Revista juridica

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SUMÁRIO A FUNÇÃO SOCIAL DAS AGÊNCIAS DE CORREIOS COMUNITÁRIAS E A FLEXIBILIZAÇÃO DO ARTIGO 195, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL......................................................................................................................................................... Alessandra Costa Medeiros A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS CORREIOS SOBRE SERVIÇOS POSTAIS NÃO EXCLUSIVOS.................................................................................................................................................. Cleucio Santos Nunes IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE I........................................................................................................................................................ Dirk Costa de Mattos Junior MUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE II............................................................................................................................. Dirk Costa De Mattos Junior

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A POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA LEI Nº 6.830/80 PELA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS..................................................................................... Fábio Vieira Melo

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INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, SUA RELAÇÃO COM A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E O FEDERALISMO FISCAL............................................................ Herika Cristiane De Oliveira Rosa

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IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE TRIBUTOS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS POR EMPRESA ESTATAL: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA....................................................................................................................................... Ivan Cannone Melo PIS/COFINS: RECEITAS SUJEITAS AO REGIME DA NÃO-CUMULATIVIDADE E OS SERVIÇOS POSTAIS (LEI Nº 10.833/2003 E LEI Nº 9.718/1998)...................................... Maria Do Rosário Nogueira Vidal IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL E IMPACTO DAS DESONERAÇÕES FISCAIS NO SETOR PRIVADO CONCORRENCIAL. A ATIVIDADE POSTAL COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO NACIONAL, SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA.................................................................... Maurício Augusto Chiaramonte Vieira A EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: ESTUDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 601.392/PR................................................................................................................................................... Ubirany Lopes Evangelista

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APRESENTAÇÃO Caro leitor, É uma grande honra e prazer receber sua atenção na segunda edição da Revista Estudo de Direito Postal, publicação de periodicidade anual, organizada pela Vice-Presidência Jurídica dos Correios. A presente edição, diferentemente da anterior, será veiculada somente por meio eletrônico, o que se harmoniza com objetivos sociais sustentáveis perseguidos na era atual. Os estudos que constam desta edição transitam sobre vários temas que compõem o conjunto de discussões jurídicas vivenciadas pela equipe de advogados dos Correios. Não obstante, enfatizamos na presente veiculação a matéria tributária, em razão da relevância do assunto no ano de 2014, tanto para os interesses corporativos dos Correios quanto à afirmação jurisprudencial do intricado tema da imunidade tributária e sua extensão às empresas estatais. Desde a década passada a empresa aguardava com muita expectativa a conclusão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 601.392/PR, que tinha por objeto definir se os serviços postais prestados pelos Correios eram imunes à incidência do ISS, mesmo quando fosse o caso de tais serviços serem prestados em regime concorrencial. O STF concluiu em fevereiro de 2013 que os Correios são imunes ao mencionado imposto, inclusive quando se tratasse de serviço de entrega de encomendas e outros serviços explorados pela iniciativa privada. Os Ministros entenderam que a receita auferida 5


nos segmentos não monopolizados se destina a manter o serviço postal exclusivo dos Correios, conhecido como monopólio postal. Esse julgamento, alçado ao patamar dos julgamentos históricos da Suprema Corte brasileira, abriu as portas para inúmeras outras controvérsias em matéria tributária envolvendo os Correios. São exemplos, a imunidade tributária do IPTU sobre imóveis próprios da estatal e a suposta incidência de ICMS sobre o transporte de encomendas. Com relação ao primeiro imposto, o STF reconheceu em outubro de 2014, no RE 773.992/BA, a imunidade tributária do IPTU sobre imóveis de propriedade da empresa. No caso concreto, o Município de Salvador alegava que os Correios atualmente não prestam somente serviços postais exclusivos (monopolizados) como anteriormente, ocasião em que talvez a imunidade tributária se justificasse. No momento, sustentou ainda a municipalidade, observa-se que a empresa tem atuado no setor de encomendas e logística, ramificações empresariais destinadas à livre concorrência e, portanto, sujeita à tributação. Se assim, não poderiam os Correios possuir qualquer privilégio tributário. No entanto, a Corte acolheu os argumentos da estatal para assentar o entendimento de que, se por um lado os Correios atuam no segmento da livre concorrência, por outro, é obrigado pela Constituição a manter o serviço postal comum. O tráfego de cartas, cartões postais, malotes e telegramas são atividades em notório declínio após a popularização da internet. Assim, não guardaria qualquer relação de proporcionalidade com a Constituição admitir que se pudesse tributar uma parcela do imóvel e outra não. Com esse e outros argumentos desenvolvidos nas peças de defesa dos Correios o STF concluiu que a imunidade tributária teria que prevalecer com repercussão geral para todos os casos parelhos, desde que sobre imóveis próprios da empresa. Quanto ao caso do ICMS, o STF decidiu em novembro de 2014, no RE 627.051, que os Correios são imunes ao pagamento do mencionado imposto sobre o transporte de encomendas. O caso em questão envolvia o Estado de Pernambuco, figurando como amici curie quase todos os demais estados da federação. Por maioria de votos a Corte seguiu a jurisprudência fixada nos dois últimos casos referidos e assentou o entendimento de que a empresa é imune

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também ao ICMS, ainda que se trate de transporte de encomenda. Fechando o ciclo de discussões tributárias no ano de 2014, no final de novembro o STF definiu também, na ACO 765 que os Correios não devem igualmente pagar IPVA sobre os veículos de sua frota. Os argumentos fazendários e da empresa foram os mesmos. Isso demonstra a importância do tema para a empresa e à jurisprudência da Suprema Corte. Os três casos emblemáticos resolvidos neste ano encerram um numero expressivo de processos judiciais e trouxeram uma economia tributária para a empresa de aproximadamente R$ 13,5 bilhões. A presente edição não traz somente artigos sobre matéria tributária, estão sendo publicados textos que abordam pontos interessantes de direito administrativo, econômico e concorrencial em textos muito bem articulados com as doutrinas e jurisprudências atuais. O objetivo de nossa revista é abrir espaço para discussões de natureza estritamente acadêmica, visando reforçar os argumentos jurídicos defendidos pela empresa em diversos foros judiciais e extrajudiciais. Com isso esperamos contribuir para a ampliação do debate sobre os temas abordados. Desejamos a todos boa leitura.

Vice-Presidência Jurídica

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REVISTA DE ESTUDO DE DIREITO POSTAL DOS CORREIOS

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REVISTA DE ESTUDO DE DIREITO POSTAL DA ECT Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT ou Correios Endereço: SBN QD. 01 Bl. A CEP: 70002-900 - Brasília - DF Telefones: (61) 3426-1783 E-mail: vijur@correios.com.br PRESIDENTA Dilma Rousseff MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES Paulo Bernardo Silva PRESIDENTE DOS CORREIOS Wagner Pinheiro de Oliveira VICE-PRESIDENTE JURÍDICO Cleucio Santos Nunes SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA VIJUR José Barreto de Arruda Neto CHEFE DO DEPARTAMENTO JURÍDICO Gustavo Esperança Vieira CHEFE DO DEPARTAMENTO JURÍDICO CONTENCIOSO Marcos Antônio Tavares Martins; COORDENADOR DA REVISTA Cleucio Santos Nunes COORDENADORA DA PUBLICAÇÃO Ângela Maria Cavalcante Zanetti Santarém CONSELHO EDITORIAL Cleucio Santos Nunes - Presidente José Barreto de Arruda Neto - Secretário Executivo Ângela Maria Cavalcante Z. Santarém - Membro Gustavo Esperança Vieira - Membro Luciana Oliveira Militão - Membro Luciano Monti Fávaro - Membro Marcos Antônio Tavares Martins - Membro Os conceitos, as informações, as indicações de legislações e as opiniões expressas nos artigos publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Os trabalhos passaram por padronização editorial, sem alterações de sentido e de conteúdo. Revista de Estudo do Direito Postal da ECT Ano 2 - Brasília - DF, Dezembro/2014 Periodicidade Anual - ISSN 2318-6119 1. Aspectos Jurídicos Postais no Brasil. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos CDU 34:656.8(81)

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EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT

REVISTA DE ESTUDO DE DIREITO POSTAL DOS CORREIOS

VOLUME 01 ANO 2014

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Revista de Estudo do Direito Postal da ECT Ano 2 - Brasília - DF, Dezembro/2014 Periodicidade Anual - ISSN 2318-6119 1. Aspectos Jurídicos Postais no Brasil. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos CDU 34:656.8(81)

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APRESENTAÇÃO Caro leitor, É uma grande honra e prazer receber sua atenção na segunda edição da Revista Estudo de Direito Postal, publicação de periodicidade anual, organizada pela Vice-Presidência Jurídica dos Correios. A presente edição, diferentemente da anterior, será veiculada somente por meio eletrônico, o que se harmoniza com objetivos sociais sustentáveis perseguidos na era atual. Os estudos que constam desta edição transitam sobre vários temas que compõem o conjunto de discussões jurídicas vivenciadas pela equipe de advogados dos Correios. Não obstante, enfatizamos na presente veiculação a matéria tributária, em razão da relevância do assunto no ano de 2014, tanto para os interesses corporativos dos Correios quanto à afirmação jurisprudencial do intricado tema da imunidade tributária e sua extensão às empresas estatais. Desde a década passada a empresa aguardava com muita expectativa a conclusão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 601.392/PR, que tinha por objeto definir se os serviços postais prestados pelos Correios eram imunes à incidência do ISS, mesmo quando fosse o caso de tais serviços serem prestados em regime concorrencial. O STF concluiu em fevereiro de 2013 que os Correios são imunes ao mencionado imposto, inclusive quando se tratasse de serviço de entrega de encomendas e outros serviços explorados pela iniciativa privada. Os Ministros entenderam que a receita auferida 5


nos segmentos não monopolizados se destina a manter o serviço postal exclusivo dos Correios, conhecido como monopólio postal. Esse julgamento, alçado ao patamar dos julgamentos históricos da Suprema Corte brasileira, abriu as portas para inúmeras outras controvérsias em matéria tributária envolvendo os Correios. São exemplos, a imunidade tributária do IPTU sobre imóveis próprios da estatal e a suposta incidência de ICMS sobre o transporte de encomendas. Com relação ao primeiro imposto, o STF reconheceu em outubro de 2014, no RE 773.992/BA, a imunidade tributária do IPTU sobre imóveis de propriedade da empresa. No caso concreto, o Município de Salvador alegava que os Correios atualmente não prestam somente serviços postais exclusivos (monopolizados) como anteriormente, ocasião em que talvez a imunidade tributária se justificasse. No momento, sustentou ainda a municipalidade, observa-se que a empresa tem atuado no setor de encomendas e logística, ramificações empresariais destinadas à livre concorrência e, portanto, sujeita à tributação. Se assim, não poderiam os Correios possuir qualquer privilégio tributário. No entanto, a Corte acolheu os argumentos da estatal para assentar o entendimento de que, se por um lado os Correios atuam no segmento da livre concorrência, por outro, é obrigado pela Constituição a manter o serviço postal comum. O tráfego de cartas, cartões postais, malotes e telegramas são atividades em notório declínio após a popularização da internet. Assim, não guardaria qualquer relação de proporcionalidade com a Constituição admitir que se pudesse tributar uma parcela do imóvel e outra não. Com esse e outros argumentos desenvolvidos nas peças de defesa dos Correios o STF concluiu que a imunidade tributária teria que prevalecer com repercussão geral para todos os casos parelhos, desde que sobre imóveis próprios da empresa. Quanto ao caso do ICMS, o STF decidiu em novembro de 2014, no RE 627.051, que os Correios são imunes ao pagamento do mencionado imposto sobre o transporte de encomendas. O caso em questão envolvia o Estado de Pernambuco, figurando como amici curie quase todos os demais estados da federação. Por maioria de votos a Corte seguiu a jurisprudência fixada nos dois últimos casos referidos e assentou o entendimento de que a empresa é imune

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também ao ICMS, ainda que se trate de transporte de encomenda. Fechando o ciclo de discussões tributárias no ano de 2014, no final de novembro o STF definiu também, na ACO 765 que os Correios não devem igualmente pagar IPVA sobre os veículos de sua frota. Os argumentos fazendários e da empresa foram os mesmos. Isso demonstra a importância do tema para a empresa e à jurisprudência da Suprema Corte. Os três casos emblemáticos resolvidos neste ano encerram um numero expressivo de processos judiciais e trouxeram uma economia tributária para a empresa de aproximadamente R$ 13,5 bilhões. A presente edição não traz somente artigos sobre matéria tributária, estão sendo publicados textos que abordam pontos interessantes de direito administrativo, econômico e concorrencial em textos muito bem articulados com as doutrinas e jurisprudências atuais. O objetivo de nossa revista é abrir espaço para discussões de natureza estritamente acadêmica, visando reforçar os argumentos jurídicos defendidos pela empresa em diversos foros judiciais e extrajudiciais. Com isso esperamos contribuir para a ampliação do debate sobre os temas abordados. Desejamos a todos boa leitura.

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SUMÁRIO A FUNÇÃO SOCIAL DAS AGÊNCIAS DE CORREIOS COMUNITÁRIAS E A FLEXIBILIZAÇÃO DO ARTIGO 195, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL........................................................................................................................................ 10 Alessandra Costa Medeiros A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS CORREIOS SOBRE SERVIÇOS POSTAIS NÃO EXCLUSIVOS.................................................................................................. 26 Cleucio Santos Nunes IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE I............................................................................... 40 Dirk Costa de Mattos Junior MUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE II.............................................................................. 55 Dirk Costa De Mattos Junior INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, SUA RELAÇÃO COM A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E O FEDERALISMO FISCAL.......... 64 Herika Cristiane De Oliveira Rosa IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE TRIBUTOS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS POR EMPRESA ESTATAL: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA..................................................................................................................... 83 Ivan Cannone Melo PIS/COFINS: RECEITAS SUJEITAS AO REGIME DA NÃOCUMULATIVIDADE E OS SERVIÇOS POSTAIS (LEI Nº 10.833/2003 E LEI Nº 9.718/1998)................................................................................................................................. 102 Maria Do Rosário Nogueira Vidal IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL E IMPACTO DAS DESONERAÇÕES FISCAIS NO SETOR PRIVADO CONCORRENCIAL. A ATIVIDADE POSTAL COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO NACIONAL, SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA.................................................................................................................................. 114 Maurício Augusto Chiaramonte Vieira A EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: ESTUDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 601.392/PR.............................................................................................................................128 Ubirany Lopes Evangelista 9


A FUNÇÃO SOCIAL DAS AGÊNCIAS DE CORREIOS COMUNITÁRIAS E A FLEXIBILIZAÇÃO DO ARTIGO 195, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ALESSANDRA COSTA MEDEIROS Advogada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos desde 2002. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Brasília UniCeub (2000). Pós-graduada em Prestação Jurisdicional Pública pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal em parceria com a UNIEURO. RESUMO O presente artigo tem como objetivo demonstrar a necessidade de flexibilizar a compreensão do proibitivo constitucional – segundo o qual o Poder Público não pode contratar com pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social – ante a imprescindível presença das Agências de Correios Comunitárias nas mais longínquas localidades do território nacional, considerando sua importante atuação no cenário social local, além de sua função precípua na integração territorial do País. Palavras-chave: Administração Pública Federal. Contratação. Seguridade Social. Agência de Correios Comunitária. Aspecto social.

ABSTRACT This article has the objective of exhibit the evolution of the Federal Audit Office jurisprudence concerning the possibility of contracting temporary workforce, based on the 6.019 Act, of January 3, 1974, to the core activities of federal state companies. Keywords: Federal Government. Outsourcing. Temporary workforce.

Sumário: 1. Introdução 2. Agência de Correios Comunitária: Breves Considerações 3. Da Universalização do Serviço Postal 4. Do Convênio Administrativo 5. Da Função Social das Empresas 6. A Função Social Da AGC e a Flexibilização do Artigo 195, §3º, da Constituição Federal 7. Conclusão 8. Referências

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1. Introdução (...) o serviço postal conduz inafastavelmente à constatação de que o interesse primordial em jogo é o interesse geral de toda a coletividade. É do interesse da sociedade que, em todo e qualquer município da Federação, seja possível enviar/receber cartas pessoas, documentos e demais objetos elencados na legislação, com segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas. (...) Entendo que, ao falar em manter o serviço postal, a Constituição determinou que cabe à União assegurar sua execução em todo o território nacional. Não apenas por abarcar um interesse coletivo significativo, mas também por ser fator importante de integração nacional.1

A precisão das palavras proferidas pelo Ministro Joaquim Barbosa, no voto-vista exarado quando do julgamento da então Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional nº 46 – marco na história da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e do próprio direito postal – traduz, com perfeição, a missão institucional mais relevante, a própria ratio essendi, da Empresa Pública Federal, cuja presença no ordenamento estatal pátrio remonta há 351 anos, quando iniciada com a criação, no ano de 1663, do Correio-Mor no Brasil Colônia. Transcorridos três séculos desde então, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos assumiu a identidade corporal tal qual conhecemos hoje, evoluindo juntamente com o fortalecimento de um modelo de estado de direito democrático que, em especial após a edição da Carta Constitucional de 1988, solidifica-se diuturnamente. Prestadora de um serviço público de relevância, o desempenho das atividades postais insere a ECT num cenário de atuação social sobremaneira importante, muitas vezes representando a única presença do Estado nos lugares mais distantes do imenso território nacional. Consciente de sua responsabilidade e significativa contribuição na promoção do desenvolvimento social em localidades carentes da atuação estatal, a ECT, mediante a celebração de convênios públicos com o Poder Executivo Municipal, faz-se presente com a instalação de Agências de Correios Comunitárias – às quais passo a denominar simplesmente AGCs – oferecendo muito além de serviços postais básicos, mas, ultima ratio, o único meio de comunicação e integração de determinadas comunidades. Contudo, o contexto acima delineado tem enfrentado dificuldades em sua concretude quando da celebração do referido termo de convênio, 1

STF. ADPF 46, Voto Vista do Ministro Joaquim Barbosa

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dada a situação irregular que muitas prefeituras apresentam frente à Seguridade Social. Assim, diante de dois preceitos jurídicos – a universalização do serviço público postal e a proteção ao sistema da seguridade social – há que se sopesar e compreender esse último com a cautela devida, pendente a balança, portanto, para aquele que melhor beneficiará a coletividade, realizando deste modo, o bem comum. 2. Agência de Correios Comunitária: Breves Considerações As Agências de Correios Comunitária surgiram em 01 de dezembro de 2000, com a edição da Instrução Normativa nº 01, a qual disciplinou os procedimentos para sua implementação. Em 2011 contabilizavam 4.3842 (quatro mil trezentos e oitenta e quatro) unidades, correspondendo a um modelo de Agência de Correios no qual a unidade de atendimento destina-se a “... viabilizar, no mínimo, a prestação dos serviços postais básicos em pequenas localidades com população superior a quinhentos habitantes, bem como em áreas urbanas onde predomine o interesse social e a exploração econômica de serviços postais não se mostre viável.” 3 (Definição – MANCAT). Muito embora a redação final do item acima faça menção à expressão “exploração econômica”, em verdade, tem-se que seu entendimento compreende as hipóteses em que o custeio da prestação do serviço postal público básico apresenta-se demasiadamente oneroso, de maneira a tornar sua execução única e diretamente pela ECT, inviável. Veja-se, portanto, que não há que se falar em auferir-se lucro, mas sim, no próprio custo do serviço envolvido. Pois bem. Dando continuidade ao objeto disciplinador da Instrução Normativa em comento, esta ainda traz em seu bojo a previsão de parcerias com entes públicos e privados – in casu, interessa saber daqueles instrumentos celebrados com entes públicos – por meio da assinatura de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, com fulcro no artigo 116 da Lei nº 8.666/93 e no § 3º do art. 2º da Lei nº 6.538/78. (Item 4.1, da Instrução Normativa 1/2000, do Ministério das Comunicações). Tem-se ainda, que a parceria firmada no fito de se instalar a respectiva Agência de Correios Comunitária, poderá contemplar repasse de recursos financeiros, o que não há que se confundir com espécie de remuneração, propriamente dita. Trata-se da previsão de regime de mútua cooperação Informação fornecida pelo DATER – Departamento da Rede Terceirizada, por meio de Comunicação Interna. 3 Instrução Normativa nº 1, do Ministério das Comunicações, item 3.1. Definição. 2

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necessária à aquisição de equipamentos, utensílios e mobiliários; cobertura de custos com a execução das atividades e serviços internos necessários à organização e ao funcionamento da AGC e receita própria decorrente da venda de produtos de correios e pela prestação dos serviços postais básicos. De forma geral, a Agência de Correios Comunitária exerce as seguintes atividades públicas postais, a saber, o fornecimento à população local de selos ordinários e comemorativos; aerograma nacional, internacional e social; telegrama pré-taxado; envelope pré-selado carta mundial; caixa de encomenda; títulos de capitalização; bem assim a prestação dos seguintes serviços, quais sejam: postagem/entrega interna de objetos simples e registrados; serviços postais adicionais: aviso de recebimento, registros e outros que possam ser franqueados por meio de selos; outros serviços inerentes aos produtos relacionados anteriormente, desde que sejam préfranqueados/taxados ou possam ser franqueados por meio de selos; vale postal pagamento; PAC; Encomenda Postal Nacional, mediante pagamento à vista SEDEX; Sedex a Cobrar – postagem; Documento Econômico/ Prioritário Internacional; Título de Capitalização – resgate; Recebimento de Contas (*); Recebimento de Inscrições (*); Recebimento de impostos, taxas e multas (*); Caixa Postal – assinatura/renovação com ou sem cessão do equipamento por parte da ECT, incluindo o serviço de distribuição. [(*) autorizado apenas para unidades informatizadas e com linha telefônica e acesso à internet.]4 De uma leitura descompromissada das atividades acima elencadas – sem adentrar na definição de serviços como PAC ou SEDEX a cobrar – é fácil concluir que em pequenas localidades (com um mínimo de 500 habitantes), nas quais a presença do Estado se faz unicamente por meio da implantação de uma AGC, a relevância social do fornecimento de serviços públicos como pagamento de contas, recolhimento de impostos, taxas e multas, recebimento de inscrições, além do próprio serviço público postal strictu sensu, traduz-se não só em mecanismo de integração nacional e, inclusive, internacional. Não foi por outro motivo, o entendimento exarado no ordenamento endógeno da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, o qual excepcionou pelo prazo de 12 (doze) meses a não apresentação das Certidões Negativas de Débito do INSS (CND), Certificado de Regularidade do FGTS (CRF), Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) no fito de dar-se continuidade aos convênios firmados junto às prefeituras municipais para funcionamento das respectivas AGCs. Contudo, é importante registrar que, mesmo compreendendo a 4

MANCAT, Módulo 22, Capítulo 1, Anexo 6, itens 1.1 e 1.2.

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sobreposição da garantia constitucional maior da universalização do serviço postal, o normativo interno em questão permite tal hipótese em caráter excepcional e temporário, condicionada à comunicação, por parte da ECT, aos órgãos competentes, no tocante a irregularidade constatada, bem assim a atuação ativa do administrador público no sentido de, mensalmente, exigir do Poder Executivo Municipal a regularização da documentação retro citada, inclusive, como condição de manutenção do próprio convênio. 3. Da Universalização do Serviço Postal A quase totalidade dos países vislumbra no serviço público postal um mecanismo de comunicação e integração fundamental à concretude de seu desenvolvimento, máxime quando considerada a significativa expansão do e-commerce ou comercio virtual. No Brasil, tido como um dos Correios mais eficientes do mundo e instituição pública de considerável credibilidade junto ao corpo social pátrio, não haveria de ser diferente. Graças a uma capilaridade estrutural que lhe permite estar presente em quase todos os municípios do País, a garantia de acesso ao serviço público postal por todos, independentemente de sua localidade, ou de sua condição pessoal, social ou econômica, apresenta-se como meta gradativamente atingida, o que permite afirmar que muito mais do que oferecer uma logística voltada aos negócios firmados na rede mundial de computadores, os Correios brasileiro deve permitir que, concretamente, o acesso aos serviços públicos postais ocorra em todo o território nacional, pela totalidade da população. Nesse sentido, no ano de 2011, editou o Poder Executivo Federal, as Portarias 566/2011 e 567/2011, dispondo respectivamente sobre a universalização do serviço postal e suas metas. De acordo com a Portaria 566/2011, artigo 1º, §1º e 2º, a universalização dos serviços postais representa, verbis: § 1º. Entende-se por universalização dos serviços postais básicos o acesso de toda pessoa física ou jurídica, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, aos serviços discriminados no § 2º deste artigo. § 2º. Consideram-se serviços postais básicos o recebimento e entrega de: I - carta e cartão postal, simples ou registrados, sem valor declarado; II - impresso simples ou registrado, sem valor declarado; e III - encomenda não urgente, sem valor declarado. 14


Num país que ainda concentra seu desenvolvimento humano atrelado aos grandes centros urbanos, não é difícil concluir que a universalização dos serviços postais vislumbra não apenas um direito individual, mas, em muitos casos, o único meio de inclusão na vida política, social e econômica do País, realizando, muito além da integração geográfica, o que, per si, já contribui sobremaneira para o incremento diuturno daquelas comunidades mais carentes e afastadas no território nacional. Entender a universalização do serviço público postal é compreender que a Administração Pública nas áreas onde a sua presença se faz necessária, deve, obrigatoriamente, oferecer à coletividade a execução de um serviço indispensável, de maneira equânime e eficiente, propiciando o acesso não apenas à comunicação, mas a inserção do indivíduo no corpo social nacional a que pertence. Não se pode olvidar que no cotidiano dessas localidades menores o acesso ao serviço público postal compreende a promoção do desenvolvimento econômico e social, bem assim da própria dignidade da pessoa humana, tanto defendida e acolhida pelo ordenamento legal pátrio. 4. Do Convênio Administrativo A figura do convênio administrativo costuma ser classificada pela doutrina pátria como acordos de cooperação, no qual todos os signatários têm atividades pré-ordenadas para o fim almejado, ou de colaboração, isto é, quando os mesmos desenvolvem atividades-meio, preparatórias, auxiliares ou complementares da atividade estatal, para o objetivo comum.5 E mais, outros juristas como Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Edmir Netto de Araújo, Arnoldo Wald e Luiza Rangel de Moraes apontam serem os convênios pactos da espécie acordo, qualificando-os como atos complexos6. Nota-se que o convênio administrativo representa uma convergência de interesses celebrada entre entidades públicas de qualquer espécie ou entre estas e entidades ou instituições privadas para a consecução de interesses e objetivos comuns. Ademais, os mesmos publicistas elencam outros aspectos diferenciadores entre esse instituto administrativo e os contratos administrativos, o que justifica sua utilização em detrimento deste último. Vejamos:

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Fonte: http://www.tcm-sp.gov.br. Fonte: http://www.tcm-sp.gov.br.

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a) quanto aos interesses, no contrato são divergentes e contrapostos para as partes que os celebram, enquanto no acordo são convergentes e comuns entre os partícipes. b) no contrato existem partes: uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço etc.); outra que visa à contraprestação correspondente (a remuneração ou outra vantagem); no acordo tem-se partícipes (não-vinculados contratualmente) com as mesmas pretensões, ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada partícipe; c) nos contratos, as vontades antagônicas se compõem, e não se adicionam, delas resultando uma terceira espécie de vontade – a contratual; nos acordos, como nos consórcios, as vontades se somam e não dão origem a uma terceira espécie; d) no acordo, os partícipes buscam o mesmo e idêntico objetivo, unindo-se para a satisfação do interesse comum; no contrato, cada parte quer atingir um fim que não é compartilhado pela outra; e) no acordo, há uma conjugação de esforços, sob várias formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos e materiais, de imóveis, de know-how e outros; por isso mesmo, no convênio não se cogita de preço ou remuneração, que constitui cláusula inerente aos contratos; f ) no contrato, o valor a título de remuneração passa a integrar o patrimônio da entidade que o recebeu, sendo irrelevante para o repassador a utilização que será feita do mesmo; no acordo, se o partícipe recebe determinado valor, este fica vinculado à utilização prevista no ajuste; assim, se um particular recebe verbas do poder público em decorrência de acordo, esse valor não perde a natureza de dinheiro público, só podendo ser utilizado para os fins previstos no convênio; por essa razão, a entidade está obrigada a prestar contas de sua utilização, não só ao ente repassador, como ao Tribunal de Contas. g) em decorrência da ausência de vinculação contratual, devem ser consideradas nulas cláusulas de permanência obrigatória ou obstativas de denúncia do acordo a qualquer momento ou de sanções pela retirada, promovendo-se a respectiva prestação de contas.

Na lição do professor Hely Lopes Meirelles7, de onde se extrai que os convênios são (...) acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, 7

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MEIRELLES, 2005. p. 404.


ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. (...) Convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato as partes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários), uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço etc.), outra que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio, em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões.

Da leitura do conceito retro, parece tranquila sua definição, mas nem sempre foi assim, no passado muitas discussões foram travadas para estabelecer um modelo conceitual para o convênio. Várias conceituações foram extraídas dos léxicos como forma de contribuição ao presente trabalho, dentre elas temos as seguintes, in verbis: Convênios administrativos: a avença é instrumento de realização de um determinado e especifico objetivo, em que os interesses não se contrapõem – ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada participe. No convênio, assunção de deveres destina-se a regular atividade harmônica de sujeitos integrantes da Administração Pública, que buscam a realização imediata de um mesmo e idêntico interesse público.8

Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos participes. Convênio é acordo, mas não é contrato.9 Novos marcos regulatórios, baixados em 2007 e 2008 (Decreto nº 6.170/2007 e Portaria Interministerial nº 127/2008) conceituaram igualmente o convênio (art. 1º), os quais, embora não possuam incidência sobre os convênios celebrados no âmbito desta Empresa Pública10, passamos a transcrevê-lo, no fito de melhor ilustrar sua definição, a saber: Art. 1º (...) § 1º Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I – convênio – acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que

JUSTEN FILHO. 1998. MEIRELLES. 1990. P. 350. 10 Vide Nota Jurídica/GFIS/DEJUR – 1213/2009. 8 9

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discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como participe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.

Destarte, a esparsa, variada e complexa legislação a disciplinar a figura do convênio administrativo, não há que se olvidar da aplicação supletiva e subsidiária da Lei nº 8.666/93, consoante determinação expressa de seu dispositivo legal, art. 116, caput: Art. 116 – Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. (grifo acrescentado)

Relativamente à natureza jurídica dos convênios, embora não exista um pensamento uníssono na doutrina pátria11 acerca de sua exata compreensão, certo é que todos convergem para a natureza distinta entre contratos administrativos e convênios, pela falta de semelhança dos objetivos e demais características dos dois institutos, pensamento repetido por nossa Corte Constitucional no julgamento do RE 119.256-9/ SP12, o qual decidiu que o convênio administrativo é acordo de vontade, mas precário, e seus beneficiários não tem direito à sua manutenção, e em sendo denunciado não há que se falar em direito adquirido, vez que não são contratos administrativos. 5. Da Função Social das Empresas Ao longo das últimas décadas, com a promulgação de nossa Carta Magna – a Constituição Cidadã - a ideia de função social das empresas fora construída e fortalecida junto à sociedade, muito embora, até a edição, em 2002, da Lei nº 10.406, ainda não houvesse sido positivada em nosso ordenamento legal. Foi com a entrada em vigor do diploma legal retro – o Novo Código Hely Lopes Meirelles, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, José dos Santos Carvalho Filho, Edmar Netto de Araújo e Francisco de Assis Alves. 12 Acórdão de 14 de abril de 1992, Relator Ministro Moreira Alves, Revista Trimestral de Jurisprudência nº 141, pág. 619. 11

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Civil – que diversos princípios, dentre estes o da função social, foram alçados a categoria de normas imperativas, anunciando o caráter da socialidade, coletividade, eticidade e dignidade que passava a assumir as relações civis empreendidas. Segundo o atual Código Civil, a função social da empresa assume o papel de cláusula geral, o que implica dizer que constitui uma formulação genérica e abstrata, revestindo-se de natureza direcional, dotando de maior mobilidade sua aplicação às hipóteses concretas. É de se notar que o atual Código Civil fora erigido sob o viés político-ideológico da cooperação, solidariedade, responsabilidade social e probidade nas relações jurídicas estabelecidas dentro da coletividade, inclusive entre essa e o Estado, aqui representado por suas empresas públicas, lançando mão de um modelo liberal para positivar em seus artigos o que vem ser as diretrizes da atuação social das empresas junto à comunidade. Conceito de difícil definição, a função social das empresas encontrase relacionada à função social do contrato e a própria função social da propriedade. Nos diplomas legais pátrios encontra respaldo, afora o Código Civil, na Lei das Sociedades Anônimas e na Lei de Recuperação e Falências.13 Ainda, impossível não relacionar a função social das empresas ao dispositivo constitucional inserto nos princípios que norteiam a ordem econômica pátria, art. 170, da Constituição Federal: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.

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nacional de pequeno porte; X – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham a sua sede e administração no país. Com efeito, além da definição vaga e esparsa no ordenamento legal vigente, a própria juridicidade da função social da empresa é questionável, de maneira que “A ausência de caráter normativo – norma jurídica em sentido estrito – da função social da empresa se demonstra pela própria definição que tem sido atribuída a tal expressão, todas elas baseadas em outras normas (ambientais, concorrenciais, etc.).14

Pois bem. Ainda que a função social da empresa seja de difícil delimitação e de duvidável caráter normativo, vislumbrando, quando muito, norma valorativa a ser observada, certo é que a implantação de Agências de Correios Comunitárias em localidades com até quinhentos habitantes e, de maneira geral, pouco desenvolvidas economicamente, traz a realização, no mínimo, da redução de desigualdades sociais e regionais, preceito constitucional, visto em linhas pretéritas, de relevantíssimo munus público. 6. A Função Social Da AGC e a Flexibilização do Artigo 195, §3º, da Constituição Federal Ab initio, é de se ter em mente que o termo “flexibilização” não deve ser compreendido como total ausência de aplicação da norma legal, mas tão somente, em situações singulares e excepcionais, sua subsunção à hipótese concreta se dará de forma mitigada, seja por seu modus operandi diferenciado, seja por seu “tempo legal” antecipado ou postergado. Sobreleva frisar, assim, que sua mens legis não deixará de ser concretizada, de modo que embora flexibilizada, a norma legal continua a viger (Planos da existência, eficácia e eficiência). Pois bem. O artigo 195, § 3º, da Constituição Federal encontra-se disposto no título dedicado a Ordem Social, Capitulo da Seguridade Social, em especial quanto ao regramento dispensado ao seu financiamento. Dispõe o citado dispositivo constitucional, in litteris:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais

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RICCI, 2012.


