente o projeto. Ele dará água a população independente da chuva. Cerca de 70% dos municípios pernambucanos operam em regime de racionamento porque a oferta de água é menor do que a demanda. O objetivo é dar sustentabilidade hídrica ao semi-árido”, diz o secretário de Estado de Recursos Hídricos, João Bosco de Almeida. O vice-governador e também secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, Iberê Ferreira, aguarda com entusiasmo a implementação do programa. “A integração do São Francisco vai proporcionar uma melhor gestão dos açudes do semi-árido do Estado, com economia futura significativa de águas locais dos rios intermitentes. Além de beneficiar mais de 1 milhão de potiguares”, diz. ●



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AVIAÇÃO

FORÇA QUE VEM DOS ANDES DE QUASE FALIDA, A LAN AGORA VOA PARA OS QUATRO CONTINENTES E MIRA O MERCADO BRASILEIRO POR

entrada da LAN Chile Airlines no mercado aéreo brasileiro parece uma intrincada partida de xadrez, com movimentos lentos, mas muito bem calculados. No primeiro lance concreto de ataque, chegou a fazer um aporte de US$ 17 milhões na combalida Varig na tentativa de assumir o controle da mais tradicional companhia do país. Esbarrou na legislação, que limita em 20% a participação estrangeira em empresas do setor, e na Gol, que pagou US$ 320 milhões para se tornar a principal acionista da Varig. A frustrante investida inicial, entretanto, não desanimou os executivos

A

PEDRO BLANK

da LAN e eles anunciaram em maio a concretização de uma parceria com a TAM para compartilhamento de vôos. Com uma estratégia agressiva de expansão, a LAN é exemplo de sucesso da mudança da aviação a partir de 1980. O romantismo de ganhar os céus do início do século passado desapareceu e sobreviveram apenas as companhias que trataram a aviação como negócio, ou seja, sem lucro é inevitável fechar as portas. Nascida em 1929 num projeto do governo chileno, a LAN esteve bem perto da falência. A guinada ocorreu em 1994 com sua privatização. Para equilibrar as contas, os novos acionistas en-

xugaram pessoal, cortaram rotas deficitárias e assim a contabilidade passou a ser escrita em azul. Sob a batuta das famílias Cueto – sobrenome que alavancou a aviação no Chile nos anos 30 - e Piñera – de Sebastián Piñera, candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais do Chile –, a LAN virou umas das gigantes no transporte aéreo de passageiros na América Latina. Atualmente, a empresa conta com subsidiárias na Argentina, Peru e Equador. Por meio da LAN Cargo, despacha mercadorias para os quatro continentes. O pesquisador do Neit (Núcleo de Economia Industrial) da Uni-


camp (Universidade de Campinas) e especialista em indústria aeronáutica, Marcos Barbieri, esmiuça o crescimento da LAN e o cenário em que aconteceu. Para ele, a companhia soube superar a turbulência financeira que passou, principalmente nos anos 90, e aproveitou o quebra-quebra do setor aéreo. “Se não tivesse sido privatizada, a LAN não seria essa potência que é hoje e não sairia do buraco que estava. Ela se preparou para ocupar o lugar de empresas que sumiram”, diz Barbieri. Para alcançar 76 anos com vitalidade, a LAN sobreviveu a alguns obstáculos que mataram peças valiosas no jogo da aviação. Nesse cenário, a Segunda Guerra é um divisor de águas. Antes do conflito, cortar os céus era sinônimo de aventura e risco. O avanço tecnológico ocorrido em função dos combates transformou os aviões em um meio de transporte seguro, ágil e confortável. Ainda com o ranço do pioneirismo, a aviação da América Latina viu algumas gigantes nascerem no pósguerra, como a Aerolíneas Argentina e a Varig. Foram intocáveis até os anos 80, quando sofreram um duro baque com a desregulamentação do setor e a livre concorrência. Diante da livre concorrência, foram esmagadas por tarifas mais baratas. Não souberam cortar custos e pagaram caro por isso. “Na América Latina, houve a abertura


MERCADO NACIONAL

Gol cresce com compra da Varig Quando decidiu comprar a Varig, a Gol deu um recado bem claro: quer voar para mais aeroportos do exterior de qualquer maneira. Para concretizar o objetivo, a Gol pagou US$ 320 milhões na esperança de reaver vários destinos que estavam suspensos em virtude da crise financeira da Varig. Os planos internacionais da Gol ainda dependem do aval da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), mas tudo indica que a companhia vai crescer. Embora sejam uma única empresa, Gol e Varig possuem estruturas independentes. Fundada em 2001, a Gol voa apenas na América do Sul. Seus destinos são Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile e Peru. Em fase de reestruturação, a Varig aterrissa na Colômbia, Venezuela e Argentina, além de manter um vôo para a Europa, com destino a Frankfurt, na Alemanha. Romper as fronteiras da

América Latina parece ser cada vez mais a meta da companhia. Ao virar protagonista do maior negócio da história da aviação nacional, a Gol quer ampliar seus destinos. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Gol preferiu não comentar qual estratégia adotará na questão das rotas internacionais perdidas pela Varig. Segundo a nota, a Varig ainda possui permissão de vôos para Londres, Madri, Milão e Paris, na Europa, Miami, Nova York e Cidade do México, na América do Norte, e Santiago, no Chile – hoje, essas rotas estão suspensas. De acordo com dados da Anac, a Gol, depois de comprar a Varig, aumentou em 11% sua participação nos vôos internacionais que partem de aeroportos brasileiros, respondendo por 30,76% do mercado, quase a metade da líder TAM, que tem 61,01% - outras empresas totalizam 8,23%, e a LAN fica com 21% desse total. CRESCIMENTO Embarques no Brasil fazem parte da estratégia da

"Se não tivesse sido privatizada, a LAN não seria essa potência que é hoje" MARCOS BARBIERI, ESPECIALISTA EM INDÚSTRIA AERONÁUTICA

de rotas para outras empresas mais jovens, que viam a aviação como negócio. O que as empresas tradicionais não entenderam é que voar tinha de ser barato. Nos Estados Unidos, a PanAm também faliu por isso “, afirma Barbieri Enquanto a Gol fez da imagem das barrinhas de cereal servidas nas suas refeições símbolo de tarifas baratas, a LAN aposta num cliente que se interessa em pagar mais para ter um conforto pouco encontrado hoje em dia, perfil que

lembra o adotado pela TAM, sua mais nova parceira. Com investimentos da ordem de US$ 100 milhões na sua frota de Boeing 767300, os chilenos querem ser referência no atendimento especial, batizado de Premium Business, na teoria, um serviço melhor do que a primeira classe tradicional. O diretor-geral da LAN no Brasil, Cláudio Tessada, diz que os investimentos no serviço de luxo, que incluem um assento que vira cama, design exclusivo para copos

e até uma adega, terão reflexos na classe econômica. “Nossas aeronaves dão conforto e prazer durante a viagem. Na classe econômica, os assentos têm maior capacidade para reclinação e oferecemos, inclusive, um novo espaço para o passageiro guardar objetos pessoais.” O perfil da empresa só muda quando o assunto são as rotas de curta distância dentro do Chile. Para não perder espaço e se manter competitiva, a LAN implantou,


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MARCELLO LOBO

RAIO-X Sede: Santiago, no Chile Escritório brasileiro: São Paulo Lojas no Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo Subsidiárias: Argentina, Equador e Peru Faturamento: US$ 3,03 bilhões em 2006 Frota: 80 aeronaves de passageiros e 9 de carga (Boeings 737 e 767 e Airbus 319, 320 e 340) Rotas: 15 no Chile, 11 no Peru, 9 na Argentina, 2 no Equador, 10 em outros países da América Latina e Caribe, 3 nos EUA, 2 na Europa, 4 no Pacífico Sul (**) Rotas no Brasil: Rio / São Paulo / Santiago (ida e volta) São Paulo / Lima (ida e volta) São Paulo / Buenos Aires (ida e volta) Salvador / Santiago (ida e volta) (*) Florianópolis / Santiago (ida e volta) (*) * Vôos semanais ** Rotas no Pacífico Sul: Ilha de Páscoa, Austrália, Nova Zelândia e Taiti Site: www.lan.com

LAN em ocupar espaço na América Latina

em fase de teste desde março, a prática de “low cost, low fare”, a política em voga em diversas empresas que prega baixos custos e tarifas reduzidas. Com descontos superiores a 30% nos bilhetes, a LAN transportou 57 mil passageiros a mais nas quatro rotas em que experimentou – Punta Arenas, Puerto Montt, Osorno e La Serena, sempre partindo de Santiago. Para se popularizar no Brasil, porém, a LAN confia no serviço de bordo diferenciado, filosofia que

Fonte: LAN

vai na contramão da política de preços e tarifas reduzidos. Operando no país desde 1968, a companhia transportou, em 2006, cerca de 114 mil pessoas, performance discreta se comparada com a BRA, que começou a operar há pouco tempo vôos internacionais no Brasil, e ano passado transportou pouco mais de 500 mil passageiros para o exterior. Neste ano, Tessada traçou como objetivo dobrar os passageiros da LAN. “São 35 vôos semanais

Rio-São Paulo-Santiago. A ocupação vem crescendo, tanto por brasileiros que vão a Santiago como por chilenos, cada vez mais atraídos pelo Brasil”, afirma. Para ampliar sua oferta nos demais continentes, o executivo confia na eficiência do One World, entidade que reúne companhias de todo o mundo. “Os vôos compartilhados nos permitem crescer e ir para todos os lugares. É um facilitador participar do One World.” Até superar a casa dos 200 mil passageiros, Tessada não dá indícios de aumento da estrutura da LAN no Brasil. Ele optou por não revelar quantos funcionários a empresa utiliza no país, mas uma consulta no site da companhia revela que a estrutura, por enquanto, é para lá de enxuta. Em São Paulo, está localizado o QG chileno. Lojas são apenas duas: uma na própria capital paulista e outra no Rio de Janeiro. Dessa forma, é provável supor que a expansão só irá ocorrer quando a LAN incluir os aeroportos nacionais nas suas rotas para a Europa. Em parte, a indefinição leva a crer que a LAN prefere fortalecer suas pernas para dar um bote certeiro e assim se popularizar no Brasil, dono do maior tráfego aéreo da América Latina. “Com certeza, o Brasil é um excelente mercado. A LAN tem interesse, sim, em participar como player (estar entre as líderes do merca-

do) da aviação comercial brasileira, mas ainda não é o momento”, diz Tessada. A escolha do caminho a ser seguido pela LAN, conforme o analisa Marcos Barbieri, definirá, em um futuro próximo, as forças da América Latina. No momento, há duas brasileiras na categoria das grandes: Gol e TAM. Com fôlego para alcançar as duas, conforme avalia o pesquisador, aparece a LAN. Classificadas como emergentes, surgem duas empresas tradicionais e com chances concretas de voarem mais alto, a panamenha Copa, inaugurada em 1947, e a colombiana Avianca, primeira companhia aérea fundada na América, em 1919. “A Avianca foi comprada pela brasileira OceanAir e, em breve, acredito que estará em operação no país. Poderá dar um baita salto quando isso acontecer. A Copa está saneada e totalmente enquadrada numa filosofia moderna e que dá lucro. Gol e TAM estão consolidadas, num duopólio interessante para o consumidor. Acho que iremos ver uma boa expansão da LAN no continente”, diz Barbieri. Se tudo der certo, portanto, o Chile irá provar que exporta belos cartões-postais do deserto de Atacama, a imponência da Cordilheira dos Andes, o lirismo de Pablo Neruda e agora aviões que agradam muito ● além de suas fronteiras.




