Festival de Turismo Paisagens Postais

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Festival de Turismo

Paisagens Postais

De 7/10 a 11/11 2018

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Basta um retângulo de papelão para um lugar rodar o mundo. Com um selo, um endereço e muita saudade, cartões-postais viajam pelo espaço para contar que vamos bem, que a viagem está ótima e que você ia adorar estar junto. Uma lembrança de quem está lá e lembrou-se de quem está aqui. Num tempo em que viajar e fotografar eram atividades acessíveis a poucas pessoas, os postais foram um meio de enviar notícias e guardar recordações de lugares visitados. Resistiram às mudanças sociais e tecnológicas, seguem entre os suvenires mundo afora e nos chegam hoje pelas telas inteligentes de nossos celulares e computadores. Em comemoração aos 70 anos de suas ações em Turismo Social, o Sesc em São Paulo apresenta algumas histórias sobre este objeto tão marcante no universo das viagens – e que, seja como registro histórico, manifestação de afeto ou item de colecionismo, atravessa o tempo e se reinventa de acordo com o contexto histórico e social em que está inserido, a localidade onde é produzido e o propósito que orienta sua confecção. Boa leitura!

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GaÍa PassareLLi, 42 anos, tem longa careira no jornalismo cultural brasileiro, foi apresentadora de televisão e hoje escreve sobre viagens e comportamento para publicações. Fez parte do elenco de VJs da MTV Brasil 2010 e 2013 e também colaborou com alguns dos principais veículos de cultura do Brasil, como Ilustrada, Rolling Stone e Bizz. Seu livro de crônicas de viagem “Mas Você Vai Sozinha?” foi lançado nacionalmente pela Globo Livros, em 2016, e se encontra na terceira tiragem.

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Você sabe o que é cartofilia? É o nome que se dá ao colecionismo de cartões-postais. Depois da numismática (estudo e coleção de moedas e cédulas) e da filatelia (selos), o colecionismo de cartões-postais é o mais popular do mundo. Tudo bem que talvez o termo não seja aplicável à pilha de postais de viagem que você guarda em uma gaveta, em casa. Não tem problema. Assim como acontece com moedas e selos, uma coleção de postais, de qualquer tamanho, tem (ou terá, no futuro) seu valor histórico como registro de um lugar e período. Mas, diferente dos seus colegas, os cartões-postais têm um, digamos, valor agregado único: são relatos afetivos. Há várias formas de colecionar postais. Um entusiasta pode vasculhar caixas de papelão cheias de pedaços de cartolina impressos em busca de exemplares de determinados períodos, locais ou estéticas. O universo dos postais é vasto e aprendi recentemente que há nichos históricos, como Era de Ouro, período da borda branca ou fotocromático, sempre relacionados a inovações da indústria. Isso torna os postais um assunto e tanto para quem leva colecionismo a sério. Gostei de pensar que, ao contrário do que eu faço, há gente que analisa os retângulos de papel com cuidado, pensando em detalhes como carimbo postal, remetente, endereço de destino e mensagem.

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Digo isso porque nem sempre o mais importante para colecionistas é a foto. É a imagem da frente que determina a época e a categoria do postal, sim. Mas é a mensagem escrita no verso que faz de cada cartão-postal um recorte específico, pontual e momentâneo. A gente não pensa nisso quando manda ou compra um postal hoje, mas já houve uma época em que postais eram enviados em datas específicas (feriados, aniversários), comemorações (feiras internacionais, lançamentos de produtos) e até tragédias, como inundações ou terremotos. Há também a categoria de postais com imagens “exóticas”. Moda na Europa no século XIX, mostravam lugares como Marrocos, Egito e Índia pela ótica do colonizador. São, portanto, romantizados e pouco confiáveis como documentos históricos, mas mostram como viviam as pessoas ou como eram os lugares. Por isso mesmo, coleções de postais como a do Smithsonian Museum, nos EUA, são utilizadas por pesquisadores. O envio de postais mudou muito. Hoje, o cartão postal é principalmente um suvenir de viagem barato e prático. Mas nem por isso é menos importante. A minha coleção de cerca de duas centenas de cartões conta a história de lugares que visitei, porque há anos tenho o hábito de mandar postais para casa, no meu nome ou do meu filho, e de pessoas que

