Urbanizacao Selvagem e Proletarização Passiva na Amazônia

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O CASO DE BELÉM

Thornas A. Mitschein Henrique R. Miranda Mariceli C. Paraense

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SÉRIE PESQUISA N A EA

URBANIZAÇÃO SELVAGEM E PROLETARIZAÇÃO PASSIVA NA AMAZÔNIA - O CASO DE BELÉM Thomas A. Mitschein Henrique R. Miranda Mariceli C. Paraense

Historicamente, a urba­ nização foi atributo da moderna civilização e a expansão capi­ talista proletarizou as massas urbanas. No Terceiro Mundo, em particular na Amazônia, é o avesso: a urbanização assume forma selvagem- não moderna; o crescimento capitalista não incorpora as massas urbanas ao sistema produtivo- submete-as a uma desmoralizante proletarização passiva A favelização de Belém é subproduto urbano de uma polí­ tica de integração da Amazônia no espaço global da acumula­ ção capitalista, através da exploração dos seus fantásticos recursos minerais, biológicos e hídricos. Há nisso tudo uma lógica sinistra parte considerável do excedente de mão-de-obra não constitui exército de reserva para setores econômicos tecnologicam ente desenvolvidos e internacionalizados; o cresci­ mento econômico dependente e a marginalização crescente são, portanto, duas faces do mesmo


URBANIZAÇÃO SELVAGEM E PROLETARIZAÇÃO PASSIVA NA AMAZÔNIA - O CASO DE B E LÉ M -


SOBRE OS AUTORES THOMAS A. MITSCHEIN - Formado em Sociologia, História da Eco­ nomia e Ciência Política pela Universidade de Muenster (RFA) HENRIQUE RODRIGUES DE MIRANDA —Tec. Agrícola pela Escola Média de Agricultura Florestal - MG, Administrador graduado pela UFPA. MARICELI DE CAMPOS PARAENSE —Socióloga graduada pela UFPA.

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Mitschein, Thomas A. Urbanização Selvagem e Proletarizaçao Passiva na Amazônia : O caso de Belém / Thomas A. Mitschein, Henrique R. Miranda e Mariceli C. Paraense. —Belém : CEJUP, 1989. 236p. / 1. AMAZÔNIA - Condições sociais. 2. AMAZÔNIA - Condições econômicas. 3. UfeBANIZAÇÃO - Amazônia. I. Miranda, Henrique R. II. Paraense, Mari­ celi C. III. Título. CDU: 308 (811)


THOMAS A. MITSCHEIN HENRIQUE R. MIRANDA MARICELI C. PARAENSE

URBANIZAÇÃO SELVAGEM E PROLETARIZAÇÃO PASSIVA NA AMAZÔNIA - O CASO DE BELÉM -

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CO-EDIÇÃO:

CEJUP - NAEA / UFPA.


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Editor :Gengis Freire Assistente Editorial: Ana Rosa Cal Freire Capa: Dina Oliveira e Luciano Oliveira Planejamento Gráfico: Genildo Mota Direitos Reservados 1? Edição - 1989 Atendemos pelo Reembolso Postal Pedidos a Edições CEJUP Trav. Rui Barbosa, 726 - (091) 225-0355 - PABX 66030 —Caixa Postal 1.804 —Telex: (91) 2996 —Belém Composto e impresso na GRAFICENTRO/CEIUP


“A m ão-de-obra, que p o d e ser absorvida pelo ca p ita l m ediante a taylorização, to m a -se cada vez m a is reduzida nos p a íse s capitalistas avançados e nos do Terceiro M undo. É cada vez m a io r o contin­ gente do trabalho vivo que vai fic a n d o fo r a do p ro ­ cesso de produção. Isto tem de ter conseqüências políticas, inclusive também para o pensamento teórico”. O SK AR N E G T “N ã o se trata de in tro d u zir nada na vida des­ sas populações (cam poneses e indígenas), m as de tirar-lhes o que têm de vital p a ra sua sobrevivência, não só econôm ica: terras, territórios, m eios e con­ dições de existência m aterial, social, cultural ep o lí­ tica. É com o se elas não existissem ou, existindo, n ã o tiv e s s e m d ir e ito a o r e c o n h e c im e n to d e s u a h u m a n id a d e ”. JO S É D E S O U Z A M A R T IN S (sobre o im pacto dos grandes projetos na A m a zô n ia ) “A credito que os p la n o s devem ser traçados a p a r tir da p e r ife r ia . . . ” D o m P A U L O E V A R IS T O A R N S


APRESEN TAÇÃO O campus da Universidade do Pará está às margens do Guamá, um rio de im­ ponente beleza na quase mesopotâmica Belém, cidade nascida e formada em função das águas — a “Flor das Águas” , como a chamou Martius, no início do século passa­ do. Na mesma zona, à beira do Guamá, fora dos muros universitários, depara-se o pesadelo urbano de uma pululante favela. Um belo dia, pesquisadores do admirável Núcleo de Altos Estudos da Amazônia puseram-se a refletir sobre o contraste e a incomunicação entre sua vida acadêmica e a dos favelados. Apesar da vizinhança, desconheciam-se: os pesquisadores nada sabiam sobre o mundo daquela comunida­ de de párias e esta devia vê-los como hierofantes dados à prática de ciências ocultas. Saindo dos muros da cidadela do saber, os cientistas sociais foram à cidadela da miséria para ouvir e sentir os habitantes, desvendando suas origens geográficas, suas raízes culturais, seus sonhos sociais e suas visões políticas. Tudo isso está num livro que, no gênero, já nasce clássico: U rbanização S elva­ gem e P roletarização Passiva na A m a zô n ia , de Thomas A. Mitschein, Henrique Ro­ drigues Miranda e Mariceli de Campos Paraense. Historicamente, a urbanização foi atributo da moderna civilização e a expan­ são capitalista proletarizou as massas urbanas. No Terceiro Mundo, em particular na Amazônia, é o avesso: a urbanização assume forma selvagem - não moderna; o crescimento capitalista não incorpora as massas urbanas ao sistema produtivo —sub­ mete-as a uma desmoralizante proletarização passiva. A favelização de Belém é subproduto urbano de uma política de integração da Amazônia no espaço global da acumulação capitalista, através da exploração dos seus fantásticos recursos minerais, biológicos e hídricos. A depravação dessa política consistiu em tentar a integração mediante dois tipos essenciais de “grandes proje­ tos” : uma industrialização baseada em capitais e tecnologia intensivos, articulada verticalmente nos mercados externos, e uma tentativa de converter o latifúndio, oficialmente incentivado, em empresa capitalista. Não deu outra: um dos mais espetaculares fracassos econômicos e uma das maiores tragédias sociais da nossa época. Aí estão a agressão destrutiva ao ecossiste­ ma; a conversão da terra em reserva-de-valor, num jogo especulativo bancado por

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incentivos fiscais; o desmatamento irracional que gera incalculáveis perdas econô­ micas (a queimada de 25 milhões de hectares de matas incinerou o equivalente a 50 bilhões de dólares); a exacerbação insana dos sangrentos conflitos entre o latifún­ dio agropecuário e índios e posseiros; a corrosão de formas tradicionais de produ­ ção e autoconsumo, responsáveis pela máxima parte dos empregos rurais e dos ali­ mentos básicos, sem a alternativa do desenvolvimento; a industrialização baseada em alta e sofisticada tecnologia que, absorvendo pouco trabalho vivo, gera negligenciáveis efeitos de emprego e renda. Criou-se, desta forma, na Amazônia, o que os autores chamam de ca p ita lism o d e enclave.

Ainda que, na sua maioria, os favelados sejam migrantes rurais, não provêm das regiões em que ocorre o tipo de expulsão violenta que comparece assiduamente na mima. Em suas regiões nativas praticavam a tradicional economia agro-extrativista cabocla; degradadas suas condições de produção e reprodução econômica por obra da concentração fundiária, da expansão da agricultura capitalista, do avanço das pastagens extensivas, da falta de assistência técnica e sobretudo de crédito rural (permanecem submetidos à usura do colonial sistema dos a via m en to s ), sofrem aqui­ lo que os autores denominam de “desapropriação e expulsão silenciosas” . Então, migram para a cidade, na esperança do trabalho assalariado. Mas como não há indústria capaz de absorvê-los, vêem-se sentenciados ao desemprego e subemprego. Mais: a própria estrutura urbana não lhes oferece condições minimanente humanas. Cerca de 450 mil pessoas vivem literalmente na água, como anfíbios, em áreas próximas ao Guamá, à baía de Guajará ou dos grandes igarapés, sujeitas a osci­ lações e inundações da maré fluvial. O espaço urbano é cada vez mais um mero receptor do enxurro dos despojos sociais produzidos por um abortivo projeto desenvolvimentista. A inchada Belém abriga hoje uma população de 1,5 milhões de habitantes. As receitas públicas, como em toda parte, não acompanham o galopante êxodo rural e, assim, as instituições regionais e locais não conseguem resolver os problemas de infra-estrutura. Esta im­ potência dá lugar ao E sta d o O m isso, ou, como disse Francisco de Oliveira, o E sta d o d o M al-Estar Social.

A auto-organização dos favelados possui limitada eficácia: seu fraco poder de barganha — não podem, por exemplo, fazer greve —se frustra diante da escassez de recursos públicos. Abrigarão pelo menos potencialidades políticas radicais? Uma concepção de “classe diferenciada e múltipla” pretende integrar as massas faveladas na classe operária e supõe uma correspondência entre situação econômica e ideolo­ gia política. A pobreza do nível político dos favelados, evidenciado pelas centenas de entrevistas feitas, não autoriza esperar sequer “um processo de aprendizado polí­ tico” . O que é de resto atestado pelainsucesso das esquerdas e o êxito dos políticos das classes privilegiadas. Uma das razões é que os migrantes trouxeram consigo um multissecular etos

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pré-industrial de subalternidade. Não se incorporando ao processo industrial, tam­ pouco se autolibertam dessa cultura; há uma “aceitação subjetiva da subalternidade dentro do sistema global de dominação” . Tanto mais que, emparedados pelas suas desesperadas carências, são vítimas inermes da política clientelística. Longe de ameaçar o sistema de poder, são uma “mina de ouro” para sua autolegitimação. Na expressão dos autores, uma reserva g ra tu ita d e dom in ação. Assim, a mise'ria é a es­ trutura da impotência. Há nisso tudo uma lógica sinistra: parte considerável do excedente de mãode-obra não constitui exército-de-reserva para setores econômicos tecnologicamente desenvolvidos e internacionalizados ;o crescimento econômico dependente e a marginalização crescente são, portanto, duas faces do mesmo fenômeno - o capitalismo do cão. E assim, fora do contexto global, não há solução para ôs grandes problemas locais. A condição de que derrubem o muro que as separa da sociedade, as universi­ dades podem contribuir para a superação deste impasse teórico e político. A isso se propõem os pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia, “colocando em discussão o indiscutido” , como participantes do processo histórico, sem arrogan­ tes pretensões vanguardistas. Há um verso do grande poeta espanhol Antônio Ma­ chado, que deve servir de guia aos cientistas sociais: “Caminhante, não há cami­ nhos; é andando que a gente faz caminhos” . DÉCIO FREITAS H isto ria d o r

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PREFÁCIO O presente trabalho é o resultado de um projeto de pesquisa realizado no N úcleo de A lto s E stu d o s A m a zô n ic o s da U niversidade F ederal do Pará e jin a n c ia d o p e la F undação Volksw agen. D iversos aspectos da pro b lem á tica abordada fo r a m discutidos dentre outros com N a za ren o N oronha, S a m u e l Sá, Jean Hebette, Albertinade Oliveira, R oberto Aguiar, da UFPa; D écio Freitas, d eP o rto A le­ gre; E lm a r Altvater, da U niversidade L ivre de Berlim ; e W o lfP a u l, da Universidade de F ra n k fu rt A gradecem os a L éo Wagner, do L aboratório N a c io n a l de C om pu­ tação Científica (L N C C ) e M aurício V L im a , do S eto r de C om putação (S E C O M ) da U FPa,que não obstante as ciladas do H ardw are proces­ saram eficientem ente os dad o s levantados; aos fu n cio n á rio s da F u nda­ ção de A m p a r o e D e s e n v o lv im e n to da P e s q u is a ( F A D E S P ) q u e administraram os subsídios conseguidos ju n to ao agente fin a n cia d o r, a José Maria S a les Cordeiro graças a seus valiosospréstim ps no serviço de datilografia; e a C láudio M a u rício Flores M o ra les e Jorge E ron B a ía de Souza, da Casa de E stu d o s G erm ânicos da UFPa, que além de revisa­ rem o texto, trad uziram a L itera tu ra em alem ão u tiliza d a na elaboração

deste trabalho. Um a g ra d ecim en to e sp ec ia l g o sta ría m o s d e e x te rn a r p a r a a população p a rticip a n te da am ostra e d a s entrevistas abertas, cuja cola­ boração entendemos com o um desafio m o ra l no sentido de nós m obili­ zarmos o saber universitário em beneficio dos anseios da com unidade dos bairros pobres. Last but not least, g o staríam os de m encionar que na fa s e inicial do

projeto obtivemos um apoio financeiro do Conselho N acional de Desenvolvi­ mento Científico e Tecnológico ( C N P q) e q u e a Secretaria de A gricultura do Estado do Pará cedeu p a ra f a z e r p a rte deste grupo de p esq u isa seu

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fu n cio n á rio H enrique R odrigues M iranda, o qual, no decorrer do tra­ balho de campo, despertou dentro de si a capacidade de levar à p in tu ra m otivos do cotidiano da periferia de Belém . D este trabalho artístico estão contidas nesta publicação três fo to g ra fia s com o am ostra.

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INTRODUÇÃO I U m dos motivos que nos levou a nos constituir como grupo de pesquisa reside em que nosso lugar de trabalho, a Universidade Federal do Pará, está localizada em um dos bairros periféricos de Belém, o Guamá, habitado por uma população, cujo consumo individual é tão precário quanto o coletivo (infra-estrutura urbana), e que, sobretudo na época de chuvas entre dezembro e maio, está literalmente vivendo na água, pois a área de tal bairro está sujeita em 60% a inundações. Quem, portanto, frequenta a “ alma mater” paraense, passa neces­ sariamente por uma realidade social que, comparada com a vida aca­ dêmica e as suas salas de aula, suas bibliotecas, seus laboratórios, com suas expectativas de ascensão profissional e de sucesso científico, suas pequenas e grandes vaidades, transmite a imagem de um outro mundo. Enfim, trata-se de dois contextos que, mesmo não estando totalmente separados - pois a Universidade desenvolve programas de extensão, emprega funcionários e integra, de vez em quando, estudantes daquela realidade tão próxima e ao mesmo tempo tão distante - , são, de fato, es­ tranhos um para o outro. O muro que cerca o campus da U F P a - este situado por sua vez às margens do rio Guamá e que é, diga-se de passagem, um dos mais formo­ sos não só do Brasil - tem, neste sentido, um valor simbólico. Foi por trás das fronteiras delimitadas por este muro, visto de dentro do campus, onde nós nos encontramos durante o ano de 1985 com diversos colegas e estudantes em volta das m esas de um dos tantos botecos do bairro do Guamá e, incentivados pelo próprio ambiente, discutimos sobre as condições de vida das camadas populares da periferia urbana sob um ângulo que Henri Lefebvre (1 9 7 7 :3 7 ) em sua critica do cotidiano formulou da

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seguinte maneira: “ Por que os homens conseguem viver como vivem e por que a aceitam?” Constatamos durante estas conversas que nossos conhecimentos a respeito do sujeito social em questão eram extremamente limitados. N a realidade, apenas podíamos especular sobre o “ como vivem” e sobre o “ porquê o aceitam” . Foi a partir daí que tomamos a decisão de nos aproxi­ mar desta problemática através de um estudo de caso que se preocupasse tanto com as condições de sobrevivência das camadas populares na perife­ ria de Belém como com a percepção que elas têm de sua própria inserção nas estruturas vigentes.

II Já que o objeto de estudo é uma aglomeração amazônica, levanta­ mos no capítulo 1 a questão da interrelação entre o urbano e a expansão da fronteira í1). A este respeito, partimos do princípio de que agrupamentos huma­ nos e as cidades, de um modo geral, servem para as instâncias do Estado Nacional como uma espécie de espinha dorsal no processo de reestrutura­ ção espacial e social de uma região anteriormente pouco integrada no sis­ tema global Encaramos, porém, o seu crescimento acelerado como expressão de uma estratégia de modernização que destrói sucessivamente o status quo ante sem dispor dos meios para realizar os objetivos de desenvolvi­ mento por ela mesma definidos. Como consequência disto, ocorre no con­ texto urbano da fronteira uma potencialização de problemas sociais e ecológicos (altos índices de subemprego e desemprego, poluição ambiental p e la fa lta d e saneam ento b ásico, etc.) característicos de todas as cida­ des brasileiras. Abordamos no capítulo 2 as condições de reprodução sócio-econômica dos bairros escolhidos para a pesquisa de campo. Trata-se de informações levantadas e trabalhadas pela própria equipe. Se no item sobre a origem e a migração da população entrevistada nos debruçamos de uma maneira bastante abrangente sobre as microrregiões homogêneas do Baixo-Tocantins e Bragantina, que apresentam expressivos fluxos migratórios para a periferia urbana de Belem, é porque (1) Por fronteira entendemos um contexto sócio-econômico que se encontra, mediante sua integração no sistema econômico global, num processo de reestruturação.

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o conhecim ento da situação pré-m igracional se evidencia, em n ossa avaliação, como de fundamental importância para entender-se as dispo­ sições sócio-culturais pelas quais a população se relaciona com a sua inte­ gração no contexto urbano. A o destacarmos este aspecto, seguimos o princípio metodológico de que, na medida em que esteja em discussão a “ formação histórica da mãode-obra”, as modalidades da separação de seus meios de subsistência se tomam imprescindíveis à análise (N egt, Kluge 1981 : 35) (2). A base empí rica das exposições nos capí tulos 4 e 5 são as entrevistas abertas realizadas tanto nos bairros escolhidos com o nas duas microrregiões acima mencionadas. Os relatos citados, selecionados a partir de uma matéria-prima composta de um universo de mais de 2 .0 0 0 páginas transcritas, dão uma impressão de com o o sujeito em questão encara sua própria condição social, transmitindo uma imagem do sistema de domina­ ção do ponto de vista daqueles que nele estão inseridos de uma forma subalterna. Se no último capítulo a questão das perspectivas está sendo abordada de uma maneira bastante sucinta, é porque, em nossa avaliação, não se consegue abrir alternativas concretas para a RMB e as cidades da Am azô­ nia Oriental, de um modo geral, através da apresentação de um elenco de propostas desvinculado da realidade política particular de cada lugar e dos anseios da população envolvida. D esta maneira, sugestões novas, por mais atraentes que sejam, tendem a se tomar simplesmente boas intenções, para as quais o próprio inferno não mais dispõe de espaço. Um a nova política municipal necessita, evidentemente, do trabalho redobrado de profissionais competentes da área de planejamento urbano, de pessoas de fora e de dentro das universidades. Sua operacionalização, entretanto, só poderá avançar se as especificidades socioculturais da consciência daqueles que têm um IN T E R E SSE OBJETIVO em mudan­ ças do quadro assustador do processo de urbanização da fronteira forem levadas em consideração.

(2) Empenhadas duas décadas atrás, sobretudo, na rejeição da visão dualista, as correntes cri ticas das Ciências Sociais tendiam a negligenciar que, em novos modos de produção e de vida, entram elementos daquilo que existia antes ou paralelamente à sua concretização e i através desta arti­ culação especifica que se desdobra a ação dos seus atores sociais.

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1. U R B A N IZ A Ç Ã O “ SE L V A G E M ” E PR O L E T A R IZ A Ç Ã O “ P A S S IV A ”

1 .1 . 0 urbano no contexto da Am azônia brasileira N a medida em que se fala da urbanização brasileira pensa-se ime­ diatamente no Sudeste do país, dificilmente, porém, na sua parte ama­ zônica, que representa quase 60% do território nacional e que abriga apenas 10% do efetivo demográfico. N o entanto, devido à sua forçada integração na divisão (internaci­ onal do trabalho, a região sofreu nos últimos trinta anos um acelerado aumento da sua população urbana. Se considerarmos a década passada, a taxa do crescimento demográfico da Am azônia Legal, além de estar situada com 4,42% bastante acima da média brasileira (2,48% ), teve nas áreas urbanas, com 6,26% , um acréscimo consideravelmente maior do que nas zonas rurais(3,l% ) (S U D A M 1986), elevando, desta maneira, a população na Região Norte (34), na Am azônia Oriental W e, mais especifi­ camente, no Estado do Pará, para cima da marca dos 50%. E embora Belém e Manaus, as duas grandes metrópoles, apresentandose tradicionalmente, em decorrência do forte desequilíbrio da rede urbana regional, com o “ d ois búfalos no m eio de alguns ratos e form igas” (F IP A M /N A E A 1977: 88), continuem absorvendo, com 52% , a maior parcela da população urbana, é destacável que esta está decaindo desde 1950, em números relativos (veja tabela 1), e que aglom erações de pequeno e médio porte evidenciam altas - em parte até explosivas - taxas de crescimento. (3) Fazem parte da Região Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (4) A Amazônia Oriental é constituída pelo Estado do Paráe o Território do Amapá, abrangendo 16% do território brasileiro.

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NORTE, EM BELÉM E MANAUS

Tabela 1: VARIAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA DA POPULAÇÃO URBANA RESIDENTE NA REGIÃO

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N o Pará isto se refere a municípios com o Santarém, Ananindeua, Marabá, Conceição do Araguaia, Altamira, Tucuruí, Breves, Paragominas, Santa Izabel do Pará, cujos aumentos populacionais oscilavam na década passada entre 40% e mais do que 100% (Becker 1987: 17). N a discussão científica sobre a dinâmica, as modalidades e as perspectivas desta “ tendência da população amazônica a se aglomerar cada vez mais em uma fração cada vez menor do seu território” ( Aragon/ M ougeot 1 9 8 3 :1 1 ), discussão esta, que, diga-se de passagem, ainda está no seu início, o espaço urbano tem sido abordado por Berta Becker( 1982, 1 9 8 4 ,1 9 8 7 ) e Lia M achado (1 9 8 2 ,1 9 8 7 ) com o “ base logística” (Becker 1987:7) da ocupação da fronteira; pois além de serem os pontos básicos da administração estatal e da circulação de bens, capitais e informações, pelos quais o espaço regional está sendo incorporado ao global, as cidades são o lugar privilegiado (M achado 1982) para criar um mercado para aquela mercadoria que é imprescindível para poder transformar as rique­ zas naturais em valores de troca, isto é, uma mão-de-obra móvel e livre que, da mesma maneira em que lhe é negado o acesso à terra como meio de (re) produção, aceita a sua condição social, o que segundo as duas autoras está sendo facilitado no contexto urbano pelos serviços públicos (escolas, previdência social, etc.) por parte do Estado e as ofertas de consumo que o capitalismo moderno oferece. Enfim, se na Am azônia se cria um espaço urbano “ antes mesmo que uma produção agrícola e industrial efetiva tenha se desenvolvido” (Becker 1987 : 7), é fundamentalmente porque as instâncias do Estado Nacional dispondo de “ recursos, técnicas e capacidade conceituai” (idem: 3), o utilizam na reordenação territorial e social da região. Pode-se concordar, sem dúvida nenhuma, com esta argumentação na medida em que ela destaca, para utilizarmos a terminologia de Moraes e da Costa (1984: 14), a valorização estratégica da região como pré-requisito necessário para a sua valorização econôm ica <5). Por outro lado, não é menos válido que a primeira, se estiver objeti­ vando, como enfatiza Lia Machado com uma referência a Antônio Gramsci, a um active consent o f th e g o v e m e d (1 9 8 2 :1 8 3 ), só poderá ser bem suce­ dida quando a segunda promover substancialmente o desenvolvimento econôm ico da região e o bem-estar social de sua população. (5) Por valorização da Amazônia entendemos a sua integração no “ espaço funcional global da acumulação de capital” (Altvater 1987: 39).

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Entretanto, este não é o caso, com o hoje em dia a própria Superin­ tendência de Desenvolvim ento da Am azônia ( S U D A M ) o admite <6). O que pode se constatar é que o elemento central da valorização eco­ nômica, a exploração dos recursos minerais, biológicos e hídricos através da instalação de grandes projetos, equipados com tecnologias capitalintensivas, integrados verticalmente nos mercados externos e gerando inexpressivos efeitos de renda e emprego, tem levado à implantação de um c a p ita lis m o d e e n c la v e que mina sobretudo aquelas atividades produti­ vas a nível regional que, o que è comum no setor primário, visam o autoconsumo. Pois, da mesma maneira em que agridem o ecossistem a (789), eles dre­ nam recursos volumosos W que obviamente fazem falta para uma política de melhoria das precárias condições infra-estruturais (escola, saúde, etc.) no contexto rural/interiorano, de elaboração e iniciação de projetos industrializantes ecologicamente viáveis W, por não falar em incentivos para a pequena agricultura itinerante que, no caso da Am azônia Oriental, mesmo ocupando somente 20,3% da área dos estabelecimentos rurais, é res­ ponsável pela geração de 82% dos empregos rurais e pela produção de 80% de alimentos básicos como mandioca, arroz, milho e feijão (Burger, Kitamura 1987: 449), mas cujos produtores dependem, na sua maioria, em decorrência da falta de acesso a outras fontes de financiamento, do capital comercial e usuráric/10). Trata-se de um quadro que reflete uma política econômica, segundo a qual os recursos a serem mobilizados pela extração das riquezas naturais da Am azônia seriam suficientes para sustentar o modelo vigente de indus­ trialização através da substituição de importações e da acelerada geração

(6) “ A grande massa da população” , enfatiza o 1° Plano de Desenvolvimento da Amazônia da Nova República, “ que vive no interior ou na periferia dos centros urbanos, apenas consegue sobrevi­ ver a níveis precários (...)” (SUDAM 1986 : 10). (7) No que concerne à abrangente literatura sobre a ecologia amazônica fazemos referência apenas a Sioli (1983), W eischet(1980) e Salati (1987). (8) Somente Carajás, Albrás, Trombetas, Jari e a Hidrelétrica de Tucuruí, cinco dos maiores projetos da Amazônia, todos situados no Estado do Pará, já absorveram 11 bilhões de dólares. (9) É evidente que a produção de ferro-gusa, baseada no carvão-vegetal, representa o contrário disso. (10) Abordaremos este aspecto mais adiante.

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de divisas O1) e, ao mesmo tempo, para promover o desenvolvimento regional, mas que se viu frustrada na medida em que, em virtude dos drásti­ cos aumentos das taxas de juros para os empréstimos externos tomados para financiar os grandes projetos e da deterioração dos preços internacio­ nais para substâncias minerais com o ferro, bauxita, manganês, etc., colo­ caram em xeque as expectativas otimistas de rentabilidade com que foram planejados estes empreendimentos que, ao invés de melhorar significativa­ mente as receitas das instâncias regionais e municipais (12>, continuam beneficiados por uma série de externai e c o n o m i e s ^ \ Por outro lado, se no caso da exploração mineral são fundamental­ mente as tendências de crise do mercado mundial que colocam o Estado Nacional numa posição de aprendiz de feiticeiro que invoca os espíritos e não mais consegue se livrar deles, ou seja, que o obrigam a dar sustento a123

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0 Programa de Ação do Governo para a Amazônia de 1975 - 1979 não deixa surgir nenhuma dúvida com relação ao caráter primordial deste objetivo, enfatizando que “ a Região de Fronteira Tropical pode contribuir significativamente através de geração de divisas, resultantes de expor­ tações; de economia de divisas, produzindo insumos básicos para a Região Centro-Sul, hoje importados, e finalmente pela liberação de produtos importáveis, comprometida hoje por forte demanda interna” (SUDAM /1976 : 52).

(12) É destacável que a receita disponível dos Municípios e Estados da região apresenta um cresci­ mento acentuadamente menor do que o do ônus sócio-ecológico que o processo de valorização lhes impõe. Como exemplo podemos tomar que, segundo a Secretaria de Estado da Fazenda do Pará, o Imposto Único sobre Minerais, repartido até a aprovação da nova Constituição entre União, Estados e Municípios, na proporção de 10%, 70% e 20%, em 1985 não representava mais do que 2,2% da receita total do Estado. O Estado, por outro lado, perdeu em 1987, pela isenção de impostos para a exportação, cento e setenta milhões de dólares, ou seja, uma soma superior à do orçamento no referido ano. É digno de menção neste contexto que minerais como o minério de ferro e a bauxita se tomaram produtos de destaque na lista dos exportados. Se o sistema tributário brasileiro não está sendo reformulado de modo a favorecer as economias “ extrativas”, segundo Stephen Bunker( 1986 :1 2 ),“ isso decorre, em grande parte, das pressu­ posições do valor como provindo exclusivamente do trabalho, idéia expressa, sob diferentes formas, tanto por Adam Smith quanto por Karl Marx” . Uma posição deveras surpreendente, uma vez que o sistema tributário nacional, mesmo supe­ rando tais “ preconceitos teóricos” , é, evidentemente, impotente diante das imposições do sis­ tema econômico global, se estas se concretizarem na estagnação ou caída dos preços das referidas matérias-primas. (13) AEletronorte, filial da Eletrobrás, produz em Tucuruí oK W /horaaum custode27 milésimos de dólar. Esse KW /hora é subsidiado para a Albrás em 12 milésimos, o que significa um subsídio médio de 15 milésimos de dólar. Cabe destacar que os habitantes de municípios tais como Baião, Cametá, Limoeiro do Ajuru têm o privilégio de ver passar as linhas de transmissão da hidrelétrica sem, no entanto, serem consumidores do seu produto (O Liberal, 30.8.1987).

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projetos, cuja viabilidade micro-econômica se tomou, no mínimo, duvi­ dosa, a situação na agropecuária tem um aspecto diferente. A o incentivar grandes projetos nesta área - sobretudo na da forma­ ção de pastagens extensivas - , ele persegue uma política que, como demons­ tram inúmeras abordagens científicas, tem consequências desastrosas para o ecossistema; que contribui para a transformação da agricultura numa fonte de expansão de mercado para o setor industrial, em decor­ rência da utilização da terra com o “ reserva de valor”, no mínimo, de uma forma limitada; que é irracional só pelo fato de o desmatamento desor­ denado da floresta tropical gerar perdas econômicas de grande proporção pelo não-aproveitamento da madeira (14); e que agudiza os confrontos entre os diversos atores sociais (posseiros, empresas agropecuárias, a população indígena, etc.) (15) que estão envolvidos na expansão da fronteira S e ela , a p e sa r d e s te s e f e it o s , n ão fòr r e v isa d a s u b s ta n c ia l­ m e n te , t r a t a r - s e - á , e n t ã o , d e um fa to a s e r d is c u t id o d ia n te d a q u ilo que J o s é de S o u z a M a rtin s ( 1 9 8 6 : 8 5 ) ch a m a de “ p a cto m ilita r la tifu n d is ta ” . C om is to e le a p o n ta que a c o n tr a d iç ã o h is ­ tórica no B rasilventre os m ilitares, que defendiam tradicionalm ente a centralização do poder político para avançar na modernização eco­ nômica, e as oligarquias rurais, que se empenhavam na manutenção do poder local/regional, está sendo levada depois de 1964 da seguinte maneira: uma vez passada a ameaça de uma reforma agrária nos moldes do Estatuto da Terra, o governo militar garante a preservação da grande propriedade, transformando desta maneira o latifúndio numa “ força auxiliar da cen­ tralização política. O s setores mais claramente clientelísticos da grande propriedade territorial foram aqueles que justamente ofereceram à dita­ dura militar, de 1964 a 1985, a sua escassa base de sustentação política. Só nessas condições foi possí vel manter o parlamento aberto a maior parte (14) Segundo o Secretário-Geral do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, José Carvalho, a queimada de 25 milhões de hectares de florestas na Amazônia representa em termos econômi­ cos uma perda equivalente a 50 bilhões de dólares. In: Jo rn al Pessoal, 1» quinzena de junho 1988. (15) S6 no Pará, nos últimos anos, morreram, segundo a CPT-Norte II(Comissão Pastoral da Terra), 204 trabalhadores rurais em decorrência de conflitos fundiários. Os violentos choques entre os diversos atores sociais que fazem parte da ocupação da região, expressam, como destacou Elmar Altvater (1987 a), a falta ou o caráter embrionário de uma societá civile, no sentido de Antonio Gramsci, no contexto da fronteira. Ou como enfatiza Jean Hebette (1978: 27) com relação aos conflitos entre camponeses, indígenas, empresas capitalistas, etc.: “(...) não há lugar para utopia distributiva entre frentes” .

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do tempo, expurgado sempre daqueles que os mecanismos eleitorais para ali conduziam, mas que representavam compromissos diferentes dos que convinham à centralização política” (id e m : 89). O aspecto relevante desta argumentação é, na nossa avaliação, que ela deixa claro que a opção pelo chamado “ Caminho Junker”, isto é, a tentativa de transformação do latifúndio em empresa capitalista, é, em primeiro plano, o resultado da correlação de forças entre os grupos no poder, e não de avaliações tecnocratas sobre eficácia econôm ica e m odelos de desenvolvimento. D eve-se acrescentar a isto que o latifúndio se fortaleceu a partir do momento em que empresas capitalistas, em decorrência da oferta dos incentivos fiscais, entraram em grande escala no jogo da especulação lati­ fundiária <16). N estas condições, sem uma profunda reorientação política a nível nacional, a realização de uma estratégia sócio-ecológica orientada nas especificidades da Am azônia enfrenta, necessariamente, grandes obstá­ culos, porque, para citar um exem plo só, o incentivo para a pequena agri­ cultura de roça, no sentido da abordagem de Kitamura e Burger (1987), marcaria um precedente que atingiría diretamente a luta pela terra em ou­ tras regiões e viría pôr em perigo a com plexa rede de alianças dentro do bloco no poder. Partindo daí, podemos destacar o seguinte aspecto: apresentando- se diante da região com o uma espécie de Leviatã onipotente, pois dispõe dos meios necessários para modificar em profundidade a sua ordem espacial e social, o Estado Nacional está na realidade, no que diz respeito à sua fun­ ção com o planejador e modemizador da “ fronteira” , duplamente limi­ tado: de um lado pelas tendências de crise do mercado mundial que estão fora do seu poder de manipulação e, por outro, pela correlação de forças dentro do próprio bloco no poder da qual ele, mesmo em sua qualidade do “Estado burocrático-autoritário” (G. 0 ’Donnel: 1983), não pode se livrar.

(16) Falando sobre a sua experiência como primeiro presidente do INCRA na Nova República, o fazendeiro José Gomes enfatizou que “ a sociedade brasileira é hoje muito mais rural do que no passado. Essa foi uma das grandes surpresas que tive. Nós subestimamos isso. Pessoalmente, eu achava que a sociedade brasileira, em 1985 era muito mais industrial, muito menos depen­ dente do latifúndio. Não é, foi um erro de avaliação terrível” . (In: Senhor, 11/02/1986). Gomes está se referindo ao interesse do capital industrial e financeiro em adquirir terras para se aproveitar dos incentivos fiscais.


Am bas as limitações obstruem a reformulação de uma política de valorização que em vez de ter promovido ‘‘o limiar de uma nova era para a região (...), culminando, obviamente, nas melhores condições de vida e de bem-estar social extensivas a toda a população humana” ( Oziel Carneiro, 1° Secretário-Executivo do Conselho Interministerial do Program a Grande Carajás, in: Pinto 1 9 8 2 :1 3 5 ), levou à implantação daquilo que chamamos de capitalismo de enclave que, junto com a concentração fúndiária, desencadeia um processo de P R O L E T A R IZ A Ç Â O PASSIVA*17), isto é, a dissolu­ ção das tradicionais formas de (re)produção, que para a grande maioria dos produtores diretos não se traduz em uma perspectiva de assalariamento no mercado formal de trabalho. Embora os impactos causadores desta dissolução sejam variados nas diversas m icrorregiões e precisem ser estudados detalhadam ente - além das desapropriações violentas de posseiros por parte de grileiros, do latifúndio, etc., devem ser considerados aspectos como os baixos preços do excedente comerciável dos pequenos produtores, a falta de apoio técnico e financeiro para a agricultura de roça, a extrema precariedade dos serviços públicos (escola, saúde, etc.) no contexto interiorano - , o que lhes é comum é que aceleram o movimento migratório para os núcleos urbanos e para as cidades que, por sua vez, nem do ponto de vista da oferta de emprego nem com relação às suas infra-estruturas materiais e sociais, estão preparados para acolher esta m assa despossuída. Ou seja, o rápido crescimento das cidades da Am azônia Oriental que, por ultrapassar de longe a capacidade gerencial das instâncias estatais para estruturá-lo atra­ vés de medidas de planejamento urbano, merece a atribuição de “ selva­ gem”, não é expressão de uma “ estratégia deliberada” (Becker 1987 : 8) pela qual o Estado procura resolver a seguinte “ contradição: a necessi­ dade de atrair e fixar imigrantes-trabalhadores na região sem dar-lhes acesso à propriedade da terra” (M achado 1987 : 202). Ele é, em nossa avaliação, antes de tudo, o “ efeito externo” de uma política de valorização que, em decorrência das mencionadas limitações, “ contém todos os ingre­ dientes da dissolução de estruturas sociais tradicionais, sem que haja, no entanto, a perspectiva de modernização” ( Altvater 1 9 8 8 : 3 ) no sentido da

(17) O conceito é de Lenhardt e Offe (1994 : 15). Eles o levantam na sua abordagem da questão de que maneira a “ política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de tra b a lh o nãoassalariado em trabalho assalariado” (grifo no original).

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generalização das especificidades do modelo industrial fordista( produção e consumo em massa, regulação keynesiana, etc.) que se moldaram nos países capitalistas depois da Segunda Guerra Mundial e têm sido também o ponto de referência da estratégia de industrialização do BrasiK18). Se isto redundou no caso brasileiro em um fo rd ism e incom plet ( Lipietz 1985), caracterizado fundamentalmente pela falta de um modo de regulação por parte do E stado que vise a expansão da infra-estrutura social, sua completação, então, tom a-se cada vez mais longínqua, na medida em que a modificação das condições globais (crise do endivida­ mento, mudanças nofo rd is m e com plet dos países centrais, etc.) reduz de uma forma expressiva a capacidade do Estado Nacional de influenciar o processo de valorização do capital a fim de levar adiante seus próprios objetivos de desenvolvimento. Diante destas condições, a região de fronteira, em vez de somar esforços para a “ manutenção de altas taxas do PIB, através de ampla con­ tribuição através do setor do comércio exterior” ( S U D A M 1 9 7 6 :5 2 ) está sendo atingida diretamente pelas tendências de crise do sistema global, criando-se, assim, uma situação na qual o seu espaço urbano tende a se tor­ nar cada vez mais um m ero e le m e n to r e c e p to r de um esforço desenvolvimentista fracassado. Todavia, se a realidade urbana for caracterizada fundamentalmente pelo fato de que enormes segmentos da mão-de-obra não estão sendo absorvidos pelo mercado formal de trabalho; a maior parte dos assalaria­ dos não tem, em decorrência da sua baixa remuneração, como encarar o preço da sua mão-de-obra como preço do seu trabalho; e as classes popula­ res de m odo geral estão confrontadas com instituições a nível municipal e regional que não conseguem resolver os problemas da infra-estrutura básica e se apresentam, assim, independentemente das concepções e das vontades daqueles que as ocupam, com o“ Estado de Mal-Estar” ( Oliveira 1986: 22), será que estas condições permitem caracterizar as cidades da fronteira com o “ local de (re)socialização da população” , no qual está sendo realizada a “ preparação da força de trabalho para o seu papel na sociedade através da veiculação de valores dominantes e da sua adequa­ ção ocupacional”? (Becker 1987 : 2).

(18) Sobre Fordismo e Fordismo periférico, veja (1987).

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L ip ie tz

(1985), Hurtienne (1986)e Altvater


Berta Becker defronta-se com esta problemática da seguinte maneiradestacando que embora tenha sido “ instrumento-chave para a estrutura­ ção da fronteira, viabilizando a acumulação e organização do poder e permitindo contornar as contradições inerentes ao processo como sustentáculo ideológico da fronteira”, a “ cidade não é apenas um reflexo da lógica do capital e da racionalidade estatal. É c o n d iç ã o n e c e s s á r ia para a dominação, mas também é con d ição n e c e ssá r ia ao desenvolvimento de movimentos contra a dominação”, alimentados tanto pela precariedade dos serviços públicos com o pela mobilidade do trabalho que “ constitui também um processo de “ aprendizado político”, pois ela é “ uma face do processo de liberação da força de trabalho que se integra no modo de pro­ dução por um mercado de trabalho organizado” (idem : 27) (grifo nosso). Trata- se de uma posição que, em nossa avaliação, abre uma perspectiva de pesquisa bastante questionável. Sem dúvida nenhuma, não há como negar que na valorização da região está implícita a transferência de padrôes de consumo e de produção dos avançados pólos de acumulação. Visto assim, o urbano na Am azônia pode ser encarado também com o expressão de mediação fundamental do movimento de globalização da sociedade, da economia e do espaço” (id e m : 2). Entretanto, se considerarmos que o crescimento urbano está caracterizado pelo aumento de uma mão-deobra, cujo consumo individual está quase inteiramente monetarizado,mas que se “ socializa” fora (ou amargem) do mercado formal de trabalhoe não dispõe de perspectivas de organização sindical, a discussão da questão se o contexto urbano da fronteira promove a integração social e ideológica das classes populares, ou se é “ condição necessária ao desenvolvimento de movimentos contra a dominação” (idem : 27), deve partir de um ângulo que fo calize a articulação das tendências de glob alização da so cie­ dade, representadas pelo movimento do capital e da atuação do Estado Nacional com as especificidades regionais!19), ou seja, com “ as condições, herdadas do passado, que, de alguma maneira, fornecem a matéria-prima para (a) remodelagem das relações atuais” (Lipietz 1987 : 2), seguindo uma linha de trabalho que parte do seguinte princípio teórico: “ A dialética do geral e do específico é fundamentalmente uma dialética histórica. A posição que possuem o geral e o específico pode se determinar (...) somente a partir do contexto de uma época. Isto significa que a dialética hoje tem a (19) N o que se refere à articulação entre m ercado mundial, E stado Nacional e região veia A ltvater: 1987. '

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sua base no específico. A predominância do geral ocorreu até o momento em que o capital e a troca de mercadorias, onde foram implantados, ab sorviam tod o o e s p e c ífic o , sem pre ten d o as m esm as fu n ç õ e s e consequências. Se partirmos desta perspectiva e a complementarmos ainda através da tendência de universalização da racionalidade tecnológica, continuará sendo possível o trabalho teórico que focaliza a universalização. Entre­ tanto, do pólo oposto, da base da resistência, é necessária uma outra linha de pesquisa. Aqui deve ocorrer um desdobramento do concreto geral em unidades bem menores.Na unidade cultural de um país, em suas especificidades sociais, na constituição histórica da sua vida política. A forma celular da qual fala Marx na análise da mercadoria e do capital perdeu a sua posição única e dominante na teoria. Quem, em qualquer lugar por onde passar, vir apenas o capital, a produção de mercadorias, a propa­ ganda e os comerciais, entenderá muito pouco dos contextos reais destes países e não perceberá como se constituem movimentos de resistência. Quem pesquisar hoje formas celulares em suas múltiplas manifestações, terá que tomar como ponto de referência os sujeitos envolvidos, ou seja, a força de trabalho que está sendo aplicada, marginalizada, transferida ou que se retira para o underground” (N egt 1982 : 86). 1.2. - M ã o -d e -o b r a e x c e d e n te e r e p r o d u ç ã o d a s ín t e s e s o c ia l “ A classe dominante brasileira”, destacou Roberto Freire, Depu­ tado Federal e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, no terceiro ano da N ova República, “ conseguiu um domínio ideológico da sociedade: ela conseguiu transmitir aos setores explorados, aos setores dominados, muito da sua ideologia, dos seus valores, e um dos valores que ela conseguiu realmente colocar na cabeça, eu dizia até também nos corações, foi essa fobia do comunismo (in: Senhor, 28.04.1987). Os militares brasileiros, por sua vez, não parecem muito convictos desta avaliação. Segundo Geraldo Cavagnari Filho, Coronel de Reserva e Diretor-Adjunto do N úcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, eles jus­ tificam a sua presença na política nacional justamente com as vulnerabilidades no campo social”, ou seja, com a pobreza absoluta e relativa de dois terços da população; pois no seu entender tomam uma sociedade com o a brasileira “ permeável a influências, principalmente do chamado movi­ mento comunista internacional” (Senhor: 19.5.1987).

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A s duas posições apontam para uma problemática que proporcio­ nou nas Ciências Sociais, durante as últimas décadas, polêmicas contro­ vertidas sobre a questão de que maneira aquela imensa mão-de-obra que vive à margem dos benefícios que o processo de industrialização sugere, afeta as formas de reprodução da síntese social É destacável que os teóricos da dependência a abordavam principal­ mente do ponto de vista das especificidades da acumulação capitalista nos países da Am érica Latina. Segundo autores como José N un( 1969), Miguel M urmis( 19 6 9 ),ou Aníbal Quijano (1 9 7 1 ) uma grande parte do excedente da mão-de-obra perdeu o caráter de um exército industrial de reserva para aqueles setores da economia que são tecnologicamente desenvolvidos, monopolisticamente organizados e, via de regra, internacionalizados, mantendo-o ape­ nas em áreas menos avançadas. M as mesmo aqui, em virtude da estreita margem de acumulação dos capitais, normalmente de origem nacional, há poucas possibilidades de uma absorção maior desta força-de-trabalho, o que faz com que ela esteja sendo empurrada cada vez mais para o “ pólo marginal” (Quijano), onde imperam o desemprego e subemprego e atividades por conta própria, caracterizadas, norm alm ente, por b aixos níveis de produtividade e rendimento. Em outras palavras, o desenvolvimento econôm ico dependente e a marginalização de crescentes segmentos da população, agravando-se de uma maneira exemplar no contexto urbano, são duas faces da mesma medalha. Foram, sobretudo, teóricos como Francisco de Oliveira (1972), Fer­ nando Henrique Cardoso (1974), Lucio Kowarick (1977, 1979 e Paul S inger(1981) que questionaram esta linha de argumentação. Confronta­ dos desde 1968 com o chamado “ milagre econôm ico” no Brasil, que revelou diversas “ distorções analíticas” (Fernando Henrique Cardoso 1974 : 34) do enfoque dependencista, colocando em xeque, sobretudo, a hipótese da incompatibilidade entre industrialização periférica e cresci­ mento econômico, estes autores insistiram em que as áreas nas quais pre­ dominam relações não-capitalistas de trabalho é que dão sustento aos setores dinâmicos da economia; pois da mesma maneira em que estão rebaixando os custos de reprodução da mão-de-obra formalmente empre­ gada através da oferta de bens e serviços “ salariais” e contribuindo para a circulação de bens industrializados, elas representam um vasto exército de

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reserva que, “ longe de ser uma m assa marginal, entendida como um con­ tingente com pouco ou nulo significado para o processo econôm ico (...), permite dilapidar, através da superexploração do trabalho e da espoliação urbana, boa parte da mão-de-obra engajada nas engrenagens produtivas, na medida em que os segmentos desgastados podem ser substituídos pelos vastos reservatórios disponíveis” (Kowarick 1979: 58). O que caracteriza esta disputa, portanto, è que ela se concentrava primordialmente na análise da função da mão-de-obra para a reprodução do capital, negligenciando ou tratando em termos bem genéricos as for­ mas, a dinâmica e as perspectivas de organização coletiva do protagonista em questão e o seu papel político para a reprodução da síntese social, que evidentemente não é idêntica com a reprodução do modo de produção dominante. Cabe assinalar que os adeptos da teoria do “ pólo marginal tinham a tendência de abordar o contingente marginalizado como ameaça para a estabilidade do status quo. “ Os marginalizados” , destacaram por exemplo Hein e Simonis (1978: 226), “ praticamente não têm nada a perder. A s suas necessidades no contexto do sistema imperante são impossíveis de serem atendidas. Lutas políticas detonarão, portanto, o sistema institucional existente, a partir do momento em que grupos marginalizados começarem a preencher as suas necessidades através de ações próprias” . Por outro lado, não é de se estranhar que os seus opositores os trata­ vam com o elemento integral da classe operária. N este contexto merece destaque um estudo de Paul Singer (1981), no qual ele mede, com base nas estatísticas oficiais, “o tamanho das classes no Brasil (...) ao longo de um perí odo de 16 anos (1 9 6 0 -1 9 7 6 )” (idem :22), chegando à conclusão de que em 1976, 75,7% da população economica­ mente ativa pertencia ao proletariado, 28,1% ao proletariado propria­ mente dito e 47,6% ao subproletariado, que vende a sua força de trabalho, como ele destaca, em condições anormais. Enfatizando que “ a possibilidade de cada classe de conquistar ou reter a hegemonia (...) depende tam bém do número de pessoas que a compõem” (idem: 25, grifo no original), ele deixa bem claro que o projeto hegemônico do proletariado “ visa antes de mais nada a igualdade a ser alcançada pela abolição da divisão de classes” (idem: 24)(2°). (20) Um enfoque deste tipo tornar- se-a claro, in “ Capitalismo e Marginalidade na América Latina , na medida em que Kowarick (1977) escreve que “ não se trata mais de analisar o que os indivi-

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D esta maneira, ele segue uma linha que na discussão marxista sobre as classes sociais tem uma longa tradição. Aborda-se preponderantemente a sua localização dentro da estru­ tura objetiva, mas se dá pouca relevância aos seus padrões de ação, supondo-se que, implícita ou explicitamente, haja uma correspondência direta entre a situação econôm ica e a posição político-ideológica dos pro­ tagonistas sociais. N a discussão mais recente sobre o conteúdo analítico do conceito de classe social, D avid L ockw ood(1985: 24) apontou com justa razão que este enfoque está fundamentado, primordialmente, numa visão utilitarista de ação “ que entende como únicos objetivos importantes os interesses fun­ damentais da classe, para o que, portanto, a racionalidade se apresenta como único instrumento de adaptação dos meios aos fins, e que pode expli­ car desvios da ação racional somente mediante referência à ignorância causada pela ideologia ou por simples erros”, ou seja, desconsidera o vasto campo da integração normativa das classes subalternas no sistema vigente que, no caso das sociedades da periferia do mercado mundial, precisa ser discutida sob o seguinte aspecto: se “ o capitalismo moderno desperta, em seu próprio interesse de valorização, idéias e anseios cuja satisfação maciça o destruiría” (N egt, Kluge 1974 : 85), mas ao mesmo tempo não atende nem as necessidades básicas da grande maioria da população e menos ainda lhe dá acesso às promessas do consumo ilimitado, neste caso, em nossa avaliação, as formas da integração normativa das classes subal­ ternas estão diretamente relacionadas com valores culturais de modos de produção não-simultâneos às relações capitalistas que, na sua articulação com estas, constituem o que denominamos de r e s e r v a g r a tu ita d e d o m in a ç ã o (21). duos pensam ou o que eles são, enquanto uma fatia sócio-econômica, mas de caracterizar do ponto de vista macro-estrutural a dinâmica das oposições que se operam na estrutura de clas­ ses” . Para esta linha de argumentação, vale também o que Fernando Calderón Gutiérrez (1987 : 191) atesta para “ análises predominantes no campo das Ciências Sociais na América Latina” que,de modo geral, "deixaram de lado a interpretação dos movimentos sociais e outras formas' de açào coletiva”. (21) “ A economia capitalista” , escrevem Negt e Kluge (1987 : 651), “ p ro d u z(...) ao trabalhar e se apropriar de materiais da história não-presente. Entretanto, estes materiais históricos, por sua vez, (...) atingem o terreno capitalista Eles constituem junto com a relação de produção domi­ nante uma relação histórica (Geschichtsverhàltnis)”. Somente partindo desta relação histórica, que no caso brasileiro assume evidentemente formas variadas nas diversas regiões, é possível aproximar-se da questão das modalidades da reprodu­ ção da sintese social.

