Cadernos aParte 2: Dossiê Cia. do Tijolo [Cantata para um Bastidor de Utopias]

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Universidade de são paulo Marco Antonio Zago Vice-Reitor Vahan Agopyan Pró-Reitor de Pesquisa José Eduardo Krieger Pró-Reitor de Graduação Antonio Carlos Hernandes Pró-Reitora de Pós Graduação Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco Reitor

pró-reitoria de cultura e extensão universitária Arminda do Nascimento Arruda Pró-Reitor Adjunto de Cultura João Marcos de Almeida Lopes Pró-Reitor Adjunto de Extensão Universitária Moacyr Ayres Novaes Filho Assessores Técnicos de Gabinete José Nicolau Gregorin Filho e Rubens Beçak Pró-Reitora Maria

teatro da universidade de são paulo Ferdinando Martins Vice-Diretora Elisabeth Silva Lopes Orientadores de Arte Dramática Cláudia Alves Fabiano, Dilson Rufino, Xyko Peres, Maria Tendlau e René Piazentin Diretor

Magali Chamiso Chamellette de Oliveira Fábio Larsson Secretária Neuza Aparecida Moreira Cirqueira Sonoplastas/Iluminadores Rogério Cândido e Rodrigo Bari Agente Cultural Otacílio Alacran Assessoria de Imprensa Elcio Silva Técnico Contábil Nilton Casagrande Técnicos para Assuntos Administrativos Marcos Chichorro dos Santos e Vanessa Azevedo de Morais Auxiliar de Manutenção Antonio Marcos da Silva Auxiliar para Assuntos Administrativos Fábio Luiz Cerqueira Vigia Edinaldo Barbosa Estagiárias Thais Richena Giovanetti e Juliana Sorzan Bolsistas “Aprender com Cultura e Extensão” Alex Mauricio da Silva, Julia de Souza, Alex Frederico Barboza, Vicente Silva Mattos, Elisa da Costa Lopes, William Santana Santos, Fernando Machado, Alue Marcolino Gomes, Gabriel Valério Salles, Debora Bettiol Balasso Analista para Assuntos Administrativos Analista de Comunicação


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CULTURA

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1º edição (1º semestre de 2015) ISSN 2317-2746

Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária Rua da Praça do Relógio, 109 Cidade Universitária - São Paulo,SP - 05508-050 Telefones: 11 3091.3240 / 11 3091.2093 Fax: 11 3091.3154 Teatro da Universidade de São Paulo Rua Maria Antônia, 294 Consolação - São Paulo,SP - 01222-010 Telefone: 11 3123.5233 Fax: 11 3123.5240


Sumário

Apresentação

TUSP 7 Sobre estes Cadernos aParte Cia. do Tijolo 9 Eu o Livro 11 Capítulo I – O Olhar de Fora Frei Betto 13 Falo aqui de Pão e Tijolo Marco Antônio Rodrigues Barbosa 16 O Teatro como Cultura de Justiça e Paz Alexandre Mate 20 Tudo em riba, desfiladeiro abaixo... As necessidades de Cantatas em Utopia! Rudifran Pompeu 23 Cantata é um respiro para quem anda sufocado pelo mundo... Textos dos integrantes da Cia. do Tijolo Rogério Tarifa Rodrigo Mercadante Karen Menatti Thais Pimpão Jonathan Silva Silvana Marcondes Dinho Lima Flor Fabiana Vasconcelos Barbosa Lilian de Lima Os depoimentos dos convidados da mesa-palco. Cia. do Tijolo Maria Victoria de Mesquita Benevides Ivan Seixas

25 27 43 45 48 63 55 57 59 66

CAPÍTULO II – O TECER DE UM BORDADO

À Laura Kiehl Lucci Esquinas Uma cadeira vazia. Uma pedra. Hoje é quando? Bastidores da Cantata Trajes das cenas de Cantata Mesa Processo A Realidade: baseada em fatos ficcionais Da voz de Rosalina Santa Cruz à Mariana Pineda

69 CAPÍTULO III – PARA CONHECER UM POVO CONHEÇA AS SUAS CANÇÕES DE NINAR

70 As Canções de Ninar 71 Sobre a Cantata e uma carta de amor: Memória e Vida 74 Cantata cumpre bem a tarefa de defender a humanidade na luta contra a bárbarie Rosalina Santa Cruz 77 Lilian de Lima - Sou eu


79 Transcrição dos depoimentos dos convidados da mesa-palco 80 Luiz Carlos Moreira 84 Ilo Krugli 88 Sandra Vargas, Lúcia Erceg e Gustavo Kurlat 93 Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi 99 Celso Frateschi 102 Dulce Muniz 105 Tin Urbinatti 110 Luiza Erundina de Sousa 114 Maria Auxiliadora Arantes 117 Roberto Costa Pinto 119 Liniane Haag Brum 120 Vera Paiva 123 Adriano Diogo e Amelinha Teles 127 Belisario Santos Junior Alécio Cezar 131 FOTOS Cia do Tijolo 161 162 164 170 178 183 191 203 212 220 227 William Guedes 229 231 236 237

CAPÍTULO IV - Dramaturgia

Ficha Técnica do Espetáculo Prólogo Primeiro Ato Intermezzo – “O Amor” Segundo Ato Intermezzo – “A Cidade“ Terceiro Ato Intermezzo – “Mesa Palco“ Quarto Ato Epílogo

CAPÍTULO V - PartituraS

De Passos, Trajetos e Confluências Pequena nota sobre a partitura Partituras

307 CAPÍTULO VI- registro sonoro William Guedes 309 O Registro Sonoro Cantata Mariana Pineda 310 Encarte do Disco Bastidores do Disco e Epílogo 317 Ficha Técnica do Disco


Sobre estes Cadernos aParte 2 Publicação especial do Teatro da Universidade de São Paulo – TUSP, os Cadernos aParte têm o objetivo de ampliar o acesso ao debate gerado por programações específicas do órgão. Seja em formatos já estabelecidos (como o de ensaios), seja em formas mais abertas, próprias à especificidade de cada artista, companhia ou ação, com os Cadernos aParte pretendemos oferecer ao leitor um material textual que amplie o acesso e a reflexão sobre os modos de produção e os temas por detrás da potencialidade da ação cultural e da efervescência e imprevisibilidade da criação artística. Em publicação conjunta com a Cia do Tijolo, o segundo volume dos Cadernos aParte reúne material do espetáculo Cantata para um Bastidor de Utopias. Esta edição vem na trilha da ocupação da companhia no Teatro da USP, que entre maio e junho de 2015 recebe em seu espaço os espetáculos Concerto de Ispinho e Fulô, que já havia passado pelo TUSP em 2010, e Cantata para um Bastidor de Utopias. A apresentação deste mais novo espetáculo da Cia. aqui é bastante relevante, pela referência histórica de luta que representa o prédio da rua Maria Antônia em que o TUSP está sediado. Nestes premiados trabalhos, recebidos positivamente pela crítica e pelo público, firma-se a vocação da Cia do Tijolo como coletivo altamente comprometido com uma reflexão política e histórica do Brasil, seja no diálogo direto com a tradição do cordel de Patativa do Assaré, seja pelos paralelos entre a obra de Lorca e os desmandos do recente período ditatorial brasileiro. Por meio destes cadernos, o leitor terá acesso a uma parte da pesquisa da Companhia em seu processo criativo, incluindo as partituras e uma gravação desta Cantata para um Bastidor de Utopias.

APRESENTAÇÃO

O Tusp

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Eu, o Livro. Cia. Do Tijolo Eu, o livro, dirijo-me a você que agora inaugura minhas primeiras linhas. Mistura de carne, suor, sangue, risos e lágrimas, transformados em palavras. Mais que memória ou documento, mais que arquivo ou lembrança, eu, o livro, me inauguro objeto desejante neste prefácio. Eu, o livro, desejo, em primeiro lugar, ser lido. Mas não só... Mais que lido, desejo ser tocado, cheirado e, confesso, tenho até a própria ambição dos beijos e das lágrimas. Não ficarei desapontado também se você, leitor, num acesso de indignação justificada, ao se deparar com barbáries registradas em meu corpo, me deixar de lado, desviando para o alto o olhar como quem não quer acreditar. Eu, o livro, desejo também ser importante. Desejo ardentemente que as histórias por mim narradas, cheguem aos ouvidos das crianças, dos estudantes. Desejo que mesmo aqueles que já tantas vezes se assombraram com as torpezas e torturas de tempos sombrios sejam capazes de, por meio de minhas palavras, renovarem sua capacidade de indignação e sua capacidade de luta e resistência. Eu, o livro, desejo ocupar sua casa. Ser belo o bastante para ser folheado pelas visitas. Desejo também, manchas de vinho, manteiga e café. Eu, o livro, desejo ser útil a você, pesquisador de teatro; a você, estudante; a você, professor; a você, meu amigo. Que cada um tenha de mim o melhor. Desejo anotações enfeitando minhas orelhas e preenchendo os tantos vazios que me constituem.

Mas, acima de tudo, desejo sua amizade, meu caro leitor. Amizade fundada na crença no poder da poesia. Poesia em sentido amplo, metáfora poderosa reinventando o mundo, compartilhada coletivamente. Como dizia o poeta, a poesia só se fará carne e sangue quando for recíproca,

APRESENTAÇÃO

Eu, o livro, desejo voltar a ser encenado tantas e tantas vezes, por tantos e tantos grupos que me amarem. Que Mariana, Lorca, Iara, Heleny, Manoel, Zequinha, Edson, possam voltar aos palcos, na voz de outros. Que a Cantata seja de novo cantada depois de nós. E que os grupos, depois de me lerem, precisem criar novos poemas, novas canções, inventem novas histórias inspiradas em mim.

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quando houver orelhas dóceis e olhos escravos do verso obscuro, por onde a palavra que entra é capaz de trazer sangue aos lábios, e um céu de utopias ao topo da cabeça daquele que lê e que ouve. Essas páginas foram pacientemente elaboradas ao longo de oito anos de convivência entre os membros da Cia. do Tijolo. Esse grupo foi criado em São Paulo, em torno da vida e obra do poeta Patativa do Assaré e do trabalho do educador Paulo Freire. Durante esse tempo, foram três espetáculos: “Cante Lá que eu Canto Cá”, “Concerto de Ispinho e Fulô” e “Cantata para um Bastidor de Utopias”. Foram muitas e muitas viagens Brasil afora, muitos amigos que se aproximaram, alguns prêmios, várias canções compostas, dois discos gravados, muita luta, alguma dificuldade e muita alegria.

APRESENTAÇÃO

Um grande abraço e boa leitura.

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Maio de 2015


CAPÍTULO I

O OLHAR DE FORA



Frei Betto

Escritor, foi assistente de direção de José Celso Martinez Corrêa na primeira montagem de “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, e publicou “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

FALO AQUI DE PÃO E TIJOLO As palavras me intrigam. Vivo delas. E sei que escondem tesouros. Ao pronunciar um vocábulo, movidos pela mecânica da oralidade, quase nunca prestamos atenção ao que as palavras encerram. Em geral ignoramos suas etimologias e significados. Ainda mais quando se trata de um conjunto de palavras que designa alguma coisa. Vejam só: Companhia do Tijolo. Companhia deriva de campanha. São companheiros aqueles que, juntos, fazem uma campanha ou compartem o pão (com + pão). Jesus se fez pão, símbolo de todos os bens da vida (“Eu sou o pão da vida”) e, na eucaristia, o pão se faz Cristo. Contudo, as palavras, como a natureza, sofrem estupros, deturpação, violação, poluição etc. Por isso, companhia serve para designar empresa (Companhia Siderúrgica Nacional), instituição pública (Companhia Nacional de Abastecimento) e até atividade comercial colonizadora (Companhia das Índias Orientais). Em razão de tais abusos, as palavras precisam ser resgatadas. Libertadas da boca e das mãos de seus exploradores. É o que faz a Companhia do Tijolo. Aqui, todos(as) são companheiros(as). Partilham o mesmo pão essencial da arte. Comungam projetos e utopias. Alimentam-se e alimentam a nós, interagiatores (pois nunca somos meros espectadores), com o rico e infindável manancial que o teatro oferece. Tem mais. Tijolo é a base de tudo que se constrói. Já repararam que há três invenções que jamais evoluem tecnicamente? Mudam de design ou configuração, matéria-prima e colorido e, no entanto, permanecem idênticas, como artefatos, ao longo de gerações: tijolo, guarda-chuva e limpador de para-brisa. Desde a mais remota antiguidade, o tijolo serve para edificar. Ele nos libertou das savanas, nos protege das intempéries e das feras, permite que nos abriguemos na intimidade familiar. CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 13


Frei Betto

FALO AQUI DE PÃO E TIJOLO

Capítulo I - O Olhar de Fora

Há 5.500 anos o ser humano deixou de ser obrigado a se adequar à natureza, graças à invenção do tijolo. A relação se inverteu. A natureza passou a ser subjugada – e, nos últimos 200 anos, de forma tão cruel que, agora, Gaia se vinga. Graças ao tijolo, os humanos criaram para si um espaço, o urbano, separado do rural. E deixaram de ser meros mantenedores dos ciclos reprodutivos da natureza para se tornarem produtores, inventores, artífices. O corte é muito bem simbolizado no episódio da Torre de Babel (Gênesis 11, 1-9), joia literária em menos de dez versículos. Segundo o autor bíblico, após o Dilúvio “todos se serviam da mesma língua e das mesmas palavras”. Não havia diversidade de enfoques e opiniões. O ponto de vista de um, o poderoso, era o de todos. E a atividade agropastoril igualava as pessoas. O advento das cidades-Estado provocou um movimento migratório do campo para a urbe, representada no relato bíblico pela“terra de Senaar”. Ali os humanos decidiram “construir uma cidade” – a Babilônia, que significa “porta de deus” – com “tijolo que lhes serve de pedra e o piche de argamassa”. (A Babilônia era a capital da Mesopotâmia, atual Iraque). A revolução tecnológica representada pelo tijolo imprimiu aos humanos a consciência de que não estavam mais condicionados pela natureza. Agora o ser humano a transforma em artefato, cultura, faz do barro cozido a nova pedra e, do piche, a argamassa. Tais avanços encheram os humanos de orgulho. Não satisfeitos de “construir a cidade”, decidiram abrir a “porta de deus”, ou seja, erguer “uma torre cujo ápice penetre nos céus”. Aqui o relato expressa duas ambições, a de edificar uma montanha artificial (a torre), repositório da divindade, e a de “penetrar nos céus”, quebrar o limite entre o humano e o divino, o profano e o sagrado. Já não é a divindade que desce à Terra, é o ser humano que invade o Céu, graças à obra de suas mãos. O versículo 4 registra as propostas de construção da cidade e da torre, e destaca o principal motivo de tal empreitada: “para ficarmos famosos e não nos dispersarmos pela face da Terra”. Não se tratava de obter felicidade, bem-estar, bênçãos divinas. Importava a fama, possuir um nome sobreposto aos demais, e ficar segregado, seguro. Babel é semantema de Babilônia. Deriva da raiz hebraica“bil”, que significa “confundir”. Narra o texto bíblico que Javé, ao observar Babel, convenceu-se de que os humanos se fechavam em seus ambiciosos projetos, deixando de acolher os desígnios divinos. “Isso é o começo de suas iniciativas!” – disse o Senhor. “Agora nenhum projeto será irrealizável para eles”. Antes que a soberba humana inflasse ainda mais, Javé confundiu

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Capítulo I - O Olhar de Fora

Frei Betto

FALO AQUI DE PÃO E TIJOLO

a linguagem dos habitantes de Babel e os dispersou. “Eles cessaram a construção da cidade”. Portanto, Babel não é uma maldição. É uma dádiva. Primeiro, porque delimita a ambição humana. Depois, revela ser obra de Deus a diversidade de pontos de vista e opiniões, contrária à identificação entre autoridade e verdade, e à unanimidade que, como dizia Nelson Rodrigues, “é burra”. Essa “confusão” ou Babel é salutar. Perigoso é aceitar uma única linguagem e ter a pretensão de “penetrar nos céus”. Babel é bendita. É o que fazem esses talentosos atores e atrizes da Companhia do Tijolo. Semeiam a “confusão”. Abrem nosso ângulo de visão, dilaceram nossos preconceitos, dilatam o nosso espírito. Partilham conosco, “interagiatores”, a construção de suas indignações e esperanças. “Concerto de Ispinho e Fulô” e “Cantata para um Bastidor de Utopias” são hinos à liberdade. Nos convocam à mobilização, a nos irmanar como companheiros no desafio de colocar nossos tijolos na edificação de outros mundos possíveis, no qual o capital já não tenha supremacia sobre os Direitos Humanos, e onde o leão e o cordeiro bebam juntos da mesma fonte e escutem o cântico dos pássaros. É assim que nos tornamos companheiros(as). E viramos tijolos. E isso basta!

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Marco Antônio Rodrigues Barbosa

É advogado. Foi presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana – Condepe e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

O TEATRO COMO CULTURA DE JUSTIÇA E PAZ Em uma conversa com meu amigo e eminente jornalista Ricardo Kotscho relativa a um artigo recente de sua autoria, comentávamos que somos parte da geração de 1968, composta de estudantes idealistas, que, mesmo com pouca ou controversa consciência política, sabia o que não queria mais, mesmo sem entender sobre o que exatamente sonhava colocar no lugar. Ao mesmo tempo em que saudosos sentíamos orgulho de sermos daquela geração -que dedicou boa parte de suas vidas à luta coletiva, que queria mudar o país e o mundo e que foi vitoriosa ao ajudar a derrotar a ditadura-, fazíamos uma autocrítica, reconhecendo que fomos derrotados por não termos conseguido repassar às novas gerações valores como a solidariedade, a ousadia, o inconformismo, a capacidade de sonhar e mudar o estabelecido para a construção de uma sociedade mais generosa. Embora eu reconhecesse, nessa autocrítica, que, de um modo geral, falhamos, ressaltei o óbvio ao meu amigo: que toda regra tem exceções e citei os grupos de teatro Cia. do Tijolo, Teatro Popular União e Olho Vivo, Ventoforte, Engenho Teatral e outros, como exemplos dessas exceções. Tive a honra de conhecer os integrantes da Cia. do Tijolo no final do ano de 2010, quando assisti, pela primeira vez aqui em São Paulo, ao espetáculo “Concerto de Ispinho e Fulô”, fundamentado na vida e na obra do poeta Patativa do Assaré, sob a ótica das concepções do educador Paulo Freire acerca da formação do sujeito consciente. Fiquei fascinado, ao constatar que esse espetáculo, comovente e emocionante, traz à tona a incansável e constante luta do poeta pelos direitos igualitários entre os homens, a exaltação da natureza, a sua adorada terra e a sua irreverência poética. Depois, no início de 2011, voltei a assistir a esse mesmo espetáculo em Copenhague, Dinamarca, no evento “Assitej Performing Arts Festival”, 16 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Marco Antônio Rodrigues Barbosa

exibido para um seleto público de diretores de teatro de diversos lugares do mundo. Sucesso no exterior, mas, lamentavelmente, pouco divulgado no Brasil, apesar de retratar uma história desconhecida: o massacre ocorrido no Sítio Caldeirão da Santa Cruz dos Desertos – comunidade agrícola chefiada por um Beato, invadida em 1936 e bombardeada em 1937, que, assim como ocorre com o episódio de Canudos, retratado por Euclides de Cunha em “Os Sertões”, deveria obrigatoriamente integrar os livros didáticos utilizados nas escolas. Em meados de 2012, reencontro-me com esse grupo de teatro. Seus integrantes estavam empenhados em montar o texto “Mariana Pineda”, de autoria de García Lorca. Contudo, auto-intitulavam-se como ignorantes dos acontecimentos ocorridos na recente ditadura brasileira, cujas histórias pretendiam correlacionar com a apresentação do texto de Lorca. Entendiam que essa ignorância era de uma ferocidade tal que os deixava com uma fome insaciável, mas também confusos ou indecisos quanto ao resultado dessa empreitada. Alguns atores achavam o texto de Lorca romântico demais e que, por si só, não era suficiente. Falavase de amor e revolução, e a peça, uma vez montada, poderia não ser realista o bastante para retratar com fidelidade ou verdade os horrores da guerra civil espanhola, os horrores de uma ditadura, considerando a inexperiência dessa geração de atores que pouco conhecia ou não havia experimentado as atrocidades da recente ditadura brasileira, baseada na tortura, nos assassinatos e nos desaparecimentos forçados. Foi nesse contexto problematizador que diretor e atores, como fiéis discípulos do saudoso mestre Paulo Freire, resolveram montar a peça, misturando os tempos e os fatos históricos. Decidiram que, ao mesmo tempo em que contariam a história de amor e de revolução, envolvendo Mariana Pineda – assim como Lorca, vítima da ditadura de Franco –, retratariam a história dos mortos e desaparecidos políticos no Brasil, durante a recente ditadura brasileira. Ao considerarem que se estabeleceu, no Brasil da época da ditadura, iniciada com o Golpe Militar de 64, uma cumplicidade tanto pela omissão quanto pela comissão – algo semelhante ao que aconteceu na Alemanha de Hitler –, concluíram que lhes era imperioso, como atorescidadãos, concomitantemente com a história de Mariana Pineda, expor a verdade ocultada com sangue e violência. Sobretudo porque aquele momento da história brasileira ainda não se encerrou e ainda persiste o duelo entre a civilização e a barbárie, na medida em que as feridas ainda não se cicatrizaram e que os familiares de mortos e desaparecidos políticos ainda choram por seus entes queridos. Era preciso contar no teatro a história da ditadura brasileira e de suas

O TEATRO COMO CULTURA DE JUSTIÇA E PAZ

Capítulo I - O Olhar de Fora

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Marco Antônio Rodrigues Barbosa

O TEATRO COMO CULTURA DE JUSTIÇA E PAZ

Capítulo I - O Olhar de Fora

atrocidades, que hoje constam no relatório da Comissão Nacional da Verdade, para que nunca mais ocorram sequestros, torturas, assassinatos, banimentos; para que bebês e crianças não sejam mais usadas como instrumentos de torturas aos seus pais; para que não ocorram mais estupros e sevícias sexuais das mais perversas; para que não sejam mais desfigurados corpos para eliminar provas; para que não haja mais cabeças cortadas e penduradas, à semelhança dos cangaceiros, como ocorreu com os guerrilheiros no Araguaia; para que não haja mais corpos serrados, napalm jogado em área de camponeses e índios; para que não mais ameacem jogar dentro de cativeiro de jacarés pessoas para serem destruídas, sem deixar qualquer vestígio dos corpos; para que um covarde não bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar; para que sejam permanentemente lembrados e homenageados os 243 ainda desaparecidos políticos. Convidado a colaborar com a montagem da peça, quando na época eu exercia o cargo de presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, as primeiras observações que fiz ao grupo de atores foram no sentido de que nem os algozes nem as vítimas de trágica história da humanidade têm o direito de ocultar os fatos, entorpecer a memória; que tergiversar ou coibir a expressão artística é uma forma de mitigar a força das ideias ou de dizimá-las e que a primeira tarefa de um ator é descobrir a psicologia dos personagens e suas motivações. Fiz ver a eles que uma crise permanente e indissolúvel é o completo esquecimento, a falta de utopia, a noite sem sonhos. Lembrei-lhes a lição do saudoso Ernesto Sabato, somente quem é capaz de sustentar a utopia estará apto para o combate decisivo: o de recuperar o quanto de humanidade tenhamos perdido. Ressaltei também a importância de correlacionarem a história de Mariana Pineda com os acontecimentos ocorridos na ditadura militar brasileira, como forma de não se deixar um capítulo adormecido, pois o passado nunca morre completamente para o homem. Como disse Persio Arida em um artigo de sua autoria, o passado nunca está definitivamente concluído, age sem que o saibamos e, ambíguo, há momentos em que desaparece, como se só importasse o cotidiano atribulado, mas logo reaparece, como uma sombra que se projeta sobre o presente. Assim, devemos interpretá-lo continuamente, decifrá-lo repetidas vezes, para restituir a coerência, identidade e verdade à nossa história. A partir dessas reflexões, apresentei aos integrantes da Cia. do Tijolo o livro “Direito à Memória e à Verdade”, editado na gestão do ministro Paulo Vannuchi da Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Esse

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Marco Antônio Rodrigues Barbosa

livro relata o reconhecimento do Estado brasileiro, ao julgar os casos de mortos e desaparecidos políticos, durante a ditadura civil e militar, ao mesmo tempo em que conta a história desses brasileiros que deram suas vidas por um Brasil mais justo e solidário. Na mesma oportunidade, apresentei ao grupo o Ivan Seixas, o Deputado Adriano Diogo, vítimas da prisão ilegal e de torturas, durante a ditadura brasileira. Além disso, indiquei outros companheiros, também vítimas da ditadura, tais como o próprio Paulo Vannuchi, Frei Betto, Rosalina Santa Cruz, Alípio Freire, Aton Fon, Antonio Carlos Fon, Ivo Herzog, Clarice Herzog, Idibal Piveta e outros. Esses cidadãos colaboraram para a montagem e aprimoramento dessa peça, denominada “Cantata para um Bastidor de Utopias”, ao contarem as suas próprias histórias e dos personagens mortos e desaparecidos, cujas histórias fazem parte do livro “Direito à Memória e à Verdade”, a exemplo de Heleny Guariba, Iara Iavelberg, Carlos Lamarca, Manoel Fiel Filho, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, Carlos Marighella, José Virgílio, Zequinha Barreto, Vladimir Herzog e outros, cujas memórias ressuscitaram, como personagens inesquecíveis, para receberem a justa homenagem que lhes é prestada na peça pelos integrantes da Cia. do Tijolo. Ao concluir este texto, fico com a sensação inabalável de que minha ressalva, feita ao meu amigo Ricardo Kotscho, conforme relatei no início, é procedente: os integrantes da Cia. do Tijolo fazem parte da exceção e nos trazem o consolo de que não somos parte de uma geração totalmente derrotada, pois, além de termos vencido o passado, se não construímos inteiramente, ainda estamos a construir o futuro, ao modestamente colaborarmos com trabalhos dessa natureza, a exemplo da peça “Cantata para um Bastidor de Utopias”, considerada uma das cinco melhores do ano de 2014. Ao relembrar o conteúdo dessa peça, fico com sensação de que não desapareceu totalmente do mapa uma palavra chamada idealismo, que não se confunde com ideologia. E, por fim, tenho a certeza de que a peça merece ser assistida, para reflexão tanto da geração atual quanto das anteriores, para gerar uma cultura de Justiça e de Paz e para que o passado, com apropriação ilegítima da violência pelo Estado, não mais se repita.

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Capítulo I - O Olhar de Fora

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Alexandre Mate

Professor da Graduação e da Pósgraduação do Instituto de Artes da Unesp e pesquisador teatral.

Tudo em riba, desfiladeiro abaixo... As necessidades de Cantatas em utopia! Ocorre que não há fome no mundo. O que existe é a impossibilidade de acesso, da totalidade absoluta da população, aos espaços em que são estocados os alimentos. Provocação de um velho mestre para iniciar o estudo a dialética.

Surpreende, até mesmo aos seres insensíveis, a produção teatral paulistana das duas primeiras décadas do século XXI. Fruto de intenso processo de luta e de mobilização, a linguagem teatral, por intermédio de uma série de atividades junto a espetáculos, encontra-se espalhada e é praticada por imenso contingente de pessoas que até pouco tempo antes não tinham qualquer acesso às manifestações artísticas dessa natureza. Ocorre que o teatro, por sua condição “aurática” e de partilha em ato, junta as gentes para a produção de sonhos coletivos. Gente que abre mão de inúmeros outros prazeres para a criação de ações mediadas por símbolos, vislumbrando, tantas vezes, a ampliação do sensível e da apreensão crítica. O teatro é, sim, transformador; e não são poucas as vezes em que ele ajuda a liquidificar certezas, crenças ideológicas perversas (aninhadas e naturalizadas no mais escondido de nós). Em decorrência do processo de tecimento com símbolos, de diferentes naturezas – concentrado no tempo e no espaço –, o canteiro de obras simbólico, que é o espetáculo, pode atravessar couraças racionais e potencializar, assim como os alimentos estocados e inacessíveis, a absoluta necessidade de “faxinação” de tantos detritos internos e sem importância que tendem a nos afogar nos espetacularizantes e superficiais sem sentidos do viver. “Cantata para um Bastidor de Utopias”, a começar pelo lindíssimo e lírico título, apresentado pela Cia. do Tijolo, em 2013, foi um dos mais belos espetáculos que tive a oportunidade de assistir em minha vida de espectador. Tomando como materiais dramatúrgicos básicos a fricção de três momentos históricos distintos e, de certo modo articulados 20 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Alexandre Mate

(Espanha da década de 1930, Brasil da ditadura civil-militar brasileira, a contemporaneidade, 2013...), o espetáculo caracteriza-se por ser um imenso cerimonial épico, homenageando homens e mulheres que têm lutado em prol da vida dignificada e justa. Nesse imbricamento de contextos históricos e luta contra o esquecimento das gentes de combate, as dramaturgias de texto e de cena criam uma intertextualidade costurando “Mariana Pineda”, de Federico García Lorca (um dos mais líricos dramaturgos do teatro universal). Obra característica e inserida em espacialidade híbrida, o espetáculo inicia-se em área exterior, em cujo prólogo se assiste ao assassinato (com tiros nas costas) do poeta andaluz Federico García Lorca. O público, como costuma acontecer tanto na história, é testemunha silenciosa do ato. Para ter acesso às outras cenas, é preciso, literalmente, passar por sobre o corpo do assassinado. No segundo espaço de representação, em pequeno palco, cenas do texto “Mariana Pineda”, de Lorca; no espaço maior, desnorteado por diversos acontecimentos históricos, mas reverberantes nas vidas pessoais, o público – tantas vezes desnorteado –, deambula e é cúmplice de diversas ações que coligem barbárie e lirismo. As cenas ocorrem em todos os pontos, intercalando-se àquela protagonizada por Pineda. Nesse processo, o público é cúmplice de tudo o que ocorre e, diferentemente da atitude quanto ao corpo morto e estirado na entrada, participa até mesmo da contrarregragem do espetáculo. Lindos e antológicos momentos de criação teatral: elenco afinadíssimo, em cumplicidade absoluta com a obra, com o público e entre si; músicas em estado de (en)cantata(mento); soluções cenográficas surpreendentes; eletrização dos corpos: emoção nos corações e mentes. Quase impossível não estremecer diante das belezas trazidas pela obra. Impossível permanecer alheio diante do relato apresentado pelo/a convidado/a do dia – alguém que, vítima da ditadura civil-militar brasileira, teve “mais sorte” do que Lorca – para partilhar o pão e suas memórias com o público. No dia em que assisti ao espetáculo, a atriz, diretora e incansável militante Dulce Muniz lembrou-se da diretora de teatro Heleny Guariba e de seu desaparecimento pelas forças de repressão que tomaram de assalto a República brasileira em 31 de março de 1964. O terceiro e último ato da obra (ou seu epílogo) é apresentado no mesmo espaço do prólogo, como a nos lembrar de que a história ocorre por ciclos, saltos e sobressaltos, processos... No anterior território de barbárie de então, há pequenos oratórios ou retábulos ou instalações que prestam homenagem às gentes que constroem a história, mas cujos nomes nem sempre figuram nela: momento pungente, de lirismo estonteante e pleno. Com a obra, finalmente, ou por meio dela, vem a constatação,

Tudo em riba, desfiladeiro abaixo... As Necesidades de Cantatas em Utopia!

Capítulo I - O Olhar de Fora

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Capítulo I - O Olhar de Fora

Alexandre Mate

Tudo em riba, desfiladeiro abaixo... As Necesidades de Cantatas em Utopia!

sobretudo em momentos de perigo – e negar isso é fazer uma opção pela tranquilidade da vida ególatra e acovardada –, de que pertencemos a um imenso coro; de que nossa identidade ocorre por alteridade em coros distintos de que fazemos parte na vida; e de que em coro se sucedem as travessias sociais: desfiladeiros e barrancos acima ou abaixo. Finalmente, os andares em coro intentam, em todas as direções – e o teatro também tem muito a ver com isso –, o plantio da beleza e o plantear potencializado das consciências quanto à indicação dos espaços de estocagem que tem servido exclusivamente aos privilegiados.

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Rudifran Pompeu

Rudifran Pompeu é diretor do grupo Redimunho de Investigação Teatral.

Cantata é um respiro para quem anda sufocado pelo mundo... Quando entrei no teatro, pensei que a minha dor nas costas – movida por um treino mal feito – pudesse atrapalhar aquele momento em que tento trabalhar em mim o anti-ator. Sim, eu sofro da síndrome de quem faz teatro e fica tentando ver as camadas que nunca são mostradas explicitamente na cena posta. Eu receava que a dor ciática pudesse então me deslocar do foco de ver o que fui ver. Já haviam me alertado de que o trabalho estava magnífico e eu sempre desconfio de magníficos trabalhos em teatro... As cadeiras nas arquibancadas do Folias não são as mais confortáveis e eu pensava em como me sentar meio de lado para não sofrer com a dor, mas logo que eu chego ao espaço naquela cordial espera da entrada, entre um cigarro e outro, descubro que a peça começa na rua, bem na entrada do galpão. E, quando começa, vou percebendo devagar uma intensidade que fazia tempo que não via no teatro. Nem bem a coisa começou, já vi uma jovem na plateia com os olhos marejados. Um estado se criou ali na frente daquele teatro, naquela rua densa no centro esquecido de uma das maiores cidades do mundo... Alguma coisa estava para acontecer. Tudo foi ficando enorme, eu e minha dorzinha de merda fomos ficando apequenados e a Cantata começou a me trazer imensas reflexões sobre tudo que faço e tudo que sou. De alguma forma, não sei se só naquela noite (acredito que não), os artistas estavam todos em estado de graça. Suas interpretações eram tão potentes que me ultrapassou e me atravessou uma sensação de interrogação sobre tudo que andava pensando a respeito do nosso ofício e a nossa história. À medida que aquilo tudo ia acontecendo, eu me carregava de variadas sensações e, meio sem norte, eu consumia aquela poesia toda carregada de “concreticidades”. Minha cabeça girava sobre o Lorca e sobre os dois livros que eu vinha lendo devagar na minha casa (“Ditadura Escancarada” e “Coluna Prestes”). Tudo aquilo se misturava com aquelas mulheres fortíssimas ali na cena e aqueles varais de placas de ruas com CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 23


os nomes dos que sumiram e deram a vida pela democracia que hoje me garante direitos civis. Uma profusão de pensamentos confusos me fazia transcender o lugar e me ver de arma em punho querendo retomar a história e malhar na bala aquela corja de milicos que mataram o poeta e que mataram aqueles que pensavam diferente. Sim, eu estava de alguma forma tocado pelo óbvio do espetáculo e pelo discurso daqueles meninos que, desde muito sei, são mulheres e homens de esquerda. O que conta é que essa peça tocou em algum ponto que eu desconheço, eu realmente não sei o que aconteceu comigo, pois me transtornei a ponto de sair calado no final do espetáculo e, meio sem rumo, desandar pelo Galpão do Folias, procurando a porta de saída. Entre um passo apressado e outro, abracei um ou outro que encontrei pelo caminho. Eu só fazia querer ir embora para pensar sobre aquilo que tinha acontecido comigo. Há muito tempo que eu não reconhecia a potência de uma peça de teatro, há muito tempo que eu não era tomado pela poesia dura de um discurso de cena tão potente e capaz de mudar o mundo. Cantata foi meio assim: me convenceu de novo que o teatro tem a capacidade de mudar o mundo, porque o mundo somos nós “juntos e incomodados o tempo que tiver que ser”. Naquela noite, saí pela rua conversando em pensamento com o fantasma de Marighella e ele me pontuando que os tempos que viriam seriam difíceis demais e seria preciso de alguma forma preparar novamente a resistência... Cantata faz parte deste preparo. Cantata é um grito forte nos ouvidos de quem anda mouco diante do mundo. Vida longa a “Cantata para um Bastidor de Utopias”! Com todo meu carinho deixo aqui minha mais profunda impressão de que este é daqueles espetáculos que viram lenda e que servem a artistas como eu para renovar as esperanças de que o nosso ofício tem o dom de transformar o mundo! Evoé!

Rudifran Pompeu

Cantata é um respiro para quem anda sufocado pelo mundo...

Capítulo I - O Olhar de Fora

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CAPÍTULO II

O TECER DE UM BORDADO Textos dos integrantes da Cia. do Tijolo



À Laura Kiehl Lucci

Rogério Tarifa

I - A arte hoje Tenho estado mudo. Calado. Me faltam palavras, mas não sentimentos. Impulsos, mas não sonhos. Me falta, neste momento, o instante que vem logo depois da formulação do pensamento. Aquilo que impulsiona o ar, que move o mundo: as palavras - que trazem com dedicação e coragem as ideias pra fora da boca, na tentativa de concretizar aquilo que é sonhado. Isso me falta hoje. Eu, junto a essa mesa de madeira, pressiono meus cotovelos e sinto toda fragilidade do humano enquanto escrevo. Não tenho dúvidas do poder transformador do teatro e da arte. Não tenho dúvidas da potência artística dos espetáculos que participo e de muitos a que assisto. Não tenho dúvidas da troca íntegra, extremamente necessária e vital, que ocorre entre o púbico e a obra em cada dia de apresentação. Eu poderia dizer, com toda certeza, que me faltarão anos de vida pra realizar todos os espetáculos que ainda desejo fazer.

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Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

Capítulo II - o tecer de um bordado

Sim, estou preenchido, potente de ideias, vontades e sentimentos, mas hoje, contraditoriamente, acredito que o caro está no silêncio. As palavras são muitas e estão vazias. E talvez seja necessário ruminar anos dentro da boca para que um dia eu possa voltar à palavra-carne preenchida de verdadeiro sentido. A palavra que nos leve, como nos ensinou Eduardo Galeano, a caminhar ao encontro à utopia. Eu poderia dizer que não há mais nada a dizer. Mas não se trata disso. A vida não é sonho, como me contou um dia um amigo. E entre a obra e esse que escreve existe o mundo. Por isso escrevo. É preciso me colocar na função de aprendiz. É preciso me colocar em função da Vida; e os artistas, é preciso nos colocarmos em função da Arte; e os da carpintaria teatral, em função do Teatro. É preciso que eu abaixe a cabeça, os olhos e, com a totalidade do corpo, assuma a parte que me cabe dentro da incapacidade humana de gerir um mundo perfeitamente lapidado. Só assim, propiciaria o surgimento da Vida - que ”bisonhamente” continuamos transformando em algo que nos consome, nos arranca e nos sufoca com pás de injúrias tantos direitos. Por isso, me calo. A minha fala individual e desarticulada já não tem nenhum significado real. A mim cabe o silêncio e o estudo. Estudar. Apreender. Estudar. Apreender. Até que a minha ignorância possa se cansar do vazio da manipulação a que estou sujeito e, quem sabe, um dia, com sabedoria, conseguir me organizar de forma realmente potente e coletiva, tornandome sujeito de uma história que realmente me pertença. No meu caso, o caminho por essa busca se dá através do teatro há mais de 20 anos. Arte, que, de tão essencial e necessária, me consome as entranhas desde o dia em que, voltando do curso pré-vestibular - no final do ano eu prestaria odontologia -, acordei dentro do ônibus no exato momento em que ele estava estacionado em frente a uma escola de dança de salão. Nessa escola havia uma faixa com os seguintes dizeres: “Venha fazer uma aula de teatro, de graça, neste sábado”. Eu nunca tinha pensado em fazer teatro. A professora era a querida Laura Kiehl Lucci, minha primeira professora, a quem esse texto é dedicado. Foi com a Laura que apreendi amar o teatro. O resto é fácil de imaginar. A odontologia foi pro espaço, assim como meus dentes que começam a cair desgastados pelo prazer vital de mastigar os infinitos textos de teatro, escritos por nossos antepassados, por nós deste tempo e pelos que ainda virão. Assim como caíram os dentes de Artaud, Plínio Marcos, Vianinha, Guarniere, Brecht, Patativa, Lorca e tantos outros desconhecidos que fizeram a importante e difícil escolha de ser artista. Digo isso, pois, se

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Rogério Tarifa

em determinado momento da carreira e da vida não fazemos essa opção, passamos todos os nossos passos diários pagando a falta dessa escolha e nos escondendo dentro dessa não opção, de certa covardia, que faz com que nos acomodemos dentro de uma arte mediana e medrosa. Aliás, o medo é o grande obstáculo a ser enfrentado hoje. Temos medo de perder. Temos medo de perder. Temos medo de perder. Perder os filhos, a casa, o emprego, o carro, a carreira, os editais, os amigos, a vida, a tv a cabo, o restaurante por kilo, o café expresso na padaria, o trânsito, as reuniões de condomínio, a gorjeta, a acupuntura, as milhas, a terapia, os óculos escuros, o Wi Fi, I-phone, a família, o celular, o gerente do banco, as críticas de jornal, os prêmios, o sistema S, o lanchinho dos camarins, o tapete vermelho. Temos medo de perder as doenças, a falta de tempo, a desunião da categoria, o excesso de trabalho, a não visão, a falta de sonhos, a depressão, a falta de sonhos, a falta de sonhos, a falta de sonhos. Temos medo de perder. E, se é triste vivermos uma época em que os homens têm medo de viver, é mais triste ainda uma época em que os artistas têm medo de perder. Medo de perder as raízes burguesas, que nos envolvem a alma desde que nascemos. O nascimento é podre, visceral e a coisa mais linda da vida. O ato do nascimento é humanamente divino, mas nos bastam alguns segundos para estarmos limpos e assépticos. Nos bastam alguns segundos, pra começarmos a construir seres que navegam na contramão da vida, do amor e de uma sociedade na qual o ser humano exerça a sua potencialidade máxima. E se o teatro é uma construção humana, é preciso resgatar em nós, artistas, uma arte que seja mais perigosa, menos integrada ao sistema e que possa apontar caminhos libertários e de transformação dessa sociedade que já ruiu em nossos pés, sobre as nossas cabeças, mas que ainda inacreditavelmente nos apegamos e ajudamos a manter erguidas suas estruturas podres como mamíferosartistas a espera do leite materno. Os grandes artistas continuam a nos impulsionar, achamos incrível a obra de Van Gogh, achamos injusto que ele tenha morrido pobre e nos deliciamos romanticamente com o fato de ele ter cortado a sua orelha esquerda. Mas se achamos potente a sua obra e a sua biografia, o que fazemos hoje com a sua orelha cortada? Pelo que seríamos capazes de morrer? Por quais ideais coletivos? Não vale pensar em nada material e em ninguém da sua família, seu filho, por exemplo, ou amigos. Tente imaginar algo não material pelo qual você lutaria até a morte. É preciso pensar seriamente sobre essas questões. É preciso pensar o que fazemos hoje com o corpo de Federico García Lorca, assassinado no início da guerra civil espanhola, com o corpo de Mariana Pineda, enforcada a mando do rei Fernando VII, com o corpo de Tenórinho, Victor Jara,

À Laura Kiehl Lucci

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

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Capítulo II - o tecer de um bordado

Zequinha Barreto, Manoel Fiel Filho, Iara Iavelberg, Heleny Guariba, Edson Luiz Lima Souto, Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Todos desaparecidos políticos e assassinados por diferentes ditaduras. A eles prestamos homenagens em nosso ato-espetáculo “Cantata para um Bastidor de Utopias”. Mas é preciso ir além do romantismo das homenagens. É preciso pensar também o que fazemos com os milhares de corpos mortos cotidianamente nas periferias de nossas cidades. É preciso criar um elo real e concreto entre essas épocas históricas. “Cantata para um Bastidor de Utopias” é um ato-espetáculo que tentou caminhar na direção e no entendimento dessas questões. Partimos dos nossos não saberes, das nossas dúvidas e nos alimentamos dos que deram a sua vida por um ideal coletivo e por um mundo melhor pra todos.

Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

II - Cantata para um Bastidor de Utopias – Um ato-espetáculo O termo “ato-espetáculo” que adotamos como linguagem e como um dos principais pilares na construção da dramaturgia foi surgindo aos poucos durante o processo de ensaio, surgindo quase que naturalmente frente aos difíceis temas que desejávamos abarcar com a nossa montagem. Me lembro de um dia muito marcante, quando a atriz Fabiana Vasconcelos Barbosa, durante uma cena preparada previamente por ela – que até aquele instante era construída de forma bem conservadora, como se estivéssemos todos numa sala de aula a moda antiga, ou assistindo uma missa – interrompia a representação e destruía o cenário gritando que estava tudo errado: “Vocês estão malucos? Não podemos aceitar uma cena dessa, com uma formação extremamente conservadora se queremos tratar de temas revolucionários em nossa peça, precisamos construir um ato-espetáculo e não simplesmente um espetáculo.” Tudo pensado previamente pela atriz, que acabava de deixar a todos arrepiados e à flor da pele com aquela interrupção abrupta que nos abriu caminhos importantes na elaboração da linguagem da peça. Queríamos falar de AMOR, LIBERDADE e REVOLUÇÃO. E todos nós sabemos que, se em outras épocas esses temas já seriam difíceis de serem abordados, parece quase impossível hoje. Há uma aproximação errônea, idealizada e banalizada do homem em relação ao amor. A liberdade que nos cabe é a mesma que nos aprisiona dentro do sistema capitalista que só nos permite a liberdade de consumir. A possibilidade de uma revolução nada mais é, hoje, do que um fardo antigo, cheio de pó e idiomas estrangeiros. Ninguém, nem os jovens conseguem ver-se representados por ela. É tudo chocantemente muito distante. Sendo

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

assim, os temas escolhidos por nós necessariamente nos obrigavam a caminhar em busca de uma nova linguagem. Linguagem que pudesse criar um elo realmente forte entre a nossa peça, os temas escolhidos e a plateia. Era preciso que o público acompanhasse e captasse cada percurso escolhido por cada integrante da montagem durante o processo de ensaio. As entranhas criativas e frágeis que fazem parte da construção cênica precisavam ser reveladas. Só assim os artistas e o público poderiam refletir em suas vidas os motivos que levaram os homens a banalizar pilares tão importantes como o amor, a liberdade e a busca pelo sonho revolucionário. Reflexão imprescindível na elaboração da peça, que não era mais nossa peça e, sim, agora, o ato teatral. Com o avanço do processo de trabalho, um dos nossos grandes desafios foi entender o que seria construir um ato-espetáculo. Que tipo de cena, de dramaturgia e de interpretação precisaríamos criar para dar conta dessa nova peça. Muitas características dessa linguagem já faziam parte dos últimos dois espetáculos da Cia. do Tijolo: o show musical “Cante Lá que Eu Canto Cá” e a peça “Concerto de Ispinho e Fulô”. Mas, no caso da temática e dos desafios que nos dispusemos a percorrer, nessa nova empreitada, era necessário que déssemos saltos ainda mais profundos.

Rogério Tarifa

Desde o início da escritura do projeto, tínhamos como a base dos estudos o texto “Mariana Pineda” de Federico García Lorca e o desejo de construir uma dramaturgia que dialogasse com três importantes fatos históricos: o enforcamento de Mariana Pineda, em 1831, a mando do Rei Fernando VII; o assassinato de Federico García Lorca em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola e a ditadura militar brasileira de 1964 a 1985. Ditadura que, até a realização da “Cantata para um Bastidor de Utopias”, eu tentava entender, mas ela sempre escapava das minhas mãos. Não que eu não tivesse tentado ou buscado entendê-la, não que eu não tivesse estudado, lido inúmeros livros, conversado com professores de história no intuito de compreender a história recente do meu país. Sim, eu tentei tudo isso, mas não conseguia. A sensação era sempre de que algo não tivesse sido passado pra mim e para os meus parceiros, oriundos da metade da década de 70, da qual faz parte a maioria dos integrantes da Cia. do Tijolo. E quando digo que não me foi passado, obviamente estou falando da forma absurda, tendenciosa e conservadora como esse período nos é ensinado na escola, mas também da ruptura

À Laura Kiehl Lucci

III - A ditadura hoje

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Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

Capítulo II - o tecer de um bordado

inimaginável que a ditadura causou entre as gerações pré-ditadura e as gerações futuras. Era como se eu sentisse que além de estudar esse período, era necessário que alguém me contasse de boca pra boca, de homem pra homem, a história do nosso país para que ao absorver tais palavras eu pudesse criar os paralelos com a minha vida hoje e, num diálogo vivo, apreender a história em meu corpo. De certa forma, foi isso que esse um ano e três meses de ensaios e os dois anos de temporada nos ensinaram: a história se passa de poro pra poro. Ela deve chegar aos livros, a partir dos homens, e os livros devem trazê-la novamente para ser lida coletivamente entre os homens. No nosso caso, esse contato se potencializa ainda mais, pois é a base da criação do teatro: o encontro. No teatro não adianta só ler a peça, é preciso estar presente, seja como artista ou público. Aliás, outro dia eu li no livro “O Teatro é Necessário?” de Denis Guénoun que a palavra “théatron”, de onde vem o termo “teatro” que conhecemos, não significava na Grécia antiga o prédio do fazer teatral e nem a cena, mas sim o local onde o público ficava, ou seja, as arquibancadas. O teatro é o lugar onde o público está. Dessa forma, a pesquisa por diferentes espaços dentro da nossa montagem e a busca por uma relação viva e permeável com a plateia caminham nessa direção, encontrando a sua potência máxima na Cena da Mesa que compõe um dos intervalos da Cantata. Foi a partir dessa cena que avançamos ainda mais na direção da construção do nosso atoespetáculo e do aprofundamento do entendimento histórico da ditadura e das suas reais e persistentes consequências nos dias de hoje. Uma espécie de cena-debate que, ao meu ver, nada mais é do que a forma como deveria ser o ensino e a convivência humana. Em cada dia de peça, uma pessoa é convidada a partilhar suas experiências acerca do tema da ditadura militar brasileira com os artistas e o público. Tudo regado à poesia, pequenas cenas, canções, vinho, água, pão e frutas, formando um grande coro em volta da mesa. Por que separamos tanto o aprendizado da arte e da vida? Se essa cena não acontecesse no meio do nosso ato, mas após a peça, será que as pessoas ficariam para participar? Por que achamos sempre os debates chatos? A cada dia um convidado especial trazia seus relatos e relações com esse triste período da história do nosso país. Participaram ex-presos políticos, parentes de militantes assassinados, artistas, políticos, intelectuais e outros trabalhadores que tiveram as suas vidas afetadas pela ditadura. Em volta dessa mesa, as barreiras entre a arte, a vida e a educação eram quase diluídas naquele momento da apresentação. Podíamos comer, aprender, estudar, declamar, cantar, nos emocionar durante

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

aquele “debate”. O que me faz pensar que precisamos rever muito a nossa forma política de organização e também as práticas de educação que nos impedem propositadamente a apreensão dos conteúdos. Ao mesmo tempo para onde aquela cena-conversa poderia caminhar? Será que alguém de extrema direita poderia estar na plateia e fazer um discurso a favor da volta da ditadura como temos visto em algumas manifestações em 2015? Qual seria a reação do convidado da noite que fora torturado até quase a morte na época da ditadura? O espetáculo poderia ser interrompido? Teríamos que mudar as próximas cenas na hora? Sim, naquele momento do fazer teatral, a obra está verdadeiramente nas mãos de todos aqueles que estão presentes ali. Só quem estivesse presente naquele dia poderia presenciar esse encontro único. Esse encontro, que denominamos Cena da Mesa, é com certeza o coração do nosso ato. Era ali que sentíamos em nossos corpos a maior potência política e estética da nossa peça. Estava claro para quem assistia, participava como convidado e para nós, artistas, que aquela cena estava sendo construída naquele momento e que todos poderiam contribuir e interferir na sua dramaturgia. Ela instaurava um certo estado perigoso que a arte e nós, artistas, temos o dever de zelar e propiciar que aconteça.

IV - A Cantata, seus intervalos e a construção dramatúrgica Com a definição de que transformaríamos o texto “Mariana Pineda” de Federico García Lorca numa cantata, descoberta que se deu somente durante o processo de ensaio, passamos a trabalhar com duas temáticas superimportantes que norteariam todo o trabalho:

Rogério Tarifa

O que é uma cantata? Como sua dramaturgia é construída? Quais as diferenças entre a cantata, a ópera e o concerto? Quais os limiares entre o teatro, a cantata, o canto e a fala? Que tipo de interpretação é necessária para encená-la? Perguntas que só puderam ser respondidas com muito estudo e ensaio, conduzidos pelo Maestro e diretor musical da montagem William Guedes que já havia feito brilhantemente a direção musical do outro espetáculo da Cia. do Tijolo, intitulado “Concerto de Ispinho e Fulô”. Junto a esse trabalho, Jonathan Silva (que considero um dos maiores compositores de teatro na atualidade, um verdadeiro dramaturgo, com quem tenho o prazer de trabalhar há mais de dez anos dentro e fora da Cia. do Tijolo), também diretor musical do espetáculo,

À Laura Kiehl Lucci

A - O estudo teórico e prático sobre a cantata

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 33


Capítulo II - o tecer de um bordado

começou a compor a nossa Cantata, fazendo a transposição e recriando o texto da peça em forma de música. Foram meses de trabalho para a composição da Cantata que, com o passar do tempo, abarcou todos os músicos e atores da montagem. É importante ressaltar que a escolha por representar e transformar o texto “Mariana Pineda” numa cantata quase pura, não foi uma escolha fácil. Arriscar um mergulho nessa linguagem clássica e que, infelizmente, é tão distante de nós, por muitas vezes fazia com que achássemos que estávamos fugindo da nossa pesquisa, do nosso jeito de fazer, da história que a Cia. tinha construído até aquele momento. Mas olhando hoje para o ato-espetáculo considero esse mergulho na Cantata um dos maiores acertos da nossa peça, pois ao nos aprofundarmos nessa linguagem, nos embebedamos de novos conceitos e descobrimos outros paralelos com a nossa criação. A forma como a Cantata originalmente é construída, sem cenas dramáticas, mantendo o tempo todo a forma narrativa, vem totalmente ao encontro da base do teatro épico presente em nossos projetos. Dessa forma, transitamos pela linguagem clássica absorvendo e utilizando os elementos épicos contidos em sua estrutura coral.

Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

B – Os intervalos Com a definição de que apresentaríamos o texto “Mariana Pineda” na forma da cantata, outro elemento que passou a fazer parte dos ensaios foi a criação das cenas que comporiam os seus intervalos. Passamos a ter nos intervalos um momento chave da criação. Foi nos intermezzos que pudemos dar saltos no tempo, aproximar épocas históricas e puxar fios dramatúrgicos a partir da pesquisa de cada ator criador. Foram os intervalos que nos possibilitaram colocar o texto “Mariana Pineda”, os artistas envolvidos na montagem e a construção do nosso ato na “fratura do contemporâneo”1. Isso nos obrigou realmente a nos posicionarmos como artistas frente aos temas escolhidos, criando paralelos reais entre o nosso tempo histórico (que inclui a ditadura militar brasileira), as biografias de Federico García Lorca e Mariana Pineda. Federico se baseou na biografia de Mariana Pineda para escrever a peça. Mariana é uma desaparecida política, assim como Federico também tristemente se tornou um desaparecido político após ser assassinado no início da Guerra Civil Espanhola. Daí a importância de se colocar essas duas figuras históricas como personagens da nossa dramaturgia. Se na vida o encontro entre o Lorca e Mariana seria impossível, esse sonho pôde ser realizado na arte. Assim como só no teatro seria possível proporcionar 1

AGAMBEN, Giorgio Agamben. “O que é ser Contemporâneo?

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Rogério Tarifa

o encontro entre Lorca e um menino de rua de São Paulo, ou, como na Cena da Mesa, fazer com que o poeta participasse hoje de uma conversa sobre a história da ditadura militar brasileira, suas conseqüências e propiciar a ele uma reflexão e criar paralelos com o desenrolar da história mundial que continuou seus passos após a morte do poeta. A mistura entre tempos históricos, personagens reais e fictícios, nos obrigou a uma interpretação e uma composição de personagens que não podiam anular de forma alguma os atores da Cia. do Tijolo. Era preciso revelar as escolhas feitas por cada integrante. Uma composição que necessitava colocar em primeiro plano os atores da Cia., nas cenas dos intervalos e na obra como um todo. Dessa forma, a atriz Karen Menatti é Karen, Iara Iavelberg e uma integrante da Cia. que verdadeiramente tropeçou na lápide do Marighella voltando de um ensaio. Dinho Lima Flor é Dinho, mas também é Frei Betto, Manoel Fiel Filho e todos trabalhadores explorados desse mundo. Thaís Pimpão é Thaís, o baleiro da peça que se comunica através das libras, e também os meninos de rua das nossas cidades. Esse que escreve é Rogério Tarifa, o poeta Luis Eurico Tejera Lisbôa, diretor teatral, cenógrafo e também um poeta desconhecido dos dias de hoje que troca poemas com Federico García Lorca etc. As sobreposições podem ser compreendidas com mais profundidade na cena final do espetáculo. Nesse momento, cada ator, após o enforcamento de Mariana Pineda, caminha em direção ao seu altar. Altar que simboliza o enterro simbólico de cada desaparecido político representado e as escolhas dramatúrgicas desenvolvidas por cada artista, uma espécie de síntese documentária do processo de criação de cada ator da montagem. O público pode apreciar fotos, ler textos complementares e conversar ainda mais com os integrantes sobre as escolhas feitas para a elaboração da obra. Pode também se despedir de Mariana Pineda, Federico García Lorca e todos os desaparecidos políticos que só puderam ter a sua história contada em contato com o público, graças ao teatro. A forma como essa construção se realiza já propicia aos atores uma interpretação que os aproxima naturalmente do texto, da fala e da montagem como um todo. É a composição profunda de um mosaico que será transformado e completado em contato com o público. Essa construção dramatúrgica nos impulsionou ainda mais em direção à realização do nosso ATO.

À Laura Kiehl Lucci

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

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Capítulo II - o tecer de um bordado

Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

IV - As condições ideais para o amor Se tivéssemos que escolher hoje o momento mais difícil, o que deu mais trabalho, aquele em que quase desistimos de encenar a peça, com certeza escolheríamos o primeiro intervalo da Cantata, intitulado Intervalo do Amor. Nunca imaginaríamos, antes dos ensaios, que falar de amor hoje seria tão complexo, frágil e perigoso. Foram tantas cenas criadas, tantos roteiros diferentes que foi preciso muito profissionalismo, amadorismo e um tanto de amor para não nos matarmos fisicamente em busca da construção desse intermezzo. Durante grande parte das cenas improvisadas, nos sentíamos ingênuos frente a esse sentimento tão íntegro. Instigados com a sensação de que os conceitos relacionados ao amor já estavam totalmente incorporados pela mídia, meios de comunicação e demasiadamente explorados pelas propagandas dos grandes bancos do nosso país, o que fazer então? Como caminhar em busca do amor? Muito se romantiza sobre a convivência e a criação artística dentro de uma companhia de teatro. Lógico que, de certa forma, quando se cria um coletivo artístico, de alguma maneira, buscamos exercer dentro desse grupo os conceitos e ideias que gostaríamos de ver realizados na sociedade. Mas é sabido também que a convivência humana e a busca por sonhos são sempre transformadoras e doloridas. Tão potente e revolucionária que hoje, após dois anos desse processo, ainda sinto em minha pele os estilhaços dessa criação. E isso é bom! Marcas profundas foram abertas, algumas brilhantemente preenchidas por poemas e momentos teatrais sublimes. Outras difíceis de digerir, pois os embates acalorados não devem ser feitos somente com os que pensam diferentes de nós. Muitas vezes é preciso aprofundar as discussões com os nossos pares, mesmo correndo o risco de perdê-los. É preciso correr esse risco! Não podemos ter medo! Risco que pode também, ao invés de causar a perda, nos transformar em artistas e cidadãos melhores, seja continuando o trabalho dentro do grupo, ou fora dele, seguindo nossas vidas. Processo doloroso e vital que vivemos intensamente dentro da complexa montagem da “Cantata para um Bastidor de Utopias”. Processo que fez com que cada artista escancarasse internamente conceitos e formas diferentes de navegar pela arte e de se relacionar dentro do coletivo. Escancarando, revelando e fazendo com que assumíssemos a parte que nos cabe dos vícios, das arrogâncias e de certo egoísmo que infelizmente é inerente a todos os homens. Na arte de hoje, no movimento teatral de São Paulo, sinto falta de mais debates acalorados e apaixonados que possam qualificar e aprofundar os encontros. Levando sempre em conta a ética e o

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

Ao Suzico “Meu filho Escrevo agora estes versos para que saibas algum dia

Rogério Tarifa

V – A luta ontem – Luiz Eurico Tejera Lisbôa

À Laura Kiehl Lucci

respeito como base da discussão e da elevação do pensamento, como nos ensina todos os dias César Vieira. Vivemos na nossa sociedade atual a época da opinião e do linchamento. Estamos reféns da miséria, do pequeno comentário mesquinho, da inveja, do falar mal de alguém sem conhecer a sua história, de “linchar” o outro simplesmente porque não se consegue sair da própria mediocridade. Assim que alguém tenta superar-se, tenta colocar a cabeça fora desse lodo, outros estão prontos para martelá-lo de volta a sua lama, àquela em que estamos todos. Eu sinceramente acho que os grupos de teatro, o fazer teatral de pesquisa continuada, há muito tempo, desde o teatro de Arena, caminham na direção contrária a isso tudo. Na busca por algo mais profundo, que está soterrado, mas que um dia romperá a lama, ajudando a concretizar ainda mais as transformações que queremos para a sociedade. São caminhos gestados há anos por coletivos de teatro e trilhados em nossos espetáculos. Mas para que os conteúdos dos espetáculos possam ser concretizados nas nossas vidas, precisaremos dar um passo além e não ter medo de brigar por eles todos os dias! Pois novamente um antigo amigo me sopra aos ouvidos: “A vida não é sonho e entre a obra, os artistas e o público existe o mundo. A História.” Sim, é preciso falar das nossas fragilidades e da complexidade que é criar uma obra de arte dentro de uma singela companhia de teatro. O fazer teatral pode ser algo tão pequeno, primitivo e artesanal como um livro velho que esfarela palavras nas mãos de quem o recebe, mas que por ser composto por palavras não perde a sua função nunca. Em séculos de história, ainda proporciona aos homens o encontro. E desse encontro pode surgir o início da revolução. Somos pequenos frente à história do teatro e à potência do amor. Foi num livro que conheci a história de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, é dele o subtítulo “Condições ideais para o amor”. Condição tão difícil de exercer e conquistar que muitos dos que lutam e lutaram por ela acabam sendo assassinados como aconteceu com o jovem Eurico.

