Revista CNT Transporte Atual - ABRIL_MAIO/2004

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REVISTA

DO EDIÇAO SS ESP IÊ ECIAL CID E

CNT CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE | ANO IX | ESPECIAL | ABRIL / MAIO 2004

CLÉSIO ANDRADE,

presidente da Confederação Nacional do Transporte

LEIA TAMBÉM

EM ENTREVISTA, O TRIBUTARISTA RAUL VELLOSO REVELA O DESTINO DA CIDE

CAOS NAS RODOVIAS

“DINHEIRO TEM!” CNT LANÇA CAMPANHA PARA FISCALIZAR O USO CORRETO DE VERBA DA CIDE


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ABRIL/MAIO 2004 CNT REVISTA 3


CNT Confederação Nacional do Transporte PRESIDENTE Clésio Andrade PRESIDENTE DE HONRA Thiers Fattori Costa VICE-PRESIDENTES SEÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS

Newton Jerônimo Gibson Duarte Rodrigues SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Meton Soares Júnior

CONSELHO FISCAL Waldemar Araújo, David Lopes de Oliveira, Ernesto Antonio Calassi, Éder Dal’Lago, René Adão Alves Pinto, Getúlio Vargas de Moura Braatz, Robert Cyrill Higgin e José Hélio Fernandes DIRETORIA SEÇÃO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS

Denisar de Almeida Arneiro, Eduardo Ferreira Rebuzzi, Francisco Pelucio, Irani Bertolini, Jésu Ignácio de Araújo, Jorge Marques Trilha, Oswaldo Dias de Castro, Romeu Natal Pazan, Romeu Nerci Luft, Tânia Drumond, Augusto Dalçoquio Neto, Valmor Weiss, Paulo Vicente Caleffi e José Hélio Fernandes

SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Benedicto Dario Ferraz

SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

Aylmer Chieppe, Alfredo José Bezerra Leite, Narciso Gonçalves dos Santos, José Augusto Pinheiro, Marcus Vinícius Gravina, Oscar Conte, Tarcísio Schettino Ribeiro, Marco Antônio Gulin, Eudo Laranjeiras Costa, Antônio Carlos Melgaço Knitell, Abrão Abdo Izacc, João de Campos Palma, Francisco Saldanha Bezerra e Jerson Antonio Picoli

José Fioravanti PRESIDENTES E VICE-PRESIDENTES DE SEÇÃO SEÇÃO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Otávio Vieira da Cunha Filho e Ilso Pedro Menta SEÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS

Flávio Benatti e Antônio Pereira de Siqueira SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

José da Fonseca Lopes e Mariano Costa SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO

Elmar José Braun e Renato Cézar Ferreira Bittencourt SEÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO

Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira e Nélio Celso Carneiro Tavares SEÇÃO DO TRANSPORTE AÉREO

Constantino Oliveira Júnior e Wolner José Pereira de Aguiar

SEÇÃO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS, DE PESSOAS E DE BENS

Edgar Ferreira de Sousa, José Alexandrino Ferreira Neto, José Percides Rodrigues, Luiz Maldonado Marthos, Sandoval Geraldino dos Santos, José Veronez, Waldemar Stimamilio, André Luiz Costa, Armando Brocco, Heraldo Gomes Andrade, Claudinei Natal Pelegrini, Getúlio Vargas de Moura Braatz, Celso Fernandes Neto e Neirman Moreira da Silva SEÇÃO DO TRANSPORTE AQUAVIÁRIO, FERROVIÁRIO E AÉREO

Cláudio Roberto Fernandes Decourt, Antônio Carlos Rodrigues Branco, Luiz Rebelo Neto, Moacyr Bonelli, Alcy Hagge Cavalcante, Carlos Affonso Cerveira, Marcelino José Lobato Nascimento, Maurício Möckel Paschoal, Milton Ferreira Tito, Silvio Vasco Campos Jorge, Cláudio Martins Marote, Jorge Leônidas Pinho, Ronaldo Mattos de Oliveira Lima e Bruno Bastos

Revista CNT CONSELHO EDITORIAL Jorge Canela (Coordenador), Almerindo Camilo, Bernardino Rios Pim, Etevaldo Dias, Lucimar Coutinho, Maria Tereza Pantoja e Sidney Batalha REDAÇÃO EDITOR RESPONSÁVEL

Almerindo Camilo • almerindo@revistacnt.com.br EDITORES-EXECUTIVOS

Ricardo Ballarine • ricardo@revistacnt.com.br Antonio Seara (Arte) • seara@revistacnt.com.br REPÓRTERES

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Antonio Dias e Wanderson Fernando Dias FOTOGRAFIA

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EDITORIAL

Se não for agora, o país não terá futuro CLÉSIO ANDRADE PRESIDENTE DA CNT

RESTA AINDA A CAPACIDADE DE REIVINDICAR, ARGUMENTAR E EXIGIR PARA RESTABELECER A ESPERANÇA DE NOSSA GENTE

N

esta edição especial, evidencia-se a grande verdade do transporte brasileiro. O setor está indignado com a falta de decisão política do atual governo, que insiste em manter intermináveis reuniões e grupos de trabalho que nada resolvem. Vivemos a paralisia política da nação, e a Cide é o melhor exemplo do entorpecimento da máquina administrativa, que seqüestrou recursos constitucionalmente di rigidos, desperdiçando bilhões de reais com custos invisíveis provenientes dessa falta de atuação e das externalidades negativas decorrentes do descaso, abandono, excesso de discurso e de pouca ação e nenhuma política para a transformação desse país numa potência. Não dá para acreditar que um país como o Brasil, de dimensões continentais e com uma matriz de transporte na qual o modo rodoviário ocupa 62% do volume de transporte, onde há produção industrial e agrícola em escala para ser escoada para o abastecimento interno e para exportações, relegue a sua infra-estrutura ao abandono e descaso, acabando com os cor redores de escoamento e o acesso aos pólos de produção e consumo. O setor, como o de transporte, que participa com 6,5% do PIB deveria merecer mais atenção por parte da área econômica do governo, principalmente quando a política apregoada é que haverá recursos para apoiar à re tomada do crescimento em 2004 e que a geração de mais empregos é a meta principal dessa administração.

A absoluta falta de bom senso de nossa atual política econômica é visível, pelo desrespeito às leis, aos cidadãos brasileiros e as instituições que regulam nosso estado de direito. JK usou o binômio “energia e transporte” por entender que o transporte antecede o crescimento e o desenvolvimento econômico, e ambos só se realizam a partir de investimento em infra-estrutura. Qualquer estudante universitário de economia aprende isto logo no 1º ano de estudo. Não há mágica nessa equação. Qual será o milagre a ser realizado? Como continuar a crer num governo que fere as leis do país e que deixa o patrimônio nacional, representado pelas rodovias brasileiras, no lastimável estado em que se encontra? Onde não há apoio para investimento privado em ferrovias, em navegação, em aviação e em multimodalidade? Sabe-se que a Cide foi criada para restabe lecer nossa infra-estrutura de transporte. Mas para onde foram os recursos? Creio ser possível que nem o próprio governo saiba, tamanho é o descompasso entre os articuladores da nossa política econômica. Sofremos nós transportadores e, mais ainda, sofre a sociedade que acreditou na era da esperança, a qual não se deve ainda dar como perdida, pois nos resta ainda a capacidade de reivindicar, de argumentar e de exigir, se assim for necessário, de modo que se restabeleça a esperança de nossa gente e que a infra-estrutura de transporte seja recuperada e aumentada. Este número especial da Revista CNT é o primeiro passo dessa caminhada.


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REVISTA

CNT ANO IX | ESPECIAL | ABRIL / MAIO 2004

EDIÇÃO ESPECIAL Revista CNT publica nesta edição material especial sobre o transporte brasileiro. À beira de uma crise ampla, que pode comprometer todo o escoamento da produção industrial e da safra agrícola, o abastecimento interno e as exportações, o setor reclama investimentos urgentes para sua infra-estrutura. Investimentos que deveriam ser feitos com base na arrecadação da Cide, criada exatamente e unicamente para atender esses problemas. O presidente da CNT, Clésio Andrade, diz em entrevista (página 8) que teme por uma “apagão” e afirma as rodovias federais devem ser reconstruídas. Esta edição especial é apenas um dos itens da campanha em defesa do uso correto da Cide e pela fiscalização da verba que a CNT lança neste mês. Saiba mais sobre as ações na página 16. Essa campanha irá se somar a um histórico de defesa da aplicação correta da arrecadação da Cide que a CNT desenvolve há anos (página 18). Defesa e fiscalização que ganham a experiência e a credibilidade do tributarista Raul Velloso (abaixo), que inicia um trabalho para a CNT em que irá desenvolver um método de acompanhamento da arrecadação e aplicação do dinheiro do imposto dos combustíveis. Em entrevista, Velloso explica onde a verba está sendo usada pelo governo (página 25). O caos verificado nas rodovias federais reflete em todos os setores da produção, do pequeno agricultor ao maior exportador de carne do Brasil. Essas histórias de desesperança e indignação estão em reportagem especial na página 31. O problema é tão amplo que atinge a todo o país, nas suas cinco regiões. As federações estaduais de transporte dão seu testemunho da tragédia na página 42. Tragédia que não poupa vida humana, como mostra reportagem na página 62. Confira depoimentos do drama de perder parentes e amigos e saiba como se proteger e se defender.

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O dinheiro se perdeu

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Memória da Cide

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Academia também adverte

68

Alexandre Garcia

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BR-101, história de descaso

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Outros modais também em caos

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Humor

82

Excepcionalmente nesta edição não circulam as seções Do leitor, Idet e Rede Transporte CAPA SORAIA PIVA E WANDERSON F. DIAS SOBRE FOTOS DE JÚLIO FERNANDES E PAULO FONSECA


ENTREVISTA CLÉSIO ANDRADE

“É PRECISO REFAZERAS RODOVIAS” PRESIDENTE DA CNT TEME POR “APAGÃO” NO TRANSPORTE POR

ALMERINDO CAMILO E EDSON HIGO

pesquisa ISC/Sensus, divulgada em abril, revelou que 33% dos brasileiros se envolveram em acidente ou conhecem alguém que já enfrentou tragédia nas rodovias. Nessas mesmas estradas, circulam cer ca de 80% de todos os bens nacionais. São da dos que mostram o perigo e a importância de transitar na malha rodoviária brasileira. Principal modo de transporte do país, as estradas vivem hoje à beira do caos, sem manutenção de asfalto, com péssima sinalização e traçado ultrapassado. Diante desse cenário, o presidente da CNT, Clésio Andrade, defende que a Cide seja utilizada em sua totalidade na infra-estrutura do trans porte. Baseia-se em dois pontos legais. O primei ro é que o imposto foi criado com essa finalida de. E segundo porque, após o desrespeito do go-

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verno em cumprir a lei, o STF julgou procedente uma ação da CNT para que o recurso seja so mente aplicado no transporte. Prepara, como forma de pressão para garantir a aplicação que a lei manda dos mais de R$ 8 bilhões que a Cide deve gerar em 2004, uma campanha nacional. “Precisamos mobilizar toda a sociedade, mobili zar os transportadores, os caminhoneiros para fazer com que o governo acorde para essa reali dade e decida aplicar esses recursos correta mente”, diz Clésio Andrade. Em entrevista à Revista CNT, Clésio Andrade afirma que o modal rodoviário deve ser considerado prioritário pelo governo, porque precisa passar por uma reconstrução, e diz temer um “apagão” do transporte caso os recursos não sejam aplicados na infra-estrutura.

FOTOS JÚLIO FERNANDES/CNT/DIVULGAÇÃO

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Revista CNT - O STF advertiu o governo de que a Cide deve ser utilizada apenas para os fins para os quais foi criada, em resposta à Adin im petrada pela CNT. Até agora, apenas R$ 70 milhões dos mais de R$ 2 bilhões arrecadados foram aplicados em infra-estrutura de transporte. O senhor acredita que o governo cumprirá a decisão do STF ou podemos esperar uma batalha nos tribunais? Clésio Andrade - Na realidade, o STF decidiu que o governo federal não pode aplicar os recursos da Cide em outra conta que não seja a infraestrutura de transportes. O STF proibiu de aplicar em outra coisa, com o que se subentende que o governo vai ter que usar esses recursos, em algum momento, na infra-estrutura de trans portes. Esse é um ponto a se considerar: o governo não está aplicando os recursos, em desrespeito a uma decisão do STF. Então, nosso caminho era fazer primeiramente com que o governo não desviasse os recursos da Cide. O segundo passo agora é fazer com que o governo aplique corretamente esses recursos em infra-estrutura de transportes. Nesse sentido, temos diversas ações que poderão ser desenvolvidas, inclusive algumas ações que ajudem a provocar uma reação de toda sociedade brasileira. Revista CNT - Como a CNT pretende agir no sentido de garantir que o governo efetive o repasse dos recursos da Cide para infra-estrutura do transporte? Clésio Andrade - Um dos pontos mais importantes seria mobilizar toda a sociedade, o que, acreditamos, não é difícil. Afinal, quando se fala em infra-estrutura de transportes, principalmente rodovias, o que se verifica é um clamor da sociedade porque a situação atual é de verdadeiro caos. O que nós precisamos é mobilizar toda a sociedade, mobilizar os transportadores, os caminhoneiros para fazer com o governo acorde para essa realidade e decida aplicar esses recursos corretamente. Revista CNT - O senhor falou da questão do


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clamor popular. Há manifestações populares acontecendo por todo o país reclamando melhoria nas estradas. Na sua opinião, há consciência no seio da sociedade da necessidade de investimento em infra-estrutura de transportes? Clésio Andrade - A última pesquisa CNT/Sensus (divulgada em abril de 2004) demonstrou que a cada três brasileiros pelo menos um teve algum parente ou algum amigo envolvido em acidente de trânsito nas rodovias brasileiras. Isso é muito sério e representa um grave problema: um terço das pessoas que vivem no Brasil foram impactadas por problemas decorrentes das más condições de nossas estradas, envolvidas, ainda que emocionalmente, em algum acidente nas rodovias. Isso confirma que realmente o problema está afetando toda a sociedade. Então, nós acreditamos que essa mobilização que está acontecendo por todo o país poderá ser reunida numa única grande mobilização nacional e, com isso, fazer o governo utilizar corretamente os recursos da Cide. Revista CNT - Qual é a real situação do setor de transportes e particularmente da malha rodoviária nacional na atualidade? Clésio Andrade - A situação é muito crítica porque, por mais que todos queiramos que o país tenha um sistema multimodal avançado, que haja um equilíbrio dos modais, há uma sobrecarga muito forte ainda no sistema rodoviário. Calculase que cerca de 62% de todos os bens nacionais são transportados através de rodovias. Por isso, é preciso cuidar bem das rodovias, das estradas. Temos que cuidar porque sabemos que a rever são desse processo, com ampliação da participa ção dos modais ferroviário e aquaviário na plani lha nacional de transporte, vai exigir investimentos certamente muito mais elevados do que a manu tenção da estrutura que hoje temos em rodovias. É claro que precisamos de ferrovias e hidrovias, mas neste momento nós temos que recuperar o sistema rodoviário. Ou fazemos isso ou Brasil pode parar. E as perdas poderão ser irreversíveis. O futuro vai nos cobrar.

“1/3 DAS PESSOAS QUE VIVEM NO BRASIL FORAM IMPACTADAS POR PROBLEMAS DAS MÁS CONDIÇÕES DAS ESTRADAS”

Revista CNT - Quanto o senhor acha que seria necessário hoje para resolver a questão das estradas brasileiras? Clésio Andrade - Se considerarmos que o sistema rodoviário brasileiro foi totalmente prejudicado nos últimos anos, abalando a infra-estrutura que o país construiu ao longo dos anos, deveríamos usar o verbo reconstruir, e não recuperar. Há vários pontos em nossas rodovias em que a deterioração atingiu as camadas estruturais da via, e nelas a execução de tapa-buracos é ineficiente e onerosa. Vemos o governo falar que irá fazer tapa-buracos de 12 mil, 14 mil quilômetros de estradas. Ora, esses remendos só duram seis meses, só o período das chuvas. Pouco depois, o buraco volta, numa situação muita mais complicada, porque vai afetando cada vez mais a base. Então, é preciso reconstruir e restaurar as rodovias, e isso não é barato. Precisaríamos hoje, por baixo, de algo em torno de R$ 7 bilhões para resgatar o sistema rodoviário e dar o mínimo de condições de trafegabilidade para nossas estadas.


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Revista CNT - O senhor disse que seriam necessários R$ 7 bilhões para essa reconstrução. E qual o tempo necessário do ponto de vista de engenharia? Clésio Andrade - Isso é coisa que se faz muito rápido. Hoje, se utiliza tecnologia avançada de en genharia de rodovias. A recuperação, incluindo restauração e reconstrução, pode ser feita num período de seis meses a um ano. Até porque pode-se dividir o país em lotes para diversas empreiteiras.

Revista CNT - Se considerarmos que só nos primeiros meses de 2004 a Cide recolheu para os cofres do governo federal mais de R$ 2 bilhões... Clésio Andrade - A Cide foi criada com esse objetivo. E nós sabemos que o país precisa de transporte para crescer. Afinal, o transporte ante cede qualquer crescimento econômico, e a Cide viria exatamente atender a essa demanda, geran do recursos de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões por ano. São recursos suficientes para restaurar e re construir todo o sistema rodoviário brasileiro, expandir a malha ferroviária num período médio de cinco a dez anos, e daria também para poder ativar o sistema hidroviário brasileiro, que ainda é muito baixo, não passa de 3%. Revista CNT - Então dinheiro tem? Clésio Andrade - Dinheiro tem! E esse dinhei ro o governo, hoje, apesar da decisão do STF, está simplesmente aplicando no superávit primário. Ou seja, pode até estar ficando com o recurso pa rado, mas um dia ele vai ter que usar.

Revista CNT - Qual o prognóstico que o senhor faria para a situação da malha rodoviária do Brasil para daqui a cinco anos se não for feito nenhum investimento? Clésio Andrade - Uma estrada que não tem manutenção do ponto de vista de restauração e reconstrução terá logicamente muitos buracos. Os buracos serão tampados. Só que vai chegar um momento em que a base não sustenta mais. Num prazo de dez anos, pode-se dizer com certeza que essas rodovias irão virar estradas de terra. Vamos chegar a um ponto em que não haverá mais condições de tapar buracos, a base irá se deteriorar toda. Você tapa buracos e daqui a três meses está na mesma situação ou até pior.

“RECUPERAMOS AS ESTRADAS OU O BRASIL PODE PARAR, COM PERDAS IRREVERSÍ VEIS. O FUTURO VAI NOS COBRAR”

Revista CNT - Por que é mais importante investir no modal rodoviário do que nos outros modais? Clésio Andrade - Não é que seja mais importante. Hoje, deveríamos ter um esquema multimodal, em que a ferrovia tivesse uma participação de pelo menos 35% de todo o transporte nacional. O ideal seria que o modal rodoviário respondesse por algo na faixa de 40% e os outros modais assumissem os 25% restantes. Isso seria uma matriz de transporte correta para o Brasil, uma matriz econômica. Só que os investimentos nos sistemas ferroviário e hidroviário são muito caros. É preciso um valor muito alto na recuperação e dragagem dos rios para assegurar condições de trafegabilidade. A mesma coisa pode-se falar com relação às fer-


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rovias. Portanto, estamos diante de uma realidade: gostaríamos de ter um equilíbrio entre os modais, mas no momento temos que admitir que esse equilíbrio não existe e que é preciso priorizar. Ain da mais se os recursos são escassos, porque o governo teima em não aplicá-los onde deveria, na área para a qual estão constitucionalmente desti nados. É preciso aplicar primeiro no modal rodoviário, nas estradas. Em seguida, procurar crescer as ferrovias e o sistema hidroviário. Revista CNT - Há conflitos não solucionados entre a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a Antaq (Agência Nacional de Transporte Aquaviário). A Ferronorte chega até, por exemplo, um terminal no porto de Santos. Até o final da ferrovia é a ANTT quem manda. Do porto para dentro, quem manda é a Antaq. O senhor acredita que a proposta de criação de uma agência única – a ANT (Agência Nacional do Transporte) – pode facilitar a regulamentação do setor? Clésio Andrade - No primeiro momento, nós fomos a favor pela criação de uma única agência.