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F oi no final dos anos setenta que a discussão sobre as camadas mar­ ginalizadas tomou um novo rumo no Brasil. A partir de então, o interesse cognoscitivo das vertentes criticas das Ciências Sociais com eçou a se deslocar para as suas formas de organiza­ ção e de ação coletivas (22). Responsável por isso foi, como se sabe, além dá espetacular onda de greves no A BC de São Paulo que levou à constitui­ ção do “ N ovo Sindicalismo” , o surgimento de movimentos reivindicatórios urbanos que proliferaram nos bairros periféricos das grandes cidades, exigindo melhores condições de moradia, de consumo coletivo, etc; e con­ tribuindo assim para a movimentação de uma sociedade civil, cujos canais de representação popular tinham sido fechados pelos órgãos do Estado burocrático-autoritário” (G . 0 ’Donnel). Tais movimentos confrontaram os cientistas sociais com uma situação que Eder Sader e Maria C. Paoli (1986 : 6 0 , 6 1 ) descreveram da seguinte maneira: “ Os pesquisadores dos anos 80 se viram diante de um momento político marcado por movimentos vários de luta contra pressões diversas, a maioria de base popular, cuja promessa tirava de cena os atributos de “ alienação” e heteronomia tradi­ cionalmente atribuídos aos trabalhadores. Contemporâneos de seu pró­ prio tempo e herdeiros das interrogações que levavam a procurar as práti­ cas operárias em seu próprio campo; a constituir o cotidiano como espaço simbólico de vivência da dominação e de formulação de projetos para quebrá-la; a desconfiar da memória do vencedor e do discurso competente (da própria academia, inclusive); com os olhos postos e os ouvidos atentos para os movimentos mundiais de politização do espaço da fábrica e das esferas de reprodução; e encontrando rio objetos, mas sujeitos com esco­ lhas, vontades e representações próprias, os pesquisadores dos anos 80 estão construindo uma imagem de classe múltipla e diferenciada, que no entanto se articula através da noção de enfrentamento coletivo com um poder que também não é único” . Se inicialmente os movimentos desta “ classe diferenciada” foram abordados, sobretudo, como “ base possível de uma real democratização da sociedade, não só pelo conteúdo popular de suas reivindicações, mas (22) No que se refere ao “ espirito inicial” da abrangente literatura sociológica sobre as contradições urbanas e os movimentos sociais por elas causados, publicada a partir do final dos anos setenta, ele está sendo traduzido de uma maneira nítida no trabalho “ São Paulo, o Povo em Movimen­ to” , organizado por Paul Singer e Vinícius Caldeira Brant (1980 : 9) em que se lê: Grande parte dos estudos sobre as classes populares urbanas no Brasil dedica-se à explicação de sua ausência do cenário político e dos grandes embates sociais. Este livro trata de sua presença .

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ÉtifiiiiliíiÉiÉNÉi


também pelas formas democráticas que conseguiram criar diretamente, a despeito de instituições ditatoriais e de uma repressão sem regras nem freios” (Brant, 1981; 20), na discussão mais recente o seu potencial polí­ tico está sendo repensado. Segundo Ruth C ardoso( 1 9 8 3 :2 2 0 ) os seus “ intérpretes privilegia­ ram a rebeldia das massas contra o autoritarismo (que é real), mas deixa­ ram de lado que as administrações mais modernas e os planejadores mais eficientes dialogam com os usuários e os consumidores de serviços estatais ( .. .) . O personagem “ Estado” entrou neste cenário com uma caracteriza­ ção um pouco pobre, definido apenas com o inimigo autoritário ( . . . ) contra o qual se m ovia a sociedade civil. Esta sim, foi descrita com o diversificada, conflitiva, dinâmica e espontânea, enquanto a mudança nos métodos de trabalho de alguns setores governamentais ficou esquecida” . Em outras palavras, enquanto “ os movimentos redescobrem novas formas de ação e participação, o Estado também amplia seu espaço e modifica a dinâmica da sua interação” (Jacobi 1987 : 272). Trata- se de uma argumentação que, à primeira vista, explica convin­ centemente por que “ os movimentos reivindicativos não foram capazes de fazer valer, ao nível da criação de instituições novas e da participação nas existentes, a conquista de “ direitos” que passaram a fazer parte da cultura política do país” (N unes 1987 : 93). O que é surpreendente, porém, é a evidência com a qual a simples mudança nos métodos de trabalho de alguns setores governamentais” (Cardoso : idem) está sendo abordada com o mecanismo de integração social que, por sua vez, limita a força transformadora dos movimentos sociais urbanos. Pois, mesmo considerando que em sociedades nas quais “ uma parcela majoritária, tanto rural com o urbana ( . . . ) vegeta em condições miseráveis ou extremamente pobres” (Jaguaribe e t al. 1986 : 187), há, com o indica a abertura política, mais espaço para liberdades democráticas do que uma considerável parte do pensamento crítico das Ciências Sociais tem suposto nos anos 60 e 70 <23), não podemos esquecer que as condições (23) “ Tudo indica”, escreveu Theotônio dos Santos (1973 : 256/7), que aqui citamos, pois a sua abordagem expressa de uma maneira exemplar a visão de uma grande parcela da esquerda daquela época, “ que deve-se esperar por um longo processo de agudos confrontos poBticomilitares e de profunda radicalização social, processo este que levará estes países ao seguinte dilema: ou regimes violentos preparam o caminho ao fascismo, ou movimentos populares e revolucionários preparam o caminho para o socialismo. Em vista de tão contraditória reali­ dade, soluções parciais tèm-se mostrado sem sentido e utópicas”.


dã realização de uma política hegemônica pelas instâncias estatais mais “ modernas e eficientes” que “ procura expressar a parte como se fosse o todo” (F. H. Cardoso 1 9 7 7 :8 6 ) não são muito promissoras, já que a crise do endividamento se põe de qualquer maneira com o obstáculo para amor­ tizar a dívida social acumulada na fase do acelerado crescimento eco­ nômico e, além disso, a adoção de reformas que iriam modernizar social e institucionalmente o capitalismo brasileiro, por exemplo, no sentido das propostas apresentadas por Jaguaribe e t aL em seu Brasil 2.000 (1986), está sendo dificultada pelo “ hiato imenso —e sociologicamente absurdo— entre'a classe dirigente e o povo” (G . 0 ’Donnel, in: Senhor 2 6 /0 8 /8 6 ). Partindo daí, cabe retomarmos a pergunta de que maneira a exis­ tência daquela numerosa mão-de-obra não beneficiada pelo fordismo periférico” (24) à la brasileira afeta a reprodução da síntese social? Será que ela representa, em princípio, um campo fértil para a forma­ ção de movimentos de índole radical, conforme o raciocínio militar abordado por Cavagnari Filho? (25> Será que e la “ é incompatível com a preservação de uma democracia estável, porque gera demandas não negociáveis consensualmente e suscita pressões incontroláveis, que se manifestam entre outras modalidades, sob a forma de uma crescente criminalidade urbana e de não menos crescente violência rural?” (Jaguaribe e t al. idem : 187 / 188). Ou será que esses “ subalternos que ficam abaixo das linhas de classe da subaltemização como o último degrau da sociedade” são uma “ mina de ouro para o sistema de poder” , pois “ se move ( m) graças às promessas que ouve(m) (ou às promessas que se espalham velozmente de cima)?” (Florestan Fernandes, in: Folha de São Paulo, 21.8.1986). Para debruçar-se

(24) Hurtienne(1985) o aborda, com relação à economia brasileira, sob o aspecto da defasagem entre regime de acumulação e regulação. (25) Um exemplo neste sentido, seriam as atividades do Sendero Luminoso, no Peru, que, segundo Henri Favre do Instituto de Altos Estudos sobre América Latina, mostram que “ os setores marginais e periféricos, situados fora da estrutura nacional de classes, são, sob certas con­ dições, susceptíveis de mobilização política e social A verdade é que sempre se insistiu na idéia de que os indivíduos que formam estes setores são atomizados. Se a mobilização dessa popula­ ção não ocorreu em outros países da América Latina é que não foi feito um trabalho político suficiente” (in: O Liberal, 13/3/88).

32


nesta problemática é preciso, em nossa avaliação, voltar a atenção para os sujeitos envolvidos, dando ênfase na questão de com o estes trabalham a sua própria inserção nas estruturas imperantes, elucidando “ o tempo, o lugar e os acontecimentos em tom o dos quais a sua experiência é constituí­ da” (T elles 1 9 8 7 :7 9 ), e seguindo assim o princípio de que a “ dialética tem a sua base no específico” (Negt, idem), na medida em que o objeto de estu­ do for o pólo oposto da lógica de dominação. Ou seja, embora “ a segrega­ ção sócio-econôm ica” (Kowarick 1983 : 56) à qual estão submetidas as classes populares nas cidades brasileiras seja um fenômeno geral, no que diz respeito às implicações políticas que isto proporciona em cada lugar, elas diferem de acordo com o modo pelo qual as particularidades regionais/ locais se articulam com as tendências nacionais e globais e precisam ser indagadas por estudos de caso (26). N o caso da Amazônia, que “ permanece até a década de 1960 prati­ camente à margem das grandes m odificações que a penetração e expansão do capital industrial provocavam em outras regiões do Brasil” (M agalhães Filho 1986 : 19), o elemento regional/local adquire, na nossa avaliação, uma importância bastante peculiar, pois o fato de ela ser uma região na qual“ a forma capitalista da lei de valor estrutura e sintetiza, apenas, partes da sociedade” (N egt 1976 : 30), leva-nos a levantar a hipótese de que no seu próprio contexto urbano se mantém de uma maneira expressiva “ uma sobra substancial de visões tradicionais referentes à relação homem/ natureza e de formas pré-industriais de vida que moldam a vivência his­ tórica do indivíduo” ( N e g t : idem). E isto não é apenas decorrente do elenco de valores sócio-culturais que lhe corresponde e faz parte daquilo que Pierre Bourdieu(1979 : 169) chama de “formas de hábito”, entendidas como um “sistema de disposições duradouras” que integra “todas as experiências do passado” e que, em situações novas, não deixa de influenciar a ação social dos sujeitos; o que tem que ser levado em conta, além disso, é que na proletarização passiva está implícita a sua reprodução, já que ela repre­ senta um recurso importante para o desenvolvimento de estratégias informais de sobrevivência econômica.

( 26) " Cabe se conhecer” , destaca Milton Santos, “ porque o mesmo fenômeno geral tem caras diferen­

tes em Sào Paulo ou no Rio, em Salvador ou Recife, em Porto Alegre ou Belém” (in: Folha de São Paulo, 28/4/1988).

33


1.3, - Belém do Pará: O campo de pesquisa Em se tratando de uma aglomeração que se tom ou na virada do século a “ capital da borracha” , acompanhando, segundo Theodoro Braga, pari-passu todo o evoluir da civilização européia, em contato semanal com os centros elegantes do mundo” (im Penteado 1968 :1 6 0 ) e que hoje com os seus aproximadamente 1,5 milhão de habitantes é a única Região Metropolitana na Amazônia, Belém apresenta, sem dúvida nenhuma, uma série de traços bastante singulares. Entretanto, no que diz respeito à dinâmica e às modalidades do seu recente desenvolvimento sócio-econôm ico, “ a cidade que nasceu nas águas” (Leandro Tocantins) não foge, em princípio, das linhas que esbo­ çamos anteriormente sobre o processo de urbanização da fronteira. Embora entre 1960 e 1980 o crescimento relativo da população eco­ nomicamente ativa (P E A) tenha sido maior do que o da população total e da população não-economicamente ativa (P N E A ) (veja tabela 2), em nada modificou-se o grave quadro do desemprego e subemprego estruturais. Se considerarmos para o período em questão as alterações da estru­ tura ocupacional, deve-se destacar que a participação do setor terciário na com posição do emprego permaneceu praticamente constante, mas a sua importância relativa, enquanto gerador de novos postos de trabalho, era bem menor do que a do setor secundário (veja tabela 3). Cabe enfatizar, porém, que apesar do maior dinamismo deste último, a base produtiva da RMB e do Estado como um todo se mostra até hoje bastante frágil e limitada. Como indica a tabela 4, a indústria de transformação no Para, que em 1980 contribuiu com apenas 0,73% para o valor da transformação industrial do Brasil (IBG E, Anuário Estatístico 1985), concentra 42,5 /o dos estabelecimentois e62,9% dos empregos na RMB * . Trata-se de uni­ dades de produção, cuja cifra de ocupação média situa-se em tom o de 22 trabalhadores e que, não raramente, trabalham com tecnologias artesanais. Convém ressaltar que estes dados refletem também os problemas não resolvidos que a mudança do papel da capital paraense proporcionou dentro da divisão inter-regional do trabalho. Se, como enfatiza Eidorfe M oreira(1966 :2 3 ), “ no plano histórico, nenhuma região dependeu tanto de uma cidade como a Amazônia dependeu * Região Metropolitana de Belém


de Belém”, a valorização da região acabou com a sua tradicional função de principal entreposto comercial, que organizava a troca de mercadorias entre seu hinterland e os mercados externos, sem ter gerado impactos para um desenvolvimento econôm ico capaz de absorver a crescente população em idade de trabalhar, cuja elevação se deve, em grande parte, ao êxodo do campo, induzido, por sua vez, pelo fato de que a modernização traz consigo a inviabilização de tradicionais modos de (re)produção no con­ texto interiorano. M as voltemos para a estrutura ocupacional Se entendemos por tra­ balho formal uma espécie de trabalho que é prestada mediante contrato jurídico e amparada por garantias trabalhistas e previdenciárias, incluindo, enquanto forma de organização própria, a possibilidade de sindicalização! tanto e m l9 7 8 c o m o e m l9 8 4 apenas45% d a P E A se enquadraram nesta categoria; 52% , ou seja, mais do que a metade, fizeram parte daquilo que se costuma chamar de setor informal (veja tabela 5). N a realidade, porém, estes dados não revelam o verdadeiro grau do desemprego e subemprego. Pois, se levarmos em conta que em tom o de três quartos da população em idade de trabalhar ou estão sem rendimento, ou ganham até dois salários-mínimos (veja tabela 6), o fato de que entre 1978 e 1984 a parcela das pessoas ocupadas tenha permanecido quase estável configura-se, sem dúvida nenhuma, com o indício de que os limites do mercado de trabalho são muito mais expressivos do que pressupõem as estatísticas sobre o desenvolvimento da PE A (27>. Por outro lado, é evidente que as camadas populares, cuja renda mensal oscila entre um e três salários-mínimos, não têm outra escolha senão a de habitar a periferia urbana, na qual as condições de consumo coletivo são extremamente precárias. Segundo a G eotécnica (1 980 : 13, 14) “ mais de 60% do espaço (27) Neste sentido, os autores da Geotécnica enfatizam com justa razão que “ o conceito de população economicamente ativa (PEA) mascara e esconde o desemprego estrutural existente no pais como também na RMB, obviamente. Na PE A só estão incluídas aquelas pessoas que trabalham, que buscam trabalho e as que não estão trabalhando eventualmente por uma circunstância qualquer (preso, aguardando julgamento, etc.). Ora, como em 1970 a PIA (população em idade de tra­ balhar) fòi quase 2 vezes maior do que a PE A podería se concluir que aproximadamente metade das pessoas em idade de trabalhar não se interessa em procurar emprego, pois caso procuras­ sem, estariam incluídas na PE A Esse fato, na verdade, reflete muito menos a pouca motivação dessas pessoas na busca de trabalho do que as pequenas dimensões do mercado de emprego, já que grande parte delas não procura trabalho simplesmente porque os empregos não existem” (idem : 99).

35


fí sico-habitacional na RMB é produzido de formíi espontânea, indepen­ dendo de atos oficiais reguladores” . Trata-se de um processo de favelização que,, no caso da capital paraense, tem levado à acelerada ocupação daquelas faixas da cidade situadas às margens do rio Guamá, da baía do Guajará ou dos grandes igarapés que, por não ultrapassarem a cota altimétrica de 5 metros, estão sujeitos a oscilações da maré fluvial (veja gráfico 1), sofrendo inundações, sobretudo, no período de chuvas entre dezembro e maio. Estas baixadas, em que sequér são garantidas as mínimas condições de infra-estrutura( fornecimento de ágpa potável, escoamento de lixo, ruas viáveis, etc.), abrigam, num espaço de 20 Km 2, aproximadamente 450.000 pessoas. Embora isto represente o problema chave do município em ter­ mos sociais e ecológicos, as instâncias políticas da Prefeitura ou do Estado não dispõem dos recursos necessários para resolvê-lo definitivamente através da implantação de um sistema de drenagem e comportas, lançando mão de paliativos, com o o da construção de estivas (2g) que dão acesso pre­ cário às casas dos bairros alagados. Por outro lado, não é de se estranhar que, a partir do estabelecimento de eleições democráticas para os cargos de governador de Estado e pre­ feito de município, a recuperação das baixad as em b en efício dos seus moradores tenha-se tomado elemento integral do discurso de todos os políticos e partidos. Em outras palavras, quem quer se manter ou chegar a postos de comando do Estado local, numa cidade na qual em tom o de 50% da população vivem na periferia urbana, precisa evidentemente mobilizar o voto popular.

1.4. Procedimento metodológico Com o universo empírico da pesquisa escolhem os quatro áreas da periferia urbana de Belém (ver mapa correspondente): —Terra Firme, que abriga em tom o de 70.000 pessoas e que, não obstante o seu nome, apresenta um montante de área sujeita a alagamento na ordem de 83% (S U D A M 1976); (28) Trata- se de passarelas suspensas, construídas em geral de madeira que possibilitam o trânsito dos moradores em áreas alagadas.

36


- O Bosquinho, um sub-bairro da Terra Firme, originado pela ocupação espontânea de um terreno pertencente à Universidade Federal do Pará, que, por sua vez, depois de conflitos iniciais, resolveu conceder os direitos de moradia para os posseiros, cujo número alcança hoje aproximadamente 5.000; - Vila-da-Barca, um sub-bairro do Telégrafo, habitado por cerca de 2.0 0 0 famílias, que por estar localizado à beira da baía do Guajará e por ser composto inteiramente de palafitas,em d ecorrên cia das oscilações da maré-fluvial, pode ser encarado como unidade própria; e - Bengui que, em relação aos demais se acha mais afastado do centro da cidade, não está sendo definido com o área urbana pelo IBGE, e cujo acelerado crescimento demográfico dos últimos anos levou o mon­ tante dos seus habitantes à marca de 100.000. N ossa decisão em nos ocuparmos com estas partes da cidade se baseou, fundamentalmente, no fato de elas representarem redutos típicos da população de baixa-renda em Belém e por registrarem, conforme demonstrou uma pré-amostragem realizada em 1985, altas taxas de mi­ gração provenientes do interior paraense. U m a outra razão que nos levou a esta escolha pode ser atribuída à questão que inicialmente nos inquietava a respeito de uma possível interrelação entre as diferentes histórias de formação dos bairros e a constitui­ ção de associações comunitárias que lutam pela melhoria das condições de reprodução. N o decorrer da pesquisa, no entanto, fomos levados à conclu­ são de que, pelo menos no caso dos bairros em questão, tal relação não foi possível de ser constatada. Relativamente ao nosso procedimento metodológico, ele foi deter­ minado inicialmente pela quase absoluta falta de dados disponíveis sobre os bairros escolhidos. Isto nos levou à elaboração e à aplicação de um questionário a respeito da origem, migração, trabalho, saúde, renda, com­ posição familiar, transporte, moradia, etc., da população. D os 1.105 questionários realizados aproveitamos 1.035 (594 do Bengui, 300 da Terra Firme, 71 do Bosquinho, 70 da Vila da Barca) que resultaram em informações sobre 516 homens e 519 mulheres que junto com os seus familiares representam um universo composto de 5.525 pessoas.

37


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Tabela 2 : POPULAÇÃO RESIDENTE, POPULAÇÃO NÂO-ECONOMICAMENTE ATIVA, POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA DE RP-IÜli em 1960. 1970 e 1980. ■■■ HDD *

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58,65

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238.345

393.821

53,47

53,41

135,45

6,77

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108.491 27,06

165.836

26,06

291.758

31,18

57.345

125.922

183.267

52,85

75,93

168,92

8,44

IEA/PNEA

-

3731

-

37,16

-

Foate: Fundaçio IBGE Censo Demográfico 1960,1970 e 1980

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Fonte: Fundação IBGE Censo Demográfico 1960,1970,1980

Tabela 3 : SITUAÇÃO DE EMPREGO SEGUNDO SETOR DE ATIVIDADE 1960, 1970, 1980

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1 .5 9 4 i 8

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Produtos Alim.,de Bebidas, Álcool Etílico

7 5 ,0 O0

3 8 ,0

316

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Fonte: Idesp/CSE

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5 .5 7 7

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1 .169

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19,2 57

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Têxtil de Vestuário e Artefatosde Tecidos

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Química de Prod. Farmac. Veg. e Perfu­ mes, Sabões, Velas e Mat. Plástico

CO

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Borracha, Fumo, Couros, Peles e Prod. Similares e Ind. Diversas

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Papel, Papeláo, Edit. e Gráfica

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Madeira e Mobiliário

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Material de Transporte

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Número de Estabelecimentos 2 CS

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Gênero de Indústria g

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TRANSFORMAÇÃO - JUNHO DE 1985

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Tabela 5 : PESSOAS OCUPADAS COM RENDIMENTO DE TRABALHO POR POSIÇÃO NA OCUPAÇAO - 1978/1984 1978 N9 284.733

TOTAL

1984 % 100

N9 299.876

% 100

SEM CARTEIRA

85.269

29.99

88.943

29.65

CONTA PRÓPRIA

63.249

22.21

68.126

22.7

129.803

45.58

136.912

45.65

EMPREGADOS COM CARTEIRA

Fonte: Fundação IBGE, PNAD 1978, 1984

T a b e la 6:

PESSOAS EM IDADE DE TRABALHAR (10 ANOS E MAIS) E MAIS O VALOR DO RENDIMENTO MÉDIO MENSAL - 1978/1984 1978 N9

1984 %

Total

%

100

702.881

100

TOTAL

654.564

ATÉ 2 SM

244.873

37.41

194.205

27.6

SEM RENDIMENTO

303.500

46.36

345.815

50.42

Fonte: Fundação IBGE, PNAD 1978, 1984

42



Entretanto, quem pretende estudar as formas de reprodução eco­ nômica e de organização social das classes populares juntamente com as percepções que elas desenvolvem no que tange à sua inserção no sistema vigente de dominação, não poderá dar-se por satisfeito com os resultados de tal levantamento. N a realidade, para poder adentrar-se neste segundo aspecto, toma- se necessário adotar um outro procedimento metodológico, a saber, a entrevista aberta. Entendemos este conceito como uma técnica de investigação que vê na criação de uma situação de diálogo entre o pólo pesquisado e o pólo pesquisador um pré-requisito essencial para se aproxi­ mar da complexa inter-relação entre a estrutura sócio-econôm ica e as for­ mas empíricas da consciência social. Convém ressaltar, contudo, que o trabalho com fontes orais está sendo encarado nas Ciências Sociais e na Historiografia de uma maneira bastante controvertida. N o que concerne aos argumentos que colocam em dúvida o seu valor cognoscitivo, estes fazem referência ao esquecimento e às percepções seletivas do entrevistado, à questão da representatividade das entrevistas, ao desnível sócio-cultural entre o entrevistado e o entrevistador - que transformaria, de antemão, em casos de pesquisas sobre as camadas populares, o diálogo pretendido em uma mera ilusão —, à possibilidade/ probabilidade do entrevistado esconder elementos essenciais das suas experiências e, last but n o t least, ao perigo de exorcizar o diabo do objetivismo com o Belzebu do subjetivismo. N ã o negamos a importância de tais ponderações, pois elas alertam para dificuldades a serem consideradas na aplicação do método biográ­ fico, comumente denominado de História O ral(29). Muito embora não tencionemos entrar em detalhes quanto a esta disputa metodológica, gostaríamos, no entanto, de chamar a atenção para o seguinte aspecto: estudos que seguem os objetivos acima mencionados são desprovidos de qualquer possibilidade de penetrar na “ cultura de silêncio” (Brandão 1982: 31) do pólo investigado, na medida em que depositam sua confiança unicamente no questionário elaborado, pois sua “ limitação conformista” (T h io lle n tl9 8 0 :6 3 ) reforça este silêncio. N este sentido não há outra alternativa senão a entrevista aoerta. Por outro lado, por maior que seja a consciência dos limites e das (29) No que tange às possibilidades e aos limites do método da História Oral, orientamo-nos em Niethammer(1985, 1985 a)

44


opções de que dispõe o método, ela não implica em sua adequada éfetivaçãa Quem deixar as carteiras universitárias e entrar num contexto soeial alheio ao seu ambiente acadêmico, vivenciará certamente uma série de situações não previstas que podem causar insegurança no comportamento e incertezas na avaliação. Visto assim, a pesquisa empírica é uma espécie de aventura, desconhecida para todo aquele que não se afasta da sua escrivaninha. N o que se refere à organização das entrevistas abertas, escolhem os trinta pessoas cujas condições sócio-econôm icas correspondem à média da população englobada pela amostragem. Todas as entrevistas foram realizadas no ambiente dos próprios entrevistados. Elas fornecem informações valiosas de com o estes se rela­ cionam com a vida no interior e na cidade, como encaram o trabalho no contexto urbano e as instituições estatais com as quais estão confrontados no seu cotidiano, de que maneira interligam o princípio esperança de um futuro melhor com a realidade adversa do seu dia-a-dia, o que esperam dos “ donos do poder político” (expressão de um morador do Bengui) e como avaliam as possibilidades e as perspectivas de organização própria nas associações de bairro engajadas na luta por melhorias da infra-estrutura urbana da periferia belenense. D evido ao fato de que mais do que 50% dos que foram entrevistados mediante questionário pré-elaborado são originários do meio rural, predo­ minantemente das microrregiões do Baixo-Tocantins e Bragantina, resol­ vemos incluir estas duas MRHs* na pesquisa de campo. Visitamos, sobretudo, localidades indicadas pelos entrevistados urbanos, realizando mais sessenta entrevistas e criando, desta maneira, melhores condições para analisar as disposições sócio-culturais com as quais os interioranos vivenciam o processo de sua proletarização passiva e a sua integração no contexto urbano. Quanto à leitura das fontes orais, convém ressaltar que as encara­ mos menos “ como informações sobre determinados fatos” do que como “ expressão de uma determinada cultura” (Passerini 1985 :2 9 9 ) e das nor­ mas a ela correspondentes, cujo grau de intem alização é fundamental para o grau de concordância e/ou de rejeição das formas específicas que carac­ terizam a reprodução da síntese social, pois, com o enfatizou D avid Lockwood (1 979 : 127) com toda a razão, “ a particularidade do sistema * Microrregiào Homogênea

45


de valores em uma determinada estrutura de dominação é de relevância decisiva para o surgimento, a intensidade e o direcionamento de conflitos em potencial” (3°). Concordamos com Lutz Niethammer (1985 : 117), segundo o qual através da “ com posição de histórias de vida caracterizadas por contextos sócio-culturais comparáveis, pode-se depreender uma parte daquilo que Bourdieu denomina de h a b itu s” ,

(30) "A economia política” , escreve E. P. Thompson( 1980:224), “ tem conceitos para o valor de uso, o valor de troca, o valor dinheiro e a mais-valia, mas não para valores normativos” .

46


2. S O B R E A S C O N D IÇ Õ E S D E R E P R O D U Ç Ã O SÓ C IO -E C O N Ô M IC A D A S C A M A D A S P O P U L A R E S D A P E R IF E R IA U R B A N A D E B E L É M 2 . 1 - T r a b a lh o e re n d a D e acordo com o con ceito de trabalho formal anteriorm ente desenvolvido, apenas 27,5% do total dos entrevistados ou 35% dos eco­ nomicamente ativos se enquadravam dentro desta categoria ocupacional N o que concerne aos demais, eles estavam, na época da pesquisa de campo, ou sem trabalho remunerado ou procuravam garantir a sua sobre­ vivência através de a tiv id a d e s in fo r m a is, das quais é preciso dife­ renciar entre: a) o tr a b a lh o a u tô n o m o e fe tiv o desenvolvido em caráter perma­ nente por feirantes, pequenos comerciantes, mecânicos, etc., e que depende da disponibilidade sobre um mínimo de meios de circulação e/ou de produção; b) o tr a b a lh o a u tô n o m o o c a s io n a l, o chamado biscate, que exige da mão-de-obra aceitar todo tipo de serviço remunerado em qualquer ramo da economia urbana e, finalmente, c) o e m p r e g o se m c a r te ir a a ssin a d a , caracterizado pelos pró prios operários como “ trabalho encostado” porque ele se realiza na base da negação das garantias trabalhistas vigentes. Dentro do perfil ocupacional dos entrevistados, a categoria dos autônomos é o segmento maior, representando junto com os trabalhadores sem vinculo empregatício 51,2% (veja tabela 7) do universo pesquisado ou 65% do contingente dos economicamente ativos, dos quais, nas suas trajetórias profissionais, quase 42% já foram biscateiros, empregados domésticos, trabalhadores braçais sem qualificação ou vendedores ambulan-

47


tes, em meio a inúmeras outras atividades menos expressivas em termos estatísticos (tabela 8). Estes dados, se confrontados com as estatísticas oficiais (P N A D 1980/85), segundo as quais em torno da metade da P E A está integrada no mercado formal de trabalho, mostram que o nível de subemprego nos bair­ ros periféricos é bem mais dramático do que é divulgado. N o que se refere às donas-de-casa, partimos da hipótese de que sua dedicação exclusiva à esfera doméstica é menos uma escolha própria em favor da administração do lar e da educação dos filhos do que o resultado de uma situação, na qual, ou por falta de oportunidade de emprego ou por circunstâncias pessoais e/ ou familiares (doença, gravidez, falta de creches para filhos pequenos, etc.), elas ficam impedidas de dar uma contribuição financeira para a renda familiar que, em decorrência da mercantilização quase completa do consumo básico no contexto urbano, se tom a essencial para a sobrevivência É de se destacar que quase 70% das mulheres entre­ vistadas no momento da coleta de dados exerciam um trabalho remunerado. O que caracteriza a situação da renda é que 50,7% dos entrevista­ dos, exercendo atividades remuneradas, ganham no máximo um saláriom ínim o e que 61,6% das fam ílias, constituídas em m édia por seis membros, possuem um ganho mensal não superior a dois SMRs*. Além disso, deve-se enfatizar que no momento da pesquisa de cam po21,3% das pessoas entrevistadas encontravam-se sem renda, o mesmo acontecendo com 4,5% das famílias levantadas (ver tabelas 9, 10 e 11). t Pensávamos inicialmente que através da conjugação familiar no esforço de geração de renda poderia ser com pensada a b aixa rem une­ ração individual. M as constatamos que esta suposição podia ser descartada, posto que 42% das famílias sobrevivem apenas do trabalho de um e mais de 35% dependem da renda de não mais do que dois dos seus membros. Por outro lado, o fato de que a renda familiar média mensal gire em torno de 1,8 SMR e seja gerada por apenas um terço dos seus componentes, significa que cada elemento que contribui para a formação de renda familiar sustenta a si próprio e a mais dois dependentes (veja tabelas 10 e 11). Além disso, é destacável que a fo rm a d e tr a b a lh o não influencia expressivamente o nível da renda individual, pois entre aqueles que se

* Salário-Mínimo Regional

48


encontravam trabalhando, 70,6% ganhavam, no máximo, dois salariosmínimos. Assim, na medida em que se acrescenta ao percentual anterior os 21,3% de desempregados e donas-de-casa, pode-se concluir que a renda mensal de dois salários-mínimos representa um limite transponível apenas para uma minoria bastante reduzida, inferior a 10%. Com base nesta constatação, levantamos a questão relativa às preferências ocupacionais. É interessante registrar que 42,1% dos assalariados formalmente empre­ gados, 63,1% dos autônomos, 59,8% dos assalariados informais e até mesmo 54% dos desempregados optaram pelo trabalho autônomo efetivo, justifi­ cando esta escolha pelo fato de não terem de se subordinar à figura de um patrão, de poderem determinar o seu ritmo de trabalho e de, embora ape­ nas conjunturalmente, poderem aumentar o ganho do trabalho ( ver tabelas 12 e 13). Esta opção é compreensível se levarmos em conta que no contexto da econom ia belenense, em decorrência dos limites do setor organizado do mercado de trabalho, o assalariamento dificilmente pode ser encarado como destino social, visto que ele, via de regra, não satisfaz às necessida­ des de reprodução econômica e - como abordaremos mais adiante - até mesmo entra em contradição com uma experiência cultural caracterizada por uma maior autodeterminação do tempo e do ritmo de trabalho. N o que se refere à possibilidade de acesso ao trabalho formalizado, os dados mostram que ela é facilitada pelo nível de qualificação. Estavam integrados no setor formal 20,7% dos não-escolarizados, 26,3% dos que se situavam entre a primeira e quarta série primária, 30,8% dos que possuem o segundo grau incompleto, e 54,3% dos que completaram o segundo grau. Contudo, o fato de que 64,6% dos entrevistados não tenham ultra­ passado a quarta série primária; que apenas 4,4% tenham conseguido pas­ sar pelo segundo grau; e que 20,6% dos desempregados tenham o primeiro grau completo, enquanto o setor formal abriga 17,9% de não-escolarizados (ver tabela 14), indica que a formação escolar não é fator determinante para obtenção de emprego em virtude das características da economia local, cuja demanda por mão-de-obra qualificada é bastante reduzida, o que coloca em dúvida uma suposição, segundo a qual a capacidade da cidade na fronteira de reter os seus migrántes é também uma função do nível sócio-econôm ico dos mesmos (L. M ougeot 1980). Partindo destas condições sócio-econômicas da população pesquisada

49


que, em nossa avaliação, é representativa dos segmentos sociais radicados nos bairros periféricos, fica evidente que não lhe resta outra alternativa senão a de reduzir drasticamente o seu consumo na área das necessidades básicas, o que pode ser demonstrado facilmente pelo desenvolvimento do poder aquisitivo do SM R 2.2. P o d e r a q u is itiv o O Salário-Mínimo Regional (SM R ) é, desde 1940, a referência principal utilizada para análise das condições de sobrevivência do tra­ balhador, já que pelo D ecreto-Lei n9 399 de 30 de abril de 1938 o Estado o estabelecia como o valor mínimo mensal necessário à aquisição da alimen­ tação essencial para a subsistência de um trabalhador. Com ecem os pela cesta básica, base de cáculo do salário-mínimo estabelecido, apresentada como a quantidade mínima necessária para a sobrevivência do trabalhador. Antes de qualquer consideração a respeito da renda e seu poder aquisitivo, cabe questionar, em primeiro lugar, a validade real desse parâmetro estabelecido. QUADRO 1 CESTA BÁSICA DO DECRETO-LEI N9 399 DE 30.04.38

QUANTIDADE

PRODUTOS

4,5 Kg 6,0 Latas 4,5 Kg 3,0 Kg 3,0 Kg 12,0 Kg 6,0 Kg 0,3 Kg 7,5 Dz. 3,0 Kg 0,9 Lt. 0,75 Kg

Carne de segunda Leite Feijão Arroz Farinha d’água Tomate Pão Café Banana branca Açúcar comum Óleo Manteiga Fonte: IDESP/CEE

50


M esm o abstraindo-se o desequilíbrio nutricional desta cesta básica, três questões iniciais se apresentam: a cesta é individual, desprezando-se a questão dos dependentes familiares; não atende as outras necessidades fundamentais do trabalhador; e a padronização da cesta ignora os múltiplos hábitos alimentares regionais. Se um trabalhador ganha apenas o suficiente para uma cesta mínima para si próprio, e sabendo-se que exatamente neste segmento populacional se situam as famílias mais numerosas, como sobreviverão os membros familiares não-economicamente ativos? M esm o não considerando o lazer, de onde retirará dinheiro o tra­ balhador para sua higiene pessoal, para vestir-se, locomover-se, pagar o aluguel, a água, a energia elétrica e educar os filhos? Tendo o salário-mínimo um caráter regional, com o calculá-lo corre­ tamente com base em uma cesta que, no caso do Pará, ignora quase que totalmente os hábitos alimentares específicos da população9 (C E P A • 1987). Isto posto, pode- se abordar a questão do poder aquisitivo, utilizando- se este referencial oficial, e verificar as possibilidades de subsistência desta população. Com base em cálculos de atualização do custo da cesta básica, feitos pelo ID E SP (para 1986) e pela equipe de pesquisa (para 1987), o quadro econôm ico da vida de um trabalhador remunerado com o SM R seria o seguinte:

Tabela 16 PARTICIPAÇÃO DO CUSTO DA ALIMENTAÇÃO ESSENCIAL NO SMR (01 TRABALHADOR) - BELÉM-PARÁ - 1986/87

INFORMAÇÕES BÁSICAS ÉPOCA

Janeiro 1986 Dezembro 1986 Dezembro 1987

Custo mensal da cesta em Cz$

Valor do SMR CzS

Percentual do SMR gasto com a cesta %

423,39 620,05 2.741,00

600,00 804,00 3.600,00

70,6 77.1 76.1

Fonte: IDESP/CEE c dados empíricos da pesquisa (para 1987).


Tomando-se como base a tabela anterior, em dois anos o trabalha­ dor teve o poder aquisitivo do seu salário corroído em aproximadamente 6,0 a 7,0% (uma parte maior de seu ingresso passou a ser consumida em alimentação básica). M as mesmo assim, parece haver-lhe sobrado algum recurso para as suas outras necessidades fundamentais, muito embora seja transparente a insuficiência deste excedente para as citadas necessidades. N o plano do contexto do trabalhador, no entanto, esta correlação (SM R /cesta básica) não atende sequer a alimentação mínima decretadà pelo Estado.

Tabela 17 RENDA FAMILIAR E CESTA BÁSICA FAMILIAR BELÉM-PARÁ - 1986/87

ÉPOCA

Janeiro 1986 Dezembro 1986 Dezembro 1987

Renda Familiar Média Mensal (2) CzS

Parcela da Cesta Custo da Cesta Básica Familiar Básica Familiar (1) coberta pela Renda C zl Familiar (%) 2.116,95 3.100,25 13.705,00

1.080,00 1.447,20 6.480,00

51,0 46,7 47,3

Fonte: IDESP/CEE e dados empíricos da pesquisa (para 1987) (1) Representa a alimentação essencial do SMR, multiplicada por cinco pessoas; (2) Representa o SMR, multiplicado pela renda familiar média mensal, encontrada nos dados empíricos (1,8 SMR por família de cinco a seis membros).

Como se percebe claramente, a renda média familiar da população trabalhadora não corresponde sequer àquilo que o Estado estabeleceu como o mínimo necessário à subsistência individual dos seus membros. Isto sem considerar, ressaltando mais uma vez, as demais necessidades de moradia, higiene, vestuário, educação, etc. N ão é, portanto, sem razão que o estudo anteriormente mencionado (sob a coordenação do D IP L A N /C E P e do qual participaram a D elegacia Federal de Agricultura, Secretaria de Estado de Agricultura, Secretaria de Estado de Saúde Pública, Fundação Municipal de A ssistência ao Edu­ cando, Legião Brasileira de Assistência, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Universidade Federal do Pará) destaca: "N o

52


grupo de crianças pré-escolares, evidencia-se claramente a gravidade do problema nutricional ao se defrontar com um resultado de 10,5% de desnutridos de II e III grau, o que caracteriza um problema de saúde cole­ tiva, uma vez que esse resultado excede em muito o padrão estabelecido pela OM S (Organização Mundial de Saúde), que determinou o nivel crí­ tico endemia de desnutrição quando 5% da população exposta a risco apresenta graus II e III de desnutrição. ( .. .) A anemia nutricional apresentar se entre nós como um dos mais graves problemas de Saúde Pública haja vista a elevadíssima prevalência da deficiência na população estudada” ( 1987 : 7). P E S Q U IS A : FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM TABELA n9 07

TITULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Situação Ocupacional Atual dos Entrevistados

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

TOTAL GERAL SITUAÇÃO OCUPACIONAL ATUAL Absoluto n9 Empregados com vínculo empregatício (ECV) Empregados sem vínculo empregatício (ESV) Trabalhadores autônomos (AUT.) Donas-de-casa sem trabalho de renda (DC) Desempregados (D) TOTAL

53

Relativo %

285

27,5

107 423 157 63

10,3 40,9 15,2 6,1

1.035

100,0


PESQ U ISA :______________________________________ F O R M A S D E R E P R O D U Ç Ã O E C O N O M IC A E O R G A N IZ A Ç Ã O S O C IA L D A P O P U L A Ç Ã O M A R G IN A L IZ A D A N A P E R IF E R IA U R B A N A D E BELEM

__________________________

T A B E L A n<?08

T Í T U L O : D ados Gerais sobre os Entrevistados

A n o : 1986

S U B T ÍT U L O : E ntrevistados p e lo q u a d ro to ta l de ocupações desenvolvidas e sexo ( I )

M Ê S : fe vereiro

U N IV E R S O :

Belém-Pará (T e rra F irm e /B o s q u in h o /V ila da B arca/B enguí)

FO NTE:

L e va n ta m e n to S ócio -E co n ô m ico P rim á rio

IN F O R M A Ç Ã O P O R SEXO TOTAL GERAL M U LHERES

HOM ENS O C U P A Ç 0 E S D E S E N V O L V ID A S

1. P ro d u to r a g ro -e x tra tív o 2. 3. 4. S. 6. 7.

T ra b a lh a d o r ru ra l Pescador F e ira n te C o m e rcia n te estabelecido B a lc o n is ta o u s im ila r V e n d e d o r de açaí estabelecido

8. V e n d e d o r a m b u la n te 9 . A ç o u g u e iro e /o u p e ix e iro 10. O p e rá rio de in d . de castanha 1 1 . O p e rá rio sem especificação 12. O p e rá rio t ê x t il • 13. M ecânico e /o u a u x ilia r ° 14. S apateiro e /o u a u x ilia r 15. O p e ra d o r de m á quinas pesadas 16. P adeiro e /o u a u x ilia r 17. P in to r de parede 18. F iscal e /o u m estre-de-obras 19. Pedreiro e /o u servente 20. C a rp in te iro , m a rc e n e iro e /o u a u x ilia r 21. E le tric is ta e /o u a u x ilia r 22. E nca n a d o r e /o u a u x ilia r 2 3 . G a rç o m o u garçonete 2 4 . E m pregado ( a ) d o m é s tic o (a ) 2 5 . V ig ia de segurança o u s im ila r 26. C o n tín u o , p o rte iro o u s im ila r 2 7 . M o to ris ta de tá x i e /o u ô n ib u s 28. C a rte iro o u s im ila r 29. M a rítim o e /o u a u x ilia r 30. F iscal e /o u c o b ra d o r de ôn ib u s 31. P rofessor f t im á r io 32. M ilit a r o u p o lic ia l 33. B isc a te iro 3 4 . C am bista de jo g o -d o -b ic h o 35. C o stu re ira 36. Lavadeira 3 8 . T ra b a lh a d o r braçal diverso T O T A L

Absol. n9

R elat.

189 15 7 36

36,6 2,9

34 26 3 85 9 2 26 3 47 11 10 8 24 10 162 63 19 10 7 5 39 7 20 4 28 29 5 26 279 4

% (2 )

u 7,0 6,6 5,0 0,6 16,5 1,7 0,4 5,0 0,6 9,1 2,1 1,9 1,6 4,7 1,9 31,4 12,2 3,7 1,9 1,3 1,0 7,6 u 3,9 0 ,8 5,4 5,6 1,0 5,0 54,1 0,8

— -

1 134 1.387

— -

0 ,2 2 6 ,0 -

Absol. n9

R elat. % (2 )

82 3 1 18 15 37 4 59 3 34 40 14 2 3 2 3

15,8 0,6

-

0,2 3,5 2,9 7,1 0 ,8 11,4 0,6 6,6 7,7 2,7 0,4 0,6 0A (J,6 —

-

2 2 1 9 2 48 -

0,4 0,4 0,2 ■ 1,7 4 7 ,8 -

1 1

0,2 0 ,2

2 24 2 153 63 59 89 3 38

0,4 4,6 0,4 29,5 12,1 11,4 17,1 0,6 7,3

-

1.017

A bsol. nQ 271 18 8 54 49 63 7 144 12 36 66 17 49 14 12 11 24 10 164 65 19 11 16 2 53 39 8 21 4 28 31 29 28 4 32 67 59 89 4 172 2.4 0 4

R elat. % (2 ) 26,2 1.7 0,8 5,2 4,7 6,1 0,7 13,9 1,2 3,5 6,4 1,6 4,7 1,4 1,2 1,1 2,3 1,0 15,8 63 1,8 1,1 1,5 24,4 3,8 0,8 2,0 0,4 2,7 3,0 2,8 2,7 41,7 6,5 5,7 8,6 0,4 16,6 -

( 1 ) R epresenta a so m a tó ria das ocupações desenvolvidas pelos entrevistados, ao lo n g o de suas vidas ( 2 ) P e rce n tu a l c a lcu la d o em relação ao to ta l de entrevistados (5 1 6 hom ens e 5 19 m ulheres, to ta li­ zando 1.035 e n tre v is ta d o s )

54


P E S Q U IS A : FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n<? 09

TÍTULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Entrevistados, por renda mensal e situaçãò ocupadonal atual (na época da entrevista)

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Ã O P O R S IT U A Ç Ã O O C U P A C IO N A L A T U A L F A IX A D E R E N D A M ENSAL (S M R )

TOTAL GERAL ECV A b so l. nb

SEM R E N D A 0 , 0 0 ,5 S M R 0 ,5 1 ,0 SM R 1 ,0 1,5 SM R 1 ,5 2 ,0 S M R 2 0 2 ,5 S M R 2 ,5 3 ,0 SM R 3 0 M A IS S M R T O T A L

AUTÔNOM O R e la t. %

A b so l. nb

ESV

R e la t. %

A b so l. nb

_

_

-

_

128 67 36 25 11 18

4 4 ,9 2 3 ,5 1 2 ,6 8 ,8 3 ,9 60

244 75 54 26 20 2 2

5 7 ,7 17,7 12,8 6 ,1 4 ,7 0 ,5 0 ,5

52 26 15 7 5 1 1

285

1 0 0 ,0

423

1 0 0 ,0

107

_

D ESEM PREG.

