Rodolfo Konder e Tinhorão: liberdade e cultura em destaque Em longos e serenos depoimentos, eles questionam valores da vida social que os levaram a lutas com não poucas agruras e padecimentos. Páginas 16 a 22 e 35 a 39
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
340 ABRIL 2009
UDETTMAR-SCO-STF
GUSTAVO MORENO-AGÊNCIA CÂMARA
O FIM DA LEI FORA-DA-LEI A Lei de Imprensa estava à margem da Constituição. O Deputado Miro Teixeira (a esquerda) e o Ministro Ayres Britto varreram o entulho autoritário. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7 e editorial na Página 2
CONSELHO APROVA RELATÓRIO E CONTAS DE GESTÃO DA ABI
O ESPLENDOR DA LÍNGUA EM MUSEU DE SÃO PAULO
MEDALHA TIRADENTES PARA FERNANDO BARBOSA LIMA
DECISÃO FOI ADOTADA POR UNANIMIDADE NA ASSEMBLÉIA ANUAL. PÁGINAS 12 E 13
TECNOLOGIA AVANÇADA MOSTRA A BELEZA DO IDIOMA PORTUGUÊS. PÁGINAS 23, 24 E 25
A HONRARIA FOI CONCEDIDA PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO . PÁGINA 15
O DIA E O DIÁRIO DE S.PAULO
O PERFIL DE MARCITO,
AGORA COM CARAS NOVAS
A HISTÓRIA DA MORDAÇA NO ESTADÃO SOB A DITADURA
JORNALISTA E CIDADÃO
OS JORNAIS FAZEM MUDANÇA GRÁFICA PARA GANHAR LEITORES . PÁGINAS 30, 31, 32 E 33
LIVRO DO REPÓRTER JOSÉ MARIA MAYRINK MOSTRA A CENSURA. PÁGINAS 44, 45 E 46
NA VISÃO DA ABI, ELE FOI GENEROSO E DESASSOMBRADO . PÁGINAS 47, 48 E 49
Editorial
ADEUS, LEI MALDITA OS SETORES DEMOCRÁTICOS DO PAÍS exultaram com a decisão do Supremo Federal de varrer do nosso ordenamento legal a Lei de Imprensa, que foi revogada totalmente e deixou de constituir um instrumento de punição e de coerção do exercício da liberdade de imprensa entre nós. Como assinalado pelo Jornal da ABI nas páginas seguintes, essa foi uma decisão histórica, que será grafada com a ênfase devida nos relatos que a posteridade há de fazer acerca dos tempos que vivemos. REMOVEU-SE ASSIM DO NOSSO sistema jurídico um conjunto de restrições concebidas e implantadas a ferro e fogo pela ditadura militar para condicionar o direito de informação e a liberdade de opinião, bens imateriais que enfrentariam a partir da instituição da lei, em 1967, um crescendo de limitações, agressões e violências que um édito posterior, o Ato Institucional nº 5, agravaria por um período dolorosamente prolongado. A ABI PODE JACTAR-SE da contribuição que, como instituição, ofereceu para que se produzisse decisão tão alvissareira. Ao longo de sua trajetória centenária, esta Casa tem feito infatigável apostolado da significação que a liberdade de imprensa tem para a convivência democrática e para as liberdades individuais, sem as quais a vida não merece ser vivida. Ainda que em muitos casos com relutância, mesmo os segmentos da sociedade desprovidos de apreço à liberdade ren-
deram-se, por força dessa continuada pregação, ao reconhecimento de que a liberdade de comunicação é um bem essencial para o convívio civilizado. Podem não festejá-la, mas têm de tolerá-la.
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico
NO CASO ESPECÍFICO DA ARGÜIÇÃO de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130 de 2008, a ABI teve uma participação que não se esvaiu em mero jogo de palavras, em altissonantes declarações de adesão à causa que o Deputado Miro Teixeira, jornalista e membro do Conselho Consultivo da Casa, teve a sensibilidade política e a competência jurídica de formular e sustentar com eficácia na Suprema Corte. A ABI tornou-se protagonista do processo, admitida que foi nos autos e no julgamento como amicus curiae por decisão do ilustre relator, Ministro Carlos Ayres Britto. A GRANDEZA HISTÓRICA DA DECISÃO de revogação total da lei liberticida é magnificada pela oportunidade que seu questionamento perante o Supremo Tribunal Federal ensejou de exaltação da liberdade de expressão pelos membros da mais alta Corte de Justiça do País. Pela voz de diferentes ministros, todos com riqueza de domínio do tema, com vigor na exposição, com rigor na lógica da argumentação, o Supremo proclamou a uma voz que a liberdade é um bem a ser preservado e cultuado e tudo aquilo que a ofende deve ser eliminado da vida nacional, como se fez agora com essa lei maldita.
CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.
Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges.
CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano do Nascimento Barbosa, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum.
Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 presidencia@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros
Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Câmara, Agência Estado, Agência O Globo, Agência JB, Folhapress
Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas.
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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Leg islação - Bye, bye lei de imprensa Legislação ○
CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
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1O Ano do Centenário - Os amores de Manuel Bandeira com a ABI ○
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Homenagem - Medalha Tiradentes para Fernando Barbosa Lima
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Depoimento - Tinhorão, o implacável
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Linguagem - Um passeio pela língua portuguesa
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Pioneirismo - No meio ambiente, um recomeço
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Veículos - O novo O Dia
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Depois do conteúdo, cara nova
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Jornal da ABI Número 340 - Abril de 2009
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO
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Leg islação - Uma lei para incentivo à Legislação mídia alternativa. Por ora, em projeto
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Depoimento - Rodolfo Konder, a luta pela liberdade de imprensa
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Saúde - Informação, arma de combate ao câncer
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ARTIGO 08 O jornalismo é uma cachaça, um sacerdócio ou as duas coisas? por Pinheiro Júnior ○
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SEÇÕES C E U N A AB 12 A C ONTE ONTEC ABI Villas, Marcello e Miro abrem a votação de 2009 D A D E D E IM P R E N SA 29 L I B E RRD NS Censura prévia no Pará ○
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L IVROS ○
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Olha o frevo aí, gente! ○
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Henfil, Betinho e Chico Mário nas recordações da irmã Wanda ○
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Retrato de um tempo de trevas ○
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V I DA S Marcito, o desassombrado ○
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Silva Filho, o jornalista-pintor ○
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Stupakoff: a lente de luto ○
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Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésylo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Wilson Fadul Filho, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
LEGISLAÇÃO
ILUSTRAÇÃO: RITA BRAGA
BYE, BYE LEI DE IMPRENSA
Após 42 anos de vigência desse texto legal imposto pela ditadura militar, o Supremo Tribunal Federal derrubou a Lei de Imprensa, que sobrevivera à promulgação da Constituição de 1988 e constituía, como sustentou o Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que postulou a sua revogação, um entulho remanescente do regime autoritário. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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LEGISLAÇÃO BYE BYE LEI DE IMPRENSA
NELSON JR/SCO/STF
N
uma sessão histórica, realizada em 30 de abril, o Supremo Tribunal Federal decidiu revogar a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), acatando pela maioria de sete dos seus 11 ministros a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/ 2008, ajuizada pelo Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) através de seu partido, que detém a titularidade jurídica para propor ações dessa natureza à Suprema Corte. Embora discordando da proposta de revogação total da Lei, como sustentara o relator da matéria, Ministro Carlos Ayres Britto, outros três Ministros – Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, na ordem em que votaram – defenderam a revogação de numerosos dispositivos da Lei, reconhecendo que não foram recepcionados pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Apenas um Ministro, Marco Aurélio Mello, dissentiu dos demais e votou pelo não-conhecimento da Argüição, sem exame de seu mérito, por entender que esta não era a forma processualmente adequada para a derrubada da Lei, como pleiRelator da Argüição, o Ministro Ayres Britto (segundo à esquerda) fez longa e fundamentada análise da colisão da Lei de Imprensa com a Constituição. Na sessão precedente, em l de abril, ele já votara pela suspensão de 22 dispositivos da Lei. teado pelo Deputado Miro Teixeira. A derrubada da Lei de FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR Imprensa teve início no NELSON JR/SCO/STF dia l de abril, quando o relator do processo, Ministro Carlos Ayres Britto, apresentou o seu parecer sobre a proposta de revogação da Lei de Imprensa. A exposição do Ministro foi antecedida pela intervenção do Deputado Miro Teixeira, autor da Argüição, do advogado Thiago Bottino, em nome da ABI, e da representante da organização nãogovernamental Artigo 19, instituição admitida no processo, a exemplo da ABI, como amiA Ministra Ellen Gracie acompanhou o relator Ayres Britto apenas parcialmente: como outros dois ministros, ela admitia a permanência de inúmeras cus curiae. disposições da lei questionada. O Deputado Miro Teixeira (à direita, diante do Ministro Gilmar Mendes) defendera sua petição na sessão precedente, no dia 1º. O Deputado Miro Teixeira, também jornalista, nifestação de voto de cada Ministro seria extensa, advogado e membro do Conselho Consultivo da ABI, expressão, da liberdade de imprensa e da libero Presidente do Supremo Tribunal, Ministro Gilfez contundente defesa da Argüição no Plenário do dade de opinião. Ouvido com extrema atenção mar Mendes, suspendeu o julgamento e convocou Supremo. Com voz firme, segurança na sustentapor dezenas de pessoas, entre as quais represennova sessão para o dia 15, a qual foi depois transção e, em mais de um momento, com forte emoção, tantes de associações de imprensa, como a Asferida para o dia 22, em razão de peculiaridades da ele defendeu a revogação total da Lei de Imprensa: sociação Nacional de Jornais-ANJ e a Associação pauta do Tribunal, e finalmente para o dia 30, quan“Peço que toda essa Lei seja banida do mundo Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisãodo o julgamento foi completado. das leis, que desapareça a possibilidade de se apliAbert, Ayres Britto fez indagações a que ele próNa sessão de 30 de abril, apesar da divergência car pena a jornalista sempre que houver causaprio ofereceu respostas irretocáveis. em relação à questão da revogação da Lei, se selidade com o direito do povo e que nós possamos “Que serventia tem a Lei de Imprensa se a Consria total ou parcial, todos os Ministros fizeram canter um País onde o povo possa controlar o Estatituição hoje alcança o ponto máximo de protedente defesa da liberdade de expressão e de imprendo e não onde o Estado possa controlar o povo, ção? Como ultrapassar o plenamente livre? Imsa como bens essenciais para o Estado Democrácomo temos hoje.” possível. Ela só teria como serventia restringir, tico de Direito, o grande vitorioso nesse históriEm nome da ABI, o advogado e Professor Thiinibir, constranger, reduzir o espaço de movimenco julgamento. ago Bottino também defendeu a revogação total tação. Não há espaço para o meio-termo ou a conA íntegra do voto condutor da decisão do Supreda Lei, por colidir com o texto constitucional. Bottemporização quando o tema é a imprensa. Ou ela mo, de autoria do Ministro Carlos Ayres Britto, tino, cuja exposição é publicada na íntegra adiante, é inteiramente livre, ou dela já não se pode cogipode ser acessada no Site da ABI (www. abi.org.br): sustentou que no processo em exame estava em tar senão como jogo de aparência jurídica.” é uma exposição de afirmação dos valores da dejogo não apenas o direito de informar, mas tanApós o parecer de Ayres Britto, votou o Minismocracia e uma aula proferida com erudição, elebém o direito do povo de ter acesso à informação. tro Eros Grau, que em exposição sucinta e objetigância de estilo, riqueza vocabular e de imagens e, Em seguida, em longa e brilhante exposição, va acompanhou o voto do relator, fixando o placar em muitos momentos, de fino conteúdo poético, o Ministro Carlos Ayres Britto expressou seu de dois votos pela revogação total da Lei de Imprenmarca, aliás, das manifestações de Ayres Britto. voto, em que fez vigorosa defesa da liberdade de sa. Como a sessão avançara noite adentro e a ma-
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Jornal da ABI 340 Abril de 2009
UM FESTEJO COM AS DEVIDAS GALAS
Logo após a sessão do Supremo Tribunal Federal, a ABI emitiu declaração em que classifica de “decisão histórica” a revogação da Lei de Imprensa e proclama que tem “numerosas razões para festejar com as devidas galas o sepultamento desse édito da ditadura militar”.
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m pronunciamento feito no dia 30 de abril, horas após o encerramento da sessão em que o Supremo Tribunal Federal julgou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/2008, ajuizada pelo Deputado Miro Teixeira (PDTRJ) através de seu partido, a ABI classificou de “decisão histórica” a revogação da Lei de Imprensa determinada pelo Supremo Tribunal Federal e expressou seu entendimento de que o STF “ofereceu inestimável contribuição à consolidação e ampliação dos espaços democráticos no País” ao eliminar do sistema jurídico nacional “esse texto legal, concebido e editado pelo regime militar”, o qual não foi recepcionado pela Constituição de 5 de outubro de 1988. “A ABI tem numerosas razões para festejar com as devidas galas o sepultamento desse édito da ditadura militar”, diz a declaração.
A manifestação da ABI, que reafirmou seu “compromisso histórico de se manter, como faz desde 1908, como um bastião da defesa das liberdades públicas, dos direitos civis e dos direitos humanos”, tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa considera que o Supremo Tribunal Federal ofereceu inestimável contribuição à consolidação e ampliação dos espaços democráticos no País ao revogar a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), por entender que esse texto legal, concebido e editado pelo regime militar, não foi recepcionado pela Constituição de 5 de outubro de 1988 e por essa razão não pode continuar integrando o sistema jurídico nacional. Folga a ABI em verificar que essa decisão histórica, adotada com base no voto do eminente relator, Ministro Carlos Ayres Britto, e perfilhada
por sete dos onze membros da Suprema Corte, consagra o entendimento exposto por vários Ministros de que a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação de pensamento são bens essenciais à efetivação do Estado Democrático de Direito instituido pela Carta Magna, o qual, além de figurar no texto constitucional, tem de ser construído através de atos concretos, como esse que o Supremo Tribunal adotou na memorável sessão deste 30 de abril de 2009. A ABI tem numerosas razões para festejar com as devidas galas o sepultamento desse édito da ditadura militar, as quais não se restringem à celebração da revogação de uma lei que constituía permanente ameaça ao livre exercício de um direito fundamental na democracia, como a liberdade de imprensa, pela qual esta Casa tem lutado desde a sua fundação, em 7 de abril de 1908.
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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LEGISLAÇÃO BYE BYE LEI DE IMPRENSA JORGE CAMPOS/AGÊNCIA CÂMARA
A PALAVRA DA ABI NO ´ PLENARIO DO SUPREMO Defensora da revogação total da Lei de Imprensa, a ABI pronunciou-se no Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de l de abril, por meio do advogado e Professor Thiago Bottino do Amaral, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas-FGV do Rio de Janeiro. Após se dirigir ao Presidente, Ministro Gilmar Mendes, e aos demais Ministros do Supremo, Bottino expôs as considerações reproduzidas a seguir.
-- Temos de decidir entre o controle do povo pelo Estado ou o controle do Estado pelo povo, sustentou Miro.
Entre essas razões avulta o fato de que a proposta de revogação da lei repressora foi formulada por um jornalista, o Deputado Miro Teixeira (PDTRJ), que integra o quadro social da Casa e honra seus colegiados de direção como membro de seu Conselho Consultivo. É igualmente motivo de júbilo para a Casa que a tese vitoriosa no julgamento, enunciada com grande brilho e admirável fôlego jurídico e intelectual pelo Ministro Carlos Ayres Britto, tenha sido a que a ABI sustentou em memorial como amicus curiae admitido no processo pelo ilustre relator e, depois, na sessão precedente, em l de abril, em intervenção oral no plenário do Supremo Tribunal Federal feita pelo advogado Thiago Bottino, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, com a qual a ABI concertara um pacto para participação conjunta em tão relevante julgamento. Nesses dois momentos, a ABI expôs com nitidez e sólida argumentação jurídica seu entendimento de que a Lei de Imprensa não foi acolhida pela Carta de 1988, por colidir com as disposições libertárias nesta contidas, e por isso não mais poderia figurar no elenco de textos legais do País. Ao registrar esse avanço no processo de construção da sociedade democrática que almejamos, a ABI considera igualmente necessário prestar homenagens aos Ministros Carlos Ayres Britto – que desencadeou o processo de derrubada desse instrumento totalitário –, Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Cármem Lúcia Antunes, Ricardo Lewandowski, César Peluso e Celso de Mello, que se constituíram em maioria para afirmação da decisão que ora festejamos. Ainda que tenham sido dissonantes dessa maioria, a ABI estende estas homenagens aos Ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que defenderam o acolhimento apenas parcial da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e ao Ministro Marco Aurélio, pela franqueza e coragem cívica com que se expressou contra o deferimento do postulado. Por fim, a ABI expressa e reafirma seu compromisso histórico de se manter, como faz desde 1908, como um bastião de defesa das liberdades públicas, dos direitos civis e dos direitos humanos. Rio de Janeiro, 30 de abril de 2009. (a) Maurício Azêdo, Presidente. 6
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
IMPORTÂNCIA DO AMICUS CURIAE Questão preliminar Independentemente do resultado, o presente julgamento traz em si uma importante conquista da democracia no Brasil. A abertura do Supremo Tribunal Federal à participação da sociedade civil nas ações de controle concentrado de constitucionalidade indica uma nova postura do Poder Judiciário brasileiro, de valorização da pluralidade de opiniões, de estímulo ao debate público e de reconhecimento da importância da contribuição que os amici curiae podem oferecer aos julgadores. Quando a mais alta Corte do País se mostra aberta para receber contribuições de pessoas ou instituições interessadas no julgamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade, não só se assegura a ampliação do acesso à Justiça e ao Judiciário, como também angaria maior legitimidade para suas decisões. Nesse ponto, é preciso fazer dois registros. Em primeiro lugar, registra-se que a importância da figura do amicus curiae se deve ao pioneirismo do Presidente deste Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que muito antes de assumir uma cadeira nesta Corte escrevia sobre a participação popular no controle concentrado de constitucionalidade, sendo inclusive o responsável pela tradução, no País, da obra de Peter Häberle A sociedade aberta e os intérpretes da Constituição. Em segundo lugar, registra-se o posicionamento do Ministro Relator, Dr. Carlos Ayres Britto, de privilegiar os juízos positivos de admissibilidade das instituições interessadas em participar, como amici curiae, dos julgamentos de sua relatoria.
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA ABI COMO AMICUS CURIAE E é na condição de amicus curiae que a Associação Brasileira de Imprensa vem se manifestar perante este Supremo Tribunal Federal, reforçando seu compromisso de contribuir para a consolidação das instituições democráticas brasileiras. Afinal, a História da Associação Brasileira de Imprensa se confunde com a própria História do Brasil dos últimos 100 anos. Trincheira inexpugnável da defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, a ABI tem orgulho de nunca se ter dobrado à intolerância e
à violência dos governos ditatoriais ao longo de sua História. Mesmo nos períodos mais conturbados da História Política nacional, a ABI sempre se empenhou pela defesa dos direitos dos jornalistas, da liberdade de imprensa e pelo restabelecimento da democracia. Instaurado o Estado Democrático de Direito no País, a ABI exerce papel fundamental na defesa da cidadania, bandeira hoje empunhada pelo seu Presidente, Dr. Maurício Azêdo, presente neste Plenário.
A REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA ABI NA ADPF 130 Outro registro importantíssimo deve ser feito antes de se adentrar na questão de mérito. A representação judicial da ABI nestes autos é feita pelo Núcleo de Prática Jurídica da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, coordenado por este orador. O memorial juntado aos autos é fruto do trabalho de onze estudantes de graduação, orientados por dois professores, ao longo de seis meses de pesquisas e estudos. Trata-se de uma proposta inovadora da FGV Direito Rio, de treinar seus alunos para uma intervenção qualificada no cenário jurídico nacional, exigindo que eles sejam capazes de estudar e resolver questões complexas. Nosso objetivo é formar um profissional com perfil diferenciado, capaz de refletir criticamente sobre sua atuação e, ao longo de sua trajetória profissional, promover mudanças importantes nas estruturas jurídicas necessárias ao desenvolvimento econômico nacional. Faço, na pessoa dos alunos Isabela Barros Gama e Carlos Humberto Borborema Alves, presentes neste Plenário, uma homenagem e um agradecimento a todos os que colaboraram para que esse trabalho fosse concluído e para que alcançasse, como alcançou, a aprovação e o reconhecimento do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa, que chancelou o trabalho desses alunos.
A ATUAÇÃO PEDAGÓGICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Por fim, é necessário destacar a atuação pedagógica deste Supremo Tribunal Federal ao julgar questões envolvendo direitos e garantias funda-
FRANCISCO UCHA
A REVOGAÇÃO DA LEI DE IMPRENSA Questão de mérito Ultrapassadas as questões preliminares, a Associação Brasileira de Imprensa se manifesta favorável ao pedido de conhecimento da ação e, no mérito, pelo provimento do pedido principal, qual seja, da declaração de que a Lei nº 5.250/1967 é incompatível com a Constituição de 1988, como questiona o ilustre Deputado Miro Teixeira. Tal incompatibilidade se dá, em primeiro lugar, pelo papel instrumental que a liberdade de expressão desempenha no processo democrático de formação da vontade popular. Não há debate público verdadeiro, nem confronto de idéias, sem que seja assegurada ampla liberdade para expressar opiniões e pensamentos. A liberdade de expressão é pressuposto para um regime democrático, não se podendo suprimi-la sem ferir o cerne da participação dos indivíduos na vida política de uma sociedade.
Destaca-se aqui não somente o direito de informar, mas também o direito de receber informações, de saber o que se passa no País e na sociedade, de conhecer as diferentes manifestações de jornalistas, recebendo livremente os elementos que permitirão ao indivíduo formar sua opinião. É direito do indivíduo conviver em uma sociedade que proteja e assegure a pluralidade de fontes de informação. Em segundo lugar, inúmeros dispositivos da Lei nº 5.250/1967, especialmente os seus artigos 1º, parágrafos 1º e 2º, 2º, parágrafo 2º, 14, 16, 17 e 61 a 65, restringem a possibilidade de expressão de opiniões que, independentemente de sua importância para o debate público, constituem um valor em si mesmas. A restrição à manifestação da opinião viola o principio da dignidade humana, a autodeterminação individual, o direito das pessoas de refletirem por si mesmas sem qualquer dominação intelectual ou psicológica por outrem, o direito à auto-expressão e à auto-realização. É direito do indivíduo manifestar suas idéias e contestar as dos outros. Não cabe, neste breve tempo de sustentação oral, a análise individual dos artigos apontados como inconstitucionais. A inicial da ADPF faz isso de forma precisa. O que a Associação Brasileira de Imprensa pretende sustentar é a impossibilidade de que o restante da Lei se mantenha válido caso haja a declaração de invalidade de mais de 20 artigos, aproximadamente 1/3 (um terço) da lei. A Lei de Imprensa encerra um sistema lógico, que pretende regular a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Podada em quase um terço de seus dispositivos, perde seu caráter de sistema, desequilibra-se como estrutura legal e se desmancha como um castelo de cartas. Não se olvida a possibilidade de regulação dos temas mais sensíveis (direito de resposta, responsabilidade civil e criminal, proteção da intimidade) por meio de outros instrumentos jurídicos. Isso já ocorre por meio dos Códigos Penal e Civil e de
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mentais. Pedagogia é a ciência que estuda, ordena, sistematiza e reflete sobre o processo educativo. E a pedagogia dos direitos fundamentais realizada por este Supremo Tribunal Federal se revela na provocação dirigida à sociedade e à população para que reflitam sobre os valores mais importantes do Estado Democrático de Direito. Essa é a verdadeira face política do Supremo Tribunal Federal, equilibrando o jogo democrático, atuando de forma contramajoritária para proteger a minoria contra a opressão da maioria, assegurando o respeito dos direitos fundamentais sem receio de se indispor com políticos ou com a opinião pública. Novamente, qualquer que seja o resultado deste julgamento, o Supremo Tribunal Federal ensinará à sociedade muito sobre si mesma, sobre sua evolução política, sobre suas conquistas civilizatórias e sobre a consolidação de suas instituições democráticas.
A Lei de Imprensa colidia com a Constituição e por isso não mais poderia figurar no elenco de textos legais do País, declarou o Presidente da ABI, Maurício Azêdo.
outras leis presentes no ordenamento jurídico. Não se encerra a discussão sobre se há espaço para uma lei de imprensa. Nesse ponto a Associação Brasileira de Imprensa não tomou posição, em seu Conselho Deliberativo, sobre a possibilidade de uma nova lei. A Associação Brasileira de Imprensa não defende nem rejeita uma nova lei, pois acredita que esse tema só poderá ser discutido após este julgamento. Mas a Associação Brasileira de Imprensa não tem dúvidas em afirmar que a Lei atual, em razão da inconstitucionalidade de grande parte dos seus dispositivos, deve ser toda suprimida do ordenamento jurídico nacional. Isto posto, a manifestação da ABI é pelo conhecimento e procedência integral do pedido. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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REFLEXÕES
O jornalismo é uma cachaça, um sacerdócio ou as duas coisas? POR PINHEIRO JÚNIOR
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ILUSTRAÇÃO: MARIA
Dia do Jornalista – 7 de abril – não passou nem passará em brancas nuvens. Porque todo dia é Dia de Jornalista. Parece paródia ao Dia do Índio, essa criatura que deveria ser reverenciada e comemorada o ano todo como preito de culpa e culto de arrependimento de uma civilização que não cuidou de salvar a própria alma nativa. É uma tardia confissão da barbárie praticada contra os primeiros donos do Brasil. Senhores da terra dizimados a faca e a fogo pelo colonizador alienígena cujos descendentes agora se proclamam piedosos. Mas a similitude índio-jornalista não pára ai. Nem se trata apenas de uma parodiazinha vulgar de quem gosta de curtir o delírio do racional. Principalmente agora, quando tudo parece conspirar com uma nova extinção também de patrocínio alienígena – a extinção do repórter. E o repórter, como se sabe, é o jornalista em estado/estágio nativo. Em estado bruto. Melhor dizendo: em estado de beatitude e pureza. E que deveria ser preservado e perpetuado como garantia e seguro de sobrevivência para o jornal como hoje o jornal se apresenta. Ou deveria se apresentar para não ser engolido, mastigado e defecado pela internet ou algo que o valha e vem por aí. Não tenham dúvidas. Todo dia é Dia de Jornalista é uma frase boba, convenhamos. Mas que oferece de cara um reconhecimento, vamos dizer, de justiça universalizada à sacrificada, sofrida e até mesmo vilipendiada profissão do trabalhador (da pena!, como se dizia) que mantém a sociedade informada, bem ou mal, levando-a a pensar e pesar acontecimentos destinados à História menor ou maior. É ainda a menos burocrática e mais amplamente solicitada das profissões que os tempos modernos conseguiram produzir desde os característicos anos do século XX. Os tempos dos gênios da comunicação Charlie Chaplin e John Reed (lembram-se deles?). Afinal a Era da Comunicação nasceu mesmo uns quatrocentos anos depois de Gutenberg. Gestou e veio à luz devagarinho, um panfleto aqui, um jornalzinho manuscrito ali, o primeiro hebdomadário acolá e, derepentemente, olha o jornal diário precisando de gente para ser feito e colocado na rua, nas mãos do povo, azucrinando poderosos ou bajulando tiranos. Enfim, a biodiversidade jornalística é vasta e incontrolável, rádio e tv à parte. Quer dizer, incontrolável (rádio, tv e internet à parte) até certo ponto. Mas vamos ficar só nos jornais nascentes que pediam gente mesmo. E que haveriam de se especializar: jornalista, repórter, cinesíforo, gráfico, redator, noticiarista, articulista, cronista, escritor, panfletário, desenhista, diagramador, publicitário, comentarista, crítico, escritor, da-
guerreotipista, fotógrafo. E tanto mais solicitado passou a ser o jornalista de todas as gamas e tempos, espectros e aspectos porque a sociedade se fez exigente de conhecimento e mais saber. Um saber curativo da ignorância clássica (e crassa) de que nem mesmo os cientistas de todas as áreas puderam prescindir. Porque, como reza outro jargão popular, o jornalismo é também um sacerdócio. Exigindo dedicação que
pode subestimar a fé que move montanhas, mas se impõe independente até da vontade interior dele – o jornalista. Noticia-se por compulsão. Quem ignora? O jornalista de verdade é um compulsivo. É aquele que apura notícia e faz jornal 24 horas por dia, 365 dias por ano, até de férias ou desempregado. E escreve, escreve, escreve “ainda que se lhe cortem as mãos”. Exagero? Pois lembremos que ele – o jornalista que somos nós! - acorda e vai tomar café com a notícia na boca, ou nas bocas que a tv lhe impõe cara-a-cara, e o jornal lhe empurra goela abaixo servido madrugadinha como o pão de cada dia. Pão que o padeiro às vezes tarda mas o jornal não falha. Não raro o chefe de reportagem ou o seu – nosso! – editor não cerca o repórter pelo telefone ou por e-mail para lhe adiantar a pauta que muito provavelmente você vai ter que cumprir saindo diretamente de casa. Todo dia é ou não é Dia de Jornalista? E jornalista que não se informa bem sobre tudo e sobre todos, toda hora, não é jornalista. Assim, é preciso se informar bem. Inclusive a caminho do jornal. Quem sabe papeando com o taxista (esse sabe tudo!) ou com quem quer que encontre nas ruas. É ou não é assim? Na redação – ah na redação! – não há tempo senão para correr atrás da apuração ou voar por vezes virtualmente para a entrevista pautada, para a substituição no plantão do grande caso do dia. O dia que corre tão rápido, mas tão rápido que quando vemos já estamos no botequim discutindo... notícia... para relaxar! E à noite, quando se chega à cama e é possível dormir, como deixar de sonhar com aquela manchete, com aquela nota-bomba, com a crônica que terá de ser escrita antes mesmo do primeiro cafezinho da manhã? Ou do último drinque no derradeiro bar da madrugada? Jornalismo é uma cachaça, cara! O patrão paga mal e a gente continua lá, escravizado (no bom ou no mau sentido?), submisso enquanto a conscientização não desembarca nas cabeças diplomadas e os recursos não chegam para opinar/ discordar/escolher na medida em que nós – repórteres, redatores, editores – não evoluímos profissionalmente para podermos impor a verdade dos fatos, as versões que não sejam apenas as da conveniência dos donos disso que hoje chamamos de mídia. Aliás, para início de conscientização de discordância e elegia do delírio do real, abominemos essa palavrinha obscena oriunda das estranjas tão asséptica e massificada como eles - os midiáticos seniores – querem que o poder da comunicação jornalística continue sendo. Mídia não, jornalismo sim! José Alves Pinheiro Júnior é Conselheiro da ABI e escreve novelas de não-ficção baseadas em notícias e reportagens.