“O TRANSPORTE ANTECEDE O CRESCIMENTO ECONÔMICO, E A CIDE VIRIA EXATAMENTE PARA ATENDER ESSA DEMANDA”

Esse é um ponto importante que nós defendíamos, incluindo o sistema aeroviário. Só que em algum momento nas discussões em torno da agência se falou em criar uma agência única para o transporte aéreo. A partir daquele momento, o transporte aquaviário também começou a reivindicar que tivesse a sua própria agência e a CNT acabou tendo que concordar. Até porque nós entendíamos que, se não fossemos incluir todos em uma única agência, a proposta perderia a função, como perdeu. Nós sabemos hoje, com todo o respeito, que pode haver conflitos entre as agências do Ministério dos Transportes. E esses conflitos precisam ser superados. Por isso acreditamos que deveríamos caminhar para ter uma agência única, que trabalhe o transporte com uma visão global, uma visão multimodal, integrada. Assim poderíamos ter papéis definidos. Revista CNT - Em julho de 2003, a Revista CNT publicou uma reportagem mostrando que da arrecadação da Cide em 2002 – algo em torno de R$ 7,5 bilhões – apenas R$ 3,9 bilhões tinham um destino conhecido. Quer dizer, o Ministério dos Transportes e nem mesmo o próprio Ministério da Fazenda sabiam para onde tinha ido os outros R$ 3,6 bilhões. Como presidente da CNT, que análise o senhor faz desse verdadeiro buraco negro que simplesmente some, faz desaparecer, dentro do governo, uma quantia tão vultosa como essa de imposto pago pelo povo? Clésio Andrade - Isso justifica plenamente a decisão da CNT de ter entrado com a Adin. E a decisão do STF é muito clara: não se pode mais desviar esses recursos. Porém, também ficou claro que aquela decisão só valeria dali para frente. Portanto, o que passou não temos mais como recuperar. Até porque, pela decisão do STF, a partir de novembro é que os recursos da Cide deveriam ser aplicados apenas em infra-estrutura. Mas a CNT resolveu contratar uma consultoria especializada para ajudar os nossos técnicos dos departamentos econômico e de estatística da Confederação a acompanhar a aplicação desses recursos.


Esse trabalho ficará pronto em breve, e a partir daí estaremos acompanhando cada centavo gerado pela Cide e sua destinação, sua aplicação. Vamos fazer através de uma espécie de conta corrente que nos permitirá ver quanto o governo arrecadou e onde usou esse dinheiro. Vamos procurar fisca lizar o governo para que volte a cumprir a obrigação que tem com a sociedade brasileira de bem aplicar, em infra-estrutura de transporte, a arrecadação que faz com a Cide. Revista CNT - Com esses dados, a CNT pretende subsidiar o Congresso para ajudar a fiscalizar o governo na aplicação dos recursos? Clésio Andrade - Nós vamos ter dados sobre esse acompanhamento. No momento em que verificarmos que houve desvirtuamento da aplicação constitucional desses recursos, poderemos utilizar diversos mecanismos. Desde alertar o governo e o Congresso para a gravidade do erro, até mobilizar os diversos segmentos envolvidos na área para que possamos provocar uma reação contra esse estado de coisas. Revista CNT - Há um sério risco para o setor produtivo em decorrência da falta de investimentos em infra-estrutura. Como isso afeta, por exemplo, a safra agrícola? Clésio Andrade - A falta de investimentos em infra-estrutura pode comprometer não só a safra agrícola, mas todo o crescimento econômico do país. Em novembro do ano passado, o ministro Palocci (Antônio Palocci, da Fazenda) foi à televi são falar que o Brasil teria superado todos os pro blemas do ponto de vista de credibilidade interna cional e que, a partir de então, estava pronto para crescer. Na ocasião, ele destacou a responsabili dade do governo em demonstrar que iria cumprir contratos internacionais e que, por isso mesmo, toda a comunidade internacional estaria pronta para ajudar o Brasil a crescer. Nós entendemos, na época, que aquela colocação foi precipitada, porque há dois pontos a serem considerados: a dose econômica que o governo adotou na eleva -

“VAMOS FISCALIZAR O GOVERNO PARA QUE VOLTE A CUMPRIR A OBRIGAÇÃO QUE TEM COM A SOCIEDADE”

ção dos juros aprofundou a recessão, foi muito forte. E para recuperar demanda tempo. Não é fácil você fazer o país crescer depois de chegar a 27% de juros numa recessão profunda. Em se gundo lugar, talvez o ponto mais importante a se considerar, é que país não tem condições de crescer com uma infra-estrutura de transporte como está atualmente. Todos nós sabemos muito bem que qualquer desenvolvimento econômico tem que ser antecedido pelo crescimento da área de transporte. O transportador deve ter condições de transportar as riquezas que o país criar. E essa consciência a área econômica do governo tem que ter. Mais recentemente, o ministro Palocci refez suas declarações. Ele, agora, já mostra que neste ano as dificuldades continuam e chegou a admitir que essas dificuldades podem estar ocorrendo em função da própria recessão e também pela questão do transporte. Ao que parece, o governo começa a reconhecer a dificuldade que o país tem hoje de responder, com a estrutura atual de transporte, ao crescimento econômico que a nação necessita e anseia. Revista CNT - O senhor inclusive já chegou em falar em risco de “apagão” no transporte... Clésio Andrade - Apagão, sim. Quando falei isso, citei um exemplo que está muito vivo ainda na memória de todos os brasileiros, seja dos mais velhos, que conviveram nesse período, seja das gerações mais jovens, que apren deram nos livros de História. Quando Juscelino Kubitschek assumiu a Presidência do Bra sil, estabeleceu o binômio “Energia e Transportes” como pilares de sua administração. E o país cresceu 50 anos em cinco, exatamente porque ele teve essa preocupação. Expandiu a geração de energia e abriu estradas. Na época, a opção foi por uma visão rodoviária. O que vemos é que os últimos governos se esquece ram do exemplo de JK. Em conseqüência, é que já tivemos o “apagão” de energia elétrica. E estamos caminhando a passos largos para ter em breve o “apagão” dos transportes.


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Revista CNT - No curto prazo, quais ações o governo teria que tomar para evitar um caos geral na área do transporte? Clésio Andrade - É preciso investir rapidamente nas rodovias. Não temos alternativa às estradas. Nunca é demais repetir: 62% das merca dorias no Brasil são transportadas por rodovias. Não há o que discutir. Temos que reconstruir o sistema rodoviário brasileiro. Revista CNT - E para isso bastam R$ 7 bilhões? Clésio Andrade - Esse valor só para a re construção da malha rodoviária federal. Depois, teríamos que duplicar eixos rodoviários importantes. Sabemos que algumas áreas já estão saturadas e exigem expansão. Poste riormente, precisaremos melhorar a malha rodoviária aprimorando os traçados de engenharia. O Brasil tem estradas construídas há muitos anos. São estradas para o Fusca, para caminhões FNM. Eram veículos que respondiam plenamente àquelas rodovias, e eram rodovias que atendiam àquele tipo de veículo. Só que hoje temos veículos muito mais arrojados, muito mais fortes, e nossas rodovias precisam também ser melhoradas. Seus traçados devem ser modernizados. Por isso, é preciso investir em reconstrução. Temos que investir no traçado, eliminar pontos críticos, aqueles pontos que provocam muitos aciden tes. Paralelamente, o país deve investir na malha ferroviária e no modal hidroviário, e conseguir, enfim, a implantação de uma polí tica de transporte multimodal, fazendo com que as pessoas sejam transportadas com mais segurança e as mercadorias possam chegar ao seu destino a custo mais baixo. Revista CNT - O senhor acredita que parcerias com a iniciativa privada e a privatiza ção podem ajudar a solucionar? Clésio Andrade - Não, de forma alguma. Principalmente no caso do sistema rodo -


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viário, eu não acredito. No sistema ferroviário já foi feito, porque a privatização das ferrovias foi uma PPP (Parceria Público-Privada) quando ainda não se falava em PPP. No modal aquaviário, não funciona. Ninguém vai querer investir em vias onde não há trafegabilidade. Em geral, nossos rios não oferecem boas condições de trafegabilidade, apesar de o Brasil ter o maior volume de quilômetros de rios no mundo. Já no caso do sistema rodoviário, todos sabemos que para privatizar, ou para incluir alguma estrada na PPP, não dispomos de mais que 3.000 km em condições de atrair o capital privado, numa malha de rodovias federais com mais de 60 mil quilômetros de exten são. Pode-se até privatizar os 3.000 km através do sistema de pedágio, mas desde que não puna ainda mais o setor produtivo e o transportador como pune hoje os pedágios existentes. E mesmo que se privatize os 3.000 km mais atrativos, sobrarão outros 57 mil. E para esses, só com a Cide.

Estados também deverão ser aplicados em infra-estrutura de transporte. Afinal, infra-estrutura de transporte não são só rodovias federais ou ferrovias. Há também rodovias estaduais e com certeza os Estados vão aplicar corretamente os recursos que receberão. Até porque há a decisão do STF. Os Estados terão que cumprir a lei, o que significa aplicar em infraestrutura de transportes, particularmente em estradas estaduais.

Revista CNT - Assiste-se, no caso da Cide, a uma repetição do que houve com a CPMF. Nosso país é pródigo em criar tarifas e impostos e depois não os aplica na área para o qual foram criados. O grande desafio seria então controlar o fluxo dos recursos da Cide, da arrecadação até o investimento final? Clésio Andrade - A proposta é essa. Na nossa opinião, a própria CPMF poderia ser questionada. É preciso analisar bem a legisla ção dessa contribuição, mas as pessoas interessadas, principalmente aquelas ligadas à área da saúde, deveriam ter feito, no caso da Revista CNT - O senhor diria que o grande CPMF, o que a CNT fez em relação à Cide. Se desafio da CNT hoje é conscientizar a socie- tivessem feito isso, talvez o país estaria melhor dade de que ela já paga para ter boas estra- hoje em termos de saúde. Porque, em se tratando de transporte, não temos a menor dúvidas, boa infra-estrutura? Clésio Andrade - Sim, é o nosso desafio. E da de que o governo federal, em algum monão está difícil. Já há um clamor popular nes - mento, terá que utilizar em infra-estrutura de se sentido. Pretendemos fazer uma grande transporte esses recursos gerados e criados mobilização. Queremos mostrar à nação que para a infra-estrutura. ela tem que reagir, porque os recursos existem Revista CNT - E é para isso que a CNT vai e têm que ser aplicados corretamente. O Brasil precisa se conscientizar da importância de brigar e tentar mobilizar a sociedade? todo o sistema de transporte do país. Clésio Andrade - Claro. Aproveito para conclamar o transportador para que reaja. Que reaRevista CNT - O senhor não teme que a ja com ações na Justiça questionando a União partilha dos recursos da Cide, aprovada no por não destinar os recursos da Cide para a área Congresso, entre União, Estados e municí- correta. Conclamamos para que o transportador pios, dificulte o planejamento de investimen- venha aderir à campanha da CNT e ajude a motos em infra-estrutura de transporte? bilizar as comunidades em todos os cantos do Clésio Andrade - Não, não temo. Sabemos país contra o descaso em que se encontram que os 29% que estão sendo destinados aos nossas rodovias, nossos portos e aeroportos. l


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DEFESA DO TRANSPORTE AÇÃO DIRETA

Brasil está à beira de um “apagão” logístico. Rodovias, ferrovias, portos e o transporte urbano de passageiros sofrem há anos com a falta de políticas públicas para o setor de transportes. Os reflexos desse abandono estão nas estradas esburacadas, responsáveis por prejuízos econômicos e por perda de vidas humanas; na ineficiência de ferrovias e portos, que diminui a competitividade dos produtos brasileiros no exte rior. Até mesmo no mau funcionamento do trânsito nas cidades brasileiras em função do ineficiente sistema de transporte de passageiros. Em decorrência do descaso governamental com o setor de transporte, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) decidiu veicular campanha nacional que visa mostrar quais os reflexos que a falta de investimentos traz para a vida eco nômica e social do país. Além de esclarecer a empresários, trabalhadores e aos diversos níveis de governo que, sem uma infra-estrutura de trans porte adequada, o Brasil não tem chances de ser competiti vo, a campanha vai mostrar que a solução para retomar os investimentos no setor já existe a tende pelo nome de Cide (Contribuição sobre Interven ção no Domínio Econômico). Uma das formas encontra das para intensificar a campa -

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SEM CIDE OB CNT LANÇA CAMPANHA NACIONAL QUE ALERTA


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BRASIL PÁRA PARA OS REFLEXOS DA FALTA DE INVESTIMENTOS PAULO FONSECA

nha, nos próximos três meses, será por meio de dez inserções diárias sobre o tema transporte nas rádios CBN e Mineira. Os spots vão abordar as dificuldades de cada um dos modais do setor de transporte no país. A Rede Transporte de Televisão, com mais de 1.500 pontos em todo país, vai veicular programas que abordam temas re lacionados à falta de investi mentos em infra-estrutura de transportes e as conseqüências nefastas que isso pode trazer à economia nacional. Além disso, será criada uma nova área no site da CNT (www.cnt.org.br) onde haverá um fórum permanente de dis cussões sobre temas relacionados à precária infra-estrutura de transporte do país. O ob jetivo é angariar sugestões e sensibilizar os governo federal sobre a importância de retomar os investimentos no setor. A Revista CNT e o jornal do

URGÊNCIA O aviso existe, mas as obras estão paradas

Sest/Senat terão edições especiais sobre o tema Cide. A proposta é mostrar de forma detalhada que os recursos da Cide estão sendo desviados para cobrir despesas do governo federal, contrariando a emenda que criou a contribuição e que prevê que os recursos só podem ser aplicados para três finalidades: programas de infraestrutura de transporte, projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e do gás e subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados de petróleo. A campanha prevê ainda a colocação de outdoors nas principais cidades do país com as seguintes mensagens: “Sem rodovias o Brasil não chega lá”, “Sem ferrovias o Brasil não chega lá”, “Sem portos o Brasil não chega lá” e “Sem transporte urbano o Brasil não chega lá”. A proposta é sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para cobrar do governo a correta aplicação dos recursos destinados ao setor de transportes. Os caminhoneiros – um dos segmentos profissionais mais prejudicados pelo descaso com as rodovias federais – receberão kits compostos por bonés, camisetas e adesivos com esses mesmos dizeres. Também serão afixados cartazes nos postos de gasolina espalhados pelas principais rodovias do país. l


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Trecho da BR-459, a pior estrada do país segundo a Pesquisa Rodoviária 2003


LUCIENNE CUNHA/JORNAL DA MANTIQUEIRA/FUTURA PRESS

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HISTÓRICO SOCIEDADE ORGANIZADA

A DEFESA DA CIDE TEM NOME A CNT FIXA POSIÇÃO NA LUTA PELO REPASSE POR

MAÍRA LIMA

riada pela Emenda Constitucional 33, em 2001, pelo Congresso Nacional, a Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico) foi encarada pelo transportador brasileiro como a tábua de salvação do setor. Com investimentos cada vez mais escassos desde meados dos anos 80, o transporte nacional via o modal rodoviário defi nhar: falta de investimentos em obras de infraestrutura, aumento no número de acidentes, assaltos em estradas, congestionamentos em cidades de médio e grande portes. Um caos, como lembrou a CNT (Confederação Nacional do Transporte) em várias oportunidades. A Emenda 33 é clara: os recursos arrecadas por meio da Cide serão destinados ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de

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álcool combustível, gás natural e seus deriva dos e derivados de petróleo, ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e gás e ao financiamento de programas de infra-estrutura de transporte. O que era para ser o marco de um novo tempo, para um setor que responde por 6,5% do PIB brasileiro e por 62% da movimentação de cargas e passageiros, transformou-se num caso jurídico e numa batalha capitaneada pela CNT. Paralelamente, a CNT, através da sua Pesquisa Rodoviária, mostra o caminho das pedras ou, quem sabe, dos buracos, da falta de sinalização, da carência de novos investimentos. Esse levantamento é o mais completo e abrangente estudo sobre as rodovias feito no Brasil.


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Já em 1997, a pesquisa apontava que 92,3% das estradas brasileiras eram classificadas como deficientes/ruins/péssimas em seu estado geral. Em 2003, esse índice ficou em 82,8%. Mas com um agravante: se em 1997 foram pesquisados 41.867 km, em 2003 esse número saltou para 56.798 km. Mais do que isso: em 2003, a CNT aprimorou a sua metodologia de pesquisa. Na prática, isso quer dizer que há um acompanhamento mais minucioso das estradas brasileiras. A demora na regulamentação da Cide – que previa, para 2003, uma arrecadação de R$ 8,8 bilhões, mas com previsão de investimentos de apenas R$ 1,4 bilhão em infra-estrutura – levou a CNT à sua primeira manifestação pública. Em dezembro de 2002, foi entregue ao IMOBILIDADE O mesmo trecho, o medsmo buraco: a BR-265 em registro deste então presidente da Câmara dos DeputaSONIA/FUTURA PRESS dos, Aécio Neves (PSDB-MG), e ao presidente da Comissão de Viação e Transportes da Casa, deputado Duílio Pisaneschi (PTBSP), o Manifesto Pró-Cide. No documento, a CNT já lembrava que “amplos e profundos são os problemas do transporte no Brasil. Questões relacionadas à legislação tributária, deficiência na fiscalização, escassez de informações, insuficiência de investimentos em ampliação e manuten ção, burocracia estatal e prática de corrupção são problemas gerais que afetam o setor, como de resto o conjunto da Nação”. Ainda de acordo com o Manifesto, “a es cassez e a descontinuidade de investimentos provoca o estrangulamento da atividade transportadora e afeta diretamente toda a so ciedade ao desperdiçar dezenas de bilhões de reais em acidentes e roubos de cargas, elevação dos estoques da indústria e do co mércio, congestionamentos cada vez mais ex tensos e perda de produtividade do trabalhador em virtude do elevado tempo de deslocamento entre sua residência e seu local de trabalho”. Era um grito diante do retrato caótico dese -


SONIA/FUTURA PRESS

ano (acima) e em foto tirada em 1997, comprova o descaso do poder público

nhado nas rodovias. O transportador já não suportava o descaso com um setor fundamental para qualquer economia. Do que adianta produzir se não houver quem transporte? Frente à inoperância do governo federal, em julho de 2003, a CNT entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). O objetivo da ação foi tentar evitar o desvio da verba da Cide para outras finalidades senão aquelas previstas no 4º parágrafo do artigo 177, inciso II da Constituição. A receita deveria ser destinada em sua totalidade ao financiamento da infra-estrutura do transporte, a projetos ambientais relacionados à indústria do petróleo e gás e da produção de álcool combustível. No dia 12 dezembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcial mente procedente a ação ajuizada pela CNT confirmando que a receita da Cide “somente pode ser utilizada nas três finalidades previstas na Constituição”. Embora o governo federal insista em utilizar os recursos da Cide para outros fins que

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não os previstos em lei, para o jurista Marco Aurélio Greco está claro “que nenhuma suplementação pode superar a 10% do valor de cada dotação especificamente feita. Essa dimensão pré-determinada de suplementação de dotações se deu totalmente desatrelada da receita decorrente da Cide”. Para o Greco, “pelo simples fato de haver uma vinculação interna, os recursos resultantes da arrecadação da contribuição devem ser destinados às finalidades pertinentes”, ou seja, os recursos da Cide estão sendo utilizados de forma irregular. Sem verba, fica impossível investir em infraestrutura para o transporte. Para fazer frente ao caos que se instalou no transporte brasileiro e reverter esse quadro, somente com uma disponibilidade segura de recursos. “Um fundo que


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PESQUISAS SÃO REFERÊNCIA m segmento vital e essencial como o de transporte não chega ao ponto em que chegou no Brasil não fossem anos de desmandos e de falta de investimentos em infra-estrutura. No Brasil, a redução de investimentos em todos os modais começou em 1976, quando foram alocados mais de R$ 3 bilhões. Os anos se passaram e, ladeira abaixo, os recursos chegaram, em 1998, a pouco mais de R$ 1,5 bilhão. Na outra mão, maior crescimento econômico, novas áreas de desenvolvimento e uma demanda cada vez maior pelo transporte de carga e de passageiros. A Pesquisa Rodoviária reflete com fidelidade o cenário de toda a malha ro doviária brasileira. O último triênio da década passada (1997/1999/2000, não houve pesquisa em 1998) é sintomático. Os números que mostram a deficiência no estado de conservação geral das estradas nunca foram inferiores a 77%: em 1997, 92,3%; em 1999, 77,5,%; em 2000, 80,3%. Por outro lado, também em 2000, ape nas 19,5% da extensão pesquisada encon travam-se em estado geral de conservação variando de bom a ótimo. Esse resultado igualmente comparado ao de 1999, mostra uma queda de 3 pontos percentuais, con firmando um desgaste no estado geral de conservação da malha rodoviária brasileira. Em 2001, a situação não mudou: 31,2% das estradas foram classifica-

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das como ótimas ou boas, contra 68,8% classificadas como deficientes/ruins/péssimas. Já em 2002, as es tra das óti mas e boas so ma ram 40,8% e as deficientes/ruins/péssimas, 59,2%; contra, no ano seguinte, 17,2% (ótimas/boas) e 82,8% (deficientes/ruins/péssimas). Essa situação caótica se traduz, na prática, “em baixa produtividade do transporte brasileiro, decorrente da qua lidade inferior de suas vias, o que com promete o desenvolvimento do país e aumenta o Custo Brasil”. Para a CNT, “a recuperação setorial dos transportes só poderá ser concretizada ao se estabelecer um canal contínuo de recursos à ampliação da infra-estrutura existente. Nesse sentido, a aplicação dos recursos da Cide no setor de transporte, con forme sua destinação inicial, se constitui no mais factível elemento de

transformação do grave e perigoso cenário dos transportes brasileiros”. Se recursos não faltam, não faltam tam bém ins tru men tos de afe ri ção como a Pesquisa Rodoviária, todo ele dedicado ao planejamento, investimento, geração de estudos e análises orientadoras de políticas, movimentos reivindicatórios e execução de obras de infra-estrutura rodoviária. Trabalho único do setor em todo o país, somente através da Pesquisa Rodoviária CNT é possível saber com precisão onde foram ou não realizados investimentos, tendo em vista tratar-se da única avaliação anual realizada sobre as condições das rodovias brasileiras. Como já pontuava o Manifesto PróCide, em 2002, “o transporte é um canal intermediário no sistema produtivo. A ele cabe disponibilizar os fatores necessários à produção de bens e serviços das empresas”.