D . D E CA SA

R e la t. %

A b so l. nb

R e la t. %

A b so l. nb

R e la t. %

A b so l. nb

R e la t. %

_

1 0 0 ,0

213 2 8 .6 2 2 ,1

1 0 0 ,0

63

1 0 0 ,0

157

4 8 ,7 2 4 ,3 14,0 6 ,5 4 ,7 0 ,9 0 ,9

_

_

_

_

_

-

_

_

1 0 0 ,0

63

_

_

_

-

_

_

_

_

_

_ _

_

_

_

-

-

-

-

220 296 229 136 69 50 14 21

1 0 0 ,0

1.0 3 5

1 0 0 ,0

157

_

13,1 6 ,7 4 ,8 1,4 2 ,0


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM ____________

TABELA n° 10

TITULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Entrevistados, por renda familiar atual (SMR)

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

FAIXA DE RENDA FAMILIAR MENSAL (EM SALÁRIO-MÍNIMO REGIONAL - SMR)

TOTAL GERAL Absoluto n°

SEM RENDA 0 ------------------------ -1 1,0 SMR 1,0 ------------------------ — 1 2,0 SMR 2jo ------------------ — 1 3,0 SMR 3,0 ------------------------ — 1 4,0 SMR 4,0 -------------- --------- - 1 5,0 SMR 5,0 ------------------------ — 1 MAIS SMR SEM INFORMAÇÃO TOTAL

56

Relativo %

47 259 378 195 82 30 43 1

4,5 25,0 36,6 18,8 7,9 2,9 4,2 0,1

1.035

100,0


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n<? 11

TÍTULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Famílias dos entrevistados, por número de membros geradores de renda e sexo

MÉS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sódo-Econômico Primário

N9 DE MEMBRO GERA­ DOR DE RENDA POR FAMÍLIA

FAMÍLIAS

DETALHAMENTO DOS MEM­ BROS GERADORES DE RENDA TOTAL GERAL MASCULINO

Absol. nQ UM MEMBRO DOIS MEMBROS TRÊS MEMBROS QUATRO MEMBROS CINCO MEMBROS SEIS MEMBROS SEM MEMBRO GERADOR DE RENDA TOTAL

Relat. Absol. % nQ

434 370 118 40 16 2

42,0 35,7 11,4 3.4 1.5 0,2

55

5,3

1.035

100,0

FEMININO

Relat. %

Absol. nQ

335 429 202 98 59 7

29,6 38,0 17,9 8,7 5,2 0,6

99 311 152 62 21 5

15,2 47,9 23,4 9,5 3,2 0,8

434 740 354 160 80 12

24.4 41.5 19,9 9,0 4,5 0,7

1.130

100,0

650

100,0

1.780

100,0

Relat. Absol. % nQ

Relat. %


PESQUISA:_______ ________________________ FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM ___________________ ______________

TABELA nQ 12

TÍTULO: Dados complementares sobre a vida ocupadonal dos entrevistados

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Pergunta: “Na sua opinião, é melhor trabalhar empregado ou por conta própria?” (por situa­ ção ocupadonal atual)

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Õ E S P O R S IT U A Ç Ã O O C U P A C IO N A L A T I A L TOTAL GERAL aut

ECV

Onom

DESEM PREG.

ESV

o

o pçã o

D. D E C ASA R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A bsol. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A bsol. nQ

R e la t. %

A bsoL nQ

157

5 5 .1

14 2

3 3 ,6

40

3 7 ,4

29

4 6 .0

59

3 7 ,6

427

413

4 2 .1

267

63,1

64

5 9 ,8

34

5 4 .0

71

4 5 .2

556

5 3 ,7

12 0

6 2

2,1 0 ,7

8 6

1,9 1,4

27

17.2

17 35

1,6 3,4

1 0 0 ,0

423

1 0 0 ,0

157

1 0 0 ,0

1.0 3 5

1 0 0 ,0

285

1. E M P R E G A D O 2. CONTA PR Ó ­ P R IA 3. EM PR EG O + CONTA PR Ó ­ P R IA 4. NÃ O SA BE T O T A L

3.

107

...

58

2 ,8

1 0 0 ,0

63

1 0 0 ,0


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n9 13

TÍTULO: Dados complementares sobre a vida ocupadonal dos entrevistados

ANO: 1986 MÉS: fevereiro

SUBTÍTULO: Justificativas para a opçffo pelo trabalho autô nomo, por situação ocupadonal atual (com re petiçáò)

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sódo-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Ã O P O R S IT U A Ç Ã O O C U P A C IO N A L A T U A L J U S T IF IC A T IV A S

EC V A bsol.

1. N Ã O T E R P A ­ TRÃO 2. L IB E R D A D E D E H O R Á R IO 3. P O S S 1B IL ID A D E D E GANHO M A IO R T O T A L

AUTON OM O R e la t. %

A bsol. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

87

3 2 ,6

96

3 6 ,0

DESEM PREG.

D . D E CA SA

R e la t. %

A bsol. nQ

24

3 7 ,5

15

4 4 ,1

65

24

3 7 ,4

13

3 8 ,2

3 1 ,3

12 40

56

4 6 ,7

53

4 4 ,2

51

4 2 ,5

75

2 8 ,1

20

160

-

258

-

68

TOTAL GERAL

ESV

50

-

R e la t. %

A bsol. nQ

R e la t. %

nQ

%

9 1 ,6

247

4 4 ,4

53

7 4 ,6

239

4 3 ,0

35,3

42

5 9 ,2

200

3 6 ,0

-

160

-

686

-


P E S Q U IS A :___________ FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM ____________ __________________

TABELA n° 14

TITULO: Dados complementares sobre a vida ocupacional dos entrevistados

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Justificativas para a opção pelo emprego formal (ECV), por situação ocupacional atual (com re­

MÊS: fevereiro

p e tiç ã o )

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sódo-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Ã O P O R S IT U A Ç Ã O O C U P A C IO N A L A T U A L J U S T IF IC A T IV A S

ECV

ESV

AUTÔNOM O

D ESEM PREG.

D . D E CA SA

A b so l. nQ

R e la t.

A bsol. nQ

R e la t. % o)

A bsol. nQ

R e la t.

R e la t. % (o

A bsol. nQ

% (1 )

A bsol. nQ

R e la t.

% (1 )

A b so l. nQ

R e la t.

% (1 )

10 4

6 6 ,2

97

683

33

8 2 ,5

22

7 5 ,9

59

1 0 0 ,0

315

7 3 ,7

66

' 4 2 ,0

42

2 9 ,6

17

4 2 ,5

12

4 1 ,4

35

3 7 ,2

172

403

1

0 ,7

3

0 ,7

1

0 ,7

1

3

0 ,7

_

9

2,1

528

-

% 0)

1. V A N T A G E N S T r a b a l h is ­ t a s l e g a is

2 . S A L Á R IO F IX O E G A R A N T ID O 3. G A N H O M E ­ LH OR 4. TRABALHO M ENO S CA N SA ­ T IV O 5. F A L T A C A P IT A L PA RA SER A U TÔ­ NOM O TO TA L

2

u

7

4 ,5

1

0 ,7

179

-

14 2

-

51

( 1 ) C a lc u la d o e m r e l a ç to ao n ú m e ro d e o p t a n t e s p e lo tra b a lh o fo rm a l.

60

2 ,5

_ -

1

3 ,4

1

3 ,4

_

36

-

94

_ -


P E S Q U IS A : FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA nQ 15

TÍTULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986

SUBTÍTULO:

Entrevistados, por escolaridade e situação ocupacional atual

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE: Levantamento Sócio-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Ã O P O R S IT U A Ç Ã O O C U P A C IO N A L A T U A L E S C O L A R ID A D E

S /E S C O L A R ID A D E H - 4 ? S É R IE 4 » - 8 ? S É R IE 2 9 G R A U IN C O M P . 2 9 G R A U CO M P. 3 9 G R A U IN C O M P . 3 9 G R A U CO M P. T O T A L

TOTAL GERAL

E C \I

AUTÔNOM O

ESV

DESEM PREG.

D. D E CA SA

A b so l. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A b so l. nQ

R e la t. %

A bsol. nQ

R e la t. %

A bsol. nQ

51 11 0 76 20 25 1 2

17,9 3 8 ,5 2 6 ,7 7 ,0 8 ,8 0 ,4 0 ,7

109 18 7 100 18 8

2 5 ,8 4 4 ,2 2 3 ,6 4 ,3 1,9

16 55 19 13 3

1 5 ,0 5 1 ,4 1 7 ,8 12,1 2 ,8

14 24 13 6 5 1

2 2 ,2 3 8 ,2 2 0 ,6 9 ,5 7 ,9

61 42 41 8 5

3 8 ,8 2 6 ,8 2 6 ,1 5,1 3 ,2

2 4 ,3 403 24 1 63

1

0 ,9

251 418 249 65 46 2 4

285

1 0 0 ,0

423

107

1 0 0 ,0

63

1 0 0 ,0

1 .0 3 5

1 0 0 ,0

I

0,2X 1 0 0 ,0

157

1 0 0 ,0

%

0 ,2 0 ,4


3 . O R IG E M E M IG R A Ç Ã O D e todos os entrevistados dos quatro bairros 60,5% são migrantes do interior paraense, dos quais, por sua vez, 64,2% vêm do meio rural (tabelas 18 e 19). N o que se refere aos motivos migracionais apontados por eles mes­ mos, o denominador comum é a busca de melhores condições de vida tanto a nível de trabalho e de renda individuais como a respeito da infraestrutura pública ( ver tabelas 20 e 21). Isto vale também para as chamadas “ motivações familiares” , pois é evidente que numa situação econôm ica mais favorável nos lugares de ori­ gem, dificilmente tantas pessoas teriam se deslocado para Belém, enfren­ tando, no mínimo, um futuro incerto no contexto urbano. Quanto ao perfil ocupacional dos rurícolas paraenses é destacável que 53,1% foram, antes da sua vinda para a cidade, produtores agroextrativos nos moldes da tradicional agricultura cabocla ( relacionar tabelas 8 e 19), vivendo, via de regra, uma desapropriação “ silenciosa” gerada pela sucessiva degradação das suas condições de produção, e não por confron­ tos violentos entre os diversos agentes sociais no campo. Apesar de uma clara tendência de concentração da propriedade fundiária nas duas M RHs (Baixo-Tocantins e Bragantina) que apresentam maiores fluxos migra­ tórios para a capital paraense, e cujas estruturas sócio-econôm icas abor­ daremos mais adiante, até hoje não se constata nelas confrontos mais expressivos pela posse e pelo uso da terra como nas M RHs Marabá ou Viseu, áreas de destaque quanto a conflitos fundiários e das quais, no nosso caso de estudo, provêm apenas 2,1% dos migrantes paraenses. É importante, portanto, levar em conta que atrás daquilo que se chama comumente de “ fronteira agrícola” da Am azônia se escondem realidades bastante particulares que precisam ser estudadas detalhada­ mente.

62


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA nP 18

TITULO: Dados Gerais sobre os Entrevistados

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Entrevistados, por local de origem e sexo

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

INFORMAÇÃO POR SEXO ORIGEM DOS ENTREVISTADOS

TOTAL GERAL MASCULINO Absol. n9

Naturais de Belém MRH Bragantina MRH do Baixo Tocantins MRH do Salgado MRH Campos do Marajó MRH Gujarina MRH de Tomé-Açu MRH dos Furos MRH do M. Amaz. Paraense MRH do Viseu MRH do Baixo-Amazonas MRH do Xingu MRH de Marabá Naturais de Fora do Estado Sem informação TOTAL

FEMININO

Relat. Absol. n9 %

168 100 96 41 23 17 12 10 4 5 2 2 1 35 -

32,5 19,4 18,6 7,9 4,5 3,3 2,3 1,9 0,8 1,0 0,4 0,4 0,2 6,8 -

172 95 92 35 23 19 18 13 12 7

32 1

516

100,0

519

03

_ _ _

Relat. Absol. nP % 33,2 18,3 17,7 6,7 4,4 3,7 3,5 2,5 2,3 1,3

Relat. %

6,2 0,2

340 195 188 76 46 36 30 23 16 12 2 2 1 67 1

32,9 18,8 18,2 7,3 4,4 3,5 2,9 2,2 1,5 1,2 0,2 0,2 0,1 6,5 0,1

100,0

1.035

100,0

_ _ _


N o que concerne às modalidades do próprio processo de migração, quase 70% das pessoas entrevistadas se deslocaram diretam ente de seu lugar de origem para a capital do Pará (tabela 22). Aproximadamente metade dos migrantes já conhecia Belém ao menos uma vez antes de migrar, sendo este pré-conhecimento baseado principalmente em relações econômicas (venda e/ou compra de merca­ dorias) e/ou pessoais (visitas a parentes e amigos e participações em festas religiosas) (ver tabelas 23 e 24), o que indica a manutenção de contatos relativamente estreitos entre as pessoas que foram para Belém e os seus parentes que permaneceram nos lugares de origem. Além disso, 65% migraram acompanhados de familiares (tabela 25), assim como quase 60% já tinham previamente acertado um local de moradia inicial na casa de parentes ou amigos (tabela 26). E embora 69% dos migrantes nào tivessem, ao chegar à cidade, um primeiro emprego ou ocupação à vista, em praticamente metade dos casos esta iniciação se deu através das relações de parentesco e de amizade (tabela 27). N o que concerne às implicações socioculturais destes dados, tanto o fato de que a maioria dos migrantes de origem rural tenha passado por uma experiência agro-extrativa cabocla, quanto o papel destacado dos laços de parentesco e amizade no processo de migração merecem uma atenção maior. Q uem vive com os seus fam iliares na tradicional agricultura de roça está subm etido a um regime de trabalho e de tempo, cujo ritmo é determ inado pelas tarefas e n ecessid ad es que o p rocesso produtivo impõe. O trabalho masculino adulto predomina no preparo da área (broca, derruba, queima e coivara), mas é complementado pelo trabalho feminino adulto e pelo trabalho infantil em todas as outras atividades: plantio, cul­ tivo, colheita e beneficiamento primário, além da pesca e do extrativismo vegetal. E quando se faz referência a este trabalho familiar, não se inclui apenas a família nuclear (pais e filhos), mas quase sempre uma família ampliada (genros, noras, sobrinhos, netos, etc), que geralmente moram juntos (ou próximos) e que, diariamente ou em mutirões periódicos, parti­ cipam do processo produtivo e trocam ajuda entre si nos vários momentos da sobrevivência rural (na produção, no consumo e nas adversidades). N a realidade, é evidente que “ o relógio social de terhpo” (I. Sachs 1982 : 46) que está ligado a esta organização de trabalho sofre modifi­ cações, à medida que a integração da região na divisão ( inter) nacional de

64


trabalho avança, acelerando a destruição dos modos tradicionais de (re) produção da população e forçando os produtores diretos a tentar vender a sua força de trabalho no próprio campo ou a migrar para as cidades. N o entanto, mesmo no contexto urbano este relógio continua exer­ cendo um papel importante enquanto" vetor de valores e de atividades" (I. Sachs, idem), pois a generalização das normas capitalistas de tempo, caracterizadas pelo princípio do aumento da velocidade tanto a nível da produção como da circulação (Z o ll: 1982), fica bastante limitada, porque a maior parte da mão-de-obra nem sequer tem acesso ao mercado formal de trabalho, e apenas uma ínfima minoria está submetida ao regime taylorista de trabalho industrial. O que resulta, na nossa opinião, em uma consciência híbrida de tempos, cujas “ modalidades nem correspondem a uma sociedade capitalista desenvolvida, nem a uma sociedade tradicio­ nal” (Altvater 1987 : 189). O fato de que a maioria dos entrevistados prefira trabalhar por conta própria do que de uma maneira assalariada, justificando esta preferência com argumentos que se referem a uma disponibilidade maior sobre o pró­ prio tempo, pode ser encarado com o um indicador da importância do modo de vida tradicional enquanto orientação social. N o que concerne à relevância das redes de parentescos no processo migracional, temos que considerar que, em decorrência da quase completa mercantilização da cesta de consumo no contexto urbano, o grupo familiar está sendo confrontado com a necessidade de integrar o maior número possível dos seus membros na economia de mercado para aumentar a sua renda monetária. Trata-se de um processo que evolui, individualmente ou inclui, como ocorre muitas vezes no caso dos autônomos efetivos, a mobilização do tra­ balho familiar, conservando, desta maneira, elementos da experiência de cooperação viveiiciada na origem. N o entanto, a família na cidade,onde ela tende a se transformar de uma unidade de produção numa unidade de consumo, permanece, em fun­ ção da precariedade ou inexistência do sistema previdenciário, como a única garantia de sobrevivência dos seus membros e de apoio àqueles que, não pertencendo ao grupo nuclear, a ele recorrem em situações de necessi­ dade (migração, doença, desemprego, etc.). Se desta maneira a família se transforma numa unidade de consumo, esta mudança, comparativamente à situação registrada no interior, não altera a sua importância enquanto entidade de proteção; pois devido à pre-


cariedade do sistema previdenciário, ela permanece como única garantia de sobrevivência dos seus membros e de apoio àqueles que, mesmo não pertencendo ao grupo nuclear, a ele recorrem em situações de necessidade (migração, doença, desemprego, etc.)(31).

PESQUISA:_______________ __________________ FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n° 19

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Entrevistados migrantes, por origem (rural ou urbana)

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

TOTAL GERAL CARACTERIZAÇÃO DO MIGRANTE

1. 2. 3. 4. 5.

Absoluto n9

Relativo %

Migrantes paraenses de origem rural Migrantes paraenses de origem urbana (exceto Belém) Naturais de Belém que migraram e retornaram Migrantes de outros Estados Sem informação

510 117 100 67 1

64,2 14,7 12,6 8,4 0,1

TOTAL

795

100,0

(31) Levantaremos este aspecto mais adiante.

66


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA nQ 20

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Entrevistados por motivo migracional e sexo (Resumo, com repetição)

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

INFORMAÇÃO POR SEXO TOTAL GERAL MOTIVO MIGRACIONAL

1. Trabalho 2. Carências infra-estruturais básicas 3. Motivações familiares 4. Desejo de melhores condições de vida 5. Outros motivos diversos TOTAL

MASCULINO

FEMININO

Absol. n<?

Relat. %

Absol. n<?

240

36,3

119

59 259

8,9 39,1

76 28 662

Relat. Absol. n9 %

Relat. %

21,3

359

29,4

60 315

10,7 56,4

119 574

9,7 47,0

11,5 4,2

52 13

9,3 2,3

128 41

10,5 3,4

100,0

559

100,0

1.221

100,0


UISA: AS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO AL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA _____________ _ ANA DE BELÉM

TABELA nQ 21

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986

SUBTÍTULO: Entrevistados por motivo migracional e sexo (detalhamento, com repetição)

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

IN F O R M A Ç Ã O P O R SEX O TOTALGERAL

1. T R A B A L H O ( T O T A L ) 1 .1 . F a l t a d e t r a b a l h o n a o r ig e m 1 .2 . 13. 1 .4 . 1 .5 .

F E M IN IN O

M A S C U L IN O

M O T I V O M IG R A C I O N A L

O f e r ta de tra b a lh o B u sc a d e tra b a lh o m e lh o r r e m u n e ra d o T r a n s f e r ê n c i a d e t e r m i n a d a p e lo p a t r í o B u s c a r tra b a lh o e c h a n c e e sc o la r

A b s o l.

R e la t.

A b s o l.

R e la t.

A b s o l.

R e l a t.

nQ

%

nQ

%

nQ

%

240 160

1 0 0 ,0

119

1 0 0 ,0

6 6 ,6 8 ,3 4 ,2

4 1 ,3 3 3 ,6

359 209

20

49 40

1 0 0 ,0 5 8 ,2 1 6 ,7

6 6 2

5 ,0 5 ,0 1 ,7

16

1 3 ,4

10 28 4

1 .6 . P e r d a d a t e r r a o n d e p r o d u z i a 1 .7 . O u t r o s m o ti v o s d iv e r s o s e s im ila r e s 2. C A R Ê N C IA S IN F R A -E S T R U T U R A IS B Á S IC A S (T O T A L )

8

1 1 ,7 1 ,7 3 ,3

7 0 ,0 3 0 ,0

315 16

1 0 0 ,0

574

,5 ,1

30

1 0 0 ,0 5 ,2

2

0 ,6

1,9

202 14

6 4 ,2 4 ,4

2 289 19

-

12

3 ,8

12 122

19

3 2 ,2

18

259 14

1 0 0 ,0

-

187

7 2 ,2

5 -

5 ,4

60 42-

1 0 0 ,0

3 .6 . O u t r o s m o ti v o s d i v e r s o s e s im ila r e s 4 . D E S E J O D E B U S C A R M E L H O R E S C O N D IÇ Õ E S D E V ID A

53

2 0 ,5

69

2 1 ,9

(T O T A L ) 5 . O U T R O S M O T IV O S D IV E R S O S

76 28

1 0 0 ,0

52 13

1 0 0 ,0

68

2 ,2 7 ,2

2 .2 . B u s c a d e a s s is tê n c ia m é d i c o - h o s p i ta l a r

3 .5 . C a s a m e n t o

9 ,5 1,7

1 0 0 ,0 6 8 ,9

2 . 1 . B u s c a d e c h a n c e e s c o l a r p a r a si o u f il h o s

3 .3 . A c o m p a n h a r f a m i li a r e s q u e m ig r a r a m 3 .4 . C o n f l it o s f a m i li a r e s d i v e r s o s

4 ,5

119 82 37

1 0 0 ,0 6 7 ,8

3 .1 . M o r t e d e p a is o u c a b e ç a s - d e - f a m í li a 3 .2 . F a l t a d e c o n d iç õ e s f in a n c e ir a s d a f a m í li a

34 6 8 26

4 ,2

10 59 40

3. M O T I V A Ç Õ E S F A M I L I A R E S ( T O T A L )

60 16

1 0 0 ,0

1 0 0 ,0

128 41 i

3 1 ,1

0 ,3 6 7 ,8 33 2 ,1 2 1 ,3 1 0 0 ,0 1 0 0 ,0


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA nP 22

TITULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Entrevistados migrantes por número de migraçóes realizadas

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

TOTAL GERAL NÚMERO DE MIGRAÇÕES REALIZADAS Uma migração (direto para Belém) Duas migrações Três migrações Quatro migrações Cinco migrações Seis migrações Mais de seis migrações Sem informação TOTAL

Absoluto nP

Relativo %

538 136 70 29 12 4 5 1

67,8 17,1 8,8 3,6 1,5 0,5 0,6 0,1

795

100,0


P E S Q U IS A :________________________________ __ FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM _____________________

TABELA n<? 23

jTÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986

i SUBTÍTULO: Pergunta: “ Antes de vir morar definitivamente i em Belém, já tinha vindo aqui alguma vez?” , por sexo.

MÊS: fevereiro

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

INFORMAÇÃO POR SEXO TOTAI

RESPOSTA

MASCULINO Absol. nP

1. Muitas vezes 2. Algumas vezes 3 , Uma vez 4 . Nenhuma vez 5 . Naturais de Belém (migraram e retornaram) 6 . Sem informação TOTAL

r.F B A I

FEMININO

Relat. Absol. nP %

Relat. %

Absol. nP

Relat. %

165 162 50 350

20,7 20,1 6,3 44,0

62 6

7,8 0,8

795

100,0

90 80 26 164

22,8 20,3 6,6 41,4

75 82 24 186

18,8 20,5 6,0 46,4

32 3

8,1 0,8

30 3

7,5 0,8

395

100,0

400

100,0

70

.


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n<? 24

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Pergunta: “Se já conhecia Belém antes, qual o principal motivo destas visitas anteriores?”, por sexo.

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

INFORMAÇÃO POR SEXO 1U 1

MOTIVO

MASCULINO Absol. nQ

1. Vender produtos e com­ prar mercadorias 2. Visitar parentes e amigos 3. Participar do Círio de Nazaré 4. Não conhecia Belém antes 5. Porque nasceram em Belém 6. Não sabe ou nâò se lembra TOTAL

O E ,I S ./ V L

FEMININO

Relat. Absol. % n9

Relat. %

Absol. n9

Relat. %

83 62

21,0 15,7

29 76

7,3 19,0

112 138

14,1 17,4

13 164

3,3 41,5

29 186

7,3 46,4

42 350

5,3 44,0

32 41

8,1 10,4

30 50

7,5 12,5

62 91

7,8 11,4

395

100,0

400

100,0

795

100,0


PESQUISA;

_______________________________

FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM ________________________________

TABELA n9 25

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes

ANO: 1986 MÊS: fevereiro

SUBTÍTULO: Pergunta: “Quando veio morar definitivamente em Belém, veio sozinho ou acompanhado?” , por sexo.

UNIVERSO:

Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí)

FONTE:

Levantamento Sócio-Econômico Primário

INFORMAÇÃO POR SEXO T fY T AT

RESPOSTA

MASCULINO Absol. n°

1. Veio sozinho 2. Veio acompanhado de familiares e/ou outros parentes 3. Veio acompanhado de amigos 4. Não sabe ou não se lembra TOTAL

n P R

AT

FEMININO

Relat. Absol. % nQ

Relat. Absol. n° %

Relat. %

117

29,6

51

12,8

168

21,1

238

60,3

279

69,7

517

65,0

6 34

1,5 8,6

20 50

5,0 12,5

26 84

3,3 10,6

395

100,0

400

100,0

795

100,0


PESQUISA: FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n? 26 ANO: 1986 MÊS: fevereiro

TÍTULO: História dos entrevistados migrantes SUBTÍTULO: Pergunta: “Ao chegar a Belém para morar definitivamente, já tinha onde morar?” , por sexo

UNIVERSO: Belém-Pará ( Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Benguí) FONTE: Levantamento sócio-econômico primário

INFORMAÇÃO POR SEXO RESPOSTA

1. Sim, em casa de parentes 2. Sim, em casa de amigos 3. Sim, em casa anteriormente comprada 4. Sim em casa alugada 5. Não, não tinha onde morar TOTAL

MASCULINO

FEMININO

TOTALGERAL

Absol. n?

Relat. %

Absol. n?

Relat. %

190 25 37 107 36

48,1 6,3 9,4 27,1

234 25 36 85 20

58,4 6,3 9,0 21,3 5,0

424 50 73 192 56

53,3 6,3 9,2 24,2 7,0

100,0

795

100,0

395

73

9,1 100,0

400

Absol. Relat. n9 %


P E S Q U IS A : FORMAS DE REPRODUÇÃO ECONÔMICA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO MARGINALIZADA NA PERIFERIA URBANA DE BELÉM

TABELA n°27

TÍTULO: Dados complementares sobre a vida ocupacional dos entre­ vistados.

ANO: 1986 MÊS Fevereiro

SUBTÍTULO: Pergunta: “Como conseguiu o seu primeiro emprego/ trabalho em Belém?” , por origem

UNIVERSO: Belém-Pará (Terra Firme/Bosquinho/Vila da Barca/Bengui) FONTE:

Levantamento sócio-econômico primário

INFORMAÇÃO POR ORIGEM RESPOSTA

RURAL Absol. n°

1. Através de parentes 2. Através de amigos 3. Procurando pessoalmente 4. Convite do empregador 5. Através de políticos 6. Através de teste ou concurso 7. Através de jornais 8. Através de agência de emprego 9. Não sabe ou não se lembra TOTAL

Relat. %

URBANA Absol. n°

Relat. %

150 159 105 15 4 2 8 2 103

27,3 29,0 19,2 2,7 0,7 0,4 1,5 0,4 18,8

96 104 92 6 7 7 3 172

19,7 21,5 18,9 1,2 1,4 1,4 0,6 “ 35,3

548

100,0

487

100,0

74

TOTAL GERAL Absol. Relat. n<? % 246 263 197 21 11 9 11 2 275

23,8 25,3 19,0 2,0 1,1 0,9 1,1 0,2 26.6

1.035 100,0


3.1.

S o b r e a s e s tr u tu r a s s ó c io -e c o n ô m ic a s d a s m ic r o r r e g iõ e s h o m o g ê n e a s (M R H ’S) d o B a ix o -T o c a n tin s e B r a g a n tin a

Dada a relevância das M R H ’S do Baixo-Tocantins e Bragantina como centros geradores de maiores fluxos migratórios interioranos para a capital paraense, cabe analisá-las em suas características sócio-econômicas concernentes ao setor primário, já que 64,2% dos entrevistados eram rurícolas. Complementamos sucintamente esta abordagem com informações refe­ rentes a seus contextos urbanos. O procedimento para um melhor enfoque do setor primário repousa nos seguintes aspectos: a) em séries históricas do período de 1950 a 1985, permitindo uma visão ampla da ocupação sócio-econômica; b) em dados absolutos transformados em evolução percentual (tendo como ano-base o de 1950 ou o primeiro ano em que a informação surgiu nos registros oficiais); c) na situação fundiária, no quadro ocupacional produtivo e na pro­ dução agro-extrativa, variáveis fundamentais do contexto; d) no fato de que a produção agro-extrativa é diferenciada em três segmentos: a p r o d u ç ã o a g r íc o la c a b o c la , típica das unidades familia­ res de produção na Am azônia que, por sua vez, representa a experiência de vida da população, objeto da presente pesquisa; a p r o d u ç ã o e x tr a tiv a d e e s c a la , de grande volume, exigente em recursos financeiros e infraestrutura; e a p r o d u ç ã o a g r o p e c u á r ia n ã o -c a b o c la , exigente também em recursos financeiros e tecnológicos e que se situa fora do universo pro­ dutivo caboclo. A d escrição e análise da p oü tica agrícola oficial será feita, na ausência de dados historicamente mais consistentes, com base em rela­ tórios e documentos mais recentes das principais instituições oficiais exe­ cutoras da mesma. Pelo mesmo motivo, as informações complementares sobre o con­ texto urbano das microrregiões citadas terão como base os dados do Cadastro Industrial do Pará (elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Pará, no período de 1 9 8 4 /8 5 ) e da Fundação IBG E (quanto ao detalhamento da PEA ). A agricultura cabocla, por ser um conceito que serâ utilizado cons­ tantemente ao longo do presente trabalho, necessita de um esclarecimento mais detalhado.

75


Em verdade, a denominação mais exata deveria ser agro-extrativismo caboclo, pois,além das suas culturas tradicionais (arroz, milho, feijão e mandioca), estes produtores complementam a sua economia com a pesca, a caça e a extração de frutos e matérias-primas existentes no ecossistema em que vivem. Entretanto, como esta produção extrativa nem sempre é comercializada, servindo apenas como complementação da subsistência familiar, como nunca é documentada de forma consistente e específica pelos órgãos oficiais; e como muitas vezes surge embutida no extrativismo de escala nestes dados oficiais (já que ela é apropriada ainda na origem pelos comerciantes e/ou grandes proprietários), preferimos abordar apenas a agricultura cabocla que apresenta condições objetivas de análise detalhada e específica. Portanto, quando utilizarmos a deno­ minação agricultura cabocla, faremos referência a um modo origi­ nário de produção, o qual: a) é baseado na mão-de-obra familiar, b) é exercido mediante a utilização de tecnologia simples e rudimentar, c) baseia-se na posse histórica (porém legalmente precária) de áreas inferiores a cem hectares; d) tem como principal objetivo a subsistência, com a comercializa­ ção de pequenos excedentes; e) é alicerçado no cultivo de lavouras alimentares (arroz, milho, fei­ jão e mandioca) e complementado pela caça, pesca, extração de frutas e matérias-primas nativas, e a criação de pequenos animais domésticos; f) inclui cultivo itinerante dentro de um território relativamente determinado, de forma a permitir a recomposição da fertilidade natural do solo; g) faz uso de insumos básicos próprios (sementes, mudas e adubos orgânicos); h) é desenvolvido por produtores historicamente radicados e oriun­ dos da mesclagem étnica e cultural da população autóctone (os indígenas) e os seus ocupantes posteriores. 3.1.1. O setor primário 3.1.1.1. MRH do Baixo-Tocantins 3.1.1.1.1. A estrutura fundiária Numa macrovisão inicial, os dados obtidos demonstram a seguinte ocupação espacial histórica: 76


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77

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Num período de trinta anos cresceu a ocupação fundiária via te r r a s p r ó p r ia s (posse legal) e te r r a s o c u p a d a s (posse precária), tanto em número de estabelecimentos como em termos de área total e área média (ver tabela 28). Este crescimento pressupõe um espaço geográfico dis­ ponível tanto para aqueles que têm acesso à posse legal (geralmente nãorurícolas), como para aqueles que ocupam a terra através da posse precária (geralmente os rurícolashistoricamente estabelecidos e comumente deno­ minados de c a b o c lo s , por sua ascendência étnica e cultural indígena). M as dois outros aspectos chamam a atenção: as te r r a s a r r e n d a d a s e as fo r m a s m is ta s d e o c u p a ç ã o (propriedade e arrendamento, posse e arrendamento, etc). O primeiro cresceu em número e área total, mas reduziu-se em termos de área média; o segundo cresceu aceleradamente em número, mas reduziu-se consideravelmente em termos de área total e de área média. N a realidade, estes fatos contradizem a hipotética disponibili­ dade do espaço geográfico (ver tabela 28); pois uma vez tendo acesso à propriedade, ainda que sob posse precária, qual é o rurícola que optaria pelo arrendamento das terras? A explicação desta aparente contradição tem que ser buscada no plano empá rico ( que será apresentado em outro tópico, mas que precisa ser descrito sucintamente aqui, como forma de esclarecer a questão) e apre­ senta dois caminhos explicativos: a forma ribeirinha de ocupação e a falta de acesso aos espaços geográficos interiores. A ocupação da microrregião deu-se pelos caminhos dos rios. Área virgem, de matas e florestas, teve nas águas a única alternativa de penetra­ ção e radicação, formando uma cultura tipicamente ribeirinha, com econo­ mia associada aos recursos ictiológicos (pesca) e às vias hídricas de comunicação e transporte. Só recentemente, e em termos relativos, viabilizouse o acesso terrestre, beneficiando principalmente aos não-caboclos. Por outro lado, muitos dos proprietários não-residentes nas respectivas pro­ priedades, pelas mesmas razões históricas e culturais, preferiram localizar-se às m argens dos cursos d’água. G erou-se assim uma concentração localizada do espaço fundiário que explica estas outras formas de ocupa­ ção ocorrentes: de um lado, proprietários e/ ou posseiros não residentes que precisam explorar e vigiar suas terras; do outro, rurícolas que, sem acesso às terras ribeirinhas e sem querer ou não poder interiorizar-se, pre­ cisam produzir o auto-sustento. E o crescimento demográfico numa área de ocupação restrita, naturalmente, leva um número crescente de pessoas a estas formas de ocupação. E em áreas cada vez menores.

78


U m terceiro aspecto desta ocupação fundiária chama a atenção; embora todas as propriedades ( legais ou não) tenham crescido em número, este crescimento ocorreu com muito mais intensidade entre' a g r a n d e p r o p r ie d a d e (de cem a menos de mil ha) e o la tifú n d io (m il ou mais ha) (ver tabela 29). Este último cresceu 67 vezes mais que a p e q u e n a p r o p r ie d a d e (m enos de dez ha) e duplicou em relação à média proprie­ dade ( dez a menos de cem ha); a grande propriedade cresceu 81 vezes mais que a pequena e duplicou em relação à m édia Isto num período de trinta e cinco anos, sendo que o crescimento destes dois segmentos acelerou-se drasticamente no último quinquênio, sugestivamente coincidindo com a implantação da hidrelétrica de Tucuruí, do com plexo Albrás/Alunorte, e de uma rede rodoviária mais eficiente (ver tabela 29). Dentro deste contexto, cabe analisar mais detalhadamente a média e a pequena propriedade por estarem estreitamente ligadas à população cabocla rural, de cujo meio surgem os contingentes migrantes detectados. A m é d ia p r o p r ie d a d e r e p r e s e n ta a s u a p o s s ib ilid a d e d e rep ro d u ­ ç ã o e c o n ô m ic a , pois contém o território necessário ao extrativismo vegetal, à caça e ao cultivo itinerante que caracterizam a sua produção; a p e q u e n a p r o p r ie d a d e r e p r e s e n ta a e ta p a s e m ifin a l d o s e u p ro­ c e s s o d e p r o le ta r iz a ç ã o (perda das condições objetivas de produção), pois é insuficiente ao tipo de exploração citado e só pode ser economica­ mente viabilizada mediante a mudança do tipo de exploração, mudança esta que, por suas implicações tecnológicas e financeiras, está além das possibilidades desta população. Graças à abundância de recursos naturais ainda presentes na microrregião, m esm o os arrendatários e pequenos sitiantes conseguem ainda sobreviver, mas precariamente e com poucas perspectivas sócio-econômicas. E muitos tendem a procurar novas alterna­ tivas, geralmente vinculadas a processos migratórios. 3.1.1.1.2. A e s tr u tu r a o c u p a c io n a l O regime familiar de ocupação de mão-de-obra, típico do agroextrativismo caboclo, foi o que mais cresceu nos trinta anos considerados, sendo um dado relativamente coerente com o crescimento das médias e pequenas propriedades (ver tabela 30). A s grandes propriedades e os latifúndios não geraram níveis de emprego compatíveis com a expansão verificada no mesmo período (ver tabela 30). Este fato decorre basicamente das características dessa expansão, sendo muitas vezes meramente especulativa, não-produtiva, ou muitas

79


Tabela 29: ESTRUTURA FUNDIÁRIA DA MRH BAIXO-TOCANTINS OCUPAÇÃO POR GRUPOS DE ÁREA TOTAL (EVOLUÇÃO %, ANO BASE 1950 =100) Período 1950/1985 Evolução percentual do número de estabelecimentos, por grupo de área total A no

1950 1960 1970 1980 1985

Menos de 10 Hectares %

10

100

Hectares %

100

100

74 216

94 225

182

601 4.352

222

Fonte: FIBGE —Censos Agropecuários (1985 em sinopse)

100

1 .0 0 0

Hectares % 100

130 172 377 11.776

1.000 Mais Hectares % 100

155 55 276 8.338


(tabela 30) ESTRUTURA OCUPACIONAL RURAL DA MRH DO BAIXO-TOCANTINS Pessoal ocupado da agropecuária, a p a rtir de 14 anos (evolução %, ano base 1950 = 100) Pbríodo 1950/1980 Evolução percentual por tipo de ocupação agropecuária Mão-de-Obra Familiar (1 ) %

1950 1960 1970 1980

Emprego Permanente %

Emprego Temporário %

Parceiro %

100

100

100

100

117 272 380

61 48 123

180 108 131

53 136 23

Fonte : FIBGE —Censos Agropecuário * Dados não disponíveis na fonte à época da coleta. (1) Responsável e membros não-remunerados.

Outra Condição %

100

40 20


vezes lançando mão de outras formas de aliciamento de mão-de-obra, com o o a r r e n d a m e n to em suas inúmeras formas (parceria, meiação, etc), ou ainda a sim ples c e s s ã o d o d ir e it o d e m o r a d ia e a g r o e x tr a tiv is m o s e le t iv o a rurícolas proletarizados, obtendo em troca a v ig ilâ n cia sobre a terra e m ão-d e-ob ra nos m om en tos o c a sio n a is de necessidade. Estas outras formas são sempre contratos verbais, baseados nas relações pessoais, em valores morais e são geralmente respeitados, pois o seu cumprimento é a condição sine-qua-non para a sua renovação e continuidade. N o caso dos arrendamentos, o pagamento do arrendatário ao arrendante pode ser feito de várias formas: geralm ente com o produto co­ lhido, de acordo com o contrato verbal estabelecido; muitas vezes ocorre com o produto aliado ao compromisso de venda da parcela do arrendatário ao arrendante; nas fazendas, geralmente este arrendamento é pago com o plantio de capim, pelo arrendatário, na área cultivada e colhida, além de vários outras formas. N a cessão de direitos também ocorrem variações. Em alguns casos, consiste apenas no direito de moradia, tendo o morador direito apenas à caça, à pesca e à coleta de alguns produtos mínimos para a sua subsis­ tência, sem direito a comercializar excedentes. Em outros casos, além da caça, da pesca e do extrativismo de subsistência, o morador pode coletar e vender excedentes de produtos d e te r m in a d o s, obrigando-se a coletar e entregar ao proprietário os produtos de maior valor de mercado (cacau, borracha coagulada, etc). Em ambos os processos ( arrendamento ou cessão de direitos), mui­ tas vezes ocorre uma relação econôm ica tradicional na Amazônia: o av ia ­ m e n to (32>, que consiste no fornecimento antecipado ao morador ou arrendatário, por parte do proprietário (no caso), de alimentos indus­ trializados (café, açúcar, sal, etc), remédios, ferramentas, etc, e que, enquanto relação de dominação, abordaremos mais adiante. O que vale ressaltar é que em qualquer destas duas formas de ocupa­ ção da mão-de-obra ocorre uma relação desigual e degradante para o rurí(32) Segundo ADÉLIA EN G RA CIA D E OLIVEIRA, a figura do re g a tã o jà estava em atividade na Amazônia, no século XVIIL praticando o escam b o e dentro dele, a primeira forma de avia­ mento: “ Como suas viagens demorassem semanas e meses, ele entregava a seus fregueses as mercadorias a crédito para na volta dessas viagens, receber o ressarcimento, em produto, do que havia fornecido no início das mesmas” (1983).

82


cola: o proprietário estabelece as regras verbais, os preços, os limites e o tipo de produção, além do prazo da relação. São condições expropriadoras, nas quais quase nunca circula moeda. Por outro lado, os empregos gerados (permanentes ou não) não se cristalizam como alternativas viáveis para o contingente rurícola já proletarizado, pois existem dentro de, um mercado informal de mão-de-obra, sub-remunerado e sem quaisquer garantias trabalhistas e previdenciárias, agravado pela sazonalidade dos empregos temporários. 3.1.1.1.3. A e s tr u tu r a p r o d u tiv a Inicialmente precisa-se verificar de que forma tem-se dado a utiliza­ ção produtiva do espaço fundiário na microrregião. N o período considerado, as lavouras permanentes (cuja presença na unidade produtiva cabocla é mínima) quase triplicaram em número de pro­ priedades, dobraram em termos de área total e m a is q u e tr ip lic a r a m em te r m o s d e á r e a m é d ia cu ltiv a d a , demonstrando um crescimento pro­ dutivo concentrador (ver tabela 31). A s cu ltu ras tem p orárias, em cujo u n iv erso situ a -se p repon­ derantemente o cultivo caboclo, expandiram-se bem mais que as lavouras permanentes em termos de propriedades e área média ligeiramente inferior à das culturas permanentes, implicando em uma perda de capacidade de cultivo individual ( ver tabela 31). E se considerarmos que entre estas cul­ turas temporárias se inseriram nos últimos anos cultivos não-caboclos (com o mostraremos mais adiante), tom a-se mais séria a perda da capaci­ dade do cultivo tradicional. Por outro lado, a pecuária teve, m esm o em se considerando um período inferior (de trinta anos), uma tendência concentradora o número de proprietários quase triplicou, mas em contrapartida a área total cresceu trinta e cinco vezes e a área média quase que duplicou (ver tabela 31). A ocupação das matas e florestas, vital ao agro- extrativismo caboclo, cresceu relativamente muito em termos de número de propriedade e de área total, mas caiu 29% em termos de área média, o que representa uma diminuição das condições objetivas de sobrevivência do agro-extrativismo citado anteriormente. A s terras não-utilizadas (em descanso ou simplesmente em abandono produtivo) reduziram-se em área m édia M as provavelmente em função da expansão do número de propriedades, embora em menor tamanho por pro-

83


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priedade, há mais terra sem uso em poder de um maior número de pessoas (ver tabela 31). Cabe ressalvar que neste segmento estão embutidas as ter­ ras que os produtores caboclos, por sua agricultura itinerante, deixam em descanso para que se recupere a fertilidade natural. M as podem estar embutidas aí (assim com o no conjunto de matas e florestas) também as ocupações especulativas da terra. T a b e l a 3 2 ESTRUTURA PRODUTIVA DA MRH DO BAIXO-TOCANTINS ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA DE LAVOU­ RA (EVOLUÇÃO %, ANO BASE 1950 =100) PERÍODO 1950/1985 Evolução percentual por grupos de área de lavoura Ano

1950 1960 1970 1980 1985

Menos de 5 ha. % 100 74 182 242 *

5 a 10 ha. %

10 a 100 ha. %

100 168

100 182

219 614 *

203 429 *

100e mais ha. % 100 285 62 185 *

Fonte: FIBGE —Censos Agropecuários * Dados não-disponíveis na fonte à época da coleta

U m indício de limitação da capacidade de cultivo caboclo pode ser detectado mediante reflexão a partir da tabela 32. Em primeiro lugar, nota-se que os pequenos cultivos (m enos de 5 ha) cresceram relativamente bem menos que os médios e grandes, só sendo este crescimento superior apenas aos de grande escala (cem ou mais ha). O s produtores agroextrativos caboclos situam-se em sua quase totalidade no contexto dos pequenos cultivos e a evolução, embora pequena, deste grupo de área de lavoura, pode sugerir o inverso da afirmação anterior sobre a capacidade de cultivo desse extrato de produtores. Ocorre que neste segmento de área cultivada também se situam muitos dos produtos não-caboclos, através de

85


cultivos nâotradicionais e de tecnologia e investimentos diferenciados. E estes cultivos não-tradicionais, (com o maracujá, mamão hawaí, pimenta-do-reino e hortaliças) apresentaram, no período, crescimentos relativos de produção infini­ tamente superiores ao dos cultivos tradicionais, conforme pode-se perceber nas tabelas 33 e 34, apresentadas a seguir. T a b e la 3 3 : PRODUÇÃO PRIMÁRIA DA MRH DO BAIXO-TOCANTINS Produção agrícola cabocla (evolução %, ano base 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual da produção, por produto A no

Arroz %

Cana %

Mandioca %

1950 1960 1970 1980 1985

100 123 175 234

100 84 75 79 13

100

161

168 301 610 173

Feijão % 100 32 43 42 23

Fonte: FIBGE - Censos Agropecuários (1985 com dados inéditos coletados)

O s dados demonstram claram ente que o cultivo tradicional que m a is se expandiu em produção total (a m andioca, com 73% ) é, em 1980, cinco vezes inferior ao crescim ento da produção não-tradicional que m en o s evoluiu(m am ão hawaí, com 376% ). Isto sem considerar a involução das produções de cana-de-açúcar e feijão, e do geom étrico aumento das produções de pim enta-do-reino e hortaliças. Emprincápio, poder-se-ia atribuir esta defasagem entre os dois tipos de cultivo a questões com o a produtividade e a area cultivada. Mas o tamanho da área cultivada não explica tal fato, pois estes dois tipos de produtores situam-se predominantemente no mesmo segmento de área cultivada. A variável produtividade também não é suficiente para taL Primeiro porque, qualquer que seja a tecnologia hoje disponí­ vel na microrregião, ela não basta para justificar aumentos tão elevados da pro­ dução não-tradicionaL Segundo porque o caboclo, em seus cultivos tradicionais, com pensa a perda da fertilidade natural com a itinerâricia dos m esm os,

86


Tabela 34 PRODUÇÃO PRIMÁRIA DA MRH BAIXO-TOCANTINS Produção agropecuária não-cabocla (evolução %, ano base 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual da produção, por produto A no

1950 1960 1970 1980 1985

Hortaliças % —

100 2.108 3.393 *

P. do Reino % —

100 1.505 72.911 35.126

Maracujá %

M. Hawaí %

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Leite % 100 37 77 4.603 •í*

Fonte: FIBGE - Censos Agropecuários (1985 com dados inéditos coletados) * Dados não-disponíveis na fonte à época da coleta.

principalm ente numa região, com o a ora analisada, que apresenta ainda algumas condições de espaço fundiário para este tipo de cultivo. Parece bem m ais provável a ocorrência de uma lim itação da produ­ ção tradicional em virtude da entrada de outros produtores com cultivos e condições diferentes, (33) assim com o a crescente pauperização do produ­ tor caboclo, por m otivos estruturais diversos. O m esm o pode ser concluído se se comparar a evolução relativa da produção tradicional com a produção de leite, produto da agropecuária de grande porte.