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Capítulo II - o tecer de um bordado

que estas mãos que empunham a metralha e semeiam a morte este olhar resoluto de soldado têm algo mais que o impulso mercenário e o querer individual. Para que saibas que estas mãos escreveram versos estes olhos deslumbraram a beleza de um outro dia e este peito coberto de cicatrizes já abrigou a paixão e o amor.

Rogério Tarifa

À Laura Kiehl Lucci

Para que saibas Que desde o primeiro passo Fui presa até a última fibra da poesia E que a metralha e a luta são em tempo certo o meu maior poema a grande mensagem de um artista.” Luiz Eurico Tejera Lisbôa -24/11/1968

Há muito tempo que eu procurava algum texto, poemas que unissem amor e revolução. Para minha surpresa, foi na internet que encontrei um livro pequeno, preto, com o título em destaque, onde se lia: “Condições ideais para o amor”. O nome já havia me tocado muito, mas descobrir que o autor era um jovem de 24 anos que fora assassinado pela ditadura militar brasileira e que seu corpo ficara desaparecido por muitos anos, foi muito chocante. Assim como foram angustiantes as 48 horas que o livro demorou a chegar em minhas mãos. Já que por apenas nove reais consegui comprá-lo através de um site de vendas. O livro é belíssimo, contém poemas escritos por Luiz Eurico Tejera Lisbôa, cartas para sua mulher Suzana Lisbôa (que na época também entrara para a luta armada e que continua viva em Porto Alegre), fotos e mais alguns textos emocionantes que narram a história de Luiz Eurico. Garoto cheio de sonhos, ele foi assassinado cruelmente antes de se tornar pai. Poeta que teve a coragem de largar tudo e entrar para luta armada na busca por um país livre, democrático e que fosse regido pelo amor. “Fiquei com pena de todos eles, Suzana. Dos que mentem, dos que invejam, dos empertigados, dos ambiciosos, dos que fazem do amor um remédio, um passatempo, um negócio, um paliativo. E percebi quão poucos entre nós chegaram ao sentido final do combate que travamos. Eles não

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compreendem, Suzana, que nós somos um momento na luta que o Homem vem enfrentando através da História, cada vez mais conscientemente, pela felicidade. Não entendem que nós buscamos em última análise as condições ideais para o amor”. (Luiz Eurico Tejera Lisbôa, 5/07/1968 – Condições idéias para o Amor – Editora Sulina) Obviamente devorei o livro fortemente emocionado pela obra e pela biografia do autor. E foi a partir daquele dia que pude entender um pouco mais sobre o tema do amor e de como lutamos pelas mudanças no mundo para que o amor tenha as condições ideais para existir e se desenvolver. Talvez, seja essa uma das mais importantes consequências de uma revolução. Como é triste constatar que o mundo sempre esteve construído para impedir que essas revoluções acontecessem. Não é por acaso que tantas revoluções foram massacradas. Não é por acaso que Luiz Eurico foi assassinado. Nada é por acaso. O encontro com a história desse jovem poeta revolucionário me fez pensar muito sobre a minha história e do quanto estou acomodado na minha vida, na arte e na busca pelos meus sonhos. E, assim, com o livro de Luiz Eurico nas mãos, surgiu o pilar que faltava na construção da minha dramaturgia pessoal dentro da peça. Além de representar o diretor da Cantata nos intervalos, a partir daquele momento, inspirado por Luiz Eurico, eu seria um poeta desconhecido dos dias de hoje. Que imerso na criação, nas contradições de se criar dentro dessa cidade apaixonante e maluca que é a nossa imensa São Paulo, escreveria poemas que dialogariam com a obra e principalmente com o nosso querido convidado especial da noite, representado lindamente por Rodrigo Mercadante, o poeta Federico García Lorca.

Rogério Tarifa

Dirigir, atuar, criar o cenário, construir a dramaturgia coletiva dentro da Cia. do Tijolo nos espetáculos “Concerto de Ispinho e Fulô” e “Cantata para um Bastidor de Utopias” durante os últimos oito anos, me faz refletir que antes de tudo, o que queríamos era estudar. Somos um grupo que tem como pilar a aceitação do nosso não saber e na busca pelo conhecimento fazemos cada tijolo e o assentamento deles pedra por pedra. Sem pressa, sem pular etapas, sem querer terminar a casa nos primeiros dias de ensaio. Temos todos os dias do processo artístico ou, quem sabe, a vida toda para descobrimos juntos como essa nova casa será feita. E mais ainda, acreditamos que cada integrante tem a liberdade e o direito de colocar o tijolo e depois o cimento onde quiser. Na busca de um lar,

À Laura Kiehl Lucci

VI – A direção, o cenário, a construção humana e a Cia. do Tijolo

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Rogério Tarifa

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Capítulo II - o tecer de um bordado

que muitas vezes não é o dos nossos sonhos, mas que por ser construído por todas as mãos, traz mais complexidade à obra casa, à obra teatro. Como diria José Saramago, tem me interessado muito mais falar de vida, do que de teatro. Me interessa muito mais as intersecções da vida com a obra do que exatamente a obra. É como se o teatro que acredito morasse exatamente na linha que separa a arte da vida. E que para fazê-lo é preciso matá-lo em nome do resgate de uma obra que seja viva e frágil como um esboço. Um rabisco de criança que terá que ser completado pelo público. Não me interessa fazer obras completas, prontas, me interessa, como diz o mestre Ilo Krugli, o bordado inacabado. Me lembro perfeitamente do dia em que fui convidado pelo Rodrigo Mercadante e pelo Dinho Lima Flor para dirigir “Concerto de Ispinho e Fulô”. Fizemos uma reunião solitária na cozinha de casa, eu nunca lera nenhuma poesia do poeta. A Cia. do Tijolo ainda caminhava na direção de se tornar um dia um grupo de teatro. Foram horas de conversa, leituras de alguns poemas, café na mesa e sonhos que começavam a ser gestados. Gestados nessa pequena barriga grávida chamada teatro de grupo que pedia para crescer e criar corpo dentro da cidade de São Paulo. Durante alguns anos alimentei o desejo de sair daqui para morar e fazer teatro em outro território mais propício ao fazer teatral. Mas hoje percebo que minha arte brota exatamente da experiência que os quase quarenta anos de moradia nesta cidade moldaram no meu corpo me transformando no artista que sou. São Paulo ocupa praticamente todos os espetáculos que dirigi até hoje: “Francisco Pés após Pés”, “O Santo Guerreiro e o Herói Desajustado”, “São Jorge Menino”, “Barafonda” - em parceria com meus companheiros da Cia. São Jorge de Variedades, “Condomínio Nova Era”, “Rotatória” e, finalmente, “Concerto de Ispinho e Fulô” e “Cantata para um Bastidor de Utopias” junto à Cia. do Tijolo. Foi no processo do “Concerto de Ispinho e Fulô” que aprofundei meus questionamentos sobre quão viva e potente é a criação humana. Gosto tanto da construção humana quanto da Natureza. Se me emociona o pôr-do-sol junto ao mar, me encanta da mesma forma as construções humanas. Como por exemplo um homem, que em cima de um antigo prédio no centro de São Paulo, chora ao ser tocado pela potência poética do surgimento de milhares de lâmpadas que rompem o céu todos os dias enchendo as ruas da cidade de pequenas estrelas urbanas. Foi com Patativa do Assaré que apreendi: se o corpo dele é feito de terra seca, folhas, pássaros, sangue e poesia; o nosso aqui da metrópole é feito de cimento, asfalto, lágrimas e fumaça preta. E que do nosso peitocidade também brotam poemas. Isso não é apenas uma metáfora, somos a cidade, assim como Patativa é a pequena Assaré.

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Rogério Tarifa

Kasuo Ohno diz que o corpo humano possui todos os elementos que compõe o universo, ou seja, nós somos o universo. É preciso ter consciência disso tudo. Da mesma forma que, se fisicamente passamos a mão no asfalto - num gesto cotidiano- e mais tarde colocamos a mão na boca ao limparmos o rosto, poderemos estar engolindo o sangue de alguns dos mortos assassinados cotidianamente em nossa cidade. Sangue que já estava grudado e seco no asfalto. Somos fisicamente esses assassinatos. Somos as causas e suas consequências, ou seja, somos a cidade. Tudo isso é construção humana, e cabe aos homens pensar o que estão construindo. Assim como o teatro é criação humana. E cabe ao homem pensar que teatro está fazendo. E talvez seja por isso que tenho me dedicado e me apaixonado cada vez mais pela cenografia. Se alguém visitar hoje o galpão onde guardamos os cenários das nossas peças, não acreditará que dali, daqueles materiais, daqueles “escombros”, alguém encenou um espetáculo, ou que voltará a fazê-lo. Tijolos, pedaços de madeira, panelas de barro, tecidos, lona de caminhão, lousas velhas, livros, bancos etc. Sim, todos aqueles objetos sozinhos, desordenados representam muito pouco, mas basta serem organizados, cuidados e colocados em cena que passam a revelar um pensamento, uma forma de ver e de construir um mundo. Não é à toa que tenho trabalhado cada vez mais com uma cenografia que é montada o tempo todo na frente do espectador. A realização e a construção cenográfica em cena possibilita ao público entender que aquela peça é fruto de uma ação humana. E que se dentro do teatro o homem é capaz de organizar e produzir obras de arte potentes, a caminhada pela construção de uma outra sociedade também pode ser possível. Assim como fazer um filho também é um ato humano, é preciso cuidar deles, educá-los da melhor maneira e dar muito amor para que se tornem seres mais potentes e sábios do que nós. É preciso ir além das individualidades, é preciso pensar no bem não só do dos nossos filhos, mas no bem de todas as crianças. É preciso pensar no bem do ser humano e não só no bem da nossa família, como nos ensinaram os desaparecidos políticos homenageados na Cantata. É preciso pensar na arte como um todo, não só no sucesso da minha peça ou da minha carreira. Tudo isso me faz pensar muito na função da direção dentro de uma peça e de um coletivo de teatro. Tenho encarado a direção no sentido de conduzir a construção de um espaço poético de criação, uma arena aberta onde atores e público se sintam criadores potentes dessa grande reflexão cênica que é o teatro. Revelação de que arte é um direito de todos e não um privilégio de alguns, como nos mostrou Federico García Lorca ao

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Rogério Tarifa

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dizer que se tivesse que escolher a sua maior obra, escolheria o seu grupo de teatro La Barraca. Lorca trocaria todos os seus poemas e peças pela experiência que teve ao viajar pela Espanha com um caminhão levando teatro aos menos favorecidos. Acredita-se ainda numa cultura antiga de que o diretor é aquele que detém todos os conhecimentos e que sua função maior é a de marcar as cenas etc. Penso que o diretor deveria ser aquele que possibilita aos artistas encontrarem o caminho que os levem ao encontro da sua potencia máxima criativa. Realizar na vida e na arte um encontro coletivo de criação é um exercício inimaginável de generosidade e demanda uma energia tão intensa que são poucos os que conseguem continuar esse caminho. Não é à toa, que o Teatro Ventoforte tem o mestre Ilo Krugli, não é à toa que o Engenho Teatral tenha Luiz Carlos Moreira, que o União e Olho Vivo tenha César Vieira, não é à toa que o Tá Na Rua tenha Amir Haddad. Não é à toa. São anos de uma caminhada sólida de dedicação ao teatro de grupo. Tenho achado os processos criativos dentro dos grupos muito desgastantes e talvez não haja outra maneira. Posso dizer com todas as letras que construir o cenário, dirigir, atuar, escrever com meus companheiros e continuar apresentando nossa última peça “Cantata para um Bastidor de Utopias” me matou, me fez ressuscitar e me fez um novo artista. Considero que a experiência de conviver tanto tempo junto na elaboração dos espetáculos “Concerto de Ispinho e Fulô” e “Cantata para um Bastidor de Utopias” é fruto de um período único dentro dessa Cia. que tenho orgulho de fazer parte. A criação desses dois espetáculos só foi possível graças a um mergulho que todos os envolvidos na montagem toparam dar, correndo riscos e se jogando nessa construção incrível que é o fazer teatral. Lógico que novos projetos e peças virão, como já começaram a nascer e poderão ser tão potentes quanto Concerto e Cantata, mas considero esses dois processos artesanais momentos raros e talvez únicos dentro da criação artística. Repassar na memória, retomar e dar carne por meio da escrita aos muitos momentos vividos com a Cia. do Tijolo, neste texto, com certeza me faz um artista melhor. E como novos sonhos começam a brotar, já sinto saudades de tudo e de todos. Acabo de saber da morte do grande Eduardo Galeano... Rogério Tarifa – São Paulo, 13 abril de 2015.

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Esquinas

Rodrigo Mercadante

Mircea Eliade, em um de seus livros, narra uma lenda judaica sobre um peregrino que, cansado de andar a esmo e sem saber que caminho tomar, deitou-se em um descampado, cravou no chão seu cajado e adormeceu. No dia seguinte, decidido a seguir caminho, percebeu que seu cajado havia espalhado raízes na terra. Era um sinal de que ele havia achado seu lugar. O estudioso das sacralidades conta também que as tribos nômades libertavam seus animais domésticos, os perseguiam por alguns dias e depois os sacrificavam. Nesse lugar, paravam e construíam seu templo provisório. Eles buscavam sentidos e sinais onde nada havia. Acredito que nós, artistas em geral, sejamos ateus, agnósticos, fundamentalistas, cínicos, leitores ou não de Mircea Eliade, no fundo, andamos por aí buscando sinais. Saímos andando sem rumo, buscando uma metáfora na qual possamos nos ancorar e criar nosso templo. Lembro-me de um dia em que, no meio do ensaio, ao abrir a porta do galpão onde criávamos o espetáculo para dar continuidade a uma cena externa, nos deparamos com um morador de rua vestindo uma espécie de parangolé feito de garrafas pet e lixo. Era uma imagem impressionante e assustadora: mistura de cuidado meticuloso, esmero, apuro estético e a mais pura indigência.

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Rodrigo Mercadante

Esquinas

Capítulo II - o tecer de um bordado

Nossa sede se localizava numa esquina, entre um centro de recuperação de dependentes químicos da prefeitura e o DENARC. Durante o período em que estivemos lá, essa contradição, essa rachadura social, se mostrava obscenamente em nossa porta, impunha-se, invadia nosso ensaio, sangrava sobre o tablado improvisado, aos berros do lado de fora, cheirando morte do lado de dentro. Mas voltemos ao nosso personagem... Não lembro ao certo em que momento da criação nós estávamos, só me recordo que eu já evocava García Lorca, paixão antiga mesmo. Mariana Pineda, nossa primeira inspiração, já estava presente e, se não me engano, Heleny Guariba já havia surgido também para ajudar a narrar essa história de desmandos e de tiranias mundo afora. Aquele homem dizia coisas. Muitas coisas. Uma delas me marcou bastante: “Três de vocês já estão na sepultura! Outros vêm mais tarde... Três de vocês na sepultura!”. A memória nos trai bastante, mas tenho a impressão de que todos os outros mortos foram invocados naquele momento. Ali estava justamente o prenúncio dos nossos mortos e desaparecidos políticos que viriam depois: Manoel Fiel Filho, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, Zequinha Barreto, Edson Luiz, Victor Jara, Tenorinho, Fernando Santa Cruz e tantos outros. Mais tarde chegaram todos eles, como personagens encarnados pra contar a história de Mariana Pineda. O que será que houve ali? Um sinal? Um desígnio? Aí eu já não sei. Prefiro acreditar que ali houve um prenúncio de um poema. Mas poderia também não ter havido nada, caso a porta não tivesse sido aberta. E aí se instaura o mistério, o mistério do poema, que é também o espanto das filosofias: por que acontece alguma coisa, se poderia não ter havido nada? O mistério cria a pergunta ou a pergunta instaura o mistério? O certo é que aquele Hélio Oiticica, meio louco, meio morte mendicante, surgido das fendas, lacunas e das rachaduras do meu país, nos revelou aquilo que tantos procuram há tanto tempo: o túmulo dos poetas assassinados nas esquinas da história. Logo ali, na nossa esquina, entroncamento dialético entre a lei e a marginalidade, encontramos o corpo desaparecido de Federico García Lorca, assassinado com três tiros nas costas por ser socialista, por ser veado, por ser poeta. Feito o animal perseguido e sacrificado, o corpo de Lorca, revelado por aquele homem da encruzilhada, nos fez encontrar o sinal, nossa metáfora fundamental e a pedra no caminho ao redor da qual construímos nosso templo.

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Uma cadeira vazia. Uma pedra. “Cada canção é um remanso do amor. Cada estrela é um remanso do tempo. Um nó do tempo. E cada sussurro é um remanso do grito.” Federico García Lorca

Karen Menatti

Estávamos, como de costume, improvisando e brincando juntos enquanto nosso convidado não chegava. Estava frio. Tocava a “Cantata de Santa Maria de Iquique” feita em razão dos 3.600 operários mortos na Escola Domingo de Santa Maria, no Chile, por conta da reivindicação por melhores condições de trabalho nos idos de 1907. Coisas penduradas, bancos espalhados, livros, desenhos, flores, pés, mãos e canções moldavam o ar.

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Karen Menatti

Uma Cadeira vazia. Uma Pedra.

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

Ilo Krugli, diretor do grupo de teatro Ventoforte, do qual muitos de nós da Cia. do Tijolo bebemos na fonte, chegou com seus lenços coloridos e seu habitual cachecol azul sempre arrastando. Foi à nossa sede para participar de um dos encontros que fazíamos de quando em quando. Encontros esses para nos “ajudar a olhar”, como diz o texto de Eduardo Galeano chamado “A Função da Arte 1” em que o menino diante da imensidão do mar pede que o pai o ajude a olhar. Estávamos diante da imensidão do mar. Talvez estejamos sempre. “A cadeira vazia”, disse Ilo, “Quem vai chegar?”. Então se lembrou de uma história antiga ou talvez fosse uma lenda ou talvez ainda algo criado em suas brincadeiras de menino. Lembrou-se dessa história que dizia que durante a reunião à mesa é sempre bom ter uma cadeira vazia para que o inesperado se aconchegue. Que é sempre bom deixar um espaço vazio para ser preenchido pelo que possa nos surpreender, nos arrebatar. O “tropeço” na história de Carlos Marighella foi um desses arrebates. Ao esbarrar na pedra deixada na Alameda Casa Branca, senti que esse inesperado, que esse bordado proposto pelos rococós espanhóis atravessava e ainda transpassa nossos pés de uma forma quase invisível e, muitas vezes, propositadamente, cheio da poeira secular. Havíamos assistido naquela mesma semana ao filme “Batismo de Sangue”, inspirado na obra de Frei Betto. A foto em que o Marighella está na redação de jornal, olhando pra trás, logo após sair da prisão, veio à tona no momento do esbarrão. Não saía mais da minha cabeça. Não sai. “Havia uma pedra no meio do caminho”. A história de Marighella instigou a pesquisa sobre o que se esconde atrás de nossos ombros, de nossos pés. Fui assim, levada pela história de Mariana Piñeda, andaluza como minha avó materna e que trazia em si não só a luta pela queda do rei, mas também a luta pelo lugar da mulher numa Espanha comandada pela imponência masculina. Durante a pesquisa, dentre tantos acontecimentos em seus 27 anos de vida, o que mais se manteve piscando diante de mim foi o fato de ter sua terceira filha arrancada dos braços porque esta não tinha o reconhecimento paterno. Era lei. Fiquei imaginando essa dor, que segundo conta a história, foi o maior baque de sua caminhada. Mariana morreu só. Mandou uma carta para os filhos que, dizem, nunca foi lida por eles. Assim como Iara Iavelberg, o terceiro bordado a se sentar na cadeira vazia. A militante também não leu as últimas cartas de amor enviadas por Carlos Lamarca, que foram interceptadas no trajeto. Asmática, como eu, consta em um dos relatos que alguém a delatou por reconhecê-la enquanto fora levada a uma farmácia para se medicar por conta de uma crise. Daí o que já

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

Karen Menatti

Uma Cadeira vazia. Uma Pedra.

conhecemos. Iara chegou ao meu coração pelas mãos de Ivan Seixas, me ajudando a olhar as histórias dos desaparecidos políticos no Brasil. Porém, foi em um momento exato que as “fichas caíram”, que o inesperado de Ilo Krugli se concretizou. Eu havia conseguido os roteiros de dois filmes sobre a história de Iara, feitos pela sua sobrinha chamada Mariana. Mariana! Durante uma tarde fria de sábado, no festival de cinema “É tudo Verdade”, sentei-me numa cadeira do cinema. Na sala havia algumas pessoas, mas eu estava só. Na primeira cena do filme, aparece a filmagem de Mariana ainda criança carregando uma pedra para colocar no túmulo da tia, da tia Iara. Uma pedra pequenina caía de suas mãos. Ai... tropecei! Dei de cara no chão! Pedra Marighella, pedra Iara, pedra Mariana, pedra Galeano e Drummond que me acompanharam durante todo o processo poético. Como num bordado empoeirado e caótico, compreendi a importância das pedras nesse processo. As pedras concretas e também as metafóricas. E, talvez, seja como propõe Deleuze, talvez o sentido do que criamos seja dado depois, só chegue depois com a junção que escolhemos fazer a partir dos pontos postos. Primeiro o inesperado e depois vamos tecendo esse bordado que ora tem-se a impressão que não terá fim, ora tem-se a sensação de que somos amparados pelo infinito mistério. E, talvez, seja assim mesmo, sem fim. E, talvez, sejam os dois.

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HOJE É QUANDO?

Thais Pimpão

Numa manhã tipicamente paulistana, cinzenta e barulhenta, enquanto ensaiávamos “Cantata para um Bastidor de Utopias”, um homem, maltrapilho e maltratado que caminhava cambaleando e exalando os mais variados odores, entrou pela porta da sede da Cia. do Tijolo e fez o seguinte comentário, com voz rouca e um tanto grogue: “Vocês escreveram aí fora “Cantata para um Bastidor de Utopias – apresentação hoje”, mas hoje! Hoje? Hoje é quando? Isso aí vai dar problema pra vocês!”. A informação à qual o tal homem se referia era resultado de uma improvisação com tinta que havíamos feito dias antes, e que, de fato, tinha deixado muitas marcas espalhadas nas paredes internas e externas do galpão. A imagem daquele homem e aquela pergunta ecoaram por dias em mim. Quando optamos por representar figuras reais durante os intervalos da nossa Cantata, tomamos como referência o livro “Direito à Memória

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Thais Pimpão

e à Verdade”, da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Fui sensibilizada por vários relatos e histórias de vida contidas no livro, mas nada me convencia de que eu deveria escolher uma única figura como fonte de pesquisa e inspiração. Eu não conseguia. Aquela escolha pra mim, assim como acontece com todas as escolhas nas mais diferentes situações da vida, excluiria outras tantas possibilidades. Nos estudos de textos, artigos, e nos diálogos provocativos que tivemos durante o processo de construção da dramaturgia, a informação de que muitas ossadas de crianças haviam sido encontradas em valas comuns e clandestinas me fez refletir sobre as seguintes questões: quantas crianças perderam a família durante o período da ditadura? Quantas mulheres grávidas foram torturadas? O que aconteceu com a saúde e a vida desses bebês? Quem são eles hoje? Hoje é quando? Quantas crianças foram e ainda são presas com suas mães? É feito registro dessas prisões? Quantas crianças crescem nas salas insalubres, putrefatas e superlotadas das prisões deste país? Hoje é quando? Quantas crianças vivem em situação de rua no Brasil? Quantas gerações de pessoas viveram e continuam vivendo nesta situação? Onde estão seus mortos? E o que foi feito de suas vidas? Quais são as suas histórias? Um levantamento realizado em 2011 pelo governo federal e pelo Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes indicou que 23 mil crianças vivem em situação de rua no Brasil. Desse total verificou-se que 72% são do sexo masculino e que apenas uma pequena minoria teve acesso aos estudos, alcançando no máximo o 3° ou 4° ano do Ensino Fundamental. Portanto, a privação de direitos foi e continua sendo disseminada em todo o país. Hoje é quando? “MENINO: É teatro, meu povo, é teatro! Aqui cabe todo mundo, cabe até eu que achei que não caberia nunca em lugar nenhum! E aqui eu tô cabendo! Porque é teatro, meu povo, é teatro!” É o que diz o personagem Menino ao entrar no galpão no início da peça “Cantata para um Bastidor de Utopias”. E antes mesmo de começar o espetáculo musical ele, o Menino, inventa, assim como no cenário real das grandes ou pequenas cidades brasileiras, uma maneira de ganhar dinheiro. Vende balas e pirulitos para a plateia, ajuda na montagem do cenário, engraxa os sapatos do público e dos atores, e, assim, dessa maneira, segue lutando pra fazer-se notar.

HOJE É QUANDO?

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

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Thais Pimpão

HOJE É QUANDO?

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

“MENINO: Pode lavar, pode passar desinfetante, não vai adiantar. Eu sou tumor que se propagou bastante, não dá pra desinfetar.” O poeta Federico García Lorca escreveu, em setembro de 1931, sobre a inauguração de uma biblioteca do povo em Granada, o seguinte texto, traduzido por Frei Betto: “Não é só de pão que vive o homem. Eu se estivesse com fome não pediria apenas um pão, pediria meio pão e um livro. Porque é necessário que todos os homens comam, mas é necessário também que todos os homens saibam. Que gozem de todos os frutos do espírito humano, porque do contrário serão transformados em máquinas a serviço do Estado, e se tornarão escravos de uma terrível organização social. Dizer livros é o mesmo que dizer amor. Livros é o que deveria pedir o povo como quem pede pão. Porque a agonia física, biológica, natural de um corpo com fome, com sede, com frio, dura pouco. Mas a agonia de uma alma insatisfeita dura uma vida toda.” Em 2012, ano em que começamos o processo de criação do espetáculo “Cantata para um Bastidor de Utopias”, eu cursava o último ano de faculdade e tinha como matéria a Língua Brasileira dos Sinais (Libras) com a professora e intérprete Sabrina Caires, que, aliás, tornouse uma grande parceira não só nesse trabalho especificamente, mas em outros tantos que sigo fazendo. O meu desejo em estudar Libras já era grande antes mesmo da faculdade ou da Cia. do Tijolo, porque tive, na infância, um amigo chamado Pedro que era deficiente auditivo. Eu e Pedro brincávamos e ele me ensinava os seus “sinais”, e quando não sabíamos, inventávamos. As nossas diferenças, ouvinte ou não ouvinte, ele com cinco anos de idade e eu com 7, não eram nunca um problema, pelo contrário, tornavam a nossa comunicação e as nossas brincadeiras ainda mais desafiadoras e divertidas. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) publicados em 2010 mostram que cerca de 9,7 milhões de brasileiros tem alguma deficiência auditiva. E quem sabe falar e conversar com essas pessoas? O que a cidade tem para oferecer-lhes? Quantas escolas especializadas existem para atender tamanha demanda? Menos de 1% dos deficientes auditivos no país conseguem chegar ao ensino superior! E quantas universidades estão preparadas para atendê-los? Hoje é quando? Como se constrói a noção de tempo, de história, de cidadania e liberdade para os não ouvintes? Diferente de outras dificuldades e deficiências, não se sabe que um surdo é surdo até que ele deixe de reagir a um chamado ou ao ruído de alguma coisa. Os surdos são pessoas invisíveis aos olhos da grande maioria da população. E são tantos!

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Thais Pimpão

Hoje é quando para eles? Uma pessoa incapaz de entender a ideia de uma pergunta não pode nunca formular uma resposta? Quando não se adquire língua nenhuma, não se tem noção de tempo, de senso histórico? Tudo fica restrito ao alcance dos seus pensamentos, confinado, de fato, a um mundo imediato e pequeno? Hoje é quando? As primeiras referências quanto à maneira de se expressar dos surdos remonta, aproximadamente, ao ano 368 a.C., quando o filósofo grego Sócrates comenta: “Se não tivéssemos voz nem língua e ainda assim quiséssemos expressar coisas uns aos outros, não deveríamos, como aqueles que ora são mudos, esforçar-nos para transmitir o que desejássemos dizer com as mãos, a cabeça e outras partes do corpo?”. Sabemos que o gesto é anterior à palavra e foi a primeira linguagem humana. Ele é um tradutor de ideias e um ajustamento da conduta social. Os gestos das mãos expressam diferentes qualidades e capacidades humanas. As mãos da labuta, das preces, as mãos que seguram e tecem bandeiras, mãos que descrevem ideias, olhares e poemas. Mãos que afagam e mãos que torturam. Mãos que pedem trocados nas ruas, mãos que dizem e expressam diferentes realidades. Como fazer poesia para os que não escutam palavras sonoras? Como dizer para um surdo: “livros para que a minha alma não morra”, se para eles alma já é algo morto? A Igreja Católica até a Idade Média dizia que a alma de um surdo não poderia ser considerada imortal porque ele não podia falar os sacramentos. No princípio era o Verbo! Hoje é quando? Dessa confusão de pensamentos e no emaranhado das minhas reflexões e palavras é que o personagem Menino, que entre tantas outras coisas sabe se comunicar com os surdos, nasceu. O sinal em Libras para a palavra liberdade, por exemplo, ganhou enorme espaço e força dentro do espetáculo. O sinal transformou-se em código, o código em gesto, o gesto em ação. No último ato da Cantata, num diálogo silencioso entre o Menino e a personagem Mariana Pineda, segundos antes de ela ser enforcada em praça pública, a palavra liberdade e os movimentos que compõem o seu sinal em Libras, até então desconhecido pela maioria das pessoas, tornase um elo importantíssimo entre o Menino, os outros personagens, a história e os espectadores. O desejo comum pela liberdade é dito, expressado e comungado por todos sem produzir nenhum som, como um grito parado no ar. Nesta cena, o Menino traduz e realiza o sinal em gesto, e o gesto transforma-se em poesia do ato. E essa poesia tornou-

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

Thais Pimpão

HOJE É QUANDO?

se uma das minhas principais buscas como artista durante e depois da realização deste trabalho. Com ele eu entendi que toda atitude, mesmo as “não intencionais”, toda conduta, todo arranjo secreto, todo código, todo gesto, todo ato, toda preparação nos bastidores são portadores de significação, e tornamse matéria prima para a criação. Compreendi também que todo gesto contém algo de suspenso e que isso dá margem a diferentes repercussões simbólicas e diferentes compreensões. Fazer escolhas e ter consciência delas é parte fundamental no processo criativo de um ator. Foi assim que nos bastidores do nosso teatro o Menino (eu) foi aos poucos descobrindo e inventando seus espaços, ganhando corpo e fazendo sua (minha) história como artista integrante do Grupo La Barraca (da Cia. do Tijolo) na peça “Cantata para um Bastidor de Utopias”.

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BASTIDORES DA CANTATA

Jonathan Silva

Um velho galpão na Armênia e um São Benedito. Ou sobre essa coisa de fazer música em grupo.

Compusemos as músicas para a Cantata no ano de 2013. Não lembro exatamente o período. Não sou preciso com as datas. Mas me lembro bem de algumas passagens que marcaram o processo de composição. Um velho galpão na Armênia. Era onde aconteciam os ensaios da Cantata. O lugar não era nem um pouco apropriado para ensaiar um espetáculo de teatro. Não, não era um galpão aconchegante, intimista, silencioso. Nem do lado de dentro e muito menos do lado de fora. Por conta disso, um dia resolvi levar pro galpão o São Benedito que vivia em paz na cozinha da minha casa. Pensei que a imagem do

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Jonathan Silva

BASTIDORES DA CANTATA

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

santo, filho de escravos, poderia suavizar e incensar o ambiente. Nada feito. Nem o santo preto foi capaz de harmonizar a energia pesada do lugar. Mas se havia uma cabeça de burro enterrada naquele velho galpão, azar... Precisávamos trabalhar, precisávamos levantar as cenas e compor as músicas. Eu me trancava numa salinha com violão, caneta, papel, texto do García Lorca, poemas do Neruda e versos de Victor Jara, músico chileno assassinado pela ditadura militar do Chile. Uma vez, me isolei de todo grupo e fiquei enclausurado na tal salinha, compondo uma música para uma cena específica. Depois de três horas, aproximadamente, saí da sala e apresentei a música para o nosso diretor Rogério Tarifa. Ele escutou pacientemente e com paciência me disse: “A música é legal, mas ainda não é isso...”. Eu suspirei e voltei pra salinha, agradecendo a Dionísio e a Benedito a graça de fazer teatro. E assim fui seguindo. Compondo em casa, na rua, no metrô, marcando encontros com o William (diretor musical e compositor) e principalmente, dentro da salinha do velho galpão da Armênia. O compositor precisa se isolar, ficar recluso para compor. Não é assim? Nesse caso não foi bem assim... Aos poucos fui entendendo que a Cantata era um osso duro de roer. E não dava pra roer sozinho. Aos poucos, abri a porta da salinha para compor em parceria. Sim, precisava de parceiros. Abri a porta e veio o Mau (Mauricio Damasceno). Passávamos horas mergulhados nas harmonias e possibilidades melódicas. Chamamos o William, o Aloísio, o Thiago. Mais parcerias. No segundo ato, o desafio parecia ser ainda maior. Diálogos extensos dos personagens Pedro e Mariana Pineda. Era preciso chamar os atores Rodrigo Mercadante e a Lilian de Lima para mergulharem na composição das músicas. E eles atenderam prontamente ao chamado. Passávamos horas dentro da salinha. Quando chegávamos num formato que nos agradava, abríamos a porta, cansados e felizes, para mostrar um esboço ao diretor e a todo o elenco que pacientemente escutava, apreendia e executava. O esboço ganhava forma, ganhava corpo e alma, virava música. Um tempo desses, voltei ao velho galpão na companhia do Rogério e da Karen Menatti. Entrei na salinha. Fiquei em silêncio e quase não acreditei que naquele lugar caótico, nada aconchegante, nada intimista e nada silencioso, parimos as músicas da “Cantata para um Bastidor de Utopias”.

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TRAJES DAS CENAS DE CANTATA

Silvana Marcondes

Vestir a pele que quer comunicar algo com profundidade. Dar alma visível e crível àquele ator que busca emanar em sua interpretação um personagem profundo, que sofreu torturas e intolerâncias. Dar corpo aos militantes de 64, de forma a deixá-los em sua época sem exageros. Para que possam levantar os punhos e dizer seus protestos como se fosse lá. Vestir os cantores de uma cantata que, com a liberdade de um maestro, adornam-se com adereços para interpretar seus solos, seus personagens específicos. Dar feminilidade sem leveza fútil à Mariana Pineda, que vai se transformando em um sofrimento árduo até o último ato. Dar peso ao soturno Pedrosa. Vestir um Lorca, garboso, questionador, sem medo, diretor da trupe La Barraca e sabedor de seu futuro atroz. A meu ver, a roupa de cena é uma dramaturgia que caminha ao lado de todas as outras dramaturgias: texto, música, encenação, dança, corpo, voz, olhar, luz, cenário e outros componentes que fazem a cena. O espetáculo é uma trança, um tramar de dramaturgias, um tecido que se faz durante a encenação. Ora uma dramaturgia se sobrepõe a outra, mas logo deixa espaço para outra aparecer idealmente em equilíbrios. Neste espetáculo, a pesquisa para a criação do vestuário foi realizada para intercalar quatro momentos: - Os militantes que lutavam contra a ditadura dos anos 1960, do nosso Brasil; - Os cantores da cantata, forma musical que transita visualmente entre o coral e a ópera; - Os membros da Companhia de Teatro La Barraca, que existiu de 1931 a 1936, na Espanha, dirigidos por Federico García Lorca e outros diretores.

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Silvana Marcondes

Trajes das cenas de cantata

Capítulo Ii - O tecer de um bordado

- Trupe de músicos e dançantes de coco, com diversas inspirações: “gitanos” espanhóis, festa dos mortos mexicana, butoh japonês e pinturas corporais do vale do rio Omo na África. Uma pesquisa iconográfica foi feita, com imagens de época, fotos de Lorca e sua trupe, revistas de moda, recortes de jornal. Muitas imagens e desejos foram apresentados pelos atores. Durante o processo de ensaio, surgiram já as formas como cada ator enxergava seu personagem. Essa troca entre atores e figurinista sempre é muito rica. A criação não fica somente no panteão de referências e ideias de uma só pessoa. Ela passa a ser coletiva, inspirada por todos, mescla ideias e sugestões. Fica a cargo do figurinista reunir essas referências, juntar novos olhares e fazer uma nova mistura, dar um acabamento final. E a partir daí, surgiram os desenhos dos figurinos, as escolhas das cores. Os figurinos dos anos 1960 foram criados conforme encontrávamos roupas antigas, e assim fomos montando o cabide de cada personagem. A Companhia La Barraca surge uniformizada tal qual foi criada na Espanha. Um bordado com o logotipo foi costurado em cada uniforme, no lado esquerdo do peito, sobre os macacões e vestidos azuis. A cantata foi especialmente criada com parcial sobriedade para ser uniforme de um coral. A personagem de Mariana Pineda ganha forma com o desenrolar do espetáculo. Inspirado no desenho original de Salvador Dali para o texto de Lorca, a nossa Mariana vai se apropriando de uma saia roxa, depois de um bolero roxo e por último de um pente espanhol vermelho, cor que vai representar os lutadores da liberdade espanhola. Os militantes da liberdade espanhola também usam lenços vermelhos, símbolo de sua luta. O vermelho que vai bordar a bandeira da liberdade que levará Mariana à forca. Ao final, Mariana se apresenta com uma saia vermelha e busto nu, entregue à sua sentença, sempre carregando o vermelho de sua bandeira. A trupe de coco vem cantar os finais do espetáculo, vem apresentar o fim de Mariana. A trupe vem festiva, com coletes curtos como toureiros, que vão com suas lanças mirar o animal a ser abatido. Duas personas fortes, que são a “morte amiga”, com saias amplas, surgem com seus rostos pintados como caveiras, com flores que adornam as cabeças. Elas dançam a morte e, ao mesmo tempo, consolam a entorpecida Mariana. E assim esse espetáculo, em que as dramaturgias se trançaram, é finalizado. Característica maravilhosa que a Cia. do Tijolo possui, uma companhia que tem o dom de reunir muitos elementos da arte, com uma profundidade incrível, conseguindo tocar cada coração e alma de quem a assiste.

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Mesa processo

Dinho Lima Flor

É bom falar de processo quando se está com os seus pares numa sala de pingue-pongue, ou tomando vinho, cerveja, uma cachacinha ou ao mesmo tempo tudo junto e misturado. Porque naquela roda de mesa se acende o visível e o invisível, o que foi delicado e não delicado, o grito e o silêncio abafados, as risadas que culminaram em trapalhadas numa hora que se estendeu por horas, dias e às vezes meses, quando o processo é uma soma longa. Sentados naquelas cadeiras, em volta de garrafas vazias e de outras ainda cheias, a gente deixa escorrer o riso de mansinho, depois escancara o riso de montão, porque, no final, valeu à pena esse diabo de processo, estarmos juntos um ano ou mais, conhecendo os segredos de uns e vendo outros querendo se revelar, tudo isso repercutindo em nosso corpo e memória, nos deixando mais fortalecidos, mais próximos do teatro, mais próximos da vida.

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Capítulo II - o tecer de um bordado

Dinho Lima Flor

Mesa Processo

O processo para mim é um bucho vazio que rumina coisas ácidas, buraco escuro por dentro sem iluminação mental, mas onde há uma senhora que conduz um mistério. Ela se chama vontade, vontade de se ir adiante, muitas vezes sem horizonte, vontade de brincar, de recriar o que já foi criado, vontade de cutucar as beiradas de poesias, de evocar pensadores, revolucionários, escritores, contadores antigos de histórias, crianças que experimentam a vida viva e, no fundo do fundo, vontade de estar com os seus parceiros, porque a arte é coletiva. Tudo isso em volta da mesa, quase bêbados de lembrança, fazendo novos acordos para o próximo espetáculo, levantando nomes das próximas peças, muitas conjecturas, enfim, é a vida que continua... Escrevi tudo isso para dizer que a cena da mesa na “Cantata para um Bastidor de Utopias” é uma cena que compõe um momento importante na trajetória do espetáculo. Essa mesa tem vinho, pão, frutas e uma bandeira vermelha que a cobre. Essa mesa ficou por um tempo longe dos experimentos de cena. Ficou lá armada por uns dias, depois meses. Uns se chegavam, puxavam uma cadeira, sentavam-se para escrever, ler ou simplesmente para nada. Outros não queriam muito saber dela, por já terem seus cantinhos, e outros já estavam visivelmente apaixonados por ela, integrados a ela como se fosse um porto seguro. Só sei que foi assim, do nada, das voltas em volta dela, da periferia para o centro, que a nossa mesa se tornou para nós vinho, sangue e corpo. Não tem nada melhor do que um dia atrás do outro, com uma noite no meio, isso a meu ver é um processo.

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A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Fabiana Vasconcelos Barbosa

São Paulo, 09 de março de 2015. Pai, Esta é uma carta de amor. Como as outras: ridícula. Ainda assim – e também por isso – não poderia deixar de escrevê-la. Afinal, disse aquele poeta, só quem nunca escreveu cartas de amor... Num outono frio, nos idos de 75, nasci. Envolta num mar de expectativas e alegria. Nasci. E assim, envolta neste mar de alegria e de expectativas, cresci. Sempre com muito amor, num ambiente de construção de realidades. Cresci. E naquela infância idílica, entre barros e tintas, Entre Nerudas, árvores, flores, Quixotes e cachorros, Desenvolvia cada passo desta minha ridícula existência.

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Capítulo II - o tecer de um bordado

Como me lembro daquele fusca amarelo! (Era amarelo?) Dos gambás na lixeira de casa! Das manhãs de domingo em que a casa tocava alto as músicas da vitrola! Do longo caminho até a escola tentando adivinhar quem estava cantado no rádio do carro! E neste cenário solar, uma angústia. Um ponto negro. Só UM medo. E eu não sabia bem medo de quê. Eu esperei 38 anos para compreender. Num caminho de labirintos, a cada passo, desde aqueles idos de 75, um dia encontrei o Minotauro. Já explico.

Salto no tempo: um dia, um projeto mirabolante. Vamos montar o texto “Mariana Pineda”, do Lorca. Mas é romântico demais... O texto só não basta... A biografia do Lorca é interessantíssima, mais que o texto... De que trata? Amor e revolução. Amor e Revolução? É título de novela! Como falar de revolução sem ser panfletário? E por aí vai... Fabiana Vasconcelos Barbosa

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Salto no tempo: um dia, assistindo a uma entrevista da atriz Juliette Binoche. Ela dizia que o mais importante da nossa profissão é que a arte tem o poder de curar. Aquilo me tocou. Salto no tempo: um dia, numa conversa com a psicanalista Dodora (Maria Auxiliadora Arantes) durante uma pesquisa para a montagem do texto “Pedro y el Capitán”, de Mário Benedetti. Falando sobre as vítimas da ditadura, ela falou que só uma nova geração, que não havia vivido na carne as atrocidades, é que poderia ser, através da arte, o agente da cura social desta ferida ainda aberta.

Certo, vamos montar “Mariana Pineda”. Mas vamos montar misturando os tempos e os fatos históricos. Amor e revolução. Mariana Pineda foi, ela mesma, uma pessoa, não só uma personagem. Foi vítima de uma ditadura. O Lorca foi, ele mesmo, um personagem, não só uma pessoa. Foi vítima de uma ditadura. Nós, aqui, vivemos recentemente uma ditadura. Falemos dela. Pequeno salto no tempo: um dia, um ensaio. Dois, três, vários

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

ensaios. Da nossa incompreensão, da nossa ignorância veio a urgência de nos alimentarmos da sabedoria dos outros. Então convidamos quem já teve mais experiência que nós para que os sorvêssemos. Veio Luiz Carlos Moreira, veio Frei Betto, veio Ilo Krugli e veio você, pai. E não veio só, trouxe consigo o Ivan Seixas. E foi neste dia que a história da “Cantata para um Bastidor de Utopias” passou a ser recheada de personagens que nem bateram na porta para entrar. Entraram e pronto! Nós que nos virássemos para arrumar espaço para todos na peça. Mariana Pineda não estava mais só, a bordar sua bandeira. Estava agora acompanhada de todas as pessoas que lutaram e morreram como ela. O que fazer? Nós, artistas, às vezes – muitas vezes –, somos atravessados por aquilo que nem sabemos que nos atravessa. Às vezes não entendemos o porquê, mas sabemos que temos que fazê-lo e só. E fazemos.

E a nossa ignorância era de uma ferocidade que nos deixava com uma fome insaciável. Então, para que nós os sorvêssemos mais uma vez, você e Ivan (acompanhados de Adriano Diogo e Maurice Politi) voltaram, voltou Frei Betto, voltou Ilo Kugli, veio também Rosalina Santa Cruz, voltou Moreira com a Iraci, vieram diversos filmes, livros, relatos da nossa história (aquela que nós ignorávamos). Numa destas voltas, nós montamos uma imensa mesa e a cobrimos com um grande pano vermelho que nos ensaios representava a bandeira

Fabiana Vasconcelos Barbosa

Neste momento entraram no enredo Heleny Guariba, Iara Iavelberg, Carlos Lamarca, Manoel Fiel Filho, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, Carlos Marighella, José Virgílio, Zequinha Barreto, Victor Jara Tenorinho, encarnados, inventados ou contados por nós. Um dia num ensaio alguém disse: “Esses personagens a quem estamos dando nome: Heleny, Iara, Manoel... servem de alimento para o ator, vão além da tentativa de traçar a trajetória de cada pessoa. É necessária a presença dessas pessoas no espetáculo?” Mas elas já haviam se instalado lá. Foram pessoas de verdade. E nós os inventamos.

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Junto com a sua história, pai, e também com a do Ivan Seixas, veio aquele livro (“Direito à Memória e à Verdade”) com a história de muitas pessoas que haviam morrido ou desaparecido, vítimas da ditadura ocorrida aqui no Brasil. E foram esses os personagens, ou melhor, as pessoas que invadiram nosso espetáculo. Veio também a minha história, mas isso é outra história e eu só saberia depois.

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Capítulo II - o tecer de um bordado

que Mariana Pineda bordava. E em volta e em cima desta mesa coberta de vermelho, tecemos a bandeira de histórias que hoje compõem esta Cantata. Ali ouvimos vocês, ali cantamos com vocês, ali choramos, bradamos. E a cena estava pronta. Nunca igual, sempre uma surpresa, a cada dia uma nova história. Mas estava pronta. Sabe, pai, há muito tempo me pergunto qual é o momento em que a vida pausa para que o teatro comece. Será, para o ator, quando se abrem as portas e os espectadores entram na sala? E para o espectador, será quando se abrem as cortinas – se há cortinas? Será quando chego ao teatro e começo a organizar o cenário, a me maquiar, a aquecer o corpo, a voz, a alma? Será quando se compra o ingresso? Será que é quando acordo, num dia em que tem apresentação? Será que é todo dia e que na verdade a vida não pausa e nem o teatro termina nem começa? Será que é tudo teatro e é tudo vida?

E, então, em todas as apresentações, passamos a convidar pessoas que, como você, experimentaram na carne as agruras da ditadura para serem devoradas por nós e por aqueles que nos devoram. “Só a Antropofagia nos une!” – já dizia aquele outro poeta. Nesta cena, a da mesa-palco, ficção e realidade entrelaçam-se sem possibilidade de se soltarem. Somos todos personagens. Estamos todos de passagem entre o início e o fim do espetáculo de nossa existência ridícula. Fabiana Vasconcelos Barbosa

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Digo isso porque esta cena, a cena da mesa-palco, contém este mistério. O mistério da vida que bebe do teatro e do teatro que bebe da vida. Já disse que nossa fome é insaciável. Nós também quisemos partilhar este pão e este vinho que sorvíamos ávidos com aqueles que num determinado momento passaram a visitar a nossa utopia e nos emprestaram seus ouvidos, seus olhos, sua alma para que pudéssemos cantar juntos: os espectadores.

A cena da mesa-palco é isso, uma pausa no espetáculo para que a vida aconteça. Heleny Guariba, até então uma espectadora anônima da “Cantata Mariana Pineda”, interrompe o espetáculo no ápice, quando é dada a voz de prisão à Mariana. A Heleny Guariba real, diretora de teatro, foi assassinada pela ditadura brasileira e seu corpo desapareceu. A Heleny Guariba inventada vem para interromper a ficção, despir-se do disfarce, meter o dedo na ferida e abrir as cortinas da realidade. Pausa. Vamos ao vinho.

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Capítulo II - o tecer de um bordado

Convidamos a todos para se sentarem em volta da mesa, a partilhar o pão, o vinho e as memórias. É nesse momento que temos um convidado como você, pai, que vem servir o banquete da sua história vivida na ditadura brasileira. Por esta mesa passaram muitas histórias, muitos personagens reais e pessoas inventadas. Cada depoimento daria um filme, um livro, um novo espetáculo. Mas eu quero falar é das feridas.

Nesse dia compreendi Dodora e compreendi Juliette Binoche. “A arte tem o poder de curar”. “Só uma nova geração, que não havia vivido na carne as atrocidades da ditadura, é que poderia ser, através da arte, o agente da cura social desta ferida ainda aberta”.

Fabiana Vasconcelos Barbosa

Lembro um dia, numa das apresentações, em que o convidado era o Ivo Herzog. Ele falou lindamente sobre o Vlado. Não sobre o Vladimir Herzog, aquele que conhecemos “enforcado” na janela da ditadura. Mas do Vlado, seu pai, sempre alegre, que brincava com ele e lhe ensinava as coisas da vida. Num determinado momento, uma moça, uma das espectadoras que nos devora, se oferece como banquete e nos relata uma fortíssima história de seu primo, um revolucionário que foi morto pelo seu padrinho. Contou de como ela teve que conviver com este padrinho sabendo que ele era o assassino do primo que ela tanto amava. Falou de como era ouvir o ruído de sua bota entrando na casa para um almoço de família. Quando estava quase terminando, ela agradeceu ao Ivo e a nós por lhe darmos coragem de contar uma história que estava enterrada no mais profundo de si e sobre a qual ela nunca tivera coragem de falar. Esta foi a mais forte, mas, assim como ela, várias pessoas soltaram os nós de suas feridas depois de partilhar do nosso bastidor de utopias.

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Quando encarno a Heleny Guariba que inventei, digo o seguinte texto: “A dor que continua doendo e que vai acabar por me matar se irrealiza, transmuda-se em simples ocorrência equívoca, suscetível a uma infinidade de interpretações, de versões das mais arbitrárias. Embora a dor que vai me matar continue doendo, ferida aberta latejando na memória. É uma tragédia pessoal e é uma tragédia coletiva. Não há culpa, não há desculpa, não há perdão. Eu só quero transformar em verbo a dor, em frase a cólera, em poesia, em teatro a agonia”. É uma tragédia pessoal e é uma tragédia coletiva.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 63


Capítulo II - o tecer de um bordado

Pausa. Uma poesia. Neruda: “Eu me despeço. Volto à minha casa, em meus sonhos. Nada mais sou que um poeta: amo todos vocês, ando errante pelo mundo que amo. Em minha pátria, encarceram os mineiros e os soldados mandam mais que os juízes. Entretanto, amo até mesmo as raízes de meu pequeno país frio. Se tivesse que morrer mil vezes, ali quisera morrer. Se tivesse que nascer mil vezes, ali quisera nascer. Que ninguém pense em mim. Pensemos em toda a terra, golpeando com amor a mesa. Não quero que volte o sangue... a molhar o pão, os feijões, a música: quero que venha comigo o mineiro, a criança, o advogado, o marinheiro, o fabricante de bonecas. Que entremos no cinema, e que saiamos a comer nosso pão, a beber nosso vinho mais tinto. Eu não vim para resolver nada. Vim aqui para cantar e quero que cantes comigo.”

Pausa. Um gole de vinho.

Disse também que esperei 38 anos para compreender o medo que sentia dentro de uma infância solar. É que só depois de encarnar muitas vezes a Heleny Guariba, a que inventei; depois de mergulhar muitas vezes na história da Heleny Guariba, a real; depois de mergulhar nas muitas e muitas histórias das pessoas-personagens que invadiram a Cantata e dos convidados que devorávamos – a sua inclusive, pai – é que pude compreender aquele medo. Fabiana Vasconcelos Barbosa

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

Eu disse, pai, no início, que esta era uma carta de amor. E é.

Foi só depois de percorrer todo este labirinto que pude compreender que durante todo este tempo eu estava contando nada mais que a minha própria história. A história de uma menina que andava num fusca amarelo. Que adorava acordar com a casa tocando música nas manhãs de domingo. E de ir para a escola tentando adivinhar quem estava cantando no rádio do carro. A história de uma personagem que é filha de um advogado que

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Capítulo Ii - O tecer de um bordado

arriscou sua vida e defendeu várias pessoas da ditadura brasileira. E que, por isso, o medo foi seu/meu companheiro – e ainda é! – desde o outono frio dos idos de 75, quando nasci. Então, quando compreendi, a ferida pôde começar a se fechar. E, assim, com este medo – meu companheiro –, continuo cantando: “E a minha voz nascerá de novo, talvez noutro tempo sem dores, sem os fios impuros que emendaram negras vegetações ao meu canto, e nas alturas arderá de novo o meu coração ardente e estrelado.”

Fabiana Vasconcelos Barbosa

A REALIDADE: BASEADA EM FATOS FICCIONAIs

E, assim, emprestando a voz de Pablo Neruda, me despeço, com a alma desta que te ama, Fabiana Vasconcelos Barbosa

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Da voz de Rosalina Santa Cruz à Mariana Pineda

Lilian de Lima

“Venho já”, eu disse. Mas pode ser que não tenha dito nada. Pode ser que a frase ressoe assim exata na minha lembrança porque, talvez, tenha dito só pra eu mesma ouvir. Assim, de dentro pra dentro, pra confirmar que aquele dia tinha mesmo chegado, que faltava pouco agora. Se quisesse ser mais precisa, a frase teria sido: “Venho já, com ela”. Fim de tarde de um dos nossos dias de ensaio na então sede do grupo. Atravessei o galpão cortando uma penumbra amarela, meio luz, meio não. A conversa à mesa era boa e, por conta disso, ninguém ainda tinha se levantado pra acender as luzes elétricas. Antes de fechar a porta, olhei mais uma última vez pros meus companheiros e imaginei como ficaria aquele lugar dali a pouco, quando eu voltasse com ela. E desejei que o som da sua voz preenchesse os cantos todos. Aquela voz de mulher viva e real, aquela voz de Recife, aquela voz de hoje e de outros tempos. Uma voz que todos nós já tínhamos ouvido falar de dor, de violência contra seu irmão, seu amor, seu país, seu corpo. Durante nossas pesquisas, encontramos o filme “Em Nome da Segurança Nacional”, um registro em vídeo das sessões do Tribunal Tiradentes que, ainda que sem valor jurídico, “julgava” simbolicamente a Lei de Segurança Nacional no Brasil. No meio de tantas vozes do passado e graças a alguns dos benefícios da modernidade, não foi difícil saltar uns anos pra trás e encontrar o depoimento de Rosalina Santa Cruz em 1983. Ouvimos essa mulher relatar seu tormento e o tormento dos seus com tanta dignidade, tanta firmeza e serenidade naquele vídeo, que qualquer tremor eventual ou descompasso em sua respiração vinham só pra nos lembrar que não era possível falar de tortura sem sentir dor ainda. Naquela noite, com o encontro previamente marcado na catraca da estação Armênia do metrô, aquela voz do passado ganhou um corpo, olhos verdes, grandes, uma boca mansa e ombros de senhora. Voltamos pro galpão, ela sentou-se à mesa conosco, e mais uma vez ressoou em nós a fala daquela mulher, que não era um grito, nem um canto, mas ao mesmo tempo era. Porque era real, mas ao mesmo tempo não era. Ela falava dela mesma com a distância necessária de si própria pra que o sofrimento fosse mansidão. Pra que a descrição não fosse drama. A voz de Rosalina era original, quase concreta, e ecoava dentro e fora de mim todos os dias a partir daquele dia, e veio com ela o coro de todas as mulheres, as que se 66 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Capítulo Ii - O tecer de um bordado

Lilian de Lima

Texto dos integrantes da Cia. do Tijolo

foram, desaparecidas, e as que ficaram e choraram, filhas, irmãs, esposas, mães. E veio com Rosalina a voz de Mariana Pineda que até então saía muda das páginas de Lorca. Até esse dia eu ouvia, ou pensava que ouvia, um sussurro que vinha das paredes daquele galpão e que dizia: “Venho já”. Mas se veio, se a voz de Mariana veio, é porque Rosalina trouxe. O sopro dela, real de mulher, não de mártir, um sopro verdadeiro sobre a tinta daquelas paredes se juntou com o canto inventado a partir da peça de Lorca, e desafiou as leis do homem e do tempo. Somos todos filhos de Mariana Pineda, mas Mariana nasceu no Bom Retiro e é filha de Rosalina Santa Cruz. Por fim, depois de tudo, naquela noite, como quem pede que se escorra um pouco de poesia sobre a vida, Rosalina segurou uma taça de vinho e disse: “Agora fala um poema pra mim? Canta uma música pra mim?”. E se calou.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 67



CAPÍTULO III

PARA CONHECER UM POVO CONHEÇA SUAS CANÇÕES DE NINAR

Os depoimentos dos convidados da mesa-palco


os depoimentos dos convidados da mesa-palco

AS CANÇÕES DE NINAR

Cia do Tijolo

Por muitas vezes nos deparamos com a pergunta: como é que se escreve a história de um povo, quem a escreve? Ao colocar lado a lado todos os depoimentos dos convidados da mesa-palco que temos gravados, esta resposta ficou mais próxima de ser respondida. É impressionante perceber como cada pessoa guarda consigo um pedacinho da história de seu tempo e como, quando os cacos são juntados, este mosaico começa a ganhar um rosto, uma narrativa. Aqui, neste capítulo, as memórias mais íntimas são capazes de compor uma trama que dá conta de traduzir o que foi o período marcado pela ditadura civil-militar no Brasil, com suas tristezas e agonias e também com suas alegrias e poesias. Como dizia Lorca, para se conhecer a história de uma nação, é necessário conhecer o sabor dos doces e as canções que as mães cantam para adormecer as crianças. A Cia. do Tijolo agradece profundamente a todas as pessoas que se dispuseram a compartilhar suas memórias, seu pranto e seu riso como um banquete na comunhão da mesa-palco. São estas as memórias que esperamos que fiquem gravadas e escrevam parte da história do Brasil. Os depoimentos aqui transcritos foram gravados nas temporadas realizadas no SESC Pompeia em 2013 e no Galpão do Folias em 2014. Infelizmente não pudemos gravar todas as participações, mas homenageamos aqui nossos parceiros que nos ajudaram a tecer este bordado: Ivan Seixas, Marco Antônio Rodrigues Barbosa, Cesar Vieira/Idibal Piveta, Maurice Politi, Tin Urbinatti, Celso Frateschi, Roberto Costa Pinto, Liniane Haag Brum, Ilo Krugli, Belisário Santos Junior, Frei Betto, Dulce Muniz, Cecília Boal, Maria Auxiliadora Arantes (Dodora), Rosalina Santa Cruz, Luiza Erundina de Sousa, Adriano Diogo, Aton Fon, Antônio Carlos Fon, Celeste Fon, Thais Barreto, Ivo Herzog, Gustavo Kurlat, Sandra Vargas, Lúcia Erceg, Maria Victoria Benevides, Astrogilda Pereira, Cybelle Jácome, Manoel Cyrillo, Rogério Sottili, Vera Paiva, Ivan Feijó, Ana Miranda, Paulo Vannuchi, Cecílio Antônio Rocha de Melo, Luiz Carlos Moreira, Amelinha Teles, Sonia Guedes.

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Maria Victoria de Mesquita Benevides

Professora titular de Sociologia da Faculdade de Educação da USP e militante em defesa dos Direitos Humanos.