(...) § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Em resumidas linhas, a Seguridade Social tem seus alicerces em três pilares básicos, a saber: a saúde, a assistência social e a previdência social. Trata-se do conjunto de ações envolvendo o Poder Público e a sociedade no fito de garantir a todo o indivíduo o acesso aos seus três pilares básicos. Para Wladimir Novaes Martinez15 a previdência social compreende (...) a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes.

A assistência social encontra-se inserida no ordenamento pátrio, nos artigos 203 e 204, da Constituição Federal, compreendendo uma política pública social destinada a suprimir as necessidades básicas dos indivíduos, independentemente de contribuírem para a Seguridade Social, os quais não possuem capacidade de proverem seu próprio sustento. Engloba a proteção à infância, a velhice, a maternidade, a adolescência e a pessoa portadora de deficiência. Decorre, portanto, do próprio conceito de seguridade social, a relevância que referido instituto assume junto à coletividade mais vulnerável, sob os aspectos econômico e político, além da necessidade de coibir-se que sua forma de custeio mista e plúrima, segundo o qual a seguridade social deve ser arcada mediante a contribuição de todos, seja mitigado. Não foi outro, senão o motivo acima apontado, a razão pela qual o Poder Público – a Administração Pública, inclusive – está impedido de contratar com pessoas jurídicas em situação irregular junto à Seguridade Social. Veja que o dispositivo constitucional em comento não faz distinção entre pessoas jurídicas de direito privado ou público, do que se conclui que 15

MARTINEZ, 1992. p.99.

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qualquer pessoa jurídica encontra-se alcançada pela vedação em voga. Contudo, da leitura do próprio dispositivo constitucional sub examine, nota-se que esse faz remissão à Lei nº 12.453, de 21 de julho de 2011, em especial seu artigo 5º, o qual suspendeu temporariamente a regularidade fiscal para os “(...) contribuintes estabelecidos em logradouros localizados em Municípios atingidos por desastres naturais ocorridos entre 1o de janeiro de 2010 e a data de publicação desta Lei, que tiverem a situação de emergência ou de calamidade pública homologada ou declarada por decreto do Poder Executivo de seus respectivos Estados”16, quando da realização de contratações para concessão de créditos e renegociação de dívidas firmadas com instituições financeiras públicas, sem prejuízo do disposto no artigo 195, §3º, da Constituição Federal. Temos assim, concreta e exemplificativamente, a flexibilização do indigitado artigo constitucional, realizada pelo próprio Poder Público, em situações que considerada sua gravidade e emergência, buscando alcançar um bem comum maior, e naquele momento imprescindível, justificaram a postergação da exigência constitucional em discussão. Paralelamente, idêntico raciocínio deve ser empregado quando se está falar na necessidade de implantação de Agências de Correios Comunitárias e a situação fiscal irregular que muitas prefeituras apresentam. A compreensão do caráter excepcional e temporário no que se refere à exigência do artigo 195, §3º não significa a sua inaplicabilidade, mas apenas a postergação dessa – sua flexibilização – ante a celebração de convênios administrativos municipais provedores não somente da integração geográfica do território nacional, consoante já visto, mas , igualmente, do incremento na qualidade de vida de inúmeros brasileiros, promovendo, em última análise, a própria concretude da dignidade da pessoa humana. Consoante visto alhures, a flexibilização de artigo de lei não implica no afastamento integral de sua incidência às hipóteses concretas que regula. Em verdade, trata-se de sua aplicação diferenciada, em situações singulares e excepcionais, que assim o exigem. Exemplo disso, colacionamos ao presente artigo, ato editado pelo próprio Poder Público – Lei nº 12.453/2011 – que curiosamente excepcionou a exigência do artigo 195, §3º, da Constituição Federal, considerada a excepcionalidade e gravidade dos desastres naturais então ocorridos. Vejamos. É inegável que a execução do serviço público postal básico em pequenas localidades – pouco desenvolvidas econômica e socialmente – bem assim a realização de serviços como recebimento de contas, recolhimento de tributos, realização de inscrições, vale postal 16

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Lei nº 12.453/2011, artigo 6º.


pagamento, PAC, Encomenda Postal Nacional, mediante pagamento à vista SEDEX, Sedex a Cobrar – postagem, Documento Econômico/Prioritário Internacional, Título de Capitalização – resgate, dentre outros, vislumbra importante atuação social do Estado, além da própria integração nacional do vasto território brasileiro. Em locais onde a total ausência do Estado é característica predominante, a presença de uma Agência de Correios Comunitária (AGC) representa, na maioria dos casos, o único meio de comunicação com as demais cidades do País, permitindo, inclusive, o acesso a produtos e serviços de considerável relevância, tal como ocorre quando do envio de medicamentos, vacinas, livros escolares e outros de similar natureza. Ademais, é o próprio Poder Público também beneficiário do modelo de Agência de Correios sobre o qual discorremos, afinal, um dos serviços públicos desempenhados é justamente o recolhimento de tributos e taxas. Pode-se afirmar que por meio dos serviços prestados por aquelas AGCs em funcionamento, a realização do interesse comum ganha contornos concretos. Meta perseguida por toda Administração Pública, considerada mesmo sua ratio essendi, o princípio jurídico do interesse comum ou o princípio ético do bem comum encerra a ideia de que aos governantes cabe promover o bem comum – a relação entre o bem desejado e a comunidade que o deseja – mediante a expressão do interesse público – a relação que se instala entre o bem comum e a coletividade, na medida da capacidade de satisfação que o bem comum pode possuir, considerada a necessidade da coletividade. Embora de complexa definição, as noções de bem comum e interesse público, dentro de uma sociedade organizada, emergem quase que instintivamente, sendo impossível dissociá-las da compreensão de conceitos como finalidade, bondade, solidariedade, participação, coletividade e ordem. Pois bem. Já fora visto aqui que a mens legis do dispositivo constitucional em comento visa coibir, em última análise, a ausência de custeio da seguridade social por aqueles a quem a lei endereça referido ônus. Por outro lado, vimos também em que constitui a seguridade social e seu papel desempenhado junto ao corpo social. É inegável que ambos normativos – lato sensu – se revestem de relevante cunho social e a análise de seu enfrentamento deve ocorrer com a cautela devida, de maneira a ter no contexto apresentado – bem assim na consecução do bem comum, por meio do interesse público – as vertentes norteadoras da melhor solução construída. Nesse cenário delineado, não se pode olvidar que necessário será recorrer-se ao critério da valoração e preponderância de interesses públicos, 23


e de outro modo não se poderá concluir que é perfeitamente possível a celebração de convênios com entes municipais que não conseguirem comprovar sua regularidade junto à Previdência Social, máxime, quando considerada a meta maior de se viabilizar a prestação do serviço postal nas localidades abrangidas por Agências de Correios Comunitárias. É imperioso ter em mente que princípios constitucionais como da eficiência, finalidade e continuidade da prestação dos serviços públicos devem preponderar – como a realização de um bem comum maior – sobre o ordenamento infraconstitucional ou sobre normas constitucionais de menor alcance e benefício social, o que claramente pode ser enxergado na hipótese concreta ora enfrentada. Não é outro, aliás, os ensinamentos de Hugo de Brito Machado17 acerca do tema, para quem Não se venha, porém, argumentar com o interesse público para justificar a exigência de certidões negativas quando tal exigência conflitar com a Constituição, porque o respeito a esta constitui interesse público o mais relevante. (...) Mesmo que não se vislumbre na exigência da quitação, em certos casos, conflito com a Constituição já que a própria constituição Federal estabelece que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. (art. 195, §3º), forçoso é admitir-se que o interesse público na arrecadação de tributos nem sempre justifica aquela exigência.

7. Conclusão Como visto, é inegável a relevante função social desempenhado pelas Agências de Correios Comunitárias em pequenas localidades, muitas vezes esquecidas no imenso território brasileiro. É cediço que em comunidades com as características ora descritas, a presença do Estado se dá unicamente pela instalação de uma AC – Agência de Correios. Prestando serviço público postal básico, representam a ponte de integração entre esses pequenos vilarejos e povoados ao restante do País. Contudo, conforme visto alhures, não bastasse esse fator importante de integração nacional – precisas palavras proferidas pelo Ministro Joaquim Barbosa e citadas no inicio desse texto – adiciona-lhe importância ainda 17

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MACHADO, 2002.


maior a prestação de serviços como recebimento de contas, recolhimento de taxas e impostos e recebimento de inscrições. É nesse cenário delineado que exercerá os Correios verdadeiro papel de autoridade estatal. Assim, emerge a premente necessidade de viabilizar a celebração de convênios administrativos com os respectivos entes municipais, ainda que não consigam demonstrar sua regularidade fiscal junto à Previdência Social, numa exegese hermenêutica que, valendo-se da preponderância de interesses públicos, busque realizá-lo por meio do maior bem comum alcançado. 8. Referências ALMEIDA, Dayse Coelho de. Considerações críticas acerca da responsabilidade na terceirização trabalhista. Revista Fórum Trabalhista. RFT, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, set./out. 2012. Disponível em: <http:// www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=80815>. Acesso em: 31/1/2013 BRASIL. Advocacia-Geral da União. Orientação Normativa AGU nº 23: Fundamentação da redação atual. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.agu.gov.br>. Acesso em: 12/6/2014. CASSAR, Vólia Bomfim. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed., Niterói: Impetus, 2011. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª Ed., São Paulo: Ltr, 2011. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos. 5ª Ed., São Paulo: Dialética, 1998. MACHADO, Hugo de Brito. A exigência de certidões negativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: <http://jus. com.br/artigos/2559>. Acesso em: 12/6/014. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 31ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2005. MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. 2ª Ed. São Paulo: LTR, 1992. RICCI, Cavalheiro Henrique. Função Social da Empresa é valor e não norma jurídica. Conjur. Disponível em http://www.conjur.com.br. Acesso em 12/6/2014.

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A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS CORREIOS SOBRE SERVIÇOS POSTAIS NÃO EXCLUSIVOS CLEUCIO SANTOS NUNES Doutorando em Direito pela UnB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos. Professor Universitário. Vice-Presidente Jurídico dos Correios. Advogado. RESUMO O presente artigo expõe de forma sintetizada os principais argumentos articulados pela Vice-Presidência Jurídica dos Correios sobre a defesa da imunidade tributária recíproca do ISS nas prestações de serviços realizadas pela empresa. Dos vários argumentos articulados um foi decisivo para convencer os Ministros do Supremo Tribunal Federal a manter o direito à imunidade tributária recíproca em favor dos Correios. Trata-se da tese do subsídio cruzado das tarifas e preços cobrados pelos Correios. Para o Supremo Tribunal Federal, os Correios são imunes ao ISS, ainda que os serviços prestados sejam também oferecidos em regime concorrencial. Palavras-chave: Imunidade recíproca. ISS. Subsidio cruzado.

ABSTRACT This article presents a synthesized form the main arguments articulated by the Legal Vice Presidency of Posts on the defense of reciprocal tax exemption of the ISS in the supply of services performed by the company. Of the various arguments articulated one was decisive to convince the Justices of the Supreme Court to keep the right to reciprocal tax exemption in favor of Posts. This is the thesis of cross-subsidization of tariffs and prices charged by the post office. To the Supreme Court, the Post Office are immune to the ISS, although the services provided are also offered on a competitive basis. Keywords: Reciprocal immunity. ISS. Cross subsidy.

Sumário: 1. Introdução 2. Recentes precedentes sobre a imunidade tributária da ECT 3. Serviço postal como serviço público 4. A utilização da rede dos Correios pelas empresas do setor privado 5. Opinião de juristas sobre a imunidade tributária da ECT 6. A contrapartida da União à imunidade 26


tributária das empresas estatais federais prestadoras de serviço público 7. Da inexistência de vantagem competitiva à ECT no mercado de encomendas 8. Subsídios cruzados de tarifas para manutenção dos serviços postais 9. Ausência de isonomia entre a ECT e as empresas do setor privado 10. Tributação indireta de receitas da União 11. Natureza jurídica da ECT e a execução de dívida por precatório 12. Não incidência de tributos sobre o Banco Postal 13.Conclusão 1. Introdução O Supremo Tribunal Federal julgou em fevereiro de 2013 o RE no 601.392/PR interposto pela ECT contra o Município de Curitiba – PR. O objeto do Recurso era reformar decisão do TRF da 4ª Região que entendeu ser devido pela ECT o Imposto sobre a Prestação de Serviços – ISS. A interpretação da municipalidade era equivocada, conforme as alegações da ECT articuladas ao longo do processo. De acordo com a decisão recorrida, porém, a imunidade recíproca só se aplicaria aos serviços postais exclusivos, incluídos no rol do artigo 9º da Lei no 6.538/1978. Os demais serviços constantes do artigo 7º, por não serem exclusivos da ECT poderiam ser tributados pelo ISS. O caso dos autos dizia respeito à incidência de ISS sobre cobrança e recebimentos por conta de terceiros, prevista no item 95 da Lista de Serviços anexa ao DL 406/1968, com redação dada pela LC 87/1987. Até o momento do julgamento, haviam votado pelo reconhecimento da imunidade tributária os Ministros Celso de Mello, Ayres Brito e Gilmar Mendes. Votaram a favor da exigência do tributo os Ministros: Joaquim Barbosa (Relator), Dias Toffolli, Luiz Fux, Carmem Lúcia, Ricardo Lewandovski, Marco Aurélio e Cezar Peluso. Em razão de novo pedido de vista do Ministro Dias Tóffoli, o julgamento não foi encerrado. Ressalte-se que a Ministra Rosa Weber não participara das duas sessões de julgamento anteriores. Neste artigo reproduzo os principais pontos articulados nos três memoriais da ECT entregues aos Ministros da Suprema Corte durante o julgamento do Recurso Extraordinário. 2. Recentes precedentes sobre a imunidade tributária da ECT Desde 2000 o Supremo Tribunal Federal vinha consolidando o entendimento de que o artigo 12 do Decreto-lei no 509/1969 tinha sido 27


recepcionado pela Constituição de 1988 para garantir, dentre outras prerrogativas asseguradas à Fazenda Pública, o direito à ECT de imunidade ao pagamento de impostos.1 Em 22.12.2011, portanto posteriormente ao início do julgamento do RE no 601.392, a Suprema Corte havia dado provimento ao RE nº 285.235, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, reafirmando a imunidade tributária de ISS em favor da ECT. O mesmo ocorreu quando do julgamento da Ação Cível Originária nº 819/SE, julgada em 17.11.2011. Nessa oportunidade consignou-se outra vez que a ECT tem direito à imunidade recíproca de impostos, ainda que o serviço postal prestado esteja na categoria de atividade econômica privada. A contrariedade de entendimentos em curto lapso temporal demonstrava que a corte não estava segura sobre o entendimento que vinha prevalecendo no RE no 601.392, isto é, a perda da imunidade tributária de ISS sobre a receita de serviços não exclusivos. O ponto nodal da questão situava-se na linha do introito feito neste ensaio: a ECT, mesmo nos casos em que executa serviços não exclusivos (concorrenciais), quando o faz diretamente, presta serviços públicos e não atividade econômica. 3. Serviço postal como serviço público O artigo 21, X, da Constituição Federal estabelece competir à União “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. A ECT é empresa pública instituída pela União para a mantença de tal serviço. Assim, quando realiza quaisquer dos serviços postais, sejam estes exclusivos ou não exclusivos, a atuação da ECT dá-se em cumprimento de dever constitucional. Ressalte-se que a Constituição Federal, diferentemente dos demais serviços públicos constantes do rol do artigo 21, não facultou à União a delegação dos serviços postais. A mensagem do texto constitucional é prescritiva: compete à União manter o serviço postal. Isso significa que a ECT não pode se eximir de prestar os serviços definidos na Lei 6.538/1978 quaisquer que sejam eles. A possibilidade de empresas privadas explorarem serviços que podem igualmente ser prestados pelos Correios não exonera a estatal da União de manter todos os serviços postais previstos na lei mencionada. E assim é para que a sociedade possa ser atendida no direito constitucional de usufruir dos serviços postais. RE 225.011/MG; RE 407.099/RS; RE 230.051/SP; RE 443.648/RS; AI 748076/MG; AI 718.646; ACO 819/SE; ACO 789/PI; ACO 765/RJ; ACO 803/SP; ACO 959/RN; ACO 811/DF.

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Conclui-se logicamente que, quando os serviços postais forem executados por empresa particular, a natureza da atividade só poderá ser atividade econômica, eis que o serviço público postal não é objeto de delegação, por ausência de previsão constitucional. Por outro lado, quando os serviços postais são desempenhados pela ECT permanece a característica central de serviço público mantido pela União. 4. A utilização da rede dos Correios pelas empresas do setor privado Para reforçar os argumentos anteriores em torno da imunidade tributária da ECT, ressaltou-se a prática corriqueira do mercado de encomendas, de utilização da rede de recebimento e de entrega da ECT por empresas privadas. Isso ocorre porque as empresas do setor privado, embora possam prestar serviço de entrega de encomendas (serviço postal não exclusivo), somente tem interesse em prestá-lo quando o serviço for rentável. Assim, ninguém duvida ser atraente para as empresas privadas prestar serviço de entrega de encomendas entre os grandes centros urbanos ou econômicos. Tratando-se de regiões longínquas, carentes ou rurais, as empresas do setor privado normalmente utilizam a rede de atendimento e logística de entrega da ECT. Empresas privadas concorrentes contratam a ECT para postar suas entregas às regiões não rentáveis, em que os custos da coleta e remessa da encomenda não compensam financeiramente, por se tratar de locais pobres, violentos, muito distantes ou de difíceis condições operacionais. Vê-se, portanto, que sobre os serviços postais da ECT não pode incidir tributos, especialmente quanto se verifica que, sob o ponto de vista legal e econômico, as empresas não atuam em pé de igualdade. Quanto ao aspecto legal, diferentemente das empresas privadas, a ECT não pode se recusar a firmar contratos, ainda que o contratante seja uma empresa concorrente, pois a Lei Postal (Lei nº 6.538/1978) estabelece que o serviço postal prestado pela ECT é obrigatório. Dito de outro modo, nas regiões não rentáveis, as empresas privadas utilizam a rede da ECT exatamente porque a relação custo- benefício não compensa. Para a ECT, no entanto, não é dado o direito de recusar uma carta ou carga para qualquer região do país ou do mundo. Com relação às características econômicas, a ECT suporta custos operacionais elevados para entregar objetos postais em localidades que não interessam às empresas privadas. Vê-se, portanto, que as empresas do setor privado auferem somente vantagens com a prestação de seus serviços, Os prejuízos são transferidos para a empresa estatal. Está nítido que se trata de empresas que atuam em setores distintos, 29


razão pela qual o regime tributário não pode ser o mesmo. É lícito à ECT defender o direito à imunidade tributária de ISS ou de outros impostos, ainda que os serviços prestados sejam considerados não exclusivos, pois não há que se dar o mesmo tratamento tributário entre desiguais. Não é demais lembrar que a imunidade tributária subsidia financeiramente operações deficitárias que a ECT é obrigada a prestar. 5. Opinião de juristas sobre a imunidade tributária da ECT A Vice-Presidência Jurídica da ECT realizou, em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União, nos dias 4 e 5 de dezembro de 2012, em Belo Horizonte - MG, o 1° Encontro de Direito Tributário dos Correios, evento que contou com a participação de grandes nomes do Direito Tributário Brasileiro, de representantes do Ministério das Comunicações, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Vice-Presidência Financeira, Diretoria Regional de Minas Gerais e SERPRO, Banco do Brasil, Caixa Econômica, além de cerca 200 profissionais da área jurídica. De acordo com as conclusões do evento ficou pacificado que a ECT tem direito à imunidade tributária, mesmo quando os serviços que vierem a ser prestados forem considerados não exclusivos. Assim, a ADPF nº 46 não teve o condão de alterar a jurisprudência do STF sobre o tema. Considerando a importância do evento para a conclusão do julgamento, juntaram-se cópias da filmagem do seminário. A seguir, destacam-se excertos do material anexado ao processo, ratificando o entendimento de que a imunidade tributária deve prevalecer por diversos fundamentos: “[...] nesse sentido, todas as vezes onde houver a presença dos Correios, pessoa de direito público prestando aqueles serviços, a imunidade aí tem de prevalecer. Não há forma de afastar no texto, a não ser por uma reforma constitucional, e digo mais, uma reforma no sentido, deixa eu precisar bem, de poder revolucionário, uma nova Constituição, porque sequer emenda à Constituição pode alterar o quadro federativo. E a imunidade é parte desse quadro federativo, a garantia do federalismo também. Então, a imunidade tributária do artigo 150, inciso VI, alínea “a”, é incontornável, porque ela é subjetiva, ela alcança a pessoa, as pessoas de direito público interno e a administração indireta, desde que essas realizem as prestações dos serviços na finalidade essencial. Não é o professor Heleno Torres quem quer. É a Constituição. Não é o Supremo Tribunal Federal que simplesmente dita. Ele diz o que a Constituição diz, ele transfere para a sociedade, expandindo

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maior ou menor expansão semântica àquilo que a Constituição prescreve. Os Correios têm imunidade tributária.” Heleno Taveira Torres, em 4.12.2012. “Os Correios contrariamente às empresas particulares, não têm liberdade para a definição das suas tarifas, nem mesmo nessas situações extremas, tarifas que, ademais, entre vários outros princípios, são orientadas pela modicidade. Os Correios, exatamente para fazerem face a esse dever, sem exceção, incontrastável de prestação dos serviços, estão presentes em todos os municípios brasileiros, contando, segundo levantei à época, com mais de 100.000 empregados. E por fim, não gozam da flexibilidade própria do setor privado, sujeitando-se a regime de licitações, contratação por concurso público, como sabem os senhores muito bem, e submetido a controle dos órgãos competentes, como Ministério das Comunicações, Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e só quem se sujeita a isso sabe a complicação que é, a dificuldade que é. Nada disso vale para as empresas privadas. Portanto é mesmo de se perguntar se existe verdadeira concorrência em condições de igualdade, ou melhor, se a imunidade é que quebraria essa condição de igualdade anteriormente existente. Ora, essa condição de igualdade já não preexistia, e talvez a imunidade venha exatamente para permiti-la, porque a situação das empresas privadas, no mais, fora a questão fiscal, é naturalmente muito mais favorável”. Igor Mauler Santiago, em 4.12.2012. “A atividade tem que ser entendida como um todo, até porque a imunidade, nesse caso, não é dirigida, como se citou aqui, com relação à Santa Casa. A Santa Casa tem imunidade em função das suas atividades de natureza assistencial. Há uma diferença entre aquelas entidades que têm, digamos assim, natureza assistencial; daquela imunidade que é direcionada ao próprio ente. Nesse caso a imunidade é recíproca com relação ao ente e não com relação à sua atividade. Não pode se estabelecer com relação à ECT uma imunidade sobre a sua atividade separando de atividades essenciais e não essenciais. Todas as atividades desenvolvidas pela ECT formarão um bloco relativamente aos serviços postais”. Carlos Valder Nascimento, em 4.12.2012. “A própria atividade que teria que gerar recursos [atividade postal] e se em algum caso ela é deficitária, ela tem que ser eficiente, o que é outro princípio constitucional. Assim, há que se descobrirem meios de se financiar a atividade para bancar o 31


déficit e não levar isso para toda sociedade. Porque se os Correios não conseguirem prestar os serviços quem vai bancar é a União com o dinheiro dos impostos de todo cidadão. No caso dos Correios está-se buscando outras atividades que tragam recursos para atender ao princípio da eficiência que está no artigo 37 da Constituição, no sentido de buscar recursos para manter o seu equilíbrio de contas”. Mary Elbe Queiroz, em 5.12.2012. O que é serviço postal? É o serviço que oferece a possibilidade de que todos se comuniquem por escrito ou por qualquer suporte material em um determinado território, num sentido bem amplo. Qual é a razão de ser de um monopólio postal, como existe no Brasil? É justamente para que exista a capacidade de oferecer à totalidade dos cidadãos, qualquer que seja a sua situação geográfica no país, de um serviço de comunicação essencial no plano das relações sociais por meio de tarifas razoáveis e acessíveis”. Gilberto Bercovici, em 5.12.1012. “Não sei se todos sabem, mas as próprias empresas que hoje concorrem no setor privado com os Correios utilizam a rede dos Correios para poder atender os seus clientes. Não é possível, pois, reduzir a discussão da imunidade a uma simples abordagem de atividade econômica ou de serviço público. Além disso, os Correios tem o papel relevantíssimo de unir o Brasil e de permitir que as pessoas possam ser atendidas nesse seu direito – fundamental – de comunicação por meio de um serviço eficiente e mais barato. Um serviço que não dependa das oscilações do mercado econômico. Isso porque, hoje uma empresa presta serviços que hoje concorrem com os Correios, mas amanhã essa atividade pode não ser mais interessante e as pessoas ficarão desassistidas. Por isso que, a meu ver, os Correios nunca poderão deixar de atender a sociedade. A atividade dos Correios não deve ser limitada a um momento temporal. Parece-me que a discussão estaria mais bem situada no sentido de que os Correios não podem se igualar ao regime de uma empresa privada, mesmo quando prestam serviços que são considerados não exclusivos”. Cleucio Santos Nunes, em 5.12.2012.

6. A contrapartida da União à imunidade tributária das empresas estatais federais prestadoras de serviço público É possível extrair da interpretação sistemática da Constituição Federal mecanismo de compensação à imunidade tributária recíproca extensível às empresas estatais federais prestadoras de serviço público. 32


Para o desenvolvimento deste ponto é necessário se fixar a premissa de que a ECT presta serviço público, conforme entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 46 e nos julgados a seguir: RE 225.011/MG; RE 407.099/RS; RE 230.051/SP; RE 443.648/RS; RE 285.235; AI 748076/MG; AI 718.646; ACO 819/SE; ACO 789/PI; ACO 765/RJ; ACO 803/SP; ACO 959/RN; ACO 811/DF; ACO 819/SE. No caso da ECT demonstrou-se que de 2006 a 2011 a empresa deixou de recolher de ISS em todo território nacional aproximadamente R$ 53.014.000,00 (cinquenta e três milhões de reais). Conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional – STN, apenas no ano de 2011 foram repassados pela União ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM, R$ 53.097.363.071 (cinquenta e três bilhões de reais). Apesar da diferença discrepante entre os valores, uma vez que a União repassou ao FPM em apenas um ano, aproximadamente, mil vezes mais o valor que a ECT deixou de recolher de ISS em cinco anos, vê-se claramente que a Constituição estabeleceu critério justo de compensar os entes federados por eventuais impedimentos de arrecadar tributos de entidades da União. Observe-se que se adotou como parâmetro somente os repasses ao FPM. É importante lembrar, porém, que a União repassa aos Municípios receitas decorrentes do IPI-EE, FUNDEB e CIDE-Combustíveis. Somem-se também as transferências voluntárias e recursos de emendas parlamentares. Esses argumentos servem para ilustrar que não há que se falar em perda de arrecadação por parte dos Municípios com a imunidade da ECT e de outras estatais federais, simplesmente porque os entes municipais são compensados com os repasses federais. A lógica do federalismo fiscal impõe maior poder de arrecadação ao ente central a fim de que este distribua sua arrecadação com os demais entes da federação. Não faz sentido se tributar serviço público prestado pelas empresas públicas federais, pois isso resultará inevitavelmente em desequilíbrios no pacto federativo, pois se por um lado a empresa pública tiver que pagar impostos pelos serviços públicos desenvolvidos, por outro teria que existir mecanismo de compensação que diminuísse os repasses federais aos municípios. 7. Da inexistência de vantagem competitiva à ECT no mercado de encomendas Apresentou-se também o argumento de que era evidente os Correios não prejudicavam e nem levavam vantagem econômica pelo fato de atuarem no mercado de encomendas. A atuação da ECT no mercado concorrencial concentra-se 33


basicamente em três segmentos: (i) encomendas, (ii) logística e (iii) marketing direto. Estes três segmentos são responsáveis por 90% da receita de serviços concorrências auferida pelos Correios. Com base em dados pesquisados pelo Centro de Pesquisas em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - CEPAUFRGS/2004, pela Associação Brasileira de Marketing Direto - ABEMD/2011 e pelo Instituto de Logística e Supply Chain, a ECT não pratica os menores preços nesses segmentos de serviços. Ao contrário, os preços dos Correios na maioria das comparações estão posicionados acima dos preços da concorrência. Outro dado relevante é que 60% do mercado de marketing direto e de encomendas pertencem às empresas do setor privado. Estes dois indicadores (participação no mercado em torno de 30% e preços maiores que os concorrentes) demonstram sem nenhuma dúvida que os Correios não levam nenhuma vantagem econômica sobre as empresas privadas do setor. 8. Subsídios cruzados de tarifas para manutenção dos serviços postais O serviço postal é dever constitucional da União. Exatamente por esse mandamento constitucional não cabe a ECT optar por não prestar os serviços postais, ainda que estes sejam não vantajosos economicamente. Tal característica não deriva exatamente de opções do mercado, como pode ocorrer no caso das empresas privadas, mas de imposição legal (Lei no6.538/1979, art. 3º e 4º). Art. 3º. A empresa exploradora é obrigada a assegurar a continuidade dos serviços, observados os índices de confiabilidade, qualidade, eficiência e outros requisitos fixados pelo Ministério das Comunicações. Art. 4º. É reconhecido a todos o direito de haver a prestação do serviço postal e do serviço de telegrama, observadas as disposições legais e regulamentares.