(33) As culturas não-tradicionais caboclas foram implantadas e desenvolvidas por migrantes nãonacionais, principalmente nipônicos, que chegaram ao Pará a partir de 1929, após estudos exploratórios feitos pelo governo japonês, em colaboração com o governo paraense, localizando-se inicialmente na região do Acará. Esta colonização contou, desde o inicio com apoio integral dos dois governos: o Pará doou terras, o governo japonês os assistiu desde a partida do Japão, e encontraram no local casas já construídas, hospitais, escola, luz elétrica e outros benefícios infra-estruturais (ENGRACLA, A déliade Oliveira, idem: 258/259).

87


Tabela

3 5 PRODUÇÃO PRIMÁRIA DA MRH BAIXO-TOCANTINS

Produção extrativa de escala (evolução %, ano base 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual da produção, por produto A no

Castanha do Pará %

Borracha Coagulada %

Cacau em Amêndoa %

Madeira %

Palmito %

1950 1960 1970 1980

100 127 210 450

100 113 , 82 86

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Fonte: FIBGE - Censos Agropecuários (1985 com dados inéditos coletados)

Outrossim, no plano dos recursos extrativos da microrregião, sur­ gem também indícios de perigo à sobrevivência do produtor caboclo. A castanha-do-pará (utilizando-se o nome tradicional), produto que, embora termine nas mãos dos grandes comerciantes e/ou proprie­ tários, propicia alternativas sazonais, ainda que precárias, de renda e sub­ sistência à família cabocla, apresentou no último quinquênio sinais de estagnação em sua produção (ver tabela 35). A borracha natural, que a exemplo da castanha-do-pará comple­ mentava o quadro de sobrevivência da família cabocla, teve a sua produ­ ção reduzida em 76% nos últimos trinta e cinco anos (ver tabela 35). O cacau, cuja produção nesta microrregião sempre se alicerçou no extrativismo e desempenhava o mesmo papel dos dois produtos anterior­ mente citados, teve a sua produção limitada à metade no mesmo período. D ois produtos extrativos, em contrapartida, apresentaram consi­ deráveis aumentos de produção ( o primeiro desde 1950 e o segundo a par­ tir de 1970): m adeiraepalm ito(vertabela35). M as estes produtos, apesar de desempenharem conjunturalmente papel semelhante ao dos produtos extrativos anteriormente citados, concorrem estruturalmente para a de­ gradação das condições objetivas de vida da população cabocla interiorana

88


A extração de madeira ocorre de forma indiscriminada e predatória, con­ correndo para a limitação do extrativismo (derrubando árvores produti­ vas) e para a limitação do cultivo itinerante (pelo desmatamento inerente e necessário ao acesso e escoam ento das árvores). A extração do palmito, da mesma forma, ocasiona a extinção de palmáceas (notadamente o a çaí), fundamentais na alimentação regional, restringindo as condições de subsistência e renda dos produtores agroextrativistas ( embora os dados oficiais pouco ou nada relatem a respeito da produção de frutos como os produzidos por esta vegetação nativa).

3.1 .1 .1 .4 C o n c lu sã o Todos os dados levantados na presente abordagem indicam uma res­ trição crescente às condições de sobrevivência da família cabocla e sua unidade produtiva típica (de natureza agro-extrativa, mão-de-obra familiar, tecnologia rudimentar e produção de pequenos excedentes). A ocupação fundiária concentradora da terra, acelerada recente­ mente pela implantação de enclaves capitalistas modernos; a paralela expansão das culturas não-tradicionais e da pecuária, gerando um mer­ cado de trabalho rural sub-remunerado, sem garantias e insuficiente; o declínio do extrativismo tradicional aliado ao surgimento de formas extrativas ecologicamente depredadoras, surgem como fatores primordiais de compressão gradativa do universo agro-extrativo caboclo, já tendo gerado contingentes em fase semifinal de proletarização (pequenos sitiantes e arrendatários), de proletários rurais ativos (produtores sem-terra que já vendem sua força de trabalho) e de rurí colas migrantes proletarizados. Caso se mantenha a tendência histórica analisada, este quadro adverso se agravará para os rurí colas da microrregião, o que terá como consequência o inchamento das áreas urbanas do Estado.

3 .I.I.2 . M R H Bragantina 3.1.1.2.1. A estrutura fundiária N o período de 1950 a 1980, as terras próprias (legalizadas) cresce­ ram em número de propriedades, na área total e em área média; as terras arrendadas cresceram em número e área total, mas estagnaram em termos de área média; as terras ocupadas por posse precária e por formas mistas cresceram no número de estabelecimentos e área total, mas regrediram em

89


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Tabela 36 ESTRUTURA FUNDIÁRIA DA MRH BRAGANTINA

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T a b e l a 3 7 ESTRUTURA FUNDIÁRIA DA MRH BRAGANTINA Ocupação por grupo de área total (evolução %, ano base 1950 =100) Período 1950/1985

Evolução percentual do número de estabelecimentos por grupo de área total A no

1950 1960 1970 1980 1985

Menos de lOha. % 100 109 142 288 265

10 100 ha. % 100 161 180 191 126

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1000 ha. % 100 81 138 145 666

1000

mais ha. % 100 114 171 386 1.386

Fonte: FIBGE —Censos Agropecuários (1985 em sinopse)

termos de área média (ver tabela 36). N o bojo desta ocupação, e num período de 35 anos, o la tifú n d io (mil ha e mais) foi que mais se expandiu, superando em 12 vezes o seu marco inicial; seguiu-se a g r a n d e p r o p r ie d a d e (cem a menos de mil ha) que sextuplicou no mesmo período; a p e q u e n a p r o p r ie d a d e teve o seu número elevado em 2,5 vezes; e apenas a m é d ia p r o p r ie d a d e (10 a menos de 100 ha) pouco se expandiu (ver tabela 37). A semelhança da M RH Baixo-Tocantins, a Bragantina apresentou uma ocupação concentradora de terras, mas com uma diferença: a unidade produtiva de expansão mais limitada foi a média propriedade, a qual, pelas razões já citadas anteriormente, representa o território necessário ao agroextrativismo caboclo. A s formas mistas e de arrendamento (que implicam em si na exis­ tência de produtores sem-terra, fato estreitamente ligado à questão cabocla), ao se reduzirem em sua área média, tendo com o contrapartida o aumento do número de estabelecimentos e da área total, refletem um provável pro­ cesso de proletarização rural, ou seja, mais produtores surgiram sem acesso autônomo à terra A estrutura fundiária final do período considerado aponta clara-

01


mente para uma polarização da ocupação: o latifúndio e a grande proprie­ dade de um lado, a pequena propriedade no outro extremo. N o que concerne a esta última, o seu crescimento se deve à mudança estrutural do processo produtivo (substituição dos cultivos tradicionais por todos de maior cotação no mercado e, principalmente, voltados para os mercados não-regionais), o qual transforma este tipo de propriedade, uma vez em mãos mais capitalizadas, em uma alternativa econômica viável Com base nisto, pode-se explicar o crescimento da pequena proprie­ dade. Esta propriedade, antes cemitério econôm ico do produtor tradici­ onal (por sua insuficiência territorial), pela mudança estrutural do processo produtivo e logicamente em outras mãos mais capitalizadas, tornou-se uma alternativa econômica. É claro que o produtor caboclo não possui recursos para tal mudança Im possibilitado financeiramente para se adaptar ao mercado agrícola nos mol­ des oaprtalistas (Burger e Kitamura, 1987:454); enfrentando uma degradação ecoló­ gica crescente pela ocupação fundiária (perda de fertilidade natural e desaparecimento dos recursos naturais extrativos); muitas vezes sem recursos sequer para manter o seu próprio cultivo tradicional; com acesso restrito ao mercado,entre outras dificuldades, tende este tipo de produtor a gradativamente proletarizar-se, tornando-se produtor deficitário, arrenda­ tário numa fase posterior e, finalmente, trabalhador rural ou migrante, tendo suas terras apropriadas pelos atores do novo processo. A ocupação fundiária histórica da M RH Bragantina se apresenta, portanto, de uma maneira expressiva, como limitação das condições de sobrevivência deste estrato de produtores.

3.1.1.2.2. A estrutura ocupacional Com base nas considerações feitas no subitem anterior, fica patente, mesmo com dados que omitem o último quinquênio do período em questão, o elevado crescimento do número de pessoas ocupadas na mão-de-obra familiar, conforme evidenciado na tabela 38. Verifica-se, de um lado, uma mudança produtiva de natureza capi­ talista inacessível aos ocupantes históricos mais antigos; de outro, um es­ trangulamento gradativo dos m esm os pelas dificuldades financeiras, ecológicas e de mercado, gerando, assim, um processo constante de perda dos m eios de subsistência que se concretiza ou pela tentativa de ingressar

92


no precário mercado de trabalho no lugar de origem, ou pela migração, ou ainda pela experiência em ambas as instândag

Tabela 38 ESTRUTURA OCUPACIONAL RURAL DA MRH BRAGANTINA Pessoal ocupado na agropecuária, a partir de 14 anos (evolução %, ano base 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual por tipo de ocupação agropecuária Ano

1950 1960 1970 1980 1985

Mão-de-obra Familiar (1) % 100 141 178 252 *

Empregado Permanente %

Empregado Temporário %

100 106 221 561 *

100 162 59 126 *

Parceiro

100 81 14 18 *

Outra con­ dição %

100 60 80 *

Fonte: FIBGE —Censos Agropecuários * Dados não-disponíveis na fonte à época da coleta. (1) Responsável e membros não-remunerados.

3.1.1.3. A e s tr u tu r a p r o d u tiv a M ais do que qualquer outra M R H do Estado do Pará, a Bragantina representa, através da sua produção agropecuária, o avanço da moder­ nização agrícola em detrimento do agro-extrativismo tradicional; em trinta anos, a produção hortícula cresceu mais de mil vezes; em trinta e cinco anos a produção de pimenta-do-reino aumentou 18 vezes; a do mamão hawaí quase trezentas vezes, em apenas quinze anos; o cacau, num período de trinta e cinco anos, passou de produto extrativo a produto tecnicamente produzido, aumentando sua produção mais de 115 vezes; e até mesmo o maracujá, presença recente, teve sua produção quase triplicada em apenas cinco anos (ver tabela 39).

93


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Tabela 39 PRODUÇÃO PRIMÁRIA DA MRH BRAGANTÍNA

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Este quadro pode ser complementado pelo crescimento da produção leiteira que quase triplicou em vinte anos(vertabela39). Em boraapecuária leiteira microrregional não acompanhe o grau de modernização dos produtos acima citados; o índice de crescimento da sua produção seja bem menos representativo;e por ser semi-extensiva e ocupar grandes áreas, ela representa mais uma variável de compressão fundiária do universo agroextrativo caboclo. E os reflexos desta compressão fundiária, assim com o dos outros fatores anteriormente citados (descapitalização, mercado restrito, etc.), tomam-se claros se analisado o comportamento da produção agrícola mais característica do caboclo, nos trinta e cinco anos em que ocorreu a astronômica ascensão da produção agrícola modernizada - a do arroz declinou em 72%; a do milho diminuiu em 40 por cento; a da mandioca e a do feijão cresceram muito pouco (35 e 13 por cento, respectivamente), conforme tabela 40.

T a b e la 4 0

PRODUÇÃO PRIMÁRIA DA MRH BRAGANTINA Produção agrícola cabocla (evolução %, ano base 1950 =100)

Período 1950/1985 Evolução percentual da produção, por produto A no 1950 1960 1970 1980 1985

Arroz %

100 96 82 54 28

Mandioca %

Feijão %

Milho %

100 133 118 166 135

100 59 77 110 113

100 71 92 77 60

Fonte: FIBGE - Censos Agropecuários (1985 com dados inéditos coletados)

Este substancial aumento da produção primária não-tradicional na região Bragantina, certamente só podería ocorrer mediante uma corres^ pondente expansão da área cultivada.

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T a b e l a 4 2 ESTRUTURA PRODUTIVA DA MRH BRAGANTINA ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE ÁREA DE LAVOURA EVOLUÇÃO % , ANO BASE 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual por grupos de área de lavoura Ano

1950 1960 1970 1980 1985

Menos de 5ha. % 100 134 171 221 *

5 a lOha. %

10 a 100 ha. %

100 154 84 189 *

100 182 126 431 *

100 ou mais %

_ 100 300 2.400 *

Fonte: FIBGE - Censos Agropecuários * Dados não-disponíveis na fonte à época da coleta

Por outro lado, a ocupação de matas e florestas apresentou níveis crescentes, principalmente em termos de área total (quadruplicou em ape­ nas vinte anos), caracterizando uma ocupação também fundiariamente concentradora e provavelmente condicionada( além da eventual especula­ ção) por um produto extrativo de colocação garantida no mercado: a madeira (ver tabela 41) (34>. A s lavouras permanentes tiveram uma evolução concentradora, pois no período de 1950 a 1985, a área total cultivada quase que decuplicou e a área média quadruplicou, enquanto o número de informantes nem sequer dobrou. O mesmo ocorreu com as pastagens, ainda que não se possuísse dados relativos ao último qüinqüênio considerado. A s áreas total e média cresceram bem mais que o número de informantes (ver tabela 41). (34) Segundo D IETR IC H BURGER e PAULO KITAM URA (1987 : 449): “ N ão há dúvida de que a Amazônia Oriental terá que abrigar uma população cada vez maior, seja em conseqüència da atuação exercida pelos projetos de exploração dos seus recursos m inerais, h id ro elétricas e m adeireiros, seja pela en tra d a de colonos à pro cu ra de terra agricultável” .


Tabela 43 PRODUÇÃOPRIMÁRIA DA MRH BRAGANTINA PRODUÇÃO EXTRATIVA DE ESCALA (EVOLUÇÃO %, ANO BASE 1950 = 100) Período 1950/1985 Evolução percentual da produção, por produto Ano

Castanha-do-pará %

1950 1960^ 1970 1980 1985

100 1.200 1.500 200

Borracha Coagulada %

100 45 2 52

Madeira

Palmito

%

%

100 20.400 40.000 260.000 449.380

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Fonte: FIBGE —Censos Agropecuários (1985 com dados inéditos coletados)

Enquanto os demais produtos extrativos (castanha, borracha e palmito) arrefeceram seus índices no período em questão, a madeira teve a sua pro­ dução elevada expressivamente, sendo que, pela forma indiscriminada e predatória com que é explorada, concorre profundamente para a degrada­ ção ecológica e limitação das outras formas de extrativismo complementa­ res à atividade produtiva cabocla (ver tabela 43).

3.1.1.2.4. Conclusão A exemplo da M RH do Baixo-Tocantins, a Bragantina apresenta, por suas formas de ocupação fundiária e produtiva, uma realidade seria­ mente restritiva ao processo produtivo tradicional caboclo, gerando paulatinamente contingentes humanos expropriados que,pouco e/ou mal absorvidos no seu precário mercado de mão-de-obra rural, tendem a deslocar-se para os centros urbanos (notadamente Belém) em busca de outras alternativas de sobrevivência. Outrossim, esta ocupação fundiária e produtiva concentradora apre­ senta indícios de aceleração recente, em função do relativo sucesso da agricultura modernizada, do surgimento de grandes projetos agrícolas

98


(com o os da Denpasa e da Good-Year, já implantados) e da melhoria de infra-estrutura viária. D esta forma, é previsível um correspondente agudizam ento do p ro cesso de pau perização dos produtores tradicionais caboclos que venha a agravar a questão social na M RH e nos núcleos urba­ nos que receberão fluxos migratórios constantes e crescentes.

3.1.2. Aspectos da política agrícola N ão obstante a política agrícola oficial abranja outros aspectos além da geração de conhecimentos (pesquisa agropecuária), da transferência destes (extensão rural), do fomento (difusão e fornecimento de insumos) e do crédito rural, a presente análise se aterá a estes quatro segmentos, já que os demais componentes desta política (reforma agrária, armazenagem, política de preços mínimos, etc.), apesar de institucionalmente planejados, são muito precariamente implementados e quase nunca têm atingido a realidade do pequeno produtor. Como exemplo, basta citar a Reforma Agrária que, embora esteja em questão há décadas, até hoje não foi efetiva­ mente implantada, permitindo a elevada concentração da terra, consta­ tada inclusive nas microrregiões estudadas . Feita esta ressalva, dentro do contexto microrregionalem análise (que não pode ser desligado da realidade global, mas não pode ser ignorado em suas particularidades) e no que diz respeito ao universo dos pequenos pro­ dutores tradicionais agro-extrativos, cabe analisar a política agrícola ofi­ c ia l e s t a b e le c id a e, d e n tr o d e la ,o tr a ta m e n to d is p e n s a d o a o s citados produtores. Isto não é uma tarefa fácil, já que as eventuais defasagens e defici­ ências dos dados e/ou de seus detalhamentos e a abordagem despadronizada e não particularizada dos diversos dados institucionais a tomam difícil. M as como o objetivo da mesma é tão-somente buscar nesta política informações complementares para descortinar a realidade agro-extrativa cabocla, onde se geram os fluxos migratórios campo-cidade, é suficiente uma análise a partir dos dados disponíveis. Contornando então as dificuldades de informação e buscando um mínimo de esclarecimento sobre a postura do Estado em relação ao seg­ mento mais pauperizado do contexto rural, optamos pela análise da polí­ tica agrícola oficial em seus principais programas e projetos executados, seus alcances e seus reais beneficiários. Cabe esclarecer que muitas das informações serão analisadas a nível estadual, já que não foram de obten-

09


çfto possível a nível das duas microrregiões. 3.1.2.1. G e r a ç ã o d e c o n h e c im e n to (p e sq u isa ) Hoje, a pesquisa agropecuária estatal é executada sob a coordena­ ção nacional da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária- EMBRAPA, envolvendo dezoito centros nacionais de pesquisa de produtos, cinco centros de pesquisa de recursos, três serviços especiais, oito unidades de exe­ cução de pesquisa de âmbito estadual, duas unidades de pesquisas de âmbito territorial, três unidades de apoio a programas, quatorze empresas estaduais e dois programas integrados de pesquisa. Em 1987, através d esta infra-estrutura, d e s e n v o lv e u -s e m ais de quatro m il projetos, envolvendo recursos da ordem de 2,8 bilhões de cruzados (E M B R A PA , 1987 : 07). N o Pará foram desenvolvidos, em 1987, cento e setenta e nove projetos de pesquisa através do Centro de Pesquisa Agropecuária do Tró­ pico Ú m ido - C PA T U , do Centro de Serviços Especiais e da Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (F C A P ), em suas bases situadas em várias localidades, inclusive na Capital (idem: 122/5). N o entanto, cabe perguntar. A quem interessam e/ou beneficiam estas atividades? N a tabela 44 apresentamos o conjunto dos projetos constantes da programação estadual. À primeira vista, fica evidente a pouca importância atribuída às cul­ turas mais tradicionais do pequeno produtor (arroz, milho, feijão e man­ dioca), contempladas com menos de cinco por cento da programação total para o Estado, enquanto 35,8% desta se destinam às culturas e criações que não são representativas do universo produtivo caboclo, com ênfase para a seringueira, dendê, bubalino, gado de corte e pimenta-do-reino. Por outro lado, alguns P N P ’s incluem áreas do conhecimento ecoló­ gico também importantes para a realidade cabocla É o caso dos de avalia­ ção e aproveitamento dos recursos naturais e sócio-econôm icos do trópico úmido, de defensivos agri colas, de manejo e conservação de solos e de recursos genéticos e florestais. Todavia, representando 42,37% da pro­ gramação total, estas atividades pouco alcance têm para o pequeno produ­ tor tradicional, visto que: nas pesquisas em recursos genéticos predominam as forrageiras, o guaraná e a pimenta-do-reino; na avaliação/ aproveitamento de recursos naturais e sócio-econômicos ocorre uma abordagem ecológica

100


Tabela 44 PROGRAMA NACIONAL DE PESQUISA (PNP) DA EMBRAPA PROGRAMA ESTADUAL DE PESQUISA ESTADO DO PARÁ - 1987

SUBPROJETO PROJETO NACIONAL DE PESQUISA

PNP de arroz PNP de feijão PNP de milho PNP de soja PNP de gado de corte PNP de gado de leite PNP de hortaliças PNP de mandioca PNP de algodão PNP de seringueira PNP de citrus PNP de dendê PNP de recursos genéticos PNP de avaliação dos recursos naturais e sócio-econômicos do Trópico Úmido PNP de aproveitamento dos recursos naturais e sócio-econômicos do Trópico Úmido PNP de sistema de produção para o Trópico Úmido PNP de energia PNP de defensivos agrícolas PNP em saúde animal PNP de manejo e conservação de solos PNP de diversificação agropecuária/produtos diversos PNP de diversificação agropecuária/bubalino PNP de diversificação agropecuária/pimenta-do-reino PNP de diversificação agropecuária/guaraná PNP de diversificação agropecuária/ovino deslanado PNP florestal TOTAL Fonte: EMBRAPA - PRONAPA 1987, pp. 122/125

101

N9

%

01 03 02 01 09 01 02 02 02 16 01 07 11

0,6 1,7 1,1 0,6 5,0 0,6 1,1 1,1 1,1 8,9 0,6 3,9 6,1

29

16,1

24 25 01 02 02 01 01 12 09 02 01 12

13,4 14,0 0,6 1,1 1,1 0,6 0,6 6,7 5,0 1,1 0,6 0,7

179

100,0


ampla e importante, embora seja duvidoso o seu real aproveitamento na promoção de cultivos e sistemas tradicionais; em manejo e conservação de solo, o único subprojeto programado diz respeito à utilização da tração animal em solos de várzeas; e no que tange às florestas, desponta um único projeto diretamente voltado para o pequeno produtor tradicional- sistema silvi-agrícola para pequenos produtores rurais do Baixo-Tapajós. O P N P de sistemas de produção para o trópico úmido, que sozinho representa 14,0% da programação global, embora materialize sistemas voltados para produtos tradicionais com o o açaí, o cupuaçu e outras alternativas possíveis para pequenos produtores, tem boa parte do seu con­ teúdo voltada para alternativas mais sofisticadas e/ou para produtores melhor capitalizados, com o os da piscicultura, da pecuária, do cultivo de várzea, etc. É possível que dentro de uma discussão puramente técnica, o pre­ sente programa de pesquisas possa ser avaliado com o um ponto de partida realista e pragmático para a geração de conhecimento sobre ecologia a fim de que novos produtos e tecnologias sejam desenvolvidos. M as em termos reais, dentro de todas as variáveis estruturais que compõem a atividade produtiva primária, quantos pequenos produtores tradicionais terão acesso a essa mudança? Terá a assistência técnica do Estado estrutura suficiente para levá-la ao universo caboclo? Terá este pequeno produtor recursos financeiros para adquirir insumos e esperar o resultado de tal mudança? Estas são apenas algumas das perguntas que devem ser suficientemente respondidas para, enfim, ser considerada ple­ namente válida a questão técnica da pesquisa agropecuária Dentro desse contexto, confirma-se a colocação de B U R G E R e K IT A M U R A , que realizam pesquisas dentro da própria EM BRAPA: “ Embora, desde a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (E M B R A PA ), em 1975, sua diretriz tenha sido que a pesquisa deve começar e terminar no agricultor, esta ficou muito distante do agricultor, principalmente do peque­ no” (1987 : 457).

3.1.2.2. Assistência técnica e extensão rural M ais facilmente identificável é a fragilidade do processo estatal de transferência do conhecimento agropecuário gerado pela pesquisa aos produtores do Estado.

102


Embora transformada na década de 70 em um sistema nacional inte­ grado, sob o argumento da maior eficiência operacional, e apesar da declarada opção preferencial pelos pequenos produtores, constantes do discurso institucional, a extensão rural apresenta um baixo poder de penetração. Entre as causas principais, podem-se detectar a insuficiência de recursos financeiros, uma má utilização dos recursos humanos disponí­ veis e uma tendência operacional através dos métodos grupais de atuação. N o último quadriênio (1 9 8 3 /8 6 ), os recursos reais cresceram, em média, 21,7% (E M A T E R -P A R Á , 1986 : 43), os humanos apenas 5,7% ao ano (id e m : 08). Entretanto, está na administração destes recursos humanos um dos principais entraves à eficiência operacional. Para cada técnico (de nível superior ou médio) que representa a potencialização da ação extensionista, existe um funcionário administrativo. Relação bem menos eficiente do que a apresentada pela EM BR A PA a nível estadual, onde para cada qua­ tro funcionários operantes diretamente nas pesquisas (de nível superior ou não) existe apenas um administrativo (id em : 08). Esta situação agrava-se quando se sabe que, na média anual do quadriênio, apenas 54% dos seus funcionários situam-se no campo (operacionalizando o objetivo-fim da empresa) e 35% deste quadro funcional se situa na capital do Estado, ope­ rando a nível estratégico (id e m : 23). N o que concerne à prática extensionista, seja ela realizada ou atra­ vés de métodos didáticos em grupo, ou individualmente, é difícil de se pre­ ver bons resultados no processo de transferência de conhecimento da E M A T E R -PA R Á , conforme mostram os dados a seguir. a) o número médio anual de produtores assistidos em tod o o E stad o nos projetos agropecuários (que foi de 3 4 .430 produtores) (idem: 9 e 28) representa apenas 22,8% do número de propriedades com menos de 100 hectares existentes na M RH Bragantina, em 1985, não representando sequer o atendimento total dos pequenos e médios proprietários de uma única microrregião; b) deste total médio de produtores atendidos por ano, para um terço se destinaram projetos agropecuários não-tradicionais com o fruticultura, algodão, pimenta-do-reino, seringueira, etc. (id e m : 9 e 28){ c) de quatorze projetos agropecuários executados, oito são nãotradicionais, pouco acessíveis aos produtores descapitalizados, como aqueles que representam o objeto da presente pesquisa.

103


3.1.2.3. F o m e n to Embora criada com a finalidade de dirigir a “ formulação e execução das políticas, diretrizes, planos, programas e projetos orientados para o desenvolvimento do setor agropecuário” ( S A G R I 1 9 8 7 : 0 1 ) a Secretaria de Estado de Agricultura do Pará (S A G R I) tem desempenhado apenas funções de fomento ao longo da sua história. M esm o tentativas mais recen­ tes (a partir de 1980) de formalizar um sistema público-agrícola estadual (coincidindo com um esforço federal no mesmo sentido) não geraram os efeitos esperados. Em função disto, a SAG RI, em seus 51 anos de existência, tem sido praticamente uma instituição de fomento nas áreas de agricultura, pecuá­ ria, pesca, defesa sanitária animal e vegetal, além de ter desenvolvido ati­ vidades de pesquisa de mercado agrícola, meteorologia e climatologia, assim com o de abastecimento urbano, classificação de produtos agrope­ cuários e organização comunitária urbana e rural, tendo realizado, no último quadriènio, vinte projetos específicos (idem : 0 1 a 44). N este período citado, a instituição dobrou o seu efetivo técnico (de nível superior e médio) e elevou em 79% o contingente de apoio adminis­ trativo (id e m : 02 e 03). M as a esta eficiência expansionista do quadro funcional, não correspondeu igual eficiência na utilização do mesmo. Segundo consta do próprio relatório institucional “este crescimento porém, não ocorreu de forma racional e no sentido dos objetivos-fins da entidade, já que a proporção de interiorização dos recursos humanos técnicos e a correlação apoio administrativo/técnico, deixam muito a desejar. O fator principal que contribuiu para essa situação foi a contratação de pessoal indiscriminadamente, a partir de 1984 ( . . . ) . Embora a SA G R I seja uma entidade do setor público agrícola(por isso destinada fundamentalmente a operar no interior), em 1985, a relação sede/cam po de agrônomos era de 2 , 7 : 1 ; M édico Veterinário, relação de 1 , 2 : 1 ; na área técnica agropecuá­ ria, a que configurava uma interiorização mais real relacionava-se aos técnicos-agrícolas que apresentavam a relação 1,0 : 2, 1” (idem). Portanto, a própria instituição, através de uma louvável autocrítica, reconhece uma insuficiente capacidade de interiorização para quem pre­ tende atuar como agente de mudança no setor primário. E esta incapaci­ dade reforçou-se no último ano: “ Em 1986, a relação sede/cam po de agrônomos passou a ser de 3,3:1 com um crescimento relativo de 22% desses técnicos na sede ( . . . ) não havendo, portanto, uma correlação

104


homogênea na contratação desses profissionais, em função das necessida­ des dos projetos/atividades desenvolvidos pela SA G R I a nível de cam­ po” ( idem). E, embora se tenha mantido a correlação anterior quanto aos médicos veterinários ( 1 , 2 : 1 ) , a interiorização dos técnicos-agrícolas teve um decréscimo de 16% em sua correlação sede/campo. A nível do seu real objetivo-fim (o fom ento agropecuário), e considerando-se apenas os projetos diretamente relacionados à produção agropecuária, o desempenho institucional apresentou-se insatisfatório, mesmo em relação aos produtos não-tradicionais. Basta ver o quadro a seguir, com os percentuais médios de evolução dos principais resultados de oito projetos efetivamente desenvolvidos no quadriênio 1983/86. D eve-se levar em conta ainda dois projetos, cunicultura e ovinocultura, que depois de terem sido desativados e/ou descaracterizados, estão atualmente em reformulação; e mais dois, avicultura caseira e caprinocultura, recentemente implantados, mas sem resultados significativos. Portanto, mesmo nos projetos que não dizem respeito aos pequenos produtores tradicionais, a instituição não obteve bons resultados em conseqüência da insuficiência de recursos financeiros e da má utilização dos seus recursos humanos.

Quadro 02 SECRETARIA DE ESTADO DE AGRICULTURA - SAGRI ESTADO DO PARÁ EVOLUÇÃO PERCENTUAL MÉDIA DOS PRINCIPAIS RESULTADOS ALCANÇADOS - PERÉODO 1983/86 Média percentual de crescimento no período (1983 = 100%)

RESULTADO ALCANÇADO

Mudas frutícolas produzidas Sementes (arroz, milho e feijão) distribuídas Tocos enxertados distribuídos Alevinos distribuídos Matrizes bovinas artificialmente inseminadas Animais vacinados contra principais doenças Pintos de um dia distribuídos Leitões distribuídos para a reprodução Fonte: SAGRI —Atividades desenvolvidas 1983/1986

105

593 36 10 42 - 37 -5 1 -3 4 1


E mesmo o projeto de culturas alimentares, importante para os pequenos produtores trádicionais, embora tenha apresentado pequena evolução em seus resultados, é pouco expressivo.

3.1.2.4. Crédito rural Poucos dados se tem sobre esta área importante para o processo pro­ dutivo do setor primário, principalmente a nível de um detalhamento maior sobre os extratos de produtores por ela beneficiados. O s dados conseguidos, porém, detalhados a nível de microrregião e referentes às décadas de 1970 e 1980, demonstram claramente a quase inexistência do crédito rural com o alternativa de manutenção, expansão ou mudança do processo produtivo. E m esm o esta existência precária é questionável, pois “ . . . o pequeno agricultor tem pouco acesso. Quando o consegue, o financiamento causa novos problemas: as culturas e tecnolo­ gias financiadas, muitas vezes se apresentam inadequadas para o local e a capacidade gerencial do produtor, causando-lhe prejuízos; frequente­ mente as parcelas do financiamento não são liberadas no período prome­ tido e ainda, devido a sua limitada liquidez, o agricultor muitas vezes é obrigado a gastar parte dessas entradas para alimentação e outras necessi­ dades. A não-aplicação dos financiamentos na época e no volume pre­ visto, prejudica o rendimento das culturas contempladas que, muitas vezes, não permitem a amortização dos mesmos. D esta maneira, cresce o endividamento dos pequenos agricultores, e suas chances de desenvolverse através de investimentos são cada vez mais restritas” (Burger e Kitamura, 1987 : 454). Como se pode notar na tabela 45, o número dos financiamentos conce­ didos para qualquer das finalidades, é ínfimo, não atingindo mais do que 3% do total dos estabelecimentos rurais. E no total de financiamentos concedidos a cada ano considerado, o atendimento maior foi o do ano de 1980, que importou em 4,3% dos estabelecimentos rurais da M RH Bragantina, a qual, sintomaticamente, representa a área estadual de produção primária mais modernizada. D ados mais recentes não foram possíveis de ser obtidos, mas uma conclusão recente, constante do relatório da E M A T E R -PA R Á (através da qual o sistema bancário aplica grande parte dos seus recursos destina­ dos à agropecuária), reforça esta incipiència da ação creditícia: “ A eleva­ ção das taxas de juros produziu uma seletividade dos tomadores de crédito”

106



(E M A T E R -PA R Á , 1 9 8 7 :2 4 ). É esta realidade que faz com que a única fonte de recursos para os produtores diretos continue sendo o capital comercial e usurário, cujos representantes (os chamados a v ia d o r e s) fornecem antecipadamente fer­ ramentas, sementes, alimentos, remédios e eventualmente dinheiro, atrelando desta maneira o pequeno produtor a si no processo de comercialização, onde serão resgatadas as dívidas acumuladas do aviamento fornecido. Embora se trate de uma relação de dominação parasitária, na qual o lucro do a v ia d o r está sendo garantido via troca desigual, os a v ia d o s ten­ dem a encará-la como uma relação pessoal, baseada em valores como lealdade e respeito mútuos, e que é cumprida através de acordos verbais. Os seguintes relatos, levantados durante a pesquisa de campo, expressam isto paradigmaticamente.

“ Ajuda vem por esse meio: então ele fala, o comerciante entra com ele. À s vez as pessoa não é mau pagador, né, trabalha direitinho, bota vinte tarefa de terra, aí vai cultivar ela, zelar o arroz, zelar o milho, zelar a mandioca, plantar o feijão, e com aquilo ele paga a conta que ele levanta, E le compra fiado do comerci­ ante, aí ele vende pro próprio comerciante, aí o comerciante desconta a dívida” . (Luís, 71 anos, pequeno produtor e comerciante, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) “ Quer dizer que aí a vantagem que a gente tem aqui é porque a gente chega às vez cansado daí de fora, né?, a gente vende aí na geleira. Eles dão o óleo pra gente, a gente não compra. D á ranchinho também, negócio de farinha, café, sal, quer dizer que isso já é uma ajuda pra gente, né? O dinheiro do peixe, a gente já sai liso. A vantagem que tem aí é que a gente indo pra Barcarena, a gente gasta mais óleo, tem que comprar óleo pra voltar. Aí é isso, né?” (Miguel, pescador e pequeno produtor, Barcarena, M RH BaixoTocantins) “ . . . Quando tinha esse senhor que chamava Tito Martins, que já é morto, o pessoal choravam quando ele morreu, porque era o

108


patrão deles. Pelo m enos foi até meu patrão. Quando a gente chegava assim pra fazê um roçado, a gente ia lá e chegava lá: “ Seu Tito, olha, nós temos um roçado pra tantas tarefas” . Ele perguntava assim pra nós: “ Quantos sacos de arroz leva lá pra plantar?” N ó s dizia: “ Leva três sacos” . Ele dizia: “ É, rapaz, olhe com sinceridade, tu vai levar vinte mil cruzados” . E ele puxava o dinheiro e dava de uma vez: “ Taí, pode levar!” (João Batista, 54 anos, produtor autônomo, sindicalista rural, Igarapé-Miri, M R H Baixo-Tocantins). É destacável que esta relação, enquanto relação pessoal, reforça-se pelo fato de que os a v ia d o s (produtores diretos) mantêm contatos diretos e contínuos com os seus a v ia d o r e s, tabemeiros, marreteiros, gerando muitas vezes relações familiares de compadrio, facilitando dessa maneira a transformação destes representantes do capital comercial e usurários em lideranças políticas do contexto interiorano <35). E evidente que o a v ia m e n to , embora prestando um serviço que preencha a inexistência ou incessibilidade do crédito rural, constitui mais um fator de desarticulação do processo produtivo caboclo por parasitálo economicamente. Sendo originário do ciclo extrativo das drogas-do-sertão (Santos : 1980) e alcançando seu auge no boom da borracha, ele sofreu no decorrer do tempo, sem dúvida nenhuma, modificações com o a da monetarização parcial da relação entre aviador e aviado, por exemplo. Entretanto, mesmo assim não se alterou a sua essência, isto é, o fornecimento antecipado de m eios de (re) produção aos pequenos produtores, que, por sua vez, entre­ gam suas colheitas em troca e a preços fixados pelos representantes do capital comercial e usurário (36>.

(35) O seguinte relato colhido durante a pesquisa de campo aponta claramente para este fato: “ Agora è o PMDB que está. Agora. Depois era o PDS. Agora é o PMDB, já fez dois prefeito aqui. Eu nâo sei patrão,lhe dizer por que foi. Sei que era o PDS, que fez... fez uns quanto prefeito aqui. Foi, umas quantas eleições ele ganhou aqui. Votei. Não, por­ que sempre esses chefes me indicava e quando ele passava por lá e me convidava e passava, né? A gente mudava, acompanhava. É do PMDB, é o Banda (líder)” . (Manoel, 50 anos, ex-pequeno produtor, Igarapé-Miri, MRH Baixo-Tocantins) (36) Sobre o aviamento, ver Santos (1980) e Assis Costa (1988)

109


1. SISTEMA CLÁSSICO DE AVIAMENTO (TÜ1CO DO CICLO DA BORRACHA)

r > Z O ’*O > Z 5 0 W H Z ”

0 0 > 0 »W 5 E

SERINGAL

G R Á F IC O 1


2. SISTEMA CONTEMPORÂNEO DE AVIAMENTO DO TIPO 1

P R O P R IE D A D E O U P O S S E

C iclo P ro d u tiv o -In c id ê n c ia c o m u m doa v ia m e n to

F a s e in ic ial - P re p a ro d o S o lo — P la n tio

— A lim e n to s — I n c id ê n c ia e v e n tu a l doa v ia m e n to

— F e r ra m e n ta s

F a s e in te rm e d iá ria - C u ltiv o s

— R e m é d io s O u tr o s s u p rim e n to s $ E S u p rim e n to s -

E v e n tu a lm e n te

-M aior in c id ê n c ia do'a v ia m e n t.o

S—

F a s e fin a l — C o lh e ita - T ra n s fo rm a ç ã o

Pequeno P r o d u to r — P rodução -

P ro d u ç ão -

•P ro d u ç ã o

GKAFICO 2

r>Z O ~O W ?c

02505H Z - O O ^ t a j

S u p r im e n to s


112

3 . S IS T E M A C O N T E M P O R Â N E O D E A V IA M E N T O D O T IP O 2


3.1.3. Aspectos ocupacionais urbano-interioranos Considerando-se que a baixa - ou falta de - remuneração do tra­ balho na origem permeia quase um terço dos processos migratórios identi­ ficados; que um terço dos migrantes realizou alguma tentativa intermediária de radicação urbano-interiorana antes de vir para Belém; e que 15% dos mi­ grantes vieram de contextos urbanos interioranos, é interessante e neces­ sário investigar, de forma sucinta, a situação sócio-econôm ica nas cidades do interior. Aproximar-se desta realidade através dos dados oficiais disponíveis torna- se uma tarefa bastante ingrata, p ois o últim o cen so industrial da F undação IB G E foi levado a efeito em 1975 e o com ercial cinco anos m ais tarde. O s dois apresentam dados gerais do E stado, não detalha­ dos a nível de m icrorregião e, quando é o caso, om ite-se o universo de empregados de várias empresas, sob a justificativa do sigilo. Por outro lado, a Federação das Indústrias do Estado do P ará(F IE P A ) limita-se ao cadastramento (1 9 8 4 /8 5 ) das indústrias a ela filiadas e, por sua vez, a F ed eração do C om ércio p ossui apenas núm eros relativos às empre­ sas comerciais da capital paraense. Daí se depreende que a análise dos dados obtidos não passa de uma ilustração da incapacidade do contexto urbano-interiorano de absorver a mão-de-obra apta a ingressar no mer­ cado de trabalho.

3.1.3.1. A m ã o -d e -o b r a Embora as microrregiões sejam distintas e geograficamente isoladas entre si, e a M RH Bragantina esteja melhor situada em relação aos merca­ dos mais importantes e melhor servida em termos de infra-estrutura, ambas possuem no setor primário a base do aproveitamento da mão-deobra (ver tabela 46).

113


Tabela 4 6

SITUAÇÃO SETORIAL DA MÃO-DE-OBRA TOTAL (EXCETO OS INATIVOS)

MRH’s BAIXO-TOCANTINS E BRAGANTINA 1980 MRH Baixo-Tocantins Mão-de-obra situada

MRH Bragantina Mão-de-obra situada

Setor ocupacional N?

%

N9

%

Primário Secundário Terciário Procurando trabalho

108.092 30.248 40.510 1.383

60,0 16,8 22,4 0,8

123.204 25.059 59.329 1.893

59,0 12,0 28,1 0,9

Total

180.233

100,0

209.485

100,0

Fonte: FIBGE

3.1.3.2. A indústria

Uma pista sobre a incipiència industrial das microrregiões em estudo pode ser levantada a partir do último Cadastro Industrial da FIE PA . M esm o comparando os seus dados mais recentes (1 9 8 4 /1 9 8 5 ) com os de dez anos atrás (1 975), fornecidos pela FIBG E, apenas 75,3% das indús­ trias constam do Cadastro Industrial, o que indica, no mínimo, uma frágil organização corporativa; além disso a mão-de-obra ocupada nas indús­ trias cadastradas representa menos de 2% da mão-de-obra total e apenas 13% da mão-de-obra industrial detectadas pela FIBGE d ez a n o s antes. Esta incipiència torna-se mais clara quando analisada a capacidade ocupacional das indústrias cadastradas (que, por uma dedução lógica, devem ser aquelas melhor estruturadas). Segundo a FIE PA , estas indús­ trias se apresentam em 1 984/85 da seguinte forma, segundo sua quanti­ dade de empregados:

114


T a b e l a 4 7 CAPACIDADE INDUSTRIAL DE OCUPAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA Indústrias por número de empregados MRITs Baixo Tocantins e Bragantina 1984/1985 M R H Bragantina

M R H Baixo-Tocantins Número de Empregados

Indústrias por n9 empreg. N9

Até 10 20

30 40 50 Total

10 20

30 40 50 mais

Indústrias por n9 empreg.

%

N9

144 30

368 27 3 3

90,3 6,6 0,7 0,7

1

0,2

7 3

6

1,5

10

408

100,0

206

12

% 70,0 14,4 5,8 3,4 1,5 4,9 100,00

Fonte: FIEPA. Cadastro Industrial do Pará, 1984/85

Como se vê, ambas as microrregiões alicerçam sua atividade indus­ trial na micro-empresa, principalmente a do Baixo-Tocantins. E esta é, mesmo a nível estadual, a tendência do universo industrial: segundo a FIB G E , em 1975, mais da metade das indústrias paraenses (52,6% ) possuíam m e n o s d e c in c o p e s s o a s o c u p a d a s. E é pouco provável que na década seguinte, este quadro possa ter mudado substancialmente. E ainda que se possa levar em conta a implantação recente dos grandes projetos na região, não se pode considerá-los com o alternativas regionais de emprego estável, por três motivos: primeiro porque a maior utilização da mãode-obra regional se dá apenas na fase de implantação e nas ocupações nãoespecializadas; segundo porque a partir do seu funcionamento ocupam predominantemente mão-de-obra especializada e não-regional; terceiro porque utilizam tecnologias poupadoras de mão-de-obra. Sendo, portanto, predominante a realidade industrial micro-empresarial e sendo este tipo de empresa pouco incentivada pelas políticas estatais

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(apesar do discurso oficial), tom a-se pouco provável a alternativa indus­ trial de absorção dos efetivos de mão-de-obra existentes.

3.1.3.3. O comércio Apesar de o comércio ser a atividade econôm ica mais antiga da região, ele não representa uma alternativa ocupacional para grandes con­ tingentes de m ão-de-obra- pelos dados mais recentes obtidos e referentes ao Estado, em 1980,68,5% dos estabelecimentos comerciais atacadistas possuíam m en os d e cin co em p reg a d o s (FIBGE, 1980), e no comércio varejista este percentual eleva-se para 94,6% (idem). Trata-se aqui de micro-empresas, normalmente conduzidas a nível familiar. Outrossim, segundo a mesma fonte, no quinquênio 1 9 7 5 /1 9 8 0 , os estabelecimentos comerciais varejistas do Estado dobraram em número, enquanto o número dos estabelecimentos atacadistas d im in u iu em cerca de 5%. 3.1.3.4. C o n c lu sã o O contexto urbano-interiorano, pelas características de suas ativida­ des industriais e comerciais e pelo descaso oficial destinado a este tipo de atividade empresarial, não cristaliza alternativas suficientes de absorção da mão-de-obra excedente que se gera em seu bojo - seja pela baixa capa­ cidade de contratação de mão-de-obra de cada empresa, seja porque estes excedentes de trabalhadores, por não disporem dos recursos necessários, dificilmente possuem condições de assumir autonomamente, mesmo em regime familiar, estas atividades de maneira formal. Resta o subemprego ou a atividade comercial informal do biscate, ou ainda a migração em busca de melhores perspectivas de trabalho e vida no contexto urbano mais desenvolvido do Estado: a capital paraense.

3.1.4. Perspectivas N o contexto microrregional analisado, as classes populares, rurícolas ou urbanas, têm as suas condições de reprodução econôm ica cada vez mais limitadas, o que as leva a um processo de proletarização passiva que tende a desembocar na migração para capital paraense, em busca de trabalho e melhores condições de vida N o setor primário, a penetração de cultivos não-tradicionais que não lhe são acessíveis; a dominação histórica dos intermediários, produto do

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isolamento geográfico, da falta de recursos pessoais e/ou infra-estruturais para produzir e escoar a produção; e a valorização das terras pela penetra­ ção de novos cultivos, dos grandes projetos e da melhoria das vias rodo­ viárias que criam um precário mercado de trabalho rural e uma ilusória possibilidade de abandono da atividade produtiva autônoma em troca do trabalho assalariado informal, tudo isto gera, de forma silenciosa, a proletarização desta população rural, que quase sempre termina por buscar no contexto urbano as possibilidades que lhes faltam na origem. N as cidades interioranas, ela encontra um setor secundário e terciá­ rio incipiente e incapaz de absorvê-la, além de sua impossibilidade financeira de poder estabelecer-se nele de forma autônoma, engrossando, assim, os contingentes migrantes para a capital do Estado. P or outro la d o , n ão o b sta n te o p r o c e sso de perda d os m eio s de su bsistên cia tenha-se dado, prim ordialm ente, de form a n ã o v io le n ta ( diferenciando- se, portanto, de outras microrregiões do Estado, com o aquelas situadas no sul do Pará), tom a-se cogitável a possibilidade mediata do mesmo assumir um caráter mais conflitivo em função da intensidade recente de ocupação fundiária e do interesse pela terra, decor­ rentes da penetração dos grandes projetos, do fomento agrícola modernizador e da conseqüente valorização do solo.