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conheci, porque vivo pedindo para amigos me mandarem essa lembrança de onde passaram. Esse pedido normalmente é recebido com simpatia, porque postais são fáceis de achar, divertidos de escolher e baratos para enviar. Tem quem trapaceie e entregue aqui no Brasil, em mãos. E tudo bem: o importante é que a pessoa pensou um pouco em mim durante a viagem. Porque é essa a graça do cartãopostal, há mais de cem anos uma forma simples de dizer “pensei em você”.

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EMiLio Fraia nasceu em São Paulo, em 1982. É autor de Sebastopol (Alfaguara, 2018), do romance O verão do Chibo, escrito em parceria com Vanessa Barbara (Alfaguara, 2008, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura), e da graphic novel Campo em branco (Companhia das Letras, 2013, em colaboração com DW Ribatski). Em 2012, foi um dos vinte autores selecionados para a edição “Os melhores jovens escritores brasileiros” da revista britânica Granta.

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No ano 2000, a Phaidon publicou Boring postcards [Cartões-postais sem graça], de Martin Parr. O livro, uma coleção de imagens comicamente tediosas de lugares como aeroportos, estações de ônibus, rodovias e edificações cinzentas, fez com que a entrada dos cartões-postais no século XXI se desse assim, por meio de um sorriso de canto de boca, sob a névoa da ironia. As Torres Gêmeas sumiriam da paisagem em 2001 e, em algum momento, decidiu-se que enviar cartões-postais era como adquirir uma pintura kitsch de alguma banquinha de rua, uma caneca de café com a imagem de um muppet baby sorrindo com a avenida Paulista atrás, um fantasminha dançante suspenso por fios de nylon. Presentes bons para dar risada na hora, mas que valem pouco a longo prazo. O misto de imaginação, estereótipo e memória afetiva na percepção dos lugares, algo muito próprio dos cartões-postais, parecia ter saído de moda para sempre. Em 2014, estive em White Island, uma ilha-vulcão na Nova Zelândia. Fica a cinquenta quilômetros da baía de Whakatane, na porção norte do país – uma cidade tranquila de não mais que vinte mil habitantes, sendo quase metade da população maori. O capitão do barco que me levou até lá, um homem de idade avançada chamado David Plews, fazia esse trajeto desde seus 8 anos.

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A certa altura, ele me falou que a ilha muda sempre. Nunca permanece a mesma. De quando era criança para cá, estava muito diferente. O primeiro nãonativo a avistá-la foi o explorador inglês James Cook, em 1769. Na ocasião, Cook escreveu no diário de bordo de seu navio: “nós a chamamos de ilha branca porque foi assim que ela apareceu para nós” (em meio à névoa). Em maori, a ilha-vulcão é conhecida como Whakaari, “aquilo que se pode fazer visível”. O que torna um lugar visível? Como o olho da nossa mente registra uma experiência, uma paisagem? Um lugar existe a partir de que mecanismos do tempo e da memória? Eu lembro muito pouco da viagem que fiz para a Nova Zelândia. Mas White Island nunca saiu da minha cabeça. Em parte, porque é de fato um lugar especial. Mas sobretudo porque naquele dia, antes de voltar, o carro que me levava parou num posto em Whakatane e, junto com um copo de café aguado, eu comprei dois cartões-postais. Um deles, enviei para uma amiga. O outro, colei na porta da geladeira da minha casa. Quando, numa viagem, escrevemos um diário, é comum que, anos depois, ao ler aquelas palavras, a nossa lembrança se transforme naquelas impressões. White Island, para mim, é aquele rochedo que brota do mar com uma nuvem branca pairando no ar – e lembro disso todas as manhãs, e algumas madrugadas, ao abrir a geladeira.