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CONDOMÍNIO DOS PROPRIETÁRIOS DOS DIREITOS DE IMAGEM DE MANUEL BANDEIRA
OS AMORES DE MANUEL BANDEIRA COM A ABI O poeta de A Cinza das Horas ingressou na Casa em 1925, na gestão de Raul Pederneiras, e dela se desligou pouco depois, conta com humor, por “insuficiência respiratória”. Em 1925 havia em nossa imprensa periódica uma revista meio clandestina, não me lembra se semanal ou quinzenal, chamada, muito pouco jornalisticamente, A Idéia Ilustrada. A enfezadinha semimoribunda foi parar nas mãos de Luís Aníbal Falcão, que gastou dinheiro e deu pulos para todos os lados tentando galvanizar a desenganada. Acompanhei essa luta heróica no posto não remunerado de crítico musical da revista. Julgava-me suficientemente pago de meu presunçoso trabalho pela convivência com Falcão, Freixeiro, Secretário da Idéia, rapaz encantador, morto prematuramente, e o desenhista Ângelus. Mas resolvi tirar outra vantagem da situação, inscrevendo-me como sócio da Associação Brasileira de Imprensa: teria meu enterro pago, se morresse, e, enquanto vivo
fosse, abatimento nas passagens do Lóide e da Central. Precaução inútil: jamais morri, nem com abatimento viajei no Lóide e na Central. Bem. Munido do atestado que me foi fornecido pelo diretor da revista, dirigi-me à sede da ABI. A rica cinqüentona de hoje era, naquele tempo, uma menina de quinze anos, sem eira e sem beira nem maneira. Não tinha casa própria. Morava por favor em casa alheia. Na ocasião era hóspede da Brigada Policial e ocupava uma dependência do quartel da Rua Evaristo da Veiga. Seu Presidente, Raul Pederneiras. Nunca eu lhe tinha falado, embora eu fosse admirador do caricaturista da vida carioca desde os meus tempos de menino, desde os tempos do Tagarela. Raul passou a vista no atestado de Falcão e indagou, sem me olhar:
Manuel Bandeira foi sócio da ABI até que ela se mudou para um sobrado. Aí, desistiu: seu pulmão não lhe dava fôlego para subir escadas.
– Essa revista existe mesmo? A pergunta pareceu-me desobrigante. Mas Raul era humorista e eu decidi tomá-la como humorismo. Respondi: Existe sim, mas nós não a alcançamos porque ela existe apenas ... Perce-
Os tempos heróicos de protestos e vigílias Cronista do Correio da Manhã evoca as primeiras décadas da Casa, em que a Diretoria da ABI ficava em sessão permanente, aguardando, diz ele, que a prepotência amainasse e jornalistas fossem libertados. POR ADERSON M AGALHÃES
A Associação Brasileira de Imprensa, ideal realizado por Gustavo de Lacerda, que é hoje a nossa maior entidade da classe em todo o País, na sua brilhante trajetória de cinqüenta anos que se completam nestes próximos dias, tem uma história que poucos conhecem, mas em cujas páginas se inscrevem serviços prestados não apenas aos jornalistas e ao jornalismo brasileiro, mas sobretudo à Nação, aos cidadãos, aos direitos do homem, à segurança da liberdade expressa nas mais significativas manifestações do pensamento escrito e falado. Nas horas agitadas da vida nacional, nos momentos em que se faziam iminentes as ameaças a essas conquistas da democracia, a Associação, do fundo de suas modestas instalações, à frente os fundadores, depois Francisco Souto, Dunshee de Abranches, João Melo, Belisário de Souza, Raul Pederneiras, Gabriel Bernardes, Paulo Filho, Barbosa Lima, Alfredo Neves, Herbert 10
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Moses, estava sempre na vanguarda das atitudes para protestar, para reagir, para reivindicar o respeito às garantias constitucionais. Inúmeras vezes, naquelas salinhas estreitas da Rua Treze de Maio ou no sobrado da Rua Rosário, a Diretoria ficaria em sessão permanente aguardando que a prepotência amainasse a fúria e libertasse os profissionais da pena para prosseguirem no seu apostolado cívico de preservar as prerrogativas dos cidadãos livres, turbadas pelo arbítrio de governantes e seus agentes. Tem sido esta a grande missão da sociedade que começou com um pequeno grupo de repórteres, ao tempo em que também a classe era pouco numerosa, ainda que muito intemerata, e foi crescendo até se apresentar ao País e ao mundo como uma das mais notáveis instituições brasileiras. Mas é preciso falar igualmente nos dias amargos da nossa Associação. Foi aquela época em que a cidade recebia os grandes impulsos do progresso. Surgiam os planos de urbanização,
iniciava-se aceleradamente a reforma da metrópole. E a ABI, que vivia sempre à margem de quaisquer favores oficiais, não encontrava onde se instalar, a fim de atender aos seus associados, que já subiam a muitas centenas. O problema da sede angustiava os diretores, e a ABI durante alguns anos andou como judeu errante, algumas vezes ameaçada de desocupação e outras debilitada economicamente, eis que a classe dos profissionais da imprensa, pobre em sua maioria e mal retribuída, não podia sustentar o peso das responsabilidades que a entidade vinha enfrentando. E, assim, quando ocupávamos o velho edifício da Rua do Passeio, com a eclosão do movimento de outubro de 30, na hora das perseguições, tiveram os jornalistas de alhear-se da existência da Associação. A ABI ficou deserta por algum tempo. As obrigações se avolumavam cada dia e não havia como atendê-las. O dinamismo de Herbert Moses conclama os associados para a obra da
bi que Raul não conhecia os versos de Vicente de Carvalho, considerei-me desforrado. Enquanto a ABI ficou nos Barbonos foi-me fácil ser sócio dela porque a sua sede era no rés-do-chão. Quando, porém, se mudou para um segundo andar da Rua do Rosário, a coisa virou sacrifício, porque a Associação não tinha cobrador a domicílio e eu não tinha dois pulmões necessários para a escalada do segundo andar do velho prédio da Rua do Rosário. Fui eliminado por insolvência pecuniária: na realidade por insuficiência respiratória. Eis a história lamentável dos meus amores com a ABI. De longe vi a menina ficar moça, noivar e casar-se para toda a vida com Herbert Moses, que lhe deu casa, estadão, prestígio. E agora, que ela completa os seus cinqüenta verões, lhe envio a minha saudação de obscuro colaborador da mais extinta revista da nossa imprensa, e os votos de prosperidade do maior admirador de seu bravo, dinâmico, infatigável Presidente. (Não canto o Happy birthday to you porque detesto e toada e a letra.) Este texto de Manuel Bandeira foi publicado sob o singelo título ABI na edição do antigo Boletim da Associação Brasileira de Imprensa comemorativa dos 50 anos da Casa, completados em 7 de abril de 1958.
recuperação, veio a nova sede na Cinelândia, onde se restaurava o movimento associativo. E não tardou que o apoio de Pedro Ernesto se concretizasse na cessão de um terreno para edificar a futura sede. Nesse passo, interfere Getúlio Vargas para propiciar à Casa do Jornalista a maior colaboração que um Governo, neste ou em qualquer outro país, pode dispensar a uma classe. O Chefe do Estado, proclamado naquela hora o jornalista número um, deu amparo material à instituição e com a sua participação direta prestigiou todas as atividades para o levantamento daquele palácio suntuoso que é hoje a Associação Brasileira de Imprensa. Nunca se há de esquecer a incomparável dedicação de Herbert Moses e seus companheiros de direção, muitos já chamados à eternidade. A Casa do Jornalista, aquele sonho quase impossível de modestos repórteres que há meio século desempenhavam a mais sedutora das profissões, é uma das maiores conquistas de uma classe na qual repousam a confiança dos cidadãos e as esperanças dos oprimidos. Tal como o artigo de Manuel Bandeira, este texto de Aderson Magalhães, festejado cronista do Correio da Manhã, foi publicado na edição já referida, com um título igualmente singelo: O cinqüentenário da ABI.
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Aconteceu na ABI ELEIÇÃO
Villas, Marcello e Miro abrem a votação de 2009 Villas-Bôas Corrêa, decano da reportagem e da crônica política no País, Marcello Alencar, ex-Senador, ex-Prefeito do Rio e ex-Governador do Estado do Rio, e Miro Teixeira, deputado federal e membro do Conselho Consultivo da ABI, figuraram entre os primeiros associados que votaram na eleição realizada no dia 16 de abril, a qual registrou um quórum superior ao da eleição do ano passado, com o comparecimento, agora, de 127 eleitores. Os associados elegeram o terço do Conselho Deliberativo da Casa para o triênio 2009-2012 e os membros do Conselho Fiscal para o exercício social 2009-2010, apresentados pela Chapa Prudente de Morais, neto. A mesa escrutinadora foi composta pelos associados Leda Acquarone, Ilma Martins da Silva e Moacir Lacerda. O Presidente do Conselho Deliberativo, Pery Cotta, ao comentar a eleição, destacou o caráter democrático da ABI: – Trata-se de uma instituição diferenciada, pois seu Conselho Deliberativo passa, periodicamente, por um processo de renovação, sempre trazendo outros companheiros para a mesma luta em defesa da liberdade de imprensa e da categoria, Não há nada mais democrático do que isso. O jornalista Argemiro do Carmo Lopes, conhecido como Miro Lopes, irmão do jornalista Tim Lopes, enalteceu a atual gestão da ABI e falou sobre a necessidade de união da categoria: – Maurício Azêdo empreendeu um trabalho de renovação na Casa, e eu tenho orgulho de fazer parte desta administração. Nesse momento de eleição, é muito importante que a classe jornalística esteja unida e compareça, pelo bem da ABI e de todos nós jornalistas. A eleição começou às 10h e se estendeu até às 20h, quando se iniciou o processo de escrutinação. Do total de eleitores, 124 votaram nos candidatos ao Conselho Deliberativo e ao Conselho Fiscal. Entre os primeiros eleitores estavam Luiz Antônio Villas-Bôas Correa, decano da cobertura política do País, na qual se iniciou há mais de 60 anos, e o ex-Prefeito e ex-Governador Marcello Alencar, que também exerceu a profissão de jornalista como correspondente do Correio da Manhã na Organização das Nações Unidas-
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Os associados Deputado Miro Teixeira (no alto, à esquerda) e exSenador Bernardo Cabral, relatorgeral da Constituição de 1988 (à direita), foram dos primeiros a comparecer à sessão de votação no nono andar do Edifício Herbert Moses. Miro expressou então sua expectativa de que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento programado para duas semanas depois, revogaria a Lei de Imprensa, previsão que se confirmou. VillasBôas e Marcello Alencar (abaixo, à esquerda) conversaram sobre um tema que adoram: política. Paulo Jerônimo, Diretor de Assistência Social (à direita), votou pouco depois.
Assembléia aprova Relatório 2008-2009 e Contas de 2008 Reunida em 16 de abril, a Assembléia-Geral Ordinária Anual da ABI aprovou, por unanimidade, o parecer do Conselho Deliberativo da Casa favorável à aprovação do Relatório da Diretoria no exercício social 2008/2009 e as Contas de Gestão do ano civil de 2008 e seu comparativo com o ano civil de 2007. A Assembléia-Geral foi presidida pelo associado Lênin Novaes, que convidou para compor a Mesa os sócios Estanislau Alves de Oliveira e Marcus Miranda. Para Presidente de Honra da Assembléia foi convidado o ex-Prefeito e ex-Governador Marcello Alencar, que foi correspondente do Correio da Manhã, nos Estados Unidos, na Assembléia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, no começo dos anos 70. Nessa época, Marcello Alencar teve que se exilar para fugir das perseguições que sofreu do regime militar, como advogado de líderes da resistência à ditadura, entre os quais o ex-Deputado Vladimir Palmeira, então Presidente do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira-Caco, da antiga Faculdade Nacional de Direito, atual Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O ex-Governador disse que compareceu à Assembléia por dois motivos: o reconhecimento do papel da ABI na defesa da liberdade de imprensa e do Estado de Direito, e também para homenagear o Presidente Maurício Azêdo, que foi seu companheiro no Partido Democrático Trabalhista (PDT), nas duas vezes em que esteve à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro. A Assembléia-Geral aprovou também por unanimidade moção do associado e membro do Conselho Deliberativo da ABI Mário Augusto Jakobskind, para que a Casa se dirija aos
Ministros da Justiça e Defesa e ao Presidente do Paraguai, Fernando Lugo, pleiteando a abertura dos arquivos da Operação Condor, que unificou a repressão de cinco países (Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile) do Cone Sul, durante a ditadura militar a que esses Estados foram submetidos. Indagado sobre a razão do pedido, explicou Jakobskind que o pesquisador paraguaio Martin Almada descobriu que os arquivos da Operação Condor foram mantidos em seu país. Mário Augusto propôs igualmente que a ABI integre o Comitê de Organização da Conferência Nacional de Comunicação — programada para dezembro deste ano — e que participe também das conferências regionais sobre comunicação. Durante a discussão de suas moções falaram os associados Jorge Nunes, Alfredo Belmont Pessoa e Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo. A Assembléia manifestou o seu aplauso a Jorge Nunes por ter sido nomeado pelo Prefeito Eduardo Paes para exercer o cargo de Administrador Regional do bairro do Gericinó, recentemente criado e cujas atribuições se estendem à Vila Kennedy, entre outras comunidades da Zona Oeste. Nunes, que é membro suplente do Conselho Deliberativo, marcou sua posse para o dia 9 de maio, na Escola Municipal Jorge Zarur, na Vila Kennedy. A Assembléia-Geral da ABI teve prosseguimento no dia 17, quando foi realizada a eleição para composição do terço do Conselho Deliberativo e os sete membros do Conselho Fiscal. Por proposta de Lênin Novaes funcionaram como escrutinadores os associados Leda Acquarone, Ilma da Silva Martins e Luiz Carlos de Souza.
A CHAPA PRUDENTE DE MORAES, NETO, a única inscrita, elegeu para membros efetivos do Conselho Deliberativo os associados Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Para suplentes foram eleitos os associados Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Viana, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. Para o Conselho Fiscal foram eleitos os jornalistas Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante, candidato que substituiu Miro Lopes, que desta vez preferiu concorrer ao Conselho Deliberativo. Os demais já integram o Conselho Fiscal. Na forma do Estatuto, a posse dos eleitos será no dia 13 de maio, em sessão em que também serão eleitas as Comissões auxiliares do Conselho Deliberativo: Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, Ética dos Meios de Comunicação, Comissão Diretora da Diretoria de Assistência Social e Sindicância, à qual compete opinar sobre as propostas de filiação à ABI.
Onu e na Europa, nos anos 70. O Deputado Miro Teixeira (PDTRJ), outro que votou pela manhã, ressaltou a trajetória centenária da ABI na luta pela garantia dos direitos civis: – A ABI está retomando a cada dia o espaço que ocupava quando a luta era pela democracia. Agora, muito mais pelos direitos humanos dentro da democracia. Como conquistamos a democracia plena, é preciso aumentar a pressão na luta pelos direitos civis e a ABI percebe isto, tem a sensibilidade e reflete esta questão da luta pela qualidade da democracia. Miro considera que a democracia ideal deve ser perseguida sempre: – Ela é o caminho para melhorarmos a situação das pessoas e promover a igualdade de todos perante a lei, de conciliar mais o conceito de vida e liberdade. Autor da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/2008, que questionou a constitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 1967), Miro também comentou a retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal, que ocorreria duas semanas após a eleição da ABI: – A minha expectativa é que a nossa posição seja definitivamente reconhecida. É um direito do cidadão. Não é um pleito de acionista de jornal. É o direito à informação, à manifestação
do pensamento, direito de crítica, direito de fiscalização daqueles que exercem atividades públicas. Você não pode dizer, por um lado, que a atividade pública deve ser fiscalizada, e por outro lado afirmar que existem penas para quem fiscalizar a atividade. Não pode haver ameaças contra os profissionais que atuam no interesse da informação jornalística. Villas-Bôas Corrêa, que também é Conselheiro da ABI, disse que a eleição se realiza num momento significativo para a Associação: – Maurício Azêdo tem feito uma administração exemplar. Com extrema dedicação conseguiu encaminhar uma linha política corretíssima. A posição da maioria dos associados é de esquerda, pela própria tradição da Associação, mas também pela atual situação do País. Maurício Azêdo mantém esta linha de coerência e também abre espaço para que o outro lado se manifeste. A ABI é a Casa dos jornalistas, a Casa de todos. Portanto, é importante que todos possam se manifestar e que todas as opiniões sejam respeitadas. Marcello Alencar aplaudiu o resgate da tradição da ABI em defesa da sociedade brasileira: – A ABI tem uma história extremamente importante. Ela acompanhou todos os momentos difíceis que enfrentamos ao longo da História. Já vivenciei quatro gerações e vi renascer o brilho da Associação como entidade de interesse público e de respeito à paz social. Agora brindada com a presença do nosso Maurício Azêdo, a quem conheço profundamente. Alencar lembrou do tempo em que ele era Prefeito e Maurício Azêdo vereador à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, época em que tiveram muitas oportunidades de dividir opiniões: – Ele é um homem sério, um político exemplar. Com ele, renasce a esperança da ABI na retomada do papel histórico de estar sempre à frente dos acontecimentos. Vim votar em homenagem a esta nova fase da Casa. Desejo que tudo isto reverta em favor do País. Após depositar o seu voto na urna, o ex-Ministro Bernardo Cabral, associado da ABI desde os anos 60, falou sobre a trajetória da Casa e seu compromisso com a democracia: – Esta eleição representa a confirmação da democracia, que ficou consolidada com a luta da ABI na época mais difícil da ditadura militar. Vejo com muito orgulho a gestão do Maurício Azêdo. Ele é exemplo de uma luta pela reorganização profissional, quando o Brasil sofria as intempéries de uma ditadura. Tenho muito orgulho de pertencer à ABI. Acompanhando desde cedo a movimentação dos associados no saguão do 9º andar do Edifício Herbert Moses, o Presidente Maurício Azêdo sublinhou a relevância do pleito na tradição histórica da ABI em defesa das liberdades: – A eleição é um momento importante porque representa a continuação
de um processo democrático que a ABI desenvolve há anos, que é o sistema pelo qual há uma eleição anual para o provimento de cargos no Conselho Deliberativo, principalmente, e nos prazos do Estatuto para a Diretoria executiva da Casa. A ABI promove assim o exercício permanente de cidadania em torno das questões relacionadas com a sua destinação institucional, que é a defesa da liberdade de
imprensa, das liberdades públicas em geral e dos direitos humanos. Ernesto Vianna, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, destacou a relevância da ABI para a vida do País: – A importância da ABI, mais uma vez, se faz sentir nesta eleição, representada pela Chapa Prudente de Moraes. A Associação se destaca a cada dia no cenário nacional.