SOBRE A CANTATA E UMA CARTA DE AMOR: MEMÓRIA E VIDA A convite do querido amigo Marco Antonio Barbosa, bravo companheiro na defesa dos Direitos Humanos, fui ao teatro do Sesc Pompéia assistir e participar da peça “Cantata para um Bastidor de Utopias”, na qual atua sua filha Fabiana. Como te agradeço, Marco! Além de uma noite de cultura e emoção, foi um tempo precioso de intensa vivência pessoal e coletiva, como se estivéssemos todos, atores e espectadores, irmanados em comunhão com histórias de luz e trevas, coragem e covardia, opressão e liberdade. E, agora, ao ler a carta da filha para o pai, entendi com mais clareza não apenas a força do vínculo entre eles, mas também o vínculo entre arte e vida, entre amor e revolução. Fabiana escreve sobre sua vida e o medo que a acompanhou durante tempos, medo que só foi entender recentemente e que motivou a escolha da peça. A peça entrelaça a saga da heroína espanhola Mariana Pineda contra a tirania no início do século XIX, a luta de Federico García Lorca (autor da primeira peça sobre a saga, em 1927) contra a ditadura franquista e a luta de nossos combatentes contra a ditadura civil-militar instaurada com o Golpe de 1964. “Misturando os tempos e os fatos históricos”, temos um painel que desvela, com amor e arte, o que a humanidade tem de mais belo e digno, justamente na afirmação da própria dignidade que é a característica comum a todos os seres humanos. A Cia. do Tijolo é composta por artistas plenos e abençoados: escrevem, declamam, fazem música, bradam, combatem, choram, cantam, dançam, tecem e bordam, amam e consolam... Entram em cena com uma luz e uma música próprias que vão desvelando a sensibilidade à flor da pele, a criatividade generosa e cativante, o compromisso com a urgência da liberdade, da igualdade e da solidariedade, o compromisso com a beleza da verdade e da fé nas lutas de homens e mulheres em sua busca incessante pela justiça e o direito ao amor. CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 71


Maria Victoria de Mesquita Benevides

os depoimentos dos convidados da mesa-palco

Capítulo Iii - Para conhecer um povo conheça suas canções de ninar

Mais do que artistas talentosos, são educadores. Pois escolheram viver a arte que cura e também a arte que educa. Durante o espetáculo “Cantata para um Bastidor de Utopias” - a qual assisti com a cabeça nas teias da História e com o coração na mão -, lembrei-me do que Antonio Candido afirma sobre o direito à arte e à literatura: “Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos Direitos Humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”. E nosso mestre complementa salientando como a literatura tem um papel pedagógico por ser um processo de humanização, isto é, ao propiciar a reflexão, a aquisição do saber, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres. “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”2. Certamente o que diz sobre literatura vale para a arte teatral - talvez até com maior impacto -, pois o texto literário salta das páginas escritas para os palcos, com corpos e almas pulsantes, a música, os cenários, a plateia... Como escreveu Fabiana, “o mistério que bebe do teatro e o teatro que bebe da vida”. Na plateia da Cantata, nós que lá estávamos conhecíamos Lorca e a resistência espanhola e tínhamos vivido, de várias maneiras, os anos de chumbo da repressão e os caminhos da democratização. E temos, afinal, a marca indelével da memória da luta armada e desarmada, dos jovens guerreiros - homens e mulheres - que foram torturados, sofreram os mais abomináveis abusos, foram assassinados, “desaparecidos”, mortos sem sepultura. Conhecemos os fatos e defendemos o direito à memória e à verdade como um direito humano universal. Não queremos perdão nem lei do talião: só queremos justiça para que a tragédia não se repita, para que a história dos chamados “subversivos” seja conhecida como a história do direito à revolta contra a dominação ilegítima e infame. Para essa geração e para os sobreviventes e descendentes dos combatentes mortos e torturados, exilados, humilhados e ofendidos, a arte tem o poder de curar, como diz a amiga Dodora (lembrada por Fabiana): trata-se da cura social da ferida ainda aberta. Mas essa ferida tem que ser mais e melhor conhecida pelas novas gerações! É por isso que Fabiana e seus companheiros de cena são exemplos dos que escolheram a arte que cura e também a arte que educa. É preciso contar e recontar. É preciso testemunhar. É preciso discutir nas escolas, nos sindicatos, nos movimentos - mais, muito mais do que tem sido feito por valorosos militantes. É preciso divulgar esta Cantata pelo Brasil afora... 2 Antonio Candido: Direitos Humanos e Literatura, em FESTER, A. C. Direitos Humanos é..., Comissão Justiça e Paz/Editora Brasiliense, 1989.

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Os atores vivem personagens que foram “encarnados, inventados ou contados por nós”, diz Fabiana. Personagens, vivos e mortos, que “invadiram o espetáculo”, Mariana Pineda, García Lorca, Heleny Guariba, Vlado Herzog... e, na plateia, os companheiros ex-presos políticos. Fabiana encarna Heleny e clama: “Eu só quero transformar em verbo a dor, em frase a cólera, em poesia, em teatro a agonia”. E, pela arte, conta a tragédia, conta a história... que é nossa história, da pátria amada Brasil, terra ingrata regada a sangue de escravos e que não reconhece seus heróis e seus carrascos, mas que são nossa gente e nossa vida. Depois do palco, fomos à mesa-palco, “uma pausa no espetáculo para que a vida aconteça”, e partilhamos o pão e o vinho, memórias, dores e afetos, e choramos e cantamos juntos, como se a bandeira vermelha bordada por Mariana Pineda - com a inscrição Liberdade e Igualdade nos servisse de lema, proteção e proposta de... a luta continua! Fabiana, seu “projeto mirabolante” nos humaniza, nos cura e nos educa. Seu “Minotauro” foi derrotado e você seguirá com Neruda, seu “coração ardente e estrelado nas alturas arderá de novo” para sempre.

Maria Victoria de Mesquita Benevides

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São Paulo, 09/04/2015.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 73


Ivan Seixas

Foi militante do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes) durante a luta contra a ditadura e é militante dos Direitos Humanos nos dias atuais. É jornalista e pai de Bárbara, Flora e Diego.

CANTATA CUMPRE BEM A TAREFA DE DEFENDER A HUMANIDADE NA LUTA CONTRA A BARBÁRIE Vi minha primeira peça de teatro aos 14 anos, mas preferia ter ido à inauguração do Estádio do Beira-Rio, do Internacional, meu time de futebol querido. Assisti à peça “Os Fuzis da Senhora Carrar”, texto de Bertolt Brecht, ouvindo os fogos da inauguração do estádio de meu time. Aos poucos, fui deixando de ouvir o foguetório e me interessei pela peça, que até ali era algo que eu não conseguia me interessar. O máximo que eu tinha visto até aquela data eram esquetes circenses, no circo do palhaço Leleco, na minha infância na Vila Jardim, em Porto Alegre. “Os Fuzis da Senhora Carrar” conta a história da mulher que tenta evitar que seus filhos entrem na luta contra a ditadura de Franco, na Espanha, e isso me falava muito alto. Nosso país vivia sob ditadura, eu via meu pai militando ativamente contra aquele regime de horror e eu queria entrar de cabeça na linha de frente daquela luta. A montagem da peça era muito boa e envolvente, eu não queria participar do teatro, mas a história do texto de Brecht me pegou de jeito. Teatro faz isso com as pessoas. Com esse histórico, o convite feito pela Cia. do Tijolo para colaborar com a elaboração do texto de uma peça de teatro foi instigante, desafiador e, até mesmo, assustador para mim. Tenho consciência que isso é uma tarefa de muita responsabilidade, pois a peça teatral mexe com o lado racional e muito mais com o lado emocional do espectador. O grupo não me disse o que pensava em fazer com a montagem, apenas me falou que trabalhava sobre texto de García Lorca e que queria ouvir minha história de vida pessoal. Seus membros me falaram superficialmente que queriam ouvir sobre o garoto que entrou na luta contra a ditadura e passou por torturas e alguns anos de cadeia. Queriam ouvir o que eu tinha a dizer sobre a morte de meu pai depois de dois dias ininterruptos de torturas. Queriam minhas impressões humanas sobre um fato tão terrível. E eu sem saber o que fariam com isso tudo. 74 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Ivan Seixas

De um momento para outro, um dos atentos ouvintes, membro da companhia, sobe na mesa improvisada e fala um texto emocionante, que me derruba. Uma atriz acrescenta, puxando a música linda, parte da peça que eu veria algum tempo depois. A emoção me toma e eu me envolvo com aquela que será uma peça tão marcante para mim como foi “Os Fuzis da Senhora Carrar”. Assistir à estreia da Cantata me deixou em suspense até o momento do seu começo. E a Cantata começa com um morto estendido no chão e um texto forte, que prende o espectador deste momento ao fim. E o tempo longo de duração da peça assusta antes, mas deixa um gosto de quero mais ao final das três horas. O espectador quer continuar se emocionando com o texto envolvente e as músicas perfeitas. Para quem é militante revolucionário, é saboroso ouvir a palavra Revolução com a naturalidade de um texto de García Lorca. Mas é importante também poder chorar muito a lembrança dos companheiros e companheiras que caíram ao longo da luta contra a ditadura e o imperialismo. E eu chorei e choro muito sempre que vejo a Cantata. A emoção de ver essa obra impressionante ao lado de Flora, minha filha, e poder chorar ao lado dela não dá para descrever. A peça provoca em mim a lembrança do assassinato de meu pai, lógico, e provocou nela o medo de ter perdido seu pai que poderia nunca ter conhecido. Choramos abraçados boa parte da peça. Durante o debate, que acontece sempre num dos blocos, a emoção e o orgulho tomaram conta de mim ao ouvir minha filha, tanto sentimento havia em sua fala. Cantata tem a qualidade de falar sobre perda, sobre repressão política e não deixar o espectador focar numa única história. Começa realizando a morte de García Lorca, fala da prisão, tortura e morte de Mariana Pineda, personagem delicado e forte da peça de Lorca, fala dos desaparecidos pela ditadura militar, dos desaparecidos durante a atual democracia e faz o público refletir que o próprio García Lorca é um desaparecido político. A Cantata tem um valor muito maior ainda ao fustigar a indignação necessária ao ser humano diante de tanta barbárie. Indignação adormecida em tempos de banalização da violência do Estado contra o cidadão comum ou contra lutadores em busca de democracia e liberdade. Participei várias vezes do bloco de debates nas tantas vezes que fui assistir à peça junto com amigos, que fiz questão de levar para apreciar a obra, e nunca vi a Cantata da mesma maneira. Mesmo sabendo que o texto e a marcação em cena não mudam, a emoção é sempre renovada e o texto ganha novas formas e dimensões políticas a cada apresentação. Impossível ver a cena final sempre da mesma forma. Como é impossível

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Ivan Seixas

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não sentir ódio do carrasco Pedrosa sem lembrar os carrascos a serviço da ditadura militar, principalmente do carrasco símbolo desse período, o delegado Sérgio Fleury, torturador de presos políticos e chefe do Esquadrão da Morte. Os debates promovidos abrem espaço para novos textos e para ampliação da própria Cantata. As observações do público são de uma grandeza incrível e essa possibilidade foi percebida brilhantemente pelos redatores do texto. Mesmo quando há conflitos de opinião entre os presentes na plateia, os debates são enriquecedores do ponto de vista da construção democrática e da reflexão sobre o conteúdo da própria Cantata. Ninguém consegue ficar indiferente. A prova disso é que nunca vi um espectador abandonar a plateia antes do final da peça. Por tudo o que provocou em mim, nos amigos e familiares que levei para ver a peça e, com certeza, em todas as pessoas que foram assistir e eu não conheço, “Cantata para um Bastidor de Utopias” cumpre um papel fundamental, como cumpriram todas as pessoas que se dedicaram a lutar contra as ditaduras. Ou como é o lindo, delicado e forte personagem de Mariana Pineda, que comete o singelo crime de bordar a bandeira da República e se recusar a delatar seus amigos, companheiros e seu amado. Cantata mostra que a Humanidade é muito superior à barbárie.

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Rosalina Santa Cruz

Feminista, ex-presa política, irmã de Fernando Santa Cruz, desaparecido político. Professora da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP.

LILIAN DE LIMA – SOU EU Era uma segunda-feira quando o telefone tocou e uma voz feminina, mansa, me perguntou se poderíamos conversar sobre a minha vivência na cadeia, a saga da minha família na busca de Fernando, meu irmão morto e “desaparecido” durante a ditadura. Disse-me que eles eram de um grupo de teatro, a Cia. do Tijolo, e que estavam ensaiando uma peça, na qual queriam colocar cenas sobre a ditadura. Entendi que era uma espécie de laboratório. Concordei. Não sabia eu, naquele momento, que ia conhecer e me tornar amiga de um grupo de atores, atrizes, gente linda que faz poesia, teatro, canta e cria com talento e compromisso, fazendo da arte uma militância, uma arma que com alegria, prazer e luta pode mudar a vida, a visão de mundo das pessoas e divulgar nossa cultura popular. O encontro No encontro na minha casa estavam o Dinho Lima Flor, Lilian de Lima e Fabiana Vasconcelos Barbosa. Comecei contando da dor (in) suportável da tortura física, psicológica, moral que passei naqueles dias que não são apenas os dias daquele ano que fiquei presa, mas que se perpetuaram por toda a minha vida. O assassinato de Fernando, a ocultação do cadáver, nossa busca incansável até hoje e minha segunda prisão com meu bebê de cinco meses. O Dinho, com a solidariedade presente no olhar, no corpo, levanta e canta: “A vida tem um tempero de alegria e de rigô/ Desde o mais pobre trapero/ Ao mais ricaço doutô/ Na roda desta ciranda/ O mundo intero desanda/ Não ficou pra um sozinho/ O sofrimento é comum/ A estrada de cada um/ Sempre tem FULÔ E ISPINHO!”. Eu peço pra Lilian também cantar e ela: “Quem é essa mulher que canta sempre este estribilho, eu só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar...” Dinho e Lilian cantaram, abrimos um vinho, contei da geladeira, o emparedamento no DOI-CODI na rua Barão de Mesquita no Rio CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 77


Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

e quando, no DOPS de Niterói, deram-me joelhadas na barriga até o sangue descer por minhas pernas... Depois, por um ano, a vida quadrada no quadrado da cela cor de abacate e em outros quartéis na Vila Militar, no Rio, e o pouco tempo no presídio Talavera Bruce em Bangu, no Rio. Dinho e Lílian cantaram, compartilhamos, nos encontramos.

Rosalina Santa Cruz

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Visita ao galpão Marquei pra ir ao galpão onde eles ensaiavam a peça “Cantata para um Bastidor de Utopias”. O diretor Rogério Tarifa estava lá me esperando junto com todo o grupo. Surpresa alegre, o Jonathan que conhecia desde o projeto Refazendo Vínculos, que acolhia os meninos da favela de Heliópolis, estava lá. Sentamos à mesa e comendo o pão e bebendo o vinho eles contaram-me a história de Mariana Pineda, recriada por Frederico García Lorca, interpretado pelo maravilhoso Rodrigo Mercadante, ator, pianista e diretor. Estavam também Karen Menatti, Fabiana Vasconcelos Barbosa e Thais Pimpão, e músicos, que mesmo que não lhes diga os nomes, os reconheço em qualquer lugar onde os veja, estão na minha alma, na minha memória. Cantamos juntos: ”¡Oh! Qué día tan triste en Granada, /que a las piedras hacía llorar /al ver que Marianita se muere /en cadalso por no declarar./¡Oh, qué día tan triste en Granada, las campanas doblar y doblar!” E a música da abertura da peça “Alerta! Desperta! Ainda cabe sonhar!” Lindíssima. A peça e a participação na mesa. Aquele foi um momento de grande emoção pra mim. Quando fui me sentar à mesa e interagir com aquele público enorme, o teatro estava muito cheio, lotado. Entrei na sala ainda um pouco escura e, antes de começar a mesa, ouvi uma voz que se aproximou e disse: “Sou Rosalina Santa Cruz, fui presa em 1971...”. Fui tomada por uma grande emoção e surpresa com a fala e a voz que não eram minhas e que falavam por mim. Reconheci-me nelas e não me reconheci ao mesmo tempo. “Ela não sou eu”, disse pra começar o meu depoimento na mesa, “Eu sou Rosalina Santa Cruz”, afirmei e pensei: “Realmente precisamos contar essa história quantas vezes for necessário para que ela exista. Se não fizermos isso, quem o fará?”. E lá estava Lilian de Lima-Mariana Pineda, atriz, militante contando a minha história para que ela existisse além de mim. Não era 1971, era 2014. Não estávamos numa sala de tortura, estávamos num teatro, e ela era Mariana Pineda, era Rosalina Santa Cruz.

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Transcrição dos depoimentos dos convidados da mesa-palco


Luiz Carlos Moreira

Diretor teatral, dramaturgo e integrante do grupo Engenho Teatral.

Vocês querem que eu fale sobre a ditadura? Mas eu não sou historiador nem sociólogo! (risos) Quando veio o Golpe, eu devia ter uns 14 anos de idade e me lembro do meu pai ouvindo o rádio, procurando notícias e dizendo que aquilo não ia durar muito tempo. Ele errou. E lembro da minha mãe comentar que antes de eu nascer, na minha infância, no interior, sempre que trocava o delegado da cidade tinha batida policial em casa. Então, de certa forma, repressão sempre teve, né? Mas vamos ao Golpe. Eu estou pensando aqui e tentando fazer uma relação com o hoje, o que está acontecendo nas ruas. Antes do Golpe, a gente viveu os chamados Anos dourados, o desenvolvimentismo, industrialização, urbanização, criação de empregos. Eu era criança, não vivi aquilo, mas o Brasil era um país rural, não fazia nem 80 anos que tinha acabado a escravidão, e lembro que a maior parte da população andava descalça. Anos dourados. E veio a chamada Reforma de Base do governo João Goulart. Mais tarde, na época da militância, do Movimento Estudantil contra a ditadura, a gente aprendeu que ali, no fundo, o que se propunha, era um Projeto de Independência Nacional e isso é uma coisa, por incrível que pareça, dos partidos comunistas brasileiros. O inimigo era o imperialismo e o inimigo era o latifundiário, não o capital. Controle de remessa de divisas, reforma agrária, nacionalização de refinarias... E teve muita mobilização popular, sindical, ligas camponesas... Quer dizer, havia um norte, havia uma proposta que hoje muita gente chamaria de Democracia Popular, um projeto nacional democrático, em que os trabalhadores se aliariam aos empresários progressistas para tirar o Brasil do atraso. E veio o Golpe. Se for dar um salto no tempo para os dias de hoje, eu diria que a gente não tem nem esse programa mínimo. Basta ver as manifestações nas ruas, atirando pra tudo quanto é lado. Talvez alguns movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais) estejam, ainda, tentando colocar a bandeira da Democracia Popular. Eu sei que os sindicatos, alguns partidos e os movimentos têm tentado se organizar para chegar a um programa, mas não existe consenso. E mesmo a questão da Democracia Popular... tem muitas teorias questionando se isso é realmente possível no chamado Capitalismo Tardio e dentro do Estado e da ordem burguesa. É só ver a Frente Popular na França, a Guerra Civil espanhola, o Chile de Allende... O que se tinha era um sonho, uma utopia, era um projeto, e esse projeto foi abortado. Eu estou falando de uma coisa que não é, como se diz, a lenda 80 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Luiz Carlos Moreira

do Comunismo, da tomada do poder pelos comunistas para acabar com a ordem, a família, a religião, essas baboseiras todas, embora os comunistas estivessem à frente, de certa forma, enquanto programa de defesa da independência nacional, não enquanto organização. Mas hoje a gente não tem nem isso. Quer dizer, a nossa regressão foi muito grande. A gente foi muito despolitizado. Depois não sabem por que temos raiva da política, não é? Isso é um sentimento que foi introjetado na gente. A ditadura teve um papel importante nisso. E mais que a ditadura, o próprio mercado. A destruição de qualquer projeto de vida, de nação e, consequentemente, da própria política. E a gente acha que não quer saber de política como se isso fosse um sentimento natural, individual, de cada um, e não uma coisa construída historicamente, dentro de cada um de nós, pela destruição do sonho comum, da solidariedade e da política. No final dos anos 1960, vem o AI-5, acho que todo mundo aqui presente sabe o que é isso, vocês também falaram na peça num determinado momento. Em 13 de dezembro de 1968, no Teatro Oficina, estreava a peça “Galileu Galilei”, que ironia, não é? Nesse momento, a gente consegue uma unidade nesse país em torno de uma bandeira, a luta pelas liberdades democráticas. Olha o rebaixamento: uma luta por reformas de base virou uma luta para recuperar liberdades democráticas. O que a gente chamava de liberdade democrática era o fim da ditadura, a liberdade de partido, liberdade sindical, formação de comissões de fábrica, a gente batalhava muito contra a censura, a gente queria o fim do AI-5, a Anistia, queria uma constituinte... Nessa época, eu estava muito presente no movimento. E a ditadura articulou o que eles chamavam de “abertura lenta e gradual”. E eles conseguiram. Mas, ali, ainda se tinha um programa, que eram as liberdades democráticas, que unia todo mundo. E, repito, a gente perdeu até isso, um programa que, em si, era um retrocesso se comparado com um programa de reformas de base. No caso do teatro, por exemplo, se for estudar a dramaturgia brasileira, ela tem um movimento que a gente percebe ascendente, quase linear. Um parêntese: pra mim, ao contrário do que dizem, não é Nelson Rodrigues o grande dramaturgo brasileiro do período anterior ao Golpe, mas, sim, Jorge de Andrade. E essa história foi abortada, interrompida em 64. O teatro brasileiro passa a ser outra coisa, dá uma guinada dramatúrgica, cênica, para responder à ditadura. Isso pra não falar da destruição do CPC, que é uma história muito mais próxima ao movimento popular e que foi totalmente achincalhada posteriormente, o que é sintomático, não? Em 68, 69, tempos de AI-5, surge a chamada Nova Dramaturgia. E eu acho que nunca se chorou tanto no teatro brasileiro, com personagens desesperados, angustiados em cena. Também nunca se rastejou tanto. Eu

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Luiz Carlos Moreira

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

me lembro de um espetáculo chamado “O Terceiro Demônio” em que os atores literalmente rastejavam no meio de papéis, destroços, o tempo todo, não tinha fala nenhuma. Já no início dos anos 1970, o milagre brasileiro, que estava dando sustentação ao Regime, começa a “vazar água”, dizem que por conta do aumento do petróleo, mas a “casa só vai cair” mesmo no final da década de 70. É uma coisa que a gente carrega nas costas até hoje, que é a tal da dívida pública. Essa história começa lá trás, com a ditadura. Nós, paulistanos, recolhemos anualmente 13% do orçamento da cidade de São Paulo para os banqueiros, via governo federal. 13% do orçamento que a prefeitura arrecada não tem conversa nem papo, vai direto para o bolso dos caras. Em 2011, 47% do orçamento da União! E tem gente que fala: mas isso é dívida! Não é, não. É mentira! A história começou lá trás, com uma dívida que iria para as grandes obras e, depois, foi verificado que não foi, e ninguém sabe pra onde é que foi esse dinheiro. Quem levanta isso foi o ministro da ditadura, o chamado empresário progressista, que era o Severo Gomes. Uma comissão dentro do Senado brasileiro levantou as condições para apurar inquérito e não aconteceu coisa nenhuma. Essa dívida legalmente estaria caduca, não precisava mais ser paga, e ela foi recuperada no governo Fernando Henrique Cardoso através de mutretas. Para vocês terem uma ideia dessa recuperação, nem a Bolsa de Valores queria assinar embaixo, e isso precisou ser feito num paraíso fiscal. E a gente mantém esse tipo de dívida até hoje! Cadê a auditoria da dívida exigida pela Constituição que ninguém faz nem fala nada?! Voltando ao teatro. Eu convivi com algumas pessoas de teatro na época da ditadura, e é uma geração incrível. Se a gente começar a ler o Guarnieri, quantos anos ele tinha quando escreve “Eles não usam black tie”? Ou uma pessoa como o Vianinha, por exemplo. É uma geração que sonhou muito. E não era só sonho. Parece que estava ali, era possível, aliás, nos anos 1960 parecia que tudo era possível, mesmo com a ditadura. China, Cuba, Vietnã, maio de 68! A sensação de que a gente tinha o mundo nas mãos, de que a história era nossa e que a gente podia construir a utopia! O futuro era uma coisa muito concreta. Isso era um sentimento, uma coisa social, coletiva, era compartilhada, e não era só aqui, não. Eu vi muitos que perderam o sonho, que não tinham mais por que viver. Morreram em vida aqueles que não morreram torturados. Eu me lembro de uma festa onde duas pessoas estavam conversando, e eram jovens ainda, e uma perguntou pra outra: “Por que a gente escapou?” E a outra pessoa respondeu: “Pra enterrar nossos mortos”. As duas pessoas estavam chorando. Houve muito sonho e aquilo tudo foi transformado num bando de indivíduos que querem comprar miçanga, espelho, celular. É o discurso da Margaret Thatcher que dizia “o egoísmo

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Luiz Carlos Moreira

é bom”. E a gente comprou isso. Agora esse é o nosso sonho. E por isso que eu digo que não foi só a ditadura. Ela desmontou o que se tinha de articulação, e desmontou na porrada mesmo. A gente foi conhecer isso a partir de 1968, mas os camponeses e operários já estavam sendo mortos em 1964, já estavam no pau. Nós viramos esse monte de indivíduos em busca do sucesso pessoal. Vencer na vida! E ninguém pergunta quem é que vai perder. É um desmonte de muitos e muitos anos. Feito, inclusive, através da organização do trabalho, do emprego. E se a gente não conseguir recuperar isso e sonhar de novo, aproveitando que vocês aqui no teatro estão falando de utopia, a vaca vai para o brejo. É importante, então, vocês, da Cia. do Tijolo, falarem em utopia. Vocês citam o Engenho, o Grupo XIX... Realmente, São Paulo viveu na última década uma primavera de grupos de teatro, mas... Outro dia estávamos conversando entre amigos e perguntando sobre isso. Levantamos duas hipóteses. Uma, de que nós não passamos de um efeito residual das vanguardas modernistas do século passado. Aliás, vocês estão aqui retomando o Lorca! Residual é um conceito que vem da crítica, é residual aquela cultura que permanece mesmo perdendo o chão histórico que lhe deu origem. Nada mais claro do que o folclore para mostrar isso. O folclore é isso, aquela cultura que já perdeu o chão de um tipo de vida e de relações que ela representava e que não existem mais; aquilo, então, é modificado e vira museu. Então, nós, os grupos, talvez o próprio teatro, seríamos residuais. Mas aí, outra companheira veio e disse que achava que não, e ela não é de grupo de teatro, que a gente era “emergente”, isso é, nós seríamos uma cultura que aponta para o novo, para o futuro, e disse: “Vocês, como normalmente acontece com os artistas, são uma espécie de sismógrafo. Olha na rua! Ninguém diz o que vocês estão falando, ninguém se organiza para trabalhar como vocês estão se organizando. E por que é que os grupos de teatro fazem isso? Sozinhos e isoladamente, sem chão. É porque alguma coisa está por vir, e que ainda não foi percebida.” Se ela estiver certa, a primeira explosão disso foram as jornadas de junho de 2013. E pra onde vai tudo isso? Eu não sei. Eu acho que os sonhos que foram perdidos a gente tem que retomar, se é Democracia Popular, eu também não sei. Mas que não temos uma utopia, um projeto, um programa solidário que nos una, isso ainda não temos, o que pode ser fatal.

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Ilo Krugli

Dramaturgo, ator e diretor teatral do grupo Teatro Ventoforte.

“Sete corações de poesia rasgada” (espetáculo do Teatro Ventoforte). Todo homem é suspeito de ser poeta. Quando o público se divide entre poetas e soldados, oprimem os poetas sem nenhum preconceito. Só a censura queria proibir o espetáculo, colocar para maiores de 16 anos, porque as crianças iriam assistir a fuzilamentos, e a gente achava que tinha que trabalhar isso com as crianças. Falávamos para a censura: “mas os fuzis são vassouras, assim como a criança brinca”. Uma vez, um pai na plateia, um psicanalista, disse para o filho: “Meu filho, vem, vamos ser poetas.” E o filho dizia: “Eu quero ser soldado.” “Vem, vem, vamos ser poetas”, dizia o pai. “Não quero”, respondia o filho. Aí, de repente, o garoto diz: “Soldados, prendam esse homem!” Teve vários casos, várias crianças que participavam. Eu já estava morto naquela altura do espetáculo, porque eu era fuzilado junto com o poeta. Defendíamos poemas, os soldados roubavam os poemas e rasgavam. Nós procurávamos decorar ou esconder os poemas e éramos todos fuzilados. Eu sempre acabava entre os fuzilados. Então, de repente, eu escutei que uma criança se debatia e gritava: “Não, não” - parecia um garoto de 8 ou 9 anos -, gritava: “Não, não, vocês não vão poder matar todos os poetas porque vocês não podem matar o poeta que ainda não nasceu.” E, para continuar a minha terceira lembrança: fizemos no Rio de Janeiro um espetáculo e, nesse dia, o espetáculo era visto pelos doentes da Casa das Palmeiras (a primeira clínica de tratamento, porque a Nise da Silveira não concorda com o nome científico, ela queria um lugar para se expressar, para trabalhar, para falar deles mesmos). Então eles assistiram a nosso espetáculo. Eles viram tantos fuzilamentos que, de repente, pularam todos dentro do palco, que era circular, e arrancaram as vassouras das mãos dos soldados e fuzilaram os soldados, quer dizer, a terça parte do elenco que era soldado, os outros eram poetas. Os poetas estavam todos mortos. Os soldados que eram do elenco também foram fuzilados. Estava o elenco todo deitado sem saber como ia acabar. Mas tinha alguém, um ator na plateia, que já tinha visto o final do espetáculo e, nesse dia... A gente voltava a dar vida ao poeta fuzilado, ao Federico García Lorca, a toda aquela gente. Disse o ator: “Gente, vamos cantar pra ver se essa gente volta viva.” E todo mundo começou a cantar: “Alecrim, alecrim dourado.” É isso. Hoje, quando cheguei para assistir à Cantata, eu vi... Não sei se vi o personagem, o poeta ou o ator, o meu amigo Rodrigo Mercadante, morto no chão.

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Ilo Krugli

Eu já estava com o grupo. Na minha história, o Lorca entrou desde muito cedo. É uma história complicada. Eu comecei a fazer bonecos com uma professora minha do primário, que fez uma oficina de bonecos com um poeta que trabalhou com o Lorca lá em Buenos Aires. Quando o Lorca foi embora, ele começou a dar aulas pelas periferias. Deu aula para minha professora e vai por aí a história. Então, Lorca estava presente, e já que você dá um nome, vou te dar um nome de um morto que eu vi, que foi morto possivelmente em 12 de setembro, não estou seguro. Se chama Luís Martins, era brasileiro, tinha 20 ou 21 anos, estava de passagem por Santiago. Eu estava lá fazendo um espetáculo no Museu de Belas Artes e em algumas periferias também, com o grupo de atores brasileiros que eram exilados, alguns eram banidos, e eu no meio. Na verdade, eu não fui um exilado, mas sempre estive atravessando fronteiras. Uma vez eu fui falar com o Danilo Miranda, do SESC, falei durante uma hora e não sei quê. E, de repente, ele olhou para mim, eu não sei falar inglês, mas, mais ou menos ele disse: “Como você é ‘out side’.” E eu voltei, e o grupo perguntou: “O que ele disse? Falou do projeto?” Respondi: “ele me disse que sou ‘out side’, eu não sei bem o que ele quis dizer com isso.” Mas eu queria dizer que com esse grupo, no Museu de Belas Artes, fazíamos espetáculos para crianças que nasceram aqui no Brasil, que era a “História do barquinho e o rio que vem de longe”. Dia 11 foi terça, 10 segunda, domingo foi 9, sábado foi 8, no 7 estávamos todos com o Luís Martins, que tinha se mudado para o apartamento do Vandré. O Vandré voltou aqui para o Brasil e, quando chegou, se ajoelhou e beijou o chão. Eu nunca mais vi ele, conversávamos, éramos quase amigos, e o menino de 20 anos ficou lá. Não sei se foi dia 11 mesmo ou dia 12 que os guardas, os soldados, entraram no apartamento, acho que eles estavam procurando o Vandré, mas levaram o Luís, ele foi amarrado e levado, e eu saí procurando por ele, e no Ministério das Relações Exteriores, me falaram: “Faz uma coisa, deixa passar um tempo, algum dia vamos descobrir o que aconteceu, volta pra casa.” Eu queria voltar, claro que queria voltar para o Brasil. Entrei pela fronteira com a Argentina. Tive esse álibi, não como residente no Brasil, mas agora sou. É isso, eu voltei para o Brasil. Eu joguei esses lenços aqui na mesa. Aliás, a Lua, sabe o que acontece? A verdade é que a Lua é um tamborete de cetim branco, bordado, para os ricos, e um queijo para saciar a fome dos pobres. Não estou seguro de até onde é Lorca e até onde sou eu. O Lorca criou um movimento de teatro

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Intervenção do Rodrigo – Como o 11 de setembro de 1973 influenciou a sua arte?

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Ilo Krugli

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

de bonecos, de títeres, e ele fez isso com o grupo La Barraca. Então, eu saí dessas caminhadas e voltei para o Brasil. E o que fazer? Vocês falaram da Heleny Guariba, será que ela pode voltar? E o que ela faria? Teatro? E nós voltamos e começamos a fazer algumas oficinas e um dia me disseram, me telefonaram do Sul e me disseram: “Vai ter um festival em Curitiba, o primeiro festival de teatro de bonecos e teatro para crianças, e queremos que você venha trabalhar”. Respondi: “Não posso, acabei de chegar e meu grupo anterior já não existe. E não tenho nada para fazer, para apresentar. Aí a pessoa me disse: “Ah! Ilo, você pega um boneco, uns panos, e aí já tem o que apresentar”. E assim foi. Criamos em 11 dias o espetáculo, do qual saiu o Grupo Ventoforte e a “História de Lenços e Ventos”. Na pergunta que surgiu aí, nas memórias que me vieram, é um momento que, às vezes, como agora, eu até do espetáculo me esqueço, porque os bonecos se negam a trabalhar mais, não querem trabalhar mais. E os bonecos, com muitos pretextos, se fecham dentro de uma mala, por dentro, e não tem quem os tire. E o Manoel diz, porque a Manoela não é atriz, ele fala: “Só vamos sair daqui quando acabar a globalização”. E nós falamos: “Essa é a única mala no mundo que tem fechadura por dentro e, justamente, porque caiu no nosso teatro.” Mas assim mesmo dissemos: “Amarra por fora, porque, mesmo se eles quiserem sair, eles não vão sair mais”. Não pensei, eu apenas vivenciei, é simples, alguém um dia me disse: “Eu sei o que você quis dizer.” O que eu quis dizer? A gente sempre quer dizer alguma coisa. Tinha gente que nem podia mais aparecer, nem falar, que se fechava dentro de si mesmo. Evidente que era isso o que estava acontecendo. Não era nem uma acusação, nem nada. Engraçado, as crianças, depois do espetáculo que estávamos fazendo, perguntavam: “E eles continuam lá, fechados?” Então, eu digo que é uma brincadeira, que eles fazem uma provocação. A verdade é que eles já saíram da mala e estão lá no camarim comendo. Mas os bonecos se fecharam e nós vamos fazer o espetáculo. Manoel disse algum dia: “Vamos fazer teatro de qualquer jeito.” Então a gente começa a puxar um lenço: (cantoria) “Eu sou de seda, eu sou de pano, sou bordada de lua, tenho flores de prata. Eu sou de chita, eu sou de pano, sou dura e engomada, de flor floreada, sou uma bandeira, uma saia rodada, lencinho pequeno, de espirro e de mágoa, sou uma bandeira...” (repetição). Mas os lenços são todos prendidos, feitos prisioneiros na caixa estratosférica, na cidade medieval, pelo rei metal mau, que governava essa cidade. Esse espetáculo a censura quis proibir, porque a gente tinha uma cena em que o protagonista, que não era um lenço, era um pedaço de papel de jornal desenhado com olhos, nariz e boca, dizia: “Meu nome é papel, eu sei voar e girar pelo ar, eu tenho altos e baixos, eu sei voar

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Intervenção da Lilian – E o amor também, né, Ilo? Então canta, o que também partiu de uma poesia do Lorca, que tinha na montagem do Ventoforte de “Bodas de Sangue”. A música diz: “Meu coração teria a forma de um sapato se cada aldeia tivesse uma sereia. Mas a noite é interminável quando se afogam os doentes que têm barcos e procuram ser olhados para poder naufragar tranquilos”. Então fizemos uma junção com a ciranda de Lia de Itamaracá: “Quero saber quantas estrelas tem no céu. Quero saber quantos peixes tem no mar. Quero saber quantos raios tem o sol. Eu só desejo, meu amor, é a luz do seu olhar”.

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aos trancos e barrancos. Mas eu sempre consigo chegar onde eu quero chegar.” Ele liberta realmente a protagonista, que é a Azulzinha, que é a única que o rei metal mau deixa entrar no palácio. E vai se aproximar dela. Parece um conto de fadas. É um conto de fadas que fizemos para, de alguma maneira, falar dessa época. Os censores saíam meio assim, às vezes, falavam: “Esse espetáculo tem alguma coisa.” Então prendiam todos os lenços que estavam lá em cima, eram todos prisioneiros. Então, o papel seria o libertador. Mas o papel era apenas uma folha de jornal. O que me inspirou não foi o Chile, mas de alguma forma eu queria reviver meus amigos, os meus companheiros que tinham morrido lá, e os que morreram aqui também. Um dia, na praia, no final da tarde, eu vi um jornal rolando, voando pela areia, porque jornal a gente lê e depois joga fora, não presta mais. Eu não pensava, eu fazia, eu precisava fazer. E também um amigo nosso disse: “Você quis dizer que era algum jornal que resistia, que dizia o que estava acontecendo?” Então, o papel que entra na cidade medieval para libertar a Azulzinha não pode, porque lá entra só ouro, prata, purpurina, brilhantina. E não deixaram ele entrar. Então ele é perseguido, ele é queimado. Essa cena é a cena que a censura desconfiava. A primeira vez no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o censor adormeceu. Outra vez riscamos apenas o fósforo e pronto. Tinha acabado. A última vez que fizemos para a censura foi em 78, acho. Cada vez que fazíamos o espetáculo, em cada cidade, a primeira apresentação era para a censura. Depois podíamos fazer para o público, se eles aprovassem. Então, a última, que foi para uma mulher aqui em São Paulo, ela vinha a todos os espetáculos, e como ela já sabia que a censura estava acabando disse: “Parece mentira, eles continuam a atuar.” E aí, se a censura continuasse, aqui, agora, estou seguro que a grande dramaturgia procura a poesia, e sempre ela pode ser suspeita de estar convidando para a libertação, para a liberdade, para os direitos que todo mundo tem de se expressar de alguma forma.

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Sandra Vargas, Lúcia Erceg e Gustavo Kurlat

Sandra Vargas é diretora e atriz do Grupo Sobrevento, companhia especializada no teatro de animação, fundada em 1986 e com o qual tem se apresentado em todo o Brasil e em países dos quatro continentes. Nasceu no Chile e veio ao Brasil ainda adolescente, por conta da perseguição de sua família por militares chilenos. Lucia Erceg é chilena, radicada no Brasil desde 1982 para onde se mudou por conta de ameaças militares sofridas depois do Golpe de Estado no Chile. Há mais de 20 anos é produtora do Grupo Sobrevento, além de ter produzido outros importantes grupos e elencos teatrais e musicais, brasileiros e estrangeiros. Gustavo Kurlat é compositor, autor, diretor e diretor musical. Atua nas áreas de teatro, música, cinema e educação. Já recebeu os prêmios Shell e APCA como diretor musical, e FEMSA como autor e compositor.

Sandra Vargas – A experiência que tivemos em nossa família é que meu pai era engenheiro e fazia algumas obras para o governo do Allende, e, quando o Pinochet tomou o poder, ele continuou fazendo essas obras. E o Pinochet continuou trabalhando com as mesmas pessoas que trabalhavam para o Allende em obras sociais e coisas ligadas à constituição chilena. Só que o que acontecia é que depois de um tempo, ele fazia essas obras e não pagava os trabalhadores. E assim fazia com que essas pessoas fossem se endividando e, afetadas com isso, acabavam fugindo do país ou eram presas por questões econômicas. Meu pai estava fazendo uma obra quando ele teve que sair do Chile em 1981. Ele estava fazendo uma obra social que era para as mães solteiras, que originalmente era ideia e projeto do Allende, e que o Pinochet “continuou”. Meu pai trabalhava com muitos operários, de 100 a 300 pessoas, não sei ao certo, mas eram muitos. E como não pagavam ninguém, meu pai resolveu peitar o governo dizendo: “Paguem os operários ou faremos greve. Nós iremos à frente da prefeitura e faremos escândalo.” E bastou isso para a nossa casa ser invadida e revirada. Foi então que o advogado da nossa família aconselhou meus pais a fugirem. E meus pais fugiram, e as filhas ficaram. Cada filha ficou numa família diferente e que não eram parentes nossos, porque se houvesse perseguição na casa dos parentes seria mais fácil nos encontrar. Então, durante muito tempo eu fui para escola com uma pessoa atrás de mim. Um homem de terno preto que fazia questão de dizer que estava me vigiando. Há pouco tempo eu fiz um espetáculo 88 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Lúcia Erceg – É triste ter que sair de um país por circunstâncias obrigatórias, como foi o nosso caso. Mas a luta, sobretudo quando é da parte dos militares, ela não é nunca uma luta ideológica, ela é sim uma perseguição pelo poder, por ter mais e roubar. Porque um camponês é morto e torturado para roubarem as terras dele. E esse poder é uma ambição grande, fomentada de uma maneira terrível, sobretudo pelos países de maiores poderes como os Estados Unidos, por exemplo. E um lugar como o Panamá, que é especializado em treinar líderes militares, para que lá eles estudem e façam seus exercícios e práticas que serão usadas nos próximos Golpes. Isso existia! Todos os líderes militares eram adestrados fora. E o que acontecia depois? E as minas maravilhosas, são

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de teatro sobre a fragilidade, e eu tinha guardado as cartas que minha mãe me escrevia nessa época. E se passaram 27 anos. Eu abri essas cartas e pensei, vou criar uma cena com isso. (Emocionada). E o que havia de mais bonito nas cartas era a vontade da minha mãe de encontrar suas filhas. E tinha umas cartas engraçadas. Minha mãe escrevia explicando como é que eu teria que fazer para ir até o cartório e tirar o passaporte, ela desenhava mapas e mais mapas me explicando. Quando estávamos prestes a sair do Chile, nós teríamos que apresentar um documento do meu pai. E ele tinha deixado um documento de identidade, então já estava tudo pronto, quando percebemos que a identidade estava com a validade vencida. Na época, menores para viajarem sozinhos tinham que apresentar uma autorização com assinatura reconhecida em cartório, e, para isso, ou a pessoa ia pessoalmente, ou mandava o documento de identidade. E quando eu decidi usar as cartas no espetáculo, foi porque eu encontrei uma das cartas da minha mãe que dizia assim: “Minha filha, vá até o cartório da fulana de tal e diga que é da parte de Haroldo Vargas. Minha filha, a chame de tia, sempre de tia, e diga que seu pai está viajando e que esqueceu a identidade. Minha filha, rogue, implore, peça de joelhos, diga que sabe que o que está pedindo é um favor, mas consiga essa autorização”. E no final nós conseguimos. Mas foi curioso pensar que, quando eu fui falar no teatro de fragilidade, eu encontrei essas cartas, porque a ditadura é mais do que isso, ela te obriga a sair. Eu sou muito feliz de morar no Brasil, mas sinceramente eu gostaria de não ter saído do Chile porque eu tive que sair. E eu odeio chegar ao Chile e o aeroporto internacional, o principal do país se chamar Arturo Merino Benítez. Porque o Merino foi um dos quatro militares que tirou Allende do poder. E é isso que no Chile ainda não está resolvido. E isso me fere. Porque não assumiram esses assassinatos e essas perseguições, e isso me dói. E aqui está minha mãe para contar o lado dela...

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de quem? Para quem? E eu tenho uma raiva muito grande de não ver uma reação maior e mais forte contra esses caras. Eu agradeço muito a Espanha e o Juiz que prendeu o Pinochet lá na Inglaterra. E quem visitou Pinochet quando foi preso na Inglaterra? Margaret Tatcher! E isso me irrita profundamente. E estive no Chile recentemente e fico feliz sim de ver que o povo está feliz, que o Chile está moderno, cresceu mais do que São Paulo (risos), e está voltando à normalidade. Porque foi uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Gustavo Kurlat – Quando eu recebi o convite para vir aqui, eu decidi que não pensaria em absolutamente nada para falar, até chegar esse momento... e assim deixar que aquilo que eu assistisse nesses primeiros atos falasse em meus ouvidos algumas coisas, para que a minha história pudesse se cruzar com a que eu estava assistindo. E a primeira dessas coisas, a primeira sensação que me veio, foi a sensação de uma multidão. Eu me senti uma multidão. Quando eu ouço as canções, quando eu vejo as pedras no túmulo da Iara e que eu via perto do túmulo do meu pai quando eu era pequenininho; quando eu ouço a Sandra falar sobre as passeatas no Chile e penso nas primeiras passeatas de que participei, quando eu saí nas ruas da Argentina para falar contra o Golpe – eu me sinto uma multidão. A gente tende a pensar na América Latina somente que os nossos países são rivais no futebol, mas não tem nada melhor do que a gente aprender com o outro aquilo que a gente não sabe. A Argentina inteira saiu às ruas para falar do que estava acontecendo lá no Chile, assim como eu torci pelo Brasil na Copa de 1970. São coisas que não sabemos, mas quando a gente vê tudo isso, a gente se sente uma multidão. E logo aparece a pergunta: O que eu estou fazendo aqui? O que me trouxe até aqui? Eu agradeço saber falar português e poder entender as músicas do Chico Buarque. Vocês falam muito na peça da Heleny Guariba que era professora, e eu sou professor, fui durante 12 anos professor da Escola Livre de Teatro, em Santo André, terra da Heleny. Eu dirigi uma rádio novela em que um dos capítulos centrais era sobre ela. O capítulo foi escrito por Luiz Alberto de Abreu. Minha preocupação é que para os jovens parece que tudo isso aconteceu num mundo distante, longínquo. Mas isso tudo aconteceu perto! E tudo que eu escutei aqui tem também um pouco da minha história. Eu fui preso duas vezes, e eu espero ser compreendido pelo que vou dizer aqui, mas a minha tortura não foi nada perto do que veio acontecer depois, e das torturas que as pessoas sofreram... morreram e desapareceram. Porque para mim receber tapas, roleta russa e ser xingado foi menos humilhante do que ser chamado

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de judeu ao me fazerem abaixar as calças para mostrar que eu era circuncidado. Isso foi humilhante... aconteceu dois anos antes da ditadura, quando ela ainda estava se instalando como uma fera à espreita. Todo mundo intuía, mas ninguém sabia ainda como e quando aconteceria. Por isso eu estou vivo. Foi o que me fez parar de militar, e sem perceber isso salvou a minha vida. Eu tive que dar um passo atrás porque eu estava na mira deles, eu era seguido pelos tais caras de preto que a Sandra Vargas conta na história dela. Eu fui o primeiro preso entre os meus amigos, e eu faço questão de frisar a palavra “amigo”, porque eu descobri que naquela época em que eu ainda chamava meus amigos de companheiros, eu não estava pronto. E quando eu fui interrogado, eu pensei como a Mariana Pineda: “Eu não posso falar o nome dos meus amigos.” E foi a primeira vez que eu senti uma coisa deslocada dentro do peito. Dentro de mim, durante o interrogatório, enquanto a cabeça funcionava a milhões de quilômetros por hora, eu pensava: Como é que eu estou aqui pensando nos nomes dos meus amigos se estamos falando de revolução?!” Eu não estava pronto, eu tinha 17 anos de idade. E aí eu pergunto: O que é que prepara uma pessoa para a revolução? Como fazer para que todas as pessoas sejam conscientes do que estão fazendo? Como dar a sua vida e fazer com que isso faça sentido? E a gente foi construindo os sentidos, fazendo o caminho contrário. A gente começou a construir os sentidos a partir da descoberta de não entender o sentido. E os valores que faziam sentido de verdade foram aparecendo. São os paradoxos da história, a gente nem sempre está pronto. Depois, na Argentina, as perseguições tornaram-se severas e para todo mundo. Na Argentina foram mais de 30 mil desaparecidos, numa população que na época era de 30 milhões de pessoas. Um em cada mil desaparecia. E a gente vivia esse medo o tempo todo, o dia inteiro. Eu vim para o Brasil quando eles começaram a fechar o cerco. E a gente não sabia aonde tudo aquilo ia chegar. Foi como num poema do Brecht que diz mais ou menos assim: “Primeiro levaram os comunistas, mas eu não me importei, porque eu não era. Depois levaram outros e etc. E hoje estão me levando, mas já é tarde demais.” Foi exatamente assim que aconteceu. Aquele cara do andar de cima da faculdade que sumiu, depois aquele cara da sala do lado que sumiu, depois levaram o cara que sentava ao meu lado na sala, e assim começaram a sumir todos. Alguns sumiram porque eram militantes, outros porque eram amigos dos militantes, e outros porque estavam nas agendas dos militantes. E assim, uma geração inteira foi dizimada. Dizimada porque as pessoas desapareceram, morreram ou tiveram que sair. Eu confesso que quando as pessoas me perguntam: “Você fugiu da Argentina?”, me dá um arrepio, porque pode ser que sim, que eu tenha

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Sandra Vargas, Lúcia Erceg e Gustavo Kurlat

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fugido da Argentina, mas eu não gosto de falar que eu fugi. Eu saí. Eu saí sem conhecer ninguém no Brasil, com o equivalente a 50 dólares no bolso. Eu me pergunto sempre, por que eu não e os meus amigos sim? Isso é uma marca que me persegue a vida inteira. É paradoxal. Por um lado eu penso, que bom que eu estou vivo, que eu pude gerar filhos e esses filhos são brasileiros. Mas por que será que eu não morri e os meus amigos próximos que compartilhavam tudo comigo morreram? Eu não tenho a resposta.

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Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi

Marco Antônio Rodrigues Barbosa é advogado. Foi presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana - Condepe e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Paulo Vannuchi é jornalista e cientista político. Foi ministro dos Direitos Humanos no governo Lula por cinco anos. É membro da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, sediada em Washington.

Marco Antônio R. Barbosa – Estou feliz de estar aqui e participar desse teatro conscientizado. A formação de uma consciência de que nós temos que continuar sabendo dos mortos e desaparecidos políticos desse país. Acho que vocês estão no caminho certo fazendo essa integração entre a Guerra Civil Espanhola e o desaparecimento forçado das pessoas que sofreram. Eu tenho pouco a dizer na presença de Paulo Vannuchi, por quem eu tenho profunda admiração e que foi, durante um período, secretário nacional dos Direitos Humanos e ministro de Estado. Ele fez coisas extraordinárias neste país, foi o mentor do Plano Nacional dos Direitos Humanos e foi totalmente atacado pela burguesia e pela imprensa. Imprensa canalha que não queria que prevalecessem os Direitos Humanos. Paulo Vannuchi foi um dos responsáveis, durante um tempo, pela pesquisa que deu ensejo a essa formação da consciência coletiva, antes do livro “Brasil nunca mais”, que ele também argumentou, apoiado pelo Dom Paulo Evaristo Arns. Ele fez juntamente com Frei Betto, buscando nos processos que ocorreram na justiça militar, a verdadeira história desse país. E também foi durante esse período em que foi ministro um dos grandes mentores da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade e que hoje se espalha por todo o Brasil. Portanto eu não tenho muito a dizer, até porque ele tem muita história pra contar. Paulo foi, assim como na peça de vocês, uma pessoa que sabia o que era certo e o que estava fazendo. Foi estudante de medicina e foi ceifado dos sonhos porque optou pela luta contra a ditadura militar e a ditadura civil que se instaurou no Brasil em 1964. Ele tem muita história pra dizer e eu sou um mero coadjuvante e que tenho muito orgulho dessa amizade absoluta. Agradeço a oportunidade de participar dessa peça e peço ao Paulo que fale.

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Paulo Vannuchi – Eu estou arrebatado! Quando fui convidado a vir aqui, eu não imaginava que fosse isso. Não é fácil entrar aqui na hora do momento teatral de clímax que nós estamos vivendo. É difícil e eu não sei bem o que falar. A primeira coisa é evidentemente agradecer e dizer dessa emoção, e que, há muito tempo, eu não via a construção dela para além do conteúdo que me toca, é claro. Mas podia, como muitas vezes acontece, ser um conteúdo muito bom, racional, e com uma construção artística pobre. E aqui tem uma mistura belíssima de texto e música, direção, cenografia, e esse embricamento que vocês realizam me faz vontade de um comentário que não entre tanto no discurso político. Porque eu acho que quebraria demais o engajamento, se eu agora começasse a falar sobre a Comissão da Verdade e o que ela está fazendo e do que se trata, porque esse público que está aqui basicamente já sabe disso. Então eu só queria colocar o meu agradecimento pela chance de falar um pouquinho, até porque é o jeito que estou, muito emocionado, e dizer, contar a história sem me esticar demais. Eu não sou paulista da capital, sou do interior de São Paulo, e, em 1966 com 16 anos de idade, nós começamos a constituir lá um pequeno grupo de estudantes secundaristas de esquerda e era pelo teatro, era o que se podia fazer na cidade pequena. Eu sou de São Joaquim da Barra e o Marco Antônio de São José do Rio Pardo. A gente se conheceu mais tarde. Mas ali, em 1966, eu comecei a ir para São José do Rio Pardo como estudante para participar da semana Euclidiana, cidade onde Euclides da Cunha escreveu “Os Sertões” e havia lá um concurso anual, uma semana de estudos que continua acontecendo até hoje. Eu vim de uma família cristã, católica, humanista, e meu pai era professor de português. Ele gostava muito de literatura, poeta, estimulou muito a gente a estudar e aprender. Em 1964, eu tinha 14 anos, meu irmão 13 anos e meu primo Alexandre Vannucchi Leme a mesma idade minha. Trucidado no DOI-CODI em 1973, era estudante de geologia da USP. Completamos agora 40 anos da morte dele e realizamos este ano uma missa na Catedral da Sé. Nós tivemos um choque em 1 de abril de 1964, com 13 ou 14 anos, quando o nosso tio padre de Sorocaba (que depois foi reitor da universidade de lá) foi preso. Ficou preso dois ou três dias. E foi preso por quê? Porque era comunista. E nós tínhamos medo do comunismo. Família católica, comunismo era uma coisa ruim. Foi esse o primeiro momento que nos fez pensar: “Bom, tem alguma coisa errada na nossa cadeia de informação, vamos atrás.” E daí as notícias do Golpe, as notícias de prisões sobretudo. O meio sindical era muito distante da minha vida, mas o meio cultural não. E a gente começou a ouvir falar de tudo por meio do teatro. Esse mesmo pai, que não era uma pessoa de esquerda,

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levava um pequeno grupo de alunos e seus filhos também para ver as peças de teatro que vinham para Ribeirão Preto e Franca, as duas maiores cidades ali por perto. Eu quero dizer e sempre repito isso que na minha opção política de vida, um momento marcante depois dessa formação cristã, humanista, engajada, de solidariedade, foi em 1966 em Ribeirão Preto quando vi a peça de teatro “Liberdade, Liberdade”. Pra quem não conhece, esse texto é uma colagem de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, colagem mesmo, belíssima! A gente precisava ficar ligado porque eles citavam trechos de Shakespeare, Júlio César, Martin Luther King, costurado com um negócio de bandeirantes brasileiros etc. Era uma peça de tablado e foi a primeira vez que eu via isso, não ter palco. Quatro atores que ficavam de costas, de preto, no escuro, e um saxofone tocando os acordes do Hino da República: “Seja o nosso país triunfante livre terra, de livres irmãos”. E um dos atores se virava para a plateia com as mãos para trás e olhando para a luz, começava a dizer: “Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, este é um homem de teatro. E aí começava a atuar. E dizia: “Nós achamos que é preciso cantar. Agora, mais que nunca, é preciso cantar!” E daí entrava um poema do Geir Campos. E esse ator que estou falando era Paulo Autran. A avaliação foi grande porque nesse dia estava também uma atriz chamada Luiza Maranhão, uma mulher negra e linda, do tipo Sophia Loren, que hoje está na Itália. Brasileira negra e com o rosto absolutamente lindo! Eu me lembro bem quando, voltando pra casa, pra minha cidade, às 23h da noite, como se aquela peça de teatro tivesse me sacudido para eu fazer outra coisa na vida. E a turma toda nossa também. E eu digo tudo isso pra contar da importância do teatro nas discussões da história, dos Direitos Humanos, da luta pela liberdade e está aí, o Lorca. Nessa peça, eu estava me lembrando agora, o Lorca aparece duas vezes na colagem. E foi a primeira vez que eu ouvi falar nele, até então eu não sabia quem era. Eu lia Castro Alves, Euclides da Cunha, conhecia um ou outro estrangeiro e eu tinha 16 anos, mas eu não entendia porque eu não tinha o conteúdo político. Era um momento em que o Paulo Autran começava a falar: “Verde que eu te quero verde/ verde vento, verdes ramas”. Eu olhei para o meu pai e disse: “O que é isso?” E ele me disse: “É Lorca, meu filho.” E me explicou um pouco. Na mesma peça tem também um poema de Manuel Bandeira que eu declamei num ato em Brasília quando trouxe pela segunda vez ao Brasil o juiz Baltazar Garzón. Baltazar Garzón é um juiz espanhol e os detalhes são implicantes. Foi ele quem conseguiu a prisão de Pinochet em Londres. E com aquilo ele começa a desmoronar o que restava ainda forte da ditadura de

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Pinochet já sem o Pinochet. E ele me contou inclusive em detalhes como é a luta por dentro do judiciário. Ele preparou a ação. Era uma ação sem precedentes de direito internacional, e ninguém sabia se iria dar resultado ou não. Dali cinco, 10 ou 20 anos, poderia virar regra. Mas agora começa a haver os primeiros mandados de prisão contra ditadores fora do seu país. E ele me falou que esperou uma sexta-feira às 18h da tarde os outros superiores dele irem embora. Então ele formalmente era a autoridade e determinou a ordem de prisão, e mandou com impacto brutal. Pinochet foi preso em Londres e vocês lembram ou leram, ou ouviram falar muito sobre isso. E ele trouxe por sua vez os preparativos para esse livro “Direito da Memória e da Verdade”, que Marco Antônio Barbosa e eu coordenamos com uma equipe enorme. A própria Suzana, namorada de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, que vocês contam na peça. Suzana mergulhou junto com a gente, e viramos noites escrevendo. E, na segunda vez que Baltazar Garzón veio ao Brasil, já era para nos solidarizarmos com ele. Por quê? Porque depois de ter feito processos contra terroristas do ETA, tendo conseguido a prisão de Pinochet em Londres, ele abriu um processo e começou um procedimento na região em que se acreditava na possibilidade de estar enterrado em uma vala comum Federico García Lorca. São valas comuns, muitas. E, ao fazer isso, era como se ele estivesse desencadeando o retorno dos dentes rangendo da velha Espanha, dos cento e tantos mil mortos desaparecidos no franquismo. Ele foi então destituído do judiciário da Espanha de hoje, que o afastou completamente. E eu perguntei: “Mas você não tem a inalienabilidade?”. E ele explicou: “Tenho, mas as leis na Espanha são assim: o salário do juiz (eu vou supor) é como se fosse dois mil reais e mais as funções, agregações que faz virar vinte mil reais. Então eles cortaram tudo para me obrigarem financeiramente pedir demissão”. E ele pediu. Agora não é mais juiz. É advogado hoje em dia de importantes causas internacionais. E lá em Brasília, na segunda vez em que ele esteve aqui, num ato de solidariedade a ele, eu terminei a minha fala lendo o poema de Manuel Bandeira, que também está na peça “Liberdade, Liberdade”: “Espanha de García Lorca, irmão assassinado em Granada” e termina “Espanha, Espanha da Liberdade, a Espanha de Franco não!”. Eu lembrei muito quando a Mariana Pineda fala da Espanha, desses momentos, eu me lembrei desse poema. Quero terminar a minha fala aqui, contando mais algumas coisas da conexão da luta dos Direitos Humanos que reúne coisas tão diferentes numa mesma ideia de busca da liberdade e da igualdade. Em 2008, eu ainda era ministro e nós promovemos a 1° Conferência Nacional do Direito a Diversidade Sexual. A conferência LGBT, a primeira no mundo. Houve grandes eventos no mundo, que são eventos da sociedade

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civil. A primeira vez que o presidente da República convocou no Diário Oficial e nós pressionamos os governadores, e todos os governadores do Brasil convocaram nos seus diários oficiais a Conferência Estadual, e, no ato de abertura, tinha lá duas mil pessoas. E o meu discurso ao presidente da República foi dizer isso: “Presidente, esse é o segmento vulnerável dos Direitos Humanos, é o que o país menos conhece e não se sabe quantos são, porque não é possível medir, porque a pessoa não pode se apresentar. Se ela se apresenta, a família discrimina, o trabalho discrimina, a escola, o emprego, e todo o círculo”. E, durante a fala, eu ainda disse pra ele que nós temos a história marcada por importantes filósofos e pensadores, líderes políticos, artistas e poetas homossexuais e que a história só registra na litania. E mencionei Oscar Wilde, mencionei García Lorca assassinado em Granada por ser republicano, por ser de esquerda, por ser poeta e por ser homossexual. Quando veio o momento da carta que vocês leram aqui durante a peça, do Dalí, eu me lembrei da foto dos dois abraçados, foto lindíssima, dois jovens, um casal mesmo, namorados apaixonados. E eu quero terminar dizendo da importância dessa correlação com os temas dos Direitos Humanos, o tema da luta dos desaparecidos políticos. No Chile, são 10 mil, na Argentina, 30 mil, em El Salvador, 60 mil e entre eles o Arcebispo da Capital Dom Oscar Romeiro, na Guatemala, são 250 mil desaparecidos. Então eu, como militante nessa juventude, estudei dois anos de medicina aqui em São Paulo, vivi na clandestinidade, prisão, cinco anos de cadeia, depois da cadeia, o trabalho sindical e político que me levou a essa função no governo e agora na OEA, onde assumirei em janeiro de 2014, como membro da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. A angústia dos 10 ou 20 anos anteriores que a nossa geração viveu e lutou era se aquilo ia ou não se perder na memória mais uma vez. Um país que não gravou a memória do horror da escravidão, que o transformou num conto de fadas da Princesa Isabel; que não gravou a história do genocídio indígena, que a transformou em glorificação do Bandeirante, o grande assassino do indígena (são cinco milhões de indígenas exterminados)... esse país não podia repetir esse processo de bloquear, e quem bloqueia e não processa repete eternamente. Como está repetindo ainda hoje nos Amarildos, nas chacinas dos meninos de rua, que também está representado aqui na peça maravilhosa que vocês compuseram. E a questão das gerações, nessa noite aqui, pra mim é um momento de muita felicidade, vendo que nós temos entre a gente, mais ou menos, o salto de uma geração inteira. Nós temos 30 anos nos separando, e a literatura conta 30 anos como uma geração. Que bom sentir que tem uma geração que assumiu desse jeito, e assumiu de um jeito melhor do que a nossa

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Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi

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capacidade. Quem esteve envolvido nas histórias que estão presentes aqui, como a Heleny Guariba, e as minhas lembranças de outras pessoas que vocês convidaram aqui para participar dessa mesa-palco, e ainda convidarão nos próximos dias, nós dificilmente teríamos a capacidade de vocês de deitar sobre esse episódio histórico. A capacidade que vocês da Cia. do Tijolo têm. Como os jovens que estão promovendo o levante popular da juventude, os escrachos e a luta para mudar os nomes das ruas, agora com o Rogério Sottili, Secretário dos Direitos Humanos da Capital e que era o meu vice lá, em Brasília. E ele me contou que está fazendo um levantamento de todos os nomes de ruas – 31 de Março, Médici, Fleury – para em bloco começar o procedimento, exatamente como vocês fizeram aqui na peça, de rebatizar as ruas. O pico mais alto do Brasil, na fronteira com a Venezuela, se chama 31 de Março... e foi o dia do Golpe. Eu agradeço o convite e tentei desse jeito driblar a minha dificuldade emocional de falar. Eu não sei se consegui, mas era para valorizar a importância de abordar esse tema pelo teatro, pela produção artística e pela poesia. Obrigado. Ah! Não posso deixar de realçar que vocês fizeram aqui nessa mesa, com vinho e pão, uma celebração de eucaristia, e o corpo simbolizando o sangue.