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O comentário mais afetuoso sobre viagens, turismo, globalização e cartões-postais quem fez, no entanto, foi o fotógrafo italiano Luigi Ghirri. Colecionador de cartões-postais, achados “nas bancas mais modestas, aquelas que tinham os postais mais velhos e óbvios”, Ghirri vai investigar as relações entre a imagem da paisagem real e suas representações. É do confronto entre o real e os lugares-comuns da imagem dos cartões-postais que ele constrói sua arte. “E então me dei conta de que a realidade estava cada vez mais se tornando uma fotografia enorme”, diz Ghirri, numa entrevista. O cartão-postal, esse objeto tão emblemático, faz com que a tensão entre o real, a representação e o imaginário se mantenha viva e a cada dia mais cheia de sentidos e de afeto.

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Pesquisadora do campo das artes visuais, LÍVia AQUino é professora e artista. Doutora em Artes Visuais e mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, é coordenadora da pós-graduação em Fotografia: Práticas Poéticas e Culturais e professora da pós-graduação em Práticas Artísticas Contemporâneas da FAAP. Autora do livro “Picture Ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo”. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.

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Comprou uma passagem eterna num trem que nunca acabava de viajar. Nos cartões-postais que mandava das estações intermediárias, descrevia aos gritos as imagens instantâneas que tinha visto pela janela do vagão, e era como ir rasgando em tiras e jogando ao esquecimento o longo poema da fugacidade.1 Gabriel Garcia Márquez O cartão-postal é um objeto que remete a distintas experiências desde a sua criação, no século XIX. Pode estar relacionado à correspondência, às informações e aos afetos trocados, a vistas compartilhadas e ao conhecimento do mundo por meio de suas estampas. Inúmeras são as instituições que abarcam coleções desses artefatos importantes para o estudo da nossa relação com as viagens e com a percepção das imagens nesse campo. Nesse momento, tomamos como ponto de partida uma cena do filme Les carabiniers2, traduzido no Brasil como Tempos de Guerra, de Jean-Luc Godard (1963). Ali, os personagens Ulysses e Miguel 1 GARCIA MÁRQUEZ, Gabriel. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 382. 2 LES CARABINIERS (Tempos de guerra). Ficção (França, Itália). Direção: Jean-Luc Godard, 80 min., 1963.

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Ângelo voltam da guerra para casa trazendo apenas uma pequena mala; dentro dela, dizem, há tesouros do mundo exibidos em cartões-postais de monumentos, meios de transporte, lojas, obras de arte, indústrias, riquezas da terra, maravilhas da natureza, paisagens, animais, continentes e até planetas. Enfatizam que, naturalmente, cada parte se divide em vários pedaços, que por sua vez se repartem em outros. Começam então a colocar sobre a mesa essas pequenas porções de mundo, em movimento compulsivo que aos poucos delata sua crença de que aqueles artefatos representam lugares que lhes pertencem. Muito embora o filme retrate uma viagem feita para ir a uma guerra, faz analogia do valor e do lugar das imagens por meio desses suvenires que os fazem crer, ingenuamente, na posse do mundo que percorrem. Em parte, as fotografias presentes nos cartões sugerem certa noção de permanência da experiência em imagem desenhada com a modernidade, e Les carabiniers aponta isso naquele momento de crescimento do turismo de massa. Vale lembrar que a fotografia se encontra presente em diversos aspectos da vida social ligada às viagens, desenvolve-se nos estúdios que surgem em cidades e pontos de paragem para os turistas e também na difusão dos