É notório que na atualidade o envio de correspondências não é mais usual como fora há alguns anos. Mas é sabido por todos que parte da sociedade brasileira, sem acesso às tecnologias modernas de comunicação, tem na carta escrita o principal meio de se comunicar à distância. Uma única carta que seja postada em qualquer lugar do país receberá o mesmo tratamento que recebe uma carga de elevadas dimensões, peso e valor. Assim é porque os serviços postais prestados pelos Correios não constituem 34


atividade econômica, mas serviço público para a efetividade do direito fundamental à comunicação. O setor privado não está obrigado a prestar serviços postais às regiões menos favorecidas, podendo recusar a remessa de uma carta ou de uma encomenda por não lhe parecer rentável. Isso é explicável pelo fato de que tais empresas desempenham atividade econômica e não exatamente serviço público. Apenas o objeto das atividades, em alguns casos é igual tanto para a ECT quanto para a empresa privada. O regime jurídico de um serviço não pode depender do objeto da contratação, mas da pessoa que o executa. Por conseguinte, uma encomenda entregue por empresa privada é atividade econômica em razão do prestador do serviço e não pela coisa entregue. Essa mesma lógica explica que a coisa entregue pelos Correios é serviço público, pois o regime de sua atuação está sujeito às regras de direito público e ao dever constitucional de manter o serviço postal em contínua atividade. Para garantir a prestação de serviços deficitários em relação aos quais a ECT não pode se eximir de sua execução, a receita auferida de outros serviços não poderá ser impactada, pois exigirá o repasse do custo para as tarifas. Embora possa parecer que incidindo ISS sobre os serviços de“cobrança e recebimentos por conta de terceiros” o custo da tributação poderia ser repassado para o consumidor direto, o aumento do preço de tais serviços restringe o acesso dos usuários. Além disso, igualaria o serviço público à atividade econômica, simplesmente porque os preços da ECT teriam que ser os mesmos praticados no setor privado, não existindo vantagem ao consumidor entre optar pelos serviços dos Correios ou de empresa privada. Dito de outro modo, igualar a ECT às empresas do setor privado significa confundir serviço público com atividade econômica e, além disso, forjar a elevação de tarifas em cadeia, perdendo o consumidor opção mais barata de obter os mesmos serviços. Ressalte-se também que a não incidência de ISS sobre os serviços dos Correios subsidia os outros serviços menos demandados, mas que não podem deixar de ser prestados, como é o caso da carta e da encomenda remetidas para regiões pouco atrativas economicamente. Trata-se, portanto, de um equívoco supor que atividades consideradas pela ADPF como não exclusivas de correios, sejam atividades econômicas, se tais são prestadas para manter o serviço postal. O vocábulo manter merece interpretação conforme, para indicar que os serviços prestados pelos Correios, definidos como serviços postais, ainda que não exclusivos, são prestados para subsidiar os serviços postais exclusivos, o que atenua os prejuízos da execução destes últimos. 35


9. Ausência de isonomia entre a ECT e as empresas do setor privado Os Correios são empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, criada pelo Decreto-Lei no 509/1969. De acordo com a jurisprudência dominante da Corte Constitucional, os Correios, em razão do tipo de serviço público que presta está imune à incidência de impostos. O reconhecimento da imunidade tributária aos Correios demonstra que a igualdade de tratamento tributário entre empresas do direito privado e empresas públicas a que se refere o artigo 173, § 1º, II da Constituição Federal, subsistirá somente nos casos em que a estatal explorar atividade econômica e não serviço público. Esse entendimento consolidado é o único possível para harmonizar o disposto nos artigos 21, X, que atribui a manutenção do serviço postal à União com o dispositivo mencionado (CF, art. 173, § 1º, II). Por não desempenhar atividade econômica em quaisquer de suas atividades exatamente porque tem a obrigação constitucional de manter o serviço postal, conclui-se que todas as atividades desempenhadas pelos Correios para obtenção de receita são serviços públicos. O artigo 173, § 1º, II da Constituição se aplica aos casos em que a empresa estatal é instituída para explorar atividade econômica. Não é, obviamente, o caso dos Correios, empresa instituída por imposição constitucional para manter o serviço postal. 10. Tributação indireta de receitas da União A prevalecer o entendimento de que a ECT pode ter serviços tributados, corre-se o risco de fazer incidir imposto sobre receitas correntes da União. Como se sabe, a ECT gera receitas correntes à União, auferidas na forma do artigo 11 da Lei 4.320/1964. Tais receitas advêm da prestação dos serviços postais. A consequência direta da incidência de ISS sobre as receitas de prestação de serviços da empresa é a tributação de receitas correntes de outro ente federado. O efeito prático da exigência de ISS sobre os serviços prestados pela ECT é a tributação sobre a renda de empresa estatal, em manifesta usurpação de competência por parte do Município. A ECT gera receitas correntes industriais que são pagas como dividendos à sua acionista única que é a União. Embora possua autonomia financeira para cobrar tarifas de seus usuários, isso se justifica tão somente para permitir que os Correios executem suas despesas correntes e de capital. Mas de forma alguma a ECT pode ser nivelada às empresas do setor privado em que as receitas auferidas são distribuídas na forma de lucro 36


aos acionistas privados. Os superávits gerados pela ECT se tornam receita pública, sobre a qual é inviável a incidência de impostos (CF, art. 150, VI, “a”). 11. Natureza jurídica da ECT e a execução de dívida por precatório Ponto que não pode ficar despercebido é a orientação jurisprudencial de que a ECT está sujeita às regras dos precatórios em razão do tipo de serviço público prestado. Isso leva ao entendimento de que os bens da ECT são impenhoráveis devendo as sentenças judiciárias proferidas contra os Correios serem executadas por meio de precatórios. Tentar igualar os Correios às empresas do setor privado obrigará a revisão do regime de execução da empresa, pois, na parte que não configurar serviço exclusivo teria que ser executada como as empresas do regime comum e na parte exclusiva da prestação de serviço, a execução se daria por precatório. Tal tese é insustentável. Em verdade a execução da ECT se dá por precatórios, pois os serviços prestados pela empresa são públicos e essenciais, não podendo ter solução de continuidade pela indisponibilidade judicial de seus bens. 12. Não incidência de tributos sobre o Banco Postal Nas duas sessões de julgamento do RE 601.392 suscitou-se o Banco Postal como exemplo de atividade não exclusiva de Correios e que justificaria a incidência de ISS, por se tratar de serviços bancários. É necessário esclarecer que a ECT não presta serviços bancários como atividade inerente a suas finalidades. A ECT possui atualmente contrato com instituição financeira, na modalidade de Correspondente dessa instituição. Assim, essa instituição financeira utiliza a alta capilaridade de Agências dos Correios para prestar os serviços bancários que lhe são próprios. Dito de outro modo, a ECT somente representa a instituição parceira perante os clientes do Banco. A atividade de Correspondente é regulada atualmente pela Resolução no 3.954/2011. Em resumo, a atividade de Correspondente se resume a receber solicitações de abertura de contas, recebimentos de depósitos, fornecimento de saldos, transferência de valores, realização de pagamentos, enfim, serviços bancários gerais. A função dos Correios, no entanto, se limita a receber os pedidos e, por meio de sua rede eletrônica, comunicar-se com a rede do Banco parceiro. Conectadas as redes, cabe à instituição financeira prestar os serviços bancários aos seus correntistas. As tarifas pelos serviços prestados são debitadas das contas dos clientes pelo 37


Banco. Os Correios não prestam serviços bancários, somente representam o Banco parceiro perante os clientes do Banco. Saliente-se que o Banco Postal possui inegável caráter social, pois o perfil econômico dos seus correntistas é de pessoas de baixa renda, conforme os seguintes dados: a) até 1 salário mínimo = 36,6%; b) de 1 a 3 salários mínimos = 46,2%; c) acima de 3 salários mínimos = 17,2%. Na prática, o Banco Postal está instalado onde não existe interesse dos demais Bancos abrir agências. Como exemplo, o Banco Postal realiza pagamentos de pensões e de aposentadorias em pequenos vilarejos em que não existe uma agência bancária sequer. 13. Conclusão Os argumentos acima foram adaptados para o presente artigo a partir dos memoriais apresentados aos Ministros do Supremo Tribunal. Diante de tais alegações, a Corte se convenceu de que a ECT possuía razão no que alegava foi dado provimento ao recurso por 6 votos a 5, sendo que os Ministros Dias Toffolli e Ricardo Lewandowski, que haviam votado contra a imunidade em sessão anterior mudaram o entendimento e acompanharam a divergência aberta pelo Ministro Gilmar Mendes. O julgamento da imunidade tributária do ISS referente aos Correios foi julgamento que mereceu destaque, pois além de proporcionar economia de R$ 15 bilhões de reais à ECT entrou para a história dos Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, pois permitiu à Corte dar a interpretação adequada à norma constitucional que prevê equiparação de regime de tributário entre empresas estatais e sociedades empresárias privadas que atuam no mesmo setor. Para o Supremo Tribunal Federal não há competição ilegal entre os Correios e outras empresas do ramo, especialmente porque, para manter o serviço monopolizado garantido pela Constituição, a empresa é obrigada a prospectar novos negócios rentáveis, inclusive no setor privados. No dia 28.2.2013 o Supremo Tribunal Federal decidiu no RE 601.392 que os Correios são imunes ao pagamento do Imposto sobre a Prestação de Serviços – ISS, de competência dos Municípios e do Distrito Federal. A decisão teve repercussão geral reconhecida, o que na prática significa que vale para todos os casos pendentes de julgamento da ECT. Entendeu o STF que os CORREIOS não devem pagar ISS sobre qualquer modalidade de serviço prestado, inclusive os serviços considerados não exclusivos, também conhecidos como serviços “concorrenciais”. Para legitimar esse argumento, o Supremo Tribunal Federal, dentre outros pontos levantados pela ECT no Recurso Extraordinário, consignou ser válida 38


a prática de subsídio cruzado, atualmente utilizada pelos Correios. Isso significa que a empresa poderá subsidiar a atividade de monopólio, como é o caso da entrega de cartas e de demais correspondências, com receitas arrecadadas de atividades também realizadas pelas empresas privadas. Impressionou os Ministros da Suprema Corte o fato de as empresas privadas utilizarem a rede logística dos Correios para fazer entregas em localidades distantes e violentas e que geralmente não geram resultado positivo. Para o Supremo Tribunal Federal o uso da rede dos Correios nesses casos demonstra que não é possível equiparar a estatal às empresas privadas, não havendo a suposta concorrência desleal. O resultado desse julgamento gerou uma economia direta de R$ 681 (milhões) de passivos de ISS e um total geral de R$ 15 bilhões, incluindose nessa conta débitos de ICMS e de PIS/COFINS, tributos sobre os quais repercutiria a perda da imunidade tributária. No caso do ICMS, em novembro de 2014 o Supremo Tribunal Federal definiu que os Correios são igualmente imunes à incidência desse imposto sobre prestação de serviços de transporte de encomendas. Se os Correios não seguissem imunes ao ISS, possivelmente esse resultado se aplicaria ao ICMS. Quanto ao PIS/COFINS, se os serviços prestados pela ECT tivessem que ser tributados pelo ISS, os Correios perderiam benefício concedido pela legislação de PIS/COFINS, tendo que pagar tais tributos sob uma alíquota mais elevada. Por conseguinte, o recolhimento dessas contribuições seria o mesmo das empresas privadas sujeitas ao regime da não-cumulatividade. Antes da última sessão de julgamento, o placar era muito desfavorável à ECT, contabilizando 7 (sete) votos contrários e 3 (três) a favor. Às vésperas do julgamento foram distribuídos pela Vice-Presidência Jurídica da ECT memoriais, acompanhados de documentos e de vídeos. O audiovisual registrou encontro de juristas que aceitaram debater gratuitamente o caso da imunidade tributaria dos Correios em dezembro de 2012. O material impressionou dois Ministros que modificaram o voto proferido nas sessões anteriores para acompanhar a tese da imunidade tributária. Uma Ministra, que não havia votado, também se convenceu de que a ECT não deveria recolher ISS, apoiando-se nos argumentos acima resumidos. Finalmente, por 6 (seis) votos a 5 (cinco) foi proclamado o resultado, mantendo a jurisprudência da Corte para assegurar o direito à imunidade tributária do ISS para os Correios.

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IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE I. DIRK COSTA DE MATTOS JUNIOR Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Processual Latu Sensu pela Universidade da Amazônia (UNAMA), em parceria com o Instituto Educar. Advogado. MONIQUE DE CASTRO RABELO Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera (UNIDERP). Advogada. RESUMO O presente estudo visa examinar o instituto da imunidade tributária recíproca e a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) sobre os serviços de telegrama, carta via internet, SEDEX, encomendas, logística integrada e armazéns, ambos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, analisando-se os aspectos relativos ao caráter público e essencial de tais serviços. Nesta primeira parte, analisaremos os requisitos constitucionais da imunidade tributária recíproca e como eles devem ser abordados no estudo da incidência do ICMS. Na segunda parte, trataremos de incidência deste tributo nos serviços específicos que figuram como objeto deste estudo. Palavras-chave: imunidade tributária recíproca, essencialidade, serviço público.

ABSTRACT This study aims to examine the institution of reciprocal tax immunity and the Tax on Circulation of Goods and Services (ICMS) on services of cable, internet letter, first class mail, parcels, integrated logistics and warehouses, both provided by the Brazilian Post and Telegraph - ECT, analyzing the aspects of public and essential character of such services. In this first part, we analyze the constitutional requirements of reciprocal tax immunity and how they should be addressed in the study of ICMS. The second part will deal with the impact of this tax on the specific services listed as study object. Keywords: reciprocal tax immunity, essentiality, public service. 40


Sumário: 1. Introdução 2. A problematização do tema 3. O tema na jurisprudência do STF - o reconhecimento da imunidade tributária recíproca de ICMS sobre os serviços de transporte de encomendas - Recurso Extraordinário nº 627.051/PE 4. Breves considerações sobre a imunidade tributária recíproca extensível à ECT 5. A essencialidade dos serviços postais em seus aspectos econômicos, sociais e jurídicos 5.1. Aspectos econômicos e sociais 5.2. Aspectos jurídicos 6. A imunidade tributária recíproca e os direitos fundamentais 7. Considerações finais 8. Referências 1. Introdução O tema proposto neste estudo abrange a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) sobre os serviços de telegrama, carta via internet, SEDEX, encomendas, logística integrada e armazéns, ambos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, analisando-se os aspectos relativos ao caráter essencial de tais serviços. A questão voltou a ser objeto de profícuas discussões doutrinárias e jurisprudenciais a partir da decisão proferida nos autos do RE 627.051, através da qual o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral em recurso extraordinário interposto pela ECT contra acórdão oriundo do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que manteve decisão judicial reconhecendo a constitucionalidade da incidência de ICMS sobre o serviço de encomendas. Nesta primeira parte, discorreremos sobre os aspectos principais relacionados à essencialidade de todos os serviços prestados pela ECT, abordando-os sob o prisma dos requisitos constitucionais elencados no art. 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Na segunda parte, abordaremos a incidência do ICMS sobre os serviços específicos que figuram como objeto deste estudo. 2. A problematização do tema Conforme prevê o art. 21, X da CRFB, compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. Os serviços postais, por sua vez, foram regulamentados pela Lei nº 6.538/78 (lei postal), na qual foram definidas as regras gerais e estruturais de sua prestação. Ainda no plano infraconstitucional (Dec. Lei nº 509/69), os serviços postais ficaram a cargo da ECT (art. 1º), empresa pública federal responsável 41


por prestá-los em regime de exclusividade em todo o território nacional (art. 2º, I). No bojo desta responsabilidade figuram não apenas o planejamento, instalação e exploração, como também a continuidade dos serviços postais, a ser exercida com qualidade, confiabilidade e eficiência. Os serviços postais compreendem atividades exclusivas e não exclusivas. Atualmente, cogita-se se apenas os serviços postais exclusivos estariam abrangidos pela imunidade tributária recíproca, excluindo-se dessa regra aqueles tidos por parcela da doutrina como dotados de intuito meramente lucrativo. No âmbito judicial, esta matéria vem sendo abordada pelo Supremo Tribunal Federal fundamentalmente nos autos do Recurso Extraordinário n° 627.051/PE, no qual vem sendo discutida a extensão da regra imunizante ao serviço de transporte de encomendas. 3. O tema na jurisprudência do STF - o reconhecimento da imunidade tributária recíproca de ICMS sobre os serviços de transporte de encomendas - Recurso Extraordinário nº 627.051 – PE Nos autos do Recurso Extraordinário 627.051/PE, sustentou a ECT que o serviço de transporte de encomendas estaria imune ao ICMS, eis que faria parte do ciclo que compõe a atividade postal. Na ocasião, suscitou que a fruição da imunidade tributária recíproca independeria de quais serviços específicos seriam prestados pela ECT, vez que todas as receitas obtidas seriam revertidas em favor da coletividade. Sob tal perspectiva, nenhum serviço prestado pela estatal teria intuito meramente econômico (afastando-se a incidência do artigo 173, inciso II, da CRFB). Do ponto de vista econômico, foi ressaltada a iminência de considerável impacto financeiro no orçamento da ECT e, via de consequência, daquele pertencente à própria União. No aspecto social, ponderou-se que os recursos destinados ao pagamento de ICMS deveriam ser utilizados na melhoria e expansão dos serviços postais. Juridicamente, arguiu-se que a tributação estadual violaria frontalmente a norma do art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CRFB. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, ressaltou que no RE 601.392/ PR o Plenário Virtual do STF já havia reconhecido a existência da repercussão geral da discussão em torno da cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) nas atividades postais da ECT não abrangidas pelo privilégio postal, as quais prestadas em regime de concorrência com as demais empresas do setor. Em seu voto, registrou que a questão transcenderia o interesse das partes, repercutindo na esfera de direitos de todos os Estados da Federação, dada a natureza da empresa pública e dos serviços por ela prestados. O 42


relator foi acompanhado pelos demais ministros da Corte, por unanimidade. Em consulta ao sítio de informações do STF1, verifica-se que em 12/11/2014 foi julgado o mérito desta demanda, tendo a Suprema Corte reconhecido, por maioria, a intributabilidade dos serviços de transporte de mercadorias pela ECT por ICMS. Segundo o Pretório Excelso, este serviço está abrangido pela imunidade tributária recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, pois a ECT “se trata de empresa pública sujeita a obrigações que não se estendem às empresas privadas”. Restou consignado que a ECT “tem o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importando o quão pequenos ou remotos sejam, e a empresa não pode se recursar a levar uma encomenda – algo que pode ser feito na iniciativa privada”. E mais: “a ECT utiliza espaços ociosos nos veículos para transportar as mercadorias, logo não está criando uma estrutura para competir exclusivamente com empresas particulares”. Trata-se de precedente com repercussão geral através do qual o STF declaradamente assentou que o desempenho de atividade não abrangida pelo privilégio postal (o serviço de encomendas) não afasta, por si só, o seu viés essencialmente público. Sem dúvida ele se revelou como um passo decisivo rumo à extensão do reconhecimento da imunidade tributária recíproca irrestrita a todos os serviços prestados pela ECT. Por ter sido proferida em sede de repercussão geral, esta decisão vincula os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual distrital e municipal. Disto se conclui que não mais deverão ser lavrados Autos de Infração tencionados à cobrança de ICMS sobre os serviços de encomendas, sendo certo que os que já estiverem em curso provavelmente serão cancelados à míngua de amparo constitucional. Por fim, registre-se que o STF já vinha discutindo a questão em outros precedentes (ACO 1.454/PB, e nº 958 e 865, o que denota que esta nova concepção veio sendo maturada no âmago da Corte Suprema e provavelmente será estendida a todos os serviços ecetistas. 4. Breves considerações sobre a imunidade tributária recíproca extensível à ECT Malgrado o posicionamento definitivo e vinculante do STF acerca da intributabilidade, por ICMS, do serviço de transporte de encomendas, subjaz o interesse jurídico na extensão desta concepção às demais 1 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3918527. Consulta realizada em 01/12/2014.

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atividades desenvolvidas pela ECT, notadamente os serviços de telegrama, carta via internet, SEDEX, logística integrada e armazéns. Para tanto, afigurase necessário o estudo das premissas básicas em torno da imunidade tributária recíproca e de seus requisitos constitucionais. A imunidade tributária recíproca (art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CRFB) é, na concepção doutrinária moderna, norma excepcional protetiva do princípio federativo2. Nessa perspectiva, ela estaria adstrita às atividades típicas dos entes políticos, exercidas em tal posição3. Esta limitação somente se aplica aos impostos, sendo extensiva às autarquias e às fundações públicas no que toca ao patrimônio, a renda e os serviços vinculados as suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Segundo o magistério de Ricardo Alexandre, A diferença fundamental é que, nos precisos termos constitucionais, para gozar da imunidade, as autarquias e fundações precisam manter seu patrimônio, renda e serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, restrição esta não aplicável aos entes políticos4.

Por força de expressa disposição constitucional (art. 150, par. 3º), tal limitação não se aplica às estatais que exploram atividades econômicas em sentido estrito, regidas por normas próprias de entidades privadas (art. 170, da CRFB), sob pena de mitigar a livre iniciativa que inibe o Estado de se introjetar na manifestação volitiva dos agentes econômicos, ressalvadas as hipóteses excepcionais de regulação e intervenção. No âmbito das estatais, a regra imunizante vem sendo aplicada sem reservas somente às entidades prestadoras de serviços públicos exclusivos, restando profunda divergência em relação aos serviços não-exclusivos. À exceção do transporte de encomendas, subsiste, ainda, certa recalcitrância judicial e doutrinária de estender a regra imunizante aos demais serviços prestados pela ECT. Porquanto a mencionada empresa pública ostente personalidade jurídica de direito privado, o fato de prestar serviços públicos exclusivos lhe garante as mesmas prerrogativas tributárias concedidas à Fazenda Pública, 2 Constitui-se como cláusula pétrea destinada a proteger o pacto federativo (art. 60, § 4º, I, da CRFB), pois impede a sujeição de um ente federativo ao poder de exação de outro, conforme já decidiu o STF (ADI 939). 3 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado. Ed. ESMAFE, 2009. p. 244. 4 ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado – 5ª ed. Ed. Método. São Paulo. Método, 2011. p. 184.

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não apenas por expressa disposição constitucional, mas também em razão do que previu o art. 12 do Dec. Lei nº 509/695, in verbis: Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.

Este artigo foi recepcionado pela Constituição Federal, conforme famoso precedente do STF6, tendo esta Corte reconhecido que a ECT também faz jus a imunidade tributária recíproca em relação aos impostos que seriam incidentes sobre a renda e os serviços vinculados as suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. No centro da divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da incidência do ICMS sobre serviços não exclusivos, reluz a tese de que alguns serviços postais não poderiam ser enquadrados como típicos serviços públicos, pois recobertos de finalidade meramente lucrativa, razão pela qual sobre eles não se aplicaria a imunidade tributária recíproca. Por força de norma constitucional (art. 155, II) e infraconstitucional (art. 2°, II da lei complementar n° 87/967), o ICMS incidirá sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores. Há, em sua previsão genérica, o ínsito propósito econômico a justificar-lhe a incidência, viés este que não se coaduna com a natureza jurídica da ECT, tampouco com as atividades que lhe são essenciais. Malgrado a existência de valorosas vozes em contrário, entendemos que os serviços prestados pela ECT são imunes em razão de suas receitas estarem integralmente vinculadas às suas atividades essenciais (artigos 7ª c/c art. 47 da lei nº 6.538/78), exatamente como ocorre em relação ao transporte de encomendas. Conforme será demonstrado, a extensão da imunidade recíproca 5 Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. 6 RE 225011 / MG - MINAS GERAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento: 16/11/2000. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 19-12-2002 PP-00073. EMENT VOL-02096-05 PP00928. 7 Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências.

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remanesce fulcrada em aspectos econômicos, sociais e jurídicos, os quais foram muito bem analisados nos autos do Recurso Extraordinário nº 627.051 – PE, cujo julgamento definitivo ocorreu em 12/11/2014. 5. A essencialidade dos serviços postais em seus aspectos econômicos, sociais e jurídicos A essencialidade de todos os serviços prestados pela ECT não é um fenômeno a ser analisado apenas em seu aspecto econômico, alcançando também aspectos sociais e jurídicos, os quais, numa abordagem sistemática, revelam uma incompatibilidade com o viés mercadológico que autorizaria a incidência do ICMS. 5.1. Aspectos econômicos e sociais A despeito de alguns serviços não terem sido incluídos no regime de privilégio postal8, suas receitas fazem parte do ciclo que compõe a atividade postal, estando vinculadas, pois, à continuidade de exercício do próprio objeto social da ECT. Sob o aspecto econômico, nos últimos cinco anos a ECT vem mantendo índices positivos através da prestação conjugada de serviços exclusivos e não-exclusivos. De acordo com as informações constantes no Relatório de Administração de 2012, publicado no Diário Oficial da União de 24.04.20139, a ECT obteve um lucro líquido de 1.044,061 bilhão de reais em 2012, valor este que superou em 18% os 882,747 milhões de reais contabilizados em 201110. Nesse contexto, as receitas conjugadas favoreceram a expansão dos As encomendas e impressos não seriam privilégio postal, conforme decidiu o STF nos autos da ADPF nº 46 (Rel Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-022010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020). Além deles, há fundada divergência em torno da incidência de ICMS sobre os serviços de telegrama, carta via internet, embalagens vendidas ao consumidor, logística integrada e armazéns, a qual será analisada na segunda parte deste estudo. 9 O referido relatório pode ser obtido em consulta ao seguinte endereço eletrônico: http:// www.correios.com.br/sobreCorreios/empresa/publicacoes/processosContasAnuais/2012/ Relat%C3%B3rio%20de%20Gest%C3%A3o%20de%202012_ECT_16.5.13.pdf 10 Tais informações poderão ser obtidas através da análise do DEMONSTRATIVO DOS FLUXOS DE CAIXA DOS EXERCÍCIOS FINDOS EM 31 DE DEZEMBRO, disponível no endereço eletrônico: http://www.correios.com.br/sobreCorreios/empresa/publicacoes/ processosContasAnuais/2012/Demonstra%C3%A7%C3%A3o%20do%20Fluxo%20de%20 Caixa.pdf 8

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serviços prestados pela ECT em aproximadamente 50%, sendo que no ano de 2012 foi atingido o percentual de 5,8% sobre 2011 (passando de 13,7 bilhões para 14,5 bilhões de reais). Para o ano de 2013, projetou-se o aumento substancial desta receita, trazendo melhorias significativas nos serviços e condições de trabalho de seus empregados. Assombram a concretização desses resultados positivos os inúmeros autos de infração lavrados por autoridades fazendárias estaduais tencionados à cobrança de ICMS por serviços tidos por não abrangidos pelo privilégio postal, alcançando valores milionários. O impacto orçamentário é iminente, vez que a principal fonte de receitas desta estatal advém do exercício de atividades infensas ao privilégio postal. À evidência que o reconhecimento da imunidade tributária destes serviços não exclusivos tem forte conotação econômica e social, clamando por medidas impeditivas do escoamento de suas receitas (imprescindíveis à manutenção da atividade postal em geral). Pelo exposto, é inevitável reconhecer que a receita dos serviços alheios ao privilégio postal está vinculada às atividades essenciais da ECT, razão pela qual não possuem viés meramente lucrativo, sendo, portanto, imunes ao ICMS. 5.2. Aspectos jurídicos Na expectativa de superar a tese de que deve haver a incidência de ICMS sobre serviços alheios ao privilégio postal, voltemos as nossas atenções para alguns aspectos jurídicos que revelam a inexistência de bases científicas que justifiquem tal exação. Reitere-se que o simples fato de certos serviços não terem sido legalmente abrangidos pelo privilégio postal não lhes retira o caráter público, nem os recobre de intuito meramente lucrativo, posto que vinculados às finalidades essenciais da ECT. Porquanto não sejam de titularidade exclusiva desta estatal, os serviços não abrangidos pelo privilégio postal não deixam de ser serviços públicos e, como tais, estão jungidos às regras próprias deste regime. A eles se aplicam sem reservas os princípios da Adequação, Obrigatoriedade, Adaptabilidade, Universalidade, Modicidade das tarifas, Cortesia, Transparência, Continuidade, Motivação, Controle interno e externo, Regularidade, Eficiência e Segurança, sem olvidar a incidência de regras de proteção consumerista. E no bojo deste regime, também subjaz a sujeição às regras de responsabilidade objetiva e do dever de licitar a contratação de algumas das atividades que compõem o fluxo postal. a) A responsabilidade civil objetiva irrestrita da ECT

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Segundo a norma do art. 37, § 6º, da CRFB, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Tendo por base o magistério de Alexandre Mazza: Importante notar que o Texto Constitucional, quanto às referidas pessoas jurídicas de direito público, não condiciona responsabilidade objetiva ao tipo de atividade exercida. Por isso, a responsabilidade objetiva decorre da personalidade pública e será objetiva independentemente da atividade desempenhada: prestação de serviço público, exercício do poder de polícia, intervenção no domínio econômico, atividade normativa ou qualquer outra manifestação da função administrativa11.

No que se refere às empresas públicas e sociedades de economia mista, diz a regra constitucional que as mesmas somente responderão objetivamente quando prestarem serviços públicos. Quando exercerem atividades de natureza econômica (tipicamente privadas), responderão subjetivamente. Causa espécie o fato de, Independentemente da natureza jurídica da ECT, ela responder de forma objetiva12, seja qual for o tipo de serviço prestado. E essa sujeição irrestrita à norma do art. 37, § 6º, da CRFB não faz distinção entre serviços exclusivos e não exclusivos, pois ambos são, repise-se, espécies de serviço público. A sujeição às regras de responsabilidade civil objetiva é, portanto, reflexo da adoção irrestrita do regime jurídico de direito público. É mais um argumento que reforça a tese de que não há intuito meramente lucrativo nos serviços alheios ao privilégio postal, desautorizando, pois, a incidência de ICMS. postal

b) O dever de licitar a contratação de serviços correlatos ao serviço Há, por fim, outro importante aspecto jurídico que fulmina a distinção

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo. Saraiva. 2013. p. 325. 12 TRF1ª Região - AGRAC 0015246-37.2006.4.01.3500 / GO, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.982 de 28/03/2014). 13 Conforme será demonstrado na segunda parte deste estudo, os serviços de logística integrada e armazéns, mercê de não terem sido previstos na lei postal como serviços postais, foram erigidos a esta condição pelo novo Estatuto da ECT (art. 4º), aprovado através do Decreto nº 8.016, de 17 de maio de 2013. 11

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entre serviços exclusivos e não exclusivos para afastar a incidência de ICMS, notadamente em relação aos serviços correlatos à atividade postal (SEDEX, encomendas, logística integrada e armazéns13): trata-se da obrigatoriedade irrestrita de a ECT licitar as atividades-meio necessárias à prestação e manutenção de tais serviços. Considerando a inexistência de frota própria para dar cabo ao transporte de objetos postais e encomendas, a ECT inevitavelmente precisa lançar mão das hipóteses de licitação previstas na lei nº 8.666/93, em cumprimento ao disposto no art. 37, XXI da CRFB14. É cediço que esta peculiar obrigatoriedade não se aplica às estatais que exploram atividades tipicamente econômicas, as quais foram dispensadas do dever de licitar a contratação de serviços instrumentais e a compra de produtos necessários à prestação de suas atividades fins. Não fosse isso, restaria prejudicada a livre concorrência com outras empresas privadas. Tal é a situação da Petrobrás, a qual, pela relativização da exclusividade da exploração de petróleo trazida pela EC nº 09/95, passou a exercer suas atividades em regime de livre concorrência com empresas do mesmo ramo, deixando de se submeter às regras rígidas previstas na lei nº 8.666/93. Essa foi, aliás, a tese encampada pelo STF a quando do julgamento do pedido liminar formulado nos autos do MS 27837/DF, no qual se discutiu a possibilidade de a PETROBRÁS continuar se valendo de seu Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado (Decreto n° 2.745/98 e Lei n° 9.478/97), pois estava sendo financeiramente prejudicada em razão da dificuldade de concorrer com as demais prestadoras deste tipo de serviço (por ter de licitar previamente todas as contratações de serviços e produtos relacionados às atividades instrumentais). Em voto bastante esclarecedor, o Min. Gilmar Mendes ressaltou a possibilidade de relativização das regras de licitação quanto às atividades privadas essenciais da referida estatal, afastando a incidência da norma do art. 173, § 1º, III. Vejamos: A submissão legal da PETROBRÁS a um regime diferenciado de licitação parece estar justificada pelo fato de que, com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela EC nº 9/95, a empresa passou a exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade, as quais, frise-se, não estão Em que pese a presciência do art. 173, §1º, III, da CRFB, o referido estatuto ainda não existe, do que decorre a sujeição da ECT às regras previstas na lei nº 8.666/93.

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submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei nº 8.666/93.

Definitivamente, não é essa a realidade vivenciada pela ECT. Por ser prestadora de serviço público, sequer se cogita da possibilidade de contratar livremente os serviços instrumentais imprescindíveis as suas finalidades essenciais – todos devem ser licitados e contratados segundo os rígidos critérios da lei nº 8.666/93. Como no campo da responsabilidade civil, o dever de licitar também revela a indissociável natureza pública dos serviços alheios ao privilégio postal, afastando-os da livre concorrência e do viés meramente lucrativo que autorizariam a incidência de ICMS. Com efeito, se a incidência do imposto estadual pressupõe a existência de intuito meramente lucrativo, o qual, por sua vez, decorre do princípio constitucional da livre concorrência (art. 170, IV, da CRFB), entende-se que os serviços alheios ao privilégio postal, em razão da necessidade de licitar as atividades que lhes são instrumentais, não se enquadram nestes postulados, vez que a licitação torna inviável a concorrência, em pé de igualdade, com as empresas privadas. Não há como fugir à incidência dos citados preceitos constitucionais: ou o serviço não se submete ao regime de direito público (e sofre a incidência de ICMS), ou a ele está adstrito (gozando da imunidade tributária recíproca que limita a exação estadual). Os serviços alheios ao privilégio postal, em razão da submissão irrestrita da contratação de suas atividades-meio às regras licitatórias, são imunes, portanto, à incidência de ICMS. 6. A imunidade tributária recíproca e os direitos fundamentais Perscrutando a jurisprudência desfavorável à tese defendida neste artigo, verifica-se que havia julgado oriundo do STF afastando a imunidade tributária recíproca quando o ente público assumir intuito lucrativo em suas atividades (AI 518325 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, j. 06/04/2010, DJe-076, div. 29/04/2010, pub 30/04/2010, ement. vol-02399-08 PP-01685 RTJ vol-00217- PP-00554 RT v. 99, n. 900, 2010, p. 172-175). A tese esboçada no referido precedente era a de que a imunidade tributária recíproca não se aplicaria ao ente quando este fosse simples adquirente de produto, serviço ou operação onerosa realizada com intuito lucrativo (na condição de “contribuinte de fato”, transferindo a carga tributária a terceiros). Na ocasião, afastou-se a pretensão de exonerar as operações de compra de mercadorias e prestação de serviços do pagamento de ICMS realizadas em território nacional, por equipará-las à “importação 50


doméstica”. Assentou-se que os precedentes do STF favoráveis à imunidade tributária da ECT não se aplicariam quando o ente público figurasse apenas como contribuinte de fato. Ousamos dissentir desse entendimento, eis que o mesmo não nos parece suficiente para justificar a incidência de ICMS sobre atividades alheias ao privilégio postal, cuja imunidade deve ser reconhecida como instrumento de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais. Atualmente, parece ser este o entendimento majoritário do STF a respeito do tema. Os Direitos fundamentais, segundo autorizada doutrina, são liberdades públicas em seu sentido mais amplo, caracterizando-se como (...) o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social15.

Dotadas de relevante interesse coletivo, as atividades exercidas pela ECT agregam, em si mesmas, a noção de essencialidade, perfazendo as seguintes características fundamentais: a) materialidade; b) natureza ampliativa; c) prestação direta pelo Estado ou por seus delegados; d) adoção do regime de direito público; e) satisfação das necessidades essenciais ou secundárias da coletividade. No que se refere a sua materialidade, tais atividades fazem parte de uma gama de serviços postos à disposição da coletividade a preços módicos e de forma permanente. Quanto a sua natureza ampliativa, denotam a atuação direta na esfera de interesses dos particulares (ao contrário do poder de Polícia da Administração, essencialmente limitativo), através do oferecimento de vantagens fruíveis de modo universal. Essa forma de atuação decorre do dever de planejá-lo, implantá-lo e explorá-lo de acordo com os artigos 175 e 176 da CRFB, fundamentos constitucionais consagrados no próprio estatuto social da ECT (instituído através do Dec. n° 8.016/2013). No que tange ao regime de prestação direta pelo Estado, podese afirmar que nele se aplicam as regras e princípios do Direito Público, sem olvidar a possibilidade de diálogo de fontes com outros ramos do Direito, tais como o Direito Constitucional, Direito do Consumidor, Direito Comercial, entre outros. BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional – 4ª ed. reformulada e atualizada de acordo com a EC n. 57/2008. São Paulo. Saraiva, 2009, p. 428.