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Celso Frateschi

Celso Frateschi (ator, diretor, professor e dramaturgo) estreou no Teatro de Arena de São Paulo, em 1970, no “Teatro Jornal 1ª Edição”, de Augusto Boal. Ao longo de sua trajetória, Celso desenvolveu projetos como autor, ator e diretor teatral além de lecionar arte dramática, coordenar projetos artístico-pedagógicos e participar da gestão de diversos órgãos públicos ligados à cultura.

Me emocionei bastante com o espetáculo todo, principalmente quando fala da Heleny Guariba, que foi minha professora de teatro. Assassinada em 71, já tinha sido presa em 69, quando ainda dava aula pra gente. Ela se dividia muito entre a atividade política, militância e a atividade teatral. Tinha planos geniais para o teatro. Lembro-me da Heleny porque ela me acolheu, quando fui preso pela primeira vez. Eu tinha 17 para 18 anos em 69 e a gente se conhecia porque ela era minha professora de teatro. Eu fazia parte de uma organização ligada ao movimento secundarista da época, e me lembro do carinho dela me recebendo na escada da sobreloja do Arena. Ainda me lembro dela outra vez, quando ela saiu da cadeia, para logo em seguida ser morta. Acontecia muito isso, muitas vezes soltavam o preso, a pessoa engajada, o militante, para ser morta e dada como desaparecida, para perder a legalidade da prisão. Nessa primeira prisão, ela tinha sido presa junto com outro professor que era o Boal (Augusto Boal), que acabou sendo exilado logo em seguida, um pouco antes da morte da Heleny. Nesse momento, em que o Boal estava exilado e a Heleny saiu da cadeia, a gente foi ver uma peça no Teatro Anchieta que era muito interessante. Era uma peça do Brecht, que era de esquerda por excelência, e que tinha sido feita pelo Berliner Ensemble e por Roger Planchon no Teatro Nacional Popular da França, em Lyon (que foi, inclusive, o modelo que ela usou para fazer o Teatro da Cidade, em Santo André). Nessa época, que a gente foi assistir, estávamos entusiasmados com o Brecht, que naquela época era difícil de ser liberado, era um ato corajoso ser montado. No primeiro ato, a gente ficou olhando um para a cara do outro, a montagem não estava nos agradando, e a gente saiu depois para conversar sobre arte. Entre uma cerveja e outra, ela me fez um vaticínio pesado, ela disse assim: “Celso, você que prometia tanto, tá virando um ator.” Na verdade, isso me perseguiu e acho que ainda me persegue, porque sempre dividi minha vida entre o teatro e a atividade política, e agradeço muito a ela. Não sei muito o quê colocar, ela era uma pessoa muito especial pra gente, apesar da gente ter convivido muito pouco. Vocês falaram no monumento ao Marighella, que, não sei se vocês sabem, foi recentemente destruído pelos moradores dos Jardins, e que CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 99


Celso Frateschi

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

eu, na época, como Secretário de Cultura, fui um dos responsáveis por reerguer o monumento. Mas volta e meia a classe média dos Jardins vai e derruba porque não quer saber de guerrilheiro por perto. Na minha juventude, eu achava que o ódio de classe era um ódio que o proletariado justamente nutria contra a burguesia. Mas, infelizmente, o ódio de classe que se manifesta hoje, de uma maneira muito violenta inclusive, é o ódio de classe da burguesia frente aos trabalhadores, frente ao povo em geral. A gente abre os jornais e percebe nada mais que um ódio destilado em altíssimo grau. Pensamento triste, mas é assim a vida. Eu não quero monopolizar a conversa aqui. A peça me lembrou muito de uma música, de um outro espetáculo, quando a Heleny estava com a gente dando aulas. Ela estava presa quando eu entrei no espetáculo, um espetáculo histórico no Teatro de Arena. Eu entrei para as viagens que garantiram, de alguma maneira, o exílio do Boal depois. Fizemos um pouco a contra informação, a coleta de assinaturas (em favor dos presos políticos no Brasil), principalmente em Nancy, na França, e na Itália. A gente tentou pegar apoio internacional para a libertação do Boal, e acabou dando certo. Ele acabou sendo exilado nessa época mesmo. A gente chegou a cruzar com ele três meses depois. Ele foi libertado e acabou conseguindo ser exilado. Esse espetáculo que eu fazia era “Arena conta Zumbi”. A grande emoção também de ver vocês é porque de alguma maneira me remeteu a uma música final, não ao final do espetáculo, mas da morte do Zumbi. Era uma música muito bonita, o Boal gostava muito. Tem até uma piada. Eu me lembro da primeira vez que eu entrei (para fazer o espetáculo), eu era moleque de tudo, estava substituindo o Lima Duarte. Então eu tinha que entrar correndo e falar: “Que foi, meu nêgo?” Outro ator falava: “Mataram Kangazumba.” Eu dizia: “Já falou pra Zumbi?” O outro respondia: “Já, quais são as ordens?” Eu respondia: “Nenhuma!” e esse era o diálogo. Daí, um dia, eu muito nervoso e emocionado de estar fazendo aquilo lá nos meus 17 para 18 anos, fiz assim: “Fala, meu nêgo.” “Mataram Kamgazumba.” “Já falou pra Zumbi?” “Não.” “Não vai falar preto filho da puta?” (risos) A música era muito bonita, não sou um cantor tão bom quanto vocês, nem ouso, mas a música falava: “Zumbi meu pai, Zumbi meu rei, a última prece que deixou foi na beleza de viver, uma prece me deixou longe, nem tão longe, além do mar, meu rei guerreiro disse adeus pra quem vai ficar. Diz pra sua gente não desesperar. Zumbi morreu, se foi, mas vai voltar em cada menino que chorar.” Obrigado pelo espetáculo. Acho que a ditadura fez um grande mal, que infelizmente vai demorar muito pra gente recuperar, que é a educação. Acho que a ditadura atacou mais cirurgicamente, destruiu mais violentamente qualquer base formadora do processo educacional

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Celso Frateschi

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no Brasil pra transformar numa fábrica de mão de obra barata. Acho que isso, dentro dessa estratégia do pacto do silêncio, cumpre uma função muito importante. Parece que a ausência de educação é uma coisa divina. Parece que a gente tem problemas na educação porque Deus não gostou do Brasil, alguma coisa assim, quando na verdade é uma responsabilidade nossa. De nossos governos anteriores que acabaram com a educação. O brasileiro era alfabetizado para ler ordem de serviço e ir trabalhar. Esse era o papel reservado para nós brasileiros. Felizmente a gente tá saindo, mas tem muita reação, muito ódio de classe quanto a isso.

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Dulce Muniz

Dulce Muniz é atriz, diretora do teatro Studio Heleny Guariba e militante socialista.

Eu tenho por este trabalho da Cia. do Tijolo um amor muito grande. Eu já vi outras vezes e cada vez que vejo é uma comoção, uma emoção diferente. Cada vez que eu venho, eu vejo que ele, o espetáculo, não é mais o mesmo. E nesse momento da minha vida eu estou muito mais chorona. E eu não tenho medo desse choro, nunca tive. Eu não tenho medo das emoções. Não sou da turma que fala pela razão e deixa de fora a emoção. Não! A emoção não criou a bomba. Quem criou a bomba foi a razão. Vir aqui hoje falar com vocês é de novo um compromisso, é de novo uma obrigação. Eu fui aluna de teatro da diretora, professora e militante Heleny Guariba. Eu tinha 21 anos, em 1969, e me tornei amiga dela. A última vez que nós nos vimos foi no começo de julho de 1971, quando Heleny foi para o Rio de Janeiro. Nós pegamos juntas o ônibus, inclusive existe essa linha até hoje, Aeroporto-Perdizes, e quando passou a praça da República, assim que eu desci, ela colocou a cabeça pra fora, com a sua cara de francesinha, cabelo curto e óculos, e disse: “Dulce, liga pra tia Irma e fala que eu volto na segunda quinzena de julho para levar o Chico e o João para a praia!” Chico e João eram os seus dois meninos, um tinha 6 e o outro 4 anos de idade. Nunca mais eu vi a Heleny. As notícias começaram a chegar... Ela tinha sido presa no Rio de Janeiro. Eu morava nessa época na sobreloja do Teatro de Arena e a bilheteira me chamou para atender a um telefonema que dizia: “Heleny foi presa, mas ela está bem.” Quem falou não quis se identificar e não sabia para onde ela havia sido levada. Depois soubemos que ela tinha sido levada para a dependência mais clandestina do Regime que era a Casa da Morte em Petrópolis. A gente só ficou sabendo disso depois, em 1976, quando a Inês Etienne Romeu que talvez seja a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, e que era também muito amiga da Heleny... elas participavam da mesma organização, da qual fazia parte também a Iara Iavelberg, a VPR – Vanguarda Popular Revolucionária. E a Inês foi jogada para fora da casa praticamente morta, depois de ser estuprada inúmeras vezes... quando ela se recuperou, começou a dar entrevistas e denunciar a Casa de Petrópolis e os torturadores. Ela conta que enquanto estava lá, ouviu a Heleny sendo torturada durante três dias e duas noites, e depois o silêncio. Ela conta também do Paulo de Tarso Celestino, da ALN (Ação Libertadora Nacional), outro militante assassinado, que tinha ido com a Heleny para o Rio de Janeiro. Depois daquilo, o ex-sogro da Heleny, o General Guariba, foi em todos os 102 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Dulce Muniz

lugares e procurou de todas as maneiras, mas não encontrou nenhum rastro de história, do que de fato teria acontecido com ela. A gente tem várias suposições. Uns dizem que ela foi esquartejada e jogada no ácido, outros dizem que ela foi enterrada num pedaço da estrada Rio-Santos, outros que ela foi jogada em alto-mar, ou ainda, que talvez tivesse sido enterrada no cemitério da Vila Formosa. A verdade é uma só: desde 1971 até hoje, 2014, nós não sabemos onde foi parar o corpo da Heleny Guariba, assim como não sabemos onde é que foram parar os corpos de tantos outros desaparecidos políticos, torturados e assassinados, que até hoje não foram entregues para as suas famílias. Recentemente dois torturadores começaram a falar. Eu acho que eles não aguentaram viver tanto tempo com isso e talvez o “olho de vidro” do humano tenha falado mais forte. Parece que vão conseguir ao menos diminuir o sofrimento de algumas famílias sabendo onde os corpos estão. Não existe na história da Humanidade nenhum grupo humano que abra mão de fazer seus enterros, seus rituais. Portanto, uma pessoa que não é enterrada, que não cumpre seu destino, fica como a personagem de Antígona que, como vocês sabem, lutou muito para enterrar seu irmão. E é exatamente isso. Para nós, pessoas de teatro em particular, é muito duro, porque para nós a tragédia grega significa muito e nós temos, na nossa carne, um Polinice que não foi enterrado. Isso faz uma ruptura na nossa condição humana. A gente não fala do passado para o nosso próprio deleite nem consolo, a gente fala do passado para poder, no presente, evitar que o futuro seja igual. Fazendo uma referência ao Amarildo que até hoje não foi encontrado e outras tantas Heleny, e outros tantos que desaparecem, e por quê? Porque a gente permanece sem saber! E enquanto isso perdurar, muitas outras pessoas serão torturadas, desaparecidas e nunca entregues as suas famílias. O pessoal da Cia. do Tijolo, com essa peça, “Cantata para um Bastidor de Utopias”, também está dando um passo muito grande e importante nessa luta, para obrigar quem deve a falar, e ajudando a descobrir realmente qual foi o destino e onde foi parar o corpo de tanta gente. Essa peça me é muito cara por tudo o que ela representa. O meu primeiro trabalho profissional no teatro foi Federico García Lorca e eu falava: “Dom Pedro virá a cavalo quando souber que fui encarcerada por bordar a sua bandeira.” Era um texto da Renata Pallottini, direção da Terezinha Aguiar, e primeira codireção de José Possi Neto, em 1969. Nós vamos fazer um Ato lá na Operação Bandeirantes no dia 31/03/2014 para des-comemorar os 50 anos do Golpe, e foi por isso que, pela primeira vez, eu reentrei na sala onde eu fui presa. E ela continua do

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Dulce Muniz

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mesmo jeito. É uma sensação que eu nunca tinha tido antes. Eu fui presa no dia 1 de maio de 1970, com mais dezesseis companheiros, entre eles, o operário e parceiro de militância Olavo Hansen, que foi torturado e assassinado. Às vezes eu vou até o prédio do DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social) dar palestras para os grupos que vão ao Memorial da Resistência, e é diferente, porque eles mexeram muito e ficou outra coisa, parece um hotel, com as paredes lisas e pintadas de verde. Mas aquela parte da Operação Bandeirantes, que depois passou a ser chamado de DOI-CODI, ela continua do mesmo jeito. E para terminar eu queria dizer que se hoje a nossa história é mais ou menos assim do jeito que é, é porque nós ainda não conseguimos fechar aquela história, nós não conseguimos saber onde estão nossos mortos, onde estão os desaparecidos, e os torturadores continuam vivendo, e morrendo, sem receber punição nenhuma.

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Tin Urbinatti

Tin Urbinatti é autor, diretor, ator e professor de interpretação.

Em nome de que lei? Que lei? Como todo mundo sabe, a ditadura civil-militar que tivemos neste país destruiu um governo eleito democraticamente, pisoteou a Constituição e impôs uma nova legislação: os atos famigerados, os Atos Institucionais 1, 2, 3, 4 e 5. As pessoas passaram a ter que respeitar essas leis. O que eu vou falar hoje aqui para vocês é que não podemos aceitar o que está acontecendo neste país, de forma alguma, por mais que se cante e se fale em “liberdades”, é uma mentira isso. Estamos sendo vigiados, cerceados, o tempo todo. Estou me sentindo como se estivesse na ditadura, exatamente. Vou entrar nesse assunto, mas antes vou lembrar a Anistia. “Lembrar é Resistir”, eu não sei quem assistiu aqui, foi um espetáculo criado para reverenciar os 20 anos da Lei da Anistia, criada em 1979. Em 1999, a Secretaria do Estado de São Paulo resolveu fazer uma reverência a essa legislação e criou o espetáculo a partir de depoimentos nossos sobre o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), lugar onde as coisas aconteceram, onde houve torturas, mortes, assassinatos e tudo o que vocês podem imaginar. Eu, que já era ator, e que também havia sido preso em 1979, ajudei a construir esse espetáculo com direção de Silnei Siqueira (1934-2013). Era para ser um espetáculo de um mês. Ficaríamos um mês inteiro em comemoração à Lei da Anistia. Mas aí a coisa foi tão marcante que a gente acabou ficando dois anos fazendo o espetáculo. E tem uma coisa curiosa nesse espetáculo. Não sei se vocês viram ou sacaram, mas lá no prédio onde funcionou o DOPS, por obra e arte da “higienização”, o poder público, ou seja, o governo do Estado mandou pintar as celas com tinta óleo. Cobriu todas as inscrições que existiam nas paredes, como poemas, declarações de ódio, declarações de amor, tudo que vocês podem imaginar, além dos textos políticos que os presos escreviam nas paredes. (Hoje é o Memorial da Resistência e as inscrições foram recuperadas). Quando a gente fez o espetáculo de 1999 a 2001, foram mantidas as paredes como estavam, desde a época das torturas. Era muito comovente ver as pessoas se emocionarem. Invariavelmente uma pessoa do público passava mal, desmaiava, sobretudo os parentes e/ou amigos de pessoas que ficaram ali presas. Essa é parte da minha história. Eu dava aulas de teatro na Fundação das Artes de São Caetano do Sul. O Silnei e a Analy A. Pinto, autora do texto junto com Isaías Almada, me convidaram para fazer parte. Eu saí da Fundação, onde estava dando aulas, peguei meu carrinho e fui pensando que desculpa eu daria para não fazer a peça, CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 105


Tin Urbinatti

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porque eu não estava com muita gana de fazer o negócio, de desconforto mesmo, no estômago. Todas as dores que eu passei lá dentro voltaram tudo. Aí eu cheguei na porta do prédio. Olhei e pensei: não vou fazer essa peça, vou cuidar das minhas coisas, vou dar a desculpa que não posso. Estou dando aulas, tem as provas e estou também fazendo coisas do Projeto Ademar Guerra, muitas atividades que me impediriam de assumir aquele compromisso. Não! Eu tinha preparado este discurso. Aí entramos no prédio. Estava tudo entulhado, máquinas de escrever, mesas, cadeiras, aqueles carrinhos, tudo lá empilhado. Ambiente sombrio. Eu olhei para aquilo e pensei: não entro nessa porra! Não vou ter culhão para fazer isso não! E o incômodo no estômago. A Secretaria também organizava uma exposição de fotos sobre os tempos da ditadura. No mesmo prédio do DOPS, num salão enorme ao lado de onde seria encenada a peça teatral. Resolvi entrar neste salão. Eu estava sozinho e comecei a olhar as fotos e “viajei”. No que eu estou olhando as fotos, de repente, um blackout geral. Vocês não tem ideia do que passou pela minha cabeça, pensei: eles não vão permitir que a gente faça essa peça no espaço deles. Eles não desapareceram, a ditadura tá acabando, mas eles estão aí. Mas isso não era 1979 não. Era 1999. E aí, desesperado, com muito medo também, de repente volta a luz. Foi o famoso apagão que teve em 2 de setembro de 1999, apagou tudo. Mas eu, na época, não estava sabendo. Para mim os caras tinham mesmo cortado a luz. A partir disso, virou outra coisa, eu pensei: agora vou mesmo fazer essa porra! Aí virou a coisa no sentido da luta. Só pra finalizar esse lance... A estreia ocorreu em outubro de 1999. Depois de uns quinze dias, uma revista chamada Caros Amigos publicou o texto do sociólogo Octavio Ianni, comentando o espetáculo “Lembrar é Resistir”. Um texto chamado “A Ditadura Militar no Cárcere”, que descia o pau no processo da ditadura. O Ianni, depois de dois meses da publicação da revista, recebeu um telefonema na casa dele, e a pessoa pergunta assim: “Foi você que escreveu aquele artigo na revista sobre o teatrinho do DOPS?”. Ele respondeu: “Foi”. A pessoa disse: “Você sabe que foi graças aos militares que o país é hoje a décima potência do mundo, e que é graças a nós? Sabe o que você merece? Um tiro no meio da testa!” E desligou o telefone. Isso no ano de 1999... Nesta mesma época, enquanto fazíamos a peça, houve uma série de comemorações do centenário de nascimento de Carlos Marighella. Um cara importantíssimo na história de nosso país. É um homem que a gente precisa estudar direitinho. O que esse cara fez nesse país e o que fizeram com ele, não só com sua pessoa física, mas também com a memória dele. Agora eu vou contar uma história que aconteceu, uma memória que “eles” não querem que se fale, comente ou homenageie.

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Tin Urbinatti

Fazíamos nós a peça e, entre uma sessão e outra, eu peguei um jornal e tinha uma matéria, que noticiava que a Prefeitura Municipal estava cumprindo um mandado da Câmara Municipal de São Paulo, um projeto que previa, no local onde Carlos Marighella foi assassinado, erguer um memorial em sua homenagem. Pois bem, os funcionários da prefeitura foram lá, na Alameda Casa Branca, colocar a pedra no meio do caminho com os dizeres: “Aqui tombou Carlos Marighella, assassinado pela ditadura militar.” Os funcionários estavam fazendo o trabalho quando, do prédio em frente, desceu um militar da reserva, de arma em punho ameaçando os trabalhadores: “Se vocês colocarem essa pedra aí, eu mato um por um!” Aí os trabalhadores voltaram e relataram o que tinha acontecido e por que não finalizaram o serviço. Aí o movimento que tinha organizado o projeto convocou um ato público que reuniu mais de mil pessoas no local e colocaram o Memorial. Após alguns dias, eu passo no local e, para espanto meu, o texto era outro. Não era aquele que eu havia lido no jornal. Aí resolvemos, como faz a Mariana Pineda, bordar a bandeira, resolvemos tomar uma atitude cívica, democrática. Resolvemos tirar a placa que eles colocaram, porque a direita tirou a placa original e botou outra. Vocês lembram que eu falei que a placa era: “Aqui tombou Carlos Marighella, assassinado pela ditadura”. Os caras (de direita) tiraram e colocaram outra com os seguintes dizeres: “Aqui foi executado o assassino terrorista Carlos Marighella. Aqui a justiça venceu”. Essa era a pedra que estava no caminho (mostra a pedra) e eu tirei. Essas coisas são parte de um processo. A gente precisa tomar cuidado, porque, vamos dizer assim, o que implica uma placa, uma rua ou um nome? Eu sou de Catanduva (SP). Eu era pequeno, um moleque, e me lembro de um episódio, isso era 1959. Havia uma empresa de energia elétrica, de propriedade de parentes do Maluf, que usava um expediente: quando eles queriam aumentar a tarifa da energia elétrica, sabe o que faziam? Das seis e meia da tarde até umas oito da noite, eles cortavam a luz. Eu, e todo mundo, chegava em casa pra tomar banho e não tinha luz, não tinha energia. Ficava uns três ou quatro dias assim. Eles falavam: “Compramos um novo gerador”. Na tarifa seguinte vinha o aumento. Começaram a fazer isso sistematicamente, até um dia em que várias pessoas, parentes meus inclusive, foram até a Praça da República, centro da cidade e próximo à sede da Cia. de Energia. Algumas dessas pessoas já se conheciam e costumavam organizar blocos carnavalescos. Era prática comum numa cidade carnavalesca. Não tiveram dúvida, foram até a Companhia, arrancaram os portões e encheram de velas e fizeram o enterro simbólico da Companhia pelo centro da cidade. O cara que estava no comando da Secretaria de Segurança da cidade resolveu colocar

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a tropa na rua e mandou atirar contra os manifestantes. Mataram quatro pessoas. Eu me lembro, foi uma comoção na cidade. Na Câmara Municipal, dentre os vereadores surgiu a ideia de colocar os nomes dos mortos nas principais ruas da cidade. Passados alguns meses o que ocorreu? Engavetaram o projeto. Os nomes das ruas continuaram como antes. Eu, que era moleque, fiquei pensando: por que não querem colocar os nomes? Porque se botarem o nome do cara, todo mundo vai ficar perguntando: Quem foi ele? Todo mundo vai perguntar, aí é uma maneira de você perpetuar a memória. Honrar os antepassados que por uma razão nobre entregaram suas vidas ali. Então, a gente tem muita coisa que está acontecendo no país que a gente não resgata, por isso que essa parte da peça, de mudar os nomes das ruas, mexeu muito comigo. Essa reverência mesmo, contar quem foi e, voltando à questão da insubordinação, não sei se os mais novos aqui, que fazem teatro, viveram isso..., eu peguei esse período. Vocês não tiveram censura para fazer esse teatro. Na época em que eu comecei a fazer teatro profissionalmente, não existia essa coisa de chegar, montar a peça e vamos lá. Você tinha que mandar três cópias do texto para Brasília, para a censura federal. Eles analisavam o texto que você tinha mandado, cortavam cenas ou cortavam palavras, ou cortavam um ato inteiro, depois devolviam o texto e depois disso você ensaiava. Você tinha que comunicar à polícia federal que você ia estrear tal dia. Eles mandavam três censores ver os ensaios do que você ia apresentar para o público. Dependendo do que você fizesse e do que estava sendo colocado, proibia-se, cortava-se a peça inteira ou mudava algumas coisas e liberava. Não só as questões políticas eram visadas. Questões de tabu, o nu, por exemplo, era um negócio terrível, eles não permitiam isso. É preciso lembrar que estamos falando da época do “Hair”, de contestação, de sexualidade, de liberdade. Lembro-me de outro espetáculo em que os atores nus se movimentavam em cena. A censura proibiu. Nu pode, diziam, mas sem se movimentar. Aí o grupo resolveu o problema: montou-se um tablado redondo, uma espécie de “pizza”. O casal nu ficava em cima desse tablado/pizza que girava. Outra história é que eu fui convidado pelos metalúrgicos de São Bernardo do Campo para criar um grupo de teatro lá. Eu fui pra lá em 1979 e fizemos um trabalho. O primeiro trabalho que a gente fez foi uma criação coletiva. Eu tinha algumas noções de dramaturgia e passei a coordenar o grupo e fizemos uma peça coletivamente. Feita por operários: “Pensão Liberdade”. Eles sugeriram esse nome porque tem muito peão (operário) que não sabe ler direito e vão ler: “Pensam liberdade”. Montamos a peça “Pensão Liberdade” em março de 1980. O auditório do Sindicato estava lotado. No dia seguinte, segunda-feira, toca o telefone (era o diretor cultural do

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Tin Urbinatti

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Sindicato): “Tin, dá prá você chegar aqui? Tem um negócio aqui prá você ver.” Fui ao Sindicato. Eram três senhores da polícia federal. Eles queriam ver a censura/liberação da peça. Não tinha. Disseram-me para arrumar três cópias do texto. Perguntei como deveria agir. Disseram-me: “Você encaminha para a Polícia Federal aqui de São Paulo, depois a gente vai ver o espetáculo.” Os caras devem estar esperando até hoje, porque eu não fiz a cópia da peça para eles. Mas onde eu queria chegar, na conclusão, no momento em que eu soltei os cachorros lá no sindicato, eu falei: “Oh, os caras vieram aqui pra proibir a peça, não vai ter a peça”. Bem, vocês se lembram dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo na época do Lula, aquela coisa toda. Eles tomaram o sindicato no final da semana seguinte: “Manda vir! Quem eram os caras que queriam as cópias da peça? Manda vir buscar aqui no sindicato.” Fizeram o espetáculo durante seis meses e nunca tiveram problema.

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Luiza Erundina de Sousa

Luiza Erundina de Sousa é natural de Uiraúna - Paraíba. É assistente social e Deputada Federal pelo PSB. Chegou em São Paulo em 1971, fugindo da perseguição da ditadura militar e ganhou notoriedade nacional quando foi eleita a primeira prefeita de São Paulo, representando um partido de esquerda, o PT, em 1988.

O que vocês, jovens inteligentes e talentosos, estão fazendo? Enquanto assistia a interpretação que faziam com tanta graça, beleza e talento eu sonhava com vocês ocupando as ruas novamente como o fizeram quando das manifestações de junho de 2013. Só que, dessa vez, além de denunciarem a corrupção, exigindo políticas públicas de qualidade, de educação, saúde, transporte e segurança, e de reclamarem o direito à participação, por não se sentirem representados por aqueles que pretensamente os representam, também exigiriam o resgate da memória e a revelação da verdade histórica sobre os crimes da ditadura civilmilitar, além da punição dos responsáveis por tais crimes. Vocês, os jovens, não fazem ideia do potencial de força que têm, mas que precisa ser mobilizado em defesa de causas que interessam não só à juventude, mas também a toda a sociedade. Deu para ver o susto provocado pelas manifestações de junho que causaram pânico às autoridades dos três poderes da República. Foram pegos de surpresa, pois jamais esperavam que, numa incipiente democracia como a nossa, manifestações de massa, que mobilizaram milhões de pessoas por todo o país durante muitos dias, pudessem ocorrer com tal força e sem qualquer organização política no seu comando. Muito ao contrário, enxotaram alguns grupos políticos que ousaram aproximar-se. Sem organização e sem uma pauta objetiva de reivindicações, deixaram o país perplexo e as autoridades com muito medo. O inusitado daquelas manifestações foi o fato de uma multidão de pessoas, sobretudo jovens, querendo participar e clamando por mudanças. Foi um grito tão forte e potente que ainda ecoa pelo pais afora e em todo o mundo, tornando-se, inclusive, objeto de análise e estudo de cientistas políticos. A expectativa era de que aquela manifestação de força independente e autônoma não se recolhesse à vida privada de cada pessoa que dela participou. Vislumbrei no meu sonho que cada um, à sua maneira, se somasse a tantos outros para buscar resgatar a memória, como vocês estão fazendo aqui, com seus testemunhos e relatos, ajudando a desvelar a verdade sobre os crimes hediondos cometidos durante o longo e 110 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Luiza Erundina de Sousa

tenebroso período da ditadura. A verdade nua e crua; os fatos tal qual eles ocorreram, sem retoques e sem farsas. O resgate da memória é condição para se chegar à verdade, mas se ficarmos apenas nos limites da memória e da verdade, não chegaremos à verdadeira história que supõe o passo seguinte que é a justiça de transição. É imperativo, portanto, que se faça justiça às vítimas, processando e punindo exemplarmente os responsáveis pelos crimes de lesa humanidade, nos termos do marco legal em vigor, alicerce do Estado Democrático de Direito. Os familiares das vítimas e os sobreviventes da repressão política do regime clamam por justiça e esperam que ela se faça enquanto ainda estão vivos. De fato, o Governo Federal tomou a iniciativa de criar a Comissão Nacional da Verdade, mas por pressão dos familiares e das entidades de direitos humanos. Lamentavelmente, a Lei que a criou não prevê justiça, mas, apenas, o resgate da memória e a revelação da verdade histórica e tem como finalidade a reconciliação nacional, ou seja, objetiva, tão somente, investigar e relatar o que aconteceu no período da ditadura e, eventualmente, revelar a verdade sobre os crimes de lesa humanidade e os responsáveis por eles, como tortura, estupro, assassinatos e desaparecimentos forçados de opositores do regime militar, crimes esses imprescritíveis e, portanto, não passíveis de anistia, conforme preveem as normas jurídicas sobre direitos humanos, que têm validade internacional e, como tal, os Estados membros da OEA são obrigados a cumpri-las, como é o caso do Brasil. Pretender reconciliação entre vítimas e algozes é algo inconcebível e cruel. Citaria como símbolo e exemplo de luta por justiça Dona Euzita Santa Cruz Oliveira, nordestina de Pernambuco, que aos 100 anos de idade ainda procura pelo filho desaparecido, Fernando Santa Cruz. Ela dedicou a maior parte da sua longa vida, de forma corajosa e destemida, à busca de informações sobre o que acontecera com o filho, enfrentando os poderosos donos do poder. Algumas vezes, sofreu humilhação e foi desrespeitada por generais e outros agentes do Estado, armados até os dentes, e fazendo ameaças para que ela parasse com aquela busca insistente e inútil, segundo eles. Inútil, porém, era tentar convencer uma mãe, que procurava desesperadamente pelo filho desaparecido, desistisse da esperança de encontra-lo, vivo ou morto. Não seria exigir demais do governo que, antes de Dona Elzira partir, desse a ela o consolo e algum fruto da sua busca, ou seja, a verdade sobre o sumiço do seu filho Fernando. O mesmo deve ser exigido para todas as outras mães, esposas, filhos e irmãos que também procuram sem trégua seus parentes desaparecidos nos porões tenebrosos da ditadura.

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Luiza Erundina de Sousa

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Até eu que sou apenas uma buscadora junto com muitos outros, familiares ou não, da verdade sobre as atrocidades cometidas pelo regime militar no país, luto contra a tentação de desistir e continuar acreditando que, mais cedo ou mais tarde, se fará justiça aos que sacrificaram suas vidas no altar da liberdade e da democracia no Brasil. Há alguns dias, tivemos uma reunião com companheiros de luta e, como sempre acontece quando nos reunimos, fizemos uma avaliação da nossa jornada e vimos o quanto ainda temos que caminhar e acreditar juntos. Não queremos que a Comissão Nacional da Verdade produza um relatório que depois vá para o Arquivo Nacional, e sirva apenas como fonte de referência para os que quiserem realizar pesquisas sobre aquele triste período da nossa história. Também não devemos aceitar que a apresentação do relatório da Comissão seja o fim de um processo que ainda está inconcluso e que só terminará quando virarmos a página dessa história, condição para que se consolide a redemocratização do país. As feridas ainda sangram e, como diz a presidente do Chile, Michelle Bachelet, “as feridas só saram quando forem lavadas”. E ainda há muita ferida sangrando no Brasil, à espera de que a verdade venha à luz e se faça justiça às vítimas do regime militar. As ossadas encontradas na vala clandestina no cemitério de Perus, em São Paulo, aguardam há mais de 20 anos a perícia para se completar as investigações que foram iniciadas pelo nosso governo. Dentre as 1.048 ossadas encontradas, foram identificados 7 corpos de desaparecidos políticos. Mas o restante, e são muitas, até hoje não foram periciadas. Na época, o governo afirmava não haver desaparecidos políticos. E depois que as ossadas foram encontradas, não são periciadas? Quando é que isso vai acontecer? Quando chegaremos à verdade? São perguntas há muito sem resposta. Por isso, sonho que a juventude volte às ruas e inclua nas suas denúncias essa terrível omissão do governo brasileiro e exija a revisão da Lei da Anistia que é o instrumento que mantém os criminosos impunes e que impede que se faça justiça às vítimas. Essa Lei absurda anistiou tanto as vítimas como seus algozes. E para corrigir tamanho disparate é preciso que essa Lei seja alterada e, nesse sentido, existe um Projeto de Lei de minha autoria na Câmara dos Deputados Federais. Mas, lamentavelmente, não há vontade política, nem dos Partidos nem do governo, para que seja votado e aprovado. Está mofando nas gavetas das Comissões daquela Casa desde 2011, quando foi apresentado. De que adianta apontar os torturadores se eles ficam impunes? Adianta, sim, para que sejam execrados nas praças públicas como violadores dos direitos humanos. Pior é que a tortura continua nas

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Luiza Erundina de Sousa

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delegacias de polícia, bem como os desaparecimentos, como é o caso do Amarildo e de tantos outros, até hoje não esclarecidos. Enquanto isso, os torturadores continuam soltos e impunes. O militarismo da polícia civil e os crimes que comete todos os dias são resquícios, portanto, da ditadura militar, o que significa que a ditadura ainda não acabou. Finalmente, precisamos cobrar do governo o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA que condenou o Estado brasileiro a investigar e apurar a verdade sobre a guerrilha do Araguaia; a que faça justiça às vítimas, processando e condenando os criminosos, para que não fiquem impunes. Só, então, se poderá afirmar: “agora a redemocratização do Brasil está concluída; acabou de fato a ditadura militar”.

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Maria Auxiliadora Arantes

Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes é psicóloga e psicanalista. Fundadora e dirigente do Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo - CBA/ SP (1978-1982); Coordenadora geral de Combate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2009-2010). Militante da Ação Popular Marxista Leninista -APML ( 1961-1976).

Eu fui presa no dia 13 de dezembro de 1968, dia em que foi decretado o AI-5. Nessa ocasião, eu morava no interior de Alagoas, onde eu fazia um trabalho político com os camponeses da região. Eu era professora e utilizava o método Paulo Freire de educação. A minha casa foi invadida de noite. Lá, na cidade de Piraconha, não tínhamos luz, nem água encanada. Nós fomos acordados pelo barulho de armas e homens que batiam e gritavam na porta: “Abre a porta Dona Maria! Abre a porta Dona Rosa.” Rosa era uma amiga que estava comigo naquela ocasião. E estávamos apenas nós duas e nossos três filhos. A minha casa foi então arrombada e eu fui presa junto com os meus filhos que tinham apenas dois e três anos de idade. Eu imaginei que seria apenas uma coisa passageira, que duraria algum tempo, alguns dias. Eu não sabia ainda o que era o AI5. Não tínhamos muita noção de tudo aquilo. Eu tinha acabado de escutar no rádio que, para funcionar naquele lugar tão longínquo, era necessário colocá-lo para o lado de fora da casa. E o coronel que nos prendeu me disse: “A senhora não sabe o que é o AI-5? Pois então, é um Ato Institucional que nos permite prender todo mundo que for suspeito. Prender as pessoas que estão aqui na nossa região fazendo trabalho político. Vocês não são camponeses nem são daqui da região, portanto vieram aqui por algum motivo político.” E assim eu fui presa e fiquei presa durante quatro meses e meio, e, durante todo esse tempo, eu nunca imaginei, como mãe, o que eu poderia fazer pelos meus filhos, que estavam ali presos também. Primeiro, nós fomos levados para o DOPS, depois, fomos transferidos para cadeia, e depois, levados para um hospital e fomos colocados numa área de doenças infecto contagiosas. E eu não sabia direito o que fazer com as crianças naquele ambiente, elas eram muito pequenas. Eu e minha companheira Rosa inventávamos coisas para os nossos filhos fazerem. Uma das coisas que aconteceu no quartel da marinha e que me deixou surpresa e muito aterrorizada foi um dia em que um capitão me disse: “Dona Maria, a senhora está aqui, nessa situação, está presa e a sua família não sabe, seus companheiros não vieram retirá-la, a senhora não tem advogado, ou seja, a senhora não tem futuro nenhum. Com esses dois filhos tão pequenos. Então eu conversei 114 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Maria Auxiliadora Arantes

com a minha mulher e nós não temos filhos, e eu disse a ela que tem um rapazinho aqui de três anos. A senhora não quer me dar o seu filho?” Foi então que eu percebi que a minha prisão não havia sido registrada, não tínhamos nenhum advogado, minha família não tinha conhecimento do que estava acontecendo conosco, mas eu imaginava que a nossa organização soubesse. Nesse momento eu vi que de fato eu estava muito vulnerável com os meus filhos naquele lugar. Eu fiquei indignada, e se eu tivesse um gesto mais ousado, eu teria cuspido na cara daquele homem. Mas eu não tive coragem. Eu fui apenas chegando para trás com o meu filho nos braços. Depois, ainda fiquei mais uns 15 dias naquele lugar, até que finalmente fomos para uma audiência em Recife. E acabamos sendo expulsos da sala da auditoria porque o André, a Priscila e a Rita fizeram uma bagunça danada na sala, a mando dos nossos advogados que disseram assim: “Ponham as crianças para correr e brincar!” Imaginem aquelas crianças que tinham ficado quatro meses presas num lugar onde elas não podiam correr, gritar e fazer bagunça. O fato de não terem registrado nem a nossa prisão nem a dos nossos filhos não é uma questão meramente burocrática, a questão é que eles poderiam ter sumido e eu não teria como provar que eles foram presos e estavam junto comigo. E não há, até hoje, nas auditorias militares de Alagoas e de Recife, não há registro de prisão da Priscila e do André. Eu imaginei que esse fato, depois de tanto tempo, já não teria tanto significado para nós. Eles não se lembram muito porque eram pequenos demais. Eu sabia que, por ser uma militante política, teria que ser responsável pelos meus atos e por minhas escolhas, mas eu nunca havia imaginado que os meus filhos também sofreriam com isso e passariam por tantos constrangimentos. Nos dias em que ficamos presos naquele hospital militar, tínhamos apenas 15 minutos para ficarmos do lado de fora. Isso acontecia sempre depois das 16h, e eles nos deixavam numa área de descarte de material. Era um hospital de policlínica que trabalhava com muitas próteses, então, nesse lugar externo, tinham muitos pedaços de gesso, bandagens e outros materiais utilizados no hospital. Um dia nós estávamos sentados nesse pátio numa escada onde batia ainda um pouquinho de sol, e estava cheio de ratos. E eu comecei a brincar com as crianças, dizendo para eles que aqueles ratinhos eram gênios, ratos espertos que corriam dos gatos. E eles me perguntaram: “Mãe e onde é que está o gato?”. E eu respondi: “O gato está lá dentro”. Depois meu filho disse: “Se o gato está lá dentro, nós somos os ratos.” E, nessa ideia da brincadeira, os gatos não tinham face, porque eles nunca se apresentavam. Esses homens deixaram marcas em mim, como mãe e militante, que são presentes até hoje. E eu quis contar essa história pra vocês porque eu tenho certeza que existem muitas

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Maria Auxiliadora Arantes

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mulheres mães até hoje que são presas, nas comunidades, nas ruas, e que são levadas muitas vezes junto com os seus filhos, e que o registro de prisão dessas crianças nunca é feito. Até hoje, isso continua acontecendo. E por mais que essas mães digam depois: “Ele estava comigo! Eu o vi saindo de lá!”, sem o registro de prisão, ela nunca poderá provar.

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Roberto Costa Pinto Roberto Costa Pinto é arquiteto.

É difícil falar de 68/69, eu ainda era muito jovem. Em 69, eu tinha de 15 para 16 anos. Uma época de tanta brutalidade e trevas, esses são os dois adjetivos. Meu pai era um jornalista conhecido como Costa Pinto. Foi sempre um militante político. Meu pai veio de Belém do Pará, veio na tradição da família dele, dos primos, todos eles militantes comunistas, isso em Belém. Ele vem pra São Paulo com 20 e poucos anos e sempre militou no Partido Comunista. Na década de 1960, depois de 64 com o Golpe Militar, há uma divisão na história política do Brasil. Algumas pessoas se interessam por isso e o PC toma uma postura em relação ao Golpe Militar. Há uma dissidência dentro do PC e se cria a ALN. Isso eu soube depois, através de leituras, de conversas com meu pai. Meu pai é preso em 69, logo após a morte do Marighella. Ele é preso em novembro, a morte do Marighella - acho - foi um ou dois meses antes disso. Mas é curioso, ele não foi morto, não foi assassinado, não é um desaparecido político, mas agora já faleceu também, em 2002. Ele levou sua luta até o final de sua vida. Foi um homem destruído pelas torturas que sofreu. Talvez não tenha sofrido mais do que outras pessoas sofreram, mas para ele foi o suficiente. A tortura sofrida no DOI-CODI..., até hoje lembro, quando passo em frente do prédio, as lembranças que são terríveis. O prédio da cidade, da Brigadeiro Luís Antônio, da auditoria militar, aquilo pra mim também traz muitas lembranças. O portal do Presídio Tiradentes, ao lado da Pinacoteca, também me traz lembranças. Mas a pior que trago comigo, que foi muito traumático pra mim como filho, como jovem, foi a do manicômio judiciário de Franco da Rocha, onde, no percurso da prisão do meu pai, ele foi parar. O caso dele é emblemático e, justamente por causa disso, ele foi o único preso político que ficou naquele manicômio. Aquilo era um inferno, uma temporada no inferno. Não sei nem se existe ainda, talvez exista. Em todos os lugares, as visitas eram horríveis para um jovem como eu. O Presídio Tiradentes, o hospital militar, - eu me lembro disso tudo-, a aeronáutica no Cambuci, depois o hospital da Polícia Militar atrás do prédio da Rota. O próprio DOPS e o inferno que é passar em frente do DOI-CODI na Rua Tutóia. Foi cruel, foi um momento de muita crueldade, de muito medo, de se queimar livros. Eu vivi isso. Eu queimei livros no quintal da minha casa. Ele era militante, tinha livros. Até hoje, eu tenho alguns desses livros, não sei como sobraram na biblioteca dele. Hoje em dia, não sei a quem interessa, por exemplo, a criação do PC chileno ou a criação do CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 117


Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

“Saudade do futuro que não houve aquele que ia ser nobre e pobre como é que tudo aquilo pôde virar esse presente podre e esse desespero em lata?”

Roberto Costa Pinto

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Movimento de Libertação Sandinista, na Nicarágua, ou os livros do PC na Polônia, do Leste Europeu, de Stálin, Lênin, Marx e manuais de guerrilha. Eu tenho essa lembrança, meu pai me falava muito disso, que o grande homem realmente para ele, da geração dos grandes homens, foi o Carlos Marighella... ele era a grande referência, a grande liderança desse movimento. São muitas histórias... é curioso que eu venha também de um grupo de teatro, e, só há pouco, eu soube que também o filho de outra pessoa, talvez mais jovem do que eu, e que trabalhou comigo alguns anos, que o pai dele era um torturador, era um militar. São muitas histórias que podem ser contadas, de muitos pontos de vista. O meu ponto de vista é de muita dor, de sofrimento, de até hoje não concordar. Militar e polícia até hoje me dão ojeriza, o autoritarismo me dá ojeriza. De certa forma, eu herdei um senso de justiça, mas cada um tem o seu filtro. Eu tenho duas irmãs mais velhas do que eu, e o filtro delas é diferente do meu, absolutamente diferente do meu. Então, eu acho que pelo fato de ser artista, de ser sensível à arte e achar que é possível... o trabalho de vocês mostra tudo isso, a possibilidade de fazer a partir do teatro de vocês e dessas situações, entender que na arte é possível transcender alguma coisa, quer dizer, não é só um pensamento social, objetivo, de como entender a sociedade que leva à alteração das coisas. Me parece que essa proposta de vocês, de trazer esses depoimentos das pessoas aqui, consiga transcender e buscar uma outra coisa. Eu tenho um poema do Paulo Leminski, de Curitiba, que eu gostaria de ler um trechinho, chama “Campo de sucatas”:

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Liniane Haag Brum

Liniane Haag Brum é autora do livro “Antes do passado – o silêncio que vem do Araguaia” (Arquipélago Editorial, 2012), sobrinha de Cilon Cunha Brum (1946-1974).

Meu tio é desaparecido político da guerrilha do Araguaia, só que agora eu tenho idade para ser tia dele. Tô falando isso porque é um pouco trágico, é o gancho do que eu queria falar, compartilhar com vocês, a experiência de escrever sobre ele. Na verdade, eu tive uma experiência muito familiar. Eu nasci em 1971, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e ele também era gaúcho, só que morava em São Paulo na época quando eu nasci. Ele era irmão do meu pai, e a família não tinha conexões com a esquerda, com o comunismo. Daí meu pai ficou desconfiado que o irmão estivesse envolvido com atividades estudantis de esquerda e falou: “Olha, minha filha tá nascendo, vem batizá-la”, numa tentativa de proteger ele. Aí ele foi e a história da minha vida passou a ser que ele foi visto pela última vez pela família no meu batizado. Aí ele desapareceu. Demorou muito tempo pra se saber que tinha havido uma guerrilha no Araguaia em 1972, que ele foi desaparecido, não foi assassinado. Durante muito tempo, esse foi um assunto que virou tabu pelo trauma que causou. Durante muito tempo não se pôde falar nisso no Brasil. Então, depois, eu trabalhei com cinema e TV muito tempo, e chegou um momento em que eu comecei a resgatar a vida dele através de entrevistas, no Rio Grande do Sul passando por São Paulo e finalmente no Araguaia. Ele foi morto com 28 anos, então, na verdade ele entrou no Movimento Estudantil da PUC aqui em São Paulo e depois se engajou no Partido Comunista, no PC do B, e aderiu à estratégia da guerrilha. Foi para a luta armada e o termo “pegou em armas” é um termo que não gosto de usar, é um termo que não diz nada, virou um chavão. E hoje o meu pai costuma me dizer que ele não é um desaparecido político, ele é um morto escondido pelo governo. Acho que essa experiência é a que eu gostaria de compartilhar e acho que esse momento ajuda muito. Eu fiquei muito emocionada com a carta que eu recebi, e, na peça, com esse momento do espetáculo.

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Vera Paiva

Vera Paiva é psicóloga, professora da Universidade de São Paulo, pesquisadora e ativista de Direitos Humanos desde a juventude. Filha de Rubens Paiva.

Como vocês disseram aqui na peça, que “é um problema pessoal” e “não é pessoal”, eu acho que a história que vocês estão contando aqui no teatro está cheia de paixão, não só pelo outro, mas paixão também pelas causas e pela liberdade. Eu trouxe um livro aqui de presente para vocês que pode ser colocado na mesa, e eu nem sabia da existência dos livros nesta cena, mas achei uma boa ideia. Eu tinha 16 anos e eu era uma pessoa que estava mais distante da cena do desaparecimento do meu pai, Rubens Paiva. Eu era a mais distante porque estava fora do Brasil. Sou a filha mais velha dos cinco filhos e eu tinha saído para estudar inglês fora do país, e estava hospedada na casa do Gasparian, outro lutador que estava exilado. Um dia, depois de um tempo de estranhamento, num ambiente desconhecido que eu não entendia muito bem, ao chegar à escola de inglês, eu vi em cima da mesa, na capa do jornal “Times” de Londres, a cena e a notícia de que meu pai tinha desaparecido, que tinha sido preso e provavelmente jogado de um avião. Eu era a mais velha, e meus irmãos que estavam no Brasil passaram dois dias com a casa ocupada. A Eliana, minha irmã, foi presa junto com a minha mãe dois dias depois do meu pai, no DOICODI do Rio de Janeiro. Meus irmãos de 11 e 12 anos de idade... o Marcelo Rubens Paiva tinha essa idade mais ou menos... passaram dias com a casa ocupada por policiais enquanto tinham levado minha mãe e minha irmã. Essa foi a cena inicial que aconteceu há 42 anos. E dessa cena, como vocês lembram e disseram hoje, a gente não pode esquecer. É a cena da minha juventude. Eu era estudante, como muitos de vocês que estão aqui no teatro hoje, e nós lutávamos pela liberdade, contra a ditadura e pela anistia de todos os presos políticos e de todos os exilados. Eu estudava na PUC quando ela foi invadida. Meninos e meninas presos, humilhados no estacionamento, bombas que incendiaram as pernas das meninas que usavam meias de seda. Há 20 anos, no programa do Serginho Groisman na Rede Globo, aquele de fim de noite, eu fiquei frente a frente com Erasmo Dias. E o Serginho me colocou junto com outra moça que foi queimada naquele dia da invasão para entrevistar o coronel Erasmo Dias, que era quem nos perseguia e nos assombrava. Era a época da criação do DCE da USP, do Movimento Estudantil e da luta pela liberdade. Depois de 10 anos, de 1968, com o AI-5, até aquele momento da invasão da PUC que foi em 1978... Eu então fiquei frente a frente com o coronel, 20 anos depois, o deputado Erasmo Dias... porque 120 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Vera Paiva

depois de tudo ele havia sido eleito pela “democracia”. E eu perguntei: “O que o senhor está sentindo nesse momento e como é que viveu todos esses anos com a memória do passado? Jogando bomba na gente que defendia a liberdade e o direito de se expressar, de agir livremente, de instalar uma democracia, de lutar pela justiça, denunciar a opressão, etc. e etc. E ele me respondeu: “Eu não mudei, eu continuo o mesmo!” E eu insisti na pergunta: “E por que o senhor fez aquele ato de vandalismo que quase matou e incendiou tantas moças?” E ele disse: “Eu estava cumprindo ordens. Podiam ser pessoas ou ser também baratas, porque pra mim tanto faz.” Foi aí que ficou claro pra mim. Aquele discurso que a gente tinha, de enfrentar para entender, como o que vocês estão fazendo aqui hoje, e a pergunta, como e quantos homens viraram baratas? Não é? Quando foi que essa violência se distribuiu pelas periferias da cidade? Violência que mata e que desaparece com mil Amarildos. Hoje está no jornal “Estadão”: (Vera lê a matéria do jornal ao mesmo tempo que faz comparações com a história do seu pai) Amarildo de Souza desapareceu com 47 anos de idade. Meu pai, Rubens Paiva, tinha 41 anos. Amarildo tinha 1,70 m de altura. Meu pai tinha 1,76 m. Amarildo era negro. Meu pai era branco. Amarildo, pedreiro. Meu pai, engenheiro. Amarildo era casado e irmão de onze, era pai de seis filhos. Meu pai era casado e irmão de seis, pai de cinco filhos. Amarildo era morador da favela da Rocinha. Meu pai era morador do Leblon. Amarildo descamisado, vestindo apenas bermuda e chinelos, foi levado pelos policiais para UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na noite de domingo, 14 de julho de 2013 e sumiu. Assim como o pedreiro Amarildo, o engenheiro Rubens Paiva e a psicóloga Iara, milhares desapareceram no país pós-ditadura, só no Rio de Janeiro foram mais de dez mil Amarildos mortos entre os anos de 2001 e 2011 em circunstâncias policiais que nunca foram esclarecidas. O Amarildo de Souza é só mais um. Então vejam, o que a gente tem que pensar é quando os homens viraram baratas. E os homens viraram baratas na guerra civil em que a gente vive hoje. Essa guerra foi produzida pelos torturadores, por aqueles que sustentaram a violência do Estado... e quando estavam perdendo o poder, ao longo dos anos de 1980, transformaram os Direitos Humanos em “direitos dos bandidos”, transformaram a minha família e a família de várias outras pessoas em bandidos, como fizeram com a maioria, tudo para justificar a violência do Estado e da tortura cotidiana. O que eu quero ressaltar aqui é que tudo isso é maior ainda entre os presos, as mulheres, entre os negros, no genocídio indígena, coisa que, aliás, ninguém fala. E a minha mãe depois da tragédia pessoal virou advogada e passou anos a defender. E a violência contra os homossexuais? Às vezes não basta aparecer nu para

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Vera Paiva

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apanhar, como foi o caso do pai que bateu e massacrou o filho. Então eu fico muito feliz com essa peça de vocês da Cia. do Tijolo... Emocionandome e trazendo-me várias lembranças vivas. Essa juventude que está aqui, eu espero que pegue o bastão para carregar, porque o meu pai não foi inocente, nem bandido... como me disse uma vez Romeu Tuma, que o meu pai haveria fugido para Cuba para ter outra família por lá. Ele me disse isso quando eu fui interrogada por ele. Romeu Tuma que depois virou senador da República e morreu quase como um herói, se é que vocês se lembram. E ele me disse assim: “Seu pai e sua mãe fazem o quê?” E eu respondi: “Você deve saber melhor do que eu.” E ele respondeu em tom sarcástico: “Não! Não se preocupe. O seu pai está bem, com outra família lá em Cuba.” As provas que a Comissão da Verdade levantou esse ano de que ele foi torturado no prédio da Aeronáutica do Rio de Janeiro é um alívio contra essa humilhação que nos fez durante anos ouvir coisas desse tipo. E eu não ouvi isso só do Romeu Tuma não, ouvi também de outros professores da USP e de pessoas que não tinham a menor simpatia pelas causas que meu pai defendia e pelas quais morreu. Ele era um apaixonado pela liberdade como muitos outros na história desse país. Eu não sei mais o que dizer. A democracia e a liberdade são uma construção diária. Todos os dias, a cada geração. Ela não é um caso irrevogável, ela é construída por cada um de nós, diante de cada Amarildo, diante de cada pessoa que sofre com a violência do Estado, a violência dos homens que viraram baratas.

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Adriano Diogo e Amelinha Teles

Adriano Diogo é integrante da Comissão Rubens Paiva da Verdade de São Paulo. Maria Amélia de Almeida Teles é ex-militante do PCdoB e ex-presa política, integrou organizações da luta armada contra a ditadura militar no Brasil e atuou como militante feminista em diversas frentes.

Adriano Diogo – Meu nome é Adriano Diogo, eu tenho 64 anos, fui preso aos 23 anos de idade. Eu estudava na Escola de Geologia da USP. Num sábado saí da aula e, em seguida, fui para casa. Eu morava na Mooca e quando cheguei em casa tinha um caminhão da Folha de São Paulo parado na porta. Eu entrei e vi uns homens saindo do caminhão. Quando eles entraram na minha casa, eu estava tomando banho, tomei logo uma coronhada no olho direito e fui arrastado pelas escadas. Eles me levaram num opala verde, com capuz para que eu não visse nada, mas eu olhava por debaixo do capuz. Cheguei à Operação Bandeirante, na Rua Tutóia, entre 13h e 14h, fui recebido no pátio, e, nesse momento, ainda estava encapuzado. Ao chegar, fui recebido num corredor polonês e os caras me bateram muito, me bateram com pau. Então, um deles me falou: “Olha, toma cuidado porque o chefe está muito nervoso.” E eu perguntei: “Onde é que eu estou?” Ele respondeu: “Você está na Operação Bandeirantes, cara, você está na sala do inferno, e o comandante está muito nervoso. Eles acabaram de matar um colega seu, o Minhoca, o Alexandre Vannucchi Leme.” Eu falei: “O Minhoca morreu?” “Morreu”. Aí eles vieram e tiraram o meu capuz, e o cara falou: “Você é o Adriano Diogo? Seu filho da puta! Eu acabei de matar o seu amigo Minhoca. Mandei ele pra Vanguarda Popular Celestial. E você sabe o que é isso aqui? Sabe o que é esse revolver? É um magnum seu canalha, e eu vou te matar também, com esse magnum eu vou te mandar pro céu junto com o seu amigo Minhoca.” Em seguida, ele colocou outra vez o capuz em mim e eu comecei a ser interrogado. Eu fiquei 90 dias na OBAN (Operação Bandeirante). Enquanto eu estava lá, fiquei muitos dias na solitária, que eles chamavam de cofre porque tinha uma porta de ferro. Enquanto eles iam matando as pessoas na tortura, eles traziam as fotos das pessoas costuradas depois da autópsia para a gente ver. Eles trouxeram a foto de um colega meu da Geologia, o Ronaldo Mouth Queiroz, que eles mataram uns 40 dias depois da minha prisão. Eles trouxeram a foto do Crioulo uns 90 dias depois. E eles trouxeram também as fotos de duas pessoas que eles mataram em Goiás, a Maria Augusta Thomaz e o Márcio Beck Machado. Eu vi enterrar tudo que é tipo de gente, camponeses que vieram de Ribeirão Preto, camponeses de Goiás, etc. Vi todo o meu CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 123


pessoal da USP, da Geologia, todo mundo passava pelas sessões de tortura. Era impressionante a quantidade de gente que eles prendiam por dia. Até o nosso advogado foi preso, o Idibal Pivetta. Depois me levaram para o DOPS e lá tinha um rapaz paraguaio preso que se chamava Jorge Barrett, irmão da Soledad, uma paraguaia que foi assassinada em Recife pelo Fleury (Sérgio Paranhos Fleury – delegado do DOPS/SP) e pelo Carlos (Augusto) Metralha. Soledad foi delatada pelo cabo Anselmo. Eles tiveram um caso, mas ninguém sabia que o cabo Anselmo era um agente infiltrado, ele tinha passado para o lado dos ditadores e entregou seis pessoas que foram assassinadas pelo Fleury em Recife. O irmão dessa moça, o Jorginho, foi trazido para o DOPS e de noite, enquanto a gente estava lá na cela, passava um homem pela grade e dizia: “Meu nome é Edegar de Aquino Duarte, sou um ex-militar brasileiro e eu estou aqui guardado, aguardando a morte, porque um dia eles vão me matar também.” Esse ex-militar está desaparecido até hoje também. O único crime que ele cometeu foi que ele era militar junto com o cabo Anselmo e, portanto, ele sabia de tudo, ele conhecia o cabo Anselmo desde o tempo em que eles eram jovens sargentos da marinha brasileira na rebelião de 1964, antes do cabo Anselmo ter todo o envolvimento que teve, e por aí afora... Eu fui preso junto com o Cesar Vieira, o Ivan Seixas também. A Amelinha estava do outro lado, na ala feminina. Uma noite lá no DOPS apareceu na grade, completamente louco, o Fleury, assassino doidão, vocês nem podem imaginar... O militar que recebeu a gente lá naquela época era coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que era o chefe do DOI-CODI. O Fleury era comandante do DOPS, delegado chefe, muito doido e perigoso. Depois quando eu soube de toda a história do Ivan Seixas e do que estava acontecendo com a família dele, nós íamos contando as histórias uns para os outros...

