UALGZINE / Doutoramentos
A variação linguística e terminológica tem sido muitas vezes encarada como um obstáculo à comunicação, principalmente nas atividades de mediação comunicativa, como por exemplo na tradução. Desta forma, explica Fátima Noronha, “muitas correntes da terminologia têm procurado erradicar a variação, por processos de normalização, com o objetivo de tornar a comunicação mais eficiente”. Sem rejeitar a importância da normalização, principalmente em domínios sensíveis (por exemplo, na área médica, ou da aviação), a investigadora considera “a variação como algo inevitável na língua e no discurso especializado”. Na sua opinião, “o objetivo não será tanto erradicar, mas sim harmonizar, enquadrar a variação terminológica, explicar e compreender as suas causas e usos e disponibilizar essa informação nos recursos linguísticos usados pelos mediadores comunicativos (e pelos próprios especialistas)”. O seu projeto de doutoramento procura estudar a variação entre as várias comunidades de intervenientes do domínio, e não apenas comunidades técnicas e científicas, o que, na sua opinião, seria redutor. “O domínio tem de ser abordado como um todo, como um ecossistema que não é só linguístico, social, cultural e cognitivo, mas também
biofísico. A vertente natural do domínio pode influenciar tanto a língua, como a língua pode ser utilizada para alterar o meio natural.” Desta forma, explica, «os “nomes” dados às “coisas” não são totalmente arbitrários: têm por vezes uma motivação cognitiva e uma causa. E as razões da variação podem estar aí. Esta perspetiva está em linha com uma das correntes da ecolinguística com qual estou a procurar suportar a minha tese e que aborda os estudos das comunidades linguísticas de uma forma holística e não apenas do ponto de vista de um “ecossistema” linguístico». Sobre as aplicações práticas da sua investigação, Fátima Noronha espera contribuir para o estudo de modelos de sistematização da variação terminológica em domínios complexos (multidisciplinares e multiculturais). Como a própria refere, “isto permitirá a elaboração de bases de dados terminológicos que registem, expliquem e enquadrem melhor a variação terminológica e os seus diferentes usos, disponibilizando recursos mais precisos”. Espera também “contribuir para alargar o conceito tradicional de especialista, ao permitir a preservação das terminologias das atividades e saberes tradicionais e da diversidade linguística e cultural”.
Fátima Noronha espera contribuir para o estudo de modelos de sistematização da variação terminológica em domínios complexos (multidisciplinares e multiculturais).
No que diz respeito ao conhecimento produzido nas universidades e à sua aplicabilidade no meio empresarial, a investigadora defende que essa correlação é basilar para a sociedade. Porém, considera que a investigação fundamental também é.
Não creio que aquilo que se investiga tenha de ter sempre, e obrigatoriamente, uma aplicação direta e imediata no mundo empresarial. O fluxo de conhecimento entre universidades, empresas e sociedade deve existir e ser dinâmico, mas não podemos limitar a nossa incessante procura de conhecimento às aplicações práticas e imediatas, geradoras da tal “riqueza” de que tanto falamos. Sobre a importância que a formação graduada adquire no nosso País, Fátima Noronha compreende o desencanto de alguns, mas, paradoxalmente, refere: «as minhas experiências “fora” serviram para fortalecer a minha convicção de que a minha circunstância está “aqui” e é por ela que tenho de lutar, apesar de todos os defeitos que possa ter. Caso contrário, este País não será bom nem para doutores nem para a maioria dos portugueses ainda mais desfavorecidos”. A título pessoal, este doutoramento ensinou-lhe que estamos sempre a aprender uns com os outros. Por estranho que pareça, conclui, «consolidou a minha noção da importância da comunidade (talvez também por causa da pandemia) e lembra-me constantemente a frase de Ortega y Gasset “Yo soy yo y mi circunstancia y se no la salvo a ella no me salvo yo”».
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CIÊNCIAS DA LINGUAGEM