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cartões-postais e suvenires. Entre 1840 e 1915, aproximadamente 750 fotógrafos suprem os turistas que visitam Roma com diversos tipos de vistas de paisagens, monumentos, ruínas, arquitetura e arte.3 Somente na década de 1910, a venda de cartões-postais chega a 860 milhões.4 Ao longo do século passado, o turista produz novas impressões ao visualizar cenas e situações não observadas no dia a dia. Seu olhar acaba tornando-se visualmente objetificado por meio dos suvenires, como cartões-postais e guias, ou mesmo pela realização de imagens que remetem aos locais visitados e que ali se originam na própria fotografia que produz. O viajante passa a desejar e consumir não só aquilo que envolve o deslocamento e a estada, mas também objetos e lugares que compõem a experiência moderna de ser turista, pois, no conjunto, compra-se uma viagem como qualquer outro bem de consumo. Assim como no filme de Godard, o turista moderno parece tomar posse5 das coisas e dos lugares por meio das fotografias e cartões3 CORCORAN, Sean. Site seeing: Photographic excursions in tourism. Image, v. 42, n. 1, Spring 2004, p. 5. 4 HOLLAND, Patricia. “Sweet it is to scan…”: personal photographs and popular photography. In: WELLS, Liz. Photography: A Critical Introduction. London: Routledge, 2009, p. 134. 5 SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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postais, que exibe como troféus em encontros de amigos ou na atualidade das redes sociais. Ao mesmo tempo, ele cria e consome imagens no contexto de uma cultura visual relacionada às viagens, fazendo parte de um circuito de operações no qual pequenas partes do mundo são catapultadas para outras tantas.

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O jornalista, fotógrafo e editor CarLos CorneJo é autor, com João Emilio Gerodetti, de sete obras dedicadas a cartões-postais e álbuns de lembranças: a trilogia Lembranças de São Paulo, com volumes dedicados à capital, ao litoral e ao interior paulista, além de Lembranças do Brasil, As Ferrovias do Brasil, Navios e Portos do Brasil e Do Brasil para as Américas. Além disso, é autor ou coautor de outras diversas obras que se servem do cartão-postal como fonte iconográfica e documental, entre elas: Minerais e Pedras Preciosas do Brasil, Nau Brasilis e Transatlânticos no Brasil.

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O cartão-postal, o alegre meio de comunicação preferido dos viajantes, surgiu na Áustria em 1868, quando o professor Emmanuel Hermann teve a revolucionária ideia de enviar sua correspondência sem envelope, na forma de um bilhete para mensagens breves, escrita numa cartolina, num sistema simples, econômico e acessível a todos, que o governo da Áustria tornou oficial em 1869 e que a União Postal Universal, da qual o Brasil era membro, adotou em 1880. Já o cartão-postal ilustrado surgiu quando um caixeiro-viajante alemão, de nome Wolf, que passara a anunciar sua iminente visita aos clientes por meio de bilhetes-postais, para evitar ser confundido com os concorrentes, decidiu pôr seu retrato nos cartões. Em vista da boa aceitação da iniciativa, a indústria cujos produtos representava passou a incluir vistas de suas instalações e da cidade em que se situava. A ideia se espalhou pelo mundo e, segundo a publicação España Cartófila, “Pouco depois dessa inovação não havia viajante que não possuísse cartões-postais, esforçando-se em dar-lhes um cunho especial de beleza e novidade, resultando num negócio muito lucrativo para os fabricantes, pois todo mundo desejava conhecer essas imagens, as quais começaram a ser colecionadas. A ideia foi aprovada por quase todas as casas comerciais

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e o bilhete-postal ilustrado, a princípio um instrumento genuinamente comercial, tornouse o meio de correspondência mais agradável.” No Brasil, o bilhete-postal surgiu em 1880, impresso exclusivamente pelos Correios, mas sem ilustrações, sendo que a primeira edição particular de uma série de cartões-postais ilustrados sobre São Paulo ocorreu em agosto de 1897, quando o Estabelecimento Graphico V. Steidel & Cia. produziu a série Lembrança de São Paulo, com 27 cartões litográficos contendo belas estampas coloridas que retratavam os principais logradouros da cidade, emoldurados por sinuosas vinhetas e decorados por artísticas flores, bem ao gosto art nouveau da Belle Époque. Os pioneiros cartões-postais ilustrados são conhecidos como Grüs aus..., expressão alemã traduzida em diversas línguas como suvenir, memórias, saudações, lembranças de... De fato, nas palavras do cartofilista carioca Elysio de Oliveira Belchior, “Os cartões-postais que chegaram aos nossos dias, conservados por antigos colecionadores, são mensagens que o passado nos enviou impregnadas de vida e recordações.” Ao contrário do que a maioria do público acredita, os primeiros cartões-postais eram coloridos. A colorização era obtida pelo processo de