NOSSOS ELEITORES A Achylles Armando J. Peret Adail José de Paula Admar Branco Brandão Adolfo Martins de Oliveira Adriano do Nascimento Barbosa Afonso Maria de Assis Faria Alfredo Gomes dos Santos Alcyr Mesquita Cavalcanti Alfredo Aurélio de Belmont Pessoa Alice de C. Monteiro Penna Firme André Luiz A. de Souza Bezerra André Luiz Fernandes Andries Antonio Calegari Antonio Idaló Neto Antonio Mota Carneiro Antonio M. Lopes Filho (Toni Marins) Antonio Nery Antonio Vieira Moreira Argemiro do Carmo Lopes do Nascimento Arnaldo Luiz Fontes Arthur José Poerner Ayrton de Souza Porto Aureclydes Ponce de Leon Antunes B Bernardino Capell Ferreira Bruno Torres Paraíso C Carlos Carlos Carlos Carlos Carlos
Alberto Marques Rodrigues Arthur Pitombeira da Silveira Ruas José di Paola Simões
D Dacio Gomes Malta E Edyr Dias Raposo Estanislau Alves de Oliveira Erno Schneider Everaldo Lima D’Alvarenga F Fernando Figueiredo Milfont Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva Francisco Emanuel Índio do Brasil Santanna Francisco Pedro do Coutto G Geraldo José de Andrade Geraldo Pereira dos Santos Germando de Oliveira Gonçalves H Haydée Blandina de Almeida Helio Alonso Herval da Silva Faria Hildeberto Lopes Aleluia I Ilma Martins da Silva Ivan Vinhieri J Jesus Chediak João Batista Barroso de Menezes João Carlos Silva Cardoso João Luiz Rodrigues Ney Joé Baptista de Souza Jorge Nunes de Freitas Jorge Saldanha de Araújo José Alves Pinheiro Júnior José Antônio de Oliveira José Bernardo Cabral José Cristino Costa Ferreira José da Costa Andrade José Ernesto Muzell Viana José Jayme Gama José Marcelo Antunes Moreira José Pereira da Silva (Pereirinha) José Reinaldo Belisário Marques José Rezende Neto José Ricardo dos Reis
José Ubiratan Solino Jourdan Norton Wellington de Barros L Lauro Afonso Faria Leda Acquarone de Sá Lênin Novaes de Araújo Leonor Guedes Lindolfo Machado da Rosa Lygia Maria Collor Jobim Loris Baena Cunha Luarlindo Ernesto da Silva Lucio Natalício Clarindo Luiz Antônio Villas-Bôas Corrêa Luiz Carlos Bittencourt Luiz Carlos de Oliveira Chesther Luiz Carlos de Souza Luiz Eduardo Souto Aguiar Luiz Sérgio Caldieri M Manuel Epelbaum Manuel José Roberto Félix Mário Augusto Jakobskind Marcus Antonio Mendes de Miranda Marcos Lopes Firmo Marcello Nunes de Alencar Maria das Graças Silva (Anna Davies) Maria Elizabeth Cardoso Lopes Maria Elizabeth Maciel L. Stockler Maria Ignez Duque Estrada Bastos Márcia da Silva Guimarães Milton Coelho da Graça Miro Teixeira Moacyr Andrade Moacyr B. de Lacerda N Nacif Elias Hidd Sobrinho Nilson Nobre de Almeida Nivaldo Pereira O Orpheu dos Santos Salles Oscar Maurício de Lima Azêdo P Paulo Apulcro Fonseca Paulo Cavalcânti Valente Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Pery de Araújo Cotta R Romildo de Castro Guerrante Rosangela Magalhães Amorim Rubens dos Santos (Rubens Confete) S Sônia Maria de Araújo Meinberg Sônia Maria Ferreira Silas Pereira Bastos Suely de Assis Rodopiano T Teonis Ribeiro Pereira Thales José Maciel Bento Tereza Cristina Fazolo Freire U Ulisses Cláudio Lonzetti V Valtair de Jesus Almeida W Waldyr Muniz Pereira Wilson Fadul Filho Wilson Rocha Meirelles Y Yara Amélia Rocha Z Zilmar Borges Basílio Zilda Cosme Ferreira
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Aconteceu na ABI
Brasil de Fato quer ser mais RJ
var o nível de reflexão do povo brasileiro. E nosso encontro tem como proposta avaliar o que poderia ser feito a partir da parceria do jornal com a ABI, através da qual pedimos apoio para o Criado em 2003 no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o jornal tem como tema as reivindicações projeto político independente da clasdos principais movimentos sociais e se empenha em promover o debate em torno das causas populares. se trabalhadora. O papel histórico da ABI e a sua trajetória ABI pelo editor-chefe do jornal, Nílton exemplares, com circuLançado em Porto Alegre em 25 de reforçam a nossa proViana, durante a visita que fez à Casa, lação nacional, e conta janeiro de 2003 durante o Fórum Soposta”, afirmou Nilton em 26 de março, em companhia do recomo mantenedores cial Mundial reaalizado na capital gaViana. pórter Leandro Uchoas, correspondente movimentos sociais úcha e editado desde então em São PauEm 2007 o jornal do Brasil de Fato no Rio. Viana expôs as como o Movimento lo, o semanário Brasil de Fato quer se faproduziu 11 edições esdificuldades que existem no Brasil para dos Trabalhadores Ruzer mais presente no Estado do Rio de peciais, abordando teo desenvolvimento de uma imprensa rais Sem Terra-MST, a Janeiro, tanto através de notícias e remas como transgêniindependente e propôs uma colaboraVia Campesina, a Conportagens sobre a vida fluminense, cos, transnacionais e ção permanente com a ABI, de modo sulta Popular e pastocomo em crescimento de sua circulabiocombustíveis. Toque o jornal, inspirado na experiência rais sociais. Circula às ção e do número de seus assinantes. dos os anos, a equipe da centenária entidade, possa consoliquintas-feiras, com venEssa proposta editorial foi exposta à do Brasil de Fato prodar o seu empenho pela liberdade de da em bancas e assimove um ato político imprensa e de expressão. nantes em todo o País. cultural para celebrar a – Viemos fazer uma visita à ABI para Conta também com data do aniversário do conhecer seu Presidente, Maurício uma agência de notíciAzêdo, e falar sobre o projeto do Brasil as na internet. A sede Editor de Brasil de Fato, Nilton jornal. Em 2009, a ceViana quer que o jornal tenha lebração aconteceu dude Fato, que este ano completou seis anos fica no Bairro da Sé, em maior presença na vida fluminense. rante o Fórum Mundide resistência. Falamos também do nosso São Paulo. al Social, em Belém do pensamento sobre o Rio de Janeiro, no “Nossa idéia era criPará, e contou com a presença de Aleinível editorial – disse Viana ao ABI On ar um veículo capaz de dialogar com da Guevara, filha de Che Guevara, a Line, após o encontro na Presidência. a sociedade e fazer o contraponto com qual também esteve presente no lanSemanal, como já referido, Brasil de os outros meios de comunicação. Um çamento da publicação. Fato tem uma tiragem regular de 50 mil dos principais objetivos do jornal é ele-
Tarcísio, testemunha desde 1962 Antes de se radicar em Brasília, em 1975, ele já acompanhava desde 1962 o que acontecia na vida política do País. Em carta ao Jornal da ABI, o jornalista Tarcísio Holanda, novo Vice-Presidente da Casa, esclareceu que passou a acompanhar a vida política do País desde 1962, e não em 1975, como figurou no texto publicado nas páginas 16 e 17 da edição nº 339 do Jornal. Cearense de Fortaleza, Tarcísio foi banido de seu Estado pela perseguição política e ideológica dos dois chefes da política local, o Governador Virgílio Távora e o Deputado Armando Falcão. Diz Tarcísio em sua mensagem: “Caríssimo Maurício Azêdo, Eu me transferi para o Rio de Janeiro em 1962. O meu último bastião foi a Rádio Assunção, de propriedade da
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Igreja, pois eu já não tinha espaço no mercado de trabalho local. Finalmente, o Governador do Ceará, Coronel Virgílio Távora, e o então Deputado Armando Falcão conseguiram me expulsar de minha terra. O padre Landim, diretor da Rádio Assunção, em uma segunda-feira, foi logo me dizendo: “Tarcísio, passe no Departamento de Pessoal e receba essa passagem para o Rio de Janeiro, pois você não tem mais onde se empregar no Ceará.” Viajei para o Rio de Janeiro, deixando minha mulher e três filhos hospedados com a minha mãe. Comecei a trabalhar na Última Hora graças a Moacir Werneck de Castro, que lá me arranjou um lugar de repórter, com o jornalista pernambucano Flávio Brito, que fazia a edição vespertina de Última Hora. Cumpre-me explicar que eu era secretário-geral do PSB e fui encarregado de dar as boas-vindas aos companheiros cariocas Moacir Werneck de Castro e Octávio Malta, que visitavam a capital cearense. No Carnaval de 1963, nunca me esqueço, os jornais publicaram uma notinha, sem destaque, anunciando que o jornalista cearense José Nogueira, ra-
dicado no Rio, havia caído do terceiro andar de um prédio na Rua das Marrecas, na Lapa, quase Centro da Cidade. Aprofundei a investigação. Soube que, no sábado de Carnaval José Nogueira estivera com alguns jornalistas no bar do Zica, na Praça Mauá, com uma pasta dizendo que estava cheia de documentos incriminadores sobre o Ibad*. Os jornalistas, inclusive o saudoso Fabiano Vilanova Machado, suspeitaram de que José Nogueira quis usar os documentos e os amiguinhos do Norte resolveram lhe dar um fim, jogando-o do terceiro andar do prédio em que residia com um funcionário da Novacap, depois de um pileque noturno que tomaram. Conheci o irmão de José Nogueira, sargento da Marinha, que era do Cenimar. O serviço secreto da Marinha fez um exame de balística e concluiu que Nogueira foi empurrado por dois homens, um à direita, mais forte do que o outro, de sorte que o corpo ultrapassara a marquise e um automóvel Hudson Honet – que era muito largo – e sua cabeça ficara a um palmo do veículo, lá embaixo. O porteiro do prédio foi manchete da Última Hora, quando dissera: “Foi a queda mais estranha que
vi em minha vida”. A manchete do jornal era: O IBAD MATA! Samuel não quis dizer que era a Cia (o serviço secreto do governo norte-americano). Comecei na Última Hora em janeiro de 1963. A partir de 1º de maio de 1963, também passei a trabalhar no Jornal do Brasil, que ficava na Avenida Rio Branco, 110. Logo me pus a trabalhar na cobertura de sindicatos, do CGT (Comando-Geral dos Trabalhadores) e organizações de esquerda, como a Frente Popular, cujo assessor era também a eminência-parda de Leonel Brizola, um gaúcho chamado Schiling. Depois passei a trabalhar à noite como copidesque do Jornal dos Sports, sob seu comando. Aí começou a minha vida de reporter político na então agradabilíssima cidade do Rio de Janeiro, até 1975, quando me transferi para Brasília, por determinação do então dono do Jornal do Brasil, Manoel Francisco do Nascimento Britto. Um abraço do amigo e companheiro (a) Tarcísio Holanda.” * Ibad: sigla do Instituto Brasileiro de Ação Democrática, organização que derramou dinheiro na eleição de 1962 para eleger, como elegeu, uma bancada de reacionários e conservadores e que teve participação destacada na preparação do golpe militar de 1º de abril de 1964.
HOMENAGEM
Medalha Tiradentes para Fernando Barbosa Lima Viúva do jornalista, morto em setembro de 2008, Rozane Braga recebeu a honraria e o diploma de Cidadão Honorário concedidos ao ex-Presidente do Conselho Deliberativo da ABI pela Assembléia Legislativa do Estado. FOTOS: AILTON MACHADO
Nenhuma data seria mais adequada para se prestar justa homenagem a um dos mais influentes profissionais de mídia da História do Brasil. Na noite de 7 de abril, Dia Nacional do Jornalista e também aniversário da ABI, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro-Alerj homenageou Fernando Barbosa Lima, ex-Presidente do Conselho Deliberativo da Casa e pioneiro do jornalismo eletrônico de qualidade entre nós, concedendo-lhe a condecoração póstuma da Medalha Tiradentes e o título de Cidadão Honorário do Estado. A solenidade, realizada no plenário da Alerj, que tem o nome de Barbosa Lima Sobrinho, ex-Presidente da ABI e pai do homenageado, reuniu amigos de longa data do jornalista, como o cartunista Ziraldo e o apresentador Ronaldo Rosas, além do Presidente da Casa, Maurício Azêdo, e inúmeros associados. Fernando Barbosa Lima foi representado no ato pela viúva Rozane Braga, que estava acompanhada do cunhado Carlos Barbosa Lima, irmão de Fernando, e do jovem Pedro, neto do jornalista. A iniciativa da homenagem foi do Deputado Pedro Fernandes (Dem), que em seu discurso destacou que a morte de Fernando Barbosa Lima constituiu uma grande perda para o País, pela lacuna que ele deixou num setor em que teve papel destacado. “Esta homenagem viaja no tempo, alcançando outra figura proeminente de brasileiro, num fato inédito na Alerj. Estas paredes impregnadas pela História, este plenário onde tantas importantes decisões foram tomadas, leva o nome do advogado e jornalista Barbosa Lima Sobrinho, pai de quem hoje homenageamos. E é aqui que eles se reencontram”, disse o Deputado Pedro Fernandes. “Assim como seu pai, Fernando Barbosa Lima foi um dos mais brilhantes jornalistas de seu tempo, tendo marcado com seu talento a História da comunicação brasileira. Foi na televisão que seu talento brilhou mais intensamente, ocupando um dos papéis mais relevantes na História desse veículo. E nós, Fernando Barbosa Lima, temos muito orgulho de brasileiros como você e seu pai”, disse Pedro Fernandes, que foi muito aplaudido. Após receber, em nome de seu marido, a Medalha Tiradentes e o diploma de Cidadão Honorário, Rozane
bosa Lima deveria ter recebido em vida, mas nunca é tarde para homenagear a memória dele. Eu acho que são meios de a gente não se esquecer da sua obra. Afinal de contas, para a minha geração e a dos nossos amigos, ele era uma pessoa da qual não vamos nos esquecer nunca”, afirmou. Fernando Barbosa Lima morreu aos 74 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, em 5 de setembro de 2008. Foi um homem de televisão, para a qual criou mais de 100 programas, como o Sem Censura, e produtor e diretor de audiovisuais, como os da série Brasileiros, da qual chegou a lançar os dvds sobre Barbosa Lima Sobrinho, Tancredo Neves, Darci Ribeiro, Ziraldo e Sérgio Cabral. Produ-
Com emoção que a levou às lágrimas (abaixo, à esquerda), Rozane Braga, viúva de Fernando Barbosa Lima, recebeu do Deputado Pedro Fernandes (acima) a Medalha dada a ele. O neto e o irmão de Fernando também choraram.
Braga falou sobre a vida em comum com Fernando Barbosa Lima, com quem dividiu momentos importantes também no aspecto profissional. “É com muita honra e com um enorme aperto no peito que estou neste plenário que leva o nome do pai de Fernando. Mas tenho necessidade de seguir em frente, apesar da perda. Devo ressaltar o quanto Fernando lutou por uma vida melhor para este País, mas também que sua trajetória se confunde com a história da televisão brasileira. Foi um privilégio poder ter convivido com Fernando Barbosa Lima por trás das câmeras. Foi uma honra da maior grandeza”, declarou. Convidado a compor a mesa oficial da solenidade e a se pronunciar sobre o amigo e companheiro, o Presidente da ABI lembrou aspectos importantes da trajetória de Fernando e, é claro, também de seu pai, Barbosa Lima Sobrinho.
“A atuação de Fernando Barbosa Lima na mídia brasileira, e especialmente no jornalismo eletrônico, foi referida e exaltada pelo Deputado Pedro Fernandes. Poucas vezes o título de Cidadão Honorário do Rio terá encontrado um dignitário como ele”, recordou. Ziraldo descreveu o colega homenageado como uma pessoa afetuosa e com presença marcante em sua vida. “A Medalha é uma honra que Fernando Bar-
ziu também um dedicado ao ex-Presidente José Sarney, que ele não viu completado, em razão de sua morte. Sua estréia foi na extinta TV Rio, nos anos 50, numa época em que as transmissões ainda eram feitas apenas em preto e branco. Com mais de 50 anos de carreira, Fernando dirigiu, na esfera pública, a antiga TVE, hoje TV Brasil, além das redes Excelsior, Manchete e Bandeirantes.
REGISTRO A Câmara Municipal de Jacareí, SP, encaminhou à ABI cópia do Requerimento nº 1.793/2009, de autoria do Vereador Edinho Guedes (PPS), que apresentou Moção Congratulatória à Casa pelo transcurso de seu 101º aniversário, ocorrido em 7 de abril. O teor da Moção reproduz de forma breve a história da entidade, a partir de informações obtidas no Site da ABI (www.abi.org.br). A cópia do requerimento foi encaminhada à Casa pelo Presidente da Câmara Municipal, Diobel de Lima Fernandes (PSDB). Além da ABI, foram homenageadas pelo Vereador Edinho Guedes a Empresa Jornalística Diário de Jacareí, os jornais Cidade de Jacareí, Comunidade em Evidência, Valeparaibano e Semanário de Jacareí e a Rádio Mensagem.
Aplausos de Jacareí aos 101 anos
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DEPOIMENTO
ENTREVISTA A ARCÍRIO GOUVÊA NETO
José Ramos Tinhorão, 80 anos, é santista, mas se considera carioca de coração, pois se criou como bom moleque de rua no bairro de Botafogo. Integrou a primeira turma de Jornalismo no Brasil. Colaborou na Revista da Semana (Rio de Janeiro) e revista Guairá (Paraná) e de 1953 a 1958 no Diário Carioca. De 1958 a 1963 escreveu para o Jornal do Brasil. Passou ainda pela TV Excelsior, TV Rio, TV Globo e pela Rádio Nacional (RJ). Em maio de 1968, mudou-se para São Paulo. Desse ano até 1973, escreveu para a revista Veja, de onde saiu para trabalhar na revista Noiva (SP). Novamente, de 1975 a 1981, voltou a escrever para o Jornal do Brasil colunas de música que lhe granjearam a fama de “temido crítico musical”. Respeitado e consagrado como uma das maiores autoridades em cultura popular do mundo, principalmente na Europa, Tinhorão é autor de mais de 20 obras sobre o assunto, com um dos maiores acervos do Brasil de cultura popular, o qual foi adquirido em 2001 pelo Instituto Moreira Sales, de São Paulo. Nesta entrevista, ele fala sobre aquilo de que mais gosta: música. E traça um panorama sombrio de aculturamento e alienação da sociedade brasileira. Neste longo depoimento ele fala da divisão dos tipos de música segunda regiões e segmentos sociais, expõe opiniões sobre literatura, sem poupar Machado de Assis e José Alencar, analisa movimentos como a Bossa Nova e o Tropicalismo, explica por que São Paulo não tem uma música típica, como o Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco, fala da origem e evolução das escolas de samba do Rio. Enfim: dá uma aula sobre cultura popular e sua presença na criação literária. JORNAL DA ABI – COMO SE FORMA O GOS-
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JORNAL DA ABI – COMO SE DEFINE ESSE
TO MUSICAL?
QUADRO?
Tinhorão – A verdade é que isso a que chamamos gosto tem a sua explicação. De fato, toda produção artística, seja ela qual for, constitui uma projeção do nível cultural em que se situa o seu criador, chamado de artista. Ora, como em uma sociedade de classes esse nível de informação capaz de ser utilizado numa obra artística depende da colocação pessoal do criador dentro da estrutura social, tem-se como resultado que toda obra de arte – e a musical não foge à regra – exprime a cultura de uma classe, que é exatamente a do artista. No caso do Brasil, essa realidade se exprime entre os vários tipos de música e as características e diferenças do nível em que se processa o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo País.
Tinhorão – De baixo para cima, ele pode ser definido assim: Primeiro – A cultura regional, quase sempre ligada à realidade do mundo rural, menos desenvolvido e, portanto, uma cultura não aprendida em livros, chamada de folclórica; Segundo – A cultura popular dos pequenos centros urbanos ou das periferias das grandes cidades, a qual – pela origem rural recente da maior parte da sociedade brasileira – se confirma em subprodutos, quer da cultura regional (música “sertaneja”, composta por profissionais do disco), quer da cultura urbana de massa (funk, rock, pop, baladas românticas e pagodes comerciais); Terceiro – A cultura popular urbana não livresca, e eventualmente também
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impregnada de vestígios da cultura rural particular dos grupos de trabalhadores não qualificados e da gente pobre da cidade em geral (o pessoal das escolas de samba, por exemplo); Quarto – A cultura popular urbana já impregnada, através da educação escolar, de informações escritas (revistas de fofocas, de entretenimento, histórias em quadrinhos, segundos cadernos de jornais, etc) ou oral-visual (rádio, televisão, internet, dvd, cinema), mas ainda sem entender a cultura superior; Quinto – A cultura popular urbana de classe média emergente, com acesso à universidade e internet, e altamente influenciada pelos modelos estrangeiros (especialmente o norte-americano), por sua ligação com a idéia de ascensão social (o que explica a obsessão pelo novo, pelo diferente, pelo moderno, o estar por
dentro, na onda, etc) e, finalmente; Sexto – A cultura oficial, de elite, representada pelos padrões adotados institucionalmente nas academias de letras, tribunais, Congresso, teatros oficiais, escolas e universidades. Assim, quando uma pessoa diz que gosta de um tipo de música e não de outro, está simplesmente indicando a faixa cultural a que se liga, na quase totalidade dos casos, por força de sua posição na hierarquia social. JORNAL DA ABI – POR QUE ESSA INDÚSTRIA, DIGAMOS, ASTUTAMENTE, JOGA TANTA INUTILIDADE E BESTEIROL DA PIOR QUALIDADE NESSE BALAIO DE GATO QUE VIROU O CIDADÃO-CONSUMIDOR, CLASSIFICADO GENERICAMENTE DE MASSA?
Tinhorão – A explicação é simples: como a criação de música se transformou em uma atividade comercial e industrial, em detrimento de sua qualidade, é
SÉRGIO ANDRADE/AGÊNCIA O GLOBO
preciso atingir faixas cada vez mais amplas da sociedade, para que os produtos, cds, dvds, filmes, Ipods, etc se tornem realmente rentáveis para quem os produz e vê neles apenas o lucro. Ora, considerando-se que, cada camada da sociedade se encontra em determinado estágio de cultura, a indústria procura refletir não a verdade de cada uma dessas camadas, mas produzir – através da diluição da informação cultural – uma média capaz de ser apreciada e compreendida por uma maioria de pessoas englobadas genericamente sob o nome de massa. A conseqüência desse processo é o competente rebaixamento dos produtos artísticos como símbolos da riqueza interior do ser humano ou espelhos de sua mais profunda possibilidade. O que quer dizer, invertendo a imagem, que tais produtos pobres de conteúdo artístico
passam a traduzir apenas a realidade de gosto pobre de conteúdo humano. Esse trabalho de manipulação do mercado é conseguido pela exploração inteligente das expectativas de ascensão social, principalmente das camadas baixas da periferia dos grandes centros urbanos e dos grupos emergentes da classe média da própria cidade. JORNAL DA ABI – A REALIDADE PASSA A SER
carrões, novelas alienadas da cultura nacional, com mansões luxuosas e enredos envolvendo a vida glamurosa do dinheiro e de ricas empresas. E dessa forma, como num passe de mágica, a realidade geral vigorante para a maioria das camadas se apaga e o real passa a ser a vida em circuito fechado dessa minoria com capacidade econômica de acesso aos bens revestidos da aura de “valores modernos”.
ENTÃO UM GRANDE CONFLITO?
Tinhorão – Não tenha dúvida. Colocada entre ter que escolher entre a aceitação dessa realidade pobre e bitolada e as promessas de um estilo de vida rico de alegrias apresentado pela indústria de consumo (à la Big Brother), as camadas mais altas da classe média não têm dúvidas: optam pelo segundo modelo, idealmente projetados pelos anúncios de
JORNAL DA ABI – A TENDÊNCIA DESSES PODEROSOS AGLOMERADOS INTERNACIONAIS ENTÃO É PROCURAR ESSA FAIXA SOCIAL PORQUE TEM PODER AQUISITIVO; O POBRE PASSA BATIDO E NÃO INTERESSA A ELES?
Tinhorão – É isso mesmo. Os produtos desses “valores modernos” só contam no mercado com essas minorias. As grandes massas trabalham e renunciam à sua
parte da divisão do bolo nacional, para que os investimentos feitos pelo Governo à sua custa (do pobre) possam realimentar o tempo todo o pequeno circuito fechado em que gira a riqueza, envolvendo o comprador com alto poder aquisitivo de um lado e a indústria de artigos sofisticados do outro. O resultado não se faz por esperar. Assim como o veículo ideal para o anúncio dos produtos industriais de alta sofisticação é a tv e como “por coincidência” esses produtos são todos muito caros (e, portanto, só ao alcance das minorias com poder aquisitivo), a tendência da programação é procurar atender ao gosto e às expectativas desses poucos que constituem o mercado potencial dos produtos anunciados nos intervalos comerciais e não das maiorias pobres que compram aparelhos de tv pelo crediário. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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FOLHA IMAGEM
DEPOIMENTO TINHORÃO, O IMPLACÁVEL
E as músicas oferecidas a esse público que devem dar idéia de “modernidade” e “bom gosto” são justamente as que as ligam aos modelos adotados pela classe média dos centros europeus e americanos.
negros; O Flor, de Galdino Pinheiro (1885). Tem ainda Mulata, de Carlos Dias (1896) e Passionário, do pernambucano Teotônio Freire (1897). Os indícios de um equivalente nordestino para as rodas de samba pode ser encontrado em D. Guidinha do Poço, do cearense Oliveira Paiva (1891), explica Tinhorão; e de Londres nos vem Dois Metros e Cinco, do diplomata Cardoso de Oliveira, que o escreveu em 1905. Para esse, o crítico não poupa elogios: – Não compreendo por que esse livro não passou da terceira edição e está esquecido há mais de 50 anos. Deveria ser um clássico, Luiz da Câmara Cascudo afirmou em 1949 que o leu 22 vezes, sendo enaltecido por Araripe Júnior, Jorge Amado, e tantos mais. A verdade, porém, é que pelas peripécias picarescas do enredo, pela verdade das observações da vida popular, pela naturalidade dos diálogos e pela variedade de informações de caráter histórico e de costumes, e mesmo sociológico e cultural, é relíquia incomparável.
JORNAL DA ABI – A PARTIR DAÍ PERDEMOS A IDENTIDADE NACIONAL DE RICA E DIVERSIFICADA CULTURA E PASSAMOS A SER UM PAÍS SEM ROSTO, SEM LENÇO E SEM DOCUMENTO.
Tinhorão – Isso, você matou a charada. Essa classe média colonizada é manipulada, sem ter a cultura necessária para perceber, pelos grandes monopólios internacionais, o que se verifica que o universal da classe média brasileira acaba sendo o regional das classes médias mais poderosas economicamente, em detrimento, volto a dizer, do que é realmente nosso e tem as cores verde-amarelas. Depois de um certo tempo, com a continuidade do processo de dominação econômico-cultural transformado em realidade aceita e indiscutível (“vive-se num mundo globalizado”, “acabaram-se as fronteiras”, “o importante é a música ser boa, venha de onde vier”, “as influências sempre existiram”, “vivemos a era da informação”, “ninguém pode deter o progresso”, etc) é só manter o fogo aceso. Esse processo viciado e esperto atende apenas ao desejo dos conglomerados internacionais, porém ganha o conceito de real e “brasileiro” no gosto dos consumidores em potencial devidamente manipulados. Desse momento em diante, os alienados assumem inclusive uma posição de crítica a partir dos enganos aceitos e quem protesta contra esse status quo da dominação cultural estrangeira – veja o exemplo do Halloween – passa a ser apontado como retrógrado, ultrapassado e xenófobo.
“MACHADO, ALENCAR E OUTROS ELITISTAS IGNORAVAM OS GÊNEROS MUSICAIS POPULARES” Arqueólogo da cultura popular brasileira: seria essa a melhor definição para o meticuloso, preciso e minucioso trabalho de José Ramos Tinhorão. Pesquisador incansável, ele escreveu uma obra em três volumes A Música Popular no Romance Brasileiro, abrangendo toda nossa literatura. Para isso, leu (pasmem) cinco mil livros, desde o século XVIII até o século XX. Resultado: recuperou, numa verdadeira garimpagem literária, romances que escaparam, injustamente, às antologias, dicionários e manuais sobre nossos grandes escritores. Mas, também, desmistificou muito medalhão, personagens constantes dessas mesmas antologias e que passaram batidos quando o assunto era música popular. E só para citar alguns, os elitistas (segundo ele) Machado de Assis, José de Alencar, Graça Aranha, Afonso Arinos e até Gilberto Freyre. Mas Tinhorão faz questão mesmo é de destacar o trabalho, em muitos aspectos anônimos, de escritores que 18
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A GRANDE MISCIGENAÇÃO IMPEDIU SÃO PAULO DE TER UMA MÚSICA TÍPICA, COMO O RIO, BAHIA E
PERNAMBUCO JORNAL DA ABI – POR QUE SÃO PAULO
Tinhorão garimpou sebos de discos à procura das primeiras gravações fonográficas feitas no Brasil. Achou peças raríssimas, de que muito se orgulha, pela singularidade e pela sorte que teve.
lidaram com essa delicada ourivesaria das letras, com sensível cuidado e veracidade, como ele mesmo explica: – Em termos de literatura, o primeiro relato sobre a música em nossa cultura popular vem do moralista Nunes Marques Pereira, no seu Compêndio Narrativo do Peregrino da América, de 1728, em que ele dizia: “Não se pode dormir à noite com tanto barulho, essa é a quase geral ruína de feitiçaria e calundus dos escravos e gente vagabunda, com seus horrendos alaridos”. Na verdade, eles tiravam o sono era da elite. – Já no século XIX, merecem destaque O Filho do Pescador, de Teixeira e Souza, (1843), que retrata a nova classe média carioca do Segundo Império, com extrema observação depois A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1844). Joaquim Manuel possui a grande capacidade de discernir os diversos gêneros nascentes de música e dança populares, como a ascensão do lundu a novo gênero de salão. Temos ainda Manuel Antônio de Almeida e sua genial Memórias de um Sargento de Milícias (1852), no qual ele junta à verdade documental o sabor dos costumes das classes remediadas, confirmando a popularidade das modinhas e do fado. Sem fugir ao seu estilo “maldito” para muitos, certamente para ele soando
como um elogio, Tinhorão não alivia os narizes empinados de Machado de Assis e José de Alencar: – Nos seus romances surgem, à européia, árias e o ambiente dos saraus de piano e canto lírico, a partir da nacionalização do gosto romântico europeu. Em Alencar e Machado os personagens chegam, no máximo, às valsas e quadrilhas, exemplificando o desconhecimento por parte das elites letradas brasileiras dos gêneros populares. – No entanto, em 1870, aparecia o inusitado romance A Família Agulha, de Guimarães Júnior. Esse livro é espetacular, pois traça com imenso alento e refinamento literário um retrato divertido e real das classes humildes e seus divertimentos pela periferia do Rio de Janeiro, folguedos esses já agora acompanhados do violão em lugar da viola e cavaquinho. Formação que juntamente com a flauta e o pandeiro seria a base dos conjuntos de choro, tipicamente nacionais. Cito ainda os raríssimos Gabriela, de Velho da Silva (1875), descrevendo já o tipo popular que levava cantoria às festas de família: o capadócio (uma mistura de malandro com vigarista); Fanina, de Duarte Badaró (1881), no qual o povo miúdo das fazendas começava a imitar os costumes da cidade e os senhores tocavam ao piano os batuques de
NÃO TEM SUA MÚSICA TÍPICA, COMO POSSUEM O RIO DE JANEIRO, PERNAMBUCO E BAHIA, POR EXEMPLO?
Tinhorão – A ausência de uma música caracteristicamente paulista deve-se ao fato da grande miscigenação étnica havida em sua formação. Acontece que os negros de São Paulo, desde logo sujeitos à circunstância histórica culturalmente negativa de não viverem permanentemente na cidade (eram enviados ao trabalho no campo, só as mulheres permanecendo nos serviços urbanos), viram o quadro local modificar-se rapidamente com a irrupção de dois fatores novos pelo final do Oitocentos: a afluência de exescravos vindos da área rural, e a chegada das levas de trabalhadores imigrantes estrangeiros da Europa. A nova composição social nascida dessa mistura iria se revelar culturalmente problemática. É que, levados a uma convivência obrigatória com estrangeiros e migrados da área rural em diversos bairros – como os da Barra Funda, Liberdade, Lavapés e o formado nos terrenos da antiga chácara fronteira aos campos do Bexiga, ou para além da Luz, na direção dos Campos Elíseos –, os negros paulistanos não contavam com um modelo de organização próprio já estruturado para oferecer, o que estava destinado a gerar uma contradição: em vez de converter os recém-chegados do interior à cultura urbana local, foram por eles levados a incorporar peculiaridades do mundo rural. O retrato dessa contradição logo se tornaria evidente no fato de, enquanto
JORNAL DA ABI – E O RESULTADO DE TUDO ISSO?
afinal, uma massa desvinculada de tradições nacionais, que continua a oscilar entre a velha atração pela cultura européia de seus avós, e os modernos modelos norte-americanos maciçamente divulgados pelos meios de comunicação. JORNAL DA ABI – MAS E OS COMPOSITORES PAULISTAS FAMOSOS?