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RODOLFO BUHRER/GAZETA DO POVO/FUTURA PRESS

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METRÓPOLE

SOLUÇÃO ESTÁ NO

TRANSPORTE

COLETIVO

ESTUDO SOBRE O TRÂNSITO EM SÃO PAULO MOSTRA OS PREJUÍZOS QUE A PERDA DE TEMPO E A FALTA DE UM SISTEMA PÚBLICO EFICIENTE CAUSAM AOS MORADORES POR

PEDRO BLANK

e todos os superlativos escritos ao lado de seu nome, nenhum incomoda tanto São Paulo como o título de capital brasileira dos maiores congestionamentos. Com uma frota estimada em mais de 5 milhões de automóveis particulares, a cidade conta praticamente com um carro para cada 2,5 habitantes, estatística que deixa o trânsito com uma velocidade média que varia de 14 a 20 km/h. O transporte coletivo, por sua vez, é frustrante, conforme apontam os especialistas. Os pouco mais de 60 km de metrô e os 15 mil ônibus são insuficientes para atender uma população de 10,5 milhões de habitantes. A tendência é o quadro ficar mais desesperador, afinal, a cada dia 500 novos carros são emplacados em São Paulo.

D

O problema crônico dos deslocamentos em São Paulo levou o doutor em economia pela Universidade de Varsóvia e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Ladislau Dowbor, a produzir um estudo sobre os prejuízos que a perda de tempo – um recurso não-renovável como sublinha ele – dentro de um carro causam ao PIB. Consciente de que São Paulo é vítima de um problema que sufoca metrópoles de todo o mundo, como Tóquio, Nova York e Londres, por exemplo, Dowbor defende que a única saída para solucionar o transtorno do trânsito passa pelo investimento em transporte coletivo. A ineficácia do transporte coletivo faz com que o cidadão fique em uma posição desconfortável. Se escolher o carro para sair



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de casa, a chance de ficar intermináveis horas parado numa fila é grande, sem falar na falta de vagas para estacionar e na insegurança de parar no semáforo. Por outro lado, se optar pelo trem, ônibus ou metrô, o passageiro precisará de ter a sorte de seu destino ficar perto de um ponto ou uma estação e, claro, cruzar os dedos para ter o mínimo de conforto e rapidez no deslocamento. “É sombrio. Pagamos para ter carro e transporte público. Nenhum dos dois funcionam”, diz Dowbor. Através de uma conta simples, Dowbor levantou os custos dos engarrafamentos paulistanos. Ele sustenta que o uso em larga escala do metrô poderia poupar, em média, 30 minutos de cada um dos 5 milhões de motoristas que existem em São Paulo. Por dia, seriam 2,5 milhões de horas economizadas. Levando em consideração, conforme explica o professor, que a média da hora de trabalho é de US$ 3, o uso do metrô representaria uma receita diária de US$ 7,5 milhões ou US$ 2 bilhões anuais. “Considerando que o custo do quilômetro do metrô é de US$ 100 milhões, a economia de tempo que o uso do transporte coletivo proporcionaria seria suficiente para colocar em funcionamento 20 km de metrô anualmente. Sem investimento correto no transporte coletivo, o paulistano anda de carro numa velocidade de carroça do iní-

ESPAÇO DISPUTADO Frota de 1.290 ônibus faz 5,5 milhões de viagens por dia em São Paulo

cio do século passado”, diz Dowbor. Além da perda de tempo e das conseqüências diretas na vida do cidadão que vai andar pela cidade, os engarrafamentos de São Paulo exercem influência no aumento da irritabilidade e no sedentarismo e causam problemas de saúde. Em uma pesquisa de 2006, a prefeitura registrou 1.487 mortes no trânsito. Mas o número poderia ser pior caso houvesse um levantamento de seqüelas ocorridas em virtude dos acidentes, que obrigam milhares de trabalhadores a se aposentar por invalidez. Homem responsável em ge-

renciar o tráfego de São Paulo, o presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), Roberto Scaringella, reconhece que o metrô, os trens e as linhas de ônibus não conseguem oferecer aos usuários segurança, conforto, fácil acesso e rapidez. “O espaço viário de São Paulo está saturado. O transporte público bem planejado é capaz de reduzir o número de veículos e aumentar a fluidez do trânsito”, afirma. A praticidade dos automóveis particulares tem um preço. Em seu ensaio, Dowbor também apresentou números que demonstram

A PREFEITURA DE SÃO PAULO REGISTROU

1.487 MORTES NO TRÂNSITO EM 2006


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PELO BRASIL

Crescimento faz capitais estudarem formas de evitar gargalos O crescimento econômico das principais capitais brasileiras nos últimos anos puxa o aumento da frota de automóveis. Exemplo dessa realidade é Curitiba, modelo para o país com suas pistas exclusivas de ônibus e que mesmo assim se prepara para entrar no segundo semestre deste ano com 1 milhão de carros nas ruas. Com uma população estimada de 1,8 milhão de habitantes, a capital paranaense já encara, portanto, o desafio de administrar o dia-adia de um trânsito que oferece um veículo para cada 1,8 morador, um número mais baixo que o verificado em São Paulo. Paulo Schmidt, presidente da Urbs (Urbanização Curitiba), empresa vinculada à prefeitura e responsável por gerenciar o tráfego na cidade, entende que é necessário estimular a população a utilizar a rede integrada de ônibus. “A cada mês, ganhamos 5.000 carros e em agosto teremos uma frota de 1 milhão de automóveis. O jeito será aperfeiçoar mais nossa rede integrada de ônibus, que, com uma tarifa de R$ 1,90, permite ao passageiro ir para qualquer ponto de Curitiba”, afirma. Belo Horizonte também está a caminho de ter 1 milhão de carros. Atualmente, a frota estimada pela BHTrans (Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte) é de 931 mil veículos, sendo que 400 mil

trafegam diariamente pelo centro, palco de constantes congestionamentos. Para contornar a situação, o presidente do órgão, Ricardo Mendanha, diz que medidas restritivas poderão ser adotadas em breve, como rodízio, redução do estacionamento rotativo e até mesmo cobrança de pedágio. Já convivendo com 1,6 milhão de automóveis, o Rio de Janeiro, embora tenha um metrô de 35 km de extensão e que transporta 500 mil usuários por dia, busca uma solução para ligar a Barra à zona sul, ponto nevrálgico do trânsito da cidade, conforme aponta estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Procurada pela reportagem, a prefeitura da cidade não se manifestou até o fechamento desta edição. Longe de alcançar 1 milhão de carros – por enquanto são 480 mil – , Porto Alegre é mais uma das grandes capitais que não possui um metrô capaz de atender sua demanda. Hoje, 43 mil passageiros utilizam o metrô diariamente, porém, a prefeitura estima que o número precisaria triplicar para ser considerado adequado. Mas como o custo de ampliação do sistema é alto, calculado em US$ 100 milhões o quilômetro, a idéia do município é estimular as empresas a adquirir ônibus biarticulados, capazes de transportar até cem passageiros a mais que

os convencionais. “Os usuários já contam com microônibus com ar-condicionado para as mais diversas reuniões. Para aproveitar mais o nosso espaço viário, a intenção é ter uma quantidade maior de ônibus biarticulados, com capacidade para até 172 passageiros”, diz o diretor de operações da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), Fernando Michel. Em Recife, a solução para estimular os 400 mil carros da cidade a ficarem em casa veio de um hábito bastante comum nas

metrópoles européias. Ainda em fase de implantação, a prefeitura construiu uma ciclovia que já percorre 13,2 km em um trajeto que corta o centro e a orla. “É uma medida cultural. Para mostrar ao cidadão que ele pode utilizar o metrô, o trem, o ônibus e a bicicleta para se locomover”, afirma o presidente da CTTU (Companhia de Trânsito e Transporte Urbano), Carlos Padilha. A empresa ainda não realizou estudos sobre a redução com a poluição com a adoção da ciclovia. PEDRO SERAPIO / GAZETA DO POVO / FUTURA PRESS

CURITIBA Sistema de trânsito estimula uso de rede integrada


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EMPREENDIMENTO

Metrô próximo garante vendas Para fugir dos engarrafamentos e oferecer ao cidadão casas e escritórios que tenham facilidades para o descolamento, algumas empresas em São Paulo começam a tocar seus projetos levando em consideração a proximidade com estações de metrô. Um exemplo dessa nova realidade é o projeto da construtora Brascan, localizado, como faz questão de destacar na sua propaganda, a 15 metros da estação Paraíso, bem perto da avenida Paulista. Com investimento da ordem de R$ 100 milhões, a Brascan liderou um projeto que teve três desdobramentos num terreno de quase 5.000 m2. Nos dois condomínios residenciais, foram construídos 438 apartamentos de dois quartos e todos já foram vendidos. A parte comercial tem como público-alvo profissionais liberais e prestadores de serviço. Será inaugurado apenas em abril de 2008, mas já vendeu 80% das 423 salas. “Hoje em dia, as pessoas querem sair de casa e do trabalho com agilidade no

transporte. Tivemos de comprar um dos poucos terrenos com área que existem perto da avenida Paulista e foi um sucesso, pois a localização perto do metrô era estratégica. Alcançamos uma rentabilidade de 30% no negócio. Só não voltamos a investir em um projeto desse tipo porque não há área disponível para comprar”, diz o gerente comercial da Brascan, Leon Bensoussan. Construído em áreas ocupadas há bastante tempo, o metrô, de maneira incipiente, valoriza o seu redor ao longo de suas 54 estações. É possível encontrar no desembarque, dependendo do ponto, hospitais, os mais variados serviços de utilidade pública, museus – como a estação Trianon-Masp, ao lado do Museu de Arte de São Paulo, e a Luz, em frente à Pinacoteca e ao Museu da Língua Portuguesa –, entre outros. “Não é para ser uma área pálida. O entorno das estações pode tornar o dia-a-dia do usuário melhor do ponto de vista da cultura e da prestação de serviços”, afirma o professor Ladislau Dowbor.