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Quanto à satisfação das necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, merece registro que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em mais de uma oportunidade já se pronunciou-se no sentido de que os serviços postais podem ser qualificados como essenciais (DC-898176.2012.5.00.0000, Data de Julgamento: 27/09/2012, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 05/10/2012; DC-6535-37.2011.5.00.0000, Data de Julgamento: 11/10/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 17/10/2011; AgR-DC - 6535-37.2011.5.00.0000, Data de Julgamento: 11/10/2011, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 16/03/2012; DC1956566-24.2008.5.00.0000, Ministro Rider de Brito, Data de Publicação: DJ 08/07/2008). Do voto proferido pelo relator deste último precedente, é relevante destacar: (…) “De fato, tal qual ressaltado na v. decisão agravada, os serviços prestados pela ECT caracterizam-se por essenciais à população. É certo, por um lado, que as atividades desenvolvidas pela Suscitante não se encontram arroladas como essenciais pela lei de Greve ---- Lei 7783/1989, artigo 10. Impossível, de outro lado, negar seu caráter indispensável para a população. As atividades postais ocupam relevantíssima posição no universo dos interesses sociais. Podemos pontuar a comunicação com cidadãos situados em longínquas plagas deste país continental; a distribuição de material didático; a viabilização do fornecimento de remédios indispensáveis; as notificações judiciais; o socorro aos que dele necessitem em locais remotos e isolados; o recebimento e o pagamento de contas e obrigações. Tudo a indicar a indispensabilidade dos serviços prestados pela Suscitante. O monopólio das tarefas postais agudiza este caráter essencial, na medida em que a suspensão das atividades impossibilita o cidadão usuário de buscar alternativas em outros prestadores de serviços(...).

Vê-se, pois, que o TST concebe o serviço postal em sentido amplo (exclusivos ou não) como atividade essencial aglutinadora de interesses sociais relevantes e inadiáveis da comunidade, serviço público este de natureza transcendental que não deve sofrer interferências econômicas que possam trazer riscos a sua manutenção. Fixadas tais premissas, verifica-se que a incidência de ICMS sobre as atividades alheias ao privilégio postal representa um fator jurídico,

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econômico e social capaz de trazer riscos a sua manutenção, impingindo à coletividade duas consequências inevitáveis, ambas relacionadas à incorporação do encargo tributário aos custos de operacionalização destes serviços. A primeira diz com o impacto financeiro desta exação, capaz de comprometer sua continuidade e expansão. A segunda se refere à transferência deste encargo aos usuários dos serviços, que passarão a ser contribuintes de fato daquele tributo. A prevalecer tese de que a ECT deve se tornar mera contribuinte de direito do ICMS, os encargos deste tributo seriam inevitavelmente transferidos à coletividade, mitigando o dever de garantir a modicidade das tarifas postais enquanto princípio intuitivo de defesa dos consumidores, norma constitucional de natureza fundamental (art. 5°, XXXII, da CRFB) e geral (idem, art. 170, V). É dessa garantia que se extrai a relação intrínseca entre a imunidade tributária recíproca das atividades correlatas ao serviço postal e a proteção aos direitos e garantias fundamentais dos consumidores: por um lado, a não-incidência de ICMS sobre tais serviços garante a sua prestação contínua, eficiente e acessível, resguardando também a sua extensão a todos os segmentos da sociedade (e não apenas aqueles mais rentáveis, visados pelas entidades privadas que exercem atividades puramente lucrativas); por outro, a transferência dos encargos tributários do ICMS aos usuários destes serviços encarecerá suas tarifas, mitigando o direito à fruição de serviços públicos através do pagamento de tarifas módicas. Também por este motivo deve ser reconhecida a imunidade tributária da ECT em relação ao ICMS sobre os serviços não exclusivos, medida esta que se constitui como verdadeiro instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais de seus usuários (art. 5°, XXXII, da CRFB). 7. Considerações finais À guisa de conclusão desta primeira parte, pode-se afirmar que todos os serviços prestados pela ECT são interdependentes e vinculados às suas finalidades essenciais, tese esta encampada pelo STF para afastar a incidência de ICMS sobre o serviço de transporte de encomendas (em precedente de 12/11/2014, repise-se). Por estarem indistintamente sujeitos ao regime de direito público, a eles se aplicam de forma irrestrita as regras de responsabilidade civil objetiva (art. 37, § 6º, da CRFB) e o dever de licitar as atividades- meio (idem, art. 37, XXI), além dos princípios que regem os serviços públicos em geral. Em face dessas circunstâncias, são imunes ao ICMS, a eles se aplicando a norma prevista no art. 150, inciso VI, alínea “a, da CRFB. 53


8. Referências ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 5ª Ed. São Paulo: Método, 2011. BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico para concursos. Salvador: JusPodivm, 2011. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Curso de Direito Tributário. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer: consulta formulada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. São Paulo, 19/08/2005. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

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IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇOS DE TELEGRAMA, CARTA VIA INTERNET, SEDEX, ENCOMENDAS, LOGÍSTICA INTEGRADA E ARMAZÉNS - PARTE II. DIRK COSTA DE MATTOS JUNIOR Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Processual Latu Sensu pela Universidade da Amazônia (UNAMA), em parceria com o Instituto Educar. Advogado. MONIQUE DE CASTRO RABELO Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho – Universidade Anhanguera-UNIDERP. Advogada. RESUMO Complementando a análise iniciada na primeira parte deste artigo, no qual foram estabelecidas as premissas básicas em torno da essencialidade dos serviços postais em geral, o presente estudo visa examinar o instituto da imunidade tributária recíproca e a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) sobre os serviços de telegrama, carta via internet, SEDEX, encomendas, logística integrada e armazéns, ambos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Palavras-chave: imunidade tributária recíproca, essencialidade, serviço público.

ABSTRACT Complementing the analysis begun in the first part of this article, in which the basic premises were established around the essentiality of postal services in general, this study aims to examine the institution of reciprocal tax immunity and the Tax on Circulation of Goods and Services (ICMS ) on services telegram, letter via the internet, SEDEX, orders, integrated logistics and warehouses, both provided by the Brazilian Post and Telegraph - ECT. Keywords: reciprocal tax immunity, essentiality, public service.

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Sumário: 1. Introdução 2. A incidência de ICMS sobre os serviços prestados pela ECT fora do regime de privilégio postal 2.1. O serviço de Telegrama 2.2. O serviço de carta nacional via internet 2.3. O serviço de logística integrada e armazéns 2.4. O serviço de encomendas 3. Considerações finais 4. Referência 1. Introdução O presente estudo visa complementar a análise iniciada na primeira parte deste artigo, ocasião em que tentamos fixar os postulados básicos em torno da essencialidade e do caráter instrumental dos serviços postais em geral. Naquela oportunidade, foi dito que em 12/11/2014 o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do Recurso Extraordinário 627.051- PE, reconhecendo, por maioria, a intributabilidade dos serviços de transporte de mercadorias pela ECT por ICMS. Segundo o Pretório Excelso, este serviço está abrangido pela imunidade tributária recíproca, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, pois a ECT “se trata de empresa pública sujeita a obrigações que não se estendem às empresas privadas”. Nos autos do apelo extraordinário restou consignado definitivamente que a ECT “tem o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importando o quão pequenos ou remotos sejam, e a empresa não pode se recursar a levar uma encomenda – algo que pode ser feito na iniciativa privada”. E mais: “a ECT utiliza espaços ociosos nos veículos para transportar as mercadorias, logo não está criando uma estrutura para competir exclusivamente com empresas particulares”. A referida decisão se constituiu como um precedente definitivo através do qual o STF declaradamente assentou que o desempenho de atividade não abrangida pelo privilégio postal (o serviço de encomendas) não afasta, por si só, o seu viés essencialmente público. Trata-se de um passo decisivo rumo à extensão do reconhecimento da imunidade tributária recíproca irrestrita aos serviços de telegrama, carta via internet, logística integrada e armazéns Por ter sido proferida em sede de repercussão geral, esta decisão vincula os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual distrital e municipal. Disto se conclui que não mais deverão ser lavrados Autos de Infração tencionados à cobrança de ICMS sobre os serviços de encomendas, sendo certo que os que já estiverem em curso provavelmente serão cancelados à míngua de

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amparo constitucional. Partindo dessa abordagem, nesta segunda parte discorreremos sobre a incidência de ICMS sobre os serviços específicos de telegrama, carta via internet, logística integrada e armazéns, ambos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, fazendo-o a partir das premissas estabelecidas em torno do caráter essencial de tais serviços, sejam eles exclusivos ou não. 2. A incidência de ICMS sobre os serviços prestados pela ECT fora do regime de privilégio postal A tese defendida neste artigo perfilha os mesmos fundamentos esposados pela Corte Suprema brasileira para afastar a incidência de ICMS sobre os serviços de encomendas (SEDEX e PAC), os quais remontam a aspectos econômicos, jurídicos e sociais. Trata-se de um passo decisivo rumo à extensão do reconhecimento da imunidade tributária recíproca irrestrita a todos os serviços prestados pela ECT. 2.1. O serviço de Telegrama O serviço de Telegrama está previsto expressamente nos artigos 25 a 31 da lei nº 6.538/78 (lei postal), cujas regras são complementadas pelos regulamentos internos da ECT. Em linhas gerais, pode ser conceituado como o recebimento, transmissão e entrega de mensagem urgente e confidencial, transmitida eletronicamente para o local de entrega, ali sendo impressa e auto-envelopada para entrega no endereço do destinatário. Por expressa disposição legal (art. 27 da lei postal), o serviço de telegrama é serviço público de exclusividade da União, cuja exploração ocorre sobre o regime de monopólio (privilégio postal). Reiterando a mens legis, o STF no bojo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 461, decidiu que o serviço de telegrama está inserido no regime de privilégio postal, vez que não configura atividade meramente econômica sujeita às regras do art. 173 da Constituição Federal. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o mesmo está imune ao ICMS. Dado o escopo do presente trabalho (extensão da regra imunizante a todos os serviços prestados pela ECT, exclusivos ou não), entendemos que a não incidência de ICMS sobre o serviço de telegramas não se esgota 1 (ADPF 46, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020).

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no fato de o mesmo ter sido abrangido pela exclusividade (art. 27 da lei postal) a que aludiu a Corte Suprema nos autos da ADPF nº 54. Antes disso, a imunidade tributária recíproca se justifica em razão do caráter essencial e instrumental do serviço de telegrama, cuja receita contribui para o planejamento, exploração e continuidade dos serviços postais, fomentando sua prestação com qualidade, confiabilidade e eficiência. Em última análise, a sua imunidade se justifica pelas questões jurídicas, econômicas e sociais delineadas no item 4 da primeira parte deste trabalho. Sem maiores digressões, entendemos que o serviço de telegrama está imune ao ICMS, seja por seu caráter essencial, seja por expressa disposição legal, ambos reconhecidos pelo STF no bojo da ADPF nº 46, exortando-se os fundamentos do acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário 627.051/PE. 2.2. O serviço de carta nacional via internet Inicialmente, cabe ressaltar que a entrega de cartas também foi prevista na lei nº 6.538/78 como serviço postal (art. 7º, §1º, “a”), a ser explorado pela União em regime de exclusividade (art. 9º, I). E a julgar pelo entendimento pacificado pelo STF (ADPF nº 46), tal serviço também está abrangido pelo privilégio postal, circunstância esta que afasta o intuito meramente lucrativo e a incidência do ICMS. Sendo a carta convencional imune ao ICMS, essa regra se estenderia à carta via internet? Entendemos que sim, vez que não se descaracteriza o serviço postal exclusivo e essencial em razão de uma forma peculiar de sua prestação, se não, vejamos. A carta nacional via internet consiste no serviço por meio do qual a remessa de cartas registradas é feita diretamente através da web, que poderá ser feita em qualquer dia e a qualquer hora. Tendo por base as informações contidas na home page da ECT2, tal serviço possui as seguintes características: I) Atendimento 24 horas por dia, inclusive domingos e feriados; II) Tratamento de objeto urgente; III) Segue os mesmos padrões de uma carta registrada; IV) Garantia absoluta de segurança e sigilo. A mensagem é criptografada durante o seu trâmite pela internet; V) Possui o serviço adicional de aviso de recebimento, garantindo maior confiabilidade na sua entrega; VI) Possibilidade de rastreamento. De ver-se que a única diferença deste serviço vem a ser a forma http://www.correios.com.br/produtosaz/produto.cfm?id=7C632D8C-CA34-9177DFCAF5430D2DA081, acesso em 13/05/2014.

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peculiar de sua prestação, a ele se aplicando indistintamente todas as normas alusivas à carta convencional. E por se tratar de mera forma de prestação do serviço postal exclusivo (art. 7º, §1º, “a”, da lei nº 6.538/78), entendemos que o mesmo não difere do regime tributário aplicado ao convencional, sendo, portanto, imune ao ICMS. Cabem aqui as mesmas considerações feitas em relação à essencialidade do serviço de telegrama, circunstância esta que ratifica a incidência da regra imunizante (art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CRFB). 2.3. O serviço de logística integrada e armazéns A logística integrada foi erigida à condição de serviço postal por força do art. 4ª do estatuto da ECT3, segundo o qual esta empresa pública tem por objeto social, entre outras, a incumbência de explorar os serviços postais de logística integrada, financeiros e eletrônicos (II). Logística integrada pode ser conceituada como a área de gestão de uma empresa responsável por prover recursos, equipamentos e informações para a execução de todas as suas atividades. Trata-se da atividade de gerenciamento da cadeia de abastecimento que planeja, implementa e controla o fluxo e armazenamento eficiente e econômico de matérias-primas, materiais semi-acabados e produtos acabados, desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com objetivo de atender às exigências de clientes internos e externos. Entre as atividades da logística estão o transporte, a movimentação de materiais, a armazenagem, o processamento de pedidos e o gerenciamento de informações. Sendo a logística integrada o plexo de instrumentos de gestão e operacionalização de uma empresa, o serviço de armazém é uma de suas atividades, consistente na administração do espaço que se dispõe para manter os estoques, levando-se em conta as circunstâncias de localização, espaço físico, arranjo físico e sistemas de informações. De todos os serviços alheios ao privilégio postal, o serviço de logística é a atividade instrumental por excelência, dele dependendo o exercício do próprio objeto social da ECT. E nesse contexto, estariam os serviços de logística integrada imunes ao ICMS? Pensamos que sim, pois sem a logística integrada nenhum serviço (exclusivo ou não) poderia ser prestado, o que comprometeria a observância do mandamento constitucional broslado no art. 21, X da CRFB, além da própria existência da ECT. Mais do que essencial, este serviço é imprescindível, pois dele dependem a manutenção da própria atividade 3

Instituído através do Dec. n° 8.016/2013.

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postal. Essa dependência não só se relaciona com a obtenção de receitas, mas também com a estrutura necessária à movimentação do fluxo postal. Com efeito, a logística integrada (incluindo-se o serviço de armazéns) faz parte do objeto social da ECT, conforme previu a norma do art. 4º, II, de seu estatuto. Ele está intrinsecamente ligado à existência material desta empresa pública, fomentando o exercício de sua função social e o cumprimento do mandado constitucional insculpido no art. 21, X, da CRFB. Para além disso, o serviço de logística não é um fim em sim mesmo, pois existe em função do próprio fluxo postal. Não possui autonomia, tampouco se filia a interesses mercadológicos, do que decorre a mencionada instrumentalidade por excelência. Em face de tais circunstâncias, sobre ele não há a incidência de ICMS, por força do que dispõe a norma do art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CRFB. 2.4. O serviço de encomendas Como dito, em 12/11/2014 foi julgado o mérito do Recurso Extraordinário 627.051- PE, tendo a Suprema Corte reconhecido, por maioria, a intributabilidade dos serviços de transporte de mercadorias por ICMS. Segundo o STF, tal serviço também está abrangido pela imunidade tributária recíproca, pois a ECT “se trata de empresa pública sujeita a obrigações que não se estendem às empresas privadas”. O referido precedente pôs fim ao dissenso jurisprudencial em torno da extensão da regra imunizante às atividades de transporte e entrega de mercadorias, assegurando de forma inequívoca que tais serviços não poderiam mais ser tributados pelos Estados da Federação através do ICMS. Sem pretender revolver aquilo que já foi decidido pelo Pretório Excelso, entende-se que devam ser expostas as razões jurídicas que nos conduzem a aplaudir a festejada decisão plenária. O serviço de transporte de encomendas vinha sendo objeto de fundada divergência jurisprudencial e doutrinária em torno de sua tributabilidade por ICMS. De um lado, há os que nele enxergam o intuito meramente lucrativo e a natureza estritamente privada; de outro, os que lhes reclamam a essencialidade própria dos serviços públicos imunes à incidência do imposto estadual. Somos forçados a discordar dessa tese de que o serviço de encomendas teria um viés meramente lucrativo, pois entendemos que o simples fato de auferir lucro não descaracteriza a vinculação deste serviço às finalidades essenciais da ECT. E a razão é bem simples. O lucro nada mais é do que o resultado positivo na contabilização de receitas e despesas. Sinceramente não há nenhum empreendimento (público ou privado) que 60


não vise este resultado positivo, sob pena de recair na deplorável realidade daqueles que gastam mais do que ganham4. Somos forçados a crer que não é ele (o lucro em si mesmo) que define o caráter estritamente privado de determinada atividade, mas sim a destinação de seu produto. Nisso reside um grande abismo entre os serviços prestados pela ECT e as atividades tipicamente privadas. Aprofundando um pouco mais o tema, podemos afirmar que os vocábulos “intuito lucrativo” e “intuito meramente lucrativo” não significam a mesma coisa, pois têm alcances diversos no bojo da cadeia produtiva. O “intuito lucrativo” está voltado para a necessária obtenção de um saldo positivo entre as receitas e as despesas. Trata-se da mola propulsora de qualquer atividade, sem a qual se torna inviável o exercício da empresa (não se deve esquecer que a ECT, por força de lei, é empresa pública). No caso da ECT, porquanto a prestação de seus serviços seja feita a preços módicos, tais valores devem ser suficientes tanto para custear os gastos necessários à execução da logística integrada da qual depende a sua prestação, quanto para a manutenção e expansão da atividade postal propriamente dita. O lucro aqui envolvido não serve para angariar riqueza ou distribuir dividendos entre terceiros, mas sim para cobrir os gastos do exercício de seu objeto social. Parte dessa renda serve, ainda, para investimentos na melhoria e expansão dos serviços (exclusivos ou não) e melhoria das condições de trabalho de seus empregados. Ao revés, o “intuito meramente lucrativo” visa à obtenção de riqueza desvinculada das necessárias continuidade da prestação e expansão da atividade econômica. Ela se volta à distribuição de parcelas desta riqueza entre seus beneficiários, afastando-se do caráter teleológico de sua atividade geradora. Dessa forma, concluímos que o serviço de encomendas tem, sim, fins lucrativos, mas não fins meramente lucrativos. O lucro por ele obtido visa custear, em parte, as despesas relacionadas a sua prestação, sendo certo que a outra parte está voltada à concretização das finalidades essenciais da ECT. De fato, não está voltado à descompromissada obtenção de riqueza. Nessa perspectiva, o que diferencia o serviço de encomendas dos serviços estritamente privados e tributáveis pelo ICMS não é o fato de aquele almejar o lucro, mas sim de destinar a totalidade desse lucro à manutenção dos serviços que figuram como objeto social desta empresa pública. Para além disso, aplicam-se, aqui, as festejadas razões esboçadas pelo STF nos autos do Recurso Extraordinário 627.051/PE Por tais circunstâncias, e reiterando a vinculação da receita de tais Daí porque se afirma que é característica intrínseca das relações empresariais a onerosidade. 4

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serviços às finalidades essenciais da ECT, entende-se que o transporte de encomendas refoge à incidência de ICMS, a eles também se aplicando a imunidade tributária recíproca. 3. Considerações finais À guisa de conclusão desta segunda parte, pode-se afirmar que os serviços de telegrama, carta via internet, logística integrada e armazéns são imunes ao ICMS, pois suas receitas estão vinculadas às finalidades essenciais da ECT. Especificamente quanto aos serviços de telegrama e carta via internet, mercê da vinculação de suas receitas às atividades essenciais da ECT, são de titularidade exclusiva desta empresa pública por expressa disposição legal, sendo certo que este último se caracteriza apenas como uma forma de prestação do serviço de carta convencional, já abrangido pelo privilégio postal. Quanto aos serviços de logística integrada e armazéns, concluise que ambos são indispensáveis à própria existência do fluxo postal e dos demais serviços prestados pela ECT (sejam eles exclusivos ou não), circunstância esta que lhes confere a imunidade tributária em seu aspecto mais significativo. Em relação ao serviço de encomendas, também restou assentada a sua vinculação às finalidades essenciais da ECT, cuja receita é indispensável à manutenção e aprimoramento de todos os serviços prestados por esta empresa pública. Conforme demonstrado, trata-se de entendimento jurisprudencial atualmente consolidado em caráter majoritário no âmbito do STF, o que revela a tendência de ser estendido a todos os serviços da ECT a imunidade tributária recíproca de maneira irrestrita. 4. Referências ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 5ª Ed. São Paulo: Método, 2011. BULOS, Uadi Lammêgo Bulos. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico para concursos. Salvador: JusPodivm, 2011. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Curso de Direito Tributário. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 62


MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer: consulta formulada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. São Paulo, 19/08/2005. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

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INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, SUA RELAÇÃO COM A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E O FEDERALISMO FISCAL HERIKA CRISTIANE DE OLIVEIRA ROSA Formada em Direito e Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas/Goiás, prestou consultoria jurídica no ramo do Direito Eleitoral e Partidário ao Partido Social Liberal-PSL no período de 2001 a 2005, posteriormente, no período de 2006 a 2008 atuou na consultoria da Assessoria de Pesquisa EstratégiaAPE, órgão de inteligência do Ministério do Trabalho -MTE, na apuração de fraudes contra os programas Seguro-Desemprego, FGTS, Seguro-Defeso, PIS e outros. Atualmente, é advogada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT, na GJUR-05/SE e eventual do Consultor Jurídico da DR/SE. BRUNO CHAGAS COSTA DE VASCONCELOS Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza e Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Araras -SP, advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, atualmente em exercício de suas atividades na Consultoria Jurídica da Diretoria Regional do Ceará. – CONJUR/DR/CE. RESUMO O presente artigo se propõe analisar a intervenção do Estado no domínio econômico, abordando os fatores que ensejaram a intervenção na economia, com o intuito de relacionar essa intervenção à imunidade tributária, ressaltando, para tanto, os principais aspectos dessa relação, além de seus efeitos, tendo como fundamento a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Palavras-chave: Intervenção direta. Intervenção do Estado. Domínio econômico. Federalismo. Distribuição. Concentração. Imunidade Tributária. Empresa Pública. Reciprocidade. Interesse Social.

ABSTRACT This article aims to analyze the state intervention in the economic domain, addressing the factors that gave rise to the intervention in the economy, in order to relate this action to tax immunity, pointing to both the main aspects of this relationship, and its effects, taking as a basis the 64


value of human labor and free enterprise. Keywords: Direct intervention. State intervention. The economic domain. Federalism. Distribution. Concentration. Immunity Tributary. Company Publishes. Reciprocity. Social Interest.

Sumário 1. Introdução 2. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico 2.1. Aspectos gerais sobre a intervenção do Estado no domínio econômico 3. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico sob a Ótica da Imunidade Tributária 4. Imunidade Tributária Recíproca e a Empresa Pública 5. Conclusão 6. Referências 1. Indrodução Com o desenvolvimento histórico da humanidade é possível verificar inúmeras formas de constituição de Estados, desde os autoritários e totalitários até democráticos, ocorrendo essa mesma visualização na economia dos povos que passa por diversas formas, desde as mercantilistas até as comunistas. A intervenção dos Estados mundialmente implantados é regra e se dá de muitas formas no curso econômico, atingindo assim a vida cotidiana de cada cidadão. Nesse intuito, os Estados Democráticos de Direito se beneficiam de inúmeras formas legais, procedimentais e sistemáticas. No Brasil, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder nos idos de 1930, tomou corpo o Estado desenvolvimentista, caracterizado pela forte intervenção do Estado na ordem econômica, onde este financiava o seu próprio desenvolvimento, executando, através das empresas estatais, todos os tipos de atividades e serviços públicos. Por outro lado, o modelo moderno propõe que o Estado, em defesa do interesse social, crie medidas governamentais sob a economia, sendo ele um grande parceiro e principal incentivador do crescimento e do desenvolvimento econômico, principalmente no sentido de viabilizar a atividade econômica e elevar os resultados da economia. Nesse sentido, atualmente, a ordem econômica brasileira funda-se no sistema da propriedade privada dos meios de produção, cujos princípios encontram-se arrolados no art. 170 da Constituição Federal. A intervenção ocorre com a exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado, autorizada pelo art. 173 da Constituição Federal, desde que presentes imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, tais

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como qualificação legal; além de atuar como agente normativo e regulador da economia, nos casos previstos no art. 174 da Constituição Federal Brasileira. A exploração direta da economia pelo Estado ocorre de duas formas: sob o regime de monopólio, nos casos previstos na Constituição Federal e sob o regime da competição, mediante a criação de empresas estatais, que atuem diretamente nas áreas de indústria, comércio ou prestação de serviços. A intervenção do Estado não é ilimitada e desmedida, ela se constrói nos limites impostos pela Constituição, apesar de gozar de certos privilégios decorrentes da própria finalidade a que se impõe a intervenção que é o bem estar social. A intervenção estatal não ocorre de forma isolada, ela depende de fatores que a viabilizam e ao mesmo tempo proporcionam isonomia. Assim, visando um melhor entendimento da matéria, necessário se faz esclarecer que o Brasil adota o modelo de República Federativa que consiste na divisão de poderes entre as organizações governamentais. Esta forma de Estado (Federal) foi adotada pelo Brasil, conforme dispõe o artigo 1º da Magna Carta: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

A República Federativa do Brasil é composta por quatro entes que possuem competências ou prerrogativas garantidas pela Constituição Federal. Esses entes federados são dotados de autonomia interna, entretanto somente o Estado Federal detém a soberania, inclusive para fins de direito internacional. A forma federativa de estado é imodificável, pois foi estabelecida pelo legislador constituinte como condição de cláusula pétrea (art. 60, § 4º da CF/88). No entendimento de Moraes1: Ao definir a competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Constituição confere a cada uma dessas pessoas o poder de instituir tributos, que serão exigíveis, à vista da ocorrência concreta de determinadas 1

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MORAES, 2010. p. 150.


situações, das pessoas que se vincularem a essas mesmas situações.

Em breve análise sobre a imunidade tributária no Brasil, temos que a primeira constituição, do ano de 1824, não tratou sobre o tema de forma expressa. No entanto, já estabelecia que o socorro público e o ensino primário eram gratuitos (art. 179, XXXI e XXXII). A Constituição de 1988 manteve as imunidades das constituições anteriores, somente trazendo novos sujeitos imunes, como por exemplo, as fundações mantidas pelos partidos políticos e entidades sindicais trabalhistas (art. 150, VI, “c” da CF/88). Mas o que é imunidade tributária? É a impossibilidade de cobrança de tributo estabelecida pela Constituição Federal. Essa imunidade no caso dos entes federados é recíproca. Entende-se por imunidade recíproca a proibição imposta a um ente político detentor de competência tributária para instituir impostos de exercer essa prerrogativa sobre o patrimônio, a renda ou os serviços de outras entidades políticas. Na verdade, tal mecanismo visa repelir a interferência de um ente federado sobre o outro e, ao mesmo tempo, visa assegurar a igualdade de condições. O tema proposto não tem o condão de discorrer sobre a carga tributária ou os efeitos da imunidade, mas sim, analisar e descobrir novas formas de se viabilizar a aplicação de uma interpretação sistemática e teleológica em benefício especial dos entes públicos de direito privado, entre eles, as empresas públicas prestadoras de serviços públicos, valorizando, sobretudo, o trabalho humano e defendendo a livre iniciativa. 2. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico Entende-se por intervenção a intensidade da atuação do Estado em âmbito econômico, atualmente, sob o manto de um modelo neoliberal, e considerando essencialmente os verdadeiros limites constitucionais da execução direta da atividade econômica estatal. Segundo conceitua Washington de Souza, a intervenção possui sentido etimológico, que significa ação ou efeito de intervir, político, traduzindo uma ação excepcional, necessidade da autoridade para restabelecer a ordem estatuída, e jurídico, em razão da legitimidade, acerca dos princípios de direito.2 A intervenção não é regra e deve ser entendida como suplementar e excepcional, sendo realizada através do conjunto de exercícios do Estado 2

SOUZA, apud DANTAS, 1999. p.83

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sobre o sistema econômico, cujo papel é essencialmente da iniciativa privada. Tendo em vista as minúcias encontradas nas relações econômicas e sociais, as Constituições devem se dedicar à ordem econômica com relevante atenção. Nesse sentido, a Constituição econômica pode ser compreendida, na visão de Gomes Canotilho como “o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia”.3 A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar do fato econômico, apesar da Constituição de Weimar de 1919, já ter fixado tal modelo, pregando que a Ordem Econômica e Social deveria reger-se por princípios básicos. Nesse contexto, a intervenção do Estado no campo econômico se encontrava liberada, mas ao mesmo tempo, se mantinha fortalecida pela crise econômica mundial, que necessitava de uma atuação estatal mais rígida, contínua e ampla. Então que surge a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas. Esta visava impor uma economia corporativista no lugar do capitalismo, na qual a produção se estabelecia em corporações, que seriam vistas como órgãos estatais, exercendo atividades delegadas do Poder Público. A era Vargas foi caracterizada pela forte intervenção do Estado na ordem econômica, onde este financiava o seu próprio desenvolvimento, executando, através das empresas estatais, todos os tipos de atividades e serviços públicos. Em contrapartida, a Carta Magna de 1946 retomou o sistema capitalista de 1934, porém, ao mesmo tempo, era permissiva, admitindo a intervenção estatal na esfera econômica o que também ocorreu com o modelo constitucional de 1967. Durante todo esse período, era intenso o dirigismo econômico, mesmo praticado em prol da economia de mercado e da livre concorrência. A Constituição de 1988 coincidentemente foi promulgada às vésperas da queda do Muro de Berlim, acontecimento histórico que viabilizou o surgimento de mudanças na concepção do Estado-Empresário, e, ao mesmo tempo, contribuiu para a retomada de preceitos constitucionais anteriores acerca do tema, uma vez que no capitalismo, a ideia é de um Estado não-intervencionista, proporcionando uma maior atuação do setor privado.

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MOTTA; DOUGLAS, 2001.


2.1. Aspectos gerais sobre a intervenção do Estado no domínio econômico Na medida em que o Estado, a disposição do que disciplina a ordem constitucional vigente, realiza o papel de interventor na economia, ele o faz, dentre outras formas, por meio de incentivos fiscais, visando, com isso, equilibrar a economia, de modo a fomentar a justa distribuição de renda e a maximizar o desenvolvimento igualitário das regiões que compõem o território nacional, atendendo, assim, aos mandamentos previstos, sobretudo, no Art. 23 da CF/88, que trata das competências comuns atribuídas aos entes federativos. Essa intervenção na economia por parte de Estado, que pode se dar não só por meio de incentivos fiscais, deve respeitar o chamado federalismo fiscal, corolário do chamado “pacto federativo”, meio pelo qual se adota um sistema do cooperação (federalismo de cooperação) entre os entes federativos, a saber, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Destarte, antes de posteriores considerações sobre a intervenção do Estado no domínio econômico sob a vertente da imunidade tributária – cerne do presente trabalho – oportuno mostra-se dissertar, brevemente e a título meramente introdutório, aspectos inerentes ao intervencionismo estatal sob a ótica da CF/88. Pois bem. No capítulo que dispõe sobre a ordem econômica e seus consectários, a CF/88 autoriza, em seu art. 174, que o Estado intervenha no domínio econômico. Veja-se: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Em interpretação literal ao dispositivo constitucional acima transcrito, o exegeta conclui que o Estado, arvorando-se na condição de agente regulador, impõe regras e condições para o pleno exercício das atividades econômicas, objetivando, assim, fomentar a plena fluência da economia nacional, bem como plena integração entre a iniciativa pública e a privada. Nesse sentido, válido transcrever o escólio de Salomão Filho4, que assim ensina:

O Estado impõe regras e condições por meio da denominada

4

SALOMÃO FILHO, 2001. pp. 30-35

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“função de polícia”, para a realização de determinada atividade econômica, de forma a manter o equilíbrio econômico, preservar a livre iniciativa e concorrência, e ainda proteger o consumidor de eventuais danos causados pela conduta das empresas atuantes no mercado.