Tinhorão – Tudo bem, nesse ponto, talvez, alguém pudesse alegar que houve nas primeiras décadas do século XX os tanguinhos e canções de sabor sertanejo de Marcelo Tupinambá, as valsas e chorinhos de Zequinha de Abreu, a transformação da música caipira trazida para o disco por Cornélio Pires em
organizar-se em guetos culturais. Em suas malocas de beira de rio, em loteamentos clandestinos na periferia ou quartos de cortiços, verdadeiros porões abaixo do piso da rua, baianos, pernambucanos, paraibanos e cearenses respondiam às dificuldades da integração social com a resistência cultural do cultivo de seus sons regionais à base de sanfona, triângulo e zabumba. Tais levas de trabalhadores, que em 1952 chegavam a 253.000, vinham inegavelmente desorganizar na capital o quadro tradicional das relações entre as camadas baixas formadas por negros, mestiços e filhos de italianos, espanhóis e portugueses pobres e as “famílias” da cidade.
Como os personagens do povão que descobriu, raramente Tinhorão usa paletó e gravata. Só muda esse hábito por obrigação, em ocasiões muito especiais.
Tinhorão – O resultado cultural dessa falta de tradição local citadina – que a fazia oscilar entre a influência da cultura rural e as imitações das modas do Carnaval carioca (inclusive as músicas de rádio, a partir da década de 1930) – foi a facilidade com que a gente das camadas populares de São Paulo, com toda a riqueza de possibilidades criativas e a origem negra comum à maioria que a compunha, admitiu depois da década de 60 abdicar de sua criação de meio século na forma de batuque de cordão, apito, bastão, baliza, pratos de banda e marchas, ao som das quais evoluíam as fileiras fazendo cobrinhas, em favor da reprodução pura e simples da estrutura das escolas de samba cariocas. Mas, não se iluda, se isso ocorria no seio das classes populares, a mesma incapacidade em produzir formas de cultura urbana próprias continuava a revelar-se entre as camadas da classe média paulistana, pela razão ainda mais explicável de, a partir do fim do século XIX – e basta ainda hoje percorrer os sobrenomes dos paulistanos nos volumes das listas telefônicas –, serem constituídas pela mais variada étnica internacional que se possa ajuntar. E tudo compondo,
zida para o disco que eram obrigados a ouvir nos locais elegantes por eles freqüentados – criações de compositores e cantores do Rio – continuava a falar em suas letras da mesma realidade de que não mais desejavam participar. E, o que é pior, geralmente revestida do ritmo batucado que lhes lembrava os negros e nordestinos (responsáveis pela mistura social que abominavam), ou do abolerado da música comercial, banal demais para o refinamento do seu gosto de apreciadores da “boa música americana”. Portanto, o aparecimento da Bossa Nova, em 1958, no Rio de Janeiro, com suas harmonias jazzísticas, a delicadeza de seu canto sussurrado e sua batida de acompanhamento baseado no requintado jogo de acordes do violão de João Gilberto, vinha, salvadoramente, retirar a classe média paulistana exigente de sua situação de impasse e contradição. Essa coincidência cultural do aparecimento da Bossa Nova carioca com a necessidade de sofisticação das altas camadas de São Paulo é que iria explicar, afinal, por que tal montagem brasileira de um estilo musical baseado em matrizes da música cool norte-americana, não tendo passado no Rio de Janeiro de um movimento fechado – primeiro em apartamentos de Copacabana, depois em auditórios de faculdades e escurinhos de boates – ganhasse em São Paulo, a partir de 1964, repercussão capaz de justificar uma série de espetáculos públicos no Teatro Paramount. E mais ainda: a criação de um programa de televisão, o Fino da Bossa. Programa esse, aliás, cujo sucesso se deveria ao fato de sua apresentadora, a cantora Elis Regina, conduzir-se no palco do Teatro Record como os antigos animadores de auditórios dos tempos do rádio, trocando apenas o que preconceituosamente se chamava de “macacas de auditório” por um público de igualmente excitadas mocinhas e deslumbrados rapazes pré-universitários. Esse fenômeno da institucionalização do novo estilo elitista musical da bossa nova dos grupos de jovens das “boas famílias” da Zona Sul do Rio de Janeiro – onde o movimento foi sempre restrito, limitando-se a atividade de seus artistas à área dos estúdios de gravação e pequenos shows – iria se repetir em São Paulo no mesmo ano de 1965 com o lançamento nacional de outro movimento musical que traduzia, de forma ainda mais direta, uma atitude de alienação consentida: a chamada Jovem Guarda e seu iê-iê-iê diluído do rock americano, via adaptação baladística inglesa pelo grupo dos Beatles. ARQUIVO UH/FOLHA IMAGEM
pela mesma virada do século a vida popular brasileira se enriquecia com novas criações urbanas – na Bahia, com as festas da Segunda-Feira do Bonfim, em Salvador (para onde acorria gente de todo o Recôncavo), em Recife com o frevo e em todo o Nordeste com o maracatu e o bumba-meu-boi, sem contar os reisados, o divino e tantas outras e no Rio de Janeiro com as da Penha (que atraía moradores de toda a cidade) – em São Paulo os componentes das novas camadas populares passavam a sair da cidade para integrar-se às festas religiosas-profanas de Pirapora do Bom Jesus, espécie de capital da área do batuque rural do Médio Tietê. A conseqüência dessa polarização do urbano pelo rural – fenômeno paulista absolutamente original dentro do processo cultural popular brasileiro, onde a cidade diluiu sempre os modelos do campo, impondo sua marca na síntese representada por novo produto final – foi a inconsistência das criações populares de São Paulo na área do lazer. Não deveria constituir surpresa, pois, que ao fim da primeira década do século XX, ao procurarem uma forma de conquista de espaço para sua gente no carnaval de rua da cidade, os representantes das baixas camadas paulistas chegassem, já agora em sua maioria negros de origem rural, afinal, a uma síntese do velho batuque de bumbo, com os dançantes evoluindo em fileiras das festas de Pirapora, com elementos imitados do Carnaval carioca.
“música sertaneja”, e, mais modernamente, os sambinhas italianados de João Rubinato, o Adoniram Barbosa, e os sertanejos de Chitãozinho e Xororó. Essas criações, no entanto, são artigos para o mercado de lazer da indústria cultural de massa, sem riqueza e nem referências históricas, e da qual as camadas populares não participam como autoras, mas apenas como compradoras do produto acabado. Problema não só de São Paulo, mas de todo o Brasil. Acontece que, com o fato novo da chegada, após a Revolução de 1932, das ondas de migrantes nordestinos atraídos pelo surto algodoeiro ativado pela indústria têxtil de São Paulo, e cujo apogeu se daria entre 1935 e 1940, a classe média paulistana, já perfeitamente integrada através de casamentos com os descendentes de imigrantes mais bem-sucedidos, fazia de sua preferência pelas músicas “de bom tom” não apenas mais uma alternativa cultural, mas uma marca de classe. É que os nordestinos, não encontrando espaço nem mesmo entre as camadas populares da cidade, herdeiras da comunhão social de negros e descendentes pobres de imigrantes, tenderam a
E, é claro, com evidente irritação e desagrado destas, que viam agora o “seu bom povo” – antes ordeiro, respeitoso e serviçal – deixar-se contaminar pela vulgaridade, chulice e mesmo um certo atrevimento surdo daqueles “baianos”, assim interpretados por essa sua característica de apego a seus traços culturais próprios como “falsos e perigosos”. Essa perda de identificação das camadas do povo de sua cidade, no momento em que tais grupos mais altos da classe média começavam a contar com as novidades dos clubes “privês, night clubs e boates” de estilos europeu e norteamericano, levou seus componentes a uma posição de isolamento, que o uso crescente dos automóveis como transporte individual e a distribuição descentralizada dos bairros elegantes – Jardins, Ibirapuera, City Pinheiros, Morumbi etc – tornava mais efetivo do que nunca. Assim, tendo cortado a ligação com um povo que não reconhecia mais como “sua gente”, os grupos mais elitizados da classe média paulistana passaram a viver depois da Segunda Guerra Mundial uma contradição cultural que os incomodava. É que a música popular produ-
JORNAL DA ABI – HOUVE ENTÃO UM DIVÓRCIO?
Tinhorão – De fato, o divórcio definitivo dos grupos de classe média paulisJornal da ABI 340 Abril de 2009
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DEPOIMENTO TINHORÃO, O IMPLACÁVEL ARIVALDO DOS SANTOS/AJB-RIO
MONICA VENDRAMINI/FOLHA IMAGEM
intervenção repressiva do poder militar interrompendo duplamente, naquele mesmo ano de 1968, as experiências mais provocativas do Tropicalismo e a pregação da Bossa Nova nacionalista, a sociedade paulistana pôde reencontrar, então, a unidade da sua visão cosmopolita da cultura, entregando-se, a partir de 1970, ao unânime cultivo do som das guitarras elétricas do rock. Opção de toda uma nova sociedade, que, neste século XXI, ampliada em seus quadros mais altos pelos novos-ricos do campo, poderia exorcizar, de uma vez por todas, seus velhos símbolos de pobreza original, através da transformação de sua música sertaneja em country e do caipira Jeca Tatu em texano da Terra de Marlboro.
ATÉ O ADVENTO DAS ESCOLAS DE SAMBA, O CARNAVAL CARIOCA ERA A FESTA MAIS VIOLENTA E CAÓTICA DO MUNDO Polemista, Tinhorão tem paciência e disciplina para ouvir opiniões antagônicas. Escuta os adversários atentamente e depois parte para a contestação com serena firmeza, lastreada em sólida erudição. tana do povo, que não mais reconheciam como aquele de “antigamente”, teve como resultado a extensão, na década de 1950, desse seu isolamento aos filhos da primeira geração do pós-guerra. Assim, quando em 1959, após o sucesso no ano anterior do filme Sementes da Violência e seu Rock Around the Clock, o Cinema Paulista, na Rua Augusta (freqüentada pelos grupos superiores da classe média paulistana) e o cinema Ipiranga, no Centro (com um público heterogêneo, que incluía os jovens dos bairros de classe média em geral), exibiram o primeiro filme musical de rock Ao Balanço das Horas, com Bill Halley, um jornal poderia noticiar no dia seguinte: “A fita ontem exibida era aguardada ansiosamente por certo tipo de moças e rapazes, cujas idades variam entre 14 e 18 anos (teenagers nos Estados Unidos). As garotas usam minissaia, óculos estilo Marylin Monroe e calças à saint-tropez, com a barriga de fora. Os meninos vestem blue jeans, calça zuarte desbotada com bainhas dobradas, que entre nós são usadas como índice de grã-finismo e, no lugar de origem, utilizadas para ordenha de vacas ou limpeza de chiqueiros. Também vestem blusas de camurça e uma camiseta de jersey, amarram o estojo de rayban na cintura, usam cabelos sobre as orelhas, descendo pela nuca e fofos no topete. Fumam, bebem, lêem gibis e imitam Marlon Brando no modo de enrolar os suéteres ao redor do pescoço. Estão matriculados em colégios caros.” – Arcírio, não é necessário mais do que essa descrição jornalística tão oportunamente rematada pela indicação de classe na observação final sobre os “colégios caros” para admitir que tais jovens americanizados entre 14 e 18 anos viessem, seis 20
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anos depois, a formar no Teatro Paramount o público ante o qual a Faculdade de Filosofia da USP lançava, oficialmente, em 24 de agosto de 1964, a Bossa Nova em São Paulo. Bossa Nova essa lançada no show Samba Novo, da mesma forma como não haveria de estranhar também que os irmãos mais novos desses jovens à época do lançamento do rock, em 1956, formassem por sua vez o público de mocinhos e mocinhas que, a partir de setembro de 1965, consagraria outro grupo de artistas importado do Rio de Janeiro – Roberto Carlos, Wanderléia e Erasmo Carlos à frente – inaugurador da bem-sucedida aventura comercial do lançamento do produto da indústria cultural do lazer chamado Jovem Guarda e seu ritmo de iê-iê-iê.
O PODER FARDADO VIU COM SIMPATIA OS MOVIMENTOS CULTURAIS CAPAZES DE CONTRABALANÇAR A INFLUÊNCIA DA ESQUERDA Tinhorão prossegue com seu contundente estilo: – A essa altura, com a mobilização da classe média de todo o País em apoio à contra-revolução representada pelo golpe militar de 31 de março de 1964 e sua interrupção dos avanços democráticos do Governo João Goulart, obstruindo a evolução da economia brasileira, em nome do perigo do comunismo, todos os movimentos culturais capazes de contrabalançar a influência ideológica das minorias de esquerda (inclusive a dos bossano-
vistas convertidos ao nacionalismo musical proposto pelo Centro Popular de Cultura, o CPC da Une) foram vistos com simpatia pelas elites brasileiras e pelo poder fardado. Ora, como tanto a Bossa Nova dos jovens universitários quanto o iê-iê-iê ginasiano constituíam, no fundo, uma tranqüilizadora reelaboração local de linguagens musicais e conceituais importadas dos Estados Unidos – leia-se rock and roll e jazz – a classe média iria prestigiar os dois movimentos. Em breve, a falta de unanimidade de visão política ante os fatos desencadeados pelo golpe militar revelou a existência de uma divisão entre essas camadas, embora ainda fiéis ao seu cosmopolitismo (o que se reprovava não era a alienação da linguagem musical importada, mas o sentido das letras): nos festivais de música popular criados pela TV Record, a partir de 1966, uma parte aplaudia a tendência nacionalista de Geraldo Vandré, Chico Buarque e Edu Lobo; outra, as invenções continuadoras da linha estetizante inicial da Bossa Nova, representada pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil. A divisão, porém, durou apenas um momento: em 1968, quando o grupo dos arrivistas baianos vindos para “fazer o Sul” aliou-se a poetas e músicos da elite cultural paulistana (como os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari e o maestro Rogério Duprat) criando o Tropicalismo, a partir das guitarras elétricas de Roberto Carlos e da “retomada da linha evolutiva da música brasileira na medida em que João Gilberto fez”, tudo se conciliou. JORNAL DA ABI – EM OUTRAS PALAVRAS, SÃO PAULO CONTINUOU SEM IDENTIDADE MUSICAL?
Tinhorão – Em verdade, com a rápida
Com relação ao Rio de Janeiro, herdeiro do entrudo português – à base de farinha na cara, jato de água, às vezes fedorenta, retirada das valas negras que empesteavam a cidade, atirado em qualquer parte do corpo; assim como os tonéis, carregados de toda sorte de imundícies, despejados das janelas, muitas vezes, de residências nobres, que não raro terminava em pancadaria – o Carnaval do Rio, explica Tinhorão, beneficiou-se também do refluxo migratório de populações rurais nordestinas, atraídas para a Corte quando da decadência do café no Vale do Paraíba. – As escolas de samba constituem a última criação das camadas populares ligadas à tradição de costumes herdados da estrutura baseada no latifúndio. Originárias dos ranchos de reis, paganizados no Carnaval carioca desde, pelo menos, 1870, as escolas de samba surgiram no fim da década de 1920, no mesmo momento em que se efetuava a concentração das camadas mais baixas da população nos redutos fechados dos morros. Até o aparecimento das escolas de samba, o Carnaval carioca – na área popular naturalmente – era a festa mais violenta e caótica do mundo e são os próprios depoimentos de visitantes estrangeiros que reconhecem essa primazia. O primeiro rancho nasceu no bairro da Saúde, por volta de 1872, chamado Dous de Ouros, de baianos, embora alguns “nordestinos” antigos garantam que já havia existido um antes dele denominado Rancho da Sereia, de sergipanos e alagoanos (rivais dos primeiros). De qualquer forma, o fato é que a estrutura dos ranchos de reis do folclore nordestino foi o ponto de partida para a organização processional dos grupos de foliões do carnaval carioca. Pelo início do século XX, no grande retângulo plantado de casuarinas do jardim da Praça Onze, nascida de intensas demolições na área da Cidade Nova, iria
reproduzir-se o fenômeno do caos do tempo do entrudo. Com a presença de capoeiras, de cordões (grandes blocos de fantasiados, sem organização e sem compromisso) e dos próprios ranchos, agora transformados em diversão das famílias modestas, com enredo, fantasias a propósito e música orquestral.
eram compostos de uma maioria negra e como a condição econômica desses elementos os deixava estranhos aos instrumentos de sopro, o instrumental das escolas de samba baseou-se, desde logo, na percussão: a “bateria”, passível de improvisar com barricas sobre as quais se estendia o couro que a ausência de tarraxas obrigava a distender pelo caminho, esquentando-se em pequenas fogueiras de papel.
ma pureza, em matéria de escola de samba, enquanto fenômeno de cultura popular – essa grande ingenuidade do ideal de ascensão social pela alegoria carnavalesca é que iria constituir exatamente o ponto de partida para a sua desagregação, diz Tinhorão: – Com o aumento do número de figurantes, de ano para ano, e a crescente proliferação das próprias escolas de samba (conseqüência da expansão da cidade do Rio de Janeiro, após a última Grande Guerra), a direção desse tipo especial de associação carnavalesca passou, pouco a pouco, direta ou indiretamente, dos próprios sambistas para elementos capazes de financiar o alto custo das
HELVIO ROMERO/AJB-RIO
sias, eram despejados nas escolas já elaborados, cabendo aos crioulos vestir os trajes e empurrar as carretas. E nem falei das vaidosas rainhas de bateria, que disputam quase no tapa um momento de sucesso na vitrine do Sambódromo e que poderá lhes render dividendos para o resto do ano. E a neguinha que convive diariamente na quadra e não falta a um ensaio JORNAL DA ABI – C OMO SE DAVA TUDO é jogada para escanteio, diante de uma ceISSO? lebridade, que muitas vezes nem sabe JORNAL DA ABI – COMO SURGIRAM OS Tinhorão – Esses encontros de ranchos onde fica localizada essa quadra. SAMBAS-ENREDOS DE EXALTAÇÃO? e cordões no espaço, de certa forma, acaA partir daí, numa sucessão de equívonhado da Praça Onze, iria provocar sanTinhorão – Nasceram décadas depois, cos, os componentes das escolas de samgrentas brigas, conflitos que se repetiam para atender ao desejo de afirmação, ba aceitaram a tese suicida da sua cultutodo ano, com mortos de ambos os lados. numa sociedade em que constituíam a ra, segundo a qual as inovações e o sucesE lá pela década de 20 a Polícia baixou o base da pirâmide social, que os integranso alcançados perante o público e os juracacete em cima dos cordões e dos lhes pertenciam. Como aliviou os ranchos, “por sua orem tantos casos – o da aproganização e exemplo de ordem priação do samba tradicional e bom gosto”. pela Bossa Nova, denunciado Dessa maneira, seguindo o aqui nesta entrevista, é um exemplo dos ranchos, no fim deles – a grande ilusão da da segunda década do século, massa humilde foi acreditar quando as favelas fizeram o que da sua união com a classeu aparecimento oficial na se média lhe poderia advir alpaisagem urbana carioca (o gum benefício e o caminhar censo de 1920 já encontrou dos desfiles, cada vez mais co839 domicílios e seis biroscas mercial e voltado para o no Morro da Providência, show-espetáculo, completaatrás da Central), um grupo mente alheio e indiferente às de sambistas do bairro do Estradições do samba, já mostácio estava fundando o pritrou que não. Serve apenas a meiro bloco de corda com diquem se beneficia com os retoria de terno e gravata, sob milhões deles proveniente. o nome desde logo histórico Vai chegar a hora que os de “escola de samba”. humildes tomarão, afinal, Os ‘bambas’, como eram uma atitude diante de todo conhecidos na época os lídeesse circo armado dos mires dessa massa de desocupalhões pagos a tanta gente, dos ou de trabalhadores preinclusive àquelas que vieram cários, eram, pois, os mais ensinar passos diferentes, visados no caso de qualquer imaginem, de balé, e todo ação policial. Assim, não é de staff que cerca o circo (desculestranhar que tenha partido pem o trocadilho). Nesse mode um grupo desses represenmento, os humildes serão O acervo reunido por Tinhorão é composto por livros, discos, periódicos, folhetos, tantes típicos das camadas forçados a lembrar que para panfletos avulsos. Ao fazer uma afirmação, ele exibe o documento que a confirma. mais baixas da época – Ismaeles, os crioulos, ficou apenas el Silva, Rubens e Alcebíades o suor, o longo jejum à espeapresentações: comerciantes, bicheiros, Barcelos, Sílvio Fernandes e Edgar Martes das escolas de samba cederam inicira da hora de desfilar e a glória mínima industriais e governo. celino dos Santos – a idéia de criar uma almente à orientação da ditadura milide um sorriso sem dentes diante das câEmbora a infra-estrutura da escola de agremiação carnavalesca capaz de gozar tar, no sentido da escolha de temas glomeras de tv, dos turistas e dos jurados. samba, como organização carnavalesca da mesma proteção policial conferida aos rificadores das próprias elites que lhes Descobrirão, assim, que da sua antiga herdeira de um velho estilo, ainda conranchos e às chamadas ‘grandes-sociehaviam escravizado os avós. Enquanto festa só participam pelo esforço físico da tinuasse a funcionar na base da solidadades’, no desfile pela Avenida Central, durou o Estado Novo, os temas das escaminhada e pelo trabalho braçal de emriedade de grupo, as suas diretorias deina Terça-Feira Gorda. colas de samba envolveram, de maneipurrar alegorias. xaram-se dominar pela febre da dispura invariável, episódios da Guerra do JORNAL DA ABI – DEU CERTO? ta na base do desfile-show, envaidecidos Paraguai, com suas figuras representaS INOVAÇÕES E O Tinhorão – Claro, em sua apresentacomo comandantes do “maior espetácutivas: Barroso, Caxias, Tamandaré e do ção de estréia na Praça Onze, no Carnalo da Terra”. Ora, como nas comunidamarinheiro Marcílio Dias. NaturalmenSUCESSO ALCANÇADOS val de 1929, a primeira escola de samba des pobres não se criavam os artistas, “inte, por uma necessidade de preencher o carioca, a Deixa Falar, do Estácio, tinha telectuais” e artesãos, capazes de fornevazio entre as elites e o povo, na longa PERANTE O PÚBLICO E OS o seu caminho aberto por uma Comiscer elementos para a vitória, a tendêndescrição da história pátria nos compênsão de Frente que montava cavalos cecia normal viria a se revelar sua forma dios dos ginásios. JURADOS NÃO PERTENCEM didos pela Polícia Militar e tocava clarins, de suicídio: o apelo à colaboração de numa imitação da fanfarra do desfile dos artistas de cultura erudita. AOS COMPONENTES DAS AUMENTO DO NÚMERO carros alegóricos das grandes – sociedaDessa forma, os profissionais de classe des. As primeiras escolas de samba repremédia, interessados apenas em sua próESCOLAS DE SAMBA DE FIGURANTES E A sentavam a prova mais ostensiva da pria promoção pessoal, oriundos das nova decantação social, após o êxodo faculdades e da Escola Nacional de BeMULTIPLICAÇÃO DAS ESCOLAS las-Artes desagregaram um produto A visão apocalíptica de Tinhorão pinforçado das camadas mais humildes do ta o final das escolas de samba, destruCentro da cidade. puramente popular, questiona o crítico. TIRARAM DOS SAMBISTAS O ídas, como nas pirâmides, pelo seu próDiz ele: JORNAL DA ABI – E COMO NASCEU ESSA prio peso e gigantismo: – Os cenógrafos, escultores, figurinisPODER QUE DETINHAM FORMAÇÃO MUSICAL? – Quando o grosso dos componentes tas, carnavalescos – pressupondo um das escolas de samba se indignar com isto Tinhorão – Como esses núcleos de posubstrato cultural formado ao longo de Essa grande ingenuidade – que cons– e o futuro me dará razão – os compopulação que contribuíam com o groscursos e leituras, esqueciam-se de que os titui o traço fundamental do que se chanentes vão chegar para o presidente da so do contingente das escolas de samba seus desenhos, figuras, enredos e fanta-
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escola e dirão: “Como é que é, seu fulano, todo mundo tá levando o seu. E o meu, como é que fica”? Nesse instante estará destruído o princípio básico da solidariedade de grupo que repousa na gratuidade da manifestação da cultura popular representada pelas escolas. Nessa hora, as escolas de samba estarão mortas e perderão a sua raiz folclórica, subindo ao céu da arte erudita e da promoção comercial ante o sorriso dos turistas estrangeiros (indiferentes a tudo isso) e as palmas da classe média, como um balão de gás. E os crioulos? Bem, esses, Quarta-Feira de Cinzas, despem o manto diáfano da fantasia, envergam a calça furada da realidade e vão pegar o trem da Central correndo, que o patrão é fogo. JORNAL DA ABI – VOCÊ JÁ DISSE QUE O CARNAVAL CARIOCA NASCEU NA CIDADE, É UM PRODUTO URBANO DO ASFALTO. E O SAMBA, NASCEU MESMO NO MORRO?
Tinhorão – É outra lenda que se criou. O samba mesmo, como gênero de música popular, seria, inegavelmente, o criado por compositores da classe média, através da fusão do maxixe e da música dos choros, com o ritmo dos instrumentos de percussão manejados pelos negros. Em fins da década de 30, do século passado, já depois do surgimento do disco e do rádio e da ditadura imposta por eles no gosto da massa, a influência
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dos moradores dos morros – herdeiros em linha direta da batida africana dos negros pioneiros do bairro da Saúde – se reduziria à fixação do ritmo básico do samba no Carnaval. E a maior prova disso está em que, quando em 1942, após meio século de glórias carnavalescas, um segundo plano de grandes obras implicou o desaparecimento da Praça Onze, até então redutomor do Carnaval carioca, seria um compositor de classe média, típico do meio radiofônico, Herivelto Martins, quem iria imortalizar a praça, gravando um samba destinado a ficar para a memória musical brasileira como um adeus a um tempo que acabava para começar outro décadas mais tarde no Sambódromo.
AS CONQUISTAS TECNOLÓGICAS VÃO TRANSFORMAR OS COMPOSITORES EM TÉCNICOS DE PROGRAMAÇÃO DE MÚSICA Considera Tinhorão que, graças aos avanços na tecnologia dos sons digitalizados, a tendência dos estúdios das
grandes gravadoras é transformarem-se em laboratórios de engenharia musical, com os músicos intérpretes sendo substituídos pelo som computadorizado de sintetizadores polifônicos e politimbrais, samplers e sequencers da família dos MIDI (Musical Instruments Digital Interface). – Tal engenharia criativa de sons computadorizados, aliás, permitirá ultrapassar as próprias possibilidades dos sons normalmente produzidos pelos instrumentos acústicos, mediante a alteração de suas tessituras, através da ampliação de seu âmbito. Possibilidades desse tipo implicarão necessária e desgraçadamente dispensa de músicos e maestros-arranjadores nos estúdios, permitirá ainda organizar, através de novas combinações rítmicas, o lançamento de modas musicais caracterizadas por um tipo de acompanhamento sonoro fora do alcance da participação humana. E como essas novidades se darão simultaneamente com maiores avanços da tecnologia na área da reprodução de sons e imagens, a unificação dos sistemas de cd de áudio e de vídeo (dvd) deverá originar a criação de um multiaparelho único, áudio-vídeo-laser, capaz de – ao lado de um sem-número de outras funções ligadas aos recursos de telefonia e satélites – possibilitar não apenas assistir à transmissão de musicais programados em laboratório, mas admitir inter-relação entre emissor e receptor em nível de realidade virtual.
