LUIZ CARLOS MERTEN Cinéfilo tem o direito de se emocionar Com alma de repórter, que devassa sets de filmagem, o crítico do Estadão admira tanto Gláuber Rocha como Indiana Jones. Páginas 24, 25, 26 e 27 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
J ULHO 2008
O Secretário de Direitos Humanos Paulo Vanucchi e o Ministro da Justiça Tarso Genro põem em debate uma questão ainda não resolvida: torturadores não podem alegar que a anistia os perdoou. ANTONIOCRUZ/ABR
QUEM TORTURA NÃO PODE TER ANISTIA!
Esses agentes públicos cometeram crimes comuns, e não delitos políticos. Suas ações têm de ser punidas. Páginas 30 e 31 e Editorial Crimes sem expiação na página 2. A ÚLTIMA CRÔNICA-POEMA DO CRIATIVO GERALDO CASÉ
CASTELLO BRANCO, UMA
JOÃO CÂNDIDO ANISTIADO
SAUDADE QUE NÃO ACABA
QUASE UM SÉCULO DEPOIS
ELE FEZ SEU ÚLTIMO TEXTO NO LEITO DO HOSPITAL ONDE FALECEU . PÁGINAS 42 E 43
VILAÇA APRESENTA NO TCU MOÇÃO QUE LAMENTA SUA AUSÊNCIA . PÁGINAS 40 E 41
A REVOLTA DA CHIBATA FOI EM 1910. SÓ EM 2008 SAIU SUA ANISTIA. PÁGINA 33
BERNARDO CABRAL FALA DE
ECONOMIA, A EDITORIA QUE
SEU TEMPO DE REPÓRTER
ACOMPANHOU O PROGRESSO
PETROBRAS SINFÔNICA, LUXO DO SHOW DO CENTENÁRIO
O RELATOR DA CONSTITUIÇÃO TRABALHOU 15 ANOS EM JORNAIS DE MANAUS. PÁGINAS 20 E 21
NELA ATÉ O CONTÍNUO ERA GORDO. COMO É HOJE ESSA COBERTURA. PÁGINAS 3, 4, 5, 6 E 7
COMO É A ORQUESTRA QUE KARABTCHEVSKY REGEU NA NOSSA FESTA. PÁGINAS 10, 11 E 12
Editorial
CRIMES SEM EXPIAÇÃO
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03 Especialização - Economia, a editoria onde até o contínuo é gordo ○
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A INICIATIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, através da Comissão de Anistia, de abrir o debate em torno dos crimes contra os direitos humanos praticados durante a ditadura militar ganhou especial relevo no noticiário, mas com incompreensões, para não dizer distorções e deturpações, que tentaram desviar o exame da questão do leito e do âmbito em que deve ser travada. A MAIOR DESSAS incompreensões, ou distorções, teve como mote repetitivo a descaracterização do objeto da discussão a se fazer, que diz respeito à punibilidade, ou não, dos agentes da ditadura que perpetraram esses delitos, muitos deles revestidos de perversidade doentia, como os praticados pelo falecido Delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social-Dops de São Paulo, que o Diabo há muito chamou para um convívio que ele fez por merecer. EM SUA SINISTRA folha corrida o Delegado Fleury alinhou a patológica tortura a Frei Tito de Alencar Lima, que, após longo e doloroso trauma, terminaria por se matar na França. Frei Tito foi uma das muitas dezenas de vítimas desse cruel torturador. Fleury morreu, como referido, mas outros criminosos tão impiedosos como ele ainda não expiaram seus crimes e permanecem protegidos não só pela impunidade continuada mas também pelo silêncio que recobre os tenebrosos delitos que cometeram.
AO PROPOR A DISCUSSÃO de tema de tão extremado interesse, o Ministro da Justiça Tarso Genro foi apresentado como postulante ou defensor da punição dos militares que praticaram torturas, numa evidente adulteração do seu pensamento e das palavras com que o expôs. O Ministro não fez qualquer distinção entre militares e civis que atentaram contra os direitos humanos durante a ditadura, concentrando o reclamo de justiça em uns e excluindo outros. O que ele sustentou, isto sim, é que mesmo na discutível legalidade instituída pela ditadura não havia autorização para a prática de torturas. Aqueles que as cometeram eram uns fora-da-lei mesmo sob a ótica das normas jurídicas estabelecidas pelo regime ditatorial, não importando se fardados ou não. ESSA ADULTERAÇÃO TINHA por fim abrir uma crise e açular resistência militar contra aquilo que há muito se tornou imperativo, qual seja a punição dos que cometeram crimes — crimes nefandos em inúmeros casos. Esses criminosos não foram alcançados pela Lei da Anistia de 1979, porquanto não são autores de delitos políticos, e sim de crimes comuns contra a dignidade da pessoa humana insuscetíveis de prescrição, segundo as leis, e de perdão, segundo as consciências. TAIS CRIMINOSOS TÊM de ser identificados, processados e submetidos a julgamento, pois não passam disto: são bandidos, ainda e há muito impunes.
Jornal da ABI Número 331 - Julho de 2008
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Marcos Stefano e Maurício Azêdo Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Estado, Agência O Globo, Arquivo Jornal do Commercio, Folhapress Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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Jornal da ABI 331 Julho de 2008
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO (MESA 2008-2009) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
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10 Ano do Centenário - A sinfônica que deu brilho ao centenário ○
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14 Ano do Centenário - Aplausos à Edição do Centenário, Volume 1 ○
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18 Perfil - José Domingos Raffaelli O jazz é coisa nossa ○
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19 Perfil - Antônio Nascimento Irreverência a serviço do esporte ○
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20 Depoimento - Bernardo Cabral Pelos caminhos das letras e das leis ○
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24 Depoimento - Luiz Carlos Merten Um crítico com alma de repórter ○
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30 Autocrítica - “Os meios de comunicação precisam mudar a forma como cobrem a defesa nacional” ○
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34 Legislação - Em defesa do diploma, do jornalismo e da democracia ○
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37 Veículos - A imprensa do Maranhão mostra o que é ○
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38 Literatura - Festa machadiana ○
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40 Carlos Castello Branco - Saudades do cronista da vida política brasileira ○
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ARTIGOS
08 A destruição implacável dos rios Por Paulo Ramos Derengoski ○
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32 Monopólio da força Por Altamir Tojal ○
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SEÇÕES
16 ACONTECEU NA ABI ○
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28 LIBERDADE DE IMPRENSA ○
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30 DIREITOS HUMANOS Clamor por justiça ○
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38 LIVROS ○
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42 VIDAS - Geraldo Casé ○
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Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
ESPECIALIZAÇÃO ILUSTRAÇÃO UCHA
Depois de superar a timidez inicial, as editorias de Economia brasileiras se transformaram em uma das especialidades mais importantes da prática jornalística, beneficiadas pela reformulação do modelo econômico e o início do processo de abertura política que ocorreu no País nos anos 80. É o que dizem os próprios profissionais do setor e diversos especialistas no assunto. No Brasil, o nível de importância alcançado pelas notícias sobre economia, finanças e negócios pode ser medido pela diversificação do noticiário especializado nos veículos da mídia nacional. Nos impressos, além do espaço privilegiado em cadernos específicos nos grandes jornais, o jornalismo econômico tem títulos próprios, como Jornal do Commercio, Valor Econômico, Gazeta Mercantil, Exame, IstoÉ Dinheiro e Forbes, entre outras publicações. Um dos mais tradicionais veículos é o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, fundado pelo francês Pierre Plancher em 1º de outubro de 1827 e cujas primeiras edições dedicavam-se a assun-
ECONOMIA, A EDITORIA ONDE ATÉ O CONTÍNUO É GORDO A observação espirituosa assinalava, nos anos 70, o crescimento da cobertura dos fatos da vida econômica, atualmente uma das mais importantes dos veículos de comunicação. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
tos como “preços correntes, notícias marítimas e movimento de importação e exportação”. Procurando sempre se manter atualizado para não perder espaço para a concorrência, ao longo dos seus 180 anos o jornal promoveu algumas reformulações. A principal, diz Jô Galazi, Chefe de Reportagem e Editora de Produção, foi a expansão para as praças de São Paulo, Brasília e Minas Gerais. Na atual paginação, o primeiro caderno trata de temas macro e microeconômicos e dá espaço também para a Editoria de País, que abrange a cobertura política. Os artigos estão em Opinião e cada praça conta com uma editoria local para cuidar de temas específicos. No segundo caderno figuram as seções Seu dinheiro e mercado, Empresas, Direito & Justiça e Tecnologia e Indicadores: – Na última página do suplemento, a cada dia da semana figura uma seção diferente, como Seu negócio, Carreiras etc. Também uma vez por semana, publicamos um caderno de artes e um de leilões – diz Jô. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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ESPECIALIZAÇÃO ECONOMIA, A EDITORIA ONDE ATÉ O CONTÍNUO É GORDO
Para ela, o que diferencia a dinâmica das editorias de Economia dos jornais especializados é que estes podem usar uma linguagem mais técnica – “com cuidado para não cometer exageros” – e tratar de mais assuntos com profundidade: – Dispomos de mais espaço e, assim, também podemos dar uma cobertura mais ampla aos diferentes segmentos da economia. Os cadernos dos jornais diários generalistas têm de eleger um ou dois temas por dia, já que não há espaço para tudo. Nos especializados os temas escolhidos são aprofundados, fartamente ilustrados, além de tratados com uma linguagem compreensível para o leitor comum, não familiarizado com economia. O começo, com poucos Randolpho Souza, atual chefe de Reportagem do Monitor Mercantil, acompanhou as transições marcantes que ocorreram no jornalismo econômico a partir da década de 60. Com 45 anos de profissão, conta que estreou como repórter no Jornal do Commercio do Rio, onde inicialmente cuidou das áreas estudantil e sindical trabalhista. Em 1964, foi cobrir no Fundão a aula inaugural da antiga Universidade do Brasil (UB), que só não terminou em
SILVIA COSTANTI-VALOR RJ
Comercio era denominada “gazetilha econômica”. A primeira página do jornal, além de não ter fotos, era praticamente só de noticiário internacional. Em 1965, ocorreram as primeiras reformas do mercado de capitais e dos sistemas financeiro e bancário e o Brasil passou a copiar o modelo dos principais centros mundiais. Alguns órgãos foram modificados, como a Superintendência da Moeda e do Crédito-Sumoc, que deu lugar ao Banco Central, com sede no Rio. Criou-se também o Ministério de Planejamento, que passou a substituir o da Fazenda em algumas funções: – Os titulares das Pastas eram Roberto Campos e Otávio Gouvêia de Bulhões, que passaram a deter o comando da economia e não tinham o menor resquício de liberdade de informação. Ficava complicado repassar para os leitores, de forma clara, o que estava sendo armado para ser o “milagre brasileiro”. As Redações ainda não tinham editoria específica para o setor, mas no Jornal do Commercio já havia profissionais com profundos conhecimentos sobre o tema: – Tínha o Wallace, que foi um dos primeiros assessores de imprensa do hoje extinto Banco Nacional da Habitação; o Amaury Mourão e o Altino Augusto, do Banco do Brasil; o Edson Cezar de Carvalho, da Fundação Getúlio Vargas; e o José Vargas, analista de mercado, profissão que só bem mais tarde seria reconhecida no País. Aprendia-se mais do que se apurava. Para complicar, o jargão e os termos técnicos utilizados eram todos em inglês, como ainda acontece. E tudo era na base da troca de informações.
“Filhos do milagre” Bem mais jovem – foi lançado em maio de 2000 –, o Valor Econômico, uma parceria das Organizações Globo com o Grupo Vera Durão, repórter do Valor Econômico no Rio: Jornalismo Folha, já se consolieconômico exige informação exata e transparência. dou no segmento dos veículos especializados em economia, com tiragem de cerconflito por interferência do então ca de 70 mil exemplares. Para a repórPresidente João Goulart: – Existia no ter especial da Sucursal Rio Vera Duar a desconfiança do que estava para rão, o que o diferencia dos demais joracontecer. O próprio Reitor Pedro Calnais diários é a prioridade dada a mamon teve que se render às ordens de térias exclusivas e especiais sobre temas Jango para impedir que “seguranças” da área. Sobre seu trabalho, ela diz: – retirassem as faixas que defendiam as Minha cobertura é muito centrada em reformas na área da educação e, em grandes negócios, como fusões e aquiespecial, das universidades. A ditadusições. Também cubro macroeconora me levou para a até então desconhemia. Na Sucursal Rio, somos oito repórcida área da economia, que no Jornal do 4
Jornal da ABI 331 Julho de 2008
teres, incluindo a chefe, Heloisa Magalhães. Em São Paulo, o jornal conta com 80 pessoas, incluindo editores. Na Sucursal de Brasília há 15 repórteres. Também temos correspondentes em alguns Estados. As editorias são seis: Brasil, que cobre macroeconomia, Internacional, Finanças, Agro, Empresas e Investimento e S/As, que cuida do mercado de capitais e de questões societárias. Às sextas-feiras, circula com o jornal o Jô Galazi, do Jornal do Commercio do Rio: Jornais especializados em economia permitem cobertura mais ampla e técnica. caderno cultural Eu&. Uma das propostas editoriais do Valor, diz Vera, é a interacomeçou a se estruturar no regime ção com o leitor e o cuidado com a transmilitar, quando o noticiário político parência da notícia: – Por meio da seção era censurado: – Hoje, acho que a carta dos leitores, o jornal tem um esgrande lacuna do segmento é uma paço para artigos. Também recebe concobertura da economia popular, do sultas de investidores no caderno Invesdia-a-dia das pessoas comuns e não timentos e S/As. O fundamental na apenas dos negócios das elites. Acho prática do jornalismo econômico é a insaudável que o jornalismo econômiformação correta e transparente. Jornaco se expanda e tenha veículos, como lismo de economia, se não for bem exero Valor, isentos e não comprometidos, cido, vira cobertura policial – afirma. já que vivemos um tempo em que a Vera se refere aos jornalistas de economia, em muitos casos, toma a economia como “filhos do milagre frente da política e exerce forte influeconômico dos anos 70”, pois o setor ência sobre ela.
Os profissionais, seu aprendizado Quando era professor titular de Introdução às Técnicas de Jornalismo e de Jornalismo Comparado na Universidade Católica de Campinas, o jornalista Mário L. Erbolato, falecido em 1990, ensinava a seus alunos que o início do jornalismo econômico foi tímido, com matérias curtas sobre câmbio de moedas, falências, concordatas e preços de alimentos. Por sua vez, Bernardo Kucinski, professor da Escola de Comunicação e Artes-Eca da Universidade de São Paulo, lembra que o jornalismo brasileiro se desenvolveu tradicionalmente pela essência política, mas sempre com espaço para a edição de boletins ou gazetas mercantis: “Nos anos 30 do século passado, havia vários desses diários, em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife”. Na década de 50, as notícias de economia começam a aparecer com regularidade nos grandes jornais (“no período juscelinista do desenvolvimento industrial acelerado”), ocupando espaços mais generosos, abordando assuntos como a macroeconomia e o desenvolvimento setorial, alinhados ao crescimento das empresas manufatureiras multinacionais, instaladas em
países periféricos como o Brasil. Kucinski diz que no regime militar o jornalismo econômico ganhou espaço à custa de sua relação com a política, principalmente no período do chamado “milagre brasileiro”, de 1967 a 1972: – Nessa fase formaram-se as editorias de Economia. Surgiu toda uma nova geração de jovens jornalistas especializados, muitos deles ainda hoje escrevendo sobre o assunto, em geral como colunistas. A partir de 1973, com a crise do petróleo, a economia tornou-se objetivamente tema central de preocupação de todos, no Brasil e no mundo, o que alavancou ainda mais o jornalismo econômico. Entre os anos 80 e 90, entraram em cena os pacotes econômicos, que “dramatizavam o noticiário”. É também nessa época que as mulheres começam a aparecer em grande número na editoria. Com o tempo, o jornalismo econômico ficou mais técnico e analítico, principalmente em momentos de crise – e a atualização passou a ser uma exigência ainda mais indispensável para quem cobre o setor, por meio de cursos ou seminários: – Só que essa formação profissional comple-
mentar não era, e continua não sendo, contada na carga horária de trabalho. E as faculdades custaram a se preparar para falar de contas públicas, sistema financeiro, mercados futuros... – lembra Randolpho Souza, do Monitor Mercantil. – A pressão era maior para quem cobria as Bolsas de Valores, até que começaram a surgir alguns cursos, aqui e lá fora, inclusive nas próprias Bolsas, como as de Nova York e Chicago. Tivemos aula até com Mário Henrique Simonsen. Com o surgimento do open market, foi criada a Associação Nacional do Mercado Aberto-Andima, que até hoje promove cursos de especialização para jornalistas. Antes, pouco se sabia sobre dívida pública e seus respectivos títulos: ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), LTN (Letras do Tesouro Nacional), etc. Bernardo Kucinski, responsável, nos anos 80, pela introdução da disciplina Jornalismo Econômico na Eca, ressalta que o fraco desempenho dos alunos também pode comprometer a qualidade da cobertura: – Em geral, um jovem já procura cursos de Jornalismo ou assemelhados porque não gosta de Matemática, de Ciências Exatas, de fazer conta. Mesmo assim, alguns passam a gostar de Economia e eu os aconselho a se matricularem, paralela ou posteriormente, num curso específico, ou apelarem ao autodidatismo. Com toda a evolução, porém, o noticiário econômico ainda é difícil de ser compreendido pela maioria dos consumidores, mesmo aqueles com formação superior: – Essa é a triste verdade. O leitor não conhece as relações do mundo financeiro e os textos não as explicitam. Muitas vezes nem os repórteres dominam direito esse universo e acabam se protegendo por uma linguagem técnica, um jargão chamado “economês”, que dificulta ainda mais o entendimento pelo leitor. Na opinião de Kucinski, os chamados sistemas lógicos acabam criando escolas de pensamento econômico paralelas – o que faz que, com freqüência, analistas econômicos apresentem comentários distintos sobre a mesma questão: – Suponhamos que o tema seja a queda na atividade econômica. O primeiro é monetarista, recomendará a diminuição dos gastos públicos; o keynesiano, que se aumentem os gastos públicos. O leitor dança Toda essa complexidade é uma preocupação constante da editoria de Economia do jornal O Estado do Pa-
Quase 150 anos após o pioneirismo do Jornal do Commercio surgiram diários especializados e uma revista agora semanal de economia.
raná: – Procuramos fazer reportagens que orientem o leitor sobre situações fundamentais, como preços de produtos e elevação da cesta básica. Nada tão aprofundado quanto um veículo especializado, nem tão superficial que não possa ser compreendido por todas as camadas sociais – afirma o editor João Alceu. Lembra Alceu que é dever do jornalista estar atento às conseqüências que uma notícia sobre uma importante questão econômica pode gerar na população, caso seja malinterpretada: – Por isso, ele deve ser o intérprete que auxilia o leitor a entender o tecnicismo do setor. Creio que estamos cada dia mais nos aproximando de uma linguagem que é, ao mesmo tempo, esclarecedora e orientadora. A economia faz parte do nosso dia-a-dia e se reflete em ações simples como nossa preferência por um determinado produto em detrimento de outro. Precisamos compreender que se a gente não entende o que fala, o leitor, muito menos. É preciso se aprofundar no assunto para que o texto e a leitura fluam normalmente, sem entraves. Alceu faz coro com o economista Gustavo Franco, para quem a hiper-inflação e palavras como “rombo”, “confisco”, “queda” e “pacote” faziam que o noticiário econômico fosse “melancólico e assombroso”: – Antes, sabiase que “pacote” significava que o contribuinte ia pagar algo mais. Hoje, pode ser exatamente o contrário. “Confisco” sumiu do noticiário e “rombo” está nas páginas policiais.
A concorrência, seus desafios O jornalismo econômico está consolidado em todos os segmentos da mídia brasileira, inclusive na internet: – Ele tem melhorado cada vez mais. O lançamento do Valor, os cadernos dos concorrentes Folha e Estadão, os sites especializados... Não falta artilharia nessa briga. Hoje, a concorrência nos obriga a ficar cada vez mais atentos. E isso é ótimo – afirma Cristina Alves, Editora de Economia de O Globo. Há 20 anos na área, Cristina profissionalizou-se no Jornal do Commercio, onde começou como estagiária. Atualmente, trabalha no Rio com uma equipe de 19 pessoas, entre as quais 11 repórteres e três editores-assistentes que atuam basicamente em quatro times: Negócios e Infra-estrutura; Finanças;
Micro e Macroeconomia; Defesa do Consumidor. Poder contar ainda com equipes em outros Estados e no exterior é fundamental, diz: – Hoje o jornal pode se dar ao luxo de ter correspondentes em vários países. Temos o Gilberto Scofield Jr. na China, a Florência Costa na Índia, a Vivian Oswald na Rússia... E há repórteres trabalhando para O Globo em pontos mais tradicionais, como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e Argentina, muitos com excelente conhecimento de economia, propondo pautas do dia-a-dia e reportagens especiais para a edição de domingo. Editores e redatores também fazem matérias: – Todo mundo trabalha coordenado. Há na equipe uma mistura
João Alceu, de O Estado do Paraná: Se o jornalista de economia não entende o que escreve, o leitor, muito menos.
Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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ESPECIALIZAÇÃO ECONOMIA, A EDITORIA ONDE ATÉ O CONTÍNUO É GORDO
de faixas etárias e experiências que ajuda o oxigenar o trabalho. A especialização não é exigida, mas muitos já têm pós-graduação, ou mestrado, ou cursos de extensão em Economia e áreas afins. No caderno Economia e negócios, de O Estado de S.Paulo, trabalham 25 profissionais, chefiados por Cida Damasco. Com 35 anos de profissão e dois como Editora-Chefe, ela diz que sua equipe se divide basicamente em dois grandes grupos. Um cobre macroeconomia, finanças, comércio exterior, infraestrutura e economia internacional; o outro cuida, entre outros assuntos, de seções fixas que abordam responsabilidade social, mídia e publicidade, agronegócios, carreiras e tecnologia: – Nosso objetivo é concentrar o foco nos grandes negócios em andamento, mas também contar boas histórias e destacar personagens desse novo momento da economia brasileira. A partir dos anos 50, com as reformas ocorridas nos grandes jornais, principalmente no Rio, houve grande salto de qualidade no jornalismo impresso do País, em textos e imagens. Mesmo assim, ainda há leitores que reclamam da paginação das notícias, principalmente nos cadernos de Economia: – Jornais fechados cada mais em esquema industrial, com muitas alterações de configuração por causa de publicidade, reforçam esses problemas – diz Cida. – E na Economia, onde há muita informação interligada, esses problemas costumam ser mais visíveis. Especialmente em momentos como o atual, em que há dados aparentemente conflitantes sobre a situação econômica em geral: indicadores ainda positivos da economia real (produção, vendas, emprego etc.) e negativos sobre os mercados financeiros. Só uma edição cuidadosa ajuda o leitor a entender as razões desse descompasso. Para tornar a leitura mais agradável, o Economia e Negócios recorre a infográficos, tabelas, resumos e análises de especialistas: – É preciso conciliar o atendimento ao cidadão consumidor e ao empresário executivo. Pesquisas mostram que o caderno tem presença forte entre leitores típicos de jornais especializados. Certamente não considero o produto consolidado. A idéia é mantêlo em constante transformação, assim como ocorre com a própria economia. Recentemente, o espaço dedicado a negócios aumentou e a página 2 ganhou uma seção de notas fixas. Diz Cida que o noticiário sobre defesa do consumidor e finanças pessoais também está com um perfil diferente, mais adaptado à conjuntura atual: – Os chamados jornalões dedicam um espaço razoável à cobertura econômica, cada um com suas peculiaridades. Mas há sempre o que melhorar, tanto em termos de abrangência de cobertura como de sintonia com os interesses diretos dos leitores. 6
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Cristina Alves, de O Globo: A cobertura conta com correspondentes até em países distantes, como China, Índia e Rússia.
Como acontece em quaisquer das outras editorias muitos são os desafios encontrados pelos repórteres que cobrem o setor de economia e finanças, em busca de uma boa reportagem. A repórter de O Globo Ramona Ordoñes atesta: – Costumo dizer que meu trabalho consiste em matar um leão por dia, porque, em geral, tudo o que eu quero saber as pessoas ou empresas não querem falar. Os releases, também geralmente, servem apenas como material complementar de alguma apuração, ou como suges-
tão para alguma idéia de pauta. A maioria, infelizmente, é lixo. São anúncios e propaganda das empresas que não servem para nada. Ramona está há 23 anos na Editoria de Economia do Globo, onde começou fazendo Geral. Atualmente, cobre o setor de Infra-estrutura (energia e petróleo) e diz que se engana quem pensa que ela “tira de letra” boas reportagens no dia-a-dia: – A notícia mais importante não costuma ser divulgada e, apesar de eu ter um razoável número
de fontes no setor, é uma batalha diária conseguir uma informação interessante e segura. Um exemplo é o caso do roubo de equipamentos da Petrobras. A empresa não se pronunciava oficialmente sobre o assunto, e mesmo as fontes tinham medo de falar em off. Foi uma cobertura muito difícil. Diz Ramona que o repórter da sua área depende muito de fontes especiais: – A Petrobras, por exemplo, libera vários releases diários sobre as inúmeras atividades que desenvolve, do tipo
Ramona Ordoñez, de O Globo: Há uma batalha diária para se conseguir uma informação interessante e segura.
“a empresa assinou acordo de cooperação”. Mas se, por exemplo, estiver passando por um momento crítico e difícil de negociações com a Bolívia sobre importação do gás natural, a resposta dirigida ao repórter é: “A Petrobras não vai falar sobre o assunto.” As assessorias de imprensa, diz, têm contribuído para facilitar a ação dos repórteres: – Não se pode negar que, ao longo dos anos, elas foram crescendo, contratando profissionais excelentes, melhorando muito o relacionamento com a imprensa. Sempre achei fundamental que os jornalistas das assessorias tenham passado pela Redação de qualquer veículo, para ter noção de como é o nosso trabalho. Isso facilita a comunicação. Ramona só não concorda com a terceirização desse serviço, porque acha que o profissional que assume esse papel, por mais eficiente que seja, não tem acesso a informações de bastidores: – É por isso que sinto um pouco a falta daquele assessor do estilo antigo, que era próximo ao Presidente da empresa, sabia muitas coisas e poderia se tornar uma fonte importante com o tempo, com o conhecimento. Nas modernas assessorias não é possível, pois elas só têm acesso à informação oficial. A repórter Samantha Lima, que cobre Negócios para a revista Exame, no Rio, tem a mesma opinião sobre o assunto: – Para fazer uma matéria diferenciada, é vital contar com fontes. E não é em qualquer empresa que temos executivos dispostos a gastar tempo nos abastecendo com notícias. Nem sempre interessa às assessoria nos fornecer as informações que buscamos. As grandes empresas têm uma agravante, porque muitas vezes a informação pode mexer com os mercados, com um ou outro setor econômico. Acho que é uma dificuldade que se repete, de forma diferente, claro, em outras editorias. Samantha está na Exame há um ano e meio, depois de passar pelo JB, por assessoria de imprensa e pela TV Globo, onde ficou cinco anos: – Na TV, o ritmo e o nível de exigência são bem diferentes. Na revista, temos mais tempo para apurar, embora às vezes ele pareça insuficiente. As apurações são muito mais completas e detalhadas. O grande desafio da Exame, uma publicação quinzenal, diz Samantha, é manter seu noticiário sempre interessante e diferenciado, mesmo quando fala de assuntos já noticiados pelos jornais: – Para isso, a ajuda das fontes é fundamental. Para cultivá-las, é preciso tempo, para que elas possam conhecêlo, confiar em você e, assim, abastecêlo com informações diferenciadas. Tudo isso demanda um enorme investimento em termos de tempo e de relacionamento. Felizmente, a Editora Abril tem uma estrutura que nos permite criar essa rede, como uma certa folga financeira para convidar uma fonte para almoçar e bater um papo, por exemplo.
Lurdete Ertel, de Zero Hora: É imperiosa a necessidade de análise das informações.
Uma idéia falsa de poder Devido ao grande destaque alcançado pelo jornalismo econômico, até mesmo entre jornalistas há quem classifique esse segmento da mídia como um espaço privilegiado de trabalho. Para Randolpho Souza, porém, a idéia de poder dada à editoria é falsa, apesar de ela estar ligada diretamente com os poderes econômico e financeiro: – Infelizmente, na maioria dos casos, a importância do jornalista especializado na área tem muito mais a ver com o órgão que representa, razão pela qual são reduzidas as premiações (como o Esso ou Embatel de Jornalismo) envolvendo questões de dinheiro, do tipo: “Por que os grandes bancos registram lucros astronômicos?” Ou: “Por que uma grande montadora coloca à disposição do consumidor modelos de carros ultrapassados?” Ou ainda: “Por que se acaba com monopólio estatal de telefonia e se facilita, com recursos oficiais, a criação do monopólio privado deste setor?” Na visão de Randolpho, essa distinção é evidente tanto na atividade com o setor público como no privado: – A exacerbação de poder não é restrita ao jornalismo econômico. Acontece nas editorias de Esporte, Turismo, Cultura e Polícia. Daí surgiu a conhecida “carteirada”, mais comum em segmentos de entretenimento. Nosso companheiro Maurício Azêdo, atual Presidente da ABI, quando trabalhava em O Estado de S.Paulo repetia uma observação irônica da época segundo a qual, na Economia até o contínuo era gordo. Cida Damasco, do Estadão, não considera privilegiada a cobertura econômica. Mas afirma que é inegável que ela tem atraído cada vez mais profissionais, especialmente devido à exposição que lhes proporciona: – Esse “privilégio”, porém, tem seu preço: os jornalistas que atuam na área estão sendo cada vez mais exigidos, em termos de preparo e especialização. Cristina Alves, de O Globo, diz que trabalhar como jornalista é um privilégio no sentido de ser um profissional sempre bem informado e que mantém
contato com pessoas dos mais diferentes perfis, do banqueiro bilionário ao trabalhador escravo: – É um choque de realidade permanente e precisamos ter a consciência de que o que importa é colher boas histórias, ter o ser humano em perspectiva. Mesmo por trás de uma megafusão de empresas há pessoas e casos saborosos para serem contados além dos números, das cifras. Acho que o privilégio é basicamente esse. Afora isso, é muito trabalho, uma exigência permanente de formação e atualização profissional, estresse para dar e vender. Na verdade, há uma categoria de jornalistas que vêm acumulando prestígio na cobertura de economia, nos grandes veículos de comunicação: a dos colunistas e comentaristas. Sintonizados com uma cobiçada rede de fontes, que os alimenta com notícias quentes e privilegiadas, normalmente eles têm livre trânsito nos bastidores das grandes empresas, em importantes grupos industriais e nos setores mais estratégicos das várias instâncias do Governo.