PAULO FONSECA

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permita ao Ministério (dos Transportes) dispor dos meios nos momentos em que são necessários e em situações que permitam sua utilização mais racional e econômica”, diz o consultor legislativo José de Sena Pereira Júnior.

Crise ampla Na edição de novembro de 2003, a Revista CNT registrava a apreensão do presidente da entidade, Clésio Andrade, com relação ao descaso a que foi destinado o transporte brasileiro, especialmente as rodovias. “Em aproximadamente cinco anos, a situação das rodovias vai começar a afetar outros setores da economia e poderá haver risco de desabastecimento de produtos”, disse o presidente da CNT durante a divulgação da Pesquisa Rodoviária. Na divulgação do estudo, o diagnóstico era claro: “A pesquisa aponta para resultados gerais desfavoráveis, uma indicação clara da necessidade de intervenção de recuperação da malha rodoviária”. Para a CNT, “o desenvolvimento da infra-estrutura e a recuperação das condições das rodovias constituem um binômio indissociável, pois tornam possíveis o desenvolvimento econômico do país e a elevação dos níveis de desempenho e segurança dos usuários das estradas”. O governo federal, porém, nega-se a reco nhecer que a destinação inadequada de re cursos da Cide seja um problema. Na mesma edição de novembro da Revista CNT, o coordenador de planejamento do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), Jonny Marcos do Valle Lopes, defendia que o Plano Nacional de Viação e o Sistema Rodoviário Nacional não foram abandonados. Solicitado para falar sobre os resultados da pesquisa, Lopes sentenciou que o fim dos recursos do Fundo Rodoviário Nacional era o principal responsável pelo estado caótico das rodovias brasileiras. Os números, porém, confirmam o coordena dor. No ano passado, apenas 30,8% dos recur -

DESRESPEITO Motoristas têm que enfrentar desvios e placas derrubadas

sos do órgão (R$ 4,39 bilhões) foram destinados a investimentos no setor. O restante ou se destinou à formação de reserva de contingência ou foi para o custeio com pessoal.

Problema e solução

EM 12/12/03, O STF CONFIRMOU QUE A RECEITA DA CIDE DEVE SER USADA NOS 3 FINS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO

Se a questão financeira explica muito do caos instalado nas estradas brasileiras, a Pesquisa Rodoviária explica muito mais. Apenas comparando os índices de 2002 e 2003, já se tem uma idéia do problema. Em 2002, 59,2% da malha viária brasileira era classificada como deficiente/ruim/péssima. Em 2003, esse número subiu para 82,8%. Há, portanto, recursos, mas falta vontade política. Estimativas da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados – ainda quando da tramitação da lei que deu origem à Cide – avaliava que “poderão ser alocados, por meio da Cide, entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões por ano, valores que permitirão um amplo progra ma emergencial de recuperação das rodovias, seguido de um igualmente amplo programa de recuperação, modernização e ampliação de toda a infra-estrutura federal de transportes. Esses recursos poderiam, também, propiciar o retorno da assistência aos demais entes da Federação na melhoria de suas infra-estruturas de transportes, inclusive urbanas”. l


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ENTREVISTA RAUL VELLOSO

á algum tempo a so ciedade brasileira ouve falar que a Cide, o tal imposto sobre os combustíveis, tem servido para engor dar o caixa do governo ao invés de ajudar a melhorar a precária infraestrutura de transportes do país uma das três finalidades para qual foi criada. Qualquer motorista que se aventura pelas estradas federais sabe que não há sinais de recuperação das rodovias. Em estudo que realiza para a CNT, o economista e especialista em finanças públicas Raul Velloso mostra detalhadamente o destino de boa parte dos recursos da Cide. E são muitos, apesar de não serem exatamente aqueles para os quais a contribuição foi criada. Uma parcela vai mesmo para investimentos. Mas uma outra parte considerável serve para cobrir os benefícios assistenciais como a aposentadoria rural, além de pagar as despesas originárias do funcionamento da máquina pública, capitalizar empresas estatais, amortizar a dívida e compor a tal reserva de contingência, ou seja, garantir o superávit primário nas contas públicas. Segundo Velloso, fundamental mente os recursos da Cide estão servindo para cobrir os benefícios assistenciais, aqueles nos quais os beneficiados não são obrigados a contribuir para receber, além de

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FISCALIZAÇÃO Raul Velloso irá criar método para controlaro uso da Cide

LUTA DIÁRIA PELA CIDE ECONOMISTA PREPARA MÉTODO PARA FISCALIZAR APLICAÇÃO DA VERBA POR

RODRIGO RIEVERS EDMAR MELO/AG. A TARDE/FUTURA PRESS


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ESTEFAN RADOVICZ/AJB

serem utilizados para garantir o funcionamento da máquina pública, que são as despesas correntes. “Os dados mostram que o que domina a absorção dos recursos é o item ‘outras despesas correntes’, que são os recursos para manutenção da máquina pública”, diz Velloso. Doutor em economia pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Velloso, que já foi secretário de Assuntos Econômicos da Secretaria de Planejamento da Presidência da República na era FHC, diz que a contribuição tem papel fundamental para a financiar a infra-estrutura de transpor tes no país, mas ressalta que “o único problema é que não deixam a Cide cumprir esse papel por causa das outras demandas”. “É preciso mostrar à sociedade que essa contribuição é funda mental para a conservação das estradas. É preciso brigar diariamente por isso, e a sociedade tem que se envolver. Porque os gover nos, em geral, e aí não é só o go verno brasileiro, reagem sempre às pressões organizadas da socie dade”, assinala. Veja a seguir os principais tre chos da entrevista exclusiva que Velloso concedeu à Revista CNT. Revista CNT - Em que consis te o trabalho que o senhor desen volve no momento para a CNT? Raul Velloso - Identificar quanto tem sido arrecadado com a Cide desde 2002, já que a contribuição foi criada em de zembro de 2001. Estou verifi -

“NÃO SE SABE COMO O RECURSO QUE SAIU DA CIDE VOLTA PARA O SETOR”

MÉTODOLOGIA Tributarista irá criar fórmula de controle

cando a arrecadação, quantificando e, depois, vendo o que está sendo feito com o dinheiro. Vou ver os anos de 2002 e 2003, e olhar com atenção especial para 2004, porque há outras mudanças ocorrendo.

“OS ESTADOS TERÃO DE INVESTIR EM ESTRUTURA PORQUE OS RECURSOS VÃO CHEGAR AMARRADOS”

Revista CNT - O senhor vai criar uma metodologia de acompanhamento mensal do que é arre cadado e efetivamente gasto? Raul Velloso - A metodologia virá somente ao fim do trabalho. Agora, estou fazendo um diagnóstico, vendo o que ocorreu nos dois primeiros anos da Cide, o que deve ocorrer este ano, e como fazer para acompanhar a arrecadação e a aplicação dos recursos a partir

de uma base mensal, que é a metodologia. Revista CNT - O senhor já tem dados sobre quanto foi arrecadado com a Cide desde que a contribuição foi criada? Raul Velloso - Em 2002, foram em torno de R$ 7,2 bilhões de arrecadação bruta. Em 2003, houve um pequeno crescimento na arrecadação bruta, passando para cerca de R$ 7,5 bilhões. Este ano, o crescimento será bem mais expressivo, com uma previsão de R$ 8,336 bilhões. Revista CNT - E qual a razão para o crescimento da arrecadação bruta? Raul Velloso - Esse crescimen-


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to se deve ao processo de matura ção do imposto. Todo imposto, em seus primeiros dois anos de exis tência, é bombardeado por limi nares de contribuintes. Hoje, há uma cassação generalizada dessas liminares contra a Cide. Por isso, essa subida da arrecadação. Estima-se que R$ 500 milhões por ano deixavam de ser pagos por conta dessas liminares. E agora esses recursos voltam ao fluxo. Revista CNT - O senhor falou de arrecadação bruta e líquida. Qual a diferença? Raul Velloso - É que depois de destinados 20% para um fundo de desvinculação de receitas, chega-se à arrecadação líquida. Basicamente todos os impostos passam por esse fundo de desvinculação.

que saiu da Cide volta para o setor. Pode até voltar, mas com o nome de recursos ordinários, que são recursos livres.

“O VOLUME DE RECURSOS DA CIDE SERÁ DE R$ 4,735 BI LÍQUIDOS”

Revista CNT - Com a perspectiva de repasse de 29% dos recursos da Cide, Estados e municípios não podem utilizar esse re curso para cobrir outras despesas? O que garante que eles não farão o mesmo uso que o governo federal adotou? Raul Velloso - Garantia total não existe. Mas os Estados terão de investir em infra-estrutura de transportes, porque esses recursos vão chegar amarrados. Eu imagino que, como os Estados têm muita carência nessas áreas, naturalmente irão direcionar esse dinheiro para infra-estrutura.

Revista CNT - Quais instruRevista CNT - É a Desvincula - mentos Estados e municípios poção das Receitas da União dem utilizar para não aplicar os recursos da Cide em infra-estru(DRU)... Raul Velloso - É. Logo de saí- tura de transportes? Raul Velloso - Duas coisas po da a Cide perde 20%, que vão para a DRU. E neste ano ainda dem ser feitas. Uma é tirar os re tem o fato de outros 29% dos cursos ordinários que o Estado recursos da Cide irem para Es- normalmente aplicaria em infraestrutura e trocar pela Cide. Nes tados e municípios. se caso, o Estado simplesmente Revista CNT - A infra-estru - troca de fonte. Por isso, pode não tura de transportes não perde haver um aumento do investimen to. E, em segundo lugar, o Estado com isso? Raul Velloso - O setor de infra- pode optar por não mexer nesse estrutura perde necessariamente dinheiro, que iria para o caixa e os 20% da DRU, mas isso é obri - vira superávit. Dessa forma, auto gatório, está na Constituição. De - maticamente, o Estado paga parte pois isso vira um bolo e, como o da dívida porque o dinheiro é apli dinheiro não tem carimbo, não se cado em títulos públicos, o que sabe direito como esse recurso ajuda a reduzir a dívida líquida.

Revista CNT - O risco de os recursos serem desviados por Estados e municípios aumenta ou diminui? Raul Velloso - Eu acho que diminui porque os Estados, de um modo geral, tendem a gastar mais do que a União nessa área. E os Estados têm de fazer um superávit primário menor do que o que a União. Revista CNT - Qual será o volume de recursos que a União terá com a Cide? Raul Velloso - Com a alíquota atual, terá R$ 4,735 bilhões líquidos.

TANQUE CHEIO País terá mais de R$ 8 bi de Cide

Revista CNT - Como o senhor chegou a esse número? Raul Velloso - O total previsto de arrecadação com a Cide para 2004 é de R$ 8,336 bilhões. Por meio da DRU, 20% PAULO FONSECA


AGÊNCIA O GLOBOO

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que 20% foram para DRU, sobram 27% que foram ‘esterelizados’. Isso significa que esses 27% não foram gastos, ficaram para compor o superávit primário. Portanto, a perda mesmo foi de 27%.

são destinados a outras finalidades do orçamento. E com o de 25% para 29% da parcela da Cide a ser repassada a Estados e municípios, outro R$ 1,934 bilhão incidiria sobre os 80% remanescentes. Deduzindo-se a soma dessas duas par celas da previsão total de R$ 8,336 bilhões de arrecadação, chega-se ao valor líquido de R$ 4,735 bilhões.

Essa diferença permite calcular a perda percentual.

Revista CNT - E qual foi o ín dice de perda? Raul Velloso - Teoricamente de 23%. Basta ver o valor arrecadado e o valor gasto, que se chega a esse percentual. Mas, nesse caso, é preciso ressaltar que 20% desses 23% são relativos à DRU, que é constitucional e obrigatória. Portanto, a perda real foi de 3%. Isso Revista CNT - O senhor disse significa que no primeiro ano se que calculou as perdas antes de gastou quase tudo, mas mostra verificar como foi feita a utiliza - que os recursos foram direciona ção dos recursos arrecadados dos para diversas áreas e não desde que a Cide foi criada. Qual apenas para transporte. a importância desse cálculo? Revista CNT - E em 2003? Raul Velloso - Para ver o que Raul Velloso - Em 2003, dos foi transferido para a DRU e o que foi usado para cobrir outras R$ 7,504 bilhões só foram gastos despesas. Em 2002, dos R$ R$ 3,982 bilhões, ou seja, a perda 7,241 bilhões arrecadados, R$ foi de 47% em cima do que foi ar 5,609 bilhões foram utilizados. recadado. Mas se observarmos

SEM SAÍDA Para Velloso, Palocci fez o que pôde

“O ANO PASSADO FOI UMA LOUCURA, O PALOCCI LANÇOU MÃO DO QUE TINHA”

Revista CNT - Isso comprova que os recursos da Cide são realmente usados para fazer superávit? Raul Velloso - O ano passado foi uma loucura, o Palocci (ministro da Fazenda, Antônio Palocci) lançou mão de tudo que tinha. Mas o que estou dizendo é que não há garantia absoluta de que amarrando a receita os recursos irão para a infra-estrutura de transporte. Basta deixar os recursos parados, porque, a rigor, não há nada que proíba isso, e aí se faz o superávit primário. Revista CNT - E em 2004, como ficou a arrecadação e os gastos até agora? Raul Velloso - Em 2004, nos meses de janeiro e fevereiro, foram arrecadados R$ 1,339 bilhão. E, até 26 de março, o governo utilizou só R$ 105 milhões. Ou seja, praticamente em três meses o governo usou 8% do que arrecadou, o que representa uma perda de 92%. Revista CNT - E onde foram gastos os recursos arrecadados em 2002, 2003 e 2004? Raul Velloso - Eu fiz um cálculo que considera a natureza da despesa. Com isso, vejo o quanto foi gasto em juros e encargos da dívida, pessoal e encargos so-


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ciais, outras despesas correntes, investimentos, inversões financeiras, amortização da dívida e reserva de contingência. Em 2004, dos R$ 105 milhões gastos até 26 de março, R$ 58 milhões foram destinados ao pagamento de pessoal e encargos, R$ 41 milhões gastos com outras despesas correntes, R$ 3 milhões aplicados em inversões financeiras e R$ 2 milhões direcionados a investimentos. Em 2002, 49% dos R$ 5,609 bilhões gastos foram para outras despesas correntes. Mas 32% foram para investimentos. Outros 8% serviram para amortização da dívida, 5% para cobrir despesas com pessoal e encargos, 3% para pagar juros e encargos da dívida e outros 3% aplicados em inversões financeiras (recursos utilizados para capitalizar empresas estatais). Já em 2003, 28% dos R$ 3,982 bilhões gastos foram para investimento. E as outras despesas correntes consumiram 33% dos recursos gastos no ano passado.

com outras despesas correntes, pessoal e encargos sociais. Revista CNT - Dentro desse quadro que o senhor coloca de dificuldades do governo em ter recursos suficientes para cobrir, por exemplo, outras despesas correntes, a Cide não corre o risco de virar mais uma contribuição para tapar buracos no orçamento? Raul Velloso - Pelo menos uma parte dela sim. A contribuição está sendo usada para substituir outras fontes. No caso do Ministério dos Transportes isso fica claro. A Cide entrou, mas não serviu para aumentar o gasto da Pasta.

Revista CNT - O senhor tem esses números? Raul Velloso - Em 2001, portanto antes da Cide, os gastos do Ministério dos Transportes foram de R$ 6,4 bilhões, sendo R$ 3,2 bilhões vindos de recursos ordiná rios e outros R$ 3,1 bilhões de demais fontes. Em 2002, mesmo com a entrada da Cide, os gastos Revista CNT - O que esses da - do ministério diminuíram. Foram dos revelam? para R$ 6,2 bilhões. Desse total, Raul Velloso - Mostram que R$ 172 milhões vieram de recur o que domina a absorção dos sos ordinários, R$ 4,1 bilhões da recursos da Cide é o item ‘ou - Cide, e R$ 1,8 bilhão de outras tras despesas correntes’ (recur - fontes. Em 2003, os gastos caíram sos para manutenção da máqui - mais. Foram para R$ 4,5 bilhões, na pública). Exceto no orça - sendo R$ 1,1 bilhão de recursos mento de 2004, porque este ordinários, R$ 1,9 bilhão da Cide e ano quem domina, por enquan - R$ 1,3 bilhão de outras fontes. E to, é a reserva de contingência. nos três primeiros meses de Mas isso a rigor não vale nada, 2004, dos R$ 455 milhões gastos porque nos três primeiros me - pela Pasta, R$ 117 milhões vie ses foram feitos gastos apenas ram de recursos ordinários, 42 mi-

“DESDE 1988 ACABARAMSE AS FONTES CATIVAS, E A UNIÃO DIRECIONOU RECURSOS PARA OUTRAS COISAS”

IMPORTÂNCIA Infra-estrutura só com investimento

lhões da Cide e R$ 296 milhões de outras fontes. Portanto, a Cide não serviu para elevar a capacidade de investimento. Revista CNT - Por que a Cide tem um papel importante para a financiar a infra-estrutura de transportes? Raul Velloso - Porque desde a Constituição de 1988 acabaramse as fontes cativas, os chamados impostos únicos, e a União direcionou seus recursos para outras coisas. Revista CNT - Para quais? Raul Velloso - O item que mais cresceu foi o dos benefícios assistenciais e subsidiados. São benefícios em que não há contra-partiWEIMER CARVALHO/ O POPULAR/FUTURA PRESS


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da da pessoa ou determinada ca tegoria da população beneficiada, como o seguro-desemprego, pro gramas de renda-mínima e a aposentadoria rural, que foi entre todos o que mais recursos recebeu nesses anos.

tados e municípios, que também participavam do processo de edifi cação da infra-estrutura rodoviária. O mesmo ocorria com o consumo de energia elétrica. Era o consumidor que financiava a expansão do setor elétrico.