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4 . O C O N T E X T O R E A L N A Ó T IC A D A S C A M A D A S PO PULARES: U M A T E N T A T IV A D E IN T E R P R E T A Ç Ã O

4.1. O sobreviver na cidade 4.1.1. Migração: a opção pelo urbano Em todas as entrevistas que realizamos na periferia urbana de Belém, os informantes justificaram sua vinda para a cidade em função das advèrsidades agro-extrativas e/ou da carência de serviços básicos no interior, notadamente nas áreas da educação e da saúde. Os relatos que se seguem proporcionam uma nítida impressão disto: . a gente preparava o roçado, aí vinha aquela época, negócio de enchente, derrubava tudo, a gente ficava nadando, entendeu? Quer dizer, a gente derramava o suor da gente pra no fim não colher nada, né?” (Berlito, 35 anos, comerciário, Bengui) “ O cara não pega dinheiro, é só trocando a mercadoria, não tem lucro nenhum. Lá não dá, só dá seringa, roça não dá lá de jeito nenhum. Minha mãe fazia roça mas nunca deu nada. Aí eu vi que não dava, né, eu procurei me afastar ...” (Am ós, 56 anos, braçal de companhia transportadora, Terra Firme) “ Era precária, tinha vez que pegava, tinha mês que ele arranjava dinheiro, tinha mês que não, porque não tinha peixe pra pega­ rem, né? Aí tinha vez que ele arranjava dinheiro quando passava

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um mês, tinha mês que não, então ele achou bom vim pra cá, ^ 'O ?! ne: (Maria, 32 anos, lavadeira, Terra Firme) “ Eu vim do interior pra cá porque lá a gente tinha muita dificul­ dade, né? Porque meu pai era pescador. Aí a gente passava muita dificuldade em estudo, em roupa, em tudo, sabe?” (Maria de Fátima, 27 anos, professora comunitária e lavadeira, Bengui) “ Porque eu morei no interior e lá eu perdi uma filha, essa filha morreu e eu me desesperei, dei tudo que tinha e vim imbora pra cá. A minha idéia de vim pra Belém foi por esse motivo: porque o sinhô sabe, no interior é mais difícil a parte de saúde. E em Belém, não. D e qualqué maneira, a pessoa morrendo no meio do recurso, a gente se conforma muito melhor do que com o eu perdi essa filha, e até hoje eu não me conformo” . (Moacir, auxiliar de mecânico, Vila da Barca) “ A vida é dura no interior, a senhora já sabe como é, né? A gente trabalha mais na lavoura, né, e pra gente comprar um vestido, isso é de ano a ano, porque tudo que a gente ganhar é pra comida” . (Celina, 46 anos, empregada doméstica, Bengui) “ Aí eu pensei em vim pra cá, vê se ensinava mais meus filhos que tavam tudo burro. Aí eu cheguei pra cá, logo matriculei no colégio, eles tão estudando” . (Maria, 32 anos, lavadeira, Terra Firme) “ . . . onde nós morava não tinha médico. Eu cansei de ver cenas lá horrorosa Uma senhora morreu com o filho sem ter socorro de nada A gente tava sabendo o que era, mas é um dia de viagem pra cidade, de onde nós morava. Eu achei aquilo horrível, né, aí eu procurei me afastar enquanto era tempo, né?” (Am ós, 56 anos, braçal, Terra Firme) “ . . . eu acho que aqui a gente espera pra melhor, sabe? A gente

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coloca os filhos pra estudar, sabe, a gente trabalha. Com dificul­ dade, com todas as carestia, com tudo que tem pra atrapalhar a vida que é bem melhor, sabe, que a gente consegue adquirir aquilo que a gente quer. Enquanto que lá no interior, só tra­ balha, e nunca a gente é nada N ada mesmo, certo?” (Maria de Jesus, 25 anos, vendedora ambulante, Bosquinho) “ A maior dificuldade que tinha no meu tempo era estudo. Naquele tempo, vim, tinha muita gente que não estudava por­ que tinha dificuldade de estudo. Eu pelo menos tirei a minha terceira série, porque primeiro eu fui desemburrando em casa com o meu avô, pai da minha mãe”. (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras autônomo, Vila da Barca) “ . . . se adoecer, por exem plo não tiver imbarcação pra botá uma canoa, uma imbarcação pra trazer pra cá, morre porque não tem recurso lá, sabe?” (Benedita, empregada doméstica, Bosquinho) “ Por exemplo, aqui se tom a mais fácil; quer ir numa taberna, vai embora; quer ir no médico, chega ali, pega um carro rápido, né? N o interior se toma mais difíciL Pra viver aqui é melhorí’. (Otília, 31 anos, dona-de-casa, Vila da Barca) “ Aqui é mais fácil do que no interior, que se a gente tiver o dinheiro, a gente sai, vai comprar um remédio ali, vai comprar a comida do jeito que a gente quer, né? Tudo é fáciL Tendo dinheiro na cidade, tudo é fácil na vida da cidade” . (Maria Anunciação, 47 anos, lavadeira, Vila da Barca) Se aqui, na comparação cidade/campo, a primeira apresenta-se como contexto sócio-econômico que oferece melhores condições de sobrevi­ vência, o que veremos mais adiante é que a população entrevistada, tanto do interior como da capital, tem uma clara noção das dificuldades que o cotidiano urbano oferece para as camadas sociais de baixa-renda. Se ape­ sar disto, nestes depoimentos a opção pela cidade tom a-se tão clara, pode­ ría concluir-se que na consciência dessa população se reproduz o estereótipo cidade/campo, no sentido da superioridade da primeira (em termos de

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modernização, progresso e desenvolvimento) e do atraso estrutural que seria inerente a todo contexto rural. E, na realidade, não faltam indícios de que aquele que se radicou no contexto urbano, tende a olhar “ de nariz empinado” para os que permane­ ceram no interior. Colocações como as que seguem, até certo nível, demonstram isso. “ E ssa minha irmã, ela não sabe andar dentro da cidade! Eu é que tenho que orientar tudinho! Quando chega aqui diz: “ Olha, eu vim aqui pra tu me levá em tal canto, no endereço tal!” Aí eu tenho que descobrir aquele endereço, levar eles e tudo. É assim eles não sabe, tudo é comigo, sabe? Qualquer coisinha que eles querem, qualquer negócio, vêm aqui em Belém”. (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Benguí) “ N o dia que a minha filha entrou lá (e m p r e g o em s a lã o d e b e le z a ), entrou uma moça junto com ela, e esta moça era muito paradinha; sabe, ela não sabia fazer nada Boba, menina do interior, atrasada E a menina não deu certo, só dava era prejuízo, tudo que pegava, quebrava, sabe! Foi uma coisa incrível...” (Esmeralda, dona-de-casa, Bosquinho) “ E aí muda tudo ( n a cid a d e ), já é outra coisa, né? A gente acha gente boa na vida da gente, já vai conhecendo as pessoas mais ou menos, né? Já vai ensinando a gente falá, como-deve-sê, como-não, né? Antão a gente já tem outro modo de que no interior, porque no interior, a senhora, a senhora sabe, a gente nunca tem assim uma convivência, a gente inda é um pouco brabo, né? O que a gente vê na frente? É só um roçado, fazer farinha, essas coisas. N ão freqüenta uma sociedade, a gente num se entrosa com os outros como eu já me entroso aqui, né?” (Celina, 46 anos, empregada doméstica, Bengui) E compreensível que o modo de vida rural/interiorano tende a ser desvalorizado, uma vez que uma série de conhecimentos e atividades que ele proporciona, dificilmente podem ser aplicados no sobreviver urbano belenense. Além do mais, a tendência de defender a vida urbana está certa-

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mente relacionada com a necessidade individual de justificar a decisão de migrar. Entretanto, na nossa avaliação, o elemento central da opção pela cidade repousa na descrença generalizada em qualquer perspectiva de melhoria social no contexto rural/interiorano, haja vista os seguintes fatos: como pequeno produtor ou trabalhador rural, não há condições de se pros­ perar individualmente; quanto a uma perspectiva coletiva, pelo esforço próprio de organização sindical, pelo menos nas duas microrregiões analisa­ das, o sindicato não foi encarado como instrumento viável para encami­ nhar mudanças, finalmente, quanto às instâncias estatais, elas não gozam de nenhuma confiança da populáção e são vistas como ineficientes e omis­ sas. N estas condições, a opção pela cidade representa muito mais uma negação do meio concreto interiorano do que uma identificação com o modo da vida urbana. Esta visão ganha consistência, à medida que consi­ deramos que não são poucos os depoimentos que enfatizam a possibili­ dade de um regresso ao interior, caso se pudesse dispor de melhores condições de reprodução econômica e social. “ . . . se eu arrumasse dinheiro pra mim comprar uma posse de terra lá, pra mim fazer o que tinha vontade de fazer, eu aí volta­ ria. Criar gado, porco, aí eu botava roça. Eu queria comprar uma área de terra que desse pra plantar, pra criar. Aí sim, eu ia!” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras autônomo, Vila da Barca) “ . . . pra quem mora no interior, é ruim, né? Só se tiver, como diz o caso, um recurso pra ter alguma coisa, pra ganhar daquilo ali, né? M as se for pra tá em negócio de lancear, pegando peixe, essas coisa, não tem condição” . (Otília 31 anos, donarde-casa, Vila da Barca) “ ... se eu tivesse um capital bom pra ir passar uma vida boa lá, bem! Que no interior é bom assim, quem tem o dinheiro pra saí daquele sacrifício que tem o lugar” . (Alcindo, 43 anos, pintor, Vila da Barca)

4.1.2. Trabalho Quem se radicar numa cidade como Belém enfrentará uma situação,

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na qual a reprodução econôm ica está quase inteiramente monetarizada. Abordando este aspecto do contexto urbano, os entrevistados o rela­ cionavam, via de regra, com a realidade rural/interiorana, em que uma parte con sid erável das n ecessid a d es b ásicas está e continua sendo autoproduzida. . . lá (no interior) isso é uma coisa mais fácil, né, que aqui em Belém a gente só consegue se a gente comprar, né?” (João Batista, 24 anos, carpinteiro, Bengui) “ Ah! Aqui, se a gente não tiver dinheiro não compra, né? É um bucado ruim, um bucado caro, né? É ruim por isso, a gente tem que batalhar mesmo aqui, né?” (Maria Anunciação, 47 anos, lavadeira, Vila da Barca) . eu acho ruim aqui é que tudo é comprado, né?, a gente com­ pra tudo. N o interior, muita coisa a gente não compra” . (Alcindo, 43 anos, pintor, Vila da Barca) “ . . . quando a gente não tem dinheiro a gente não come, porque aqui só come quando tem dinheiro. E a gente tem de trabalhar pra arranjar aquele dinheiro, né , pra comer” . (Margarida, 32 anos, lavadeira, Terra Firme) “ . . . pra lá (no interior) não tem o que a gente queira À s vez a se­ nhora tem o dinheiro e não acha o que comprar. E aqui, se a gente não tiver o dinheiro, é mesmo que não ter nada, né? Por­ que aqui em Belém, se a gente não puder comprar pra gente comer, não vão dar, né?” (Benedita, empregada doméstica, Bosquinho) “ Por mais que sinta, a gente sente a dificuldade quando vem pro meio da cidade, porque a pessoa não está acostumada a com ­ prar farinha, está acostumada a comprar quase nada, né? Se chega aqui na cidade, tem que comprar tudo. Conclusão: a gente sente uma dificuldade de tudo, mas depois passa a se acostumar' porque a necessidade obriga. N ão tem outro jeito, a gente passa a se acostumar” . (Santana, 32 anos, lavadeira e merendeira escolar, Bengui)

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. você encontra muitas coisas boas, você tendo dinheiro, é claro. Agora, se você não tiver, vai ter o mesmo sacrifício, a mesma dificuldade que a gente encontra no interior...” (Maria das Graças, 38 anos, professora primária, Terra Firme) É evidente que, junto com a experiência da transformação dos meios necessários de subsistência em valores de troca, a relação com o trabalho com eça a ser influenciada de uma maneira decisiva pelo preço que se consegue por seu exercício. “ Eu também não tenho uma profissão que preste. A minha pro­ fissão é pintor,e onde eu trabalho,eles não pagam lá essas coisas pro pintor” . (Alcindo, 43 anos, pintor, Vila da Barca) D ito de outra forma, trabalhar como assalariado, na condição de braçal, significa viver como “ pobre diabo” . “ . . . olhe, eu vou dar um exemplo: o meu marido trabalhava de carteira assinada e nós passava fome. Passava mesmo, porque o salário de pedreiro não dá, de carteira assinada” . (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Bengui) “ . . . pra viver nesse salário que tá hoje em dia, só dá pra comprar o leite dos menino que tão nascendo agora, né? N ós não vive de salário, ninguém vive não, dona!” (Celina, 46 anos, empregada doméstica, Bengui) “ . . . eles tão pagando bem pouco adonde ele trabalha de vigia Tão pagando só oitocentos mil pra ele e todo dia ele paga ôni­ bus, dois de vinda e dois de ida. E vai quase o salário todo só em ônibus. É muito pouco esse salário dele, de vigia, arriscando a vida pra ganhar só oitocentos!” (Francisca, dona-de-casa, Bosquinho) N o entanto, não é apenas o “ salário de fome” que leva a população a rejeitar o trabalho assalariado. N ão menos importante é o seu próprio sis­ tema organizacional que, mesmo que não estruturado na base de métodos

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tayloristas (o que em Belém, em decorrência do seu perfil econômico, é uma exceção), implica na“ ditadura do relógio” e na subordinação a o “ poder de uma vontade alheia” (M arx 1980 : 380), representando, portanto, exigências que não estão sendo encaradas pelos entrevistados como “ leis naturais evidentes” (idem : 854). “ . . . o emprego é mais ruim por causa disso, porque a gente tem que ter aquele horário certo pra chegar no serviço, né , ter horá­ rio certo pra gente largar! E a gente tem que cumprir aquele horário, que a gente é empregado, né?” (João Batista, 24 anos, carpinteiro, bairro do Bengui) . .já na idade que eu estou, eu não tenho mais paciência de ser mandado. Muitas pessoas vê a pessoa empregada e pensa que ela tá sujeita a ouvir muitos abusos. Mas a gente não quer ouvir o mais novo gritar na cabeça da gente, porque a gente acha ruim'” (Moacir, 48 anos, auxiliar de mecânico, Vila da Barca) “ Porque a minha vantagem é essa: o dia que eu quiser fazer o serviço, eu faço. O dia que eu quiser lavar roupa eu lavo. Aquele dia que eu não tiver disposição, eu não lavo e não tô sendo man­ dada, viu? E numa casa fora, fulano vai fazer do jeito que man­ dar. Se a pessoa tiver doente, tem que fazer, né? E assim, eu tando na minha casa, ninguém me manda!” (Maria Anunciação, 47 anos, lavadeira autônoma, Vila d a Barca) “ . . . eu gostaria mais de trabalhar por conta própria. Pra mim s e tom a melhor porque você manda, não é mandado, né?” (Antônio, 32 anos, afiador de lâmina industrial, Terra Firme) “ ... então é o seguinte: o cara trabalhando por conta própria amanhece chovendo! O cara abre a porta e: “ Ah! N ão vou! Se eu perder o dia, amanhã eu ganho!” Empregado não, ele abre a porta e diz assim: “ Mulher, joga um pedaço de jornal aí” . P õ e n a cabeça e vai embora. É como tem acontecido”. (Berlito, 35 anos, comerciante, Bengui)

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O que revelam estes depoimentos, em nossa avaliação, é uma consci­ ência social, na qual o tempo cíclico dos modos originários de (re) produ­ ção se justapõe com o tempo linear da sociedade industrial capitalista <37) e, mesmo ameaçado pelo segundo, ele continua tendo uma profunda rele­ vância enquanto “ vetor dos valores e das atividades” do sujeito social em questão (Sachs 1983 : 46). Contudo, se é essencialmente esta justaposição de diversos modos de ( re) produção que alimenta fortemente a preferência pelo trabalho autô­ nomo efetivo, ao mesmo tempo ela atualiza uma utopia de difícil concreti­ zação, em decorrência da falta de recursos financeiros, do receio de não ser bem sucedido, etc. “ Eu trabalhei de empregado até hoje porque é o seguinte: eu nunca planejei pra mim trabalhar de marretagem. Já pensou, jogar tudo fora e aí voltar pro mesmo que era?” (Berlito, 35 anos, comerciário, Bengui) “ Eu gostaria de trabalhar como autônomo, mas aí o serviço fica mais difícil pra gente arranjar. À s vez pinta serviço pra gente fazê, mas tem tempo que não pinta nada. Aí a gente tem que se empregar, porque ficar sem ganhar nada ... ” (João Batista, 24 anos, carpinteiro, Bengui) “ Se a gente tivesse um capital pra colocar um trabalho por conta própria, seria melhor, porque todo dia a gente tinha aquele dinheiro, a gente não fiava, a gente não devia” . (Eunice, gari da prefeitura, Bosquinho) “ Então, eu pra mim, sinto que a pessoa trabalhar por conta pró­ pria, por um lado é bom. Agora, eu não sei trabalhar por conta própria, prefiro levar o meu emprego que eu tenho. Porque eu não tenho aquele jeito de marretar, não sei explorar ninguém, sabe? E na marretagem a gente tem de ser um pouco duro com os outros, né, saber enganar os outros, sei lá!” (Santana, 32 anos, lavadeira e merendeira escolar, Bengui)

(37) Sobre tempo linear e cíclico, veja Lefebvre 1972.

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Em consequência disso, a maior parcela da população em idade de trabalho oscila entre empregos formais instáveis (pedreiro, servente de pedreiro, vigia, pintor, etc) e o trabalho autônomo ocasional, o chamado “ biscate”, ambos de baixa remuneração e que não apenas limitam o acesso a um consumo maior, como também não abrem, por sua própria estrutura organizacional, uma perspectiva de organização sindical, que seria um pré-requisito necessário para superar uma visão da relação empregado/empregador que encara a figura do patrão primordialmente pelo modo de tratamento pessoal que dispensa ao assalariado. . eu não tenho o que dizer dos meus patrões. M eus patrões são bons comigo. N ós ganha pouco, sabe, nós tém almoço, eles dão assistência! ... Se adoecer uma filha, eles dão assistência pra gente!” (Am ós, 56 anos, braçaL, Terra Firme) “ . . . eu vou lhe dizer a verdade: tive patrão como o finado Leonel, que mais me ajudou na minha vida. Tirou meus docu­ mentos, tirou minha carteira de motorista, viu? Em segundo, foi o doutor N oleto, que eu era parece um filho dele, pra onde ele ia eu tinha que tá com ele. Eu era o motorista dele, eu era babá, eu era tudo pra ele” . (Vital, motorista de ônibus, Bosquinho) “ M esm o que a gente não tenha o IN PS, mas tem o patrão. A gente vai lá, eles já se interessam pela gente, já compram o remé­ dio e trazem para gente, né?” (Celina, 46 anos, empregada doméstica, Bengui) “ . . . eu procuro fazer o meu serviço e o patrão gostar do empre­ gado. A gente tem que fazer o da gente pra poder o patrão fazer pela gente, né? ” (Berlito, 35 anos, comerciário, Bengui) “ . . . quando não há abuso e 0 empregado sabe que o patrão pre­ cisa dele, o patrão precisa do empregado, tá tudo certo, né?” (Eunice, gari da prefeitura, Bosquinho)

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“ Tem uns que sabem valorizar os empregado, mas tem muitos que não sabe, né? Tem muitos que já gostam de humilhar os empregados, tem muitos que não. Tem muitos que tratam os empregado com o seres humanos e tem muitos que já querem (o empregado) de lam baio...” (Otília, 31 anos, dona-de-casa, Vila da Barca) “ Ah! Tem muitos patrões que são legal com a gente, mas tem muitos que são muito ruim com a gente; não conversam com gente, não procuram se entender com a gente” . (João Batista, 24 anos, carpinteiro, Bengui) “ N ão tenho vontade de ter carteira assinada, a senhora sabe por quê? - Porque eu já considero eles não com o patrão, já considero como um pai!” (Celina, 46 anos, empregada doméstica Bengui) É destacável que esta concepção de “ patrão-pai” encontra resso­ nância até mesmo entre aqueles que, tomando-se autônomos efetivos, possam ter empregados, como no caso do depoimento a seguir

“ Eu, trabalhando do jeito que eu trabalho, eu tô sendo útil ao meu próximo, porque eu tô dando o que comer prum bucado de pai-de-família e pros seus filhos. Se eu pego um serviço, eu chamo dez, quinze homens pra me ajudar e o pão deles. Quer dizer, que nessa parte, eu tô sendo útil ao meu próxim o...” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras autônomo, Vila da Barca) Se, com o enfatiza E. P. Thom pson(1 9 8 0 : 299), “ os homens estão sendo colocados em uma sociedade, cujas formas e relações parecem tão fortemente cimentadas, com o o céu que se estende por cima”, no caso do sujeito analisado, não é a situação de trabalho que gera impactos significa­ tivos para modificar este enfoque de imutabilidade das estruturas vigentes. “ . . . eu trabalhei no transporte Globo, sete anos sem carteira assinada. Aí começou, aí me empreguei, aí assinaram minha

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carteira Aí fui pro Rodrigues Transporte, trabalhei um ano e pouco, saí de lá, fui pra E N T E R -B R A S IL . N a E N T E R BRASIL eu trabalhei uns doze anos. Eu tentei, já fiz de tudo na vida já trabalhei na feira, tudo por aí eu fui trabalhando, sabe, mas não consegui nada” . (Am ós, 56 anos, braçal, Terra Firme) “ Trabalho numa empresa aí chamada Jonasa M as é como se diz, o ordenado é muito baixo, a gente ganha uma base muito pouca, que dá malmente pra se alimentá. Então a vida da gente é essa aí, não temo o futuro que a gente possa ganhar um ordenado que dê pra gente viver suficiente, como deve ser, né?, É ser apertado, todo tempo apertado, porque o ganho é pouco. ( . . . ) Chegou do serviço, janta quando tem. Quando não tem, do mesmo jeito se conforma, deita, de manhã vai pro trabalho” . (Alcindo 43 anos, pintor, Vila da Barca) “ . . . se a gente for fazer uma base, dá pra gente fazer uns três mil. É pouco, né, mas dá pra gente ir passando devagar. Um dia a gente come, outro dia não come, mas vai passando”. (Antônio, 56 anos, braçal, Terra Firme) “ N ão adianta se queixar, que não tem jeito mesmo. Tem que levar essa vida mesmo”. (Odília, 36 anos, pedreira na construção civil, Terra Firme)

4.1.3. Educação formal Que a educação formal é um pré-requisito imprescindível para“ ven­ cer na vida” , neste aspecto os entrevistados concordaram de uma forma unânime. “ O estudo, primeiramente, é a primeira ajuda que tem, porque o seguinte: a pessoa sem estudo, acha que ele não consegue um dia uma vivência melhor, um emprego, uma coisa qualquer, entendeu? Porque eu tiro por mim mesmo: eu morava no interior, eu estudei um pouco, entendeu? M as o estudo que eu queria chegar

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lá, não consegui! Eu cheguei para Belém, não deu pra mim estu­ dar, eu não tinha, eu não podia pagar, entendeu? Ai, quer dizer, foi o jeito eu pegar no grosso mesmo!" (Berlito, 35 anos, comerciário, Bengui) "Estudo eu acho que é tudo, è tudo na vida, porque hoje em dia se você não tiver um bom estudo, vocè não tem um bom emprego. Vocè vai ver, quem não tem um estudo fácil vai ter que trabalhar com mais dificuldade, vai ter que ganhar aquele salario que realmente não dá pra gente sobreviver, né? Porque salario que nós tem os vivendo não dá m esm o, né? N à o tem condições!” (Maria Neuza, 33 anos, dona-de-casa, Terra Firme) "Quem estuda, tem umas crianças educadas, prendadas, ne? Assim mais um dia, se formarem, pegarem um bom emprego para me ajudarem, né? Por isso que eu me esforço bem, pro negócio de estudo deles” . (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Bengui) ". . . o estudo é muito importante, porque hoje em dia, nessa vida que nós vamos levando, quem não tiver um estudo, não se emprega! Nem, nem! Se a criança não estudar, não tem um futuro melhor, não tem uma formação digna, né?” (Maria Anunciação, 47 anos, lavadeira, Vila da Barca) Se estes depoimentos expressam uma profunda valorização do ensino formal, esta se baseia certamente na experiência concreta de que "apren­ der a ler, escrever, fazer as contas direitinho” (expressão de um morador do Bengui) é uma condição importante para sobreviver na cidade, e o acesso a um emprego melhor, uma renda maior e a posições de comando e de destaque na sociedade raras vezes está desvinculado de uma passagem bem-sucedida pelo estudo formal nas suas diversas ramificações. À primeira vista, ela confirma uma posição segundo a qual “ o pobre brasileiro tem expectativas semelhantes às do homem da classe media, pois ambos possuem o mesmo universo de valores” (Jaguaribe, in: Veja, 30 de julho de 1986). N a realidade, trata-se, contudo, de um raciocínio pouco estimula-

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dor, pois quem considera que se reproduz e se mantém um elenco de valo­ res e normas culturais que, embora necessariamente em graus diferentes, está sendo aceito por todas as classes sociais (38>, e que os sonhos de con­ sumo gerados pelo “ fordismo periférico” à brasileira não deixam, eviden­ temente, de afetar a consciência das populações de baixa renda, ainda não explicou por que estas depositam tanta esperança na escola formal, da qual 64,6% dos entrevistados sequer terminaram a quarta série primária. Sem dúvida nenhuma, deve-se considerar,com relação a isso, que sobretudo os migrantes que não tiveram condições de estudar no contexto interiorano transferem as suas idéias de êxito escolar aos seus filhos, para quem, devido às conhecidas deficiências da educação pública (precária infra-estrutura escolar, falta de vagas, professores mal-pagos e pouco pre­ parados, etc.) e às condições sócio-econôm icas destas camadas sociais que forçam, via de regra, o trabalho precoce, não aguarda, porém, um futuro escolar muito diferente daquele de seus pais. Analisando as entrevistas, pode-se dizer que o sujeito em questão tem uma noção relativamente clara desta contradição. “ Olha, mana, eu quero que os meus filhos aprenda pelo menos a fazer o nome deles e aprenda a viver. Porque antigamente a ilu­ são era muito grande em cima do estudo: “ Estuda, porque se não tu não vai ser nada na vida! Senão tu vai puxar carroça!” Era assim que era a colocação das pessoas adultas pra gente. E agora a gente vê do outro lado que a educação é bom pelo um ponto, mas não é tanto como eles iludiam a gente naquela época. Então, pra mim, ele tem que aprender mais viver do dia-a-dia, do que aprender”. (Santana, 32 anos, lavadeira e merendeira escolar, Bengui)

(38) Um exemplo das dificuldades com as quais se defrontam frequentemente os representantes das correntes criticas das Ciências Sociais, na medida em que se relacionam com o problema dos valores culturais aceitos por todos os atores sociais, independentemente das suas condições de classe, é a seguinte colocação de Eunice Durham (1980 : 211): “ a valorização da família, como a do consumo e da ascensão social tão características da vida operária, é resultado direto do modo pelo qual os trabalhadores vivem sua condi­ ção de classe e não produto de aceitação de valores próprios de outras categorias e clas­ ses sociais”.

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. . eu não consegui estudar muito, porque eu sempre morei com um avô, aí quando ele morreu eu tive que vim me empregar. Mas aí não deu pra mim ficar estudando, porque fica muito pesado pra gente. A gente sai do serviço, passa o dia todinho tra­ balhando ali, dando aquele duro, né? D e lá a gente sai com a cabeça meio quente, não tem condições de aprender totalmente, que nem esses filhos dessas pessoas que só fazem estudar mesmo. Que a cabeça dele tá colocada mesmo só naquilo, a gente não consegue se concentrar só naquilo, que a gente tem que se dividir entre o estudo e o trabalho da gente, né? O tra­ balho também puxa muito pela gente!” (João Batista, 24 anos, carpinteiro, Bengui) “ Eu acredito que eles vão chegar na faculdade. Todos eles. N em que eu tenha que lavar roupa pra fora, fazer qualquer coisa, mas eles vão conseguir! - Mas já não tem um que não estuda, dona Ozelina? (vizinha) - Tenho, esse! Esse não quer saber de nada! Pois é. M as pelo menos os outros cinco, né , porque o outro não quer saber de nada mesmo. N em conselho, nem nada dá jeito nele” . (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Bengui) “ . . . você vê se a pessoa não tiver um estudo tudo é difícil. Tudo porque, olha, hoje se você já tem o 2° grau, já não tá dando con­ dições pra nada, imagine quem não tem, não estuda né? Por exemplo, trabalhar na Prefeitura vai ter que fazer um teste, se não estudar, como ele vai responder aquela que é, que é um questionário? Que eu já tive um rapaz que foi fazer e me disse que é, são 60 questões. Quer dizer que se não tiver um conheci­ mento, não pode responder, né? Então o estudo eu acho que é importante pra pessoa, mesmo com todo sacrifício, de não ter, de não dar o campo de trabalho, mas é importante que todo mundo estude, né?” (Maria das Graças, 38 anos, professora primária, Terra Firme) Se o estudo está sendo abordado pelos entrevistados como instrumentochave para melhorar a sua situação individual familiar, não obstante a


percepção das condições adversas para concretização do sonho educacional para as camadas populares, isto ocorre, na nossa avaliação, porque lhes falta uma perspectiva de organização coletiva, capaz de lhes fornecer os meios materiais e simbólicos para rejeitar o sistema, no qual estão inseri­ dos de uma forma subalterna.

4.1.4. O “ Estado omisso” e a política da “ troca desigual”

Em seu cotidiano os moradores da periferia urbana vivenciam as instituições estatais como uma espécie de administração de outro planeta. A falta de postos de saúde, escolas, esgotos, o não-asfaltamento das ruas, os problemas do transporte coletivo, a deficiente coleta de lixo, a falta de água encanada, o não-policiamento, enfim o estado extremamente precá­ rio da infra-estrutura dos seus bairros transmite a imagem de um Estado, cuja característica principal é a não-consideração das necessidades bási­ cas do cidadão pobre, ou seja, a omissão. Trata-se, entretanto, de uma imagem que ganha feições adicionais em situações em que os caminhos da população de baixa renda e os dos representantes do poder político se cruzam ou, pelo menos, se tangenciam. Este é evidentemente o caso, quando a primeira com eça a exigir coletiva­ mente melhores condições para a sua própria reprodução, tentando defen­ der, ou melhor, construir o seu direito de cidadania. N este momento o “ Estado om isso” tende a transformar-se em “ Estado invisível” no sentido de se revelar como um complexo sistema de múltiplas instituições, cujos diversos elementos tendem a responsabilizar, pela sua própria inoperância, os que estão situados, quanto à sua compe­ tência política, num nível mais alto, ou seja, o Município reclama do Estado, o Estado da União e assim por diante ... Caso os moradores resolvam não se contentar com esta falta de transparência, este “jogo do empurra” (morador do Bengui), insistindo em sua vontade de localizar o “ Estado-Maior”, que não perde o seu tempo com “ conversas fiadas e assume sua responsabilidade com o povo humil­ de” (morador do Bengui), eles correm o risco de chegar a conhecer em excesso os integrantes de um órgão que no dia-a-dia de seus bairros tende a ser ausente em situações (roubo, assalto, etc.) em que sua presença pode­ ría ser bastante útil, a polícia. Em outras palavras: 0 “ Estado invisível” ganha, de repente, corpoe

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se tom a visivelmente “ Estado opressor". Por outro lado, em tempos mais democráticos, pelo menos em épo­ cas eleitorais, os ventos parecem soprar mais favoravelmente para a população de baixa renda, pois agora são os próprios “ donos do poder político” que a procuram, transformando o “ Estado omisso” em um Estado que promete “ mundos e fundos” e, já que ninguém vive apenas de boas palavras e de promessas, com eça a atender determinadas reivindi­ cações populares de uma maneira bastante surpreendente, isto é, supe­ rando rapidamente empecilhos burocráticos que em outras situações eram considerados intransponíveis. Porém, mesmo assim, as atividades benéfi­ cas não transmitem a idéia de que o mínimo necessário para qualquer cida­ dão tem que ser garantido porque elas alcançam apenas uma parcela relativamente pequena da população e, além disso, tendem a ser contidas apressadamente depois da eleição. M as se se tratar de um Estado que funciona, a olho nu, desta maneira, por que será que aqueles que o representam ainda conseguem mobilizar o voto popular de uma forma bastante expressiva a seu favor? Será que a população se deixa levar pelo discurso dos “ donos do poder político” que, independentemente de sua filiação partidária e dos seus comprometimentos econômicos, tèm, via de regra, algo em comum que é o de fazer parte de uma classe dirigente, cuja característica mais mar­ cante é um “ hiato imenso” que os separa do povo? (G . 0 ’Donnel, in: O Senhor, 26.8.86). Será, então, que ‘‘o povo é tão besta que ainda não sabe votar porque acredita e vota”? (Maria, 35 anos, militante de um centro comunitário na Terra Firme). Os depoimentos que seguem não dão muita consistência a esta visão. “ Tem o PFL, né , o PM DB, né, o PT, tem ... Sei lá, tem aquele que é comunista. Tem um bocado que eu nem sei. ( . . . ) Sei lá, não sei nem te dizer. Porque o político mesmo, ele quer é ga­ nhar, pra ganhar o dinheiro dele, né , que é muito, né? Agora, ele só è bom lá na campanha, né? M as passou da campanha, vá atrás dele pra ver se você consegue alguma coisa!!. . . ” (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Bengui) “ Olhe, eu conheço o PM DB, conheço o PD S, conheço ... assim, entende? D e nome, que a gente nunca pode saber qual é o

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sentido dele, o que é que ele faz, o que è que ele nào faz! Qual è o beneficio que ele traz pro povo eu não sei. E quando eles querem se eleger, Deus o livre, eles fazem um agá, né? Mas quando chega no fundo é cacete no povo pra valer. N ão sabe... nãosabe que o povo è que faz ele ir sentar naquela bendita cadeira lá, ne?" (Santana, 32 anos, lavadeira e merendeira escolar, bairro do Bengui) "E prometeram tanta coisa e não fizeram nada, pra nós aqui, né , nào sei pra outras pessoas ai de outros bairros” . (Antônio, 32 anos, afiador da lâmina industrial, bairro da Terra Firme) “ Olha o presidente, não sei nem que posso dizer, tem muita gente: “ Ah, por que não mata o presidente, por que não botam outro lá? Eu acho que não, porque não tem outro pra entrar mesmo, ninguém v a i... vai melhorar mais esse Brasil, é difícil, viu!, só se D eus mandar um ... u m ... um mesmo inspirado pra governar o Brasil”. (Am ós, 56 anos, Terra Firme) “ Eu voto, mas ai e u ... nào gosto d isso ... porque eu acho assim queeles... eles... falhammuito, promete uma coisa não cumpre, faz a pessoa andar, dar duas, três, quatro viagens atrás d ele s... prometendo um emprego, no fim não arrumou nada... ai a gente perde assim a fé neles” (Helena, servente escolar, Bengui) “ Não, no meu modo a política, pra nós, ela melhorou quase nada. E uma tradição de ... como é que se d iz ... de cinismo no meu ponto de vista. Oh! Fulano, eu te prom eto... quando chega lá, nem conhece a gente, eu digo isso porque já aconteceu duas paradinha comigo, do camarada se esconder, do político se esconder, dizer na casa dele: “ D iz que eu não tô” . E eu vi, inclusive disse: “ Rapaz, eu lamento muito, você já foi meu colega, tá se escondendo de mim! “ Esse Elói Santos! Quando ele morava lá na Mauriti, eu fui lá, pedir pra ele pra ... foi numa época que meu irmão matou um garoto lá no Jurunas, tava envolvido com ônus, tudo. Aí eu fui

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com ele lá, ele mandou dizer pro motorista dele que ele não tava, eu vi! Eu, outra vez, eu cheguei na Assembléia falar com Oséas Silva - esse problema ... um aterrozinho lá pra onde a gente mora. - “ N ão rapaz, isso não é comigo não, isso é com o pre­ feito, eu não tô atendendo agora ninguém sobre esse respeito” . Então, isso è modo de um político tratar, assim?”( Vital, moto­ rista de ônibus, Bosquinho) “ Eu acho que até agora nenhum (partido político), nenhum tem ajudado mais do que o outro. D esde quando a gente começou, a única coisa que eles fizeram foi só jogar esse aterrinho ai, né? Esse lixo que jogaram aí, prometem aterro, prometeram o problema da água, você vê como é, não tem água, né?” (Maria de Jesus, 25 anos, vendedora ambulante, Bosquinho) “ Eu vou lhe dizer o seguinte: o partido político, falando sério, o partido político só serve pra melhorar a situação duma minoria, porque dizer que melhora a situação do povo do Brasil, em geral não melhora. Porque se melhorasse, taí, os homens tão lá em cima, de vez em quando nós tam os... feijão já vai pra vinte e tan­ tos cruzeiros...” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, Vila da Barca) Mas se não é credulidade que motiva as camadas populares a con­ tinuar a votar nos p o lítico s no poder, será que são então os favores ocasionalmente distribuídos? Quase todos os representantes dos movimentos populares rurais e urbanos, com os quais tivemos contato, destacaram este aspecto como essencial. “ Olha, o político, ele se mantém no poder através da miséria da classe trabalhadora. Quanto mais existe miserável, mais eles se mantêm no poder. Quando chega época política ele vem com uma conversa, como colocou o companheiro, com uma con­ versa, com qualquer coisa, uma rede, e uma pessoa que tem cinco filhos e tem três que não tem rede, e o político chega com duas redes nesse dia, então facilmente ele se ilude, porque ele está numa situação de miséria. Então esse é um grande fator dos

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poli ticos não se interessarem nos melhores dias pra classe tra­ balhadora, porque se nós tivéssemos condições de comprar remédio pro nosso filho, de mandar nosso filho pra escola, de ter uma casa boa, jamais a gente se vendia pro outro, pro outro lado. Se a gente se vende é por causa da miséria, e essa miséria è por­ que a gente não tem consciência de nada, a gente acha que às vezes uma carteira de cigarro ou um caderno vai resolver o problema da gente. Então, pela minha cabeça passa é que é atra­ vés da miséria da classe trabalhadora, do pessoal da Terra Firme, do pessoal da várzea, da classe trabalhadora não sò do campo, da cidade também, porque nas cidades existem pessoas até das piores condição de vida do que a classe trabalhadora do campo, na cidade tem pessoas que vive pelas favelas vivendo uma vida pior do que a gente às vezes do interior, eles também tão dando amém pra esse lado, por quê? Por que na época da eleição ele se vende por qualquer coisinha, tá? Existe uma misé­ ria, com o o companheiro colocou, um pais muito rico aonde os brasileiros são miserável, existe uma cúpula ai comandando o sistema, né?” (Francisco, 35 anos, lavrador, líder rural na Prelazia de Cametá) Ou seja, vivendo num estado de extrema carência, o eleitor de baixa renda transforma o ato eleitoral numa troca política, da qual se tenta bene­ ficiar pelo menos parcialmente. Entretanto, o que nos chamou a atenção é que nenhum dos entre­ vistados nos quatro bairros pesquisados deixou de caracterizar a troca do voto por duas camisas, uma rede, uma carrada de aterro ou mesmo por um pedaço de rua asfaltada como “ mau negócio”, pois divide as oportunida­ des e os riscos entre as duas partes de uma maneira bastante desigual. Por que, então, eles agem de acordo com as suas regras, que numa cidade do porte de Belém não podem ser impostas? Será que é porque não existem alternativas políticas convincentes? Trata-se de um aspecto que, sem dúvida, deve ser levado em conta seriamente. Entretanto, se nós fôssemos aprofundá-lo, levantarí amos problemas como o desenvolvimento histórico do sistema partidário no Brasil, as duas décadas do regime militar, a escassez de recursos financeiros e humanos dos pequenos partidos classistas recentemente formados, o seu pouco

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acesso aos meios de comunicação de massa, etc., que, por sua vez, podem dar uma idéia das razões pelas quais esta oposição não tem conseguido dar um salto maior em termos eleitorais, mas não explicam o porquê do êxito dos políticos e partidos de situação. Em princípio, nada impediría o eleitor de baixa renda de se aprovei­ tar dos “ magros serviços prestados” e de, como expressão da sua insatisfa­ ção com os representantes da política oficial, rasgar a cédula no momento da votação ou, simplesmente, colocar o seu X num candidato qualquer. Durante a pesquisa de campo encontramos, porém, poucas pessoas que tentam inverter desta maneira as oportunidades e os riscos da "política da troca desigual” (-i9\ Apesar de veementes condenações dos políticos no poder, a grande maioria dos entrevistados não evidenciou não pretender continuar a votar neles. Um exemplo paradigmático disso é o seguinte relato: “ . . . O Coutinho Jorge, ele é o candidato do povo, mas não tá fazendo nada, não faz nada. A s eleições vèm aí! Ele passou um dia aí, tava cheio de gente, mas pra cá ele não fez nada. - Mas mesmo assim, o pessoal tá com ele? - Tamos com ele, justo, né, vamos ver o que ia mandar pôr água na área antes das eleição, disse que ia mandar aterrar, até agora não apareceu nada” (Vital, motorista de ônibus, Bosquinho) Muito embora sejamos da opinião de que esta lealdade eleitoral está de fato intimamente interrelacionada com a política dos favores, deve-se procurar o segredo de seu êxito não só no fato de que ela atende determina­ das necessidades imediatas da população de baixa renda.

(39) Neste sentido o seguinte depoimento representa uma prática fora do comum: "Chega uma pessoa que trabalha aqui no Bengui pro tal PMDB: —"M aria, dá prá trabalhar com a gente, só pra ficar fiscalizando o cara da mesa?" - Tudo bem, quanto vocè me dá? Me dá, me paga adiantado logo! Dai eu pego, chega outra companheira: - Tu não quer trabalhá, ai no dia quinze me dá! E vigio é nada, eu não vigio pra ninguém! E se ficam sabendo, eu já safei o meu, tò nem ai. Eu não tenho compromisso com nenhum deles. Se a gente for pensando tirá uma de honesto! Não existe eles honesto!”(Maria, 33 anos, lavadeira autônoma, Bengui)

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O que tem que ser considerado da mesma maneira é que o favor, utilizado enquanto instrumento político, (re) atualiza elementos de um elenco de disposições sócio-culturais, estruturados por um modo de repro­ dução não-simultânea à lei de valor capitalista, no q u a l- com o foi exposto anteriormente - os pequenos produtores rurais tendem a encarar o forneci­ mento adiantado de alimentos, ferramentas, sementes, remédios, etc., pelos representantes do capital comercial e usurário com o uma espécie de ajuda, à qual, via de regra, respondem com lealdade tanto mediante a entrega da sua produção aos preços fixados pelo comerciante como, se assim for necessário, a nível político. Partimos do princípio de que uma “ sobra substancial” (N egt 1976 : 30) do elenco de valores que corresponde a este tipo de interrelação pessoal sobrevive no contexto urbano. E por fazer parte daquilo que Pierre Bourdieu (1979) chama de “ formas de hábito”, é que ela é reproduzida pelas próprias condições econômicas das camadas passivamente proletarizadas. “ Sem pistolão a gente é nada” ( Ozelina, Bengui), esta frase é uma nítida expressão disso. A partir daí, não é de se estranhar que atores oposicionistas de esquerda, cujos programas e formas de atuação implicam, via de regra, numa despersonalização da política, enfrentam dificuldades de comunica­ ção com o sujeito em questão, pois defendem uma mensagem que, além de não ter sido aprovada quanto à sua viabilidade prática, entra em contradi­ ção com o que denominamos de “ sobra substancial” de formas nãocapitalistas de pensar e viver, cuja relevância como parâmetro de ação está sendo, pelo menos parcialmente, confirmada pelo cotidiano urbano e que, em se tratando de uma “ matéria-prima” herdada historicamente, repre­ senta uma espécie de reserva gratuita de dominação que, no contexto analisado, contribui para a reprodução da síntese social no sentido de diminuir a necessidade de fazer uso de métodos violentos para garantir a perpetuação de um sistema social, cuja capacidade de legitimação possui bases pouco sólidas. Por outro lado, é inegável que esta reserva está sujeita a fatores que provocam o seu esvaziamento. D eve-se enfatizar aqui, que, sobretudo em decorrência dos crescentes problemas sociais e dos escassos recursos públicos, os políticos no poder se tornam cada vez mais “ compadres menos confiáveis”, porque o que oferecem à maioria das populações carentes não passa de algo bastante imaterial, isto é, a promessa de um dia - talvez, quem sabe, no dia de S ão N u n c a - fa z ê -la s p a rtícip es dos

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favores distribuídos. Embora os depoimentos citados logo no com eço sejam uma expres­ são da crescente frustração da população no que diz respeito às promessas não-cumpridas, seria precipitado concluir a partir daí que esta viria a aumentar facilmente a influência política de partidos e movimentos de oposição ao sistema, pois o fato de a classe política como um todo usufruir de pouquíssima capacidade moral de liderança - pelo menos classifi­ cações como “ bando de crocodilo, tipo jacaré” (morador do Bosquinho) dificilmente permitem outra interpretação - é, em princípio, compatível com a disposição das camadas populares, reforçada aliás pelas próprias condições de reprodução econômica, de apoio a determinados grupos polí­ ticos da situação em períodos eleitorais. A lém disso, somos da opinião de que uma situação na qual formas consensuais de reprodução de dominação social estão tão fortemente interrelacionadas com a vigência de sistemas tradicionais de valores, gera como desafio permanente políticas carismáticas (4°), segundo as quais o caminho para o bem-estar social vigora através do novo líder político e não através de uma programação alternativa e de novas formas de organização (4 1 ) .

U m outro fator que, na nossa avaliação, corrói também as suas bases são m eios de comunicação de massa como a televisão, que estão sendo encarados normalmente como instrumentos de manipulação e de integra­ ção ideológicas. Quem os aborda primordialmente desta maneira negligencia, porém, que eles despertam aspirações, cuja satisfação não seria compatível com o funcionamento do status quo.

(40) Com as devidas ressalvas, lembre-se aqui a afirmação de Max Weber de que "em épocas prèracionalistas, tradição e carisma dividem entre si quase a totalidade da ação social" (Weber, 1972 : 442). (41) Em 1983 o Governador do Pará, Jader Barbalho, nomeia para assumir a Prefeitura de Belém, o empresário Sahid Xerfan que não possuía tradição poli tico-partidária. Desde a sua posse ele inicia visitas aos bairros periféricos que incluem conversas diretas com a população pobre. Surge dentro de pouco tempo a reputação de que ele seja o novo Barata, ou seja, aquele governa­ dor carismático que influenciou fortemente entre 1930 e 1959 a política paraense. A sua ima­ gem começa a ofuscar a do próprio governador, que depois de aproximadamente très meses provocou sua destituição. Xerfan se candidata em 1988 pra a Prefeitura de Belém, encabeçando uma aliança composta pelo PTB, PDS e PFL, e ganha as eleições com 72% dos votos.