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cromolitografia, técnica de impressão por meio da transferência de uma ilustração ou fotografia a uma pedra calcária de grão muito fino e polida, na qual um artista litógrafo retocava os detalhes e aplicava as cores correspondentes a cada chapa de impressão, o que explica a aparência de desenho ou pintura que apresentam os postais impressos com essa técnica. Outro meio de colorir era o aquarelado à mão, que conferia à imagem grande valor estético e acentuava o interesse do público porque transformava cada postal numa peça original. Da fascinação exercida pelas imagens intercambiadas entre correspondentes de diversos países do mundo nasceu a mania do cartão-postal, sendo de extremo bom gosto enviar lembranças de viagem, recados amorosos ou simples saudações familiares por meio dessas peças postais ilustradas. Surgiu também a “cartofilia”, a coleção e troca de vistas dos mais afastados e exóticos cantos do mundo e de assuntos os mais variados: paisagens rurais e urbanas, nativos, navios, trens, vendedores ambulantes, casais namorando e cenas da vida cotidiana. Segundo o Almanaque Brasileiro Garnier de 1906, “A moda dos cartões-postais tem dado origem a muitas indústrias novas que vivem dessa mania. Vários fotógrafos têm

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abandonado os retratos para dedicar-se somente a reproduzir paisagens e monumentos. Hoje vendem-se cartões-postais que são lindíssimas aquarelas e, entre os bilhetes-postais comuns, não são raros os exemplares impressos a cores.” São Paulo motivou milhares de vistas que permitem constatar a contínua evolução do panorama urbano, as transformações geradas pelo progresso e pelo crescente número de habitantes, percebidas nas mudanças de estilo arquitetônico, no acréscimo de andares nos prédios, nos modelos dos carros e até nas modas passageiras do vestuário dos transeuntes. Os cartões-postais contêm cenas parciais e panorâmicas da capital, cidades litorâneas e do interior, multiplicadas e distribuídas mundo afora, obtidas por fotógrafos com senso artístico e técnica apurada e reproduzidas pelos meios gráficos mais sofisticados de sua época. Mostram o que há de mais digno de destaque, pitoresco, impressionante ou típico. Aquilo que engrandece a cidade retratada aos olhos do visitante ou estrangeiro e que orgulha quem nelas habita. É difícil tentar determinar a quantidade de exemplares de cartões-postais de São Paulo produzida desde que Victor Vergueiro Steidel imprimiu a primeira série, em 1897, até o presente, mas não devem ser menos de vinte

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mil vistas diferentes, algumas reproduzidas até a saturação e outras, particularmente no caso dos cartões fotográficos, tão raras que são verdadeiras relíquias iconográficas. As técnicas de reprodução diversificaram-se, passando pelas estampas obtidas sucessivamente em cromolitografia, fotogravura, fotopostal e off-set, impressas por editores como Rosenhain & Meyer, Guilherme Gaensly, Vanorden & Co., Ferruccio Manzieri, Nino Malusardi, Casa Garraux, Ao Mundo Illustrado, Rothschild & Co., Laemmert & Cia., Colombo & Francesconi... Particularmente característicos das décadas de 1930 a 1950 são os “fotopostais”, ou cartõespostais fotográficos, produzidos em pequenas quantidades ou reproduzidos aos milhares em preto e branco, viragem sépia ou coloridos manualmente com aquarela. Os fotopostais foram produzidos por ateliês ou fotógrafos especializados, na sua maioria estrangeiros, tais como Gustavo Prugner, Theodor Preising, Werner Haberkorn, Sulpizio Colombo e seus filhos Alfredo e Aldo, assim como por anônimos fotógrafos lambe-lambe, com suas câmeras de caixão sobre um tripé, espalhados nas esquinas movimentadas, praças, praias, monumentos ou imediações das estações ferroviárias.