Mesmo com os veículos apresentando matérias muito bem-feitas pelas equipes de reportagem, sem o comentarista o noticiário econômico não se contextualiza e a opinião do analista é sempre aguardada pelo público, para destrinchar a alta e a queda das taxas de juros, inflação e deflação, o melhor ou pior momento para investimentos de curto e longo prazo, ou falar do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), que afeta diretamente o bolso do consumidor. Lurdete Ertel, responsável pelo Informe econômico do Zero Hora, diz que a velocidade com a qual o jornalismo se propaga atualmente faz que as notícias “circulem em volume cada vez mais caudaloso, mas cada vez menos contextualizadas”: – A internet institucionalizou que se deve abrir mão da profundidade em nome da rapidez em todas as áreas do jornalismo. Assim, a análise se torna uma necessidade imperiosa. Nem sempre o leitor tem todos os elementos – de conhecimento e de informação – para decifrar o que há por trás ou o que vem pela frente de certos fatos noticiados. Na área econômica, a análise é ainda mais nuclear, porque o tema é áspero, técnico, hermético. A análise é uma forma de fazer o leitor entender a economia e descobrir como ela repercute em sua vida, o que pela simples notícia às vezes não ocorre. Sobre os riscos de as parcerias dos veículos de comunicação com empresas comerciais comprometerem o trabalho de um colunista econômico, diz Lurdete: – Quando a mídia usa a cobertura pra favorecer qualquer tipo de parceiro – anunciante e sócio, entre outros –, sempre é ruim. Para o jornalista/colunista e, principalmente, para o leitor. Para não cair nessas armadilhas, o colunista deve ter espírito crítico. E, sobretudo, isenção e independência.
Randolpho, do Monitor Mercantil: Bulhões e Campos centralizavam as informações.
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AMBIENTE
A destruição implacável dos rios POR PAULO RAMOS DERENGOSKI
VALERIA GONCALVEZ/AE
de inúmeros elementos que Diante da destruição sismantêm complexas cadeias temática da natureza a que alimentares – microorganisestamos assistindo, diante mos, bactérias, algas e fungos da degradação do meio am– em frágil e suave equilíbrio, biente, da poluição indiscricomo numa sinfonia... minada da terra, mar e ar – é É preciso que se comprede se perguntar se o homem enda que a morte dos rios, deseja mesmo sobreviver. Ou como a dos homens, é irrese não passa de um animal versível: certos venenos insuicida – como o escorpião – dustriais jamais serão elimique jamais atravessa os rios nados dos locais onde foram porque tem ódio até da água lançados. Tudo isso chega a que bebe... ser tão absurdo, tão surreaVejamos o caso de nossos lista a ponto que a poluição rios: fedorentos, pardos, causada pela indústria será imundos, espumantes, esgrandemente prejudicial à tagnados, viscosos, eles se própria indústria – que logo transformaram no lixo da sonecessitará criar uma contraciedade de consumo. tecnologia caríssima para No entanto é bom que se purificar as águas que ela saiba que os rios não foram mesma sujou ao processar feitos para se transformar seus produtos. Como exemem cloacas, já que a quantiplo dramático desse absurdo, dade de água doce que circula temos o Rio Cuyatoga, nos à superfície da Terra é limiEstados Unidos, que se contada no tempo e no espaço. verteu no primeiro rio-inDiminuindo na razão direta cendiário do mundo: de do aumento da população, quando em vez o óleo de sua dia chegará em que até para superfície pega fogo, queima beber será pouca. pontes – e não pode ser apaParece brincadeira mas gado por água... não é: no início do século pasDeveríamos ter consciênsado ainda se pescava salmão cia de que o ser humano é rena ponte de Westminster, em cente na superfície da Terra, Londres, e os parisienses bee dificilmente sobreviverá à biam água diretamente do destruição sistemática que Sena. Hoje, ambos são canais vem fazendo com a Mãe Naputrefatos, apesar do grande tureza. Se transformarmos esforço que se faz para resos rios em sangue, como nas suscitá-los. dez pragas do Egito, seremos Na Europa, o Reno é quaexpulsos da Terra Prometida. se um esgoto a céu aberto e Mas se levarmos em conta as na Rússia o Ural está ficanpalavras de Heráclito, que dido raso pela drenagem de zia que ninguém se banha suas águas para fins industriduas vezes no mesmo rio, ais. Nos Estados Unidos, o compreenderemos que a Lago Truman já tem cinco vida – como a água – não é metros de matéria podre deeterna nem indestrutível. positada em seu fundo. Em A esperança que nos resSão Paulo, o Tietê está morta é saber que um rio corre to. No Rio Grande do Sul lansempre: corre mesmo ençam os efluentes do pólo pequanto dorme. Corre no dia troquímico no Guaíba – e até e corre de noite. Corre nas na doce Santa Catarina: o oumontanhas, corre pelos camtrora cristalino Canoas, no Outrora área de lazer dos paulistas, o Rio Tietê entrou em colapso ao receber todo tipo de lixo em suas águas. pos e corre nos verdes vales. Planalto, recebe veneno das Corre no meio das selvas e papeleiras. corre na beira das cidades; corre na O tipo de poluição mais grave de um E mais: a poluição industrial mata A poluição química impede a autonossa mente, corre durante nossos sorio não é orgânico, mas aquele provotambém por meios mecânicos, ao criar regeneração da água, sendo altamente tónhos, corre nas democracias – e corcado pelo lixo industrial: são toneladas grossas camadas de óleo nas superfícixica no caso dos derivados de petróleo re nas ditaduras. E na sua corrida pode de ácidos, álcalis, fenóis, metais e tines, que elevam a temperatura da água, que se mesclam com facilidade à massa arrastar homens, destruir chaminés tas misturadas às suas águas. Cobertos modificam a tensão das correntes, aculíquida, com reações químicas ainda imde aço – e acabar com mitos, mitolode dejetos materiais ou de fungos fermulam espumas, alteram a acidez do lípossíveis de se prever. Basta dizer que há gias... e mentiras... mentáveis, o oxigênio sempre diminui, quido, mudam sua colocação, sua transalguns anos na Alemanha, no Elba, um as bactérias proliferam sem controle, parência, seu sabor, seu cheiro. derramamento acidental de cianureto, a autopurificação entra em colapso – É preciso que se compreenda – urgenresultante de galvanização, esterilizou Paulo Ramos Derengoski, jornalista radicado em e a vida aquática morre. temente – que a água doce se constitui um percurso de 59 quilômetros. Lages, SC, é sócio da ABI. 8
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DIVULGAÇÃO
O Maestro Isaac Karabtchevsky é o Diretor Artístico da Orquestra Petrobras Sinfônica
A SINFÔNICA QUE DEU BRILHO AO CENTENÁRIO POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Em 7 de abril de 2008, na festa de comemoração do centenário da ABI, no Teatro Municipal do Rio, a Orquestra Petrobras Sinfônica – Opes foi a grande atração, dividindo as galas da noite com Paulinho da Viola. Com a irretocável execução de obras de Vila-Lobos, Francisco Mignone e Guerra-Peixe, a Orquestra provou por que vem sendo considerada uma das melhores sinfônicas em atuação atualmente no País. A solenidade, organizada para ser uma exaltação exclusiva do jornalismo, acabou se transformando em destaque da música erudita nacional e do virtuosismo dos músicos da Opes, que demonstraram estar em perfeita sintonia com a batuta do seu regente. O responsável pela criação da Orquestra Petrobras Sinfônica foi o maestro Armando Prazeres, que morreu assassinado em 1999. Foi fundada inici10
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Criada por sugestão do Maestro Armando Prazeres, a Orquestra Petrobras Sinfônica, apesar de jovem, vem-se destacando pela garra, entusiasmo e o fato de tocar muito bem. Predicados que, segundo o regente Isaac Karabtchevsky, “não são tão evidentes em outras orquestras espalhadas pelo mundo”. Ela deu brilho especial ao Show do Centenário, o momento de gala das comemorações dos 100 anos da ABI. almente com o nome de Orquestra Sinfônica Petrobras Pró Música -OPPM, atendendo a um pedido público do regente, ao final de um concerto, para que a Petrobras adotasse o conjunto musical, que já vinha acompanhando os corais da empresa, em missas festivas e nas gravações dos seus discos. O fato aconteceu no dia 7 de setem-
bro de 1986, quando Armando Prazeres regia o tradicional Concerto da Independência, que era promovido pela Petrobras. O maestro se dirigiu ao então Presidente da empresa, Ozires Silva, que de imediato acatou a solicitação. A partir daí, a Orquestra embalada pelo seu potencial artístico passou a fazer história, com uma média de 12
concertos anuais. Atualmente, com 88 músicos em seu elenco, a Opes realiza mais de 40 concertos por ano. A orquestra tem-se apresentado para diversos públicos, mas um dos seus principais compromissos é a realização de shows de música erudita para pessoas cujo acesso a eventos culturais normalmente é dificultado. Por isso, inúmeras de suas apresentações acontecem em ambientes públicos, fora das tradicionais salas de concerto. Quando toca em locais fechados dá recital de graça ou com ingressos cobrados a preços populares. O sonho do resgate social Em 2003 o Maestro Isaac Karabtchevsky assumiu a direção da Orquestra. Ele, que durante dois anos tinha sido o regente da Orquestra Sinfônica Brasileira, quando compara os dois grupos musicais diz que há diferenças na abordagem do repertório,
além da forma de expor as idéias e de discuti-las com os músicos. Esse tipo de relacionamento faz que a responsabilidade dos acertos, ou fracassos, seja dividida por todos e não fique apenas na figura do maestro, como acontecia anteriormente. Karabtchevsky diz que nos 26 anos em que esteve à frente da OSB vivenciou os enormes avanços que ocorreram na vida musical carioca e brasileira: – Foi uma época de descobertas, como o Projeto Aquarius, que conseguiu desvincular a música clássica dos modelos austeros que a acompanhavam. Fizemos a música sinfônica sair das salas de concerto e ir ao encontro do povo. Karabtchevsky considera que esse foi um grande passo para vincular a Orquestra às comunidades, porque esses concertos eram promovidos paralelamente aos programas de alto nível que eram realizados no Teatro Municipal. Com a OSB, o maestro realizou duas turnês de grande importância para a existência da orquestra: uma à Europa e outra aos Estados Unidos. Em ambas as Orquestras receberam muitos elogios da crítica. A meta do dirigente da Orquestra Petrobras Sinfônica é dar continuidade ao trabalho que não pôde concluir na OSB, como a criação de projetos alternativos para as favelas, que seria um
grande movimento de resgate social, que imporia à orquestra uma missão que para ele vai além da música. –Para este projeto buscamos patrocinadores, que junto com a Petrobras, nossa maior estatal, nos permita realizar este sonho, diz o Maestro. Perceber a música como um elemento pedagógico – que além da própria arte auxilia as pessoas a ampliar os seus conhecimentos – é também uma das funções de um líder de uma orquestra. Por isso, Isaac Karabtchevsky crê que a um regente se atribui também uma missão educativa, especialmente em um país carente como o nosso: – É necessária uma visão do todo, a consciência de que não podemos restringir o processo musical, tão rico e diferenciado, a um único público pagante e com alguma formação cultural. A um regente cabe a ousadia de desprender-se do convencional e de buscar, mesmo no que poderia parecer insólito aos puristas, formas de comunicação mais ousadas. Contexto este em que, diz o maestro, se incluem a televisão, os concertos em regiões não beneficiadas, os programas que insiram também a música popular, entre outros projetos. Todos esses elementos, diz, estão presentes marcadamente na Opes, que conta com o apoio incondicional da
Petrobras, para empreender o que ele chama de processo revolucionário: – Ouso falar no termo revolução porque, recentemente, foi eleita pela assembléia dos músicos uma nova diretoria (Fernando Pereira, Carlos Mendes e Felipe Prazeres), que se notabiliza por uma visão da orquestra inserida dentro das formas mais atuais de marketing, aquela que irá levar o conjunto a novos patamares nessa história tão rica de projetos e formas de interação com a comunidade. Garra e engajamento Diversos tipos de público têm tido a oportunidade de assistir aos concertos da Orquestra Petrobras Sinfônica, sem que haja distinção de classes sociais. Isso se deve aos preços meramente simbólicos cobrados na série Ouro Negro. Enquanto que as apresentações realizadas no Teatro Municipal e ou na Sala Cecília Meireles estão sempre lotadas. Um dos predicados da Orquestra Petrobras Sinfônica realçados por Karabtchevsky é o entusiasmo do grupo: – Não posso falar de um ponto forte, isto acarretaria a visão de que talvez outros não fossem tanto, o que seria uma penalização injusta. O importante a realçar na Opes é que se trata de uma orquestra jovem, que toca com garra
e entusiasmo, com vontade de acertar e de tocar bem. Coisas que não são tão evidentes em outras orquestras espalhadas pelo mundo. Uma orquestra com duas décadas de existência muitas vezes se encontra na fase de amadurecimento artísticomusical, e não deve ser comparada aos grupos surgidos em épocas mais remotas. “A aferição para uma orquestra que acaba de completar 20 anos não pode ser a mesma que se aplica a instituições mais antigas”, afirma o maestro. Com base na sua experiência ele observa que a música é tocada de maneira diferente quando executada por um grupo mais jovem, sem que haja o comprometimento da qualidade da execução: – Ela é mais vibrante, mais engajada, e provoca a imediata vibração das platéias. Dou como exemplo a Orquestra Juvenil Simon Bolívar, em Caracas. Ela suscita admiração pela forma perfeita e entusiasta com que executa as obras do repertório sinfônico. E, em se tratando de jovens que oscilam entre 10 e 25 anos de idade, podem levar regentes e ouvintes às lágrimas. Foi o que aconteceu quando Claudio Abbado e Simon Rattle a dirigiram recentemente. Karabtchevsky dirigiu a Orquestra Juvenil Simon Bolívar no fim de abril.
Karabtchevsky: Prazeres era um homem fantástico DIVULGAÇÃO
O Brasil não tem tradição na formação de músicos de orquestra. Quem afirma é o Maestro Isaac Karabtchevsky, acrescentando que o problema é de ordem social, cultural e financeira, para ele a questão mais importante. Ele observa que em todas as cidades do mundo uma orquestra está vinculada ao poder público, ou raramente à comunidade, como acontece nos Estados Unidos. O fato de as orquestras no Brasil atuarem de maneira deficitária acaba interferindo na qualidade e na formação dos músicos: – Não há orquestra que não seja deficitária e aí se impõe a necessidade de um apoio político e social para que se mantenha. Ora, se não são seguidas as regras do binômio quantidade-qualidade, muitas vezes somos obrigados a importar músicos. Quando sou obrigado a fazer essa opção, minha única preocupação tem sido a de atribuir ao músico, também, uma função didática, convertendo-o em formador de uma geração de brasileiros nos seus instrumentos. Os Estados Unidos têm sido talvez a nação que oferece a melhor condição para o indivíduo que deseja seguir a carreira musical, como integrante de uma orquestra. Lá, informa Karabtchevsky, existem mais de mil conjuntos do gênero e escolas adaptadas às formas mais modernas de ensino. Karabtchevsky lamenta muito a
Maestro Armando Prazeres, morto num assalto: O criador da Petrobras Sinfônica era um homem fantástico, generoso.
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ANO DO CENTENÁRIO
ausência do Maestro Armando Prazeres, a quem considerava um homem fantástico, com o qual conviveu durante muitos anos. Na sua opinião, o fundador da Opes era um indivíduo generoso que procurava ajudar a todos. Apesar da dor pela perda do amigo, diz que se sente satisfeito por verificar que a obra de Prazeres continua sendo perpetuada: – Creio que, onde estiver, seu
espírito está sintonizado com o nosso. Há 20 anos Karabtchevsky cumpre uma agenda intensa, trabalhando paralelamente com orquestras européias e brasileiras. Primeiro foi a Tonkünstler, de Viena, depois foi diretor musical do Teatro La Fenice, em Veneza. Atualmente, ocupa a mesma posição na Orchestre Nationale des Pays de la Loire, na França: – Todas essas funções
foram exercidas sem comprometer meu trabalho no Brasil, onde fui diretor artístico da OSB, do Teatro Municipal de São Paulo e, mais recentemente, da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Orquestra Petrobras Sinfônica. Um grande prazer para o regente é trabalhar com os filhos de Armando Prazeres (Carlos e Felipe), que são
“Um orgulho sem fim” C
arlos Fernando Prazeres vem desempenhando um papel de destaque na Opes como diretor assistente. Está com 34 anos idade, estuda música desde criança e diz que a decisão de se tornar um instrumentista ocorreu na pré-adolescência, quando aos 13 anos resolveu se dedicar ao oboé: – A minha sedução pelo instrumento ocorreu depois de assistir a um concerto da Orquestra Jovem da Bulgária no Municipal. Decidi que ia tocar cello. Mas o tamanho me assustou, ao imaginar que teria que carregar aquela caixa imensa todo dia dentro dos ônibus cariocas. Então pedi a meu pai que me apresentasse os instrumentos de sopro da orquestra. Foi paixão a primeira vista, o oboé na orquestra é, sem dúvida, o mais fascinante dos instrumentos musicais. Carlos Prazeres disse que a influência que herdou do pai foi a melhor possível, pois Armando Prazeres nunca o
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obrigou a estudar, mas lhe proporcionou desde criança o convívio num ambiente puramente musical: – Desde muito cedo, eu e meu irmão Felipe freqüentávamos os ensaios dos corais. Mesmo sem saber, aquilo ia entrando nas nossas cabeças. Quando a orquestra começou, em 1987, não perdíamos um ensaio, já éramos fanáticos e aquele passou a ser o nosso ambiente. Assim, tudo se deu muito naturalmente; quando vimos, já estávamos inseridos neste contexto. A opção pela música erudita era inevitável, pois era o único gênero musical que ouviam em casa. Carlos costuma dizer que a “revolução musical adolescente” dele e do irmão durou cinco minutos, quando uma vez questionaram o pai por que ele nunca sintonizava as rádios de música pop: – Ele prontamente o fez, e cinco minutos depois pedimos para voltar para a música de Bach que estava tocando. Só bem mais
tarde é que fomos conhecer o rock e a mpb, e ter uma relação com estes outros gêneros, pelos quais, hoje, também sou apaixonado. Sobre os compositores que influenciaram a sua formação, Carlos menciona Bach, Beethoven, Brahms e Tchaikovsky. Ele teve muito contato também com a música de Vila-Lobos e Lorenzo Fernandez. Carlos Prazeres tem-se destacado na orquestra como regente. Depois de inúmeros master-classes com alguns importantes maestros brasileiros, começou a freqüentar os cursos de regência ministrados por Karabtchevsky, em Riva del Garda (província italiana). Dois anos depois recebeu do maestro o convite para ser seu assistente na Opes, na qual, a cada dia, tem tido a oportunidade de aprender toda a arte da regência. Armando Prazeres foi fundamental nessa escolha, mas quando ele era
DIVULGAÇÃO - PAULO JABUR
Diretor assistente da Petrobras Sinfônica, o jovem Maestro Carlos Prazeres considera uma dádiva dos céus ser discípulo de Karabtchevsky.
músicos na orquestra: – O Carlos Fernando é meu brilhante assistente e o Felipe, um excelente spalla. Ambos herdaram o caráter do pai e também as mesmas qualidades humanas que o distinguiram: são leais, amigos incondicionais e transmitem a todos a noção de que a música é um fenômeno de comunicação e estreitamento entre as pessoas.
vivo Carlos ainda estava muito apegado ao oboé para perceber que um dia ia se dedicar a seguir os passos do pai. Lembra que Armando Prazeres assistiu ao seu primeiro concerto como regente, com uma camerata de amigos, numa igreja. Depois da apresentação o pai o encarou com uma fisionomia muito séria e disse que ele deveria realmente me dedicar à regência: – Alguns dias depois, quando eu ia pegar o avião para voltar a Berlim, ele disse que me programaria para reger a Sinfonia Inacabada de Schubert com a Opes (então OPM). Me despedi dele no saguão do aeroporto com a partitura nas mãos e com a incumbência de aprender na Alemanha aquela obra. Foi a última vez que o vi. Quando se refere ao Maestro Isaac Karabtchevsky, do qual foi aluno e hoje é o principal assistente e substituto, Carlos Prazeres fala com enorme satisfação e orgulho: – O Karabtchevsky é uma lenda viva da regência. Ter a oportunidade de aprender com ele este ofício tão particular é para mim uma dádiva dos céus. Parte da minha relação com ele é esta grande admiração por uma pessoa que se transforma por completo quando está à frente de uma orquestra, e que é unanimidade entre os músicos. A outra parte é o carinho de quem o considera como um pai. Carlos sabe da importância da Orquestra Petrobras Sinfônica no cenário musical brasileiro e diz que isso tem um significado especial pelo fato de ter sido o seu pai o mentor e o principal responsável pela sua criação: – Representa o orgulho sem fim de ser filho de Armando Prazeres, e ver a sua obra ganhando o mundo. A Orquestra, mesmo renovada, mantém o ideal de seu fundador. Este sentimento, conta Carlos Prazeres, tem sido revelado por muitos regentes, que não se cansam de citar a Orquestra como um fenômeno à parte, que combina o virtuosismo com a garra e o interesse por se renovar musicalmente. Sua opinião pessoal: – A Orquestra Petrobras Sinfônica é um conjunto musical singular, gerido pelos próprios músicos, que se sentem donos do próprio negócio e adotam uma postura diferente das outras orquestras.
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Aplausos à Edição do Centenário, Volume 1 HIPÓLITO PEREIRA - AGÊNCIA O GLOBO
Publicação inicial do Jornal da ABI comemorativa dos 100 anos da Casa é recebida com manifestações elogiosas, entre as quais as de um crítico exigente: Hélio Fernandes.
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Também sensibilizou a ABI o email enviado logo após o Show do Centenário pelo jornalista e associado Fernando Calazans, titular de prestigiada coluna na Editoria de Esportes de O Globo. Na noite seguinte ao espetáculo, realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 7 de abril, dia do centenário, Calazans mandou pela internet esta mensagem: “Meu caro Azêdo, Parabéns pela sua, quer dizer, pela NOSSA festa! Tudo na medida certa: duração, apresentação, música, discursos, cenário, convidados, tudo. E mais até pela emoção de rever e abraçar velhos e queridos companheiros. A festa da ABI no Municipal teve
Calazans: Show do Centenário teve o que falta ao nosso futebol: elegância e classe.
mais destacaram. A ABI está de parabéns pelo aniversário, e você também. Um forte abraço do Fernando Calazans.”
sobretudo duas coisas que andam ausentes na nossa sociedade, assim como no nosso futebol: elegância e classe. Foi isso que os convidados
Hélio Fernandes: Magnífica apresentação, organização primorosa FRANCISCO UCHA
Lançada em 27 de junho na Livraria da Travessa do Shoping Leblon com a presença de grande numero de associados da Casa e de personalidades da vida acadêmica e cultueal, a Edição Especial do Centenário, Volume 1, do Jornal da ABI foi recebida com aplausos e elogios procedentes de diferentes áreas e de leitores conhecidos por seu rigor crítico, como o jornalista Hélio Fernandes, que não mediu entusiasmo em relação à publicação. “Esta edição é para ver, rever e guardar ”, disse Hélio. Entre os signatários de mensagens enviadas à ABI estão o Deputado Vital do Rego Filho (PMDBPB), que expressou seus elogios à edição e especialmente, com mais ênfase ainda, à trajetória da Casa nestes seus primeiros 100 anos de vida; membros dos Tribunais de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e dos Tribunais de Contas do Município do Rio de Janeiro e do Município de São Paulo; associados da Casa e jornalistas de diferentes Estados. Em telegrama, o associado Bernardo Cabral, relator da Constituição de 1988 como senador da República e recentemente reintegrado ao quadro social, no qual ingressou nos anos 60, expressou sua opinião com carinho excessivo. Disse o exPresidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil: “Agradeço eminente Presidente e estimado amigo a remessa de exemplar da Edição Especial do Centenário, Volume 1, abril de 2008, pelos 100 anos de luta pela liberdade, consagrada no lema “Nossa vocação: a liberdade”. Estou seguro de que sua gestão, caríssimo mestre, marcará entrevista com a posteridade. Afetuoso abraço (a) Bernardo Cabral.”
“Para ver, rever e guardar.” Com É esta a íntegra do texto de esta frase Hélio Fernandes, 86 Hélio Fernandes: anos, elogiou o Jornal da ABI – “Magnífica a apresentação da Edição Especial do Centenário – edição especial do Jornal da ABI, Volume 1 em sua coluna na Tribuna comemorando o centenário. de Imprensa, que preside há mais Matérias ótimas, e presenças de de quatro décadas. jornalistas verdadeiramente Considerado o jornalista mais representativos da defesa da antigo em atividade, símbolo de Liberdade. resistência política e defesa dos Não posso citar tudo, além dos interesses nacionais, Hélio parabéns ao Presidente da ABI, Fernandes, que participou da Mauricio Azêdo, pela organização festividade de lançamento da primorosa. Gostaria de fazer publicação, descreveu como referência aos vários artigos e “magnífica” a apresentação, o fotos do Rio antigo, quando a ABI conteúdo das matérias e os foi fundada. jornalistas que participaram do Sem que as outras matérias não número especial do Jornal da ABI. mereçam citação, destaque Parabenizou ainda o Presidente da especial para o mestre de todos entidade, Maurício Azêdo, pela nós, Evaristo de Moraes Filho, “organização primorosa” do catedrático em Direito do material, em alusão aos artigos e Hélio: Saudade ao ver a foto da construção Trabalho, Filosofia, Ciências do Palácio Monroe, “criminosamente Sociais. Com todos esses títulos, fotos do Rio antigo, na época da demolido” no Governo do General Geisel. aposentado compulsoriamente fundação da ABI. Hélio frisou em especial a pelo famigerado AI-5. matéria sobre Evaristo de Moraes Filho, a quem se Saudade especial ao ver a foto da construção do referiu como “o mestre de todos nós”, enaltecendo sua Palácio Monroe, CRIMINOSAMENTE DEMOLIDO trajetória de brilhantismo nas áreas do Direito, da por ordem do ‘presidente Geisel’, em 1976. Filosofia e das Ciências Sociais. Com “saudades”, E a matéria da professora Lucia Lippi de Oliveira, observou a fotografia que remonta à construção do completa e exuberante. Texto limpo e elucidativo, Palácio Monroe, “criminosamente demolido” em 1976. informações preciosas, e que fotos ilustrativas. A da E considerou “completa e exuberante” a matéria de Avenida Central, onde se passeava tranqüilamente, Lúcia Lippi de Oliveira, assim como as ilustrações da um espetáculo. Avenida Central. Esta edição é para ver, rever e guardar.”
FRANCISCO UCHA
A ABI luta desde 1908 com muita garra, afirma o Deputado Vital do Rêgo Na mensagem que dirigiu à ABI agradecendo o envio de exemplar da Edição Especial do Centenário, o Deputado Vital do Rêgo Filho assinala que a Casa “desde 1908 vem trabalhando com muita garra em defesa da liberdade de imprensa e dos profissionais”. Diz a mensagem do representante da Paraíba: “Com os meus cordiais e sinceros cumprimentos, agradeço pelo envio do exemplar Jornal da ABI, cujo teor retrata a história dos 100 anos de existência dessa Ilustre Associação Brasileira de Imprensa, que desde 1908 vem trabalhando com muita garra em defesa da liberdade de imprensa e dos profissionais que garantem a manifestação livre da informação. Parabenizo a iniciativa de Sua Senhoria pela publicação de tão rico material gráfico e informativo em homenagem ao Centenário da ABI. Parabenizo também a todos os jornalistas e colaboradores da imprensa brasileira que há cem anos exercem a sua profissão comprometidos com os ideais da liberdade e o direito à informação e do jornalismo como serviço à cidcadania brasileira. Parabéns pelo serviço da ABI, que vem demonstrando há muitos anos total respeito ao seu público, sempre ao lado da verdade, da imparcialidade e da qualidade da informação. Informo-lhe que coloco meu Gabinete à disposição de todos os membros dessa Ilustre Associação, no tocante aos assuntos pertinentes à Câmara dos Deputados e ao Congressso Nacional, e despeço-me apresentando meus sinceros votos de sucesso e felicidades por mais cem anos de existência em busca da excelente informação. Cordialmente (a) Vital do Rêgo Filho, Deputado Federal/PMDB-PB.”