Ou seja, se as promessas da sociedade de consumo transmitidas diariamente para um setor social que vive na miséria iriam influenciar verdadeiramente o seu “ instinto material” (Negt, Kluge 1974 : 84), é difí­ cil imaginar que viriam a aceitar as “ migalhas” que a política da “ troca desigual” lhes reserva. 4.1.5. A u to -o r g a n iz a ç ã o Se levarmos em conta que para o enorme segmento daqueles que tra­ balham por conta própria ou sem vínculo empregatício a associação sindi­ cal e as suas reivindicações que dizem respeito a maiores salários, reduções de tempo de trabalho e melhores condições de trabalho apresentam pouca ou nenhuma importância, e devido às particularidades da economia da RMB, o mercado formal de trabalho não gera impactos significativos para a constituição de um sindicalismo autônomo, independente e combativo que, ao contrário das tradições corporativas dos sindicatos brasileiros, procure enfrentar os patrões em “ pé-de-igualdade”, não é de se estranhar que a maioria dos entrevistados ou possuía idéias bastantes vagas sobre o sindicato e suas tarefas, ou o caracterizava como espécie de órgão público que bem ou mal, em caso de necessidade, presta serviços nas áreas de saúde, assistência jurídica e também, dentro de suas possibilidades, auxilia na questão dos aumentos salariais. “ Já ouvi falar, mas não sei quais são as utilidades do sindicato... Ouvi falar que dá apoio pra motorista” . (Helena, servente escolar, Bengui) “ Vejo falarem sobre o sindicato, mas eu nunca fui” . (Maria Anunciação, lavadeira autônoma, Vila da Barca) “ Eu nunca tive sindicato. Lá no interior, a gente sim, mas aqui ... Lá no interior, os médicos que tem lá tudinho é pelo sindicato”. (Moacir, auxiliar de mecânico, Vila da Barca) “ Bem, porque tem médico, né? Tem dentista, tem advogado, tudo tem a l i ... a gente sempre ia lá ... eu pagava o sindicato, né?” “ O sindicato não é negócio de doença?” (Benedita, empregada doméstica, Bosquinho)

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“ Pelo menos pra mim não serviu pra nada, o sindicato. Eu, olha, eu foi, paguei dois anos e nem precisei dele. Precisei uma vez pra negócio de consulta, não consegui nada". (Joaquim, braçal, Bengui) “ Eu acho que é pra ajudar, né? N o salário. Eu acho que seja uma boa". (Ozelina, 36 anos, costureira, Bengui) “ Sindicato serve assim ... por exemplo, o sindicato da constru­ ção civil, e le s sem pre vão lá é pedir aum ento do salário da gente” . (João, 24 anos, carpinteiro, Bengui) Se as entrevistas sustentam a hipótese de que tais colocações trans­ mitem, em média, o que a população pensa da organização sindical, elas nos dão ao mesmo tempo a impressão de que os autônomos, enquanto tra­ balham na base de relações informais com terceiros, tendem a encarar o sindicato- na sua função de instância que vela pelo cumprimento dos direitos trabalhistas - como ameaça à continuidade de suas atividades econômicas. Em contrapartida, em áreas como a da construção civil, em que gra­ ves acidentes de trabalho não são uma raridade, o interesse pelo sindicato, como instrumento de luta, cresce. Os dois seguintes relatos servem como testemunhos disto: " .. . porque ali na Justiça do Trabalho é le i... é lei, lá patrão não tem direito, quem tem direito, quem tem direito é empregado. Pode o empregado contar uma mentira e o patrão chegar contar vinte verdades, eles acreditam na mentira dos empregados. Que patrão não tem direito lá, caiu lá, caboclo tem que puxar do dinheiro pra pagar o direito do empregado, do cara que ele botou na rua ... Que tem camarada que vai trabalhar très mês numa firma só pra jogar ele na justiça, a firma na justiça. Agora eu já te v e ... já teve um camarada que me botou na justiça, mas e u ... comigo eu vou lá, me acerto. - Entrou em acordo? - N ão, acontece o seguinte: que eu paguei... ele brigou no serviço com outro, eu peguei, dispensei ele. Ele tava com três

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mès de serviço, mas tinha uma interrupção de dois meses, quer dizer, praticamente ele só tinha um mês. Aí ele me botou na jus­ tiça, dizendo que tinha três meses, aí eu fui lá, comprovei que ele trabalhou só um mês, eu botei ele pra rua porque ele brigou den­ tro do serviço... N ão sei se tò falando certo, tô falando errado. Tá certo, sindicato luta pelos direitos do trabalhador, mas ele não tão pensando o que eles tão fazendo um mal pra eles pró­ prios. A greve! A greve acarreta a nação. A lém da nação tá, como diz outro, devendo os cabelo da cabeça, que não tem com que pagar, ainda tem que pagar, ainda tem que arcar com tudo isso, prejuízo de greve. E les estão pensando que estão lutando pra aumentar o salário e... e vaimelhorar. Aumento de luta, eles ganham tá certo, mas o governo já vai tirar deles, porque ele não vai ficar no prejuízo, por causa de quê? Greve de sindicato. Então pra mim, na minha concepção, o camarada tinha que lutar pelos direitos dele sem haver greve, se tivesse um bom senso, não precisaria, não precisaria o Presidente da República e nem ninguém decretar aumento do salário-mínimo ou qualquer aumento pra qualquer empregado. O próprio, se tivesse um bom senso, o próprio empresário, patrão, dava, fazia o balanço no dinheiro que ele ganha mensalmente ou anualmente e sabia a cota que ele tinha de dar de aumentar para os empregados dele. M as não, a ganância é tanto, porque o que mata dentro do Brasil é a ganância de o cara ter milhões, isso, aquilo, aquilo outro e, por isso que quando ele morre, ele leva isso? N ão leva. Então ele deveria ter uma consciência, ter um senso qualquer”. (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, autônomo, Vila da Barca) “ Sindicato serve pra defender a gente. Eu participo até bem lá, mas t e m ... tem reunião que eu não vou. Aliás, nosso sindicato até agora não tenho tido o que dizer dele, por causa que ele luta junto com a igreja, justamente trabalhei numa firma aqui, na EM BRACO M , trabalhei onze meses, aí aconteceu um aci­ dente lá, sabe? Caiu um guincho lá, morreu quatro amigo nosso lá, passamo três dias sem trabalhar, aí quando foi fim da semana, eles queriam que a gente continuasse a trabalhar. Aí eles queriam que a gente continuasse trabalhar, sabe? N ão tinha condição em que subir o material, não tinha por onde a gente subir nada. N ão

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tinha condição, tava tudo ruim mesmo da gente trabalhar. Aí o sindicato ficava lá pertinho, aí os outros colegas nossos foram lá saber, aí eles vieram lutar com a gente, aí n ó s... conclusão, nós passamos 15 dias afastados da obra, mas nós ficamos rece­ bendo todos esses 15 dias” . (Odília, 36 anos, servente de pedreiro, Terra Firme) Contudo, é destacável que em Belém, devido à sua própria estrutura ocupacional, as condições de venda e aplicação da mão-de-obra no emprego proporcionam, de modo geral, poucos impactos para o sujeito em questão se conscientizar da necessidade de se associar em defesa de seus direitos econôm icos e sociais. Em princípio, um papel bem mais importante neste contexto cabe ás dimensões de sua reprodução a nível de bairro. N o que se refere a este campo de organização, é em primeiro lugar digno de destaque que no decorrer dos anos 70, também na periferia urbana da capital paraense, assim como nas outras grandes cidades brasileiras, proliferaram organi­ zações de base que lutam pela melhoria da infra-estrutura urbana (escola, água potável, luz, esgoto, saúde, transporte, etc.) e que em 1979 criaram uma entidade de coordenação para suas atividades, inicialmente realiza­ das de maneira isolada - a Com issão dos Bairros de Belém (CBB). Apoiado no início pela maioria das tendências opositoras ao regime militar, este movimento reivindicatório com eça a enfrentar novas con­ dições políticas a partir da consolidação da abertura. Em 1982 o PM D B ganha as eleições para o governo do Estado e nomeia o Prefeito da cidade de Belém. Os representantes do novo governo reconhecem as associações de bairros como parceiros de negociação e estimulam através de uma assessoria comunitária, por eles fundada, o surgimento de novos centros comuni­ tários que, por sua vez, entram em concorrência com as associações integradas à CBB. A consequência disso é quê a partir deste momento o processo de organização própria na periferia urbana recebe influências de duas linhas políticas em conflito: - de um lado as do “ local State” , cujos representantes sobressaltam a sua disposição ao diálogo mediante a oferta de melhorias infra-estruturais, distribuídas seletivamente nos bairros pobres; - por outro as da CBB, que caracteriza a política oficial como de ex­

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pressiva tentativa de cisão do movimento popular independente e con­ comitantemente enfatiza no seu discurso político a alternativa" autonomia ou cooptação”, definindo-se, do ponto de vista da sua concepção, como uma força de oposição ao sistem a N o entanto, conforme pudemos constatar no trabalho de campo, o enraizamento e a capacidade de mobilização de ambos os protagonistas são bastante limitados. N o que concerne às cau sas1da postura distanciada e até desinte­ ressada da maioria da população frente às associações de bairros surgidas nos últimos anos, são, sobretudo, os seguintes aspectos que merecem ser destacados: 1 - Quem tenciona lutar por seus interesses sociais mediante filiação a um centro comunitário necessita de tempo para tal. Um tempo disponível não destinado às necessidades de reprodução material é, porém, para a população em questão, um recurso extremamente escasso. “ Centro comunitário, não participo, porque não tenho tempo, assim, pra, disponível, né?” (Maria Neuza, 33 anos, dona-decasa, Terra Firme) “ Não, a diretoria, ela exige uma reunião dos moradores. Agora só que nós não participamos por causa de problema, que eu tra­ balho, minha mulher trabalha, né? E ... geralmente eles fazem aquilo no decorrer da semana ou no sábado, quer dizer, no domingo não tem, então no sábado entra pra nós também na semana, porque nós trabalhamos também, então ninguém parti­ cipa geralmente por causa da folga que a gente... pra faltar... eu praticamente não gosto de faltar, eu digo que quero ter minha liberdade, mas geralmente eu não falto no meu serviço, sabe? Eu chego um pouco mais tarde, sabe? M ais todo dia eu tô na ativa”. (Antônio, mecânico autônomo, Bosquinho) “ Porque olha! Sempre os dia que sempre funciona é no domingo, né? Dom ingo à tarde sempre funciona, né? Sábado à tarde... Quer dizer, às vez, sábado, eu trabalho, entendeu? N o domingo é outra coisa. Aí me empato nesse negócio d e ... às vez

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tenho compromisso, negócio de jogo aí com outros time aí, né? Quer dizer, eu tomo conta, né? Aí quer dizer, eu me empato nisso aí, entendeu?” (Berlito, 36 anos, comerciário, Benguí) “Agora não, agora eu não posso participar porque eu tô morando longe. Quando eu morava por aí, eu conseguia ...” (Ozelina, 36 anos, costureira autônoma, Bengui) “ N ão, porque geralmente assim é meio de semana, assim eles fazem aquela reunião? então a gente chega assim do serviço, já chega um pouco cansado, né? ... O corpo da gente só pede pra gente repousar... aí, então, se a gente vai chegar tarde, vai ficar mais ruim pra gente se acordar c e d o . . . ” (João, 24 anos, carpinteiro, Benguí) “ Porque às vez quando tem um convite pra reunião, a gente não tá na ocasião, né? Eu pelo menos saio daqui pro serviço sete e meia, chego sete horas da noite e não tem ... a gente já chega cansado não dá de a gente ir, é isso”. (Alcindo, carpinteiro, Vila da Barca) Entretanto, do ponto de vista da sua relação com o tempo, não é ape­ nas a escassez deste que se põe como obstáculo para o processo de organi­ zação própria da população. O que tem que ser levado em conta também é o seu manejo específico no âmbito do trabalho político, já que associações que querem impor às instâncias estatais uma política de melhoria de con­ sumo coletivo são obrigadas a realizar reuniões, levantar questões de pauta, elaborar e distribuir panfletos, arranjar e manter encontros com políticos, organizar passeatas e cursos de educação e conscientização para sua própria clientela, etc. D esta maneira, as camadas populares estão sujeitas, por ocasião do seu tempo livre disponível, a um regime de tempo de cunho linear, que por estruturar apenas parcialmente a sua experiência no contexto de trabalho, não representa o vetor dominante da sua consci­ ência de tempo. Adiciona-se a isso que este vetor dificilmente pode ser vivenciado como um instrumento para aumentar a eficiência da ação política do ponto de vista dos seus resultados; pois delegações de centros comunitários que


cumprem seus horários com pontualidade britânica em reuniões com determinados representantes da administração local, não correm apenas o risco de serem, de acordo com o ritual do poder, recebidas com bastante atraso. Mas, o fato de que elas preparam previamente as suas formulações e reivindicações de uma maneira detalhada também não é nenhuma garantia para o cumprimento das mesmas. N ão é de se estranhar, portanto, que experiências deste tipo tendem a levar a população a supor que o tempo dispensado ao engajamento junto à associação ou é, em última instância, um tempo perdido, ou só vale a pena ser gasto quando a associação proporciona a oportunidade de lazer. “ Eu fui umas duas vezes ao centro comunitário. Só promessa, promessa, nunca cumpriu nada, deixei de ir”. (Maria de Jesus, 35 anos, vendedora ambulante, Bosquinho) “ É porque, se você, olha, por exemplo, eu vou fazer no mês de agosto, eu tô com plano de fazer uma promoção, já é pela escola, um bingo, com o sempre faço esses bingo assim, mas o bingo vai ser de graça, tá! N esse dia vai aparecer gente porque é de graça o bingo, sabe? M as se eu digo vamos reunir, nós vamos discutir o que nós vamos fazer aqui pra arranjar o esgoto da rua, suponha­ mos, não aparece ninguém, eles sofrem junto conosco, mas eles não se manifestam, não sei por quê” . (Maria das Graças, 35 anos, profa primária, Terra Firme) Cabe lembrar aqui que, mediante a integração da região no sistema global, se configura uma sociedade, cujas “ modalidades de tempo nem correspondem a uma sociedade capitalista desenvolvida, nem a uma sociedade tradicional” (Altvater 1987 : 189). Ou seja, se no processo de valorização está implícita a tendência do espaço ser aniquilado pelo tempo do modo de produção dominante, o funcionamento do capitalismo de enclave não realiza, na nossa avaliação, mesmo no contexto urbano da fronteira, a sua generalização na consci­ ência social. 2 - É evidente que a capacidade de um centro comunitário de pôr em prática as reivindicações por ele postuladas depende do seu poder de bar­ ganha político diante das instâncias estatais. Esta é, porém, no que con-

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cerne ao âmbito legal, bastante reduzida N a realidade, limita-se a instrumentos com o abaixo-assinados, encontros com políticos, passeatas e, por ocasião das eleições, a eventualmente conferir o voto àqueles que se predispõem a oferecer mais. Se através destes meios não houver alcance dos objetivos ambici­ onados, resta como alternativa ou acatar os resultados negativos, ou cha­ mar a atenção para si mediante transgressões da legalidade, tais como bloqueio de estradas, invasões de repartições públicas, etc., que, por sua vez, levam imediatamente ao confronto com os órgãos repressivos do Estado. M erece destaque que uma grande parte dos entrevistados relacionou a questão dos limites da capacidade de ação das associações de bairros com aquilo que chamam de falta de união entre os próprios moradores. “ É como eu digo: que tem muita gente aqui no Benguí que não quer saber de ajuda, negócio de comunidade, entendeu? Quer dizer, na comunidade tem gente que acha que comunidade é uma coisa banal. N ão, nós temos que pensar que a comunidade é uma coisa q u e... que é uma convivência com todo mundo, com todo pessoal do bairro. Quer dizer, acom unidadeéum acoisa, o seguinte: se precisar de uma certa família desabrigada num pedaço de terra aqui. Mas se tem cinquenta unido, tem cem desunido. Quer dizer, aí com o é que pode ir pra frente uma comunidade? N ã o pode” . (Berlito, 35 anos, comerciário, Benguí) “ É sim, senhora. Olha, se vai por exemplo, vinte de um lado, mas vinte de outro não vai, é. É, assim não tem aquela união, sabe? Se vai cinco, outros cinco não vão” . (Benedita, empregada doméstica, Bosquinho) “ É, a comunidade não se une, não é unida... é porque uns têm a com preensão... e outros não têm a com preensão... outros têm ... é justamente. Se eu tiver aqui, por exemplo, nós semo catorze ... se eu disser assim: olha, tem ladainha lá na casa do seu Venãncio ... Ocê pode ir lá rezar? Eu vou muito bem, muito bem. Quando for à noite ... aparece umas quatro pessoa, mas dizer assim: tem uma ladainha na casa do seu Venãncio, tem

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bebida, têm comida, tem dança, quando for tantas horas aqui tá ... é um por cima do outro, quer dizer que é o interesse ...” (Venãncio, 87 anos, estivador aposentado, Vila da Barca) “ Eu acho que se os moradores se ajuntar, fosse lá, podia ser que a gente conseguia isso, mas quando dois quer ir lá, o resto nào vai, então não adianta a gente se mexer pra ir”. (Maria Anunciação,; 47 anos, lavadeira, Vila da Barca) “ Porque aqui ninguém tgm união, aqui ninguém vai tirar do que tem que fazer pra lutaf” (Esmeralda, dona-de-casa, Bosquinho) O que chama a atenção, porém, é que o conceito de união <42>nas abordagens dos entrevistados apresenta uma face bastante específica. Enquanto ela é interpretada pelos representantes dos centros comuni­ tários que defendem uma linha de oposição ao sistema com o sendo a reali­ zação da unidade das camadas populares contra as instâncias estatais, para uma grande parte da população esta separação não é algo evidente. “ . . . o centro comunitário tivesse apoio das pessoas maiores, dos políticos, assim, né , conseguia alguma coisa pro bairro, né?, porque só eles mesmos, eles fazendo aqui reunião, só eles mesmo não consegue, só a gente mesmo não consegue” . (João, 24 anos, carpinteiro, Benguí) “ Aqui já foram negócio de reunião, já teve no Casulo, já teve sobre isso tudinho, sobre telefone, sobre endireitar a ponte, sobre esse negócio de escola, tudinho, viu? Nada feito, nada feito. Já fizeram abaixo-assinado, tudinho por causa da água também, mas nada... E outra, j á . .. jáfizem os abaixo-assinado por causa desse centro q u e... que já fizeram, né , já taí o centro, mas falta doutor e remédio. Outra, já fizeram ... já fizeram

(42) Neste contexto, é de se destacar que dos entrevistados pelo levantamento sócio-econômico, 36,7% achavam os moradores de seus bairros muito,e41% mais ou menos unidos. As entrevis­ tas abertas colocam estes resultados claramente em xeque.

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abaixo-assinado por causa, pra ter u m ... uma escola, um colé­ gio pequeno aqui dentro da vila pra gente, nada... nada fe ito ... podia se reunir todos nós morador apelar, governador, né? Pra botar uma escola aqui dentro” . (Leonor, gari, Vila da Barca) “ Olha, o centro comunitário quando funciona, é a melhor coisa que pode existir, porque quando funciona, é muito bom. E muito bom o governo ter o centro comunitário em todos os bairros. O centro comunitário, se eles agisse conforme o governo man­ dasse, seria muito bom, mas é que existe política dentro do cen­ tro comunitário, então não funciona, não funciona” . (Am ós, 56 anos, braçal, Terra Firme) “ Bem, olha, sei lá, eu não tenho nem idéia de que como a gente vai fazer para melhorar o bairro, porque sei lá, promessa já foi feita, né , de melhorar, até agora ainda não sa ia Pra gente fazer coleta, por exemplo, pra aterrar; tinha uma senhora ali que tava fazendo uma coleta aí sabe, recolhendo dinheiro pra aterrar. M as isso não é de hoje já, sempre não dá certo. Quando, por exemplo, um dá, a maior parte não dá... O jeitoé a gente esperar por alguém, outra eleição que houver, outro mais interessado, n JJ ne: (Antônio, 33 anos, afiador de lâmina industrial, Terra Firme) “ A cho que pra conseguir melhorias do bairro a gente deve ten­ tar falar com o Prefeito” . (Maria de Fátima, 27 anos, professora, lavadeira e manicure, Bengui) - A senhora acha, portanto, que em vez de fa z e r reunião, deve­ ria ir direto ao Governo* é isso? - Eu acho. U m a comissão, através de uma comissão. Tem a comunidade, aí eles fazeip aquela comissão, eles vão, represen­ tante ... vão, levam aquele problema... - E se o Governo não quiser atender? - Aí tá ralado! (risos). (Helena, servente escolar, Bengui)

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Estes relatos não mostram apenas que os entrevistados têm uma clara noção dos limites do poder de barganha das associações de bairros. O fato de que neles a idéia da unidade se estende às instâncias estatais, pois é entendida como esforço comum de todos os envolvidos, está, na nossa avaliação, diretamente interrelacionado com experiências sócio-culturais que dizem respeito ao modo de funcionamento da instituição familiar. A o acentuarmos este aspecto não colocam os em dúvida que as con­ dições de união familiar no contexto urbano de Belém, se forem compara­ das com as do contexto interiorano, sofrem modificações cuja expressão mais nítida é, via de regra, a transformação da família em uma entidade de consumo que, por sua vez, de uma ou de outra forma acaba por influenciar o comportamento dos seus componentes. Entretanto, quem concentra a sua atenção primordialmente nesta tendência de mudança, negligencia que para as camadas populares, pelo menos para a sua grande maioria, o seio familiar se apresenta como única instância viável de proteção em casos de doença, de desemprego e de ou­ tras aflições. D esta maneira, não é apenas a família, enquanto entidade de sobre­ vivência econômica, que está sendo consolidada (43>. O que se fortalece também, na nossa avaliação, é a sua relevância enquanto lugar de trans­ missão e intemalização de um elenco de normas e valores relacionados com a aceitação da autoridade do marido em relação à mulher, destes em relação aos filhos, etc. É digno de ser lembrado neste contexto o que escreve M ax Horkheimer (1980 : 76) sobre a relação entre família e autoridade: “ Respeito diante da lei e da ordem do Estado parece estar indissociavelmente ligado ao respeito das crianças diante dos pais. Sentim entos, posturas e convic­ ções, que têm suas raízes na família, configuram a síntese de nosso sistema cultural. E stes são um elemento que dá consistência à coesão social” . M esm o considerando que as normas relacionadas com a manuten­ ção da autoridade intrafamiliar criam tensões e contradições entre os com-

(43) É destacável que diversos entrevistados queixaram-se sobre o fato de que formas de ajuda mútua entre vizinhos nos seus lugares de origem tendiam a perder importância na capital paraense, porém, abordaram, via de regra, as relações familiares como bastante estáveis.

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ponentes da família (44), somos da opinião de que as condições econômicas imperantes reforçam a sua aceitação, obstaculizando assim a disposição de ultrapassar e desafiar as regras dominantes mediante a organização própria em a sso c ia çõ es de bairros que se posicionam contra as ins­ tâncias estatais. “ Eu acho que essas ruas, se posto um aterro, porque ponte não é uma coisa segura. Tá certo, já que o Prefeito manda, nós temos que aceitar”. (Eunice, gari, Bosquinho) “ Porque eles, os políticos, têm a força maior, né? Se eles não resolvem, só D eus que pode resolver, depois ele” . ( Alcindo, 43 anos, pintor, Vila da Barca) “ . . . a luz agora funciona bem, só a água que... depois que come­ çaram, a trabalhar na Pedro Álvares Cabral, ela com eçou com problema, passa dois, três dias sem vim água, não sei se foi problema de cano. - E aí com o é que vocês fa z e m nesses três dia s sem água? - A gente adquire na torneira que cai. - S a i procurando um lugar que esteja caindo água e carrega? - Exatamente. - E n o f im do m ês a C O S A N P A cobra isso igual, tenha ou não tenha água? - É, realmente. - Tem registro ou é taxa fix a ?

- É taxa - Uma taxa e vocês pagam sem reclamar, mesmo não tendo água? - M esm o sem ter água A gente reclama, mas o que é que se pode fazer, é a força maior que manda” . (Moacir, auxiliar de mecânico, Vila da Barca) (44) Durante a pesquisa de campo na periferia de Belém,uma mulher apontou que a família cortou os contatos com ela, pois casou contra a vontade dos pais com o atual marido. Tocando neste assunto ela começou a chorar. Não encontramos indi cio de que, no caso das classes populares, “ è na família que se elabora um conhecimento critico da sociedade, uma avaliação das classes, das dimensões do espaço social e do tempo histórico da condição presente e das possibilidades de modificá-la” (Chaui 1987).

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3 - Foram diversos os representantes das associações que enfatiza­ ram que a entrada maciça de políticos da classe dirigente nos bairros po­ bres em períodos prè-eleitorais perturba o andamento da organização própria “ M as aí o centro comunitário, aí na escola nós touxemos assim diversas autoridades, sabe, foi muito bom, e fizemos um tra­ balho. Por exemplo, eu trabalhei pra recadastrar o negócio dos títulos, eu trabalhei na escola, eu trouxe, eu, fiz os ... os novos títulos, né? N ós preenchemos ... Quando o centro é envolvido, assim, diretamente por políticos, na época de eleição, nós somos procurados dem ais, sabe? E les prometem isso, prometem aquilo, então justamente os centros, quando u m ... um político vem e se aloja naquele centro, aí ele acha que é dele, começa prometer coisa e às vezes não faz nada. Então os centros são muito usados pelos políticos, só que infelizmente eles não fazem nada, né? N em que ganha, não fazem mesmo” . (Maria, 35 anos, professora primária, Terra Firme) Entretanto, muito embora a população apresente, como já anterior­ mente vimos, um profundo desprezo pelo comportamento eleitoreiro da classe política como um todo, isto não simplifica a situação dos opositores de esquerda; pois na medida em que - e isto é muito mais a regra do que a e x c e ç ã o - o seu discurso político deixa de criar um nexo claro e perceptível entre a crítica do sistema global e as necessidades básicas do bairro, eles se afastam excessivamente das experiências reais daqueles que devem ser mobilizados, tomando- se facilmente passíveis de marginalização por parte dos “ donos do poder político” que “ trabalham” a partir das e com as dispo­ sições sócio-culturais das camadas populares. 4 - A organização própria dos moradores está necessariamente interligada com a delegação de determinadas tarefas assumidas pelos líde­ res comunitários. Contudo, no que se refere à relação entre os representa­ dos e os seus representantes, as entrevistas evidenciam que ela está bastante influenciada por dois fatores que caracterizam de uma maneira expressiva o relacionamento do sujeito em questão com a política oficial, a saber a experiência de que é bastante difí cil resolver problemas públicos mediante iniciativas vindas “ de baixo”, e de que aqueles que estão aptos a fazê-lo, tendem a ser vistos pela grande maioria com o pessoas à procura de benefi-

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cios próprios. Um a nítida expressão disto é que a população se inclina a atribuir às lideranças comunitárias a tarefa de que são elas próprias que devem resolver os problemas do bairro, via negociação com a administra­ ção local, porém encaram a falta de sucesso, não raras vezes, ou como indi­ cador da falta de preparo dos próprios moradores para dirigir um centro comunitário, ou como expressão de que os próprios representantes estão adquirindo os mesmos hábitos da maioria dos políticos, isto é, pensam pri­ mordialmente nos seus interesses pessoais. “ . . . quem tem que lutar mesmo é o pessoal do centro comunitá­ rio, é a diretoria... É, eles que tem que decidir, é lógico, né? Por­ que por exemplo, um pai de família, uma mãe, às vez não tem condição; então, já que tem aquele centro comunitário, já que foi empossado aquela diretoria, então aquela diretoria tem que lutar...” (Vital, motorista de ônibus) “ Olha, porque eu acho que aqui dentro da área não tem pessoas competentes pra isso ... essa pessoa tem que vir de lá de outra comunidade, informada de outra comunidade ou mandado de outro lugar, porque isso aí, eu não sei mesmo quem é que manda, nè? Se é o governo que põe as pessoas, que coloca no centro ... não tem nada que ver, né?” (Esmeralda, dona-de-casa, Bosquinho) “ Bem, esse nosso centro que a gente tem aqui, ele já teve o primeiro presidente, comigo nunca aconteceu nada, mas com muitas pessoas sempre tem acontecido, né? E corrupção. Teve outro que se candidatou há pouco tempo, me esqueci o nome dele. Aquele só era conversa, né? Terreno pra cá, pra lá, que era pra ele doar pro pessoal. Ele se ajuntou com um camarada que tinha uma estância aqui; ele arrumava o terreno, o cara da estância arrumava a madeira. Eles faziam uma armação, pá!!! Vendiam pelo um dinheiro, né , aí é isso, eu nunca participei, uma vez passaram aí chamando e tal, mas nunca fui” . (Antônio, 32 anos, afiador de lâmina industrial, Terra Firme) Em outras palavras: a recusa da política oficial, vista primordial­

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mente como tentativa de enganar os mais fracos, tende a levá-los à rejeição do próprio engajamento político. Se estes fatores dificultam o processo de auto-organização das camadas populares em defesa dos seus interesses de reprodução eco­ nômica e social, a fragilidade do seu nível organizacional faz com que lhes faltem “ os m eios materiais e simbólicos para rejeitar a definição do mundo imposta pelas estruturas vigentes” (Bourdieu 1979 : 331). A consequência disso é que as esperanças próprias relativas a um futuro melhor se concretizam, em grande parte, na melhoria das suas necessidades básicas, a nível individual e familiar, bem como nas perspectivas de vida dos filhos. “ . . . Eu consegui que hoje em dia eu tenho a minha barraca, né? Isso era o maior sonho meu, era ter uma casa, morei na lama, lutando e econom izei d o ... do que eu ganhava. Então, eu tô bem feliz, num tenho isso nem aquilo, mas eu tenho uma casa pra morar, né? Tô feliz, que o pobre não pode ter nada, tendo uma barraca pra morar, isso ele já se acha feliz, né?” (Celina, 46 anos, empregada doméstica, Bengui) “ . . . porque quando eu vim de lá, eu morava pela casa dos ou­ tros, alugado. Agora tenho uma casa velha, mas tenho uma barraca pra meter a cabeça em baixo, cobrir com a família, né?” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, Vila da Barca) “ Eu não sei, se D eus me ajudar, que eu consiga realizar meu sonho, viu, de ganhar mais um pouco pra manter meus filhos, pra pagar o estudo dos meus filhos, pra comprar as coisas pra eles, material escolar, tudinho; ajeitar essas vagas pra eles que tão sem estudar, aí eu posso conseguir, né?” (Leonor, gari, Vila da Barca) “ Ainda precisa muita coisa, que a gente precisa pra dizer que tá realizado, né? Ver meus filhos grande, meus filhos estudando, se formando... depois que eu ver esses dois crescidos, formados,aí eu acho que eu me sinto realizada, né ...?” (Maria Neuza, 33 anos, dona-de-casa, Terra Firme)

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4.2. A cidade na visão do rurícola A visão que o rurícola possui do contexto urbano repousa, fundamentalmente, nos relatos de parentes e amigos que migraram; nas freqüentes visitas à cidade, em função de festas religiosas, com pra e venda de mercadorias, etc.; e nos meios de comunicação de massa, preponderante­ mente no rádio. Durante a pesquisa de campo ficou patente que a imagem da cidade por parte dos entrevistados do meio rural se cristaliza de uma maneira decisiva pela carência de lazer, pela falta de recursos para o consumo e pelo trabalho pesado no mesmo. “ O que tem de bom são as festas, né?” (Osmarina, 26 anos, dona-de-casa, município de IgarapéMiri) “ . . . tem cinema, tem coisas pra gente se divertir melhor, porque aqui não t e m ( . , . ) . . . é melhor por isso, mas eu acho muito agi­ tado; não, não vai pra mim”. (Simone, 14 anos, estudante, município de Igarapé-Miri) “ . . . tem um emprego, a gente fica empregada, tem um Ciro (Círio) pra gente passar,né, tem o bosque pra gente levar criança pra passear, tem como é? . . . o museu. Tudo tem pra passear,e aqui não tem nada disso (. . . ) . . . só mesmo os mato. Eu tinha vontade de ir m’embora pra cidade, mas o que pega, é o dinheiro, né, que gente pobre não pode morar em cidade, tem que ficar aqui morando” . (J o s é ,22 anos, desem pregado - Caripi II, m unicípio de Igarapé-Açu) “ A cidade se torna mais melhor, negócio de comprar, né? Aqui é muito difícil a gente comprar bagulho”. (Paulino, 37 anos, pescador, Ilha do Cacaual, município de Cametá) “ Tem muitas coisas boa em Belém. Ora! Conforto, né? A gente vai em Belém, toma assim um sorvete, uma coisa, tem um con-

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forto melhor pra quem tem a grana!” (Clélia, 47 anos, dona-de-casa, Aicaraú, munidpio de Barcarena) “ Lá eu achava bom o passadio (alimentação diária), lá, viu? Passadio,lájeu achava bom porque tudo ali é farto, à vontade, viu?” (M anoel, 71 anos, aposentado pelo F U N R U R A L , Caripi II, munidpio de Igarapé-Açu) . Belém é uma capital bonita, o pessoal dizem, eu nunca fui lá, mas a gente, se a gente um dia tivesse condições de ir embora pra lá, provavelmente a gente pega um emprego” . (P aulo, 21 anos, pescador, Ilha do Tabatinga, m unicípio de Abaetetuba) " . . . o serviço é assim pesado. Agora na cidade não, o serviço é mais leve, pega uma lavagem de roupa, engoma ou pega um servicinho a l i ... tratar de jardim, né? ( . . . ) É um serviço mais me­ lhor do que na roça que é pesado mesmo, é grosseiro mesmo”. (M aria, 31 anos, lavradora, C olôn ia A g ríco la C D I, m uni­ d p io de Barcarena) É de todo destacável que a população entrevistada não alimenta ilusões sobre as condições de vida no contexto urbano, o que se deve certa­ mente ao contato bastante regular entre aqueles que migraram e os que permaneceram no meio rural, fazendo com que ela tenha uma noção bem clara de problemas com o a monetarização do consumo individual, da cres­ cente violência urbana, das dificuldades de se conseguir emprego, etc. “ D e ruim na cidade, tem sempre as coisa ruim, né? Por que tem o ladrão, tem o marginal que assaltam, né, de repente, gente nem espera, lá estão atirando na gente, tão faqueando a gente, tão tomando o que a gente t e m( . . . ) . . . outra coisa, sabe, o negócio do desastre também, né ? Que cidade de repente um desastre é ruim”. (M aria das Graças, 38 anos, mulher de pescador, boca do rio São Lourenço, município de Igarapé-Miri)

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.. eu ignoro muito a vida da cidade, de Belém, somente por causa desses assaltos que há, esses roubos que há, uma coisa horrível e aqui que è interior não, aqui sempre vai se escapando (Manoel, 71 anos, aposentado pelo FUNRURAL, Caripi II, município de Igarapé-Açu) .. uma quentura, uma dificuldade assim a vida da cidade. Pra quem é bem empregado tudo bem, mas vai um pobre lá do interior, sem conhecer cidade, tem de comer, mas nào tem saber pra se empregar, que ele vai passar mal. Entào lá na beira do sitio, com pouco, com besteira a gente passa ( ...) ... mata uma galinha, mata um porco, a gente come uma semana, é aquela vida assim, e na cidade nào, o negócio só è duro. Nós temos, vamos dizer, lá perto de casa o direito de cinquenta braças, nós temos um vizinho, e aqui na cidade nào, nós tamos parede com parede, mas nào se conhece; entào é isto que eu digo, eu nào vou nào, cidade é pra quem tem nota ou é bem empregado” . (Manoel, 48 anos, Vila do Treme - município de Bragança) É ruim pela uma parte que a gente, se a gente nào ter o dinheiro, a gente nào come” . (Graça, 37 anos, dona-de-casa, boca do rio São Lourenço, município de Igarapé-Miri) ” ... aqui a gente ainda ajeita pra cà, pra acolá, um camarào, um peixinho, um açaizinho. Lá e comprado, na cidade tudo é com­ prado! Água, tudo! Aqui a água nào se compra” . (João, 67 anos, pescador, Ilha do Cacaual, município de Cametá) “ . . . e na cidade, se nào tem o dinheiro, ele nào come, ele nào cozinha, ele não ciaria a casa dele, ate a água é comprada,e é por isso que eu nào me acostumo na cidade” . (Maria, 42 anos, lavradora, Pontilhâo- município de Abaetetuba) “ . . . nào, se eu quiser comer uma laranja tenho que comprar, se eu quero um copo de garapa tenho que comprar, e cadè o dinheiro?

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Se não tiver um bom emprego, a gente não vévi na cidade, ne:O ” (Maria José, 31 anos, lavradora, Colônia Agrícola - C D I município de Barcarena) .. E lá nào, è sò no comprado, nè? Se a gente não tem com que comprar a gente não armoça, a gente não janta, né, a gente não toma um açaí, nada! Assim que eu vejo, por isso que eu não tenho vontade de ir pra lá. Sò se arrumar um serviço assim pra tudo o dia ganhar, né?" (Cezarina, 26 anos, dona-de-casa, rio Igarapé-Miri- município de Igarapè-Miri) Tanto estes depoimentos, como as nossas experiências durante a pesquisa de campo, de um modo geral, sugerem a hipótese de que a cidade é identificada na consciência da população em questão como contexto estruturado pelo valor de troca que, da mesma maneira em que aumenta virtualmente o leque das opções pessoais (" Tem coisas pra gente se diver­ tir melhor", por exemplo), é hostil para os que não desfrutam dele ( " . . . e na cidade, se nào tem dinheiro, ele nào come (. . .), até a água é comprada"). 4.3. O s o b r e v iv e r n o cam p o 4.3.1. S e g u n d o o s r u r íc o la s

Primeiramente é destacável que todos os entrevistados manifesta­ ram a sua preocupação a respeito da perda gradativa das suas condições de sobrevivência no meio rural, o que fica patente nos seguintes relatos: "Então, e esse o problema, que fica muito difícil aqui a vida, porque se nós tivesse um meio pra ajudar aqui... Eu, eu sei cor­ tar canoa, eu sei lanciar, eu sei tapar garapé, eu sei derribar, sei fazer roçado, sei fazer tudo! Mas olhe, se a gente procura um pedaço de terra aqui è a coisa mais difícil do mundo” ! (Raimundo, 52 anos, ex-produtor agro-extrativo, ex-peixeiro, marchante, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins)

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"N ão sinhò, nós faz algum pedacinho. Não tem terra mais pra trabalhar. Tem tudo dono” . (Antônio, 63 anos, ex-produtor agro-extrativo. marreteiro. Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) "Olhe, o açaí que tem e alguns que plantaram, sabe. nao tem açaí. Aqui e o lugar do açaí, mas a lavoura de cana acabou tudo. É, acabou tudo, acabou tudo! Agora ultimamente como nao teve condição mais de ter os ingenho. que os ingenho elimina­ ram tudo. Aqui dentro do município de Igarapé-Miri, eu cal­ culava que tivesse cento e tantos ingenhos e hoje em dia não tem ... acho que não tem dez. Não tem, não tem dez"! (Raimundo, 40 anos, ex-produtor agro-extrativo. marchante. Igarapè-Miri MRH Baixo-Tocantins) "Pelo menos o camarão, pra quem pesca de camarao, ja nao tem quase camarão, muito pouquinho. O peixe, o ano passado, num tempo desse tinha muito peixe aqui. Esse peixe nos pesca este ano agora que tã pouco, ja ta dando mais la pro lado de la, ja num da quase nesse penmetro aqui perto. A gente ja ta sentindo mole, a gente já tem uma duvida, ne? Pode ser, pode ser que num seja isso que a gente teja pensando, mas a gente tem uma duvida que seja disso dai. Essa pesca aqui nossa ate que eles não afeta, porque eles pescam e tem uma area deles pescarem fora, ne'.' Mas tem gente que ta se queixando dessa pesca deles la fora, ne , porque eles pegam várias marca de peixe que estragam. Pelo menos o peixe menor eles não gela, a companhia não recebe peixe menor! E quando puxa a rede já tá morto aquele peixe e vai estragar (. . .). Segundo já teve essa informação, que eles estraga muito peixe miúdo, isso daqui com os tempo também vai prejudicando mais a escassez. Porque pegando o miudinho não pode crescer mais nada” . (José, 37 anos, pescador, e com prador de peixe, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) " . . . faliu o mapará, vocè pensa? Ele põe a malha dele não tira um peixe! Ele bateu esta noite até umas dez hora e não tirou nem um peixe! Se não for na loja, a gente tem de tirar do terreiro pra

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comer. De antes não, tinha muito mapará e camarão. Matapi dá um bucadinho, demora, já vem a água grande, não dá mais, então a gente tamos em dificuldade da bóia aqui, desde quando houve essa barragem de Tucuruí. Foi, tá fazendo uns dois anos, desde quando eles prenderam todos os peixe pra lá” . (Maria, 65 anos, esposa de produtor agro-extrativo, Cametá, MRH Baixo-Tocantins) “ Aliás, nos prejudicou, essa barragem nos prejudicou pra cá pra baixo, porque prendeu os peixe tudo lá pra cima e aí não teve safra de peixe como tinha antes. Tinha o curimatá, tinha o peixe-branco, tinha japurama, tinha o tucunaré e essas coisa nós não tem mais aqui” . (Domingos, 61 anos, pescador aposentado, Cametá, MRH BaixoTocantins) “ Nào, é pouco (açaí), porque tiraram o palmito. Se um tirasse o palmito dava demais, até de sobra, mas é que os donos tiraram o palmito, venderam o palmito” . (M aria, 38 anos, esposa de pescador, Igarapé-M iri, M RH Baixo-Tocantins) “ . . . se tiver uma siringa, isso aí já não pertence aos colono, já é de outros. Açaí, pupunha, bacaba, nào tem mais, cortaram tudo pra negócio de palmito. Tinha, tinha Um camarada aífnum gapó desses aí,tinha de trazer era de saca, mas agora nào vai, nào tem” . (Joào, 67 anos, ex-produtor agro-extrativo, pequeno comerciante, Igarapé-Açu, MRH Bragantina) “ Ah! Isso acabou-se, não tem mais caça, não tem mais nada. Algum. Agora, pescaria, tem um rio aí, eles ainda pescam tempo, mas tem tempo que o camarada nào pega peixe nem pra dar pra um filho” ! (Idem, Joào, 67 anos) “ Nada, tem graveto. Pau que nào dá nem pra fazer arapuca, que vocè vè os pau que eu derrubo! Com a faca de cortar carne eu

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corto mato! Que tá tudo na mão de japonês, sabe, o pessoal rico” ! (Luiz, 71 anos, produtor agro-extrativo e pequeno comerciante, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) O que resulta destas graves limitações da reprodução econômica da população cabocla agro-extrativista, notadas nos depoimentos acima cita­ dos, è uma proletarização de forma “ passiva” (Offe 1984), isto é, a sucessiva perda dos meios de produção que não é acompanhada de uma perspectiva de assalariamento do trabalho. Isto leva a uma diferenciação social do sujeito em questão que abrange os seguintes segmentos: o sem-terra que se toma intermediário (marreteiro e pequeno comerciante); o sem-terra que sobrevive mediante arrendamentos informais; o sem-terra que passa a vender sua mão-deobra, e, finalmente, aquele que, embora precariamente, permanece como pequeno produtor agro-extrativo. Os seguintes depoimentos proporcionaram uma impressão destas diferentes condições de reprodução. “ N ão, aqui foi uma senhora, ela mora em Igarapé-Açu. ( .. .) Ela (a esp osa) foi, falou com ela pra eu ir embora pra Igarapé-Açu e ela então: - “ O senhor vai morar lá pra casa que lá é tudo fechado, pra senhora é melhor. Aí euchegueiaqui, ela (a e s p o sa ) játava aqui. M as aqui ninguém tá ganhando nada, só reparando, só morando” . (Moisés, 52 anos, ex-produtor agro-extrativo, trabalhador rural assalariado, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) “ Se o dono ainda me der pra mim morar mais de um ano, nè? Ou mais de dois, então a gente fica por aqui. Agora, o dia que ele disser que ninguém fica mais . . . é” . ( M a r i a , 37 a no s, e s p o s a de pr od ut or arrendatário, Bragança, M RH Bragantina) “ Aí quando chegamo aqui,falamo aí com o dono do terreno, aí nos deram a permissão pra nós morar aqui nesse lugar, até um tempo que nós quisesse aguentar aqui, né?Atè um ponto dessa

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hora nós temo aqui, durante. Eles não leva mal com nós, nem nós com eles, nós temo morado aqui, né”? (Estélio, 42 anos, pescador, Igarapé-Miri, MRH Baixo-Tocantins) “ Eu trabalho no terreno do M oacir Martins, é. N ão mora, só o terreno é dele aí, muitos anos. ( . . . ) Aí ele agarrou deu pro meu primo, né, conhecido por N eco, trabalhar. E aí ele agarrou, tra­ balhou, trabalhou, aí agora ele cansou, foi embora pra Abaetè e me deixou em lugar dele trabalhando aí, né? Aí a gente vèvi tra­ balhando. N ão, até então ele nunca me chegou cobrando nada, né? Eu tô bem dizer com o vigia, né? Ele não ajuda em nadinha. Nada, não dá nada, não dá ferramenta, não dá alimento, não dá nada” . (Raimundo, 33 anos, produtor “ arrendatário”, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) “ Pois é, mas é empregado assim de vigiar de terra dos outro. Quer dizer que essas terra aqui, daqui até ali na Brasília é quase só assim dessa gente barão, que tenham, aí ponham aquela gente só pra vigiar, assim que é”. (Maria, 42 anos, lavradora“ arrendatária” , Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) “ Bom, o meu terreno aqui é o seguinte: a gente tem um pouco de cacau, a gente tá lutando com esse cacau pra adquirir, né? Limpa o terreno, tira o cacau, seca, vende, né? Pra poder man­ ter. Marretagem é o seguinte: a gente sai pro largo, aí a gente vai comprar o peixe, né? Compra o mapará, sai pra vila, cidade, vender. Agora quando não tem, a gente marreta uma farinha, marreta tudo. Tudo quanto que aparece vai marretando pra defender” . (Ademar, 32 anos, pequeno produtor e marreteiro, Cametá, M RH Baixo-Tocantins) “ O que tem plantado lá é só banana, uns pé de banana e um sei quantos pé de pimenta (que não sei se é dez!), tem pouquinho, sabe? A gente não tem condição de virar muito, è. Ele (o marido) pretende, agora o negócio é a condição que não tem, é.