Adriano Diogo e Amelinha Teles

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Capítulo Iii - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Maria Amélia de Almeida Teles – Boa noite, eu sou Amelinha Teles e tenho 68 anos. Durante a ditadura eu fui presa por duas vezes. A primeira vez foi logo depois do Golpe Militar em Belo Horizonte. Eu fui levada para o quartel do Barro Preto e ameaçada de tortura junto com a minha irmã. O meu pai já se encontrava preso e ficou por algum tempo desaparecido. Eu, em função de um processo político de perseguição, fui viver na clandestinidade, primeiro no Rio de Janeiro e depois aqui em São Paulo. No dia 28 de dezembro de 1972, eu estava junto com o meu companheiro que também está presente aqui hoje, Cesar Augusto Teles, e com um dirigente comunista que era amigo nosso, Carlos Nicolau Danielli, que também militava junto com a gente. Nós éramos militantes do Partido Comunista e fomos sequestrados na Vila Clementina por

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Adriano Diogo e Amelinha Teles

volta das 18h30. Fomos levados direto para Operação Bandeirantes, o DOI-CODI do exército. Quando chegamos lá, o Cesar e o Danielli foram arrancados de um opala verde e já começaram a ser espancados no pátio. Eu fiquei por um tempo sem ser espancada e solta no pátio, quando ouvi um homem gritando e dando ordens. Dirigi-me então a esse homem porque percebi que ele comandava toda aquela operação. Tinham muitos homens dentro. Eu disse para ele que ele não podia permitir que as pessoas fossem torturadas daquela forma, espancadas daquele jeito, e ele gritou comigo: “Foda-se sua terrorista!” E me deu um tapa com as costas da mão com tamanha força que eu caí, e ele continuou gritando para que os homens viessem me pegar e que me levassem para a sala de tortura. E foi assim também com o Danielli e com o Cesar. Lá tinham três salas de tortura, duas na parte superior do prédio e uma em baixo. O Danielli só era torturado na sala de baixo e eu e o Cesar na parte de cima. Arrancaram nossas roupas, deram choques elétricos e palmatórias. A palmatória é muito sofrida porque ela tem uns buraquinhos e vai puxando a pele... é como se passassem uma lixa grossa na sua mão, e aquilo vai machucando. Puseram a gente no pau de arara, na cadeira do dragão, enfim, nós ficamos assim, sendo torturados, e depois buscaram... (emocionada). Foi tudo muito sofrido. O Cesar ficou em estado de coma dentro da 2° sala, e eu fiquei na 1° sala. No outro dia sequestraram meus filhos e minha irmã grávida de 8 meses. Meu filho tinha cinco anos e minha filha quatro anos de idade. Eles me viram na sala de tortura, nua, e eles me perguntaram: “Mãe, porque você ficou azul e o papai verde?” É difícil, é muito difícil falar sobre isso, porque o que eles fizeram com a nossa família nos marcou para sempre. Eu acho que o Danielli era só torturado, torturado, torturado o tempo todo e quando foi finalmente morto sob tortura, ele tinha hemorragia no nariz, boca, ouvidos, eles arrebentaram o Danielli por dentro. E nós fomos testemunhos dessa morte, eu e o Cesar, então a gente carrega toda essa história. Meus filhos ficaram nos corredores da Operação Bandeirantes. Eles nos torturavam e às vezes levavam a gente de volta para cela. Eu via meus filhos correndo no corredor da prisão e eles olhavam pra mim e não me reconheciam. Muito tempo depois o meu filho me disse assim: “Eu tenho essa lembrança muito forte de que eu ouvia a sua voz, mãe, mas não reconhecia o seu rosto, de tão desfigurado que estava.” Nós ficamos ali por um tempo sendo torturados, pelo menos durante os primeiros 15 dias, depois acho que eles esperaram um tempo para que as marcas da tortura desaparecessem e nos transferiram então para o DOPS. Minha irmã também foi torturada e ela estava grávida de 8 meses. Ela participava da Guerrilha do Araguaia que acontecia no sul do Pará. Foi transferida

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 125


Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Adriano Diogo e Amelinha Teles

os depoimentos dos convidados da mesa-palco

para Brasília, mas ninguém tomou conhecimento disso. A gente não sabia então se ela estava morta, se a criança tinha nascido ou não... Nós fomos torturados durante 15 dias, mas nos outros dias em que estávamos lá nós também sofríamos todos os tipos de ameaças, então a gente nunca tinha a segurança de que não seríamos mais levados às salas de tortura. Nossos filhos também foram ameaçados de tortura para que nós falássemos. Eles diziam que iriam matar nossos filhos. Quando eles mataram o Carlos Danielli foi sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra, que na época era major, e que usava o nome de Doutor Tibiriça, ou Doutor Silva, usava sempre codinomes, e toda a ordem era dada por ele junto com dezenas de torturadores. Quando eles mataram o Danielli, eles publicaram num jornal assim: “Terrorista morto em tiroteio”. Inclusive quem me mostrou o jornal foi o Aparecido Laertes Calandra, delegado de polícia aqui do Estado de São Paulo. E nós questionamos! “Se ele foi morto sob tortura como é que vocês publicam que ele foi morto em tiroteio?” E eles responderam: “Aqui a gente dá a versão que a gente quiser para a morte de vocês. Vocês também podem virar uma manchete como essa aqui.” E isso aconteceu há 40 anos, mas infelizmente essas histórias ainda se repetem. Vocês colocaram aqui na peça “onde está o Amarildo?” e tantos outros que desaparecem e são assassinados todos os dias, jovens que desaparecem! Nossa família entrou com uma ação para que o Estado brasileiro declarasse o coronel Carlos Alberto (Brilhante) Ustra como torturador, e a justiça paulista reconheceu em 1° instância e 2° instância. Hoje, Carlos Alberto Brilhante Ustra é o único torturador declarado como tal pelo Estado.

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Belisário Santos Junior

Belisário Santos Junior é advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas.

Nem a Espanha do pós-franquismo, muito tempo após a Guerra Civil, nem o Brasil, já finda a ditadura militar há décadas, conseguiram enterrar todos os seus mortos. Ainda estão desaparecidos Federico García Lorca e Rubens Paiva, Heleny Guariba e tantos outros. Antes de ser advogado fui amigo de um menino... Eu o conheci quando eu tinha cinco anos, ele 7. Seu nome era Chael Charles Schreier (1946-1969). Esse menino jogou bola comigo. Esse menino que namorava na minha casa, porque namorava uma menina que não era judia como ele era. Esse menino ia ao cinema comigo. A última vez que o vi, eu estava de carro, ele a pé cruzou na minha frente na Praça João Mendes. Meses depois ele seria assassinado no Rio de Janeiro, no quartel da polícia do exército do Rio de Janeiro. O corpo só foi entregue à família porque era uma família de prestígio do Rio, a de São Paulo era pobre. Ele foi assassinado sob tortura pelo Capitão Guimarães, que além de triste fama de ser torturador do DOI-CODI, ainda foi bicheiro, foi de equipe de extermínio no Espírito Santo e, claro, assaltante. O mesmo regime que matou Chael, quebrou a normalidade legal em 64 e destituiu um presidente eleito porque movido pela vontade de fazer reformas. O ambiente era assim nos CPCs da UNE, quem não se lembra? Vejam quantos cabelos brancos estão aqui... Esse regime civil militar instalado pela força das armas não se contentou com a “legalidade” que instaurou entre aspas, tentou fazer com que essa legalidade fosse regularizada e criou duas constituições, que ainda hoje citamos entre aspas, a de 67 e a de 69. E criou várias leis de segurança, sempre num crescendo, quando elas não lhe bastavam, porque a legalidade que eles criaram, eles não cumpriam... Foi num crescendo até a instituição da pena de morte e até o Ato Institucional nº 5, aquele ato que fez de tudo, mas acima de tudo nos tirou a garantia de todos os direitos: o Habeas Corpus. Esse regime se baseava numa doutrina que era a doutrina da segurança nacional que entendia serem inimigos do regime as pessoas que ousavam pensar diferente... entendia que o que se fazia nos bastidores contra o regime não era a resistência popular, mas era guerra psicológica adversa, e isto não era somente uma noção militar, era um conceito propositadamente pensado para: primeiro, conduzir toda a apuração dos crimes cometidos para a justiça militar, que assim é na guerra, e para prender e para eliminar qualquer tipo de opositor, porque na guerra é assim. E assim foi criada a Operação Bandeirantes, e os DOI-CODI e DOPS, para fazer tudo ilegal, para CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 127


Belisário Santos Junior

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Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

levar ao desaparecimento, às mortes, às execuções forçadas, enfim, era essa a técnica que foi admitida até pelos presidentes da república. Há escritos nesse sentido. Não foram atos isolados de algumas pessoas más da cabeça. Não, isso foi uma política de Estado, com violações sistemáticas, massivas, e é por isso que esses crimes não podem ser considerados como crime qualquer, eles são crimes de “lesa humanidade” e não prescrevem e não podem ser anistiados. Devem ser punidos a qualquer hora em que forem descobertos, apesar da má vontade do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido julgou a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Naquela época havia muito medo. Para ir ao Ato ecumênico em homenagem ao Herzog, nós fizemos uma reunião no escritório. Imaginem antes de 1975... A missa do Herzog foi filmada da platibanda da Ordem dos Advogados do Brasil, que depois se converteu no bastião de resistência ao regime militar. Para aceitar o caso do Manoel Fiel Filho, em que eu e o Marco Antônio Barbosa fomos advogados, eu na parte penal, ele na parte civil. Não aceitei o caso antes de uma reunião de família. Eu, a Ia e duas meninas que não entenderam nada, mas entenderam o sentimento de medo e a necessidade de reagir. Porque o bater na porta à noite, ou um guarda que acenasse para parar o seu carro... não se sabia o que poderia acontecer. Mas havia também, apesar daquele medo todo, apesar da tortura, do desaparecimento, havia muita - não se espantem, havia muita alegria, havia muito amor. Ainda outro dia eu li ao Tribunal Regional Federal uma carta de outra vítima da ditadura, Norberto Nhering, para sua mulher Maria Lígia, mãe de Marta Nhering, autora do documentário “Quinze Filhos”, fundamental vocês verem. Exilado por motivos políticos, Norberto não resiste e volta ao Brasil. De início ele percebe que era perseguido e não se encontra com nenhum companheiro. Os militares quando percebem que ele não vai se encontrar com ninguém o matam. E fazem parecer um suicídio. Mas antes dele morrer, naqueles sete dias que ele passou no Brasil, ele escreveu um diário que, por arte do coração ou arte de uma pessoa bem intencionada, apareceu. Ele escreveu: “Eu tenho muito medo, mas eu queria dizer para vocês duas, Maria Lígia e Marta, que as amo muito e sempre amarei. E que vocês nesses dias de agruras, vocês me salvaram, e eu vou me redimir no amor de vocês...” E vai por aí a carta, uma carta linda. Ela foi lida no Tribunal e provocou - ainda hoje, muitos anos depois - a emoção de todos. O amor e a coragem afrontando o medo e a repressão. A responsabilidade do Estado pela sua morte foi reconhecida. Manteve-se a sentença em primeira instância no caso contra a União. Com grande emoção. Mas não era só medo não. Havia muita alegria, no meio de tanto medo. Os advogados brincavam muito entre si. O Idibal Pivetta

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Belisário Santos Junior

esteve aqui há alguns dias, dublê de grande advogado e grande literato. No teatro seu nome era Cesar Vieira. Ele é o autor de uma frase, no texto Evangelho Segundo Zebedeu, que é fantástica: “Sou que nem soca de cana, me cortem que eu nasço sempre.” Com ele fiz estágio e fui preso um par de vezes. Ele tinha uma brincadeira com o escrivão da Justiça Militar, da primeira auditoria. O da segunda auditoria era muito mal humorado. O Idibal ligava para a Justiça Militar e dizia (isso era 1969, 1970, auge da repressão): “Dias, a democracia já chegou e nós vamos invadir esse prédio.” A Justiça Militar era o palco onde se passavam as grandes injustiças, onde até tortura foi cometida, segundo denúncias. Onde se fazia justiça de mentirinha. Era um prédio na Brigadeiro Luís Antonio, 1249. O Dias respondia de bom humor: “Diga Idibal, o que você precisa?” Pois bem, meus amigos... estas histórias que lhes conto são histórias de mais de 40 anos atrás. Mas, amanhã, sim, amanhã, 05 de agosto de 2013, às duas horas da tarde, mercê de um grande acordo que envolveu a Ordem dos Advogados do Brasil Secção de São Paulo, o Núcleo de Preservação da Memória Política, dos presos políticos, vários centros acadêmicos, o Ministério Público Federal, a Superintendência do Patrimônio da União, nós vamos invadir o antigo prédio da Justiça Militar e vocês estão convidados. Nós vamos invadir e ali instalar um Memorial da Luta pela Justiça. Eu digo isso que é para que vocês vejam que numa história de dor e medo teve também alegria e amor, e acima de tudo sempre esteve presente a esperança. A esperança não pode nos abandonar. E ela nunca nos abandonou. Aos presos e aos perseguidos... eu ia visitá-los e eles me diziam: “o regime vai acabar”. E apesar de o regime ter durado tanto, a esperança foi mais forte. Até porque sem essa esperança como é que poderíamos viver? Dizia o poeta espanhol García Lorca: “Se a esperança se apagar, e essa grande Babel começar. Que fogo iluminará os caminhos na terra?” E eu termino dizendo: o que vocês viram hoje aqui, com tanta verdade, foi o que nós vivemos lá atrás... diálogos entre torturador e torturado ou com sua família... a poesia entremeada com falas duras, porque assim se fazia. Nós usávamos, durante a tarde, a Lei de Segurança e o que ela tinha de bom e, à noite, falávamos contra ela, e no meio do tempo participávamos de teatro, participávamos de palcos de poesia. Eu acho que nesse tempo, de vez em quando, fazíamos alguma coisa que não era nem teatro, nem poesia, que na época estava prevista como crime na lei penal do regime. Fazíamos algo como o cantar a que se referiu Geir Campos, poeta que se exilou no Chile e morreu há alguns anos, e nos deixou coisas maravilhosas e que nós repetíamos obrigatoriamente nos jograis na faculdade, no teatro do XI de Agosto (era uma vida igual a que os jovens têm hoje). Em

os depoimentos dos convidados da mesa-palco

Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 129


Capítulo IIi - para conhecer um povo conheça suas Canções de ninar

Belisário Santos Junior

os depoimentos dos convidados da mesa-palco

homenagem a vocês e aos companheiros daqueles anos, repito um trecho de “Mensagem à Poesia”: “Não canto onde não seja o sonho livre e onde não haja ouvidos limpos e almas afeitas a escutar sem preconceitos. Para enganar o tempo, ou distrair criaturas já de si tão mal atentas, não canto. Canto apenas quando vejo nos olhos dos que me ouvem a esperança. Mas, se preciso for calar o canto e, em fainas diferentes aplicar o meu braço prevenido, mais serviço houver será servido.” Abraço a todos com a emoção de sempre.

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CAPÍTULO IV

Dramaturgia

Ato-Espetáculo Cantata para um Bastidor de Utopias Estreou no dia 25 de Julho de 2013 no SESC Pompéia


FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO Direção: Rogério Tarifa e Rodrigo Mercadante Dramaturgia: Cia. do Tijolo Direção musical: William Guedes Composições inéditas: Jonathan Silva Atores: Dinho Lima Flor, Fabiana Vasconcelos Barbosa, Karen Menatti, Lilian de Lima, Rodrigo Mercadante, Thaís Pimpão, Rogério Tarifa Músicos: Jonathan Silva, Aloísio de Oliveira, Maurício Damasceno, Thiago França Cenário: Rogério Tarifa Figurino: Silvana Marcondes Iluminação: Alessandra Domingues Cenotécnico: Majó Sesan Produção: Juliana Gomes Preparação de atores: Joana Levi Preparação vocal: Fernanda Maya Contato-improvisação: Ricardo Gali Danças populares e coco: Valete Gomes Projeto gráfico: Fábio Viana Foto: Alécio Cezar Orientadores teóricos: Frei Betto, Luiz Carlos Moreira, Ilo Krugli, Ivan Feijó, Marco Antônio Barbosa, Ivan Seixas, Rosalina Santa Cruz, Iná Carmago Costa

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Rogério Tarifa

Rodrigo Mercadante Lilian de Lima Dinho Lima Flor Karen Menatti

Fabiana Vasconcelos Barbosa Thaís Pimpão

Jonathan Silva Maurício Damasceno

Aloísio de Oliveira Thiago França

Cantata

Personagens

Personagens

Diretor/ Luiz Eurico Tejera Lisbôa

Conspirador

Lorca

Pedro

Mariana Pineda

Mariana Pineda

Manoel Fiel Filho

Pedrosa

Iara Iavelberg

Clavela, Filha do Ouvidor e Morte

Heleny Guariba

Morte

Menino

Angústias, Filha do Ouvidor

Victor Jara

Conspirador 2 e Violão

Zequinha Barreto

Fernando, Conspirador, Viola, Baixo e Percussão

Tenorinho

Conspirador, Piano, Sanfona

Edson Luís Lima Souto

Conspirador 1 e Violão

FICHA TÉCNICA DO ESPETÁCULO

Elenco Intermezzos

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 163


– PRÓLOGO – [Um galpão abandonado, uma caveira de teatro - citação do poema de Federico García Lorca. O público chega à porta do galpão-teatro para assistir ao espetáculo e se depara com o corpo de um homem morto. Duas atrizes se aproximam e bordam a bandeira da Cia. do Tijolo. Outra atriz chega e encontra o corpo do morto, o limpa e o veste. O diretor da Companhia caminha até a roda e inicia a leitura do poema “Cidade sem sonho”, de García Lorca. Músicos também chegam tocando seus instrumentos] DIRETOR Ninguém dorme pelo céu. Ninguém, ninguém. Não dorme ninguém. As criaturas da lua ressumam e rondam suas cabanas. Virão as iguanas vivas morder os homens que não sonham e o que foge com o coração partido encontrará pelas esquinas o incrível crocodilo quieto sob o terno protesto dos astros. Não dorme ninguém pelo mundo. Ninguém, ninguém. Não dorme ninguém. Há um morto no cemitério mais distante que se queixa há três anos porque tem uma paisagem seca no joelho e o menino que enterraram esta manhã chorava tanto que houve necessidade de chamar os cães para que se calasse. Não é sonho a vida. A vida não é sonho. Alerta! Alerta! Alerta! Senhoras e senhores, boa noite. Nós, artistas da Cia. do Tijolo, viemos aqui contar, viemos aqui cantar aquilo que a história não quer recordar. E eu me batizo agora, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, eu sou o poeta da revolução, a minha pena é uma espada e o meu canto, se eu canto, é canto de guerra, é um canto de amor. MÚSICO Eu me batizo Edson Luís Lima Souto, estudante assassinado, com 18 anos, pela ditadura brasileira. MÚSICO Eu me batizo Zequinha Barreto, operário e violeiro.

164 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Diretor Aqui, na ponta dessa espada, e aqui, no início desse novelo, começa a nossa história. E se a história começa com a intervenção do homem na natureza, comecemos agora o nosso Ato-Espetáculo “Cantata para um Bastidor de Utopias.” IARA Este é nosso primeiro encontro: o corpo! E é sobre este corpo, que há anos se vem transfundindo em cravos, que se rubra a cor espanhola, que estamos aqui para depositar sobre ele vergonha e lágrimas. CORO Canção: AINDA CABE SONHAR Bordar num pano de linho Um poema tambor Que desperte o vizinho Pintar no asfalto, no rosto Um poema alvoroço Que amanheça a cidade Dançar com tamancos na praça Cantar, pois um grito já não basta Esfarrapados, banguelas, meninos de rua, poetas, babás Vistam seus trapos, abram os teatros É hora de começar!

DIRETOR Ser ou não ser, eis a questão. Se colocarmos uma placa com o escrito “Cia do Tijolo” nas paredes desse velho galpão, a partir de hoje, este passará a ser o nosso espaço de trabalho. Se colocarmos um cartaz escrito “‘Cantata para um Bastidor de Utopias’, vinte horas e com a data de hoje”, faremos aqui, agora, a nossa peça. Se colocarmos um figurino nesta atriz, ela poderá ser uma bailarina, um menino de rua, o guardador de carros, um

PRÓLOGO

Alerta, desperta, ainda cabe sonhar Alerta, desperta, ainda cabe sonhar

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 165


baleiro da nossa peça, o que a gente quiser! Já, se colocarmos um figurino neste homem morto, ele poderá ser um ator, um músico, um estudante, um operário, uma professora, um astronauta... IARA No nosso caso, ele é um poeta. Um poeta espanhol que foi assassinado com três - três! - tiros pelas costas. Que bandeira esse homem bordou? CORO Canção: AINDA CABE SONHAR DIRETOR [para LORCA] Eu esperei trinta e nove anos pra te conhecer! Comecemos pelo que esse homem escreveu: Mariana Pineda. MARIANA [cantando] Alerta, desperta Ainda cabe sonhar. CORO [cantando] Alerta, desperta Ainda cabe sonhar. LORCA [cantando] Não dorme ninguém pelo céu, ninguém, ninguém, não dorme ninguém! CORO [cantando] Não dorme ninguém pelo céu, ninguém, ninguém, não dorme ninguém! LORCA Mas se alguém tem, à noite, excesso de musgo nas fontes, que abra os escotilhões para que se veja sob a lua as falsas taças, o veneno e a caveira dos teatros.

PRÓLOGO

[LORCA abre a porta do galpão e atores, músicos e público entram no escuro] MENINO É teatro, meu povo, é teatro! Bóra entrar! Vamos entrar porque aqui, no teatro cabe todo mundo! Cabe até eu que achei que nunca caberia em lugar nenhum! Aqui eu tô cabendo! É teatro meu povo! É teatro!

166 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


CORO Canção: AINDA CABE SONHAR [Atores ainda cantam a canção pela última vez. Dentro do Galpão: escuridão. IARA tropeça em um baú com a inscrição: “La Barraca”. O MENINO traduz o nome em Libras. Ao abrir o baú, IARA retira de dentro um BONECO – a alma do teatro – e o entrega ao MENINO. Saem de lá de dentro um CAVALO e uma LUA. Depois, o livro “Mariana Pineda”] IARA Este é o nosso segundo encontro: o corpo e a poesia! [abre o livro] O teatro é a poesia que se levanta do livro e se faz humana! CORO Alerta! Desperta! Ainda cabe sonhar! [Como num golpe de mágica, os atores levantam os lustres acesos e o galpão se ilumina, revelando um teatro todo bagunçado. HELENY cria um carrossel com o CAVALO e a LUA. Os bancos da plateia estão levantados e há figurinos pendurados neles, o palco está cheio de móveis e objetos, há sujeira pelo chão] DIRETOR Agora a gente precisa de uns dez minutos pra arrumar tudo isso aqui e a gente já começa. Merda!!! [Os atores começam a organizar o teatro para a Cantata, com a ajuda dos espectadores. Eles varrem o chão, montam o camarim com espelho, mesas, cadeiras e arara com os figurinos]

[O palco italiano é montado, o cenário é finalizado, uma cortina de veludo é colocada na frente do teatrinho. Os músicos afinam seus instrumentos, o primeiro sinal é tocado. Cena dos bancos: os atores e músicos ficam em pé dentro dos bancos da plateia, que estão levantados, como se estivessem dentro de caixões, enquanto IARA deita-se em cima da pedra localizada no meio do corredor. Os bancos da plateia são posicionados e o público é

PRÓLOGO

DIRETOR Faltam sete minutos.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 167


levado a seu lugar marcado. Tudo isso acontece como se fosse uma dança, ao som da música “Take This Waltz” de Leonard Cohen] DIRETOR Dois minutos. [Menino começa a vender balas ao público, ao mesmo tempo que fala, faz os gestos em Libras] MENINO [cantando um pregão] Olha a bala! Compre aqui na minha mão! Olha a bala pra adoçar seu coração. Pra quem está sentando agora, é bom ir se acostumando, a cantata tem três horas e ela está só começando! Por isso meu amigo, escute o meu conselho, pegue um trocado no bolso e levante a mão pro baleiro! Pegue um trocado no bolso e levante a mão pro baleiro! Compre bala meu amigo porque ela é boa e barata, você fica aí chupando e acompanhando a cantata! [Os atores vestem os figurinos de época da Cantata “Mariana Pineda”, se maquiam, se aquecem. Depois entram no teatrinho, que está com a cortina fechada] DIRETOR Menino, um minuto! [MENINO se despede do público e entra no cenário] DIRETOR Dez, nove, oito, cinco, quatro, três, dois, um, zero segundo! [Indica um lugar para Heleny, que ainda está se maquiando no camarim, sentarse na plateia. Enquanto ela se dirige ao seu lugar, tropeça no tapete vermelho que leva ao palco] Eu tenho a honra, o prazer e o privilégio de apresentar agora uma pessoa muito importante. O nosso grande convidado desta noite, o grande maestro da nossa humilde orquestra. Palmas para Federico García Lorca.

PRÓLOGO

[LORCA caminha em direção ao piano e também tropeça no tapete. Senta em frente ao piano e prepara-se para o início da Cantata] DIRETOR Primeiro Ato: Mariana Pineda, romance popular em três atos, foi escrito por Federico García Lorca em 1925. Mariana Pineda, revolucionária republicana, foi assassinada a mando do Rei Fernando VII, por conta

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PRÓLOGO

do seu envolvimento político com os revolucionários da época. Todas as vezes que vocês escutarem na nossa cantata a palavra liberal, nós gostaríamos que vocês entendessem como sendo revolucionários republicanos. A Cia. do Tijolo tem o prazer de apresentar agora, a obra Mariana Pineda de Federico García Lorca adaptada na forma de uma Cantata. Bom espetáculo!

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 169


– PRIMEIRO ATO – CENA I - GRANADA

CORO Canção: DIA TRISTE EM GRANADA Nunca se viu em Granada Dia tão triste assim Choravam sob a sacada Lírio, Cravo e Jasmim A lua consola a noite que chora Ao ver mariana brincando com a linha da sorte Bordando em silêncio a bandeira com os fios da morte O sangue retinto do amor No branco da liberdade Morrendo por não delatar, morrendo por não delatar Que dia triste em Granada Sinos estão a dobrar Que dia triste em Granada Faz até pedra chorar NARRADOR Canção: O SEGREDO Mariana onde está? Onde está Mariana? Trancada no seu quarto Passa a tarde inteira Em silêncio Em segredo Bordando uma bandeira Sua mãe e a criada Apreensivas, preocupadas Pois a bandeira que ela borda É pela causa dos liberais

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CENA II – CLAVELA E ANGUSTIAS CLAVELA E Mariana? ANGUSTIAS Borda, borda lentamente. Pela fechadura eu mesma pude ver. CLAVELA e ANGUSTIAS Canção: CLAVELA e ANGUSTIAS Por que borda essa bandeira Com agulha e rubra linha? Por que vai bordar em segredo Dia e noite, noite e dia? Podia bordar um vestido Todo branco ou da cor da cereja. Se o rei não é bom Não deve a mulher preocupar-se Se o rei não é bom, que não seja. Por que borda? Por que faz? É por Pedro, Pelos liberais. Tenho medo, Que aflição! Alguém sabe? Até agora não!

NARRADOR Canção: A VISITA Mas eis que Mariana recebe a visita Das filhas do ouvidor da chancelaria, Que enchem a casa de frescor e alegria. Mas Mariana permanece trancada. Depois de insistirem bastante Mariana abre a porta E apesar de se alegrar com a presença das amigas,

PRIMEIRO ATO

CENA III – AS FILHAS DO OUVIDOR

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Algo lhe intriga. Espera uma carta que não vem. AMPARO Mariana, eu te acho tão triste. MARIANA Se soubessem, meninas, como eu necessito do frescor do seu riso, da sua graça jovem. Minha alma é da mesma cor do vestido. AMPARO Queres que conte sobre as touradas? AMPARO E LUIZA Canção: A GRANDE TOURADA Foi a maior das touradas / Naquelas bandas de lá Cinco touros de azeviche / Com divisa verde e negra E eu pensava / Ah... Se estivesse aqui minha amiga, Mariana Pineda E quando o grande toureiro / Atravessava a arena Parecia até que a tarde / Se tornava mais morena E eu pensava / Ah... Se estivesse aqui minha amiga, Mariana Pineda O grande toureiro da Espanha / Com traje cor de maçã Cinco touros derrubou / Com divisa verde e negra E eu pensava / Ah... Se estivesse aqui minha amiga, Mariana Pineda MARIANA Ai, essa carta, essa carta que não chega. AMPARO Mariana, já é hora de irmos embora.

PRIMEIRO ATO

MARIANA Meninas, vou sempre querer-lhes bem. Espero que voltem outra hora.

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AMPARO Espero que fiques mais contente. MARIANA Querem que alguém vos leve? LUIZA Obrigada, voltaremos em breve... AMPARO Adeus. MARIANA Adeus. LUIZA Adeus.

CENA IV – MARIANA E FERNANDO MARIANA Canção: CANÇÃO DE AMOR E REVOLUÇÃO Que noite fria em Granada... / Noite temida e sonhada, que já me fere já de longe / com suas longas espadas! Pedro, meu amado, ah, como eu queria Viver ao teu lado todos os meus dias Pra enfrentar a Lei, o rei, toda escuridão; Pra enfrentar o rei, a lei, fazer a revolução. Pedro meu amado, ah como eu queria Viver ao seu lado todos os meus dias Pra enfrentar a lei, o rei, toda escuridão; Pra fincar nossa bandeira aqui nesse chão.

MARIANA Quem é? Fernando.

PRIMEIRO ATO

FERNANDO Boa tarde!

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FERNANDO ‘Inda agora eu cheguei... Perdão se te assustei... MARIANA Distraída eu estava. Confesso, não te esperava... Tua voz me surpreendeu. FERNANDO Não quero te incomodar ... MARIANA Por favor, meu amigo, queira se sentar... FERNANDO Canção: A Casa de Mariana DE MARIANA PINEDA Como gosto dessa casa / Ela tem tudo que quero Tem cheiro de manacá / Cheiro doce de marmelo É tão simples, delicada / Tão bonita a fachada Toda cheia de pinturas / Barcos, grinaldas e outras figuras MARIANA Há muita gente na rua, nessa noite longa sem lua? FERNANDO Por que essa pergunta inesperada? MARIANA Por nada, nada... FERNANDO Há muita gente. Na praça, na Rua do Cais...

PRIMEIRO ATO

MARIANA Que mais? FERNANDO Ao passar por Bibarrambla / Avistei homens envoltos Em suas capas escuras / Suportando o vento frio Sem se arredar, comentavam sobre a fuga... MARIANA Que fuga?

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FERNANDO Pedro de Sotomayor / Um capitão, um liberal Prisioneiro de importância / Conseguiu fugir do cárcere, da Audiência... MARIANA Rogo a Deus por ele a todos os anjos... Sabe se o procuram? FERNANDO Quando eu vinha para cá / Na rua pude avistar Muitas tropas que marchavam / A caminho da Alpujarra MARIANA Conte mais... FERNANDO O capitão liberal / Feito um fantasma sumiu Mas Pedrosa é um chacal Logo haverá de encontrá-lo e de sangrá-lo. Conheces o Pedrosa, naturalmente. MARIANA Sim. Por desgraça ou azar, ele anda a me cortejar... [Entra CLAVELA] CLAVELA Senhora, estão batendo! MARIANA Por Deus, abra logo! Anda! FERNANDO Marianita, o que sentes?

[DIRETOR entra trazendo o CAVALO. Sobre ele está montado o BONECO – a alma do teatro – que segura a LUA na mão]

PRIMEIRO ATO

MARIANA Não está escutando? Na rua, um cavalo se afasta!

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FERNANDO Posso ouvir seu galopar... Quem será? CLAVELA Senhora, uma carta acabou de chegar. [DIRETOR se aproxima de Mariana, que pega a LUA. Na LUA um bastidor com um tecido branco – está bordada a carta] MARIANA Tenho medo de abrir. Tenho medo de ler. CLAVELA Cancão: A CARTA Um cavaleiro a trouxe / Senti medo e aflição A carta me entregou / No seu cavalo montou e sumiu na escuridão... FERNANDO Mariana, tu precisas de mim? MARIANA Quero falar contigo. FERNANDO Com alegria te sirvo. MARIANA E se te coloco em perigo? FERNANDO Iria com boa fé.

PRIMEIRO ATO

MARIANA Como dizem por Granada, eu sou uma louca mulher... FERNANDO Meus olhos estão te olhando e não deves duvidar... MARIANA Toma esta carta, Fernando. Lê devagar e entendendo. Me salva! Porque duvido poder continuar vivendo.

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FERNANDO [lê a carta com surpresa, olhando assombrado a triste MARIANA] “Adorada Marianita, graças à roupa de frade que fizeste chegar a meu poder, fugi da torre de Santa Catarina, confundido com outros frades que acabavam de assistir a um réu de morte. Esta noite, disfarçado de contrabandista, tenho absoluta necessidade de me internar na serra. Necessito, antes das nove, o passaporte que tens em teu poder e de uma pessoa, de tua absoluta confiança, que espere com um cavalo próximo à represa. Pedrosa fechará o cerco e, se esta noite não parto, estarei perdido. Não tentes me ver, pois me consta que estás vigiada. Adeus, Mariana. Seja tudo por nossa divina mãe, a liberdade. Deus me salvará. Um abraço e a alma deste que te ama. Pedro de Sotomayor.”

PRIMEIRO ATO

FERNANDO Canção: O amor de Fernando Mariana, devo te dizer / Já faz tempo que amo você E agora / O meu coração é um tambor que chora Chora por saber / Que seu coração é um tambor também Que bate por alguém / E este alguém não sou eu Que mesmo sofrendo estou te dizendo / Podes comigo contar Eu que mesmo sofrendo estou te dizendo / Saiba que irei ajudar esse tal capitão /Que é dono do seu coração. MARIANA Canção: O AMOR DE MARIANA Pedro minha vida / Pedro meu amor A minha alma chora / De tanto amargor. Dos meus filhos descuidei / Já não tenho mais ninguém. Eu mesma me espanto / Por amá-lo tanto, tanto, tanto! [A cortina se fecha]

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– INTERMEZZO – “O AMOR” – DIRETOR Fim do primeiro ato. Obrigado Federico, músicos, atores e público. Muito obrigado. [Música “Take This Waltz”, de Leonard Cohen] LORCA [para o operador de som] Abaixa a música, por favor. [para o público] Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a presença e a atenção dos senhores. Eu, como poeta, sei que não há possibilidade de existência da poesia sem que haja pelo menos uma orelha dócil, uma orelha amiga, por onde o verso que entra é capaz de levar um pouco de sangue aos lábios e um céu de utopias ao topo da cabeça daquele que ouve. Mariana Pineda é uma das maiores emoções da minha vida. Na minha infância, eu ouvia a sua história cantada pelas praças de Granada. Uma mulher apaixonada. Apaixonada pelo amor, apaixonada por um homem, apaixonada por uma causa. Mariana Pineda, nos intermezzos dessa história, ainda espera cartas, cartas de amor. [tira uma carta do bolso e lê] “Querido Lorquito, você é uma tempestade cristã que precisa do meu paganismo. Eu vou te dar a cura pelo mar. Será inverno e nós caminharemos juntos, de mãos dadas. Todas as bestas estarão pacificadas e nós viveremos como uma máquina de criar ao lado de uma máquina de tirar retratos. Do seu, Salvador Dalí.” LORCA [para os atores e músicos que estão atrás da cortina vermelha] Os senhores estão prontos, ou eu tenho que falar mais alguma coisa? [Uma fresta se abre na cortina, aparece o BONECO - a alma do teatro que responde afirmativamente] LORCA Intermezzo acerca do amor. [Música “Cello Suite No.1 – Prelude”, de Bach. Lorca e o diretor abrem a cortina. Todos os atores estão sentados na beira do palco vestidos com a mesma roupa do início. Sentados eles simplesmente olham, contemplam com o olhar o público durante alguns segundos. Depois levantam-se, o Menino joga o novelo e os atores e músicos mergulham 178 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


por baixo dos bancos da plateia. Cartas de amor começam a brotar de baixo dos assentos dos espectadores. VICTOR JARA começa a servir vinho para a plateia. O cenário da Cantata começa a ser trocado para o próximo ato] IARA Senhoras e Senhores! Este é o nosso terceiro encontro: os corpos! Porque não foi só na solidão que se fundou a poesia, porém num corpo e noutro corpo. Sob a plena pele de lua e com todos os beijos dessa terra. [Heleny, disfarçada com peruca e óculos escuros, entrega uma carta a IARA] IARA Carta pra mim! Uma carta para mim, Iara Iavelberg. De Carlos L. [lendo a carta] “Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma. Fico imaginando e me delicio com tua lembrança, toda viva. Uma coisa é absoluta, inexorável: você é minha mulher, e isso é o que de mais lindo me aconteceu na vida. E se é antidialético crer no absoluto, no eterno, então eis-me aqui, um antidialético ferrenho. Saudade imensa, muito amor, seu, só teu. Carlos Lamarca.” VICTOR JARA Por falar em amor, Iara, eu tenho na minha taberna, todos os tipos de bebida. Mas tem uma aqui, especial, chamada Milome. Os mais antigos acreditam que o Milome fecha o corpo e a alma contra mal olhado, mal agouro e outros males. Já eu acredito que não tem Milome nesse mundo que feche o corpo e a alma contra os benefícios e malefícios do amor.

MANOEL As olheiras também delatam as noites mal dormidas de um trabalhador por excesso de trabalho. E haja trabalho. Amor demais, enfastia, Iara.

INTERMEZZO - “O AMOR”

IARA É que o amor é surdo frente ao verbo divino. O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas que existem. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença: as olheiras. As olheiras delatam as noites mal dormidas, despertos por tantos abraços, ou pela ausência deles.

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IARA O que é isso, Manoel? Dispa-me, dispa-me! Arranque-me as roupas e as dúvidas! Porque adormecer às margens de uma mulher é adormecer às margens de um abismo! LORCA Canção: LA CANCIÓN DEL LAGARTO El lagarto está llorando. La lagarta está llorando. El lagarto y la lagarta Con delantalitos blancos. Han perdido sin querer Su anillo de desposados.

INTERMEZZO - “O AMOR”

[HELENY entra no cenário e traz a bandeira vermelha para o proscênio] DIRETOR Esse aqui é o livro do Luiz Eurico Tejera Lisbôa, poeta em que eu me batizei lá fora, no início. É um livro superbonito que contém poemas revolucionários, cartas de amor pra Suzana, sua mulher, que continua viva até hoje em Porto Alegre. E tem um trecho de um das cartas que eu gosto muito e diz assim: “Eles não entendem, Suzana, que nós lutamos, em última análise, pelas condições ideais para o amor. Luiz Eurico Tejera Lisbôa!” Já outro poeta, um poeta desconhecido, escreveu assim, aqui, nessas velhas folhas de papel: “Eu poderia ficar eternamente entre os seus lábios molhados, sua língua cansada e sua voz de silêncio rouco. Eu poderia aqui entre os seus braços amados, construir minha morada de vida, ou de morte, de tango, ou de sorte. Eu poderia afundar-me em seus umbigos, comer pra ti, defecar pra ti, voltar pra sua barriga e lá dormir. Eu poderia subir enlouquecidamente impulsionado pela minha cabeçacaixão, matar todos os meus pensamentos inoportunos que me faziam acreditar que não seria possível e, entre as suas coxas meladas, alcançar os morros redondos de carne macia, da sua beleza feminina e humana, que antecedem a planície de suas lindas costas. E lá de cima gritar: venceeeemosssss e fincar a nossa bandeira no início de tudo. E lá de cima, contemplar a nossa bandeira bordada por incontroláveis mãos de eternas construções de infinitas épocas. Onde comemoraremos a vitória! Comendo e gozando. Comendo e trepando, comendo e se amando, fodendo e cantando, cantando e fodendo, se amando e cantando, comendo e gozando. Escovando os dentes uns dos outros, escovando os dentes uns

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dos outros. Vocês podem imaginar isso? Uma pessoa escovando o dente da outra. Uma, duas, dez, 100, 1000... Duzentas milhões de pessoas escovando os dentes uns dos outros, a China toda, um bilhão, o mundo todo. Numa festa de dignidade mútua. Fodendo e cantando, comendo e se amando, cantando e fodendo, escovando os dentes um dos outros. Não faltará nem um dente na boca, só aqueles que as crianças, quando pequenas, jogam em cima dos telhados das casas e fazem um pedido. Só este faltará na boca. Vocês podem imaginar isso? Vocês podem imaginar milhares de casas ? Imaginem o que vocês quiserem, é tudo tão perto e tudo tão distante. Quando me perguntam: Federico, pode um poeta se sentir bem em fazer a revolução? Repondo: Pode um poeta se sentir bem fora da revolução, Federico? [MANOEL coloca no rádio a música POR UM AMOR NO RECIFE. Todos cantam juntos]

MANOEL Eu me batizo Manoel Fiel Filho, um operário em construção, que teve a vida ceifada em 1976 pela ditadura brasileira. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Há em mim uma legião de auroras, nem sei como nessa alma conturbada, floresce tanta luminescência a cegar os olhos do espírito. É como estar sedento frente ao mar. Água, muita água, e, no entanto, dela não se pode beber. Só contemplar a pele ondulosa do planeta, essa voracidade oceânica que devora todos os meus sonhos. Por mais que eu resista, a aluvião me corrói por dentro. O mundo lá fora engrenado em suas cobiças, essa luta insana pela sobrevivência animal e eu aqui, nesse teatro, tentando me abrigar do frio que faz dentro de mim. Não consigo ver o que os outros enxergam, não consigo rir do que os outros acham graça, não consigo deixar de ser desconfiado, taciturno, porque são muitas as minhas cismas. Por exemplo, coleciono fechaduras. Fechaduras, é óbvio, servem para fechar, porque o ser humano não suporta a transparência, precisa sempre se cobrir de pele, máscara, teto, muros, porque a nudez é uma arte que exige talento. Ainda que duas pessoas fiquem trancadas num quarto e entregues às infinitas possibilidades do jogo erótico, não significa que estejam nuas, estão despidas; a nudez é outra coisa, enfiar a faca até o cabo, arrebatar a lua com as mãos, destampar todos os recônditos da alma, os mais obscuros e ínfimos. Se nem suportamos ficar nus diante

INTERMEZZO - “O AMOR”

Diretor Este aqui é Manoel Fiel Filho.

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de nós, quanto mais diante dos outros. Por isso, as fechaduras deveriam ficar de língua recolhida. A nudez é outra coisa: se nem suportamos ficar nus diante de nós, quanto mais diante dos outros. Diretor Manoel, 5 minutos. Manoel Eu tenho uma amiga que não vou dizer seu nome, mas o marido dela se chama Alcides. Alcides. Vai vendo, vai vendo... Quando os dois vão fazer amor, escancaram todas as portas, suportando a transparência e na hora da virada fatal dos olhos, ela grita: “Oh, meu Deus quem foi que inventou isso? Obrigada, Alcides, obrigada, Alcides...” Nudez é outra coisa... [para as pessoas do público] Como é o nome de seu esposo? [Heleny veste o figurino de PEDROSA em Manoel e senta-se novamente na plateia]

INTERMEZZO - “O AMOR”

Diretor Dez segundos. [atores se posicionam para o segundo ato da Cantata] Segundo ato. Pedro de Sotomayor chega à casa de Mariana Pineda. Pedro de Sotomayor e Mariana Pineda são apaixonados. Pedro de Sotomayor é o líder dos revolucionários republicanos. Na cena, os dois militantes conversarão sobre utopia, liberdade e revolução e esperarão a chegada dos conspiradores que trarão notícias, se é o momento de se fazer o levante ou não. Ao final da cena, com a chegada do torturador e militar Pedrosa, Mariana Pineda ficará sozinha em sua casa.

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– SEGUNDO ATO –

CENA V – PEDRO E MARIANA MARIANA Mariana chega correndo à porta no momento em que Pedro entra por ela. PEDRO Pedro tem 36 anos. É um homem simpático, sereno e forte. Veste-se corretamente e fala de modo doce. MARIANA Mariana lhe estende os braços e aperta-lhe as mãos. PEDRO Pedro efusivo... MARIANA Mariana quase sem falar... PEDRO Pedro apaixonado. MARIANA Mariana, perto e confidente. PEDRO Pedro com voz suave. MARIANA Mariana deitando a cabeça sobre seu peito, como que sonhando... PEDRO Pedro tomando-lhe a mão com paixão. PEDRO E MARIANA Canção: PEDRO DE SOTOMAYOR E MARIANA PINEDA

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PEDRO Mariana meu amor Finalmente estou aqui Por tudo que fizeste Muito lhe agradeço Todo meu sangue é novo Porque tu me ofertaste Expondo ao perigo Seu frágil coração Por ele senti tanto medo, senti aflição MARIANA Se tu morresses um dia Meu sangue de que serviria Longe de ti, não há paz Não tenho casa Sou pássaro sem céu Sou pássaro sem asa... PEDRO Mariana, meu amor Finalmente estou aqui Quem me dera livrar-te daqueles que te espreitam Vives sozinha, cercada de perigo Como são longas as noites vivendo sem ti

SEGUNDO ATO

MARIANA Oh, meu Pedro, meu amor Finalmente estás aqui Quem me dera livrar-te Dos olhares inimigos Quem me dera livrar-te Daqueles que te espreitam Com minha dor, meu sangue Minha própria vida Como são longas as noites bordando sem ti... PEDRO Mariana não temas, minha mulher, minha vida A bandeira que bordas tremulará

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Nas ruas de Granada Por ti, a liberdade suspirada por todos Pisará terra dura com largos pés de prata Mas se acontecer de Pedrosa pegar nosso grupo E tivermos que morrer... MARIANA Não continues... PEDRO Se acontecer de Pedrosa pegar nosso grupo... E tivermos que morrer... MARIANA: Cala... PEDRO Mariana... Que é o homem sem liberdade? Sem essa luz harmoniosa e fixa que se sente por dentro? E como poder te amar não sendo livre? Dize-me! Ou te dar meu firme coração se não é meu? Não temas: eu já enganei a Pedrosa no campo e penso assim continuar até vencer contigo, que me dás teu amor, tua casa, tuas mãos... A Espanha enterra e pisa seu coração antigo, seu ferido coração de península andante. E há de salvá-la depressa com mãos e com dentes. MARIANA E sou eu a primeira quem deseja essa nova Espanha, Pedro. Eu quero ter abertos ao sol os meus balcões, e quero que se encha o solo de flores cor de ouro. E quero amar, certa de teu amor, sem ninguém espreitando-me, como neste momento decisivo. Minha vitória consiste em te ter a meu lado pra juntos pisarmos a terra dessa nova Espanha.

MARIANA Conta, Pedro... e tu, correste grande perigo?

SEGUNDO ATO

PEDRO É assim que gosto de te ver minha adorada Marianita. Já não tardarão muito, os amigos. Alenta este rosto bravio e estes olhos ardentes sobre teu colo de lua.

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PEDRO Estive quase nas mãos da justiça. Contudo, salvou-me o passaporte e o cavalo que mandaste por um estranho jovem que não me disse nada. MARIANA Fernando.

CENA VI – OS CONSPIRADORES PEDRO, MARIANA E CONSPIRADORES Canção: CHEGADA DOS CONSPIRADORES MARIANA Tenho impressão que bateram. PEDRO Pontuais como patriotas bons. MARIANA Senhores queiram entrar Mas que mãos tão frias... CORO DE CONSPIRADORES Lá fora faz um frio de rachar, Todos dormem na cidade. Só Pedrosa anda a espreitar, Não parou de espionar. PEDRO Creio estarmos seguros aqui nessa casa, prezados senhores.

SEGUNDO ATO

CORO DE CONSPIRADORES Isso não podemos afirmar, Todos dormem na cidade. Só Pedrosa anda a espreitar, Não parou de espionar... PEDRO Acalmem-se senhores / Notícias logo virão Se erguemos nossa bandeira / Se haverá levante ou não A situação é grave / Será excelente porém

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Se soubermos aproveitar / Os mínimos detalhes Pois todo o povo de Granada / Adere sem hesitar PEDRO E CORO Canção: ANDALUZIA – Canto de Liberdade Andaluzia tem seu ar, cheiro de liberdade Essa palavra aroma o peito e as ruas da cidade. Liberdade! Por toda costa há tanta gente / Decidida a levantar Como que numa canção a gritar REVOLUÇÃO Pescadores de Almería, / Cavaleiros de Alcantiz De linhagem igual a vós, / Voz do povo que se amplia Andaluzia MARIANA E haverá quem nos siga? PEDRO Todos. Todo o povo de Granada! A bandeira que tu bordas / Certo que tremulará pelas ruas de Granada, / com o povo a cantar! Liberdade! Liberdade! CONSPIRADOR 1 Já são onze e dez. Eis que chega o mensageiro com notícias. PEDRO Enfim, saberemos algo... CONSPIRADOR 2 Senhores... Dona Mariana...

CONSPIRADOR 2 Tão más quanto o tempo...

SEGUNDO ATO

PEDRO Então, homem, quais são as notícias?

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PEDRO Fala logo! PEDRO E CONSPIRADORES Canção: TIRANIA CONSPIRADOR 2 Por entre o rumor das vagas Ressoa a fuzilaria Em Cádiz foi tudo em vão Em Málaga, tirania O cavaleiro entre os duques Coração de prata fina Noite fechada o mataram Com toda a companhia Dentro do barco chorava Todo marujo que havia As mais bonitas mulheres Enlutadas e afligidas E morto ficou na areia Sangrando por três feridas O valente guerreiro Com toda companhia Por entre o rumor das vagas Ressoa a fuzilaria Em Cádiz foi tudo em vão Em Málaga, tirania PEDRO Cada derrota me anima a lutar

SEGUNDO ATO

CONSPIRADOR 2 Assim morreremos todos / Adiemos o levante PEDRO Já não sei o que pensar / Tenho uma ferida aberta E não posso esperar...

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CONSPIRADOR 2 Triunfaremos esperando / Isso não pode durar PEDRO Já não sei o que pensar / Tenho uma ferida aberta E não posso esperar... CONSPIRADOR 2 No momento temos que calar / Morrer assim não tem sentido CORO Toda Espanha se cala / Mas vive e sonha / Um outro tempo virá Guarde bem essa bandeira / Guarde bem essa bandeira PEDRO Guarde bem nossa bandeira. MARIANA Guardarei essa bandeira com minha dor, com meu sangue, com minha vida. Agora, Pedro, Senhores... Vamos ao vinho! Apesar de tanta opressão e de tantos motivos para tristeza... É como dizem lá pelo Mediterrâneo: Lua deitada, marinheiro em pé, que sejam nossas casas barcos na maré... PEDRO, MARIANA E CORO Canção: CANÇÃO DE MARINHEIRO CORO Lua deitada, marinheiro em pé Que sejam nossas casas Barcos na maré

CLAVELA Senhora...

SEGUNDO ATO

PEDRO Dizem marinheiros de fragatas e veleiros Gritam aos quatro ventos Alerta companheiros! Todo marinheiro Todo homem do mar

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PEDRO Sabe esperar CLAVELA Há dois homens fardados lá fora. PEDRO O bom tempo que virá CLAVELA Pedrosa vem com eles... MARIANA E CORO Canção: GUARDE BEM ESSA BANDEIRA CORO Guarde bem essa bandeira / Guarde bem essa bandeira / Guarde bem essa bandeira

SEGUNDO ATO

MARIANA Eu sou uma mulher arrastada na cauda de um cavalo. Guardarei essa bandeira.

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– INTERMEZZO – “A CIDADE” – Diretor Fim do segundo ato, pequeno intermezzo de... seis minutos... [Música “Take This Waltz”. Os atores voltam a vestir as suas roupas do início, que simbolizam os desaparecidos políticos que são homenageados na peça, nova arrumação do cenário, mais vinho é servido. MANOEL, carregando a escada, tropeça e a deixa cair. Depois levanta-se e monta a escada sobre o tapete vermelho da plateia] MANOEL Eu não consigo ver os que os outros enxergam, eu não consigo rir do que os outros acham graça, eu não consigo deixar de ser desconfiado, taciturno, porque são muitas as minhas cismas. Por exemplo, umas das minhas cismas é prédio... teve um dia, que eu fui na casa de uma amiga, ela morava no sexto andar. Subi, e lá pra tarde eu escutei alguém tocando a campainha da descarga, aí eu pensei: “Opa, estão cagando na minha cabeça. Se eu estou aqui no sexto, daqui a pouco vou cagar na cabeça do quinto, o quinto vai cagar na cabeça do quarto e assim por diante. Cagar e pisar na cabeça dos outros. Dignidade pra mim continua sendo cagar e pisar no chão.” [MANOEL retira a escada. O vaivém da arrumação continua até que Iara tropeça no tapete e cai. Enquanto o tapete é levantado para ver o que há embaixo, vai sendo revelado um poema de Carlos Drummond de Andrade bordado em seu avesso] IARA [pedindo a lanterna] Aqui, menino, aqui. Vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

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Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres, mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. [para si e para a plateia] Voltam para casa e estão menos livres, mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem? Isso é Drummond, mas o poema é outro:

INTERMEZZO - “A CIDADE“

Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida das minhas retinas tão fatigadas. [Uma lápide é encontrada por baixo do tapete. HELENY deposita ali um vaso de flores e depois distribui outros vasos de flores para alguns espectadores] IARA É que eu, paulistana, moradora aqui da cidade de São Paulo, voltava de um ensaio pra esse espetáculo junto com alguns de meus amigos, de meus companheiros de trabalho. Voltávamos lá da Praça das Guianas, perto da Avenida Nove de Julho, onde tem o monumento em homenagem a Federico García Lorca. Estávamos subindo pela Alameda Casa Branca em direção à Avenida Paulista quando então... pá. Uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra! Mas não era uma pedra comum, tinha alguma coisa escrita nela. E tinha pó, porque tudo tem muito pó. [escrevendo no chão com um giz em torno da pedra e lendo com dificuldade] Car-los Ma-ri-ghe-lla, assassinado pela ditadura militar em 1969, na Alameda Casa Branca, São Paulo. Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra. Esse foi meu quarto encontro: o corpo e a pedra. Já eu, Iara Iavelberg, fui militante, psicóloga. Fiquei mais de trinta e dois anos enterrada na ala do cemitério destinada aos suicidas. É que sou de uma família judia e, na tradição, se alguém comete suicídio, é enterrado nesse outro setor em que os pés ficam na cabeceira da lápide, onde deveria repousar a minha cabeça, meu rosto, meus olhos, meus sonhos... Em 2003, depois de muita insistência da minha família, fizeram a exumação do meu corpo. O resultado: fui assassinada. Minha família pôde virar o meu corpo, repousar minha cabeça na lápide pra que eu pudesse enfim... sonhar!

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[diretor derrama terra em volta dos pés de Iara. Heleny e Lorca e o MENINO lhe entregam flores. Os espectadores depositam os vasos sobre a lápide] DIRETOR Iara, eu também vivi uma experiência saindo um dia do nosso ensaio. Eu peguei um ônibus em direção à minha casa, que fica no bairro do Limão, e eu estava com o livro do Federico, “Um Poeta em Nova York”, debaixo do meu braço. E Federico, eu não sei se foi o seu livro, se foi minha cabeça batendo no vidro enquanto eu dormia, se foi o trânsito, mas o que eu sei é que eu escrevi um poema e eu pensei em te dizer esse poema. Você me dá esse prazer, Federico? Queria muito ler um poema para você, posso? LORCA Eu esperei 83 anos por um poema seu. DIRETOR Eu pensei assim: Eu digo um verso do meu poema “Euspício” e você diz um trecho de “Um Poeta em Nova York.” Caso você não se lembre, eu tenho suas obras completas no camarim...

Diretor Eu / euspício / na rua / de dentro / da catarse do rito da boca interna dos cabelos íngremes do cerco da morte no lábio

INTERMEZZO - “A CIDADE“

[Enquanto o DIRETOR e LORCA travam seu dueto-embate de poesias à meia luz da noite da cidade, MANOEL vai esticando fios trançados por sobre os espectadores, formando uma teia. IARA pendura nesta teia placas com nomes de ruas, os nomes estampados nestas placas são de torturadores e carrascos da ditadura brasileira. MARIANA costura em sua máquina. Os músicos criam um ambiente sonoro urbano tocando os objetos do cenário. O MENINO se esconde num dos cases do cenário. HELENY paira pela cidade fazendo de novo um carrossel com a LUA e o CAVALO, sobre o qual está montado o BONECO]

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INTERMEZZO - “A CIDADE“

da mosca seio do nada do leite da porta do canto do enxofre o oco da sina do feixe de dentro do lado de fora da abertura invisível do ponto interno da maçã inquieta ao lado da poltrona caqui. Amor Eu euspício a garganta tamanha do corpo perdido no túnel cabelo do fio/nascimento do umbigo da linha do tempo perdido que me encontro no meio achatado potente da estátua de mim que sou nada mais que um ninguém Eu euspício coração de todos mordidas de outrora cravada na mão

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do sangue escorrido mas nunca bebido consumo de poucos da hóstia de deus cravada no cu LORCA Debaixo das multiplicações, há uma gota de sangue de pato; debaixo das divisões, há uma gota de sangue de marinheiro; debaixo das somas, um rio de sangue terno. Um rio que vem cantando pelos dormitórios dos arrabaldes, e é prata, cimento ou brisa na aurora mentida de Nova York. Todos os dias se matam em Nova York quatro milhões de patos, cinco milhões de porcos, duas mil pombas para os agonizantes, um milhão de vacas, um milhão de cordeiros e dois milhões de galos, que deixam os céus em pedaços. Eu euspício o vazio o vazio

Eu euspício a liberdade a liberdade Eu euspício a revolução Eu euspício o amor o amor eu euspício Eu euspício as bucetas armadas, amadas dos partos rasgados

INTERMEZZO - “A CIDADE“

Eu euspício o tempo

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 195


INTERMEZZO - “A CIDADE“

dos filhos nascentes dos corpos inchados da pele finíssima da primeira gota do puro que tocou o quê? Eu euspício a vida a vida a vida a vida eu sou vida eu não sou morte Eu euspício a morte morte morte Eu euspício a morte do que de mim não digo escondido nas unhas cravadas nas costas daqueles que por um milhão e por um segundo não cravo as unhas não massacro piso cuspo na cara fruto de um sistema assassino cheio de ismos dor

196 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Eu euspício esse sistema eu euspício o capitalismo o capitalismo o capitalismo o capita lismo o capita lismo

DIRETOR Eu euspício o capitalismo sistema covarde assassino realista claro/verdadeiro com as cartas marcadas na mesa pra que eu me sufoque com suas notas não musicais e às vezes musicais também de dinheiro sujo impregnado na alma à custa da morte, exploração,

INTERMEZZO - “A CIDADE“

LORCA Tive a sorte de ver com meus olhos, a quebra da bolsa de Nova York, onde milhões e milhões de dólares se perderam. Um verdadeiro tumulto de dinheiro morto atirado ao mar... E em meio a gritos, pessoas histéricas, gente desmaiada, nunca tive, como naquele momento, a impressão de uma morte real, morte que é podridão e mais nada. E eu precisava bombardear aquele desfiladeiro de sombras por onde as ambulâncias levavam os suicidas com as mãos cheias de anéis! Eu euspício esse sistema, eu euspício o capitalismo...

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 197


massacre, humilhação, dos meus irmãos! irmãos??? irmãos?!? Eu euspício o amor, a liberdade e a revolução Eu euspício a mudança da natureza do poder na matéria do estado Eu euspício a troca do poder Eu euspício o caráter neo liberal do capitalismo que está promovendo a “deshistorização” do tempo e a perda da tradição de que o tempo é história LORCA E o mais triste é ver que todo aquele povo que enche as ruas e avenidas acredita que o mundo será sempre igual, e que sua única função no mundo será alimentar essa máquina dia e noite, dia e noite e sempre... Sempre igual, sempre igual... DIRETOR Eu euspício a utopia a utopia Eu euspício o Eu o Nós o Eu o Nós

INTERMEZZO - “A CIDADE“

DIRETOR Federico, bem-vindo a nossa cidade, São Paulo. Tem um amigo meu que dizia assim: Federico, vem pra São Paulo ver o que é bom pra tosse! LORCA O que é aquilo ali? DIRETOR A República, uma praça com muitas árvores, cercada por grades e com muitos moradores de rua dentro.

198 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


LORCA E ali? DIRETOR Aquilo ali, Federico, é o bairro da Liberdade, onde moram muitos japoneses e que, aos domingos, tem uma festa bem gostosinha. LORCA E esse monumento de concreto cravado no coração da cidade? DIRETOR Isso aqui, Federico, representado por esse velho caixote, é o nosso maior cartão postal da cidade. O nosso querido e gigantesco Minhocão!!!!! [MENINO sai de dentro do case cantando e fazendo sinais em Libras] LORCA Ei, menino, quem é você? MENINO Canção: O MENINO E A CIDADE Pode lavar, pode passar desinfetante Não vai adiantar Eu sou tumor que se propagou bastante, Não dá pra desinfetar

[Durante a canção do MENINO, LORCA e o DIRETOR vão lendo os nomes das ruas penduradas em fios por toda a plateia. São ruas da cidade que contém nomes de generais da ditadura e torturadores. HELENY e IARA vão trocando as placas das ruas por nomes de pessoas que foram vítimas da ditadura: Vladmir Herzog, Carlos Lamarca, Frei Tito...]

INTERMEZZO - “A CIDADE“

Sou menino, sou menina Tô na praça, na esquina, Me alimento da farofa do despacho Durmo sobre um papelão, meu teto é o Minhocão Essa cidade é minha casa, meu escracho

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 199


LORCA Menino, o que é esse bordado que você chama cidade? [MENINO faz apenas a descrição em Libras, sem dizer nenhuma palavra] MANOEL Mas explica, Menino, porque aqui todo mundo é “mobral” nessa língua, ninguém está entendendo nada. MENINO A cidade é um lugar que tem muitas ruas, está cheio de gente e não tem céu. LORCA E a lua? MENINO Poeta, você sabia que “em casa de menino de rua o último a dormir apaga a lua”? LORCA Ah! Que bonito, tá virando poeta, menino? MENINO Não é meu não, é do Giovani Baffo. O seu é assim... [Enquanto LORCA declama, o MENINO faz tradução simultânea em Libras]

INTERMEZZO - “A CIDADE“

LORCA A lua é um tamborete de cetim para os ricos, e um pedaço de pão dormido para os pobres. LORCA E esse viaduto? MENINO É o Elevado Costa e Silva.

200 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


MANOEL É o homem do AI-5. MENINO Aí sim, Manoel! MANOEL “Aí sim”, não, Menino. AI-5! Cuidado menino, com botas não se brinca. MENINO Ah! Eu brinco de bota, de chinelo, descalço. Manoel, eu vou fazer um desafio pra você e pra todo mundo que está aqui dentro desse teatro. Eu vou fazendo os sinais [Libras] e vocês vão tentando adivinhar. Pode falar a primeira coisa que vier na cabeça. Mas tem que olhar e prestar atenção. [MENINO começa a dizer alguma coisa em Libras e a plateia tenta adivinhar. O MENINO repete duas vezes a frase] MENINO O engraçado é que não tem nada a ver essas coisas que vocês disseram aí. Mas eu vou explicar. Eu falei simplesmente assim: “Quando é o seu aniversário? O meu aniversário é no mês de abril!” DIRETOR [repetindo o gesto feito pelo MENINO] Abril é assim? Por quê? MENINO É por causa de Tiradentes!

LORCA Menino, como que é “poesia”? MENINO É assim, olha que bonito! [faz o gesto em Libras] LORCA E “utopia”, menino?