O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, autografa exemplar na noite de lançamento.
Essa Edição é um documento histórico, diz Thiers Montebello Vinculados a Tribunais de Contas de diferentes pontos do País, os Conselheiros Thiers Montebello e Fernando Bueno Guimarães, do Municipio do Rio de Janeiro, Antônio Carlos Caruso, do Município de São Paulo, e Hélio Saul Mileski, do Rio Grande do Sul, concordaram numa observação: a Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI constitui um documento histórico, pois retrata não apenas momentos da História da Imprensa, mas também da História do Brasil. Caruso fez essa avaliação antes mesmo de ter em mão a Edição Especial número 328, pois logo após receber exemplar das publicações precedentes sublinhou que as edições números 326 e 327 já apresentavam matérias de “extraordinário interesse histórico”. Eis as mensagens por eles enviadas: THIERS MONTEBELLO “Recebi, com entusiasmo e emoção, a Edição Especial do Jornal da ABI, comemorativa do centenário dessa instituição, cuja história está associada definitivamente à defesa das liberdades e da democracia, como prenuncia o título de seu excelente artigo Nossa Vocação: A Liberdade. Transmito meus cumprimentos pela notável edição especial – verdadeiro documento histórico – pela justa homenagem que presta à ABI e aos protagonistas da crônica e do jornalismo brasileiro, tais como João do Rio, Gustavo de
Lacerda, Nélson Rodrigues, Lan, Nássara, Samuel Wainer, Oto Maria Carpeaux e tantos outros, condignamente relembrados nas páginas do Jornal da ABI. Com meu cordial abraço (a) Thiers Montebello, Presidente.” FERNANDO BUENO GUIMARÃES “Quero cumprimentá-lo pela belíssima edição do Jornal da ABI em edição especial pelo 100º aniversário.E dizerlhe que você está coberto de razão: todas as matérias são do meu maior interesse, especialmente a do Nireu Cavalcânti sobre a nossa cidade. Excelente texto e imagens preciosas. João do Rio, Artur da Távola, figuras ímpares do Rio, estão habilmente retratados pelos articulistas. Com sinceridade, não saberia escolher a melhor matéria desta edição. Mais uma vez, junto-me a todos os votos de congratulações a essa inestimável instituição e a você, em particular, um grande abraço do amigo (a) Fernando Bueno Guimarães.” HÉLIO SAUL MILESKI “Tendo recebido um exemplar do Jornal da ABI, Edição Especial do Centenário, Volume 1, quero agradecer pela gentileza e parabenizá-lo pela excelência do trabalho, que apresenta uma evolução histórica não só do jornalismo, mas da história de nosso País. Meus cumprimentos. Um grande abraço. (a) Hélio Saul Mileski.”
Conselheiro do TCM paulista elogia edições do Jornal da ABI O Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Antônio Carlos Caruso, enviou um ofício à Associação Brasileira de Imprensa, onde elogia os números 326 e 327 do Jornal da ABI. O primeiro fala dos atos de comemoração do centenário da entidade, enquanto o segundo é uma edição especial sobre fotojornalismo, com o título Retratos do Brasil. A seguir, a íntegra do documento: “Ilustríssimo Senhor Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Prezado Senhor, Foi com enorme satisfação que recebi os exemplares do Jornal da ABI — órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa, que trazem a edição nº 326, que deu início à comemoração do centenário de fundação da ABI, e a edição de nº 327, caderno especial de Fotojornalismo — Retratos do Brasil, preparado exclusivamente para esse fim. Parabenizo Vossa Senhoria e a equipe de jornalistas que atuaram nas edições trazendo matérias de extraordinário interesse histórico, que, considerando seu cunho científico e qualidade fotográfica, valorizou em muito o jornalismo brasileiro relembrando fatos de suma importância para todos os setores sociais: política, economia, saúde, esportes, música, folclore, arquitetura, policial e ambiental, retratando, ainda, ao final, com muita propriedade, a cidadania no seu aspecto mais chocante, pois traduziu com maestria a realidade atual, o que tem o condão conscientizador e instigador de mudanças. Sem dúvida alguma é uma das mais brilhantes edições de jornalismo retratada com muito profissionalismo e competência, que nos causa grande orgulho e dá esperança. Parabéns a todos. Antônio Carlos Caruso Conselheiro.”
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Aconteceu na ABI
Noites de clássicos, de Kazan a Capra Obras que marcaram época questionam a ética e o papel da imprensa. POR MARCOS STEFANO
As noites das quintas-feiras de julho do Cine ABI foram reservadas a quatro grandes clássicos que compõem a programação da Mostra do Centenário – A Imprensa no Cinema. As produções A Luz é Para Todos, Eu Quero Viver, Laura e Aconteceu Naquela Noite empolgaram o público que se fez presente em bom número no Auditório Oscar Guanabarino e participou dos debates realizados após cada exibição. Abrindo a programação do mês, A Luz é Para Todos abordou o anti-semitismo no mundo pós-Segunda Guerra, ainda debaixo das sombras do holocausto provocado pela perseguição nazista contra os judeus. Na trama dirigida por Elia Kazan em 1947, o jornalista Phillip Grenn (Gregory Peck) é contratado pela revista New Yorker para fazer uma reportagem sobre o preconceito sofrido pelos judeus em solo norte-americano. Na empreitada e com um estilo que seria explorado à exaustão nos anos seguintes por movimentos como o jornalismo gonzo e o new journalism, o repórter não se limita apenas a fazer entrevistas e colher dados e estatísticas; ele também assume identidade judaica e sente na pele a discriminação. Paralelamente, Grenn se apaixona por Kathy (Dorothy McGuire), sobrinha do presidente da revista. Vencedor dos Oscars de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante (Celeste Holm), o filme mostrou uma incômoda e iluminadora atemporalidade: – De uma forma subentendida, o longa também remonta à discriminação dos negros nos anos 50 nos Estados Unidos. Questões como racismo e intolerância religiosa, tão fortes novamente no mundo depois dos atentados de 11 de Setembro, estão presentes em qualquer época e em qualquer lugar – destaca o artista plástico Augusto Oiticica, que esteve presente na platéia. “Culpada ou inocente?” e “A imprensa tem o direito de julgar e executar?” foram algumas das discussões travadas na sessão do dia 17 de julho após a exibição de Eu quero viver. No drama de 1958, dirigido por Robert Wise, Barbara Graham (Susan Hayward, que faturou o Oscar de melhor atriz), uma prostituta estelionatária, envolve-se no assassinato de uma viúva. Acusada de têla espancado até a morte e perseguida pela imprensa, Barbara é condenada à câmara de gás e precisa, desesperadamente, provar sua inocência. Também integram o elenco da produção Simon 16
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Também premiado, Laura, longa baseado no romance policial de Vera Caspary, fechou a programação de julho. Nesse suspense de 1944, o detetive Mark McPherson (Dana Andrews) investiga o assassinato da bela Laura Hunt (Gene Tierney), diretora de uma agência de publicidade. Na tentativa de solucionar o caso, McPherson interroga o noivo da vítima, Shelby Carpenter (Vincent Price); a tia rica, Ann Treadwell (Judith Anderson); a fiel governanta, Bessie Clary (Dorothy Adams); e o jornalista Waldo Lydecker (Clifton Webb), que, usando sua influência e fama, havia promovido Laura profissionalmente e se mostra possessivo Detetive interpretado por Dana Andrews investiga o assassinato de Laura (Gene Tierney) e acaba se em relação a ela. Poapaixonando pela vítima à medida que a investigação avança. Entre os suspeitos, um jornalista pouco confiável. rém, com o andamento das investigações, quem fica obcecado pela figura da vítide vida à jovem, ao mesmo tempo em Oakland, Virginia Vincent, Wesley ma e acaba se apaixonando por Laura é que se apaixonam. Lau, Theodore Bikel e Philip Coolidge. o próprio detetive. – É uma realidade com a qual muiJobel Lopes de Oliveira, que atua no – Todos são filmes temáticos, protos autores se deparam: o jornalista, ramo de hotelaria e participa das atiduções requintadas que marcaram no afã de escrever sobre a rica herdeividades promovidas pela ABI há duas época e levantam muitas questões sora fugitiva, vira personagem e protadécadas, foi um dos espectadores da bre ética e o papel da imprensa. É uma gonista da própria história. Um desanoite. Aos 64 anos, ele voltou a rever forma de homenagear e provocar reflefio à objetividade – comenta a contaa obra que havia assistido quando tixão frente a essas duas datas históridora aposentada Denis Stahl, que veio nha 16: – Fiz questão de assistir novacas que são o centenário da ABI e o biprestigiar a obra, a primeira a conquismente, 48 anos depois, pois este filme centenário da imprensa no Brasil – extar as cinco categorias mais importanrevela traços da sociedade existentes plica o Diretor de Cultura e Lazer Jetes do Oscar: melhor filme, diretor, ainda hoje, como a vocação para o comsus Chediak, Coordenador da Mostra. ator, atriz e roteiro. bate. Matei a saudade das fitas realizadas em preto e branco, do roteiro, que foge aos padrões comerciais atuais e, claro, da atriz principal, a talentosa Susan Hayward. Repórter ou personagem? Aconteceu Naquela Noite, uma comédia romântica de 1934, foi a atração de 24 de julho. Baseado no romance It Happened One Night, de Samuel Hopkins Adams, o filme dirigido por Frank Capra conta a história de Ellie Andrews, interpretada por Claudette Colbert, uma jovem mimada que foge de casa depois que o pai milionário proíbe seu casamento com um playboy. No caminho para Nova York, o ônibus quebra e ela conhece um companheiro de viagem, Peter Warme (Clark Gable), e tenta pegar carona na estrada. Peter vislumbra a possibilidade de transformar sua história em um matéria e acaba dando valiosas lições
Claudette Colbert se envolve com o jornalista interpretado por Clark Gable no filme de Capra.
ERRATA
Uma aula de Arquitetura na criação dos irmãos Roberto Alunos de Santa Cruz do Sul, RS, vieram conhecer o prédio que os jovens Milton e Marcelo Roberto conceberam no começo dos anos 30 e que continua moderno. Palco da luta pela democracia e a liberdade de imprensa no País, o Edifício Herbert Moses é também um marco na história da arquitetura brasileira. Construída na década de 30, com projeto dos irmãos Milton e Marcelo Roberto, jovens arquitetos então recémformados, a Sede da ABI é apontada por especialistas como o primeiro arranhacéu modernista do mundo e recebeu milhares de visitantes desde sua inauguração, especialmente estudantes universitários, aos quais o prédio oferece aspectos instigantes de observação. No dia 22 de julho, foi a vez de 35 alunos do quarto ao oitavo período do curso de Arquitetura da Universidade de Santa Cruz do Sul-Unisc, do Rio Grande do Sul, conhecerem o projeto que Moses edificou. – Vim à ABI diversas vezes nos últimos dez anos com objetivo didático. Sempre organizo grupos de alunos para ver de perto o grande símbolo da Escola Carioca da arquitetura moderna. A última vez foi no ano passado e agora cá estamos novamente – explica Alex Carvalho Brino, professor da disciplina Projetos. Informou Alex Brino que o roteiro da visita ao Rio de Janeiro teve como foco as construções dos anos 30 a 60 do século passado, que representaram o auge da arquitetura moderna no País, com destaque para as obras de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Milton e Marcelo Roberto. Além do prédio da ABI, os alunos também visitaram o Palácio Gustavo Capanema, o Aeroporto Santos Dumont, a sede do Jóquei Clube, o Iperj e alguns prédios que agora sediam agências bancárias. Brise-soleil A aula de Arquitetura teve início no sétimo andar daABI, onde o Professor Brino chamou a atenção para uma das principais características do edifício: o brise-soleil, quebra-sol que substitui as janelas tradicionais. O recurso, utilizado pela primeira vez no Brasil na construção da Casa do Jornalista, foi concebido pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier para resolver o problema do excesso de luz. – A proteção do clima representou uma inovação à época. O conforto térmico foi uma solução importante para o Rio de Janeiro, onde a incidência solar é muito grande. A fachada do prédio apresenta o quebra-sol, que cobre todos os andares. É importante perceber como se materializa historicamente o início da especulação dos irmãos Roberto na
questão solar e, ainda, a contemporaneidade e a leveza da construção. O Auditório Oscar Guanabarino, localizado no nono andar do prédio, foi o segundo ponto explorado pelos visitantes. O Professor Alex Brino mostrou aos estudantes que o espaço está de acordo com a lógica da arquitetura moderna na busca do elemento puro, apresentando uma acomodação funcional e volumétrica. Depois, no 11º andar, os alunos conheceram o Salão Vila-Lobos, amplo espaço dedicado ao convívio social dos membros da ABI. Ali, Brino reforçou os argumentos técnicos relacionados à aplicação do brise-soleil na estrutura. Entre as características que marcam a evolução da arquitetura moderna, as turmas da Unics puderam observar o espaço que no passado abrigou o terraço-jardim, no 13º andar, planejado pelo paisagista Roberto Burle-Marx. Douglas Henkes, 21 anos, aluno do oitavo período, destacou o pioneirismo do projeto dos irmãos Roberto. – Gostei muito da mistura de materiais como concreto, madeira e placas de alumínio, além da manutenção das características originais. O traçado do auditório também foi muito bem elaborado. Sua colega Patrícia Lopes da Silva, 21 anos, também aluna do oitavo período, concordou e foi só elogios pela visita à ABI: – Estamos no segundo dia do tour de arquitetura no Rio de Janeiro. Na minha opinião, a sede da ABI é a construção mais bonita. Destaco a conservação do projeto original e a preservação das soluções de iluminação, energia e conforto térmico. Este edifício será um excelente referencial nos trabalhos que realizaremos no futuro.
Lúcia, e não Lígia, a segunda mulher de Octávio Brandão O jornalista Ruy Bello retifica informação inexata de texto sobre o fundador do Partido Comunista Brasileiro-PCB. Após enviuvar de sua primeira mulher, a poetisa Laura Brandão, morta no exílio na antiga União Soviética em 1942, o escritor, jornalista e militante político Octávio Brandão casou-se com uma irmã do líder comunista Luís Carlos Prestes, mas sua escolhida foi Lúcia Prestes, e não Lígia Prestes, como constou erradamente na matéria Jornalista reúne textos dispersos e inéditos de Octávio Brandão, publicada na página 28 da edição número 329 do Jornal da ABI, com data de capa maio de 2008. O esclarecimento foi feito pelo jornalista Ruy de Mesquita Bello, sócio da ABI, como contribuição ao conhecimento do perfil de Brandão, cuja memória foi reavivada pelo jornalista J. Guedes de Oliveira no livro Octávio Brandão – Dispersos e inéditos, publicado pela Editora Brascolor, do Recife, e lançado em Maceió, Alagoas, em 30 de abril passado. Além de reunir textos de Brandão recolhidos ao Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de CampinasUnicamp, Guedes de Oliveira mostrou a densa trajetória do escritor, que foi um dos fundadores em 25 de março de 1922 do Partido Comunista Brasileiro-PCB, traduziu em 1923 o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, participou em 1925 da fundação do jornal A Classe Operária, de que foi o primeiro editor, e de A Nação, primeiro diário comunista do País. Por sua militância, Brandão foi deportado em 1931 para a Alemanha, de onde migrou para a União Soviética, após ameaçado de prisão pelas autoridades alemãs. Sua companheira Laura Brandão, também militante do PCB, participou da resistência soviética à invasão nazista. Por essa atuação, foi declarada heroína soviética. Ela morreu na União Soviética, em 1942. Ruy Bello conviveu com Brandão depois que ele retornou ao Brasil, nos anos 60 do século 20. Brandão empenhou-se após voltar no esforço para a
repatriação dos restos mortais de Laura, efetivada, paradoxalmente, lembra Ruy, no Governo Castelo Branco, o primeiro da ditadura militar. Brandão morava no chamado Conjunto Equitativa, em Santa Teresa, com uma filha que permanecera no Brasil, Dyonísia. Ele tinha mais duas filhas, Vólia e Valná, que se radicaram para sempre na antiga União Soviética. — Eu visitei Octávio Brandão muitas vezes lá em Santa Teresa, em encontros em que eu praticamente só ouvia, evitando falar, para não perder a oportunidade de conhecer a rica aventura de sua vida – contou Ruy. — Brandão participara de lutas históricas, como as do Bloco Operário-Camponês que concorreu às eleições legislativas de 1928 no antigo Distrito Federal, pelo qual ele e o líder operário Minervino de Oliveira, também fundador do PCB, foram eleitos vereadores, e relatava esses momentos com a riqueza de pormenores de quem foi forte protagonista, e não mera testemunha. Octávio Brandão era alagoano de Viçosa, onde nasceu em 2 de novembro de 1896, e morreu no Rio em 16 de março de 1980, dois anos depois de publicar um livro de memórias, Combates e batalhas. Em Maceió ele foi aluno do avô de Ruy, o Professor Hygino Bello, fundador e diretor de um dos mais importantes educandários de Alagoas. Nas visitas que lhe fez no Conjunto Equitativa, Ruy pôde cultivar uma admiração que tinha raízes antigas. — Até hoje me arrependo de não ter feito anotações de minhas conversas com Brandão, que continham informações não incluídas em seu livro de memórias – lamenta Ruy Bello. O erro no nome da segunda mulher de Brandão consta do verbete BRANDÃO, Otávio tanto na primeira edição do Dicionário histórico-biográfico brasileiro – 1930-1983, Rio de Janeiro: FGV, CPDoc, 1984, páginas 452-453, como em sua edição revista e atualizada sob o título Dicionário histórico-biográfico brasileiro – pós-1930, Rio de Janeiro: FGV: CPDoc, 2001, páginas 783-785.
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PERFIL
O jazz é coisa nossa Premiado e reconhecido internacionalmente, o jornalista brasileiro José Domingos Raffaelli tornou-se referência na música norte-americana. POR B ERNARDO COSTA
A afirmação de que o jazz é música de gringo soa quase como uma ofensa para o brasileiro José Domingos Raffaelli. Aos 72 anos, o jornalista, radialista e crítico musical se diz um apaixonado pelo estilo musical norte-americano. Mas a relação entre os dois é muito mais profunda. Colaborador de diversas publicações nacionais e estrangeiras especializadas, produtor de eventos e programas de rádio, além de conferencista bastante requisitado, Raffaelli foi considerado o melhor crítico desse gênero musical fora dos Estados Unidos em 1999 pela International Association of Jazz Educators (IAJE). Antes, em 1989, já havia recebido do Centro Cultural San Martin, de Buenos Aires, uma homenagem “por sua valiosa contribuição ao jazz”; em 1976, tinha vencido um concurso internacional da revista Down Beat, considerada a bíblia do jazz. Somente no período em que trabalhou em O Globo, nos anos 80 e 90, Raffaelli conta mais de 500 entrevistas feitas com os principais nomes do jazz e do blues mundial. Afora as coberturas dos principais shows e festivais realizados no Brasil e no exterior. Com toda essa bagagem, lançou em 2002, em parceria com Luiz Orlando Carneiro, o Guia do Jazz em CD e está selecionando suas 50 melhores críticas para um livro que será publicado pelo SescSP. Mas não é somente escrevendo que ele faz sucesso. Graças aos contatos feitos em mais de 50 anos de carreira, Raffaelli trouxe ao Brasil os melhores saxofonistas da atualidade. E também se envolveu em diversas situações inusitadas, como na vez em que foi confundido com um dos músicos da banda do veterano Duke Ellington. – O que a gente não faz por paixão? – brinca Raffaelli, contando que o envolvimento com a música norte-americana começou em casa, ainda na infância. – Meus pais tinham uma vitrola antiga e uns 20 ou 30 discos, a maioria de ópera. Mas eu só gostava de ouvir dois, que eram da orquestra de Paul Whitman. Não eram propriamente de jazz, mas tinham um ritmo saltitante e entusiasmado que me contagiava. Era o início de uma coleção que, anos mais tarde, chegou a contar com mais de 30 mil títulos. Na época, o jovem Raffaelli estudava de manhã. Passava as tardes grudado no rádio, escutando todos os programas de jazz e fazendo anotações. Com a mesada que ganha18
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va dos pais, ia atrás dos discos, Niterói, a emissora encomendou que costumava ouvir cinco, seis uma pesquisa ao Ibope e foi consvezes seguidas. tatado que o Arte final tinha três – Minha família ficava até vezes mais audiência que o sedesgostosa – brinca ele, entre gundo colocado, da Rádio Globo, risos. feito pelo meu amigo Arlindo Durante o tempo do ginásio, Coutinho. Ele não gostou do reno Colégio Santo Antônio Masultado. Disse que tinha tido ria Zacarias, no Catete, Raffae“jabá” pra gente ganhar – conta lli conheceu Ary Vasconcelos, Raffaelli, sempre bem humorado. que mais tarde se tornaria um jornalista especializado em mpb. Coberturas Os dois mantinham longas conDurante sua permanência no versas sobre música. Como já esGlobo (1985-2002), Raffaelli crevia sobre o assunto e era o rescobriu todos os festivais de jazz ponsável pela primeira coluna de realizados no Rio e em São Paujazz no Rio, Ary trazia muitas lo, bem como o JVC Jazz Festiinformações e acabou se tornanval, de Nova York, em 1996, 1997 do uma influência decisiva para e 1998. Mais tarde, colaborou Raffaelli. como consultor e crítico do blog Aos 18 anos, Raffaelli também do Chivas Jazz Festival, produacabou criando o hábito de escrezido por Toy Lima: – Quando eu ver sobre o que ouvia em seus dissaí do Globo, liguei pro Toy, percos; após ler um anúncio numa guntando se tinha algum lugar revista de música, começou a tropra mim na organização dele. A car correspondência sobre jazz resposta foi: “Pra você, tem lucom um colega de São Paulo. gar a qualquer hora”. Comecei – Logo depois ele fundou a reentão a fazer matérias pré e pósvista Quinta Avenida e me pediu festival e até indiquei três músipara colaborar. Foi quando eu coRaffaelli: Artigos sobre jazz em publicações dos Estados cos para apresentações: os saxmecei a escrever efetivamente. Unidos, França, Inglaterra, Polônia, Itália e Japão. alto Bud Shank e Mike DiRubDepois, escrevi para o jornal belbo e o sax-tenor Eric Alexander, e também é correspondente de várias ga Le Matin, quando viajei a Nova York que considero o melhor da atualidade. revistas de jazz do mundo, rendeu-lhe pela primeira vez, em 1954. Com um minuto de show, as pessoas uma grande oportunidade. Quando a já estavam de pé ovacionando-o. Foi música brasileira começou a ganhar Imperialismo um dos maiores sucessos do festival. destaque no exterior, principalmente Já formado em Jornalismo, RaffaeRaffaelli orgulha-se de ter entrevisa Bossa Nova, consultavam Mike para lli estreou no Correio da Manhã, com tado para O Globo todos os músicos de saber se ele conhecia algum jornalista uma seção de jazz semanal. Com a fajazz e blues que se apresentaram no brasileiro. Como sabia que Raffaelli lência do diário, foi para o JB, onde fez Rio. Mas foi durante seu encontro com havia sido o responsável pelo primeisucesso, mas também enfrentou séria Duke Ellington em 1971, quando o ro artigo sobre Bossa Nova no Rio de oposição. entrevistou para o JB, que experimenJaneiro, escrito ainda em 1959, para o – Lá corria tudo bem até à chegada tou um dos momentos mais inusitados jornal Última Hora, Hennessey logo de um crítico de música xenófobo, José de sua carreira: – Fui o único admitido passava seu endereço. Com isso, RaffaRamos Tinhorão. Ele começou a dizer no camarim do Teatro Municipal. O elli abriu portas e passou a colaborar que eu era vendido ao imperialismo filho dele, Mercer Ellington, tromperegularmente para publicações como norte-americano, que estava ganhantista da orquestra, tinha vindo ao Rio a Jazz Hot, da França; Jazz Journal, da do dinheiro deles para escrever sobre dez anos antes e conversamos bastanInglaterra; Jazz Forum, da Polônia; Injazz. Foi um camarada que fez tudo te. Então, quando os músicos chegaram ternational Jazz, Billboard e Cadence para eu sair do jornal, inclusive pediu ao Hotel Glória, fui ver se ele se lemInternational, dos EUA; Jazzit, da Itáisso ao Diretor. Mas eu fiquei até 1985, brava de mim. Ele lembrou, e disse que lia; e Jazz Life, do Japão. quando recebi uma proposta irrecusáeu iria no ônibus da banda até o teatro Como radialista, Raffaelli foi resvel de O Globo, onde permaneci até para entrevistar seu pai no camarim. ponsável pela produção e a apresenta2002. Paralelamente, de 1973 a 90, E assim foi. Duke ainda autografou disção de programas como o Jazz em desmantive uma coluna no Estado do Pacos e fotos; quando fui embora, me file, na antiga Rádio Mayrink Veiga; raná e no Diário do Paraná. Podia coladeu um beijo no rosto. Foi engraçado Jazz na Imprensa, na Rádio Imprensa borar com esses jornais, desde que não quando desci do ônibus junto com a FM; Jazz na Eldorado, na Rádio Eldorepetisse as matérias. orquestra. O segurança do Municipal rado AM; Jazz na CBN; O mundo do jazz, Foi também nesse tempo que Raffanão percebeu que eu estava sem instruna Rádio Mec AM e FM, e Arte final: elli ampliou seus horizontes, tornanmento, olhou pra mim e disse: “Boa jazz, na Rádio JB AM: – Este foi o prido-se colaborador de diversas publicaapresentação. Sucesso!” meiro programa em AM estéreo na ções estrangeiras sobre jazz. A amizaAmérica do Sul. Numa época em que de com o editor do Jazz Journal, Mike Bernardo Costa, estudante de Comunicação, é havia 26 programas de jazz no Rio e em Hennessey, que hoje vive na Alemanha estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.
PERFIL
Irreverência a serviço do esporte Há 12 anos à frente da cobertura esportiva de O Globo, Antônio Nascimento fez do bom humor e da ousadia suas melhores jogadas para revolucionar a editoria. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Quem acompanha o mundo dos esportes nos principais jornais do País costuma dizer que não existe uma cobertura unificada. Enquanto o Lance! costuma ser mais estridente, a Folha de S. Paulo é mais séria, sisuda. Na árdua tarefa de agradar gregos e troianos, ou melhor, flamenguistas e vascaínos, O Globo encontrou no bom humor e na criatividade seu caminho e transformou seu caderno de esportes em um dos mais conceituados e requisitados no Brasil. E isso, com grandes reportagens e sem apelações sensacionalistas. O responsável por esse sucesso tem nome: Antônio Nascimento, o Toninho. Há 12 chefiando a Editoria de Esportes do periódico carioca, ele lidera uma equipe com mais de 15 pessoas. Apesar de ter um editor-assistente, dois subeditores, um chefe de reportagem e onze repórteres que se dividem entre esportes olímpicos, turfe e futebol, nenhum deles tem posição fixa. – Diferente do que acontece em campo, goleiro vai para a área cabecear e presidente de clube bate pênalti. O importante é ser apaixonado pela profissão e disposto a fazer sacrifícios por ela. Outro trunfo é ler sempre mais. Nós jornalistas precisamos ser especialistas em tudo. O que não significa que precisamos ser sisudos, chatos. Temos que ser sempre irreverentes, mas sem passar dos limites – diz. O bom humor, por sinal, tem-lhe rendido e à sua equipe não somente o maior interesse dos leitores, mas também elogios e prêmios. Uma das capas do caderno esportivo em 2006 rendeu a Antônio e aos colegas Télio Navega, Marcelo Monteiro e Alessandro Alvim o prestigiado Prêmio Esso. A página mostrava o bonequinho que era o mascote brasileiro indo embora desolado, após a derrota do Brasil para a França e a conseqüente eliminação da Copa do Mundo da Alemanha. – Nada pode ser uma barreira para a criatividade e o direito de ousar. Tenho isso como um lema. Como se diz no hipismo, só não cai do cavalo quem não monta. Já sofri algumas fraturas, mas vamos lá – garante. Nem sempre é fácil trabalhar em uma área tão passional, na qual quase todo leitor é também um torcedor. Nascimento diz que já foi acusado, principalmente no futebol, de favorecer o adversário, mas que tenta se comportar como um islandês numa Copa. – Uma vez, no Maracanã, numa par-
Antônio Nascimento, o Toninho: Nada pode ser barreira para a criatividade e o direito de ousar no jornalismo esportivo.
tida entre Vasco e Flamengo, fui esculhambado por vascaínos, que me acusavam de ser rubro-negro, e flamenguistas, que me chamavam de cruzmaltino. Eu sou Fluminense. Não tem problema: o importante é tornar o noticiário estimulante e transformar idéias em coisas concretas, como desenhos de páginas, reportagens e furos. Carreira Carioca, nascido em 6 de julho de 1960, Antônio Nascimento começou a carreira na televisão, integrando a equipe da Intervídeo, de Fernando Barbosa Lima, Roberto D’Ávila e Walter Salles Jr. Lá, foi produtor do Conexão Internacional e do Programa de Domingo, exibidos na antiga Rede Manchete. Em 1986, foi para O Globo como redator de Esportes e, depois, subeditor de esportes olímpicos. Com a dissolução da União Soviética, de 90 a 92, foi editor de Internacional. Depois seguiu para o suplemento Carro etc. e, em 1993, saiu do jornal. Voltaria três anos depois para assumir o Esportes. – Considero uma das editorias de
maior responsabilidade do jornal. E, diferente de outros colegas, penso que o nível dos jornalistas tem evoluído no decorrer dos anos. Eles estão mais bem preparados culturalmente, o que se reflete nos textos. Dou um exemplo. O último dia 5 de julho marcou os 50 anos do primeiro título de Maria Esther Bueno em Wimbledon, em duplas. Fui ler o que O Globo tinha publicado na época e tomei um susto! A notícia dividia um alto de página com um torneio de cadetes de atletismo, o menor número de fotos era o do torneio de tênis e o texto, muito ruim. Em relação ao futebol, Nascimento aponta os equívocos da imprensa, especialmente quando eleva ao altar dos craques atletas com baixo nível técnico: – Acho, e o Fernando Calazans é meu mestre nisso, que a cobertura esportiva anda um pouco deslumbrada – e tenho culpa no cartório por isso. Qualquer cabeça-de-bagre passa a ser um fenômeno. Mas não considero que tudo o que aconteceu no passado foi genial e que o presente é todo ruim. Tento me manter entre os saudosistas e os eufóricos.
