Texto adaptado de “Diferença e desigualdade”. In: “Coleção Explorando o Ensino – Sociologia – Volume 15. Brasília: Ministério da Educação, 2010.”
Como lidar com a diferença: etnocentrismo e relativismo cultural Tomando como ponto de partida as relações sociais, o objeto central para o entendimento das diferenças é o ser humano no interior de suas interações. A característica mais importante da diferença, e talvez a mais difícil de perceber, é que ela nunca é natural, isto é, não é uma coisa dada, a priori, mas sempre socialmente construída. Ela resulta do processo social de atribuição de identidades individuais e grupais. Quando um indivíduo ou um grupo humano se distingue de outro, atribui a si próprio e/ou ao outro, determinadas características que o diferenciam entre o eu e ele ou nós e eles. Cada um é identificado por outrem, mas pode recusar essa identificação e se definir de outra forma. Nos dois casos, a identificação utiliza categorias socialmente disponíveis e mais ou menos legítimas em níveis diferentes (designações oficiais de Estado, denominações étnicas, regionais, profissionais, até mesmo idiossincrasias diversas...) (DUBAR, 2005, p. 137).
O que permite classificar alguém como membro de um grupo, de uma categoria, de uma classe é, portanto, um construto, cujos elementos são dados por aquilo que o indivíduo ou o grupo seleciona como base para a categorização. A diferença é orientada ora pela natureza, ora pela cultura. No primeiro caso, ela se refere a todos os aspectos físicos e psicológicos associados a características observáveis nos seres humanos, que se referem ao fenótipo (altura, peso, cor da pele, tipo de cabelo, formato dos olhos, do nariz, da boca etc.) e ao perfil psíquico (disposição, atitude, humor, entre outros). No segundo caso, refere-se a todos os aspectos do comportamento associados às práticas culturais, aos hábitos alimentares, às maneiras de se vestir, de comer, de andar, de falar, de se portar diante dos outros, às crenças religiosas e espirituais e aos valores morais. A forma como lidamos com as diferenças, em algumas situações, tende a ser etnocêntrica, ou seja, ela é dada em relação ao ponto de vista de quem vê. O parâmetro para determinar a diferença e classificar o diferente é, portanto, incapaz de escapar às
malhas da própria cultura. Por essa razão, tudo aquilo que é diferente do que conhecemos ou estamos habituados é estranho, bizarro, irracional ou até mesmo imoral, dependendo de como nos defrontamos com a diferença ou da maneira como ela nos é apresentada. O etnocentrismo – o julgamento com base na própria cultura – costuma ser nocivo à análise sociológica. Daí o recurso metodológico do estranhamento, a atitude de redirecionar o olhar de forma a tornar estranho aquilo que é familiar ou para o qual não há necessidade de explicação, por ser cotidiano, trivial, normal. A atitude de estranhamento, entretanto, não deve ser “contaminada” por juízos de valor ou estereótipos - crenças e ideologias das pessoas que atribuem aos outros características que nem sempre refletem a forma como estes se reconhecem. Este estranhamento deve, outrossim, guiar-se pelo distanciamento em relação aos próprios valores e modos de pensar e agir. Abre-se, portanto, a possibilidade de se colocar no lugar do outro e de entender como ele pensa, age e se comporta. A isso denominamos relativismo cultural. Deste modo, em nossa convivência com os outros, devemos tentar compreender cada cultura na sua particularidade. Este tipo de perspectiva é uma “chave metodológica” para a compreensão do outro na sua singularidade. O relativismo cultural implica no fato de que não podemos estudar um elemento de uma cultura senão pelos seus próprios princípios. A compreensão de um fato deve implicar a sua contextualização numa determinada cultura, ou seja, uma determinada sociedade deve ser compreendida em relação a seus próprios costumes e traços culturais.