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A produção cartofilística retratando o litoral paulista também alcançou vastas proporções por enfocar localidades massivamente frequentadas por veranistas, um público ávido por lembranças que estimulou a atividade dos fotógrafos e editores que publicaram as joias iconográficas que admiramos hoje. Entre os principais fotógrafos e editores de vistas do litoral contavam-se J. Marques Pereira, Hermann Eckmann, M. Pontes, José Bidschovsky, Cezar Matheus e Francesco Benassi. Já no interior, foram numerosos os fotógrafos e editores que se aventuraram a produzir cartõespostais, na sua grande maioria esquecidos ou anônimos, mas que, por meio de sua arte, nos legaram a memória de numerosas cidades. Entre os mais destacados, contam-se Giovanni Beschizza, de Ribeirão Preto; F. J. Rodrigues, de Piracicaba; Pierre Genoud e J. Ladeira, da Casa Mascotte, de Campinas; Camillo Lellis, de Itapetininga; José Abramo, de Bragança Paulista; a Photographia Riberi, de Amparo; Alcibíades Fontes Leite, de Jaboticabal; Filemón Pérez, de São Carlos, e tantos outros... Na atualidade, os cartões-postais representam o mais significativo documentário iconográfico de São Paulo, com vistas que constituem verdadeiras obras de arte e registram fragmentos da história e da memória coletiva, evidenciando as extraordinárias

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mudanças do cenário urbano. Criação de fotógrafos que, pondo o pé para fora do estúdio, documentaram a paisagem da cidade: igrejas, palácios, palacetes e residências, o movimento das ruas e os tipos populares. São também documentos que exibem, além da imagem, mensagens pessoais na elegante caligrafia de antigamente, autenticados pela colagem harmoniosa ou deslocada dos selos e a intervenção por vezes violenta do correio na estampa aleatória dos carimbos. Segundo o colecionador santista Laire Giraud, “A emoção que um cartão-postal traz à alma é quase inexplicável, porque desperta lembranças de outrora que estavam esquecidas na nossa memória. Isso é possível graças a uma palavra mágica que ainda não consta dos dicionários: “cartofilia”. A cartofilia simboliza várias ações, como a de nos levar a percorrer os mais diversos locais na busca de imagens destinadas ao colecionismo de cartõespostais, além de nos trazer doces recordações e mostrar como eram as cidades, as mudanças nelas acontecidas no decorrer do tempo, os meios de transporte e como viviam as pessoas.” Ou como já eu mesmo escrevi no prefácio de uma das minhas obras: “Fruto da visão artística de um fotógrafo que, ao retratar a paisagem, a perpetua no tempo, o cartão-postal constitui também importante registro iconográfico para a preservação

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da memória visual dos cenários coletivos. Enfatiza e torna evidente a essência do espaço urbano ou rural em que se desenvolve a vida dos seus habitantes, focalizando os locais emblemáticos. Vistas perenes, produzidas pelos melhores fotógrafos de seu tempo e reproduzidas com a mais apurada técnica gráfica, pelo simples motivo que um postal sem beleza não tem aceitação. Ele precisa cativar quem o contempla, ser uma janela para uma visão mágica e perdurável.” Enfim, e como já dizíamos em outra de nossas obras, pesquisar editores e fotógrafos é uma expedição de resgate ao tempo ido, aos anos dourados do cartão-postal. As velhas imagens retidas nos postais teimam em despertar emoção e entusiasmo. Evocam cenas de um passado já distante, cheias de encanto e magia, como só a inspiração dos artistas fotógrafos daquela época conseguia recriar. Uma atmosfera pitoresca, própria de uma visão de mundo risonha e otimista. Nos nossos dias, os cartões-postais continuam a cativar o viajante, sendo quase que obrigatórios para relatar as novidades da viagem aos amigos e família. É um verdadeiro charme selecionar a vista dos locais visitados, caprichar na letra para redigir

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uma mensagem simpática e logo ir até um escritório dos Correios para despachá-la, idealmente escolhendo um belo selo. E que alegria é a chegada de um carteiro com uma bela vista colorida de um local distante trazendo notícias dos seres queridos.

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