ESTRATÉGIA Construir edifícios com acesso fácil a

como o paulista “perde” dinheiro em carros. Tendo como base um valor médio conservador de US$ 5.000 para cada veículo, são US$ 25 bilhões imobilizados, sem somar a despesa média de manutenção de R$ 590 – valor mensal médio na manutenção de um modelo 1.0. “Só o valor dos carros daria para entregar ao usuário 200 km de metrô. Aí está a solução, pois o aumento da oferta do transporte individual só vai agravar a situação. Diluindo os custos entre os usuários, o preço se torna muito baixo diante do benefício que ele oferece para toda a sociedade.” O panorama de São Paulo po-

deria ser menos caótico, atualmente, se algumas decisões que determinaram o crescimento estrutural da capital tivessem sido tomadas de outra maneira. A tese é do engenheiro de produção e professor da disciplina de engenharia do tráfego e transporte urbano, João Cucci, da Universidade Mackenzie. Na primeira gestão de Paulo Maluf na prefeitura, entre 1969 e 1971, a cidade optou em promover obras como elevados e túneis. Essas intervenções resolveram a demanda de imediato, porém, criaram um drama para as administrações futuras, que continuaram a executar empreendi-


DIA-A-DIA MARCELLO LOBO

Moradores criam rotina própria O TRNSITO EM NÚMEROS METRÔ Extensão: 60,2 km Estações: 54 Passageiros transportados por dia: 2,7 milhões TREM Extensão: 253,2 km Estações: 83 Passageiros transportados por dia: 1,5 milhão ÔNIBUS Frota: 15 mil Linhas: 1.290 Passageiros transportados por dia: 5,5 milhões NAS RUAS Frota de carros: 5,6 milhões Frota de caminhões: 210 mil (*) Frota de motoboys: 80 a 100 mil (*) (*) que transitam em média por dia na capital paulista Frota de táxi: 35 mil Fontes: SPTrans, Detran-SP,

estações de metrô ajuda nas vendas

mentos de crescimento da malha viária de São Paulo. Ruas e avenidas mais largas garantiram o aumento do número da frota, mas hoje novas intervenções dificilmente terão sucesso por uma razão óbvia: não há mais espaço para crescer. “Se continuassem com as obras, teríamos uma cidade com andares. Hoje, é pouco prático pensar em obras que possibilitem mais carros em São Paulo. Acredito que é a hora de os órgãos governamentais traçarem um plano que privilegie o transporte coletivo e romper com a herança do passado de alargar a cidade. A solução de

Metrô-SP e prefeitura

hoje é a que deveria ter sido tomada nos anos 60”, diz Cucci. Para dar aos moradores de São Paulo um dia-a-dia menos traumático no trânsito, Scaringella diz que a CET não prevê nenhuma medida restritiva ao tráfego no momento além do rodízio de placas, medida criada em 1999 e que proíbe todos os dias cerca de 700 mil carros de saírem das garagens entre as 7h e as 10h e no final da tarde das 17h às 20h. O pedágio urbano, segundo ele, está descartado. Assim, ele aponta o investimento em tecnologia como trunfo para auxiliar o trânsito. “O monitoramento eletrônico, com o fluxo de informação, é

POR

RICARDO BALLARINE

Às terças-feiras, Tereza Machado Vilhena levanta às 5h, uma hora mais cedo do que o habitual. Sai de sua casa, na Mooca (zona leste), para ir ao trabalho, na Marginal Pinheiros (zona oeste), às 5h45. De carro, chega um pouco antes das 7h. Sua rotina de trabalho só começa às 9h, mas ela se sente aliviada. O motivo? “Escapei do rodízio. Tem dia que não consigo, entro no horário proibido e tenho que torcer para não levar multa”, diz a gerente de marketing, que trabalha num prédio de escritórios na avenida das Nações Unidas. Seu carro tem placa com final 3 e não pode circular às terças-feiras, junto com os de final 4, entre as 7h e as 10h e entre as 17h e as 20h numa área que a CET chama de centro expandido. Para escapar da multa, muitos motoristas, como Tereza, levantam mais cedo para ir de carro, em vez de usar o transporte público. Na volta, esperam chegar o horário permitido. “Aproveito para ir ao shopping, que fica ao lado do escritório, às vezes vou ao cinema”, diz Tereza. Ela diz ser favorável ao rodízio e não se importa com esse “jeitinho” de escapar da proibição. “Não estou descumprindo a lei. Se eu fosse de metrô, teria que levantar às 4h, pegar dois ônibus e dois metrôs.” Rotina essa que é feita por Doralinda Tavares da Silva, moradora de Cidade Dutra (zona sul). Ela trabalha como

agente de limpeza de uma empresa terceirizada que presta serviço para lojas e escritórios em Cerqueira César (zona oeste). Diariamente, ela levanta às 4h e pega o primeiro ônibus às 4h30. Sua viagem vai levar mais duas horas até chegar ao trabalho. “Cansa, mas fazer o quê? Tenho que trabalhar”, diz Doralinda. Ela começa o trabalho às 7h, horário que consegue cumprir na maior parte dos dias. “Às vezes, chego atrasada por causa do trânsito. E têm dias que chego até 40 minutos antes. Não entendo a cidade.” Já Marcos Rodrigues Taveira, auxiliar de escritório, pega apenas uma condução por dia, o metrô. Ele embarca às 6h na estação Penha (zona leste) e vai até a República (centro), em 30 minutos na média. Depois, tem uma caminhada de 10 minutos até o escritório de advocacia onde trabalha. Só entra às 8h, mas chega no mínimo 40 minutos adiantado. “Se eu chegar no metrô às 6h01, não consigo mais entrar, de tão lotado que fica”, diz Taveira. Muitos esperam várias composições do metrô passar até conseguir embarcar. Enquanto isso, o tempo passa e muitos não conseguem viajar. Do lado de fora da estação, na Radial Leste, via expressa que liga a zona leste ao centro, a velocidade média dos carros é de 30 km/h. De carro, metrô ou ônibus, o cenário é o mesmo. São Paulo anda devagar, quase parando.


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PEDRO VILER· / FUTURA PRESS

dos os veículos tenham no máximo 12 anos de uso. Procurada pela CNT Transporte Atual, a Companhia Metropolitana de São Paulo, órgão estadual que cuida do transporte sobre trilhos, não se manifestou até o fechamento desta edição.

BILHETE ÚNICO Integração entre trens, metrô e ônibus gerou aumento de usuários

"O transporte público bem planejado aumenta a fluidez do trânsito" ROBERTO SCARINGELLA , PRESIDENTE DA CET

uma forma de solucionar o problema da mobilidade urbana.” Por meio de sua assessoria de imprensa, a SPTrans (empresa que administra o transporte público na capital paulista) comunicou que a integração entre os ônibus, os trens e o metrô vem atraindo mais usuários. Um convênio assinado em 2005 entre prefeitura e governo estadual permite que o passageiro pague uma tarifa de R$ 3,50 e utilize quatro embarques em qualquer um dos meios de transporte no período de duas horas. A SPTrans também aponta a eficiência das faixas exclusivas para ônibus. Como exemplo, é citado o Expresso Tiradentes, um cor-

redor exclusivo de ônibus, com 8,5 km de extensão que liga o centro à zona sul. Antes dessa obra, o trajeto era feito em 50 minutos e agora os coletivos o percorrem em 15 minutos. “A Secretaria (Municipal de Transportes) quer aumentar a velocidade (média) dos ônibus e assim atrair mais usuários”, diz o comunicado. De acordo com o texto enviado à reportagem, São Paulo possui 1.290 linhas, que atendem a todos os bairros da capital. Em dias úteis, são computados 5,5 milhões de deslocamentos. Visando maior qualidade e conforto dos ônibus, a SPTrans prevê que até dezembro de 2008 to-

OTIMISMO As ações do poder público, em potencializar a oferta no transporte coletivo, são vistas com otimismo pelos analistas. Dowbor avalia que o investimento por parte da prefeitura e do governo estadual é tímido, mas indica claramente que os projetos daqui para frente começam a priorizar ônibus, trens e metrô. “É um começo lento. Os projetos teriam de sair do papel uma hora. Acho que os governos (municipal e estadual) terão de dar uma solução definitiva para o transporte público no máximo em cinco anos. Do contrário, os congestionamentos serão insuportáveis”, diz. É unânime que São Paulo terá de encontrar uma alternativa para racionalizar o seu trânsito. No centro financeiro do país, as pessoas necessitam se deslocar com agilidade. Para isso, mobilidade é vital. “O trânsito de uma cidade como São Paulo é como o sangue do corpo humano, se não circular, a cidade entra em colapso”, compara Cucci. E o que São Paulo menos quer é parar. ●



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FRETAMENTO

ATAQUE AO CLANDESTINO ANTT PREPARA ALTERAÇÕES NA LEI PARA GARANTIR SEGURANÇA AOS USUÁRIOS E COIBIR TRABALHO ILEGAL POR

novo texto da resolução nº 1.166/2005 da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que regulamenta o transporte de passageiros sob regime de fretamento, deverá ficar pronto até o final de junho. Desde o ano passado, a agência vem propondo mudanças em sete artigos sob a justificativa de coibir a ação de empresas clandestinas e garantir a segurança dos passageiros. Os debates sobre o tema foram iniciados em janeiro deste ano e concluídos em maio. Quatro propostas não agradaram aos transportadores que prestam serviços de fretamento eventual e turístico. Sobre três de-