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Ele tem vontade de plantar uns mil pè de pimenta, ou duzentos, ou quinhentos, mas é que ele não tem dinheiro para ele passar assim uns dia trabalhando sò pra nós. Sabe, è isso . (Raimunda, 34 anos, mulher de pequeno produtor-trabalhador rural assalariado, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) Assim, mesmo aqueles que ainda possuem terra, embora sob posse precária e em decorrência da falta de recursos, não só estão condenados a ter sua produção limitada como também precisam se submeter ao avia­ mento, pois è ele que se toma a única alternativa de financiamento, cujo alicerce, a troca desigual entre o capital comercial e usuràrio e os pequenos produtores, tende, como enfatizamos anteriormente, a ser encarado por estes últimos como uma espécie de ajuda. Um outro aspecto mencionado pelos entrevistados e que merece destaque é o que se refere às extenuantes condições de trabalho na roça e na comercialização dos seus produtos. " . . . e a gente só tem se trabalhar, plantar mesmo. Trabalhar e cuidar porque se tu não trabalhar e não cuidar, não tem nada. Agora, é cansativo por causa de sol, è um serviço brabo, pesa­ do (Clélia, 47 anos, mulherde pequeno produtor e marreteiro, Barcarena, MRH Baixo-Tocantins) " Credo! Nem pense! Pra fazer a roça, olhe! A roça, a gente roça, roça tudo o mato, sabe? Agora, derruba com o machado os pau, faz sentar tudo aquele mato, quando tá seco, toca fogo, toca fogo pra dentro pr’aquilo ficar bonito. Depois de ardido aquilo a gente vai juntar os pau, faz as coivara, vai queimando, quei­ mando a até ficar limpo o chão, sabe? Agora que vai plantar essa maniva. É o jeito do trabalho, né? Não gosto porque eu acho que o serviço é demais pesado. Já pensou, né, que quem tem roça tem que passar o dia inteiro no sol, capinando, né, tirando aqueles mato pra poder inventar aquela maniva, né, pra poder dá aquelas batatas e aí é ruim, né ?w (Maria, 39 anos, ex-produtora agro-extrativista, dona de pen­ são, Igarapè-Miri, MRH Baixo-Tocantins)

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“ • • • a gente faz um roçado de arroz com dificordade, pra cinco, seis tonelada, a gente faz, né, e chega no fim tem que repartir no meio. Quer dizer que pra gente que trabalha quase não vai so­ brar nada, né? Não é difícil conseguir (a produção), é que a gente vai a fim de comprar ( a terra) do dono que é o André Pinheiro, ele se nega vender, Não quer vender” . (Benedito, 27 anos, pequeno produtor arrendatário, IgarapèMiri, MRH Baixo-Tocantins) “ Esse tipo de trabalho, eu acho que é trabalho assim mesmo, só simples, porque o camarada não arruma nada não, é só pra não ficar parado mesmo aqui no interior. Porque o lavrador possui, trabalha, trabalha pra vender por ano, mas quando é no fim do ano, o pessoal querem pagar mixaria, não dá valor no que o lavrador tem. E aquela luta pra vender um legume, é muito ralado aqui no interior pro camarada trabalhar nisso” . (Rubens, 3 anos, trabalhador rural assalariado, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) “ Nós terminamo de forniar ontem, ficou pra lá até uma parte, ainda não deu jeito de ir buscar, porque carregar na costa, né, é mais de meia hora de viagem pra varar aí pro asfalto e eu cheguei cansado do mato esta noite. Eu cheguei de madrugada, vou des­ cansar um pouquinho, mas tarde que eu vou ver se eu passo umas quatro saca de farinha praí pra fora” . (Raimundo, 33 anos, pequeno produtor arrendatário, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) “ E uma dor de cabeça. Se a gente, quando tem esse conheci­ mento daí que é da ALBRÁS, esse carro vai buscar verdura, tudo bem. Quando não, a gente traz de bicicleta, na cabeça, numa carrocinha, aqui pra fora, paga o transporte na carreta do Cabral que vem de Abaeté, deixa no terminal por que o volume é muito, as vez é cinco, dez paneiro, doze. De lá pega aquelas carrocinha, pra deixar no porto pra embarcar lá no barranco. De lá pega o barco pra levar pra Belém, de Belém paga carregadorzinho pra deixar lá onde o carro pega, e paga o carro pra levar

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pra C E A S A ” . (Felipe, 54 anos, colono da Colônia; CDI, implantada pelo projeto Albrás/Alunorte, Barcarena, M RH Baixo-Tocantins) Partindo dos depoimentos dos entrevistados, obtém-se uma clara imagem do processo de desenvolvimento do agro-extrativismo caboclo tradicional. Quem ainda possui a terra, embora sob posse precária, enfrenta a falta de recursos financeiros, a impossibilidade objetiva do crédito rural oficial, o atrelamento aos intermediários e/ou aviadores, os baixos preços da produção, a dificuldade de escoamento da produção; aqueles que, não possuindo mais a terra, a obtêm através de arrendamentos informais, não só enfrentam os mesmos problemas do pequeno produtor autônomo, como ainda, muitas vezes, perdem boa parte da sua produção como tributo ao uso da terra; outros que aliam o comércio à atividade agro-extrativa, embora sobrevivam com mais facilidade, geralmente não passam de um “ menos-pobre”, com perspectivas não muito melhores que os demais; e o número dos já expropriados que buscam o puro extrativismo (a pesca, principalmente) enfrenta não só a degradação dos recursos naturais, como a dependência dos intermediários; finalmente, aqueles que também já se encontram expropriados e que procuram no mercado rural de trabalho a oportunidade última de vender os seus braços, encontram pela frente a baixa remuneração, a ausência de garantias previdenciàrias e a sazonalidade dos empregados. Se este quadro rural, do ponto de vista do seu aspecto produtivo, já é grave, o que complica ainda mais esta situação são as precárias condições infra-estruturais em termos de saúde, educação e abastecimento. “ Só a fé em D eus, pra não adoecer algum grave enquanto a gente tá com poucas condição. Por que m esm o até isso é problema pra nós aqui, adoecer uma pessoa gravíssima? Porque o senhor já sabe o preço do remédio que tá, principalmente em Abaeté. A caristia do remédio é imensa aí. Então o que acon­ tece é adoecer grave e morrer” . (Paulo, 21 anos, pescador, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) “ Então é dizer que nós fiquemos nesse sofrimento: se temos

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uma doença,nós guardemos a doença, não podemos se tratar, não podemos procurar um médico pra tratar da gente, porque aí no hospital de Igarapé-Miri, no SESP, tem o consultamento de graça, mas não dão remédio ... Eu só uma mulher fraca, sou muito fraca mesmo, sabe? D epois da minha operação fiquei desse jeito, porque eu fui operada aqui em Igarapé-Miri. A minha operação foi aventurosa, se eu morresse, sabe, é muito assim que tivesse morrido um cachorro, porque o médico não era responsável, ele era particular. Ele só queria pegar o di­ nheiro, e não tinha sangue, só tinha energia, né, se a energia fal­ tasse a gente morria. E depois da operação ele mandava jogar lá pra cama e pronto, ele não ia mais lá, não passava mais nada e ficava três, quatro dia lá, saía e pronto” . (Maria, 38 anos, mulher de pescador, Igarapé-Miri, M RH Baixo-Tocantins) “ Que por aqui não tem assistência nenhuma, aqui no interior* não tem. Quando é assim, quando a doença não é grave, né, dá, porque daqui pra cidade é uma base de duas horas e meia de viage. E a assistência que eles dão aí não é uma assistência satisfatória, né? Eles não ligam quase pra gente”. (Raimundo, 32 anos, M RH Bragantina) “ Ruim aqui è hospital, a doença. N ão tem hospital/ião senhora, e quando adoece uma pessoa, sabe, até atrás de um carro pra voltar, olha lá que o doente já tá morto” . (M anoel, 48 anos, pequeno produtor, Bragança, M RH Bragantina) " N ós mora aqui, cadè que tem ao menos uma aula pra botar essas criançada pra estudar? Lá está um bucado de criançada, tudo besta, se criando tudo besta porque a gente não tem um conforto pra mandar ensinar, né? (Tereza, 65 anos, pequena produtora, Cametá, M RH BaixoTocantins) "Tem uma escola aqui, mas acontece que a escola nossa aqui, o nosso interior tá uma escola meia ruim pelo um problema. Que

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acontece que a fessora às vez não dá aula direito, né, a aula começa tarde e termina cedo, aquela confusão. Ah! gente não dá ânimo da gente mandar os filhos da gente pra escola por esse motivo” . (Raimundo, 33 anos, pescador, Igarapé-Miri, M RH BaixoTocantins) ". . . porque o Prefeito disse que ele mandava fazer o grupo, mas não mandava professora pr aí. Ai vai, ficar difícil pras criança". (Maria, 36 anos, mulher de pescador, Barcarena, MRH BaixoTocantins) " . . . aqui é difícil, tem uma tabeminha por aí, mas se torna um preço grande. É por isso que todo dia a gente tá quase na cidade: muito caro. A gente procura as coisas não tem às vez. Tem coisa que não serve, uma bibida, isso aí não falha! Mas às vez que a gente precisa de repente, às vez a gente procura, não acha!” (Marinalda, 16 anos, filha de pescador, Cametá, M RH BaixoTocantins) “ . . . aqui a coisa é mais difícil. Tem uma tabeminha ali, mas geralmente quandó a gente procura uma coisa não tem, né? Sabe, só o que vende mais é cachaça, essas coisas, sabe? Então se a gente falta um café, de repente a gente precisa,não tem. À s vez, querosene (porque a gente compra de seis, cinco litros pra facilitar um pouco mais, né?), aí quando termina e a gente pro­ cura, não tem, né? (Osmarina, 30 anos, professora municipal rural, Igarapé-Açu, M RH Bragantina)

Levando em conta estas difíceis condições sociais da população, quais são as perspectivas que ela mesma considera como possível instru­ mento para melhorar a situação no contexto rural? A este respeito, deve-se enfatizar que todos os entrevistados mani­ festaram a sua profunda descrença tanto nos órgãos governamentais, aos quais compete a política agrária, como nos partidos políticos, dos quais se tem, via de regra, uma visão bastante personalizada.

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“ Eu não sei, não tenho concorrência com eles. Vejo falar muito em EM BR A PA , SAG RI, mas não sei, vejo falar só neles. Vejo passar aqueles carro e quando eu tô assim que eu vou pra Barcarena, sempre eu tò vendo, vejo passar. Essa aqui é a EM ATER, esse aqui é o carro da SAG RI, esse aqui é o carro da EM ­ BRAPA. M as não sei, só vejo dizer que o carro de lá, mas não sei que assistência eles tão fazendo, né? Inclusive esse Paulo que veio por aqui pra plantação de abacaxi e coisa e tal, ia se virar pra arrumar moto-serra pros lavrador, não sei o que mais, ba-ba-bá e lari-lari! Nada de moto-serra, nada! N ão vi nada, nada, nada!” (C lélia, 47 anos, mulher de pequeno produtor, Barcarena, M RH Baixo-Tocantins) “ Quando eles querem ganhar voto, essas coisas: vamos botar uma escola, vamos ajudar o pobre, uma coisa e tal, né? Quando eles querem! Tempo depois que passa, pronto, eles se esquecem do pobre,e o pobre mesmo fica” . (Ademar, 32 anos, marreteiro e extrativista, Cametá, M RH Baixo-Tocantins) “ . . . só querem a gente naquele dia, tão precisando da gente pra dar o voto da gente. D a feita que ganhou, pronto! A gente pode ir com um deles, nem olha, se for preciso colocar o carro em cima eles botam, e ainda botam o carro atè em cima da gente” . (José, 22 anos, trabalhador rural assalariado, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) “ Olhe, partido político que eu conheço de nome mesmo, é esse prefeito daqui de Abaeté, Joãozinho. E tem aquele João de D eus também lá” . (Pedro, 27 anos, pescador, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) N o que concerne à auto-organização, via sindicalizaçào, os resulta­ dos da pesquisa de campo mostram que os sindicatos rurais da MRH, embora presentes em quase todas as sedes municipais, ou são pouco co-

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nhecidos, o u vistos co m o órgãos assisten cia listas.

“ Sindicato? Eu atê que não sei lhe explicar pra que serve, eu não sei lhe dizer. Conheço arguns deles” . (J o ã o , 67 an os, p esca d o r e ex tr a tiv ista , C am etá, M R H B aixo- T ocantins) “ Eu não. Como diz o caso, eu não conheço sindicato porque eu não sou associado, mas sei onde è” . (Antonio, 63 anos, marreteiro e ex-pequeno produtor, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) “ Bem, eu nem sei pra que serve isso, que eu vejo o pessoal dizer que nem adianta a gente pagar isso, porque a gente chega lá, dizque pra levar um doente, é preciso ir com o Prefeito, que o sindi­ cato não resolve nada'” (Raimunda, mulher de trabalhador rural assalariado, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) “ Bom, serve pra muitas coisa, sabe? Pelo menos eles não tão financiando dinheiro, não tão financiando nada, mas o cara que tá quites lá no sindicato, pelo menos se uma pessoa quebra uma perna, que Deus-o-livre, quebrar um braço, a gente vai lá e ta l... Porque a gente adoece, pode doer um dente, a gente corre lá eles dão o papel pra gente mandar tirar o dente. E às vez adoece uma criança a gente leva lá, eles passam o papel pra gente ir pra qualquer clínica, a gente vai” . (Pedro, pescador, Abaetetuba, M RH Baixo-Tocantins) “ Sindicato às vez serve pro camarada tirar uma guia por um so­ frimento. Sindicato é assim, não ajuda em nada. Funciona, mas trabalha, paga o sindicato, chega lá na hora não tem direito a nada. É mesmo que nada!” (M oisés, 52 anos, trabalhador rural assalariado, Igarapé-Açu, M RH Bragantina) Por outro lado, temos que constatar que a partir do momento em que um sindicato assume uma posição independente e combativa, ele se toma,

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junto com as Comunidades E clesiais de Base - CEB’S, o único represen­ tante dos interesses dos pequenos produtores, em caso de confrontos com terceiros, interessados na exploração da terra. D eve-se citar aqui o termo de acordo conseguido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cametá com a CBG G eofísica Limitada, que estava prospectando petróleo na região para a T exaco e Petrobrás, e que teria de repassar eventuais prejuí­ zos (benfeitorias, plantações e animais) dos produtores situados ao longo do trecho em prospecção. Se este exemplo mostra a viabilidade de luta por um sindicalismo autêntico e politizado, ele nos parece pouco difundido nas M RH’S. N ão surpreende, portanto, que sob estas condições a tendência de deixar o campo e procurar outras formas de sobrevivência nos núcleos urbanos que, muitas vezes, representam uma espécie de ponte para a capi­ tal paraense, tenha se tornado expressiva. A maioria maciça dos entre­ vistados tem a sua família espalhada devido à migração. É importante ressalvar que o processo migratório é respaldado pelo apoio e compreensão familiar. “ Aqui não tinha futuro pra elas, sabe? Elas tavam moça, queriam se vestir, né, iam crescendo. Então quando elas crescem assim, elas já não querem se conformar com uma calcinha, elas já que­ rem luxar, né? E eu não tinha possibilidade assim pra luxo, né, pra dar o conforto do luxo. Então elas acharam que deviam ir pra Belém ( . . . ) Aí eu achei que elas deviam ir pra Belém”. (C lélia, 47 anos, mulher de pequeno produtor, Barcarena, M RH Baixo-Tocantins) “ Elas foram procurar um serviço pra ganharem. Porque aqui não tem, você sabe. Os rapaz, eles querem luxar, comprar rou­ pas, né, com luxo,e aqui não tem, são obrigado a se arretirar daqui. Aqui é só pra gente velho mesmo, que é cortar uma siringa, faz um serviço, pra rapaz assim não dá. É porque aqui não deu pra eles viver, né, eles tem que sair pra trabalhar tam­ bém, né? (Tereza, 65 anos, pequena produtora e trabalhadora rural assalariada, Cametá, M RH Baixo-Tocantins) “ Eu tenho duas pra lá, porque eu botei. Elas são empregada e

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estudam na boca da noite, por causa que a gente não tem condi­ ção de pagar, entendeu? Elas vão, se empregam e estudam na boca da noite". (Raimundo, 33 anos, pescador, Igarape-Miri. MRH BaixoTocantins) Convém ressaltar que o fato de os entrevistados não perceberem possibilidades coletivas de solução para a problemática de sua realidade social que extrapolem o contexto familiar faz com que a sua religiosidade se torne o meio para suportar as condições adversas de suas vidas. “ Ah! Isso eu tenho, vontade de conseguir muitas coisas boa, nè? Mas até então eu não tive sorte de conseguir. Já consegui, né, de qualquer maneira a gente tem alguma coisa. E como eu lhe digo, né, não tenho mais coisa na minha casa que eu não gosto de tá devendo outra. Então è isso, eu quero ter o pouco, mas que seje meu. Tem pessoa que tem muita coisa na sua casa, mas sabe Deus como ele tá passando, devendo outro, né? E eu não, eu sou uma pessoa muito deferente dos outros por esse ponto, que eu não gosto de tá comprando fiado do outro". (Chefe de família de pescadores, Cametá, MRH Baixo-Tocantins) "Consegui, eu ainda quero conseguir muita coisa, que DeusN ossa Senhora me ajude, não? Eu tenho vontade de conseguir ainda muita coisa". (Raimundo, 33 anos, lavrador arrendatario, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) "Eu tinha vontade, eu tinha e tenho, se Deus quiser, que um dia eu quero saber ao menos escrever o meu nome” . (Maria, 42 anos, lavradora arrendataria, Abaetetuba, MRH Baixo-Tocantins) "Eu espero que,eu ainda espero ver meus filhos num bom emprego, do que assim, que fica muito cansado, né? Sim eu tenho”.

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(Raimunda, 34 anos, mulher de trabalhador rural assalariado, Abaetetuba, M R H Baixo-Tocantins) “ A gente tem a fé em D eus, é só isso. Tô lhe dizendo, aqui a gente tem mesmo só a fé em Deus. Tenho sim, tenho muita fé em D eus” . (Paulo, 21 anos, pescador, Abaetetuba, MRH, Baixo-Tocan­ tins) “ Continuo acreditando e pedindo para Ele. Eu peço só pra Ele, que me abra um caminho e um jeito pra mim viver. Que eu tô sem jeito de viver. Toda hora eu peço pra Ele, que me abra um caminho, que eujá tô desacreditando nos homens dessa terra Já não tô acreditando mais, porque não tô vendo nada pela minha frente mais.” (Raimundo, 52 anos, ex-produtor agro-extrativo, ex-peixeiro, hoje marchante, Igarapé-Miri, M RH Baixo-Tocantins)

4.3.2. Segundo os migrantes N o que concerne às condições de vida no meio rural interiorano, o aspecto fundamental apontado pela maioria dos migrantes foi a deca­ dência do agro-extrativismo, a qual leva os pequenos produtores a uma pauperização crescente, que por intermédio de esforço próprio dificil­ mente pode ser revertida. “ E mais difícil pelo seguinte: porque a gente vai plantar, vai roçar, entendeu? Quer dizer, até o cara colher aquele fruto que o cara pretende fazer lá, ele não sabe se vai colher ou não, entendeu? Porque existe esse negócio de inverno, invemada, entendeu? Então na colônia é o seguinte: a gente preparava, tudo bem, tá tudo como o cara tá pensando. Aí de repente vem tudo água abaixo, e aquilo já é uma desilusão pra uma pessoa, né? Aquilo já é um pouco de desgosto que o cara tem, entendeu?” (Berlito, 35 anos, comerciário, bairro do Benguí) “ Olha, porque a lavoura tem dificuldade. À s vezes a gente tá contando com tanto de lucro que a gente vai ter, por

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acaso eu planto uma roça, ou planto arroz, aí eu faço um cálculo que eu vou ter um lucro naquela época e aí, quando a gente pensa, no fim do ano acontece tudo errado, a pessoa não tem aquele lucro, acaba com o capital. À s vezes a gente, por exemplo, trabalhava a maior parte com dinheiro emprestado. O que aconteceu com nós foi dinheiro emprestado no banco! A gente trabalhava com muito dinheiro emprestado. Conclusão: a nossa lavoura foi toda ao fundo,e aí tivemos que pagar com o que a gente tinha. O dinheiro não deu e o meu padrinho de criação teve que entregar o que ele tinha de possuir durante a vida dele todinha: um barco e uma casa na cidade” . (Santana, 32 anos, merendeira escolar e lavadeira, bairro do Benguí) “ Pra quem tem roça, né, facilita porque tem o feijão, né, tem o arroz, tem a roça, né? E quem não tem? E mesmo assim, quem tem a roça, tem que fazer a farinha, vender, colher pra poder comprar, sabe? Porque você andando ali no interior, você ver muito mesmo gente em dificuldade, sabe? Tem dificuldade por­ que, olha, eles vão plantar, com seis mês é que eles vão colher, né, pra poder ter aquele dinheirinho. Quer dizer que eles vão comer novamente daquele dinheirinho pra poder plantar, pra poder colher novamente, né? É assim, nunca dá” . (Ozelina, 36 anos, costureira, Benguí) “ Lá, a gente nem pega dinheiro, você tira a siringa, chega no comércio aí troca por farinha, por açúcar, café, arroz, vai embora. Vai tomar cultivar, né, tomar arrumar aquela borracha e vem trocar de novo. A ssim vai levando a vida, todo tempo a l i ...” (A m ós, 56 anos, braçal, Terra Firme) “O latifundiário tem um comércio, ele avia, vende fiado pra ele fazer aquela roça. Ele tem que trazer aquele produto, entregar pro comerciante e então o comerciante é dono da metade, porque a terra é dele. Ele divide no meio e aquela metade, que pertence ao camarada, ele já tá devendo pro cara. Então ele pra não ficar no cativeiro lá, ele se joga pra cá pra Belém ...” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, Vila da Barca)

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. interiorano, né, que não tem daonde tirar, por exemplo, não tem terra, às vez trabalha na terra dos outro, isso não é uma boa opção pra ele. D e mais ruim é isso que eu tô falando, uma pessoa que não tenha uma terra pra trabalhar, né, trabalhar pra outro, né? Por exemplo, trabalhar de metade, botar um roçado, colher de metade, isso é muito ruim N ão tem terra, isso é ruim”. ( Antônio, 35 anos, afiador de lâm ina industrial, Terra Firme) “ . . . naquele tempo, a gente enchia uma canoa de camarão ou de peixe, levava lá pra cidade, precisava tá adulando o pessoal pra comprar...” (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, Vila da Barca) Por outro lado, aquelas que perderam os meios próprios de subsis­ tência e tentaram permanecer no meio rural na condição de assalariados, ; abordaram esta experiência com o desestimulo para qualquer tentativa de continuar a viver no campo. I I | : | | |

“ . . . eu digo, como empregado rural, né, é uma das piores situações! O trabalhador rural que trabalha empregado, não é nem em pregado. H oje pode estar um pou co m elhor, m as naquela época era um serviço de ... esqueço até o nome que se dava, é empreitada, sei lá, uma coisa assim. T á muito difícil, você trabalha nessa semana, você vive só daquela importância que você ganha. N ão tem nenhuma contribuição previdenciána, encargo social nenhum. Quer dizer, é uma coisa muito difí| cil, muito ruim! É por isso que muitos colonos que dependem

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dessa vida, dessa situação, eles procuram assim o meio urbano pra ter uma segurança, direitos sociais garantidos, né?” (Vicente, 35 anos motorista de ônibus, Terra Firme) “... eles (os japoneses) compram o terreno do pessoal de lá ... eles compram os terrenos e pagam pro pessoal destocar, entendeu? (...) 175 Eles roçam, queimam e vão destocar pra poder passar a máquina, sabe? Pra poder plantar, né, maracujá, é mamão, é horta, faz horta e pimenta-do-reino, né? Eles não recebe nem o salário lá, não tem saláI rio, é uma mixaria que eles pagam. Não, não tem carteira assinada,


não tem nada”. (Ozelina, 36 anos, costureira, Benguí) Além das dificuldades acima expostas, a ausência e a precariedade da saúde e da educação contribuem, com o o atestam os relatos a seguir, sobremaneira, para a degradação das perspectivas de vida da população rural. “ A maior dificuldade que tinha no meu tempo era estudo. Naquele tempo, viu, tinha muito que não estudava porque tinha dificuldade de estudo. Eu pelo menos tirei a minha terceira série porque primeiro eu fui desemburrando em casa com o meu avô, pai de minha mãe. E depois que o meu avô não enxergou mais pra me ensinar, ai eu me matriculei numa aula lá na aldeia, como eu já falei. M as eu tinha que andar num casquinho toda manhã cedo, seis hora da manhã. Eu saía cinco horas naquele casquinho, atravessava um rio como daqui pra ilha das Onças ( e se duvidar mais largo!) pra chegar lá do outro lado pra estudar. Diversas vezes em me alaguei, viu? Vento, me alaguei, perdia livro, caderno, tudo. Quando era no outro dia eu ia comprar, papai comprava de novo. Aí eu tentei, mas só cheguei mesmo a estudar a terceira série lá” . (Raimundo, 55 anos, mestre-de-obras, Vila da Barca) “Eu pensava, eu pensei logo era vim trabalhar, né, arranjar, ajudar meu marido, ajudar meus filhos nos estudo, porque lá não tem serviço nenhum pra trabalhar, os filhos da gente não estudavam. Aí eu pensei vim para cá vê se ensinava mais meus filhos que tava tudo burro. Aí veio, eu cheguei pra cá logo eu matriculei no colégio, eles tão estudando. Esse, já tá na quinta série,e esse já tá na quarta série. Eu tô achando uma vida que não é muito boa, não, mas é melhor porque meus filhos tão estudando” . (Maria, 32 anos, lavadeira, Terra Firme) “ . . . pelo menos onde nós morava num tinha médico. Eu cansei de ver cenas lá horrorosa: uma senhora morreu com o filho sem ter socorro de nada. A gente tava sabendo o que era, mas é um dia de viage pra cidade, daonde nós morava. Eu achei aquilo o

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que era horrível, né, aí eu procurei me afastar enquanto era tempo, né?” (Am ós, 56 anos, braçal, Terra Firme) “ . . . por exemplo, no interior, nem um posto médico, nem farmá­ cia na cidade. Cai, adoece uma criança, é a maior dificuldade. Morre porque não tem!” (Maria, 38 anos, professora primária, Terra Firme) “ . . . se adoecer por exemplo^ não tiver embarcação pra botar numa canoa, numa embarcação pra trazer pra cá, morre porque não tem recurso lá, sabe? É sim senhora!” (Benedita, empregada doméstica, Bosquinho) Pelos depoimentos apresentados, nota-se claramente a coincidência de avaliações entre os que permaneceram no interior e os que migraram para Belém a respeito do contexto agro-extrativo caboclo, de suas advèrsidades e fatores determinantes da expulsão s ile n c io s a dos contingentes rurais pauperizados para a realidade urbana marginalizante. Pode-se destacar que aqueles que deixaram o campo, tendem a encarar a situação urbano-periférica com o alternativa mais suportável do que a realidade do meio rural. 4.4 A condição social das c la sse s populares n a ótica de rep resentan tes institu cion ais e lideranças populares Os representantes institucionais e as lideranças populares entre­ vistados, tanto do interior como da capital paraense, têm uma conver­ gência de opiniões quanto às reais condições de vida das camadas populares. “ . . . o povo não tem dinheiro mesmo, não tem de onde tirar. Fica doente, não tem dinheiro, remédio. Eu aqui passo mal, o pessoal vem pedir remédio, não tem dinheiro pra comprar roupa, e pra outras coisas” . (D om José, B isp o da P relazia de C am etá, M R H B aixoTocantins)

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“ V ocêsjá viram talvez vida pior, que é lá naquelas baixadas de Belém, que tem coisa que eu já vi ali, que a gente fica horro­ rizado de ver. ( . . ) M as o que acontece aqui não é fácil, se você vê o que o povo trabalhador rural passa, seja da terra firme ou da ilha!...” (B e n e d ito , s in d ic a lis ta rural de C am etá, M R H B a ix o Tocantins) “ O que a gente nota é que há um número muito menor de peque­ nos produtores, em termos de subsistência, e um maior número de trabalhadores rurais, sendo que muitos destes trabalhadores rurais tinham terra e venderam. ( . . . ) O pessoal vende o terreno de lá, vem pra cá, sabe que aqui não tem nada.e daqui eles vão direto pra Belém, vão caçar lá porque sabe que aqui não tem nada” . (Mariano, 28 anos, sindicalista rural de Igarapé-Açu, M RH Bragantina) “ . . . a periferia de Belém toda é mais ou menos igual, né, seme­ lhante. Está cada vez o padrão de vida mais baixo, o nível de vida, o salário. Inclusive o salário-mínimo cada vez mais defasado. E .as condições de vida e alimentação, vestuário, educação, realmente são lamentáveis. Eu convivo aqui na periferia o dia inteiro e observo isso: as famílias passam fome, entende?” (Ana, representante comunitária, Benguí) “ . . . V ocê vai encontrar hoje em Belém uma situação assim, das mais gritantes possível! Por exemplo, um índice altíssimo de desemprego, a população que alimenta-se muito mal e aí você vai ver a marginalidade aumentando, prostituição, uma série de coisas que advém dessa questão social” . (Genival, Coordenador da Com issão dos Bairros de Belém -C B B ) “ . . . eu acho que a periferia de Belém sobrevivia ou sobrevive do açaí, da farinha e do ovo. E a única coisa que dá pro cara fazer com quatro mil cruzados, não morrer de fome e não entrar na marginalidade, não ser ladrão. Eu fico pensando, como é que

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esse cara come, rapaz! Tem uns carapirá, aquele pessoal que fica catando lixo ali, tem outros que fazem virada, vendendo uma coisa, pegandò ali, outros participam é do esquema artesanal, mas não adianta, não absorve, o mercado não tem pra todo mundo. D á um estado de desânimo na gente, de ver aquele pessoal não ter perspectivas de v id a ...” (Wandenkolk, Deputado Estadual/PM D B, Pará) “ . . . o que nós vemos é uma população pessimamente ali­ mentada, habitando em condições as mais precárias possíveis, e uma série de outras situações que são vividas aí de forma muito dramática pela população” . (Humberto, Vereador/PT, Belém) “ . . . ali tem problema social de toda espécie: problema de segu­ rança, problema de saúde, problema de educação. Então, cada vez fica mais difícil...” (O séas, Vereador/PM DB, Belém) Como se vê, ocorre uma unanimidade dos entrevistados no que tange às condições de vida das classes populares do Estado, seja no interior, seja no contexto urbano - com o no caso da periferia urbana da capital paraense. A s divergências entre estes representantes e lideranças iniciam-se no momento de discutir estas condições de vida, no instante de apontar as causas de tal situação. “ Falta o governo negociar com o trabalhador, que ele até hoje não tá negociando com o trabalhador. Se ele for negociar, ele que pare de fazer exportação. Eu não sei se tô falando uma coisa errada, mas eu tenho na minha mente que é o seguinte: o dia que o Governo Federal passar a negociar com o trabalhador rural. O que está faltando pro trabalhador rural é o Governo olhar pra ele com mais carinho...” (João, sindicalista rural de Igarapé-Miri, M R H Baixo-Tocantins) “ . . .é claro que o trabalhador do campo, ele é desassistido em tudo. Parece que ele não é um ser humano, né? Parece que o

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homem do campo é tão esquecido, que mais é lembrado um porco. Parece ele ser cristão também, mas só nas véspera das eleições. O nosso mundo, ao m esm o tempo se torna o mais miserável, sabe? (Francisco, 35 anos, líder rural da Prelazia de Cametá, Baião, M RH Baixo-Tocantins) “ . . . o companheiro se vê tão triste daquela situação, tão oprimido, né, com medo de morrer lá pelo mato, vende por nada, vende por nada aquele terreno, vai embora, não è, coi­ tado? Terra, vê as dificuldades que tem, sai pras periferias da cidade. Vai pra cidade, não pode comprar uma casa boa, não tem condição de botar um comércio, não tem condições de marretar, que não tem mais canto, vai se meter nessas periferia O filho, coitado, não tem condições de mandar estudar, os filhos virando marginal, fumando maconha, as filha prostituta. É o que mais se dá, o que mais acontece. N o nosso município é isso o que mais acontece” . (Raimundo, 42 anos, sindicalista rural de Bragança, M RH Bragantina) “ . . . U m dos grandes fatores que fizeram com que a população rural se deslocasse pro m eio urbano foi a questão da interiorização dos serviços. N ós verificamos que a zona rural hoje está desprovida totalmente dos principais serviços públicos. Alia-se tudo isso à questão da instabilidade agrícola, da inexistência de uma política. O que acontece, ele vem pra zona urbana, vem atrás desses serviços, desses benefícios da zona urbana. N ós tamos com as questões das grandes cidades, uma inexistência de emprego, uma procura por emprego, um exército de reserva de mão-de-obra muito grande e eles têm que ir pra periferia, pra marginalidade. Enfim, alguns entram pro crime, outros entram pro tóxico. N o nosso caso, no Estado do Pará, se a gente for analisar mais historicamente isso aí, a gente vai verificar que isso aí faz parte da lógica do capital, nè? É a questão do trabalho e da mão-de-obra, e o capital tem interesse que aconteçam coi­ sas desse tipo” . (Wandenkolk, Deputado Estadual/PM DB, Pará)

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. nós temos no Brasil um tipo de capitalismo, um capi­ talism o de um lado m onopolista, m as que de outro lado é dependente do capitalismo dos centros mais avançados e hege­ mônicos. E, ao m esm o tempo que é dependente, é associado. Então isso tem levado aqui no Brasil à necessidade de um exército industrial e reserva, um exército de mão-de-obra geral, não só industrial. Então, eu vejo a periferia de Belém com o um desses locais de depósito de mão-de-obra. E ssa população tem que ficar ali, às vezes à espera de se integrar no mercado de tra­ balho e às vezes integrada de forma marginal ou secundária, pres­ tando algum tipo de serviço aí no chamado baixo terciário...” (Humberto, Vereador/PT, Belém) “ . . . Isso é um problema sério que não atinge só a área munici­ pal. Atinge também a área estadual e federal, porque não são só os colonos as pessoas que vêm aqui pra Belém, mas os nordesti­ nos, pessoas até do sul. E não podendo morar mais aqui no cen­ tro, e nem nos bairros mais próximos do centro, então eles procuram o Bengui É onde hoje tem a maior população. Quando não, é a Cidade N ova, que agora já são oito. Eles vão para o Bengui e lá trazem problemas seri ssimos, porque a todo instante tão abrindo novas ruas, novas casas. Então ali tem problema social de toda espécie: problema de segurança, problema de saúde, problema de educação. Então fica cada vez mais difícil porque o governo não tem condições de manter essa população em tudo aquilo que ela precisa ...” (O séas, Vereador/PM DB, Belém) “ . . . os trabalhadores não ganham salário condigno, um salário que dê pra ter uma condição de vida digna. N a minha análise, o Estado cada, vez mais lava as m ãos pra esse povo, entendeu? O Estado tem, arrecada os impostos, ele tem o dever de administrar bem esses impostos e de canalizar todos os ou­ tros recursos que são destinados para o bem social, pras obras sociais, pra realmente melhorar, dar um padrão de vida melhor para a população” . (A na, representante comunitária, Bengui)

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Partindo daí, coloca-se a seguinte questão: se na visão dos entre­ vistados, as precárias condições de vida das camadas populares estão dire­ tamente inter-relacionadas com a atuação do Estado, que devido à sua inserção no sistema global não tem com o colocar em prática uma política social qualitativamente diferente ou cujos representantes não estão inte­ ressados em mudanças d o s tatus quo, com o é então que, segundo eles, são obtidas melhorias para a população de baixa renda? “ Olha, eu vejo a questão em dois planos: primeiramente eu não acredito que vá melhorar, realmente mudar o padrão de vida da população, sem que haja um confronto com o modelo de desenvol­ vimento do paí s. Quer dizer, o rompimento com o imperialismo e a destruição do poder econôm ico e político do latifúndio. E aí necessariamente, até com a destruição do próprio latifúndio. É uma necessidade. Então, eu acho primeiro esse plano geral, e eu só acredito numa grande mobilização popular que, também pela análise que eu faço, não poderá ser pacífica, porque a burguesia não vai entregar pacificamente o que ela já acumulou até aqui, né? Então eu vejo assim, que se nós formos procurar resolver esse problema, uma medida necessária seria uma reforma agrária, pegar realmente os latifúndios do paí s e distribuir entre o campesinato. E aquelas áreas que já são produtivas, com uma produção capitalista, transformar em empresa cooperativa ou em fazenda do Estado que permitam que mão-de-obra, que essa população se veja como mão-de-obra camponesa e consiga retomar à atividade agrícola. Eu acho que o poder público deve­ ria, pelo menos para melhorar essa situação, né, tomar medidas de caráter nacional, como por exemplo, melhoria de salários e outras coisas, uma nova política de geração de empregos. N o município deveria haver uma reforma tributária. N ós temos constatado que as prefeituras no Brasil vivem na penúria e no caso particular de Belém, que não tem indústria, isso seria uma necessidade maior. Isso eu acho que amenizaria a situação, enquanto não chega o momento de uma transformação mais profunda” . (Humberto, Vereador/PT, Belém) “ São três os pontos essenciais: saúde, educação e segurança. Se

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o Governo conseguisse sanear todas as áreas do Bengui, cons­ truir escolas para essas crianças não crescerem analfabetas e se o Governo pudesse colocar mais segurança, que essas pessoas pudessem viver em paz, eu acredito que ele resolvería oitenta por cento da situação dessa gente. E depois, no final, seria o emprego, seria melhorar o poder aquisitivo dessa gente”. (O séas, Vereador/PM DB, Belém) “ Pra mim, com o pode melhorar? É difícil de dizer porque eu também me sinto meia desconfiada, viu? Pra mim tem os dois lados, pra mim eu acredito que as coisas só vão mudar se a gente mudar aqui por baixo, porque quem está lá em cima quer ficar lá, não quer descer de jeito nenhum, e isso nós sabemos. Então só vai mudar mesmo, de fato, se nós aqui embaixo mudarmos, se a base mudar, né? Se a gente conseguir se organizar, fortalecer as entidades, fazer uma unificação forte, sabe? Pra segurar uma bandeira de luta, entende? Pressionar mesmo, poder amedron­ tar, poder assustar, poder retirar o que é nosso das mãos deles, entende?” (Ana, representante comunitária, Bengui) “ Agora, sobre a melhoria das condições de vida da nossa popula­ ção, eu acho que enquanto não mudar a política governamental, não tem saída. A cho que a sociedade civil brasileira precisa repensar tudo, tudo. D a política salarial à política de emprego, da questão da distribuição de renda, da questão nacional, a nãoingerência do FMI, dos investimentos internacionais e tudo isso” . (Genival, Coordenador da Com issão dos Bairros de BelémCBB) “ Sinceramente eu me angustio e eu não vislumbro, se não mudar esse modelo que aí está, eu não vislumbro perspectivas de melhoria. Eu acredito que a alternativa pra zona rural, pra diminuição do inchamento das grandes cidade é a formação de agro-indústria no campo. Ou outra alternativa que tem é a questão do processo de reforma agrária. São quatro séculos favoráveis à reforma agrária,e ela nunca saiu porque tem inte-

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resses escusos por aí, e eu acho que repassa pela lógica do capital” . (Wandenkolk, Deputado Estadual/PM DB, Pará) “ . . . o que está faltando pro trabalhador rural é o Governo olhar pra ele com mais carinho. É financiamento pra ele, começar financiar pra fazer duas coisas: plantar e criar, tá ouvindo? É plantar e criar, essas duas coisas são definitivas pra que o Governo não precise importar nada pro nosso país. Porque nosso paí s è rico, com o o senhor está vendo, nós tamos pisando em cima da riqueza e tamos morando na miséria, tá?” (J o ã o , sin d ic a lista rural de Igarap é-M iri, M R H B aixoTocantins) “ . . . no campo tudo é difícil prá nós. É escola, é meio de trans­ porte, é saúde. Parece que nós não somos povo brasileiro que existe nessa região” . (Raimundo, 46 anos, líder rural da Prelazia de Cametá, M RH Baixo-Tocantins) Enquanto o Estado, nestes relatos, permanece como ponto de refe­ rência central das esperanças de realização de possíveis mudanças sociais, nos depoimentos que virão, a organização é abordada por três diferentes prismas, a saber. a) como um prolongamento do Estado que apóia a execução de suas políticas sociais; b) com o uma instância de democratização da relação governo/ associações populares, mas dentro de um contexto determinado pelo primeiro; e c) como uma base necessária ao confronto população/governo, visando gerar mudança social sob a perspectiva da população subalterna. “ A população hoje, nos bairros mais distantes de Belém, ela está mais organizada. A s autoridades estaduais, federais, muni­ cipais têm maior conhecimento de como vivem essas pessoas. Só que eu vejo nisso uma infiltração política muito grande, polí-

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tico de esquerda, que às vezes prejudica aquilo que o Governo quer fazer. E os centros comunitários têm logrado muito êxito nas campanhas que têm feito, como é o caso da distribuição de leite pela LBA, com o é o caso das mães crecheiras, que também é pago pelo Governo. Enfim, hoje os centros comunitários têm um papel muito grande no nosso subúrbio. Agora, sobre a questão política, eu às vezes não aceito certas revoltas, porque não houve diálogo na maioria dos casos. A A SC O M , A ssessoria de Comunidade da Prefeitura, reúne com os comunitários e sempre há alguém discordando. E aquilo é visto como política de esquerda, que quer sempre tumultuar. Mas quando há diálogo, quando há reuniões pacíficas, sempre a população sai ganhando. Então essa luta tem que continuar. Eles organizados, eles saem ganhando,e se não houvesse interferência política nisso, seria bem melhor” . (Oséas, Vereador/PM DB, Belém) “ Olha, há cinco ou seis anos atrás nós tínhamos um movimento de bairros em Belém com uma capacidade de organização. Havia todo um movimento sobre um sistema de organização de centros comunitários que resguardavam, ao máximo possível, sua independência em relação ao Estado. Exigia que o Estado viesse cumprir determinadas tarefas na área da moradia, mas não se submetia à organização do Estado. E era um movimento que começava a se interligar com o movimento sindical. Só que eu tenho percebido que, nos últimos anos, o nível de organiza­ ção baixou. Hoje o movimento popular está sem capacidade de mobilização. Eu acho que é um nível teórico muito baixo, às vezes até nulo, dessas lideranças comunitárias. N a medida em que são eleitos pra determinados cargos de representação, como por exem plo presidente de centro comunitário, com eça a ser tra­ tado de forma diferente daquela que ele pensava que a burguesia sem pre tratava. C om o não tem visã o de que a burguesia tem mais de uma tática pra tratar o trabalhador, cai totalmente na armadilha ou adota uma postura sectária em relação à nego­ ciação. Se sectariza, ao não conseguir obter vantagens pra área onde mora, perde o apoio da população. Se se senta com eles no ar condicionado, de vez em quando toma um uísque junto,


com eçajá a se ver muito mais com o um representante do Estado perante os moradores. E com isso, o movimento vai perdendo capacidade operativa” . (Humberto, Vereador/PT, Belém) “ . . . eu acho que houve um crescimento muito grande na questão da politização, na questão da consciência crítica de alguns bairros. N ão são todos, alguns eu entendo com o sendo manipulados. Manipulados até por questões políticas, indepen­ dentemente de qualquer conotação partidária ou ideológica” . (Wandenkolk, Deputado Estadual/PM DB, Pará) “ A cho que de certa forma o movimento popular cresceu. Agora é um momento bem difícil pra gente, pelo seguinte: nós somos todos tarimbados a enfrentar a ditadura, a um governo autoritá­ rio; aí, quando chega um governo populista a gente tem dificul­ dade, de certa forma isso desarma o nosso povo. E o pessoal acredita, né? A s autoridades mentem, mentem, mentem, e o nosso povo sempre foi aquele povo que acredita! É o populismo que é violento.e você pega uma população que vive na miséria e chega fazendo promessa pra eles!” (Genival, Coordenador da Com issão dos Bairros de Belém CBB) “ Olha, as organizações populares, a nível de Belém, a nível de Brasil, na minha análise, vejo assim que houve um esfriamento. A s organizações comunitárias populares, por exemplo as nos­ sas entidades mais gerais, mais amplas, estão muito enfraqueci­ das, muito debilitadas. Inclusive nos bairros, as entidades estão muito esvaziadas, entende? Parece que todo mundo está assim no descrédito, sem esperançá, sem perspectiva. Então eu acho que a população está muito desconfiada, muito em descrédito. N ão confia, desacreditando porque tantas lutas se faz, tantos anos, se sacrifica tanto pra conseguir uma coisa e depois de tan­ tas promessas que vai melhorar, que vai mudar, e as mudanças significativas pra vida do povo não aparecem! Eu acho que essa falta de integração, de interação, de desarticulação é o momento social e político que o país atravessa, né, com todas as estraté­

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gias, as manobras do governo que está no poder e que faz de tudo pra que a população fique calma e não se rebele. Por outro lado, eu acredito que falta estratégia, falta uma coisa mais criativa, mais dinâmica, mais alegre. Falta realmente tática política” . (Ana, representante comunitária, Benguí) O que se pode salientar, destes depoimentos, é uma descrença bas­ tante expressiva na possibilidade de transformação do sta tu s quo, o qual não está menos presente na argumentação dos representantes das organi­ zações populares. E se a experiência com os políticos da situação os leva, necessariamente, à convicção de que somente mediante pressão política da população é que se pode obter resultados a ela favoráveis, eles conside­ ram, em contraposição, o fortalecimento da organização popular como sendo dificultado pela “ facilidade” com a qual os políticos “ fazem a cabeça do povo”. O seguinte depoimento, já anteriormente apresentado, reflete isto de uma forma bem nítida: “ A s autoridades mentem, mentem, mentem, e o nosso povo sempre foi aquele povo que acredita! É o populismo que é violento e você pega uma população que vive na miséria e chega fazendo promessa pra eles!” (Genival) Colocações desta natureza, que denotam a perplexidade diante do fato de que a população continua a votar em representantes políticos que, como ela mesma percebe, não cumprem as suas promessas, encontramos frequentemente em entrevistas realizadas com líderes populares. N o que concerne a esta contradição, já destacamos anteriormente que ela não pode ser analisada suficientemente por intermédio de um enfoque de cunho utilitarista (45>; pois quem parte do princípio de que os homens, necessariamente, ajustam os m eios aos fins em sua forma de agir, negli­ gencia o elenco de valores culturais que contribuem para a reprodução de uma formação social, da qual se pode supor que nelas estão intrínsecas for­ tes tendências de desagregação. Em nossa opinião, aqueles que estão inte­ ressados no avanço da organização popular, precisam dar uma atenção especial para este fenômeno, por nós denominado r e s e r v a g r a tu ita d e d o m in a ç ã o . (45) A linha de argumentação de Anthony e Elizabeth Leeds (1978), em “ A Sociologia do Brasil Urbano”, é um exemplo para tal enfoque.

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5 . O R G A N IZ A Ç Ã O P O P U L A R Já nos referimos ao surgimento dos centros comunitários na perife­ ria urbana de Belém e à criação da CBB em 1979. N a abordagem que se segue, deixamos de relatar sua história enquanto organização. Todavia, discutimos, com base em entrevistas realizadas com uma série de seus militantes, obstáculos que tornam difícil o avanço da luta popular dos bair­ ros periféricos de Belém.