JORNAL DA ABI – QUAIS AS CONSEQÜÊNCIAS DE TODO ESSE MODERNISMO?
Tinhorão – As conseqüências naturais de tais conquistas tecnológicas na área do lazer das massas, com participação da chamada música popular, implicarão, necessariamente, na prática, o emprego cada vez mais raro de músicos instrumentistas e, no campo cultural, a dessacralização da criação artística, através da transformação dos compositores em colaboradores de técnicos de programação de música, a ser criada segundo as tendências exigidas pelo mercado. JORNAL DA ABI – E O FINAL DESSE PROCESSO?
Tinhorão – Fora desse quadro geral dominante no cenário da produção das músicas de massa (tornado inevitável pelo crescente processo de concentração do capital industrial, inerente ao modo de produção capitalista no estágio da alta tecnologia), restarão apenas neste século XXI, os últimos vestígios da música tradicional do mundo rural (cada vez mais contaminados pelos modelos da mídia, como já acontece com a “música sertaneja”) e, certamente, uma multiplicidade de nichos urbanos de produção pessoal e local, conformados em sobreviver à margem do sistema. Como ainda antes do término do século XX já começaria a acontecer.
LINGUAGEM
LUCIANO BOGADO
Um passeio pela língua portuguesa Museu de São Paulo usa a tecnologia para contar a história do idioma português e se torna o segundo mais visitado do País, após o Museu de Arte de São Paulo-Masp, também da capital paulista. POR MARCOS STEFANO E RODOLPHO T ERRA
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povos indígena e africano e dos imigrantes que aqui chegaram, vindos dos mais diversos países, até a atualidade. – Mas não se trata de um espaço da poesia, nem da literatura, nem de escritores ou músicos. Optamos por trabalhar, principalmente em nossas exposições temporárias, com autores e obras literárias porque existe uma carência no Brasil. Também dessa forma conseguimos fazer que o visitante se identifique com as exposições permanentes. Mas o papel do Museu da Língua Portuguesa é muito mais amplo. Com seu patrimônio imaterial, ele se tornou um memorial da língua e da cultura. – explica o Superintendente Antônio Carlos Sartini.
O passeio realmente encanta, até mesmo aos mais novos, boquiabertos com os recursos tecnológicos. Todo dia, pelo menos duas escolas públicas estaduais visitam o espaço. Já na primeira semana de cada mês, um acordo celebrado com a Prefeitura de SãoPaulo garante a presença de dez escolas municipais. E a garotada gosta do que vê. Logo na entrada, o visitante é recebido pela Árvore de Palavras, uma escultura em ferro de 16 metros que se estende até o alto do prédio, idealizada pelo antropólogo Antônio Risério e criada pelo arquiteto e designer Rafic Farah. Nas raízes, ela traz termos indoeuropeus que deram origem à língua portuguesa; no tronco vão palavras
atuais; nas folhas da copa, objetos que as representam. A Árvore das Palavras é melhor visualizada nos dois elevadores panorâmicos que dão acesso ao Museu. Dentro deles a pessoa deve prestar atenção à trilha sonora feita pelo cantor e compositor Arnaldo Antunes. Como se fosse um mantra, ele canta os vocábulos “língua” e “palavra” em diversos idiomas. – Buscamos sensibilizar a pessoa para a língua viva e não apenas escrita. Não se trata de ensinar, mas de trazer à tona o repertório da pessoa. – garante a educadora Rita Braga, acompanhante da equipe do Jornal da ABI na visita ao Museu. O objetivo é fazer que aqueles que vêm ao espaço aproveitem bem a oportunidade. Por isso também, o Museu promove no primeiro ou segundo sábado do mês cursos de capacitação para professores, com duração de quatro horas. FRANCISCO UCHA
ara muita gente a língua portuguesa ainda permanece como uma grande desconhecida. ou, como disse Camões no início de seu épico Os Lusíadas, um mar nunca dantes navegado. Mas isso vem mudando no Centro de São Paulo, a cidade do planeta onde mais pessoas falam o idioma. Ali, no histórico prédio da Estação da Luz, funciona desde 2006 o Museu da Língua Portuguesa. Apesar do nome, livros, relíquias e pó são desconhecidos por lá. Os poucos objetos expostos cumprem uma função ilustrativa, sem valor histórico. O forte é seu conteúdo digital, interativo, virtual. Atrações que não apenas instruem, mas também divertem e promovem uma experiência lúdica e de experimentação inovadora. Ao combinar arte, tecnologia e interatividade com exposições de objetos, vídeos, sons e imagens projetadas em enormes telas, o Museu conta a história da língua portuguesa e revela todo o seu dinamismo e riqueza. Uma aventura digna das conquistas narradas pelo poeta português há quase 500 anos. São três andares e mais de 4 mil metros quadrados dedicados ao Português. Um dos andares é dedicado às exposições temporárias. Os outros dois abrigam as atrações permanentes. Um acervo pesquisado e selecionado durante quatro anos por sociólogos, artistas, museólogos e especialistas na área de lingüística. Tudo isso dá uma outra dimensão ao idioma e acaba por revelar os registros da vida cotidiana do povo brasileiro, de grandes artistas e comunicadores que permitem ao Museu mostrar um amplo painel das origens do idioma, suas histórias e as transformações ocorridas a partir da influência dos
Detalhe da Árvore de Palavras, uma escultura que se estende até o alto do prédio e fica logo na entrada.
Futebol, música e Carnaval No segundo andar está a Grande Galeria, um salão que mais lembra uma ampla estação de trem. Na parede à esquerda, uma tela de 106 metros, a maior do gênero no mundo, apresenta simultaneamente 11 filmes, de seis minutos cada, com temas como cotidiano, natureza, culinária, danças, Carnaval, festas, futebol, Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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LINGUAGEM UM PASSEIO PELA LÍNGUA PORTUGUESA FOTOS: FRANCISCO UCHA
No Beco das Palavras o visitante participa de uma espécie de jogo onde deve reunir, com a sombra das mãos, vocábulos luminosos que formem novas palavras.
música e religiões. Ao lado desse mural em movimento estão as Palavras Cruzadas, oito totens triangulares chamados de “lanternas” que mostram como o Português foi influenciado pelos dialetos indígenas, africanos, pelo espanhol, pelo inglês e pelo francês. Ali é possível conhecer a origem de várias palavras e termos usados até hoje. Até aqueles mais “cabeludos”. Na parede oposta, à direita, fica a Linha do Tempo, que conta a história da língua humana, de suas origens ao surgimento do Latim e depois do Português europeu. Em determinada época, três linhas representando as línguas portuguesa, africana e ameríndias se fundem para criar a linha do Português no Brasil. Não fica de fora o papel da mídia impressa e televisiva nesse processo. Curioso é ver a própria imagem refletida em um espelho que atualiza sempre o tempo no final da linha. – Ele faz que cada um se reconheça como falante da língua, o que é o nosso melhor retrato. – completa Rita Braga. Ao lado, o Mapa dos Falares, um mapa audiovisual do Brasil, apresenta os variados modos de falar em cada região do País. Antes de concluir a “viagem” pela Grande Galeria é preciso passar pelo Beco das Palavras e participar de uma espécie de jogo eletrônico cuja proposta é conhecer a etimologia das palavras, reunindo termos com a sombra das mãos para formar vocábulos atuais. – Sempre que vou ao Museu não resisto a uma olhada na evolução do idioma e na fusão das linhas do tempo. É um mergulho num mundo diferente e para quem não é especialista ou estudioso do idioma pode ser ainda mais proveitoso, pois o Museu apresenta muitas informações que boa parte das pessoas nunca viu na escola. Não sei se a digitalização da informação é o destino da humanidade, mas aqui se justifica, pela concepção e proposta do lugar. Além de inovadora, a interação é um dos ingredientes interessantes que são oferecidos – afirma o professor Pasquale Cipro Neto. 24
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Palavras Cruzadas: oito totens mostram como dialetos indígenas, africanos e as outras línguas, como o espanhol e o inglês, influenciaram a origem de várias palavras e termos usados hoje em dia.
Referência mundial Apontado como uma referência mundial, o Museu atrai todo tipo de visitante, seja anônimo ou famoso. Entre seus colaboradores estão o arquiteto Pedro Mendes da Rocha, o curador Fábio Magalhães, a escritora Ruth Rocha e os professores Ataliba Teixeira de Castilho e Otaviano de Fiore. Entre as personalidades que já estiveram por lá figuram o PrimeiroMinistro de Portugal José Sócrates; o Presidente de Portugal Cavaco Silva; o ex-Presidente Mário Soares; o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o exPresidente Fernando Henrique Cardoso; o ex-Ministro da Cultura Gilberto Gil; as atrizes Nicette Bruno e Camila Pitanga; os escritores Mário Vargas Llosa, Maurício de Souza, Ziraldo e Arnaldo Jabor; o bibliófilo e acadêmico José Mindlin; o diretor teatral José Celso Martinez Correia.
Recentemente, o Museu da Língua Portuguesa atingiu a marca de 1,6 milhão de visitantes, seguindo um ritmo não visto em nenhum museu do País até agora, exceto o Museu de Arte de São Paulo-Masp, também sediado na capital paulista, que é o primeiro em freqüência, como revelou recente pesquisa. São quase 1.500 pessoas de terça a sexta e 3 mil nos fins de semana. Aos sábados, nem a entrada de R$ 4 é cobrada. Além das exposições, a programação ainda conta muitas vezes com espetáculos e contadores de histórias para as crianças e oficinas de fanzine para os jovens. Os adultos podem participar de cursos sobre poesia e literatura e peças teatrais. Em partes, o sucesso se deve a seu caráter único. Criado e idealizado pela Secretaria de Cultura de São Paulo em parceria com a Fundação Roberto
Marinho a um custo de R$ 37 milhões, o Museu está localizado acima da plataforma que abrigava os escritórios da companhia férrea no início do século XX e foi parcialmente destruída por um incêndio em 1946. Na década de 50, o prédio foi reconstruído e passou por um processo minucioso de restauração e revitalização. O projeto arquitetônico é assinado por Paulo Mendes da Rocha e seu filho Pedro, que trabalharam juntos pela primeira vez. O designer Ralph Appelbaum, que tem no currículo o Museu do Holocausto, em Washington, e a Sala de Fósseis do Museu de História Natural de Nova York, assinou a museografia. Apesar de não ser o primeiro museu lingüístico do mundo, já que na África do Sul funciona desde 1975 o Museu da Língua Africâner, a proposta do Museu da Língua Portuguesa é realmente inovadora. Não somente por
São comuns as visitas de turmas de estudantes e professores, que têm um ambiente totalmente interativo para ensinar e aprender.
Todos os painéis e apresentações serão adaptados à reforma ortográfica gradualmente.
Reforma ortográfica terá pouca influência Uma tela de 106 metros se estende por um amplo corredor onde o visitante assiste simultaneamente a 11 filmes de seis minutos cada com cenas do cotidiano.
causa de seu acervo imaterial, mas pela forma como os 40 profissionais responsáveis pela concepção de sua exposição permanente trataram a língua: como um patrimônio dinâmico, que está em constante transformação. Praça da Língua Para que a visita fique completa é necessário conhecer o terceiro piso, onde estão o auditório e a Praça da Língua. No primeiro espaço, um filme com 15 minutos de duração e narração de Fernanda Montenegro revela as origens da língua. Terminado, a tela basculante revela uma surpresa: um anfiteatro, com arquibancadas. Quando as luzes se apagam, ele se transforma em um planetário de palavras projetadas no teto. Enquanto isso, no chão, são exibidos clássicos produzidos por poetas, romancistas e compositores como Carlos Drummond de
Andrade, Gregório de Matos, Fernando Pessoa, o próprio Camões, do início desta matéria, Guimarães Rosa, Eudes da Cunha, Machado de Assis, Noel Rosa e Vinícius de Moraes. A apresentação foi elaborada pelos professores de literatura e músicos José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski. Para completar a apresentação, que possui três versões de 20 minutos cada, eles convidaram Arnaldo Antunes, Bete Coelho, Chico Buarque, Juca de Oliveira, Maria Bethânia, Paulo José e Zélia Duncan, dentre outros, para narrar os textos exibidos na enorme tela. Para que qualquer visitante possa ler, ouvir e até mesmo sentir a complexidade da agora já não mais desconhecida língua portuguesa. MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA. Praça da Luz, s/nº (Estação da Luz). Telefone 3326-0775. Terça a domingo, 10 às 18h. R$ 4,00. Grátis aos sábados.
O Francês para brasileiro ver A primeira impressão é de se estar em uma típica rua de Paris. Mas logo se percebe que há muito mais coisas acontecendo por ali. A exposição O Francês no Brasil em Todos os Sentidos, a primeira mostra binacional promovida pelo Museu da Língua Portuguesa, promete, como no restante do Museu, surpreender seus visitantes com modernos e interativos recursos audiovisuais. Dominem eles a língua francesa ou não. De maio a outubro, quem for ao Museu poderá conferir os pontos de contato dos idiomas e culturas de França e Brasil. A começar pelas origens comuns dos idiomas Português e Francês e também por suas diferenças. Em 14 espaços diferentes, formados por elaborados aparatos cenográficos, o público tem a oportunidade de conhecer as palavras de origem francesa absorvidas e transformadas pelo idioma de Camões. Mas é apenas o começo. Culinária, moda, ciência, dança, música e literatura também entram na mostra e mostram como os europeus influenciaram os brasileiros nos mais diferentes aspectos culturais. A curadoria também é franco-
brasileira e assinada pela lingüista Henriette Walter, pelo crítico e roteirista Benoit Peeters e pelo professor e poeta Álvaro Faleiros, com consultoria do escritor Milton Hatoum. – É um novo desafio que enfrentamos: levar ao público o diálogo entre duas culturas, não somente no universo literário e do idioma. Essa é a vocação do Museu. As exposições sobre os grandes autores foram um dos motivos do grande retorno dos visitantes e queremos dar continuidade a isso. Eu mesmo sou dos que constantemente aprendem com o Museu – destaca o Superintendente Antônio Carlos Sartini. O Francês no Brasil em todos os sentidos é a primeira mostra temporária do Museu da Língua Portuguesa que não tem por tema uma obra literária ou autor. Antes dela, Guimarães Rosa, Gilberto Freire, Clarice Lispector e Machado de Assis foram agraciados com exposições. E enquanto o público conhece o Francês no Museu da Língua Portuguesa, a instituição já trata de preparar a próxima mostra, que terá por tema a vida e obra do poeta português Fernando Pessoa.
Mesmo com a enorme polêmica no começo do ano, a reforma ortográfica, em vigor no Brasil desde 1º de janeiro, passou quase despercebida nos primeiros meses de 2009 no Museu da Língua Portuguesa. Não que tenha sido ignorada. Em parceria com o Senado Federal e com o Centro Universitário FMU, de São Paulo, o Museu até produziu um guia da nova ortografia para ser distribuído em escolas públicas e para seus visitantes. A proposta é facilitar o entendimento das novas regras para estudantes e público em geral. Porém, mudanças no acervo devem demorar um pouco mais e demandar bastante atenção e trabalho da equipe de educadores da instituição. Há muito o que se fazer, especialmente na atualização de acrílicos, vidros, adesivos e programas de computador. Palavras como “lingüístico” são das mais presentes. Mas com a queda do trema, precisarão ser atualizadas. “Jibóia” e “idéia” também, pois perderam seus acentos. Expressões como “mão-de-obra”, usadas para falar da chegada de imigrantes ao País, perderão o hífen. Mas nem tudo é consenso: mesmo entre os educadores há quem defenda que “cana-de-açúcar ” perca o hífen e
quem afirme que deva continuar como está. O Museu encontra-se agora no primeiro estágio de atualização. Nele, os educadores farão o levantamento de todas as palavras que precisam de alteração. Em seguida, três professores devem fazer um pente-fino em cima desse levantamento e, por fim, uma equipe curatorial decidirá o que realmente muda e o que continua como está. Tudo deve estar pronto em um ano e meio. Quanto a fazer alguma exposição para falar das mudanças, nem pensar. O motivo para essa postura é bem claro na visão do Superintendente Antônio Carlos Sartini: o papel do Museu é muito maior do que o imposto pelo Acordo. – A reforma ortográfica é questão de lei. Porém o Museu não é da ortografia nem da gramática. Essas mudanças não representam o dinamismo da língua, não interferem nas diversas variantes do falar, apenas padronizam a grafia. Por isso, estamos estudando o que deve ser adaptado. Talvez as explicações e orientações. Mas grande parte da produção pode permanecer igual. A proposta do Museu é muito mais ampla e queremos que todos conheçam o Português dessa maneira – diz Sartini.
Sartini: A reforma ortográfica é questão de lei e não representa o dinamismo da língua.
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PIONEIRISMO MARIE HIPPENMEYER
No meio ambiente, um recomeço Como Sônia Araripe prestigiada jornalista, deixou tudo para iniciar um projeto inovador de jornalismo ambiental. POR ALINE SÁ
Há três anos, a jornalista Sônia Araripe tinha um ótimo e tranqüilo emprego. Depois de construir uma sólida carreira em grandes órgãos de imprensa, como O Estado de S. Paulo, o Jornal do Commercio e o Jornal do Brasil, e ganhar importantes prêmios como o White Martins, pela descoberta, ao lado dos também jornalistas Coriolano Gatto e Cristina Calmon, do plano de boicote fomentado pelo Grupo Naji Nahas, que resultou na quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1989, ela exercia naquele tempo a função de assessora de imprensa na Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo. Entre as muitas viagens e diversos projetos de preservação, tomou contato com um Brasil ainda pouco conhecido por ela e percebeu que sustentabilidade, assunto que está na moda hoje na sociedade e no meio empresarial, era muito mais que um conceito. A empatia tornou-se uma paixão e ela começou uma pós-graduação em jornalismo ambiental. Decidiu então dar uma guinada na vida, pediu demissão da Vale e recomeçou tudo. Ao lado do amigo Carlos Franco, começou um projeto inovador em termos de jornalismo socioambiental, fundando a revista e site Plurale (www.plurale.com.br). – Fiz o que para muitos é loucura. Mas sabia que precisava voltar a escrever, voltar para o outro lado do “balcão”. A preservação do ambiente é um desafio, e muito pouco explorado pela mídia. Algo que precisa ser trabalhado, tratado como uma verdadeira missão. E encontrei a minha nesse trabalho. Por isso, eu e o Carlos, amigo de toda uma vida e também mestre e companheiro de caminhada, criamos a Plurale, para contar o que acontece neste Brasil em transformação para melhor, falar de pessoas, de empresas e organizações que estão fazendo diferença e apontando um caminho que, para a grande imprensa, ainda não existe. Trata-se de um jornalismo socioambiental e, paralelamente, um jornalismo para quem gosta de bons casos ou “causos”, como se diz em Minas. – conta Sônia. Para alcançar o objetivo de conscientizar o leitor, a Plurale – impressa em papel reciclado, obviamente – busca não só ter em sua equipe profissionais renomados e experientes, mas também fazer entrevistas com gente com trabalho reconhecido na área e mostrar fatos cotidianos relacionados à preservação do 28
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meio ambiente. Diz Sônia que as matérias visam a despertar no leitor a percepção de que ele pode contribuir com um assunto simples, em que não há nada de mirabolante. Alguns assuntos são sugeridos, mas a Plurale, fazendo valer o nome, busca um debate plural e amplo, com um olhar próprio. O site é mais factual, com aproveitamento do bom conteúdo dos muitos parceiros. A equipe é formada por Isabel Capaverde, Nicia Ribas, Marcelo Pinto, Sergio Lutz, Geraldo Samor, Múcio Bezerra, Marcelo Begosso e Renata Mondelo, entre outros, além dos correspondentes no exterior, como Ivna Maluly (Bruxelas), Valéria Maciel (Oslo) e Yumi Ikeda (Tóquio). Em entrevista à newsletter do Itaú, Sônia falou sobre a repercussão do trabalho: – Somos muito procurados para pautas. O assédio é constante. A grande imprensa, na verdade, não tem espaço; tem um caderno, uma coluna, uma edição especial, mas não é o suficiente. A mídia especializada é o principal canal para desaguar esses assuntos. Vivi muito tempo no universo de exclusividade das grandes empresas jornalísticas. Com a Plurale, abriu-se uma janela que acho espetacular, uma janela para a verdadeira democratização da informação. Vejo nessas parcerias entre empresas de comunicação que cobrem a área de sustentabilidade algo muito maior. Nós fizemos recentemente, por exemplo, uma entrevista com o empresário Israel Klabin que foi publicada em 22 sites. Isso é extraordinário, porque a informação não pertence a mim ou à revista. Mas se você se considera dono exclusivo daquele co-
A preservação do ambiente é um desafio, e muito pouco explorado pela mídia, diz Sônia Araripe, que se associou a um colega jornalista, Carlos Franco, para criar a revista especializada Plurale.
nhecimento, daquele saber, daquele assunto, aquilo não cresce, não frutifica. O que vemos é o contrário, a comunicação conseguindo chegar a todos. Livros e ótimas histórias
O envolvimento de Sônia com o jornalismo vem da infância: desde pequena tinha a leitura e a escrita como hábitos prazerosos. E ela atribui parte deste gosto à estrutura familiar: – Sou filha de uma professora e de um aviador e cresci numa casa cercada de livros, jornais e ótimas histórias. Escrevia jornais fictícios, cartas, textos, contos. O jornalismo surgiu naturalmente. A carreira começou em um jornal de bairro e teve seqüência no Jornal do Commercio, que lhe abriu as portas para a Editoria de Economia. Daí em diante, as mudanças foram constantes, mas nem assim Sônia acredita no conceito – que considera exagerado – de que o profissional de comunicação deve ser “detentor de toda informação, ser uma enciclopédia ambulante”, por mais que ele freqüente ambientes variados e escreva sobre diferentes assuntos. O bom jornalista, diz, também não deve alimentar certos estereótipos que cercam a imprensa – como sua suposta natureza sensacionalista e manipuladora – e a verve não deve vir de simples inspiração, mas da busca ávida e incessante pelo conhecimento: – Para aprender a escrever de forma simples e compreensível, só existe este caminho. Se alguém quer ser jornalista e não gosta de ler, aí é melhor escolher outra profissão. Tem que ler tudo, tudo mesmo. Minha área era economia e eu lia até a seção de esportes. Não sou especialista, mas tenho uma noção geral. Outra característica importante: a gente precisa gostar de pessoas. E de conversar, de ouvir “causos”, de ir aos lugares. E de investigar e saber ouvir. Vejo hoje um jornalismo muitas vezes superficial, do tipo copia e cola. O mundo é muito maior – e muito mais interessante –
do que apenas olhar fotos e notas na rede de computadores. Casos desafiadores
Ao tratar sobre meio ambiente, um dos principais desafios é tratar adequadamente as pautas, para fugir do lugar-comum. Na Plurale, os assuntos surgem da vivência, do dia-a-dia com temas socioambientais. Nesse trabalho de garimpagem, a escolha das pautas depende muitas vezes da ação da sociedade ou de pessoas simples, em tantas oportunidades estimuladas por investimentos de empresas, que alcançam resultados surpreendentes. – Apenas queria dar um recado aos nossos colegas que “vendem” as pautas: acho que há assuntos excelentes que as empresas não estão conseguindo levar ao conhecimento da imprensa. Histórias fantásticas, fáceis de serem contadas, como a de jovens em situação de risco que agora participam de um projeto em que são capacitados para fazer jogos para computadores. Um dos meninos nos disse: “Puxa, achava que seria gari como meu pai, mas agora não. Quero trabalhar com informática.” A produção dessa matéria só foi possível graças à indicação da assessora de imprensa. Trazer esses casos à tona é um desafio para as empresas. Otimista, Sônia Araripe acredita que, gradativamente, os brasileiros estão se mobilizando para recuperar e revitalizar o meio ambiente que os abriga e que é possível haver convivência harmoniosa entre os seres humanos: – O Brasil está mudando. Para melhor. O consumidor vai à luta e briga por seus direitos, organizações não-governamentais estão defendendo os que não têm tanta voz. A maioria dos governantes, nas três esferas, federal, estadual e municipal, sabe que precisa se ocupar com as causas socioambientais e não apenas pensar em votos. Há trabalhos sérios e consistentes no País e há lugares em que ele já é mais justo, solidário, e mais preocupado com as questões ambientais. Começa na escola. E está chegando a todos.
Liberdade de imprensa Dia Nacional do Jornalista, uma homenagem à ABI A proposta é do Deputado Fernando Ferro (PT-PE), e a data escolhida, 7 de abril, é a mesma da fundação da ABI, em 1908. O Dia Nacional do Jornalista, comemorado informalmente em 7 de abril, pode tornar-se lei em breve. A medida consta do Projeto de Lei da Câmara 169/ 08, de autoria do Deputado Fernando Ferro (PT-PE), que explicou as motivações da proposta, aprovada no dia 17 de março na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado Federal e que agora será submetida a votação em plenário. “A data é o reconhecimento ao trabalho diário do jornalista, que leva à sociedade um bem precioso: a informação. Não é exagero afirmar que a profissão é essencial ao Estado Democrático de Direito e à própria democracia. Na sociedade contemporânea, informação é poder. Esta proposta legislativa legitima a importância da liberdade de expressão e do direito à comunicação, colocando o jornalista como ator vital desta função social”, sustentou o parlamentar. Disse Fernando Ferro que a oficialização do Dia Nacional do Jornalista teria um outro objetivo: prestar homenagem à ABI: “A data é uma homenagem à Associação Brasileira de Imprensa, fundada em 7 de abril de 1908. A instituição é fundamental para a construção da história recente do nosso País. Quero ainda aproveitar esta oportunidade para apoiar a luta da categoria pela seriedade e pelo respeito aos jornalistas. Defendo o diploma como elemento indispensável ao exercício da profissão. Sou a favor da qualificação profissional dos jornalistas e da valorização e fortalecimento da sua profissão. Todos os que fazem comunicação são construtores da democracia e do Estado de Direito”, defendeu. Relator do projeto na Comissão de Educação do Senado, o Senador Gerson Camata (PMDB-ES) deu parecer favorável à proposta, destacando que a ABI “conta com o respeito e admiração de toda a sociedade brasileira”, principalmente pela defesa que faz do Estado de Direito. Camata, que também é jornalista, afirma que a liberdade de expressão é uma das grandes conquistas da democracia e que a categoria profissional dos jornalistas representa “um verdadeiro pilar ” das práticas democráticas. Disse ele: “Pela importância de sua função, voltada precipuamente para a disseminação democrática da informação, o jornalista constitui um verdadeiro pilar das liberdades e garantias individuais. A liberdade de expressão, alicerce sobre o qual se apóia a imprensa livre e responsável, é uma das mais importantes conquistas democráticas de todos os tempos, destinada a contribuir para um convívio social em moldes justos.”