Apesar da grande experiência, ele jamais acompanhou in loco uma Copa ou Olimpíada. E explica por quê: – Minha função é ficar aqui na Redação, dando o melhor aproveitamento ao material que recebo de uma excepcional equipe. Sempre gostei do processo de edição, de organização, de orientação, sou assim desde a TV, onde comecei. Não tenho jeito para reportagem, nem nunca tive essa pretensão. Se tenho algum trunfo, é dar aos repórteres as melhores condições possíveis, a melhor estrutura, trabalhando ao máximo e estando sempre à disposição para sugerir idéias ou incentivar as deles. Um grande evento se ganha no local, mas pode se perder na Redação. Polêmicas Apesar dos vários sucessos, ele também já colecionou outras tantas polêmicas na chefia do Esporte. Uma das mais desagradáveis aconteceu quando o ex-Presidente do Vasco da Gama Eurico Miranda proibiu repórteres e colunistas do jornal de entrar no clube. A justificativa dada foi de que o Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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DEPOIMENTO
Olimpíadas Apesar disso, Antônio Nascimento não abriria mão do bom humor para cobrir os Jogos Olímpicos de Pequim. Ele programou uma cobertura diferenciada, na qual o local também é personagem. Para tanto, conta com a vantagem de o jornal ter sido o primeiro a ter um correspondente no país, o jornalista Gilberto Scofield Jr., incumbido de dar ênfase aos aspectos locais. Outra ferramenta preciosa é a internet: – Estamos num momento extremamente instigante na relação com a web. Por isso, espero uma cobertura bem diferente das anteriores, com matérias analíticas e reportagens especiais. O varejo vai para a rede. E todos estão adorando esta mudança na forma de abordar um grande evento esportivo. Não quero de cada um seis matérias por dia. Quero uma ótima matéria, diferente, interessante. Esse é o meu estilo. 20
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Pelos caminhos das letras e das leis Ex-Ministro da Justiça e, como senador, relator da Constituição de 1988, Bernardo Cabral mostra sua faceta menos conhecida: a de jornalista. GERVÁSIO BAPTISTA/ABR
dirigente se sentia uma vítima do noticiário esportivo da publicação. Sem meias palavras, chegou a escrever uma dura carta ao editor esportivo de O Globo: – Não me abalei, pois sei que praticamos um jornalismo ético. A citação na carta de despedida do Eurico foi incluída no meu currículo. E imagino que muitos editores da área tenham se rasgado de inveja. Afinal, o Eurico, com sua prepotência, representou o pior autoritarismo possível, o mais retrógrado. Nos meus 12 anos à frente da editoria, ele foi o único a censurar a imprensa. De forma torpe, barrava nos treinos e jogos repórteres que escreviam qualquer coisa que não o agradasse. O Extra e o Lance! também tiveram problemas com ele. Apesar disso, Nascimento faz questão de frisar o tratamento distinto dado pelo Globo a Eurico Miranda e seu clube. Segundo ele, notícias da CPI em Brasília, por exemplo, nunca eram publicadas nas páginas dedicadas ao futebol. – O Vasco é, e sempre foi, muito maior que seu exPresidente. Outra confusão em que Nascimento se viu envolvido foi uma capa do caderno Esportes do ano passado, após uma derrota do Sport para o Fluminense, por 3 a 1, em jogo realizado nos domínios do clube do Recife. Com um leão (símbolo do Sport), vinham o título “Animador de festas” e o texto “Se você, torcedor carioca, precisa de alguém para animar a festa de seu clube, chama o Sport. O time garante a alegria de qualquer evento”. A página provocou a ira de dirigentes e torcedores do clube pernambucano e deixou o editor em situação difícil. Tanto ele quanto sua família foram ameaçados por torcedores mais exaltados incentivados por dirigentes e radialistas locais, como revelou outra reportagem publicada em O Globo poucos dias depois da publicação da capa.
POR JOSÉ REINALDO MARQUES
José Bernardo Cabral é uma das mais importantes figuras jurídicas e políticas do Brasil contemporâneo. Em mais de 40 anos de vida pública, foi Secretário de Estado, Deputado estadual e federal, Senador, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, RelatorGeral da Assembléia Nacional Constituinte e Ministro da Justiça. Apesar da habilidade nos caminhos das leis, conseguida pela formação em Direito, foi em outro mundo, o das letras, que ele começou profissionalmente. Quando tinha apenas 18 anos e morava em Manaus, seu irmão mais velho, de 27, foi vítima de um crime brutal. Um repórter amazonense, Arlindo Augusto dos Santos Porto, do Jornal do Commercio, produziu uma excelente matéria sobre o caso. A reportagem despertou Cabral para o universo jornalístico. Durante 15 anos, entre 1952 e 1967, ele foi repórter de jornais como A Gazeta (hoje extinto) e A Crítica, o de maior circulação na cidade na época e que existe até agora. Inquieto e ativo, o jovem, que trazia o número 91 em seu registro na Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, começou a emplacar reportagens de forte apelo social e político. Seus textos mostravam a necessidade de moralização do Poder Judiciário no Amazonas e já denunciavam superlotação e descaso do sistema prisional e da polícia local. Nesse tempo de agitação política e luta pela liberdade de imprensa, Bernardo Cabral se tornou membro da Associação Brasileira de Imprensa, indicado por Celso Kelly, que presidiu a Casa de 1964 a 1966, e foi um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas Profissionais daquele Estado. – Conseguimos um impacto notável e, àquela altura, a mobilização de experientes profissionais da categoria, como o Arlindo Porto, o Milton de Magalhães Cordeiro e o Phelippe Daou, trouxe sangue novo à imprensa – lembra Cabral. Para conciliar a carreira de advogado com a de jornalista, ele se inspirou no exemplo de Rui Barbosa, transformando-se em árduo defensor da importância dos veículos de comunicação. Mas quando enveredou para a
Bernardo Cabral em dois momentos: em seu último dia como jornalista, se despedindo da redação e, à direita, autografando a Constituição que acabara de ser promulgada.
carreira política, decidiu deixar de lado a veia jornalística. – Não foi somente por causa do volume de trabalho. Não queria que um veículo influenciasse minhas decisões políticas. Foi, sobretudo, uma decisão ética. Atuando agora como consultor da Diretoria da Confederação Nacional do Comércio, Cabral não pensa em voltar a disputar eleições. Depois que seu mandato no Senado terminou, em 2003, ele afirma que decidiu parar. Agora pensa em escrever suas memórias. Apesar de garantir que ainda demorará para serem publicadas, já têm até título: Caminhos da vida – recordações esparsas. Mas se a política partidária perde seu líder, o mesmo não vale para a imprensa. Cabral agora ensaia uma volta para ser atuante na ABI. – É na existência da completa manifestação de pensamento que reside a verdadeira grandeza de um povo. E, para isso, a imprensa livre e madura é essencial. Quem luta mais por essa causa do que a ABI? Sinto-me muito bem com esse retorno às origens, até porque eu e o Presidente Maurício Azêdo compartilhamos vários ideais. Jornal da ABI – Quais foram as experiências mais marcantes da sua passagem pela imprensa? Bernardo Cabral – Cito apenas duas, do tempo em que eu trabalhava em A Crítica. As matérias assinadas que fiz sobre a campanha de moralização do Judiciário amazonense e uma sobre a Penitenciária de Manaus, em 1956, que intitulei Pavoroso depósito de presos. Jornal da ABI – Em 1966, quando o senhor se filiou à ABI , o Brasil era governado por uma ditadura militar. Bernardo Cabral – Há apenas um ter-
mo para esse período difícil que o País atravessou: tenebroso. A atuação da ABI foi exemplar e o meio jornalístico, como um todo, não se curvou, apesar de a Nação estar de joelhos.
viços ao País. Sem ela, não teríamos uma nação brasileira. Sem ela, nossos irmãos negros continuariam escravos no pelourinho e, talvez, não existisse a proclamação da República.
Jornal da ABI – Na sua opinião, o que há de mais marcante na trajetória centenária da Associação Brasileira de Imprensa? Bernardo Cabral – São muitos os fatos marcantes. Um deles, a atuação do sempre lembrado Barbosa Lima Sobrinho no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, quando, em notável postura, denunciava a tortura que se espraiava nos arrabaldes do Doi-Codi. E, na sua companhia, estávamos o saudoso Benjamin Albagli, da Associação Brasileira de Educação, e eu, então Presidente da OAB.
Jornal da ABI – Quando o senhor sentiu que a advocacia e a política o fariam abandonar o jornalismo e o que pesou na decisão? Bernardo Cabral – Quando percebi que não dispunha mais de tempo para atender ao volume de trabalho, tive também o temor de que pudesse dispor de um veículo para influenciar minha carreira política. Para mim, era sobretudo uma questão ética.
Jornal da ABI – No início dos anos 50, o senhor também exercia funções importantes na área do Direito e do serviço público. Como conciliou a carreira de advogado com a de jornalista? Bernardo Cabral – Conciliei com o exemplo de grande Rui Barbosa, que nos ensinava: “Removei a imprensa, essa publicidade quotidiana que se chama imprensa, e já não haverá administração, já não haverá legislatura, já não haverá soberania nacional, já não haverá tranqüilidade, nem confiança, nem crédito, nem trabalho. Reinará o pavor, o arbítrio, a vingança, a miséria, a vergonha. Reinarão os aventureiros, os desalmados, os malfeitores”. Jornal da ABI – Qual foi seu melhor momento como jornalista? Bernardo Cabral – Quando tive a convicção de que se deve à imprensa do Brasil a prestação de inestimáveis ser-
Jornal da ABI – Como homem público, o senhor manteve um contato direto e constante com a mídia. O fato de já ter sido jornalista ajudou nessa relação? Bernardo Cabral – Sim, porque por conhecer a imprensa por dentro eu tinha muita paciência e confiança nos colegas para me impressionar com as críticas que a ela faziam por fora, tais como perguntas capciosas, com segundo sentido e deturpações, e outras coisas que são do conhecimento de quem conviveu e convive com as redações. Jornal da ABI – Alguma vez o senhor se sentiu prejudicado por algum veículo ou reportagem? Bernardo Cabral – Sim, porque no ardor do trato da notícia, alguns jornais e jornalistas têm a tendência de transformar casos em causas. Levados pela paixão (política, partidária, religiosa ou empresarial) eles acabam se esquecendo de que o julgador maior da sua redação é o leitor e não os editores, provocando, com isso, equívocos em sua
obra e injustiças para com aqueles que foram alcançados por sua verrina. Jornal da ABI – O que o senhor tem achado do noticiário político nesses últimos tempos? Bernardo Cabral – A resposta anterior também vale para esta questão, mas não basta para esclarece-la. É oportuno pôr em relevo que críticas ocasionais, quando ocorrem, não podem ser invocadas como instrumentos de retaliação contra o arcabouço da imprensa brasileira, através de modificações da legislação. Jornal da ABI – Qual é sua opinião sobre a proposta do Deputado Miro Teixeira de revogação da Lei de Imprensa? Bernardo Cabral – Tem o meu integral apoio. Problemas de ilícitos penais cometidos pela imprensa devem ser situados no âmbito do Código Penal. E basta. Jornal da ABI – O que o senhor tem a dizer sobre os recentes casos de censura que envolveram a imprensa e o Judiciário? Bernardo Cabral – Uma imprensa controlada pelo Estado ou pelas elites dominantes pode permitir a eclosão de não apenas uma, mas duas ou várias ditaduras numa mesma região. Volto a dizer: nenhuma nação conseguirá se desenvolver ou viver em harmonia se não for protegida e estimulada por uma imprensa livre. Com uma imprensa amordaçada, maculada pela censura, não subsiste a democracia – sem esta, o mundo moderno nos ensina claramente que as nações não sobrevivem. É preocupante uma nação onde o me-do prevalece sobre a esperança, o ódio subjuga o amor e a vida não merece ser vivida. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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DEPOIMENTO FRANCISCO UCHA
L U I Z C AR LOS M E RTE N
Um crítico com alma de repórter Humilde, ávido por informação e fanático por cinema, ele ama o ambiente de redação e confessa que cinéfilo tem, também, que se emocionar. ENTREVISTA A FRANCISCO UCHA E MARCOS STEFANO
Na semana da estréia nos cinemas, a superprodução Speed Racer já era bombardeada por críticas de todos os lados, inclusive de muitos fãs da clássica animação japonesa. Enquanto uns torciam o nariz para a mais nova aventura dos irmãos Andy e Larry Wachowski, Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do jornal O Estado de S.Paulo, surpreendia leitores e colegas tecendo rasgados elogios ao filme, indo mais uma vez contra a corrente de toda a crítica cinematográfica. “Saí do cinema com a cabeça a mil” –, escreveria depois em seu blog. Polêmicas à parte, Merten é de fato um crítico diferenciado e com justiça apontado como um dos que mais entendem de cinema no Brasil. Aos 62 anos, esse gaúcho encontrou sua vocação enquanto estudava Arquitetura em Porto Alegre. Era o início da ditadura militar nos anos 60 e ele aceitou o desafio de escrever sobre cinema no mural da faculdade. A idéia deu tão certo que Merten não apenas decidiu se aventurar na área, passando a escrever em jornais num tempo de dura censura, como também mudou o curso e passou a estudar Jornalismo. Em quatro décadas de carreira, ele já trabalhou em jornais e no rádio, passando pelas editorias de Esportes e Mundo. Mas o que realmente o encanta é a chamada Sétima Arte. Ainda assim, quando fala de cinema, ele não é o tipo clássico de crítico, que prefere trabalhar isolado para preservar independência e distanciamento. “Antes de mais nada sou um repórter. E para fazer meu trabalho, faço entrevistas, visito sets de filmagem e acompanho filmes desde sua gênese”, confidencia Merten. Hoje, morando em São Paulo com a filha Lúcia e trabalhando no Estadão, ele mostra todo o seu amor pelos filmes autorais, o chamado cinema-arte, e não se mostra partidário da indústria cultural. Entretanto, acredita que a crítica na imprensa brasileira precisa mudar seus rumos. “Os tempos mudaram. Precisamos entender o valor universal do cinema e aprender a fazer links entre Gláuber Rocha e Indiana Jones”. 24
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Jornal da ABI - É possível ser tão eclético a ponto de gostar de filmes cultuados e blockbusters? Seus textos sempre rendem acirrados debates por conta de seus elogios a produções como Homem Aranha e Speed Racer... Luiz Carlos Merten - Ninguém entende como eu consigo gostar do Bresson, do Sokurov e do Indiana Jones. Mas eu decodifico essas coisas de um jeito que se adaptam. Sempre lembro do Gláuber Rocha, que quando tinha nove ou dez anos leu Zaratrusta. Por mais genial que fosse, claro, não entendeu nada. Mas aí deu no que deu. Eu, aos nove anos, estava lendo ficção, contos, historinhas. Adorava o Tarzan, histórias de mistério, suspense, Edgar Alan Poe. Progressivamente, fui descobrindo os clássicos. No Brasil, li José de Alencar antes de Machado de Assis. Anos mais tarde voltei para romances como Senhora e pude compreender a análise social do Segundo Império. Depois, passei aos estrangeiros e à cultura erudita clássica. Mas nunca reneguei o passado. Eu tenho uma necessidade de me esbaldar no cinema. Se tu fores assistir a um filme de luta comigo, não vais acreditar. Não consigo ficar quietinho na cadeira, pulo, vibro demais. Essa agitação é meu exercício físico. Privilegio o cinema de autor, as pequenas produções, mas sou capaz de defender a trilogia O Senhor dos Anéis com convicção, pois penso que ali existe um grande projeto autoral, de um diretor inicialmente desconhecido da Nova Zelândia que usa a máquina de Hollywood para expressar um imaginário riquíssimo. Adorei também a saga de O Homem-Aranha porque além de tantos efeitos, iluminação, humor, violência, há um recorte, uma reflexão sobre família que é coisa de louco. Quando vi pela primeira vez o trailer de Speed Racer, achei que, como Matrix, da qual não gostei tanto, seria jogo duro. Mas assisti ao filme e ele me surpreendeu. A minha crítica ficou tão entusiasmada que, na hora de fazer a cotação (dar a nota ao filme) – algo de que não gosto por ser reducionista, mas que tenho que aceitar por se tratar da política do jornal –, perguntaram-me e eu disse que Speed Racer não poderia ser apenas “bom”. Era ótimo. Mas a grande maioria da crítica considerou Speed Racer um show de pirotecnia sem profundidade nenhuma. O que o levou a pensar diferente? Realmente, existe ali toda parafernália de efeito, som, extravagância. Mas também um recorte bem intimista. Naquele mês, fui ver Dois Destinos, um filme de 1962 do Valério Zurlini, com Marcello Mastroianni e Jacques Terran, no Espaço Unibanco. Obra que também tem um trabalho de cor e produção apuradas para a época em que foi feito e analisa com rigor as relações familiares, o universo do sentimento. Quando vi o Speed Racer, um pensamento me caiu como um raio: “Dois destinos da parafernália”. É nesses
momentos que a informação conta, mais ou tu podes convidar as pessoas é possível fazer um link entre o que é seja ela vinda do repórter, seja da fora pensar contigo, que é o que tento considerado arte e o popular, e que só mação da pessoa. Fiquei impressionafazer. Não creio que mesmo um Sol, do na cabeça de meia dúzia são setorizados. do ao descobrir que, assim como o PeAlexandr Sokurov, esteja liberto dos Em grandes produções há a mistura ter Jackson (diretor da trilogia O Senhor tentáculos da indústria cultural. Quanentre o joio e o trigo. Mas esse negócio dos Anéis), os irmãos Wachowski foram do assisti Spielberg com ET e Contatos de grande cultura e baixa cultura que dois caras de muito peito e nunca fizeImediatos de Terceiro Grau, gostei muiexistia antigamente hoje mudou; a reram o jogo de Hollywood. Fiquei espanto. Mas depois, como muitos, comecei alidade é mais complexa. Se o filme titado quando soube que um deles troa pensar que era um diretor que transvesse uma única forma de ser visto, ele cou de sexo. A história dos dois irmãos forma o cinema em brinquedo de crivinha com uma bula, um modo de usar, me soou estranhíssima. Parecia coisa de filme de (David) Cronenberg: Gêmeos - Mórbida Semelhança. Caiu a minha ficha. Eles fizeram um filme que se identifica com eles, foram buscar uma história que falasse deles. Quando comentei com alguns amigos, eles disseram: “Tu estás louco!”. Não, não estou, está lá, retratado na família e nas complicadas relações Para Merten, Speed Racer é um filme autoral dos irmãos Wachowski: fizeram uma história que fala deles. entre o Corredor X e o ança, abusando de efeitos especiais. Até herói do filme. Quando abri minha mauma receita. O que fascina é justamente há uns quatro anos, quando assisti O téria, falei que o cinema já fez muitas a possibilidade de o espectador ser um Terminal. Eu tive um choque. Logo em adaptações de animações, pegando os tipo de co-criador, pois quando é exibiseguida veio Guerra dos Mundos e Mudesenhos e transformando-os em perdo o filme já não pertence mais a quem nique. Mesmo não dizendo uma palasonagens de carne e osso. Mas agora eso fez. Quem assiste é que dará o sentivra sobre o 11 de Setembro, ficou clatamos vendo o movimento oposto. do final. O que lamento é o público ser ro como faziam um retrato dos EstaEstão pegando atores de carne e osso tão induzido – e não só no cinema – a dos Unidos de George W. Bush e da vida e jogando na animação. Mas além disum consumismo puro. Como consumiamericana. Não é um Michael Moore so existem as complexas relações famimos mercadorias, espera-se que você vá tratando o assunto na base da força, liares e não apenas a luta contra as ao cinema para ver um filme atrás do oumas o Spielberg mostrando a genialigrandes corporações. É esse tipo de tro, sem ter tempo para pensar. Meu padade da sutileza. coisa que encanta no cinema e que pel, como crítico, é levar quem vai ao ciprecisa ser redescoberta. Se achasse que nema, com sua pipoca e refrigerante, a Como nasceu sua paixão pelo ciessa riqueza existe só em meia dúzia de ver o filme como algo mais do que dinema? diretores que admiro para que perder vertimento. É até difícil dizer exatamente quantempo com todo o resto? Aproveitando a máxima da ex-Mido foi. Certa vez, o Rubinho (Rubens Nesse caso, você acha que o crítico, nistra do Turismo, a crítica especializaEwald Filho) disse que guarda cadernos em geral, é preconceituoso? da poderia, então, relaxar e gozar quannos quais anota todos os filmes que vê. Infelizmente, há muito disso no do fosse ao cinema a trabalho? Acho engraçado a pessoa ser capaz de Eu não tenho dúvidas. No ano pasnosso meio. Recentemente fui entredizer o exato número de produções que sado, quiseram fazer no jornal uma mavistar o diretor Carlos Reichenbach e assistiu: 50.531, por exemplo. Sou abtéria sobre o melhor filme do ano. Quase terminamos em um autêntico batesolutamente incapaz desse tipo de coicaíram de costas quando eu disse que papo de cinéfilos. Não gostei dos últisa. Quando era criança em Porto Alefalaria sobre Ratatouille. “O quê, uma mos filmes dele, mas adorei o último, gre, morava em um bairro no qual haanimação?”, questionaram. Mesmo asA Falsa Loira. É perfeitamente possível via três cinemas. Sempre gostei muisim, fiz. Acho que o dia em que deixar apreciar o kitsch e a cultura erudita clásto e corria de um para outro. Mas acho de pensar assim, com toda a liberdade, sica. Adoro a trilogia do Antonioni dos que o envolvimento maior surgiu mais meu trabalho vai perder a graça. anos 60, os grandes filmes de Viscontarde. Depois que terminei a escola, fui ti, a Nouvelle Vague. Os diretores italicursar Arquitetura na Universidade O que é a boa crítica de cinema? anos como o Riccardo Freda e o VittoFederal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Hoje, o principal problema é a crírio Corttafavi, que fez Hércules na ConNão cheguei a concluir o curso, mas foi tica burocrática. No Caderno 2, temos quista da Atlântida, um desses filmes uma etapa muito importante de minha um oásis em relação a isso, já que na raros, brechtianos. Mas sempre fui vida. Eram os primeiros anos da ditamaior parte da imprensa os textos são aberto para outras produções. Não era dura militar, meados dos anos 60, e o curtinhos, meras resenhas e não anápreconceituoso antes e não vou ficar pessoal criou na faculdade um mural lises de fundo. Outra coisa que atrapaagora, depois de velho. Esse purismo de livre expressão. Aí eu comecei a eslha muito é a cultura dos blogueiros, da não faz sentido. Tive um editor, aprecrever sobre cinema, alguns filmes de internet, que é baseada na polêmica ciador de Bresson, o Evaldo Mocarzel, que gostava, e houve certa repercussão. fácil apenas para chamar a atenção. que se tornou cineasta e que foi a CanComecei a gostar daquilo, pois já não Essa superficialidade toda é a marca do nes e odiou o Moulin Rouge com a Nivia os filmes apenas como passatemnosso tempo. Até por isso, creio que cole Kidman. Já eu consegui fazer uma po, mas de forma mais sistemática e exista uma reação tão forte dos jornaleitura do filme, que reinventa Rocco e profunda. Em 1967, fui até o Diário de listas mais tarimbados na área contra Seus Irmãos de Visconti. Comecei a críNotícias. Não conhecia ninguém, mas as grandes produções e numa defesa tica justamente falando sobre o Bresentrei na Redação e perguntei quem era intransigente do cinema-arte. Queirason. Evaldo leu e disse: “Tu fazes isso o encarregado. Não sabia nem que o mos ou não, fazemos parte da indúspara me provocar. Mude aí.” Claro que nome é “editor” e também nada sobre tria cultural. Tu podes ser um bom solnão aceitei e disse que, se não fosse asas demais funções. Foi aí que me indidado e ajudá-la a se expandir cada vez sim, não faria. Isso é para mostrar que caram o Celito De Grandi e eu lhe disJornal da ABI 331 Julho de 2008
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TASSO MARCELO/AE
se que queria fazer crítica de cinema. Era uma verdadeira maluquice, mesmo naquela época, mas eu tinha encontrado um maluco maior do que eu, que me propôs: “Vamos ver o que tu podes fazer”. Minha primeira coluna foi sobre os destaques de 1966 e deu tão certo, que passei a colaborar semanalmente. Mesmo que ganhasse pouco, logo descobri que aquilo poderia ser também meu ganha-pão. Colaborei ali por dois anos.
Como foi sua experiência no rádio? Na Rádio Gaúcha, do grupo RBS, trabalhei na produção de um programa feminino. Era o começo dos anos 80 e o professor Rui Carlos Ostermann era o Diretor de Conteúdo. Ele dirigiu diversas Redações e foi quem me introduziu mais a fundo no mundo do cinema ao me dar meu primeiro emprego em um núcleo audiovisual do Colégio Israelita Brasileiro. Quando ele chamou a mim e a apresentadora Tânia Carvalho, queria fazer algo diferente, que não se limitasse a receitas culinárias, dicas sobre filhos, beleza e variedade. A idéia era produzir um conteúdo mais abrangente e topei. Logo chamamos uma advogada para dar consultoria jurídica. Mas o que fez sucesso mesmo foram as assistências de uma sexóloga, a Maria Aparecida Vieira Souto. Em tempos de censura e tabus, ela começou a falar abertamente sobre sexo no rádio. E olhe que isso foi antes de a Marta Suplicy aparecer (na TV Mulher, programa da Rede Globo). Às vezes, eu ficava dando corda para aquelas mulheres e elas aproveitavam. Logo, o professor Ostermann chegava esbaforido: “O que vocês estão fazendo?”. No começo, as perguntas eram bem tímidas, mas depois iam avançando. Seis meses depois de começarmos, uma ouvinte perguntou sobre sexo oral e a Maria Aparecida respondeu tudo. Até hoje não sei como não tiraram a rádio do ar. Claro, alguns reclamavam, pois achavam aquilo muito avançado, até indecente, 26
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Luiz Carlos Merten em dois momentos: durante um debate na XIII Bienal do Livro do Rio de Janeiro, realizada em 2007 (acima) e entrevistando, no Cinesesc, os documentaristas Carlos Adriano, Carla Gallo, Cesar Cabral, Patricia Cornils e Paschoal Samora (da esquerda para a direita) durante o festival É Tudo Verdade, em março de 2008. PAULO PINTO/AE
Pelo que você descreveu, para um jornalista começar na profissão antigamente era muito mais fácil do que agora... Sem dúvida. Você entrava na Redação sem nenhum empecilho. Também não se falava muito em grana, mas eram os tempos heróicos do jornalismo. A gente tinha que datilografar, trabalhar com laudas e não podia mudar o texto com a facilidade de hoje. Com isso, aprendi a escrever muito rápido e em laudas limpas, sem rasura, mesmo com meu defeito nas mãos. Nem tanto quando escrevia sobre cinema, mas ao cobrir esportes. Por ser uma editoria muito rápida e dinâmica, tu tens que usar a velha fórmula de estrutura da matéria, com lide e pirâmide invertida. Isso engessa o texto algumas vezes, mas a mim deu segurança e rapidez de raciocínio. Quando começaram a informatizar a Redação, tive uma certa dificuldade em aceitar que poderia mexer tanto no texto depois de escrito.