INTERMEZZO - “A CIDADE“

[MENINO E CORO voltam a cantar a canção O MENINO E A CIDADE]

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 201


MENINO Vixe, poeta, se tem uma coisa que não tem em Libras é isso aí, utopia. MARIANA E bandeira tem? MENINO Tem sim, Dona Mariana, bandeira é assim! [faz o sinal em Libras] MARIANA E liberdade, menino, como é? MENINO [faz o sinal de liberdade em Libras e recita o poema de Carlos Marighella] “Liberdade, queria-te eu tanto, e de tal modo em suma Que não existe força alguma que essa paixão embriagadora tome E que eu por ti, se torturado for Possa morrer feliz, indiferente à dor A sussurrar o teu nome: LIBERDADE” [faz o sinal em Libras] Vamos lá, meu povo, aprender. Porque liberdade é pra todo mundo! [Todo o elenco, músicos e plateia fazem o sinal de “liberdade” em Libras]

INTERMEZZO - “A CIDADE“

LORCA Senhor Diretor, nós já estamos nos alongando demais. Essa é a cena mais importante da peça! Portanto, senhores atores, realizem-na com competência. Senhores e senhoras do público, assistam também com a devida competência para que ela possa se realizar.

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TERCEIRO ATO CENA VII – MARIANA E PEDROSA DIRETOR Terceiro ato. No final do segundo ato, Pedro de Sotomayor e os conspiradores foram obrigados a fugir com a chegada do torturador e militar Pedrosa. Nesta cena, Mariana Pineda encontra-se sozinha em sua casa. Cena, como escreveu Federico García Lorca... LORCA [ao piano] Delicadíssima de se realizar. DIRETOR Nesta cena, há que notar muito mais o que não se diz, do que o que está sendo falado. A chuva, aos poucos, entrará no ambiente rompendo os silêncios. CORO Canção: PEDROSA Lá fora desaba uma chuva Insistente Pedrosa entra na casa Silenciosamente Observa os detalhes da sala Minuciosamente É um sujeito estranho, pálido, cínico, seco, antipático. E assim que suas botas molhadas Pisam o assoalho da sala Mariana treme hesita. E logo se cala MARIANA E PEDROSA Canção: PEDROSA VISITA MARIANA PINEDA PEDROSA [entrando pelo corredor da plateia, interrompe a cena] Silêncio! Nesta cena não haverá música.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 203


MARIANA Senhor Pedrosa, queira entrar. PEDROSA [adiantando-se e fechando o guarda-chuva] Senhora, não interrompa por minha causa a canção que inda agora entoava. Continue. MARIANA [querendo sorrir] É, a noite estava triste, eu resolvi cantar. PEDROSA Vendo luz em seu balcão, resolvi visitá-la. Perdão se interrompo seus afazeres. MARIANA Agradeço-lhe muito a visita. PEDROSA Mas que jeito de chover! MARIANA [com intenção] Já é tarde? [Pausa] PEDROSA [olhando-a fixamente e com intenção também] Muito tarde. O relógio da Audiência já faz tempo bateu as onze. MARIANA [serena e indicando assento a Pedrosa] Pois eu não ouvi.

TERCEIRO ATO

PEDROSA [observando cada canto da plateia, como se toda a plateia fosse a casa de Mariana] Eu pude ouvir de longe. Agora acabo de percorrer as ruas silenciosas, encharcando-me de chuva até os ossos, resistindo ao cinza fino e glacial que chega de Alhambra. MARIANA [com intenção e refazendo-se] Esse vento gelado, que espeta agulha nos pulmões e para os corações. PEDROSA [devolvendo-lhe a ironia e retirando do bolso uma tesoura] Pois esse mesmo. Cumpro deveres de meu duro cargo. Enquanto a

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senhora, bela Mariana, em sua casa, ao abrigo dos ventos, tece rendas. . . Ou borda. . . [Como que recordando.] Quem me disse que bordava muito bem? MARIANA [aterrorizada, mas com certa serenidade] É pecado? PEDROSA [fazendo sinal negativo] El Rei nosso Senhor, que Deus proteja, [corta um dos fios da teia que segura as placas com o nome das ruas], distraiu-se bordando em Valençay junto a seu tio, o infante Dom Antonio. De forma que bordar é uma ocupação belíssima. MARIANA [entre dentes] Meu Deus! PEDROSA Estranha esta visita? MARIANA [tentando sorrir] Não. PEDROSA [sério] Mariana! [pausa. Corta mais um fio] Uma bela mulher como a senhora não sente medo de viver só? MARIANA Medo? Nenhum, senhor Pedrosa! PEDROSA [com intenção] Há tantos liberais e tantos anarquistas em Granada, que o povo não vive muito seguro. [firme] A senhora sabe!

PEDROSA [sorrindo. Corta mais um fio] E eu sou juiz. É por isso que me preocupo com estas questões. Desculpai, Mariana, porém já faz três meses que ando louco sem poder capturar um dos cabeças. . .

TERCEIRO ATO

MARIANA [digna] Senhor Pedrosa! Sou mulher de meu lar e nada mais!

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 205


[Pausa. Mariana trata de escutar e brinca com o anel, contendo sua angústia e sua indignação] PEDROSA [como que recordando, com frieza] Um tal Dom Pedro de Sotomayor. MARIANA Este homem, pelo que ouvi, já deve estar longe da Espanha há muito tempo, senhor Pedrosa... PEDROSA Não. Espero breve tê-lo nas mãos. [Ao ouvir isto, Mariana tem uma ligeira vertigem nervosa, o suficiente para que lhe escape o anel da mão, ou melhor, atira-o ao chão para evitar a conversa] MARIANA [levantando-se] O meu anel! PEDROSA Caiu? [com intenção] Tenha cuidado! MARIANA [nervosa] É meu anel de bodas. Não se mexa: pode pisá-lo. [busca] PEDROSA Muito bem. MARIANA Parece que alguma invisível mão o arrancou.

TERCEIRO ATO

PEDROSA Tenha mais calma. [frio] Veja. [mostra o lugar onde vê o anel, ao mesmo tempo que avançam] Já está aqui! [Pedrosa pega o anel. Vai na direção de Mariana. Na beira do palco, corta o último fio com a placa “Heleny Guariba” enquanto lê em voz alta o seu nome. Sobe no palco e faz menção de dar o anel a Mariana. Ela inclina-se para pegá-lo e Pedrosa abraça-a rapidamente e a beija]

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MARIANA [dando um grito e afastando-se] Pedrosa! [pausa. Mariana começa a chorar de raiva] MARIANA [num ímpeto desesperado e agarrando Pedrosa pela lapela] O que é isso, senhor Pedrosa? Que pensa de mim? PEDROSA [impassível] Muitas coisas. MARIANA Muitas coisas? Pois saberei vencer essas coisas. Saiba que ninguém me dá medo. Eu sou limpa como água de nascente, e posso me manchar a seu contato; mas saberei me defender. O senhor, por favor, saia! PEDROSA [forte e cheio de ira] Silêncio! [pausa. Frio.] Quero ser amigo seu. Deve me agradecer esta visita. MARIANA [brava] E devo permitir que me ofenda? Que penetre de noite em minha casa a fim de que eu... [contém-se] O senhor quer que eu me perca? PEDROSA [cálido] Ao contrário! Venho salvá-la. MARIANA [brava] Pois não necessito! O senhor, por favor, saia. [pausa] PEDROSA [forte e dominador, aproximando-se com um sorriso ácido] Mariana! E a bandeira? MARIANA [perturbada] Que bandeira?

MARIANA Qual foi o infame que mentiu?

TERCEIRO ATO

PEDROSA A que bordou com essas mãos tão brancas, [prende-as] contra nossas leis, contra nosso rei!

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 207


PEDROSA [indiferente] Muito bem bordada! De tafetá roxo e letras verdes. Foi lá no Albaicim que nós a apreendemos; já está em meu poder como tua vida. Mas não receies: sou amigo teu. [Mariana fica sufocada] MARIANA [quase desmaiando] É mentira, mentira. PEDROSA Sei também que há pessoas, e muitas, implicadas, e acho que me dirás seus nomes, certo? [baixando a voz e apaixonadamente] Ninguém saberá o que houve. Eu te quero minha, estás compreendendo? Minha ou morta. Sempre me desprezaste, mas agora posso apertar teu colo entre meus dedos, teu colo de nardo transparente, e hás de me amar porque te dou a vida. MARIANA [terna e suplicante em meio a seu desespero, abraçando-se a Pedrosa] Me deixe fugir, senhor Pedrosa! Me deixe fugir. Eu guardarei sua imagem na menina dos olhos. Por meus filhos, Pedrosa, me deixe fugir...! PEDROSA [abraçando-a, sensual] Essa bandeira não a bordaste não, linda Mariana, e já estás livre porque assim desejo. [Mariana ao ver perto de seus lábios os lábios de Pedrosa, rechaça-o, reagindo de maneira selvagem]

TERCEIRO ATO

MARIANA Canção: MARIANA E A BANDEIRA Bordei essa bandeira com essas minhas mãos, com minhas próprias mãos, com minhas próprias mãos! E conheço guerreiros, nobres cavaleiros que pretendiam içá-la, fincá-la no chão de Granada. Mas não direi seus nomes! PEDROSA Pela força há de dizer! Os ferros doem muito, E uma mulher é sempre uma mulher!

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MARIANA Eu não direi seus nomes, eu não direi nada! Ainda que cravassem vidros no meu peito, / mesmo diante de toda tirania, Ainda que cravassem vidros no meu peito, / eu não diria, eu não diria, eu não diria!

HELENY GUARIBA [da plateia, interrompendo a cena] Em nome de que lei? Maçãs levemente feridas por finos espadins de prata, nuvens rasgadas por uma mão de coral que leva no dorso uma amêndoa de fogo, peixes de arsênico como tubarões, tubarões como gotas de pranto para cegar uma multidão, rosas que ferem e agulhas instaladas nos canos do sangue, mundos inimigos e amores cobertos de vermes cairão sobre ti. Cairão sobre ti a grande cúpula que untam de azeite as línguas militares onde um homem urina numa deslumbrante pomba e cospe carvão esmagado rodeado de milhares de campainhas. Porque já não há quem reparta o pão nem o vinho, nem quem cultive as ervas na boca do morto, nem quem abra as linhas do repouso, nem quem chore pelas feridas dos elefantes. Não há mais que um milhão de ferreiros forjando cadeias para os meninos que hão de vir. Não há mais que um milhão de carpinteiros que fazem ataúdes sem cruz. Não há mais que uma turba de lamentos que abre as roupas a espera da bala. O homem que despreza a pomba devia falar, devia gritar despido entre as colunas, e tomar uma injeção para adquirir a lepra e chorar um pranto tão terrível que dissolvesse seus anéis e seus telefones de diamante.

TERCEIRO ATO

PEDROSA A senhora fica, desde já, detida em nome da lei.

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TERCEIRO ATO

O velho das mãos translúcidas dirá: amor, amor, amor Rodeado de milhares de moribundos. Dirá: paz, paz, paz entre o ruído de faca e dinamite. Dirá amor, amor, amor até que se tornem de prata seus lábios. Entretanto, entretanto, ai!, entretanto, os negros que tiram as escarradeiras, os rapazes que tremem sob o terror pálido dos diretores, as mulheres afogadas em óleos minerais, a multidão de martelo, de violino ou de nuvem, há de gritar ainda que lhe rebentem os miolos contra o muro, há de gritar ante as cúpulas, há de gritar louca de fogo, há de gritar louca de neve, há de gritar com a cabeça cheia de excremento, há de gritar como todas as noites juntas, há de gritar com voz tão despedaçada até que as cidades tremam como meninas e rompam as prisões do azeite e de música, porque queremos o pão nosso de cada dia, flor de amieiro e perene ternura debulhada, porque queremos que se cumpra a vontade da Terra que dá seus frutos para todos. Eu sempre tive um pesadelo de um dia encontrar o homem que me torturou e dizer para ele este poema do Lorca, como eu disse para este ator. Mas acho que ele não entenderia. Eu sou uma daquelas pessoas que vive se escondendo, eu vivo disfarçada, eu me disfarço para vir ao teatro, para ir ao mercado. Porque a dor que continua doendo e que vai acabar por me matar se “irrealiza”, transmudase em simples ocorrência equívoca, suscetível a uma infinidade de interpretações, de versões das mais arbitrárias. Embora a dor que vai me matar continue doendo, ferida aberta latejando na memória. Então eu me pergunto: o que é o amor? o que é a história? o que é a bondade? o que se esconde embaixo destas almofadas de veludos, atrás desse espelho de luzes? o que se esconde embaixo dos nossos pés, das solas dos nossos sapatos, embaixo das caveiras das nossas casas? o que se esconde nas veias das manifestações na Av. Paulista? o que se esconde por trás do desaparecimento de tantos Amarildos? Então recobro a energia para expor a urdidura cerrada em que a violência captura a linguagem, sequestro dos meus pensamentos, e deixo aqui o meu disfarce, em nome da liberdade. Da minha, da nossa liberdade. Porque é uma

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tragédia pessoal e é uma tragédia coletiva. Não há culpa, não há desculpa, não há perdão. Eu quero transformar em verbo a dor, em frase a cólera, em escrita a vergonha, em teatro a agonia. DIRETOR Heleny! [abraçam-se] Essa aqui é Heleny Guariba. Heleny foi diretora de teatro, professora de teatro e em 1971 foi assassinada pela ditadura militar brasileira. Seu corpo nunca foi encontrado. Que bom que você voltou. Sua cena foi linda! HELENY Vamos ao vinho. IARA Por baixo d’água seguem as palavras Por cima d’água uma lua redonda se banha, Dando inveja a outra tão alta! Na margem, um menino vê as duas luas e diz: “Noite! Toca os seus pratos!”

TERCEIRO ATO

[Música instrumental “Majco Majco”. MARIANA, LORCA, IARA E HELENY pegam a bandeira vermelha e passam com ela sobre a cabeça dos espectadores. Esses são convidados a sentarem-se em volta da mesa]

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 211


– INTERMEZZO – “MESA-PALCO” – [Uma grande mesa é montada atrás da plateia. Ela é coberta com a bandeira vermelha. Sobre a mesa estão o pão, o vinho e muitos livros de poetas latino-americanos, outros sobre a ditadura brasileira e um exemplar do “Direito à Memória e à Verdade”. Estes livros são distribuídos para circular entre os espectadores. A cada apresentação é convidada uma pessoa que tenha, direta ou indiretamente, participado da resistência à ditadura civil-militar que se instaurou após o golpe de 1964 no Brasil. Os atores, com suas poesias e suas músicas, dialogam com o convidado] LORCA Senhoras e senhores, este é o nosso terceiro e último intermezzo. Mariana Pineda acaba de ser presa, não se sabe do seu paradeiro. Só se sabe que, em alguns minutos, ela será enforcada em praça publica na última cena do espetáculo. Essa Companhia não sabe o que fazer. E, quando não se sabe o que fazer, só nos resta conversar para saber que caminho devemos seguir. HELENY No ano em que eu nasci, meu pai era um jovem advogado recém-formado e ele foi contatado por uma jovem para advogar no caso do assassinato de seu marido. O marido dela era um jornalista famoso na época que, diziam as versões oficiais, havia se suicidado numa cela do Doi-Codi. A foto deste jornalista, pendurado por sua gravata a uma janela mais baixa do que sua altura, rodou o mundo. Por conta deste trabalho do meu pai, o medo era um personagem que habitava a minha casa. Eu me lembro de um dia em que meu pai, com os olhos cheios de medo, olhou no fundo dos meus olhos e disse: “Minha filha, nesta vida, a gente não pode ter medo nunca, o que a vida quer da gente é coragem!” [vai cortar o pão com a faca] IARA [interrompendo a ação de Heleny] Não, Heleny. Os homens não fizeram as facas para partir o pão. As facas de ouro vão sozinhas ao coração. As de prata cortam o pescoço como um punhado de ervas. As facas não foram feitas para partir o pão. Os homens partem o pão com as mãos.

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HELENY [repartindo o pão com as mãos. O pão é compartilhado por todos] Por tudo isso, no meu imaginário infantil, bailavam no mesmo carrossel, os príncipes encantados, os castelos, os torturadores, as fadas, os paus-dearara, as cadeiras do dragão. A cadeira do dragão da minha imaginação era uma cadeira de madeira escura toda entalhada com um espaldar imenso e uma cabeça de dragão com os olhos incrustados de rubi que soltava fogo pelas ventas. E para nos ajudar a enfrentar este dragão, temos aqui hoje um convidado especial que vem compartilhar conosco um pouco da sua história, da sua experiência. [apresenta o convidado, oferece uma taça de vinho a ele. O vinho também é compartilhado por todos] CONVIDADO [aqui, entre as próximas falas dos atores, pode-se encaixar um dos depoimentos transcritos no capítulo anterior] IARA Canção: CASITA DE LAS PALOMAS OSCURAS Por las ramas del laurel Van dos palomas oscuras. La una era el sol, La otra era la luna. “Vecinita”, les dije, “donde está mi sepultura?” “En mi cola”, dijo el sol. “En mi garganta”, dijo la luna.

Por las ramas del laurel van dos palomas oscuras. La una era la otra y la muchacha era ninguna.

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

Yo que estaba caminando con la tierra en la cintura vi dos águilas de mármol y una muchacha desnuda.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 213


“Aguilita”, les dije, “donde está mi sepultura?” “En mi cola”, dijo el sol. “En mi garganta”, dijo la luna. Por las ramas del cerezo vi dos palomas desnudas. La una era la otra y las dos eran ninguna.

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

MANOEL Canção: NENHUMA LÁGRIMA MARIANA Meu nome é Rosalina Santa Cruz. Sou ex-presa e irmã de Fernando Santa Cruz, preso político desaparecido. Eu fui presa em 1971, e, nesses dias em que estive presa, sofri uma série de torturas, comuns naquela época a quase todos os presos políticos. Choque elétrico na vagina, nas orelhas, no pé, soco, pontapé. Fui presa junto com meu companheiro, fomos torturados quase sempre juntos. E nesses dias, a coisa que eu mais lembro era o meu medo, a minha impotência, a minha solidão. E todo o poder, toda a impunidade daqueles homens, senhores da minha vida e da minha morte. Um dia, em desespero, eu lhes pedi: “me matem” e lembro-me quando um torturador me disse: “não, não vou te matar, vou te fazer em pedacinho, eu tenho tempo. Eu vou te tirar o que quero, por quanto tempo eu quiser. Eu te mato se eu quiser.” Quando saí da prisão, eu não acreditava que eu pudesse passar por uma experiência mais dolorosa do que essa. Pouco depois da minha saída da cadeia, o meu irmão foi preso. E a prisão dele nos levou, a família inteira, a uma busca interminável, quase que imediatamente, em todos os centros de tortura: ao Doi-Codi, DOPS, Rio, onde ele morou, onde eu fui presa, porta de quartel, relações públicas do exército. Bem, até hoje, nós não temos notícias de Fernando, são dez anos. Eu não sou Rosalina Santa Cruz. Quando ela fez esse depoimento em maio de 1983, no teatro Municipal, no Ato de julgamento da Lei de Segurança Nacional, ela fez em nome das famílias dos desaparecidos que continuavam sem saber do destino de seus entes queridos, sem apuração das denúncias, sem responsabilização dos culpados. Em maio de 2012, o senhor Cláudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem e Política Social (DOPS), publicaria sua biografia, “Memórias de uma Guerra Suja”, na qual afirma que ele mesmo comandou uma incineração de dez militantes de esquerda, após

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sessões de tortura, na usina de açúcar Cambayhba, em Campos, no Rio de Janeiro, entre eles o irmão de Rosalina, Fernando Santa Cruz. Hoje, ele e os familiares de desaparecidos políticos são como Antígone, a personagem de Sófocles [lê a introdução do livro “Direito à Memória e à Verdade”, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República]: “Antígona julgava que não haveria suplício maior do que aquele: ver os dois irmãos matarem um ao outro. Mas enganava-se. Um garrote de dor estrangulou seu peito já ferido ao ouvir do novo soberano, Creonte, que apenas um deles, Etéocles, seria enterrado com honras, enquanto Polinice deveria ficar onde caiu, para servir de banquete aos abutres. Desafiando a ordem real, quebrou as unhas e rasgou a pele dos dedos cavando a terra com as próprias mãos. Depois de sepultar o corpo, suspirou. A alma daquele que amara não seria mais obrigada a vagar impenitente durante um século às margens do Rio dos Mortos.” Eles têm unhas, dedos, terra, mas não têm o corpo pra enterrar. E não sabem se choram pro Sul, se rezam pro Leste, se cantam pro Oeste... DIRETOR [agradece aos convidados da noite e diz o poema “Um Dia Útil”, do compositor Maurício Pereira] De manhã eu levantei, fiz xixi li o jornal sem escovar o dente tomei café com leite [como sempre correndo] me arrumei, fui trabalhar nem lembrei de dizer tchau pro povo lá de casa

às vezes pra ninguém porque é ensaio às vezes pra ninguém mesmo não sendo ensaio mas sempre junto com meus amigos músicos e quando vai a multidão parece que eu sou tão importante depois acaba tudo e eu volto quieto pra casa

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

fui tocar música com meus amigos músicos aí eu canto [o dia inteiro eu canto] e canto, e canto, e canto, e canto

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 215


e quando eu chego lá em casa tá todo mundo dormindo tá tudo escuro escuro pra burro eu fico olhando a rua pela janela de casa é madrugada eu sozinho com eles dormindo desligo a última luz da casa vou dando trombada até o quarto dos moleques beijo eles, um por um cubro eles, um por um tropeço um bocado pra chegar na minha cama eu dou um beijo leve e demorado nos cabelos da minha mulher que dorme

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

eu tiro a roupa eu deito acordado eu tô nu eu me cubro olhos arregalados numa fresta de luz no teto e eu sonho sozinho com meu coração pequenininho minha compreensão também pequenininha do conjunto das coisas todas eu, com medo da morte, e tudo mais sonhando sozinho, eu me pergunto se quando a gente canta alguém presta atenção na letra

216 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


mas eu tento tentar dormir aí vem aquele monte de dúvidas que a gente tem quando trabalha como artista e vem fé e vem tristeza e vem alegria e tesão e neura e fantasia e Dionísio e ditadura e eu não sei, não sei, não sei, não sei... eu pego no sono eu preciso dormir um pouco e sonhar muito porque se o cara não descansa ele não canta direito e não leva sustança pro coração do cidadão comum e amanhã é mais um grande dia um dia comum de muito trabalho um dia grande que nem um diamante um longo dia belo um baita dia duro e lindo eu ganho pra estar brilhante num dia útil um dia útil um dia útil um dia útil

LORCA Não sei, não sei, não sei, não sei... Um grande pensador do século XX disse que não se poderia escrever um poema depois de Auschwitz. Eu, Federico García Lorca, morri em 1936, não conheci Auschwitz. Talvez por isso ainda insista nos poemas, mas não posso dizer nada mais do que isso. Não sou mais que dois olhos feridos pelos fantasmas da primeira vez... A primeira vez... A terra onde nasci havia sempre sido arada por aqueles velhos arados de madeira que apenas arranhavam sua superfície.

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

[LORCA e o DIRETOR sobem em cima da grande mesa]

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 217


INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

Foi quando alguns lavradores compraram os modernos arados Bravant. Eu, curioso, seguia o novo arado, a poderosa máquina com patas de aço abrindo talhos na terra, talhos por onde saíam raízes no lugar de sangue. Mas, uma vez, o invencível arado Bravant se deteve. Se deteve por um instante. Era como se algo, do fundo da terra, dissesse: non passará! Non passará! Havia tropeçado em algo consistente. Uma pedra, uma pedra no meio do caminho. Um segundo mais tarde, a folha brilhante de aço tirava da terra um mosaico romano onde estava desenhado um rosto. Era aquele mosaico, aquele rosto que gritava no passarán, no passarán! Se me perguntarem o que é a poesia, não poderei dizer, mas posso dizer sim que sonho com uma poesia capaz de parar as máquinas devoradoras de sonhos. Vocês poderão dizer, você é um romântico! E eu digo, sim, um romântico! Mas se podem imaginar e temer o fim do mundo, a vida eterna, a cura das doenças, imaginem comigo um outro mundo! Imaginem um poema, uma peça, uma canção que seja capaz de parar a pá dos arados a arrancar as raízes, como se dissesse: no passarán! No Passarán, No Passarán! Já o teatro é a poesia que se levanta do livro e se faz carne. Minha obra mais importante, meu mais precioso poema se chamou “La Barraca”! Um grupo de teatro. Grupo de jovens atores, jovens artistas, moços e moças de sonho e utopia... Imaginem senhores, imaginem... Viajar pelo interior de uma Espanha cheia de esperanças, cheia de praças, povos, línguas sob o sol da República Espanhola. [para os músicos e atores] Sete minutos, senhores! [atores e músicos vão para o espelho se maquiar] Chegar, descarregar os caminhões, montar cenários, cometer o espetáculo. Movidos pela alegria diante de um público muitas vezes virgem, ingênuo às vezes, que não entende porque se fala no teatro de problemas que não são os seus. Levar ao povo essa escola de pranto e riso. Um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto está gravemente enfermo. Com La Barraca aprendi que não há nada mais triste do que um teatro feito para a plateia principal e para o camarote do governador. La Barraca floresceu em plena primavera da República Espanhola! E, por isso, era preciso prosseguir e prosseguir, mesmo acusados pelos jornais fascistas de sermos um grupo de conspiradores judaico marxistas, uma trupe de universitários homossexuais chefiados pelo fresco da gravata Papillon. La Barraca durou o tempo de um suspiro, mas foi o suficiente para que se tornasse a experiência mais importante da minha curta vida de poeta. [para os atores e músicos.] Os senhores já estão prontos? Mas antes de começar nossa batalha, é preciso pedir ajuda ao Duende. Pois não há outra forma de todos entenderem essa história sem ostentação crítica, pesando com mesmo cuidado sentimento e inteligência, sem a ajuda do Duende. Se o anjo sopra melodias sobre

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a cabeça dos homens, se a musa cria formas, com o Duende é preciso guerrear. O Duende esburaca as formas, para entre seus vãos, enxergar a medula das formas.

INTERMEZZO - “MESA-PALCO“

[LORCA e o DIRETOR encaminham o público de volta à sala de espetáculo. Os bancos da plateia estão de novo levantados. No centro da sala, uma carroça. Na beirada do palco está apoiado o espelho do camarim, na frente do qual IARA e HELENY se maquiam com o rosto da morte]

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– QUARTO ATO – CENA VIII – O ENFORCAMENTO DE MARIANA PINEDA [Mariana é levada para ser enforcada em praça pública dentro de uma carroça. Os atores da Cantata finalizam a maquiagem e a troca de figurinos. Todos representam agora atores do grupo La Barraca, de Federico García Lorca. A linguagem clássica da Cantata neste ato será transformada numa encenação mais popular e de rua. Uma encenação dirigida por Federico García Lorca dentro do seu grupo La Barraca. Um coro dançante e percussivo a acompanha. Mariana segue dizendo ao povo, durante o trajeto] MARIANA Pedro virá a cavalo Como louco, quando saiba Que me tem aprisionada Por bordar sua bandeira E, se me matam, Pedro virá Para morrer ao meu lado Porque me disse isso uma noite Ao beijar minha cabeça Há de vir como um São Jorge De diamantes e água negra E porque, modesto e nobre, para que ninguém o veja, Pedro virá pela madrugada, pela madrugada fresca Quando sobre o céu sombrio, brilha o limoeiral apenas E a aurora finge nas ondas Fragatas de sombra e seda. [A carroça é transformada num pequeno palco. LORCA coloca sobre o palco a bandeira vermelha] CORO Canção: QUE MAL QUE ELA FEZ Meu coração tá doendo Tá gemendo querendo saber Que mal que ela fez Pra merecer esse fim? Diz pra mim

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Ouvi dizer lá na feira Que ela bordou uma bandeira Ouvi dizer lá no cais Que ela é dos liberais Ouvi dizer por aí Que ela não gosta do rei O que é que tem Eu não gosto também Ouvi dizer que não chora Que tem um coração forte Ouvi dizer que não chora Mesmo diante da morte Meu coração tá doendo Tá gemendo querendo saber Dessa mulher que se cala Mesmo diante da dor Dessa mulher que se cala Pra proteger seu amor Mesmo diante da dor Pra proteger seu amor Mesmo sabendo o seu fim LORCA Mariana presa num convento de Granada. Mariana espera seu amor que tanto tarda. Quarto ato! DIRETOR Não percam agora o último ato da nossa Cantata, escrita dirigida e interpretada por Federico García Lorca e seu grupo “La Barraca”.

CORO Ai, Mariana Pineda Rosa e jasmim de Granada Paciente espera a chegada Do guerreiro que tanto tarda

QUARTO ATO

MARIANA e CORO Canção: ROSA E JASMIM DE GRANADA

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 221


Ai, Mariana Pineda Que cheira a rosa e marmelo Cala com tanta firmeza Enquanto eu me desespero MARIANA Esse silêncio me pesa Se soubessem amigos meus Estou cansada e ferida Pelas coisas da vida CORO Ai, Mariana Pineda Rosa e jasmin de Granada Paciente espera a chegada Do guerreiro que tanto tarda Ai, Mariana Pineda Que cheira a rosa e marmelo Cala com tanta firmeza Enquanto eu me desespero MORTE, MARIANA e CORO Canção: CANÇÃO AMIGA MORTE Paciência amiga minha Com o que ireis ouvir As ruas estão desertas Somente o ir e vir Do vento

QUARTO ATO

As pessoas de medo se fecham De medo, uma menina chora Bem na porta da igreja Uma menina chora

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MARIANA Me conta, minha amiga! O que é que tu sabes? MORTE Paciência amiga minha Com o que irei falar Disseram os outros que era Impossível te salvar Pedro foi embora A Espanha ele deixou Não quero com essa notícia Aumentar a sua dor CORO Pedro foi embora A Espanha ele deixou Não quero com essa notícia Aumentar a sua dor MORTE Paciência amiga minha Com o que irei dizer Já se sabe da sentença Muito pouco a de fazer

PEDROSA e CORO Canção: NOME AOS BOIS Mariana vê se não demora Tá chegando a hora De dar nome aos bois Depois pode ser tarde E aí, não tem porém Depois só vai restar dizer amém

QUARTO ATO

MARIANA Fico sozinha enquanto Debaixo da acácia em flor Do jardim a morte espreita Disfarçada de amor

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 223


PEDROSA Senhora, já é hora. Sabe qual é a sentença? MARIANA Sim, sei, mas imagino ser mentira. Tenho o pescoço curto para ser justiçada. E para que eu morra toda Granada teria de morrer? PEDROSA Eu não quero que morras, mas com a minha assinatura posso apagar o lume de seus olhos. Com uma penada e um pouco de tinta, fazer que adormeça um longo sono. Fale logo, que o rei daria indulto. Quais são, diga seus nomes. Vamos fale! Com a justiça não se joga assim. MARIANA Não falarei. Quem é que manda dentro da Espanha vilanias destas? Que crime cometi? Por que me matam? Nessa bandeira de liberdade bordei o amor maior da minha vida e hei de permanecer aqui trancada? Hei de morrer? PEDROSA Mariana, pela força há de dizer, os ferros doem muito e uma mulher é sempre uma mulher. [MENINO, com o BONECO preso ao peito, começa a correr em volta da cena] MARIANA Não falarei, já estou morta. Que sono mais longo sem sonhos nem sombras. Pedro, eu desejo morrer pelo que tu não morres, morrer pelo puro ideal que iluminou teus olhos, a liberdade.

QUARTO ATO

PEDROSA Queres morrer! MARIANA Não falarei, não quero que meus filhos me desprezem! Eu quero que meus filhos tenham um nome claro como a lua cheia! Eu quero que meus filhos tenham um resplendor no rosto que nem anos nem rosto poderão apagar. E se eu delatasse, pelas ruas de Granada, este meu nome seria dito com temor.

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PEDROSA [saindo em direção à forca] Ah, Mariana... MARIANA [canta] Pelos meus filhos me calo, / pela república me calo, Pela bandeira me calo, / pela liberdade não falo. [PEDROSA abaixa a forca até a altura do pescoço de MARIANA] MARIANA Sei agora o que dizem o rouxinol e a árvore. O homem é um prisioneiro e não pode libertar-se. Liberdade do alto! Liberdade verdadeira acende sobre mim luas e estrelas distantes. Adeus! Secai o pranto. Contai minha triste história às crianças que passarem. [MARIANA e MENINO fazem o sinal em Libras da palavra“bandeira”] MARIANA Adeus! Secai o pranto. Contai minha triste história às crianças que passarem. [Mariana entrega a bandeira ao Menino] A recordação do meu suplício fará muito mais pela causa do que todas as bandeiras do mundo. [MENINO, MARIANA e os espectadores fazem o sinal em Libras da palavra “liberdade”. MARIANA é enforcada e morre] CORO Canção: DIA TRISTE EM GRANADA Nunca se viu em Granada Dia tão triste assim Choravam sob a sacada Lírio, Cravo e Jasmim

O sangue retinto do amor No branco da liberdade Morrendo por não delatar, morrendo por não delatar

QUARTO ATO

A lua consola a noite que chora Ao ver Mariana brincando com a linha da sorte Bordando em silêncio a bandeira com os fios da morte

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 225


Que dia triste em Granada Sinos estão a dobrar Que dia triste em Granada Faz até pedra chorar

QUARTO ATO

[Fim da “Cantata Mariana Pineda”. Atores e músicos recebem os aplausos]

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– EPÍLOGO – DIRETOR Senhoras e senhores, aqui termina o nosso Ato-Espetáculo “Cantata para um Bastidor de Utopias”. A Cia. do Tijolo se despede desse carinhoso galpão e parte em rumo a novos espaços. Federico, o teatro acabou. E esse nosso encontro só foi possível por causa do teatro, e também graças à sua obra, às suas peças, à sua poesia, à sua construção humana. Somos todos filhos seus, você é filho de Mariana Pineda. Somos todos filhos de [fala o nome do convidado da mesa-palco]. E a nossa luta não termina aqui, com esse enforcamento. Receba agora, dessa singela Cia. de teatro, aquilo que lhe faltou. As suas honras fúnebres, não só as suas, mas as de todos desaparecidos políticos de São Paulo, do Brasil e do mundo. [HELENY/MORTE cobre os ombros de LORCA com a bandeira onde está bordado “CIA. DO TIJOLO”] IARA/MORTE Lorquito! Este é nosso último encontro: o corpo e a terra! LORCA [para os espectadores] Senhores, aproximem-se. A poesia só será carne e sangue quando for recíproca. LORCA e CORO Canção: AINDA CABE SONHAR Bordar num pano de linho Um poema tambor Que desperte o vizinho Pintar no asfalto, no rosto Um poema alvoroço Que amanheça a cidade Dançar com tamancos na praça Cantar, pois um grito já não basta Esfarrapados, banguelas, meninos de rua, poetas, babás

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Vistam seus trapos, abram os teatros É hora de começar! Alerta, Desperta, ainda cabe sonhar Alerta, desperta, ainda cabe sonhar Lorca Federico García Lorca, presente! IARA Iara Iavelberg, presente! HELENY Heleny Guariba, presente! MANOEL Manoel Fiel Filho, presente! MARIANA Mariana Pineda, presente! MÚSICO Zequinha Barreto, presente! MÚSICO Victor Jara, presente! mÚSICO Edson Luís Lima Souto, presente!

epílogo

DIRETOR Luiz Eurico Tejera Lisbôa, presente! [Todos os atores e músicos se direcionam para os seus respectivos altares, enquanto finalizam a canção, simbolizando o enterro simbólico dos desaparecidos políticos homenageados na peça. Permanecem nas instalações, onde o público é convidado a conhecer um pouco da história dos artistas, militantes e pessoas assassinadas pela repressão militar e que foram representados no espetáculo] FIM

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CAPÍTULO V

PARTITURAS



DE PASSOS, TRAJETOS E CONFLUÊNCIAS

William Guedes

“Cantar, porque o grito já não basta”

“Cantata” é um termo italiano, como é italiana toda a terminologia musical. Também é italiana a própria invenção do canto para a música ocidental, o canto como um modo de se representar aquilo que, mesmo formulado textualmente, não basta ser dito. Ao longo da história, na Itália, desvelou-se um longo caminho em busca de algum incremento nas possibilidades expressivas da voz humana. No princípio, a cúria romana assimilou o cantochão - criando o que conhecemos como canto gregoriano - e o reconheceu como o meio ideal para veicular a mensagem litúrgica. Buscava-se a clareza, a inteligibilidade do “verbo”, era necessário encontrar uma maneira de cantar que não subvertesse a acentuação das palavras a ponto de tornar ainda mais obscuro o já intrincado sentido do texto religioso. A partir de então, os esforços para alcançar o que seria a forma ideal de expressão passaram a nortear toda a criação musical, dentro e fora dos domínios da igreja. Esses esforços extrapolaram a simples demanda por clareza e criaram uma verdadeira gramática sonora capaz de suportar as exigências expressivas da música dramática e de emancipar, mais tarde, a música instrumental de qualquer vinculação a um texto verbal. Desde as investigações da Camerata Bardi, em Florença, sobre as formas de declamação do teatro clássico grego, passando pelo desenvolvimento da refinada polifonia de Giovanni Pierluigi da Palestrina, até culminar no bel canto operístico, vemos testemunhos, passos por meio dos quais a Itália encontrou uma alternativa para o insuficiente “parlare” (falar) e legou ao mundo ocidental o seu “cantare” (cantar). Mas “cantata” designa, por definição clara e objetiva, o que é para ser cantado, em oposição ao que é para ser tocado: “cantata substantivo derivado do particípio passado do verbo italiano ‘cantare’ (cantar); opõe-se a ‘sonata’, por sua vez, derivado do particípio passado de ‘suonare’ (tocar)”. Na “Cantata para um Bastidor de Utopias”, cantar é uma intensificação da dicção, é um passeio pela palavra, que suprime o grito, se abastece da prosa, atravessa a poesia e busca uma expressão mais utópica do que possível... Cantar aqui é algo mais subjetivo, não suporta a definição, CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 231


William Guedes

De passos, trajetos e confluências

Capítulo V - Partituras

suportará quiçá um desnudamento, a brevíssima descrição de um trajeto, dos passos que conduziram a Cia. do Tijolo ao lugar onde se encontrava o seu próprio “cantare”. A poesia havia sido um ponto de chegada para o primeiro fluxo desse trajeto, que resultou na montagem do “Concerto de Ispinho e Fulô”. A cidade de Assaré foi um belíssimo porto, a pousada ideal. Ali, a voz de Patativa ainda soa, em todo o Cariri ainda ecoa, combativa e engajada, a voz poderosa do oprimido num grito de BASTA!!! Por isso, a poesia de Patativa do Assaré bastou para dar sentido ao nosso concerto. Concerto é a forma italiana do vocábulo latino “concertatum” (do verbo “concertare”: combater, competir). A dinâmica de um concerto está baseada na alternância entre solo e “tutti”, ou - dito de forma mais poética - na voz de um instrumento solista, que, investido de alguma magia, confronta de maneira heroica o poder sonoro de uma orquestra inteira. Um concerto é, por outro lado, uma forma musical eminentemente instrumental, destinada, portanto, a “suonare”. Os concertos, assim como as sinfonias e outros gêneros instrumentais, desenvolveram-se sob uma rígida organização formal e se estabeleceram como linguagem, baseados naquela gramática sonora a que já nos referimos. A sucessão dos movimentos de um concerto e a organização interna dos seus elementos musicais evoluíram de modo a erigir uma arquitetura de contornos claramente definidos, em que um discurso significativo e coerente prescinde totalmente do elemento verbal. Por isso, a poesia bastou também para dar forma ao nosso concerto. Neste caso, bastou não pelo que ela tem de lirismo, ou pelo seu sentido combativo, mas justamente pelo que ela tem de música, pelo que nela “suona”. A rima, o ritmo e o flerte com uma formalidade quase parnasiana – aspectos puramente sonoros ou musicais - da obra de Patativa nos abraçaram como dogmas benditos, como as fronteiras bem definidas de um continente onde finalmente pudemos derramar e nos estabelecer. Ao partir para cumprir mais uma etapa desse trajeto, decidimos que a nova pousada seria a Andaluzia, as vozes seriam as de Federico García Lorca e Mariana Pineda. Porém, constatamos que era necessário suprimir o grito: queríamos dar relevo ao fato de os nossos heróis terem sido calados de maneira abrupta, e de seus corpos terem sido submetidos a uma existência tão silenciosa, que seus vestígios não responderiam senão a afagos, senão a gestos, também silenciosos, de reverência póstuma. Era necessário tocar o inefável, buscávamos um “não dizer” para representar esse texto e encontramos o “cantare”, estava lá, oposto a “parlare”, não por definição, já que esse termo não suportará definições aqui, mas por vocação.

232 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


William Guedes

A ousada decisão de encenar “Mariana Pineda” na forma de uma cantata foi como ceder à soberania de algo que se apresentava como a única forma de expressão capaz de abarcar esse “não dizer”, de exprimir mais do que o significado convencional das palavras e de nos fazer, enfim, tocar (“suonare”) o inefável. Foi também uma demonstração de confiança da Cia. do Tijolo na sua própria vocação musical. De fato, a companhia tem especial talento e habilidade na expressão musical. Tínhamos no Jonathan Silva um excelente compositor de lindas canções e em todo o elenco uma extraordinária capacidade de transformar atores em músicos, músicos em personagens e, por que não, um texto teatral em cantata. Porém, adaptar o texto de Lorca para os moldes do drama musical e resguardar elementos tão fundamentais quanto a continuidade e a noção de forma representou um desafio mesmo para esse elenco e exigiu o deslocamento da criação e execução musicais para uma condição preponderante em relação aos demais aspectos da encenação. Durante esse processo, todos os componentes da Cia. do Tijolo, músicos e atores, estiveram envolvidos com o elemento musical de maneira mais intensa do que nos processos anteriores. Todos foram impelidos a se superar, extrapolando suas referências musicais mais imediatas e buscando o entendimento de que deveriam subordinar seu processo criativo às exigências de um todo mais abrangente, condizente com as dimensões e com a forma de expressão próprias da música dramática. No entanto, era necessário acolher o abundante ímpeto criativo da companhia, por isso todos participaram de alguma maneira do processo de composição musical. Isso resultou numa equilibrada oscilação entre a rigidez de procedimentos referenciada na antiga música de concerto e o caráter mais informal e primitivo da música popular, inspirada em ritmos tradicionais brasileiros. Muitos trechos do texto são poemas versificados que permitiram, com a tradução poética para o português, sua versão em árias de estrutura estrófica em forma de canção. Algumas rubricas originaram recitativos acompanhados, inspirados na narrativa típica dos evangelistas nas cantatas barrocas. Um desafio especial foi trabalhar sobre a prosa poética de Lorca, principalmente em alguns longos diálogos que precisavam ser transformados em duetos ariosos. Nesses trechos, era necessário preservar a ideia de que se tratava de música para um espetáculo teatral e resguardar a naturalidade na expressão dos atores-cantores. Isso nos afastou do impulso de compor aos moldes dos “parlandi” operísticos, que nesse ambiente soariam artificiais. Assim, a composição musical para muitos dos diálogos partiu da criação dos próprios atores que,

De passos, trajetos e confluências

Capítulo V - Partituras

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William Guedes

De passos, trajetos e confluências

Capítulo V - Partituras

improvisando sobre um acompanhamento harmônico também improvisado, conseguiram chegar espontaneamente a uma forma de recitação perfeitamente situada entre o canto e a fala, o lugar para onde a sutileza da poesia e a eloquência do grito pareciam confluir. Ainda como solução para esse mesmo desafio, em seu desenvolvimento musical, o espetáculo abriu caminho entre dois polos antagônicos: em um extremo, um “cantare” puro, profundo e cristalino embala os diálogos entre a personagem Mariana Pineda e seus companheiros revolucionários; no outro, um “parlare” superficial e seco emerge nos diálogos entre ela e o antipático militar Pedrosa. No terceiro ato, ao entrar na casa de Mariana, o militar e torturador Pedrosa interrompe o coro que canta e ordena “nesta cena não haverá música.” Então o espetáculo emerge para um diálogo em que as palavras e seu significado mais imediato, ainda que não bastem, dominam tudo. No fundo, quase imperceptível, o “cantare” se restringe a um bramido surdo do coro em boca “chiusa”, sustentando por longo tempo a nota mi, o piano ousa algumas intervenções – improvisações – ao longo de toda a cena. O ato termina com Mariana Pineda cedendo a um impulso irresistível e mergulhando num canto, agora copioso, em que confessa ter colaborado com os revolucionários liberais, recusa-se a delatá-los e vê decretada, por isso, a sua sentença de morte. Cumpre ainda, apenas para terminar este relato, submeter a cantata a um desnudamento histórico, a uma brevíssima descrição dos passos que levaram esse gênero musical a aliar-se, nos nossos dias, a uma matriz temática perfeitamente coincidente com os intentos da Cia. do Tijolo para a montagem da “Cantata para um Bastidor de Utopias”. Como forma musical, a cantata deriva da prática de se justaporem canções - ou mais anacronicamente, madrigais - como partes ou movimentos de uma obra destinada a contar uma história. Era, na origem, música de câmara, composta para pequenas formações instrumentais com um solista vocal. Tinha conteúdo exclusivamente profano, de temática predominantemente amorosa e destinava-se à fruição da seleta aristocracia italiana no século XVII. Esse caráter de mero entretenimento, dominado pela expressão de pequenos dramas pessoais seria subvertido na Alemanha. Durante o século XVIII, a cantata impôs-se como a mais elevada forma de expressão musical da religiosidade protestante. Nesse ambiente, a cantata ganhou contornos formais mais abrangentes, comportava então formações com grupos bem mais numerosos, com a presença de solistas, orquestra e, às vezes, dois ou mais coros. Em termos expressivos, em detrimento do matiz individualista que predominava nos seus primórdios, a cantata assumiu o caráter de voz coletiva. Isso significou para a representação

234 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


William Guedes

do texto religioso algo como a voz da humanidade em interlocução com os céus. As mais de duzentas cantatas escritas por Johann Sebastian Bach testemunham o apogeu desse gênero, o momento em que passou a representar predominantemente dramas religiosos e legou à ópera a representação de dramas profanos. Enfim, no século XIX, a expressão grandiosa de conflitos humanos foi encampada pela crescente produção operística, que dominou a cena do drama musical e relegou a composição de cantatas ao quase esquecimento. A matriz para a composição deste gênero musical jamais voltaria a aliar-se a algo parecido com a leveza quase frívola dos antigos madrigais italianos, também não retomaria a importância que tivera, como forma musical quase hegemônica a proclamar a densa sobriedade dos corais luteranos durante o período barroco. Essa matriz seria revisitada por importantes compositores do século XX, preservando o caráter de voz coletiva que adquirira e, agora, aliada predominantemente a libelos contra a tirania e a opressão. É assim a cantata “Carmina Burana” de Carl Orff, composta sobre uma coletânea de textos proibidos do século XIII que, entre outras coisas, denunciam a tirania com que se impunha o poder eclesiástico na Europa medieval. O mesmo caráter está aliado à cantata “O diário de Anne Frank” composta por Leopoldo Gamberini sobre o famoso relato da menina judia morta num campo de concentração nazista, na segunda guerra mundial. Arnold Schönberg compôs “Um sobrevivente de Varsóvia”, um tributo às vítimas do holocausto. A Cia. do Tijolo pretendeu, afinal, aliar à forma de uma cantata um espetáculo teatral que busca a identidade entre a personagem histórica Mariana Pineda, condenada à morte por seu envolvimento com os liberais espanhóis no século XIX, o poeta e dramaturgo Federico García Lorca, morto durante a guerra civil espanhola em 1936 e tantos desaparecidos políticos no Brasil durante a ditadura militar. Essa identidade se evidencia enquanto esses “personagens” figuram como vítimas de opressão em diferentes momentos históricos na Espanha e no Brasil; também se evidencia ao nos identificar a todos, atualmente, como sujeitos a um sistema social opressivo, contra o qual nem a palavra, nem o grito bastam. Para a Cia. do Tijolo têm bastado, além da própria procura, dois preciosos achados: a poesia e o “cantare”.

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Capítulo V - Partituras

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Pequena nota sobre a partitura Essa partitura é um registro da cantata criada sobre o texto Mariana Pineda de Federico Garcia Lorca para o espetáculo “Cantata Para um Bastidor de Utopias.” As partes vocais são a representação integral da escrita original, conforme foi criada e é executada pela Cia do Tijolo no espetáculo. No espetáculo a instrumentação do 1° ato conta com piano, violões e acordeão, no 2° ato com piano e contrabaixo, no 3° ato com piano e no 4° ato com percussão e violões. Aqui, optei, nos 1°, 2° e 3° atos, por uma redução para piano e no 4° ato, pela escrita da percussão e a representação da harmonia cifrada nas partes em que há violões. No 3° ato, o trecho “Pedrosa Visita Mariana Pineda” é uma declamação que reproduz o diálogo das personagens, acompanhado por livre improvisação ao piano e por isso não foi transcrito na partitura. William Guedes 236 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Cantata

ato I

1. Dia triste em Granada Jonathan Silva, William Guedes q. = 60

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CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 237


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2

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p œ ∑

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-

∑ œ ‰

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2

Pno.

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?# œ

&

coro

œ

≈

noi - te

Pno.

œ

≈ œ œ #œ œ #œ œ nœ œ œ œ œ. ? # œœ .. # œœœ ... œ. &

16

coro

#

2

Œ. Œ.

œ

Œ Œ

∑ œ O

œ ∑ O

˙œ . œ œ . 2

œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ


3

25

coro

&

#

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2

san - gue re - tin - to doIa - mor

. . ?# œ œ œ œ œ œ

œ.

no

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Pno.

&

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P # œ 2 & œ

30

coro

œœ œ œœ œœœ 2

&

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Pno.

&

#

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Pno.

2

não de - la -

mor - ren

-

do por

não de - la -

≈

œ #œ œ œ œ œ - œœ- œ 2

2

œ œ œ œ œ

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de - la

mor - ren - do por não

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2

∑ œ œ. œ.

do por

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œ œ œœ œœ

mor - ren - do por não

-

de - la

-

-

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2

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2

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˙.

#œ œ œ œ œ. tar

ah!

#˙.

˙.

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œœ œ. œ. œ. œ. œœœœ ≈ œ œ # œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ # œ œ œ œ œ # œ œ œ

2

# & .. œ

34

coro

˙˙˙ ... ˙.

2

tar

2

œ #œ œ

mor - ren

œ œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ. ∑

bran - co da li - ber - da - de

# œœœ œœ œ 2 œ # œœ œœœ œœœ œ 2 œ œ #œ œ

?

2

œ

no 2

œ œ

œ.

bran - co da li - ber - da - de

œ œ ∑

san - gue re - tin - to doIa - mor 2

2 ∑ œ œ œ œ œ #œ œ ‰ œ œ.

∑ œ œ

œ #œ œ

? # ..

œ œ

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2

œ

œ

œ

2

œ œ

œ œ

2

œ œ

œ œ

D.S. al Coda fi

œ

œ

œ. œ œ œ. œ œ

œ œ

2

œ

se

œ

viu

em

œ #œ

Gra

san - gue re - tin - to doIa - mor

Nun - ca

se

viu

em

Gra

san - gue re - tin - to doIa - mor

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œ. œ œ œ. œ œ

œœ œœ œœ œœ œœ œœ # ˙. & .. ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ P 2 ? # .. œ . ? 2 œ œ œœ . œ œ & œ œ œ. . œ. œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œ œ

2

œ.

œ

œ #œ œ œ. œ

œ œ

2

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2

œ œ

∑ œ œ œ œ œ #œ œ ‰ œ 2

no bran - co da li - ber - da - de

mor -

no bran - co da li - ber - da - de

mor -

2

œ œ 2 œ œ # œ œœ #œ 2

œ œ

∑ œ œ

2

œ #œ œ

Nun - ca

œ

œ œ

œ œ ∑

œ œ œ œ œ2œ œ ‰ œ ∑

2 ∑ œœ œœ œœ œœ œ # œ œ ‰ œ œ œ œ œ ∑ 2

∑ œœ œœ ∑

œ œ œœ œœ 2

2

œœ # œ œ œ - œ- œ 2

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 239


4

39

coro

&

#

œ. œ œ œ #œ œ œ.

œ

ren - do por não de - la - tar

? # œ. œ œ œ œ œ œ.

œ

ren - do por não de - la - tar

Pno.

Pno.

&

œ œ

# ˙. œ œ œ œ œ œ

?#

˙. œ.

ah!

œ #œ œ œ œ . œœ œ œ œ # œ œ œ &œ œ œ œ œ. œ œ œ #œ f œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ

˙˙ ..

di - a

tris - teIem Gra - na

-

da

œ.

œœ œœ œœ œœ œœ œœ si - nos

es - tão

a

do - brar

Que

di - a

tris - teIem Gra - na

-

da

si - nos

es - tão

a

do - brar

œ œ œ œ #œ œ

# ˙. œ œ

?#

˙. #˙.

Que

œ.

œ

œ

œ

œ

˙. œ.

œ

di - a

œ

tris - teIem Gra - na

que

di - a

tris - teIem Gra - na

que

œ

œ. # œ. & ≈ œ œ œ œ œ ? # œ .. œ œ œ œ. œ œ

œ #œ

œ

œ.

œ œ œ œ œ œ

œ.

œ. œ. ˙. # œ. œ. ˙. & ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ? # œ .. œ œ œ .. œ œ œ .. œ œ œ œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ

&

ah!

-

-

˙.

œ. œ. ˙. œ. œ. ˙. œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ .. œ.

œœ œœ

œœ .. œ.

œ œ œœ .. œ œ œ.

œœ œœ

œœ

œœ

œ.

faz

œ

œ

da

faz

a - té

œ.

da

œœ .. œ.

œœ # œœ œœ

a - té

pe - dra

œ œ œ

pe - dra

œ œ œœ .. œ œ œ.

œœ

œœ .. œ.

œœ œœ

œœ .. œ.

œœ œœ

œœ .. œ.

œœ œœ

œœ .. œ.

œ œ œ. œ œ œ.

240 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

∑ œ ‰ ‰ Œ. œ

œ

-

rar.

cho

-

œ ‰ ‰ Œ. ∑

cho

˙. œ œ #œ ˙. # œ œ œ œœ œœ œ œ œ œ œ œ œ #œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ. œ.

œœ œœ

œœ œœ

rar.

œœœœ

. œ‰Œ

~~

Pno.

# œ œ œ œœ #œ œ œ

∑ œ œ. œ. ? œ œ. œ. ∑ ? # œ. #œ œ œ. œ œ . œ #œ œ. œ œ #œ. œ œ œ œ œ #œ œ. œ œ œ. œ œ #œ. œ œ œ. œ œ œ. #œ œ œ. œ œ œ. œ. œ œ œ. œ

48

coro

œ œ. œ œ œ œ œ #˙. ∑

˙˙ ..

œ.

mor - ren - do por não de - la - tar

mor - ren - do por não de - la - tar

# œ œ. & œœ œœ œœ œœ # œœ œ œ .

44

coro

∑ œ œ. œ œ œ œ œ #œ œ œ œ

ß œ- ‰ Œ . œ œ-


2. O segredo Jonathan Silva, William Guedes q. = 68

narrador

Piano

# 4 V 4 ‰ œ œœ œ œ œ ˙ # 4 & 4 ww w P ?# 4 4 w 5

nar.

Pno.

V &

Pno.

#

?#

8 nar.

#

V

Ma - ri - a - na on - deIes - tás

ww w

3

Ma - ri - a - na on - deIes - tá

tran - ca - da no seu quar - to

ww w

œ œ

œ œ œ œ œ œ

œœ œ

w

œ

# & ˙˙˙ ...

a - preen - si - vas preo - cu - pa - das

˙. ˙.

œ œ

œœ œ

œœ œ

∑ œ œ œ œ

3

3

pas - saIa tar - de in - tei

œœ œ

œœ œ

Ó œœ œ

∑ œ œ œ œ

3

3

œœ œ

3

3

œ

su - a mãe e a cri - a - da

3

œœ œ

∑ œ œ œ œ

3

∑ œ œ

# ˙˙˙˙ .... F

œœœ œ

œ

5 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ #œ œ œ œ œ ˙ .

w w

ra

‰ œœ œ œœœœ

3

w # www f

œœ œ

œ

-

∑ ∑ ∑ œ œœ œœ œ œœ œœ

œ œ

pois

3

∑ œ œ œ œœ œ

∑ œ œ œ œ œ œ

w

em si - lên - cio em se - gre - do bor - dan - doIu - ma ban - dei - ra

# ‰ œ œ œ œ œ œ œ

?#

‰ ≈ œ œ œ œ œ œ œ ∑

w

‰ œ œ œ œ œ œ œ ww w

‰ œ œœ œ œ œ ˙

˙. ˙.

œ œ

a ban - dei - ra queIe - la bor - daIé pe - la cau - sa dos li - be - rais.

Ó Ó

U

Œ

U

Œ # œœ œ Œ

œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 241


3. Clavela e Angústias Jonathan Silva, William Guedes q. = 60

Angústias

& 68

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

Clavela

& 68

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

coro

? 68

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

œœœœ ∑

∑

Piano

œ œ œ œ œ œ ? 68 ‰ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ ‰ œ p ? 68 ˙ . ˙.

˙˙ . .

9 Ang.

&œ œ œ œ œ œ œ

˙. ˙.

∑ œ ‰ œ œ œ

quê bor - da es - sa ban - dei - ra

Cla.

coro

Pno.

&

∑

?

∑

∑ ∑

˙. ˙.

˙˙ . .

∑ œ œ œ œ œ

com a - gu - lha e ru - bra

∑ ∑

œ. #œ.

∑ œ Œ

li - nha?

∑

œ.

‰ F

œ œ œ œ œ.

Œ.

œ

∑ œ œ œ œ œ œ œ

œ

∑

242 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

∑ œ ‰ œ œ

di - aIe

∑

∑

œ œ œ œ œ ‰ œœ œœ ‰ œ œ œ œ ‰ œœ œœ ‰ œ œ œ œ ?‰ œ œ œ œ p ? ˙. ˙˙ . ˙˙ . ˙. ˙. ˙. . . ˙. ˙.

Por -

œœ œœœœœ

Por - quê vai bor - dar em se - gre - do

∑

∑ œ

Œ

∑ œ œ. ‰ œ P

œ.

œ

œ œ


15 Ang.

Cla.

coro

&œ &

noi - te

? œ.

21 Ang.

Cla.

coro

∑

? ?‰

Pno.

∑ œ œ œ œ œ œ∑ œ .

&

noi - teIe

Œ.

Œ

∑

∑

œœ œ œ ∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑ ∑ ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ‰œœ œ œ œ œ œ œ œ œ Œ

Po - di - a bor - dar um ves - ti - do

∑

to - do bran - coIou da cor da ce - re - ja

∑

∑

∑

∑

Rei não é bom não

? ˙. ˙.

seIo

∑

de - veIa mu - lher preo - cu - par - se

∑

œ œ. ‰ œ œ. #œ.

∑ ∑

F ∑ ∑ œ œ œ œ œœ œ œ ˙- . -

seIo

&

Rei não é bom, que não

∑

œœ .. œ.

œ. œ.

œœ .. œ. œ. œ.

∑

∑

∑ ‰ ∑ Œ & œ œ œ œ œ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ?

∑

∑ œ

‰ œ œ œ œ œ ‰œœ œœœ ‰ œ œ œ œ œ ‰œœ œœœ p œ œ œ œœœ œœ ˙˙ . ˙˙ . ˙. ˙. . #œ . ˙. ˙.

œ ?‰ œ œ œœ Pno.

di - a?

∑

se - ja.

∑

‰ Œ.

‰ ∑

œ œ

Por - quê

œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ π sub. ˙. ˙. œ. œ. œ. œ.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 243


27 Ang.

& Œ.

Por - quê

Cla.

coro

Pno.

& ∑ Œ . œ œ ?

bor - da?

Cla.

‰ ∑

? ˙. œ.

˙. œ.

œ.

& Œ.

∑ œ œ œ œ œ.

pe - los li - be - rais.

œ œ œ œ œ œ œ œ œ.

Pe - dro, pe - los li - be - rais.

É por

∑

& ∑ œ œ

Œ.

Œ.

Por-què faz

∑ ? ‰ œ œ œ œ

Œ.

œ. œ.

œ. œ.

œ.

‰ œ œ . œ

Por-quê bor - da?

Pno.

Œ.

∑

bor - da?

coro

faz?

Œ

Œ.

Œ.

∑ Œ . œ œ œ œ

∑

‰ œ œ œ.

QueIa - fli - ção!

Te -nho me - do.

Œ.

∑

Œ.

∑ Œ ‰ Œ . œ œ

∑

Œ

˙. œ.

∑ œ œ œ œ œ.

Pe - los li - be - rais

œ œ œ œ œ œ œ œ œ. É por

‰ œ œ œ.

Por - quê faz?

Pe -dro, pe - los li - be - rais.

Œ

˙. œ.

œ.

∑ œ œ œ œ œ.

Pe - los li - be - rais.

Œ. ‰

˙. œ.

œ.

Œ.

∑ œ œ œ œ

œ œ

Al - guém

sa - be?

œ. œ.

œ.

œ. œ.

˙œ . .

œ.

œ. œ.

˙. œ.

Œ.

Œ.

∑ Œ ‰ œ œ

QueIa- fli - ção!

‰ œ œ œ∑ œ

Te - nho me - do.

Œ.

‰ ∑

œ œ

Por - quê

œ.

œ œ œ œ œ ˙.

A - té a - go- ra não.

œ œ

Al- guem

‰ œ œ œ.

QueIa -fli - ção!

œœ œ œ œ œ œ œœ œ œ œ œ œ

244 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

Œ.

œ œ œ œ œœœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œœœœ œ

œ œ & œœ œ œ œ œ œ œ œœ œœ œ œ œ œœ œœ œ œ œ œ œ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœ œ œ œ œ œœ œœ œ œ œ œœ œœ ? œ œ œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œœ œ œ œ.

∑

‰ œœ . œ

Te- nho me - do.

Œ.

œ œ œ œ œ œ.

A - té a - go - ra não.

œ œ & œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œ œ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ

35 Ang.

Œ.

‰ œ œ œ.

∑

sa - be?

‰ œ œ œ œ œ ˙.

A - té a - go- ra não.

œ œ œ œ œ ˙˙˙ ... œ œ. œ.

œ. œ.

˙. ˙.


