Vacina como Medida Essencial de Combate à Pandemia: Perspectivas de Direito Fraterno

Page 87

Sandra Regina Martini e Claudia Zalazar (organizadoras)

precariedade de saneamento básico, os brasileiros enfrentavam crises de saúde, com graves epidemias, como a da varíola. (FIOCRUZ, 2005) Desde 1837 a vacinação contra varíola para crianças era obrigatória e a partir de 1846, também o fora para adultos. Entretanto, essa resolução não era cumprida e em razão desse fato e da falta de estrutura básica, o Brasil viu o número de internações disparar, o que motivou em 1904 o governo a instaurar a obrigatoriedade da vacinação em toda a extensão do território nacional. (FIOCRUZ, 2005) Diversas foram as razões que levaram a população a rejeitar a campanha de vacinação promovida pelo Estado, porém todas essas razões derivam de um cenário político particular do início do século XX. Nesse contexto, surge a maior resistência que o povo brasileiro já promoveu a uma campanha de vacinação, a revolta da vacina. Ocorrida no Rio de Janeiro, está conectada a motivações políticas que perpassavam desde reformas urbanas promovidas de forma arbitrária, abandono por parte do poder público da população mais vulnerabilizada, desconhecimento e desinformação a respeito da ciência que envolvia a produção e eficácia da vacina. (FIOCRUZ, 2005) É compreensível a desconfiança e o negacionismo científico em um motim que se passa no Brasil do início do século XX, naquele momento histórico a ciência era novidade e a insegurança da população foi usada como ferramenta para uma tentativa de manipulação política, pois setores de oposição, nomeadamente monarquistas depostos pelo novo regime e militares positivistas, enxergaram a oportunidade de promover um golpe de Estado (HOCHMAN, 2011). O que não é novo, no entanto, é a apropriação e manipulação de uma pandemia para atender propósitos políticos duvidosos, algo que se visualizou naquele momento histórico e que se renova no contexto da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Em que pese as razões sejam diferentes, assim como o comportamento do governo em ambos os cenários, o que as duas histórias nos contam é como fake news, negacionismo, falta de estrutura e de políticas públicas se aliam para acentuar uma crise sanitária e promover resistência à aplicação de normas de prevenção e contenção da pandemia, como a vacinação coletiva. Nas décadas que se seguiram após a revolta da vacina, o Brasil consolidou a política de vacinação no país com significativa eficácia, gerando uma cultura de imunização em massa que foi capaz de erradicar doenças como a varíola, a poliomielite, o sarampo, a rubéola e a difteria. Essa característica de nação que foi capaz de desenvolver uma cidadania biomédica é “[...] produto de uma longa trajetória histórica de políticas de saúde associadas ao processo de construção de Estado no Brasil” (HOCHMAN, 2011, p. 377). O processo de redemocratização do país selou a importância dessa consciência individual e coletiva quando colocou na Constituição Federal de 1988, a saúde e a imunização como direitos a serem garantidos pelo Estado. Apesar da sociedade brasileira sofrer com desigualdades estruturais enfáticas, a oferta pública de ampla vacinação e a adesão social às campanhas de imunização foram as ferramentas que proporcionaram a população brasileira a conquista da vacinação inclusiva e, como consequência, a diminuição drástica de uma série de doenças até então endêmicas ou epidêmicas. (HOCHMAN, 2011, p. 376). O desenvolvimento de um civismo imunológico está atrelado aos processos históricos

87


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.