Revista CNT - Para que outros segmentos foram direcionados os recursos? Raul Velloso - Os pensionistas e aposentados da União. Por várias razões, esse grupo também teve um grande aumento do quinhão. O terceiro item é o INSS equilibrado (aquele maior que um salário mínimo). Esse até não teve grande influência porque há con tribuições superiores. O problema foi mesmo o aumento da parcela de pessoas que recebem benefícios assistenciais e subsidiados. Então tem de vir uma parte dos impostos gerais para cobrir isso.

Revista CNT - E por que esses impostos foram extintos? Raul Velloso - Primeiro, porque subiu a demanda em áreas como a dos benefícios assistenciais, principalmente porque a prioridade da Constituição da 1988 é o assistencialismo.

Revista CNT - E a Cide tem sido usada para cobrir isso? A Cide é um candidato a entrar aí. De certa forma, a contribuição já ajuda a financiar essas coisas. Ela entra no lugar do imposto úni co que era cobrado até a Consti tuição de 1988. Revista CNT - Qual era a con cepção dos impostos únicos? Raul Velloso - Cobrava-se uma parcela do preço de combustíveis e lubrificantes, por exemplo, para que o governo pudesse usar re cursos em favor do setor de trans portes. E os recursos arrecadados eram partilhados entre União, Es -

Revista CNT - Foi a partir daí que Estados começaram a tributar os combustíveis? Raul Velloso - Depois que a Constituição de 1988, entregou-se aos Estados para que eles tributassem via ICMS, quando as alíquotas aumentaram. Hoje, quase a metade do ICMS recolhido nos Estados maiores vem da tributa ção sobre combustíveis, serviços de energia elétrica e telefonia. Revista CNT - Então os Esta dos deveriam ter assumido os in vestimentos em infra-estrutura? Raul Velloso - Só que os Esta dos e municípios não assumiram inteiramente as responsabilidades da União de viabilizar a conserva ção, a manutenção e a expansão da infra-estrutura. Pegaram as ba ses de incidência tributária, arre cadam impostos, mas usam esse dinheiro para outras finalidades. Então, é como se os setores tives sem ficado sem pai nem mãe.

Revista CNT - E por que isso ocorreu? Raul Velloso - É claro que isso ocorreu porque houve uma mudança de prioridade, que passou a ser outro tipo de gasto. Todo o dinheiro dos Estados, municípios e da União, de forma explícita, direcionada ou não, passaram a ser gastos em outras coisas. Revista CNT - Quais? Raul Velloso - O governo parou de construir capacidade de pro dução e passou a fazer a gastos correntes. Certo ou errado, foi isso que foi feito. De 1987 para cá, os investimentos da União declinaram fortemente.

“QUASE A METADE DO ICMS DOS ESTADOS MAIORES VEM DA TRIBUTAÇÃO SOBRE COMBUSTÍVEIS”

Revista CNT - O senhor tem esses números? Raul Velloso - No meu conjunto de dados há um que denomino de a ‘Derrocada dos investimentos da União’. Falo em investimentos gerais e não apenas em infra-estrutura. Em 1988, a União investiu o equivalente a 2,4% do PIB. Em 2003, esse índice foi de 0,4%. Revista CNT - E a média de investimento em transportes? Raul Velloso - Em transpor tes, o investimento em 1995 foi de R$ 1,6 bilhão. E, em 2003, caiu para R$ 1,48 bilhão. Nesse período entre 1995 e 2003, houve uma recuperação, mas depois volta a um nível abaixo do que era em 1995 a preços constantes. Então, nós estamos investindo menos do que em 1995. l


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TRANSPORTODARA BERTOLINI/DIVULGAÇÃO

INFRA-ESTRUTURA RETRATO DO PAÍS

“ONDÎE ESTÁ O DINHEIRO DA CIDE?” EMPRESÁRIOS E TRABALHADORES SE ERGUEM PARA PROTESTAR CONTRA O ABANDONO DAS RODOVIAS POR

ALINE RESKALLA


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encer as distâncias continentais do país para levar aos mercados a produção do campo e das fábricas é hoje um ato de heroísmo para agricultores, empresários e trabalhadores. Seja qual for o trajeto, eles são obrigados a desbravar estradas de quinto mundo e a enfrentar crateras de dimensões astronômicas que, somadas à péssima sinalização e à falta de fiscalização, só aumentam a distância entre o so nho de um Brasil desenvolvido e a dura realidade de um país à beira do colapso na infra-estrutura. Es tu dos in di cam que se riam ne ces sá rios in ves ti men tos de até R$ 8 bi lhões anuais para re cu pe rar a ma lha viá ria bra si lei ra. Se os R$ 18 bi lhões já ar re ca da dos com a co bran ça da Cide (Con tri bui ção de In ter ven ção no Do mí nio Eco nô mi co) so bre os com bus tí veis ti ves sem sido apli ca dos no des ti no para o qual o im pos to foi cria do – ou seja, na in fra-es tru tu ra do trans por te –, o dra ma do se tor pro du ti vo te ria se trans for ma do em ga nhos enor mes para a eco no mia bra si lei ra. Em Alcântara, a 255 km de Fortaleza (CE), o pequeno produtor de castanha de caju Juraci de Oliveira faz as contas do prejuízo. Se tivesse estrada até Sobral, o pólo de escoamento da produção local, ele não precisaria enfrentar os atravessa dores e aceitar um preço até 30% menor pela castanha que produz. “Se a gente vendesse diretamente em Sobral, teria margem 30% maior e, quem sabe, pode ríamos sobreviver apenas da castanha”, sonha o produtor, que é obrigado a tra balhar num escritório de contabilidade em Alcântara para completar o apertado orçamento doméstico. Bem lon ge dali, no Ama zo nas, não só as pés si mas es tra das, mas a au sên cia

V

de las pro pria men te dita tor nam a si tua ção mais gra ve por cau sa da ex ten são ter ri to rial do Es ta do. O pe cua ris ta Eu rí pe des Fer rei ra Lins se emo cio na ao lem brar dos co le gas que aban do na ram as fa zen das no en tor no da BR-319, que liga – ou pelo me nos de ve ria li gar – Ma naus a Por to Ve lho, em Ron dô nia. No per cur so de qua se 900 km da BR, é co mum en con trar su ca tas de veí cu los por que seus pro prie tá rios não con se gui ram trans por os obs tá cu los da es tra da e os aban do na ram. Sem ou tra al ter na ti va, se gui ram via gem a pé. Em uma extensão territorial de 1,5 mi lhão de quilômetros quadrados, os pro dutores amazonenses vêem o sonho de um Estado auto-suficiente na produção de alimentos se perder nos buracos e na falta de estradas para escoar a produção. Lins é presidente da Federação da Agri-

“O DISCURSO DE LIGAR O AMAZONAS AO RESTANTE DO PAÍS NÃO EXISTE. A 319 ESTÁ INTRANSITÁVEL. O DESCASO DO PODER PÚBLICO É ENORME”


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SONIA/FUTURA PRESS

cultura e Pecuária do Amazonas e fica indignado ao lembrar do potencial desper di ça do. A re gião de Umai tá, por exemplo, apresentou um crescimento surpreendente de 131% na produção de soja e arroz em 2003, mas esse resultado está seriamente ameaçado porque a produção não tem como chegar a Porto Velho, de onde poderia seguir para exportação, por causa do péssimo estado da BR-319. “O belo discurso de ligar o Amazonas ao restante do país não existe na prática. Há tempos nossa única via de acesso, que é a 319, está intransitável. O descaso do poder público é enorme”, protesta o pecuarista, que calcula em R$ 100 milhões os recursos necessários para recuperar a estrada. O valor é quase a metade do que o Ministério dos Transportes destinou em 2003 ao pagamento de despesas com pessoal e encargos (R$ 170 milhões) com os recursos da Cide. Enquanto o investimento não chega, o país contabiliza os prejuízos. Estima-se que o Brasil perde R$ 10 em média por tonelada de soja exportada por causa das deficiências do transporte. Como são mais de 20 milhões de toneladas, somente esse grão seria responsável por prejuízos acima de R$ 200 milhões por ano.

Estrutura de 40 anos Em Goiás, os produtores tiveram este ano um gasto de R$ 100 milhões a mais com frete que na safra anterior com a deterioração das estradas. Os cálculos são da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faeg). Na análise do presidente da entidade, Marcel Caixeta, a pecuária e agricultura se desenvolveram de forma brilhante nos últimos anos no Estado – chegou a uma produção de 120


DINHEIRO SÓ APÓS 2005 iante da perda quase total da capacidade de investimento do Estado brasileiro, as Parcerias Público-Privadas (PPP) surgem como luz no fim do túnel para tirar as estradas brasileiras do atoleiro. Pelas projeções do Ministério do Planejamento, a expectativa é que sejam viabilizados investimentos de R$ 36 bilhões depois de aprovado o modelo, incluindo desde estradas e usinas de geração de energia até hospitais e presídios. O projeto foi enviado ao Congresso Nacional em 19 de novembro de 2003 e atualmente tramita no Senado. Nesse tipo de parceria, o setor privado fica responsável pelo financiamento total da obra e só começa a receber a amortização do investimento depois de finalizar o serviço. Hoje, quando o poder público contrata uma obra, paga conforme sua execução. A administração pública poderá estabelecer metas de desempenho como condição para liberação da remuneração do parceiro privado. Os empresários estão dispostos a investir nas PPPs, mas pedem mais garantias de retorno ao investimento, diz o vice-presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Base e In fra-estrutura (Abdib), Francisco Valladares. Apesar de otimista e considerar as áreas de transporte e saneamento como prioritárias, ele admite que dificilmente as PPPs se transformarão em obras em 2005 porque há muitos pontos para serem definidos. Preocupam o setor o risco de calote, as garantias para o retorno do in -

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vestimento e a liquidez para os títulos emitidos pelos fundos que sustenta rão os contratos. Fundos, aliás, cuja formatação ainda está sendo discutida com o governo. Segundo Valladares, a Abdib sugeriu a possibilidade de os investimentos serem remunerados por meio de títulos públicos e privados. O objetivo é aumentar o leque de oportunidades de pagamentos ao investidor, alternativas que serão sempre avaliadas no momento da elaboração do edital para programas ou projetos específicos. Em outra sugestão, a entidade propõe que os contratos entre seto res público e privado tenham mecanismos prevendo a revisão periódica da remuneração do parceiro a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos investimentos.

/CELIVALDO CARNEIRO/O LIBERAL/FUTURA PRESS

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milhões de toneladas no país e se tornou, por exemplo, o maior exportador mundial de carne –, mas a infra-estrutura permanece a mesma de 40 anos atrás. “Nos portos, os custos são caríssimos e achatam o preço dos grãos ao produtor. As ferrovias são uma opção, mas não temos vagões. Isso tudo atrasa a exportação de soja, aumenta o Custo Brasil e afeta em cheio a nossa competitividade”, desabafa o produtor, para quem o país pode ser o maior produtor mundial de alimentos, mas a infra-estrutura precisa antes se tornar prioridade para conseguir acompanhar. Indignado com o sucateamento das estradas como praticamente todos aqueles ligados ao setor produtivo, Caixeta lembra que a agricultura sustenta o PIB brasileiro, com participação de 33%. Da dos da Confederação Nacional da Agri cultura e Pecuária (CNA), da qual Caixe ta é vice-presidente, mostram que o PIB FERNANDO FEITOSA/FUTURA PRESS


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DE LAMA E CAOS Como transitar na BR-163 (acima) e na BR-110 (ao lado)?

FALTA DE ESTRUTURA AUMENTA O CUSTO BRASIL E AFETA A COMPETITIVIDADE, DESABAFA PRODUTOR DE GOIÁS

do agronegócio teve crescimento expressivo de 6,54% em 2003, somando R$ 508,27 bilhões, enquanto o PIB total do país teve o pior resultado desde 1992 e encolheu 0,2%, segundo o IBGE. “O dinheiro da economia brasileira está vindo da terra. O governo tem que repensar o transporte e a infra-estrutura porque de nada adianta ter ganhos altíssimos de produtividade no campo se isso não se trans for ma em mais com pe ti ti vi da de para os produtores e empresas no mercado.” Uma das principais exportadoras de pisos de madeira do país, a Recoma também contabiliza as perdas com a pre cariedade das rodovias. O presidente da empresa, Sérgio Schildt, diz que os bura cos aumentam o custo da matéria-prima comprada no Pará e no Amazonas em 40%. As estradas provocam danos nos caminhões, nos pneus, o tempo de via gem aumenta e o frete fica muito mais caro. Só para se ter uma idéia, no trecho

de 200 km entre a fábrica da Recoma, em Iperó (SP), e o porto de Santos, de onde o produto segue para o exterior, o frete custa R$ 1.500. “É um absurdo. O im pac to na nos sa com pe ti ti vi da de é enorme. Tem que haver uma decisão política de resolver o problema das estradas e repensar a matriz de transporte do país. Ninguém faz uma viagem de 3.000 km nos Estados Unidos de caminhão como se faz no Brasil.” O diretor comercial da transportadora Expresso Araçatuba, Álvaro Fagundes Júnior, também se revolta com o altos custos provocados pelos buracos, porque depende de estradas transitáveis para operar mais do que qualquer outro setor. Segundo ele, a situação está pior a cada dia e o mercado não aceita mais o repasse do encarecimento das despesas ao frete. Os 500 caminhões da empresa gastam em média 20% a mais de tempo para levar as cargas ao destino, o que gera uma perda considerável no prazo de


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AGRICULTOR PAGA PARA TAPAR BURACO odos os anos, a Cenibra gasta pelo menos US$ 1,5 milhão para consertar as estradas por onde sua produção passa. Maior fabricante brasileira de celulose e uma das maiores do mundo, a empresa precisa levar o produto de Belo Oriente (a 236 km de Belo Horizonte) aos compradores, 90% deles no exterior. O percurso muitas vezes chega a 13 mil quilômetros. O diretor-presidente da empresa, Fernando Henrique da Fonseca, sabe muito bem que a despesa não é uma obrigação sua, mas também sabe que, se não arregaçar as mangas e abrir o próprio caixa, seu produto certamente vai encarecer e demorar mais a chegar ao destino. O resultado seria perda de competitividade. No momento, Fonseca negocia com o governo de Minas Gerais a recuperação de um trecho de 80 km da estrada que liga Belo Oriente a Virginópolis, cuja situação, segundo ele, é crítica. O executivo está disposto a destinar R$ 1 milhão à obra. “A gente sempre vai tampando os buracos, mas chega uma hora em que isso já não resolve”, diz Fonseca, para quem o péssimo estado das estradas bra sileiras afasta investimentos e condena re giões de mais difícil acesso ao abandono. No Mato Grosso, a situação se repete. Sorriso é uma das principais regiões produtoras de grãos do Brasil, com 600 mil hectares plantados. Mas tem nas crateras das estradas, especialmente a BR-381, seu principal obstáculo no trajeto que leva sua produção ao mercado. Indignado, o produtor Leonir Paulo Capitaneo, 52 anos, que nasceu e cresceu na lavoura de soja,

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diz que está produzindo cada vez mais e lucrando cada vez menos. Em sua fazenda, são 1.300 hectares plantados e uma verdadeira batalha para levar os grãos até Sorriso, percurso que, segundo ele, “está um atoleiro só”. Capitaneo e um grupo de produtores da região se uniram para resolver temporariamente o problema: eles mesmos foram ater rar os buracos. Este ano, eles gastaram R$ 140 mil do próprio bolso e tentaram cobrar pedágio para reduzir o prejuízo, mas a medida gerou protestos e a cobrança foi suspensa. O governo do Estado se comprometeu a ressarci-los, mas até agora eles não receberam nada. “Somos o maior produtor de grãos do país, geramos empregos e paga mos altos impostos. No entanto, estamos abandonados pelo governo. Para onde vai o dinheiro dos nossos impostos? Simplesmente desaparece?”, questiona o agricultor.

O produtor Sérgio Ramos conhece bem o problema. A sua fazenda, em Diamantino, no Mato Grosso, é cortada pela MT-010, que não foge à regra das demais estradas do país. Cansado de esperar por investimento público em sua recuperação, ele e um grupo de vizinhos repetiram a ação da turma de Sorriso e se juntaram para tampar os buracos por conta própria. “Se tivéssemos estrada, poderíamos levar a nossa soja direto até o porto de Paranaguá, em vez de pagar tradings que pressionam o preço do frete em função das estradas ruins. O país precisa urgente de investimentos em infra-estrutura.” O sonho dos produtores mato-grossenses é a recuperação e pavimentação da BR381, que liga Cuiabá a Santarém, no Pará, um corredor que une não só os dois Estados, mas abre as portas para integração do Norte com o restante do país. HENRY MILLEO/GAZETA DO POVO/FUTURA PRESS


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EMPRESÁRIO INCENTIVA “AD0ÇÃO” DE BURACO ansado de esperar pelo retorno dos impostos que paga, um empresário da região de Unaí (MG) lançou uma campanha para chamar a atenção para a péssima condição das estradas da região, uma das maiores produtoras de grãos, especialmente soja e feijão. O publicitário José Augusto Nieto lançou o site Unaínet, “adotou” um dos incontáveis buracos das estradas locais e conclamou a população a fazer o mesmo, na tentativa de amenizar o caos no transporte de mercadorias e pessoas no entorno da cidade. É objetivo de Nieto despertar os governos para sua obrigação de garantir estradas transitáveis para o cidadão, que paga impostos aparentemente em vão. A idéia surgiu da indignação de ver a economia da região ser afetada pelas dificuldades de transporte, que refletiu no seu próprio negócio. “Se as empresas da região tiverem problemas, deixam de investir em publicidade. Destinam essa verba para consertar pneus estragados nos buracos”, diz Nieto. Ele conta que optou por uma campanha bem-humorada para chamar a atenção, “porque de nada tem adiantado xingar o ministro”. A situação na BR-251, principal via de escoamento da produção de grãos de Unaí, deteriorou-se bastante este ano com as fortes chuvas que atingiram a região. Como nenhuma obra de recuperação foi feita, a estrada, que já era esburacada, ficou praticamente intransitável. O vice-presidente da Cooperativa dos Produtores de Grãos de Unaí (Coagril), José Carlos Ferigolo, conta que os custos dos agricultores da região com transporte aumentaram 80% na atual safra na comparação com 2003. Além de não conseguir cumprir o prazo com os compradores, explica Ferigolo, o produtor paga a conta de um problema que não é dele. “A situação das estradas é terrível, elas estão intransitáveis. O descaso do poder público com a nossa região é histórico. Muitas cidades nem são ligadas por asfalto”, diz o produtor. A Coagril atua num raio de 120 km de Unaí e deve encerrar a atual safra com uma colheita de 180 mil toneladas. Mas o problema das estradas reduz a capacidade de recebimento desses grãos na cooperativa porque, com a demora no transporte, o tempo de estocagem aumenta. A capacidade estática dos armazéns é de 120 mil toneladas. Nos arredores da plantação, a situação é crítica. “Ao longo da história de Unaí, o problema com as estradas sempre existiu, mas agora a situação piorou muito e está realmente difícil. Como as chuvas deste ano foram muito intensas, a coisa se agravou e os buracos se multiplicaram. A gente fica muito triste porque não vê nada sendo feito.”

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EDUARDO LENA/AG A TARDE/FUTURA PRESS

PESQUISA Rali da Safra foi investigar a situação


UNAI.NET/DIVULGAÇÃO

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entrega e, em consequência, na eficiência do serviço. Para o executivo, esse é o grande componente do Custo Brasil que joga os pre ços dos pro du tos bra si lei ros para cima. “Onde estão os recursos da Cide que a gente paga e não vê retorno algum? O que existe é uma ânsia de arrecadar, mas pouca vontade de fazer algo efetivo pelos problemas que atrapalham o desenvolvimento do país.”