9

4. A visita Jonathan Silva, William Guedes q = 66

narrador

Piano

6 6 œ œ 5 Œ ‰ ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ 43 œ œ œ œ œ œ œ ‰ œ ∑

bb 4 Vbb 4 Ó bb 4 &bb 4 Ó ? b b b 44 Ó b

˙˙ ˙ f ˙ ˙

Mais eis que Ma - ri - a - na re - ce - beIa vi - si - ta das fi - lhas doIou - vi

en - chem a ca - sa de fres - cor e a - le

Pno.

? bb b ˙ . b ˙.

8 nar.

Pno.

œœœ

œ

œœ œ

-

44 44

rall.

gri - a,

accel.

bbbb

Œ 3 ∑ nœ nœ œ œ œ œ œ œ

∑

‰ n œ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ œ P

? bb b b

w w-

3

3

3

3

œ œ

œ œ

œ œ

œ œ

11 nar.

b V b bb œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

Pno.

b & b b b ˙˙˙ f ? bb b ˙ b ˙

sar de seIa - le - grar com a pre - sen - ça das a - mi - gas,

˙˙ ˙ ˙ ˙

3

ti - rem bas - tan

6 ‰. œ œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œ œ

∑

ww

∑

U - mas Ma - ri - a - na per - ma - ne - ce w

3 3 3 3 n œœœ œœœ n œœœ œœœ n œœœ œœœ n œœœ œœœ p ∑ ∑ ∑ ∑ œ3œ œ3œ œ3œ œ3œ ∑ ∑ ∑ ∑

Œ

De - pois deIin - sis

più lento

Ó

b V b bb Ó &

que

3 4 ˙ .. ˙

w w

œœœ œ œœœœ 4 œ bb Vbb œ œ œ 4 b & b b b œœœ

dor da chan - ce - la - ri - a,

3 4 ˙˙ ..

ww w

4 nar.

-

-

6

tran - ca - da.

F w w-

w w-

∑ ‰ œ œ œ

œ

3

te

3

Ma - ri - a

3

-

∑ œ œ œ œ œ 3

3

a tempo

∑ 3 œ ‰ œ œ

na a - bre a por - ta

∑ œœ Œ 3 œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

∑ Œ œœ 3 œœ œ nœ œ œ

‰ œ œ œœ œœ œœ œ œ œ œ

3

3

3

e,Ia pe -

3

3 U U Œ œ œ œ œ œ ‰ œ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Œ

˙ n ˙˙˙ p ˙

al - go lheIin - tri - ga:

œœœ

œ

U

es - pe - ra u - ma car - ta que não vem.

œœœ

˙˙˙ .. .

œ œ

˙.

U

U

n œœœ f U œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 245


10

5. A grande tourada Jonathan Silva, William Guedes q. = 63

Piano

& 68 .. œœœ P ? 6 .. œœœ 8

1.

bœ œ œ bœ œ œ œ b œ. bœ ∑ b œ. b œœ œ. œœ œ œ

œ œ œ bœ ‰ œ œ b œ .. œœ . b œ œ b œ . f œ . œœ b œ. b œ .. œ œ . Œ bœ

∑ œœ œœ b b œœœ œœœ œœœ .. œœ Œ œ œ œ. œœ œœ b b œœ œœ œœ œœ. œ œ b œ œ œ .. œ Œ ∑

2.

œ œ œ bœ œ & œ. ∑ œ b œœ ? œ bœ bœ

5

Pno.

b œœœ

œœ œ

œ

œœ œ P bœ

8 meninas

coro

Piano

∑ & .. œ . œ œ œ . œ œ∑ & ..

Foi a ma - ior das tou - ra gran - de tou - rei - ro daIEs - pa

∑

? ..

∑

œ. œ. & .. œœ .. œœ ..

œœ .. œœ .. œ. œ.

? ..

œ

F œ

œ

œ œ œ

-

œœ œ

œœ œ

œœ œ

œœ œ

œœ b b œœœ œ œœ b b œœ œ bœ

∑ ∑ ∑ œ œ ‰ œ das nha,

œ

da - que com tra

∑

-

œœ œ

œœ œ

bœ .. b œ

œœ œ

œœ œ

.. œ

∑ œ œ œ œ

las je

∑

œ

œœ .. œœ .. œ. œ. œ

œ œ

∑

œ

œ bœ œ œ ∑ œœ œœ

œ.

b œœ ..

œ œ

œ

œœ

œœ

∑ ∑

œ œ œ œœ . œ œ

bœ bœ

œ nœ ∑

˙.

ban - das de lá, cor de ma - çã,

∑ œœ .. œœ .. œ. œ.

œ

œ

œ œ

246 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œœ œ œ œœ b œ œœ . b œ bœ œ œ

œ

œ

œ

œ

œ


11

12 men.

& ‰ bœ œ œ œ œ

∑ œ bœ œ œ.

cin - co tou - ros deIa - ze - vi - che, cin - co tou - ros der - ru - bou, com

coro

Pno.

&

∑

∑

?

∑

∑

17 men.

coro

Pno.

∑ œ œ œ œ œ bœ œ œ. œ bœ œ œ œ œ œ œ.

& ‰ b œœ œœ b ˙˙ .. ? œ. œ. œ. œ.

&

œœ . .

œœ . .

com di - vi - sa ver - deIe ne - gra di - vi - sa ver - deIe ne - gra eIeu

∑

& bœ. œ œ œ. œ œ bœ. œ œ œ. œ. ah! seIes - ti - ves - se a - qui

mi - nhaIa - mi - ga

ah! seIes - ti - ves - se a - qui

mi - nhaIa - mi - ga

? bœ. œ œ œ. œ œ bœ. œ œ œ. œ.

œ bœ œ œ. œ. œ.

∑

∑

∑

∑

‰ b œ œ œ œ b œ œ b œ∑ œ œ œ œ œ œ œ bœ œ

œœ . œœ . œœ . œ b œ b œ . œ . œ . . . .œ bœ. œ. œ.

∑

∑ bœ œ

‰ bœ œ œ œ bœ œ

eIeu pen - sa - va pen - sa - va

∑ œœ œœ œœ œ . œ . œ . œ. œ. œ.

œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œœœ œ œ

bœ. bœ œ œ œ. bœ.

œ. œ.

∑

∑

‰ b œ œ œ b œ œ b œ∑

∑

œ

œ.

œ.

∑ œ ‰ ‰

œ

œ.

œ.

œ ‰ ‰ ∑

Ma - ri - a - na Pi - ñe - da.

bœ ‰ b œ œ œ œ b œ∑

Ma - ri - a - na Pi - ñe - da.

∑ b œ bœ ‰ b œœ œœ œœ œ œœ b œœ œ œœ

& bœ. œ œ œ. œ œ bœ. œ œ œ. œ. œ. œ. œ. œ. f bœ ? bœ bœ œ œ œ œ œ b bb œœœ .. œœœ œœœ œœœ .. œœœ œœœ bœ bœ bœ œ œ . .

œ

∑

œ . œœ .. œœœ ... œœœ ... œœ .. œ .

œ. n œœœ ... œœ ..

œ œ œ œ œ

&

œ œ œ œ œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 247


12

22 men.

1.

& œ œ E

coro

Pno.

œ œ œ

œ

quan - doIo gran - de

œ

tou - rei

Pno.

œ œ œ œ œ œ

œ

a - tra - ves - sa - vaIa a - re

-

∑ œ œ. na,

∑

∑

∑

∑

?

∑

∑

∑

∑

œœœ œ œ œ œœ œ œ œ œ

œœ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ b b œœ œ œ œœ

œœ œ œ b œ œ b œ b œ œ œ

œ œ

bœ. bœ.

œ bœ œ œ œ œ

&

p

& œ.

œ.

œ.

œ.

& ‰ bœ œ œ œ œ œ bœ pa - re - ci - aIa - té queIa

coro

ro

&

26 men.

∑ œ œ

-

tar -

œ

œ œ œ

∑ œ œ.

‰ bœ œ œ œ bœ œ

de

se

œ.

œ.

∑ bœ œ

‰ ∑ œ∑ œ ∑ bœ œ œ. eIeu pen - sa - va

tor - na - va mais mo - re - na

&

∑

∑

∑

∑

∑

?

∑

∑

∑

∑

∑

&

b œœœ œ œ œ b œœœ œ œ œ

& œ. œ. œ. œ.

b œœœ œ œ œ b œœœ œ œ œ b œœœ œ œ œ b œœœ œ œ œ

b b œœœ œ œ œ b b œœœ œ œ œ œœœ ... œœ .. œ.

œ. œ.

. bœ. bœ

œ. œ.

œ. bœ. œ.

œ.

248 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

. œ. œ

œœ

œ

œœ- œ- œ œœ œœ œ

? œ-

œ- œ -


13

31 men.

coro

Pno.

∑

&

∑

∑

& bœ. œ œ œ. œ œ bœ. œ œ œ. œ. ah! seIes - ti - ves - se a - qui

mu - nhaIa - mi - ga

ah! seIes - ti - ves - se a - qui

mu - nhaIa - mi - ga

. . . . . ? œ bœ bœ œ œ œ œ bœ bœ œ œ

bœ œ œ bœ œ

Ma - ri - a - na Pi

-

œ œ œ œ œ

Ma - ri - a - na Pi

‰ bœ œ & bœ. œ œ œ. œ œ bœ. œ œ œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ œ f b œ œ œ œ b b œœ .. œœ œœ ? bœ bœ œ œ bœ bœ bœ bœ. œ œ œ œ

-

ñe

œ

-

ñe

-

∑

Ó

‰ œ∑ ..

∑ œ œ.

œ.

∑ œ ‰ ‰ ..

da.

œ œ. ∑

œ.

da.

œ b œœ œ b œ . œ œ œ . œ œ œ œ. œ œ œ. œ œœ .. œœ œœ œ œ œ œ œ œ . œ œ œœ œœ œœ œœ œœ

O

œ ∑ ‰ ‰ ..

œ bœ œ œ b œœ œœ œœ œ œ .. œ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ . œ œ œ œ œ œ œ œ &.

œœœ œ œ œ œœ œ œ œœ œ œ œœ œ œ b œœ œ œ œœ œ œ œœ œ œ b œ œ œœ b œ œ œ b œœœ œ œ œœœ œ œ œ b ˙˙˙ ... bœœ œ œœ œœ œ

2.

36

Pno.

&

π

œ. . & œ. œ. œ

œœ

bœ. œ. œ. œ. œ bœ œ œ œ œœœ œ œ

œ œ œ b œ. œ œ. lento

b . b œœœ œ œ œœœ œ b œ œ b b œœœ .. œ . b œ œ œ . œ ˙ ‰ &

bœ. œœ œ œ œœ bœ. œ œ œ. œ. œ. œ. œ.

œ œ & œ b œ. œ œ.

bœ œ b œ b œ œ œ b œ b œ œ œ 44 ww bœ bœ œ œ bœ œ bœ œ w

42

Pno.

rall.

œ œ œ b œ. œ œ.

. bœ œ b œ b œ œ. œ ˙˙˙ ...

‰ bœ œ œ bœ œ bœ ˙ œ 44 ww œ. œ.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 249


14

6. Canção de amor e revolução Jonathan Silva, Mauricio Damasceno, Rodrigo Mercadante, William Guedes, q = 63

3 # & 44 œ œ œ œ œ œ œ œ 3

Mariana Pineda

3

œ œœœ œ œ œ œ

Que noi - te fri-aIem Gra - na - da,

Piano

˙. # 4 ˙. & 4 P ˙. ? # 44

3

œ œ œ œœœ œ œ

3

noi -te te-mi-daIe so-nha -da,

3

œ œ ˙. œ œ ˙.

œ œ ˙. œ œ ˙.

3

com su- as lon-gas es- pa

œœ ˙

œœ

w

-

œœ ˙ œœ ˙

œ œ ˙.

œ œ ˙.

3

que já me fe -re de lon - ge

U

œ œ œ œ #œ œ ˙

œ

das.

œ # œœœ œœœ

∑ œ œ œ œ œ œ.

ai

∑ œ œ œ œ œ œ.

? # .. w w

w w

w w

Pe - dro meu

Pno.

# & œ

∑ œ œ œ œ œ.

to - dos

Pno.

vi - ver

ao

seu

la - do

œ

œ

œ

œ a

œ

lei,

œ o

œ

rei,

œ

œ œ œ ˙

to - daIes - cu - ri - dão,

# œ œ œ œ ≈ œ œ & ≈ # œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ #œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ?# w w

# & œ #

Pno.

co - moIeu que - ri - a

praIen - fren - tar

os meus di - as,

ww

12 M. Pin.

a - ma - do,

# & .. ≈ œ œ œ œ œ œ œ ≈# œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

9 M. Pin.

œœ U w w

# & .. œ œ œ œ œ∑ œ .

6

ww w

6

6

M. Pin.

U

œ

praIen - fren

& ≈

? # ww

-

œ œ œ

œ

tar

œ

œ a

-

œ œ œ

œ

lei,

œ

w w

cresc. sempre

œ o

œ œ œ

œ

rei,

œ

œ

fa

-

œ œ œ

U

œ

zer

œ œ œ œ ˙ a

re - vo - lu - ção.

..

œ

œ

˙ œ œ œ # ˙˙ ƒ U ˙˙

..

˙ ˙

œ œ œ

250 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

U

..


15

7. Mariana Pineda e Fernando Jonathan Silva, Mauricio Damasceno, Rodrigo Mercadante, William Guedes,

Mariana Pineda

Fernando

Piano

q = 90

# & 44 ?# 4 4

Fer.

∑

# 4 & 4 Œ

œ #œ œ F ? # 44 Œ œ # œ œ

5 M. Pin.

∑

&

#

œ

Ó

Œ

Œ

œ #œ œ

œ

œ

œ

tar - de.

Œ

Ó

Œ

Ó

do.

livre, no tempo da fala

M. Pin.

Fer.

Pno.

# U ww w

&

#

Œ

Fer - nan

-

∑

Ó ∑

# www

œ œ #œ œ œ œ #œ œ

Ó

ad. lib.

‰ œ∑ ˙

Œ

w w

‰œ œ œœ œ œ œ œ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ‰œ œ œ œ œ œ œ

Dis - tra - i - da eu es - ta - va, con - fes - so, não teIes - pe - ra - va, su - a voz me sur - preIen - deu.

¿‰ ∑

Ó

# U ˙˙ ˙

? # U˙

Œ

Ó

∑

U

U

# wwww

www w

U

#w

w

‰œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œ #˙

? # ‰ ¿ ¿ ¿ ¿ 5¿ ¿ ¿ Ó &

é?

œ

Ó

5

w

?# w

8

Quem

¿ ‰ Œ ∑

livre, no tempo da fala

In - daIa - go - ra eu che - guei, per - dão se teIas - sus - tei.

Pno.

œ

Bo - a

? # ‰ œ œ œ œ œ œ œ‰ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ &

‰ ¿ ∑

Por fa - vor meu a - mi - go quei - ra se sen - tar

Eu não que - roIin - co - mo - dar.

# ˙˙˙˙ #˙

a tempo

Ó

œ

Ó

˙ ∑

œ

∑

œ œ œ #œ 6

œœœœ

6

# œ œ œœ œ f œ

?‰

œœœ œœ œ 3

œ & œœ œ œœ œ œœ œ

?

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 251


16

11 M. Pin.

Fer.

&

#

?# ?# ˙

Pno.

?#

15 M. Pin.

Fer.

&

œ

Fer.

∑

∑

∑

∑

∑

∑

˙

#

∑

Œ

œœ œ œœ œ

˙

∑

3

tu - do que que

œ # œœ œ œœ œ œœ œ œœ œ

?#

œ

œ

œ œ

∑

-

˙ ro,

Œ

∑

& ?

P œ

œ œ œ

3

Co - mo gos - to des - ta

œœ œ œœ œ œ

œ

∑

œ

ca

-

sa,

œ

œ œ œ

∑

tem chei - ro de ma - na - cá,

œ

˙

œœ œ œœ œ œœ œ œœ œ

œ œ œ œ œ œœœœ œ ˙ ‰ Œ œ œ œ

œ

∑

œ œ œ ˙

‰ œ œ œ

chei - ro do - ce de mar - me

œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œœ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ

? ? œ œ & œœ œ œœ œ œœ œ œ œ & œœ œ œœ œ œœ œ

∑

?# Œ ‰ œœ œ œ œ œ ˙ &

?

∑

œ ‰ œœœ œ œ

#

˙

3

œ œ ?# œ œ œ œ œ ? œ & #œ œ œ #œ &œ œ œ œ œ œ œ

&

bœ nœ

∑

e - la tem

Pno.

œœ œ ˙

‰ œœœ

Œ

? œ & œœ œ œœ œ œœ œ œ & œœ œ œœ œ œœ œ œ

?#

19 M. Pin.

∑

œ nœ

?# œ Pno.

∑

œ

œ

œ œ

252 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œœ œœ œ œ ‰ œ

œ

œ

∑

-

œ œ #œ

˙

lo.

œ #œ œ

œ œ

œ

œ


17

24 M. Pin.

Fer.

Pno.

&

Fer.

Pno.

&

Fer.

Pno.

# œœœ

?#

&

œ

&

&

3

œœ œ

œœ œœ œ œ

œ & œœ œ

-

œœ .. œ.

œœ œ œœ œ

?

œ

œ œ œ œ œ œ œ # œ œœ

œ & œœ œ œœ œ œœ œ

∑ 3

P

?# w ggg w

œ

tão bo - ni - ta a fa - cha

œ & œœ œ

rall.

œœ œ œœ œ

ad. lib.

œœ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ

œœ œ œ œœ œ - -

œ œ

œ

Por - quê es - sa per - gun - taIi - nes - pe - ra - da?

œ œ

‰ ≈ œ∑ œ œ œ #œ œ

Por na - da, por na - da.

∑

U

# ww P www

?

œ

∑

-

˙ da,

œœ œ œ œ œ œ

œ & œœ

œ œ œ œœ œœ

?

livre, no tempo da fala

≈ œ œ œ œ œ œ œ œ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿

œœ œ- œœœœ

œ œ

œœ .. œ.

œœ œœ œ œ

7

Há mui - ta gen - te na ru - a nes - sa noi - te lon - ga sem lu - a?

¿

3 to - da chei - a de pin - tu - ras, bar - cos, gri - nal - das e ou - tras fi - gu - ras.

∑

# ggg ww

?

œœ œ

3

? # ‰ ≈ œ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ &

3

‰¿ ¿ ¿ ¿¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿¿ ¿ ¿ ¿

œ œ & œœ œ

U w

œœ œ ˙ ‰œ œœ

Œ

da,

∑

#

∑

˙

É tão sim - ples de - li - ca

# œœœ œ œœ œ

?#

∑

œ œ œ ˙ ‰œœ œ

#

?# Œ

31 M. Pin.

∑

?# Œ

28 M. Pin.

#

Œ

Ó

U

# ww f www

Œ

Ó

‰ œ∑ ˙

≈ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿

Que

mais?

Há mui - ta gen - te na pra - ça, no cais.

U

gg www p ggg w gw

Ó ∑

# ww f www

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 253


18

35 M. Pin.

Fer.

&

#

q = 120

∑

∑

Fer.

Ao pas - sar por Bi - ba - ram - bla

#

œœ œ. ? # œœ œ. &

39 M. Pin.

&

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

#

∑

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

# & # ˙˙˙

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ œ.

&

em su - as

œœ œ. œœ. œ

‰ ≈ ¿ ¿ ¿ ∑

Que fu - ga?

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

U ˙

˙˙

˙

∑

pri - sio - nei - ro deIim - por - tân - cia,

ral,

& œœœ . œ ? # œ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

con - se - guiu

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

3

fu - gir do

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

∑ 3

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

Sot - to Mai - or,

um ca - pi - tão

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

˙˙ .. ˙.

254 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œœ œ. œœ œ.

lento

Ro - goIa Deus por e -

œ ‰ Œ ∑

œœ œœœ œ œœœ œ œœ œ & œ

cár - ce - re da au - di - ên

# ˙˙˙ ...

œœ œ. œœ œ.

li - be -

œ œ œ œ œ œ œ

∑

? # œ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ #œ œ œ œ œ œ œ 3

œœ œ. œœ. œ

3

rall.

∑

œœ œ. œœ. œ

Œ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœœ œœ œ. œœ œ.

# ˙˙˙

œœ œ. œœ. œ

∑

Pe - dro de

U

˙˙˙

3

su - por - tan - doIo ven - to

ca - pas es - cu - ras,

livre

co - men - ta - vam so - breIa fu - ga.

˙˙

#

#

Pno.

œœ œ. œœ œ.

Ó

n ˙˙˙

? # ˙˙ ˙

43

Fer.

3

3

ho - mens en - vol - tos

? # # œ œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ œ Uœ œ 3

M. Pin.

a - vis - tei

œœ œ. œœ œ.

ad. lib.

fri - o, sem seIar - re - dar,

Pno.

∑

?# Œ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ‰ œœ œ œ œ œ œ œ‰œ œœ œ œ œ œ œ‰œ œ œ œ œ œ 3

Pno.

∑

-

cia.

Ó

le,

œœ œœ œ œœ œ œ œ œ œœ œ œœ œœ œœœ œœ œœ œœ œœ œ œ œ œ œ œœ


19

# & œ œ œ œ œ œ

47 M. Pin.

Fer.

Pno.

?# &

Fer.

œœ œ œ œ # œ # œ œœ œœ œœœ œœ œœœ

&

Fer.

Pno.

œœ œœ

œ œ œ œ œ ‰ œ œœ œ œ Œ ‰ œ œ œ ∑ 3 3

U

# www U ˙

œœ œ. œœ œ.

˙

∑

œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ œ œ

mui - tas tro - pas que mar - cha - vam a

# & n œœ œ. ? # n œœ n œ.

&

Sa - be seIo pro - cu - ram?

∑

∑

?# œ

55 M. Pin.

jos.

∑

∑

Quan - doIeu vi - nha pa - ra

cá,

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

ad. lib.

#

tar

Pno.

-

∑

a tempo

Œ œ œ œ œ œ œ

œ

œ # œœœ œœ œ œ œ ?œ œ œ œ œ œ & œ œ œ œ 51

M. Pin.

a to - dos os an

ad. lib.

œœ œ. œœ œ.

#

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

∑

Œ

œœ œ. œœ œ.

3

U

Con - te mais.

œ #˙.

# www

œœ œ. œœ œ. ∑

Œ œ œ œ œ œœ ∑ O ca - pi - tão

œœ œ. œœ œ.

U

˙ ˙

˙ ˙

∑

∑

œœ œ. œœ œ.

U

U

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

‰œ œ ˙

ca - mi - nho deIAl - pu - jar - ra.

œœ œ. œœ œ.

na ru - a pu - deIa - vis

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

∑

U ? # œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ # œ œ œ œ œ3 œ ˙

#

ral, fei - toIum fan - tas - ma su - miu, mas Pe - dro - saIé um cha - cal, lo - goIha - ve - rá deIen - con - trá - lo

œœ œ. ? # œœ œ. &

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ œ.

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

œœ œ. œœ. œ

# www ww w

li - be -

œœ œ. œœ œ.

∑ œœ

U ˙

e de san - grá - lo.

U

˙˙ ˙

U

˙˙˙

U ˙ U˙

˙

˙

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 255


20

8. A carta Rodrigo Mercadante q = 80

Clavela

Piano

& 42 ..

∑

A

∑ & ‰ œœ œ œœ . œ. . ? ∑ ‰ Œ œœ

.. ‰ œ∑ b œ b œ œ œ œ b œ

∑

Um ca - va

‰ œ∑ œ œ ‰ b œ∑ œ ‰ b œ∑ œ .. ‰ œ∑ œ. œ œ. b œ. b œœ œ. b œ. b œœ œ. œ. . . . ∑ ∑ ∑ ∑ œœ ‰ Œ b œ ‰ Œ b œ ‰ Œ .. œœ ‰ œ œ

‰ œ∑ b œ b œ n œ œ

&œ

ção.

Pno.

∑

∑ 2 & 4 .. ‰ œœ œ œœ . œ. . P ? 42 .. ∑ ‰ Œ œœ 9

Cla.

∑

lei - roIa trou - xe,

no

seu ca - va - lo

‰ œ∑ œ œ ‰ b œ∑ œ ‰ b œ∑ œ œ. œ œ. b œ. b œœ œ. b œ. b œœ œ. . . . ∑ ∑ ∑ œœ ‰ Œ b œœ ‰ Œ b œœ ‰ Œ

bœ œ œ œ

me - doIe a - fli -

sen - ti

∑ ∑ ∑ œ œ ‰ œœ œ œœ ‰ b b œœ œ œœ ‰ b b œœ œ œœ œ. œ. . œ. . . b œ. . . b œ. . ∑ ∑ Œ œ∑ ‰ Œ b œœ ‰ Œ b œœ ‰ Œ œ

∑ œ bœ ‰ œ bœ œ œ œ bœ nœ œ

car - ta meIen - tre - gou e

œ bœ œ

mon - tou e

‰ œ∑ b œ b œ

U

œœœ

su - miu naIes - cu - ri - dão

‰ œ∑ œ œ ‰ œ∑ œ œ œ. œ œ. œ. œ œ. . . ∑ ∑ œœ ‰ Œ œœ ‰ Œ

∑

˙

U

∑

U

˙æ ˙

˙æ ˙

9. A amor de Fernando e o amor de Mariana Pineda Jonathan Silva, William Guedes

Mariana Pineda

Fernando

Piano

q = 100

# & 44 ..

∑

..

? # 44 ..

∑

.. œ # œ œ œ œ œ œ œ w

∑

..

# & 44 ..

F

∑

∑

Ma - ri - a - na, de - vo te - di - zer,

∑

∑

∑

œ #œ œ œ œ œ œ œ w

já faz tem - po que a - mo vo - cê.

œ #œ œ œ œ œ œ œ w

œ #œ œ œ #œ œ œ œ

? # 44 .. œ œ œ œ .. œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ

256 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


21

6 M. Pin.

Fer.

Pno.

&

Fer.

∑

∑

œ œ œ œ ˙

œ œ œœ œ œœ œ

E a - go - ra,

o meu co - ra - ção é um tam - bor que cho - ra,

cho - ra por sa - ber

queIo seu co - ra - ção é um tam -

# ∑ & ‰ œœ œœ ‰ # œœ œ œ. œ ?#

&

˙ ˙

˙ ˙

#

∑ œœ ‰ œœ œ œ.

∑

?# œ œ ˙ # & ‰ œœ œ

Fer.

que

#

∑

∑ œœ œ.

?# œ œ œ œ œ œ ˙ 3

3

po - des co - mi - go con - tar.

Pno.

# U & # ˙˙ ˙ U ?# ˙ ˙

∑ œœ ‰ œœ œ œ.

˙ ˙

˙ ˙

œ #œ œ œ œ U œ œ ‰ œ ‰ ∑ ∑

?# ˙ ˙

&

˙ ˙

∑ œœ ‰ œœ œ. # œ

∑

∑ œœ ‰ œœ œ. # œ ˙ ˙

15 M. Pin.

∑

∑

œ œ œœ œ œœ œ œ œ œ ˙

bor tam - bém,

Pno.

∑

?# œœœ ˙

11 M. Pin.

#

U

˙˙ ˙

U

˙ ˙

∑ œœ ‰ œœ œ. # œ ˙ ˙

œ

ba - te por al - guém eIes - seIal - guém

∑ U œ ‰ œ ‰ œ ‰ # œœ œœ. œœ . . ∑ U œ. ‰ œ ‰ œ. ‰ .

∑ œœ ‰ œœ œ. # œ

∑ œœ ‰ œœ œ œ.

#˙ #˙

˙ ˙

˙ ˙

ad. lib.

∑

∑ œœ ‰ œœ œ. # œ ˙ ˙

∑ œœ œ.

∑

œ œ œ 3 œ œ œ œ œ 3 œ œ œ œ #œ œ ∑ ∑ 3

3

não sou eu, que mes - mo so - fren - doIes - tou te di - zen - do,

U ∑ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ ˙˙ # œ. œ. œ. ˙

∑ ‰ œ.

∑ œœ ‰ œœ œ œ.

U

Ó

œ. ‰ œ ‰ ˙ .

# ˙˙˙ #˙ #˙

Ó

a tempo

∑

∑

∑

ad. lib.

œ 3 œ œ œ œ œ 3 œ œ œ œ # œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Uœ . œ ∑ ∑ ∑ 3 3 3 3 3

3

Eu que mes - mo so - fren - doIes - tou te di - zen - do. Sai - ba queIi - rei a - ju - dar es - se tal ca - pi - tão, queIé

∑ ∑

U

# ˙˙˙

#U˙ #˙

˙˙ ˙

U

˙ ˙

˙˙˙ ˙ ˙

U

˙˙ ˙

U

˙ ˙

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 257


22

19 M. Pin.

Fer.

&

#

∑

Pno.

Fer.

Pno.

Fer.

Pno.

do

teu

&

#

-

Pe - dro

-

˙˙ ˙

˙ ˙

-

vi

œœ œœ œœœ œ œ ∑ ∑ œ œ œ œ œ œ œ

˙ ˙

œ œ œ #œ ˙

œ

da,

Pe - dro meu

œœ œ

œœœ

ção.

œ œ œ œ ˙

œ

mi - nha

w

ra

# ˙˙˙

œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ

˙

co

?# U w w

∑ œ œ

œ œ

œ œ œ œ œ œ œ

œœœ

a - mor,

∑

# ˙˙˙

∑ œ œ

œ

œ œ œ œ œ œ œ

a mi - nh'al - ma cho - ra

de tan - toIa - mar - gor.

Dos meus fi - lhos des - cui - dei,

já não te - nho mais nin - guém.

# & # œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œ œ œ œ

œœ œœ œœ œœœ ˙˙˙ œ œ œ

œœ œ

œœ œ

?#

?#

27 M. Pin.

˙

# U & # www w

23 M. Pin.

∑

? # œ œ3 # œ ˙ do - no

q = 70

&

#

?#

∑

œ œ

œ œ

∑

∑ ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ

ad. lib.

œ œ œ œ #œ

Eu

# U & #w ww ?# U w

mes - ma meIes - pan

∑

-

œ

to

∑

œ œ œ œ∑ œ œ œ œœ œ œ œ

œ œ

œ œ œ œ œ

por

U

ww w

U

ww w

a - mar - te

∑

tan

-

œœ œ ˙œ œ œ

∑ ∑ œ œ œ œ œ œ

œ

œ

to, tan

-

œœ

∑

œœ œ ˙œ œœ œ œ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ œ #œ œ œ œ œ œ œ #œ œ œ œ œ œ

U U œ œ œ ˙

∑

to, tan - to.

∑

œœ œ œœ œ

258 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

U

Œ

U

Œ

∑

U

∑

# ˙˙˙ U

˙

w


23 ato II

1. Pedro de Sotomayor e Mariana Pineda Jonathan Silva, Lilian de Lima, Mauricio Damasceno, Rodrigo Mercadante, William Guedes

Mariana Pineda

Pedro

Piano

q = 138

4 &4

∑

∑

∑

∑

?4 4

∑

∑

∑

∑

∑ œ. œ œ œ #œ nœ œ 4 œ. ∑ œ œ. œ œ œ & 4 Œ ‰ œ∑ œ œ œ œ ∑ f œ ?4 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ 4 œ ∑ ∑ œ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ 5

M. Pin.

Ped.

Pno.

&

∑

∑

∑

∑

?

∑

∑

∑

∑

& œ. ?

œ œ œ

9 M. Pin.

Ped.

œ œ ∑

œ œ œ ∑ œ

œ œ

œ œ

Ma - ri - a - na,

Pno.

œ œ œ ∑ œ

œ œ ∑

∑

∑

∑

œ œ œ œ

œ œ œ œ

∑

& ?

œ œ œ œ œ #œ nœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ∑

œœ & œ ‰ ∑ ‰ œ œœ F œ. ? œœ œ ˙

meu

?

a - mor

œ œ ∑

˙

fi - nal - men - teIes - tou

#œ œ

œ œ œ ∑ œ

w

∑

œ œ ∑

˙

a - qui.

œ ∑

∑

œ Œ ‰ ∑

Por

. œœ . œœ . œœ œ. œ œ œ œ # œ œ. œ œ œ ‰ œ œ œ ‰ œ ‰ œ œ œ ‰ œ ‰ œ œ œ ‰ œ ‰ œ #œ ‰ ‰ ‰ ˙

˙

˙

˙

˙

˙

˙

˙

˙

˙

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 259


24

15 M. Pin.

Ped.

∑

∑

&

? œ œ œ œ #œ

œ

Pno.

Ped.

?

˙

˙

? œ

Ped.

?

to - do meu san - gueIé no -

œœ œ

∑ œ ˙

˙

˙

˙

˙

˙

˙

e - le, sen - ti tan - to

œ

œ ˙.

œ.

œœ œœ œ œ

∑ œ ˙

me - do, sen - ti a - fli - ção.

&

œœ œœœ w w

œœœ

frá - gil

. ‰ œœœ Œ ∑ œ.

∑

3 œ œ3 œ œ œ œ # w

3

Por

˙

œ œ œ œ3 œ œ ˙

∑

œ ‰ œ∑ œ œ œ œ œ3 œ

œœ . . ? ‰ œ œ œ ‰ œ œ œ ‰ œ œ œ ‰ œ œ œ Œ ‰ œ #œ œ ∑ ?

˙

∑

∑ œ ˙

∑

ex - pon - doIao pe - ri - go teu

˙

∑

? w

œ ‰œ œ ∑

˙

œ.

œœ œœ œ œ

∑

. œœœ . œ œ œ œ. ‰œœœ‰ ‰œœœ‰ ‰ œœ Œ ∑

œœœ

∑

&

˙

˙

∑

vo por - que tu meIo - fer - tas - te,

œ.

˙

˙ ∑

ção.

Pno.

˙

˙

œ œ œ œ œ œ œ ˙.

. ? ‰ œœœ Œ ∑

25 M. Pin.

‰ œ œ œ œ œ œ

w

mui - to teIa - gra - de - ço,

∑

&

-

Pno.

∑

. œœœ . œœœ œ. œ œ œ œ. œ œ œ ‰ œœœ. Œ ? ‰ œ #œ œ ‰ ‰ œ #œ ‰ ‰œœœ‰ ‰œœ ‰ ∑

20 M. Pin.

∑

œ œ œ œ œ ˙.

Ó

tu - do que fi - zes - te,

∑

œœœœœœœ

w w

260 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œœ

co - ra -

œœ œœ œ œ ∑ œ ˙

∑ ∑ œ œ œ œ œ #œ œ œ w w


25

31 M. Pin.

Ped.

Pno.

&

3

œ b˙

Se tu mor - res - ses um

? &

3

œœ œ œ œ œ ∑

œ œ œ œ

di - a,

‰ ∑ œ meu

∑

. . . b œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ ‰ œœœ

w

P

3

w

. . . b œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ ‰ œœœ

∑

œ œ œ œ

Ped.

Pno.

& ?

paz,

Ped.

Pno.

œ œ œ #œ

não te - nho

∑

. . . b œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ ‰ œœœ ‰ & œ œ. œ œ. œ. ? b œœ œœ ‰ œœ œœ ‰ œœ ‰

41 M. Pin.

& ?

œ

œ œ

œ œ œ

œ

∑

œ œ

œ œ œ

œ

˙

∑

œ.

œ

sou

∑

pás

‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ #œ œ. œ œ œ

sou pás - sa - ro sem

?

˙.

ca - sa,

‰ œ∑ œ œ œ œ

& Œ

œ

Œ

3

˙

œ œ

œ

œ

œ a

œ œ

œ

-

œ œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

∑

œ œ œ œ

w

œ

sem

céu,

œ œ ∑

œ

œ

œ

œ

3 œ œ œ3 œ œ œ

sa - ro

∑

œ

œ

œ

w

œ

œ

∑ œ œ

œœ œ

sa.

∑

œ œ œ œ

œ

œ

œ

Ma - ri

#œ nœ œ bœ œ œœ œ œ

F œ

œ

-

œ

œ œ

œœ œ

œ

œ œ

∑

∑

˙.

œ

Lon - ge de ti não há

∑

∑ œ œ

-

3

œ œ œœ œ œ

. . . 3 œ œ 3œ œ b œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ ‰ œœœ œ œ ‰

36 M. Pin.

3

œ b˙.

san - gue de que ser - vi - ri - a?

. . . 3 œ œ œ3 œ b œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ ‰ œœœ œœ ‰

?

3

œ œ œ œ œœ

œ

œ

a -

na,

‰ ∑ ‰ œ œ œ œ. œ œ œ ˙

œ

meu

?

œ

œ

œ

a - mor

. œœœ ‰ œœ œ‰ ˙

˙

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 261


26

45 M. Pin.

Ped.

& œ

œ

œ

œ

?

œ

œ

˙.

Fi - nal - men - teIes - tás

œ

œ

˙

fi - nal - men - teIes - tou

œ œ a

-

w

w w

w

qui

∑

œ.

a - qui.

œ œ œ œ #œ ∑

Quem

me de - ra li - vrar -

. œœœ . œ . œ œ. œ œ œ œ. œ œ œ ? ‰ œ œ œ ‰ œ œ ‰ œ œ œ ‰ œ œ ‰ œ #œ œ ‰ ‰ œ #œ ‰ ‰ œ #œ ‰ Pno.

?

˙

˙

50 M. Pin.

Ped.

? œ œ œ œ œ œ œ œ -

. œ œ œ ? ‰ œ #œ œ ‰ Pno.

? ˙

˙

55 M. Pin.

Ped.

Pno.

vi - ves tão so - zi - nha cer - ca - da de

˙

˙

˙

w

œ œ œ œ œ œ 3

œ.

œœ œ

∑ œ ˙

œ.

3

3 3 œ œ #œ œ œ œ w

. œ . œ ? ‰œœœ‰ œœ ‰œœœ‰ œœ

Co - mo são lon - gas as

noi - tes vi - ven - do sem

∑

∑

?

œ œ œ œ œ œ œ- œ- œ- œ- œ- œ3

˙

˙

˙

˙

œ. ‰ œœ Œ ∑

œœœ

∑

∑

ri - go.

∑

œ œ œ œ œ œ3 œ œ œ œ œ œ3 œ

w

∑

˙.

˙

∑

œ. œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ. ‰œœ ‰ ‰ ‰ œœ Œ ‰ ∑ ˙

∑

& ? œ

œ ˙.

˙

˙

∑

da - que - les que teIes - prei - tam,

te

˙

˙

∑

∑

&

˙

˙

˙

3

&

ti.

262 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

3

œœ œœ œ œ

∑ œ ˙

bbb bbb

‰ œ œ œ œ œ bbb bœ œ

œ œ # œ œ œœ œ w # œ œ œ- w œ- œ- - 3

∑

tan - to - pe -

bbb


27

60 M. Pin.

b &bb

Ped.

? b bb

Pno.

œ œ œ œ Ó

meu Pe - dro,

meu

∑

a - mor,

∑

Ma - ri - a - na

? b bb

˙

M. Pin.

b . &bb œ

Ped.

? bb ˙ . b

œ

Quem

˙

b &bb ‰ ? bb

b ˙

œ

˙

œ

˙

Ped.

Pno.

meu

w

w

˙.

a - qui.

œ

˙

a - mor,

não

te

œ

n œ œ.

œ

˙

não

te

˙

mas,

-

˙

˙

œ

˙

˙.

˙

te da - que - les que teIes - prei - tam

œ

˙

˙

˙ -

mas

dos si - gi - los não

w

‰ œ. œ œ œ

te

me de - ra li - vrar -

˙

mas.

-

œœœ w

˙

˙

∑ œ œ œœ œ

quem

‰œ œ œœ œ œ œ œ œ œœ œ œ ˙ pois cons - pi - ra - mos no mai - or

œ

œ.

w

‰œ ‰ ‰ œ ‰ ‰ ‰ œ œ œœ œ œ. œ œ œ œ n œ œ. œ œ œ ˙ ˙ ˙ ˙ ˙ ˙

b & b b œ œ œ œ œ œ œ œ ˙. ? bb w b

œ

me de - ra li - vrar - te dos o - lha - res i - ni - mi - gos,

71

-

˙

œ œ œ œ nœ œ œ œ œ œ œœœ œ ∑

não,

M. Pin.

b ‰œ ‰ ‰œ &bb ‰ œœ‰œœœ ‰ œœ‰œœœ ‰ œœ‰œœœ ‰ œœ‰œœœ ‰ n œ œ. œ œ n œ œ. œ œ . . . .

66

Pno.

œ œ ˙. œ œ fi - nal - men - teIes - tás œ œ œ œ ˙.

˙ œ œ

œ œ œ œœ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

Por mi - nha dor meu san

Œ œœ œœ œ œ œ œ œ œœ w

-

w

œ œ œ

gue por mi - nha pró - pria

A ban - dei - ra que tu bor - das tre - mu - la - rá,

œ œ œ œœœ œ œ œ œ œ œœœœ œ œ œ œ œ œ œ œœœ œ œœœ œ œœœ œ œ œ œ œ bb b œ œ œ & ? bb

b w

&

œœœ œ œ œ œ œ œœœœœœœ œ

œ œ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 263


28

76 M. Pin.

b & b b œ ˙.

w

vi - da.

Ped.

3

? b Œ œœœ œ œ œ œ œ œœ bb

pe - lo céu de Gra - na - da tre - mu - la

Pno.

&

bbb

b &bb

81 Ped.

Pno.

œœ œ œ œ œœ œ œ œ ? œ œ œ œ œ

Pno.

3

noi-tes bor-dan - do sem

nw

Ó

rá.

œn œnœ

3

œœ-3 œ

œœœ

œœœ

3

œœ-3 œ

œ ‰ ∑

Œ

Por

-3 œ- œ- œ- œ- œ œ3

w ti.

œ œ nœ œ œ œ œ œ ti

a

li - ber - da - de sus - pi -

œœœ œ œn œ œ

œæ 3 3 œn ww œ& œ œ œ œ œ œ? w œ œ- œ- œ- œ- - œ-

œ œ nœ œ

œœœœœ

? b œ œ y y yy y y y y y y y y y y yy y y y y y y y y y y y y y y y y bb entre fala e canto, com ritmo livre

b &bb ? bb

b

ra - da pi - sa - rá o chão com pés de pra - ta.

U ? bb y œ œ œ œ b

b &bb ? bb

Mas, se por a - ca - so, Pe - dro - saIen - con - trar o nos - so gru - poIe ti - ver - mos que mor -

* segue improvisação sempre sobre o acorde de sol maior, utilizando a escala cigana

82 Ped.

-

œ œ œ œ œ œ 3

nœ œ œ œ œ œ

Co- mo são lon-gas as

œ œœ œ œœ œ œ œ œ œœœ œœ œ œ

3

rer, se por

œ œ œ

a - ca - so

œ œ œ

œ œ

Pe - dro - saIen - con - trar

nos - so

œ œ œ œ œ œ œ œ

gru - po

e

w

ti - ver - mos que mor - rer.

b

264 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


29

2. Chegada dos conspiradores Jonathan Silva, Rodrigo Mercadante, William Guedes

Mariana Pineda

Pedro

conspiradores

Piano

q = 88

b 3 &bb 4

∑

? b 3 Ó bb 4 ? b b 43 b

∑

b 3 &bb 4

∑

? b 3 bb 4

∑

∑ œ œ œ œ œ œ œ œ

œ.

É as - sim que gos - to de

ver

∑

te

˙˙ .. ˙. P ˙˙ .. ˙.

6 M. Pin.

b &bb

∑

∑

∑

œ œ œ œ

œ œ œ ∑

mi - nhaIa - do - ra - da

∑

˙˙ .. ˙.

∑

Ma - ria - ni

˙˙ .. ˙.

∑

con.

∑

Pno.

b

tar - dam a che - gar os nos - sos com - pa - nhei - ros por is - so a - man - saIes - se ros - to bra - vi - o

∑

b & b b ˙˙æ... ˙ ? b b ˙˙ .. b ˙. æ 9

M. Pin.

Ped.

con.

Pno.

œ

b &bb ? bb ? bb

˙ b œ b

Mas, me conta Pedro, nesse tempo

∑

∑

˙. b ˙˙ ..

œ

Œ

Œ

˙˙ .. ˙.

∑ œ

œ

todo correste grande perigo?

∑

b & b b n œœ ‰ ∑ œ œ œ œ œ n œ nœ œ ? bb

œ

˙˙ .. ˙. æ ∑

lu - a.

∑

œœ œœ f ˙. ˙.

œœ

Não

∑

∑

? b b y y y y y y y 6 y y y y y y6 y y œ œ 3œ œ œ œ3 œ œ œ Œ b ? bb

ta.

˙˙ .. ˙.

entre fala e canto, com ritmo livre

Ped.

-

‰ y ∑

nœ œ œ œ œ œ œ ˙ œ

˙˙ .. ˙.

˙˙ .. ˙.

œ œ œ œ nœ

œ

3 œ œ œœ œ œœ

so - breIum co - lo man - so de

∑

œ

œ œ œ

œ

˙˙ .. ˙. æ

Œ

œ

∑

Estive quase

œœ œœ

œ

œœ

nas mãos da justiça, mas me

∑

∑ œœ œœ ˙. ˙.

œœ

∑ œœ


30

13 M. Pin.

Ped.

con.

Pno.

b &bb ? bb ? bb

b

∑

salvou um passaporte que enviaste por

∑

b

b & b b œœ .. ? bb 18

∑ œœ œœ

œœ

b ˙. ˙.

q = 120

um amigo que nada disse e

se foi.

n œœ œœ œœ

œœ ..

∑

œœ

˙. ˙.

˙. ˙.

M. Pin.

4 &4

∑

Ped.

? 44

∑

∑

∑

∑

con.

? 44

Pno.

4 &4 œ‰œ‰œ‰œ‰ œœ œœ œœ œœ . . . . f ? 44 œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ 24

∑

∑

Ó

Œ œ

œ œ œ œ

Œ

Ó Œ

∑

∑

∑

∑

∑

4 nnn 4

Fer - nan - do.

n n n 44

˙.

˙. ˙.

n n n 44

˙. ˙.

œ œ œ œ œ ˙

Mas que mãos tão

∑ ∑

fri - as!

Œ ∑ Œ ‰œ ∑

Ó

œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œ œ. œ. œ.

œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ www œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. #w

œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ

4 nnn 4

∑

∑ œœ œœ œœ n œ ˙

Ó

∑

n n n 44

∑

w

Se - nho - res, quei - ramIen - trar.

∑

‰ ∑ œ nœ ˙

œ ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ

w

M. Pin.

& ..

∑

∑

∑

∑

Ped.

? ..

∑

∑

∑

∑

con.

? .. œ # œ œ œ œ œ œ œ

œ ‰ Œ ∑

& .. œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œ. œ. œ. œ.

œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œ. œ. œ. œ. P œ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ

fo - ra Is - so

Pno.

faz um fri - o de ra - char, não po - de - mos a - fir - mar.

? .. œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. œ

Ó

œ œ œ œ œ

œ

to - dos dor - mem na

ci

∑ œ œ

266 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

˙ -

da

Ó œ œ

œ œ

w w

-

˙

de.

˙ # ˙˙˙


31

28 M. Pin.

Ped.

con.

&

∑

∑

∑

?

∑

∑

∑

? œ #œ Só

Pno.

& œœ œ. f ? œ. 31

M. Pin.

Ped.

&

Pe - dro - sa

‰ ‰

Pno.

œ.

∑

œ œ œ

Cre - io

con.

œœ œ.

1.

? #œ

œ

œ

? w

œ

œ

an - daIa

œœ œ. œ.

‰ ‰

œ œ œœ. œ.

œ

œ œ œ

∑

não

œ

a - qui

∑

œ

œ

œ

œ œ

œ œ

∑

œ œ

œ œ

..

œ œ œ œ ˙.

..

∑

..

∑

..

œ

nes - ta

ca - sa pre - za - dos se - nho

œ œ

∑

-

res.

∑ wæ w

wæ w

œ œ

∑

œ œ

œ œ #œ

œ

pa - rou deIes - pi - o - nar.

∑

∑

? wæ w

œ

œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œœ ‰ œ. œ. œ. œ. F œ œ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ œ

∑

œ œ

œ

Ó

es - prei - tar,

es - tar - mos se - gu - ros

&

œ ‰ Œ ∑

œ

wæ w

..

2.

35 M. Pin.

Ped.

con.

Pno.

&

più lento

∑

? #œ œ œ œ œ ∑ ∑ ? &

A - cal - mem - se

? wæ w

∑

œ #˙

se - nho - res,

∑

∑

∑

∑

œ œ œ œ œ œ #œ ˙. ‰ ∑ ∑ ∑ no - tí - cias lo - go

∑

∑ wæ w

vi - rão:

∑ wæ w

∑

∑

∑

œ œ œ œ œ œ #œ #œ ˙ ‰ ∑ ∑ ∑

seIer - gue - mos nos - sa ban - dei - ra,

∑ wæ w

wæ w

∑

∑

∑

∑

∑

œ œ seIha - ve -

wæ w

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 267


32

41 M. Pin.

Ped.

con.

Pno.

? #œ. ?

3 œ œ œ œ ∑

le - van - te

∑

Ped.

con.

Pno.

Ped.

con.

Pno.

não.

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Œ

rém

∑

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∑

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œ œ œ œ ∑ a

∑

-

∑

to - doIo

∑

#œ ∑

˙

œ œ œ œ œ ∑ ∑

-

ex - ce - len - te

∑

Œ ∑

vo

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de Gra - na - da

∑

∑

#œ œ e

nos

œ œ œ œ œ

mí - ni - mos

∑

∑

∑ ‰ œ œ œ ∑ ∑

a - de - re

∑ wæ w

de - ta

∑

wæ w

∑

po -

wæ w

wæ w

po

se - rá

∑

∑ wæ w

∑

∑

pro - vei - tar,

∑

pois

˙

ve,

œ œ œ3 œ œ œ3 # œ ‰ ∑

wæ w

∑

‰ œ #œ œ ∑ ∑

-

∑

∑

wæ w

œ

é gra

wæ w

∑

&

si - tu - a - ção

œ

∑

se sou - ber - mos

? wæ w

&

∑

∑

&

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A

wæ w

&

∑

#œ œ œ œ œ #œ œ

∑

? wæ w

50 M. Pin.

ou

∑

#w

∑

&

46 M. Pin.

∑

∑

&

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∑ œ

sem he - si

∑

-

w

tar.

∑ wæ w

268 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

∑ ∑

w w

-


33

3. Andaluzia, canto da liberdade Mauricio Damasceno q = 116

Mariana Pineda

Pedro

coro

Piano

# ## 3 & # 4

ad. lib.

∑

? # # # # 43 œ œ œ œ œ œ œ # ## 3 & # 4

Ped.

coro

Pno.

∑

∑

∑

# ## 3 U & # 4 ˙˙˙ ... ˙. F ? # # # # 43 ˙. # ## & #

7 M. Pin.

∑

U

chei - ro de li - ber - da

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˙.

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? #### œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙ &

####

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ru - as

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da

∑

ci - da - de.

∑

Li - ber - da - de.

∑

-

∑

œ œ œ œ œ œ œ œ œ

∑ œ

∑

∑

∑

∑

˙˙˙˙ ....

˙˙ ... ˙˙ .

˙. ˙˙˙ ...

œ.

˙.

˙.

œ.

∑

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œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ ˙.

tan - ta gen - te

de - ci - di - daIa le - van - tar,

∑

∑

∑

∑

∑

# ## & # œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

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œ

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∑

∑

Pe - la ru - aIhá

œ

es - sa pa - la - vraIa - ro - maIo pei - toIeIas

de,

∑ ∑ œœœœ

∑

∑

œ ˙

∑ U

˙. ˙˙˙ ...

∑

œ œ œœ œ œ

œ œ œ

An - da - lu - zi - a temIem seu ar

? # # # # 43

∑

∑

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∑

œ

∑

∑

∑

∑

∑ œœœ œœ œ

‰œ œœ œ

∑

œ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ ˙

œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 269


# ## & #

14 M. Pin.

Ped.

coro

Pno.

? #### œ œ œ œ œ œ &

&

Ped.

coro

Pno.

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œ

∑ ∑ œœ œœ œ œ

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∑ œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ œ

˙

-

Pes - ca - do - res deIAl - me - rí

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Re - vo - lu - ção!

Re - vo - lu - ção!

Re - vo - lu - ção!

∑ œ œ œ ˙.

∑ ‰ œœœ œœœ œœ œ

∑ ‰ œœœ œœœ œœœ

œ œ œ œ

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-

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˙

a,

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œ œ œ œ œ œ

ca - va - lei - ros deIAl - can -

˙.

œ

-

˙

a,

œ œ œ œ œ œ

œœ œœ œœ œœ œœ œœ

ca - va - lei - ros deIAl - can -

˙.

ca - va - lei - ros deIAl - can - tiz,

a,

œœ œœ œ œ œ œ œ ˙ ˙

Re - vo - lu - ção!

∑ œ œ œ ˙.

ca - va - lei - ros deIAl - can - tiz,

a,

˙

-

Re - vo - lu - ção!

∑ œ œ œ ˙.

∑ ‰ œœœ œœœ œœ œ

Pes - ca - do - res deIAl - me - rí

œ

Re - vo - lu - ção!

Œ ‰ œ∑ œ œ œ .

∑ œ œ

œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ

˙ ˙

∑ œ œ

Re - vo - lu - ção!

Œ ‰ ∑ œ œ œ œ.

Pes - ca - do - res deIAl - me - rí

Pes - ca - do - res deIAl - me - rí

∑

∑

∑ ∑ œœœ œœœ œœ œœ œ œ œ œ

œ

œ

re - vo - lu - ção.

∑ œ œ œ ˙.

Re - vo - lu - ção!

œ œ œ œ œ œœ œ œ œ.

∑

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

œ

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# ## ∑ & # ‰ œœœ œœœ œ œ ? ####

gri - tar

∑

∑

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a

∑

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####

œ ‰ œ œ œ œ ∑

co - mo que nu - ma can - ção

? ####

20 M. Pin.

####

Œ ‰ ∑ œ œ œ œ.

∑

∑

∑

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œœœ ... œ. ˙ ˙

œœ . œœœ ....

œ œœœ .... œ œ œ

270 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

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œœ . œœœ .... œ œ

œ œ


# ## & # ˙

24 M. Pin.

Ped.

? #### &

coro

####

? #### ####

Pno.

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de - li - nha - gemIi - gual a

˙˙

œœ

Ped.

coro

Pno.

voz

vós,

œ œ œ œ

po - vo que

voz

do

voz

do

po - vo que

voz

do

po - vo que

˙.

-

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-

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An

An

-

po - vo que

da

˙.

An

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da

-

da

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-

da

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An

˙.

˙.

lu

lu

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∑ ∑ œ œ œ œ

seIam - pli

-

˙ ˙˙

seIam - pli

-

seIam - pli

-

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∑ ∑ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ & œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ? #### œ ∑ œ ∑ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ # ## & # .. ˙ .

-

œœ œœ œœ œœ

‰ œ œ œ œ ∑

vós,

˙

seIam - pli

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‰ ∑ œœ œœ œœ œœ

œ œœ

de - li - nha - gemIi - gual a

do

‰ œ œ œ œ ∑

œ œ œ œ œ œ œ tiz,

30 M. Pin.

‰ œ∑ œ œ œ

œ

œ œ œ œ œ œ œ tiz,

˙ zi

˙ zi

˙˙ zi

˙ zi

-

-

-

-

˙

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˙.

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˙

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-

-

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˙˙ .

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˙˙ ..

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˙.

-

-

-

-

˙. a.

˙. a.

a.

a.

∑ ‰ œœ œœ œœ œ œ œ

∑ ‰ œœ œœ œœ œ œ œ

∑ ‰ œœ œœ œœ œ œ œ

œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ

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˙.

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-

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-

-

-

-

˙. a!

˙. a!

a!

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zi - a!

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˙

zi - a!

zi - a!

˙

zi - a!

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∑ ‰ œœ œœ œœ œ œ œ

∑ ∑ ‰ œœ œœ œœ .. ‰ œœ œœ œœ œ œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ

œ œ œ

œ œ œ .. œ œ œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 271


36

## & ##

37 M. Pin.

Ped.

Pno.

? ####

E

haverá

quem nos

&

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∑ œœ œœ œ œ

####

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# ## & # œ œ œ

42 M. Pin.

Ped.

coro

∑

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&

Ped.

coro

Pno.

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&

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˙.

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∑ œœ œœ œ œ

Todo

o

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povo

‰ œœœ

∑ œœ œœ œ œ

de Granada!

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∑ œœ ‰ œ. ∑ œ ‰ œ.

∑ ˙˙ ˙

˙ ˙

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ

cer - to que tre - mu - la - rá

pe - las ru - as de Gra - na - da, com

o

A ban - dei - ra

que tu bor - das,

cer - to que tre - mu - la - rá

pe - las ru - as de Gra - na - da, com

o

œ œ œ

que tu bor - das,

cer - to que tre - mu - la - rá

pe - las ru - as de Gra - na - da, com

o

que tu bor - das,

cer - to que tre - mu - la - rá

pe - las ru - as de Gra - na - da, com

o

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œ œ œ œ œ œ

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po - vo a

? #### œ ####

Mariana?

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œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

# ## ∑ ∑ & # ‰ œœœ œœœ œœœ ‰ œœœ œœœ œœœ œ œ œ œ œ œ ? #### œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ &

não vê,

∑

que tu bor - das,

A ban - dei - ra

####

∑ œœ œœ œ œ

∑

A ban - dei - ra

? #### œ œ œ

48 M. Pin.

‰ œœœ

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A ban - dei - ra

Pno.

Mas você

∑

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? #### œ œ œ ####

∑

siga?

˙

can - tar.

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∑ œ œ

œ œ

œ œ œ Li - ber - da œ œ œ

˙

D.S. al Coda

˙

- de!

zi - a!

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˙

œœ œ ˙

˙

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˙

œ

‰ œœ œ œ œ

Li - ber - da - de!

œ œ

œ

‰ œœ œ œ œ

œ œ

zi - a!

Li - ber - da - de!

œ

∑ ‰ œœ œœ œœ œ œ œ œ œ

œ œ

∑

zi - a!

Li - ber - da - de!

∑ œœ œœ œ œ

∑

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∑ œœ œœ œ œ

∑

œ œ ˙

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Li - ber - da - de!

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ œ œ œ œœ œ

œ œ œ

can - tar.

∑ œœ œœ œ œ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ œ œ œ œœ œ

˙

po - vo a

# # # ∑ & # œœœœ ? # # # # ∑ œ

œ

˙.

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- de!

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ

‰ œ œ∑ œ œœ œœ œœ

∑ œœœ œœ œ œ

œ

˙.

Li - ber - da - de!

can - tar.

œ œ œ œ

œ œ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ

Li - ber - da - de!

po - vo a

? #### œ

œ œ

œ œ œ Li - ber - da œ œ œ

can - tar.

œ œ œ œ

po - vo a

˙

∑ œ œœœ œ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ

˙.

œ œ

272 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

˙

zi - a!

‰ œœ œ œ œ

œ œ

∑ ∑ œœ œœ œ œ œ

œœ Œ Œ œ œ Œ Œ œ


4. Tirania Jonathan Silva, William Guedes q = 60

mensageiro

Piano

## V # # 42

∑

# ## 2 & # 4

∑

? # # # # 42

‰ ≈ œ∑ œ œ œ œ œ œ

Œ

Por

∑

p legato sempre

## V # # nœ œ œ œ œ œ 3

Pno.

&

####

? ####

3

Cá - diz foi tu - doIem vão,

œ

Pno.

&

####

? ####

du - ques,

co - ra - ção

∑ œ

œ

œ

œ œ

em Má - la - ga,

∑

gas

œ

˙ œ.

res - so - a fu - zi - la - ri - a,

œ œ œ œ

3

de pra - ta

œ œ œ œ

∑

fi - na,

∑

œ œ

O

nœ œ œ œ œ œ œ Œ œ 3

noi - te fe - cha - daIo ma - ta - ram

∑

œ

œ

œ œ œ œ

‰ ≈ n œ n œ œ œ œ œ œ ∑ 3

Œ

∑

∑

∑

œ œ œ œ

œ

œ œœ œ œœ œ œ œ

œ œ œ œ œœ œ œ œ

em

∑

ti - ra - ni - a.

œ

‰ ≈ n œ∑

3

∑

˙˙ ˙

œ œ œ œ Œ œ

∑

œ œ œ œ

-

livre, no tempo da fala

œ œ œ œœ

## œ nœ V # # œ œ ‰ nœ

3

3 œ‰ ∑ ‰ ‰ œ œ œ œ ‰ Œ ¿ ¿ ¿ ¿ ∑

13 msg.

œ

œ

∑

œ œ œœ

en - treIo ru - mor das va

œ œ œ ≈ n œ n œ œ œ œ œ œ œ

∑

œ œ œ œ œ œœ œ œœ

7 msg.

3

3

ca - va - lei - roIen - treIos

∑

œ

œ

œ

œ œ

œ œ œ œ œ œ 3

3

com to - daIa com - pa - nhi -

œ œ œ œœ œ

∑

œ

œ œ

œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 273


# ## V # œ œ

19 msg.

√ #### œ œ œ œ b œ œ ˙ & 3 -

Pno.

‰ ≈ n œ n œ œ œ œ œ œ œ œ ∑ 3 ∑ 3

? ####

a.

œ

E

œ

œ

œ œ

# ## V # œ œ œ

25 msg.

Pno.

&

####

? ####

∑

œ œ ∑

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œ

-

œ

san - gran - do por três fe - ri

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œœ Œ œ. œ.

a.