5.1. CBB: Base das bases? Segundo as lideranças da CBB que foram entrevistadas, são funda­ mentalmente dois os fatores que dificultam atualmente a luta popular que visa a implantação de melhorias a nível de bairro: de um lado, a mudança de postura dos representantes do poder público a partir da reintrodução do mecanismo eleitoral para escolha de governadores e prefeitos, a qual se manifesta, por sua vez, através de uma maior disposição por parte deles ao diálogo e que ocasionou a perda daquilo que unia, antes de 1982, as diver­ sas correntes políticas do movimento popular, isto è, a sua oposição contra o regime militar, por outro, esta nova situação aumentou a necessidade para os representantes da CBB de negociar com o Estado local problemas relacionados, por exemplo, com questões urbanísticas, trabalho para o qual os militantes não estão preparados e têm dificuldades para conseguir uma assessoria de técnicos correspondentemente formados. “ Agora é um momento bem difícil pra gente, pelo seguinte: nós todos somos tarimbados em enfrentar a ditadura, a um governo autoritário, sabe? Aí quando chega um governo populista, a gente tem dificuldade, é um tanto difícil, pois de certa forma isso desarma o nosso povo, sabe? E o nosso pessoal acredita, né? A s

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autoridades mentem, mentem, mentem, e o nosso povo sempre foi aquele povo que acredita, sabe? E enquanto isso o Estado vai se fortificando” . (Genival, Coordenador da CBB) “ Então, praticamente a gente tá muito na defensiva, sempre o trabalho da CBB tá na defensiva. A gente parece bombeiro, cor­ rendo pra socorrer isso, pra socorrer aquilo, tudo ao mesmo tempo e, de repente, nós temos que dar conta disso. N ós vamos com os nossos argumentos, a gente não encontra técnico pra nos auxiliar, você sabe perfeitamente disso, né? Você não encontra técnico, a gente precisava de um engenheiro pra unir a gente, pra contribuir na negociação, a gente não conseguiu, né? Aí, gente fica insistindo porque a gente acha que daquele jeito não tem que ser, mas tecnicamente a gente não tem com o embasar isso” (idem). Todavia, com o algumas das próprias lideranças admitem, o que também freia a capacidade da CBB de se enraizar mais expressivamente no seio das camadas populares são determinadas práticas políticas da pró­ pria organização que estão distanciadas das experiências concretas do sujeito a ser mobilizado. D as diversas vezes que estivem os confrontados com este fenômeno durante a pesquisa de campo, queremos apresentar aqui, a título de exemplo, o Terceiro Congresso da Organização, realizado emjulho de 1986, sob um clima político nacional caracterizado pelo Plano Cruzado e pelas preparações para elaboração de uma nova Constituição. Quanto ao nosso acompanhamento deste evento, que reuniu os delegados dos centros comunitários dos bairros de Belém, interessava-nos, em primeiro lugar, como estes encaravam o desenrolar do encontro que, por sua vez, não se diferenciava em muito de congressos partidários da política oficial, com todos seus rituais como discurso de abertura, leitura de pauta, encaminhamento de questões de ordem, confronto entre as diversas li­ nhas, etc. Como forma de complementação de nossas observações, realiza­ mos uma série de entrevistas depois do congresso com delegados do bairro do Benguí. Verificamos aqui que todos os delegados entrevistados enten­ dem a CBB como entidade que se deve empenhar para melhorar as con­ dições de vida da população carente, mas também que eles não têm uma

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idéia clara nem do funcionamento interno, nem de seus objetivos políticos mais abrangentes. . . com a convivência daqueles dois dias, eu achei que tem muitas coisas importantes que eles falavam, que eles discutiam. M as pra falar a verdade não deu pra mim entender o que é a CBB. Fiquei indeciso, né, sem saber o que era” . (Graça, delegada do 3° Congresso da CBB) “ Bom, o que eu entendi de finalidade da CBB é que ela é uma sociedade desse pessoal pobre que vive sem moradia, que vive mal-morado num lugar de baixada” . (Luiz, delegado do 3° Congresso da CBB) “ Olhe, o que eu entendo da CBB é que ela é um apoio pra nós, centro comunitário. É uma coisa que a gente não pode deixar de frequentar” . (Francisca, delegada do 3° Congresso da CBB) Por outro lado, é destacável que o congresso, em sua forma de polí­ tica ritualizada com as suas próprias regras, dificultou de uma maneira expressiva a participação d aq ueles- e eles representavam a m aioria- que não estão acostumados com esse procedimento. “ É o seguinte: eu quase não falava. Pra falar a verdade eu só ficava igual papagaio, escutando. Fazia só escutar” . (Graça, delegada do 3° Congresso) “ Tinha coisa que me absteve, porque não entendi. Tinha coisa que eu votava consciente, sobretudo em que eu tava votando, agora tinha coisa que eu queria tentar entender e não conse­ guia” . (Santana, delegada do 3° Congresso da CBB) “ . . . vi uma coisa muito triste, só o que animou foi aqueles bonequinhos, só. Antes tivesse feito uma dança, que algumas associações fizessem assim tipo um teatro, sabe, um teatro de nossa luta” . (Maria Wanda, delegada do 3° Congresso da CBB)

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“ N a assembléia muitos queriam falar não dava tempo, pois aqueles que tavam lá na frente, que realmente tava lá tumul­ tuando, quando a gente queria ir já era, já num tinha mais nada. Então, tudo isso dificulta pra nós” . (Raimundo, delegado do 3° Congresso da CBB) “ Porque eu não gostei mesmo. Eu não entendi, foi por isso que não gostei A gente só gosta daquilo que a gente entende, né?” (Aldenora, delegada do 3° Congresso da CBB) “ . . . teve pessoas ali que se inscreveram até dez vez em seguida (p a ra fa la r n a p len á ria ). A mesma coisa, todo tempo. Isso cansou demais, tinha pessoas cansadas a li pessoas que tra­ balha à noite e lá, naquele congresso, sentado, ouvindo a mesma coisa!” (Santana, delegada do 3° Congresso da CBB) U m outro exemplo do problemático decorrer do congresso é que as teses por ele elaboradas foram vinculadas à Constituinte, sem que os dele­ gados tivessem uma idéia mais sistemática sobre o que é Constituinte, como bem ilustram os próximos depoimentos: “ O que entendi é que Constituinte é a classe mais baixa, a classe oprimida, né?” (Santana, delegada do 3° Congresso da CBB) “ Constituinte pra nós é nós ser livre. Eu pra mim acho que seja isso, né, ser livre. Porque por enquanto a gente não é livre, a gente, não tá livre não” . (W anda, delegada do 3° Congresso da CBB) “Olhe, Constituinte, eu vejo falar que é a lei máxima d e ... a lei m áxim a... como é m euD eus?!” Esqueci! A lei máxima de nãosei-do-que-lá!” (Raimundo, delegado do 3° Congresso da CBB) “Olhe, eu acho que Copstituinte é aquilo que vem pra melhorar a

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situação do povo, né, porque sem a Constituinte a gente daqui pra frente não tem uma direção daquilo que nós queremos, ne: (Francisca, delegada do 39 Congresso da CBB) _

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Quem observar estes relatos apenas do ponto de vista da falta de conhecimentos da população e, portanto, como uma expressão de igno­ rância, desconsidera que eles manifestam uma nítida vinculação entre o desejo de mudança da situação própria e um evento nacional da enverga­ dura da Constituinte. M as esta vinculação, para ser trabalhada de uma maneira produtiva, precisa partir das experiências concretas das populações, o que exige a criação de um espaço de discussão que ultrapasse os limites da política ritualizada. Exatamente neste ponto consistia a falha maior do congresso. Um outro exemplo claro disso foi a tentativa de um grupo de militantes políti­ cos de inserir nas propostas de luta da CBB o objetivo de desestabilizar a N ova República e o Plano Cruzado, que na época ainda era muito popular. Esta proposta foi rejeitada pela maioria e comentada por um dos delega­ dos por nós entrevistado da seguinte maneira; “ Como é que a gente ia ter força pra brigar com o Sarney? A gente não consegue brigar contra o Jader aqui no Pará, imagine contra o Sarney em Brasília! A gente não ia ter condições, era uma proposta ridícula, que o pior burro não podia aceitar uma proposta dessa. E o que eu achei uma cena ruim foi de um dos cara chamar Bando de bobo, bando de fiscal do Sarney!” Porque eu não sô fiscal do Sarney! Ou ao mesmo tempo somos, porque somos fiscal do nosso bolso, né?” (Santa, delegada do 39 Congresso da CBB) Se estas considerações forem um indicador de que, além dos obstá­ culos inicialmente mencionados, o avanço da organização da luta popular se vê obstaculizado pela insuficiente reflexão da realidade social e da própria prática política daqueles que tentam levá-lo adiante, é destacável, ao mesmo tempo, que a auto-organização da população não só é o único instrumento político válido de que ela potencialmente dispõe, mas que no âmbito dos centros comunitários filiados à CBB incentiva-se tambérrç pro­

192


cessos de conscientização que superam a aceitação subjetiva da subaltemidade própria dentro do sistema global de dominação. O seguinte relato é uma nítida expressão disso: “ Olhe, eu antigamente, quando eu não participava de nada, me sentia um abestalhado mesmo, sabe? Eu pensava que eles é que deviam falar deputado, pessoa que era dotô, advogado, né? A gente mesmo não devia falar porque não sabia nada. M as só que hoje eu penso diferente: nós é que devemos falar, porque nós è que sentimos na pele a situação do dia-a-dia, né? Eu me sinto muito diferente daquilo que eu pensava antigam ente...” (Raimundo, delegado do 3° Congresso da CBB)

5.2. O “ Covão” e o seu projeto do canal de drenagem: Uma experiência de luta 5.2.1 Sobre o perfil da área O Covão é uma área componente do bairro do Benguí e sobre a qual não se possuem dados oficiais quanto à sua formação, sendo os seus mora­ dores as únicas fontes de informação. “ . . . isso aqui quando eu cheguei, isso era Covão mesmo, tira­ vam barro aqui pra vender. Isso aqui foi vendido, muito embora fosse um preço irrisório, né, mas foi vendido, naquela época era muito dinheiro. Um sargento, que eu não sei nem o nome, né, esse cidadão era que autorizava um senhor por nome Bené (já falecido), a fazer esses lotes desse jeito, já com essa estrutura,e vender. Vendia pro pessoal que chegava apavorado, não tinham aonde morar. Aí, iam comprando, inclusive eu também comprei Eu, sinceramente, durante sete anos que eu vivi aqui a gente procurou descobrir de quem seria isso, quem serão os primeiros donos. Aí havia duas hipóteses: a primeira era desse sargento com o irmão; a segunda seria que eles tinham doado pra Líbia, uma irmã dele que vive no Rio de Janeiro, mas só que não se sabe uma certeza de quem seria. E sses aterro era vendido pras

103


construções, aqui entrava carro de tudo quanto era tipo, quer dizer, cidadãos que tem o seu carro, compra o barro e vende nas construtoras” . (Simão, .ex-presidente da A ssociação de Pais e Amigos do Covão) Assim, fruto de uma especulação imobiliária pouco clara, sem qualquer documentação fundiária, surgiu o núcleo populacional. “ . . . quando eu vim pra cá, 66 mais ou menos, era poucos mora­ dor a q u i...” (Samuel, morador do Covão-Bengui) “ . . . eu cheguei aqui em 7 8 não tinha nada, as casas eram lá pra cima, aí aberando. Isso aqui era só um buraco, o pessoal fica­ vam cavando era dia e noite, caminhão puxando barro. Acumulou água que vinha, chuva né, e a parte mais funda se tornou uma lagoa, né, e as partes mais rasa foi aonde o pessoal começou fin­ car esses piquetes, e daí foi o jeito ficar pela lagoa mesmo, por­ que não tinha mais lugar” . (Sim ão, ex-presidente da A P AC). A insegurança da situação fundiária, as dificuldades de ocupação e as adversas condições infra-estruturais são testemunhadas pelos seguintes relatos. “ . . . teve bronca aqui no Covão porque depois a Líbia quis lan­ çar mão disso aqui(isso aqui, como eu digo, depois aos pouco a gente vai se lembrando do que aconteceu, que teve briga). Teve um tal de não sei o que, Couto Valente ( é Valente do Couto, é), veio que era o advogado da Líbia, né, que era encarregado de cobrar esses terreno, né? Meteram a cara nesse Covão aqui, convocando o pessoal através de carta pra ir no escritório na Avenida Portugal, não sei que e tal, pra tratar de assunto do seu interesse e muitos foi. Chegava lá, olha, o teu lote é lá em tal canto, tu vai me pagar “ x” e tal, mas é teu, eu te dou um docu­ mento, aquele babado todo, né?” (Sim ão, ex-presidente da A P AC)

194


“ Era a coisa mais difícil. Andava de lamparina na mão aí, por­ que não tinha luz, transporte sobretudo, né. Aí era um rol de marginalidade que dava sete horas da noite,já tinha gente gri­ tando na mão de ladrão aí, né, me acode, me acode! Eu cansei de sair daqui da minha casa e correr lá pra cima pra acudir pessoal. Principalmente pessoal de táxi que não queria vir dei­ xar ninguém aqui, nesse tempo não tinha luz, não tinha água, transporte. Transporte, a gente saltava lá (Rodovia Augusto Montenegro) e vinha de pé pra cá ... (Samuel, morador do Covão-Bengui) “ Olha, em 77, quando eu me mudei pra cá, por sinal na frente da rua de casa tinha um poço que mais ou menos ficava um homem em pé lá dentro. Até de peixe tinha Então eu tinha meus filhos pequeno,e meu esposo mandou aterrar, com medo de alguma criança cair lá dentro” . (M aria de Lourdes, moradora do Covão-Bengui) “ . . . quando nós viemos pra cá dava aquelas cobra mole, é mussúm, eles andavam por cima da lama, de vez em quando caí a um dentro d’água, tchum! Aí eu peguei uma folga, mandei aterro, aterro, aterro”. (Raimundo, morador do Covão-Bengui) Com base nestes depoimentos dos moradores, pode-se resumir que o núcleo do Covão se constituiu no período de 1966 a 1978, ocupando o espaço sob controle de obscuros proprietários da área que até então era uma “ mina” de barro para a construção civil. Esta escavação anterior, feita em grande escala, rebaixou consideravelmente o nível do solo em relação ao resto do bairro, tomando-se um acumulador natural das águas pluviais das redondezas, com precárias condições de habitabilidade. Em função, porém, do excedente populacional carente, ele surgiu como uma opção, para aqueles que não tinham outra possibilidade de obter um ter­ reno para construir sua moradia. “... já rodamos um bucado aqui N ós não tinha casa, moramos no Telégrafo, do Telégrafo moramos na Sacramenta e da Sacra­ menta nós vimos, moramos na Velha Marambaia, da Velha

195


Marambaia, Bengui. E aqui estamos, graças a Deus. Foi o motivo de não ter casa, era casa alugada. Bom, resolvemos a vir aqui para o Bengui pelo seguinte: nós achamos o terreno, achamos esse terreno que nós compramos na faixa de dois cruzado (dois cruzado agora, né, naquele tempo era dois mil, né?)” (Raimundo, morador do Covão-Bengui) “ Morei muito tempo no Telégrafo, saí do Telégrafo porque eu não tinha casa pra morar... Aí então a minha causa foi essa, de vim para cá comprar um terreno e fazer nossa casinha” . (M aria das Graças, 37 anos, dona-de-casa, moradora do Covão-Bengui) “ . . . esse terreno aqui o meu marido conseguiu com o seu Bené. Sabe, nesse tempo tava tudo loteado aqui, aí ele foi lá com o seu Bené e deu a quantia (não sei a quantia que ele deu lá pra ele, né?), que ele loteou esse terreno aqui pra vender. Aí, justamente nesse tempo, ele se empregou na 19 de Dezembro, conseguiu a madeira que fez essa casa aqui. Era só uma lagoa aqui, não sei se vocês chegaram a ver como era. Quer dizer, essa casa aqui é torta porque era covão aqui, sabe como é, foi enfiando assim, não foi cavado para infincar o pau. N ão tem recebido nem nada, agora,eu não sei nem quanto foi que ele deu, se foi 150..., era 150, eu nem sei dizer quanto era os 150 que falava nesse tempo. Era só uma lagoa, desde aquela rua. N ão cobre mais, nós já demo um duro aí,carregando aterro pra botar aí. Carregando não, comprando e carregando aí e do quintal dos outro, tudo a gente pedia pra aterrar o nosso terreno. Hoje não enche mais. Ainda enche aqui na frente, mas aí pra trás não cobre mais” . (Zenilde, 44 anos, vendedora, moradora do Covão-Bengui) “ . . . no início eu não queria vir porque era só água, isso aqui era um rio, aí eu não queria vir. Aí me dissero: não, vai que a gente consegue aterrar” . Aí eu vim pra cá com os meninos, certo? Lá na Marambaia,nós se separamo,eu e meu marido, eu vim já pra cá sozinha, com ajuda dos meus irmãos e minha mãe,eu conse­ gui já aterrar^. (C onceição, 36 anos, costureira, moradora do Covão-Bengui)

196


Segundo levantamento sócio-econôm ico parcial da área, realizado pela A ssociação de Pais e Am igos do C o v ã o - A P A C , sob a assessoria da equipe de pesquisa, 73,3% dos moradores entrevistados são paraenses e 55,6% são do interior do Estado, provindo das M R H ’s Bragantina (Bra­ gança, Capanema, Igarapé-Açu, São Miguel do Guamá, Peixe-Boi), do Salgado (Primavera, Marapanim, Vigia), dos Furos (Breves), e dos Cam­ pos do Marajó (Cachoeira do Arari, Soure), principalmente; e que migra­ ram para a Capital paraense em busca de trabalho (15,6% ), ou por dificuldades de vida e trabalho na origem( 11,1% ), além de diversos outros motivos (46). “ A gente sempre, no interior, ainda tem essa cabeça tonta, né, que morando em Belém ,vive bem. Sempre o povo do interior ainda imagina isso, né? - pelo um lado. Por outro lado, a maio­ ria são expulsos das suas terras, né, expulsos pela seguinte maneira: eles vendem muito barato pra aquelas pessoas que têm capital na mão,e que eu considero sendo expulsos e, não tendo outra alternativa, eles ficam sem trabalho, sem terra. Aí procu­ ram outras cidades com o Castanhal e Belém, cidades onde eles possam conseguir trabalho, onde eles possam manter a fam ília Quando eu coloquei a ilusão pelo lado, né, e a necessidade de sair pelo outro! A ilusão sempre é porque a gente vive lá no interior, a pessoa chega daqui de Belém e tal, pensa que o cara tá vivendo bem (eu imaginava isso, questão de opinião minha, né?), quando ele chega na cidade, pra onde ele vai morar? Pras periferia, que ele não tem condições de morar nos centros, né, então vai habitar as periferias, lugares de conflito, né, onde existe maior parte de conflitos, né, e sofrer...” (Simão, ex-presidente da A P AC). “ . . . eu não conhecia os meus parentes aqui em Belém. Aí eu botei na cabeça que eu tinha que vir aqui em Belém, aí vim. Aí tou até hoje aqui, gostei, vou ficar velho e vou morrer aqui mesmo. Porque agente tá empregado, né, tem mais emprego, elá no interior não, era só negócio de lavoura e essas coisas todas,e eu não me dou muito bem com esse negócio de lavoura, sabe, (46) Quanto aos dados apresentados aqui, ver tabelas em anexo a este capitulo.

197


negócio de roçado. É malva, essas coisas e eu não me dou muito bem com isso, capinação, eu não nasci pra esse negócio, não. Eu vim pra cá prá Belém e arranjei a profissão e até hoje eu vivo com essa profissão” . (Orlando, morador do Covão-Bengui) N esse processo de busca da casa própria, não só esses migrantes como toda a população em questão perambulam pelos diversos bairros peri­ féricos da cidade (apenas 7,8% instalaram-se diretamente no Bengui, sem terem passado por outros bairros), fugindo quase sempre do aluguel de casa(53,5% ) e tentando conseguiro terreno e/ou casa própria(66,7% dos entrevistados vieram para o Bengui por este motivo). Famílias numerosas (seis membros em média), eminentemente jovens (63,0% de zero a vinte anos) e com baixa ou nenhuma escolaridade (69,7% ) vegetam sem perspectivas de ascensão econômica, ganhando no máximo um salário-mínimo (48,5% dos entrevistados) ou tendo uma renda familiar baixa (64,5% entre 0,1 e 2 , 5 SMR). “ . . . porque ele não tem uma mão-de-obra especializada pra ganhar mais uma coisinha, então ele vai ser o quê? Servente de construção civil é pra onde ele corre mais, ou então pra Prefei­ tura, ser varredor de rua, vai viver desse salário de fome, onde não tem condições de melhorar sua residência e nem educar os filhos. Cada filho que ele tenha é mais um servente que aumenta também na construção civil ou um varredor de rua, porque ele não tem espaço pra que esse filho dele chegue até, quem sabe, ao nível secundário, né? . . .” (Sim ão, ex-presidente da A P AC) Dentro destas condições precárias de localização e construção do seu espaço próprio e à medida de suas possibilidades, os moradores do Covão, dos quais 5 5,6% já estão no local há mais de cinco anos, sanearam precariamente o local, construíram os barracos, criaram o seu círculo de vizinhança, situaram-se na infra-estrutura de serviços do bairro, criaram, enfim, o espaço mínimo necessário à sua sobrevivência. “ . . . hoje em dia eu vivo aqui há seis anos, já lutei muito pra conseguir aterrar esse quintal, cheguei aqui no maior sacrificio P T O G R .M » De I OU

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pra colocar as crianças no c o lé g io ...” (Conceição, 36 anos, costureira, moradora do Covão-Bengui) “ . . . já pensou a gente sair daqui pra um lugar assim que ninguém goste? Porque aqui, eu gosto desse pedacinho! Inda mais que eu me dou com todos os vizinhos, né? N unca tive problemas. Eu acho legal aqui, na minha. É sossegado, eu vivo aqui dentro de casa e não tenho problema com ninguém, è bom aqui, eu sei que se eu ir pra outro lugar é muito ruim” . (M® Teresa, 28 anos, dona-de-casa, moradora do Covão-Bengui)

199

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TABELA 48: DADOS GERAIS SOBRE OS COMUNITÁRIOS ENTREVITADOS (COVÃO) ORIGEM POR MUNICÍPIO E ESTADO

ORIGEM

ORIGEM POR ESTADO

POR MUNICÍPIO N<? Belém Bragança Breves São Luiz Capanema Fortaleza Primavera Santa Quitéria Igarapé-Açu Cachoeira do Arari Irituia Cururupu Ituriaçu São Miguel do Guamá Soure Cândido Mendes Barreirinha Novo Oriente Peixe-Boi São Domingos do Capim Itaituba Marapanim Vigia Sem informação TOTAL

12

3 3 2 2 2 2

% 26,8 Pará 6,9 Maranhão 6,9 Ceará 4,4 Sem informação 4,4 4,4 4,4

1

2 ,2

2

4,4

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

'2

4,4

45

1 0 0 ,0

FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC —julho de 1986 55,6% do interior paraense.

200

N9

%

33

73,3 17,7

8

3

6 ,8

1

2 ,2

45

1 0 0 ,0


TABELA 49: POR MOTIVO MIGRACIONAL PARA BELÉM (COVÃO)

MIGRAÇÃO MOTIVO DA MIGRAÇÃO PARA BELÉM

Nascidos em Belém Buscar trabalho Estudar e trabalhar Dificuldades de vida e trabalho na origem Morar com parentes Acompanhar pais que migraram Acompanhar marido Doença do marido e educaçío dos filhos Acompanhar filhos que migraram Morte de pais e migraçío para outra família Estudo dos filhos Prestar serviço militar Influência de amigos Espírito de aventura (gostou e resolveu ficar) TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC —julho 1986

201

-

N9

%

12

7

26,8 15,6

1

2 ,2

5 7 4

1 1 ,1

15,6 ,8,9

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

2

4,4

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

1

2 ,2

45

1 0 0 ,0


TABELA 50: POR MOTIVOS DA MUDANÇA DOS BAIRROS HABITADOS ANTERIORMENTE (COVÃO)

MUDANÇA MOTIVO DE MUDANÇA DE BAIRRO

Localizou-se diretamente no Benguí Morava em casa alugada Morava com parentes Desejo de morar perto de parentes Problemas de convivência e/ou adaptação Gostou do bairro do Benguí Desejo de morar perto do local de trabalho Casamento Porque o local de moradia era alagado Conflitos familiares Trocou a casa que possuía Foi desalojado para construção de canal TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986

202

N9

%

6 24 4 2 2 1 1 1 1 1 1 1

13,4 53,5 8,9 4,4 4,4 2,2 2,2 2,2 2,2 2,2 2,2 2,2

45

100,0


TABELA 51: POR PARTICIPAÇÃO NA APAC E/OU EM OUTROS MOVIMENTOS POPULARES (COVÃO)

PARTICIPAÇÃO PARTICIPAÇÃO N9

%

Participa de todas as reuniOes Participa de várias reuniOes Participa de algumas reuniOes Nunca participa das reuniOes Sem informação TOTAL

7 12 16 9 1 45

15,5 26,7 35,6 20,0 2,2 100,0

OUTROS MOVIMENTOS POPULARES: Nunca participou Participou Sem informação

32 12 1

71,1 26,7 2,2

45

100,0

NA APAC:

TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC —julho 1986

203


TABELA 52: N9

d e m e m b r o s d a s f a m íl ia s

ENTREVISTADAS POR SEXO (COVÃO)

PESSOAS SEXO

Masculino Feminino TOTAL

N9

%

140 128

52,2 47,8

268

1 0 0 ,0

FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC —julho 1986

TA BELA 53: P O R FA IX A ETÁ R IA (COVÀO)

PESSOAS FAIXA ETÁRIA

----------- 5 Anos 5 ----------- 1 0 1 0 ---------- 15 15 ----------- 2 0 2 0 ----------- 25 25 -----------30 30 ----------- 35 35 ---------- 40 40 ----------- 45 45 ----------- 50 50 ----------- 55 55 -----------60 60 ---------- Mais Sem informação 0

N9

%

52 48 36 32

19,5 18,0 13,5

21

7,9 5,3

14 18 13

FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986

204

6 ,8

2

4,8 4,5 0,7

7

2 ,6

6

2 ,2

12

TOTAL

1 2 ,0

5

1 ,8

2

0,7

268

1 0 0 ,0


TABELA 54: POR ESCOLARIDADE ATUAL (COVÃO)

PESSOAS ESCOLARIDADE

Em idade pré-escolar (até Analfabetos Semi-analfabetos 1? Série Primária 2a » » 3á ” 4a ” ” 5a » 6a ” 7a ” 8? ” 1a Série Secundária 2a » 3a ” ” Sem informação

6

anos)

TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC - julho 1986

%

59

22,4 3,0

8 2

0 ,8

32 29 33 23 19 16

12,3 10,9 12,4 8,7 7,2

8

13 3

3,0 5,0 U

2

0 ,8

10

3,8 4,1

11

268

6 ,0

1 0 0 ,0


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POR NÚMERO DE MEMBROS FAMILIARES (COVAO)

TABELA 55:

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FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986

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TABELA 56: POR RENDA MENSAL DAS PESSOAS QUE TRABALHAM (COM RENDA) COVÃO

PESSOAS FAIXA DE RENDA MENSAL

ATÉ 200 CRUZADOS 400 CRUZADOS 200 99 600 400 99 800 600 1.000 800 99 1.200 1.000 99 1.400 1.200 99 1.600 1.400 99 1.800 1.600 99 2.000 1.800 2.200 2.000 99 2.400 2.200 99 MAIS DE 2.400 RENDA INCERTA OU EMB UTIDA* TOTAL

N9

%

3 9 6 24 2 4 3 5 2 5

3,4 10,4 7,0 27,7 2,3 4,6 3,4 5,7 2,3 5,7

_

3 21

3,4 24,1

87

100,0

FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986 * Pessoas sem renda certa ou que ajudam os demais membros no trabalho, incluídos os aposentados.


TABELA 57: POR RENDA FAMILIAR MENSAL (COVÃO)

FAMÍLIAS FAIXA DE RENDA FAMILIAR MENSAL N9 ATÉ 400 CRUZADOS 800 CRUZADOS 400 1 .2 0 0 800 1.600 1 .2 0 0 1.600 2 .0 0 0 2.400 2 .0 0 0 2.800 2.400 2.800 3.200 3.200 MAIS SEM RENDA DECLARADA TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986

208

2

3 6

% 4,4 6,7 13,4

9 9

2 0 ,0

2

4,4 4,4 8,9 6,7

2

2 0 ,0

4 3 5

1 1 ,1

45

1 0 0 ,0


SITUAÇÃO FUNDIÁRIA

TABELA 58: POR CARACTERIZAÇÃO DA POSSE (COVÃO)

TOTAL CARACTERIZAÇÃO

Posseiro por compra (sem recibo de compra) Posseiro por compra (com recibo de compra) POsseiro por ocupação Doação institucional Sem informação TOTAL

%

11

2

24,4 62,3 6,7 4,4

1

2 ,2

45

1 0 0 ,0

28 3

FONTE: Levantamento sócio-econômico da APAC —julho 1986

TABELA 59 POR TEMPO DE MORADIA NO BAIRRO (COVÃO)

PESSOAS TEMPO DE MORADIA NP 1 Ano 2 Anos 3 Anos 4 Anos 5 Anos 6 Anos 7 Anos 8 Anos 9 Anos 10 Anos Mais de 10 Anos

4 2

TOTAL FONTE: Levantamento sócio-econômico da AP AC —julho 1986

209

% 8,9 4,4

5 5 4 3 3

1 1 ,1

10

2 2 ,2

5 3

1 1 ,1

1

2 ,2

45

1 0 0 ,0

1 1 ,1

8,9 6,7 6,7

6,7


TABELA 60: POR TEMPO DE OCUPAÇÃO DO TERRENO ATUAL (COVÃO)

TOTAL TEMPO DE OCUPAÇÃO N9

%

6.7 2 4,4 6 13,3 5 18,9 1.1 4 4 8,9 2 4,4 9 20,0 5 11 ,1 8,9 4 1 2,2 45 100,0

1 Ano 2 Anos 3 Anos 4 Anos 5 Anos Anos 7 Anos Anos 9 Anos 10 Anos Mais de 10 Anos

3

6 8

TOTAL FONTE: Levantamento só cio-econômico da AP AC —julho 1986

210


5.2.2. A contenda em torno do canal Ainda na gestão do Prefeito Almir Gabriel, 1983 a 1985, o Centro Comunitário denominado Associação de Pais e Amigos do Covão (APAC) elaborou um projeto de construção de um canal de drenagem que previa a solução do problema de alagamento a que estava sujeita a área e ao mesmo tempo pretendia preservar as habitações lá existentes. Em junho de 1986, já na administração do Prefeito Coutinho Jorge, iniciou-se a execução de um projeto de macrodrenagem, ao qual estava integrado o do Canal do Covão, mas que não levava em conta a proposta inicial levantada pela comunidade, e além disso previa o desalojamento de 32 famílias. D esta maneira, colocou-se para a A P AC uma situação extrema­ mente contraditória, posto que por um lado foi considerada a sua reivindi­ cação por um melhor saneamento e por outro veio à tona o fato de que o benefíciamento da maioria implicava em si num prejuízo aos moradores sujeitos à remoção, que por sua vez demonstravam uma vontade generalizada de permanecer na área face ao seu privilegiado acesso em relação ao comércio, transporte, etc.; assim como, também quanto à manutenção das relações pessoais já estabelecidas. A A P AC, então, viu- se forçada a empreender uma luta no sentido de evitar, ou pelo menos minimizar, as conseqüências negativas de uma medida do governo local que não fora discutida com os interessados e a consequentemente procurar apoio jurídico e técnico-científico de terceiros. A ssim sendo, o nosso grupo de pesquisa, que já atuava no bairro do Bengui, foi contactado pela CBB a fim de que proporcionasse um assessoramento, no qual se achavam incluídos os seguintes procedimentos: - acompanhamento das reuniões, assembléias e audiências da A P AC, jun­ tamente com moradores e instituições, na qualidade de observa­ dores e assessores (quando solicitado); - participação técnica e material (tais com o xerox, papel, fitas cassetes, gravadores, filmes, revelações, etc.) no planejamento e execu­ ção das atividades necessárias à luta dos moradores por intermédio da AP AC; - apoio à execução do levantamento sócio-econôm ico, realizado pela A P A C junto aos moradores que seriam desalojados pela cons­ trução do canal;

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- estabelecimento de contatos e obtenção de apoio à AP AC nas áreas de Jurisprudência, Engenharia e Arquitetura <47); - documentação foto e fonográfica do processo acompanhado; - levantamento das casas a serem desalojadas para fins de avaliação do valor, mediante critérios estabelecidos pela U F P a <48); - avaliação dos referidos imóveis, a fim de que a A P A C pudesse estabele­ cer parâmetros de comparação com os valores apresentados pela Prefeitura Municipal de Belém (PM B). Após uma série de encontros entre os assessores externos e os mora­ dores interessados na questão, a A P A C formulou as reivindicações lista­ das a seguir - participação comunitária no processo de decisão; - elaboração de alternativas técnicas que minimizassem o número de desalojamentos dos moradores situados na área do projeto; - indenização justa para os desalojados, baseada em critérios estabeleci­ dos conjuntamente; - negociação coletiva das indenizações; - paralisação da execução do projeto técnico até que o processo de indeni­ zação tivesse solução; - inclusão no total das indenizações do preço do solo ocupado pelos moradores; - remanejamento dos moradores desalojados para lotes urbanos, nos quais houvesse, no mínimo, condições infra-estruturais iguais ás do ambiente anterior, optando-se preferencialmente pela área ociosa existente no bairro e de propriedade da Companhia Têxtil da Am azônica (C ATA ); - revestimento em concreto do canal projetado, construção da rede de microdrenagem e de pontes adequadas ao tráfego sobre o canal, além da utilização do material oriundo das escavações para aterro das ruas, de acordo com a indicação da A PA C. Tal pauta de reivindicações da A PA C vinha de encontro ao projeto da Prefeitura, o qual continha os seguintes itens: (47) É destacável aqui que os representantes da U FPa colaboravam na orientação técnica à APAC sobre os aspectos alternativos do canal apresentados pela SESAN para a escolha do mais adequado à população. (48) O levantamento foi realizado por alunos de pós-graduação em Engenharia e Arquitetura, sob a coordenação dos professores João Castro e Osmar Amaral.

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- manutenção da construção do canal, independentemente de como a questão social fosse solucionada; - indenização individual, negociada em separado, para os moradores desalojados, de acordo com os critérios estabelecidos pela PMB; - nao-indenização do solo utilizado pelos moradores, em função do regime de posse precária (posseiros); - revestimento do canal com madeira( haja vista a falta de recursos) e adia­ mento da'construção da rede de microdrenagem; Relativamente aos resultados advindos do processo de negociação, podem ser apontados com o conquistas da comunidade: os valores inde­ nizados, que foram considerados razoáveis pelos moradores desalojados; o recebimento por parte destes de lotes urbanos no próprio bairro, onde as condições infra-estruturais eram semelhantes às do ambiente de origem; e os contatos estabelecidos com representantes da U FPa, uma vez que esta é um órgão independente dentro do âmbito da política local. D evem os mencionar, entretanto, que esta contenda não redundou em fortalecimento político para a A PA C , enquanto associação popular independente, já que, uma vez tendo sido resolvida a questão do canal, não foi mantido o nível de aglutinação inicial dos moradores. Soma-se a isto o fato de que problemas posteriores na relação população/Estado local atrasos da merenda escolar, por exem p lo- foram considerados por muitos populares como resultado da condução da questão do canal pela APAC. “ Foram brigar com a Prefeitura por causa do canal e agora, nós que não tinha nada com o peixe, não ganhamos mais nada”, este comentário de um morador reflete nitidamente as dificuldades enfrentadas por organi­ zações de bairros que, de uma maneira independente, se propõem a lutar em favor de melhorias das condições infra-estruturais.

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6 . E A S P E R S P E C T IV A S ? Abordamos o acelerado aumento populacional de Belém e das cida­ des da Am azônia Oriental de um modo geral como resultado de uma polí­ tica de modernização fracassada que “ contém todos os ingredientes da dissolução de estruturas sociais tradicionais sem que, no entanto, haja a perspectiva de modernização” (Altvater 1988 : 3). Se entendemos o urbano como meio de globalização da sociedade, seu efeito globalizante principal, dentro do contexto pesquisado, assume a forma de uma nivelação“para baixo”, concretizando-se através da potencialização de problemas sócio-ecológicos como desemprego e subemprego em massa, favelização dos bairros periféricos, poluição do meio ambiente pela falta de serviços básicos, etc., que, por sua vez, caracterizam a situa­ ção da maior parte das cidades brasileiras. Partindo das contradições sociais que se acumulam desta maneira nas cidades da fronteira, parece, à primeira vista, plausível encará-las como “ condição necessária ao desenvolvimento de movimentos contra a dominação” (Becker 1987 : 27). Entretanto, è bastante apressada a hipótese implícita desta argu­ mentação, segundo a qual a integração de espaços não-capitalistas no sis­ tema global leva, necessariamente, ao fortalecimento daquelas forças sociais que desafiam potencialmente o status quo político; p ois“ diferente­ mente à lógica do capital, a economia do seu pólo oposto não atua sistema­ ticamente” (Negt, Kluge 1983 : 37). Todavia, o que nos parece patente è que para o contexto urbano da região cabe o que Ignacy Sachs (1985) tem enfatizado para as cidades do chamado Terceiro Mundo como um todo, isto è, que os seus crescentes problemas sociais e ecológicos não mais podem ser enfrentados com méto­ dos políticos tradicionais. Faz-se necessária a elaboração de novos enfoques de política municipal que priorizem a ocupação do enorme potencial de

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mão-de-obra subempregada, a mobilização dos recursos do ecossistem a urbano não - ou apenas insuficientemente - utilizados, a criação de tecnologias adequadas para o setor informal e, sobretudo, uma maior participação das camadas populares no processo de planejamento e deci­ são públicos. N o entanto, quem concordar com a primeira parte deste diagnóstico, pode encarar ã proposta política a ele inerente como uma idéia que, por mais simpática que seja, não deixa de ser uma ilusão, visto que a limitação das competências das prefeituras inviabilizaria, de antemão, a esfera municipal como campo estratégico de intervenção, e que, além do mais, lemas sociais e ecológicos gerados por mecanismos globais. N o que concerne ao primeiro aspecto, deve-se considerar que a abertura democrática tem valorizado o Município como lugar da disputa política, pois à diferença da fase do regime militar, na qual as suas ins­ tâncias eram um tipo de tentáculo d o “ Estado burocrático autoritário” ( G. 0 ’Donnel) atrás do qual, caso necessário, podiam se esconder, elas são, agora, obrigadas a se submeter ao voto do eleitor. Se partimos do princípio de que, sob estas novas condições, o ele­ mento central que caracteriza o campo de incumbências do Estado em sociedades capitalistas, ou seja, o imperativo de ter de se preocupar tanto com a continuidade do processo de acumulação como com a legitimação do sistema de dominação, passa a ser também um problema do Estado local <49), e as administrações municipais da fronteira não têm, nem de longe, como contorná-lo, neste caso a idéia da necessidade de traçar novos caminhos de política urbana deixa de estar situada apenas no plano abs­ trato. Diversas discussões que empreendemos com representantes de várias cidades nos fornecem subsídios suficientes para tal suposição. N este sentido, é de fato, “ a crise que coloca em discussão o indiscutido, que leva a formular o não-formulado (...) ao desestruturar a adapta­ ção direta das estruturas subjetivas às objetivas” (Bourdieu 1979 : 331). Por outro lado, è evidente que através de projetos que visam refor­ mas a nível local, no sentido de Ignacy Sachs, não há com o reverter o qua­ dro da urbanização desordenada e selvagem da fronteira. Isto exigiría uma reformulação radical de sua função econôm ica que, sem alterações no contexto global, dificilmente será factível. Entretanto, a viabilidade da luta por uma política urbana alternativa (49) No que tange à discussão do Estado local fazemos referência a Krãtke, Schmoll (1987).

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não será, desta maneira, posta em xeque. Pelo contrário, em nossa opinião, tal luta é um pré-requisito essencial para que o sujeito em questão com ece a “ dispor dos meios materiais e simbólicos para rejeitar a definição do mundo social a ele imposta pelas estruturas vigentes” (Bourdieu: idem). Partimos do princípio de que neste empenho por inovações sociais no contexto urbano da fronteira, as universidades da região poderão assu­ mir um papel decisivo, se elas se propuserem a utilizar a crise de maneira produtiva, colocando “ em discussão o indiscutido” . Isto posto, não superestimamos o trabalho intelectual e científico; não tomamos aqueles que o executam por uma vanguarda, mas sim como participantes no processo histórico que não podem dar-se ao luxo de se portar diante das catástofes sócio-ecológicas, por eles próprios previstas, como “ o homem da actualidade da Muralha da China de M ax Frisch” : “ Tens razão, MiLan: encolher os ombros e acender novo cigarro, é só isso que, por vezes, nos resta fazer...” .


Henrique Miranda (1944). Sonho de fim-de-tarde, 1988 (detalhe). AcrĂ­lico sobre tela, 80 x 80 cm. Col. Amadeu Macias Maia

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218


Henrique Miranda (1944). Habitat Belém, 1988. Acrílico sobre tela, 68 x 50 cm. Col. Dircélia Palmeira 219


Henrique Miranda (1944) Descaminhos da esperança III Acrílico sobre tela, 59 x 47 cm. Col. Dircélia Palmeira 220


W

■*

fc J a * fi

&

m %

Entrevistada residente no município de Igarapé-Açu, professora primária rural

Entrevistado residente no municipio de Igarapé-Açu, trabalhador rural.

221


Entrevistada residente no bairro do Bengui, merendeira escolar e lavadeira.

222


«-m . m Entrevistado residente no bairro da V ila da Barca (Telégrafo), mestre-de-obras autônomo

Entrevistado residente no município de Igarapé-A çu, pequeno produtor agro-extrativo e comerciante.

223


Entrevistado residente no município de IgarapÊ-Açu, trabalhador rural aposentado

224


SUMARIO APR ESEN TAÇ Ã O — Décio Freitas - 7 PR EFÁ C IO - 11 IN T R O D U Ç Ã O - 13 1.

2.

U R B A N IZ A Ç Ã O “ S E LV A G E M ” E P R O L E T A R IZ A Ç Ã O “PA SSIVA ” 1.1. 1.2.

O urbano no contexto da fronteira amazônica brasileira — 16 Mão-de-obra excedente e reprodução da síntese social — 26

1.3. 1.4.

Belém do Pará: O campo de pesquisa — 34 Procedimento metodológico — 36

SOBRE AS C O N D IÇ Õ ES D E R EP RO DU Ç Ã O SÓCIO-ECONÔMICA DAS CAM ADAS POPULARES D A P E R IF E R IA D E BELÉM 2.1. 2.2.

3.

Trabalho e renda — 47 Poder aquisitivo — 50

O R IG E M E M IG R A Ç Ã O D A PO PULAÇÃO E N T R E V IS T A D A 3.1.

Sobre as estruturas sócio-econômicas das M R H ’S do Baixo-Tocantins e Bragantina — 75 3.1.1.

O setor primário — 76 3.1.1.1.

A M R H do Baixo-Tocantins - 76 3.1.1.1.1.

A estrutura fundiária — 76

3.1.1.1.2. 3.1.1.1.3. 3.1.1.1.4.

A estrutura ocupacional - 79 A estrutura produtiva — 83 Conclusão — 89


3.1.1.2.

A MRH Bragantina —89 3.1.1.2.1. 3.1.1.2.2. 3.1.1.2.3. 3.1.1.2.4.

A estrutura fundiária - 89 A estrutura ocupacional —92 A estrutura produtiva —93 Conclusão - 98

3.1.2. Aspectos da política agrícola - 99 3.1.2.1. 3 .1.2.2. 3.1.2.3. 3.1.2.4.

Geração de conhecimento (pesquisa) — 100 Assistência Técnica e Extensão Rural - 102 F om ento- 1 0 4 Crédito Rural - 106

3.1.3. Aspectos ocupacionais urbano-interioranos — 113 3.1.3.1. 3.1.3.2. 3.1.3.3. 3.1.3.4. 3.1.4.

A mão-de-obra — 113 A indústria — 114 O comércio — 116 Conclusão — 116 Perspectiva — 116

O CONTEXTO REAL NA ÓTICA DAS CAMADAS POPULARES: UMA TENTATIVA DE INTERPRETAÇÃO 4.1. O sobreviver na cidade — 118 4.1.1. 4.1.2. 4.1.3. 4.1.4. 4.1.5.

Migração: a opção pelo urbano - 118 Trabalho — 122 Educação formal - 129 O Estado “omisso” e a política da “troca desigual” - 133 Auto-organização — 141

4.2. A cidade na visão do rurícula — 156 4.3. O sobreviver no campo — 159 4.3.1. Segundo os rurícolas — 159 4.3.2. Segundo os migrantes —173 4.4. A condição social das camadas populares na ótica de lideranças popula­ res e representantes institucionais. — 177

226


5.

ORGANIZAÇÃO POPULAR 5.1. A CBB: Base das bases ? - 1 8 8 5.2. O “Covão” e seu projeto do canal de drenagem: uma experiência de luta — 193 5.2.1. Sobre o perfil da área —193 5.2.2. A contenda em torno do canal —211

6.

E AS PERSPECTIVAS?

MAPAS 01 : Belém —áreas inundáveis — 38 02 : Mapa da cidade de Belém, com localização das áreas pesquisadas - 43 QUADROS 01 : Cesta Básica do Decreto-lei n9 399, de 30.04.38 —50 02 : Evolução percentual dos principais resultados alcançados - Período 1983/86 - SAGRI/PARÁ - 105 GRÁFICOS 01 : Sistema clássico de aviamento (típico do ciclo da borracha) 02 : Sistema contemporâneo de aviamento (do tipo 1) 03 : Sistema contemporâneo de aviamento (do tipo 2) TABELAS Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela

1 : Variação absoluta e relativa da população residente urbana na região Norte, em Belém e Manaus. — 17 2 : População residente, população não-economicamente ativa, população economicamente ativa de Belém 1960, 1970 e 1980. —39 3 : Situação de emprego segundo setor de atividade 1960, 1970, 1 9 8 0 .-4 0 4 : Pará/RMB: Número de estabelecimentos e empregados na indústria de transformação —junho 1985. —41 5 : População economicamente ativa de Belém, por posição na ocupa­ ção. - 42

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Tabela 6 : Pessoas de 10 anos e mais o valor do rendimento médio mensal. —42 Tabela 7 : Situação ocupacional atual dos entrevistados. — 53 Tabela 8 : Entrevistados pelo quadro total de ocupações desenvolvidas e por sexo. — 54 Tabela 9 : Entrevistados por renda mensal e situação ocupacional atual (na época da entrevista) — 55 Tabela 10 : Entrevistados por renda familiar atual —SMR. —56 Tabela 11 : Famílias dos entrevistados por n° de membros geradores de renda, por sexo. — 57 Tabela 12 : Pergunta: “Na sua opinião, é melhor trabalhar empregado ou por con­ ta - própria?” (por situação ocupacional atual). - 58 Tabela 13 : Justificativas para a opção pelo trabalho autônomo, por situação ocu­ pacional atual (com repetição). — 59 Tabela 14 : Justificativas para a opção pelo emprego formal (ECV), por situação ocupacional atual (com repetição). —60 Tabela 15 : Entrevistados por escolaridade e situação ocupacional atual. —61 Tabela 16 : Participação do custo de alimentação essencial no SMR (01 trabalha­ dor). - 51 Tabela 17 : Renda familiar e cesta básica familiar. - 52 Tabela 18 : Entrevistados por local de origem e sexo. — 63 Tabela 19 : Entrevistados migrantes por origem (rural ou urbana). - 66 Tabela 20 : Entrevistados por motivo migracional e sexo (resumo). — 67 Tabela 21 : Entrevistados por motivo migracional e sexo (detalhamento). —68 Tabela 22 : Entrevistados migrantes por número de migrações realizadas. - 69 Tabela 23 : Pergunta: “Antes de vir morar definitivamente em Belém, tinha vindo aqui alguma vez?” , por sexo. —70 Tabela 24 : Pergunta: Se conhecia Belém antes, qual o principal motivo destas vi­ sitas anteriores?” , por sexo. — 71 Tabela 25 : Pergunta: “Quando veio morar definitivamente em Belém, veio sozi­ nho ou acompanhado?” , por sexo. — 72 Tabela 26 : Pergunta: “Ao chegar a Belém para morar definitivamente, tinha onde morar?” , por sexo. - 73 Tabela 27 : Pergunta: “Como conseguiu o seu primeiro emprego em Belém?” , por origem. - 74 Tabela 28 : Condição legal da ocupação fundiária (MRH Baixo-Tocantins) - Evo­ lução Percentual 1950/85. - 77 Tabela 29 : Ocupação por grupos de área total (MRH Baixo-Tocantins) - Evolu­ ção percentual 1950/85). — 80 Tabela 30 : Pessoal ocupado na agropecuária, a partir de 14 anos (MRH Baixo-To­ cantins) —Evolução percentual 1950/85. — 81

228


Tabela 31 Tabela 32 Tabela 33 Tabela 34 Tabela 35 Tabela 36 Tabela 37 Tabela 38 Tabela 39 Tabela 40 Tabela 41 Tabela 42 Tabela 43 Tabela 44 Tabela 45

Tabela 46 Tabela 47

Tabela 48 Tabela 49 Tabela 50 Tabela 51

Condição produtiva da ocupação fundiária (MRH Baixo-Tocantins) Evolução percentual 1950/85. — 84 Estabelecimento por grupos de área de lavoura (MRH Baixo-Tocan­ tins) - Evolução percentual 1950/85. — 85 Produção agrícola cabocla (MRH Baixo-Tocantins) - Evolução per­ centual 1950/85. - 86 Produção agrícola não-cabocla (MRH Baixo-Tocantins) - Evolução percentual 1950/85. - 87 Produção extrativa (MRH Baixo-Tocantins) - Evolução percentual 1950/85 - 88 Condição legal da ocupação fundiária (MRH Bragantina) - Evolução percentual 1950/85. —90 Ocupação por grupo de área total (MRH Bragantina) - Evolução per­ centual 1950/85. - 91 Pessoal ocupado na agropecuária, a partir de 14 anos (MRH Braganti­ na) —Evolução percentual 1950/85. —93 Produção agropecuária não-cabocla (MRH Bragantina) - Evolução percentual 1950/85. —94 Produção agrícola cabocla (MRH Bragantina - Evolução percentual 1950/85. - 95 Condição produtiva da ocupação fundiária (MRH Bragantina) - Evo­ lução percentual 1950/85. - 96 Estabelecimentos por grupos de área de lavoura (MRH Bragantina) — Evolução percentual 1950/85. —97 Produção extrativa de escala (MRH Bragantina) - Evolução percen­ tual 1950/85. - 98 Programa estadual de pesquisa do Estado do Pará - 1987. - 1Ò1 O atendimento creditício rural e sua participação relativa no total de estabelecimentos rurais (MRH’s Baixo-Tocantins e Bragantina — 1970/ 80. Situação setorial da mão-de-obra total (exceto os inativos) - MRH’s Baixo-Tocantins e Bragantina, 1980. — 114 Capacidade industrial de ocupação da mão-de-obra (indústria por nú­ mero de empregados) - MRH’s Baixo-Tocantins e Bragantina, 1984/ 8 5 .- 1 1 5 Dados gerais sobre os entrevistados - Covão —Origem por Município e Estado. —200 Por motivo migracional para Belém (Covão) - 201 Por motivo da mudança dos bairros habitados anteriormente.(Covão)202 Por participação na APAC e/ou em outros movimentos populares (Co­ vão). —203

229


Tabela Tabela Tabela Tabela

52 53 54 55

Tabela 56 Tabela Tabela Tabela Tabela

57 58 59 60

: : : :

Famílias entrevistadas, por sexo (Covâo). - 204 Famílias entrevistadas, por faixa etária (Covâo). —204 Famílias entrevistadas, por escolaridade (Covâo). - 205 Famílias entrevistadas, por número total de membros e por membros geradores de renda (Covâo). —206 : Famílias entrevistadas, por renda mensal das pessoas que trabalham (com renda) (Covâo). - 207 : Famílias entrevistadas, por renda familiar mensal (Covâo) - 208 : Situação fundiária, por caracterização da posse (Covâo) - 209 : Situação fundiária, por tempo de moradia no bairro (Covâo) — 209 : Situação fundiária, por tempo de ocupação do terreno atual (Covâo) —210

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fenômeno - o capitalismo do cão. E assim, fora do contexto global, não há solução para os grandes probemas locais. À condição de que derru­ bem o muro que as separa da sociedade, as universidades podem contribuir para a supe­ ração deste impasse teórico e político. A isso se propõem os pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia, “ colo­ cando em discussão o indiscutido” , como participantes do processo histórico, sem arro­ gantes pretensões vanguardistas. Há um verso do grande poeta espanhol Antonio Machado que deve servir de guia aos cientis­ tas sociais: “ Caminhante, não há caminhos; é andando que a gente faz caminhos” . DÉCIO FREITAS Historiador

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