O

SANDRA CARVALHO

las, a agência já tem posição definida quanto à redação final da resolução. O serviço de fretamento eventual é aquele acertado diretamente entre a transportadora e entidades civis e grupos de pessoas físicas ou jurídicas para viagens interestaduais e internacionais. Já o fretamento turístico é um serviço de transporte sob responsabilidade de agências cadastradas no Ministério do Turismo, contratado para o atendimento de excursões, passeios ou programas turísticos, que incluem, além do transporte, a hospedagem e a alimentação. A alteração na resolução nº 1.166 que mais incomodou as

empresas de fretamento se refere ao prazo de antecedência para o envio da lista dos passageiros que farão a viagem. O artigo diz que, até a hora da partida, as transportadoras podem alterar os nomes dos passageiros no site da ANTT. Mas, sob o argumento de coibir a ação de empresas clandestinas, a agência propõe que os dados dos passageiros sejam enviados com cinco dias de antecedência à viagem. “Algumas empresas se apresentam como empresas de fretamento eventual ou turístico, mas, na verdade, fazem o trajeto de linhas regulares, cobram mais barato que as empresas de transporte rodoviário e captam

passageiros até o último instante. Com a antecedência no envio dos nomes, a ação das clandestinas será dificultada”, diz Francisco Cavoue, superintendente substituto de serviços de transporte de passageiros da ANTT. Essa é uma prática comum no país. A ANTT discutiu o tema após denúncias e acidentes com ônibus clandestinos, que tinham autorização da agência para o fretamento turístico ou eventual, mas faziam linhas regulares interestaduais e intermunicipais. Cavoue cita o exemplo de um ônibus que seguia recentemente de São Paulo ao Nordeste e passou por estradas vicinais próximo a Brasília, em vez de passar pelas BRs-101 ou 116. “O


"Algumas empresas se apresentam como de fretamento, mas fazem trajeto de linhas regulares" FRANCISCO CAVOUE, SUPERINTENDENTE SUBSTITUTO DA

ANTT

ônibus se acidentou, os passageiros ficaram feridos e descobrimos que o motorista passou pelas estradas vicinais para fugir de fiscalização, pois a lista de passageiros autorizada pela ANTT para a viagem era bem diferente dos passageiros que estavam no ônibus”, diz. Os transportadores que prestam serviço de fretamento se posicionam contra a alteração. Para Martinho Ferreira de Moura, presidente da Anttur (Associação Nacional dos Transportadores de Turismo e Agências de Viagem), “não é justo que o trabalho das empresas sérias seja prejudicado pelos erros das clandestinas”. “Somos a favor da manutenção da resolução. A

mudança provocaria um prejuízo de 20% sobre o que uma empresa fatura”, afirma. A mesma opinião é compartilhada pela Fresp (Federação das Empresas de Transporte de Fretamento do Estado de São Paulo). “É muito difícil, em eventos como retiros religiosos ou campeonatos de futebol, por exemplo, ter as informações com tanta antecedência”, diz Regina Rocha, assessora jurídica da Fresp. Moura afirma que a solução para o problema é o aumento da fiscalização nas estradas, que ele considera insuficiente. De acordo com a ANTT, atualmente, apenas 300 funcionários da agência trabalham na fiscalização de ônibus fretados em

todo o país. Outros 400 serão contratados em concurso que deve ser realizado ainda neste ano. “Nosso objetivo é que os fiscais trabalhem em todas as entradas e saídas das grandes cidades”, afirma Cavoue. Para a Abav (Associação Brasileira de Agência de Viagens), a antecedência de cinco dias na lista de passageiros interfere na comodidade do turista quanto às decisões sobre a viagem que pretende fazer. A Abav também argumenta, em proposta enviada em janeiro sobre o assunto à ANTT, que um dos maiores problemas de viagens interestaduais e internacionais para operadores de turismo é a oscilação na lista de passageiros.


POLÊMICA DETALHADA Veja as propostas da ANTT e os argumentos dos transportadores ARTIGO Nº 23 Proposta da ANTT Após uma viagem, o ônibus só conseguirá uma nova autorização para viajar depois de ficar parado durante metade do tempo total da última viagem para manutenção e limpeza Posição dos transportadores A autorização pode ser pedida assim que o ônibus chega e é encaminhado para manutenção e limpeza ARTIGO Nº 24 Proposta da ANTT A lista de passageiros deve ser enviada com cinco dias de antecedência do início da viagem contratada Posição dos transportadores A proposta é prejudicial ao setor, pois tira do passageiro a chance de resolver viajar de última hora ARTIGO Nº 27 Proposta da ANTT Para o transporte de trabalhadores rurais, a empresa deverá enviar à ANTT uma certidão liberatória emitida pela Delegacia Regional do Trabalho, com antecedência de três dias úteis do início da viagem Posição dos transportadores Nem todas as cidades têm Delegacias Regionais do Trabalho ARTIGO Nº 43 Proposta da ANTT O laudo de inspeção técnica do veículo deve ser dado pelo Inmetro Posição dos transportadores Nem todas as principais cidades do país possuem o órgão instalado. Por isso, a emissão deve ser feita por órgãos aos quais os transportadores têm acesso O que já foi acatado pela ANTT (até maio/07) • Sugestões dos transportadores referentes aos artigos 27 e 43 • A agência estuda um prazo menor que o proposto para o artigo 24

SATISFAÇÃO O fretamento para transporte de funcionários tem avaliação positiva

Ainda conforme o texto enviado à agência, a associação diz que a proposta da ANTT altera ainda a inclusão de passageiros durante o percurso da viagem, prática comum em viagens turísticas. O Ministério do Turismo informou por meio de sua assessoria de imprensa que não irá comentar a questão e que a ANTT é o órgão do governo federal que trata do assunto. A Abrati (Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros) também não quis se manifestar. Na audiência pública realiza-

da pela ANTT, foram colhidas mais de 290 sugestões, a maior parte pedindo a suspensão do prazo de antecedência para envio de nomes dos passageiros. Diante do cenário e após muito diálogo, a ANTT adianta que o prazo não será mais de cinco dias de antecedência, como proposto anteriormente, nem permitido até o momento da viagem, como querem as transportadoras. “Vamos ponderar e fazer as alterações de uma forma que não prejudique o trabalho das empresas”, diz o superintendente Francisco Cavoue. Outra proposta de alteração,

que também gerou polêmica entre os transportadores e sobre a qual a ANTT já tem uma posição definida para o texto final da resolução, altera o artigo nº 43, que trata sobre a emissão do laudo de inspeção dos veículos que prestam serviço de fretamento. A agência propôs que o laudo fosse emitido somente pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia Normalização e Qualidade Industrial). A ANTT recebeu 34 manifestações de transportadores contra a proposta, com o argumento de que nem todos os Estados e cidades brasileiros possuem o ór-


MARCELLO LOBO

PESQUISA

Imagem do setor é positiva O setor de fretamento movimenta anualmente R$ 3 bilhões no Brasil. São 4.900 empresas regularizadas com uma frota estimada em 30 mil veículos, segundo informações da Fresp. A procura pelo setor também é crescente, principalmente no transporte de empregados. Hoje, mais de 30% das empresas com mais de cem funcionários utilizam o fretamento. A imagem do setor em São Paulo é positiva frente a essas firmas. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa realizada pela Fresp para saber como outros setores vêem esse tipo de transporte. A pesquisa foi feita entre os dias 5 e 9 de julho do ano passado, com um público formado por quatro grupos: usuários do serviço contratado pela empresa (empregados), usuários do serviço contratado por pessoas físi-

cas, recursos humanos de empresas que contratam o serviço e empresas que não contratam o transporte. O número de entrevistados não foi informado. Segundo a Fresp, os dados mostram que o transporte de trabalhadores por fretamento interfere na produtividade e satisfação dos empregados de uma empresa. Eles chegam ao trabalho mais dispostos e acabam produzindo mais durante o serviço. A comunidade no entorno e empregados também dão maior credibilidade à empresa que opta pelo transporte. Outro ponto positivo destacado no estudo é o fato de um ônibus de até 44 lugares tirar até 33 carros da rua, já que 75% dos usuários de ônibus fretados têm veículos próprios. A pesquisa foi feita em parceria com a ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).

entre os usuários em São Paulo, segundo pesquisa realizada pela Fresp

gão emissor, como é o caso de Belém. A agência recuou e manteve a redação do artigo, que estende a emissão do laudo aos órgãos municipais e estaduais credenciados ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e às concessionárias de veículos. As discussões também foram encerradas em relação às mudanças propostas pela agência para o artigo nº 27, que trata do transporte fretado para trabalhadores rurais. A ANTT sugeriu liberar esse tipo de transporte somente após a apresentação de uma certidão emitida pela DRT (Delegacia Regional do Tra-

balho) para o serviço. “O objetivo era atender um pedido do Ministério Público do Trabalho e ajudar, dessa forma, no combate ao trabalho escravo, pois muitos trabalhadores que se enquadram nessa situação são transportados por fretamento”, diz o superintendente da agência. A proposta, porém, é um dificultador no dia-a-dia das empresas. “Não há Delegacias Regionais do Trabalho em todas as cidades. Quem precisar da certidão pode correr o risco de ter que viajar para consegui-la, o que dificultaria e geraria custos ao transportador”, diz Martinho

Ferreira de Moura, presidente da Anttur. A agência foi sensível à colocação. “Nós queríamos colaborar. Houve muita reclamação por parte dos transportadores e, além disso, ficou claro que a questão é de responsabilidade do Ministério do Trabalho e não da ANTT”, diz Cavoue. Já sobre a sugestão de mudança para o artigo nº 23, que trata da autorização para as viagens, ainda não houve definição por parte da agência. Para garantir a manutenção e segurança do veículo, a ANTT quer que a autorização para uma nova viagem seja dada so-

mente após o veículo ficar parado para limpeza e manutenção durante a metade do tempo da última viagem. Para o transportador Nivaldo Soares, proprietário da empresa de fretamento eventual Saint Rose, isso é inviável. “Ninguém é irresponsável de colocar um ônibus na estrada sem ter feito a manutenção preventiva e a limpeza do veículo. No período em que estamos fazendo isso podemos solicitar uma nova autorização para viajar”, diz. A ANTT informa que o texto final da resolução ficará pronto ● até o dia 30 de junho.