Ao se relatar os incentivos a que se refere o artigo constitucional supratranscrito, tem-se que estes servem para determinados setores da economia, visando ao aumento das externalidades positivas. Dessa forma, a intervenção do Estado objetivando o incentivo econômico, se dá na forma de fomento, os quais podem ocorrer sob as mais diversas nuances, tais como empréstimos, subsídios, parcerias público-privadas etc., sendo de maior destaque, na ocasião, a concessão da imunidade tributária, cuja importância se destaca, por ser de índole material e formalmente prevista no texto constitucional, tudo em inarredável respeito ao princípio da isonomia, cláusula pétrea prevista no artigo 5º da Carta de 1988. Deveras, com propriedade ensina Borges (1994, p. 91) que “A legalidade assume, na Constituição Federal de 1988 um papel eminentíssimo (CF, art. 5°, caput I e II)”. Nos exatos termos da CF/88, a título exemplificativo, a União poderá utilizar-se de contribuições interventivas como instrumento de sua atuação no domínio econômico. Tal exação, assim, servirá como instrumento para a União intervir no domínio econômico. De acordo com Grau (2003, p. 126), o esforço para se definir a expressão “domínio econômico” resta atenuado, vez que, a ideia central refletida pela Constituição é a de que se trataria do loco reservado à atuação dos agentes econômicos privados, no exercício da atividade econômica em sentido estrito. Com esse substrato constitucional, a Doutrina de Pimenta (2002, p.38-40) discriminou essa intervenção do Estado em duas formas, a saber, direta e indireta. Pela primeira, o Estado intervém no domínio econômico, como verdadeiro agente, assumindo integralmente (por absorção) ou parcialmente (por participação) o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor da atividade econômica em sentido estrito. Ou seja, o Estado, através de um ente com personalidade jurídica própria (empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária), atua no domínio econômico, seja sob o regime de monopólio, seja em concorrência com os demais agentes econômicos da iniciativa privada. Assim, o Estado ao intervir de forma indireta na economia, limita-se em condicionar a atividade econômica, e acaba exercendo a função normativa e regulatória, como enuncia a Constituição de 1988. Assim, o Estado acaba

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exercendo uma pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas; diante da posição adotada por ele, cabe escolher qual o caminho mais favorável a ser tomado, para gozar de melhores condições para o exercício da atividade econômica. Em relação à intervenção, Grau (2003, p. 127), entende que “O Estado intervém não mais no domínio econômico, porém sobre ele”. Vale dizer, portanto, que a Constituição Federal não limita o exercício da função regulatória pelo Estado à adoção de medidas de caráter positivo. Ao contrário, a Constituição preocupa-se em fomentar uma intervenção estatal visando à consecução dos objetivos elegidos nela como finalidades que espelhem os princípios da ordem econômica, seja através de uma ação negativa, seja através de uma ação positiva. A adoção, pelo Estado, de políticas econômicas e medidas administrativas ou legislativas no âmbito econômico deverá, sim, levar em conta os fundamentos e os princípios norteadores da ordem econômica explicitados no art. 170, abaixo transcrito: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

Assim, se uma intervenção no domínio econômico for necessária, é de bom alvitre considerar que é importante passar pelo crivo do princípio da proporcionalidade latu sensu, em seus três aspectos (adequação, necessidade e proporcionalidade), instrumento essencial ao Estado Democrático de Direito e garantidor da efetivação dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados e da proibição do excesso das medidas estatais. 3. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico sob a Ótica da Imunidade Tributária O Estado possui diversas formas de intervir no domínio econômico. Contudo o presente trabalho limita-se a dissertar sobre a imunidade tributária e sua relação com o escopo interventor do Estado na economia. Antes de adentrarmos o assunto, cabe fazer uma breve explanação

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sobre o que vem a ser o Federalismo e de que forma ele interfere na questão da imunidade tributária. O federalismo se constituiu historicamente como uma forma bem sucedida de equacionar conflitos democraticamente, quando da existência de diversidades regionais, culturais, linguísticas e/ou étnicas. O termo federal vem do latim foedus, que significa pacto. Assim, os vários núcleos de poder, formados pelas unidades locais, subnacionais e pela união federal, coadunam os princípios de autonomia e interdependência, institucionalizando um contrato garantidor dos direitos de cada um e de interesses comuns, a exemplo da proteção interna e externa, direitos, deveres e obrigações uns para com os outros. Nessa seara, não existe uma acepção unânime em relação ao termo federalismo. Um conceito genérico define o pacto federativo como a união de entes federados (estados, colônias, regiões) dotados de autonomia e submetidos a um poder central, geral, dotado de soberania. A hierarquização do poder central para com os entes federados pode ou não ocorrer, e a autonomia destes pode ser de várias amplitudes, conforme a disposição constitucional. A constituição, aliás, é a Carta Magna, reguladora da federação e das competências de seus entes; é o texto legal que determina de que maneira funciona o pacto federativo em função de uma ordem jurídica estabelecida. O pacto federativo, no Brasil, está disposto na distribuição das competências político-administrativas da Constituição Federal, sendo que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição. A forma federativa do Estado é cláusula pétrea, rígida, e não pode ser abolida por meio de emenda constitucional, mas, somente, mediante a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, na sua condição de poder constituinte originário. Compreendem a Federação brasileira, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Os bens que pertencem à União e aos Estados estão especificados na Constituição, sendo bens públicos e, portanto, impenhoráveis. A Constituição não faz referência expressa as quais sejam os bens dos Municípios e do Distrito Federal, sendo-lhes atribuído, de maneira residual, o domínio daqueles bens que estiverem dentro dos seus limites territoriais e não pertencerem à União ou aos Estados. As competências administrativas de cada ente federado estão dispostas na Constituição, sendo que a administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência. Existem outros princípios inerentes 72


à administração pública, implícitos ou explícitos por todo o texto constitucional, os quais se revestem de eficácia jurídica imediata e direta. As competências político-administrativas, definidas pela Constituição Federal, ensejam metas que, para serem cumpridas pelos entes da federação, requerem a obtenção de recursos. A fim de garantir esses recursos, foram estabelecidas as competências tributárias, que compõem o federalismo fiscal. A repartição de receitas tributárias visa o equilíbrio da distribuição dos ingressos e receitas entre os entes federativos. As competências tributárias não são concorrentes, isto é, onde um ente da federação tributa, o outro não o pode fazer, sob pena de haverem bitributações. A repartição de competências e de metas pela Constituição visa garantir uma maior eficiência na administração pública, pois os entes federados parciais possuem um maior conhecimento das necessidades da sua população local do que o ente central. Assim como a divisão de metas descentraliza a atuação do Estado, a divisão de receitas torna a execução de tais metas possível por meio da obtenção de recursos próprios. Esses recursos são obtidos, em sua maioria, por meio de tributos, que podem ser impostos, taxas e contribuições, conforme a sua natureza. A Constituição da República de 1988 inovou o plano de divisão de competência tributária, seja alterando a competência para determinados tributos, seja reformulando a política de compartilhamento das receitas decorrentes da arrecadação, procurando dotar os entes federados de recursos suficientes para concretizar as autonomias asseguradas no texto constitucional, objetivando precipuamente o atingimento do interesse social. Ao passo em que é necessária a tributação num Estado Democrático de Direito, também é necessário que se limite o Poder de Tributar do ente Estatal, isto porque a tributação excessiva pode levar à opressão da liberdade. Em consequência desta realidade o constituinte limitou o poder de tributar, protegendo dessa forma a liberdade do cidadão. As limitações constitucionais ao Poder de Tributar são as seguintes: as proibições de privilégio odioso (arts. 150, II, 151 e 152 da CR/88); as proibições de discriminação fiscal, que nem sempre estão expressas na Constituição; os princípios constitucionais tributários (arts. 150, I, III e §§ 5º e 6º da CF/88); e por fim as imunidades tributárias, que possuem sede constitucional (art. 150, IV, V e VI da CF/88) e serão o objeto de estudo dos próximos capítulos. Com escopo de situar, na visão do Legislador e do Constituinte Originário, a temática da isenção e da imunidade tributária, primeiramente deve-se diferenciar os seus respectivos conceitos. Para tanto, veja-se o que o Código Tributário Nacional, tem a dizer sobre a isenção, em seu Art. 176, 73


abaixo transcrito:

Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Já a imunidade tributária consubstancia-se em regra de nãoincidência tributária constitucionalmente prevista. Ou seja, enquanto a isenção tributária implica em regra de não-incidência tributária por força de Lei, a imunidade configura a não incidência de tributos por força do próprio ordenamento constitucional. Em termos objetivos, define-se que a imunidade atua no plano da definição da competência tributária, tem previsão constitucional e é uma hipótese de não-incidência qualificada, enquanto que a isenção atua no plano do exercício da competência tributária, é definida por lei infraconstitucional e é uma hipótese de exclusão do crédito tributário. As regras atinentes à imunidade tributária estão previstas no art. 150, VI, da CF/88. Vejamo-las: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

O Professor Paulo de Barros Carvalho traz o seguinte conceito de imunidade: 74


A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.5

O doutrinador constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos (2011, p 1451) conceitua as limitações do poder de tributar em, como sendo o conjunto de normas, de natureza declaratória, que funcionam como contraponto fiscal da declaração de direitos do Art. 5º da Carta Maior. Ricardo Lobo Torres (2004, p. 62) aponta as limitações do poder de tributar na consequente configuração: a) as imunidades ( art. 150, itens IV, V, e VI ); b) as proibições de privilégio odioso ( arts. 150, II, 151 e 152 ); c) as proibições de discriminação fiscal, que nem sempre aparecem explicitamente no texto fundamental; d) as garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança dos direitos fundamentais, como sejam a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade e a transparência ( art. 150, I, III, e §§ 5º e 6º ).

Segundo o mesmo doutrinador tributarista, as imunidades tributárias atuam como óbice ao próprio poder de tributar, uma vez que, afastando o campo de incidência de determinados tributos, implicam na vedação à tributação absoluta ditada pelas liberdades preexistentes, definidas segundo o rigor do Poder Constituinte Originário. Em outras palavras, a imunidade fiscal erige o status negativus libertatis, tornando intocáveis pelo tributo ou pelo imposto certas pessoas e coisas (TORRES, 2004, p. 63). Segundo o doutrinador Constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos (2011), os princípios constitucionais tributários atuam como norteadores das condutas dos poderes públicos e principalmente do legislador, limitando o poder de tributar do Estados e submetendo-os à imperatividade de suas restrições. 4. Imunidade Tributária Recíproca e a Empresa Pública Como dito, as imunidades tributárias configuram um dos exemplos de intervenção do Estado no domínio econômico. Dentre as diversas 5

CARVALHO, 1999. p. 178.

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hipóteses de não-incidência tributária constitucionalmente previstas, merece destaque no presente trabalho a chamada “imunidade recíproca”, estampada no Art. 150, VI, “a” da CF/88. Por meio da imunidade recíproca é vedado “à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços, uns dos outros. Note-se que o texto constitucional, ao tratar da imunidade recíproca mencionou apenas “impostos”, e não “tributos”. Assim, apenas os impostos estão abrangidos por esta imunidade, podendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios cobrarem as demais espécies tributárias uns dos outros, dentre as quais pode-se grifar, como exemplo, as taxas. A presente limitação ao poder de tributar configura patente exemplo de intervenção do Estado no domínio Econômico e se traduz em cláusula pétrea, cujo escopo máximo é proteger o pacto federativo, na medida em que evita que um ente político esteja sujeito ao poder de tributar de outro. O Supremo Tribunal Federal assim já se manifestou em sede de ADIN. nº 9396. O § 2° do art. 150 estende esta imunidade “às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”. Assim, além da vedação de se cobrar impostos de um ente político em relação a outro, como proteção do pacto federativo, o Poder Constituinte também estende a mesma vedação em relação às autarquias e fundações públicas.

Nesse espectro, cumpre mencionar que a imunidade das autarquias e fundações públicas seria igual ao dos entes políticos, se não fosse a parte final deste parágrafo, que restringe a imunidade para as finalidades essenciais ou às decorrentes desta finalidade. No caso dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não há esta restrição, sendo que em qualquer circunstância um ente não poderá cobrar impostos do outro. O parágrafo 3° do art. 150 retira, da hipótese de imunidade, aquelas situações relacionadas à exploração de atividades econômicas, ao dispor que a imunidade recíproca, bem como a sua extensão às autarquias e fundações públicas “não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário...”. 6

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STF. ADI 939, Relator Ministro Sydney Sanches, Tribunal Pleno, publicado em 18/3/1994.


A finalidade deste parágrafo é homenagear o princípio da isonomia, pois se a imunidade também fosse estendida para estas situações os entes político, bem como as autarquias e fundações públicas, iriam concorrer de forma desigual com as demais empresas privadas exploradoras daquela atividade econômica, podendo oferecer seus produtos e serviços em um preço mais baixo, pois não onerados com os impostos pagos pelas empresas daquele setor. Igualmente, também naqueles casos em que haja a contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário a imunidade não alcança. Ocorre que nestes casos quem está arcando com a carga tributária não é o ente político, a autarquia ou a fundação, mas sim o usuário daquele produto ou serviço, razão pela qual não se há de falar em ofensa ao princípio do pacto federativo. Em suma, a presente imunidade está a indicar, expressamente, apenas os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como as autarquias e fundações públicas), como sujeitos abrangidos por tal benesse, indicando, do mesmo modo que, a princípio, a presente imunidade não se estenderia às sociedades de economia mista e empresas públicas. Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a presente imunidade também se estende à sociedade de economia mista e empresas públicas na qualidade de prestadoras de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. O presente entendimento da Corte Superior com relação às empresas públicas está consubstanciado no RE 407.099/RS7, ao analisar a imunidade tributária em relação à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, e consignada no informativo n° 353, abaixo transcrito: A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF, haja vista tratar-se de prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado (“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;”). Com base nesse entendimento, a Turma reformou acórdão do TRF da 4ª Região que, em sede de embargos à execução opostos por Município, entendera que a atual Constituição não concedera tal privilégio às empresas públicas, tendo em conta não ser possível STF. RE 407.099/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, publicado em 6/8/2004.

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o reconhecimento de que o art. 12 do Decreto-Lei 509/69 garanta o citado benefício à ECT. Afastou-se, ainda, a invocação ao art. 102, III, b, da CF, porquanto o tribunal a quo decidira que o art. 12 do mencionado Decreto-Lei não fora, no ponto, recebido pela CF/88. Salientou-se, ademais, a distinção entre empresa pública como instrumento de participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público. Leia o inteiro teor do voto do relator na seção de Transcrições deste Informativo. Precedente citado: RE 230072/RJ (DJU de 19.12.2002). RE 407099/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 22.6.2004.(RE-407099).

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é configurada na forma de empresa pública, cujos serviços são considerados como públicos, ou seja, ela presta serviços públicos cuja competência é da União (Artigo 175 da CF). Desta forma, a ECT não exerce atividade econômica em sentido estrito. Não sendo, portanto, colocada para concorrer com as empresas privadas. Como os serviços públicos são exclusivos do Estado, pode-se depreender deste ponto, que incide sobre a ECT a imunidade recíproca, configurada no artigo 150, VI, “a” da CF, não podendo ser exigido da mesma, o IPVA bem como as sanções decorrentes do não pagamento de tal tributo. Por conta disso, sabemos que os §§ 1º e 2º do artigo 173 da CF, não se aplicam a empresa pública prestadora de serviço público. Para ratificar esta ideia, vemos no artigo 21 da Carta Magna brasileira, que a ECT é uma empresa pública prestadora de serviço público de competência da União. Com relação às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, a imunidade recíproca também foi a esta reconhecida pela Corte Suprema em AC 15508 consignada em informativo de n° 456, trazemos à colação parte do voto do Ministro Relator: ...Conforme atestam os documentos juntados aos autos, a Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia – CAERD é sociedade de economia mista prestadora do serviço público obrigatório de saneamento básico (abastecimento de água e esgotos sanitários) e, portanto, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, está abrangida pela imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, “a”, da Constituição. Outro não foi o entendimento esposado pelo voto vencido no acórdão impugnado pelo recurso extraordinário (fls. 131-140): “Nitidamente, constata-se que de atividade econômica, estrito STF. AC 1550/RO, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, publicado em 18/5/2007.

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sensu, nada possui a CAERD, porquanto está a cargo de cumprir, como acentua sua lei de instituição, as metas das políticas de saneamento do Poder Público (...) Inegavelmente se trata de um múnus público-estatal para cumprimento de mais uma atividadeobrigação do Estado, qual seja, o saneamento básico. (...) É de observar que a apelante, efetivamente, é prestadora de serviço público obrigatório, não podendo ser comparada às empresas privadas, devendo, portanto, ser beneficiada pela imunidade tributária

A discussão do presente assunto passa pelo art. 173, § 1°, II que ao permitir ao Estado a exploração direta da atividade econômica, condicionando aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, dispôs que as empresas públicas e sociedades de economia mista estarão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas. O entendimento da Suprema Corte é o de ressalvar desta regra aquelas empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos que cabem ao Estado obrigatoriamente prestar. Assim, o Supremo Tribunal Federal não se ateve a uma interpretação literal do § 2° do art. 150 da Constituição Federal, mas buscou o fundamento da regra imunizante, estendendo a imunidade recíproca para as sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de serviços públicos, pois são prestadoras de serviços obrigatórios, não devendo receber o mesmo tratamento das demais empresas privadas. Portanto, a imunidade recíproca alcança os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), as autarquias e fundações públicas, bem como as sociedades de economia mista e empresas públicas, quando prestadoras de serviços públicos de prestação obrigatória pelo Estado. Por fim, deve-se mencionar que, recentemente, em 28 de fevereiro de 2013, ao julgar o Recurso Extraordinário 601.3929, o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou que “a imunidade tributária recíproca – nos termos do artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal (que veda a cobrança de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços entre os entes federados) – alcança todas as atividades exercidas pelos Correios.” O tema teve repercussão geral reconhecida. A decisão da Suprema Corte foi condizente com o argumento suscitado pela ECT, de que a decisão recorrida contrariava o artigo 21, inciso X, da Constituição Federal, segundo o qual compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, razão pela qual o STF deveria STF. RE 601.392/PR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, publicado em 5/6/2013.

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reconhecer a “imunidade completa” de suas atividades, uma vez que todos os seus rendimentos estariam condicionados à prestação de serviço público. De acordo com o ministro Dias Toffoli, “a imunidade deve alcançar todas as atividades desempenhadas pela ECT, inclusive as atividades afins autorizadas pelo Ministério das Comunicações, independentemente da sua natureza”. O ministro destacou que se trata de uma empresa pública prestadora de serviços públicos criada por lei para os fins do artigo 21, inciso X, da Constituição Federal e afirmou que todas as suas rendas ou lucratividade são revertidas para as“finalidades precípuas”. Tal entendimento foi acompanhado pela maioria dos Ministros da Suprema Corte. 5. Conclusão Percebemos ao longo da pesquisa, que o entendimento firmado é no sentido de que as empresas públicas, que exercem atividades públicas, ou seja, prestam serviços exclusivamente públicos cujo domínio é de um ente federado, podem ter as mesmas prerrogativas que estes entes, como por exemplo, a imunidade recíproca, instituída pelo artigo 150, VI, “a” da CF. Agora, as empresas públicas, que prestam atividades econômicas em sentido estrito, ou seja, quando sua instituição foi justificada pelo imperativo da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, devem estas, serem regidas pelo mesmo regime jurídico das empresas privadas. Pois ao contrário, poderiam as empresas privadas sofrer concorrência desleal com as empresas públicas. Isso comprova que, da mesma forma com que o Estado tem o poder de condicionar comportamentos sociais, tem, também, a importante atribuição de incentivar e planejar o desenvolvimento da atividade econômica. Assim, a realização das funções e atividades inerentes à atuação estatal na economia, além dos elevados custo que lhe são próprios, exige a adoção de inúmeros instrumentos, dentre os quais aqueles de caráter regulatório e de intervenção na ordem econômica e social, podendo os mesmos estar ou não vinculados às políticas de natureza fiscal (receita e despesa). Nesse aspecto, dentro do chamado federalismo fiscal, surgem diversos mecanismos aptos a permitir a intervenção do Estado no domínio econômico, dentre os quais se destaca-se a tributação, bem como as hipóteses constitucionais de não incidência tributária, denominadas pelo constituinte de imunidades tributárias, com previsão no art. 150, da CF/88. Destarte, o presente trabalho objetivou explanar, de maneira concisa, 80


dada a profundidade e a complexidade que o tema envolve, a intervenção estatal na economia por meio das imunidades tributárias, destacando-se, dentre elas a imunidade recíproca, disciplinada no art. 150, VI, “a” da CF/88. Visou-se, por fim, expor o atual posicionamento jurisprudencial sobre a incidência da imunidade tributária recíproca no âmbito das sociedades de economia mista e das empresas públicas, destacando-se, por oportuno, o entendimento consagrado pela Suprema Corte no que diz respeito à aplicabilidade da imunidade recíproca à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, e sua repercussão no hodierno cenário político e econômico. 6. Referências ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2009. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária - 6ª ed., 9ª tiragem – Malheiros Editores – São Paulo - 2009. BORGES, José Souto Maior. Incentivos Fiscais e Financeiros. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n° 8, 1994. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Imunidades tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 5ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2000. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 11ª Ed., São Paulo: Editora Método, 2007. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2009. MACHADO, Hugo de Brito. Imunidades tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2009. 81


MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2010. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Dialética, 2002. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

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IMUNIDADE OU INCIDÊNCIA DE TRIBUTOS SOBRE A IMPORTAÇÃO DE BENS POR EMPRESA ESTATAL: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA IVAN CANNONE MELO Advogado junto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, desde 21/09/2005, com formação em Direito pela Faculdade de Direito de Bauru, Instituto Toledo de Ensino e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera. RESUMO A imunidade tributária das empresas estatais prestadoras de serviço público - Imunidade conferida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Evolução histórica do tema junto na jurisprudência brasileira. Identificar os fundamentos que levaram a Suprema Corte a estender a imunidade tributária à ECT e sua implicação nos impostos incidentes na importação de bens pela ECT. Palavras-chave: Imunidade, serviço público, ECT, imposto de importação, ativismo judicial

ABSTRACT The tax immunity of the public companies that provides public service - Immunity guaranteed to the Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Historical evolution of the theme in Brazilian jurisprudence. Identify the reasons which led the Supreme Court to extend the tax exemption to ECT and its implication in taxes levied on import of goods by ECT Keywords: Immunity, public service, public company, ECT, import tax, judicial activism.

Sumário: 1. Introdução 2. Ativismo Judicial e a Evolução da Jurisprudência Pátria Quanto à Imunidade Tributária Recíproca 3. Requisito Específico à Extensão da Imunidade Tributária ao Imposto de Importação 4. Fundamentos à Concessão da Imunidade Tributária Recíproca sobre os Impostos Incidentes na Importação 4.1. Da fonte de recursos da ECT. Impossibilidade de oneração, por meio de impostos, das atividades necessárias ao equilíbrio financeiro da ECT 83


4.2. Impossibilidade de se atestar, no momento da importação, a destinação do bem. Impossibilidade de cisão do patrimônio do importador para fins de imposto sobre importação 5. Conclusão 6. Referências 1. Introdução A noção de imunidade tributária originou-se no Império Romano, com a desoneração dos templos religiosos e dos bens públicos, mas somente em 1819, como o julgamento do caso McCulloch vs Maryland, surge a ideia de imunidade tributária recíproca. A relação jurídico-tributária funda-se na premissa da existência de uma sujeição da pessoa tributada em relação a quem tributa. Neste sentido, a imunidade tributária recíproca, objetivando garantir a igualdade entre os entes federativos e preservar o pacto federativo, veda a instituição de impostos uns sobre os outros. A imunidade tributária recíproca encontra-se presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, sendo que a Constituição Federal de 1988 somente dispôs sobre a imunidade dos Entes Políticos, Autarquias e Fundações Públicas por elas instituídas e mantidas, quedando-se inerte em relação às empresas públicas. A doutrina moderna, identificando referida omissão e partindo do princípio de que a imunidade tributária recíproca, também denominada de ontológica, por preservarem o sistema federativo de estado, deve ser estendida às Empresas Públicas, quando prestadoras de serviços públicos. 2. Ativismo Judicial e a Evolução da Jurisprudência Pátria Quanto à Imunidade Tributária Recíproca Vivemos um momento marcado pelo ativismo judicial, cenário caracterizado pela interferência do Poder Judiciário de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes, postura característica e de origem na Suprema Corte Norte-Americana. Se por um lado os países que adotam o sistema da common law iniciaram um processo de intensificação na produção legislativa, no Brasil, partidário do sistema da civil law, a teoria dos precedentes jurisprudenciais vem tomando força, posto que, mostra-se impossível à lei prever todas as situações juridicamente relevantes, cabendo à jurisprudência suprir estas lacunas. Neste sentido, como uma das fontes do direito, a jurisprudência

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brasileira vem ganhando paulatina importância na criação de normas, mas sobre muitos temas ainda não se mostra consolidada, sendo passível de vertiginosas mudanças de posicionamento, causando assim, odiosas incertezas jurídicas. É neste cenário que nos encontramos, com a jurisprudência, em especial a do Supremo Tribunal Federal, em um primeiro momento atestando a existência da imunidade tributária à ECT e agora, em um segundo, discutindo eventuais limites de tal imunidade. No que tange a imunidade tributária aplicada à ECT há importantes decisões do Pleno do Supremo Tribunal Federal que versam sobre a matéria, constituindo precedentes importantes em relação a futuras demandas. O primeiro caso refere-se ao julgamento conjunto de três Recursos Extraordinários interpostos pela ECT, onde restou reconhecido sua equiparação à Fazenda Pública sendo-lhe aplicada a regra do art. 100 e seus parágrafos, da Constituição Federal, que determina o pagamento de débitos pela Fazenda Pública oriundos de sentenças judiciais por meio de precatórios. Tais decisões basearam-se na questão de ser uma prestadora de serviço público de alta relevância, razão pela qual, o Decreto-Lei n.º 509, de 20 de março de 1969, ao criar a ECT, em seu art. 121 estendeu a ela os privilégios concernentes à Fazenda Pública, determinando a impenhorabilidade de seus bens, sendo, em tais recursos atestada a recepção do art. 12 do Decreto-Lei n.º 509/69 pela Constituição de 1998. Os Recursos Extraordinários números 220.906, 225.011 e 229.696 que tratam da matéria foram julgados conjuntamente na sessão Plenária de 16 de novembro de 2000, sendo conhecidos e providos por maioria, nos seguintes termos: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa Decreto-lei n.º 509, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0509. htm>. Acesso em: 10 maio. 2013. “Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais”.

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jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido2.

Acompanhando renomada doutrina, e voto do Ministro Maurício Corrêa, acertadamente os ministros da Suprema Corte deram provimento aos recursos. Dos votos proferidos extraímos os seguintes pronunciamentos: A recorrente é empresa pública criada pelo Decreto-Lei n.º 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído integralmente pela União Federal (art. 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública. [...] No caso sub examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X). [...] Assim, não se aplicam às empresas públicas, sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, §1º, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173, §2º). [...] Assim, a exploração de atividade econômica pela ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos não importa sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, pois sua participação neste cenário está ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da Constituição Federal (“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição...”), por se tratar de serviço público mantido pela União Federal, pois seu STF. RE 225011, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, publicado em 19/12/2002.

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orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes fixadas pela Lei n.º 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei n.º 9.673/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento – Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional, conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à contra-capa destes autos. Logo, são impenhoráveis seus bens por pertenceram à entidade estatal mantenedora.

Em que pese tais recursos não tratarem da imunidade tributária, foram de inegável importância para a extensão da imunidade à ECT, pois, fixou a diferença entre as empresas prestadoras de serviço público das que exercem atividades econômicas, bem como, franqueou a estas, quando presente autorização legal, a extensão dos privilégios da Fazenda Pública em relação às empresas públicas. Em um segundo momento, quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 407.099, julgado em 22 de junho de 2004, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a ECT sustentou a ofensa ao art. 150, VI, a, da Constituição, pois este se aplicaria a ela a despeito do disposto pelo § 3º do mesmo art. 150. Em suas razões recursais, com base nos precedentes jurisprudenciais inerentes ao julgamento dos RE n.º 220.906, 225.011 e 229.696, a ECT sustentou que o art. 173, § 2º, da CF aplica-se exclusivamente às empresas públicas que exploram atividade econômica em regime de concorrência com o setor privado, não incidindo essa regra nas hipóteses em que a empresa pública se destinar à prestação de serviço público, como seria o seu caso. O recurso foi, provido por unânimidade, sendo relatada pelo Ministro Calos Velloso, que assim ementou o julgado: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido3. STF. RE 407099/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, publicado em 6/8/2004.

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Na fundamentação do referido acórdão atestou-se a distinção entre as empresas públicas prestadoras de serviços públicos e as que exercem atividade econômica, sendo que aquelas têm natureza jurídica de autarquia, aplicando-se, portanto, o parágrafo 2º do artigo 150, VI da Constituição Federal. Segue trecho do voto proferido: É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F. art. 173, §1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no §1º do art. 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, §6º). (...) fazendo-se a distinção entre empresa pública como instrumento da participação do Estado na economia e empresa pública prestadora de serviço público – não tenho dúvida em afirmar que a ECT está abrangida pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), ainda mais se considerarmos que presta ela serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, CF, art. 21, X.

A imunidade tributária conferida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, decorre do entendimento de que, na qualidade de longa manus da União, presta serviço público e em razão disso não pode sofrer a incidência de impostos, por força do artigo 150, VI, a, da CF, independentemente da discussão acerca da recepção do art. 12 do Decreto-Lei n.º 509 pela Constituição Federal de 1988. Quando do julgamento dos Recursos Extraordinários n.º 354.897, 424.227, 398.630 e 364.20250, pela Segunda Turma e no agravo regimental n.º 357.291, pela Primeira Turma, o Pretório Excelso atestou novamente a aplicação da imunidade às empresas públicas. Neste sentido, segue transcrita a ementa do citado agravo regimental: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Imunidade tributária de empresa pública prestadora de serviços públicos. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte4. STF. RE 357291/PR AgR, Relator Ministro Cezar Peluso, Primeira Turma, publicado em 2/6/2006.

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3. Requisito Específico à Extensão da Imunidade Tributária ao Imposto de Importação Delineados, de forma sucinta, os requisitos necessários à concessão da imunidade tributária às empresas públicas, vale recordar, tendo em mente a letra do art. 175, da Constituição de 1988, pela qual, cabe ao Estado a prestação de serviços públicos, se tal atividade for prestada por empresas públicas, estas serão consideradas como longa manus do próprio Estado, sendo-lhes aplicados os benefícios relativos a ele, não se encontrando abarcadas pela norma inserta no art. 172 da Carta Política. A aplicação da imunidade está condicionada à verificação de que as empresas públicas a serem protegidas da tributação não se encontram em concorrência com as empresas privadas no mercado, sob pena de se incentivar a concorrência desleal, em clara afronta ao art. 170, da Constituição, que determina a valorização da livre concorrência e o incentivo à iniciativa privada. Neste contexto, antes de abordarmos os argumentos contrários à concessão da imunidade ao Imposto de Importação, imperioso o esclarecimento quanto ao requisito indispensável à incidência da regra imunizante sobre referido imposto. Necessário se faz que a impostação se dê pela própria ECT, vale dizer, que a ECT importe um bem para uso próprio, se inserido, assim, no conceito de importador, dado pelo art. 31, I, do Decreto-Lei n.º 37/66, pelo qual o importador é “qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no Território Nacional” assim, não gozará de imunidade tributária quando a importação for realizada por interposta pessoa. Notadamente, deve tratar-se de bem que integralizará seu patrimônio, pouco importando se o bem almejado no mercado externo não encontra similar no mercado nacional. Neste sentido, vejamos o que decidiu a Supremo Tribunal Federal5: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMUNIDADE. ART. 150, VI, C, DA CF/88. APLICABILIDADE APENAS AO CONTRIBUINTE QUE SE ENQUADRE NA REFERIDA HIPÓTESE CONSTITUCIONAL. RECORRENTE QUE REVELOU SER APENAS CONTRIBUINTE DE FATO. 1. Na origem, cuida-se de mandado de segurança em que a impetrante, instituição de educação, pretende a concessão de ordem mandamental que declare a inexistência de relação 5

Disponível em: http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta. Acessado em 29/04/2013.

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jurídico-tributária que a obrigue recolher ICMS sobre bens, produtos e serviços por ela adquiridos, destinados a seu ativo imobilizado e/ou aplicados na manutenção e desenvolvimento de suas atividades estatutárias, em razão da imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, da CF. 2. No julgamento do AI 769925 AgR/SP, o Min. Ricardo Lewandowski assentou que “a imunidade do art. 150, VI, c, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente diretamente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio ente beneficiado, ou seja, na qualidade de contribuinte de direito”. 3. Esta Corte Superior também posicionou-se na linha do decidido pelo STF: “A tributação somente é afastada se a entidade imune é sujeito passivo “de direito” do ICMS. Nesse sentido, reconhece a imunidade do ICMS nos casos de importação de bens incorporados ao patrimônio.” (RMS 22.582/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10.2.2010, DJe 24.3.2010). Recurso ordinário improvido. (ROMS 201200328923, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:08/02/2013 ..DTPB:.) IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPORTAÇÃO DE “BOLSAS PARA COLETA DE SANGUE”. A imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal, em favor das instituições de assistência social, abrange o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que incidem sobre bens a serem utilizados na prestação de seus serviços específicos. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso não conhecido.6 PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. IMUNIDADE RECÍPROCA. APLICABILIDADE A MUNICÍPIO NA HIPÓTESE DE O ENTE FEDERADO OCUPAR POSIÇÃO PRÓPRIA DE CONTRIBUINTE (IMPORTADOR). RISCO À LIVRE-INICIATIVA E À CONCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE PROVA. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a da Constituição aplica-se às operações de importação de bens realizadas por municípios, quando o ente público for o importador do bem (identidade entre o “contribuinte de direito” e o “contribuinte de fato”). Compete ao ente tributante provar que as operações de importação desoneradas estão influindo negativamente no mercado, a ponto de violar o art. 170 da

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STF. RE 243807, Relator Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma, publicado em 28/4/2000.


Constituição. Impossibilidade de presumir risco à livre-iniciativa e à concorrência. Agravo regimental ao qual se nega provimento.7

4. Fundamentos à Concessão da Imunidade Tributária Recíproca sobre os Impostos Incidentes na Importação Firmada a jurisprudência quanto à extensão da imunidade à ECT, hodiernamente vários questionamentos são apresentados ao judiciário quanto ao alcance da pretendida imunidade, visto que a ECT, a fim de buscar subsídio ao equilíbrio econômico, necessário ao desenvolvimento do serviço postal, vem prestando serviços outros que não o postal a ela exclusivo, tais como, venda de bens, títulos de capitalização, serviço de correspondente bancário, encomendas e outros. Nesta senda, sob o argumento de ofensa à livre iniciativa, entendem alguns que a imunidade tributária restringir-se-ia aos serviços postais exclusivos, assim definidos pela Suprema Corte no Julgamento da ADPF nº 46 e partindo-se desta linha de pensamento, somente os bens importados pela ECT e destinados à prestação dos serviços exclusivos estariam acobertados pela imunidade tributária recíproca. Referido entendimento não merece prosperar, haja vista a impossibilidade de oneração por meio de impostos das atividades necessárias ao equilíbrio financeiro da ECT, bem como, impossibilidade de atestar-se, no momento da importação se o bem importado pela ECT destina-se exclusivamente a serviço de prestação exclusiva ou não. 4.1. Da fonte de recursos da ECT. Impossibilidade de oneração, por meio de impostos, das atividades necessárias ao equilíbrio financeiro da ECT A primeira questão a ser enfrentada diz respeito às fontes de recursos necessários à manutenção do serviço postal, posto que, como corolário do princípio da eficiência, o ente púbico deve buscar os meios necessários ao equilíbrio financeiros de suas contas, a fim de satisfazer a missão imposta pela lei de prestar o serviço público a ela inerente. Nesta seara, a Lei n.º 6.538/78, em conjunto com o Decreto-Lei n.º 509/69, notadamente em seus artigos 2º, franqueiam à ECT a obtenção de recursos mediante a prestação de serviços postais não sujeitos à exclusividade, bem como, serviços afins aos postais. Destarte, a Lei nº. 6.538/78, em seu art. 7º elenca três espécies de STF. AI 518405 AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, publicado em 30/4/2010.