Redação do Zero Hora para fazer discursos. Adorava tanto isso, que cheguei até a me candidatar a Presidente do Sindicato depois que o Antônio saiu, mas perdi. Quando cheguei em São Paulo, não encontrei um grupo tão aguerrido como o de lá no final dos anos 70, começo dos 80, e me desmotivei. Por aqui, acabei me integrando à Associação Paulista dos Críticos de Arte, a qual presidi por três mandatos.
mas tinha gente que adorava. Nunca fui vinculado a nenhum partido nem participei de movimentos clandestinos, mas, dentro de minhas limitações, sempre acabei afrontando o regime. Falando nisso, como um crítico de cinema tinha acesso aos filmes proibidos pela ditadura militar? No começo dos anos 70, a censura era muito rígida e diversos filmes foram proibidos, especialmente aqueles que ganhariam uma aura mítica tempos depois: O Último Tango em Paris, Laranja Mecânica, Estado de Sítio, Decameron. Mas várias dessas produções eram exibidas na Argentina e no Uruguai, porque esses países ou tinham uma cultura cinematográfica mais avançada ou seu processo ditatorial se intercalava com as várias tentativas de redemocratização. Então, eu pegava um ônibus à noite em Porto Alegre e acordava de manhã em Montevidéu. Via os filmes no final de semana e depois voltava. Certa vez assisti a Estado de Sítio e quando voltei escrevi um texto no qual descrevia a cena em que o personagem Dan Mitrione, de Luis Montam, ensina os militares brasileiros a torturar. Esse tipo de coisa não saía em qualquer outro lugar. Não sei se foi porque era varie-
dade e para os censores variedade era apenas frescura. Mas aqui no Estadão tantas vezes eles precisaram colocar receitas culinárias no lugar das matérias. Na Folha da Manhã, conseguimos passar por cima disso tudo. Foi também por causa disso que você se tornou militante do movimento sindical? Para ser sincero, não. Quando fui trabalhar com esportes na Zero Hora, entrei para uma equipe que, como eu, não entendia muito do assunto. Torço pelo Internacional e pelo Corinthians, mas nunca fui de ir a jogos. Só que comecei a achar todos desmotivados, fazendo as coisas “nas coxas”. Um dia surtei. Falei com o editor Antônio Oliveira e fizemos uma reunião para ver o que cada um precisava e para motivar a equipe. O resultado foi excelente e formamos uma das melhores equipes do jornalismo esportivo da época. Acho que foi isso que fez o Antônio – que era sindicalista e depois chegou a ser Presidente do Sindicato dos Jornalistas em Porto Alegre – a pensar que eu levava jeito para a coisa. Assim, tornei-me o homem do sindicato na Redação, com a responsabilidade de fazer os comunicados. Parávamos a
Você é crítico de arte, mas adora reportagem. Conciliar as duas coisas pode ser uma boa receita para se ter boa crítica? Posso ser chamado de crítico, mas meu cargo no jornal continua sendo de repórter. Quando comecei no Estadão, fazia a seção de filmes na televisão. Só que não me contentei só com isso. Passei a fazer pequenas matérias sobre esses filmes, que foram crescendo. Em meu trabalho, gosto de ser repórter, fazer entrevistas, visitar os sets de filmagem. Já alguns colegas preferem seguir o modelo estrito de crítica, trabalhando isolado para não prejudicar a independência e o distanciamento. É uma questão de opção pelo modelo que melhor funcione com a pessoa. Gosto do corpo-a-corpo e acho que isso ajuda a enriquecer meu material, trazer mais informações. Não topo ficar na minha, ditando regras. Prefiro acompanhar o processo. Há pouco mais de uma década, no começo da Lei do Audiovisual, tínhamos uma seção chamada Cultura e Patrocínio, na qual fazíamos matérias para dar visibilidade para os projetos. Acompanhava tudo desde a gênese da idéia, dava forças, mas no final podia sair matando se o resultado não fosse adequado. Mesmo criticando ou contestando esteticamente vários filmes, sempre fiz questão de manter um canal aberto com o cinema brasileiro como um todo e não criar obstáculos para que diretores produzam novos trabalhos. Não conheço ninguém, bom caráter e honesto, que faça algo ruim por que quisesse. É uma conjunção de fatores que leva a isso e ainda há gente que faz coisas horrorosas na crença de que produziu uma maravilha. Qual a sua opinião sobre a crítica de cinema hoje? Pode parecer estranho, mas não acompanho o que os outros escrevem. Sou muito reticente a isso. Meu trabalho me ocupa demais e tenho tendência a aproveitar tudo. Tem gente que fica falando que ninguém liga para crítica de filmes de televisão, mas eu adoro. E utilizo até isso. Já tive chefes que me criticaram por “perder tempo” escrevendo a sessão de filmes na tv, enquanto poderia estar fazendo a capa do caderno. Como não mantenho um bloquinho de anotações, um banco de dados sobre filmes a respeito dos quais escrevi, reescrevo sobre muitos deles. A tendência quando tu escreves assim é acrescentar algum elemento de atualização e falar sobre elementos ao re-
dor. Não acompanho outros críticos porque a tendência é ficar apenas contestando ou eventualmente apoiando, polemizando. Se me preocupasse com isso, perderia minha originalidade. Não que ignore tudo que é feito. Mas até no caso da televisão faço questão de alertar o leitor: “Não ligue para o que diz a crítica, o filme é bom”. “Como tu consegues fazer esse contra-senso, contra tua própria corporação?”, perguntam. Naturalmente, pois não se trata de minha corporação, mas de crítica plural, rica e interessante. Fica claro que você gosta muito de escrever. Parece que não pára um minuto... Acho que é para satisfazer essa voracidade que me deram o blog no site do Estadão (risos). Na verdade, apesar de a fama ter chegado só aqui em São Paulo, esse é meu jeito desde que comecei. No princípio dos anos 70, fui para a Caldas Júnior, na época, a maior empresa jornalística do Rio Grande do Sul. Na Folha da Manhã fazia crítica de cinema e logo ganhei uma página diária. Mas não fiquei apenas nessa área. Depois de um episódio em 1976, no qual todos pedimos demissão coletiva, fui trabalhar no rádio, na RBS, e depois na Zero Hora. Mas como não havia caderno para cinema, trabalhei nas editorias de Esporte e Mundo. Voltei à área só em 1984, quando a Gazeta Mercantil criou um suplemento regional. Quando foi criado o Diário do Sul, fui para lá. Mas o jornal não viveu muito e no final de 1988, quando fechou as portas, percebi que não teria muita perspectiva na minha área em Porto Alegre. Tinha sido líder sindical e, com isso, fechado muitas portas. Outras, como na Zero Hora, estavam abertas, mas se voltasse, teria de fazer outra coisa. Foi aí que decidi vir para São Paulo. Tive uma rápida passagem pela revista Imprensa e entrei no Estadão a princípio para cobrir férias. Mas ainda bem que minha fama foi a da voracidade. Temia que se tornasse outra, porque lá no Sul, onde eu passava, o veículo fechava. Foi assim no Diário de Notícias, no suplemento da Gazeta, no Diário do Sul. Cheguei a pensar: “Meu Deus do Céu, sou o maior enterrador de jornais”. Quando cheguei no Estadão, tinha apenas um pensamento: “Este, eu não vou enterrar”. Ufa, e ainda bem que não enterrei. Pelo contrário, sempre me senti muito bem aqui. É verdade que eu gostava de ocupar espaço, mas também sinto reciprocidade. As pessoas confiam no meu trabalho, apoiam e me permitem fazer isso. Você participou do Festival de Cinema de Pernambuco e fez duras críticas aos longas e elogios aos curtas. Como anda o cinema nacional em sua opinião? Algumas pessoas disseram que o festival deste ano refletia a fraqueza do momento atual do cinema brasileiro. Discordo inteiramente. O que acontece é que devido à data desse festival to-
discutir sobre ele. Só preciso praticar um pouco mais, pois na hora de postar acabo perdendo alguns textos... muitos leitores e colegas gozam da minha cara por causa disso. É uma agitação, mas acho que morreria sem ela. O que você acha do trabalho das assessorias de imprensa da área de cinema? Fui fazer uma entrevista com um pessoal há alguns dias e a assessora que estava junto me encostou na parede e soltou a metralhadora no final: “Vai ser capa? Tu gostaste? Qual cotação tu vais dar?”. A pressão que eles fazem é absurda. Eles precisam entender que a parte deles é promover a reunião e esperar o dia seguinte, quando saberão o resultado. Isso é o resulEm 2006, Merten (segundo à esquerda) integrou o juri do Festival de Cinema de Cannes. tado da competição. Cabe ao jornalista estabelecer limites. Quem me convida deve saber que sedas as grandes produções, com mais negócio de era da imagem e da busca rei isento. Uma vez, a Sony me conviqualidade estética, brigam por uma pelos 15 minutos de fama. Mas o cresdou para uma junket do filme Memórivaga em Cannes e é preciso preservar cimento é bom e acontece não apenas as de uma Gueixa. Fui a Nova York, o ineditismo. Como falar que o mono Brasil, mas também nos Estados entrevistei a equipe toda. Mas no dia mento atual do cinema brasileiro é inUnidos e Europa. Hoje temos grandes em que o filme estreou no Brasil estasatisfatório se ganhamos um Urso de festivais do gênero até aqui em São Pauva havendo uma sessão especial do Ouro em Berlim com Tropa de Elite e lo, que atraem grandes públicos. Mas diretor Kenji Mizoguchi em São Pautivemos três filmes no Festival de Cié também verdade que os grandes dolo. Não tive dúvidas e escrevi: “Se você nema de Cannes* este ano? Existem cumentaristas nos dizem para ficar quiser conhecer o universo das gueixas, coisas fascinantes que estou louco para atentos com essa tendência. De qualesqueça o Memórias e vá assistir Mizover, como o filme do Belmonte e a Clequer forma, a influência é notável. O gushi, que produziu sua obra há 50 ópatra, do Bressane, premiados no Fesfenômeno do ano passado, Tropa de anos, mas é o diretor que melhor tratival de Brasília do ano passado. O que Elite, do José Padilha, é um filme de balha a mulher na cultura japonesa”. acontece é que no circuito nacional o grande riqueza para refletir o País. InOutro dia, topei com a assessora da cinema brasileiro é estrangeiro, mesmo fluência do atual momento. Mas os Sony. “E aí, como foi a estréia”. Ela sendo o dono da casa. dois melhores filmes do ano passado respondeu, braba: “Está preocupado foram documentários: Jogo de Cena, do por quê? O outro não era melhor?”. E Mesmo assim os curtas o surpreenEduardo Coutinho, e Santiago, de João eu: “Bom, que era, era...”. Sigo sempre deram... Moreira Salles. Ambos percorrem o a minha teoria e não escrevo o que não A seleção de curtas estava muito boa limite entre a ficção e a realidade, quero. No fim, é a mesma lição de mesmo. Mesmo aquilo de que não gosmostrando que o documentário é a ficMatrix: cabe ao jornalista resistir. tei tinha alguma contribuição para dar, ção que as pessoas fazem de si mesmas. elaborando o discurso do cinema brasiTodo mundo cria um personagem de Que dica você dá para o bom jornaleiro atual. Se não pensarmos em termos si quando fica diante das câmeras. lista que quer se aventurar pela área? de suportes, de tempo, de formato, se Também o documentarista assume Todos os anos, dou uma palestra no é longa, curta, digital, película, ficção ou que é um manipulador, que faz ficção curso do Estadão para os focas. Eu brindocumentário, o melhor filme que vi foi ao abordar um aspecto apenas da reco e digo que eles já podem ir se prepaum curta de 8 minutos feito em digital, alidade. Isso também é de uma riqueza rando, porque a primeira coisa que o que veio da Paraíba, chamado O Guarfantástica. foca faz no Caderno 2 são as Breves. Pois dador. Por isso, defendi que o prêmio de eu luto pelas Breves, assim como luto melhor filme fosse dado ao curta. ConComo está sendo fazer um dos blopor matéria e por capa. Não faz difetinuo achando que os filmes feitos em gs de maior sucesso na sua área para alrença. O dia em que eu morrer vai abrir película possuem uma qualidade estéguém que até bem pouco tempo detesemprego para todo mundo... (risos). tica visual muito mais apurada do que tava computadores? Mas é preciso se dedicar e valorizar até permite a tecnologia digital. Ainda que Estou viciado. O dia em que não os pequenos espaços. Como disse, não exista uma democratização maior, posto pelo menos uns cinco ou seis escrevo o que não quero, mas sou obritambém vem muita porcaria. Mas tamtextos, fico muito mal. É um texto mais gado a escrever sobre filmes de que não bém temos de pensar nas coisas boas caudaloso, pessoal. Meu editor chega gosto. Mas não faço jogo duplo. Ética e tornar as fronteiras mais flexíveis. Na a dizer que o blog está influenciando é fundamental. Ultimamente, muitos verdade, será que a duração é tão fundemais aquilo que escrevo, já que é jornalistas têm sido chamados para damental assim? Ilha das Flores, de produzido na primeira pessoa e você fazer pressbooks. É uma maneira de Jorge Furtado, tem apenas uns 17 ou precisa se expor. Claro que no jornal evitar a mesmice, mas acho que quem 18 minutos, é um dos maiores filmes não escrevo na primeira pessoa, mas é trabalha em Redação não deve ir por esse do cinema brasileiro. preciso manter o foco na informação. caminho. E quem lida com isso deve Sou prova da influência dos blogs no saber que sua função é dar ferramentas. Ultimamente há um boom de docujornalismo. Por outro lado, brinco que Quem cria é apenas o cineasta. mentários e cinebiografias. Como você meu blog vai entrar para a história analisa essa tendência? porque me recuso a colocar imagens lá. Há uma busca dos diretores e do A proposta é justamente essa, discutir * Esta entrevista foi realizada antes de Sandra Corveloni ganhar o prêmio de Melhor Atriz no Festival público pelas imagens verdadeiras, cinema, trocar idéias. Se quisesse imade Cinema de Cannes, pela sua atuação no filme documentais. Efeito também desse gens, estaria fazendo cinema em vez de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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Liberdade de imprensa
Diálogo, a receita para evitar a “censura togada” Juiz prega entendimento entre imprensa, Judiciário e o Ministério Público e critica o fenômeno da “juvenilização” da magistratura. Em mensagem à ABI, um experiente magistrado do Estado do Rio de Janeiro defendeu o estabelecimento urgente de um diálogo permanente entre a imprensa, o Poder Judiciário e o Ministério Público como solução para decisões judiciais como as que vêm gerando protestos dos profissionais e veículos de comunicação. Em sua edição número 330, com data de capa junho de 2008, o Jornal da ABI trouxe uma série de reportagens especiais denunciando a censura prévia. O Jornal da Tarde de São Paulo, por exemplo, foi impedido de continuar matéria sobre supostas irregularidades no Conselho Regional de Medicina de São Paulo-Cremesp, que ainda estava sendo apurada, por uma liminar. Já o Ministério Público Eleitoral ajuizou ações para aplicar severas multas contra a revista Veja e contra o jornal O Estado de S. Paulo, que publicaram, respectivamente, entrevistas com os candidatos a prefeito da capital paulista Marta Suplicy e Gilberto Kassab. Na mensagem à ABI, o magistrado toma como base para sua análise justamente esses fatos recentes e questiona o processo de admissão de membros do Poder Judiciário e do MP, no
qual identifica um processo de “juvenilização” da Justiça, ou seja, a admissão de juízes e promotores muito jovens e sem bagagem acadêmica e de vida, como um dos fatores de tantas decisões judiciais questionáveis e contraditórias. Diz o juiz, cujo nome a ABI considera desnecessário revelar, até mesmo para protegê-lo de reparos às observações que faz com extrema franqueza: “(...) Hoje, saindo para o Tribunal, passei os olhos no Jornal da ABI, que acabara de receber, e vi que o tema liberdade de imprensa e a atuação de alguns magistrados (uma certa ‘censura togada’) está nas páginas. Há na Justiça e no Ministério Público um fenômeno interessante. É a sua juvenilização. Como a carreira de juiz já não tem os atrativos de antes e como os novos integrantes do MP não podem mais advogar desde a Constituição de 1988, os concursos não mais atraem advogados experientes e conseqüentemente mais velhos e preparados. O requisito da prática foi facilitado, exigindo-se menos tempo e até se admitindo o de estágio. Resultado: candidatos, juízes e promotores muito jovens. É um pessoal que não tem vivência;
é a menininha de 22, 23 anos, que nunca se casou, nunca teve filhos, julgando um conflito de família, uma disputa por filhos, uma discussão sobre família socioafetiva; é o garoto da mesma idade, sem nenhum cabedal de conhecimento histórico ou político, que do golpe de 64 não teve nem notícia, julgando, com a moderníssima jurisprudência dos interesses, conflitos entre direitos fundamentais – algo extremamente complexo e delicado –, entre eles aqueles que contrapõem a liberdade de imprensa ao direito à honra, ou à intimidade, ou à privacidade. Os resultados não podem ser bons. A menininha e o garoto envelhecem, é claro. Mas a rotina forense, que absorve e é tirânica, não é o ambiente mais adequado para o arejamento de mentes. Eles vão envelhecer sem que seus horizontes se abram, essa é a triste e alarmante verdade. Poucos, é bom que se diga, têm, por exemplo, vida acadêmica, meio onde as idéias (ainda) são discutidas e as informações (ainda) circulam. Já os que chegaram à magistratura ou ao MP com mais bagagem e com mais idade, nós, os coroas, estamos divididos entre os que se alinham em posição mais retrógrada e os que
têm ojeriza à opressão, à censura, ao autoritarismo – alguns até resistiram a isso, quando nosso dia-a-dia era o terror que nós testemunhamos. Não creio que seja o caso de censurar os juízes. O CNJ faria isso, o que, de resto, sendo politicamente perigoso, é de constitucionalidade duvidosa. Acho que imprensa, Justiça e Ministério Público deveriam estabelecer um diálogo permanente, uma incessante troca de idéias e de informações. Isso com certeza absoluta dará bons resultados, não a curto ou curtíssimo prazo. Mas dará. De imediato não tenho dúvida de que proporcionaria grandes surpresas, algumas agradáveis. É natural: Imprensa, de um lado, magistratura e Ministério Público, de outro, esses dois interlocutores travam um diálogo de surdos. E cegos, porque não se vêem. E tome porrada de lado a lado. Isso é bom para a liberdade? Enfim, não pense que estou deitando cátedra nem pretendo fazê-lo. Eu me sinto mais ou menos o clássico filósofo – só sei que nada sei. E só não me atrevo a dizer que estou apenas pensando alto porque, afinal de contas, estou aqui no meu canto, juntando as pretinhas com meu pensamento.”
Vale a pena ver de novo! POR A DRIANO BARBOSA
Li, com tristeza, a matéria sobre a colega Elvira Lobato. Colega exposta à fogueira da inquisição “evangélica” de um empulhador da fé, mistificador que tem a sua vida escusa blindada pela miséria dos crédulos, dos desinformados, excluídos do discernimento. Deixaram a lagartixa à vontade e ela virou dragão. Autoridades e imprensa acordavamse diante do réptil peçonhento, escudado no uso e abuso do nome de Jesus. Lembro-me bem do documentário da Rede Globo sobre a “orgia evangélica” do empulhador em seu iate, com seus falsos pastores e “pastorinhas” de biquíni, tudo muito inspirado e “liberado” pelo bom “scotch” de alto preço. Nada melhor do que este filme, ao vivo e a cores, para jogar no lugar que lhe cabe este profanador da fé, das religiões verdadeiras, filosóficas e teologicamente baseadas nos princípios pregados pelo Mestre. No rastro do empulhador e nas dis-
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sidências da “Teologia da Enganação”, proliferaram outros “pastores” do art. 171 do Código Penal. A indiferença das autoridades, a ignorância dos explorados, até gente de degraus acima, deixaram-se fisgar pelos espertalhões impunes, em plena aplicação do estelionato. Surrupiam textos e rituais de todas as crenças e religiões — católica, espírita, umbandas e quimbanFacilmente encontrável no site YouTube, a reportagem do Jornal Nacional mostra vídeos-denúncia das, e o que mais houver e, realizados pelo pastor Carlos Magno (à direita) com Edir Macedo e lideranças da Igreja Universal. em nova versão de saltimbancos, vendem milagres, pudor de cavalgar contra Elvira Lobasão condenados mas ficam impunes, falso “primaz” da Universal, e seus lato, da Folha de S.Paulo, que nem respeiporque contam com a cumplicidade de caios da “Teologia da Empulhação”. Se tam mais, depois que a Rede Globo diotários do poder. Por aí, arrebanham faltar coragem à Globo, o que não cregeriu e engoliu a reportagem-verdade mais vítimas, fazem fortunas que esmos, ceda o filme para que a OAB e a da “Orgia evangélica de Angra dos condem, assim, de misteriosas fontes ABI o exibam, com entradas grátis, em Reis”, encabeçada por Edir Macedo e de renda fácil. Mais fácil, ainda, se dessuas sedes ou em praça pública. Tudo seu bando de empulhadores. pejarem os federais da banda boa numa por Elvira Lobato! E pelos enganados Vale a pena ver de novo. Mostre, “Operação Calvário” sobre eles. da fé. É confronto? Ao massacre dos Rede Globo, em defesa não só da repórÉ essa gente que, vendendo coqueimpostores. ter Elvira Lobato, mas da comunidade téis das fés, misturas de Deus e do diJornalista e membro do Conselho Fiscal da ABI de crentes iludidos, pisoteados pelo abo aos pobres de espírito, vai ao des-
Jornalista reclama de perseguição política Segundo editor do Foco Popular, de Seropédica, no Rio de Janeiro, ameaças são feitas por políticos locais. - Há quatro anos sofro ameaças diretas e indiretas de políticos. Além de fazer pressão, movem processos. O clima aqui é de coronelismo.” Este desabafo foi feito para a ABI por Gilberto Pessoa, editor do semanário Foco Popular, que circula em Seropédica, no Rio de Janeiro. Ele reclama que tem sido perseguido e que diversos processos por calúnia e difamação já foram movidos contra ele por autoridades municipais. – Inclusive por vereadores e prefeitos que se sucedem no clima conturbado da vida política de Seropédica – afirma. O jornalista cita alguns casos. Há dois anos, uma pessoa ligada ao então prefeito Gedeon Antunes moveu processo contra ele: — O elemento queria uma indenização por calúnia e difamação. Isso acontece porque o Foco Popular procura retratar a verdade dos fatos e isso incomoda algumas pessoas de mandato político. O problema mais recente deveu-se à publicação de uma matéria sobre a criação de um aterro sanitário na localidade: — Os Vereadores Valtinho do Frigodutra, Neuza Cezário dos Santos e Oscar José de Souza se posicionaram (a princípio) contra a atitude da Câmara, que optou pela implantação de um aterro sanitário no Município. O Foco Popular fez ampla cobertura, que desagradou aos três vereadores, que realizaram passeatas e utilizaram carro de som e pessoas humildes para ofender outros parlamentares e a mim. O jornal continuou a publicar o assunto e, de acordo com Pessoa, os vereadores moveram contra ele uma ação, pedindo R$ 150 mil por calúnia e difamação. A situação de Seropédica não é única. Como muitas outras pequenas cidades brasileiras, a atuação de imprensa é refém dos poderosos locais, muitos dos quais além do poder econômico, reinam absolutos na política local e, tantas vezes, também na imprensa. São lugares em que a liberdade de expressão ainda precisa sair, pelo menos, no papel.
MP conclui relatório sobre o assassinato de Luiz Carlos Barbon Jornalista teria sido morto por causa de reportagens sobre a negligência policial na fiscalização do comércio de cigarros contrabandeados. A conclusão da investigação do assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, revelou tons dramáticos. A investigação finalizada pelo promotor Gaspar Pereira Silva Júnior, do Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), de Campinas (SP), aponta cinco pessoas que estariam envolvidas no caso. De acordo com o relatório final, quatro delas seriam policiais militares, o quinto acusado é um comerciante da região. Barbon foi morto em 5 de maio de 2007, na cidade de Porto Ferreira, em um bar próximo da rodoviária local. O jornalista era conhecido pelas reportagens que fazia denunciando improbidade de autoridades e de políticos. Assim que tomou conhecimento da morte de Barbon, a ABI encaminhou um ofício ao Governador de São Paulo, José Serra, pedindo “intervenção para apuração rigorosa e eficaz” do assassinato do repórter, que colaborava com o Jornal do Porto e o JC Regional. De acordo com matéria publicada pelo Portal Imprensa, para o Ministério Público Barbon teria sido morto por causa das denúncias que vinha fazendo sobre a negligência dos policiais na fiscalização do comércio clandestino de cigarros contrabandeados. O relatório do promotor já foi encaminhado ao Fórum de Campinas.
Barbon era jovem, forte, pleno de vitalidade: cinco bandidos associaram-se para matá-lo.
No caso de não haver contestação de nenhuma das partes, o relatório será encaminhado à Justiça, que irá decidir se os acusados vão a júri popular. O advogado Ricardo Ramos, que re-
presenta a família de Barbon e atua como assistente da acusação, também entregou sua peça no final de julho. Espera-se que a decisão judicial saia até o fim de agosto.
“Estou sendo vítima da lei da mordaça” Jornal de São João da Barra (RJ) é processado por procurador após publicar denúncias. Em época de eleição, o abuso de poder – especialmente contra a imprensa – parece ser uma realidade cada vez mais constante no interior do País. Um dos últimos casos aconteceu em São João da Barra, no Rio. Em comunicado à ABI, o jornalista Carlos Augusto Abreu de Sá, diretor responsável pelo jornal São João da Barra, afirma que seu veículo está sendo processado pelo Procurador-Geral de São João da Barra, Carlos Guilherme Machado dos Santos, por crime de calúnia. O motivo da ação seria uma reportagem publicada em abril pelo jornal sobre pedido do presidente do Rotary Club Internacional de São João da Barra, Alcides da Silva Santos, para que o Ministério Público Estadual para Assuntos Difusos e Coletivos investigasse a compra, pelo procurador, de um Mercedez-Benz 2008 preto, registrado
no Detran com placa de Guarapari-ES MRX- 6661, e de um terreno (lote nº 6) no condomínio Privillege, em Campos do Goytacazes-RJ. O Presidente do Rotary informou ao jornal que o seu pedido de investigação ao MP deveu-se à suspeita de que “pode estar havendo mau uso do dinheiro público em ambas as transações”: — A remuneração de um ocupante de cargo público, mesmo sendo de procurador municipal, é incompatível com o bem adquirido, mesmo que ele nada gastasse com moradia, alimentação e outras necessidades básicas — garante Alcides da Silva Santos. Carlos Augusto de Sá se defende e diz achar estranha a atitude de Guimarães contra seu jornal, dizendo que o mesmo assunto já tinha sido noticiado pelo Correio de Domingo. O jornalista acredita que o seu único erro foi não ter ouvido
na matéria o próprio procurador, “apesar das inúmeras tentativas”: — O que eu publiquei foram notícias que já circulavam na cidade sobre a suspeita levantada contra ele pelo Presidente do Rotary Club, pedindo provas ao Ministério Público de que não estaria ocorrendo uso indevido do erário. No meu caso, acho que estou sendo vítima da lei da mordaça. O procurador é irmão da Prefeita Carla Machado e alega que a matéria tem conotação política para prejudicá-la nas próximas eleições. O diretor do São João da Barra foi intimado a comparecer à 2ª Vara Criminal do Município, no Estado do Rio, para uma audiência de pré-conciliação, no dia 9 de setembro. Outras seis pessoas também terão que comparecer à Justiça devido a ações movidas pelo procurador, por causa de comentários que fizeram circular no Orkut sobre o caso. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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AUTOCRÍTICA
“Os meios de comunicação precisam mudar a forma como cobrem a defesa nacional”
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Em encontro nacional que reuniu especialistas das áreas civil e militar, o Presidente da ABI reclamou mais atenção da imprensa na cobertura desse tema.