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INFRA-ESTRUTURA

O RIO DE CARA NOVA

PARA O PAN SISTEMA DE TRANSPORTE RECEBE OBRAS, NOVAS ROTAS E TREINAMENTO PARA ACOLHER ATLETAS E TURISTAS POR

esde a indicação para a sede dos 15º Jogos Pan-americanos, em 2002, o Rio de Janeiro se organiza para a disputa, que acontece entre 13 e 29 de julho. O Comitê Organizador (Co-Rio) espera reunir mais de meio milhão de turistas e 5.640 atletas vindos de 42 países. Serão 44 modalidades esportivas disputadas em 16 locais de competição espalhados pela cidade. O custo total para a realização dos jogos ultrapassou US$ 4 bilhões. O sistema de transporte se preparou com obras, planejamento de rotas especiais e trei-

D

FLÁVIA CARNEIRO

namento. A Prefeitura do Rio, por intermédio da Secretaria Especial de Turismo, em parceria com o Senac, realizou o Programa Rio Hospitaleiro de qualificação de taxistas, motoristas, trocadores, garçons, recepcionistas, comerciários e atendentes para o Pan-2007. Até o início dos jogos, 10 mil profissionais serão treinados para atender aos turistas. Os profissionais participaram de cursos com noções de cidadania, normas e leis, hospitalidade, qualidade de vida, cultura e história do Rio de Janeiro, além de aulas de inglês e espanhol. Até o início de maio, 650

taxistas e 500 motoristas e cobradores de ônibus foram qualificados. A Supervia S/A, responsável pela operação dos trens urbanos, realizou obras de reforma na estação do Engenho de Dentro, próximo ao estádio Olímpico João Havelange (Engenhão), onde acontecerão as disputas de atletismo e futebol. Segundo o diretor de operações da Supervia, João Gouveia, foram investidos R$ 3 milhões na reforma do túnel de acesso à plataforma, na melhoria da iluminação, modernização das bilheterias e implantação de pla-

cas em inglês e espanhol no interior da estação. A frota de 33 trens com arcondicionado, sendo 20 modelos coreanos, irá fazer o trajeto até o Engenhão, com grade horária diferenciada para atender à demanda do Pan-Americano – cada trem tem capacidade para transportar 2.400 passageiros. A segurança também será reforçada pelos policiais do Batalhão Ferroviário e seguranças particulares da Supervia nos horários dos jogos. A maioria das disputas acontece na zona oeste, onde está localizada a Vila Pan-Americana, na Barra, com 17 prédios e 1.480


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FOTOS LEANDRO JORAS

SERVIÇO Sites e telefones úteis para quem for ao Pan-07 CO-Rio (21) 2007-2447 www.rio2007.org.br/pan2007 Secretaria Especial de Turismo (21) 2588-9160 www.rio.rj.gov.br/riotur Secretaria Especial Rio 2007 (21) 2508-4327 www.rio.rj.gov.br Hospedagem Domiciliar www.rio.rj.gov.br/hospedagemdomiciliar Rioônibus (21) 2173-7400 www.rioonibus.com.br Trens www.supervia.com.br Metrô www.metrorio.com.br Hotéis www.riodejaneirohotel.com.br www.sindrio.com.br www.hotelonline.com.br

apartamentos construídos para abrigar as delegações esportivas. Para atender aos turistas que irão aos jogos no Riocentro, na Cidade do Rock, no autódromo e no Morro do Outeiro, o MetrôRio colocou uma linha especial de ônibus integrada ao metrô que passará em frente aos locais das competições. Essa linha entrou em operação em fevereiro e sai da estação Siqueira Campos, em Copacabana, e segue até o Terminal Alvorada, na Barra. Lá, o usuário deve embarcar em linhas circulares que serão criadas para fazer a interligação com o Riocentro, onde

acontecerão as disputas de futsal, handebol, judô, boxe e com o Autódromo Nelson Piquet, que terá basquete, natação, nado sincronizado, saltos ornamentais, ciclismo e patinação. Ao todo, 73 linhas de ônibus estarão atendendo aos torcedores. Segundo o presidente da Rio Ônibus (Empresas de Ônibus do Rio de Janeiro), Lélis Marcos Teixeira, a demanda durante o Pan deve atingir 150 mil passageiros contra uma média diária de 175 mil, segundo dados de 2005. Uma frota de 941 veículos, sendo 333 ônibus e microônibus com ar-condicionado, irá transportar

O Rio Hospitaleiro qualificou taxistas, motoristas e trocadores para o Pan

as delegações até os estádios. A Rio Ônibus vai distribuir para os torcedores mapas do sistema de transporte público da cidade, na Rodoviária Novo Rio, durante o Pan-Americano. Como o planejamento prevê um esquema de segurança próximo aos locais das disputas em que carros particulares serão proibidos de estacionar nessas áreas, o transporte público será a melhor alternativa para quem for acompanhar as competições. Até o fechamento desta edição, a Prefeitura do Rio ainda não tinha divulgado o esquema especial de trânsito para os jo-


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O LEGADO DO PAN Obras de infra-estrutura no Rio • Rotatória de retorno na avenida Ayrton Senna e melhoria de circulação no entorno da Vila Pan-Americana • Duplicação de parte da avenida Abelardo Bueno, na Barra, próximo ao Autódromo Nelson Piquet • Dragagem da lagoa Rodrigo de Freitas • Construção da passarela que liga a estação Engenho de Dentro ao estádio João Havelange • Reforma de estações de trem • Ampliação do aeroporto Santos Dumont • Câmeras de monitoramento em novos pontos na cidade e centro de controle de tráfego na Barra • Incentivo à utilização do transporte público • Remodelação dos quiosques da orla de Copacabana

SINALIZAÇÃO As principais vias de acesso aos estádios já estão com placas de orientação ao motorista

FROTA DE

941

VEÍCULOS VAI TRANSPORTAR OS ATLETAS ATÉ OS ESTÁDIOS

gos, mas a idéia é que as faixas centrais de tráfego das linhas Amarela e Vermelha, que ligam o Aeroporto Internacional Tom Jobim à Vila Pan-americana, operem exclusivamente para atender à chamada “família pan-americana” – atletas e dirigentes esportivos – durante todo o evento. Para as cerimônias de abertura e encerramento do Pan, o Comitê Organizador espera reunir cerca de 90 mil pessoas em cada evento no Maracanã. A melhor forma de ir ao estádio é de metrô – pela Estação

Maracanã, que fica na praça Presidente Médici, a poucos metros da entrada da arena. A rede hoteleira investiu, nos últimos 12 meses, R$ 50 milhões em novos estabelecimentos, quartos, modernização, contratação e qualificação de mão-de-obra especializada. Os dados são do Sindrio (Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro), que já registrou índice de ocupação nos hotéis localizados na Barra da Tijuca, zona oeste, onde acontece a maioria dos jogos,

Fonte: CO-Rio

de 100%. Na zona sul do Rio, as redes Othon e Sofitel investiram, juntas, cerca de R$ 30 milhões para revitalizar seus hotéis em Copacabana. Outra opção de estadia indicada pelo Co-Rio é a hospedagem domiciliar, que tem atraído atenção de turistas, principalmente vindos de países de língua inglesa. Atualmente, 60 residências localizadas em Santa Teresa, região central, estão cadastradas para receber turistas que procuram, além da hospedagem, interagir ● com a cultura local.



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MARCELLO LOBO

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FERROVIAS

CONVIVÊNCIA

PACÍFICA ESPECIALISTAS AFIRMAM QUE AS DIFERENÇAS DE BITOLAS NÃO CONSTITUEM ENTRAVE AO SETOR POR QUEILA ARIADNE

transporte ferroviário no Brasil é marcado pelo mito de que a diferença das bitolas – distâncias entre as faces internas do trilho – traz grandes prejuízos à malha ferroviária. Apesar de a existência de três tipos diferentes - métrica ou estreita (1 metro), larga (1,6 metro) e mista – atrapalhar a integração, as concessionárias conseguem conviver pacificamente com o problema, investindo em tecnologias. Por isso, especialistas e empresários

O

não vêem a padronização como a melhor alternativa. “O investimento na unificação seria muito alto e, portanto, inviável. A solução, que já tem sido adotada pelas concessionárias, é o investimento em estações eficientes de transbordo, para transportar a carga de um vagão para o outro, de acordo com o tamanho da bitola. Isso é feito em minutos”, afirma Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários). Ele explica que essa diferença é

herança da Inglaterra, que vendeu as bitolas para construir a malha ferroviária do Brasil. Para Vilaça, diante das alternativas tecnológicas que permitem trocar rapidamente a carga de um vagão que circula numa determinada bitola para o outro que trafega um tipo diferente, a discussão da unificação dos tamanhos no Brasil fica sem sentido. “Muitos comparam com a Europa, onde a maioria da malha tem a mesma bitola, mas é preciso lembrar que lá eles utilizam muito os trens para o transporte



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NO EXTERIOR STOCKPHOTOS

VELHO CONTINENTE Europa também convive com diferentes bitolas

"O mais importante é ampliar a rede nacional, pois ainda há necessidade de integrar" RODRIGO VILAÇA, DIRETOR-EXECUTIVO DA ANTF

de passageiros, daí a necessidade de uma bitola única que facilite a integração. Mas essa não é a realidade do Brasil.” Segundo Vilaça, a diferença não é empecilho nem mesmo à integração com outros países da América do Sul. O dirigente da ANTF reconhece que há dificuldades pelo fato de a malha do sul do Brasil ser de 1 metro e a da Argentina ser de 1,435 metro. Mas o transporte é feito por outras vias, como o modal rodoviário, ou com adaptações dos vagões. “Mais importante do que