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œœ œœ œ œ œ

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œ œ

em

Cá - diz

œ

œ œ œ œ

œ

tu - doIem vão,

3

œ

œ

œ

3

o va - len - te guer -

œ œ bœ b˙

œ œ œ œ

œ

œ œ œ ≈ n œ n œ œ œ œ œ œ

-

gas

3

res - so - a fu - zi - la - ri -

∑ œ

œ

œ œ

œ ‰ ∑

œ

‰ nœ œ œ œ œ

3

En - treIo ru - mor das va

3

¿ ¿ ¿

œ

œ

∑ ‰ ¿

em Má - la - ga,

∑ œ

œ œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ

œ

das

Œ

nœ n˙ œ ˙ ∑

œ œ œ œœ

foi

˙˙

-

˙

3

‰ ≈ n ∑œ n œ œ œ œ œ œ 3 3

# # b œœ & # # ≈ œ

nœ œ. œ ‰ ≈ ∑ ia,

œ

3

Œ

œ œ œ œœ œ

-

œ

com to - daIa com - pa - nhi

# ## V # œ

? ####

œ œ œ

3

rei - ro

a,

Pno.

œ

œ œ œ œ œ œ

31 msg.

mor - to fi - cou naIa - re

≈ n œ∑ n œ œ œ œ œ œ œ œ ∑ 3 3

œ

œ œ

∑

œ œ œ œ

œ

‰ œ œ œ‰ Œ œ ti - ra - ni - a.

∑

˙˙ ˙

˙ œ.

274 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œ œ œ œ

œ œ

˙ ˙


5. Um outro tempo virÁ Jonathan Silva, Rodrigo Mercadante, William Guedes q = 116

Pedro

Piano

? ### 3 4

ad. lib.

∑

## 3 & # 4 œ P ? ### 3 4

œ

∑ œ

œ bœ

Calma, senhores!

œ

œ

œ

œ

um empecilho.

Mas

Pno.

? ### &

###

mais deve aumentar

? ###

a nossa coragem,

mais deve aumentar

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

Pno.

? bb b b

?

ad. lib.

œ œ œ

. ? b b b ˙˙˙ .. b ß ? bb b b ˙. A

∑

∑

∑

∑

∑

3 œ œ œ b œ œ3 œ n œ œ3 œ n nn bb b b F nnnbb b ∑ b

œ œ œ

œ œ œ

˙.

˙˙˙ .. .

˙˙˙ ...

˙˙ .. ˙.

˙. n ˙˙ ..

˙.

˙.

˙.

˙.

Ca - da der - ro - ta meIa - ni - maIa lu - tar.

morte de um companheiro, senhores, mais deve nos empurrar para a luta!

∑

nnn b b bb

∑

o nosso brio!

11 Ped.

empecilho

∑

6 Ped.

cada

˙.

∑

∑

∑

É

&

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 275


40

19 mensageiro

Pedro

Piano

b V b bb œ œ œ œ œ œ ? bb bb

Ped.

∑

b œ∑ & b b b œœ ‰ Ó

b V b bb

Ped.

Pno.

∑

a - di - e - mos o

∑

∑ b & b b b ‰ œœœ œœœ œœœ

∑ ‰ œœ œœ œœ nœ œ œ

∑ œœ ‰ Ó œ

∑ œœ ‰ Ó œ

œ œ œ

œ œ œ

b V b bb ? bb b b b & b bb ? bb b b

∑

∑

le - van

-

∑

∑

te.

œ

Ca - da

der

∑ œœ œœ œ œ

œ

∑

∑ n œœœ ‰ Ó ∑ œ ‰Ó

∑

œ

œ

œ

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œ

œ œ

276 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œ

ro - ta

-

‰ œœœ œ

œ

œ

meIa -

∑ œœœ œœœ

œ

œ ∑

le - van - te.

˙

œ

˙

œ

‰ œœ œœ∑ œœ œ œ œ

não

sei

o

œ œ

œ œ œ

œ

∑ ‰ œœœ œœœ œœœ

œ œ œœ œ œ œ œ œÓ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ. nœ œ œ ˙. ˙ œ ˙. ∑ que pen - sar, te - nhoIu - ma fe - ri - daIa - ber - ta, já não pos - soIes - pe - rar. ∑ ∑ ∑ ‰ œœ œœ∑ œœ ‰ n œœœ œœœ œœœ ‰ œœ œœ œœ ‰ œœ œœ∑ œœ ‰ n œœ œœ∑ œœ œœœ ‰ Œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

œ

œ œ œ œœ˙ ∑ ∑

a - di - e - mos o

∑

∑

∑

œ

œ

œ

∑ œ ‰Ó

∑ ‰ Ó œ

¿

‰ œœ œ

œ œ œ œ œ œ œ œŒ œœ œ to - dos,

? bb b b

∑

¿

∑ œ ‰ Ó

As - sim mor - re - re - mos

lu - tar.

¿ ¿

∑ n œœœ ‰ Ó

˙.

? bb b œ œ œ b

31 msg.

¿ ¿ ¿

∑ œ ‰ Ó

∑

ni - maIa

Pno.

to - dos,

¿ ¿

∑ œœ ‰ Ó œ

? bb b b ∑ ‰ Ó œ 24

msg.

As - sim mor - re - re - mos

œ œ Œ

5

Tri - un - fa - re - mos es - pe - ran - do,

∑ ‰ Œ œ

∑

Œ Œ

∑ œœœ ‰ Œ Œ ∑ œ ‰Œ Œ


41

38 msg.

Ped.

Pno.

b V b bb œ œ œ œ œ œ ˙ . ? bb b b

∑

b b ∑ & b b n œœœ ‰ Œ ? b b b œ∑ ‰ Œ b 45

M. Pin.

msg.

Ped.

? bb b b b V b bb

? bb b œ . b pos

Pno.

b & b b b ‰ n œœœ ? bb b b œ 50

msg.

Ped.

coro

Pno.

Œ

b V b bb œ

Œ

˙

œ

˙

œ

‰ œœ œœ∑ œœ œ œ œ

não

sei

o

œ œ œ

œ œ œ

œ

U

œ œ œ œ œ œ

∑ U œœ ‰ Œ œ

∑ n œœœ ‰ Œ

No mo - men - to

te - mos

œ œ

œ

∑ œœ ‰ Œ œ

Œ

∑ ‰ Œ œ

Œ

œ

œ

œ

que ca - lar,

∑

œ

œ

se

ca - la

mas

To - daIa

Es - pa - nha

œ

ca - la

To - daIa

Es - pa - nha

œ œ

œ œœ œœ œœ ? bb b œ œ œ œ b ∑ ∑ ƒ ? bb b b œ œ œ

œ œ œ

œ œ œ

œ

se

œ

se

œœ œœ œœ ‰ œ œ œ ∑ œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

ca - la

œ œ

mas

œ

mas

œœ œœ œœ ‰ œ œ œ ∑ œ

Œ

∑ U œ ‰ Œ

Es - pa - nha

œ

mor - rer

œ

œ

œ

œ

vi - ve

œ

œ

œ

œ

vi - ve

vi - ve

œ

œ

vi - ve

œ

so - nha.

e

so - nha.

œ

œ

œ

œ

˙

œ

˙

œ

œ

œ

œ œ

Œ

œ œ

œ œ

œ œ œ œ œ œœ

Um ou - tro tem

∑

-

po vi -

∑

œ œ œ œ œ œœ tenores

˙

œœ ‰ œ

∑

‰ œ œ œ œ œ? ∑

Œ

˙

so - nha.

œ œ œ ‰ œœ œœ œœ ∑ œ

œ

e

e

œ œ ˙

∑

so - nha.

œ

œ œ

as - sim não faz sen - ti - do.

œ e

œ

∑

∑ œ ‰ Œ

Œ

já não

‰ œœ œœ∑ œœ œ œ œ

œ

œ

œ œ œ ‰ ‰ œ ∑ ∑

To - daIa

œ

œ œ œ

œ œ œ œ œ œ

mas

? bb b œ b

œ œ œ

∑ œœ œœ œ œ

‰ œœ œ

∑

ca - la

œ

te - nhoIu - ma fe - ri - daIa - ber - ta,

∑

se

bb &bb œ

∑ ‰ n œœœ œœœ œœœ

pen - sar,

∑

Es - pa - nha

œ

‰ œœ œœ∑ œœ œ œ œ

que

To - daIa

? bb b œ b

œ œ œ œ œ œ œœœ œ œ

˙.

∑

∑ œœ œœ œ œ

œ

œ

∑

∑

∑

soIes - pe - rar.

œ

˙

∑ ‰ œœœ œœœ œœœ

œ œ nœ ˙. ∑

-

∑

∑

∑

is - so não po - de du - rar.

œœ œœ œ œ ∑ œ

Um ou - tro tem

&

œ

-

po vi -

œ œ œ œ œ œ œ

˙ œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 277


42

56 msg.

bb V b b ˙.

˙.

˙.

? bb b œ œ œ œ œ œ œ ˙ . b

˙.

rá.

Ped.

coro

&

bbbb

Um ou - tro tem

-

œ œ œ œ œ œœ

˙. ? b b b œ œ œ œ œ œ œ ˙˙ .. b

Pno.

bb & b b œœœœ ? bb b b

œ

œ ˙

61 msg.

Ped.

? bb b œ œ œ œ œ œ b

œ ˙

b & b bb œ œ œ œ œ œ

œ ˙

˙˙ ..

œ œ œ œ œ œ ambos

U

œ œ œ œ œ œ

œ ˙

œ œ œ œ œ œ

œ U˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

? bb b œ œ œ œ œ œ b

œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

œ b & b b b ‰ œœ ? bb b œ b œ

œ œ

œœ œœ œ œ ∑ œ

‰ œœœ œœœ œœœ ∑ œ œ œ œ œ

œ ˙ œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

œœœ œ œ œ n œœ .. œ œœ .. œœœœ .... ‰ œœ œ œ œ ƒ œ ˙ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙

Pno.

œ œ œ œ œ œ

˙.

po vi - rá.

œœœ œ

b V b bb œ œ œ œ œ œ

coro

-

po vi - rá.

œœœ œ œ œ œ œ œ œ

œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

Um ou - tro tem

-

œ œ œ œ œ œ

po vi - rá.

∑

Um ou - tro tem rá.

œ œ œ œ œ œ

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

U

œ ˙ œ ˙

œ U˙ œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra,

‰ œœœ œ œ

œ œ

œœ œœ œ œ ∑ œ

U ˙.

ad. lib.

œœ œœ œ œ ∑ œ

∑

œ œ Uœ œ œ œ

œ œ ‰ œœ œœ œœœ ∑ œ œ œ œ œ

∑ œ ˙

Guar - de bem nos - sa ban - dei - ra.

∑ œ œ Uœ œ œ œ baixos

∑ œ ˙

Guar - de bem nos - sa ban - dei - ra.

˙˙ ..

∑

∑

˙. ˙.

∑

∑

U

278 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


43

6. Canção de marinheiros Jonathan Silva, Rodrigo Mercadante, William Guedes

Mariana Pineda

q = 80

## & # # 42 œ

œ œ œ œ

# ## 2 & # 4

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

Lu - a dei - ta - da,

coro

? # # # # 42

## & ## œ œ œ œ œ

9 M. Pin.

msg.

coro

V

Lu - a dei - ta - da,

∑

∑

# ## & # œ œ œ œ œ

œ œ œ œ

‰ œ∑ œ œ œ œ

œ

pé,

que

œ œ œ œ

œ œ

˙

bar - cos na ma - ré.

œ œ œ œ

se - jam nos - sas

ca - sas

bar - cos na ma - ré.

œ œ œ œ

œ ‰ œ∑ œ œ œ œ

œ œ

œ œ œ œ

∑

œ œ œ œ

pé,

Lu - a dei - ta - da,

ma - ri - nhei - roIem

pé,

œ

∑

q = 60

w

∑

œ œ œ œ ‰ œ ∑

? # # # # 44 œ œ œ œ œ œ œ œ n œ œ œ # œ œ œ w n www

que

∑

∑

se - jam nos - sas

ca - sas

œ œ

bar - cos na ma - ré.

que

se - jam nos - sas

ca - sas

bar - cos na ma - ré.

œ œ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

w

˙˙˙ ˙ w

œ œœœ

4 4 4 4

˙

44

œ

di - zemIaos qua - tro ven - tos: a - ler - ta, com - pa - nhei -

www w

∑

˙

que

œ œ œ œ

44

˙

pé,

Di - zem ma - ri - nhei - ros de fra - ga - tas e ve - lei - ros

Pno.

œ œ

ca - sas

ma - ri - nhei - roIem

ma - ri - nhei - roIem

# ## 4 & # 4 ww w P ? # # # # 44 w

se - jam nos - sas

œ ‰ œ∑ œ œ œ œ

Lu - a dei - ta - da,

? #### œ œ œ œ œ

17 Ped.

####

œ œ œ œ

ma - ri - nhei - roIem

ro.

œœœœ

œœ f

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 279


44

## & ##

21 Clavela

mensageiro

Pedro

Piano

∑

## V ## œ

œ

œ

œ

Senhora!

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

U

œ

˙

To - do

œ

ma - ri - nhei

-

ro,

œ

to

œ

-

doIho - mem

do

œ

mar

To - do

ma - ri - nhei

-

ro,

to

-

doIho - mem

do

mar

œœ œ

œœœ œ

? #### œ ## & # # œœœ

? #### œ w

œ

œ

œœ œ œ

œ

œ œœ œ œ

œ

## & ##

œ

œ

œ

œ w

U ˙

U

œœœ œ œ

œ

Senhora!

˙˙˙ ˙

U

˙

œ

23 Cla.

msg.

Ped.

Pno.

## V ## ? ####

Tem dois homens fardados na porta!

sa - be

## & # # b n b b œœœœ ? ####

œ

nœ œ nw

œ

œ

U

œ

es - pe - rar

œœœœ œ

U

œ

˙˙˙˙

U

˙

Pedrosa vem com eles.

œ ∑

o

œ

bom

U

43

œ œ œ œ ˙

43

∑

43

tem - po

U

ww w

U

w

280 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

que

vi - rá.

43 43


45

q = 120

## & # # 43

25 M. Pin.

msg.

coro

Pno.

## V # # 43 ## & # # 43 ? # # # # 43

msg.

coro

∑

&

## V ##

œ

˙

Guar - de bem

œ œ œ œ œ œ

œ

˙

Guar - de bem

œ œ œ œ œ œ

œ

˙

Guar - de bem

∑

Guar - de bem

œ

œ

∑

es - sa

es - sa

es - sa

∑ œœœ œœ œ

‰ œ œœ

∑

œ

ban - dei - ra.

ban - dei - ra.

ban - dei - ra.

œ

œ œ œ œ œ œ

œ

˙

œ œ œ œ œ œ

œ

˙

œ œ œ œ œ œ

œ

˙

Guar - de bem

∑ œœœ œœ œ

‰ œ œœ

œ

œ

livre, no ritmo da fala

∑

es - sa

es - sa

ban - dei - ra.

ban - dei - ra.

ban - dei - ra.

∑ œœœ œœ œ

‰ œ œœ œ

es - sa

œ

∑ œœœ œœ œ

‰ œ œœ œ

œ ad. lib.

œ œ œ œ œ œ

œ

œ

œ ˙

Eu sou uma mulher arrastada na cauda de um cavalo. Guar - da - rei es - sa ban - dei - ra.

∑

∑

∑

∑

∑

∑

? #### œ œ œ œ œ œ œ ˙

∑

∑

∑

## & # # ‰ œœ œ

∑

∑

∑

∑

˙˙ .. ggg ˙ . ggg ˙˙ .. g

&

####

œ œ œ œ œ œ œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra.

œ œ œ œ œ œ œ ˙

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra.

Guar - de bem es - sa ban - dei - ra.

Pno.

∑

œ œ œ œ œ œ

Guar - de bem

∑

####

∑

∑

## & # # 43 ˙˙ .. #˙. P ? #### 3 ˙ . 4

30 M. Pin.

∑

? #### œ

∑ œœœ œœ œ œ

œ

˙˙˙ ... ˙.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 281


ato III

1. Pedrosa Jonathan Silva, William Guedes qd = 106

coro

Piano

12 & 8

∑

V 12 8

∑

œœœ œœœ œœœ œœœ ? 12 8 Œ # œ∑ œ œ œ p ? 12 8 w.

Ó.

Œ.

Ó. œœœ. œ

œœœ. œ Œ. ∑

Œ.

b œœ Œ b œœ ∑

Œ

p ∑ .. œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ

p Œ œœœ .. œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ∑

œœœœ œœœœ œœœœ Œ Œ . ∑ ∑

fo - ra

de - sa - baIu - ma chu - va

fo - ra

de - sa - baIu - ma chu - va

bw.

4

coro

Pno.

& Œ b b œ∑œ œ∑œ œœ œœ œœ ‰ Œ n n œœ∑œ œœœ œœ∑œ œœœ œœœ œœœ œœœ œœ∑œ Œ . œ œ œ œ œ in

-

sis - ten - te,

Pe - dro - sa en - tra na ca - sa

in

-

sis - ten - te,

Pe - dro - sa en - tra na ca - sa

bœ œ œ œ œ nœ œ œ œ œ œ œ œ V Œ b œœ œœ œœ œœ œœ ‰ Œ n œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ Œ . ∑ ∑ ∑ ∑ ∑ bœ ? Œ b œœœ ∑ ?

bw.

œœœœ œœœœ œœœœ Œ ∑ ∑

Œ.

œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ Œ #œ œ œ œ œ œ Œ. ∑ ∑ w.

∑ Œ . œœœ

.. Œ ..

œ œ œ œ œ # œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ∑

œœœ Œ . ∑ œœœ œ Œ. ∑

w.

Œ

∑ ‰ ‰ nœ œ b b œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ n œœ œœ si - len - cio - sa - men - te,

o - b-

si - len - cio - sa - men - te,

o - b-

Œ b b œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ‰ ‰ n n œœœ œœœ ∑ b œœ Œ b œœ ∑ bw.

282 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œœœœ œœœœ ∑

œœœœ Œ ∑

Œ.


47

7

coro

& œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœ∑œ œœ∑œ ‰ Œ . ser - vaIos de - ta - lhes da ca - sa

œ œ œ œ œ œ œ œ V œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ ‰ Œ . ∑ ∑ ser - vaIos de - ta - lhes da ca - sa

Pno.

? Œ ?

10

coro

œœ œœ œœ œœ œœ # œœ œœ œœ œœ œœ ∑

w.

∑ ‰ Œ. b b œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ mi - nu - cio - sa - men - te

Œ b b œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ‰ Œ . ∑ mi - nu - cio - sa - men - te

b œœ œœ œœ Œ b œœ œœ œœ ∑ ∑

f

f b b œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ V sí - ni - co

?

Œ.

Œ f

se - coIan - ti - pá - ti - co

Œ

se - coIan - ti - pá - ti - co

b b œœœœ œœœœ œœœœ ∑ ∑

œœœœ ∑

cresc. sempre

œœœ œœœ œœœ œœœ

∑ ∑ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ

é um su - jei - toIes - tra - nho pá - li - do

œœœ œœœ œœœ œœœ cresc. sempre

œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ∑ ∑

é um su - jei - toIes - tra - nho pá - li - do

œ œ œ œ œ œ Œ # œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ Œ . ∑ ∑ cresc. sempre

w.

& b b œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ Œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

?

œ œœœ Œ ∑

bw.

sí - ni - co

Pno.

œœœ œ Œ. ∑

Œ

Œ.

Œ

bw.

∑ n n œœœ eIas

-

eIas

-

n n œœœ ∑

œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ

∑ œœœ œœœ

sim que suas bo - tas

mo - lha

- das

pi

-

sim que suas bo - tas

mo - lha

- das

pi

-

œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ Œ

œ œ œ œ œ # œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ ∑

œœœ œœœ ∑

œœœ œ Œ. ∑

∑ œœœ

sam

œœœ ∑

sam

w.

p sub. & b b œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ ‰ ‰ n n œœ œœ œœ œ∑œ œœ œœ œœ œœ œ∑œ ‰ ‰ ‰ Œ b b œ∑œ œœ œœ œœ œœ œœ ‰ Œ n n œ∑œ .. œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

12

coro

p sub. b b œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ n n œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ b b œœ œœ œœ œœ œœ œœ n n œœ V œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ ‰ ‰ Œ œ œ œ œ œ œ ‰ Œ œ .. ∑ ∑ ∑ ∑ ?

Pno.

?

o

as - so - a - lho da ca - sa

Ma - ri - a - na tre - me, he - si - ta

e

lo - go se ca - la.

o

as - so - a - lho da ca - sa

Ma - ri - a - na tre - me, he - si - ta

œ b b œœœ Œ ∑ p sub.

e

lo - go se ca - la.

œ b b œœœ Œ ∑

bw.

œ œ œœœ œœœ ∑

œ œœœ Œ Œ . ∑

# œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œœœ œ œ œ œ œ œ Œ. Œ ∑ ∑ w.

bw.

œ œ œœœ œœœ ∑

œ œœœ Œ ∑

Œ.

.. ..

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 283


2. Mariana e a bandeira Jonathan Silva, William Guedes Livre, lento, de modo declamativo ad. lib.

Mariana Pineda

# 2 & 4 ∑ œ

œ œ œ œ

# & Œ

œ

œ

e

co - nhe

Bor - dei

8 M. Pin.

# & Œ

13 M. Pin.

œ

es - sas

œ

œ

ço

guer

-

rei

-

mãos,

com

œ

œ

ros,

no - bres

# & œ œ œ œ

3

eu

não

# & œ

œ

di - rei

œ

que

# œ & œ ∑

eu não

ti - ra - ni

œ ∑

œ

œ

cra - vas - sem

œ

œ

di - ri

-

œ -

a,

∑

œ

œ œ a,

œ

œ

vi - dros

œ

œ

œ

œ

eu

não

œ

œ

no

œ

meu

œ

œ œ ∑

que

cra - vas - sem

œ œ ∑

œ

œ

eu não

œ ∑

di - ri

-

a,

eu não

˙

na

œ

di

#˙ -

ri

284 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

seus

no - mes,

∑ œ

A -

œ

œ œ -

te

œ

meu

de

œ

pei - to,

˙ -

œ

da.

œ

no

ros

∑ œ œ

3

di - an

œ

vi - dros

-

-

mes - mo

œ

lei

œ œ

œ

œ

œ ∑

-

mas não di - rei

di - rei

œ

a - in - da

va

œ œ œ œ

œ

˙

mãos,

œ

3

œ

œ

-

œ

pró - prias

œ

ca

œ

pei - to,

œ

œ

œ

mi - nhas

œ

no chão de Gra - na - da,

no - mes,

œ

œ

# & œ œ œ œ

37

œ

seus

31

to - da

∑ œ

œ

œ

3

3

3

‰ œ∑ œ

Œ

˙

mi - nhas

œ

que pre - ten - di - am i - çá - la fin - cá - la

in - da

M. Pin.

-

3

3

25

M. Pin.

œ œ œ œ

œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

3

M. Pin.

œ œ

es - sa ban - dei - ra com

19 M. Pin.

œ

#˙ -

a.


ato IV

1. Que mal que ela fez? Jonathan Silva, Mauricio Damasceno, William Guedes Como num folguedo popular, em clima de protesto

coro

q = 108

# 2 & # 4 ..

∑

∑

∑

∑

..

? # # 2 .. 4

∑

∑

∑

∑

V ..

tamanco

ã

42 .. >œ .

caixas

ã

42 .. >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ ..

peles graves

ã

42 .. œ .

œ œ

œ œ

œ œ œ

# & #

œ œ

>œ .

œ

œ œ

œ.

coro

# V # œ œ

tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

Meu

co

-

ra - ção

Meu

co

-

ra - ção

œ ∑ œ ∑

+œ ∑

œ œ œ

œ

do - endo,

œ

>œ .

œ.

œ œ

5

œ

≈ œ œ œ. ≈ œ œ œ .

do - endo,

œ œ

>œ .

œ

œ.

œ œ

œ œ.

ge - mendo

que rendo

ge - mendo

que rendo

œ œ.

œ œ

œ

..

œ œ

˙

sa - ber.

˙

sa - ber.

Œ

∑

∑

∑

Œ

∑

∑

≈ œ >œ œ >œ >œ

Œ

∑

∑

∑

º pele abafada

..

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 285


50

# & # ..

9

coro

# V # ..

∑

∑

∑

∑

..

∑

∑

∑

∑

..

tmc.

ã

.. >œ .

cx.

ã

.. >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ ..

p. gr.

ã

.. œ .

œ œ

# & # œ œ

œ

>œ .

œ œ

œ.

œ œ œ

œ

œ œ

# V # œ œ Meu

Meu

tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

œ ∑ œ ∑ œ ∑

# & # ..

17

coro

# V # ..

co

co

-

-

ra - ção

œ œ œ

ra - ção

≈ # œ

œ

do - endo,

œ.

œ œ

13

coro

>œ .

œ

œ #œ.

œ

≈ œ

ge - mendo

ge - mendo

do - endo,

œ

œ.

œ œ

œ

>œ .

œ œ

œ.

œ œ œ œ.

que - rendo

œ œ.

que - rendo

˙

-

ber,

sa

-

ber,

..

..

œ œ

œ

sa

œ

˙

Œ

∑

∑

∑

Œ

∑

∑

≈ œ >œ œ >œ >œ

Œ

∑

∑

∑

∑

∑

∑

∑

..

∑

∑

∑

∑

..

tmc.

ã

.. >œ .

cx.

ã

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p. gr.

ã

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œ œ

286 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

>œ .

œ.

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œ œ

œ

..

..


51

# & # ‰

21

coro

≈

∑ œ œ

que

mal

œ

queIe - la

œ

œ

fez

˙

pra

œ

me

œ

-

re - cer

œ

es

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-

se

œ

fim,

que

mal

queIe - la

fez

pra

me

-

re - cer

es

-

se

fim,

œ

˙

# V # ‰

≈

tmc.

ã

Œ

∑

∑

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ã

Œ

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∑

∑

p. gr.

ã

Œ

∑

∑

∑

œ ∑ œ ∑ œ ∑

# & # ‰

25

coro

# V # ‰

≈ ≈

œ ∑

∑ œ œ

œ

˙

œ

˙

œ œ

œ

œ œ œ

œ

œ

fez

pra

me

-

re - cer

es

-

se

fim.

que

mal

queIe - la

fez

pra

me

-

re - cer

es

-

se

fim.

œ

œ

˙

œ œ

œ œ œ

∑

∑

∑

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ã

∑

∑

∑

p. gr.

ã

∑

∑

∑

coro

# V # ..

œ

queIe - la

ã

# & # ..

œ

œ

mal

tmc.

29

œ

que

œ ∑

œ

œ

œ

˙

˙

œ

˙

∑ ≈ œ >œ œ >œ

>œ

∑

∑

∑

∑

∑

..

∑

∑

∑

∑

..

tmc.

ã

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cx.

ã

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p. gr.

ã

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œ œ

œ

>œ .

œ.

œ œ

œ œ

œ

>œ .

œ.

œ œ

œ œ

œ

..

..

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 287


52

# & # ‰ œ∑ œ œ

33

coro

V tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

##

cx.

ã

p. gr.

ã

-

zer

na

fei - ra

Ou

vi

di

-

zer

na

fei - ra

œ

œ œ œ œ

tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

œ ‰ Œ ∑

∑

œ.

œ ∑ œ ∑ œ ∑

∑ œ œ

œ

œ

œ œ

>œ .

œ

œ.

œ œ

œ œ

œ œ

œ

œ œ

∑

∑

∑

∑

œ ∑

œ

bor

œ

douIu - ma

ban

-

dei - ra,

queIe - la

bor

douIu - ma

ban

-

dei - ra,

Œ

∑

>œ .

Œ

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

Œ

∑

œ.

queIe - la

# & # ‰ œ∑ œ œ V

∑

∑

œ ‰ Œ ∑

##

∑

>œ .

œ

œ œ

41

coro

∑

∑

# V # ‰ ã

di

œ

œ ‰ Œ ∑

# & # ‰

tmc.

vi

‰ œ œ œ ∑

37

coro

Ou

ou - vi

di

-

zer

no

cais

ou - vi

di

-

zer

no

cais

‰ œ œ œ ∑

œ œ

œ œ

œ œ

>œ .

œ

œ.

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œ œ

œ œ

∑

∑

∑

∑

œ ‰ Œ ∑

∑

>œ .

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

œ ‰ Œ ∑

∑

œ.

œ ‰ Œ ∑

œ œ

œ

œ œ

288 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

>œ .

œ

œ.

œ œ

œ œ

œ


53

# & # ‰

45

coro

V tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

##

‰ œ ∑ œ ∑ œ ∑

# & # ‰ V

tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

##

‰ œ ∑ œ ∑

# & #

œ ∑

V tmc.

ã

cx.

ã

p. gr.

ã

##

dos

œ

li

-

dos

li

-

œ

∑

∑

∑

∑

Œ

∑

>œ .

Œ

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

Œ

∑

œ.

∑ œ œ

œ

œ

œ

é

é

œ

be -

rais,

be -

rais,

œ

œ œ

>œ .

œ

œ œ

œ.

œ œ

œ

œ œ

∑

∑

∑

∑

œ ∑

œ

di

œ

-

zer

por

a

-

œ

ou - vi

di

-

zer

por

a

-

í

Œ

∑

>œ .

Œ

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

Œ

∑

œ.

œ.

œ œ

¿

¿

Œ

que

tem?

ou - vi

53

coro

œ

œ ∑

queIe - la

queIe - la

49

coro

∑ œ œ

œ #œ œ #œ

∑

≈ ¿

∑

‰ œ œ œ ∑ queIe - la

não

œ #œ

gos - ta

í

œ

do

œ

˙

QueIé

œ œ

œ œ ¿ ¿ que

¿

tem? QueIé

Œ

∑

>œ .

Œ

∑

>œ œ œ >œ œ

œ ‰ ∑

Œ

∑

œ.

œ œ

œ œ

œ œ >œ >œ

œ œ

≈ œ

œ œ.

Eu

não gosto

rei.

œ ‰ ∑

œ ‰ ∑

>œ .

œ

>œ .

œ œ

œ

œ

tam -

œ

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ œ.

œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 289


54

# & # ≈ ¿

57

coro

# V # ˙

QueIé

¿ ¿ que

¿

tem? QueIé

¿

¿

que

tem?

Œ

≈ œ

œ œ.

Eu

não gosto

bém.

tmc.

ã

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ

p. gr.

ã

œ.

œ œ

œ >œ >œ

œ œ

œ.

∑

∑

V

∑

∑

tam - bém.

>œ .

œ

Meu

co

-

ra - ção

p. gr.

ã

œ ∑

œ

Œ

coro

V

mendo

que

œ

mendo

que

## œ .

# & # #œ.

œ.

rendo

sa

rendo

sa

œ.

œ

coro

# œ. V #

œ.

œ

do - endo,

œ ∑

Œ

∑

Œ

∑

œ ∑

Œ

∑

mendo

que - rendo

mendo

que - rendo

œ

œ.

œ

œ

œ

-

ber.

˙

Meu

œ

co

œ

-

ra - ção

-

ber.

Meu

co

-

ra - ção

˙

œ

sa

-

ber,

sa

-

ber,

˙

‰ ‰

≈ œ œ

do - endo,

œ œ œ

˙

69

œ

œ

≈ œ œ

œ

65

œ

œ

œ œ

ra - ção

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ œ ∑

œ œ

œ œ œ

-

ã

# & # œ.

œ œ

œ.

œ œ

co

œ œ

cx.

œ œ

>œ .

œ

Meu

>œ .

œ.

>œ .

œ œ

ã

œ

œ œ

œ.

tmc.

œ œ

∑

œ ˙

œ œ

# & # ##

∑

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

œ œ

61

coro

>œ .

œ

∑

œ

œ

≈ ≈

œ

ge -

œ œ

ge -

do - endo,

ge -

mal

œ

queIe - la

œ

fez

que

mal

queIe - la

fez

290 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

≈ œ

œ

que

œ ∑

ge -

do - endo,

∑ œ œ

≈ # œ

œ

œ

œ œ

œ

˙ ˙


55

# & #

73

coro

œ

pra

œ

me

pra

me

# V # œ

# & # œ

œ

-

œ

re - cer

œ

es

-

re - cer

es

œ œ

œ

œ

-

œ

se

fim,

-

se

fim,

˙

œ

˙

≈

≈

∑ œ œ œ ∑

œ

˙

œ

que

mal

œ

queIe - la

fez

que

mal

queIe - la

fez

œ

œ

˙

77

coro

V

##

pra

œ

pra

# & # ‰

81

coro

# V # #œ

zer

# & # ‰

85

coro

# V # #œ

zer

# & # ‰

89

coro

# V # #œ

zer

œ

œ

-

me

œ

me

-

re

œ

-

re

∑ œ œ

-

œ

Ou

vi

di

na

fei - ra

œ #œ

∑ œ

ou

œ

-

œ œ

œ

œ

vi

di

no

cais

œ

∑ œ œ œ

ou - vi

di

œ #œ œ

por

a - í

-

œ

œ

cer

-

es

œ

œ

cer

es

-

˙

œ

fim.

˙

˙

˙

se

-

œ

se

fim.

œ #œ

œ ∑

zer

œ

œ

na

queIe - la

-

zer

œ

œ ∑

œ

no

queIe - la

zer

œ #œ œ ∑

por

œ a

queIe - la

-

œ œ í

não

∑ œ

œ œ

fei - ra

bor

douIu - ma

œ œ

cais

Ou

œ

œ

œ

ban -

#œ dos

li

-

∑ œ #œ

gos - ta

ou

œ

do

œ

be

é

œ

dos

-

rais,

≈

¿

¿

˙

QueIé

que

œ

œ

vi

di

-

œ œ

œ ∑

dei - ra,

œ

œ

œ œ

queIe - la

œ

douIu - ma

bor

∑ œ

œ ∑

queIe - la

é

∑

œ

œ

ban - dei - ra,

-

vi

di

œ li

-

ou

-

vi

œ ∑

¿

œ

be

¿

tem? QueIé

-

-

œ œ

rais,

di

-

¿ que

rei.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 291


56

# & # ¿

93

coro

Œ

# V # ≈ œ tem?

∑

œ œ.

Eu

œ

não gosto

≈

˙

œ œ.

œ

Eu

≈ œ

não gosto

œ œ.

tam

œ

-

Eu

não gosto

tam

-

tam - bém.

œ

nnbb

˙

bém.

˙

nn b b

˙

bém.

98

coro

b &b œ

Ou

vi

œ œ

di - zer

œ œ

que

œ œ

não

œ œ

cho

œ œ

-

ra,

œ œ

que

œ œ

tem

œ

œ o

œ

co - ra

œ œ

-

ção

œ œ

for

œ œ

-

te,

Ou

vi

di - zer

que

não

cho

-

ra,

que

tem

o

co - ra

-

ção

for

-

te,

b &b œ

ou - vi

œ œ

di - zer

œ

œ œ

que

œ œ

não

œ œ

cho

œ œ

-

ra

œ œ

mes - mo

œ

œ œ

di - an - te

œ

œ

œ œ

da

œ œ

mor

œ œ

-

te.

ou - vi

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que

não

cho

-

ra

mes - mo

di - an - te

da

mor

-

te.

œ

œ

b Vb œ

œ œ

œ

œ œ

œ œ

102

coro

b Vb œ

œ

œ

œ

œ

œ œ

106

coro

b &b œ

œ

vi

di - zer

que

não

cho

-

ra

que

tem

œ o

co - ra

-

ção

œ

for

œ

-

te,

Ou

vi

di - zer

que

não

cho

-

ra

que

tem

o

co - ra

-

ção

for

-

te,

b Vb œ

œ

110

coro

b & b œœ

œœ

œ

œ

œ

œœ

œ

œ

œœ

œ

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œ œ

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œ

œ

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œ œ

œœ

œ

œ

Ou

œ

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œ

œœ

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œ œ

œœ

Ou

-

vi

di

-

zer

que

não

cho

-

ra

mes - mo

di

-

an

-

te

da

Ou

-

vi

di

-

zer

que

não

cho

-

ra

mes - mo

di

-

an

-

te

da

b Vb œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

œ

292 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œ

œ

œ

œ


57

113 inst.

coro

&b

b

∑

mor

-

mor

-

b ˙ Vb ˙ ã

cx.

ã

p. gr.

ã

˙˙

∑

˙˙

te.

˙˙

∑

˙˙

˙˙

˙˙

te.

>œ .

∑

œ œ

œ

>œ .

œ œ

œ

>œ .

œ œ

Meu co

œ œ œ œ

-

ra - ção tá

œ œ œ œ œ œ

do -

Meu co

-

ra - ção tá

do -

>œ .

œ

œ œ

œ œ

œ

≈ œ >œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ œ.

∑

118

coro

∑

Dm

b & b ˙˙

tmc.

∑

b &b œ

endo,

b Vb œ

œ œ

≈ œ

œ œ.

œ.

œ.

œ œ

œ.

œ œ

œ œ

œ œ

œ œ œ

≈ œ

ge - mendo

œ œ.

que rendo

œ œ. œ œ.

sa - ber.

œ ˙ œ ˙

Meu co

œ œ

-

ra - ção

œ œ œ

do -

ge - mendo

que rendo

sa - ber.

Meu co

-

ra - ção

do -

endo,

ã

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

p. gr.

ã

œ.

œ œ

œ

œ.

œ œ

œ œ

œ

>œ .

œ.

œ œ

œ œ

œ

>œ .

œ

tmc.

œ œ

>œ .

œ

œ.

œ œ

œ

œ œ

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 293


58

122

coro

b &b œ

≈ œ

endo,

b Vb œ

œ œ.

œ œ.

≈ œ

ge - mendo

œ œ.

que - rendo

œ œ.

sa - ber

œ ˙ œ ˙

des - sa

œ œ

œ œ

mu - lher que

œ œ œ œ œ œ

se

ge - mendo

que - rendo

sa - ber

des - sa

mu - lher que

se

>œ .

œ œ

endo,

ã

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

p. gr.

ã

œ.

œ

œ œ

œ.

œ œ

>œ .

œ

tmc.

œ œ

>œ .

œ

œ

œ.

œ œ

œ œ

œ

œ.

œ œ

œ

œ œ

126

coro

b &b œ

ca

-

la,

œ

mes - mo

œ œ

di - an - te

œ œ nœ œ œ nœ

da

œ œ

dor,

˙ ˙

des - sa

œ œ

œ œ

mu - lher que

œ œ œ œ œ œ

se

ca

-

la,

mes - mo

di - an - te

da

dor,

des - sa

mu - lher que

se

>œ .

œ œ

b Vb œ

œ œ

œ

ã

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

p. gr.

ã

œ.

œ

œ œ

œ.

œ œ

>œ .

œ

tmc.

œ œ

>œ .

œ

œ

œ.

œ œ

œ œ

œ

œ.

œ œ

œ

œ œ

130

coro

b &b œ

ca

-

la

œ

pra pro

œ œ

-

te - ger seu

œ œ nœ

œ

a - mor,

mes - mo

œ œ

di - an - te

œ œ nœ œ œ nœ

da

ca

-

la

pra pro

-

te - ger seu

a - mor,

mes - mo

di - an - te

da

b Vb œ

œ œ

œ

œ

˙

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

p. gr.

ã

œ.

œ œ

œ.

œ œ

œ œ

œ

œ.

œ œ

œ

œ œ

294 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

>œ .

œ

ã

œ

>œ .

œ

tmc.

œ œ

>œ .

œ œ nœ

œ œ

˙

œ.

œ œ

œ œ

œ


59

134 M. Pin.

coro

&b

b

∑

∑

b &b ˙ Vb

œ œ

∑

œ œ œ

∑

dor,

pra pro

œ œ

-

te - jer seu

œ

a - mor,

mes - mo

œ œ

di - an - te

œ œ nœ œ œ nœ

da

dor,

pra pro

-

te - jer seu

a - mor,

mes - mo

di - an - te

da

b ˙

œ œ œ

˙

>œ .

cx.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ

p. gr.

ã

œ.

138 M. Pin.

coro

&b

b

œ.

œ œ

œ

∑ œ œ

œ œ œ

œ œ

œ.

œ œ

∑

b &b ˙ V

œ œ

>œ .

œ

ã

œ

>œ .

œ

tmc.

œ œ

>œ .

œ

œ œ

˙

œ

œ œ

œ.

œ œ ∑

œ

œ œ

∑ œ œ

∑

œ œ nœ

∑ ‰ Œ œ œ

dor,

pra pro

œ œ

-

te - jer seu

œ ˙ œ ˙

a - mor,

mes - mo

œ œ

sa - ben - do

œ œ nœ

seu

fim.

dor,

pra pro

-

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a - mor,

mes - mo

sa - ben - do

seu

fim.

bb ˙

tmc.

ã

>œ .

cx.

ã

p. gr.

ã

>œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ >œ œ œ >œ œ œ >œ >œ œ ∑ œ.

œ œ

œ œ

œ

>œ .

œ œ œ

œ.

œ œ

œ œ

œ

>œ .

œ.

œ œ

œ œ

œ

œ ∑

Œ

Œ

œ ∑

Œ

œ œ ‰ Œ ∑ œ ‰ Œ ∑ œ ‰ Œ ∑ œ ‰ Œ ∑

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 295


60

2. Rosa e jasmin de Granada Aloisio Oliveira, Jonathan Silva, Mauricio Damasceno, Rodrigo Mercadante, William Guedes Coro acompanhado por violões, como um cortejo de seresteiros q. = 54

œ. # & 68 ..

E m(9)

instrumental

#

M. Pin.

∑ œ

ne

œ. œœ ..

-

da

œ. œœ ..

Ro - saIe

jas - min

de

œ œœ

Gra

œ œœ

-

na

œ.

-

da

œ

Pa -

Ai

Ma - ri - a - na

Pi

-

ne

-

da

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de

Gra

-

na

-

da

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Do

œ œ

guer

œ œ

-

rei

œœ

-

ro

que

tan - to

#œ. tar

-

da

Do

guer

-

rei

-

ro

que

tan - to

tar

-

da

Em

œ

cien - te

es - pe - raIa

che - ga

œ œœ

-

cien - te

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chei - raIa

ro - saIe

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Ai

Ma - ri - a - na

Pi - nhe

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da

Que

chei - raIa

ro - saIe

mar

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me

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fir - me

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Ca - la

com

tan - ta

fir - me

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13

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5

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da

296 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œ. œ.

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˙.

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a - mi - gos

meus 2.

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..

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61

3. Canção Amiga Jonathan Silva, Rodrigo Mercadante, William Guedes

Mariana Pineda

amiga

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matracas

caixas

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q = 58

## & # # 42

amg.

coro

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8 M. Pin.

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Pa - ci - ên - cia,Ia - mi - ga mi

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nha,

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ou - vir,

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ven - to.

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que

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∑ ∑

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CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 297


62

## & ##

14 M. Pin.

amg.

coro

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so - as de me - do se fe - cham,

∑

∑

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me - doIu - ma me - ni - na

cho

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-

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∑

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na por - ta daIi - gre

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20 M. Pin.

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coro

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que tu sabes?

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Pa - ci - ên - cia,Ia - mi - ga mi

∑

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nha,

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srd.

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298 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

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63

## & ##

27 M. Pin.

amg.

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que

i - rei

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∑

‰ ≈ œ∑ œ œ # œ œ œ œ œ œ

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dis - se - ram os

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im - pos - sí - vel te sal - var.

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33 M. Pin.

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cia

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au - men -

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CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 299


64

# ## & #

39 M. Pin.

amg.

coro

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∑

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Pe - dro foi em - bo

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Pe - dro foi em - bo

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46 M. Pin.

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a su - a dor.

cia

au - men - tar

a su - a dor.

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a Es - pa - nha e - le dei - xou,

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∑

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não que - ro com es - sa no - tí -

não que - ro com es - sa no - tí -

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∑

Œ ≈ œ œ . œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ nœ œ œ œ. œ ∑

˙

a Es - pa - nha e - le dei - xou,

Pa - ci - ên - ciaIa - mi - ga mi -

∑

nha,

∑

com o que i - rei

∑

di - zer,

∑

∑

∑

∑

∑

∑

mtr.

ã

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∑

∑

∑

∑

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œo ‰ +œ œo ‰ +œ ∑ ∑

œo ‰ +œ ∑

œo ‰ +œ ∑

300 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

œo ‰ ∑

œo ‰ +œ ∑

já se


65

## & ##

54 M. Pin.

amg.

coro

& &

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∑

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∑

œ œ œ œ # œ œ œ ≈ œ œ œ . œ œ . #œ ˙

sa - be

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da sen - ten - ça,

∑

mui - to pou - coIhá de

fa - zer.

∑

‰ ≈ œ∑

∑

41 ∑ 42 œ œ œ œ œ

∑

41 ∑ 42

Fi - co so - zi - nhaIen - quan

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41 ∑ 42

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3

3

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41 ∑ 42

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mtr.

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1 2 4 ∑ 4

∑

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srd.

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62 M. Pin.

amg.

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3

œ œ œ œ œ nœ 3

bai - xo daIa - cá - ciaIem flor,

∑

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≈ œ ∑

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peles graves

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no jar - dim a

mor - teIes - prei

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3

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dis - far - ça - da de a - mor.

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CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 301


66

# ## & #

68 M. Pin.

amg.

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3 # ## 3 & # œœ œœ œ œ

&

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a - na so - zi - nhaIen - quan

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≈ œ

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de - bai - xo daIa - cá - ciaIem flor,

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no jar - dim a

mor - teIes - prei

∑

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ta

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74 M. Pin.

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ça - da de a - mor.

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∑ 3

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Ma - ri - a - na so - zi - nhaIen - quan

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to,

∑ 3

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3

de - bai - xo daIa - cá - ciaIem flor,

∑

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∑ 3

3

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3

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∑

œœ œœœ œœ œœ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ

302 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

no jar -

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mtr.

œœ œ œ œ œœ œœœ œœ œœœ œœ œœœ œœ œ œ œ œœ œ œ œ

dis - far -

œœ œœœ œœ œœœ


67

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80 M. Pin.

amg.

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mor - teIes - prei

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ta

∑

∑ 3

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dis - far - ça - da

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85

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3

3

œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ

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œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ

∑

œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œ œ

∑

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sem esteira

3

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∑

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..

∑

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..

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..

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..

∑

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∑

∑

..

∑

∑

∑

∑

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œœ œ œœ œœ œ œœ œœ œ œœ œœ œ œœ ..

∑

∑

∑

∑

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p. gr.

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M. Pin.

amg.

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3

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œ œ ∑

..

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 303


68

4. Nome aos bois Jonathan Silva, William Guedes

œ ? #### 2 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ 4 q = 104

Pedrosa

Ma - ri - a - na

vê se não de - mo - ra,

tá che - gan - doIa

ho - ra de dar

no - meIaos bois.

matracas

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42

caixas

ã

2 4

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∑

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ã

42

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3

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3

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∑

∑

∑

∑

œœ œœœ œœ œœœ œœ œœœ œœ œœœ

sem esteira

∑

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∑

œ œ œ ∑

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9 Pds.

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Ma - ri - a - na

vê se

não de - mo

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œœ œ œ œœ œ œ œ

œ ra,

tá che - gan - doIa

ho - ra

de dar

œ œ œ ∑

3

peles graves

3

˙

œ

œ ‰ ∑

no - meIaos bois.

De -

3

3

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3

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3

3

3

3

3

3

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3

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3

3

3

3

3

3

3

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3

3

3

3

3

3

3

mtr.

ã

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cx.

ã

œœ œ œœ œœ œœ œ œœ œœœ œœ œ œœ œœ œœ œ œœ œœ œ œœ œœœ œœ œœœ œœ œœ œ œœ œœœ œœ œœ œ œœ œœ œ œœ œ œœ œœ œœ œ œœ œ œœ œœ œœ œ

p. gr.

ã

œ œ œ ∑ 3

œ œ œ ∑ 3

œ œ œ ∑

œ œ œ ∑

3

œ ? # # # # œ . œ œ œ œ œ œ ‰ ∑ œ . œ œ œ œ

17 Pds.

pois po - de ser tar

-

de,

a - í

œ œ œ ∑

3

não tem po - rém,

3

œ œ œ ∑

œ œ œ ∑

3

3

œ ‰ œ œ œ # œ3 œ œ # œ œ3 œ ˙ ∑ de - pois só vai res - tar

œ œ œ ∑ 3

œ ‰ ∑

Œ

di - zer a - mém.

De -

3

3

3

3

3

3

3

3

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∑

∑

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304 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2

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CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 305



CAPÍTULO VI

registro sonoro CANTATA MARIANA PINEDA BASTIDORES DA CANTATA e EPÍLOGO



O registro sonoro

William Guedes

Este disco traz uma amostra da criação musical feita para o espetáculo “Cantata Para um Bastidor de Utopias”. A música, mesmo sendo elemento fundamental desse espetáculo, é um dos múltiplos elementos que o compõem. O registro desse elemento, isolado do seu contexto, não pretenderia mais do que apenas invocar uma atmosfera, memorar o ambiente sonoro que envolve as nossas apresentações. Embora essas gravações registrem com grande fidelidade a música que se ouve nas apresentações, algumas adaptações foram necessárias e muito bem vindas. Optamos por organizar o disco em uma ordem diferente daquela apresentada no espetáculo: mantivemos a cantata, em sua forma íntegra – a sequência ininterrupta dos 4 atos – para em seguida inserirmos os intermezzos. Os intermezzos, por sua vez, não estão reproduzidos na sua totalidade, foram selecionadas as canções, os poemas e os textos que os representam essencialmente, para os quais foram feitos arranjos e montagens originais. Não nos furtamos a aceitar a generosa colaboração dos pianistas Gustavo Fiel, que toca o piano em “Dia Triste em Granada” no 1° ato e em “Pedrosa” no 3° ato, e Lincoln Antônio, que executou a livre improvisação em “Pedrosa Visita Mariana Pineda” e em “Mariana e a Bandeira”. Nossos sinceros agradecimentos. Neste livro, a pluralidade do espetáculo se apresenta fragmentada, como para uma dissecação. Ao lado de cada depoimento, da transcrição do texto e das partituras, esse registro sonoro é mais um membro. Visitado assim, parte por parte, o espetáculo parece emergir, não para trazer a imagem de sua forma acabada, mas para que possamos partilhar, ainda que por fragmentos, um pouco do intenso processo vivido pelos artistas da Cia do Tijolo em sua criação.

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 309


CANTATA Mariana Pineda Músicas e Textos inspirados na peça teatral “Mariana Pineda” de Federico Garcia Lorca 1. RUBRICA (Rogério Tarifa) Diretor – Rogério Tarifa

2. DIA TRISTE EM GRANADA-PRIMEIRO ATO (Jonathan Silva e William Guedes) Coro – Cia Do Tijolo Piano – Gustavo Fiel Tambores – Mauricio Damasceno

3. O SEGREDO (Jonathan Silva e William Guedes) Narrador – Jonathan Silva Piano – Rodrigo Mercadante

4. CLAVELA E ANGUSTIAS (Jonathan Silva e William Guedes) Clavela – Karen Menatti Angústias – Thais Pimpão Coro – Cia do Tijolo Piano – Rodrigo Mercadante

5. A VISITA

ENCARTE DO DISCO

(Jonathan Silva e William Guedes) Narrador – Jonathan Silva Piano – Rodrigo Mercadante

6. A GRANDE TOURADA (Jonathan Silva e William Guedes) Mariana Pineda – Lilian de Lima Filhas do Ouvidor – Karen Menatti e Thais Pimpão Coro – Cia do Tijolo

310 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Capítulo VI - REGISTRO sonoro

Piano – Rodrigo Mercadante Violões – William Guedes e Thiago França Viola – Mauricio Damasceno Acordeon – Aloísio de Oliveira

7. CANÇÃO DE AMOR E REVOLUÇÃO (Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante e Mauricio Damasceno) Trecho de DIA TRISTE EM GRANADA Mariana Pineda – Lilian de Lima Piano – Rodrigo Mercadante Acordeon – Aloísio de Oliveira

8. CHEGADA DE FERNANDO (Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante e Mauricio Damasceno) Mariana Pineda – Lilian de Lima Fernando – Mauricio Damasceno Piano – Rodrigo Mercadante

9. A CASA DE MARIANA PINEDA (Jonathan Silva e William Guedes) Fernando – Mauricio Damasceno Piano – Rodrigo Mercadante Acordeon – Aloísio de Oliveira

10. MARIANA E FERNANDO (Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante e Mauricio Damasceno) Mariana Pineda – Lilian de Lima Fernando – Mauricio Damasceno Piano – Rodrigo Mercadante

11. A CARTA (Rodrigo Mercadante) Clavela – Karen Menatti Mariana Pineda – Lilian de Lima Fernando – Mauricio Damasceno Lorca – Rodrigo Mercadante Coro – Cia do Tijolo Piano – Rodrigo Mercadante


Capítulo VI - REGISTRO sonoro

12. O AMOR DE FERNANDO / O AMOR DE MARIANA (Jonathan Silva e William Guedes) Fernando – Mauricio Damasceno Mariana Pineda – Lilian de Lima Piano – Rodrigo Mercadante

13. PEDRO DE SOTOMAYOR E MARIANA PINEDA (Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante, Mauricio Damasceno e Lilian de Lima) Mariana Pineda – Lilian de Lima Pedro – Rodrigo Mercadante Piano – Aloísio de Oliveira Baixo – Mauricio Damasceno

14. CHEGADA DOS CONSPIRADORES (Jonathan Silva, William Guedes e Rodrigo Mercadante) Conspiradores – Thiago França, Mauricio Damasceno, Aloisio de Oliveira e Rogerio Tarifa Pedro – Rodrigo Mercadante Mariana Pineda – Lilian de Lima Piano – Aloísio de Oliveira Baixo – Mauricio Damasceno

312 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


Capítulo VI - REGISTRO sonoro

15. ANDALUZIA, CANTO DE LIBERDADE (Mauricio Damasceno e Rodrigo Mercadante) Pedro – Rodrigo Mercadante Mariana Pineda – Lilian de Lima Coro – Cia do Tijolo Piano – Aloísio de Oliveira Violões – Thiago França e William Guedes Viola e Baixo – Mauricio Damasceno

16. TIRANIA (Jonathan Silva e William Guedes) Conspirador 1 – Thiago França Conspirador 2 – Jonathan Silva Piano – Aloísio de Oliveira Baixo – Mauricio Damasceno

17. UM OUTRO TEMPO VIRÁ (Jonathan Silva, William Guedes e Rodrigo Mercadante) Conspirador 2 – Jonathan Silva Pedro – Rodrigo Mercadante Mariana Pineda – Lilian de Lima Coro – Cia do Tijolo Piano – Aloísio de Oliveira Violões – Thiago França e William Guedes Viola e Baixo – Mauricio Damasceno

18. CANÇÃO DE MARINHEIRO (Jonathan Silva, William Guedes e Rodrigo Mercadante) Mariana Pineda – Lilian de Lima Clavela – Karen Menatti Pedro – Rodrigo Mercadante Conspirador 2 – Jonathan Silva Coro – Cia do Tijolo Piano – Aloísio de Oliveira Violões – Thiago França e William Guedes Viola e Baixo – Mauricio Damasceno


Capítulo VI - REGISTRO sonoro

19. PEDROSA (Jonathan Silva e William Guedes) Pedrosa – Dinho Lima Flor Coro – Cia do Tijolo Piano – Gustavo Fiel

20. PEDROSA VISITA MARIANA PINEDA / MARIANA E A BANDEIRA (Jonathan Silva, William Guedes e Rogério Tarifa) Pedrosa – Dinho Lima Flor Mariana Pineda - Lilian de Lima Coro – Cia do Tijolo Piano (em livre improvisação) – Lincoln Antonio

21. QUE MAL QUE ELA FEZ (Jonathan Silva, William Guedes e Mauricio Damasceno) Mariana Pineda – Lilian de Lima Menino – Thais Pimpão Coro – Cia do Tijolo Tambores e Caixas – Mauricio Damasceno, Jonathan Silva e William Guedes Tamancos e Matracas – Mauricio Damasceno e William Guedes Reco de Mola – Aloísio de Oliveira

22. ROSA E JASMIN DE GRANADA (Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante, Mauricio Damasceno e Aloísio de Oliveira) Mariana Pineda – Lilian de Lima Coro – Cia do Tijolo Acordeon – Aloísio de Oliveira Violões – William Guedes e Thiago França Viola – Mauricio Damasceno

23. CANÇÃO AMIGA (Jonathan Silva, William Guedes e Rodrigo Mercadante) Morte – Karen Menatti Mariana Pineda – Lilian de Lima Coro – Cia do Tijolo Percussão – Mauricio Damasceno Viola – William Guedes


Capítulo VI - REGISTRO sonoro

24. NOME AOS BOIS / PELOS MEUS FILHOS ME CALO (Jonathan Silva, Rodrigo Mercadante e William Guedes) Pedrosa – Dinho Lima Flor Mariana Pineda - Lilian de Lima Coro – Jonathan Silva, Mauricio Damasceno, William Guedes e Rodrigo Mercadante Tambores – Mauricio Damasceno, Jonathan Silva e William Guedes Matracas e Tamancos – Mauricio Damasceno e Jonathan Silva Tambor Onça – Thais Pimpão

25. DIA TRISTE EM GRANADA-QUARTO ATO (Jonathan Silva e William Guedes) Coro – Cia do Tijolo Acordeon – Aloísio de Oliveira Violões – William Guedes e Thiago França Viola e Tambores – Mauricio Damasceno

BASTIDORES DA CANTATA INTERMEZZO – “O AMOR” 26. POR UM AMOR NO RECIFE (Paulinho da Viola) Manoel Fiel Filho – Dinho Lima Flor Viola, Baixo e Tamborim – Mauricio Damasceno Arranjo – Jonathan Silva e Mauricio Damasceno

INTERMEZZO – “A CIDADE” (Jonathan Silva e Rogério Tarifa) Luiz Eurico Tejera Lisbôa – Rogerio Tarifa Coro – Jonathan Silva e Maurício Damasceno Baixo – Mauricio Damasceno Efeitos Percussivos – Mauricio Damasceno

ENCARTE DO DISCO

27. EUSPÍCIO


28. O MENINO E A CIDADE (Jonathan Silva e Maurício Damasceno) Menino – Thais Pimpão Baixo, Viola, Cajon, Pandeiros, Reco-Recos e Efeitos Percussivos – Mauricio Damasceno

INTERMEZZO – “A MESA” 29. CASIDA DE LAS PALOMAS OSCURAS (Paco Ibanez e Federico Garcia Lorca) Texto – Fabiana Vasconcelos Barbosa (Inspirado no prefácio de Marilena Chauí para o livro “Retrato Calado”, de Luiz Roberto Salinas Fortes) Heleny Guariba – Fabiana Vasconcelos Barbosa Vozes – Karen Menatti e Rodrigo Mercadante

30. NENHUMA LÁGRIMA (Sueli Costa) Texto e Fala – Fabiana Vasconcelos Barbosa Violão e Voz – William Guedes

EPÍLOGO 31. AINDA CABE SONHAR (Jonathan Silva) Coro – Cia do Tijolo Acordeon – Aloísio de Oliveira Violões – William Guedes e Thiago França Viola e Tambores – Mauricio Damasceno Luiz Eurico Tejera Lisbôa – Rogério Tarifa Zequinha Barreto – Mauricio Damasceno Francisco Tenório Jr. (Tenorinho) – Aloísio de Oliveira Manoel Fiel Filho – Dinho Lima Flor Edson Luís Lima Souto – Thiago França Heleny Guariba – Fabiana Vasconcelos Barbosa Victor Jara – Jonathan Silva Iara Iavelberg – Karen Menatti Menino – Thais Pimpão Mariana Pineda – Lilian de Lima Federico Garcia Lorca – Rodrigo Mercadante


Direção e Produção Musical: William Guedes Concepção Musical: William Guedes, Mauricio Damasceno, Jonathan Silva e Aloísio de Oliveira Composições originais: Jonathan Silva, William Guedes, Rodrigo Mercadante, Maurício Damasceno, Rogério Tarifa, Lilian de Lima e Aloísio de Oliveira. Direção de Produção: Lilian de Lima Produção Executiva: Cris Raséc e Juliana Gomes Técnicos de Gravação: Leonardo Nakabayashi (Shina) e Paulo Lepetit Masterização: Leonardo Nakabayashi (Shina) Projeto Gráfico e Capa: Fábio Viana Fotos: Alécio César Músicos: William Guedes, Mauricio Damasceno, Jonathan Silva, Aloísio de Oliveira, Rodrigo Mercadante e Thiago França Coro/Vozes da Cia do Tijolo: Aloísio de Oliveira, Dinho Lima Flor, Fabiana Vasconcelos Barbosa, Jonathan Silva, Karen Menatti, Lilian de Lima, Maurício Damasceno, Rodrigo Mercadante, Rogério Tarifa, Thais Pimpão, Thiago França e William Guedes Participações Especiais no Piano: Lincoln Antonio e Gustavo Fiel Agradecimentos: Juliana Gomes, Leonardo Nakabayashi (Shina), Paulo Lepetit, Vitor Teixeira, Henrique Cahref. E os Tijolinhos: Helena, Martim, Miguel, Theo, Tiê, Olga, Sebastião e Minini da Ju.

ENCARTE DO DISCO

FICHA TÉCNICA DO Disco

CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2 | 317


Título ISSN Coordenação Editorial Projeto Gráfico e Capa Bordados Ilustrações Fotos Diagramação e Revisão de Prova Formato Tipologia

Papel Número de Páginas Tiragem CTP, Impressão e Acabamento Realização Organização Revisão de Texto Filmagem, arquivo e transcrições da mesa-palco Partituras Edição das Partituras

Cadernos aParte I: Dossiê Cia do Tijolo 2317-2746 Ferdinando Martins, Elisabeth Silva Lopes, Fábio Larsson e René Piazentin Amado Fábio Viana Silvana Marcondes Alécio César Fábio Viana e Fábio Larsson 14,8 x 21cm Adobe Jenson Pro (texto) Gobold (títulos) Helvetica Neue LT (sub-títulos e fichas técnicas) Pólen Soft, 80 g/m2 (miolo) Cartão Triplex Revestido 300 g/m2 (capa) 320 1000 Edições Loyola

Cia. do Tijolo Rogério Tarifa e Fabiana Vasconcelos Barbosa Cláudio Bazzoni, Giulia Mendonça Thais Pimpão William Guedes Presto



320 | CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS – Cadernos aParte 2


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