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MARCELLO CASAL JR./ABR
“Os meios de comunicação devem repensar urgentemente sua atuação e realizar uma cobertura mais sistemática das questões relacionadas com a defesa do País.” A avaliação foi feita pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, durante a palestra A mídia e a defesa nacional, um dos temas do 2º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa-Abede, realizado de 15 a 18 de julho no Campus Gragoatá da Universidade Federal Fluminense-Uff, em Niterói, RJ. Entre os pontos que devem receber mais atenção da imprensa, Maurício Azêdo destacou a necessidade de reaparelhamento das Forças Armadas, a ampliação da presença do Estado nas fronteiras ocidentais do País, uma política firme de combate ao desmatamento e a melhoria dos padrões de educação e saúde. Em sua exposição, feita a convite do Presidente da Comissão Organizadora do Encontro, Professor Eurico de Lima Figueiredo, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF, o Presidente da ABI assinalou que a idéia da defesa nacional ganhou força nos anos 10 do século XX, quando Olavo Bilac, Pedro Lessa e outros intelectuais criaram a Liga da Defesa Nacional, para fortalecer os sentimentos patrióticos de todas as classes sociais, por meio da difusão da educação cívica, do amor à justiça e do culto do patriotismo. – A Liga tinha por objetivo desenvolver as idéias expostas na revista A Defesa Nacional, importante publicação militar da época, lançada em 1903. Após uma atuação conservadora em fins da década de 1910, quando se opunha às reivindicações e greves dos operários e apoiava a repressão aos anarquistas, a Liga da Defesa Nacional modificou sua linha de conduta. Durante o Estado Novo, assumiu posição de combate ao nazifascismo na Europa, promoveu iniciativas como a campanha para o envio de um corpo expedicionário para lutar na Itália e encorajou o esforço de guerra no campo econômico, apoiando, por exemplo, a Campanha do Alumínio, destinada a promover o equipamento do País para as necessidades impostas pelo confli-
Um dos temas em discussão na Uff: a presença brasileira na missão de paz no Haiti.
to mundial – disse o Presidente da ABI. Maurício chamou a atenção para notícias publicadas nos dias anteriores ao Encontro relacionadas com a defesa nacional, como a recriação da 4ª Frota dos Estados Unidos, baseada na América do Sul, e os números do desmatamento na Amazônia Legal: só em maio foi devastada uma área de 1.096 quilômetros quadrados – quase a superfície da cidade do Rio de Janeiro. Ele lamentou que entre os defensores do desmatamento estejam “autoridades poderosas como o Governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, que tem coonestado a devastação de áreas florestais de seu Estado e que até o momento só tem encontrado recriminações e resistências do novo Ministro do Meio Ambiente, Deputado Carlos Minc”. O 2º Encontro Nacional de Associação Brasileira de Estudos de Defesa contou com programação variada e apresentação de diversos trabalhos em sessões temáticas e mesas-redondas. As discussões foram abertas e não se limitaram a aspectos militares, pois abrangeram temas de áreas como imprensa, educação e tecnologia. Pontos polêmicos também estiveram na pauta, como a globalização e os conflitos internacionais no século XXI, a cooperação brasileira com outras nações
e a presença de mulheres e homossexuais nas Forças Armadas. Além do Presidente da ABI, outros convidados participaram de variadas discussões. O Almirante-de-Esquadra Mauro César Flores, ex-Ministro da Marinha, falou sobre O pensamento estratégico e a defesa nacional; o Vice-Almirante Carlos Afonso Pierantoni Gamboa, Vice-Presidente da Associação Brasileira da Indústria Militar de Defesa-Abimde, discorreu sobre A base industrial da defesa. Outros temas abordados foram Vulnerabilidades e problemas na área tecnológica, pelo Professor Waldimir Pirró e Longo, da própria Uff; A política externa e a defesa nacional, pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores; O Congresso e a defesa nacional, a cargo do Deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE); A cooperação civilmilitar em áreas como educação, ciência e tecnologia, discussão coordenada pelo Professor Eurico de Lima Figueiredo. O Professor Antônio Jorge Ramalho da Rocha, da Universidade Nacional de Brasília, foi o moderador de uma mesaredonda que reuniu militares e acadêmicos para discutir a experiência em missões de paz com participação de tropas brasileiras, como a do Haiti, atualmente em curso.
erdade, memória e reparação. Foi para buscar esses três elementos que a Comissão de Anistria do Ministério da Justiça promoveu em 31 de julho, em Brasília, uma audiência pública com a presença de autoridades, representantes de entidades da sociedade civil, membros de movimentos pelos direitos humanos, juristas, anistiados, anistiandos políticos e seus parentes. Na pauta, uma discussão que tem gerado polêmica nos últimos tempos, mas que é essencial para a consolidação do processo democrático: é possível estabelecer responsabilidades e conseqüentes punições civis e criminais aos agentes que violaram os direitos humanos, praticando inclusive tortura, durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985? Uma das respostas mais contundentes foi dada na abertura do evento pelo próprio Ministro da Justiça Tarso Genro, que comparou a tortura praticada durante o período militar com um delito comum, ainda passível de punição: – A partir do momento em que o agente público, civil ou militar, torturou alguém, este agente público saiu da legalidade do próprio regime de exceção. Não queremos discutir o papel das Forças Armadas, nem a postura dos partidos políticos que apoiaram o regime de exceção. Estamos debatendo o comportamento do agente público que extravasou o mandato dado pelo Estado. A discussão de fundo é sobre a democracia, instituições republicanas, o nosso futuro. Com o tema Limites e possibilidades para a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante Estado de exceção no Brasil, a audiência realizada durante um dia inteiro no principal espaço do Ministério da Justiça, o Salão Negro, transformou-se ora em um autêntico seminário, ora em ato político, com intervenções enérgicas. Da mesa de abertura da audiência participaram, entre outros, o Ministro Paulo Vanucchi, Secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; Paulo Abrão, Presidente da Comissão de Anistia; Maurício Azêdo, Presidente da ABI; Cezar Brito, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Lúcia Stumpf, Presidente da União Nacional dos Estudantes-Une; Daniel Almeida, da Comissão Especial de Anistia da Câmara dos Deputados; Aldo Arantes, ex-Presidente da Une e ex-Deputado. Inconstitucional? O Presidente da Comissão de Anistia ressaltou o dever do Estado em possibilitar este tipo de discussão e apontou três vertentes principais sobre o
Direitos humanos FOTOS: ANTONIOCRUZ/ABR
A mesa da audiência reuniu os Ministros Paulo Vanucchi e Tarso Genro (4º e 5º à esquerda), Paulo Abrão (6º) e representações da sociedade civil, como a OAB, a ABI e a Une.
CLAMOR POR JUSTIÇA Em audiência pública promovida pela Comissão de Anistia, o Ministro Tarso Genro defende a punição dos torturadores durante a ditadura militar. O pioneiro na sustentação dessa idéia, lembrou a ABI, foi o General-de-Exército Rodrigo Otávio Jordão Ramos. tema: – Podemos começar citando aquela que entende que os crimes de tortura durante a ditadura não estão amparados pela Lei de Anistia de 1979, que seria inconstitucional; a outra que defende que a lei é válida, mas que a conduta dos torturadores não era amparada pela legalidade do regime de exceção; e ainda a que, à luz das convenções internacionais, impõe a responsabilização aos agentes pelos crimes de tortura. Este é um desafio a que nosso Poder Judiciário terá que responder, em um debate extremamente técnico e jurídico. O Presidente da OAB, Cezar Brito, salientou a importância de se levar o debate também para toda a sociedade e esclarecer o que aconteceu durante a ditadura militar: – O País precisa conhecer os erros que foram cometidos no passado para não repeti-los. Autora de ação civil contra o Coronel Brilhante Ustra, chefe do Doi-Codi em São Paulo nos anos 1970, a Procuradora da República Eugênia Fávero sustentou que não prescreveram os crimes cometidos contra os direitos humanos durante a ditadura militar, tanto que, observou, o Brasil pode ter esses casos julgados até por outros países, como aconteceu com o ditador chileno Augusto Pinochet, julgado pela Espanha por crimes cometidos no Chile.
– São crimes contra a humanidade, de lesa-humanidade, previstos desde 1945 pelo Tribunal de Nuremberg. Atos tão graves que ofendem toda a humanidade e não se sujeitam às limitações do Direito interno. Contestando os que consideram que é possível penalizar criminalmente os abusos cometidos no período, o advogado Thiago Bottino, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlkio Vargas do Rio de Janeiro, escolhido, como ele disse, para fazer o papel de “advogado do diabo”, sustentou que no Brasil apenas racismo e
atos de grupos armados contra o Estado são imprescritíveis. – O Ministério Público sustenta que o Brasil teria como considerar estes crimes imprescritíveis com base no Direito Internacional. Mas a convenção internacional que trata do assunto, de 1970, não foi assinada pelo Brasil – disse Thiago Bottino. Ele próprio, porém, lembrou que a responsabilização criminal é apenas uma forma de punição, e que esta também pode ocorrer nos campos administrativo e civil: – O mais importante é o resgate da história da nação. O
Tarso Genro, entre Vanucchi e Paulo Abrão, sustentou que a partir do momento em que o agente público praticou a tortura saiu da legalidade instituída pela própria ditadura.
direito à verdade é infinitamente mais importante. O precursor: um general Ao se manifestar na audiência, o Presidente da ABI contestou que o reclamo de responsabilização dos torturadores e autores de outros crimes contra os direitos humanos durante a ditadura constitua uma forma de “provocação às Forças Armadas”, como argumentam setores interessados em abafar ou encerrar o debate em torno da questão. Lembrou Maurício Azêdo que o precursor da formulação dessa exigência, ainda nos anos 70, foi um eminente chefe militar, um general de quatro estrelas, Rodrigo Otávio Jordão Ramos. Como ministro do Superior Tribunal Militar, já em 1978 o General Rodrigo Otávio votava pela absolvição dos acusados cujas confissões tivessem sido obtidas mediante torturas e defendia a identificação e responsabilização criminal dos autores dessas violências. – É certo que a maioria dos ministros do STM não aprovava a proposta do General Rodrigo Otávio no que concerne à punição dos torturadores, mas o fato é que a idéia de responsabilização desses criminosos teve como pioneiro esse ilustre chefe militar – disse Maurício.
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Direitos humanos
Monopólio da força Há tiros e mortos todos os dias no Rio de Janeiro, mas não se declara guerra. À sombra do poder, o crime não pára de avançar e o Estado,de recuar. A cada dia, mais um pedaço do território é ocupado e mais uma parte da população é subjugada e deixa de viver sob a democracia. POR ALTAMIR TOJAL
pliado. Mesmo reflexões contemporâneas sobre o poder formuladas por pensadores como Foucault, Deleuze, Hardt e Negri parecem não conduzir a proposições que descartem o Estado na configuração que conhecemos. As noções de revolução subjetiva e antipoder, inspiradas nessa base conceitual e em movimentos como o zapatismo lançam mais perguntas que respostas. E se os problemas e injustiças sociais exigem ações decisivas e urgentes, não é a ausência da autoridade do Estado que vai viabilizá-las. Estamos longe, no Brasil de hoje, de uma situação em que a insurreição armada seja a única instância de reivindicação e oposição ao poder. Também não vivemos nada parecido com uma estrutura ditatorial ou oligárquica que justifique movimentos como o brigantaggio (Itália, século XVIII) ou o cangaço no Nordeste brasileiro, em que banditismo e revolta social podiam se confundir.
A manchete do principal jornal do Rio de Janeiro e um dos mais importantes do País diz: “Grupos ilegais de segurança se espalham pela Zona Sul”. Estamos no último domingo de junho de 2008. A novidade que sustenta a notícia é a generalização, na região mais rica da cidade, da chantagem e da venda de proteção à população por grupos armados, ou seja, a expansão das chamadas milícias, que há tempo disputam território e poder com os traficantes de drogas nos morros, favelas e bairros pobres. Dez dias antes, O Globo publicara, na coluna de Merval Pereira, um comentário sobre a tese do economista Sérgio Besserman de que a causa central do quadro dramático da violência na cidade é a inexistência do monopólio da força pelo Estado em áreas crescentes onde governam grupos de traficantes e de milicianos. Vale ler a coluna. Mostra que, embora carentes de serviços públicos, muitas das áreas dominadas pelo poder paralelo do crime são tão ou mais bem servidas e assistidas pelo Estado, em termos de educação, saúde e saneamento, que diversos Municípios e mesmo outros bairros da cidade. A tese destoa, como se vê, do diagnóstico generalizado de que a grande causa da violência incontrolada na cidade é o abandono, por sucessivos governos, dos bairros mais pobres e das favelas. Besserman é pessoa bem qualificada para falar do tema. Foi Presidente do IBGE e hoje dirige o Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio. Para ele, o principal serviço público negado a essas populações é a segurança. Democracia cancelada Falar do monopólio da força pelo Estado parece coisa de conservador. Também pode parecer extemporâneo. Não é uma coisa nem outra. Quando o Estado não exerce o monopólio da força em seu território, abre-se espaço para que outros entes se imponham pela violência, cerceando liberdades fundamentais, como o direito de ir-e-vir e de se manifestar, como ocorre aqui e agora, nas áreas dominadas pelo crime no Rio de Janeiro, com populações submetidas a toques de recolher e ameaças permanentes à integridade física e à própria vida. O acesso de autoridades e serviços depende de permissão dos bandos. O mesmo
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Imagem da violência no Rio: o ônibus incendiado por ordem de bandidos, o policial que abandona a cena desolado, moradores promovendo a pilhagem final na carcaça que restou.
ocorre com os candidatos a cargos eletivos, o que significa intervenção no direito de voto. A lista de violações e abusos é extensa. Até a imprensa discute se pode ou não enviar jornalistas a estas áreas, depois dos casos de assassinato e tortura de repórteres. Estado e antipoder Se o Estado nacional é hoje acossado por poderes globalizados, isso não significa que possa deixar de cumprir suas obrigações perante a população, exer-
cendo o monopólio legítimo da força. Este dever é um dos fundamentos da idéia do Estado moderno, ressaltado de Maquiavel a Hobbes e Weber. Marx desvelou a lógica da dominação na idéia de Estado e preconizou que a saída definitiva dos conflitos e injustiças sociais seria a sociedade sem Estado. Pode ser, mas quando? Os governos ditos de orientação marxista não deixaram de exercer o monopólio da força, abusaram disso e foi aí que mais tropeçaram. Gramsci trouxe o conceito de Estado am-
Pobres e ricos Não é de hoje que Besserman expõe a idéia de que a vitória sobre a violência no Rio passa pela reconquista do monopólio da força pelo Estado nas áreas dominadas pelo crime, geralmente onde vivem populações pobres. Mas cabe indagar se o domínio do crime se restringe somente a essas áreas. Besserman acredita que o Estado ainda exerce o monopólio da força nas partes ricas do Rio, e dá o seguinte exemplo na entrevista a Merval: “Se amanhã o Novo Leblon ou o Jardim Pernambuco fossem tomados por um bando qualquer, uma milícia ou o tráfico, no dia seguinte estava todo mundo lá: Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e Polícia Civil. E não seria para acabar com o tráfico, mas para libertar o território, proteger os cidadãos, garantir que ali o Estado tem o monopólio da força.” Talvez sim. Mas seriam as mesmas tropas que garantiam as obras do Projeto Cimento Social, no Morro da Providência? Império da corrupção Aquela manchete dominical do Globo parece prenunciar que mesmo o território dos bairros mais ricos da cidade começa a ser conquistado pelo crime, com o conseqüente enfraquecimento do poder do Estado e todas as decorrências já conhecidas nas áreas mais pobres. Se isso ainda não é osten-
sivo nas ruas e praças da Zona Sul, é realidade há muito tempo no medo, nas precauções e nas restrições a que se impõe a população. Sabemos que a violência acontece, com tanta ou mais eficácia, de formas mais sutis que a mira de uma arma. Não bastasse a ocupação do território físico da cidade por traficantes e milícias, há a ocupação do território simbólico pelo império da corrupção em palácios, gabinetes, parlamentos e tribunais, que abonam a permissividade com o crime e fomentam o processo que subtrai do Estado o monopólio da força. A Colômbia será aqui? Não há como evitar uma aproximação entre o que se passa no Rio de Janeiro e o caso da Colômbia, onde a nação encontra-se há décadas fissurada pela violência, que envolve o tráfico de drogas e outros crimes, o paramilitarismo e a guerrilha. São dois processos distantes na origem e nos desdobramentos, mas têm em comum exatamente a perda progressiva do monopólio da força pelo Estado. Lá, este processo tem origem em acontecimentos políticos do fim da década de 40, que inauguraram um longo período de insurreições, deflagrando a guerrilha. Recorro ao texto Do monopólio legítimo da força às dificuldades encontradas pelo Estado contemporâneo: o caso da Colômbia, de autoria de Cesar Dutra Inácio, pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Faperj. Equívocos por parte do Estado colombiano, incentivando o armamento de cidadãos particulares para enfrentar a guerrilha, permitiram a formação de grupos paramilitares, o que acentuou ainda mais o quadro da violência no país. À privatização da guerra interna juntou-se a degradação estatal, com a corrupção policial incentivando a elite a investir em segurança privada. Em 1968, o Governo legalizou a formação de organizações mercenárias. Hoje, o Estado colombiano não exerce o monopólio da força em amplas áreas de seu território. O narcotráfico é o fio condutor de todo o emaranhado de violência na Colômbia, envolvendo a guerrilha e paramilitares. E confere um cunho internacional ao problema interno, ou seja, mais um elemento que afeta o Estado, mas está fora de sua esfera de controle. É claro que o Brasil não é assim. E no Rio de Janeiro a história é outra. Não há insurreição nem guerrilha. O processo aqui é sutil. Trocam-se tiros e há mortos todos os dias, mas não se declara guerra. À sombra do poder, rua a rua, praça a praça, o crime não pára de avançar e o Estado, de recuar. A cada dia, mais um pedaço do território é ocupado e mais uma parte da população é subjugada e deixa de viver sob a democracia. Altamir Tojal, jornalista e escritor, é sócio da ABI.
Reparação histórica Após quase um século no esquecimento, João Cândido, o líder da Revolta da Chibata, de 1910, é anistiado, mas ainda sem indenização. de maio passado. Agora, após a Com 97 anos de atraso, o Espublicação do ato legislativo no tado brasileiro concedeu, no fiDiário Oficial de 24 de julho, tornal de julho, a anistia post-mornou-se oficial. tem de João Cândido Felisberto, O reconhecimento do direito líder do movimento que entrou de João Cândido Felisberto e seus para a história como a Revolta companheiros à anistia, no enda Chibata, em 1910. Conhecitanto, não satisfaz totalmente os do como Almirante Negro, João anseios da família, que esperava Cândido liderou o movimento que o Governo tivesse o mesmo deflagrado no Rio de Janeiro, em comportamento adotado em re22 de novembro de 1910, contra lação aos anistiados políticos: – os castigos adotados na Marinha Minha família agradece à Senadodo Brasil, que punia com chibara Marina Silva e demais congrestadas as transgressões e faltas sistas responsáveis pela iniciativa, disciplinares dos marinheiros. pelo gesto em memória de meu O estopim para a revolta foi o pai, mas o Governo está cometencastigo com 250 chicotadas, a do uma injustiça, pois não existe bordo do navio Minas Gerais, anistia sem o reparo indenizatósofrido pelo marinheiro Marcelirio. Meu pai sofreu muito. Apeno Rodrigues Menezes, acusado sar de ter sido anistiado em 1910 de ter machucado um colega. O e absolvido em 1912 de todos os motim teve a participação de cerinquéritos que o incriminavam, fica de 2 mil marinheiros, que, da cou sem condições de sustentar a Baía de Guanabara, ameaçavam família, porque foi dispensado da bombardear a Capital Federal da Marinha – diz Adalberto do Nasépoca, caso a Marinha não intercimento Cândido, filho caçula de rompesse os suplícios físicos. AcuJoão Cândido. ado, o Governo determinou a susCandinho, como é tratado, é pensão dos castigos, mas pouco o funcionário mais antigo da ABI, a pouco, em segredo, foi imponna qual ingressou pela mão do do represálias aos revoltosos. jornalista Edmar Morel, biógraA anistia do líder e de todos os participantes do movimento João Cândido num flagrante de significação histórica, após fo do lider da revolta. Nas pesquia vitória apenas aparente da insurreição que liderou. sas que fez para o seu livro, o hoje já havia sido concedida pelo Declássico A Revolta da Chibata, creto Legislativo nº 2.280, de 25 voltosos para áreas inóspitas da AmaMorel descobriu as condições de penúde novembro de 1910, ou seja, no terzônia, onde dezenas de marinheiros ria em que viviam João Cândido e sua ceiro dia da revolta, que durou quase morreram. Por isso, a idéia de concefamília: João Cândido vendia peixe no uma semana. Aprovada, mas na práder a anistia póstuma a João Candido antigo entreposto da Praça Quinze, no tica ignorada. Ao contrário: passado e outros participantes do motim foi reRio, mas não era dono do ponto, e sim o impacto causado pela rebelião, o Gotomada e aprovada no Senado, em 13 apenas auxiliar do peixeiro. verno desterrou grande parte dos re-
A vida de João Cândido mais perto das telonas A ABI adere à Frente de Apoio ao Projeto Chibata, que busca levantar apoio e recursos para a filmagem da saga do Almirante Negro. Liderada pela Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA) e com a participação de outras entidades, entre as quais a ABI, foi lançada no Rio, também no final de julho, a Frente de Apoio ao Projeto Chibata. Seu objetivo é viabilizar a realização do longa-metragem Chibata – A vida de João Cândido, que contará a saga do líder do motim que se estendeu de 22 a 27 de novembro de 1910, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, contra os castigos físicos em vigor na Marinha. Além da ABI e da UMNA, assinam o manifesto em favor da produção do longa-metragem o Movimento Democrático pela Anistia e CidadaniaModac e a Conexão Zumbi-João Cândido, entre outras entidades. A Frente espera que o filme chegue às telas em 2010, quando se comemora o centenário da Revolta da Chibata. O projeto tem o apoio da
família de João Cândido. Sua filha, Zeelândida, antes de morrer, deu sua aprovação ao projeto. Adalberto Cândido, o Candinho, funcionário da ABI há 55 anos, aprovou o roteiro do longa, já registrado na Biblioteca Nacional. Fundamentando a iniciativa, o documento assinado pela Frente cita o apoio do atual Comandante-Geral da Marinha, Almirante-deEsquadra Julio Soares de Moura Neto, e de políticos de diferentes partidos ao processo de anistia póstuma de João Cândido. “O filme será mais uma iniciativa a endossar o processo, possibilitando o reconhecimento da importância histórica deste homem que, diante da violência institucional contra milhares de militares, optou por uma reação radical complexa, porém digna”, diz o texto do manifesto.
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AUTODEFESA
Em defesa do diploma, do jornalismo e da democracia Manifesto lançado pela Fenaj pela obrigatoriedade da formação superior para jornalistas recebe adesão da ABI em encontro no Rio. Em encontro realizado no dia 2l de julho, a ABI deu a sua adesão ao Manifesto à Nação Em Defesa do Jornalismo, da Sociedade e da Democracia no Brasil. Lançado pela Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, o documento defende a obrigatoriedade do diploma de curso superior para o exercício da profissão. A reivindicação é objeto do Recurso Extraordinário (RE) 511961, no Supremo Tribunal Federal (STF), que tem como relator o Ministro Gilmar Mendes, Presidente da Suprema Corte. “Os ministros do STF não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existiam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e dos cidadãos. (...) A exigência da formação superior é uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade, que modificou profundamente a qualidade do jornalismo brasileiro. Derrubar este requisito significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real
compromisso com a função social da mídia. (...) A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas especialistas, notáveis ou anônimos se expressem por meio dos veículos de comunicação”, defende o documento em alguns de seus trechos. Além dos representantes da ABI, o Presidente Maurício Azêdo e Oswaldo Maneschy, participaram do encontro o Presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, e a Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Suzana Blass. É esta a íntegra do manifesto liderado pela Fenaj: “Manifesto à Nação Em Defesa do Jornalismo, da Sociedade e da Democracia no Brasil A sociedade brasileira está ameaçada numa de suas mais expressivas conquistas: o direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia. O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar o Recurso Extraordinário (RE) 511961 que, se aprovado,
MUDANÇA
A liberdade de volta ao Vasco Em mensagem ao novo dirigente do Vasco da Gama, a ABI saudou a eleição de Roberto Dinamite e pediu o restabelecimento do diálogo entre o clube e a imprensa. Em seu primeiro dia de expediente, Dinamite fumou o cachimbo da paz com os jornalistas. Selar a paz entre o clube, de um lado, e os jornalistas e veículos de comunicação, de outro. Este foi o objetivo de telegrama enviado pela ABI ao Deputado Roberto Dinamite, logo após a sua eleição para a Presidência do Clube de Regatas Vasco da Gama. Na mensagem, a ABI pediu ao novo Presidente para promover um encontro de regularização das relações com a imprensa, as quais foram seriamente estremecidas e se tornaram acidentadas na gestão de seu antecessor, Eurico Miranda. A ABI ofereceu sua sede para que o antigo ídolo vascaíno oficializasse também o restabelecimento da liberdade de acesso às informações do clube, que foram bloqueadas principalmente ao jornal Lance! e à Rede Globo de Televisão. A oferta não precisou ser aceita: na manhã seguinte à suaposse, em 1º de julho, Roberto Dinamite convidou os jornalistas para uma entrevista coletiva na sede de São Januário e estabeleceu novo clima nas relações entre o clube a imprensa. 34
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Além de enviar o telegrama, o Presidente da ABI cumprimentou pessoalmente o novo dirigente vascaíno, durante a cerimônia de posse na sede náutica do clube, na Lagoa, à qual compareceram autoridades como o Ministro dos Esportes, Orlando Silva; o Governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral; o Desembargador Walter D’Agostino, flamenguista e membro do Conselho Deliberativo do Flamengo, representando o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Murta Ribeiro; o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que leu saudação do Presidente Luiz Inácio da Silva a Roberto Dinamite e disse em seu discurso que Lula tem dois clubes: o Corinthians, em São Paulo, e o Vasco, no Rio. Entre as personalidades presentes estavam o Presidente de Honra da Fifa, João Havelange; o Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman; o Presidente do Flamengo, Márcio Braga; o Presidente da Confederação Brasileira
vai desregulamentar a profissão de jornalista, porque elimina um dos seus pilares: a obrigatoriedade do diploma em curso superior de Jornalismo para o seu exercício. Vai tornar possível que qualquer pessoa, mesmo a que não tenha concluído nem o ensino fundamental, exerça as atividades jornalísticas. A exigência da formação superior é uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade, que modificou profundamente a qualidade do Jornalismo brasileiro. Depois de 70 anos da regulamentação da profissão, e mais de 40 anos de criação dos cursos de Jornalismo, derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia. É direito da sociedade receber informação apurada por profissionais com formação teórica, técnica e ética, capacitados a exercer um jornalismo que efetivamente dê visibilidade pública aos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas. Os brasileiros merecem um jornalista que seja, de fato e de direito, profissional, que esteja em constante aperfeiçoamento e que assuma responsabilidades no cumprimento
de seu papel social. É falacioso o argumento de que a obrigatoriedade do diploma ameaça as liberdades de expressão e de imprensa, como apregoam os que tentam derrubá-la. A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas especialistas, notáveis ou anônimos se expressem por meio dos veículos de comunicação. O exercício profissional do jornalismo é, na verdade, a garantia de que a diversidade de pensamento e opinião presentes na sociedade esteja também presente na mídia. A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade à informação livre, plural e democrática. Não apenas a categoria dos jornalistas, mas toda a Nação perderá se o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão no País ficar nas mãos destes interesses particulares. Os brasileiros e, neste momento específico, os Ministros do STF, não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existiam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência, de todos os cidadãos!”
de Vôlei, Ari Graça; o ex-Presidente do Fluminense David Fichel; o ex-lateral Júnior, do Flamengo e da Seleção Brasileira, bem como conselheiros e destacados sócios do Vasco, entre os quais Olavo Monteiro de Carvalho, Arthur Sendas, José Carlos Osório e o cantor e compositor Erasmo Carlos. Tamanha quantidade de ilustres presenças deixou clara a importância da troca da direção do clube.
que estava acompanhado do pai, Sérgio Cabral, da mãe, Magali, e de três dos cinco filhos: Thiago, Eduardo e Marco Antônio. Em muitos momentos da cerimônia e especialmente em seu discurso de posse, Roberto Dinamite foi muito aplaudido pelas centenas de presentes, que também em vários momentos entoaram o refrão de homenagem e incentivo ao clube: Casaca! Casaca! Casaca! A turma é boa! É mesmo da fuzarca!Vasco! Vasco! Vasco!”
Pelo direito de ir-e-vir
No discurso de posse, Roberto Dinamite disse que o Vasco iria restabelecer os direitos de ir-e-vir e de estar e também a liberdade de expressão, que tinham sido banidos do clube nas gestões precedentes. Ele fez uma exortação à união dos grandes clubes do Rio, para o fortalecimento do futebol do Estado, que, disse, se refletiria de forma positiva em todo o Brasil. Dinamite fez questão de mencionar a sua amizade com Júnior, lembrando que os dois se enfrentaram diversas vezes, mas sempre em clima de respeito recíproco, tanto que as duas famílias se tornaram amigas. Ele apontou essa amizade como prova da convivência desejável: as disputas no futebol devem travar-se apenas nas quatro linhas do campo. No clímax da cerimônia, o novo Presidente anunciou suas primeiras homenagens e entregou placas a João Havelange, Orlando Silva e Sérgio Cabral Filho,
Nossa mensagem
O telegrama enviado pela ABI dizia: “Deputado Roberto Dinamite, Felicito o querido amigo pela merecida eleição para Presidente do glorioso Clube de Regatas Vasco da Gama e faço votos de uma gestão fecunda, compatível com a grandeza vascaína. Sugiro que logo após a posse você receba numa entrevista coletiva a reportagem esportiva, para marcar e celebrar a retomada da liberdade e da cordialidade do Vasco em suas relações com a imprensa. A ABI ficará honrada em sediar tão relevante encontro, em dia e hora que o querido amigo marcar. Receba e transmita a seus dignos pares na Diretoria e no Conselho do Vasco as homenagens da Diretoria, do Conselho Deliberativo e do quadro social desta centenária Associação Brasileira de Imprensa. Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
IDIOMA COMPETIÇÃO
O futuro ao português pertence? Ora pois... O Ministro da Educação anuncia que no Brasil a unificação ortográfica começa em um ano. Calcula-se que atualmente mais de 200 milhões de pessoas falam português em todo o mundo. E até 2025 estimase que ele seja a sétima língua mais falada no planeta. Isto é, caso as decisões políticas dos países membros da Comunidade dos Países de Língua PortuguesaCPLP permitam isso. Muito ainda precisa ser resolvido. Diversos gramáticos consideram que o acordo para padronizar a escrita nos diversos países tem vários pontos obscuros. Tanto que apenas Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde o ratificaram. Ainda faltam Angola, Moçambique, GuinéBissau e Timor Leste. E a pátria-mãe portuguesa está dividida sobre a questão. Apesar das dúvidas, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, mantém o otimismo. Ele afirmou no final de julho, em Lisboa, que o Governo brasileiro está elaborando um cronograma de execução do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e espera que brevemente o decreto sobre a unificação possa estar disponível para consulta pública no Brasil. As novas regras ortográficas começarão a ser implantadas nos livros didáticos dentro de um ano, e o Ministro espera que esse processo de unificação esteja concluído no País até 2011 ou, no máximo, 2012. Em entrevista à Agência Brasil, Fernando Haddad disse que está bem adiantado junto ao Itamaraty e ao Ministério da Cultura o cronograma para que o decreto presidencial sobre o assunto possa ser posto em consulta pública, o que poderá ocorrer antes do que muitos pensavam: – Pretendemos publicar esse decreto no Diário Oficial nos próximos meses, talvez ainda em outubro. A unificação da língua portuguesa foi tema de debate da 7ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Haddad esteve no evento acompanhando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em conversa com os jornalistas, o Ministro sustentou que a unificação vai facilitar a comunicação entre os países que falam o idioma e, conseqüentemente, gerar intercâmbio e novas oportunidades. Por isso, o esforço e a pressa: – Imagine a dificuldade, nos órgãos internacionais, de tradução de documentos e a dificuldade em fazer com que o português seja aceito como língua oficial de organismos multilaterais. Isso deve mudar – declarou.