Censura prévia no Pará Decisão da 4ª. Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado prevê multa diária para jornais que publicarem fotos de vítimas de acidentes, consideradas chocantes. Um desrespeito claro à Constituição Federal de 1988, que veta qualquer tipo de ameaça à liberdade dos órgãos de imprensa. Assim pode ser classificada a decisão da 4ª. Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que impôs censura prévia aos jornais Diário do Pará, O Liberal e Amazônia. Pela decisão, as publicações ficam proibidas de estampar fotos de vítimas de acidentes que retratem mortes brutais, como propôs a Desembargadora Eliana Abufaiad, relatora da matéria. Caso não se submetam à decisão, os jornais serão punidos com multa diária de R$ 5 mil. A decisão foi adotada no julgamento de agravo de instrumento interposto pelo Estado do Pará, o Movimento República de Emaús e a Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos, cuja postulação foi apoiada pela Procuradoria de Justiça do Estado. Em seu voto, a Desembargadora impôs às empresas jornalísticas a “proibição imediata da utilização, nos jornais de
suas responsabilidades, de fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais e demais imagens que não se coadunem com a preservação da dignidade da pessoa e do respeito aos mortos, evitando-se assim a utilização de imagens chocantes e brutais, sem qualquer conteúdo jornalístico, e apenas com intuito meramente comercial.” Em entrevista ao jornalista Luiz Flávio M. Costa, repórter especial e editor do Diário do Pará, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, afirmou que a decisão da 4ª. Câmara Cível Isolada, o voto da Desembargadora Eliana Abufaiad e o parecer da Procuradoria de Justiça do Estado constituem grave violação da Constituição Federal, que em seu artigo 220, parágrafo 2º, declara que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. O caput desse artigo estabelece que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, proces-
so ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. O Presidente da ABI disse compreender a intenção da ação judicial de preservar a memória dos mortos e defender a não-exposição pública de fotos chocantes que possam macular a dignidade humana, mas alertou que tal causa, ainda que nobre, não pode estar em desacordo com os preceitos constitucionais. “É desejável que os veículos de comunicação procurem evitar a exploração desses aspectos, mas isto deve decorrer de concepções éticas, e não de imposição, de coerção, como fez a 4ª. Câmara Cível Isolada do Pará, ao dispor sobre a aplicação de multas às empresas que não se submeterem à sua decisão inconstitucional. A Constituição não admite isso. Ao contrário, veda expressa e incisivamente. Esses juízes precisam ler a Constituição e aprender e aplicar o que ela determina”, concluiu o Presidente da ABI.
Beth Prata condenada por juiz de mão pesada Ela está recorrendo da decisão judicial que a condenou por calúnia, difamação e injúria, em processo movido pelo Juiz João Carlos de Souza Corrêa e julgado com mão pesada por seu colega Rafael Rezende das Chagas. Por vezes considerada lenta e pouco eficiente, a Justiça também costuma surpreender por sentenças que, junto à opinião pública, parecem um tanto quanto exageradas. Um desses casos recentes envolve a jornalista Elizabeth Perez Baptista Prata, que assina seus textos com o nome de Beth Prata. A profissional foi condenada a cinco anos e quatro meses de detenção e 64 diasmulta pelos crimes de calúnia, difamação e injúria, em processos em que figura como ofendido o Juiz de Armação de Búzios João Carlos de Souza Corrêa, titular da Primeira Vara local. A sentença foi expedida pelo Juiz Rafael Rezende das Chagas, da 2ª. Vara da Comarca do mesmo Município da Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro. Acatando a denúncia do Ministério Público, o Juiz condenou Beth Prata duas vezes nos processos de calúnia (artigo 138 do Código Penal) e de difamação (artigo 139) e uma vez no processo de injúria (arti-
go 140). A jornalista foi condenada também a pagar as custas do processo e autorizada a recorrer em liberdade, mas somente porque o Tribunal de Justiça do Estado havia revogado a prisão preventiva a ela imposta no curso dos processos. Na pena de 64 diasmulta, cada dia corresponde a 1/30 do salário mínimo em vigor. O litígio de que resultou a condenação de Beth Prata teve início com a representação que ela formulou à Corregedoria-Geral do TJ-RJ contra o Juiz João Carlos de Souza Corrêa, ao qual fez imputações por ele consideradas ofensivas. As alegações de Beth constavam de uma petição que não foi considerada pela Corregedoria-Geral e que, ao contrário do que pretendia, terminou por servir como peça para incriminá-la. Disse o Juiz João Carlos de Souza Corrêa, há 12 anos na cidade de Búzios, que os ataques da jornalista tiveram início quando do julgamento do
processo de cisão societária entre Beth Prata e Rui Borba Filho, que eram sócios no jornal Primeira Hora. “Desde então venho sendo objeto de calúnias e difamação por parte desta jornalista que, apesar de ter tido acesso a todos os direitos de ampla defesa, nada conseguiu provar ”, afirmou o Juiz, que, em novembro do ano passado, entregou ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, documentos que rebatiam as acusações sofridas. No decorrer dos processos, Beth Prata questionou a isenção do Juiz Rafael Rezende das Chagas para julgá-la, uma vez que ele e o Juiz João Carlos de Souza Corrêa eram, como ainda são, os únicos magistrados da Comarca. Rezende das Chagas contestou a suspeição alegada, e afirmou que nunca teve nem tem qualquer ligação pessoal com o colega, com o qual se encontrou apenas no fórum da Comarca de Armação dos Búzios. Beth Prata recorre da sentença. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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VEÍCULOS
O NOVO O DIA Após 58 anos de formato standard, a tradicional publicação carioca segue tendência mundial e adota o modelo berliner. O objetivo é dinamizar a leitura e, é claro, aumentar as vendas. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
ções, Freeland diz que a partir de agora os editores são obrigados a definir melhor qual o assunto principal do dia até o momento da reunião de pauta. “Uma reportagem exclusiva, um tema sobre o qual todos os outros veículos vão falar no dia seguinte, ou pode ser também o fato mais importante da cidade. Não importa o assunto, a nossa energia será maior naquele que vai ser o especial do dia”. O jornal procura dar relevância a diversos assuntos, sempre com a preocupação de proporcionar uma leitura bastante ágil para o leitor, para que ele tenha um panorama ampliado das informações relevantes do dia. O objetivo desse procedimento é fazer que os leitores de O Dia tenham uma leitura completa sobre o que aconteceu nas diversas editorias, podendo ainda se aprofundar em algumas das matérias. Ao serem deslocadas para a rua, as equipes de reportagem já pensam nos itens que serão importantes destacar, informa Freeland. Se anteriormente o repórter voltava para a Redação com o lide na cabeça, ele agora já percebe a
matéria sobre barrigas de aluguel e venda de bebês na internet, produzida com muitas entrevistas com câmera oculta, monitoramento pela internet e troca de e-mails com os personagens. “Mesmo se a reportagem fosse publicada exclusivamente no jornal impresso, a câmera oculta teria sido importante por causa do registro. Como nós trabalhamos com plataforma eletrônica, todo esse material foi veiculado também na internet, com o cuidado de preservar as pessoas. A edição aponta o tempo inteiro para esse conteúdo adicional no online”.
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JOSÉ REINALDO
Uma reforma com o intuito de atender às atuais tendências do mercado editorial, que busca publicações que permitam uma leitura mais dinâmica. A necessidade de tornar o jornal impresso mais competitivo, com o compromisso de alavancar as vendas e reverter um processo de crise econômica. Esses dois fatores nortearam a recente reforma gráfica de O Dia, que, depois de 58 anos circulando no formato standard, adotou a versão berliner. A estréia do novo projeto ocorreu na edição que circulou em 15 de março. O Diretor de Redação de O Dia, Alexandre Freeland, também um dos idealizadores do projeto, afirma que a reformulação atual é fruto da observação do mercado. Diz ele que o novo padrão gráfico e editorial foi inspirado Modernização gráfica em outros veículos do gênero, considee interatividade rando as tendências que vêm se cristaPara o Diretor de Arte de O Dia, lizando no Brasil e no mundo. “O Dia André Hippertt, que assina a reformué um jornal popular focado no Rio. lação gráfica do jornal, esse processo de Com esse projeto ele recupera essa pro“tabloidização” é uma tendência no posta, por meio de um noticiário forte sobre a área de segurança pública e cidade, além do entretenimento. Há também outros simbolismos como a volta do amarelo. Isso sempre foi um ponto forte do jornal e para nós é uma bandeira praticamente intocável”, afirma. A reforma de O Dia adotou o conceito de uma prática jornalística que no exterior se convencionou chamar de jornal-revista. “No mundo inteiro existe a tendência de fazer jornais com cara de revista, um processo que demanda maior cuidado visual e que permite trabalhar melhor as informações Autores da reforma gráfica, Alexandre Freeland e André Hippertt procuraram não repetir os erros das mudanças anteriores: – Conhecemos a filosofia e o funcionamento da redação de O Dia e como pensa o seu leitor. gráficas. Esse modelo nós conseguimos destacar mundo todo. Começou na Europa e informação que pode ser destacada em todo o jornal. Ressaltando determiatualmente até mesmo os principais com o Infográfico: “O editor não é o nadas informações, tais como índices, jornais standards nos Estados Unidos único responsável por esse processo... percentuais, frases de maior relevância, estão seguindo o mesmo modelo. “A O repórter já tem um grande conhecientre outros aspectos. Foi isso o que gente não pode afirmar que essa transmento e consegue pensar as matérias mudou no trabalho das editorias”, diz formação do standard para o tablóide em conexão com as outras plataforAlexandre Freeland, lembrando que no Brasil, ou especificamente no Rio, mas. Essa reforma sistematiza um essa é a sétima reforma editorial e gráé a saída. Mas acho que essa é mesmo novo modelo de reportagem, que já vifica implantada no jornal. uma tendência mundial e que deve ser nha sendo produzido anteriormente. levada em consideração. Os jornais têm Hoje nós oferecemos mais recursos Mudanças no fechamento realmente que se modernizar”. para que a produção seja valorizada”. Sobre o impacto da reformulação na Hippertt e Freeland afirmam que o Freeland cita como exemplo uma reportagem e no fechamento das edi-
novo O Dia tem como característica ser um jornal para toda a família, apontando mais claramente a segmentação de cada caderno. O destaque fica por conta da conexão com o leitor, que acabou virando uma seção. “A Conexão leitor é a seção de cartas com uma outra roupagem, onde a gente dá mais espaço e literalmente põe a cara do leitor nas páginas. Isso faz que ele interfira cada vez mais na produção. Ao mesmo tempo, como a gente sabe que o leitor está sempre plugado, a seção funciona como uma espécie de farol da internet, que é uma ferramenta muito comentada”, diz Freeland, lembrando que se dizia que a internet era a grande inimiga que iria acabar com o jornal impresso. O entendimento hoje é de que existe uma via de mão dupla: “O jornal também funciona como uma via para a web. Certamente que o formato que adotamos é uma das tendências do mercado. De acordo com o próprio perfil, cada veículo procura o seu modelo de crescimento e de sobrevivência”, afirma. Uma questão de filosofia Funcionários de O Dia desde 1995, Alexandre Freeland e André Hippertt dizem que um dos aspectos que facilitaram a realização do novo projeto gráfico é o conhecimento que eles têm da cultura da publicação. “Nós fizemos uma grande mudança no jornal, pois entendemos a sua filosofia e o funcionamento da Redação. Além disso, nos favoreceu o bom conhecimento que temos de como pensa o leitor de O Dia. Para realizar o novo projeto gráfico eu refleti sobre as experiências e os erros anteriores”, diz Hippertt. O primeiro passo foi testar as cores na gráfica, e não ao contrário. Em outros projetos, as cores idealizadas não saíram exatamente como deveriam na gráfica. O resultado ficou interessante, pois, em comparação com os jornais antigos, o novo jornal melhorou a qua-
lidade da impressão. “As cores se harmonizaram. Para chegar a esse padrão foram feitos mais de dez testes de cor, num trabalho pesado em conjunto com o pessoal da gráfica”, conta o Diretor de Arte. Outro ponto destacado por Hippertt é que os cadernos ficaram bem diferentes uns dos outros. “Não há mais semelhança entre as cabeças do Ataque e do Dia D, que agora contam com cores diferenciadas. No formato anterior havia problemas nesse aspecto, pois os padrões visuais eram muito parecidos. Buscamos fazer isso para criar uma identificação que facilite a vida do leitor. No mundo inteiro o design se preocupa com isso, ou seja, utilizar características próprias para cada caderno dentro do jornal”. A nova disposição de textos foi pensada para ser muito clara, o que faz que o jornal seja limpo, com pontuações de cor em todas as páginas. Outra preocupação foi não diminuir o corpo da fonte utilizada nas matérias, apesar de ter adotado o formato conhecido como novo berliner, que é igual ao do Zero Hora (RS) e do Clarín, de Buenos Aires. A entrelinha foi ligeiramente aumentada. No formato standard era de 11,8. Agora passou para 12 pontos. “A legibilidade é fundamental. Em
O Dia aderiu ao novo formato gráfico e ganhou uma diagramação mais dinâmica, moderna e criativa. Os cadernos ganharam identidade própria e o uso das cores ficou mais ousado.
função disso a grande preocupação era fazer que o jornal ficasse fácil de ser lido. Com o berliner, que tem mancha gráfica de 25,5 x 35,7 cm, O Dia diminuiu em altura, mas ganhou em largura, o que torna possível passar uma matéria ou uma foto de uma página para outra mesmo que esta não seja uma dupla verdadeira, como é feito nas revistas. No standard se trabalha verticalmente, enquanto que no berliner a matéria se harmoniza horizontalmente”, explica Hippertt. Um pouco da história O Dia foi lançado em 5 de junho de 1951 pelo então Deputado Chagas Freitas, que mais tarde foi Governador dos
Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Em 1983, o jornal foi comprado pelo jornalista e empresário Ary Carvalho. Atualmente, é um produto do Grupo O Dia de Comunicação, sob a direção de Gigi Carvalho, do qual fazem parte o jornal Meia Hora, o portal O Dia Online, a TV O Dia, a rádio FM O Dia, uma agência de notícias e o Instituto Ary Carvalho. A primeira reforma radical da publicação aconteceu em 1987 e foi o início de um novo enquadramento das matérias, que eram muito focadas nas reportagens policiais. Aos poucos, as manchetes foram perdendo o tom sensacionalista e o jornal passou a adotar um noticiário mais sóbrio e consistente, com
ênfase na prestação de serviços. Em 3 de junho de 1992, O Dia implantou o seu parque gráfico, no bairro de Benfica, na Zona Norte do Rio. Em 5 de julho de 1992, foi lançada a primeira edição a cores. Em 1998, o jornal circulou full collor pela primeira vez. No ano seguinte, foi inaugurada a redação multimídia. Outra mudança foi realizada em março de 2004, com a ampliação da cobertura regional, graças à abertura de sucursais. Passou, então, a circular com três capas diárias, com edições focadas no Estado, na capital e nos Municípios da Baixada Fluminense. Uma iniciativa que começou a sofrer cortes, no recente processo de reestruturação de O Dia.
Paulo Bonfá, Luciano Burti, Mauro Cezar Pereira, Paulo Júlio Clement e Arnaldo Ribeiro. – O Jornal Placar é um produto novo, feito para atrair um público novo. Mostra que a tradição da semanal nunca foi perdida e isso é ótimo. Enquanto a revista trabalha com reportagens especiais, mais analíticas e aprofundadas, o jornal dá a notícia, no calor da hora, recuperando a fúria da informa-
ção diária. – afirma o jornalista Sérgio Xavier Filho, Diretor de Redação do núcleo de publicações Placar. Apesar de existirem planos para aumentar tiragem e número de páginas, não há nada ainda sobre a possibilidade de levar o periódico para outras praças. A alternativa para os leitores de outras cidades é ler o jornal pela internet, em formato PDF. Além dessa possibilidade, a Editora Abril investiu na reformulação do site de Placar. Além de mais conteúdo, o jornal ganhou endereço próprio; a Bola de Prata, a mais tradicional premiação do futebol nacional, ganhou também seu espaço. O lançamento do Jornal Placar é apenas parte de um projeto mais amplo e audacioso da empresa, visando à Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil. A Abril, que já está comercializando a cota de publicidade para a edição de 2010, na África do Sul, em pacotes para diversas publicações, cada uma com uma abordagem e cobertura diferenciada do evento, procura variar seus produtos para aumentar o faturamento nos próximos anos. Nessa empreitada, quem agradece é o jornalismo esportivo e os fãs do esporte.
GOL DE PLACA De olho na Copa de 2014, Editora Abril lança em São Paulo o Jornal Placar. Diário e com distribuição gratuita. A notícia levantou a galera mais do que o anúncio da contratação de um grande craque, daqueles de Seleção Brasileira, pelo time de coração. Desde a quarta-feira, 22 de abril, voltou a circular na cidade de São Paulo o Jornal Placar, primeiro diário esportivo da Editora Abril. Em formato tablóide, totalmente colorido e com 16 páginas, a publicação traz as principais notícias do esporte, principalmente do futebol. De segunda a sexta são 80 mil exemplares distribuídos gratuitamente em parceria com outro diário, o Destak, nos principais cruzamentos e ruas da capital paulista. O projeto-piloto do periódico já havia circulado gratuitamente entre 10 de novembro e 9 de dezembro de 2008, por ocasião das partidas finais do Campeonato Brasileiro. As 22 edições da fase experimental chegaram a ser disputadas pelas pessoas nas ruas, fazendo tal sucesso que a Abril decidiu investir no
jornal em definitivo. Agora, a publicação é distribuída em mais de 200 pontos, entre locais com grande tráfego de automóveis, shoppings, centros empresariais e comerciais. O foco está nas classes A e B. Mas as estações de metrô são evitadas: nesses locais os exemplares acabam depressa demais. A iniciativa faz lembrar com grande saudosismo os bons tempos em que a revista Placar era semanal e, junto com periódicos como Gazeta Esportiva e Jornal dos Sports, era a grande referência para os aficionados pela bola. Criada em 1970 e apontada como uma verdadeira escola para grandes jornalistas, Placar é considerada a mais importante revista esportiva do País. Para fazer o novo jornal, a editora montou uma redação própria, com 12 profissionais, que ainda contarão com a colaboração dos dez jornalistas da revista, que continua saindo mensalmente. Na equipe de colunistas estão nomes como
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VEÍCULOS
Depois do conteúdo, cara nova Diário de S. Paulo apresenta seu novo projeto gráfico, buscando o aumento da visibilidade em bancas. MARCOS STEFANO
POR MARCOS STEFANO
Um dos mais tradicionais jornais de São Paulo, o Diário de S. Paulo, está de cara nova. Desde o dia 26 de abril, a publicação do Grupo Infoglobo adotou um novo projeto gráfico para adequar sua identidade visual ao conteúdo editorial, que há três anos vem sendo reestruturado. O objetivo é tornar o jornal mais atrativo para o leitor, ganhando visibilidade em bancas – o forte da publicação – e se tornando mais vibrante e moderno, com textos curtos e cara de revista. Uma tendência mundial, adotada em grandes jornais para se adequar aos novos tempos, cortando custos e agilizando a produção do conteúdo, mas também para utilizar melhor o potencial da internet, competindo com outros meios e freando a temida perda de leitores. Desde que foi anunciada pelo Editor-Chefe Luiz André Alzer, a proposta provocou grande expectativa. Não para menos: uma das justificativas apresentadas era a de adequar o produto à realidade do mercado, enfrentando o difícil momento pelo qual passa a indústria de jornais no País e no mundo e tornando a publicação mais enxuta, com textos mais curtos e menos páginas. Visualmente, no entanto, o que se percebeu foi uma sensível melhora na apresentação do conteúdo. As mudanças começam no logotipo, que passou a ter um fundo com as letras vazadas em branco e preto. Expostas lado a lado na banca, as edições antiga e nova são contrastantes: enquanto o antigo logo ficava perdido em meio a tanta informação, o novo se destaca de longe, sem ser berrante. As tradicionais cores preto e vermelho foram mantidas, reafirmando a ligação da publicação com a cidade de São Paulo. A capa lembra outro jornal do grupo, o Extra, do Rio, com títulos maiores, alguns sem texto e informações bem alinhadas, revelando uma estruturação paralela. Mas as semelhanças param por aí, já que o projeto do DSP procura ser original. As transformações continuam nas cabeças de todas as editorias, redesenhadas para explorar o recurso da bicromia. Com duas cores distintas em cada editoria, o leitor consegue identificar com mais facilidade as diferentes matérias. O mesmo acontece com o uso de títulos maiores, em formato bold, seguidos por textos menores. Não que as matérias tenham se tornado mais superficiais, mas agora a informação está dividida também entre mais infográficos, quadros, ilustrações e drops. Na apuração e redação das reportagens, o repórter é orientado a produzir seu trabalho adaptado a esses formatos. Entre as novas experimentações, estão as séries de reportagens especiais. Temáticas, elas são desenvol32
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Renata Maneschy: um projeto gráfico pautado no dia-a-dia da Redação.
vidas em seqüência, por alguns dias. Ocupam uma página inteira e recebem tratamento visual diferenciado. De certa forma, chegam a ser até mesmo didáticas. A primeira foi sobre o cantor Roberto Carlos. A próxima deve trazer um tema árido: o abuso sexual. Mas a idéia é transformá-la não em algo sensacionalista e cheio de denúncias, e sim em um texto de orientação, com testemunhos de vítimas e dicas para encontrar ajuda e superar os traumas. Ainda assim, as mudanças mais significativas foram percebidas em alguns dos suplementos. O caderno de esportes passou a adotar o formato tablóide,
ficou mais colorido e com elementos visuais que valorizam números, estatísticas e informações relevantes – aquelas tão buscadas pelos torcedores. Outras seções procuradas pelos leitores, como a previsão do tempo, ganham destaque e são encorpadas com mais dados. Outra grande diferença está no site do Diário. Remodelado, o espaço foi construído sob a inspiração da reforma gráfica do jornal e adquiriu formato de blog, com linguagem simples e explorando a bicromia. A publicação explora bastante os novos recursos trazendo chamadas para o conteúdo online em todas as seções. Diário Popular, o Dipo – O novo projeto é pautado na realidade. Não simplesmente para aumentar a venda em bancas, mas porque o visual já não acompanhava as diversas mudanças editoriais. Não podemos fugir do perfil do nosso público: o Diário de S. Paulo é um jornal popular, mas com estilo, sem abusar das cores ou do sensacionalismo. Procuramos respeitar isso na reforma. E, ao mesmo tempo, dar agilidade para a pessoa que lê o jornal no ônibus ou no metrô. Por isso, alguns suplementos ganharam o formato tablóide, enquanto o jornal é publicado em standard – explica a Editora de Arte Renata Maneschy, responsável pelo novo projeto gráfico do jornal. Em 1998, Renata já havia participado da reforma visual de O Dia, que adotou o full collor, e em 2001 liderou o redesenho de vários cadernos no jornal O Globo. Essa bagagem foi decisiva para que viesse para o Diário há pouco mais de um ano com a missão de comandar a reforma também no jornal paulista. Começou reformulando cadernos como o Viver e o Talento e depois fazendo o projeto da revista Diário Dez!. Bem sucedida, ela pôde estender a proposta ao restante da publicação. Um desafio para um jornal centenário, de inegável tradição e que sofreu a última reforma gráfica há poucos anos. Fundado em 1884 por José Maria Lisboa e Américo de Campos, com o título de Diário Popular, o jornal era uma publicação de pequenos anúncios para pequenos negócios. Com uma tiragem razoável, logo conquistou uma situação financeira sólida. Entre 1950 e 1970, o Dipo, como era chamado, viveu seu apogeu, destacando-se como o jornal que falava “a língua do povo”. Entre os importantes jornalistas que
O caderno de Esportes agora é tablóide, usa mais cores e tem mais elementos visuais que valorizam informações relevantes.
Versus, revista da UFRJ, fala da crise, Cuba e Paraguai O Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro pôs em circulação em abril o primeiro número da revista que lançou em março: Versus, que conta com versões impressa e on line. De caráter interdisciplinar, a publicação tem por objetivo integrar o pensamento crítico nas diversas áreas do conhecimento, promovendo debate de problemas sociais, econômicos, políticos e culturais da sociedade contemporânea, a partir de uma perspectiva global. A edição zero de Versus foi publicada em dezembro de 2008 com matérias dedicadas à crise econômica mundial, tema que volta ao centro do debate no editorial e na seção Entrevista, na qual o Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea, Márcio Pochmann, analisa a crise e seus efeitos no Brasil e no mundo. O novo projeto gráfico do Diário de S.Paulo utiliza fontes grandes e títulos sem serifas, além de infográficos e muitas fotos coloridas. Os cadernos são separados por bicromias específicas que ajudam na identidade visual de cada editoria.
trabalharam no diário estão os diretores de Redação Joaquim Alessi e José Roberto Alencar. O sucesso atraiu a atenção de Assis Chateaubriand e de seus Diários Associados, que compraram a publicação. O declínio veio nos anos 1980, com o crescimento de seus concorrentes. Mesmo assim, quando o Grupo Infoglobo comprou o jornal, em 2001, o Dipo era a quarta força entre os jornais paulistas. A aquisição por Roberto Marinho era vista como a oportunidade de o Grupo Globo entrar no mercado de jornais de São Paulo e despertou o interesse de muitos, especialmente dos concorrentes. Nesse mesmo ano, o título é mudado para Diário de S. Paulo e o jornal sofre a última grande reformulação. Não apenas no lado visual, também em seu conteúdo: o jornal continuou popular, mas deixou um pouco de lado matérias sobre polícia e diminuiu o tom sensacionalista, o que provocou um pesado bombardeio do meio intelectual do jornalismo paulista. Standard X tablóide – Normalmente, quando se faz esse tipo de reforma, contrata-se uma empresa de fora, paga-se caro e, poucos meses depois, inicia-se um projeto de remodelação e adaptação do projeto. Foi isso que aconteceu com a reforma de 2001 e, desta vez, já começamos a trabalhar para que seja diferente. Antes de qualquer coisa, procuramos conhecer o produto, o seu dia-a-dia, necessidades de fechamento, o público-alvo. Para qualquer jornal é essencial escolher uma fonte que dê padrão e que o diferencie. Por isso, fizemos uma pesquisa exaustiva e adotamos uma fonte amplitude, sem serifa, para dar força aos títulos, e outra minion, para os textos. – diz Renata Maneschy. Ela revela que, nesse processo, outras mudanças foram estudadas, como a transformação integral do formato standard para o tablóide, seguindo o que já vem sendo adotado por outros jornais brasileiros, como o Jornal do Brasil e o Zero Hora,
mas a idéia não foi à frente. Além de o leitor estar familiarizado com o formato standard, as reformas coincidiram justamente com a crise econômica mundial, no fim do ano passado. Qualquer mudança maior teria que passar pela compra de novos equipamentos, o que nesta época de crise é impossível para as empresas jornalísticas. Mesmo assim, não foi possível fugir a pelo menos uma polêmica. Apesar da empolgação com tantas novidades, a reforma trouxe um enxugamento do jornal e conseqüentes demissões. Nove vagas de diagramação, fotografia e texto foram cortadas e seus profissionais demitidos, o que levou o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo a desferir pesadas críticas à direção da empresa. Além do Diário, também houve demissões nos jornais O Globo e no Extra. A direção do Diário de S. Paulo considera que as mudanças parecem ter caído no gosto do leitor. Os principais elogios recebidos pela Redação são para os textos curtos e o colorido da publicação: – Realmente, conseguimos fugir dos extremos. O jornal está colorido e vibrante, mas nem anêmico, nem uma “arara”, com cores demais e estilo carnavalesco. Para mim, foi um desafio novo, pois gosto de ser clean, fazer páginas limpas e pouco carregadas. Acredito que chegamos no equilíbrio – defende a editora Renata. Para ela, a meta agora passa a ser conservar e aprimorar o projeto original. Evitar o que normalmente acontece nos veículos nacionais: a corrupção das reformas gráficas é apenas o primeiro passo. Renata acredita que será possível ganhar prêmios; para isso, aposta na publicação das séries especiais e nos diversos e reformulados cadernos. Mais: com a valorização das mudanças editoriais, que, diz ela, estavam perdidas no antigo visual, espera-se também valorizar o Diário de S. Paulo, fazendo jus à fama e ao papel conquistados pelo jornal, que em 125 anos de história se tornou com justiça um dos principais do País.