Campanhas

ADOÇÃO Em Unaí, os buracos têm pais para reduzir o prejuízo da safra

EMPRESA DE PISO DE MADEIRA DIZ QUE OS BURACOS AUMENTAM O CUSTO DA MATÉRIA-PRIMA COMPRADA NO PA E NO AM EM 40%

No Mato Grosso, um dos principais Estados produtores de grãos do país, a situação de abandono total da BR-163 mobiliza empresários e produtores em busca de uma saída para a rodovia, o principal eixo de ligação entre Cuiabá e Santarém, no Pará. Um grupo de empresas formou a “Companhia para o Desenvolvimento da BR-163” e encomendou à consultoria Pieracciani um estudo sobre os custos da obra de pavimentação da estrada – 50% dela está praticamente in transitável – e os ganhos que o investi mento trará. Segundo o estudo, o asfaltamento do trecho de 790 km entre Cuiabá e Miriti tuba (PA), na fronteira com o rio Tapajós, custará US$ 170 milhões e pode ser fei to em quatro anos. A economia com o transporte gerada pela obra chegaria a R$ 323 milhões por ano para as empre sas da Zona Franca de Manaus e a R$ 96 milhões para as tradings de soja que operam na região. Seria possível transportar soja das fazendas do Mato Grosso por via rodoviária até Miritituba, de onde os grãos segui riam para embarcações da hidrovia da bacia amazônica em direção ao mar e ao mercado externo. Com a recuperação da BR, o tempo de viagem dos produtos da

Zona Franca de Manaus até o seu princi pal mercado consumidor, em São Paulo, seria reduzido em 40% em média e passaria de nove para cinco dias. Oitenta por cento da produção da região percorre água e terra para chegar a São Paulo. Atualmente, o escoamento da Zona Franca é feito pela BR-163, que liga Belém a Brasília. Já a soja, o algodão e o milho seguem pelo porto de Belém (PA). O levantamento mostra ainda que, no primeiro ano de operação, a 163 transportaria 6,5 milhões de toneladas de grãos, dos quais 3,85 milhões de soja. Segundo o autor do estudo e proprietário da consultoria, Valter Pieracciani, as empresas tentam viabilizar financiamen to para bancar o projeto até Miritituba. Os 600 km restantes até Santarém ficariam a cargo do governo do Pará, que também busca recursos. Esse pode ser um dos primeiros projetos de Parceria Público-Privada no país. A situação da BR-163 é um exemplo marcante do im pacto da falta de infra-estrutura na com petitividade do país, na análise de Pie racciani. A estrada está toda aberta desde a década de 80, mas há vários trechos in transponíveis. “É um grande eixo de escoamento que passa no meio do Brasil e liga o Norte com o Sul que ficou abandonado. A soja brasileira chegaria mais barata ao Golfo do México, o retorno para a economia seria muito grande. Mas o projeto parece que está adormecido no governo federal”, afirma o consultor, lem brando que o Plano Plurianual (PPA) de 2004 a 2007 elege a pavimentação da BR-163 como uma das obras prioritárias. Com a saturação das rodovias com destino ao leste da costa brasileira, a Cargill, que integra o consórcio de empresas da BR-381, abriu por conta própria uma alter-


RICARDO SILVA/FUTURA PRESS

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PAÍS PERDE US$ 5 BI POR ANO úmero crescente de aciden tes, desperdício de carga, gasto elevado com manutenção e combustíveis. A competitividade da economia brasileira escoa pelo ralo da falta de investimentos em infra-estrutura. Pelas estimativas da Associação Nacional dos Usuários de Transporte (Anut), o país perde US$ 5 bilhões por ano com a precariedade, principalmente, das estradas e dos outros segmentos do transporte. A ANUT calcula em R$ 24 bilhões anuais os investimentos necessários para ampliar a capacidade de movimentação do sistema e trazer algum equilíbrio à matriz. Pelos cálculos do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), apenas para recuperar e pavimentar as principais estradas o país precisa de R$ 5 bilhões anuais. No entan to, o orçamento do Ministério dos Transportes não chega a R$ 2 bilhões para 2004. A Associação Nacional do Trans porte de Carga e Logística (NTC) elaborou um documento no qual pede uma solução urgente para se garantir retomada dos investimentos no setor (leia-se definição dos marcos regulatórios, regulamentação das Parcerias Público-Privadas e crédito viável). A entidade reivindica a retomada do planejamento

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na área, incluindo principalmente um programa amplo de recuperação da infra-estrutura já existente, com o uso dos 71% dos recursos da Cide que permaneceram no poder do Executivo federal, dando ao dinheiro a mesma destinação determinada para Estados e municípios, que terão 29%. A situação é tão grave que torna tão necessária quanto no “apagão” da energia elétrica a criação de uma espécie de câmara setorial para gerir a política de recuperação do setor, segundo o presidente da NTC, Geraldo Vianna. “No curto prazo, já não há muito a fazer, exceto torcer para que as chuvas não sejam muito intensas e, por incrível que pareça, para que a produção do agronegócio e da indústria não cresçam muito” Estimativas da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) indicam que, apenas na safra de grãos deste ano os prejuízos devem passar de R$ 500 milhões. O dado é preocupante, segundo o economista da Faeg Pedro Ferreira Arantes, que também é assessor técnico da Comissão de Cereais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), porque reduz a competitividade de um setor que vem segurando o PIB brasileiro e puxando o crescimento das exportações do país.

nativa de escoamento por Santarém. Para que o porto de Belém possa realmente atrair carga, no entanto, será necessário pavimentar e recuperar a BR-163. Mas o diretor do Complexo Soja da empresa, José Luiz Glaser, admite que a obra ainda está longe de se tornar realidade, especialmente porque as PPPs, principal alternativa para a realização de investimentos, “ainda dependem de regulamentação, aprovação, licitação e viabilidade econômica”. Enquanto isso, o porto opera basicamente com soja do oeste do Mato Grosso, atingindo o terminal por barcaças de navegação fluvial.

Rali da Safra O estado caótico das estradas brasileiras foi conferido de perto pelos participantes do Rali da Safra 2004, uma expedição privada formada para analisar a produção de grãos do Brasil. O grupo percorreu em 40 dias 33 pólos de produção de grãos em 15 Estados diferentes. O assessor de marketing da Kepler Weber, Elias Mansur, conta o que viu entre


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Brasília e Santana do Araguaia, no Pará, entre os dias 13 e 27 de março. “Já no primeiro dia, uma das camionetes ficou atolada, e só pode ser resgatada no dia seguinte. Ao chegar em Cocos, na Bahia, no percurso até Luis Eduardo Maga lhães, encontramos rodovias completa mente esburacadas, o que dificulta mui to o escoamento da safra. É uma região com um potencial muito grande, porém com estradas em estado crítico.” Da Bahia, a equipe foi para o Piauí, onde, segundo Mansur, as vias estavam ainda piores. A conclusão dele e do cole ga Marcos Rabello, que também partici pou da expedição, é que as estradas são um dos principais empecilhos para o de senvolvimento das regiões por onde eles passaram. O assessor técnico da transportadora TBL e presidente da CIT (Câmara Intera maricana de Transporte), Paulo Caleffi, joga a culpa pelo colapso da infra-estru tura no governo federal, que destina o di nheiro da Cide para pagamento de juros

URGÊNCIA A BR-470 ganhou site para tentar chamar a atenção do governo

“EM COCOS, ENCONTRAMOS RODOVIAS COMPLETAMENTE ESBURACADAS, O QUE DIFICULTA MUITO O ESCOAMENTO DA SAFRA”

da dívida, o chamado superávit primário, e desconsidera o drama do país . “Não é só a produção que o governo está prejudicando. É a vida. Há uma desconsideração clara com a vida do cidadão.” O problema é generalizado e provoca a reação de vários segmentos da sociedade. Já se tornaram comuns no país as manifestações de produtores, empresários e mesmo da sociedade civil. No Rio Grande do Sul, a BR-470 ganhou um site de protesto (www.br470.com.br) para di vulgar a campanha “BR-470 – Não dá mais pra esperar” e “BR-470 – Solução urgente, urgentíssima”, promovida pelo Grupo RBS. A campanha é permanente e procura mobilizar a comunidade para a necessidade de melhorias nas condições da rodovia. Em Minas, um grupo de produtores e empresários entregou ao gover no fe de ral um ma ni fes to pe din do obras urgentes nas BRs 135 e 251, que interligam o Nordeste e o Sudeste passando por Montes Claros. Outra área que deveria, mas também não recebe recursos da Cide, é a ambiental. Parte dos recursos arrecadados pela contribuição deveria ir para projetos de recuperação do meio ambiente ligados à indústria do petróleo e do gás. Mas o dinheiro não chega e o governo não fala sobre o assunto. O Ministério do Meio Am biente, que deveria coordenar a aplicação dos recursos, não informa quanto recebeu e nem sequer se há projetos em andamento para a área. A reportagem tentou ouvir alguém do órgão, mas a assessoria de imprensa informou, após dias de tentativas, que ninguém do ministério falaria sobre a Cide. No ano passado, a área ambiental recebeu R$ 33,5 milhões referentes à contribuição, segundo o Siafi, banco de dados das movimentações financeiras do governo disponível na Internet. l


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AS FEDERAÇÕES

NA BRIGA ENTIDADES ESTADUAIS E REGIONAIS EXPÕEM A GRAVE SITUAÇÃO QUE TOMA CONTA DO PAÍS POR EULENE HEMÉTRIO

umento de custos, desperdício, insegu rança, imprevisibilidade de tempo de via gem, sucateamento da frota, oneração do produto final. Estes são os principais problemas enfrentados Brasil afora, devi do à falta de investimentos em infra-es trutura de transporte. Alguns desses fatores são ainda acentuados em determinadas épocas do ano em certas regiões, quando as estradas brasileiras simplesmente não comportam o escoamento da produção agrícola. Estados responsáveis pelo principal produto de ex portação nacional – a soja – sofrem perdas históricas de grãos no trajeto para o porto, já que os caminhões não conseguem desviar de todos os obstáculos que encon -

A

tram nas estradas mal-conservadas, sem sinalização e sem fiscalização. O mesmo acontece com os fruticultores. O prejuízo para os produtores rurais chega a mais de 20%, uma vez que o peso válido da mercadoria é aquele calculado quando a safra chega ao seu destino final. Os produtos amassados, perdidos ou deteriorados não são pagos nem, muito menos, devolvidos. Outros Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná e São Paulo sofrem com o excesso de tráfego oriundo do interior do país rumo aos portos, sem ter qualquer tipo de apoio do governo na recuperação da malha. “Quando muito, eles tapam mal um buraco”, reclama Antônio Carlos Melgaço, presidente da Federação das Empresas de Transporte dos Estados da Bahia


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TORTURA Principal rodovia para escoamento da soja, a BR-364 provoca prejuízos

e Sergipe (Fetrabase). Segundo o dirigente, tudo o que é feito pelos órgãos oficiais é inócuo. “Não sei se houve perseguição, mas as nossas rodovias foram abandonadas. Não existe uma estrada sequer em situação regular na Bahia. Todas estão arrasadas”, diz Melgaço. Ele frisou que a própria socie dade vem bloqueando constantemente os acessos para cobrar uma solução para o problema das rodovias, mas há uma “insensibilidade tremenda” do poder pú blico. Para o presidente da Fetrabase, uma das estradas em pior estado de conser vação na Bahia é a BR-242, para Brasí lia, e a rodovia que dá acesso à cidade

de Paulo Afonso. “As empresas estão acumulando assaltos e acidentes. Toda a economia, principalmente a do interior do Estado, está afetada”, avalia. De acor do com Melgaço, a produção de frutas, em Juazeiro (BA), e a de feijão, em Irecê (BA), são umas das mais abaladas pela degradação viária. Ele ressaltou também que a principal via de acesso à capital baiana, que é a estrada que liga Salvador a Feira de Santana – por onde passam cerca de 150 mil veículos/dia –, está em um estado deplo rável: “Todo o entroncamento rodoviário está em frangalhos. Nós fomos brindados com o prêmio de último lugar no es tado de conservação das rodovias fede -

OS PROBLEMAS DO NORTE Custo do transporte chega a ser até 50% superior do que nas condições normais de tráfego

Aumento do tempo de viagem devido a problemas na estrada e a constantes piquetes realizados por motoristas, em protesto ao abandono do setor


JOSE MEDEIROS/FUTURA PRESS

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rais”, lamenta. Considerando os principais corredores de transporte do país, de acordo com a Pesquisa Rodoviária CNT 2003, o Nordeste é a região que tem a maior extensão da malha, com mais de 15 mil quilômetros de estradas pavimentadas. Em seguida vem o Sudeste, o Centro-Oeste, o Sul e, por último, o Norte. No total, são quase 48 mil quilômetros de rodovias, sendo que 81,92% delas estão em estado deficiente, ruim ou péssimo. O Norte, apesar de ter a menor malha rodoviária do Brasil, possui 92,7% de suas estradas em estado precário. Ape nas 7,3% dos corredores de transporte encontram-se em um bom estado de conservação. No Nordeste, a situação também não é muito diferente, com o índice de 90,2% de estradas em situação deficiente, ruim ou péssima. A região Sul é a que aparece em melhores condições, com 30,5% das estradas em boa conser vação (veja quadros). O presidente da Federação das Empresas de Transportes da Amazônia (Fetramaz), Irani Bertolini, informou que o Estado tem enfrentado freqüentes piquetes de greves, causando sé rios pro ble mas de atra so. “Seguidamente questionamos o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transpor tes), mas não temos tido a aten ção desejada. Recorremos tam bém ao Ministério dos Trans portes, mas que também tem feito muito pouco para solucio nar os problemas das estra das”, diz Bertolini. Na região Norte, o custo do transporte chega a ser até 50% superior do que nas condições

OS PROBLEMAS DO NORDESTE Problemas nas estradas geram prejuízo de mais de

20% aos produtores agrícolas, que vendem frutas em consignação Custos de manutenção de veículos são onerados em mais de 30% Aumento de preço dos produtos de consumo direto e de matéria prima que, em

90%, são oriundos do sul do Brasil

nor mais de tra fe ga bi li da de. Se gun do Bertolini, a BR-364 está totalmente esburacada, sendo que ela é a principal rodovia por onde é feito o transporte de soja – o que acaba danificando ainda mais a estrada. “Além dos atrasos na en trega do produto, há um aumento nos custos de manutenção, vida útil do veí culo e dos pneus, o que acaba por elevar o custo do frete. Quem acaba pagando por isso é o consumidor final.” De acordo com o presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Nordeste (Fetracan), Newton Gibson, os custos de manutenção de veículos são onerados em mais de 30% por causa dos problemas de conservação das rodovias. “Fora isso, ainda é preciso contabilizar o acréscimo no consumo de combustível”, lembra Gibson. O dirigente reforça que a região Nordeste é especialmente afetada com o custo-Brasil, pois 90% dos produtos de consumo direto e de matéria prima são ABTC/DIVULGAÇÃO


provenientes do Sul e Sudoeste do país. “Lamentavelmente, o governo tem se preocupado pouco em relação à situação do Norte e do Nordeste. Quando temos uma oportunidade de investimentos com o repasse da Cide, o governo toma a posição de não querer ter um planejamento adequado.” Para o presidente da Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Carga (Fenatac), José Hélio Fernandes, a situação no Centro-Oeste do país a “pior possível”. “Com as chuvas, aquilo que era ruim se tornou uma calamidade. Para escoar a safra, é um verdadeiro desafio. São formadas filas quilométricas de caminhões nas estradas na época da colheita de soja, milho e algodão, principalmente”, afirma Fernandes. O dano provocado pelas estradas, segundo Fernandes, atinge em cheio o agronegócio brasileiro, que corresponde a 33% do PIB e representa mais de 40% das exportações do país. Segundo ele, esse setor – que cresceu 6,5% em 2003 e é responsável por empregar 37% dos brasileiros – está ameaçado pela falta de infra-estrutura de transporte e sujeito a um “apagão logístico”. “Esse ‘apagão’ vai acontecer natural mente, por osmose, e não por iniciativa de alguém”, concorda o presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (Fet cesp), Flávio Benatti. Ele cita, por exem plo, o caos instalado em Santos (SP) por que o porto não suporta a chegada de cerca de cinco caminhões por dia na alta temporada – o que gera filas de até 15 km. “Os caminhões se transformaram em verdadeiros armazéns de carga.” O dirigente destaca que o Brasil só pode falar em desenvolvimento quando for capaz de realizar deslocamento inter -

OS PROBLEMAS DO CENTRO-OESTE Perda de 12% a 20% da produção pelo caminho

Aumento do custo do transporte entre

40% a 50%

MEDO DA CHUVA No Centro-Oeste, a BR-153 fica intrasitável


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ZUHAIR MOHAMADFUTURA PRESS

mo dal com pro du ti vi da de. “En quan to isso, o governo está sentado em cima de uma verba astronômica. Não se admite falar em crescimento sabendo que ele é iner te aos pro ble mas es tru tu rais do país”, diz Benatti. O dirigente da Fetcesp observa, ainda, que as rodovias com boa trafegabilidade possuem o ônus do caro pedágio. “Rio e São Paulo concentram as melhores rodovias do país. No entanto, a maioria delas é privatizada”, constata. Em Minas Gerais, os desvios para se livrar dos buracos chegam a aumentar em até 25% o percurso. De acordo com o presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), Jésu Ignácio de Araújo, rodovias pequenas, sem estrutura, estão recebendo tráfego intenso de caminhões de todos as regiões do país porque as grandes rodovias não estão aten den do mais às ne ces si da des de transporte.