A história escrita por jornalistas O Prêmio Esso de Jornalismo, o mais importante do Brasil, chega à sua 53ª edição e mostra o poder da imprensa livre e meio século de mazelas no País. Quando os repórteres Mário de Moraes e Ubiratan de Lemos, de O Cruzeiro, embarcaram na boléia de um caminhão para acompanhar a odisséia de 102 pessoas que abandonavam suas terras no Nordeste para buscar melhores oportunidades no Rio de Janeiro, em meados dos anos 1950, o jornalismo no Brasil passava por uma fase de grandes mudanças. Até então, os repórteres trabalhavam isolados, usavam as redações para fazer seus bicos e exploravam o sensacionalismo para vender suas idéias aos chefes e patrões. Mas, desde então, a profissionalização da imprensa rapidamente substituiria a era do romantismo. O trajeto de 2,3 mil quilômetros foi vencido em 11 dias, mas a viagem de Moraes e Ubiratan não seria mais esquecida. Não somente pela denúncia de um drama social ou por causa do tifo contraído por Moraes, que o deixou internado em um hospital. Com essa reportagem, a dupla ganharia o primeiro Prêmio Esso de Jornalismo, em 1955. Hoje, em sua 53ª edição, o Esso é de longe a mais importante premiação do jornalismo praticado por aqui. Ao serem reunidos, os trabalhos vencedores ano a ano – nunca houve interrupção na entrega do prêmio – contam de forma eloqüente a história recente do Brasil e revelam os segredos da Pátria Tupiniquim. Corrupção, política, quarteladas, violência policial, falta de segurança, desigualdade social, conflitos pela terra, concorrências públicas
manipuladas: os temas premiados ao longo das décadas se repetem com impressionante regularidade e mostram uma contínua luta contra as mazelas que afligem a nação. Por outro lado, deixam clara a existência de uma imprensa livre, com poder para refletir os anseios da sociedade por mudanças e a busca de justiça e de cidadania. Diante de tudo isso, a importância do Esso é inestimável. Grandes reportagens Patrocinado pela Esso Brasileira de Petróleo, mesma empresa que também batizaria dois dos principais noticiários da televisão e do rádio brasileiros, o Repórter Esso, o prêmio será concedido neste ano ao melhor trabalho publicado na imprensa entre 1º de setembro de 2007 e 31 de agosto deste ano. Outras 13 categorias, nas quais se incluem fotografia, primeira página e criação gráfica, receberão prêmios específicos para trabalhos em jornais e revistas. Desde 2001 também está em disputa o Prêmio Esso de Telejornalismo, destinado ao melhor trabalho jornalístico exibido na televisão. O critério de julgamento será o mesmo utilizado nos últimos anos. Mais de 80 jurados, integrantes de um conjunto de cinco comissões, divididas em várias instâncias, terão a responsabilidade de indicar os trabalhos finalistas e apontar os vencedores. Mídia impressa e mídia eletrônica terão comissões próprias, cabendo a uma comissão final decidir pendências encaminhadas
pelos jurados anteriores. A RP Consultoria, que administra e coordena o prêmio há 17 anos, revela que desde que foi criado já concorreram ao Esso mais de 20 mil trabalhos jornalísticos. Entre os vencedores estão fotos de momentos constrangedores de Presidentes como Jânio Quadros e Castelo Branco – este, no auge da ditadura. Também coberturas que revelavam os bastidores da corrupção na política nacional, como as reportagens das revistas Veja e IstoÉ mostraram o escândalo PC Farias e contribuíram para a derrubada do Presidente Fernando Collor. Textos memoráveis, até históricos. Um dos mais emocionantes foi o que elucidou as circunstâncias da morte do jornalista Mário Eugênio. Ele foi executado de forma brutal por policiais civis, militares e do Exército, que formavam o Esquadrão da Morte, organização envolvida com roubos e corrupção. Os jornalistas mais premiados são Carlos Wagner, com sete Esso, e Juarez Bahia, com seis. Os veículos que mais conquistaram o prêmio foram o Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo. Para a edição 2008 as inscrições serão encerradas em 31 de agosto. O anúncio oficial dos finalistas será feito em 7 de novembro, com a festa de entrega da premiação prevista para o início de dezembro. O valor total da premiação é de R$ 109 mil. Quem quiser acompanhar as novidades e saber mais pode acessar o site do Prêmio: www.premioesso.com.br.
LEGISLAÇÃO
Novas regras para a profissão O Ministério do Trabalho cria grupo de estudo para discutir nova regulamentação. O Governo Federal deu o primeiro passo para atender uma antiga reivindicação de sindicatos e associações que representam os jornalistas em atividade no País. O Diário Oficial da União publicou em 25 de julho a Portaria nº 342/08, que cria um grupo de estudo encarregado de propor alterações na legislação e regulamentar a profissão de jornalista, incluindo novas funções criadas nos últimos anos, como a de assessor de imprensa. A comissão tem 90 dias para apresentar relatório final ao Ministério do Trabalho com suas propostas.
A formação do grupo – composto por três integrantes do Ministério do Trabalho, três representantes das categorias profissionais e três representantes dos empresários – faz parte de compromisso recentemente assumido pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Luppi, em reunião com dirigentes sindicais da categoria. A proposta da criação do grupo de estudos foi discutida em encontro com membros da ABI, da Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de
Janeiro, realizado na segunda-feira anterior à publicação da portaria. A legislação que regulamenta a profissão é de 1969 e está desatualizada. – Essa providência contempla uma reivindicação necessária e oportuna diante das novas funções profissionais e de tantas coisas que estão em discussão – disse o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que informou que convidaria o jornalista Pery Cotta, membro do Conselho Deliberativo da ABI e professor de Comunicação, para representar a Casa na comissão. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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COMPROMISSOS
SOLIDARIEDADE
Crivella entrega à ABI sua Carta ao Povo do Rio
Rádio Brasil no Timor Leste
O candidato assume compromisso de fazer um governo para todos, sem religião e de tratar os órgãos de imprensa de forma igual.
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Jornal da ABI 331 Julho de 2008
AGÊNCIA SENADO
Em encontro com o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, em 11 de julho, o Senador Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), fez a entrega formal do documento Carta ao Povo do Rio de Janeiro, em que expõe os compromissos que pretende submeter ao julgamento dos eleitores. No documento, o candidato apresenta 12 pontos, como o de não permitir qualquer tipo de discriminação religiosa e de opção sexual, apoiar festas como o Carnaval, não nomear para seu secretariado membros da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual é membro, e tratar todos os órgãos de imprensa de forma igual. O senador procurou responder com a Carta a uma série de restrições feitas a ele antes da campanha. A iniciativa segue o exemplo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva na campanha eleitoral de 2002, na qual ele lançou a Carta ao Povo Brasileiro. Durante a reunião com o Presidente da ABI, Crivella revelou ter entregue o documento ao Cardeal Dom Euzébio Scheid, à Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro e à Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro-Liesa, destinatários iniciais aos quais se somarão outras instituições representativas da sociedade civil, às quais ele pretende informar suas propostas de governo. Crivella disse ainda que deseja afastar qualquer idéia de que, na hipótese de ser eleito, fará um governo religioso ou sectário, pois almeja ser a expressão da pluralidade da sociedade carioca. É esta a íntegra do documento. Carta ao Povo do Rio de Janeiro ”Há seis anos, na eleição para a Presidência da República, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão corajosa que marcou a história de sua campanha, lançando a Carta ao Povo Brasileiro. Nela anunciou seus compromissos, seus caminhos e suas diretrizes para governar o Brasil caso fosse eleito. O manifesto acabou com os boatos e com as especulações sobre como seria o novo Governo, tranqüilizando o mercado, os empresários, os eleitores, enfim, tranqüilizando toda a nação. A campanha transcorreu em paz e a transição de Governo se fez de forma democrática e civilizada. Eleito, Lula cumpriu os compromissos assumidos com o País e o Brasil vive hoje esse momento especial, com a sua economia crescendo de uma maneira vigorosa, gerando milhares de empregos e melhorando a distribuição de renda do povo brasileiro. De alguma forma, sinto que a minha candidatura, guardadas as devidas proporções, também re-
Crivella veio à ABI e foi à OAB-RJ, à Arquidiocese e à Liga das Escolas de Samba para entregar sua Carta aos eleitores.
presenta grandes mudanças para o Rio, gerando inquietações naturais. Por isso, me senti estimulado a seguir os passos do Presidente Lula, por quem tenho grande amizade, respeito e admiração, lançando hoje, data em que inicio a minha campanha à Prefeitura do Rio de Janeiro, uma carta ao povo carioca. Sempre gostei das coisas diretas e objetivas. Por isso, neste instante, quero dizer a vocês, de forma clara e transparente, o que representa a minha candidatura e quais os meus compromissos com o povo do Rio, caso seja eleito prefeito da nossa cidade, compromissos estes pelos quais gostaria de ser cobrado. 1 - Assumo o compromisso de não permitir a intolerância, a discriminação a cultos de qualquer origem e natureza. A base da nossa gestão será a defesa da liberdade, que inclui a liberdade de expressão e a liberdade religiosa. 2 - Assumo o compromisso de repudiar e reprimir qualquer manifestação homofóbica na esfera do Poder Público municipal. A base de meu Governo será o respeito à diversidade. 3 - Assumo o compromisso de apoiar as tradições e manifestações culturais do Rio, em particular o Carnaval. Não temam qualquer tentativa de patrulhamento sobre o estilo desta festa popular conhecida internacionalmente e tão importante para a economia de nossa cidade. 4 - Assumo o compromisso de escolher um secretariado técnico, baseado na competência de cada profissional. Buscarei os melhores quadros, onde quer que estejam, para compor
a nossa equipe de trabalho. 5 - Assumo o compromisso de não ter entre os meus 15 secretários municipais, seis secretários especiais e dois secretários extraordinários nenhum membro da minha Igreja. O que pretendo, com isto, é dar uma demonstração clara e inequívoca de que não serei de forma alguma o prefeito de uma instituição religiosa. Mas, sim, de todas as crenças, de todas as religiões, de todos os cariocas. Peço a compreensão dos membros de minha Igreja. Mas a intenção desta decisão é proteger, não a mim, mas a eles. 6 - Assumo o compromisso de não empregar nos quadros da Prefeitura qualquer integrante de minha família e isto inclui minha esposa e meus filhos. Sou terminantemente contrário a qualquer tipo de nepotismo. 7 - Assumo o compromisso de não inchar a máquina da Prefeitura Municipal. Não vou criar novos cargos públicos, não vou criar novas secretarias. Não haverá populismo na minha gestão. 8 - Assumo o compromisso de concentrar as nossas energias e o recurso municipal em ações de saneamento básico, educação, saúde, habitação, transporte e outras iniciativas de cunho social. Todas as obras em andamento serão concluídas. 9 - Assumo o compromisso de continuar lutando para promover a participação das Forças Armadas no apoio às obras de caráter social e de infra-estrutura. Como senador, já apresentei projeto para regulamentar esta parceria. 10 - Assumo o compromisso de apoiar e promover, no que couber à esfera municipal, todas as ações de combate à criminalidade em parceria com o Governo Estadual e Governo Federal. 11 - Assumo o compromisso, por mais óbvio que isto possa ser, de tratar todos os órgãos de imprensa falada, escrita e televisada de forma igualitária, criteriosa e justa. Sem absolutamente nenhum tipo de preferência ou proteção, sob qualquer motivo ou pretexto. 12 - Por fim, assumo o compromisso de promover a paz e o entendimento, buscando sempre trabalhar em parceria com o Governo Estadual e o Governo Federal, com a sociedade civil organizada e a iniciativa privada. Somente assim poderemos verdadeiramente superar os imensos desafios e melhorar a nossa cidade. Chega de conflitos. Chega de brigas políticas. Vamos arrumar o Rio. (a) Marcelo Crivella Candidato a prefeito pela Coligação Vamos Arrumar o Rio.”
Campanha pretende instalar emissora de baixa freqüência em língua portuguesa no país recémlibertado da ocupação indonésia. Apesar de ter o português como uma de suas línguas oficiais, o idioma mais falado no Timor Leste é o bahasa, devido à influência indonésia no país. Agora, no entanto, a criação de uma rádio de língua portuguesa pode salvar não apenas a língua, mas também manter aberto um canal de comunicação com o Brasil. O Comitê Brasiliense de Solidariedade ao Povo do Timor Leste, a TV Comunitária de Brasília e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Brasília estão promovendo campanha para doar aos timorenses uma rádio de baixa freqüência, juntamente com mil cds de música brasileira. Um jornalista brasileiro, com preparação para ministrar cursos de rádio, também passará um tempo no Timor. A criação da Rádio Brasil, a ser instalada na capital, Dili, já havia sido discutida e aceita pelo líder Xanana Gusmão. Mais recentemente, voltou à pauta em conversa com o Presidente José RamosHorta em sua última visita ao Brasil. A emissora seria uma forma concreta de manter permanentemente aberto um canal de comunicação entre os dois países de língua portuguesa, com intercâmbio informativo e cultural. Informam os organizadores da campanha que os equipamentos para a montagem da Rádio Brasil no Timor custam aproximadamente R$ 6 mil, por ser uma emissora de baixa potência e pequeno porte – mas que, devido às dimensões territoriais do país, pode ter um alcance muito significativo. A intenção é arrecadar a quantia junto a organizações não-governamentais e outros movimentos sociais, rádios e tvs comunitárias, sindicatos de jornalistas e intelectuais. Dando a partida no movimento, o jornalista e escritor Fernando Morais, autor de A Ilha, Olga e Chatô, entre outras obras, decidiu doar à campanha parte da venda de seu novo livro, O mago, biografia do escritor Paulo Coelho. As contribuições em dinheiro podem ser feitas na Conta 7000-9 do Banco do Brasil – Agência 4037-1, aberta especialmente com este fim. Já as doações de equipamentos e cds devem ser entregues pessoalmente ou pelos Correios nos seguintes endereços: • TV Comunitária de Brasília – SIG, quadra 2, lote 430 – CEP 70.610-420 – Brasília-DF; • CUT-DF – Setor de Diversões Sul – Ed. Venâncio V, sub-solo, loja 14 – CONIC – CEP 70393-900 – Brasília-DF. Mais informações pelos telefones (61) 3343-2251 e 3344-5626.
VEÍCULOS
A imprensa do Maranhão mostra o que é A Biblioteca da ABI ganha a coleção da revista Nossa Imprensa, que mostra os profissionais, o mercado de trabalho e a evolução do jornalismo no Maranhão. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
A Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre) recebeu importante reforço para seu acervo. Companheiros do Maranhão doaram à instituição uma coleção da revista Nossa Imprensa, publicada pela Editora Referencial Comunicações, com periodicidade trimestral, a qual há quatro anos registra a memória e o mercado de trabalho e discute a atividade dos veículos de comunicação e dos profissionais do Maranhão e da Região Nordeste. – Para nós do Maranhão a doação da revista era necessária porque a ABI é a principal e a mais importante instituição na luta pela liberdade de expressão. Tivemos essa iniciativa porque entendemos que na Biblioteca da ABI há uma grande possibilidade de os jornalistas do Centro-Sul conhecerem melhor o trabalho dos seus colegas do Nordeste, notadamente do Maranhão – explica o editor da revista Gilvan Coelho Neto, sócio da ABI e professor da Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão-
Ufma. Ele espera que a coleção possa permitir a integração entre profissionais do Sudeste e do Nordeste. A idéia de criar o veículo nasceu de um debate no I Congresso de Jornalistas e Radialistas, realizado em São Luís, em abril de 2004. A sugestão partiu de Coelho Neto, do também jornalista Raimundo Martins e da Professora Zefinha Bentivi, da Faculdade de Comunicação da Ufma. Após isso, uma comissão formatou o modelo do que seria a revista e, defininiu o seu perfil. Hoje, Nossa Imprensa divulga os anseios, lutas, tecnologias, bastidores, dificuldades e método de trabalho dos profissionais, estudantes e professores de Comunicação do Maranhão. A revista também reproduz textos publicados no Jornal da ABI que são de interesse do pessoal da região. Com tiragem de 2 mil exemplares, Nossa Imprensa é distribuída para as redações de jornais, revistas, rádios e tevês maranhenses e chega também aos Estados do Pará, Ceará e Piauí. Outros pontos de distribuição são universida-
des, assessorias de comunicação, entidades representativas dos jornalistas, radialistas e publicitários e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Maranhão, do Distrito Federal e de algumas capitais. Conforme as propostas aprovadas em 2004 e 2005, durante a realização do Congresso de Jornalistas e Radialistas do Maranhão, os temas principais abordados na publicação são os profissionais e o mercado de trabalho da área. Durante os encontros, os participantes votaram aquilo que se tornaria quase um slogan para a revista: “ser um veículo de comunicação voltado para a divulgação dos bastidores e dos impactos da mídia nos diversos segmentos da sociedade”. Tanto é que, em seu primeiro número, ela destaca que o universo da comunicação é gigantesco e deve ser amplamente debatido: “Começa pela preparação dos profissionais, a grade curricular dos cursos, os estágios, a pesquisa, a produção científica, o mercado de trabalho”, diz o editorial. Outro ponto observado é a preocupação que os profissionais de imprensa e a sociedade de maneira geral devem ter com o controle político e econômico dos meios de comunicação de massa e o conteúdo das mensagens emitidas por eles, lembrando que estas “são dirigidas às crianças, aos jovens e adultos e aos cidadãos da chamada terceira idade”. Nossa Imprensa nº 1 traz também um panorama do 2º Congresso de Jornalistas e Radialistas do Maranhão, que contou com a presença do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, do apresentador da Rede de Televisão Globo Cid Moreira e do jornalista Luiz Mineiro, então Diretor de Jornalismo do SBT. Há ainda um artigo sobre João Francisco
Lisboa, considerado um dos maiores jornalistas do Brasil no século XIX, e uma matéria sobre os cursos rápidos de jornalismo criados por empresas como a Folha de S.Paulo e o Estadão. Os principais colaboradores da revista são jornalistas, professores e alunos de jornalismo, bem como escritores membros da Academia Maranhense de Letras. Além de trazer temas que geram debates no meio, a revista também abre espaço para personagens da mídia que têm projeção nacional. No número 9 do segundo ano da edição, a matéria de capa foi Retrato da mídia impressa brasileira por três jornalistas, com um perfil de Hélio Fernandes, Diretor da Tribuna da Imprensa e um dos ícones do jornalismo brasileiro, e entrevistas com Otávio Frias Filho, Diretor de Redação da Folha de S.Paulo, e Lourival Bogéa, diretor do Jornal Pequeno, que há 55 anos é um dos mais combativos veículos da imprensa maranhense. Outro produto editorial considerado de grande utilidade para o meio jornalístico é o suplemento Memória Biográfica de Jornalistas e Radialistas do Maranhão, que já focalizou 120 personalidades. – É um trabalho magnífico e extremamente gratificante, porque estamos registrando, documentando, preservando e difundindo os exemplos, experiências, idéias e obras desses colegas geniais da comunicação maranhense, que deixam um legado inestimável para as atuais gerações – diz Coelho Neto, comentando o impacto e abrangência do projeto. A partir deste segundo semestre, Nossa Imprensa ganhará um site, a ser renovado toda semana, como passo de um projeto mais ambicioso: o de se tornar uma revista de periodicidade mensal.
Uma voz da imprensa alternativa Fazendo Media comemora cinco anos no melhor espírito e tradição do jornalismo pautado pelo interesse público. Fazer muito com pouco. E, dentro disso, transformar em notícia aquilo a que os grandes veículos de comunicação não costumam dar muita atenção. Essa é a missão do jornal Fazendo Media, periódico mensal que completou em junho passado cinco anos de existência. Apesar da tiragem modesta, apenas 2 mil exemplares, a publicação faz sucesso, recuperando o melhor da antiga imprensa alternativa, que marcou o jornalismo brasileiro nos tempos da ditadura militar. Além de discutir o próprio jornalismo praticado pela grande imprensa, Fazendo Media procura trazer reportagens sobre fatos e acontecimentos sociais que não ganham espaço nesse segmento. – A preocupação inicial era lançar um olhar crítico para as grandes empresas que controlam a comunicação no
País. Mas, depois que começamos, em 2003, também fomos nos capacitando para cobrir os movimentos sociais que não têm voz na imprensa comercial. Por exemplo, fizemos matérias sobre a Assembléia Constituinte da Bolívia e reportamos o caso da população do Canal do Anil, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, que estava sendo expulsa de suas casas devido à especulação imobiliária – diz Raquel Júnia, editora da publicação. O jornal surgiu a partir de uma iniciativa dos estudantes de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense-Uff, que criaram na TV Universitária programas de análise crítica da grande mídia. A proposta ganhou versão impressa e, mais tarde, foi criado o site www.fazendomedia.com, que ampliou o raio de ação.
Com o apoio da Associação dos Engenheiros da Petrobras-Aepet, Fazendo Media agora circula em Niterói e no Rio de Janeiro, com distribuição gratuita em centros culturais, livrarias, bancas de jornal e universidades, entre outros pontos de distribuição. Com assinantes em outras regiões do Brasil, a publicação também alcança outros Estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pará. – Realmente, é possível fazer muito com pouco recurso. Assim, lutamos pela democratização da informação, com um jornalismo pautado no interesse público, diferentemente do praticado pela grande mídia, que apenas visa ao lucro acima de tudo – enfatiza Marcelo Salles, diagramador do jornal. Em sua edição comemorativa, Fazendo Media apresenta, entre outras, matéria de capa refletindo sobre a importância da imprensa alternativa e a própria história do jornal. Também traz um artigo sobre o desembolso
para pagamento da dívida externa do Brasil, em vez de aumento dos investimentos em áreas como saúde e educação. O entrevistado do mês é Beto Almeida, diretor da Telesur, tv multiestatal criada pelos governos da Venezuela, Cuba, Argentina e Uruguai, que relata o início das operações do satélite Simon Bolívar, construído pelo Governo venezuelano em parceria com a China, como uma iniciativa que pode contribuir para a democratização da comunicação na América Latina. Fazendo Media está dependendo do apoio dos leitores e das instituições progressistas da sociedade civil para manter a nova sede que alugou no Rio, como parte de seu projeto de consolidação e expansão. O apoio poderá ser dado através da subscrição de assinaturas de suas 12 edições por ano ou de doações. Com esse fim poderá ser mantido contato com a equipe do jornal pelo site www.fazendomedia.com. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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O pilão da imprensa Uma reedição das memórias e da biografia do jornalista maranhense Neiva Moreira, criador dos Cadernos do Terceiro Mundo. POR JOSÉ REINALDO M ARQUES E M ARCOS S TEFANO
Um momento de gala na Academia: Nélida Piñon, Cícero Sandroni, Domício Proença Filho, Fernanda Montengro, Sérgio Brito e Murilo Melo Filho quase fora do quadro.
LITERATURA
Festa machadiana A Academia comemora 111 anos com premiação e espetáculo de Fernanda Montenegro. A Academia Brasileira de Letras comemorou seus 111 anos de fundação em 17 de julho, com grande destaque para o centenário da morte de Machado de Assis. A solenidade, conduzida pelo acadêmico e jornalista Cícero Sandroni, Presidente da ABL, teve como orador oficial o acadêmico Marcos Vilaça e foi marcada pela entrega dos prêmios literários 2008. Apesar disso, quem roubou a cena, no melhor dos sentidos, no Salão Nobre do Petit Trianon, no Centro do Rio, foi a atriz Fernanda Montenegro. Com a cadeira e a mesa de trabalho de Machado, ela deu um show ao encarnar a protagonista feminina de Dom Casmurro na leitura adaptada do livro Capitu, Memórias Póstumas, de acadêmico Domício Proença Filho. Entre os premiados o destaque foi para o romancista mineiro Autran Dourado, agraciado com o Prêmio Machado de Assis e uma dotação de R$ 100 mil pelo conjunto de obra. Izacyl Guimarães Ferreira ganhou o Prêmio ABL de Poesia por Discurso Urbano; José Alcides Pinto, com Tempo dos Mortos, o de Ficção, Romance, Teatro e Conto; o Prêmio de Ensaio, Crítica e História Literária foi atribuído ao jornalista Laurentino Gomes, autor de 1808; Daniel Munduruku recebu o Prêmio de Literatura InfantoJuvenil, por O olho bom do menino; o de Tradução coube a Agenor Soares dos Santos e Leonardo Fróes. Jurandir de Oliveira ganhou o Prêmio de Cinema, pelo roteiro adaptado do romance O quinze, de Rachel de Queiroz. Fechando a cerimônia, o Prêmio Francisco Alves, dedicado às áreas de Educação e Língua Portuguesa, foi entregue a Paulo Nathanael Pereira de Souza e Carlos Eduardo Falcão Uchoa. Na segunda parte do evento, coube a Fernanda Montenegro fechar a noite em alto estilo. Ela viveu em cena a protagonista feminina do clássico Dom Casmurro, apresentando uma leitura 38
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adaptada de Capitu, memórias póstumas, criação de Domício Proença Filho. O cenário contou com a cadeira e a mesa de trabalho usados há mais de um século pelo próprio Machado de Assis. – Tive muitas emoções em minha carreira e esta foi uma das maiores – contou Fernanda. Publicado em 1999, durante o centenário do lançamento de Dom Casmurro em Paris, o livro de Domício dá voz à mais enigmática personagem da literatura brasileira e apresenta sua versão sobre o triângulo com Bentinho e Escobar. O autor fez uma adaptação especial de seu livro para a leitura de Fernanda: – Do texto emerge uma figura de Capitu que se propõe mais inteira, mais completa, esclarecida, do ponto de vista de sua presença na trama descrita por Bentinho – o narrador criado por Machado – e da suposta traição dela com Escobar. Para mim, Capitu encontra, no texto de um escritor da dimensão de Domício Proença Filho, um momento adequado para colocarse na trama. Não que Domício se contraponha a Machado. Trata-se da abertura de um espaço ficcional em que a personagem pretende que o leitor tenha dela uma visão mais nítida – disse Fernanda Montenegro. Cícero Sandroni, responsável pelo convite à atriz, foi um dos mais entusiasmados da noite: – A presença de Fernanda Montenegro, uma das mais altas figuras da cena brasileira, no palco do nosso teatro, justamente quando culminam as celebrações em torno do centenário da morte de Machado de Assis, tem um significado especial para a cultura de nosso país. De um lado, o maior escritor brasileiro e um de seus textos mais expressivos; de outro, toda a emoção de assistirmos ao trabalho de uma figura como Fernanda. A Academia viveu, sem dúvida, mais um de seus momentos históricos.
Usado para moer cereais, separar impurezas e descascar arroz, o pilão ainda hoje é considerado um utensílio essencial em muitas cozinhas do interior do Brasil. Sua importância também serviu de inspiração para retratar a obstinação e inquietação de um dos mais destacados repórteres do País nos últimos tempos: o maranhense Neiva Moreira. O pilão da madrugada – Neiva Moreira, um depoimento a José Louzeiro, reeditado pela Indústria Gráfica e Editora Lithograf, do Maranhão, traz não apenas as memórias do veterano jornalista e político, mas é também um livroreportagem que conta os grandes embates políticos brasileiros desde os anos 30 e mostra os bastidores do fazer jornalístico a partir das experiências de Moreira, que fez carreira nos Diários Associados de Assis Chateaubriand, fundou a revista internacional Cadernos do Terceiro Mundo e entrevistou grandes personalidades como o líder palestino Yasser Arafat e o ditador iraquiano Saddam Hussein. O livro é fruto de mais de 20 horas de depoimentos dados por Neiva Moreira ao colega José Louzeiro, além de muitas conversas e pesquisa. “Os repórteres são os narradores do dia-a-dia e do futuro. Não importa a hora nem o lugar, eles estão prontos para contar a história. Esse é o contexto da obra e também da própria vida de Neiva Moreira. Ao falar do protagonista, o livro também fala da inquietação, do inconformismo diante das injustiças e do fascínio pelo perigo. Daí sua real importância”, comenta Louzeiro. Apesar disso, por pouco o trabalho quase não sai. No prefácio, Neiva Moreira confessa que durante muito tempo resistiu ao convite para falar dos fatos que marcaram sua carreira, com a desculpa de que suas histórias só interessariam às pessoas que tiveram alguma ligação com os episódios narrados. Foi somente depois de uma “generosa conspiração doméstica” de sua então companheira Beatriz Bissio, igualmente jornalista, que ele cedeu e atendeu aos pedidos também obstinados de Louzeiro. Raízes de uma nação Nascido em Nova Iorque, a 600 quilômetros de São Luís do Maranhão, na região sertaneja do Médio Parnaíba, onde seria construída a barragem de Boa Esperança, Neiva Moreira teve uma in-
fância humilde. O pai, Antônio, era quitandeiro, e a mãe, Luísa, a Mariinha, professora. Foi dela que o menino herdou o interesse pela leitura e pelas atividades políticas. “Sempre a considerei uma militante progressista. Escrevia e organizava reuniões artísticas. Não sei como aprendeu francês, mas recebia jornais de Paris. Seu exemplo me transformou em um não-conformista. Ela vivia em choque com o meio”, diz Neiva Moreira em um trecho do livro. O exemplo da mãe ainda influenciaria o jovem e seria a deixa para sua grande paixão: o jornalismo. “Recordo-me de que ela compunha um jornalzinho, A Liberdade, em folhas de papel almaço, que não agradava muita gente. Por isso a publicação teve vida efêmera”, lembra. No Liceu de Teresina, onde fez o curso secundário, essa paixão seria melhor trabalhada e dividida com o gosto pela política, principalmente pela convivência com Carlos Castello Branco, que logo se transformaria em um dos mais importantes colunistas políticos do País. “Carlos teve sempre uma posição muito independente em matéria política. Foi ele quem me deu os primeiros livros importantes para ler. De um deles, ABC do Comunismo, jamais pude esquecer ”, recorda. Não era uma novidade para ele. Também quando menino, Neiva Moreira teve seu primeiro contato com a matéria justamente com a lendária Coluna Prestes, que começou a se movimentar no Município de Uruçui, do lado piauiense do Rio Parnaíba, próximo à sua Nova Iorque. “O Rio ficou agitadíssimo. Os barcos subiam incessantemente, puxando barcas cheias de soldados e armamento. Para a garotada da região, tudo isso era fantástico. Vivíamos organizando ‘guerrilhas’ à moda da Coluna”, conta Neiva Moreira. Depois de fazer movimento estudantil no Rio de Janeiro, ele voltou ao Maranhão e ingressou na política partidária. Como deputado, tornou-se um exemplo de ética e luta pelas liberdades democráticas ao lado de João Goulart e Leonel Brizola. Toda essa movimentação, seja na imprensa, seja nas tribunas, deu a Neiva Moreira uma posição privilegiada de observador de seu tempo, seja no golpe militar, no exílio, na redemocratização ou em episódios mais recentes, já que, aos 90 anos, continua na ativa. E é nas revelações que traz em suas memórias que se encontra o lado mais apetitoso da narrativa do pilão do jornalismo e da sociedade maranhense e brasileira.