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serviços postais, quais sejam: serviço relativo a correspondências, a valores e a encomendas, sendo que destes, somente alguns dos serviços postais relativos a correspondências (no caso a cartas, cartão postal, correspondência agrupada e a fabricação de selos e outras fórmulas de franqueamento) são prestados sob o manto do privilégio postal da União, sendo que os demais, a saber, os relativos a valores, encomendas e impressos (serviço relativo a correspondências) não são prestados de forma exclusiva pela ECT, todavia, o fato de não serem serviços de prestação exclusiva da União não retira sua qualidade de serviço público. Da mesma forma, a execução de atividades afins ao serviço postal mostra-se como medida sadia ao interesse público posto que, a ECT assim o faz com vistas a agregar maior eficiência a sua infraestrutura, especialmente de sua rede de atendimento (conforme preceitua o parágrafo único do art. 2º do Decreto-Lei 509/69) e obtenção de recursos a financiar sua atividade precípua. Ademais, mesmo quando atua na seara própria da iniciativa privada a concessão da imunidade tributária, de modo algum configura ofensa à isonomia e livre concorrência, conforme veremos. Luiz Fernando Maia (2009, p.1) com propriedade leciona que a necessidade pública decorre de uma decisão política, pois o Estado é quem vai dizer quais as necessidades que vai encampar como públicas, que vai decorrer da vontade política, também em sua variação tempo e espaço, qualificando assim, dada atividade como serviço público. Os serviços públicos encontram-se regidos pelas regras de direito público, razão pela qual, submetem-se ao regime jurídico-administrativo, sendo informados, pelos princípios da generalidade ou universalidade, continuidade, eficiência, modicidade, indisponibilidade e finalmente, o princípio da supremacia do interesse público. Dadas estas características, Carraza (2004, p. 33) conclui que o mesmo é indisponível, sendo prestado pelo Estado para atender o interesse público, sendo um ônus e não de uma faculdade, razão pela qual, há atividades que só podem ser exploradas pelo Estado, ou seja, pelos entes da Administração Pública direta, uma vez que a Constituição “entendeu que elas são tão essenciais, ou dizem tão de perto com a soberania nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência” (CARRAZA, 2004, p. 39). Não é por menos que o Estado elegeu certas atividades como de prestação pública, tais como o serviço postal, não podendo deixar ao livre alvitre da iniciativa privada a prestação de tal atividade posto que, com a prestação do serviço público busca-se a satisfação de certa necessidade pública, finalidade esta precípua do Estado. Às empresas públicas, quando delegatárias de tais atividades, não é 92


dado atuarem sobre seu livre alvitre, pelo contrário, figuram como longa manus das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar. (CARRAZZA, 2004, 38). Sob estes fundamentos resta claro que a ECT tem o dever prestar o serviço público a ele confiado, exclusivo ou não, a todos, em todo o território nacional e mediante o pagamento de módica tarifa, como é o caso da carta social, cujo serviço é remunerado ao simbólico preço de R$ 0,01. Por outro giro, a iniciativa privada, por ter como foco a obtenção de lucro, não volta seus olhos aos interesses coletivos, observando-se na iniciativa privada, dentre outras práticas, a adoção da teoria do “cream skimming” ou “cherry picking”8. Tal prática é inaceitável na esfera pública posto que, a todos deve ser garantida a prestação do serviço público, sendo este de prestação exclusiva ou não, como é o caso das encomendas, em razão, dentre outros, do princípio da universalidade, gerando assim, custos que a iniciativa privada não avocaria, razão pela qual, a concessão de imunidade tributária a tais serviços não ofende o primado da livre concorrência. No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 469, proposta pela “Associação Brasileira das Empresas de Distribuição” (ABRAED) em detrimento da ECT, e que objetivava a declaração de não-recepção, pela Constituição Federal de 1988, da Lei nº 6.538/1978, sob o argumento de agressão aos preceitos fundamentais da livre iniciativa, liberdade do exercício de qualquer trabalho, livre iniciativa e livre concorrência, restou demonstrado que a Supremo Tribunal Federal mostra-se atento a tal realidade, garantindo assim, que o serviço público seja preservado dos egoísticos interesses da iniciativa privada. Frente a tal realidade, a Ministra Ellen Gracie, em voto proferido no dia 12/06/2008, votou pela improcedência da ADPF nº 46, observando que: Percebe-se, claramente, da leitura do pedido, que a arguente se dá por satisfeita se o Tribunal der à palavra “carta” significado que exclua de seu conceito itens que constituem objeto de interesse de suas associadas como são as revistas, os jornais, os periódicos, as encomendas, contas de água, luz e telefone, bem como objetos bancários como cartões de crédito e talões de cheque, Na literatura econômica, a prática do cream skimming ou cherry picking ocorre quando novas empresas desejam atuar somente em seguimentos mais rentáveis do mercado. No caso da atividade postal, não há sequer cogitação de interesse, por empresas privadas, no que toca à carta social - cujo preço externa o ínfimo montante, acessível a todos, de R$ 0,01 (um centavo de real). 9 STF. ADPF 46, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, publicado em 26/2/2010. 8

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extratos etc. (...), ou seja, Sr. Presidente, sob o disfarce de agressão aos princípios constitucionais da livre concorrência e da liberdade de iniciativa, o que pretende a arguente, é que se lhe atribua a parcela menos penosa e mais rentável do mercado de entregas de correspondência, o que se faria mediante leitura reducionista do texto constitucional quando se refere ao serviço postal, para dele excluir tudo o que não fosse correspondência privada e confidencial.

Ademais, urge consignar que o patrimônio da ECT é público, suas compras se fazem por meio de licitação, os funcionários são admitidos mediante concurso público e a responsabilidade civil por eventuais danos causados a terceiros será objetiva, o que também põe em cheque a alegação de ofensa ao princípio da igualdade e livre iniciativa, posto que, tais entraves inerentes à Administração Pública oneram sua atuação. Por derradeiro, o valores recebidos à título de contraprestação dos serviços oferecidos pela ECT são arbitrados pelo Ministério das Comunicações, com vistas à modicidade tarifária, o que, não muitas vezes, não se mostra suficiente a cobrir os custos do serviço. Neste sentido Carrazza explica que: Ademais, a empresa estatal, ainda que o faça não determina livremente o valor da contraprestação, que é regulado por lei ou por ato do Poder Executivo. Como visto, a contraprestação nunca é adequada, já que não há equivalência e equilíbrio entre o custo da atuação estatal e o valor, em razão dela, desembolsado pelo usuário (CARRAZZA, 2004, p. 32).

Corroborando com tais premissas chamamos a atenção ao fato de que a empresa pública não pode se negar a prestar o serviço público, exclusivo ou não, ainda que lhe seja economicamente desvantajoso, pois o fim primordial para que foi instituída é o de prestar o serviço público a ela confiado e não o auferir lucro, como ocorre na iniciativa privada, que detêm total liberdade de negar a prestação de sua atividade em certas circunstâncias que entende como desvantajosas (teoria do “cream skimming” ou “cherry picking”) Neste sentido é a doutrina de Roque Antônio Carrazza: Esta ideia mais se acentua se levarmos em conta que a delegatária não pode negar-se a prestar o serviço público ainda que isto lhe seja economicamente desvantajoso. De fato, a ideia de que

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serviço público harmoniza-se com a persecução do bem comum, que é o fim precípuo do Estado (idem, ibid.).

Na mesma linha de pensamento, as lições do insigne Mestre Geraldo Ataliba (1992), formuladas em escorreito parecer sobre a matéria - formulado em resposta à consulta formulada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - abordam com indiscutível acerto os percalços a que a ECT se depara na prestação dos serviços a ela confiados, neste diapasão, pedimos a devida vênia para transcrevê-lo: Uma coisa é discutir abstratamente os termos constitucionais, ou ler sobre o correio nos geograficamente pequenos e economicamente desenvolvidos países europeus e outra é considerar as condições em que é desempenhada essa atividade neste imenso continente pobre e subdesenvolvido que é o Brasil. Neste caso, estamos estudando a legislação do serviço postal, aplicável ao Brasil em 1992. Já se disse que há muitos “Brasis”: o de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, etc. e o dos tão ignotos Municípios da Região Norte, Nordeste, Centro-Oeste e por aí afora. Mestre BALEEIRO, estudando as imunidades, bem os conhecia e por isso já fazia referência à circunstância de que o culto não é apenas o realizado em bens imóveis, mas também o que se celebra, p. ex., em embarcações (cf. “Limitações” cit.). Há Municípios, distritos, aldeias, vilas, garimpos, ajuntamento de casebres, núcleos de palafitas, de palhoças, de ocas, de tabas e de ocaras, que sequer se imagina existirem. A E.C.T, no entanto, deve alcançar todos esses lugares. Mais do que conhecer, deve chegar a cada um deles. Pouco importa se são rincões longínquos, distantes, esquecidos, inóspitos, insalubres e paupérrimos: o correio tem que chegar. Todos os meios de acesso tem de ser utilizados, para cumprir o encargo que lhe foi imposto pela Constituição. Em jatos, tecotecos, trens, carros, ônibus, jardineiras, caminhões, na sela de um cavalo ou na lombada de um burro, num jegue, em barcos, canoas, botes, jangadas, chalupas ou barcaças, acondicionados em malotes, malas, pastas, sacolas, embornais, “bocapius”, alforjes, bruacas, cangalhas, cangás, balaios, e outras tantas espécies de recipientes, o correio tem que chegar. Cumprir esse múnus, em tais locais, sujeitando o administrado aos custos respectivos, implicaria exigir, pela entrega de uma simples carta, milhões de cruzeiros. É dizer, inviabilizaria a prestação do serviço público postal. Este, apesar de tudo, tem que ser prestado. E, para que esse encargo possa ser cumprido,

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os meios de transporte de que se vale o correio podem e devem - sem que com isso se desnature o serviço como público – ser utilizado para outros fins. Se o meio de transporte – etapa do serviço postal – é uma mula e nela também se levam outras cargas, mediante remuneração, nem por isto descaracterizado estará o serviço como público. Se, no caminhão, no qual se transportam malotes postais, levam-se também, um milheiro de tijolos e – ainda que a ECT receba por isso – o serviço prosseguirá intributável, porque a remuneração auferida pelo transporte de tijolos, nada mais é do que instrumento de viabilização do próprio serviço público. Às rendas e receitas da ECT são imunes, sempre. (ATALIBA, 1992, p.43-45)

Ainda, Humberto Ávila, acentua que “a entidade pública deve possuir a liberdade, total ou parcial, para determinar o valor da contraprestação.” (2008, p. 229) Todavia, se os valores pagos pelo usuário não forem “livremente fixados, mas regulamentados por lei ou pelo Poder Executivo, não existe uma contraprestação adequada” (idem, ibidem) razão pela qual, entende o mestre que, “Quando são exigidas taxas (não preços) para a prestação dos serviços públicos, não estão presentes os elementos necessários à configuração de uma atividade econômica,” (idem, ibidem) não havendo em que se falar em ofensa aos princípios da igualdade e livre concorrência. Não é pouco lembrar que o lucro não é o fim da atividade administrativa, mas sim a prestação, com a máxima eficácia social e presteza possível, do serviço público, tanto é assim que não é próprio dizer que o excedente contábil é lucro, mas sim mero superávit, sendo que este “é meio que trará, à pessoa administrativa, as receitas necessárias ao custeio das atividades públicas para as quais foi criada.” (CARRAZZA, 2004, p. 67), sendo oportunamente revertido para a própria prestação do serviço, ao invés de ser absorvido pelos sócios ou acionistas, à título de dividendos, como é de se esperar na iniciativa privada. Quanto a esta questão, Carrazza (idem, ibidem) explica que, quando observado, o “lucro” não é o fim da atividade administrativa, pois o fim é satisfazer os interesses coletivos, posto que, as pessoas administrativas não são criadas para ter lucro, mas para servir, para atingir com a máxima eficácia social possível, determinados objetivos que a ordem jurídica considera relevantes. Feitas estas considerações, caem por terra quaisquer ilações no sentido de que a concessão de imunidade tributária aos serviços prestados pela ECT que não se encontram inseridos no privilégio postal da União atentaria contra o princípio da igualdade e livre iniciativa. Não é pouco recordar: os recursos auferidos no desenvolvimento das 96


atividades não insertas no monopólio postal são revertidos a tais atividades privativas, como forma legítima de subsídio, sem que tenha que recorrer a importâncias auferidas pelo Estado por meio de impostos; o sistema postal idealizado pela União e executado pela ECT se mantêm de forma autônoma e economicamente independente, em louvor ao princípio da eficiência administrativa. Abordando o tema sob enforque e valendo-se dos argumentos acima apresentados, no dia 28 de fevereiro de 2013, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário n.º 601.392, que teve repercussão geral reconhecida e que discutia a imunidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em relação ao recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, notadamente quanto as atividades exercidas pela empresa que não tenham características de serviços postais. Após reformulação do voto do ministro Ricardo Lewandowski, com seis votos favoráveis, A Suprema Corte entendeu que a imunidade tributária recíproca alcança todas as atividades exercidas pela ECT. No recurso, a ECT questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que reconheceu o direito da Prefeitura de Curitiba (PR) de tributá-la por meio do ISS nos serviços elencados no item 95 da Lista anexa do Decreto-lei 56/1987. Tais serviços abrangem cobranças e recebimentos por conta de terceiros, inclusive direitos autorais, protestos de títulos, sustação de protestos, devolução de títulos pagos, manutenção de títulos vencidos, fornecimento de posição de cobrança ou recebimento e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento. Em novembro de 2011 os ministros Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello já haviam votado pela procedência do recurso da ECT. O ministro Ayres Britto ao proferir o primeiro voto a favor da imunidade tributária dispôs que “é obrigação do poder público manter esse tipo de atividade, por isso que o lucro, eventualmente obtido pela empresa, não se revela como um fim em si mesmo, é um meio para a continuidade, a ininterrupção dos serviços a ela afetados”. Retomado o julgamento com o voto-vista do ministro Dias Toffoli, ao dar provimento ao recurso o ilustre ministro entendeu que “a imunidade deve alcançar todas as atividades desempenhadas pela ECT, inclusive as atividades afins autorizadas pelo Ministério das Comunicações, independentemente da sua natureza”. O ministro destacou que se trata de uma empresa pública prestadora de serviços públicos criada por lei para os fins do artigo 21, inciso X, da Constituição Federal e afirmou que todas as suas rendas ou lucratividade são revertidas para as “finalidades precípuas”. Após o voto do ministro Dias Toffoli, a ministra Rosa Weber 97


acompanhou o mesmo entendimento, assim como o ministro Ricardo Lewandowski, que mudou seu posicionamento e, dessa forma, formou a maioria pelo provimento do recurso. Lewandowski afirmou ter ficado convencido, após analisar melhor a questão, de que os Correios prestam um serviço público de natureza essencial e atua onde a iniciativa privada não tem interesse de atuar e, portanto, não há concorrência com fins lucrativos. Salientou ainda que as próprias empresas privadas responsáveis pela entrega de encomendas e pacotes se valem do serviço dos Correios, porque, do ponto de vista financeiro, é desinteressante. Por derradeiro, quando falamos em prestação de serviços mostrase factível a separação entre aqueles serviços tidos como públicos (exclusivos ou não) e atividades econômicas (tais com a venda de títulos de capitalização), o que poderia atrair a atenção de alguns operadores do direito a conceberem a imunidade tributária apenas para as atividades exclusivas, entretanto, quando nos deparamos com impostos não incidentes sobre a atividade desenvolvida, para fins de imunidade tributária tal distinção não se mostra plausível posto que, à par da ECT prestar outros serviços que não o público monopolizado, seu patrimônio e sua renda continuam a ser públicos, não importando se dado bem se destina a execução do serviço monopolizado ou não ou se a renda foi auferida por este ou aquele serviço. Todo o patrimônio e a renda da ECT são imunes. 4.2. Impossibilidade de se atestar, no momento da importação, a destinação do bem. Impossibilidade de cisão do patrimônio do importador para fins de imposto sobre importação O segundo ponto que merece destaque quando se fala sobre imunidade tributária, nas importações efetuadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, diz respeito à própria importação dos bens. No momento em que ECT importa um bem não há como se delinear precisamente a sua destinação, se para este ou aquele serviço, um mesmo veículo pode ser utilizado para o transporte de carga postal de prestação exclusiva ou não. Mesmo quando da importação de maquinário destinado, por exemplo, à triagem de objetos de médio ou grande porte, sedo certo que a carta, necessariamente não precisa ser postada por meio de envelope, como é o caso dos talonários de cheque, objetos de correspondência insertos no conceito legal de carta, mas frequentemente confundidos com encomenda, em razão do seu volume, razão pela qual, mesmo que idealizado referido maquinário para o trato de objetos volumosos, pode 98


ocorrer do mesmo também ser utilizado na prestação do serviço exclusivo. Ademais, a destinação, ou uso, ou aplicação no caso não importará. Não há como incidir a tributação sob a importação, sobre parte do patrimônio, ou seja, se 58% do faturamento da ECT advém de serviço postal que é imune e 42% virá de outras atividades, então, na hipótese de impostação de um maquinário faríamos um cálculo proporcional, ou seja, 58% do imposto será imune, sendo devido apenas 42% do valor dos impostos aduaneiros. Tal ideia mostra-se impossível, por completa falta de previsão legal. Ademais, consoante as conclusões de Marily Dinis do Amaral Chaves. (2006. p.29), considerando que a imunidade tributária é a única espécie de norma exonerativa – em sentido amplo – que tem por finalidade precípua a preservação de valores socialmente relevantes, ao interpretar-se as normas inerentes às imunidades tributárias, o operador do direito deve valer-se de critérios de interpretação ampliativa, não sendo lícito criar, à revelia do princípio da legalidade empecilhos como o acima exemplificado. Neste sentido, sendo a entrada do bem em Território Nacional realizado pela ECT para que integre seu patrimônio, inafastável a incidência da imunidade recíproca. 5. Conclusão A imunidade tributária recíproca em seu aspecto objetivo, determina a não incidência de impostos sobre patrimônio, renda e serviços e decorre diretamente ideia de Estado Federativo, razão pela qual, mesmo que não fosse expressamente prevista no texto constitucional, como ocorre nos Estados Unidos da América, é vedada a tributação entre os entes de direito público interno, gozando de natureza de cláusula pétrea, conforme determina o art. 60, § 4º, I, da Carta Magna. As empresas públicas podem atuar tanto no desenvolvimento de atividade econômica, quanto na prestação de um serviço público, sendo que, no último caso, tendo em mente a letra do art. 175, da Constituição de 1988, pela qual, cabe ao Estado a prestação de serviços públicos, se prestado por empresas públicas, estas serão consideradas como longa manus do próprio Estado, sendo-lhes aplicados os benefícios relativos a ele, não se encontrando abarcadas pela norma inserta no art. 173 da Carta Política. Evidentemente que a aplicação da imunidade está condicionada à verificação de que as empresas públicas a serem protegidas da tributação não se encontram em concorrência com as empresas privadas no mercado, sob pena de incorrer em concorrência desleal, clara afronta ao art. 170, 99


da Constituição, que determina a valorização da livre concorrência e o incentivo à iniciativa privada. Neste sentido, restar assentado que se a empresa pública pratica, exclusivamente, atividade econômica concorrendo no mercado com a iniciativa privada, a ela deve ser aplicado o regime jurídico próprio das empresas privadas, em obediência ao art. 173, § 1º, II, da Carta Magna. Neste sentido, em razão de sua qualidade de prestadora de serviço público, a ECT goza da imunidade tributária, não podendo figurar com sujeito passivo tributário em relação a impostos, dentre os decorrentes da importação de bens. Atestamos que o fato de dado serviço ser ou não prestado exclusivamente pelo Estado não o descaracteriza com sendo um serviço público, não havendo, assim, motivos para serem estes últimos não abarcados pela imunidade recíproca. Por outro giro, restou atestado pela Suprema Corte que, mesmo quando desenvolve atividades afins ao serviço postal, próprias da iniciativa privada, a concessão da imunidade tributária não ofende os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, posto que, a ECT não se encontra em pede igualdade com a iniciativa privada. Ademais, o fato da atividade desenvolvida ser passível de gerar renda, não desqualifica tal atividade como serviço público, vale dizer, o recebimento de contraprestação pelo serviço prestado não determina que a empresa esteja explorando uma atividade econômica, pois a contraprestação, muitas vezes, é desproporcional ao serviço e o fim primordial a ser atingido é a própria prestação do serviço público e não lucro. Por derradeiro, dada a impossibilidade de se atestar, no momento da importação, a destinação do bem e impossibilidade de cisão do patrimônio do importador, para fins de imposto sobre importação, em razão da ausência de previsão legal, a imunidade tributária deve ser reconhecida a todas as impostações efetuadas pela ECT. Da análise dor argumentos apresentados pela doutrina e Suprema Corte, em favor da extensão da imunidade recíproca à ECT, a fim de garantir a prestação dos serviços públicos, com vistas à eficiência e universalização da prestação estatal e não se esquecendo de garantir a devida tutela ao sistema federativo de Estado, conclui-se que nosso ordenamento jurídico dá guarida, à extensão da imunidade tributária recíproca às empresas públicas prestadoras de serviço público, inclusive quanto aos impostos incidentes nas operações de importação, mesmo que não expressamente prevista na Carta Política de 1988, por se tratar de uma imunidade tida como ontológica, exatamente como ocorre no ordenamento jurídico Norte-Americano, berço da imunidade tributária recíproca.

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6. Referências ATALIBA, Geraldo. Parecer elaborado em resposta a consulta formulada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. São Paulo, 1992. ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 3. Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. CARRAZZA, Roque Antônio. A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos: um estudo sobre a imunidade tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. São Paulo: Malheiros, 2004. CHAVES, Marly Diniz do Amaral. Imunidade e isenção tributária: pressupostos teóricos e traços diferenciais. In: SERRANO, Mônica de A. M. (org). Tratado das imunidades e Isenções Tributárias. São Paulo: Verbatim, 2011. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005. MAIA, Luiz Fernando. Compêndio de Direito Tributário: Doutrina, legislação e prática processual no âmbito administrativo, fiscal e judicial. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2009.

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PIS/COFINS: RECEITAS SUJEITAS AO REGIME DA NÃO-CUMULATIVIDADE E OS SERVIÇOS POSTAIS (LEI Nº 10.833/2003 E LEI Nº 9.718/1998) MARIA DO ROSÁRIO NOGUEIRA VIDAL Advogada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos desde 2004. Orientadora de Prática Jurídica de Direito Processual Civil no UNiCEUB de 2002 à 2008. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB (2000). Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Processus. Pós- Graduada em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto de Direito Público – IDP. E-mail: rosarion@ correios.com.br RESUMO O presente artigo abordará a possibilidade de incidência de PIS e COFINS dos serviços de correios e telégrafos prestados pela ECT e o atual perfil legislativo e jurisprudencial sobre o tema. A controvérsia sobre a incidência dessas espécies tributárias é bastante relevante, pois a natureza sui generis da ECT – que, de um lado, aufere renda na prestação das suas atividades, por outro atua em caráter monopolista na prestação de serviços postais – dificulta tomada de posição acerca do assunto. Palavras-chave: ECT. Serviços postais. PIS. COFINS. Incidência

ABSTRACT This article will address the possibility of PIS and COFINS on postal and telegraph services provided by ECT and the current legislative and jurisprudential profile on the subject services . The controversy about the incidence of these tributaries species is very relevant since the sui generis nature of ECT - that on the one hand, earns income in performing its activities , the other operates monopolist in the provision of postal services - difficult stance on the subject . Keywords: ECT. Postal services. PIS. COFINS. Incidence.

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Sumário: 1. Considerações preliminares. A natureza tributária das contribuições (PIS/COFINS). 2. Histórico Legislativo e o Regime da Não Cumulatividade. 3. A Incidência das Contribuições nos Serviços Prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 4. Serviços postais exclusivos e não exclusivos. 5. Considerações finais 6. Referências 1. Considerações preliminares. A natureza tributária das contribuições (PIS/COFINS) Antes de adentrar na análise específica da incidência da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) nos serviços postais da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, necessário se faz reconhecer a feição tributária das citadas contribuições. O advento da Constituição Federal de 1988 acabou por dissipar a divergência existente em relação a natureza jurídica das retromencionadas contribuições quando as inseriu, geograficamente, no título referente ao Sistema Tributário Nacional. Portanto, em conformidade com a moderna doutrina e com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, as contribuições sociais previstas na Constituição Federal se revelam como uma das espécies do gênero tributo, ao lado dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios, compondo assim a chamada teoria pentapartida dos tributos. Na verdade as contribuições sociais constituem uma espécie do gênero tributo. A rigor, portanto, teríamos de dividi-las em subespécies. Preferimos, porém fazer referência a elas como gênero e dividi-las em espécies, a saber: (a) contribuições de intervenção no domínio econômico, (b) contribuição de interesse de categorias profissionais e (c) contribuições de Seguridade Social.1

Dentro da classificação exposta acima as contribuições sociais PIS e COFINS se enquadram como contribuições de Seguridade Social. Essas contribuições sociais possuem a característica da vinculação de suas receitas à finalidades específicas. 1

MACHADO, 2009. P. 415.

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Podemos concluir, portanto, que o produto da arrecadação das citadas contribuições servirá para custear a Seguridade Social, que por força de dispositivo constitucional compreende o conjunto integrado de ações nas áreas da saúde, assistência social e previdência social (art. 194 da CF/88 )2. 2. Histórico Legislativo e o Regime da Não Cumulatividade A quantidade de alterações que incidem na legislação tributária acabam por colocar o Estado frente a uma enorme quantidade de demandas judiciais. No caso do PIS e da COFINS, vários foram os questionamentos judiciais e as polêmicas que giraram em torno dessas duas contribuições conforme veremos adiante. Inicialmente cabe consignar que tanto o PIS quanto a COFINS são destinados ao financiamento da seguridade social e possuem sua base de custeio atrelada às contribuições dos empregadores e das pessoas jurídicas em geral. A criação da Contribuição do Programa de Integração Social se deu por intermédio da Lei Complementar nº 7/1970, legislação posteriormente recepcionada pela Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 2393. Já a previsão da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) nasceu na redação original da Constituição (art. 195, da CF/1988), instituída pela Lei Complementar nº 70/1991. Portanto, a diferença temporal básica entre elas é que uma se apresenta como legislação pré-constitucional (PIS) e a outra foi inserida no sistema tributário nacional pela própria carta constitucional (COFINS). A COFINS é vista como a sucessora do Fundo de Investimento Social – FINSOCIAL, que também tinha por objetivo financiar a Seguridade Social. A declaração de inconstitucionalidade do FINSOCIAL por parte do Supremo Tribunal Federal exigiu do governo a criação desta nova contribuição para repor a perda da antiga receita. A extinção do FINSOCIAL por força da decisão judicial antes referida Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 3 Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo. 2

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acabou ainda por coincidir com a ampliação que a nova carta constitucional deu ao atendimento à Seguridade Social, o que por si só já fazia gerar uma necessidade de reposição imediata de nova fonte de custeio inclusive com aumento na arrecadação. Criou-se, com isso, a COFINS. E foi exatamente sobre essa base de cálculo das fontes de custeio que nasceu a primeira das várias discussões que giraram em torno dessas contribuições. Isso porque a redação original do art. 195 da Constituição, no que tange especificamente ao recolhimento das empresas, trazia a previsão de que as contribuições seriam feitas com base em seus respectivos faturamentos. Ocorre que com a publicação da Lei nº 9.718, de 15/11/98 passou-se a considerar como base da contribuição a totalidade das receitas obtidas pelas empresas e não mais o faturamento. Essa ampliação da base de cálculo da fonte de custeio foi feita mediante o artifício de igualar conceitualmente os termos faturamento e receita. Tal mecanismo foi objeto de questionamentos pelo fato de a legislação infraconstitucional ter alterado uma base de cálculo prevista na própria Constituição. Entretanto, a justificativa utilizada para defender tal situação foi a de que não se tratava de alteração e sim da criação de nova fonte de custeio fundamentado na permissão extraída do § 4º, do art. 195, da Constituição Federal, que esclarece que a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Entretanto, outro problema surgiu quando se invocou a citada permissão legal de estabelecimento de nova fonte de custeio, qual seja, a necessidade do cumprimento de três requisitos constitucionais. Para se criar nova fonte de custeio na forma pretendida seria necessário além da edição de lei complementar, que a nova fonte não tivesse o mesmo fato gerador e nem a mesma base de calculo de outros tributos já previstos na Constituição, bem como a previsão de um regime

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não cumulativo. A contribuição de certa forma passava no teste da exigência de lei complementar, requisito afastado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, e na ausência de idêntico fato gerador ou base de cálculo. Acontece que, mesmo diante das reivindicações do setor privado, a COFINS permanecia sendo um tributo cumulativo, ou seja, havia sobre ele uma tributação em cada uma das fases do processo na chamada incidência tributária ”em cascata”, fato que impedia a criação da nova fonte de custeio. A Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998, aparentemente veio solucionar a questão da criação de nova base de custeio previsto na Lei nº 9.718/98, ao constitucionalizar essa tributação em cima da receita. Só que a alteração acabou por gerar outras discussões visto que não conseguiu retirar o vício de inconstitucionalidade da mudança legal da base de cálculo. Ocorre que a lei 9.718 foi publicada em 28 de novembro de 1998, enquanto a Emenda Constitucional 20 ingressou no sistema somente dia 15 de dezembro do mesmo ano, ou seja, dezoito dias mais tarde, o que macula o art. 3º, inciso I da lei ordinária de inconstitucionalidade, na medida em que o texto constitucional vigente à época da publicação da lei 9.718 somente autorizava a incidência das contribuições sobre o faturamento.4

E isso se deu pelo fato de que o controle de constitucionalidade precisa ser aferido na contemporaneidade da lei com as normas constitucionais em vigor no momento de sua produção. Portanto, a tentativa de constitucionalizar não foi capaz de retirar o descompasso existente entre a Lei 9.718/98 e a norma constitucional que se encontrava vigente antes da aprovação da emenda. Nesse sentido, transcreve-se ementa do Recurso Extraordinário nº 346.084 no qual o Supremo decidiu, por maioria de votos, que a alteração da base de cálculo era inconstitucional: CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE-ARTIGO 3º, §1º DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998-EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO-INSTITUTOS-EXPRESSÕES E VOCÁBULOS- SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e 4

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PEIXOTO, 2009. p.67.


formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS-RECEITA BRUTA-NOÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART 3º DA LEI 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do art. 195 da Carta Federal anterior a Emenda Constitucional nº 20 consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada5.

Outra mudança trazida ao ordenamento jurídico pela Lei nº 9.718/98 foi a alteração das alíquotas das duas contribuições. A COFINS tinha uma alíquota de 2% e passou para 3% e o PIS passou a ter uma alíquota de 0,65%. Entretanto, houve uma alteração ainda mais substancial na alíquota por ocasião da edição da Lei nº 10.833/2003, que instituiu o regime da nãocumulatividade para a COFINS. Tal regime também foi adotado para o PIS por força da Lei nº 10.637/2002. Essas contribuições, desde sua origem, sempre foram cobradas de forma cumulativa ou em cascata, eis que incidentes sobre cada etapa da cadeia produtiva de forma indiscriminada, agregando valor aos produtos e serviços6, na forma não cumulativa. Por força da lei, passou-se a adotar o sistema não cumulativo com base em um valor maior da alíquota a incidir sobre a receita ou faturamento das empresas. O motivo da majoração da alíquota de 3% para 7,6% se apresentou como mais uma tentativa de compensar a receita perdida nesse novo formato de arrecadação proporcionado pelo regime da não-cumulatividade. Essa nova técnica de apuração do valor a ser tributado tem por característica a compensação do tributo recolhido nas operações anteriores com o valor recolhido na próxima operação. Ao permitir esse abatimento, foi necessário aumentar o valor da alíquota para que a perda na arrecadação não fosse tão elevada. Importante frisar que a sistemática da não-cumulatividade da COFINS e do PIS encontra certa diferença com aquela que é feita sobre a circulação de bens, como no caso do IPI e do ICMS, tributos não-cumulativos por força constitucional. STF. RE 346084/PR, Relator Ministro Ilmar Galvão, Relator p/ Acórdão Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, publicado em 1º/9/2006. 6 PEIXOTO, 2009. p.17. 5

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Nestes, o contribuinte pode transferir o ônus tributário para terceiros, estando o instituto muito mais adaptado a venda de produtos e não exatamente para a prestação de serviços. Com efeito, as Leis 10637/02 e 10833/03 instituíram um sistema legal de abatimento de cálculos, que, diferentemente de outros tributos não cumulativos no Sistema Tributário Nacional (ICMS e IPI ), não trabalhava a vinculação direta dos créditos aos débitos da etapa anterior lançados nas notas fiscais.7

Portanto, pode-se concluir que neste caso há um sistema diferente, que recairá diretamente sobre a receita bruta da empresa, e não sobre as operações. Um sistema de crédito diferenciado para o prestador do serviço. Ainda por determinação legal (Lei nº 10.833/2003), ficou consignado que o aumento da alíquota incidiria apenas sobre as pessoas jurídicas que calculassem a contribuição com base no lucro real da empresa (criação do sistema não cumulativo), permanecendo os demais com a alíquota de 3% (no antigo sistema cumulativo). Conforme visto, nem todos os contribuintes tiveram a possibilidade de se enquadrar no novo sistema não cumulativo recém-criado. Tanto o art. 10 da Lei nº 10.833/2003 quanto o art. 8º da Lei º 10.637/2002 trouxeram uma lista de entidades e de receitas específicas que deveriam ser excluídas do regime não cumulativo do PIS e da COFINS. O art. 15 da Lei n º 10.833/2003 estendeu ao PIS algumas das exclusões do regime não cumulativo da COFINS. Criou-se, com isso, um duplo mecanismo de tributação, estabelecido na permanência do antigo sistema cumulativo da COFINS e do PIS baseado na eleição legal de determinadas pessoas jurídicas ou de certas receitas. Pela leitura do caput do citado dispositivo, fica evidente que o legislador elegeu dois grandes grupos para segregar as pessoas jurídicas que estarão sujeitas ao regime cumulativo e ao não cumulativo: no primeiro o critério adotado é o subjetivo, porquanto considera características tributárias da própria pessoa jurídica; no segundo o critério é objetivo, porque submete algumas receitas ao regime cumulativo ainda que a pessoa jurídica esteja enquadrada no regime não cumulativo8. Dentre as receitas que foram escolhidas para permanecer no antigo sistema, uma especificamente chama a atenção pelo fato de o recado ter sido dado diretamente pelo legislador aos Correios, conforme se depreende do inciso XXII, do art. 10 da Lei da COFINS: 7 8

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Idem, ibid. Idem, op. cit. p. 132.


Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da COFINS, vigentes anteriormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1 º a 8 º: (...) XXII - as receitas decorrentes da prestação de serviços postais e telegráficos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; (Incluído pela Lei nº 10.925, de 2004)

A interpretação do dispositivo está mais do que clara no sentido de estabelecer aos Correios a manutenção da sistemática até então adotada. Ou seja, era preciso manter o regime cumulativo com a sua respectiva alíquota de 3% (três por cento). Feitas essas considerações iniciais para contextualização do tema, discorre-se a seguir sobre as consequências jurídicas dessa alteração em relação à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. A Incidência das Contribuições nos Serviços Prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Tendo os Correios a natureza jurídica de empresa pública, auferirá renda e, por isso, também deverá contribuir para a Seguridade Social. Com base nessa premissa e no que fora exposto até o presente momento temos a seguinte situação: a incidência das contribuições PIS e COFINS na receita decorrentes da prestação de serviços postais prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deverá permanecer no antigo sistema cumulativo que manteve por força de lei a alíquota de 3%. É certo que a literalidade do dispositivo parece esconder uma aparente segurança jurídica quanto ao tema. Mantendo o formato do antigo regime para as receitas dos Correios basta continuar aplicando as normas relativas ao sistema cumulativo vigente desde a origem dessas contribuições. Entretanto, falou-se em uma aparente segurança jurídica para trazer ao debate a questão da clássica divisão formulada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que tange à divisão dos serviços postais prestados pelos Correios em exclusivos e não exclusivos. A pergunta que se faz neste momento é como harmonizar o texto literal inserido no ordenamento jurídico pela Lei nº 10.965/2004 com a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2009 por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 46) que faz a diferenciação do tipo de serviço prestado.

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4. Serviços postais exclusivos e não exclusivos As leis que criaram o regime da não-cumulatividade para o PIS e a COFINS e que de certa forma fizeram uma série de outras modificações para estas contribuições não chegaram a trazer mudanças na sistemática de incidência em relação, especificamente, aos Correios em face de uma específica previsão legal. Isso porque, mesmo após as alterações ocorridas entre 2002 e 2003, a nova legislação de 2004 de forma enfática declarou que os Correios seriam tributados na forma do antigo regime. Nota-se que se o problema ficasse apenas no âmbito da legislação a questão estaria resolvida. Entretanto, não se poderia desprezar o entendimento exposto pelo STF na ADPF nº 46, que exigiu, para fins tributários, a diferenciação dos serviços prestados pelos Correios. Transcreve-se trecho da ementa do citado acórdão: O serviço postal – conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado – não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio.

Atualmente o entendimento que prevalece sobre o tema é que os Correios podem prestar serviço público exclusivo ou podem prestar um serviço público não exclusivo, sendo este último caso caracterizado por ser atividade econômica em sentido estrito, terreno em que a empresa pública passa a competir com o setor privado. A título de exemplo, em alguns julgados do Supremo sobre questões de imunidade restou consignado que se aplicará a imunidade recíproca somente em relação aos bens e serviços relacionados com as atividades que constituem serviço publico exclusivo da União (serviço postal e correio aéreo nacional), mas não as demais atividades exercidas pela ECT em regime de concorrência9. Em síntese, a conclusão a que se chega é que nos casos em que os 9

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GODOI, 2011. p. 51.


Correios participam de forma concorrencial na prestação de alguns serviços postais teria que se igualar a empresa privada. O fundamento jurídico para não haver diferença no tratamento tributário entre as empresas estatais e as empresas privadas que desempenham atividade estaria no § 2º, do art. 173 da Constituição Federal.10 Portanto, como afastar essa diferenciação jurisprudencial e incidir sobre a receita dos Correios na prestação de atividade econômica a alíquota de 3%, enquanto as outras empresas pagam a alíquota de 7,6% com base no regime da não-cumulatividade? Como dito, por ser a lei anterior a decisão da Suprema Corte, esta não poderia conter nenhuma diferenciação quanto ao tipo de serviço que será prestado pelos Correios, utilizando-se do antigo regime da cumulatividade indistintamente. Deveríamos agora interpretar o dispositivo legal à luz do entendimento jurisprudencial que diferencia, não só para fins tributários, o tipo de serviço prestado pela empresa pública com a finalidade de se manter uma simetria jurídica com as empresas privadas que vão desempenhar as mesmas atividades econômicas. Ou seja, para os serviços postais exclusivos se manteria o regime cumulativo e para os serviços não-exclusivos se aplicaria a nova sistemática da não-cumulatividade no intuito de igualar a ECT com as empresas privadas. 5. Considerações finais Parece que seria muito superficial tratar esta matéria unicamente sobre o prisma da divisão dos serviços prestados pelos Correios para se chegar a uma conclusão de que se deveria, ou não, aplicar a sistemática da não-cumulatividade a determinados tipos de serviços postais prestados pelos Correios. O ponto central da questão se encontra na resposta de qual é o papel do Estado na intervenção do domínio econômico. É inegável que quando a União criou uma empresa pública para manter o serviço postal sob sua titularidade reconheceu a relevância de interesse público para esse serviço. Muito mais que a prestação dos serviços perceptíveis pela população, os Correios exerceram e exercem um papel fundamental na integração desse país continental que é o Brasil. Basta olhar um pouco para a história para percebermos que a Art. 173 (…) § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

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estrutura da rede dos Correios foi essencial para a própria política de integração nacional, garantindo de uma forma igualitária a prestação dos serviços públicos a usuários de todas as unidades federativas. Não seria exagerado afirmar que em várias localidades foram responsáveis por inaugurar a própria presença estatal. Não poderiam esses serviços ficar dependendo das variações do mercado econômico, que traria a insegurança de que num determinado momento poder-se-ia ter uma empresa que concorre com os Correios, e amanhã não ser mais interessante a sua continuidade, fazendo com que a população, via de consequência, fique desassistida. É certo argumentar que as empresas privadas não terão a preocupação de iniciar, ou mesmo continuar, a prestação de serviços caso não seja economicamente vantajoso. Nem mesmo chegarão a certas regiões e localidades se o lucro não for compensador. Sendo assim, os Correios não poderiam se igualar a uma empresa privada mesmo quando prestem os serviços considerados como não exclusivos, conforme se estabeleceu na decisão do Supremo Tribunal Federal. Essa questão se reforça face à constatação de que os Correios não atuam visando lucros, os quais – quando ocorrem – são reaplicados em suas atividades-fins ou distribuídos à sua única detentora, a União Federal. Sendo assim, a excepcionalidade da ECT fora bem delimitada pela Carta Política, bem como seus privilégios, inclusive a alíquota especial do COFINS, e abrange todos os serviços não-postais prestados pelos Correios, eis que destinados ao custeio e ao aprimoramento daqueles que a Constituição e a lei lhe confiam em regime de exclusividade. As considerações ora expendidas valem também para os serviços postais não-exclusivos, sejam propriamente postais (entrega de impressos, encomendas, cecograma e serviços postais relativos a valores) ou não (“atividades correlatas” do art. 8º da Lei nº 6.538/78 e “outras atividades afins, autorizadas pelo Ministério das Comunicações”). Portanto é plenamente sustentável a tese de que é possível se dar tratamento diferenciado para os Correios no que diz respeito à tributação da COFINS na alíquota de 3% mesmo a despeito do art. 173 da Constituição que prevê a igualdade de regimes.

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6. Referências GODOI, Mariano Seabra de. Crítica a jurisprudência atual do STF em matéria tributária. São Paulo: Dialética 2011. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 30ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2009. PEIXOTO, Marcelo Magalhães. PIS e COFINS na teoria e na prática: uma abordagem completa o regime cumulativo e não cumulativo. São Paulo: MP, 2009.

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IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL E IMPACTO DAS DESONERAÇÕES FISCAIS NO SETOR PRIVADO CONCORRENCIAL. A ATIVIDADE POSTAL COMO FATOR DE INTEGRAÇÃO NACIONAL, SOBERANIA E DESENVOLVIMENTO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA MAURÍCIO AUGUSTO CHIARAMONTE VIEIRA Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado (latu sensu) em Direito Tributário pela Universidade de Brasília (UnB). RESUMO Estados-membros e municípios sustentam a possibilidade de tributar as atividades da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em razão da atuação desta no setor econômico franqueado à livre concorrência. Com aparo na assentada jurisprudência do STF, procurar-se-á esclarecer que a tributação da ECT perpassa a discussão acerca do federalismo fiscal brasileiro e seu correspondente pacto, explicitando-se as concepções finalistas adjacentes à imunidade tributária dos serviços postais de correios e telégrafos. Palavras-chaves: Imunidade Tributária. Federalismo Fiscal. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. ECT. Serviços públicos. Atividade econômica. Tributação. Concorrência.

ABSTRACT States and municipalities support the possibility of taxing the activities of the Brazilian Post and Telegraph Company (ECT) due to the performance of this in franchisee economic free competition sector. With nib seated in the jurisprudence of the Supreme Court, it will seek to clarify the taxation of ECT, clarifying the discussion of the Brazilian’s fiscal federalism and its corresponding covenant, explaining the finalists concepts adjacent to tax immunity of the Postal mail and telegraph. Keywords: Tax immunity. Fiscal Federalism. Brazilian Post and Telegraph. ECT. Public services. Economic activity. Taxation. Competition. 114


Sumário: 1. Introdução 2. Imunidade Tributária no Serviço de Correios e Telégrafos e Federalismo Fiscal 3. Conclusão 4. Referências 1. Introdução No Brasil, vigora o entendimento segundo o qual as atividades postais estão ligadas à concepção mais tradicional de comunicação humana à distância: o envio de cartas. Isso não significa dizer que a indústria postal se resuma ao envio ou recebimento de cartas. Porém, devido à continentalidade do país e às disparidades econômicas e sociais, a Constituição de 1988 deu especial importância a esse tipo de atividade, determinando que a União mantivesse, ainda que a custos elevados, uma rede de agentes capazes de concretizar, em todos os pontos geográficos do território nacional essa tarefa. Os serviços postais foram delegados à ECT por intermédio do Decreto-Lei nº. 509/69 (art. 2º). No julgamento da ADPF nº. 46 definiu-se a natureza jurídica dos serviços postais como o “conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado (...) não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público”. “Serviço público”, segundo Hely Lopes Meirelles1 é: (...) todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado.

Não é difícil perceber que existe uma missão institucional por detrás do objeto social da ECT: a prestação de um serviço público de interesse nacional, que satisfaz necessidades básicas da coletividade. Nesse contexto, percebe-se que a atuação da ECT está alinhada com as políticas públicas de universalização de serviços de comunicação rudimentares especialmente utilizados pela população mais pobre. A atividade postal, porém, está inserida em uma realidade hiperdinâmica e globalizada igualmente sujeita ao rápido desenvolvimento tecnológico. Diante das mudanças que ocorreram nos últimos 20 anos, percebeu-se que era antieconômico manter uma estrutura unicamente 1

MEIRELLES, 2009. p. 332.

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dependente das rendas advindas do envio de cartas para sustentar essa rede. Iniciou-se o desafio de procurar alternativas para custear esse serviço, que é ininterrupto por força de mandamento constitucional. Paulatinamente, a ECT avançou para dentro de um novo ambiente, ingressando no campo do domínio econômico. Prévia autorização legal possibilitou que seu objeto social fossem atividades tradicionalmente diversas daquelas anteriormente realizadas (art. 2º, §1º, “b” e “d” da Lei nº. 6.538/78 e inc. III do art. 2º do Decreto-Lei nº. 509/69). Essa expansão não ocorreu com intento de lucro (aninus lucrandi). Em vez disso, deu-se pela necessidade de dotar a Administração Pública de ferramentas capazes de aperfeiçoar o custeio da máquina pública sem que, para isso, houvesse a necessidade de aportes do orçamento do Tesouro Nacional e o correspondente financiamento da atividade postal por tributos fiscais. Nesse contexto outros entes políticos questionam judicialmente a questão referente à tributação das atividades da ECT. 2. Imunidade Tributária no Serviço de Correios e Telégrafos e Federalismo Fiscal Hodiernamente, há duas maneiras de se analisar o fenômeno tributário: a concepção formalista” e “concepção finalista” de tributação. Para os adeptos da corrente formalista, a tributação deve se ater às “formas jurídicas”. O princípio da legalidade e da segurança jurídicas vedaria a utilização da interpretação econômica no Direito Tributário. De outro lado, autores como Marco Aurélio Greco (2004, p. 3738) ponderam que as relações sociais levam em consideração valores e interesses que devem ser ponderados no estudo do fenômeno tributário, visto que existem objetivos e finalidades a serem atingidos pela matriz tributária brasileira. O Direito Tributário não seria uma simples “arquitetura de conceitos”; seria o “meio para viabilização concreta de valores básicos da pessoa humana e do seu convívio em sociedade”. O formalismo fiscal prestigia valores protetivos, a exemplo da tipicidade, da anterioridade, da irretroatividade, da propriedade privada. Já o finalismo fiscal prestigia aspectos positivos da tributação, tais como valores sociais da capacidade contributiva, da isonomia, da solidariedade, da fraternidade, da redistribuição de riquezas. Estados e municípios sustentam a tese de que, pela literalidade da constituição, quando o Estado atua no campo do domínio econômico, deve arcar com o fato imponível decorrente de sua própria atividade. Em contrapartida, em reiterados julgados, a ECT invocou em sua defesa 116


o argumento de que é beneficiária da imunidade tributária recíproca, inclusive nas suas atividades de exploração econômica, argumentando, para tanto, que suas receitas servem para subsidiar a prestação do serviço postal que, de qualquer modo, deveria ser custado pela população. Nesse cenário, é necessário firmar a ideia de que, do ponto de vista finalista da tributação, a imunidade tributária recíproca deve ter como vocação servir de salvaguarda ao pacto federativo (STF, AgR-RE 399.307), sem prejuízo da constatação de que a livre concorrência é um princípio da ordem econômica que igualmente tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna, sob os ditames da justiça social (art. 170, caput)2. A livre concorrência é a possibilidade de competição em igualdade de condições. Entretanto, essa mesma concorrência deve ser analisada sob um contexto maior, a exemplo da necessidade de se reduzir as desigualdades regionais e buscar-se a justiça social (art. 170, inc. VII, CF/88). Portanto, no âmago da discussão da imunidade tributária da ECT está o debate em torno dos objetivos institucionais a que a Estatal está obrigada a desempenhar. Algumas particularidades merecem destaque: a ECT está obrigada a desprezar as oscilações do mercado postal; deve manter funcionários e agências em todos os 5.570 municípios brasileiros, seja na zona rural ou urbana, seja nos lugarejos do norte; não pode atuar unicamente em razão dos custos, ao contrário da iniciativa privada; está obrigada seguir os princípios da Administração Pública (licitações, concurso público e controle do Tribunal de Constas da União) a que o particular não está sujeito. Essas circunstâncias merecem ser consideradas no debate da imunidade tributária recíproca aplicada às atividades econômicas que a empresa desempenha no âmbito do domínio econômico. DF:

Como bem lembrou a Ministra Ellen Gracie ao votar na ADPF nº 46/ [...] o serviço público vem informado pelo princípio da supremacia do interesse público, e, por isso, é mantido ainda em condições deficitárias, como é o caso da entrega de correspondências em locais remotos e de difícil acesso de nosso vasto território nacional. Garantir condições de comunicabilidade e de remessa de mensagens ou objetos a todos os brasileiros é objetivo que responde a mais do que o simples interesse individual dos missivistas. Diz respeito aos superiores interesses da integração nacional.

Do mesmo modo enfatizou o Ministro Carlos Ayres Britto na ACO nº. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 23-24.

2

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765/RJ:

(...) quando uma empresa como os Correios, organizada sob a forma de empresa pública, obtém lucro, ela o faz enquanto meio, diferentemente das empresas privadas As empresas privadas, exploradoras de atividade econômica, fazem do lucro um fim. Então, a empresa vende bem, presta serviços, faz a intermediação de negócios para obter o lucro. Ao passo que esse tipo de empresa pública, não: ela obtém o lucro, busca o lucro para continuar prestando a atividade, Daí porque esses lucros são necessariamente revertidos em prol da atividade. A atividade é afetada, segundo a Constituição, e o lucro também é afetado, porque deixa de ser um fim e passa a ser um meio. O fim é a prestação de uma atividade que, por expressa qualificação constitucional não pode deixar de ser mantida, não pode deixar de ser prestada.

As atividades da ECT estão atualmente divididas em dois grandes grupos. O primeiro é o da prestação dos serviços exclusivos do privilégio postal; o segundo, relacionado aos serviços concorrenciais abertos à exploração econômica. Conforme regramento, a ECT tem por objeto “planejar, implantar e explorar o serviço postal e o serviço de telegrama; explorar os serviços de logística integrada, financeiros e postais eletrônicos; explorar atividades correlatas e exercer outras atividades afins autorizadas pelo Ministério das Comunicações” (art. 2º do Decreto-Lei nº. 509/69 e art. 2º da Lei nº. 6.538/78). No regime de privilégio postal está o recebimento, a expedição, o transporte e a entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas; o serviço de telegrama; o recebimento, a transmissão e a entrega de mensagens escritas (art. 9º da Lei no 6.538/78). Para melhor visualizar essa composição, veja-se o gráfico abaixo:

Figura 1 - Participação por seguimento de negócio. Fonte: Relatório de Avaliação Empresarial. Março de 2013. Disponível em http://intranetac/presidencia/dplan/rae_ultimo 118


Quase a metade da atividade da ECT correspondem à entrega de mensagens (cartas) no regime de privilégio. O restante (53,2%) são atividades correlatas que utilizam a estrutura disponível na ECT. Indaga-se: até que ponto outras pessoas políticas podem tributar receitas destinadas a financiar atividades de especial interesse nacional? O argumento literal do inciso II do art. 173 da CF/88? No nosso sentir, não existe uma atividade econômica que, por sua natureza intrínseca seja exclusivamente “privada”. O Direito, constituidor da realidade, pode dar a certas atividades, excepcionalmente, caráter público, a exemplo da imunidade tributária sobre certas atividades. Para Roque Antônio Carrazza3: (...) o que torna público um serviço não é a sua natureza, nem qualquer propriedade intrínseca que possua, mas o regime jurídico a que está submetido. Melhor dizendo, se ele for prestado por determinação constitucional ou legal, será, por sem dúvida, um serviço público, ainda que, eventualmente, não seja essencial à sobrevivência do homem.

Forçoso asseverar que a proteção jurídico-normativa do interesse público deve existir inclusive quando o Estado atuar no campo do domínio econômico na busca de recursos para o financiamento de serviços públicos relevantes. A tributação, com efeito, deve onerar somente a riqueza tendente à incorporação de patrimônio (renda), ao gasto (consumo) e à riqueza (patrimônio). Entretanto, jamais ao financiamento de serviços públicos deficitários. Segundo a doutrina, a Constituição prescreve que o regime de direito público deve “acelerar o desenvolvimento do serviço público, tornar expedita a concretização dessas atividades; fazer versátil o funcionamento das entidades que o desempenham”4. A proibição de que os entes federados exigirem impostos uns dos outros está assentada no constitucionalismo brasileiro desde a Carta de 1891 (art. 10 da CF/1891). O desenho inicial da imunidade tributária federativa nasceu do célebre julgamento da Corte Suprema dos Estados Unidos no leading case McCulloch vs. Maryland5, no qual o órgão de cúpula do Poder Judiciário americano analisou se estados-membros poderiam dificultar (ou mesmo impedir), por meio de tributos, a prestação de serviços típicos da soberania nacional, de competência da União. Naquela ocasião, o Estado de Maryland CARRAZZA, 2008. p. 524. BARRETO, 2005. p. 56. 5 TRIBE, 2000. p. 799. 3 4

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decidiu tributar gravosamente a emissão de títulos públicos do Banco Federal, o que foi declarado inconstitucional. Mais à frente, a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA passou a entender que a imunidade tributária recíproca deveria ser deferida aos casos em que os entes políticos figurassem como contribuintes de fato, evitando que a carga tributária (indireta) consumisse recursos públicos de titularidade dos outros entes federados (Panhandle Oil Co. vs. Mississipi 1928; Bumet vs. Coronado Oil & Gas – 1932). Desde então, a limitação constitucional ao poder de tributar vem sendo adotada nas Constituições Brasileiras (art. 17, X, CF/34; art. 15, §3º, 19, §4º, art. 31, V, “a” da CF/46; art. 19, III, da CF/67/69), consolidando-se como autêntico princípio constitucional, hoje insculpido no art. 150, VI, “a”, da CF/88. A imunidade tributária decorre diretamente do próprio princípio federativo, segundo o qual as unidades políticas são autônomas entre si e convivem de forma harmoniosa e isonômica, sem qualquer tipo de hierarquia entre elas. Os entes federados, em regime de igualdade, não podem tributar bens, rendas e serviços uns dos outros, até mesmo porque o poder de tributar traz, em si, implícita a ideia de superioridade que quem tributa em relação a quem é tributado. Paulo de Barros Carvalho6 conceitua a imunidade tributária recíproca como: A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado e pela autonomia dos Municípios. Na verdade encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceber pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. Entendemos, na linha de pensamento de Francisco Campos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba que, se não houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a admitir o princípio da imunidade recíproca como corolário indispensável da conjugação do sistema federativo de Estado, com a diretriz da autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou.

Ocorre que a ECT é pessoa administrativa da União, longa manus 6

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CARVALHO, 2003. p. 185.


desta, prestadora de serviços postais e equiparada à Fazenda Pública Federal para todos os fins de direito, por força do art. 12 do DecretoLei 509/697. A Estatal é delegatária de serviços públicos conferidos constitucionalmente à União, cuja outorga decorre diretamente da Lei, e não de um simples ato administrativo de concessão ou permissão de serviços públicos. A delegação que recebeu perdurará indefinidamente até que nova lei disponha em sentido contrário. Assim, a ECT não pode ser enquadrada no regime tributário comum aplicável aos demais delegatários de serviços públicos, sendo irrelevante, nesse aspecto, o fato de revestir-se de personalidade jurídica de direito privado (Decreto-Lei nº. 200/69 – art. 5º, inc. II). Seus bens são federais, afetados ao patrimônio da União, nos termos do art. 6°, do Decreto-Lei nº 509/69. Quando os concessionários ou permissionários atuam no domínio privado existe o elemento “lucro” (renda), aplicando-se, aí, a regra geral da tributação. São exemplos o fornecimento de energia elétrica (art. 21, XII, “b”, da CF/88), sujeito ao ICMS; os serviços locais de fornecimento de gás canalizado (art. 25, §2º, da CF/88), tributário do ICMS; a prestação do serviço de telecomunicações (art. 21, inc. XI), passível de ICMS; a manutenção e conservação de estradas de rodagem, sujeita ao ISSQN. A prestação desses serviços não têm a mesma conotação política do serviço postal, de imprescindível relevância nacional (integração e soberania), e obrigação constitucional da União8. O que deve ficar claro é que existe interesse público primário na manutenção dos serviços postais. Esse interesse público primário é superior ao interesse secundário dos entes federados estaduais e municipais auferirem receitas. Os impostos não podem tomar como base a própria atividade estatal voltada ao benefício da coletividade, sob pena de irremissível inconstitucionalidade. O elemento “lucro” não existe no caso das Empresas Públicas prestadoras de serviços públicos essenciais, sendo mais adequado falar-se em superávit intributável. Roque Antônio Carrazza9 ensina que: No Brasil, não há que se falar em poder tributário (incontrastável, Art. 12. A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais. 8 Veja-se, por exemplo, que em caso de “Estado de Defesa” (art. 136) e “Estado de Sítio” (art. 137) pode o Presidente da República suspender as garantias relativas ao sigilo das comunicações postais e telegráficas. 9 CARRAZZA, 2008. p. 489. 7

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absoluto), mas, tão-somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito). [...] A competência tributária é determinada pelas normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que – estas sim – preveem as concretas obrigações tributárias.

D’outra banda, as “atividades afins, autorizadas pelo Ministério das Comunicações” (Lei nº. 6.538/78, art. 2°, §1°, “d”) merecem imunidade porque são necessárias para se evitar tributação hostil. Se os estadosmembros e os municípios pudessem exigir impostos da União, fatalmente essa circunstância acabaria por interferir na autonomia financeira e orçamentária desta. Se nem mesmo emenda constitucional pode abolir a forma federativa de Estado (art. 60, §4º da CF/88), muito menos a lei tributária. Aliomar Baleeiro10 confirma que a imunidade tributária recíproca é: [...] é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal”

A imunidade tributária recíproca descortina-se, pois, como instrumento de calibração do pacto federativo. Sua finalidade é evitar que a capacidade financeira de um ente político seja corroída pela tributação de outro. No ponto, é importante invocarmos o sempre fecundo magistério de José Souto Maior Borges11: Sistematicamente, através da imunidade, resguardam-se princípios, ideias-força ou postulados essenciais ao regime político (...) Analisadas sob o prisma do fim, objetivo ou escopo, a imunidade visa assegurar certos principias fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais consagrados 10 11

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BALEEIRO, 2005. p. 228. BORGES, 1980. pp. 184/185.


pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livre das interferências ou perturbações da tributação.

A garantia da imunidade recíproca deve, portanto, ser extensível à ECT, porque criada para a concussão de objetivos institucionais caros à Constituição da República. No caso da ECT, a ausência de tributação não implica desequilíbrio nas condições concorrenciais porque, quando a ECT atua, age segundo as diretrizes traçadas pela União, que rotineiramente desvencilha-se da posição de investidora de capital para impor à entidade a obrigação de universalizar seus serviços inclusive na hipótese de prejuízo. Cite-se o fato de que, nos municípios de pequeno porte, o serviço postal é a única forma do Poder Público se fazer presente. Nessa grande maioria de cidades, o serviço postal é prestado por força de convenio firmado entre a ECT e as Prefeituras Municipais, nos termos das Portarias n°. 141/98 e 311/98 do Ministério das Comunicações. São as chamadas Agências de Correios Comunitárias. Além disso, a ECT igualmente opera como uma entidade prestadora de serviços públicos especialmente nos segmentos de pessoas carentes. Tais pessoas, além de serem atendidas pelos serviços postais, também são beneficiadas por outros que, embora não se conformem com o serviço postal, são vinculados à infraestrutura oferecida pela ECT. O Relatório da Administração publicado no Diário Oficial da União de 24/4/2013 indica, no ano de 2012, receita bruta com vendas de R$14,5 bilhões de reais. Essa receita inclui tanto a venda de serviços submetidos ao privilégio postal quanto as receita advindas da livre concorrência:

Figura 2 - Participação das vendas na receita total da ECT. Fonte: Diário Oficial da União. 24/4/2013. p. 62 123


Segundo o relatório de gestão anual, os serviços não-exclusivos participam desse montante no importe de 45,97%, totalizando, em média, R$6,5 bilhões de reais:

Requisito das Partes Interessadas - RPI - Refere-se à meta estabelecida pela própria organização ao traduzir expectativas das partes interessadas. Relatório de Avaliação Empresarial – Março 2013. Disponível em http://intranetac/ presidencia/dplan/rae_ultimo

Caso fossem a adotadas as alíquotas de 5% para o ISSQN e 18% para o ICMS, haveria um pagamento anual de aproximadamente R$325 milhões para as prefeituras municipais (ISSQN) e R$1,17 bilhões para os estadosmembros (ICMS), suportados indiretamente pela União. Felizmente, a imunidade tributária da ECT está assentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. No julgamento conjunto dos RREE 220.906, 225.011 e 229.696, 230.051, a corte maior acolheu o entendimento de que o art. 12 do Decreto-Lei nº. 509/79 foi recepcionado pela Constituição de 1988 em toda a sua extensão. Como já salientado, o dispositivo legal faz alusão tanto à imunidade de impostos diretos ou indiretos12, o que inclui imunidade recíproca sobre as atividades franqueadas à livre concorrência. Outros precedentes (RE 407.099) apenas confirmaram a imunidade tributária recíproca fundamentada no art. 150, A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.

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VI, “a” da CF/88. O supracitado entendimento também vem sendo aplicado de maneira análoga em relação a outros impostos. Quanto ao IPVA, citem-se as Ações Civis Originárias (ACO’s) nº. 765, 789 e 959. Quanto ao IPTU, Agravo de Instrumento (AI) nº. 748.076. Quanto ao ISSQN, RE 601.392. Quando ao ICMS, precedentes do Tribunal também sinalizam pela imunidade tributária recíproca (RE 357.291; RE 460.198 e a ACO 1.095). Ditos julgados basicamente confirmam o argumento de que o art. 150, em seu §2º, traz a regra de imunidade às autarquias, fundações e demais entidades prestadoras de serviços públicos mantidas pelo Poder Público. Convém chamar a atenção que esse assunto passa pela necessária análise da repercussão econômica do tributo, conforme já decidiu o STF no RE 203.755. Mário Engler Pinto Júnior13 afirma que “A feição autárquica pode até fazer sentido para a empresa pública unipessoal que presta serviço público de competência do ente controlador, pois a situação é em tudo equiparada à prestação direta pelo Estado, tornando justificável o benefício da imunidade”. Na mesma linha de entendimento, Sacha Calmon Navarro Coêlho14 afirma que a regra imunitória “é compreensível, à luz do interesse nacional em favor do mercado comum brasileiro e do barateamento do custo desses insumos, vitais não só à produção de mercadorias, como à vida do povo em geral”. Aliomar Baleeiro15 arremata com maestria que: A imunidade, para alcançar os efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo fato de serem os fins das instituições beneficiadas, também atribuições, interesses e deveres do Estado, deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos, segundos as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia de seus serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades presumidamente desinteressadas por sua própria natureza.

A tessitura federalista da matriz tributária brasileira é pautada por uma relação de equilíbrio entre a União e as demais entidades locais e regionais. Aquilo que Geraldo Ataliba16 assinala como sendo um sistema composto por “ordens jurídicas parciais e coordenadas entre si, subordinadas à comunidade total, que é o próprio Estado Federal”. Em suma: as receitas PINTO JUNIOR, 2010. pp. 208-209. COÊLHO, p. 588. 15 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 177. 16 ATALIBA, 1980. p. 24. 13 14

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da ECT devem ser compreendidas como um investimento na política de integração nacional da qual os entes políticos devem prestar colaboração. 3. Conclusão Ao longo deste ensaio viu-se que o princípio da imunidade tributária recíproca decorre tanto do pacto federativo quanto do princípio da isonomia (igualdade jurídica) das pessoas políticas. Percebeu-se que a atividade no campo da atividade econômica pela ECT está fora do poder de tributar dos demais entes federados em decorrência dos fins institucionais da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Controvérsias surgem quando os demais entes políticos passam a defender a concepção formalista da legislação constitucional tributária. Viu-se, porém, que esses argumentos passam ao largo da temática principal em torno do serviço postal: o pacto federativo, a justiça social a soberania e o interesse na redução das desigualdades regionais. Nesse contexto, o intérprete do Direito deve fazer uma ponderação: a imunidade das atividades econômicas da ECT são, em última instância, meios garantidores do próprio exercício do direito fundamental à comunicação, do acesso à informação, e da viabilização do próprio Estado. O financiamento dessas atividades pode ocorrer por intermédio do próprio sistema tributário, a exemplo das imunidades. Conclui-se que as imunidades tributárias têm a função de proteger a liberdade e o patrimônio das pessoas jurídicas encarregadas de maximizar a densidade normativa da Constituição, sejam em benefício dos municípios, dos estados-membros ou da União. Nas palavras do Professor Heleno Taveira Torres ocorridas no 1º Encontro de Direito Tributário dos Correios: “Nenhuma competência constitucional pode agir contra um direito fundamental (...) a interpretação constitucional das garantias não pode ser uma interpretação restritiva. Ela é limitação de Poder. Limitação de Poder que tem um sentido: cumprir certas finalidades do ordenamento (...) essa foi a opção do constituinte”. 4. Referências ATALIBA, Geraldo. Estudos e Pareceres de Direito Tributário. Vol. 3. São Paulo: RT, 1980. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 126


BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2005. BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010. TRIBE, Laurence. American Constitutional Law. Third Edition. Volume One. New York: Foundation Press, 2000.