“Até dois anos atrás, o governo reclamava da falta de recursos, mas com a aprovação da Cide não tem mais descul pa. Nós estimamos que o imposto já te nha arrecadado mais de R$ 20 bilhões. Estamos caminhando para o terceiro ano de sua aprovação e, até hoje, nada foi feito”, desabafa Araújo. O coro pela verba da Cide é uníssono. “Ficamos absolutamente decepcionados e impressiona dos em como as autoridades não têm sensibilidade para isso. Nosso setor lutou para aprovar a Cide, realizamos reuniões infindáveis com esperança que esses recursos fossem aplicados. Agora, estamos nos sentindo traídos”, diz o presidente da Fenatac, José Hélio Fernandes. A frustração é partilhada por todos os setores de transporte. “O que precisa mos realmente é que o governo cumpra a legislação. Temos o imposto, mas não o benefício – apesar de seu destino ser carimbado. Se demorar mais um pouco

ExTEnsão da malha Em km Principais corredores rodoviários de transporte

Nordeste 15.271

Sudeste 10.806

Centro-Oeste 8.728

Sul 6.813

Norte 6.027 Total

47.645


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ondE EsTão as piorEs EsTradas (Rodovias em estado deficiente, ruim ou péssimo, segundo a Pesquisa Rodoviária CNT 2003)

Norte 92,7%

Nordeste 90,2%

Centro-Oeste 79,2%

Sudeste 78%

Sul 69,5%

para investir na recuperação das estradas, a verba não vai ser mais suficiente, pois está tudo acabando. O que nós faríamos em quatro anos, vamos levar dez para reconstruir tudo”, afirma Araújo. Na região Sul, os problemas de escoamento da produção geram um prejuízo superior a R$ 900 milhões anuais, se gundo o diretor da Federação das Em presas de Transporte de Cargas do Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), Pedro Lopes. Um dos principais motivos apon tados por ele é a falta de duplicação da BR-101 que foi projetada para um tráfe go de 8.000 veículos/dia e hoje recebe até 35 mil diariamente, provocando con gestionamentos de até 10 km em direção aos portos. Santa Catarina recebe mais de 1,6 mi lhão de turistas ao mês em época de alta temporada. O desenvolvimento do setor produtivo, no entanto, fica estagnado, en tre outros motivos, pela falta de infra-es trutura viária. Segundo o diretor da Fetrancesc, empresas de todos os segmen tos estabelecidas no interior estão que brando por não terem soluções logísticas

OS PROBLEMAS DO SUDESTE Desvios chegam a aumentar em até 25% o percurso Estrutura do porto de Santos (SP) não suporta a chegada de cerca de cinco caminhões por dia, gerando filas de até

15 km e um verdadeiro caos urbano

SEGUNDA CASA Em Santos, motoristas esperam liberação


JONATHAN CAMPOS/GAZETA DO POVO/FUTURA PRESS

OS PROBLEMAS DO SUL Problemas no escoamento da produção geram um prejuízo superior a

R$ 900 milhões anuais

Falta de duplicação das rodovias gera congestionamentos de até

10 km em direção aos portos

ESTACIONAMENTO Caminhões parados esperam em Paranaguá RICARDO NOGUEIRA/FUTURA PRESS

adequadas. “Não há investimento porque os empresários são desestimulados pelas condições de transporte”, ressalta Lopes. Diante da ineficiência em solucionar os problemas de transporte latentes, foi formada uma empresa de economia mista com participação de todas as federações do setor produtivo, do setor privado, da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) e do governo. O objetivo é encontrar uma saída para a duplicação e manutenção das rodovias, estabelecendo um pedágio social. “Acredito que essa é a única solução para desafogar nossos pontos mais críticos”, avalia Lopes. A intenção é que tudo seja feito com investimento privado – segundo ele, já existem muitos interessados no projeto. “Do governo, só ouvimos falar dos números, mas não sabemos a destinação desses recursos. Não podemos esperar por isso (a verba da Cide).” l


50 CNT REVISTA ABRIL/MAIO 2004


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ARRECADAÇÃO INFRA-ESTRUTURA

SEU IMPOSTO: DA BOMBAAO LIMBO VERBA DA CIDE EXISTE, MAS POUCO CHEGARÁ ÀS OBRAS PAULO FONSECA

POR

MAÍRA LIMA

orçamento de 2004 do Ministério dos Transportes prevê recursos da ordem de R$ 9,23 bilhões. Do montante, R$ 5,41 bilhões vão para ações do DNIT (Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte) e o restante para outras rubricas do Ministério. Há de se tomar como exemplo o que aconteceu em 2003. A verba da Cide tem participação majoritária – mais de 70% – nos recursos do Ministério, mas, como sempre ocorre, boa parte da previsão será direcionada a outros fins, que não são o de aplicação em infra-estrutura do transporte. Contrariando a Lei 10.336, que instituiu a Cide, os recursos estão sendo alocados em todos os grupos de despesas, com forte redu ção no volume de investimentos do setor. No orçamento de 2003, por exemplo, R$ 4,24 bi lhões foram para a reserva de contingência, o que representou pouco menos da metade do orçamento ministerial, que era de R$ 11,1 bi lhões. Os recursos do tributo também são di recionados para o pagamento de pessoal e encargos sociais, incluindo na rubrica Seguridade Social para Pagamento de Aposentado -

O


52 CNT REVISTA ABRIL ABRIL/MAIO 2004 2004

MATEMÁTICA PERVERSA Em julho de 2003, a Revista CNT mostrou que metade da verba da Cide tinha destino ignorado (quadro acima). Resta saber se em 2004 a história se repetirá com os órgãos abaixo

rias e Pensões – Servidores Civis. Um outro desvio gritante é a aplicação de recursos da Cide para o pagamento do pacote de juros, encargos e amortização do estoque de todas as dívidas anteriores do setor, inclusive as do DNER e as do Fundo de Marinha Mercante, o qual conta com recursos próprios, definidos em lei. O orçamento do Ministério dos Trans portes é hoje praticamente dependente dos recursos originários da Cide. Ao contrário do que acontecia até 2002, não há mais alocação de recursos vin dos de fontes tradicionais e de recursos ordinários do Tesouro Nacional, os quais


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WILSON DIAS/ABR

ACORDOS Dia da votação da Reforma Tributária na Câmara, lei que já sofreu alterações para atender o governo

EM 2003, R$ 4,24 BILHÕES FORAM PARA RESERVA DE CONTINGÊNCIA, MENOS DA METADE DO ORÇAMENTO DO MINISTÉRIO

foram totalmente substituídos pelo novo tributo. As origens dos recursos do Ministério dos Transportes, no ano passado, dão uma boa mostra de como o segmento ficou dependen te da Cide, o que agrava ainda mais a situa ção, posto que essa verba, como se tem dito reiteradamente, está sendo desviada para ou tros fins, que não os próprios definidos em lei. Do orçamento de 2003, 71,85% foram originários da Cide. Dos recursos ordinários do Tesouro, outros 11,7%; de recursos de concessões e permissões, 0,19%; da quotaparte do adicional de frete para renovação da Marinha Mercante, 6,87%; de operações de crédito externo (em moeda), 3,16%; da contribuição para o Plano de Seguridade Social do Servidor, 0,10%; como produto de depósitos abandonados (Conselho Nacional de

Segurança), 0,10%; de recursos financeiros diretamente arrecadados, 2,02%; da contrapartida do BID, 0,78%; de outras fontes, 3,23%. Para se ter uma idéia da grande distorção na aplicação dos recursos da Cide, basta lembrar que em 2003 foram diretamente para investimentos R$ 2,47 bilhões, enquanto que para a reserva de contingência foram direcionados nada menos que R$ 4,24 bilhões. Pessoal e encargos sociais levaram R$ 276,8 milhões da Cide; juros e encargos da dívida, R$ 345,93 milhões; outras despesas correntes, R$ 234,24 milhões; inversões financeiras, R$ 54,44 milhões; e amortização da dívida, R$ 406,75 milhões. Já em julho de 2003, a Revista CNT tentou encontrar o caminho do dinheiro, mas o governo não conseguiu decifrar o rumo


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(veja reprodução do quadro). Em 2002, cerca de R$ 3,4 bilhões tiveram destino ignorado, reforçado por afirmações dos Ministérios da Fazenda e dos Transportes. No ano seguinte, R$ 2,64 também teriam o mesmo destino ignorado.

Mais sangria Na última semana de março, o Congresso Nacional votou a medida provisória, convertida em lei, que destina aos Estados e municípios 29% dos recursos da Cide. Desse montante, 20% retornam aos cofres da União para formação da reserva de contingência e 13% para amortização da dívida de Estados e municípios. O restante pode ser aplicado em obras de infra-estrutura em transportes. A medida vale por 120 dias. Enquanto isso, dentro do governo federal

EM COMPASSO DE ESPERA O dinheiro sai dos postos, mas não chega até a Fernão PAULO FONSECA

permanece o jogo de empurra entre os ministérios sobre a destinação dos recursos da Cide. A lógica mostra que o responsável pela aplicação dos recursos é o Ministério dos Transportes, mas a pasta lava as mãos e diz que a responsabilidade sobre a destinação (e desvio) dos recursos arrecadados é do Ministério da Fazenda. Ancorada no Orçamento da União, aprovado pelo Congresso Nacional, a Fazenda defende-se, dizendo não ter como descumprir o aprovado pelos parlamentares. Pressionado, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, argumenta que o contingenciamento dos recursos da Cide “é uma conseqüência da situação fiscal”. De acordo com Levy, “cada ministério tem um limite para gastos”, mas reconhece a necessidade de um investimento maior no setor de transportes. Levy diz achar “legítimo gastar mais na área de transportes. A proposta do governo, para este ano, é diminuir despesas correntes para aumentar o investimento. Agora, o nos-


JORNAL DIÁRIO/FUTURA PRESS

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FALTAM 20 KM DE OBRAS NA FERNÃO DIAS, MAS PARTE DO QUE FOI FEITO ESTÁ DANIFICADA PELAS CHUVAS E PELO EXCESSO DE TRÁFEGO

Dias, que há anos aguarda a conclusão de obras

so desafio é eleger prioridades. Temos uma restrição fiscal. Existe um limite para gastos e cada ministério precisa compatibilizar os recursos autorizados e a demanda”.

PERIGO AO CIDADÃO A BR-101, via de tráfego para cargas e turistas, apresenta sua cara

as metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, diz Levy. O secretário do Tesouro afirma, ainda, que a lei orçamentária foi analisada pelas áreas jurídicas do Congresso e do Ministério da Fazenda, que não viram qualquer tipo de irregularidade. Enquanto o caos impera no setor de transporte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu concluir as centenas de obras inacabadas pelo país. Se a promessa se transformar em realidade, será um trabalho hercúleo, pois os recursos do Ministério dos Transportes migram para outros fins que não a infra-estrutura do transporte e o atual governo herda centenas de obras inacabadas. Sem contar que os buracos se multiplicam a cada chuva mais forte. Um bom exemplo da dificuldade de execução da promessa é que, das mais de cem obras herdadas para execução direta do governo federal, apenas uma foi inaugurada na administração Lula: a pon te de Porto Alencastro, na divisa de Minas Gerais com Mato Grosso. São 300 MAURICIO VIEIRA/FUTURA PRESS

Dentro da lei Os técnicos do Ministério da Fazenda argumentam que não existe ilegalidade no fato de o Orçamento da União fazer uma reserva de contingência com recursos da Cide. O próprio governo federal também contesta o fato de que está havendo desvio de finalidade do dinheiro do imposto quando se gasta parte dos recursos com pessoal e custeio. Para Levy, os gastos são determinados no Orçamento pelo Congresso. Do ponto de vista da programação orçamentária, não existe desvio no uso dos recursos da Cide. “Seria pretensioso discutir uma decisão do Congresso. Acredito que o Orçamento reflita a vontade dos parlamentares e a obrigação do Tesouro é executá-la. Mas ao longo do ano são feitos ajustes para que sejam cumpridas


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PAULO FONSECA

metros suspensos sobre o rio Paranaíba e que consumiu dez anos de trabalho e investimentos.

Em compasso de espera A carência de recursos está atrapalhando todo o cronograma de obras do Ministério dos Transportes. Em novem bro do ano passado, o então ministro Anderson Adauto enviou ao presidente Lula uma lista de 17 obras com possibi lidade de conclusão ainda em 2003. Juntas, essas obras necessitariam de R$ 401,2 milhões. A pasta, porém, re cebeu apenas R$ 300 milhões para to das essas obras. Uma das estradas mais importantes do país, a Fernão Dias, que liga as capitais de São Paulo e Minas Gerais, espera, há anos, pelo término de sua duplicação. A obra se arrasta desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e ainda tem 20 km para serem concluídos.

EM QUEDA Turismo perde cliente com medo das estradas

Parte do que foi feito, porém, já está danificado pelas chuvas e pelo excesso de tráfego pesado. Segundo a programação orçamentária do Ministério dos Transportes, a Fernão Dias deveria receber em 2003 R$ 155 milhões para sua conclusão. Foram gastos R$ 53,6 milhões, além de R$ 47,5 milhões de despesas herdadas de 2002. Para este ano, a dotação orçamentária é de R$ 2,1 milhões, mas para encerrar a obra o Ministério ainda vai necessitar de um adicional de R$ 148 milhões. A Régis Bittencourt, que liga o Sudeste ao Sul do país, também é prioritária, de acordo com o Ministério dos Transportes. Inicialmente, o Ministério previa gastos da ordem de R$ 90 milhões para sua conclusão. A Régis continua precária, bastante trafegada e fazendo jus ao seu apelido de “estrada de morte”. A maior parte das prioridades do Ministério, porém, segundo dados do Siafi (sistema de prestação de contas do governo via Internet), não recebeu um único centavo em 2003, entre eles a BR-101, que liga, nas proximidades do litoral brasileiro, as regiões Nordeste, Sudeste e Sul – estrada que não é só utilizada para o transporte de cargas, como, principalmente, para o deslocamento de milhares de turistas. O setor turístico sofre na pele o abandono das rodovias. Na última década, as viagens rodoviárias viram desaparecer 50% dos turistas. Foram R$ 600 milhões perdidos em 10 milhões de viajantes, que também deixaram de gastar nas cidades visitadas. Segundo a ANTTUR (Associação Nacional dos Transportadores de Turismo, Fretamento e Agências de Viagens), 150 mil pessoas dependem do turismo rodoviário para sobreviver. Em entrevista à Revista CNT, em agosto de 2003, o presidente da entidade, Martinho Ferreira de Moura, explicou o motivo da queda: “Os passageiros temem por acidentes”. l


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TRIBUTAÇÃO MEMÓRIA POLÍTICA

TODOS QUEREM “REVELADA” EM DEBATE, IMPOSTO GERA DISPUTA NA CLASSE GOVER mbora tenha sido criada por lei em dezembro de 2001, a Cide só ganhou repercussão nacional no debate promovido pela Rede Globo entre os quatro principais candidatos à Presidência da República, na noite do dia 3 de outubro de 2002. Na ocasião, o então candidato do PSB, Anthony Garotinho, perguntou ao candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva o que ele pretendia fazer, se eleito, com a Cide. Sem saber o significado da sigla, Lula se enrolou na resposta: “Temos que ter claro que qualquer que seja a intervenção econômica de qualquer órgão do governo, de qualquer instituição, não pode e nem deve acontecer porque, definitivamente, nós queremos construir neste país uma coisa que possa significar a retomada do crescimento, a geração de empregos e quem sabe até a gente fazer com que o Brasil possa voltar a ser a oitava, a sétima e a sexta economia mundial”. Desde a era FHC a Cide vem sendo desviado. Garotinho, na réplica a Lula, escancarou o pro blema: “O governo escondeu tanto que nem o Lula sabia que existia a Cide”. Em 2002, dos R$ 7,6 bilhões arrecadados menos da metade (R$ 3,35 bilhões) foi gasto no transporte. Lula foi eleito e a história vem se repetindo. Em 2003, o governo petista arrecadou R$ 8,4 bi lhões com a Cide e investiu em transporte R$ 3,03 bilhões. Neste ano, até meados de março foram arrecadados R$ 2 bilhões e apenas R$ 72,6 milhões tiveram como destino a infra-estru tura do setor (sendo que 64% desse montante foram desviados para pagamento de pessoal e encargos do Ministério dos Transportes).

E


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M A CIDE POR

ROGÉRIO MAURÍCIO

GERVASIO BAPTISTA/ABR

NANTE E FICA LONGE DA LEI

DA IRONIA À COBIÇA Governadores se reúnem com Lula após acordo que repartiu a Cide, revelada ao então candidato no debate com Garotinho (abaixo) FERNANDO PILATOS/FUTURA PRESS

Até 1988, os investimentos no setor de transportes eram financiados pelo Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis e pelo Imposto sobre Serviços de Transporte, que compunham o Fundo Rodoviário Nacional. Mas a Constituição promulgada naquele ano extinguiu esses impostos. A Cide surgiu para compensar essa perda. Em 19 de dezembro de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei 10.336 que instituiu a contribuição, mas deixou pendente a regulamentação da distribuição dos recursos a serem arrecadados. Em seu artigo primeiro, a lei previa que no ano seguinte seria avaliada a utilização dos recursos obtidos com a Cide. A partir de 2003, a lei previa que as diretrizes seriam determinadas em lei específica. A regulamentação da lei pelo Congresso aconteceu no final de 2002, mas no penúltimo dia do governo FHC, o presidente vetou o artigo que determinava que 75% do arrecadado com a contribuição fossem para obras de infra-estrutura de transportes. Todo o dinheiro ficou com o Ministério da Fazenda, que utilizou grande parte para manter o superávit primário do governo (a diferença entre o que a União arrecada e o que gasta, excetuando-se o gasto com pagamento de juros), em obediência ao acordo com o FMI. Em 2003, o Ministério dos Transportes usou parte da Cide para pagar pessoal, dívidas e outras despesas correntes. Enquanto isso, as rodovias brasileiras ficaram praticamente abandonadas. Depois de muita pressão de setores da sociedade civil e de políticos pela melhoria da malha rodoviária, o governo federal utilizou a Cide como “moeda de troca” para aprovar a Reforma Tributária. O governo propôs aos Estados a repartição do percentual de 25% do valor arrecadado com a Cide. Essa divisão foi a forma encontrada para a aprovação da prorrogação até 2007 da CPMF e da DRU (Desvinculação de Receitas da União) – mecanismo que permite ao governo usar livremente 20% da receita dos principais tributos e manter o ajuste fiscal negociado com o FMI.



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Em 21 de janeiro de 2004, o presidente Lula assinou a medida provisória 161, que trata da repartição do percentual de 25% do valor arrecadado com a Cide para Estados e municípios. Cada parcela teria como base os critérios de população, malha viária e consumo de combustíveis, além de uma divisão igual entre os Estados. A partir daí surgiu uma série de alegações de ambas as partes. Ou seja, o acordo não valia de nada, porque nenhuma parte concordava com ele (veja quadro). Depois de um amplo debate que envolveu reuniões de Lula e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, com governadores e acordo de líderes do governo e oposição, a Câmara aprovou a MP no dia 17 de março, em votação simbólica. O mesmo aconteceu no Senado, em 7 de abril. Pelo novo texto, o governo concordou em aumentar o repasse dos recursos arrecadados com a Cide de 25% para 29%, mas o reparte será computado na receita líquida dos Estados (que entra no cálculo para pagamento das dívidas com a União). Esse acordo exigiu nova mudança na Constituição, uma vez que a Reforma Tributária fixara em 25% o repasse da Cide. Os parlamentares teriam que votar, em dois turnos, uma nova PEC (Proposta de Emenda Constitucional). O relator da PEC que muda a estrutura tributária, deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), entregou à comissão especial, em 23 de março, um substitutivo exclusivo para o artigo 159, que fixa em 29% o percentual dos Estados. No dia seguinte, a proposta foi aprovada em primeiro turno e, no final do mês, em segundo turno. Falta a votação no Senado. Essa mudança é um dos itens da segunda etapa da reforma tributária. O governo ficou de analisar o impacto em suas contas para retroagir o repasse da Cide. Esse valor é estimado em R$ 200 milhões. O repasse dos recursos será trimestral. A primeira parcela (referente a janeiro, fevereiro e março) foi depositada na conta dos Estados em abril, mas com o índice de 25%, pois que o repasse dos 29% ainda dependia da aprovação da PEC . l


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CRISTIANO COUTO/HOJE EM DIA/FUTURA PRESS

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FALTA DE INVESTIMENTOS TRAGÉDIAS

EPIDEMIA PÚBLICA ACIDENTES PROVOCADOS POR RODOVIAS RUINS CRESCEM 68,5% EM 3 ANOS POR

EULENE HEMÉTRIO

essenta mil mortes. Esse número, 21 vezes maior que o de vítimas do atentado terrorista ao World Trade Center, nos Estados Unidos, corresponde à estimativa de pessoas que perdem a vida, anualmente, nas estradas brasileiras. A estatística da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), baseada em dados oficiais do Denatran, considera que, para cada indivíduo morto no local do acidente, existe uma outra vítima que perde a vida após o socorro médico. Apesar de aparecer em sexto lugar nas estatísticas oficiais da Polícia Rodoviária Federal (veja quadro), os números apontam que os acidentes provocados por defeitos na rodovia (buracos, erros de projeto etc) tiveram um aumento de 68,5% entre 2001 e 2003. Ou seja, ainda que as estradas ruins não sejam a causa maior de acidentes em número absoluto

S

segundo a PRF, na variação entre os três últimos anos foi a que mais cresceu. De acordo com dados da PRF, aconteceram 104.863 acidentes de trânsito nas rodovias federais em 2003, deixando um saldo de 5.780 mortos e 60.326 feridos. Destes, 3.387 teriam sido provocados por defeitos na via. O presidente da Abramet, Fábio Racy, ressalta, no entanto, que os acidentes causados por esse motivo chegam a somar até 6% do total – o dobro da estatística oficial. “É notório que o governo não tem investido na manutenção das estradas e que isso é um fator desencadeante de acidentes. Não precisa ser engenheiro ou especialista para ver a precariedade das estradas e as consequências disso”, diz Racy. Segundo ele, três fatores formam a tríade do acidente: engenharia, educação e fiscalização. De acordo com o presidente da Associação


das Vítimas de Trânsito de São Paulo (Avitran), Salomão Rabinovich, o custo social dos acidentes de trânsito a chega a US$ 10 bilhões por ano. “É uma questão epidêmica de saúde pública e a primeira causa de acidentes no mundo”, afirma o psicólogo clínico. Para o presidente da Avitran, a malha deteriorada é um fator de alto risco. “Qualquer via mal pavimentada e mal sinalizada já aumen ta o risco, mas o que realmente é necessário é mudar a cultura no país.” De acordo com Rosana Antunes, coordenadora do Núcleo de Humanização do Trânsito (NHTrans), do Centro Universitário Newton Paiva (MG), imputar toda a culpa ao motorista é um erro muito recorrente. Para ela, essa tipificação acaba eximindo o poder público de suas responsabilidades e acobertando uma série de erros que refletem a realidade. “Esse discurso geralmente atende a interesses individuais e/ou corporativos. Culpar a parte mais fraca, a própria vítima da negligência, é sempre muito confortável. No entanto, a segurança que deveria ser dada ao cidadão fica em segundo plano”, avalia Rosana. Racy destaca que não há um padrão para os boletins de ocorrências e que a tipificação das causas do acidente ainda é muito falha. “É necessário compilar os dados para saber exatamente o que vem provocando essas mortes. Temos que ter um limite de compreensão com o poder público, mas também de paciência. Não podemos aceitar passivamente essa si tuação, pois a morte por acidente já não está comovendo mais, sendo vista como causa natural – o que não acontece, por exemplo, com a queda de um avião.” A assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes (MT) alega que acidentes por defeito nas vias são poucos e não correspondem aos dados divulgados pelas en tidades e PRF. “Se o motorista está numa estrada ruim, o normal é reduzir a velocida-