Padronização européia é mito O Brasil não é o único que convive com bitolas diferentes na integração ferroviária na América Latina. De acordo com Jean Carlos Pejo, representante da Alaf, a Europa totalmente integrada é uma lenda. “Muita gente afirma que o Brasil deveria ter apenas um tipo de bitola como é na Europa, mas lá também há diferenças entre um país e outro”, afirma. Segundo Pejo, a maioria da malha européia é composta por bitolas de 1,435 metro de largura. No entanto, em Portugal e na Espanha, a bitola é de 1,67 metro. Já na Rússia e na Finlândia o tamanho é de 1,52 metro. Essa diferença tem razões históricas. O transporte ferroviário finlandês surgiu na segunda metade do século 19, quando o país estava integrado ao Império Russo. Na época, as autoridades russas desenvolveram um modelo autônomo

discutir a integração ferroviária na América Latina é discutir a ampliação da malha ferroviária nacional, pois ainda existe uma enorme necessidade de integrar o próprio território brasileiro”, ressalta Vilaça. Júlio Fontana Neto, presidente da operadora ferroviária de cargas MRS Logística, é obrigado a conviver com variadas bitolas. Apesar de não contabilizar prejuízos, porque consegue fazer o transbordo das cargas, o empresário confessa que deixa de fazer algumas operações pela in-

com características técnicas diferentes da rede que vinha sendo implementada na Europa Ocidental. Para contornar o problema, a solução para o transporte de mercadorias foi a mesma adotada pelo Brasil em zonas de bitolas diferentes: o transbordo de cargas. No caso do transporte de passageiros, a França, que opera com bitola de 1,435 metro, é um ponto de ligação. Para contornar a diferença em relação aos vizinhos do continente, o país trabalha com um sistema hidráulico que troca os “trucks” (lugar nos trilhos onde as rodas se encaixam). “Dessa forma, um trem que chega da Espanha consegue entrar na França porque a adaptação ao vagão é feita automaticamente”, diz Pejo. Nos Estados Unidos, a bitola é padronizada em 1,435 metro.

viabilidade financeira. “Se dependesse só da MRS, tudo bem, mas quando transportamos uma carga entre malhas com bitolas diferentes, dependemos da concessionária que opera o outro trecho, pois ela precisa ter um vagão disponível para que o transporte da carga seja concluído”, diz Fontana Neto. Se houvesse a oportunidade de usar a linha de outra ferrovia, afirma o presidente da MRS, certamente os custos seriam reduzidos. “Mas como não há condições, procuramos


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WILLIAN DIAS/AC&S MÍDIA

SAIBA MAIS SOBRE BITOLA O QUE É BITOLA? Bitola é a distância entre as faces internas dos trilhos de uma via QUAL A BITOLA DAS FERROVIAS BRASILEIRAS? A larga (1,6 m) e a métrica (1 m) QUAL A EXTENSÃO DAS MALHAS EM CADA BITOLA? A malha de bitola métrica é de 23.908 km, a da bitola larga é de 4.852 km e a da mista é de 554 km POR QUE HÁ ESSA DIFERENÇA DE BITOLAS NO BRASIL? Por erros de planejamento do passado, quando a questão da uniformização foi negligenciada COMO É A PADRONIZAÇÃO NO EXTERIOR? EUA, Canadá, Alemanha e França, por exemplo, utilizam uma única bitola, denominada padrão, de 1,435 m. Em países onde não há unificação, existem vias férreas com diferentes tipos de largura entre trilhos, variando de 0,61 m a 1,955 m QUAIS OS PROBLEMAS QUE A DIVERSIDADE DE BITOLAS ACARRETA? 1. Perda de tempo e custo, ao fazer a transferência de passageiros ou o transbordo de mercadorias no ponto de mudança de bitola 2. Custos para a empresa. Ferrovias que operam dois tipos de bitola precisam ter duas frotas distintas de trens e de veículos de manutenção da via Fonte: ANTF

construir estações de transbordo eficientes.” Fontana Neto conta que os vagões da MRS transportam cargas da Usiminas, por exemplo, de Minas a São Paulo. A carga sai da Vitória-Minas, que tem bitola estreita, até Lafaiete-Bandeira (MG). “Depois entramos com empilhadeiras para passar a carga para outro vagão.” No caso do transporte de escória do porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, para uma fábrica de Brasília, o processo é mais complicado. “Levamos por

uma parte de ferrovia e depois tenho que levar de caminhão porque não tem como integrar. Acho isso um absurdo, pois tenho uma ferrovia e sou obrigado a levar a carga de caminhão”, afima o empresário, destacando que é essa necessidade de usar o modal rodoviário que torna o processo mais caro, e não o transbordo em si, que é feito em poucos minutos. Mesmo com as dificuldades, Fontana Neto reconhece que uma transformação seria muito cara. “O ideal seria transfor-

ESTREITA Esse tipo de bitola está presente na malha do sul do país

mar a estreita para larga, que dá mais estabilidade ao transporte da carga, mas isso é muito difícil. Então, a solução é investir no transbordo e, no caso da construção de novas ferrovias, usar sempre a bitola larga, de 1,6 metro. É o caso da Transnordestina.” Luis Cesario da Silveira, presidente da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), não vê nenhum problema no fato de o Brasil trabalhar com bitolas diferentes. “Cerca de 90% da carga é transportada em con-

têineres, que facilita o transbordo”, diz Silveira. A ALL (América Latina Logística), que comprou ferrovias argentinas, reconhece que uma malha ferroviária igual facilitaria o transporte, já que a carga poderia seguir em um único vagão. Entretanto, a empresa lida bem com a diferença e aposta na tecnologia para contornar a diferença das bitolas. De acordo com a gerência de terminais da empresa, só em 2007 serão investidos R$ 500 milhões nessas tecnologias.


RFFSA

Processo de extinção é aprovado Após muitas emendas e discussões, o processo de extinção da RFFSA (Rede Ferroviária Federal) foi finalmente aprovado. No último 16 de maio, o Senado aprovou o Projeto de Conversão de Lei proveniente da medida provisória 353/2007, que prevê a liquidação da rede e a transferência dos direitos e obrigações para a União. “O inventário já estava sendo feito, mas a partir de agora o processo será acelerado e o Ministério Público Federal vai se dedicar inteiramente à causa para garantir que o patrimônio da Rede Ferroviária não vire pó”, afirma Fernando Martins, procurador da República do MPF de Minas Gerais, que está envolvido no processo das discussões da extinção há dois anos. A liquidação só depende da sanção do Executivo. O texto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá autoriza a União a vender o patrimônio de imóveis não-operacionais da empresa em programas de habitação de interesse popular, para atender populações de baixa renda. O levantamento dos bens e dos débitos da RFFSA começou a ser feito no final do ano passado, graças a uma ação civil pública movida pelo procurador Martins. “Essa ação serviu como embasamento para que o governo incluísse a extinção da RFFSA no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”, destaca Martins.

Embora o inventário ainda não esteja pronto, é possível estimar, com base em dados do Ministério do Planejamento, que o volume de ativos da RFFSA é de R$ 21 bilhões, espalhados por todo o país. O prejuízo acumulado é da ordem de R$ 17,6 bilhões e as dívidas totais chegam a R$ 14,98 bilhões. O maior credor é o próprio governo, com um montante de R$ 7,7 bilhões a receber. Um dos pontos mais criticados durante a discussão da matéria foi o artigo nº 23, que cria 157 cargos em comissão para a realização dos trabalhos de inventariança dos imóveis da RFFSA, entre outras finalidades. Durante a sessão, o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), considerou a decisão como um exemplo da má qualidade dos gastos do governo federal. “Não poderiam os próprios funcionários administrar o final das atividades e a administração do acervo? Eles não têm anos e anos de casa?”, disse Agripino no pronunciamento. Na avaliação do procurador da República, que tem acompanhado o caso há mais de dois anos, o volume de contratações não é exagerado. “É um número suficiente, pois o trabalho será muito intenso. E a sociedade pode ter a certeza de que será um dinheiro público muito bem empregado. Em 2008, quando o processo de liquidação for encerrado, esses cargos deverão ser extintos”, afirma Martins.

FERNANDO PILATOS/FUTURA PRESS

REDE Texto aprovado autoriza União a vender patrimônio

Para realizar o transbordo, a ALL usa os seguintes equipamentos: ponta rolante, empilhadeira e “travel lift” – pórtico sobre rodas, muito utilizado na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda inédito no Brasil. O uso predominante é em portos, no transbordo de navio para caminhão, mas a empresa utiliza no Terminal de Uruguaiana, fronteira entre Brasil e Argentina. O investimento no equipamento foi de R$ 1,4 milhão. Na avaliação de Manoel Andrade Reis, professor de logística da

Fundação Getúlio Vargas-SP e presidente do Celog (Centro de Excelência em Logística e Centrais de Abastecimento), uma forma de contornar o problema é o uso de rodotrens – carretas que são facilmente adaptadas para rodar sobre trilhos. “A melhor maneira de transportar cargas entre o Brasil e os países da América Latina é integrar o sistema rodoviário e ferroviário”, diz Reis, lembrando que o sistema só não é indicado para cargas muito sensíveis a movimentações, como produtos petroquímicos, por exemplo.


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Até mesmo a padronização pode ser “despadronizada”. Dentro de uma mesma classificação de bitola – a métrica – existem quatro tamanhos diferentes: 0,914 metro, 0,981 metro, 1 metro e 1,067 metro. O Simefre (Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários) e a Alaf (Associação Latino Americana de Ferrovias) organizaram um grupo de estudos para solucionar o problema. “O objetivo não é unificar as bitolas e sim construir um vagão multiuso que se adapte a qualquer um desses tamanhos”, diz Jean Carlos Pejo, coordenador do programa de padronização dos vagões da via métrica e representante da Alaf. A primeira reunião aconteceu no dia 31 de maio passado e contou com a participação de empresários e técnicos do setor ferroviário. De acordo com Pejo, a normatização do vagão multiuso vai ampliar o tráfego ferroviário e abrir novas possibilidades. Os fabricantes também têm a ganhar, segundo Pejo. “Ao construir um vagão que se encaixa em bitolas que vão desde 0,914 metro até 1,067 metro, o Brasil poderá vender para vários países que trabalham com esses tamanhos diferentes, pois não haverá problema de encaixe, ou seja, nossos vagões serão mais ● competitivos.”