Livros
O tao do jornalismo Biografismo discute uma das questões centrais do fazer jornalístico: como contar histórias de vida. POR M ARCOS STEFANO
O Brasil não tem biografia. Sem trocadilho nem interpretações ao pé da letra. Mesmo depois que jornalistas resolveram navegar nessas águas, antes exploradas apenas por acadêmicos, e trouxeram novos procedimentos de pesquisa, linguagem e estruturação da história, estudos sobre o tema ainda são raridades. Uma injustiça com um dos gêneros literários que mais crescem e se popularizam na atualidade. O lançamento de Biografismo – Reflexões Sobre as Escritas da Vida (Editora Unesp, 262 páginas), de Sergio Vilas Boas é um alento para quem sabe da importância de se contar bem as histórias de vida. Autor de dois outros trabalhos anteriores, Biografias & Biógrafos e Perfis, Vilas Boas pode ser considerado o maior especialista em narrativas biográficas na atualidade. Isso, porque sua pena não escreve apenas a linguagem da ciência, mas também da arte. Além de teorizar o assunto, ele tem larga produção na área, sendo, inclusive, fundador da Academia Brasileira de Jornalismo Literário e editor da revista eletrônica de nãoficção textovivo.com.br. Em sua nova obra, ele transita entre conceitos e análise de trechos de títulos consagrados como JK - O Artista do Impossível, de Cláudio Bojunga; O Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro; e Chatô – O Rei do Brasil, de Fernando Morais. Mas Biografismo, por si só, já apresenta um formato inovador. Trabalhado mais como um ensaio, o livro traz um criativo diálogo entre Vilas Boas e Alberto Dines. É uma interação entre jornalistas, ambos biógrafos de mão cheia, que consegue discutir as transformações pelas quais passa o gênero desde antes da nova geração de jornalistas-escritores tomar as prateleiras com seus trabalhos. Juntos, entram no mundo de outro escritor-biógrafo, Stefan Zweig, também um inovador à sua época, trocam experiências e fazem experimentações. Biografismo foi concebido para isso mesmo: fazer pensar. Para tanto, Vilas Boas aplica conceitos variados, da Psicologia à Física Quântica, discutindo questões concretas da obra literária: a família e descendência do biografado, a errônea idéia do fatalismo e da extraordinariedade, a concepção da biografia como verdade e não uma visão – pensamento dominante no Brasil, que faz com que certas personalidades tenham apenas uma biografia, enquanto em outros países, teriam quatro ou cinco diferentes – , a presença do autor no texto e a crítica da narrativa linear. Tópicos que certamente não ajudarão apenas a introjetar novas propostas e dar um salto qualitativo no biografismo, mas também serão de grande ajuda para o fazer jornalístico diário.
Políticas públicas em debate Obra discute o “caminho das pedras” diante de tema que é um desafio para o jornalismo Ao abrir qualquer grande jornal brasileiro, fica claro o destaque que a imprensa dá para a política partidária, legislativa e à cobertura dos governos executivos em seus cadernos de política. Nestes, troca de ministros e secretários, negociações com parlamentares e, muitas vezes, a vida pessoal do político profissional têm espaço garantido. Da mesma forma acontece com a cobertura de temas voltados à política econômica, que também conta com espaço cativo nas publicações, em seus cadernos de economia. O mesmo não se pode dizer das demais políticas públicas, especialmente as sociais. Sem espaço fixo, um mesmo acontecimento acaba tendo tantas leituras diferentes – que passam ao largo de sua real importância –, quanto são variados os profissionais destacados a cada dia para cobrir seus desdobramentos. Se alguma personalidade estiver envolvida, então, o negócio deixa de ser público para virar privado. E os poucos momentos em que temas, como a violência, passam a ser entendidos como políticas públicas e deixam as páginas policiais são aqueles nos quais os repórteres especiais assumem a cobertura, um governador ou o presidente dá destaque ao assunto, ou ainda os especialistas o tratam como um “fenômeno”. De resto, o que continua valendo é idéia de que o indivíduo X cometeu um crime contra Y. E onde fica a cobertura das políticas públicas, tão essenciais ao desenvolvimento do país, diante de escândalos sexuais, frases de efeito de candidatos e greves de professores cada vez mais criticadas? Nos últimos 15 anos, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância, uma organização criada para estimular a interação entre a agenda social, os jornalistas e a sociedade, e que hoje atua em 11 Estados brasileiros e 13 países da América Latina, vem monitorando a mídia nacional e realizando entrevistas e discussões com jornalistas, estudantes, professores e fontes de informação com o objetivo de desenvolver uma cobertura de qualidade sobre as políticas sociais. A mais
nova ação desse empreendimento é Políticas Públicas Sociais e os Desafios para o Jornalismo (344 páginas), obra lançada em parceria com a Editora Cortez. Nela, especialistas de diferentes áreas e instituições, jornalistas, comunicólogos e professores de Jornalismo elencam, ao longo de 25 artigos, reflexões e informações capazes de subsidiar avanços na cobertura da imprensa sobre políticas públicas sociais, direitos humanos e desenvolvimento. Apesar de alguns textos trazerem uma linguagem mais árida e acadêmica, o livro traz observações relevantes, objetivas e pragmáticas ao abordar diferentes áreas como eleições, orçamento, avaliação das políticas públicas, desenvolvimento humano, desigualdade e pobreza, direitos humanos, direitos da infância e diversidade. Cada capítulo traz uma apresentação do assunto feita pela Andi, um artigo escrito por um estudioso da área e mais um texto produzido por jornalistas com experiência de cobertura do assunto. Assim, logo após um brilhante ensaio do antropólogo Darci Ribeiro, escrito originalmente em meados da década de 1980 e que continua atualíssimo, vem uma acurada análise do papel da mídia feita pelo jornalista e professor Eugênio Bucci, Presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007. Após a atual Secretária de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, professora da Unicamp, trazer a história das políticas públicas brasileiras, Marta Salomon, repórter da Folha de S. Paulo especializada em políticas públicas federais, dá dicas preciosas sobre como desburocratizar a cobertura, fazer jornalismo investigativo e entender números e dados para verificar a eficiência de um programa. No final, a obra ainda indica novos parâmetros para a cobertura social e para aquilo que é apontado como o “x” da questão para haver mudanças na cobertura das políticas públicas no país: colocar a agenda social no centro dos cursos de jornalismo das universidades e faculdades de comunicação. (Marcos Stefano)
Dúvidas sobre como tratar notícias delicadas sobre crianças? Consulte o site da Andi Lidar com notícias que envolvam crianças e adolescentes no Brasil é sempre complicado. Na hora de escrever, as dúvidas sobre o que pode e o que não pode são muitas. Pode se usar o termo “menor”? Como se referir a meninos e meninas abusados sexualmente? Ou ainda: é permitido publicar a foto de uma criança no jornal? Essas e outras questões são respondidas no novo site criado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Rede Andi Brasil). Ao acessar o endereço www.redeandibrasil.org/ eca, jornalistas e interessados contarão com valiosos recursos para auxiliar a imprensa na cobertura que envolve o público infanto-juvenil. A iniciativa faz parte das ações de comemoração dos 18 anos do Esta-
tuto da Criança e do Adolescente (Eca) e, de acordo com a assessoria da Agência, é “um guia virtual, no qual os jornalistas vão poder se informar sobre questões como o uso de imagem, expressões mais adequadas e situações em que a criança pode ser posta em risco, além de encontrar sugestões de pauta, agenda, clippings e artigos de especialistas”. Os profissionais da imprensa também terão a seu dispor um canal para enviar dúvidas sobre o Eca, que serão respondidas por um “Help desk”, ou “Fale conosco”, administrado pelas organizações integrantes da Rede. Na seção Biblioteca, o visitante pode acessar um glossário com cerca de 70 verbetes, além de legislação, agenda e links para páginas de instituições que
trabalham na luta em defesa do bemestar de meninos e meninas. Já em Campanha, é possível baixar gratuitamente cartazes, spot de rádio e vídeo alusivos ao aniversário do código. Todo o material disponível na nova página da Andi foi conseguido por meio de uma ação de mobilização conjunta entre sociedade civil, governos e organizações internacionais, que decidiram usar a mesma identidade para promover a causa. Outros recursos do site e que devem ser bastante valiosos para o entendimento e a cobertura do tema infância e adolescência, são a linha do tempo dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, dados sobre o antigo Código de Menores e a própria Lei n° 8.069, que implementou o Eca em 13 de julho de 1990.
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HOMENAGEM
P OR MARC OS STEF ANO ARCOS TEFANO
Há 15 anos o País perdia Carlos Castello Branco, jornalista que conheceu como ninguém os bastidores do poder. Conta-se que, tão logo o General Ernesto Geisel assumiu o poder, em 1974, e pensou em promover a abertura política do País, teve a idéia de sinalizar em discursos e pronunciamentos que faria isso de forma lenta, gradual e segura. O plano era bom, porém, Geisel recebeu uma advertência do líder do Governo e Presidente do Senado, Petrônio Portela: – O senhor pode até tentar, mas o Brasil só acreditará na distensão se a notícia for lida na Coluna do Castello. No momento em que lembra os 15 anos de sua morte, essa é apenas uma entre tantas histórias sobre o jornalista Carlos Castello Bran40
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co, considerado o mais importante cronista da vida política brasileira. Seja em reportagens, seja na coluna que assinou diariamente no Jornal do Brasil durante 30 anos, Castellinho, como era carinhosamente chamado, era o “café da manhã” obrigatório para todos os que lidavam com o poder. Com um estilo independente, incorruptível e isento, ele não somente influenciou toda uma geração de jornalistas, mas moldou o próprio jornalismo político praticado no País. – O jornalismo político, tal como é praticado hoje no Brasil, foi invenção do Castello. O que existia antes era o
panfleto, o jornalismo participatório, conspirador – e não o frio e isento jornalismo de testemunho que ele introduziu em nossa imprensa. Repórter sem defeitos, ele era capaz de distanciar-se do conflito para avaliá-lo melhor e não resistia à tentação de resumir qualquer sentença numa frase brilhante, o que dá à intimidade de seus textos um leve tom maniqueísta. – escreveu o jornalista Evandro Carlos de Andrade, falecido em 2001, sobre o antigo mestre, com quem trabalhou no Diário Carioca e no JB nos anos 1950 e 1960. Nascido em 25 de junho de 1920, em Teresina, Piauí, Carlos Castello Branco
começou a carreira no Estado de Minas, de Belo Horizonte, para onde se mudou com apenas 17 anos. Em 1943, formouse em Direito, mas, além de já ganhar melhor que um advogado, estava tão envolvido com a imprensa, que preferiu seguir no jornalismo. Dois anos depois, decidiu seguir carreira no Rio de Janeiro. Trabalhou em O Jornal e depois no Diário Carioca, onde chamou a atenção como chefe de reportagem de política. Por conta disso, tornou-se correspondente de política da Folha de S. Paulo e começou a publicar no Diário sua primeira coluna, Diário de um Repórter, sempre pautada pela informação e isenção. Não que fosse isento de opiniões e preferências. Castello simpatizou primeiro com os cardeais da velha UDN e depois, como quase a totalidade da imprensa, fez oposição a Getúlio Vargas. Ao começar a trabalhar na imprensa durante a ditadura do Estado Novo, não lhe faltaram motivos para rejeitar o populismo. Porém, também detestava a esquerda radical. Mas nada disso contaminava seu texto. Tanto que, durante a nova ditadura, agora militar, nos anos 60, viu-se rotulado como comunista pelos radicais de direita, chegou a ser preso, tirado de circulação e ameaçado de morte. No final dos anos 70, quando liderava o Sindicato dos Jornalistas de Brasília, recebeu uma carta com a fotografia de Vladimir Herzog e um recado: “Você será o próximo”. Nem isso, nem a proximidade com o poder foram capazes de tirar o seu foco. Ao todo, Castellinho acompanhou de perto 13 presidentes brasileiros. Respeitado e dono de notável talento, tanto para escrever quanto para observar e se relacionar com suas fontes, foi convidado, em 1961, pelo Presidente Jânio Quadros para deixar o Diário Carioca e a revista O Cruzeiro, veículos em que trabalhava na época, para ser o primeiro Secretário de Imprensa oficial da História do País. Após a frustração da renúncia, estava de volta à grande imprensa no ano seguinte, desta vez na Tribuna da Imprensa, em que começaria a assinar a Coluna do Castello. Quando o JB adquiriu o veículo, foi convidado a transferir a publicação de seus textos para o jornal. Como já começara a dirigir a sucursal no Distrito Federal, foi como unir o útil ao agradável. – Naquele tempo, o JB era uma austeridade em matéria de colunas e seu forte ficava mesmo na reportagem e no noticiário. Colunas políticas não eram ainda assinadas. Mas como ensaiava-se uma nova experiência, o jornalismo de autor, a coisa mudou a partir do Castellinho – conta o jornalista Alberto Dines em texto publicado no próprio JB. A nova coluna começou a ser publicada em 3 de janeiro de 1963 e logo se tornou um sucesso: – Ele encontrou imediatamente a entonação apropriada – informação de bastidores combinada à análise personalizada, distanciamento crítico e malícia. Tudo isso
Um site à altura do mestre Desde o final do ano passado, parte do tesouro do baú de Castello já está à disposição do grande público na internet. A iniciativa foi da filha Luciana, que colocou no ar o site www.carloscastellobranco.com.br, que apresenta um design limpo e muito criativo, onde podem ser encontradas mais de uma centena de fotos profissionais e pessoais do histórico jornalista – algumas das quais utilizamos nestas duas páginas –, depoimentos de políticos, jornalistas e personalidades que com ele conviveram, correspondências e até uma linha do tempo, contando sua trajetória. Porém, o mais delicioso é sua produção. Para alegria dos pesquisadores e interessados no estilo do mestre, o site traz os mais de 5 mil artigos publicados na Coluna do Castello no Jornal do Brasil, entre 1963 e 1993. Entre eles, o histórico O Partido dos Trabalhadores, publicado em 1978, e que mostrava pela primeira vez um líder metalúrgico chamado Luiz Inácio Lula da Silva, que pretendia quebrar a manipulação dos sindicatos pelos partidos de ocasião, “com a compreensão e colaboração do governo, ou sem ela”. Assim mesmo, curto, direto e devastador. Bem ao estilo Castellinho.
num estilo enxuto e aliciante. O leitor saía da primeira página e, em seguida, mergulhava no emaranhado da política explicado por um escritor que sabia falar sua linguagem – completa Dines. Espaço 1 Desde cedo, Castello aprendeu os macetes da escrita e da política. Seus textos, escritos em espaço 1 – truque que aprendera com Nélson Rodrigues, para evitar que bisbilhoteiros metessem a caneta e adulterassem o sentido das palavras –, raramente traziam adjetivos e apostavam em frases curtas e objetivas, bem ao estilo do moderno jornalismo que ganhava força no Brasil na época. Nos bastidores do poder, são notórias algumas de suas histórias: – Certa feita, fizemos um almoço em homenagem ao Armando Falcão, na época Ministro da Justiça do Presidente Ernesto Geisel, no restaurante da
Câmara. Na mesa, o Castello ficou ao lado de Petrônio Portela. Virou várias doses de uísque. O almoço “rolava”, e o Castello colado no Petrônio. Saiu baqueado, como todos os convivas, pelas quatro da tarde. Dia seguinte, milagre: na famosa Coluna, Castello reproduzia – sem reparo de Petrônio – uma entrevista reveladora sobre o “Pacote de Abril”, quando se criaram os famosos senadores biônicos. Furo nacional, repercussão obrigatória em toda parte. Nem o scotch turvava memória tão especial. E olha que ele não anotava nada; guardava tudo na cabeça. Depois vim saber que aplicava esse truque com freqüência. Dava um pileque no interlocutor, que supunha Castello também de pilequinho, e lhe abria a guarda. Quando se deparava com todas as informações na Coluna, caía para trás, sem entender onde aquela figura miúda conseguira reter tanta informação – lembra Paulo José Cunha, jornalista especializado em documentários e ex-repórter do JB. Introvertido, Castello era um sujeito muito discreto. Apesar da fama e do reconhecimento – que lhe valeu, inclusive, uma cadeira na Academia Brasileira Letras, para a qual foi eleito em 1982 – tentava ser reservado. Os amigos e mais chegados contam que não era de muita conversa, falava pouco e baixo, quase num resmungo. Mesma opinião compartilhada pela esposa, Élvia Lordello de Mello, com quem conviveu durante 44 anos e teve seus três filhos Rodrigo, Pedro e Luciana. – Ele era muito tímido. Não costumava falar nada a respeito das homenagens que recebia. Guardava tudo em seu baú – costumava dizer Élvia, exministra do Tribunal de Contas da União e falecida em 2005. Entre essas homenagens, estão vários prêmios nacionais e internacionais que ganhou por sua luta pela liberdade de imprensa e qualidade de seu trabalho, como o Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e o Prêmio Nereu Ramos da Universidade de Santa Catarina.
Ministro Marcos Vilaça homenageia Castello “Sabia-se que o assunto era importante, quando o Castello o abordava em sua coluna. Ele faz falta na análise da vida política e administrativa do País, pois o ‘deu no Castelo’ significava a reafirmação dos valores democráticos.” Essa foi a tônica do pronunciamento feito na Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União pelo Presidente da Casa, o Ministro Marcos Vinícios Vilaça, que prestou homenagem ao jornalista Carlos Castello Branco, morto há 15 anos. A manifestação de Vilaça foi aprovada por unanimidade pela Primeira Câmara, integrada pelos também Ministros Valmir Campelo, Guilherme Palmeira e Augusto Nardes e pelo Auditor Marcos Bemquerer Costa. Comunicado à ABI pelo Subsecretário da Primeira Câmara, Francisco Costa de Almeida, o pronunciamento do Ministro Marcos Vilaça, que é membro da Academia Brasileira de Letras, tem o seguinte teor: “Carlos Castello Branco, no seu esplendoroso período de jornalismo e de comentarista político, deu valor e registrou a expressão administrativa do Tribunal de Contas. Esse conhecimento das atividades do TCU naturalmente que decorriam, em grande parte, do fato de que sua esposa, Élvia Castello Branco, foi a primeira mulher a ocupar um lugar de Ministro de Tribunal Superior. Foi também a primeira mulher Presidente de um Tribunal Superior. A ministra Élvia era uma pessoa muito divertida. Com seu jeito extrovertido e na disponibilidade de idéias, fazia-se presente no cumprimento do serviço público. Élvia deixou aqui uma marca de coragem, verticalidade e de integração com as diversas categorias do Tribunal, fosse com o Plenário, com o quadro técnico ou com o Ministério Públi-
co. Uma pessoa realmente notável, tão notável como foi seu marido. Agora que transcorre o 15° aniversário do desaparecimento de Carlos Castello Branco, a gente sente a falta que ele faz na análise da vida política e administrativa do País. Carlos Castello Branco foi, no meu modo de ver, o maior cronista político do Brasil no século XX. Gostaria de ter o acompanhamento do Plenário e do Ministério Público no registro desta data e, se os senhores ministros estiverem de acordo, a Secretaria dará conhecimento à família de Carlos Castello Branco, à sua única filha Luciana, à Associação Brasileira de Imprensa, à Academia Brasileira de Letras e ao Jornal do Brasil, onde teve um papel tão marcante que criou uma coluna. A sua crônica diária chamada de A coluna do Castelo. Sabia-se o que era importante quando o assunto era abordado pelo Castelo em sua coluna. ‘Deu no Castelo’ significava a reafirmação de valores democráticos.”
Imagens extraídas do site www.carloscastellobranco.com.br: na página ao lado, Castello na Redação do JB em Brasília; nesta página, uma caricatura de Lan (no alto); ao lado, charge de Ziraldo homenageia o acadêmico que acabara de ser eleito, em maio de 1983. Acima, sorridente, em foto de 1992.
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Vidas
GERALDO CASÉ
O criador de tv que premiou as novas gerações com as histórias de Lobato Com a adaptação televisiva de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, ele mostrou às crianças um autor de livros infantis que permanecia no limbo, após décadas de sucesso. Mesmo no leito do hospital onde se internara havia alguns dias, Geraldo Casé não relaxava no cumprimento de suas obrigações profissionais. Através de uma das filhas, ele avisou ao jornalista Mário Russo, seu editor no caderno dominical Artes do Jornal do Commercio do Rio que estava enfrentando problemas de saúde mas não deixaria de mandar a sua colaboração, publicada no rodapé de uma página interna do suplemento. Não seria uma crônica como a habitual, ocupando as seis colunas do jornal, mas Mário Russo que ficasse tranqüilo: não faltaria com seu texto. 42
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Aos 80 anos, Geraldo Casé continuava com a paixão de criar, de escrever, de expor suas idéias, seus sentimentos, seu interesse pelo próximo. Suas crônicas no JC, com temas livres, tinham forte acento literário, constituíam a natural continuação de sua longa e fecunda atividade como escritor, poeta, autor teatral, compositor, cartunista, diretor de teatro, produtor de programas de televisão, diretor de televisão, artesão confeccionador de bonecos para um dos programas de televisão que criou, o Fantoche Estrela. Nascido em junho de 1928, Geraldo
começou a trabalhar com 15 anos, colaborando com o pai, o pernambucano Ademar Casé, nos programas de rádio que este produzia, alugando horários nas frágeis emissoras radiofônicas que surgiam. Casé pai se firmava como um dos pioneiros de maior êxito na criação de programas de entretenimento, como aquele que recebeu seu nome, o Programa Casé, transmitido pela nascente Rádio Philips no começo das tardes de domingo com estrondoso êxito: quem passava pelas ruas, nos diferentes bairros, ouvia, vindo das casas, o som dos aparelhos de rádio
sintonizados na emissora. Ao lado de Ademar estava o jovem Geraldo, que se iniciava no métier como operador de sonoplastia e operador de áudio. Seu desempenho impressionou o pai, que o promoveu a diretor artístico do agora famoso Programa Casé. Geraldo estava então com 16 anos, começava a acumular a experiência que o levaria para a Rádio Mayrink Veiga, sem dependência ao pai, e depois para a Rádio Globo. Buscando consolidar a autonomia que conquistava, Geraldo criou uma agência de produção, que criou 12 programas infantis.
Com o advento da televisão ao Brasil, em 1951, Geraldo ficou fascinado pelas possibilidades que o novo veículo oferecia e decidiu enveredar por ele. Obteve uma oportunidade de trabalho na TV Rio e iniciou uma carreira que o levaria à TV Tupi, à TV Excelsior, à TV Continental, à TV Educativa, à TV Bandeirantes e por fim à TV Globo, na qual permaneceu 30 anos. Nesta, além de produtor e diretor de programas infantis, que ele produzira e dirigira também nas emissoras em que trabalhara antes, Casé foi um desbravador: como diretor artístico da Divisão Internacional, integrou a equipe que promoveu a venda ao exterior dos programas da emissora, especialmente as novelas, que se tornaram um grande sucesso em dezenas de países, até chegar aos mais de uma centena atuais. Em 2004, Geraldo Casé contou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo os principais momentos daquilo que foi a sua grande realização na televisão e motivo de seu maior orgulho como produtor e intelectual: a criação do programa infantil O Sítio do Pica-Pau Amarelo, que retirava do limbo as histórias infantis de Monteiro Lobato, o escritor mais lido por crianças e mesmo adultos de gerações precedentes, e dava ao criador de Emília, Narizinho e Visconde de Sabugosa uma popularidade de extensão que só a televisão poderia promover. Casé contou como obteve a aprovação do poderoso Diretor da Globo José Bonifácio de Olivei-
Além de levar a obra de Monteiro Lobato a novas gerações, Casé proporcionou a Zilka Salaberry a oportunidade de viver um papel inesquecível: o de Dona Benta. Aqui ela contracena com Reny de Oliveira, que encarnou Emília, e com Rosana Garcia, a Narizinho.
ra Sobrinho, o Boni, para o projeto que imaginara: “Fiz uma proposta ao Boni de fazer uma novela para crianças e pré-adolescentes à tarde Ele adorou. Foi o que abriu as portas para o início da novela das 18 horas na Globo, que antes não existiam. Então, a Globo conseguiu os direitos da obra de Lobato e me chamou para produzir e dirigir. Foi mais de um ano de preparação até entrar no ar. Fazíamos tudo de improviso.” – O Sítio do Pica-Pau Amarelo não foi
somente sua obra-prima, mas também a materialização do amor que ele tinha pelo Brasil e pelas crianças – disse a O Globo no dia de sua morte a atriz Regina Casé, filha do primeiro casamento de Geraldo, com Heleida Barreto, apresentadora de um programa feminino na antiga TV Tupi. Essa fase inicial de O Sítio do Pica-Pau Amarelo ficou cerca de dez anos no ar, de 1977 a 1986, enriquecendo um currículo em que Casé já incluía a criação de programas como Teatro Malasarte,
o citado Fantoche Estrela e Um Instante, Maestro, musical de auditório apresentado por Flávio Cavalcânti que alcançou grande sucesso. Tão criativo como incansável, Casé dirigiu peças de teatro, principalmente para crianças, como A Fábrica de Sonhos; publicou livros, como Um Dia Fui Pássaro, reunião de poemas, de 2002; compôs músicas, como A Cuca te Pega, Rabicó e Quindim, em parceria com Dori Caymmi, todas da trilha sonora de O Sítio do Pica-Pau Amarelo. Criativo, foi ele quem sugeriu o nome do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, de que participavam sua filha Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita, Patrícia Travassos, entre outros artistas, dirigidos por Hamilton Vaz Pereira. Casé teve cinco filhos de dois casamentos. Em 7 de junho ele completara 80 anos, festejados numa grande festa no Jóquei Clube do Rio de Janeiro organizada por Regina Casé, a qual reuniu 400 convidados, entre os quais o cantor e compositor Caetano Veloso e a atriz Fernanda Montenegro. Ele se internara na Clínica São Vicente em 12 de julho e falaceu de insuficiência respiratória no dia 21 seguinte. Como o caderno Artes do Jornal do Commercio é fechado com antecedência, sua última crônica só pôde ser publicada na edição de 1, 2 e 3 de agosto. Na verdade, era mais do que uma crônica: era um poema. (Fontes: O Globo e Jornal do Commercio, 22 de julho de 2008)
Das folhas e das borboletras POR G ERALDO C ASÉ
Da minha janela vejo folhas amarelas e borboletas que se confundem com elas. Não sei quais as que estão caindo e quais estão voando, sei que algumas estão à procura do céu e outras estão caindo no chão. Essa é a confusão que fazemos com as nossas próprias vidas, não sabemos se em determinados momentos estamos voando ou estamos tombando. A lição da vida é distinguir o cair do voar. Muitas vezes as folhas têm asas e nos iludem, parecem borboletas, e, no entanto, têm outra maneira de voar. Daqui da minha janela vejo este mundo de parecenças e de tantas diferenças. Detenho-me nestes vôos de dimensões díspares e com isso procuro os meus vôos perdidos. Hoje daqui da minha janela tudo é tão distinto em sua rotina do dia-a-dia. Confundir folhas com borboletas é o que me espera nesta tarde de inverno. Repentinamente entre folhas e borboletas, rompe o ar um pássaro amarelo, não sei mais se é borboleta ou uma folha caindo…
Até o fim Casé manteve a compulsão de criar: a crônica-poema ao lado foi feita no leito do hospital.
Repentinamente uma lufada de vento ergue do chão as folhas e as confundem com o vôo desnorteado das borboletas, é o momento dos desencontros da alegre balburdia desta tarde de inverno. Jornal da ABI 331 Julho de 2008
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