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de, diminuindo assim o índice de acidentes”, é a resposta da assessoria do MT. A fundadora do movimento Vida Urgente, Diza Gonzaga, frisa que a maioria dos acidentes acontece por uma cultura de herói que faz as pessoas se acharem imortais. “A própria sociedade é culpada por isso. Os nossos filhos já aprendem a dirigir desde pequenos, vendo os pais furando sinal, parando no caminho para tomar uma cerveja, entre outras coisas.” Diza perdeu o filho Thiago de Moraes Gonzaga, em 1996, num acidente de trânsito, logo que ele completou 18 anos. Desde então, tem lutado pela conscientização dos jovens através da fundação que leva o nome do filho. Segundo ela, um levantamento da Unesco aponta que, no Brasil, o trânsito é a principal causa de morte de pessoas de 14 a 26 anos. Salomão Rabinovich, da Avitran, afirma que as pessoas não têm consciência de seus direitos. As poucas que se propõem a buscar justiça são desestimuladas pela demora do processo. “As vítimas de acidentes estão cansadas de lutar, de falar, e não acontecer nada.” O advogado Wilson de Barros Santos, especialista em questões de trânsito, lembra que há poucos meses um caminhão que transportava irregularmente 51 pessoas capotou no Estado de Alagoas, deixando cinco mortos. De acordo com o noticiário local, o motorista teria perdido o controle do veículo ao desviar de um buraco na pista. “Temos aí dois problemas de negligência do Estado: falta de fiscalização e falta de manutenção da rodovia. A culpa quase sempre é jogada no motorista. Mas, se não houvesse o buraco na pista, haveria o acidente?” Segundo Rosana, no entanto, só de pensar em mover uma ação, hoje, a pessoa já desanima. “Entrar na Justiça é um segundo trauma para as vítimas, pois os processos se arrastam durante anos, as pessoas se ali-


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ConhEça sEus dirEiTos Veja o que diz a lei e como agir em casos de acidentes ConsTiTuição FEdEral parágrafo 6º do artigo 37 “As pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Código dE TrânsiTo BrasilEiro, CapíTulo 1° sobre direitos e deveres: parágrafo 2° “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”

sobre responsabilidade parágrafo 3° “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.” sobre defesa da vida parágrafo 5° “Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.”

SEM VISÃO DE RAIO X A placa avisa, mas o moto

Como proCEdEr Em Caso dE aCidEnTE Onde há negligência do Estado na conservação da estrada, na fiscalização, na sinalização do trânsito ou erros de projeto na construção da via: 1º

Chame a Polícia Rodoviária Federal ou Estadual, sempre que possível, para que seja registrado um Boletim de Ocorrência

Identifique ao menos duas testemunhas que viram o acidente e/ou o motivo que o provocou

Fotografe com detalhes o local do acidente

Procure um advogado para que ele entre com um processo contra a União (rodovias federais), contra o Estado (rodovias estaduais) ou contra a prefeitura (perímetro urbano)

Solicite uma perícia técnica no local, se necessário

dEnunCiE Ao observar situações que colocam em risco a segurança, faça uma notificação ao órgão competente para que seja providenciada a devida reparação. De preferência, procure respaldo de associações e entidades de classe

proCurE aJuda Entidades de apoio Ame a Vida Associação das Vítimas de Trânsito www.salomao.psc.br Associação dos Parentes e Amigos de Vítimas da Violência Avita Fórum pela preservação da vida Movimento Vida Urgente Núcleo de Humanização do Trânsito Programa de Redução de Acidentes no Trânsito (Pare) Viva e Deixe Viver

(41) 336-6845 (11) 3081-0429 (85) 227-5322 (21) 9969-3059 (48) 229-9210 (51) 3231-0893 (31) 3412-2378 (61) 311-7245 (31) 3464-3689

mentam da esperança de punição – o que traz certo conforto –, mas o que se vê são penas revertidas em pagamento de cestas básicas e prestação de serviços comunitários. A sensação que se tem é de uma segunda perda”, diz, antes de dar um diagnóstico chocante. “O pior de tudo são os traumas e danos emocionais. Isso não tem como aliviar. Essa questão vai além dos Ministérios dos Transportes e das Cidades. É também um problema de saúde, de medicina pre ventiva. Se for feito um estudo qualitativo das vítimas que sobrevivem, o Ministério da Saúde vai perceber que o menor prejuízo é quando a pessoa morre.” Segundo o advogado Carlos Schirmer, professor de Teoria Geral do Estado do curso de direito da Unifenas/BH, toda pessoa prejudicada por uma falha de sinalização, fiscalização ou manutenção da rodovia deve entrar com um processo contra o Estado – menos pelo financeiro e mais pelo aspecto moral, de postura e de respeito. “Se todas as vítimas começarem a acionar a Justiça, o governo vai ter que dar um jeito na sobrecarga do Judiciário e solucionar o problema”, considera. “A Justiça é morosa, mas é o único caminho”, reforça Rabinovich.


ALEX RIBEIRO/FUTURA PRESS

rista, que sai como culpado, não consegue enxergar que é proibido ultrapassar

“AS VÍTIMAS DE ACIDENTES ESTÃO CANSADAS DE LUTAR, DE FALAR, E NÃO ACONTECER NADA”

Schirmer ressalta que, independentemente da comprovação de culpa, é preciso que a pessoa prove que ocorreu um dano decorrente de uma ação ou omissão do Estado. Para isso, é preciso tomar alguns cuidados no momento do acidente, como registrar, sempre que possível, um Boletim de Ocorrência pela PRF. Ele também aconselha fotografar o local e buscar pelo menos duas testemunhas. Nesses casos, a ação deve ser proposta na Justiça Federal ou na Justiça Comum, de acordo com a competência (responsabilidade pela rodovia). Se necessário, pode ser solicitada uma perícia técnica no local para que venha a constatar a deficiência. “Todos os meios de prova lícitos são admitidos”, afirma Schirmer. Outro problema recorrente de negligência do Estado, segundo Wilson Barros, é a falta de sinalização onde há obstáculos ou problemas na pista. “Da maneira como as estradas se encontram teria de vir uma placa infor mando: ‘Cuidado nos próximos 50 km’”, diz o advogado. Para ele, o primeiro passo para a redução dos acidentes é a educação de trânsito nas escolas, além da fiscalização e da manutenção das estradas. O assessor de imprensa da PRF, Ricardo

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Torres, frisa que as rodovias não vêem investimentos há quase 20 anos. “Uma vez que o governo não está dando essas condições, temos que puxar orelha do motorista também porque ele tem que dirigir com mais atenção e responsabilidade”, afirma. Segundo Torres, o volume de tráfego está aumentando, mas os motoristas não estão sendo preparados para isso. “Há 10 anos, a falta de conhecimento das diferenças do tráfego rodoviário para o urbano não era tão gritante. O crescimento da frota fez compactar ainda mais esse volume, não havendo mais espaço para cometer erros.” De acordo com ele, as estatísticas servem para que a PRF possa locar o pessoal onde há maior necessidade, conforme o número de ocorrências. Com isso, pode ser feito um patrulhamento mais intenso em determinados trechos. “Essa atitude preventiva já reduziu em 26% o número de acidentes.” A assessoria de imprensa do MT assume que os investimentos na recuperação de estradas são insuficientes para atender a demanda, mas afirma que o governo está buscando alternativas para o problema. De acordo com a assessoria, os recursos destinados à Pasta são mínimos e já vêm carimbados para custeio e pagamento de pessoal – a maior parte da verba é oriunda da fonte 111 (Cide). O MT justifica, ainda, que mesmo com a decisão do STF de que a verba da Cide não pode mais ser utilizada para outros fins senão na recuperação da malha, o órgão não pode ir contra as definições do Ministério da Fazenda. De acordo com a assessoria, o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) em 2003 registrou quase R$ 2 bilhões da Cide para o MT, sendo que menos da metade foi para investimentos na infra-estrutura de transportes. A maior parte foi para custeio e pagamento de pessoal e mais de R$ 4 bilhões ficaram retidos para reserva de contingência. l


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CRISE NAS RODOVIAS PESQUISAS

CRISE COM DIPL ESTUDOS ACADÊMICOS, PARCERIAS DA CNT E DIAGNÓSTICOS DO GO om poucos recursos para investimentos, o setor transportador brasileiro (6,5% do PIB Nacional) é responsável pela geração de 2,5 milhões de empregos diretos, nas suas 40 mil empresas, e ainda comporta 300 mil trabalhadores autônomos. Números grandiosos que não poderiam ficar fora do âmbito acadêmico. Dezenas de instituições públicas e priva das dedicam-se aos estudos técnicos. Em conseqüência, o setor deu origem, em 1986, à Anpet (Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transporte), um fórum especiali zado na discussão da pesquisa e ensino de transportes no Brasil. Formada por professores, pesquisadores e profissionais de diversas instituições brasileiras de pesquisa e ensino, órgãos e empresas da área de transportes, a Anpet incentiva e fomenta pesquisas e análises em políticas, planejamento, análise de sistemas, transporte e meioambiente, economia, gestão e organização, ope ração, engenharia e segurança de tráfego, infraestrutura, logística, novas tecnologias e formação de recursos humanos em transportes. Em parceria com a CNT, a Anpet premia, anualmente, as melhores pesquisas e produção de estudos técnicos dedicados ao transporte brasileiro, através do Prêmio CNT de Produção Acadêmica. Como lembra o presidente da CNT, Clésio An drade, a premiação é uma “importante fonte de soluções criativas que, não raro, permitem ganhos de eficiência e qualidade ao transportador brasileiro”. A estratégia da CNT, através da par -

C

ceria, é “aproximar o meio acadêmico dos empresários do setor, bem como fornecer importantes subsídios, a fim de que os transportadores possam vencer os novos desafios” do setor. Embora os estudos técnicos e acadêmicos contemplem os vários modais do transporte, parte significativa da produção é dirigida ao transpor te rodoviário (cargas e passageiros), importantes subsídios que nem sempre são absorvidos pelas estratégias de gerenciamento e de gestão oficiais. Os estudos atestam que a não-aplicação cor reta dos recursos originários da Cide no transporte nacional pode levar a um estrangulamento do setor. A qualidade e as condições das estradas brasileiras – responsáveis pelo transporte de mais de 60% da produção nacional – preocupam os pesquisadores brasileiros. Márcio de Almeida D’Agosto e Ronaldo Balassiano (pesquisadores ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro) lembram, em seu tra balho “Conservação de Energia em Sistemas de Transportes: Uma Estrutura de Procedimentos” (Prêmio CNT de Produção Acadêmica 2001), que, “quando se faz uma projeção para um ho rizonte de 50 anos, pode-se esperar que os paí ses em desenvolvimento – como é o caso do Brasil – trilhem um caminho ainda de mais dependência de sistemas rodoviários”. Apontado como um dos vilões das péssimas condições das estradas brasileiras, o asfalto me rece em sem-número de estudos acadêmicos, pois, como apontam Rafael Marçal Martins de Reis, Liedi Bariani Barnucci e Anelise Lamaro Zanon (USP), no trabalho “Revestimento Asfáltico Tipo SMA Alto Desempenho em Vias de Trá-


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OMA DE PERIGO VERNO ALERTAM PARA A FALTA DE INVESTIMENTOS

POR

MAÍRA LIMA ALEX RIBEIRO/FUTURA PRESS


AGÊNCIA O GLOBO

70 CNT REVISTA ABRIL/MAIO 2004

fego Pesado” (2001), “com o aumento do volume de tráfego e da carga dos caminhões nas rodovias, torna-se cada vez mais importante que um pavimento atenda aos requisitos de alta durabilidade, alta segurança em pista molhada e conforto ao usuário”. Pontuando estudos acadêmicos desse porte, a CNT já afirmava, em seu Manifesto Pró-Cide, de dezembro de 2002, enviado para a Câmara dos Deputados e a Comissão de Viação e Transportes da Casa, que “a baixa produtividade do transporte brasileiro, decorrente das atuais condições de suas vias, compromete o desenvolvimento do país e aumenta o Custo Brasil.”

Carências A sistemática falta de investimento no setor acarreta uma série de contratempos às empresas transportadores, ao profissional de transporte e ao usuário. São problemas que vão da ausência de sinalização de logradouros públicos urbanos e rodovias, precariedade no asfalto, insegurança a congestionamentos e desperdício de tempo e dinheiro. Em seu estudo “A Cide e o Financiamento do Setor Federal de Transportes” (2003), o consultor legislativo Sena Pereira Júnior lembra que “a face mais visível das más condições do setor federal de transportes é a situação da malha rodo viária federal. Cerca de 32% das rodovias apre sentam-se hoje em estado precário de conserva ção e quase 20% em estado apenas regular, ou seja, mais de 50% das rodovias federais neces sitam, urgentemente, de investimentos para sua recuperação. Paralelamente, quase 2.000 km dos 51 mil da rede pavimentada federal, princi palmente nas proximidades das regiões metro politanas, apresentam altos índices de conges tionamento de tráfego, necessitando de obras urgentes para o aumento de suas capacidades”. Fazendo coro à CNT, Pereira Júnior lembra que “da degradação da malha rodoviária federal resultam índices gravíssimos de ineficiência eco nômica e social”.

DESENVOLVIMENTO JK construiu rodovias e determinou o modal para o transporte de carga

O DINHEIRO VAI PARA O RH á uma clara defasagem entre a necessidade brasileira de investimentos na área de infra-estrutura de transporte e o que o governo federal efetivamente destina para o setor. Para este ano de 2004, o Orçamento da União prevê recursos da ordem de R$ 9,25 bilhões para o Ministério dos Transportes – a se rem distribuídos em vários grupos de despesas, prevendo-se para o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), órgão responsável pelas obras, R$ 5,41 bilhões. Porém, os problemas começam exatamente nesse ponto, pois 52,8% do total de recursos da Cide, alocados ao Ministério dos Transportes, destinam-se à formação de Reserva de Contin-

H


ABRIL/MAIO 2004 CNT REVISTA 71

gência – e a maior parte desses recursos saem exatamente do DNIT. “Contrariando o espírito da lei, os recursos da Cide, no Ministério dos Transportes, foram alocados em todos os grupos de despesas, com forte e paradoxal redução no volume dos investimen tos”, diz o consultor Sena Pereira Júnior. “Entre os grupos de despesas contemplados com recursos da Cide, tem até pagamento de pessoal e encargos sociais.” Em contrapartida, países do chamado bloco dos “desenvolvidos” – como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e da União Européia – destinam para o financiamento de obras rodoviárias – entre elas, a construção de novas estradas – mais de 90% de seus recursos oriundos da tributação fiscal. Esses países vinculam incondicionalmente esses tributos à manutenção de suas malhas rodoviárias, o que compreende serviços e obras para garantir condições normais de operação e segurança de tráfego. O desvio dos recursos, porém, é mais alarmante, já que 100% dos gastos da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aqüaviários) e 69% da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) são custeadas com recursos da Cide, ou seja, essa verba está sendo utilizada em áreas impróprias como o recolhimento de contribuições previdenciárias dos servidores. A prática de desviar os recursos do setor de transporte irá comprometer também as obras já em execução, pois parte do que está pronto – aterros compactados, por exemplo – se perdeu e terá de ser refeita se não houver continuidade de execução. “Esses cortes orçamentários, comuns a partir de meados da década de 80, são as causas principais dos custos finais absurdos da maior parte das obras de infra-estrutura de transportes no Brasil”, afirma Pereira Júnior.

A NÃO-APLICAÇÃO CORRETA DA CIDE PODE LEVAR A UM ESTRANGULAMENTO DO TRANSPORTE NACIONAL

No início da década, o hoje extinto Geipot (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes) já atentava para números surpreendentes do transporte brasileiro: aumentos de até 40% nos custos operacionais para o deslocamento de carga e de passageiros; de até 50% no número de acidentes; acréscimo de até 60% no consumo de combustíveis e de até 100% de aumento no tempo de viagem. O consultor Pereira Júnior pontua que, “para reverter esse quadro num prazo de oito anos, estima-se que seriam necessários dispêndios anuais da ordem de R$ 1,5 bilhão, recursos esses que permitiriam redução de custos operacionais de transportes rodoviários de quase R$ 1 bilhão por ano, além de aumentar o conforto ao passageiro rodoviário e permitir expressiva redução do número de acidentes, que hoje superam 80 mil por ano, com mais de 40 pessoas feridas e 7.000 mortas. Seriam, portanto, recursos que propiciariam elevadíssima taxa de retorno, próxima de 100% ao ano”.

Burocracia e corrupção

QUANDO SE FAZ UMA PROJEÇÃO PARA UM HORIZONTE DE 50 ANOS, ESPERA-SE QUE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO DEPENDEM AINDA MAIS DE RODOVIAS

Outro importante trabalho sobre o transporte no país foi realizado em 2002, numa parceria da CNT com o Centro de Estudos em Logísticas da Coppead/UFRJ. O estudo aponta que “questões relacionadas à legislação tributária, deficiências de fiscalização, escassez de informações, insufi ciência de investimentos em ampliação e manutenção, burocracia estatal e práticas de corrupção são problemas gerais” que afetam do setor transportador de cargas. O diagnóstico é claro, assim como a recei ta para a cura: investimentos. “As deficiências do setor de transportes, as quais constituem um grave fator limitante do desenvolvimento nacional, e a vasta experiência internacional mostram que, sem uma fonte segura de financiamento, não há como correspondermos às expectativas da sociedade brasileira”, diz o consultor Pereira Júnior. l



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OPINIÃO ALEXANDRE GARCIA

Círculo vicioso

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O SUPREMO CHEGOU A SER EXPLÍCITO: A CIDE NÃO PODE SER USADA PARA PAGAR AS DÍVIDAS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

rasília (Alô) - Num dos debates da campanha presidencial, o candidato Garotinho fez uma pergunta ao candidato Lula, para demonstrar que o pretendente à presidência não sabia o que seria Cide. Parece ter sido uma grande ironia. Porque, afinal, desde que a Cide foi criada, em dezembro de 2001, também os buracos das estradas nunca ou vi ram fa lar dela. E, re cen te men te, quando a contribuição foi à mesa dos governadores, o que se viu foi uma repartição que continua deixando os recursos das estradas no desvio, como se o Supremo já não tivesse decidido, em ação de inconstitucionalidade movida pela CNT, que não se pode desviar de sua destinação constitucional os mais de R$ 10 bilhões que teriam de ser arrecadados anualmente, se não vicejasse a indústria de liminares. O Supremo chegou a ser explícito: a Cide não pode ser usada para pagar as dívidas da União, Estados e municípios. Pois desde sempre a Cide tem sido usada para tudo: pagar dívidas, fazer caixa, criar superávit – menos para res taurar as combalidas rodovias (rodovias?) federais. Muita gente já fala na proximi dade de um “apagão” nos transportes. Não é palpite de caminhoneiro, jorna lista ou empresário de transporte rodo viário. É o Tribunal de Contas da União que constatou, numa auditoria, a péssi ma situação das rodovias federais. É uma enganação geral, um caos, e nin guém reage, ninguém faz nada. Embora haja buraco suficiente para todos se es conderem, o esconderijo mais usado é a desculpa da falta de recursos. Mas há os recursos da Cide. Que passam longe dos

buracos cheios de caminhos apelidados de rodovias. Como se já não bastasse a indústria de liminares, que permitem postos e distribuidoras não pagarem a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico, os próprios governantes lambem os beiços ante recursos que deveriam fazer circular a riqueza. Conseguiram uma partilha. Barganhas & barganhas. E a visão estratégica? Não lembram que, se houver uma interrupção no sistema de transporte e abastecimento, cessa também a arrecadação dos impostos. Cessam a exportações, que estão segurando as contas externas – será que o ministro da Fazenda se dá conta disso? Agora só resta um caminho, botar a boca no mundo, para que o dinheiro seja aplicado no lugar certo: regular preço, defender o meio ambiente e, principalmente, recuperar estrada. A cada ano uma parte menor do PIB vai para estradas. No último ano, foi 0,1%. Nos anos 60 e 70, eram quase 2% do PIB a cada ano – 20 vezes mais. Naquele tempo havia bem menos caminhões e muito menos produção. Se as autoridades querem parar o Brasil, é só ficarem surdas a isso. Se demorarem a reagir, talvez já seja tarde. Estamos no limiar do colapso. Como alerta o TCU, que mostra defeitos a cada quilômetro: falta sinalização, buracos não acabam, estradas foram mal feitas, obras mal fiscalizadas – um grande círculo vicioso que se completa na perda de rumo da fonte de recursos para corrigir isso. Talvez não baste corrigir os desvios na aplicação da Cide. Vai ser preciso corrigir também a ganância sobre a contribuição, que cega os governantes para o óbvio: sem transporte, não há futuro.