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PAC

AVALIAÇÃO

POSITIVA GOVERNO CONSIDERA QUE OBRAS PARA O SETOR DE TRANSPORTE ESTÃO DENTRO DO PREVISTO POR

SANDRA CARVALHO

maior parte das obras na área de transporte previstas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) está ocorrendo dentro da expectativa do governo federal. Essa foi a conclusão do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, ao divulgar em maio o primeiro balanço do programa. O PAC prevê investimentos da ordem de R$ 58,2 bilhões até 2011 em rodovias, ferrovias, portos, hidrovias e aeroportos. Considerando apenas as rodovias, o montante destinado será de R$ 33,4 bilhões. Ao divulgar o balanço, o governo informou que a avaliação

A

do programa será publicada de quatro em quatro meses - a próxima deve ser feita em setembro. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o objetivo é “dar maior transparência à população sobre o andamento dos projetos”. “O PAC não é do governo. Ele é uma expectativa da sociedade brasileira. Nós queremos que haja uma boa cumplicidade da sociedade com a execução do programa”, afirmou o presidente. As obras são classificadas como “adequadas (quando estiverem com o cronograma em dia e com os riscos administrados), “em atenção” (obras que apresentam um pequeno atraso e risco em poten-

cial) e “preocupante” (com significativo atraso e elevado risco). O balanço dos transportes, relatado até 30 de abril, mostrou que, das 970 ações previstas para serem executadas entre 2007 e 2010, 671 (69%) estão em andamento e 299 (31%) em fase de projeto, licenciamento ou licitação. Do total, 56,5% foram classificadas com o andamento adequado, 37,4% merecem atenção e 6,1% são preocupantes. Para o ministro, de uma forma geral, os resultados são positivos e vão começar a aparecer neste ano. “Nas obras rodoviárias, especialmente, quando você faz o empenho da obra, você precisa de um prazo para que a obra comece a aparecer. E a minha

expectativa é que até o meio do ano nós já tenhamos muitas obras sendo realizadas no país inteiro.” Das 50 obras rodoviárias, 30 são classificadas como adequadas e 20 em atenção. Um ponto importante para o modal foi a retomada do programa de concessão das rodovias. Nascimento anunciou em maio que os leilões para a concessão dos sete lotes de trechos de rodovias federais, que somam 2.600 km, serão realizados em 16 de outubro. A Fernão Dias (São Paulo e Belo Horizonte), a BR-101 (no Rio de Janeiro) e a Régis Bittencourt (São Paulo-Curitiba) estão incluídas no programa, que está sendo analisado pelo TCU (Tribunal de Contas da União).


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RESULTADOS DO PAC Até 30 de abril RODOVIAS BR-101/ES - Adequação de divisa RJ/ES - Vitória, incluindo contorno de Vitória - Atenção BR-277/PR - Construção da segunda ponte internacional sobre o rio Paraná (Foz do Iguaçu) - Adequado BRs 163 e 364/MT - Duplicação Rondonópolis/Cuiabá/Posto Gil - Adequado BR-158/MT - Construção e Pavimentação Ribeirão Cascalheira/Entr. MT-326, na divisa MT/PA - Atenção BR-158/MS/SP - Construção de ponte Paulicéia (SP)/Brasilândia (MS) Atenção PPP das BRs 116 e 324/BA - Atenção Recuperação - execução de 32 mil km - Atenção Conservação - execução de 52 mil km - Adequado Controle de peso - implantação de 206 balanças - Atenção Sinalização - execução de 48 mil km - Adequado FERROVIAS Construção da ferrovia Norte-Sul/TO - Trecho Araguaína/Palmas - Adequado Construção da ferrovia Nova Transnordestina - Atenção Adequação do ramal ferroviário no perímetro urbano de Barra Mansa (RJ) Adequado Ampliação da capacidade do corredor ferroviário do Oeste do Paraná Atenção Construção do contorno ferroviário de São Francisco do Sul (SC) Preocupante

Entre as obras preocupantes no setor de transportes, a maior parte se encontra nessa situação em função de problemas burocráticos no TCU (Tribunal de Contas da União), como licenciamento ambiental e desapropriação de terras. Esse é o caso do contorno ferroviário de São Francisco do Sul (SC), obra com conclusão prevista para 2008. São 8,34 km de linhas férreas que vão tirar da área urbana da cidade a circulação de trens que se destinam ao porto. O licenciamento ambiental está vencido e a licença para a instalação do canteiro de obras ainda não havia sido obtida até 30 de abril. O contorno de São Francisco do Sul é uma das 13 obras ferro-

PORTOS E HIDROVIAS Construção das eclusas de Tucuruí (PA) - Adequado Construção de terminais hidroviários na região amazônica - Atenção Construção do acesso rodoferroviário ao porto de Suape (PE) - Adequado Construção da via expressa de acesso ao porto de Salvador (BA) - Adequado Contenção do cais do porto de Vitória (ES) - Atenção Dragagem de aprofundamento do porto de Itaguaí (RJ) - Atenção Implantação da avenida perimetral portuária no porto de Santos (SP) margens direita e esquerda - Adequado Melhoramentos na hidrovia Paraná-Paraguai - Preocupante Critérios de avaliação do PAC: Adequado - estudo, projeto e obra Com cronograma em dia e com os riscos administrados Atenção - estudo, projeto e obra Com cronograma em dia e risco potencial Com pequeno atraso e/ou com risco potencial Preocupante - estudo, projeto e obra Com elevado risco independente do cronograma Com significativo atraso no cronograma Fonte - Ministério dos Transportes

viárias do PAC e a única desse grupo em situação preocupante. No entanto, conforme o ministério, as ferrovias acenam com sinal vermelho, já que sete obras estão em estado de atenção, também por entraves burocráticos. Quatro estão com o andamento adequado, entre elas uma importante obra para o setor - a ferrovia Norte-Sul. Já foram concluídos 147 km do subtrecho Aguiarnópolis (TO) - Araguaína (TO), dos quais 50 km foram entregues em 2007. Também já foram iniciadas obras no subtrecho Araguaína (TO)-Guaraí (TO), que terá 210 km. Os projetos em portos e hidrovias também estão andando. Das 24 obras, 13 estão adequadas, 10 se encontram em estado de atenção e uma em situação preocupante. A maior parte dos atrasos se deve também a entraves burocráticos. Os melhoramentos da hidrovia Paraná-Paraguai, no Paraná, são classificados como preocupante. Uma ação civil pública transita na Justiça com a exigência de licenciamento global para toda a obra e não parcial, como vem ocorrendo. Já 47% das duas eclusas do Tucuruí (PA) estão concluídas. As obras civis do projeto foram retomadas em abril. No setor aeroportuário, das 20 obras previstas, 19 estão adequadas e ● apenas uma preocupante.


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ITAÚ CULTURAL/DIVULGAÇÃO

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SEST/SENAT

DESENVOLVIMENTO

COM CULTURA FÓRUM VAI DEBATER FORMAS DE INVESTIMENTO PRIVADO E COMO TRAÇAR E EXECUTAR PROGRAMAS PARA A SOCIEDADE POR

O MINISTÉRIO DA CULTURA ESTIMA QUE O SETOR CULTURAL REPRESENTE

5% DO PIB

ÉRICA ALVES

Sest/Senat, o Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o Sesi (Serviço Social da Industria) e o Instituto Itaú Cultural, com o apoio do Ministério da Cultura, organizaram em abril a primeira reunião de planejamento do Fórum de Investidores Privados em Cultura (FIPC). Essa reunião teve como objetivo proporcionar um espaço de diálogo entre os principais investidores privados de cultura,

O

de forma a compartilhar experiências e desafios e alinhar os planos do setor privado com a visão de uma política pública a longo prazo nesse campo. Foram apresentadas as diversas visões sobre as atuais políticas culturais no Brasil, compondo-se esse retrato a partir das apresentações do Ministério da Cultura, Gife e da CNI/Sesi. À luz dessas exposições, foram discutidos a real necessidade de se criar um Fórum de Investidores Privados em Cultura, os fundamentos, os valores e os princípios; a estrutura de funcionamento e as atividades necessárias para

torná-lo importante na relação entre as expectativas públicas e privadas no campo da cultura. O ministro Gilberto Gil ressaltou a importância de os setores públicos e privados estarem alinhados no processo de financiamento cultural. “Trata-se de consolidarmos uma instância para a formação de entendimentos, para a formulação de conceitos e de programas, para o compartilhamento de experiências, enfim, em que a noção republicana de política pública, daquilo que ultrapassa as esferas estatal e privada, consolide-se, floresça, frutifique.”


Segundo dados da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) o setor cultural movimenta de 3% a 5% do PIB (Produto Interno Bruto) em países em desenvolvimento. Foi citada uma pesquisa inédita encomendada pelo MinC ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a importância da cultura e o seu papel social e econômico na geração de emprego e renda para um contingente de trabalhadores, em todas as regiões brasileiras. Como destacou o ministro Gilberto Gil, a pesquisa revelou

A CULTURA MOVIMENTA UMA MASSA SALARIAL DE

R$ 17,8 bi ANUAIS NO BRASIL

que o setor cultural conta com 290 mil empresas culturais, responsáveis pela expressiva massa salarial de R$ 17,8 bilhões anuais. No final do evento, as diversas instituições organizadoras, inclusive o Sest/Senat, e empresas privadas presentes concluíram que é de fundamental importância lançar no próximo semestre o Fórum de Investidores Privados de Cultura, criando assim um espaço de interlocução e alinhamento dos investimentos privados com as políticas de cultura do Estado brasileiro.