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A EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: ESTUDO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 601.392/PR UBIRANY LOPES EVANGELISTA Advogado na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Pósgraduado em Direito Tributário pela Universidade Estácio de Sá – UNESA. Pós-graduando em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Universidade Federal Fluminense – UFF. RESUMO O artigo aborda o regime jurídico-tributário atinente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, no que concerne à incidência da imunidade tributária sobre as suas atividades, exclusivas e não exclusivas. Discorre-se acerca da sua natureza jurídica, tendo-se em vista que, embora disposta no formato de uma pessoa jurídica de direito privado, apresenta os contornos de uma autarquia. Faz-se uma análise geral acerca dos institutos jurídicos que permeiam a matéria, concluindo-se que a manutenção do correio aéreo nacional e dos serviços postais, atribuídos pela Constituição Brasileira exclusivamente à União, não pode sofrer solução de continuidade, posto que obrigatoriamente sustentada pelo Poder Público, ainda que sob prejuízo. Neste sentido, a extensão do regime de imunidade tributária às atividades prestadas em regime de concorrência seria-lhe natural, porquanto é a ECT uma verdadeira longa manus da União, em exercício da atividade de monopólio postal, que se sobrepõe a estrutura jurídico-formal de empresa. Palavras-chave: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Imunidade tributária. Atividades concorrentes.

ABSTRACT The article discusses the legal and tax regime regards the Brazilian Post and Telegraph, regarding the incidence of tax immunity on their activities, exclusive and non-exclusive. If talks-about their legal nature, keeping in mind that, although arranged in a legal entity of private law format, presents the design of a municipality. It will be an overview about the legal institutions that permeate the matter, concluding that the

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maintenance of national air courier and postal services, awarded by the Brazilian Constitution exclusively to the Union, cannot undergo solution continuity, since necessarily supported by the Government, even under loss. In this sense, the extension of the system of tax exemption given to activities in competition would be natural to him, for he is a true ECT longa manus of the Union in the exercise of the activity of the postal monopoly, which overlaps the legal and formal structure company. Keywords: Brazilian Post and Telegraph. Tax immunity. Concurrent activities.

Sumário: 1. Introdução 2. Delineamentos Constitucionais Acerca da Imunidade Tributária 3. O Serviço Postal e o Regime Público da ECT 4. O Regime Especial das Empresas Públicas Prestadoras de Serviço Público 5. A Imunidade Tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos 6. Considerações Finais 7. Referências 1. Introdução A atividade estritamente postal prestada pelos Correios, em regime de exclusividade, importa em potencial risco de prejuízo, na medida em que a entidade tem o dever de atender à necessidade pública de correspondência postal em quaisquer circunstâncias, alcançando-se os grandes centros urbanos do país, mas também as localidades longínquas, cujo acesso é mais custoso. Originariamente, sob um ponto de visto econômico, o serviço foi atribuído à União a partir da constatação de que ao particular não era possível assumir a atividade postal, ao menos não satisfatoriamente, de modo a atender toda a população brasileira. Neste sentido, é elucidativo o trecho de voto do eminente Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADPF 46: O serviço postal, durante muito tempo, foi executado pela União – e não somente mantido – porque simplesmente não havia no país empresas com capacidade operacional e técnica suficientes para poder desenvolver, com presteza e agilidade, a entrega de correspondências por todo o território nacional. As dimensões continentais brasileiras, atreladas aos incipientes investimentos nos transportes – aéreo, terrestre, ferroviário -, forçaram o surgimento de um monopólio inevitável. As precárias condições à época não admitiam o ingresso de empresas privadas.

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Destarte, com o desenvolvimento e globalização da economia empresarial, a massificação dos setores técnico-especializados e as alterações crescentes na cadeia produtiva, dentre outros fatores, o empresariado privado passou a ansiar o mercado postal, enxergando uma vantagem sob a administração pública que tornaria desejável uma fatia do mercado: diferentemente da estatal, os potenciais concorrentes particulares não se viam na obrigatoriedade de atender toda a demanda da população brasileira, mas apenas àquele contingente mais acessível, a que pudessem prestar serviços sem comprometer a lucratividade do negócio. Saliente-se que tal percepção se insere no contexto das políticas econômicas ao redor da atividade postal, de modo que a importância destas circunstâncias reside na relação havida entre o custo da prestação dos serviços públicos de correios e o impacto econômico da incidência tributária sobre as atividades da empresa, o qual, em desequilíbrio, poderia onerar excessivamente o serviço essencial da correspondência postal. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria veiculada no Recurso Extraordinário n. 601.392/PR, que cuida do assunto, entendendo tratar-se de questão que transcende os interesses da empresa, repercutindo na esfera de direitos de todos os municípios da Federação, no tocante ao poder de tributar. Ademais, sob um olhar mais vivo, a incidência da imunidade tributária sobre os serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, abrangendo inclusive as atividades não exclusivas prestadas pela entidade, concretiza o postulado da modicidade na fixação da contraprestação aos usuários do serviço público postal, uma vez que tem impacto sobre o valor econômico do serviço. 2. Delineamentos Constitucionais Acerca da Imunidade Tributária Segundo o ilustre professor Paulo de Barros Carvalho, a imunidade tributária pode ser conceituada como (...) a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.1

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CARVALHO, 2004. p. 181.


No mesmo passo, assinala o mestre José Souto Maior Borges que “a regra jurídica de imunidade insere-se no plano das regras negativas de competência. O setor social abrangido pela imunidade está fora do âmbito da tributação. Previamente excluído, como vimos, não poderá ser objeto de exploração pelos entes públicos”2. Com base no conceito ensinado pelos renomados juristas, não se pode deixar de reconhecer às imunidades tributárias o status de garantias políticas, na medida em que asseguram a abstenção da atuação do Estado fiscal em setores não tributáveis. Neste sentido, têm o condão de salvaguardar liberdades, porquanto tratam-se de normas que determinam um ´´não-fazer`` por parte do fisco. A partir dos fins a que se dirigem, as hipóteses de imunidade tributária previstas na atual Constituição garantem a proteção ao exercício de liberdades, quais sejam a liberdade de culto, o livre sindicalismo, a liberdade de organização partidária, a liberdade de expressão intelectual, e, no caso da imunidade recíproca, a autonomia entre os entes políticos, entendida esta como a liberdade de atuação política entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Neste passo, reza o art. 150, VI, ´´a``, da Constituição que é vedado a União, Estados, Municípios e Distrito Federal instituir impostos sobre a renda, o patrimônio ou os serviços uns dos outros, elencando a imunidade tributária recíproca no rol das garantias constitucionais. Tal regra, concebida a partir da adoção de um modelo federativo de estado, cujas bases repousam na necessária igualdade política havida entre as unidades que compõem o Estado, denota a preocupação do legislador constituinte no sentido de inibir a submissão fiscal de uma entidade federativa a outra. Assim, uma das premissas básicas que envolve o tema deste trabalho é a constatação de que a imunidade tributária recíproca, consagrada pelas sucessivas Constituições brasileiras, representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes do Estado Federal, constituindo, desta forma, um instrumento de manutenção do pacto federativo, no plano das relações político-jurídicas havidas entre os entes da Federação. Como se sabe, o que caracteriza o Estado Federal é justamente o fato de, sob o mesmo território, exercerem-se harmônica e autonomamente a ação pública de dois governos distintos: o federal e o estadual. Daí é que se pode concluir que o Princípio Federativo3 reporta-se à imunidade tributária da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, 2

BORGES, 1980. p. 85.

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tratando-se de um dos postulados assegurados por esta garantia política, que é subjetiva, autoexecutável4 e ditada por razões de ordem política, com vistas a evitar que as unidades federativas sejam contribuintes e tenham de pagar impostos umas às outras, impedindo-se, assim, uma disputa fiscal entre os entes políticos. Ao adotar o princípio do Estado Democrático de Direito, a Constituição determinou uma ordenação estatal justa, mantenedora dos direitos individuais e metaindividuais, garantindo os direitos adquiridos, a independência e a imparcialidade dos juízes e tribunais, a responsabilidade dos governantes para com os governados e a representatividade do povo.5 Neste contexto, a imunidade tributária, sob a perspectiva de seu impacto econômico, acautelaria os direitos de correspondência e comunicação, inibindo eventual oneração excessiva sobre a atividade prestada pela ECT e impondo um limite ao poder de tributar sobre os fiscos estadual e municipal. Repise-se que a tributação acabaria por repercutir no preço sobre o serviço, prejudicando a modicidade na contraprestação pelos serviços postais. Precipitadamente, poder-se-ia mensurar, sob a óptica de uma reflexão superficial, uma implicação negativa dos efeitos da Imunidade Tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos sobre as atividades concorrenciais, em prejuízo da igualdade no mercado de serviços, uma vez que haveria diferenciação de tratamento entre a ECT e as empresas privadas concorrentes. Há de se esclarecer, todavia, um pormenor: a igualdade instituída na carta constitucional é uma igualdade material, que leva em consideração a realidade das mais diversas situações.6 Assim é que, por exemplo, é O Princípio Federativo nasceu a partir da noção de descentralização política, tendo alcançado ampla aceitação em todo o mundo, integrando o ordenamento jurídico de diversos países. Saliente-se, no entanto, que o conceito de Federação não foi sempre o mesmo. Diversas etapas históricas formaram a atual concepção do instituto, tão largamente adotado, não tendo o moderno Estado Federativo se estruturado sobre bases teóricas; ao contrário, é produto da bem-sucedida experiência norte-americana (MALUF, 1998. p. 168). 4 ROSA JÚNIOR, 2007. p. 251. 5 BULOS, 2007. p. 79. 6 Assim se manifestou eminente autor em trecho de obra literária jurídica, que denominou “Exceções ao Princípio da Igualdade”: “certos privilégios, em favor das entidades estatais e em nome do interesse público, contidos nas leis e na própria Constituição, não ferem o princípio da isonomia. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito, decidindo, em acórdão, que ‘a igualdade perante a lei que a constituição Federal assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país não compreende a União e as demais pessoas do direito público interno, em cujo favor pode a lei conceder privilégios impostos pelo interesse público sem lesão à garantia constitucional’ ’’ (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 120). 3

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permitida a chamada “discriminação finalidade”, para atender a um interesse geral, como na hipótese de um edital de concurso público que exige como requisitos para investidura algumas características discriminadoras, como altura, peso, idade etc., como muito comumente sucede em concursos militares, na conveniência de se estabelecer uma corporação militar composta de indivíduos bem dispostos fisicamente. Vale aqui a tão conhecida lição de Ruy Barbosa, segundo a qual não consiste a isonomia em tratar todos da mesma maneira; consiste, isto sim, em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. O mesmo ocorre com relação ao regime especial da imunidade tributária, que se faz necessário para atender a uma circunstância vital relativa ao regime público das entidades federativas: a não intervenção – o que torna inadequada a incidência tributária sobre a atividade postal. A questão é simples: se não houver a imunidade tributária, poderão os Estados e Municípios onerar excessivamente a atividade postal, afetando negativamente a União, a qual tem o dever de manter o serviço postal (ainda que sob prejuízo), promovendo, assim, verdadeira guerra fiscal, o que contrariaria os princípios federativo e da não intervenção. 3. O Serviço Postal e o Regime Público da ECT A história dos Correios no Brasil começa em Portugal, no processo de colonização do novo mundo, em que, à época, as cartas eram o único meio de comunicação à longa distância e, portanto, foram muito utilizadas no período Brasil-colônia7. Num primeiro momento, o serviço de postagem dependia da atuação de particulares, e somente com a chegada dos assistentes do Correio-Mor das Cartas do Mar no Brasil é que o serviço se oficializou, atendendo a demanda de um povo que começava a crescer em ritmo acelerado. Porém, o processo de interiorização oficial do serviço postal começa a se afirmar efetivamente com a vinda da família real para o Brasil. Mais a frente, em 1931, foi criado o Departamento de Correios e Telégrafos (DCT), subordinado ao Ministério da Viação e Obras Públicas. A Administração dos Correios passou a se dividir em Diretorias Regionais, conservando tal formato até os dias de hoje. É criado então o Correio Aéreo Militar, o qual originou o Correio Aéreo Nacional, possibilitando a remessa de objetos postais a lugares antes praticamente inatingíveis do território nacional. As informações históricas constantes deste artigo foram retiradas do site institucional da ECT, no sítio: <http://www.correios.com.br>. Acesso em 22/06/2013.

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No ano de 1967, o Decreto lei nº 200 instituiu o Ministério das Comunicações e, no ano seguinte, o Departamento de Correios e Telégrafos vinculou-se ao Ministério das Comunicações. Com o desenvolvimento dos setores produtivos do Brasil, tornouse inafastável uma reestruturação do serviço postal, haja vista que o DCT já não apresentava infraestrutura compatível com as necessidades dos usuários, que só aumentavam. Foi criada então a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), através da Lei nº. 509/1969, uma empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, comprometida a funcionar como uma agente da ação social do governo, atuando, por exemplo, no pagamento de pensões e aposentadorias, na distribuição de livros escolares, no transporte de doações em casos de calamidade, em campanhas de aleitamento materno, entre outras situações. A mencionada lei conferiu à ECT “isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à fazenda pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais” (art. 12). Desde então a ECT vêm se modernizando, criando e disponibilizando serviços de qualidade, para atender os seus clientes, onde quer que estejam, realizando importante função de integração e de inclusão social, com vistas ao desenvolvimento nacional. Na composição do seu faturamento, aufere receita a partir dos serviços postais exclusivos, quais sejam a carta, o telegrama e a correspondência agrupada, de maneira que a reserva de mercado assegurada a esses três serviços é fator essencial para a sobrevivência e para a garantia da universalização dos serviços postais. Além desses serviços, no entanto, os Correios oferecem soluções tecnológicas para atender ao serviço de comunicação também em setores concorrenciais, em um mercado cada vez mais competitivo, como é o caso do Sedex, que se tornou um dos principais produtos da empresa, líder do setor de encomendas expressas no Brasil. Sobrelevam-se também os convênios firmados com a empresa a fim de realizar a prestação de serviços diversos nas diversas agências espalhadas pelo país, o que constitui uma importante contribuição para a inclusão social de toda a população. A título de exemplo, desde a criação do Banco Postal, milhares de pessoas que, antes, para realizar uma simples operação bancária, tinham de se deslocar para uma cidade vizinha, hoje contam com a comodidade de se dirigir a uma das agências postais próximas de sua casa. Neste sentido, a empresa atinge a sua missão institucional de assegurar o acesso à comunicação para todos os brasileiros, em todos os seus aspectos. 134


Na seara do judiciário, após a promulgação da vigente Constituição da República, houve imenso debate acerca da recepção do art. 12 do Dec. Lei 509/69 pela nova ordem constitucional. De um lado, entendem alguns juristas que o dispositivo não foi recepcionado pela nova carta republicana, tendo-se em vista a redação do ´´caput`` do art. 1738 da carta, o qual preconiza que as empresas públicas submetem-se ao regime privado. Já para outros, a ECT possui um regime diferenciado, equiparado a Fazenda Pública, a partir da diferenciação entre o regime das empresas públicas exercentes de atividade econômica e o das empresas publicas prestadoras de serviço público, estando a ECT dentre estas últimas. Decidindo definitivamente a matéria, o plenário do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 220.906-9, que teve como relator o ministro Maurício Corrêa, julgou, por maioria, que a ECT tem o direito à execução de seus débitos pelo regime de precatório por se tratar de entidade que presta serviço público, incorporada ao conceito de Fazenda Pública. Na sequência, a mesma corte julgou vários outros processos com a mesma matéria em discussão (Recursos Extraordinários nº 225.0110, 229.696-7, 230.051-6 e 230.072-3), decidindo-os uniformemente, demonstrando de forma inequívoca a pacificação do entendimento da Corte Suprema quanto a vigência e consequente aplicabilidade do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69. Também o STJ e o Colendo TST afirmaram jurisprudência uníssona a respeito da equiparação da ECT à Fazenda Pública, tendo este último órgão inclusive reformulado suas Orientações Jurisprudenciais, em especial a OJ n° 87, culminando com o novo texto da OJ n° 2479, reconhecendo a equiparação, inclusive quanto aos privilégios processuais constantes do art. 12, Dec. Lei 509/69. Assim, passou-se a reconhecer a imunidade tributária dos Correios nos tribunais de todo o país, bem como a execução por precatório, as prerrogativas de foro, prazo e custas judiciais, por força dos preceitos 8 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 9 OJ 247. servidor público. celetista concursado. despedida imotivada. empresa pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade. II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

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aplicáveis à Fazenda Pública contidos no arts. 188, 730 e segs. do CPC, art. 101 e segs. da CF/88, art. 1º do Dec.Lei 779/69, art. 9º da Lei 9.429/97 e arts. 1º, 1º-A, 1º-B, 1º-C e 1º-F da Lei 9.494/97. E foi além o STF, ao estender a imunidade tributária aos serviços tidos por não estritamente postais prestados pela ECT, como a venda de títulos de capitalização, no RE n° 601392,10 em decisão avançada que atende às peculiaridades da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos. 4. O Regime Especial das Empresas Públicas Prestadoras de Serviço Público A Constituição de 1988 conferiu às empresas públicas um regime híbrido, ora outorgando-lhes disposições que as aproximam de uma autarquia, ora atribuindo-lhes condições de paridade com as empresas privadas, para que possam concorrer no mercado. Assim, diferentemente de uma empresa privada, a ECT, na condição de empresa pública federal, tem de contratar empregados por concurso público e ao mesmo tempo lidar com o exercício do direito de greve dos trabalhadores ecetistas. Submete-se ao processo burocrático de licitação para adquirir o seu maquinário, essencial a prestação de suas atividades, mas ao mesmo tempo tem o dever de oferecer um serviço adequado e em tempo hábil a atender a demanda do usuário, sendo-lhe aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Somado a isto, ressalte-se que a ECT é a maior empregadora do país11, possuindo milhares de agências espalhadas por todo o território brasileiro, a fim de prestar o serviço postal para toda a população, segundo sua missão constitucional. Com isso, não é difícil perceber que a atividade postal demanda gestão econômica diferenciada, uma vez que todas estas dificuldades deságuam no orçamento da empresa. Além disso, há que se fazer também uma diferenciação quanto as empresas públicas prestadoras de atividade econômica e as empresas públicas prestadoras de serviço público. Ementa: Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. imunidade recíproca. empresa brasileira de correios e telégrafos. 3. distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. precedentes. 4. exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. irrelevância. existência de peculiaridades no serviço postal. incidência da imunidade prevista no art. 150, vi, “a”, da constituição federal. 5. recurso extraordinário conhecido e provido (RE 601392). 11 Revista EXAME, 2010, edição especial. 10

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O ilustre jurista Eros Roberto Grau, em estudo avançado, distingue atividade econômica de serviço público, por meio de critérios observados no corpo da Constituição Federal12. Para o autor, no artigo 173, a Constituição prevê a possibilidade de o Estado exercer atividade econômica em sentido estrito, devendo observar, para tanto, imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Já no artigo 170, a Constituição estabeleceria as diretrizes para o exercício da atividade econômica em sentido amplo, na qual se incluem os serviços públicos. Igualmente, quando a atividade exercida pelo Estado tiver por finalidade atender ao interesse social e não exatamente ao interesse coletivo, tem-se a presença de serviço público. Observe-se que o alinhamento ao conceito de serviço público não advém de mera opção política: ou o serviço público corresponde a algo vital para a sociedade ou se trata de atividade facultativa que pode ou não ser prestada.13 Ao desempenhar atividade econômica em sentido estrito, ainda que a título de prestação de serviço, o Estado não executa serviço público caracterizado como atividade essencial ao desenvolvimento social. É exatamente por este motivo que o § 1º do artigo 173 da Constituição, ao se referir na parte final à prestação de serviços, não a qualifica como prestação de serviços públicos. Diferentemente, o artigo 175 expressamente se refere a serviço público. A omissão do constituinte quanto ao vocábulo ´´público`` expresso no artigo 173 não pode ser casual, sob pena de tornar o texto constitucional letra morta. Afinal de contas, não haveria nenhum sentido em se argumentar que o artigo 173 trata de serviço público enquanto atividade econômica desenvolvida pelo Estado, e no artigo 175 falar-se a mesma coisa, apenas acrescentando-se a possibilidade de o serviço público ser delegado a particulares. Note-se, aliás, que o artigo 175 também estabelece que o serviço poderá ser prestado diretamente pelo Estado, o que não é mencionado no artigo 173. Portanto, é evidente que se trata de conceitos e situações diferentes. O artigo 173 versa sobre atividade econômica em sentido estrito, ao passo que o artigo 175 cuida de serviços públicos, os quais podem ser executados pelo Poder Público, seja diretamente, por meio dos seus órgãos (prestação direta), ou indiretamente, através de terceiros (prestação por meio de concessão ou permissão). GRAU, Eros Roberto e GERRA FILHO, Willis Santiago (org.). Constituição e serviço público. In: Direito constitucional:estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. págs. 249-267. 13 NUNES, Cléucio Santos. Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos e o Alcançe ao Direito dos Benefícios Tributários. In: Revista Juricidades – Revista da consultoria jurídica do Ministério das Cidades v.1, 2008, págs. 35-55. 12

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Realmente, tratam-se de disposições distintas, e tanto é assim que o artigo 173 da Constituição Federal omite o qualificativo público, utilizando a locução prestação de serviço somente para tornar claro que o Estado poderá executar atividades que são inerentes ao setor privado e, neste caso, cuidar-se-á de atividade econômica em sentido estrito. Tem-se, portanto, que é preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, as quais se submetem ao regime próprio das empresas privadas, inclusive no tocante às obrigações trabalhistas e tributárias (CRFB, §1° do art. 173), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, de natureza autárquica, as quais não se sujeitam ao disposto no §1° do art. 173 da Constituição, mas, pelo contrário, se lhes aplicam as disposições atinentes à Fazenda Pública, inclusive a garantia da imunidade tributária recíproca. 5. A Imunidade Tributária da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafo A ECT, como já se viu, nasceu em 1969, quando o Decreto-lei 509/1969 transformou o antigo departamento encarregado do serviço postal em entidade autônoma. Surgiu então a Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, entidade que, com o tempo, tomou dimensões gigantescas, face a crescente demanda pelo serviço postal, natural ao denso crescimento populacional, de maneira que se tornou inadequado o exercício da atividade por uma repartição burocrática da Administração Direta. No mesmo passo, foi conferida à ECT, pelo artigo 12 do diploma supramencionado, imunidade tributária recíproca, para bem cumprir o seu desiderato legal. Sem embargos, a doutrina nacional logo se mostrou favorável a noção da aplicação do regime da imunidade tributária sobre as empresas públicas prestadoras de serviço público em regime de privilégio14. O monopólio postal detido pela empresa foi firmado a partir da ADPF 46, na qual entendeu-se que a Constituição brasileira conferiu à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional, na dicção do artigo 20, inciso X, da carta republicana. Já neste processo objetivo verificou-se a necessidade de se distinguir o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio, sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. PAULSEN, Leandro. Direiro tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, pág. 230.

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Consignou-se que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve pautar-se em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, qual seja o privilégio postal. No entanto, o regime jurídico-tributário tributário da ECT foi objeto de disputas judiciais, fazendo com que a entidade lutasse para gozar dos privilégios que lhe foram legalmente outorgados para cumprir aquele serviço público. No RE 220.906/DF (DJ 19.12.2002), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a equiparação à Fazenda Pública e a plena recepção, pela ordem constitucional, dos privilégios tributários estabelecidos pelo artigo 12 do Decreto-lei 509/69, em particular a regra da imunidade tributária. Entretanto, a decisão da suprema corte não extinguiu a dúvida de muitos quanto à extensão e a aplicabilidade do privilégio jurídicotributário da imunidade tributária da ECT. Pretendia-se, nas muitas lides que se instauraram sobre o tema, em tribunais de todo o país, convencer que a ECT atuava em campos que não seriam estritamente postais e, nestas hipóteses, não poderia gozar de privilégios, sob pena de afrontar a livre concorrência. Diante deste quadro, a Vice-Presidência Jurídica da ECT promoveu um encontro jurídico no ano de 2012, com vistas a debater e submeter o tema a sociedade jurídica. Abordou-se intensamente a questão do subsídio cruzado das tarifas. O serviço postal, atividade que em sua essência não possui caráter econômico (visto que se trata de serviço público, posto que o lucro fica em segundo plano) tem de ser enxergado também sob um ponto de vista progressista, abrangendo não só a atividade estrita de distribuição de cartas, mas também aqueles casos em que a ECT atua em parceria com bancos e outras entidades, pois está concretizando o acesso a comunicação da população, quando, por exemplo, faz a ponte entre a instituição bancária e a população que vive longe dos grandes centros. Neste sentido, a ECT está facilitando a comunicação entre as pessoas e o banco, concretizando assim o acesso à comunicação por parte da população que vive à margem dos grandes centros. A questão, sob certo ponto de vista, gira em torno da pretendida diferenciação entre atividades estritamente postais e atividades concorrenciais. Há que se ter em conta que o monopólio postal não ofende a livre iniciativa, e a razão desta afirmação é notória: tal atividade sempre esteve excluída da iniciativa privada. E hoje, a matéria já está bem definida. É sabido que a Constituição definiu, por opção política, quais serviços, como o postal, seriam tolhidos do setor privado, o que se justifica, em geral, por motivos de interesse público. 139


Aliás, o serviço postal não é passível de transpasse para a iniciativa privada por autorização, concessão ou permissão, diferentemente do que ocorre com a educação e a saúde, na forma dos artigos 199 e 209, ambos da CRFB. Precisamente, a peculiaridade do serviço postal decorre da finalidade das suas atividades, qual seja favorecer a comunicação, a integração nacional e o sigilo das correspondências. Inegável que a ECT presta serviço público e não atividade econômica, estando, pois, sua atividade excluída do campo do artigo 173, parágrafo 1º, da CRFB. Neste sentido o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, consignando que o monopólio postal está revestido pela garantia da imunidade. De outra forma, se prevalecesse o interesse particular contido na ADPF 46, de submeter o serviço postal estrito à livre concorrência, restaria violada a lógica da Constituição Federal. Não obstante, o julgamento da ADPF 46 serviu também para suscitar a discussão acerca da extensão do monopólio postal da ECT – ou seja, passou-se a perquirir quais seriam as atividades tidas por exclusivas e quais as que poderiam se submeter ao mercado concorrencial, o que alavancou debate profundo acerca do conceito de correspondência. Por fim, a ADPF 46 acabou julgada improcedente. Sobre os subsídios cruzados, vale dizer que a concorrência entre receitas de atividades exclusivas e não exclusivas, de sorte a compensaremse entre si, é lícita, na medida em que o fator determinante da possibilidade ou não desta prática é a destinação das receitas. Neste sentido, aliás, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula 724,15 consignando o entendimento segundo o qual os fatos geradores de recursos utilizados na finalidade essencial dos entes com imunidade condicionada ficam imunes a tributação. Assim sendo, as chamadas atividades concorrenciais prestadas pela ECT, inclusive a venda de títulos de capitalização abordada no RE 601.392, apenas vêm agregar recursos financeiros para um melhor atendimento do serviço postal. O mecanismo do subsídio cruzado, de transferir o superavit obtido a partir da tarifa de certos serviços, aplicado em benefício de usuários considerados necessitados, é medida salutar que visa uma gestão Súmula 724. Rendimentos de aluguéis - imunidade do IPTU - condição - propriedade dos partidos políticos, entidades sindicais e instituições de educação e de assistência social ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.

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diferenciada que atenda a determinada peculiaridade do mercado. Tratase de instrumento utilizado em outros cenários do mercado brasileiro, com vistas ao equilíbrio do orçamento empresarial. Aplicado no âmbito da ECT, o subsídio cruzado garante o balanceamento na contraprestação do serviço postal, possibilitando a postagem de cartas ao custo de centavos. Saliente-se que em apenas quatro unidades federativas há superavit nas operações postais, e, de um modo geral, 58% das receitas da ECT são hoje de serviços exclusivos.16 Os dados financeiros colhidos para o julgamento da ADPF 46 suscitaram a necessidade da adoção do modelo de subsídio cruzado na gestão da ECT. Reconheceu-se que a parte rentável da atividade postal estrita inviabilizaria a manutenção do serviço. Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já admitiu a adoção do modelo em outros casos similares, a exemplo do caso das “Listas Telefônicas” (RE n° 199.183). Assim sendo, a imunidade deve alcançar todas as atividades postais realizadas pela empresa, no sentido amplo do termo. Tanto o serviço como a renda devem ser albergados pela garantia, pois todos os seus rendimentos estão condicionados à prestação do serviço público postal, atribuído a União, em face do art. 21, X, da CRFB/88. Não se pode negar que os avanços tecnológicos acabam por causar um distanciamento entre a realidade e a legislação atual que define as atividades da ECT. No entanto, é irrefutável que a ECT presta serviços em localidades longínquas, em vilarejos situados no interior do país, distantes dos centros urbanos, o que importa em grandes dificuldades de operacionalização, na busca da concretizando da integração nacional. Nos termos do voto do eminente ministro Dias Toffoli, a atuação da ECT ´´vai do Oiapoque ao Chuí, alcançando, a despeito das distâncias, os mais remotos municípios, distritos, aldeias e vilas``.17 Considerando a relevância da atividade postal realizada pela empresa e a extensão geográfica do território brasileiro, tais aspectos sobrelevam-se ainda mais quando se leva em conta que é dever do Estado assegurar os serviços básicos de postagem a toda a população, inclusive àqueles segmentos que vivem distantes dos grandes centros econômicos, em regiões rurais ou em áreas urbanas sem infraestrutura adequada para a execução das atividades postais, e mesmo que tal mister importe em prejuízo por parte da ECT. Aliás, tal o motivo pelo qual a atividade não foi entregue a iniciativa particular. Números colhidos do site institucional dos Correios, no sítio: <http://www.correios.com. br>. Acesso em 15/01/2013. 17 Trecho do voto do ministro Dias Toffoli no julgamento do RE n° 601.392. 16

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Quando, na Constituição Federal, se afirma que a União deve ´´manter`` o serviço postal (art. 21, X, da CRFB), se quer dizer que esse serviço não pode deixar de ser prestado, e que não pode sofrer solução de continuidade, ainda que deficitário. E tal circunstância justifica o mecanismo do financiamento cruzado, na medida em que uma vez prejudicada a rentabilidade das atividades concorrenciais por parte da empresa, inviabiliza-se a atividade-fim da ECT, que corresponde a um dever constitucional de cumprimento obrigatório por parte da União (ou melhor, da própria ECT, que constitui uma verdadeira “longa manus” do ente federal). Aliás, o ilustre ministro Ayres Britto já defendeu a tese do subsídio cruzado no âmbito da ECT em julgamento da Suprema Corte, ao destacar que “pré-excluída de qualquer imposto, inclusive do imposto de renda, que pode ser objeto de questionamento, a empresa tem custos menores e pode, evidentemente, prestar um serviço postal de custo módico a quem mais necessita da empresa”.18 Assim sendo, o Supremo Tribunal Federal, ao admitir a adoção do subsídio cruzado pela Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, apenas manteve a linha de pensamento desenvolvida na trilha da jurisprudência que se formava na corte, o que se repetiu nos autos do Recurso Extraordinário n° 601.392/PR. 6. Considerações Finais O presente artigo empenhou-se em demonstrar as peculiaridades do regime especial a que se submete a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na seara das relações tributárias, abordando as discussões acerca de sua natureza jurídica autárquica, que a destoa do regime comum aplicável as demais pessoas jurídicas de direito privado. Uma das garantias decorrentes deste regime autárquico é a observância da imunidade tributária frente a prestação dos serviços por parte da empresa. Destacou-se a discussão que envolve a questão da incidência da imunidade tributária sobre as atividades tidas por não estritamente postais prestadas pela entidade, as quais são executadas em regime de concorrência com o particular, concluindo-se que estas também devem se submeter ao regime de imunidade, na trilha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Dentre os fundamentos da extensão da imunidade tributárias a estas atividades não exclusivas da ECT, sobreleva-se o mecanismo financeiro 18

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Trecho do voto do ministro Ayres Britto no julgamento da ACO nº 765/RJ.


do subsídio cruzado, tratando-se da adoção de uma política tarifária que permita a compensação dos prejuízos advindos da atividade estritamente postal prestada pela empresa com os lucros obtidos a partir da realização dos serviços concorrenciais, uma vez que a entidade não pode se furtar a prestação do serviço postal, ainda que deficitário. Saliente-se que a atividade postal prestada pela ECT em regime de monopólio é essencial para a sociedade, tratando-se de dever inafastável que corresponde ao direito de comunicação e correspondência de todo indivíduo, a partir da previsão constitucional de que à União cabe manter o serviço postal. A problemática surge, no entanto, com o deficit obtido na consecução do serviço postal naquelas localidades mais longínquas, distantes dos centros urbanos, em que a prestação dos serviços tornase mais onerosa. Aliás, aí reside o motivo pelo qual a atividade postal foi atribuída ao Poder Público, a partir da constatação de que ao particular não era possível assumir a prestação de tal serviço de forma satisfatória, de maneira a atender a população que vive à margem dos complexos urbanos. Neste passo, a incidência tributária sobre a atividade prestada pela ECT oneraria ainda mais o que já é custoso, prejudicando sobremaneira o predicado da modicidade na contraprestação pelo serviço postal, já que os efeitos econômicos da tributação certamente refletiriam sobre os usuários da correspondência. E também as atividades concorrenciais devem se submeter a imunidade tributária, pois, como visto, o subsídio cruzado levado a efeito pela empresa, faz com que os lucros obtidos com tais serviços constituam um meio de realizar a atividade precípua da empresa, de monopólio postal. A empresa não busca o lucro pelo lucro. Aliás, afastar a incidência da imunidade tributária sobre a Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos seria violar o Princípio Federativo previsto na Constituição, na medida em que os Municípios e Estados cobradores de impostos poderiam onerar excessivamente a atividade realizada pela entidade, transformando o poder de tributar em verdadeiro instrumento de pressão política sobre a União, a qual tem o dever constitucional de manter a atividade a qualquer custo. Com efeito, a imunidade tributária concretiza a regra da não intervenção entre os entes federativos. Desta feita, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 601.392, proferiu acórdão favorável à ECT, de acordo com o que já vinha decidindo em casos similares, adotando uma leitura positiva da Constituição Federal e desenhando a lógica da possibilidade de um serviço público postal que conta com todo um aparato de garantias para se concretizar eficientemente.

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