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MAIS TRANSPORTE

MARCHA PELA VIDA NO SUL MAURÌCIO VIEIRA/FUTURA PRESS.

pós um culto ecumênico realizado em março às margens da BR-101, um grupo de políticos e empresários gaúchos e catarinenses iniciaram a “1ª Marcha pela Duplicação da BR-101”. A caminhada começou em Osório (RS) e seguiu até Palhoça, na Grande Florianópolis (SC). Foram 40 dias de caminhada pelos 348 km não-duplicados da rodovia, que atravessa 24 municípios (sete gaúchos e 17 catarinenses). A reivindicação da obra é antiga. O trecho sul da BR-101 é considerado como “corredor da morte” devido ao grande número de acidentes provocados pelo tráfego intenso no local. A Polícia Rodoviária Federal registrou no ano passado 123 mortes em 1.249 acidentes no trecho nãoduplicado da rodovia. Segundo os patrulheiros, a sinalização da rodovia é precária e tráfego de veículos aumenta a cada dia. Vereadores e a população dos 24 municí pios também se revezaram na peregrinação, com bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. No encerramento da marcha, o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, participou do ato pú blico que reuniu cerca de 2.000 pessoas. Silvei ra iria entregar as bandeiras dos 24 municípios ao presidente da República para cobrar a realização da obra e levaria ao ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, um relatório da si tuação da rodovia e das mortes no local.

A

PROTESTO Início da caminhada em Osório por obras na BR-101


GUILHERME TERNES/A NOTICIA/FUTURA PRESS

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PALAVRAS AO VENTO

TODAS AS DUPLICAÇÕES PREVISTAS PARA A BR-101 ESTARÃO CONCLUÍDAS EM JUNHO DE 2000

(MINISTRO DOS TRANSPORTES, ELISEU PADILHA, EM JUNHO DE 1997)

ATÉ MEADOS DO ANO 2000, A ESTRADA ESTARÁ DUPLICADA (MINISTRO DOS TRANSPORTES ELISEU PADILHA, EM FEVEREIRO DE 1998)

POSSO GARANTIR QUE ATÉ O FINAL DESTE ANO A OBRA ESTARÁ CONCLUÍDA, DESDE SÃO PAULO ATÉ OSÓRIO, NO RIO GRANDE DO SUL

(PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EM ABRIL DE 2000)

EM 90 DIAS DE GOVERNO (LULA), SERÁ ANUNCIADA DECISÃO SOBRE A BR-101 SUL

(MINISTRO DOS TRANSPORTES ANDERSON ADAUTO, EM JANEIRO DE 2003)

PERIGO Em Santa Catarina, a rodovia de mão dupla é essencial para o turismo

O deputado estadual Manoel Mota (PMDB), que preside a comissão pela duplicação, destacou o apoio recebido da população durante a Marcha. Segundo ele, em 13 anos de luta pela duplicação da BR-101 nunca houve um respaldo tão grande da comunidade quanto agora. A comunidade promete lutar para conseguir o objetivo. O membro do comitê pró-duplicação Jucimar Custódio diz que o movimento tomará providências mais radicais, como o fechamento da BR-101 por 24 dias, se as obras não acontecerem. Seriam bloqueios de 24 horas em cada um dos municípios. O senador Leonel Pavan (PSDB-SC) fez um apelo ao ministro dos Transportes para que cumpra a promessa do presidente Lula de duplicar a BR-101. De acordo com Pavan, as prefeituras do sul de Santa Catarina estão se mobilizando para que cada município se responsabilize pela paralisação por um dia. Somente entre 1996 e 2002, o “funil”, como é mais conhecido o trecho de 350 km não-duplicado, registrou 914 mortes. Segundo o presidente da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Trabalhos da BR-101 Trecho Sul, Ronério Manuel, a cada 29 horas uma pessoa perde a vida naquele trajeto. Por outro lado, o trecho norte da rodovia, que no primeiro semestre de 1996 registrou 115 mortes, viu esse número cair para 63 no mesmo período de 2001, quando foi concluída a duplicação.


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CORREDOR MA

A PRINCIPAL VIA DE ACESSO PARA O MERCOSUL ESPERA HÁ 17 ANOS rincipal artéria econômica do país, a rodovia do Mercosul liga as cidades de São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Osório (RS), pelas BRs 116, 376 e 101. Por dia, transitam pelos 1.050 km da rodovia cerca de 19 mil caminhões. A BR-381 (Fernão Dias, que liga Belo Horizonte a São Paulo) também faz parte do chamado “Corredor do Mercosul” e tem tráfego médio diário de 35 mil veículos, sendo 50% de caminhões e ônibus. Além de ligar o Sudeste e o Sul, que concentram quase 80% do PIB e respondem por mais de 90% das exportações, esse corredor rodoviário recebe esse nome exatamente por integrar o Brasil com os membros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai). Os quatro países têm jun tos mais de 200 milhões de habitantes e um PIB superior a US$ 1 trilhão. Desde o início da década de 90, o número de empresas brasileiras autorizadas a transportar cargas no Mercosul em caminhões passou de 36 para cerca de 800. Do lado argentino, são ou tras cerca de 500 transportadoras. O estado de conservação das estradas que compõem o “Corredor Mercosul” está precário em boa parte do trecho. As obras de duplicação da BR-101 se iniciaram em meados de 1987, mas a primeira fase do projeto ainda não foi con cluída. O custo total da obra, segundo o Ministé rio dos Transportes, será de US$ 1,3 bilhão. A duplicação da BR-381 começou há mais de dez anos e ainda não terminou. Os trechos que ficaram prontos já estão esburacados. O mesmo acontece com a BR-116. Atrasos na li beração de recursos por parte do governo fede ral fizeram as obras pararem e os prejuízos acu mularem. Outro problema é a demora dos pro cessos de licitação. Muito do que já havia sido realizado, como terraplenagem para duplicação, terá que ser refeito.

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BR-381 Dos 563 km da rodovia, 97% já foram duplicados. Para conclusão da obra, falta duplicar cerca de 20 km no sul de Minas. Em São Paulo, todo o trecho está duplicado, mas em péssimo estado de conservação. Segundo o coordenador do DNIT-SP, Arnaldo Marabolim, estão sendo feitas licitações para obras de manutenção e conservação. O problema é que muitas empreiteiras não receberam o pagamento referente a 2002. Os principais problemas do lado paulista estão nos KMs 64 e 80, entre Mariporã e Guarulhos (desnível de pista). As obras estão orçadas em R$ 500 mil.

BR-116 Chamada de “Rodovia da Morte”, a Régis Bittencourt começou a ser duplicada em 1987 e alguns trechos ainda não estão prontos, devido à necessidade de cumprimento das exigências ambientais. O principal desses trechos compreende 30,5 km (entre os KMs 336,7 e 367,2), na área da serra do Cafezal – considerado o trecho mais difícil da obra em São Paulo. Segundo o DNIT-SP, além das obras de manutenção e conservação, são necessárias readequações da rodovia. Um dos exemplos é a serra do Azeite, onde devem ser construídos um viaduto e 4 pontes (R$ 4,5 milhões). Em Juquitiba, as obras de readequamento (lote 26) estão orçadas em R$ 49 milhões. Buenos Aires (Argentina)


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AL-TRATADO

S POR SUA DUPLICAÇÃO

POR ROGÉRIO MAURÍCIO

BR-376 Divide-se em duas partes, 186 km no Paraná e 114 km em Santa Catarina. No Paraná, 130 km da pista estão duplicados. Em Santa Catarina, o trecho entre Guaruva e Palhoça (região metropolitana de Florianópolis) está duplicado, mas faltam obras complementares, como pistas marginais e trevos. Falta duplicar o trecho sul, entre Palhoça e a divisa com o Rio Grande do Sul (entre os KMs 216,5 a 264,9). São necessários US$ 283 milhões, segundo o DNIT-SC. Alguns trechos estão críticos, como em Imbituba.

Belo Horizonte BR-381: 563 km

SÃO PAULO

Rio de Janeiro

São Paulo

PARANÁ BR-116: 402 km

Assunção (Paraguai) Curitiba BR-376: 300 km

SANTA CATARINA RIO GRANDE DO SUL Osório

Florianópolis BR-101: 348 km

Porto Alegre

Corredor Mercosul

Montevideo (Uruguai)

BR-101 A BR-101 é uma estrada costeira em Santa Catarina, importante para o desenvolvimento turístico do Estado. A recuperação e duplicação do trecho de 348 km, entre Florianópolis e Osório (RS), faz parte da 2ª fase de duplicação da rodovia Mercosul e ainda não saiu do papel. O custo estimado é de US$ 870 milhões. Segundo o DNIT-RS, só para as obras no trecho gaúcho serão necessários R$ 400 milhões. Trafegam cerca de 8.000 a 15 mil veículos/dia nesse trecho, sendo que 70% do tráfego é pesado. Os 10 km de curvas da Várzea Maquiné têm os trechos mais perigosos. Outro trecho crítico é o Morro dos Cavalos (KM 232,8), onde deve ser construído um túnel de 1.360 m de comprimento. Entre Palhoça e Osório, o tráfego em pista simples provoca mais de 2.000 acidentes por ano na rodovia, com cerca de 130 mortes e 1.400 feridos.


RICARDO NOGUEIRA/FUTURA PRESS

78 CNT REVISTA ABRIL/MAIO 2004

MAIS TRANSPORTE MODAIS

CRISE QUE NÃO POUPA NINGUÉM SETORES FERROVIÁRIO E AQUAVIÁRIO ESTÃO NO LIMITE E PRECISAM DE INVESTIMENTOS POR crise do transporte brasileiro provocada por EULENE HEMÉTRIO falta de investimentos atinge com fortes consequências portos e ferrovias. Responsável pelo transporte de 23% da carga nacional, o siste ma ferroviário está operando no seu limite, conforme afirma Ber nardo Figueiredo, diretor da Va lec Engenharia Construção e Ferrovias S.A. (empresa respon sável pelo Plano Nacional de Re vitalização das Ferrovias). Segundo ele, a expectativa é que esse índice passe para 36%. “Para isso, no entanto, é preciso investir no aumento da capaci dade das linhas, eliminando pontos críticos e aumentando a velocidade dos trens”, ressalta.

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“Nós geramos quase R$ 400 milhões de imposto por ano com o consumo de combustível – o que representa cerca de 25% da arrecadação total. Com esse re curso, nós faríamos o país virar um canteiro de obras em dois ou três anos. Numa gestão moderna, rigorosa na aplicação de recursos e na fiscalização, teríamos um efeito multiplicador tão gigantesco com a motivação dos corredores de exportação, que rapidamente iríamos observar o que hoje todos pedem”, diz o presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferro viários (ANTF), Rodrigo Vilaça. De acordo com ANTF, a União e a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) – extinta em


SEM CIDE, METRÓPOLES FICAM À BEIRA DE PARADÃO lém de financiar a recuperação de rodovias em péssimo estado de conservação em todo o país, o dinheiro arrecadado com a Cide também poderia ser investido para melhorar o transporte urbano nas grandes cidades. Vários projetos, principalmente nas regiões metropolitanas, carecem de financiamento para saírem do papel. Em Belo Horizonte, um dos programas direcionados para a melhoria do transporte urbano é o BHBus. O projeto gerenciado pela BHTrans (empresa que administra o transporte na capital mineira) visa integrar o serviço de transporte coletivo por ônibus. A primeira das nove estações de embarque e desembarque de passageiros foi inaugurada em 1997 e ainda faltam cinco estações para serem implantadas. Ao todo, o investimento previsto é de R$ 60 milhões. Segundo o presidente da BHTrans, Ricardo Mendanha, com a melhoria do transporte público, o órgão voltará suas atenções para os veículos particulares, que aumentam a cada dia e tiram, aos poucos, os passageiros dos ônibus e do metrô. De acordo com Mendanha, só com mais investimentos em projetos como o BHBus e o metrô os motoristas deixarão os veículos em casa para usar o serviço público. As obras do metrô de Belo Horizonte se iniciaram em 1980 e até hoje a Linha 1 não foi concluída. O valor global do projeto é de US$ 197,34 milhões. Em São Paulo, um dos projetos viários da prefeitura local que está há anos no papel é o chamado “Paulistão”, como foi rebatizado o VLP (Veículo Leve sobre Pneus). A previsão do custo total do VLP, incluindo o que já foi investido (cerca de R$ 101 milhões), é de R$ 382 milhões – a primeira linha vai consumir 170 milhões. O novo projeto do VLP vai atender a 1,5 milhão de pessoas. Estudos da Secretaria Municipal de Transportes demonstram que grande parte dos futuros usuários do VLP, hoje, ou seguem pelo próprio eixo que será percorrido por esse sistema, por intermédio de ônibus ou outros meios de transporte, ou são direcionados para a linha leste-oeste do metrô. Essa rota já não comporta mais a quantidade de usuários, pois está saturada. Os deslocamentos dos paulistanos ficam cada vez mais difíceis em função da perda de mobilidade causada pelo excesso de veículos que transitam pela cidade. O transporte coletivo por ônibus, que disputa o mesmo espaço viário com os automóveis, também sofre esse efeito. Como consequência, a velocidade dos ônibus é baixa e o tempo de viagem dos usuá rios é maior pela falta de uma rede de transporte estruturada. O VLP é um sistema intermediário entre os bondes (Veículos Leves sobre Trilhos) e os ônibus tradicionais. Na versão paulista, será um veículo articulado. Com tração elétrica, ele trafega em pistas exclusivas, de pequena largura, entre proteções laterais de concreto armado ou perfis de aço, por onde correm roletes, tecnologia semelhante à do O-bahn alemão. Cada veículo transporta 170 passageiros e sua velocidade máxima é de 80 km.

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FUTURA PRESS

MODERNIDADE Com recursos, ferrovias iriam gerar empregos

SEM SAÍDA Trânsito urbano inferniza cidadão


80 CNT REVISTA ABRIL/MAIO 2004 JONATHAN CAMPOS/GAZETA DO POVO/FUTURA PRESS

1996 – recebem hoje, das concessionárias, R$ 400 milhões por ano relativos aos contratos, além de outros R$ 400 milhões que essas empresas recolhem para a Cide. Desses R$ 800 mi lhões que vão para os cofres públicos, apenas R$ 45 milhões (do R$ 1,6 bilhão do orçamento que vai para Ministério dos Transportes) serão des tinados ao setor ferroviário em 2004 – 2,8% da verba total.

Gargalo nos portos Segundo o presidente da As sociação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, os portos também vi vem problemas estruturais que estão entravando o crescimento

econômico do Brasil. Um dos grandes gargalos, hoje, referese à dragagem – tanto de manutenção quanto para aumento de calado. De acordo com ele, a verba da Cide seria crucial para o reaquipamento dos por tos. “Em um levantamento rea lizado em 2001, identificamos que seriam necessários investi mentos na ordem de US$ 1,5 bilhão. Desde então, os proje tos foram colocados em ba nho-maria e pouca coisa foi feita”, afirma Manteli. O vice-presidente executivo do Sindicato Nacional das Em presas de Navegação Marítima (Syndarma), Cláudio Decourt, diz que o setor de navegação divide a preocupação da Cide

IMOBILIDADE Projetos de portos em banho-maria

com o Fundo de Marinha Mercante (FMM), que está sofrendo alterações em sua estrutura. Segundo ele, enquanto a Cide garante a infra-estrutura de apoio portuário, com ênfase na intermodalidade, o FMM garante investimentos nas embarcações. “Temos conversado constantemente com o poder público e apresentado propostas para os terminais, mas o governo se mostra insensível”, afirma Manteli. Ele afirma que uma alternativa para resolver a questão seria utilizar recursos financiados ou do próprio terminal para investimentos em infra-estrutura, abatendo depois esses valores nos impostos cobrados pelo governo federal. l


ABRIL/MAIO 2004 CNT REVISTA 81

CONCLUSÃO ETEVALDO DIAS

Há uma ponta de esperança

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A CAMPANHA QUE AGORA SE INICIA PELOS RECURSOS DA CIDE NASCE VENCEDORA. A CAUSA É JUSTA. TEMOS DO NOSSO LADO O RESPALDO LEGAL DO STF

sta edição especial da Revista CNT mostra aos nossos leitores a realidade da situação da rede rodoviária brasileira. Ficou claro ao longo das maté rias que o problema não é do transportador, mas de toda sociedade brasileira. Rodovias arruinadas custam vidas, muitas vidas, perdidas em acidentes. Custam caro para produtores e trabalhadores, enfim, a questão envolve todos nós brasileiros. O quadro é triste, mas não há razão para o desânimo. Ainda há uma ponta de espe rança. A sociedade está pronta para impedir a continuidade deste confisco ilegal dos recursos da Cide. O bra si lei ro tem uma ca pa ci da de exemplar de reagir solidariamente às crises nacionais. Economistas chamam esse comportamento de “capital social”, uma alavanca formidável para a cons trução de uma nação. Nossa história re cente está cheia de exemplos do alto va lor do capital social do Brasil. Em 2002, quando o país se viu diante da grave cri se energética não precisou fazer como a Califórnia. Algumas poucas medidas de estímulo à poupança de energia adota das pelo governo foram suficientes para que atravessássemos a crise sem gran des danos sociais e cortes compulsó rios de energia. A Cide é um ou tro bom exem plo da ge ne ro si da de na cio nal. Essa con tri bui ção foi apro va da no Con gres so, sem

gran des di fi cul da des, ape sar de o bra si lei ro já pa gar uma das maio res car gas tri bu tá rias do mun do. O povo en ten deu que o país pre ci sa va de so cor ro para rea li zar os ina diá veis in ves ti men tos em in fra-es tru tu ra. Esta edição especial da Revista CNT mostra com clareza que, lamentavelmente, as autoridades governamentais não retribuíram a solidariedade recebida dos seus cidadãos. O grosso do dinheiro arrecadado para salvar estradas foi desviado para outros fins ou, simplesmente, drenado nos infinitos escaninhos do Tesouro Nacional. A campanha que agora se inicia pelos recursos da Cide nasce vencedora. A causa é justa. Temos do nosso lado o respaldo legal do Supremo Tribunal Federal, que apontou que o governo obrigatoriamente tem que investir o tributo recolhido em seus fins constitucionais. A luta não será fácil, mas a vitória está do nosso lado. O presidente Clésio Andrade, em entrevista publicada nesta edição, afirmou que vai fiscalizar cada centavo arrecadado pela Cide para obrigar o governo a aplicá-lo corretamente. E a bandeira não é só da Confederação Nacional do Transporte. É o reflexo da indignação de toda a sociedade contra o desvio dos recursos arrecadados. A história ensina que todas às vezes que os brasileiros se mobilizaram em torno de bandeiras justas, venceram. E assim será desta vez.


82 CNT REVISTA ABRIL/MAIO 2004

HUMOR DUKE


ABRIL/MAIO 2004 CNT REVISTA 83


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