A importância que o Sest/Senat vê no Fórum de Investidores Privados em Cultura se expressa no discurso de sua superintendente Anamary Socha na abertura do evento: “Para o Sest/Senat, participar de tal iniciativa coloca uma nova agenda para o setor do transporte, que é a percepção da necessidade da cultura para a construção da cidadania e da identidade cultural do povo brasileiro, da importância da economia da cultura para o desenvolvimento do país e, principalmente, de edificar uma nova visão para os empresários do transporte.” ●


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"ANGRA 3 É BASEADA NOS CONCEITOS DE SEGURANÇA DOS REATORES PWR MODERNOS, EM OPERAÇÃO NA EUROPA" DEBATE

O BRASIL DEVE RETOMAR O PROJETO DE CONSTRUÇÃO

Decisão acertada por motivos estratégicos e econômicos RICARDO GALVÃO

retomada do projeto Angra 3 é uma decisão acertada por motivos estratégicos e econômicos. O primeiro argumento se relaciona às projeções de desenvolvimento econômico. O Plano Decenal de Expansão da Energia Elétrica (PDEE/2006-2015), lançado pelo Ministério de Minas e Energia no ano passado, prevê que o consumo de energia elétrica aumentará em 65% até 2015, num cenário não muito otimista de crescimento, com taxa média anual de 3,5%. Para um cenário mais otimista, com taxa de crescimento médio de 4,5% ao ano, será preciso quadruplicar a capacidade atual de geração de energia elétrica. Mesmo no cenário pessimista, não será possível aumentar essa capacidade sem uma maior participação da geração nuclear na matriz energética, hoje de 2,1%. Por isso, a operação de Angra 3 está programada para 2013, no PDEE/2006-2015. O segundo argumento se refere à necessidade da garantir confiabilidade no suprimento de energia elétrica. Naturalmente,

A

RICARDO GALVÃO Físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas do Ministério da Ciência e Tecnologia

isso pode também ser feito através de aumento da participação da geração termoelétrica baseada na queima de combustíveis fósseis. No entanto, os efeitos danosos do aquecimento global impõem a redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Por outro lado, os problemas recentes com a Bolívia, referentes ao gás, realçam a necessidade de planejar a expansão do sistema energético com máxima independência no fornecimento de seus insumos. O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, de 310 mil toneladas, o suficiente para gerar 8.000 MW nas próximas oito décadas. O terceiro ponto diz respeito à questão dos rejeitos radioativos, um dos motivos de oposição à energia nuclear, quando o projeto Angra 3 foi contratado, em 1984. Técnicas modernas de reprocessamento do combustível queimado em centrais nucleares possibilitam reduzir substancialmente a radiotoxicidade, permitindo alcançar os valores naturais presentes na mineração de urânio em cerca de 300 anos, e

não mais de 10 mil, como se estimava há duas décadas. O quarto argumento se refere à segurança de operação das usinas. Atualmente, existem quase 450 em operação no mundo, com histórico notável de operação segura. Críticos da retomada de Angra 3 argumentam que o projeto é baseado em conceitos ultrapassados e, por isso, não possui sistemas de controle e segurança modernos. É um equívoco. O projeto de Angra 3 é baseado nos mesmos conceitos de segurança dos reatores PWR modernos, em operação na Europa. E por ser muito semelhante ao de Angra 2, sua segurança será facilitada pela experiência adquirida. Finalmente, é importante também discutir o aspecto econômico. Como o tempo previsto para a construção de Angra 3 é de cinco anos, ela entrará em operação em condições bastante competitivas. O aporte de capital para sua conclusão, estimado em R$ 7 bilhões, é, sem dúvida, alto. No entanto, não é muito superior ao previsto para as usinas hidroelétricas no rio Madeira.


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“O BRASIL, AO OLHAR PARA TRÁS, PODE PERDER, MAIS UMA VEZ, O BONDE DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” DE ANGRA 3?

Energia para o país crescer, sim. Construir Angra 3, não REBECA LERER

im, o Brasil deve investir em geração, diversificar sua matriz energética e descentralizar a geração de energia para que a economia continue crescendo. Porém, quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, recomenda investimentos em tecnologias sujas e ultrapassadas como a nuclear e o carvão, ou diversos setores do governo Lula parecem dispostos a ressuscitar o Programa Nuclear Brasileiro, sob a fachada do risco de um novo apagão, estamos dando um passo de volta aos anos 70 em vez de olhar para frente e apostar em políticas públicas que podem garantir a sustentabilidade e a segurança energética do país. O planejamento energético de médio prazo é, geralmente, elaborado com base em dados de crescimento do PIB e de população. A pedido do Greenpeace, pesquisadores da Escola Politécnica da USP elaboraram cenários de geração e consumo de energia elétrica no Brasil para 2010. Os resultados indicam que a ge-

S

ração elétrica será de 466 TW/h e o consumo de 429 TW/h, baseados em um crescimento da ordem de 3,5% ao ano. Para suprir essa demanda, o estudo conclui que o potencial hídrico, de biomassa e eólico do país, é suficiente para abastecer o mercado, sem a necessidade de Angra 3. A opção nuclear para gerar energia é a mais dispendiosa de todas. As usinas Angra 1 e 2 custaram mais de R$ 20 bilhões. O investimento para construir Angra 3 pode chegar a R$ 7 bilhões e gerar apenas 1.350 MW. Com esses recursos, poderia ser criado um parque eólico com o dobro da potência, sem produzir lixo radioativo, sem o risco de acidentes nucleares e gerando 32 vezes mais empregos. Defensores da energia nuclear alegam ainda que o aumento no preço da geração hidrelétrica está tornando a opção atômica mais competitiva no Brasil. São os mesmos setores que alegam não ser economicamente viável investir em tecnologia renovável, pela falta de escala. A energia nuclear sobrevive graças a generosos subsídios go-

vernamentais – não só no Brasil, como em todo mundo. Um estudo de 2005 do Massachussets Institute of Technology (MIT) afirmou que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. Mesmo entre os defensores das energias sujas, existe o consenso de que a forma mais barata de gerar energia é economizando energia. Um bom exemplo dos benefícios de investir em eficiência energética é o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel). Ao longo de 20 anos e com recursos de R$ 850 milhões, o Procel economizou o equivalente à capacidade de geração de uma usina de 5.124 MW, quase quatro vezes o potencial de Angra 3. Em 2006, o mercado global de energia renovável movimentou US$ 38 bilhões, 26% a mais do que em 2005, e gerou milhares de empregos. Esse não é um clube exclusivo dos países ricos, conta também com gigantes em desenvolvimento como a China e a Índia. O Brasil, ao olhar para trás, pode perder, mais uma vez, o bonde do desenvolvimento sustentável.

REBECA LERER Coordenadora da Campanha Energia/Clima do Greenpeace Brasil

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MODAL RODOVIÁRIO DE CARGAS Janeiro a Abril - 2007 (milhares de toneladas)

ESTATÍSTICAS

MÊS

INDUSTRIAL

OUTRAS CARGAS

TOTAL

Janeiro Fevereiro Março Abril

51.134,96 / 45.405,77 / -11,20% 43.553,53 / -4,08% 42.697,65 / -1,97%

30.420,19 / 42.232,86 / 38,83% 42.027,71 / -0,49% 41.431,63 / -1,42%

81.555,15 / 87.638,63 / 7,46% 85.581,24 / -2,35% 84.129,28 / -1,70%

Fonte: Idet/CNT-Fipe

FÔLEGO CONTINUA MODAL AEROVIÁRIO DE PASSAGEIROS MANTÉM FORÇA EM ABRIL m abril, o modo aeroviário de passageiros apresentou aumento de 7,59% em sua movimentação mensal. O modal é utilizado de forma muito mais intensiva para o transporte de passageiros do que de carga. O transporte rodoviário de passageiros interestadual apresentou em abril elevações de 6,26% no volume de passageiros transportados e de 3,87% de passageiros x quilômetro em relação ao mês anterior. Ao se comparar abril de 2007 com abril de 2006, verifica-se melhora no desempenho do segmento intermunicipal, com aumentos de 2,07% de passageiros transportados e de 6,41% de passageiros x quilômetro. Apesar disso, verificou-se reduções de 3,39% no volume de passageiros e de 1,85% no de passageiros x quilômetro em relação a março. O transporte rodoviário de cargas apresentou em abril uma leve queda de 1,70% na movimentação total mensal e de 1,97% na tonelagem industrial transportada por terceiros. Essa situação ainda está favorecida pela baixa do câmbio e o aumento da importação. O desempenho do transporte reflete bem as realidades, com uma queda substancial na tonelagem transportada pelas maiores empresas, 9,10%, sendo reflexo desses estoques, uma queda menor na tonelagem de pequenas empresas, 5,30%, devido à falta de demanda, ficando ambos acima da média, apresentando relativa estabilidade.

E

Já a tonelagem de outros produtos apresentou queda de 1,42%, que é sazonal, por conta do menor número de dias em abril e também pelo final da safra de arroz, embora no mês haja safras de milho e soja. O modo aquaviário apresentou em março um aumento de 9,16% na movimentação mensal em relação ao mês anterior. Março é um mês de forte alta para o modo de transporte ferroviário de carga. O modal apresentou no número de toneladas-úteis (TU) e no número de toneladas-quilômetroúteis (TKU) recordes históricos para o mês, sendo que para a TKU houve continuidade do processo de alta iniciado em junho de 2002. No ano, o transporte ferroviário de carga já acumula 105,29 milhões de TU e 57,69 bilhões de TKU, marcas respectivamente 6,13% e 3,15% superiores ao mesmo período do ano de 2006. O Idet CNT/Fipe-USP é um indicador mensal do nível de atividade econômica do setor de transporte no Brasil. As informações do índice revelam, em números absolutos, tonelagem, tonelagem-quilômetros, passageiros e passageiros-quilômetros e quilometragem rodada para os vários mo● dais de carga e passageiros.

Para esclarecimentos e/ou para download das tabelas do Idet, acesse www.cnt.org.br ou www.fipe.com.br

MODAL RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS USUÁRIOS TRANSPORTADOS - ABRIL/07

TIPO

Intermunicipal Interestadual

48.935.787 5.369.306

-3,39% 6,26%

Fonte: Idet/CNT-Fipe

MODAL AEROVIÁRIO DE PASSAGEIROS MÊS

USUÁRIOS TRANSPORTADOS

Jan/07 Fev/07 Mar/07 Abr/07

3.552.467 3.138.559 3.506.254 3.772.476

-11,65% 11,72% 7,59%

Fonte: Idet/CNT-Fipe

MODAL FERROVIÁRIO DE CARGAS (milhares de toneladas) MÊS

Jan/07 Fev/07 Mar/07 Fonte: Idet/CNT-Fipe

VOLUME TRANSPORTADO

34.114,36 33.865,59 37.312,65

-0,73% 10,18%



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HUMOR DUKE




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