Histórico da anistia
Na editoria Brasil, o jornalista e mestre em Ciência Política Nilmário Miranda, ex-deputado federal por Minas Gerais, fala sobre os 30 anos da primeira Lei de Anistia (Lei nº 6.653), aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 1979. – Pelo seu caráter restrito, pela visível incompletude e por ter excluído dos efeitos da Lei amplos setores dos atingidos pela repressão, a Lei de Anistia necessitou de um segundo momento – a Lei nº 9.140/95, conhecida como Lei dos Mortos e Desaparecidos Políticos – e de um terceiro momento – a Lei nº 10.559/2002, que instituiu a atuante Comissão de Anistia. Na medida em que a democracia se consolida e os direitos humanos ganham espaço, a anistia ganhou ressignificados e é recolocada em discussão – ressalta Nilmário Miranda, que presidiu a Comissão Externa para os Mortos e Desaparecidos Políticos e foi Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos entre 2003 a 2005. Cuba, por Frei Betto
Frei Betto assina na seção Especial o texto Recuerdos de Cuba – À luz dos 50 anos de revolução, em que analisa questões que envolvem a Igreja, o socialismo, a luta contra a repressão, educação. Frade dominicano, Frei Betto é teólogo, antropólogo, filósofo, jornalista e escritor, autor de 40 obras, editadas em vários países. A editoria Internacional publica entrevista exclusiva com o ex-Bispo Fernando Lugo, Presidente do Paraguai, que fala sobre as mudanças internas no seu país e nas relações com os demais países da América Latina, sobretudo o Brasil. Abrem uma série de artigos sobre o Oriente Médio, Dina Lida Kinoshita, membro da cátedra da Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, junto ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e Esther Kuperman, que integra a Coordenação dos Amigos Brasileiros do Paz Agora, grupo de pacifistas que atua no âmbito internacional em defesa do entendimento entre israelenses e palestinos mergulha no universo histórico do conflito e no drama que assola a região. A descoberta do crânio de Luiza, fóssil com idade estimada de 12 mil anos, o mais antigo das Américas, é tema da seção Personagem, que sublinha a relevância do fato no campo de investigação científica sobre a ocupação do continente. O leitor de Versus encontra ainda indicações de especialistas nas áreas de literatura, música, cinema, teatro e a opinião de grandes nomes como o violinista Turíbio Santos, que fala sobre o papel da universidade no Brasil. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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LEGISLAÇÃO
Uma lei para incentivo à mídia alternativa. Por ora, em projeto O Deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) propõe que anúncios e campanhas oficiais não sejam restritos aos grandes veículos e passem a viabilizar, também, a imprensa alternativa e comunitária.
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tares. Para isso, dialogo com cada integrante, mostrando a importância da pluralidade e sublinhando o aumento da visibilidade da propaganda oficial junto à população em geral –, afirma Otávio Leite. Considera o Deputado que há muito de responsabilidade social no trabalho diário da chamada mídia alternativa no Brasil: – A sobrevivência dessa parcela da imprensa é, inclusive, um instrumento para fortalecer o hábito da leitura do jornal impresso. Nada contra a internet, mas tudo a favor da preservação dos jornais impressos, que trazem informação e cultura. Penso mesmo que os jornais alternativos representam uma bandeira extremamente importante para a formação de nossa crítiRITA BRAGA
Uma proposta que busca fazer da mídia alternativa mais uma opção para a publicação de anúncios oficiais. Isto é, fazer que jornais alternativos, de bairros ou regiões, sejam vistos como mídia participante do mercado publicitário, com direito à veiculação de editais, programas, serviços e campanhas feitas pela administração direta e indireta da União, Estados e Municípios. A medida está prevista no Projeto de Lei nº 4.961/09, de autoria do Deputado Otávio Leite (PSDBRJ), que explica com objetividade a razão de sua ação. – Incentivar os nossos veículos alternativos e/ou jornais de menor porte é, acima de tudo, defender a liberdade de opinião e pensamento, além de fortalecer a democracia. Quanto mais jornais alternativos, regionais e locais, vivos, mais democracia haverá na veiculação da informação. Entendo que tudo que concentra sempre leva ao autoritarismo –, diz o parlamentar, que já havia feito propostas semelhantes em seus mandatos anteriores, de vereador da cidade do Rio de Janeiro e deputado estadual. O Projeto foi apresentado em 31 de março passado e será apreciado por três Comissões da Câmara: Ciência e Tecnologia, Comunicação e InformáticaCCTCI; Trabalho, Administração e Serviço Público-Cteasp; Constituição e Justiça e de Cidadania-CCJ. A proposta encontra-se no primeiro estágio do trâmite: está na CCTCI aguardando parecer do relator, após não ter recebido emendas até o prazo final de 30 de abril. – Estou convencido de que a proposta vai sensibilizar a maioria dos Deputados. Os muitos que me procuraram o fizeram para expressar seu apoio ao projeto –, diz Otávio Leite, que propõe que os pequenos veículos de comunicação se manifestem publicamente sobre a iniciativa: – Sugiro que os jornais alternativos reivindiquem do relator o parecer favorável. Aprendi ao longo de minha vida legislativa que a mobilização dos interessados ajuda muito na aceleração e aprovação das iniciativas. Há espaço político para a aprovação do PL nº 4.961/09? Os jornais alternativos serão, finalmente, agraciados com parte da fatia do generoso bolo de verbas oficiais de publicidade?
– Estou me articulando junto aos membros da Comissão de Comunicação para que possamos neutralizar qualquer eventual lobby dos conglomerados de mídia junto aos parlamen-
ca no combate à alienação”. Uma vez contemplada por verbas oficiais, essa parcela independente da mídia, justamente por estar acostumada a sobreviver sem recursos públicos, não poderia perder parte de sua independência? O ingresso no seleto rol dos veículos agraciados por anúncios de governos não poderia, automaticamente, alinhá-los aos mais diversos interesses políticos locais? – Não acredito nessa possibilidade. As verbas que se propõe partilhar com os jornais alternativos são aquelas essencialmente destinadas às campanhas de interesse público, tais como as de combate à dengue e de vacinações, bem como as publicações de editais de obras públicas que guardem relação como as respectivas regiões de cada veículo. Aliás, essa medida se constituirá em mais uma oportunidade para a sociedade local acompanhar e fiscalizar o cronograma de obras e realizações dos governos –, sustenta Otávio Leite.
A íntegra do Projeto É esta a íntegra do Projeto de Lei nº 4.961, de 2009: “Art. 1º - Observados os preceitos constitucionais e legais sobre a matéria, os órgãos públicos das administrações direta e indireta da União, dos Estados e dos Municípios, na publicidade de suas obras, anúncios, editais, programas, serviços e campanhas em geral, que venham a veicular-se na mídia impressa, devem utilizar-se de jornais intitulados “alternativos, de bairros ou regionais”, na proporção especificada por esta Lei. Art. 2º - A parcela a ser destinada à divulgação através de jornais alternativos é fixada em, pelo menos, dez por cento do total da verba de publicidade oficial de cada ente para divulgação na imprensa escrita. Art. 3º - Para os efeitos desta Lei, considera-se jornal alternativo o periódico que tenha tiragem mínima de cinco mil exemplares ou notório reconhecimento local, e se caracterize por ser preponderantemente dirigidos a regiões, bairros ou segmentos específicos da sociedade. Parágrafo único - Para o efeito deste artigo, o jornal alternativo deverá ter circulação obrigatória em bairro, segmento social ou local a que se destina(m) o(s) objeto(s) de editais licitatórios ou, em caráter geral quando de campanhas de interesse público, nos termos do parágrafo 1º do art 37 da Constituição Federal. Art. 4º - A critério da Administração, poderá ser exigido que a tiragem a que se refere o artigo anterior seja atestada por instituto de pesquisa de notória reputação.
Art. 5º - Os jornais alternativos interessados em veicular publicidade oficial de âmbito federal, estadual ou municipal deverão credenciar-se junto aos órgãos designados para tal, que manterão um cadastro específico. Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. JUSTIFICAÇÃO Preocupado primeiro em fazer a publicidade oficial ser de mais fácil acesso à população, em geral pouco acostumada a ler os Diários Oficiais, e também atento ao importante serviço prestado pelos jornais intitulados “alternativos, de bairro, ou regionais”, identifiquei a necessidade de sugerir um procedimento administrativo especial, para ser observado quando da veiculação da propaganda oficial nos termos do parágrafo 1º do art. 37 da Constituição Federal. Este projeto atende a esta demanda, ampliando a transparência, princípio básico na Administração Pública. Além do mais, fortalecer os veículos alternativos e/ ou jornais de menor porte é, acima de tudo, defender a liberdade de opinião e pensamento, além de pugnar pelo fortalecimento da democracia. Diante da relevância social do projeto de lei aqui apresentado, conta-se, desde já, com o pleno apoio dos Senhores Parlamentares para sua aprovação. Sala das Sessões, em 31 de março de 2009. Deputado OTAVIO LEITE - PSDB/RJ.”
DEPOIMENTO MARCOS STEFANO
Recém-empossado na Representação São Paulo da ABI e com a responsabilidade de representar a entidade no principal centro econômico e jornalístico do País, Rodolfo Konder fala sobre suas experiências de vida e como se tornou um defensor da democracia. POR MARCOS STEFANO
E
m 1975, o jornalista e escritor Rodolfo Konder esteve preso no Doi-Codi, em São Paulo, e conheceu de perto os porões da repressão. Lá, foi uma das últimas pessoas a ver seu colega Vladimir Herzog com vida, enfrentou ameaças e violentos interrogatórios. Por ser militante do PCB e ter a ousadia de denunciar tantos abusos e injustiças, por duas vezes naquele período foi obrigado a se exilar no exterior, para salvar a própria vida e a daqueles que com ele conviviam. Tudo isso foi decisivo para moldar seu caráter e personalidade, transformando-o em um batalhador da liberdade de imprensa e da democracia no Brasil. – A liberdade de consciência é essencial. Há uma farsa enorme na ação daqueles que a cerceiam com o argumento de que estão montando regimes para resolver todos os tipos de problemas. Lutar por essa liberdade é essencial. – diz ele.
Dono de um dos mais densos currículos entre os jornalistas brasileiros, com passagens por veículos importantes como as revistas Realidade e Visão e emissoras de televisão como Cultura e Bandeirantes e rádios aqui e no exterior, Konder é pioneiro entre os profissionais multimídia. Uma bagagem que somou à paixão pela cultura, pela educação e pela literatura - ele já escreveu 20 livros e costuma dizer que a literatura é sua psicanalista -, em mais de 40 anos de carreira. Agora, aos 71 anos, Rodolfo Konder assume um novo desafio: comandar a Representação São Paulo da ABI. Entre uma e outra reunião nesse início de trabalho, ele recebeu o Jornal da ABI no escritório da entidade na capital paulista para uma conversa sobre carreira, ideais, os bastidores de sua prisão em 1975, a morte de Vlado Herzog e uma franca análise sobre como vai o jornalismo no Brasil. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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DEPOIMENTO RODOLFO KONDER
JORNAL DA ABI – O SENHOR JÁ ATUOU EM
O SENHOR ERA UM DOS DIRETORES DO SINDI-
DIVERSAS ÁREAS E MOVIMENTOS E POSSUI UM
CATO DOS PETROLEIROS DO ESTADO DA GUA-
NOTÁVEL CURRÍCULO POLÍTICO.
NABARA. SUA VOLTA DO EXÍLIO O FEZ MUDAR
MAS COMO
TEM SIDO ESSES PRIMEIROS DIAS À FRENTE DA
DE CIDADE E DE ATIVIDADE PROFISSIONAL?
REPRESENTAÇÃO SÃO PAULO DA ABI? Rodolfo Konder – Minha relação com a ABI já vem de algum tempo. Faço parte do Conselho Deliberativo e o fato de ter sido eleito por unanimidade pelo pessoal do Conselho foi para mim motivo de alegria. Por outro lado, sou filho da atual crise econômica. Eu tinha dois empregos e agora, no começo do ano, perdi os dois. Há mais de sete anos comandava um programa diário na Rádio Cultura, mas ele foi suspenso para cortar gastos. Estava há oito anos na Direção de Cultura da FMU, mas suspenderam os projetos. Tudo isso abriu caminho para que eu pudesse assumir o trabalho da ABI em São Paulo. Aqui no escritório da Representação as pessoas poderão manter contato diário conosco. Para começar esse trabalho, montei uma equipe com quatro jornalistas: Lutero Mainardi, Fausto Camunha, Reginaldo Dutra e James Akel. Eles funcionarão como uma espécie de Conselho Consultivo.
Rodolfo Konder – Embora muito jovem, eu era um destacado dirigente sindical e fazia parte da Fração Nacional dos Petroleiros. Na época, eu e outros colegas fomos recebidos em Brasília pelo Presidente João Goulart para discutir a co-gestão na Petrobrás, que era um projeto nosso. Quando veio o golpe militar, eu fui cassado e passei a ser caçado pelo Governo. Ainda em abril, concluí que não poderia mais me esconder, pois estava colocando em risco as pessoas que me abrigavam. Fui para o Consulado do México, na Praia do Flamengo, e de lá para a embaixada, na Praia de Botafogo, onde fiquei por quase dois meses até conseguir o salvo-conduto e ir para o México. No tempo em que estive por lá, mantive contato com o ex-Presidente Lázaro Cárdenas, uma figura ilustre na História mexicana e amigo de meu pai. Fui muito bem recebido, mas percebi que precisava ficar mais próximo do Brasil. Procurei a Embaixada do Uruguai para tentar a transferência do asilo
Jornalista intimamente lugado à cultura, Rodolfo Konder teve contato com grandes nomes do teatro e da literatura do Brasil. Na seqüência de fotos, da esquerda para a direita, Konder aparece ao lado do poeta Ferreira Gullar e das atrizes Lucélia Santos, NatháliaTimberg e Tônia Carrero e da escritora Lygia Fagundes Telles.
político. Como o embaixador era um ex-bancário e eu tinha alguns amigos entre os líderes bancários que também estavam exilados, eles me incluíram na lista e fomos transferidos. Saímos do México, viemos pela Costa do Pacifico porque não podíamos sobrevoar o território brasileiro, fomos até o Chile, Argentina e, por fim, Uruguai, onde estive um tempo com o João Goulart, o Leonel Brizola e diversos políticos brasileiros. Depois de um tempo ali e mais algumas reuniões, concluí que era tempo de voltar. O pessoal estava sem direção, o Brizola queria promover um levante no Rio Grande do Sul contra o Governo, mas as possibilidades de êxito eram pequenas. Em algumas conversas, descobri que havia um aparelho na fronteira que ainda estava em fase experimental e resolvi arriscar. Lembrome ainda da senha quando cheguei a Porto Alegre: “Vou negociar os couros de Santa Maria”. Eram fins de 1965, estava voltando e precisava começar de novo, por isso escolhi o jornalismo.
JORNAL DA ABI – COMO SE DEU SUA FORMAÇÃO POLÍ-
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JORNAL DA ABI – COMO FOI SEU INÍCIO NO JORNALISMO?
PARTIDÃO? Rodolfo Konder – Eu me formei politicamente no útero da minha mãe. Meu pai, Valério, foi um dirigente comunista, dirigente inclusive internacional, membro do Conselho Mundial da Paz, amigo do Pablo Neruda, do Sartre. Sua personalidade muito forte influenciou toda a família e eu e meu irmão Leandro nos tornamos comunas desde pequeninos. Entrei no PCB quando fui aprovado no concurso da Petrobras, em fins dos anos 50 e começo dos anos 60.
Rodolfo Konder – Já de volta ao Rio, tornei-me jornalista. Uma das minhas raras habilidades era ler e escrever. Naquela época o jornalista sabia ler e escrever muito bem, hoje nem tanto. Como também sabia inglês, recebi um convite do Luiz Mário Gazzaneo e fui trabalhar como redator na Agência Reuters. Em seguida, fui para o jornal O Paiz. Assim comecei minha vida profissional. Dava para me manter tranqüilamente. Até o AI5, quando novamente me senti ameaçado e aceitei o convite do Milton Coelho da Graça para trabalhar em São Paulo na revista Reali-
JORNAL DA ABI – NA ÉPO-
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
JORNAL DA ABI – MAS NÃO FICOU APENAS NO JORNALISMO IMPRESSO, CERTO?
Rodolfo Konder – Cursei Direito na faculdade, mas não terminei. Como sabia ler e falar inglês muito bem, trabalhei muito com tradução de livros, além de já ter escrito 20 obras, feito prefácios e participado de diversas antologias. Trabalhei na televisão, apresentando jornais na Cultura e na Bandeirantes. Também em rádio, dois anos no Canadá, durante meu segundo exílio, e, já de volta, na Gazeta. A televisão te dá uma projeção muito maior. Quando apresentava o Jornal da Cultura, as pessoas me reconheciam e paravam na rua. Fazer rádio é uma experiência igualmente interessante, tanto que nessa última vez fiz um programa na Rádio Cultura sobre a magia da crônica. Mas minha grande paixão e maior ligação é o jornalismo impresso. Em minha carreira, trabalhei em diferentes revistas e jornais. JORNAL DA ABI – COMO FOI ESSA EXPEREALIDADE, PARA MUITOS UM MARCO NO JORNALISMO BRASILEIRO? Rodolfo Konder – Foi uma experiência muito boa pra mim, porque eu vim trabalhar com profissionais experientes e já consagrados como o Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Luiz Lobo, José Hamilton Ribeiro. Isso me ajudou a me desenvolver como redator e também como repórter. A revista trabalhava com grandes reportagens e textos bem produzidos. Trazia um enfoque nascido no jornalismo norte-americano, misturando reportagem e literatura, o chamado new journalism. Acredito que, no Brasil, tenha sido o melhor expoente desse gênero. Além de aprender a apurar bem, com profundidade e de forma humanizada, você desenvolvia seu estilo na escrita, sua linguagem. Depois de algumas mudanças na direção da Realidade, resolvi aceitar um convite para trabalhar na Visão, inclusive com salário maior. Era um grupo RIÊNCIA DE EDITAR A REVISTA
TICA E COMO ENTROU PARA O
CA DO GOLPE MILITAR DE 1964,
dade, ao lado de profissionais como ele próprio e o Maurício Azêdo, atual Presidente da ABI.
O pai de Rodolfo (e Leandro), o médico Valério Konder (à direita), privou da confiança de Fidel Castro, com quem aparece nesta foto de 1965.
FOTOS: ACERVO PESSOAL
menor, mas muito qualificado. O Vladimir Herzog era um dos editores e nos tornamos amigos. Trabalhei anos na Visão, até 1975, quando fomos todos presos. Mesmo dividida, a ditadura já havia acabado com as organizações mais radicais, que partiram para a luta armada, e veio para cima do Partidão. JORNAL DA ABI – SUA LIGAÇÃO COM A
tes, que têm mais caráter, mais respeito, mais ética e outros que jogam para a platéia. Apesar disso, não podemos dispensar a imprensa, pois se ela é um reflexo da sociedade também ajuda com suas denúncias e trabalho a moldar essa sociedade. Sem o espelho da imprensa, a sociedade não se encontra, não se identifica e a democracia não existe. Imprensa livre e democracia são fundamentais.
CULTURA E A EDUCAÇÃO É MUITO INTENSA.
O SENHOR FOI SECRETÁRIO DE CULTURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (1993-2000), DIRETOR DO MASP, DIRETOR CULTURAL DA UNIFMU, ALÉM DE PROFESSOR DA FAAP E DIRETOR DA FIAM. INVESTIR NESSAS ÁREAS É O CAMINHO PARA MUDAR O BRASIL? Rodolfo Konder – Creio que é o principal caminho. Em meu último livro, Educar é Libertar, defendo essa visão. Educação vista num conceito mais amplo, com informação e cultura. Tanto que, como jornalista, construí essa ligação com a área educacional. Fui Secretário Municipal de Cultura em São Paulo, de 1993 a 2000, Diretor do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, Diretor Cultural da UniFMU, professor da Faculdade Armando Álvares Penteado–Faap e Diretor da FIAM. Ainda sou membro do Conselho Municipal de Educação, conselheiro honorário da Academia Paulista de Educação e da União Brasileira dos Escritores.
JORNAL DA ABI – MAS NÃO ESTÁ HAVENDO DEPENDÊNCIA DEMASIADA DE RELEASES E DE ALGUMAS POUCAS REPORTAGENS ESPECIAIS NESSAS EDITORIAS?
Rodolfo Konder – Em alguns grandes veículos, sim, mas não podemos apenas criticar esses veículos. O que nós somos, aquilo que o brasileiro é, é fruto de um processo educacional que ainda é muito falho, muito deficiente e precisa ser reestruturado. Um dos problemas mais graves do Brasil é que com uma educação deficiente você forma pessoal com pouca consciência do que se passa em sua volta, com
qualificações limitadas. É mais fácil para aqueles que ambicionam o poder pelo poder implantar um regime autoritário centralizador. Mas já com uma imprensa livre isso não é possível. JORNAL DA ABI – E ESSA EXPERIÊNCIA DE REDAÇÃO INTEIRA DE MULHERES NA REVISTA NOVA? N A ÉPOCA, O SENHOR DISSE QUE SE SENTIA O “ BENDITO FRUTO” ENTRE AS JORNALISTAS. Rodolfo Konder – Foi no finalzinho de 1978, quando voltei de quase três anos em que passei pelo Peru, estive em Montreal, no Canadá, e nos Estados Unidos, em Nova York, em meu segundo exílio. Mas eu não entrei como chefe, entrei como redator, até porque a minha vantagem é que eu sempre soube escrever. Na Redação, o único homem era eu. Mais tarde entrou também o Lutero Mainardi. Redatoras, repórteres, pessoal do arquivo e da diagramação. Mas elas me acolheram muito simpaticamente, não houve nenhum problema, nenhum preconceito. Para mim era uma novidaDIRIGIR UMA
JORNAL DA ABI – ALIÁS, COMO O SENHOR AVALIA A COBERTURA QUE A IMPRENSA FAZ HOJE DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA?
Rodolfo Konder – O escritor Mark Twain fazia uma brincadeira dizendo que a grande função social da imprensa é separar o joio do trigo e publicar o joio. Vejo a imprensa como o retrato do País, mas com uma função indispensável. O País precisa se reconhecer e para se reconhecer precisa ver seu rosto refletido no espelho da imprensa. A imprensa tem qualidades e defeitos, como o País. O rosto do País apresenta traços mais simpáticos e menos simpáticos como a imprensa. A nossa cultura envolve gente boa e gente ruim, falta de ética e envolve caráter. Na imprensa você encontra tudo isso. Você tem órgãos da imprensa que são mais decen-
de, mas eu escrevia sobre tensão prémenstrual, caroços nos seios, como chegar ao orgasmo dez vezes na noite sem fazer força... Como versão brasileira da Cosmopolitan, deveríamos seguir a receita. Quando houve mudança na chefia da Redação, a Fátima Ali, Diretora da revista, resolveu consultar a equipe para saber quem deveria ocupar o cargo de Diretor de Redação. As próprias mulheres me elegeram para o cargo. Trabalhei na Nova quatro ou cinco anos. Depois, voltei às atividades políticas e fui fazer a campanha do Franco Montoro para Governador. A frase do “bendito fruto” foi uma brincadeira. Trabalhar numa Redação com vinte e tantas mulheres, muitas delas jovens e bonitas, era um privilégio (risos). Mas sempre tivemos muito respeito e admiração profissional. JORNAL DA ABI – NÃO FOI DIFÍCIL SE ACOSTUMAR COM CERTAS PAUTAS QUE VERSAVAM SOBRE O COMPORTAMENTO FEMININO?
Rodolfo Konder – Não. Em qualquer lugar onde você esteja, é possível exercer alguma influência se souber como fazer sugestões, colocar certos assuntos em discussão. Eu tinha atividades políticas fora da revista. Precisava do salário, mas também gostava do trabalho. Como o tempo consegui encaixar pautas que politizavam um pouco a publicação. Combatemos a alienação e, por sugestão minha, a Fátima chamou o Alberto Dines para escrever uma coluna fixa. O Dines tratava de questões sociais e políticas. Depois, veio o Aloísio Biondi, com uma coluna permanente sobre economia. Aos poucos, fomos abrindo espaço para questionamentos e discussões mais profundas. JORNAL DA ABI – O SENHOR PODE SER CONSIDERADO UM DOS PIONEIROS DO JORNALISMO MULTIMÍDIA, TENDO TRABALHADO EM RÁDIO E TAMBÉM TELEVISÃO.
MAS AGO-
RA DIZ QUE NÃO TEM FAMILIARIDADE NENHUMA COM O COMPUTADOR.
Outro momento da convivência de Rodolfo com artistas e intelectuais: aqui ele mantém um diálogo carinhoso com Jorge Amado, nesta foto de 1994. Ao lado dos dois, o então Ministro da Cultura do Governo Francês, Jack Lang.
COMO ASSIM? Rodolfo Konder – Ainda estou aprendendo. Outro dia o Carlos, o rapaz que trabalha aqui na Representação, ensinou-me a ligar o computador. Mas eu já esqueci. Costumo escrever à mão, Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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DEPOIMENTO RODOLFO KONDER
guardo tudo em pastas e algumas pessoas me auxiliam a digitar. Não sou contra o computador, mas preciso me acostumar com o métier. Mesmo assim, tenho até site oficial na internet, contribuição dos amigos e companheiros. JORNAL DA ABI – COMO FORAM AS EXPERIÊNCIAS DE TRABALHAR NO RÁDIO E NA TV? Rodolfo Konder – No rádio você tem um publico que reage muito mais prontamente, informação imediata. Na televisão você tem uma visibilidade maior. Aprendi como lidar diariamente, cotidianamente. Quando entrei na TV Cultura, introduzimos no telejornal a prática de o apresentador fazer comentários sobre a notícia, o que aprofundava o conteúdo. JORNAL DA ABI – É POSSÍVEL REALMENTE FAZER TELEVISÃO PÚBLICA E DE QUALIDA-
BRASIL, NOS MESMOS MOLDES DE BBC, COMO QUER O GOVERNO? Rodolfo Konder – É possível, mas não é fácil. No Brasil nós temos uma cultura marcada pela centralização e pelo autoritarismo e é preciso superar isso para fazer televisão independente e de qualidade. Além do limitado grau de autonomia, também há o perigo do uso da televisão para interesses particulares dos grupos que estão no poder. Apenas regulamentar não é suficiente para acabar com isso. Além de leis, a mudança deve ser cultural. DE NO
políticos. Publiquei artigos na Argentina, no Clarín, em Portugal e nos Estados Unidos. JORNAL DA ABI – A CRÔNICA É SUA
Nesta seqüência de fotos, Rodolfo Konder aparece ao lado de diversos políticos de destaque no cenário nacional e do empresário Antônio Ermírio de Moraes (ao centro). Á esquerda, com Marco Maciel; acima, Paulo Renato, ex-Ministro da Educação. Na outra página, conversa com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-Senador Teotônio Vilela.
GRANDE PAIXÃO?
Rodolfo Konder – Tenho vários livros de crônicas, é mesmo um caso de paixão. Recentemente publiquei o livro As Areias de Ontem. Ele teve uma recepção muito positiva e favorável, principalmente entre os Conselheiros da ABI, no Rio. Já pela capa que carrega uma fotografia da praia de Ipanema, onde eu morei meus primeiros 30 anos e vi Ipanema nascer. Um dos conselheiros até me disse: “Esse livro tinha que ser transformado em livro didático, porque conta muitas histórias de bairros do Rio.” Gosto muito de crônicas, não apenas de escrever, mas de ler. O Brasil sempre teve tradição no gênero e ótimos cronistas.
UMA
JORNAL DA ABI – EM 1975, O SENHOR DOI-CODI QUANDO VLADIMIR HERZOG FOI ASSASSINADO NAQUELE LOCAL. SEU DEPOIMENTO, ALIÁS, FOI DECISIVO PARA DESMASCARAR A FARSA DO SUIESTAVA PRESO NO
CÍDIO. POR ISSO O SENHOR TEVE QUE DEIXAR
PAÍS? Rodolfo Konder – Quando saí da prisão, do Doi-Codi, fui para o Dops. Fiquei lá alguns dias e fui solto. No escritório do meu advogado, fiz o depoimento, que ficou guardado num cofre, sobre tudo o que eu tinha visto lá dentro do Doi-Codi. Quando morreu o Manuel Fiel Filho, em meio à disputa do poder, o Presidente Ernesto Geisel substituiu o Comandante do Exército II Ednardo Dávila Melo e fez avançar o processo de abertura. Instado por amigos como Clarice Herzog e Fernando Jordão e por meu advogado, achei que era hora de publicar o depoimento. Saiu em todos os jornais. Mas a partir daí comecei a ser ameaçado pelo braço armado da repressão e tive de fugir pela fronteira em Foz do Iguaçu. Meu segundo exílio, de dois anos.
NOVAMENTE O
JORNAL DA ABI – POUCOS JORNALISTAS FORAM TÃO FECUNDOS E ATUARAM DE MANEIRA TÃO DIVERSIFICADA EM TANTOS VEÍCULOS DIFERENTES, DE DIFERENTES PAÍSES.
COMO SURGIU A
OPORTUNIDADE PARA ESCREVER PARA TANTOS E TÃO VARIADOS JORNAIS, ENTRE ELES ALGUNS DO EXTERIOR?
Rodolfo Konder – Essas oportunidades surgiram em função de contatos 38
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
Rodolfo com Tancredo Neves, que não sonhava então em se eleger Presidente da República. Político hábil, mestre da escola de competentes homens públicos que é Minas, Tancredo tratou-o com carinho e até alguma intimidade.
JORNAL DA ABI – PODE CONTAR O QUE HOUVE COM
HERZOG? Rodolfo Konder – O que conto nesse depoimento é apenas o que vi lá dentro. Ficávamos todos em uma sala de espera com macacão do Exército, sem cinto e encapuzados. Mas, levantando um pouco o capuz, era possível ver e até identificar as pessoas sentadas por perto. Eu e o George Duque Estrada, que estávamos lado a lado, vimos quando chegou por ali o Vladimir Herzog. Em seguida, Herzog foi levado para o interrogatório. Essa sala de espera era no térreo. Eu tinha sido interrogado no dia anterior no andar de cima, mas ele foi interrogado numa sala ao lado,
no próprio térreo. Sei disso porque um dos carcereiros, cujo apelido era Marechal, veio nos pegar e nos levou à sala onde ele estava sendo interrogado. O Sargento Pedro Grazieri, com sua âncora tatuada no antebraço esquerdo, era quem o interrogava. O homem era um torturador e já o havia torturado na véspera. Ele disse: “O Vlado aí está negando tudo. Vai entrar no cacete. É melhor vocês o convencerem a abrir logo o jogo.” Eu e Duque Estrada lhe dissemos: “Olha, Vlado, eles já estão sabendo da existência da nossa base, então não adianta mais negar. Mas ele respondeu: “Não sei do que vocês estão falando.” Fomos retirados da sala. Pouco tempo depois, começamos a ouvir os gritos dele. Veio até um policial aumentar o som do rádio no corredor, mas nem isso conseguiu abafar os gritos, que eram de quem primeiro estava apanhando e depois levando choques elétricos. Eram gritos diferentes. Quando tudo parou, fui levado novamente à sala. Ele já estava assinando a confissão. Nós, comunistas, éramos obrigados a assinar de próprio punho uma confissão. Mas era tudo ditado. A dele dizia: “Fui aliciado para o Partido Comunista pelo Rodolfo Konder.” Nenhum de nós usaria esses termos. Eu percebi que o Vlado estava em dúvida sobre o nome de um de nossos companheiros, o Argileu, que não tinha aparecido ainda. Mas Vlado não sabia disso. Tergiversei e disse: “Hum, Vlado, acho que você está confundindo com fulano.” Ele percebeu e concordou. Nesse momento, tiraramme da sala novamente. Ele estava assinando a confissão. Acredito que ele tenha tido uma crise de consciência e rasgado o papel. Aí, o pessoal bateu nele outra vez, mas agora sem técnica, com raiva. Nisso, ele caiu com a base da cabeça sobre o parapeito da janela e morreu. Para que pudessem retirar o corpo, fomos todos levados para o andar de cima com a desculpa de reconhecer alguns retratos. Eram pessoas que ninguém conhecia, apenas para nos ocupar no outro piso. No dia seguinte, o comandante do Doi-Codi nos chamou para dizer que o Vladimir Herzog era
FOTOS: ACERVO PESSOAL
agente da KGB, o que já provocou uma indignação geral, pois o homem era iugoslavo e detestava a União Soviética. Imagina se seria agente da polícia secreta soviética? Depois, completou falando que tinha se suicidado. JORNAL DA ABI – SEU DEPOIMENTO FOI FUNDAMENTAL PARA ESCLARECER A MORTE DE
HERZOG E DESMASCARAR ESSA VERSÃO
MENTIROSA...
Rodolfo Konder – Foi. Inclusive no processo que condenou a União como responsável pela morte dele, Clarice Herzog apresentou meu depoimento como uma das peças principais para esclarecer o que de fato ocorreu naqueles dias.
todo lugar onde existe ditadura, sou contra. Passei a trabalhar na área de defesa dos direitos humanos e deixei de vez o Partidão. Já era dissidente, de uma corrente italiana, o socialismo de face humana, do Dubcek e do Gramsci, mais democrático. Passei a militar na Anistia Internacional. No exílio, fiz amizade com o Andrew Klein, que era um de seus dirigentes, e ajudei a organizar a entidade aqui no Brasil e cheguei a presidi-la. A minha luta passou a ser em defesa da liberdade, da democracia e dos direitos humanos. JORNAL DA ABI – ATÉ QUE PONTO ESSA SUA EXPERIÊNCIA PESSOAL COM A DITADURA ACABOU INFLUENCIANDO NA TRANSIÇÃO?
JORNAL DA ABI – SEU IRMÃO, O FILÓSOFO LEANDRO KONDER, DISSE QUE AMBOS MILITARAM JUNTOS, MAS DEPOIS SEGUIRAM CAMINHOS OPOSTOS. COMO FOI ESSA SEPARAÇÃO? O SENHOR INCLUSIVE SE REFERE AOS ANOS 1980 COMO UMA ÉPOCA DE REVOLUÇÃO PESSOAL EM SUA VIDA... Rodolfo Konder – Continua existindo um carinho imenso entre nós dois. Mas ele continuou ligado à militância de esquerda e ao marxismo. Já eu, com o fim da Guerra Fria, a revelação de tudo o que acontecia no mundo socialista, das arbitrariedades cometidas na Cortina de Ferro, principalmente na União Soviética, perdi qualquer ilusão. Cheguei à conclusão de que precisamos nos proteger, antes de mais nada, de nós mesmos. O ser humano ainda é uma criatura precária e quando tem poder demais na mão abusa, não quer largar. Em todos os países onde a chamada ditadura do proletariado foi implantada o quadro não evoluiu nem para o socialismo, nem para o comunismo, que é a ausência de Estado. Ficou na ditadura: Coréia do Norte, Cuba, China. Na União Soviética a repressão brutal, só havendo alívio a partir da abertura promovida pelo Gorbatchov e com o degelo. Eu deixei de acreditar naquilo. Lamento, mas prefiro acreditar em Papai Noel. Também as divisões entre esquerda e direita ficaram muito tênues. A prática mostrou que as ditaduras de direita são tão nefastas e perigosas quanto as de esquerda. Em
Rodolfo Konder – Primeiro, creio que me deu a consciência de que a liberdade de consciência é essencial. Há uma farsa enorme na ação daqueles que a cerceiam com o argumento de que estão montando regimes para resolver todos os tipos de problemas. Depois, também me fez aprofundar nessa questão, o que me levou a perceber que lutar por essa liberdade é igualmente essencial. JORNAL DA ABI – O SENHOR JÁ MENCI20 LIVROS E CONTRIBUÍDO PARA VÁRIOS OUTROS. QUAL ONOU O FATO DE TER ESCRITO
A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA SUA VIDA, AINDA MAIS DIANTE DE UMA DE SUAS MAIS CONHECIDAS FRASES: “O MEU PSICANALISTA FOI A LITERATURA”?
Rodolfo Konder – Escrever me deu a oportunidade de ter o contato mais íntimo e profundo comigo mesmo e tratar várias das seqüelas que ficaram após as experiências que vivi. Também me ensinou a conviver com o mundo real, que nem sempre é agradável. Não fiz análise, mas meus livros falam muito dessas experiências, de modo direto ou indireto. Escrever e colocar tudo para fora foi como viver uma catarse, o que me ajudou a superar traumas e seqüelas que ficaram. JORNAL DA ABI – NOS ANOS 80, OUTRA REVOLUÇÃO ACONTECEU NA IMPRENSA BRASILEIRA COM A ADOÇÃO DE MANUAIS DE REDAÇÃO E DE UMA ESTRUTURA MAIS EMPRESARIAL NAS REDAÇÕES. É POSSÍVEL COM-
PARAR ESSA TRANSFORMAÇÃO COM AS MU-
JORNAL DA ABI – NO DIA 15 DE ABRIL,
50 E 60? Rodolfo Konder – Eu sou discípulo de Heráclito e de seu pensamento dialético: não adianta o homem se banhar nas águas do mesmo rio duas vezes, buscando os mesmos resultados. Na outra vez, nem a pessoa é a mesma, nem as águas do rio. Vivemos processos permanentes de transformação e o da imprensa é um deles. Foram momentos diferentes em que a imprensa buscou seu caminho dentro dos caminhos perseguidos pela sociedade, nas suas mudanças. A imprensa empresarial foi um avanço também. Não é possível viver apenas da boemia, de boas intenções. É preciso ter produtos para serem comprados e meios para continuar produzindo. Foi uma etapa, diria, necessária, apesar da transição muito contestada e nem sempre agradável.
O SUPREMO DECIDIU ABOLIR POR INTEIRO A
DANÇAS DAS DÉCADAS DE
JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR ANALISA HOJE O JORNALISMO NO BRASIL? QUAIS SÃO SUAS EXPECTATIVAS PARA O FUTURO?
Rodolfo Konder – Vejo com simpatia. Mas, como já disse, o jornalismo é muito o espelho no qual a sociedade se vê refletida. Ele tem os mesmos defeitos e virtudes dessa sociedade. Se não fosse assim, seria estranho, pois não estaria integrado nessa sociedade. Esse jornalismo é necessário e indispensável, pois a sociedade continua em construção, em maturação; sem ele, seus defeitos e virtudes, nunca completará esse processo.
DA
JORNAL DA ABI – QUAL A IMPORTÂNCIA ABI PARA SÃO PAULO, HOJE O PRINCI-
PAL PÓLO ECONÔMICO E ATÉ JORNALÍSTICO
PAÍS ATUALMENTE? Rodolfo Konder – A ABI tem uma função primordial nesse processo, ao defender o livre exercício do jornalismo. Esse foi o mote nas comemorações dos 100 anos da entidade. Por isso, dei a sugestão do slogan: “100 anos de luta pela liberdade”. Acho que esse é ponto nevrálgico da atuação da entidade: lutar pela liberdade de imprensa é proporcionar o desenvolvimento de todos os aspectos da sociedade, como a justiça, o crescimento, as oportunidades iguais, o desenvolvimento. DO
LEI DE IMPRENSA. MAS EXISTE UM DEBATE SOBRE A NECESSIDADE OU NÃO DE REGULAMENTAR ALGUNS PONTOS, COMO O DIREITO DE RESPOSTA.
COMO O SENHOR VÊ ESSA
QUESTÃO?
Rodolfo Konder – De fato, existem algumas nuances que necessitam ser debatidas mesmo. Mas nenhuma que justifique a continuidade de uma lei de imprensa dos tempos do autoritarismo. Esse tipo de lei é perigoso, pois traz sempre o impulso controlador de uma visão mais autoritária. Outro dia, em uma reunião do Conselho Municipal de Educação, participaram três professores representando a Controladoria-Geral da União. Eles estão fazendo um trabalho de unificação em diversas áreas, não só do vestibular, mas também de exames de professores, de projetos nos conselhos municipais. Fui muito claro com eles: não vejo com muita simpatia tantas unificações. Uma das características mais essenciais da democracia é a diversidade, não só a aceitação, mas a valorização dela. O Brasil é um país marcado pela diversidade. Como usar os mesmos padrões de avaliação em locais e comunidades tão díspares, como uma pequena cidade no interior do Pará e Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul? São Paulo e o interior de Pernambuco? Organizar é preciso, mas para dar chances iguais e não aumentar ainda mais os abismos. JORNAL DA ABI – QUAIS SÃO SEUS PLAREPRESENTAÇÃO SÃO PAULO DA ABI? Rodolfo Konder – Logo de início, pretendemos aumentar a divulgação do Jornal da ABI, que é uma publicação importante e que precisa ser melhor conhecida aqui, especialmente nas Redações. Estamos nos colocando à disposição para palestras e eventos. Nosso objetivo é divulgar o trabalho da ABI, oferecer a atuação da entidade em defesa da qualidade e da responsabilidade jornalística. Convocar todos os jornalistas para se tornarem combatentes pela liberdade de informação. NOS À FRENTE DA
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SAÚDE doença é a informação. A imprensa desempenha papel fundamental na disseminação desses dados. Ela ajuda a conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce e da adoção de hábitos saudáveis para a prevenção”, explica Cristina Ruas. A cobertura da imprensa, em geral, tem ajudado ou atrapalhado a missão do Inca? Por vezes, as reportagens veiculadas podem fazer mal à saúde dos brasileiros? O estudo Câncer na Mídia: Uma Questão de Saúde Pública, desenvolvido por Regina Castro, da Divisão de Comunicação do Instituto, aborda a questão. Na pesquisa foram entrevistados 13 jornalistas dos principais meios de comunicação do País, e analisadas 360 matérias, publicadas entre junho de 1997 e julho de 1998 e de junho de 2006 a julho de 2007. Houve uma evolução da cobertura da mídia em relação ao câncer. Um dos aspectos que pode demonstrar essa evolução, segundo o levantamento, é o tratamento dispensado ao tema fatores de risco”, avalia Cristina Ruas, que acrescenta: “Há dez anos, a maior parte das notícias sobre alimentos tinha cunho sensacionalista, ao contrário do que observamos hoje, quando o tema é tratado com mais equilíbrio. De fato, de acordo com a análise, a maioria das matérias publicadas entre 2006 e 2007, em comparação àquelas de dez anos atrás, tem enfoque mais científico. Ou seja, a imCristina Ruas e sua equipe de Comunicação do Inca: Rodrigo Feijó, Regina Castro, Daniella Daher, prensa hoje é mais informada Alexandre Almeida, Cláudia Lima e Daniela Range estão afinados em divulgar o trabalho do Instituto. e capacitada para tratar do tema”, festeja a chefe de Comunicação do Inca, que, no entanto, xo crescente de visitas de internautas, gestores. Nós buscamos informá-los faz reparos ao trabalho de alguns coevidenciado pelo aumento de 30% em sobre as bases técnicas do câncer em legas. “É claro que existem repórteres relação à média do ano anterior (493 todos os seus aspectos: prevenção, que, sobrecarregados nas Redações, mil acessos mensais). detecção, ensino, pesquisa e situação chegam para uma entrevista sem o me“Os nossos visitantes são o público epidemiológica. A verdade é que um nor embasamento e, por vezes, comeem geral, médicos, pesquisadores e dos principais eixos para o controle do tem erros... Mas, em geral, o nível é muito bom”. Diariamente a Divisão de Comunicação do Inca recebe ligações de jornalistas de todo o País para a realização de entrevistas, ou em busca de informações técnicas. Estimativas e índices de mortalidade são dados bastante procurados pelos repórteres para complementar as matérias. Além disso, quando alguma celebridade sofre com a doença, a imprensa procura detalhes sobre aquele tipo específico de câncer, para esclarecer a real situação do O Inca utiliza a internet com bastante eficiência: paciente famoso. sites, agência de notícias e boletins periódicos “Falando do nosso garantem a informação com precisão.
Informação, arma de combate ao câncer
Referência no tratamento da doença, o Instituto Nacional de Câncer, sediado no Rio, aposta na informação como remédio. Para isso, investe em site e até numa agência de notícias. Busca, assim, estreitar os laços com a imprensa, aliada preciosa para avanços nas políticas públicas de saúde.
Não faz muito tempo, alguns se recusavam a pronunciá-la em voz alta. Em sussurros, meio que ao pé do ouvido, a tratavam por ‘aquela doença’. Há uma ou duas décadas, seu diagnóstico era visto como uma quase sentença de morte. Com o avanço da ciência, hoje ela é altamente curável. E, por isso, e graças ao maior volume de informação disponível, seu nome já pode ser dito com menos temor. E com maior dose de esperança. Câncer. Nesta frente de batalha está o Instituto Nacional de Câncer-Inca, órgão do Ministério da Saúde responsável por desenvolver ações integradas para a prevenção e o tratamento da doença no Brasil. Mas a atuação da unidade, localizada no Rio de Janeiro, vai além das pesquisas, sessões de quimioterapia e fornecimento de medicamentos. Diariamente, 24 horas por dia, prescreve um outro remédio: a informação, disponível no site da instituição (www.inca. gov.br). “Esse ambiente na internet existe desde 1997. Nossa proposta é divulgar as informações sobre o câncer, nas áreas de prevenção, diagnósticos precoces e tabagismo, entre outras, para a população em geral. Nós questionamos sobre o que é notícia para a imprensa e a população. A partir dessa premissa, acreditamos que a notícia sobre o câncer é uma informação de interesse público, seja ela uma novidade em pesquisa, um medicamento mais eficaz, novos tratamentos ou formas de proteção... Além das políticas públicas”, explica a jornalista Cristina Ruas, chefe da Comunicação do Instituto. Ao site oficial veio se juntar, em 2005, a Agência de Notícias do Inca. As duas frentes de trabalho na informação on line somam, hoje, cinco profissionais de comunicação, duas pessoas da área de ensino e especialistas da Tecnologia de Informação do órgão – estes responsáveis pela manutenção e atualização da estrutura de internet. Um trabalho em equipe, cuja audiência é pra lá de expressiva. Em 2008, o portal do Inca registrou, em média, 641 mil acessos mensais. E apresenta flu40
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FOTOS: DIVULGAÇÃO
POR PAULO CHICO
portal, entre os assuntos mais consultados destacam-se HPV, câncer do colo do útero e de mama, além das informações gerais sobre a doença – os seus tipos, o que é, e como surge. Logo em seguida, as páginas mais acessadas foram Estimativas de Casos Novos de Câncer e Processo Seletivo 2009, voltado para cursos de pós-graduação e com as respectivas inscrições on line. O site de Tabagismo é outro segmento bastante visitado”, informa Cristina Ruas, que busca uma interação ainda maior entre o Inca e a população. Nessa tarefa, espera contar com o apoio da mídia. “As instituições de saúde deveriam realizar encontros periódicos entre jornalistas e seus especialistas. Na verdade, seria uma troca rica para amAna Lúcia: encontro bas as partes: para ajuda a desmitificar o especialista, que a imagem dos poderia conhecer jornalistas. melhor as necessidades e o cotidiano do jornalista, e também para o repórter, que teria a oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos em relação aos temas de saúde. No nosso caso, realizamos o projeto Café com Ciência, um encontro que reuniu pesquisadores do Inca com a jornalista Ana Lúcia Azevedo, editora da página de ciência de O Globo”, conta. “Achei muito interessante a proposta desse encontro, pois ajuda a desmitificar a imagem dos jornalistas junto aos pesquisadores”, elogia Ana Lúcia Azevedo, editora de O Globo, que há 20 anos atua no jornal, sempre na seção de ciências. “Essa é uma área, em geral, coberta por jornalistas especializados. Mas, por vezes, alguns colegas de outras editorias podem ser designados para uma pauta de saúde, o que pode, sim, gerar ruídos”, diz.
Diz Ana Lúcia que é perceptível a melhoria da qualidade da cobertura de questões de saúde pública na grande mídia. O que não quer dizer que o mérito seja todo dos repórteres. “Abrir esse diálogo, como fez o Inca, é importante neste sentido. Mas, na verdade, é preciso melhorar a qualidade dos cursos de Comunicação. O grau de informação dos novos repórteres é muito baixo. E cobrir uma doença como o câncer, complexa, repleta de detalhes e ainda cercada por preconceitos, requer certa bagagem”, observa. Outra iniciativa com o objetivo de chamar a atenção para o papel social da mídia na área da saúde foi a instituição do Prêmio Inca-Ary Frauzino de Jornalismo, que leva o nome de um dos exdiretores do Inca e é voltado para as categorias revista e jornal. O objetivo é incentivar jornalistas e veículos de comunicação a produzirem matérias sobre o câncer – e premiar os melhores trabalhos. Este ano, na segunda edição da seleção, foram recebidas 68 inscrições, marcadas pela expressiva qualidade da maioria das reportagens, em termos de informação e relevância. “Nós acreditamos que a informação pode salvar vidas. E que a imprensa é mesmo um dos mais importantes parceiros do Inca. Informações de qualidade contribuem para a adoção de hábitos saudáveis. A prevenção e o diagnóstico precoce são vitais. Veja só... Para a mulher, realizar periodicamente o exame de Papanicolau pode ser a diferença entre a vida e a morte. O câncer de colo do útero é, sim, perfeitamente curável e tratável quando diagnosticado no início. Ter essa informação é muito importante para a mãe, que pode levar a criança ao médico diante de um sintoma suspeito; para o pediatra, que precisa suspeitar do caso e encaminhá-la a um centro adequado, e para a imprensa, que divulga essas informações para o médico, a mãe e a população em geral”, diz Cristina Ruas.
Revista Época (acima) e Jornal do Comércio de Pernambuco (ao lado) são dois dos finalistas ao Prêmio Inca-Ary Frauzino de Jornalismo, cujo objetivo é incentivar jornalistas e veículos de comunicação a produzirem matérias sobre o câncer.
Uma parceria que gera avanços A Fundação Ary Frauzino para Pesquisa e Controle do Câncer, rebatizada de Fundação do Câncer, também mantém um site no qual divulga as suas ações de combate à doença. Principal parceira privada do Inca, a Fundação apresenta os resultados de suas diversas iniciativas em colaboração com o Inca, tais como a ampliação da Rede Brasileira de Bancos Públicos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário e as melhorias técnicas na emergência pediátrica, dois projetos fundamentais, ambos viabilizados no Inca graças à interação com a Fundação do Câncer e ao apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES e do Instituto Ronald McDonald. Lançada oficialmente em março, a campanha publicitária da nova marca da Fundação do Câncer (uma fita roxa, inspirada nas fitas de conscientização, como as usadas na luta contra a aids) recebeu o apoio da mídia. Jornais, revistas, sites e redes de televisão estão veiculando anúncios gratuitamente. Também recebeu incentivo de empresas de outdoors e busdoors. O objetivo da campanha é aumentar a visibilidade da Fundação junto à sociedade e, por conseqüência, o número de doações espontâneas, que podem ser feitas diretamente no site da instituição (funda caodocancer.org.br). Com esse fim desde 2008 é realizado um processo de estruturação do setor de comunicação e marketing da instituição, responsável pela produção de eventos especiais, coordenação dos boletins mensais, atualização do site e relacionamento com a imprensa.
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Livros FOTOS: DIVULGAÇÃO
Coordenador da produção do livro (capa abaixo), Camilo Cassol (acima) teve a preocupação de reunir imagens atuais e antigas do frevo (à esquerda) para mostrar sua evolução ao longo deste século em que o ritmo é a sensação do Carnaval pernambucano.
Olha o frevo aí, gente! Reunindo imagens e textos inéditos em 240 páginas, Frevo – 100 Anos de Folia conta a história do ritmo pernambucano, um dos mais alegres da nossa criação musical. POR J OSÉ REINALDO M ARQUES
“O frevo, palavra exótica, tudo que é de bom diz, exprime. É inigualável, sublime, termo raro, bom que dói... vale por um dicionário, traduz delírio, festança, tudo salta, tudo dança, tudo come, tudo rói...” Textos como este, publicado em 1913, no jornal A Província, mostram que o mais popular ritmo carnavalesco pernambucano não chega apenas aos ouvidos, mas também ao coração. Não se trata de linguagem retórica. Basta dar apenas uma folheada em Frevo – 100 Anos de Folia, lançado pela Editora Timbro, para ficar clara essa relação de passionalidade. Patrocinado pela Petrobras e pela Prefeitura do Recife, o livro é bilíngüe (português e inglês), tem capa dura e, em 240 páginas de textos e belíssimas imagens, destaca a trajetória do frevo de 1907 até 2007, ano do seu centenário. Apostando no visual, há reproduções de pinturas de Portinari, Vicente 42
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do Rego Monteiro, Heitor dos Prazeres, Lula Cardoso Ayres, Augusto Rodrigues e J. Borges, entre outros. E textos de grandes escritores, sociólogos e compositores, como Clarice Lispector, Mário de Andrade, Antônio Maria, José Lins do Rego, Gilberto Freire e Caetano Veloso, além do relato de especialistas no tema, como Valdemar de Oliveira, Leonardo Dantas Silva e Rita de Cássia Barbosa de Araújo. Uma verdadeira coletânea estruturada a partir dos ensaios fotográficos do Carnaval do Recife, nas décadas de 1950 e 60, para a revista O Cruzeiro, por Pierre Verger e Marcel Gautherot. Apesar desse ponto de partida, Frevo – 100 Anos de Folia vai muito mais longe. Apenas o levantamento de dados para compor a obra durou cerca de um ano e meio e foi realizado por jornalistas e historiadores, em acervos públicos e particulares de todo o País. Foi dessa forma que encontraram uma imagem de Carmem Miranda usando turbante de sombrinhas no filme hollywoodiano Ro-
mance Carioca, no qual ela dança uma coreografia inspirada no frevo, ao som de uma música que fala sobre Evoé, o hino do carnaval de Pernambuco. Também é possível encontrar em suas páginas outras preciosidades, como a reprodução do manuscrito original da letra de Frevo de Orfeu, parceria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes para o filme Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus.
Teu cabelo não nega Apesar da maior atenção para Pernambuco, o livro não se restringe ao Estado. Na capital baiana, por exemplo, foram encontrados detalhes da influência do frevo na criação dos trios-elétricos, que remetem a um histórico desfile do bloco dos Vassourinhas, em 1951: – Esta imagem de Salvador está reproduzida na obra. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma minuciosa pesquisa, com destaque para a parte iconográfica. Encontramos material raro também em São Paulo e no Rio de Janeiro – conta Luiz Augusto Falcão, um dos autores da obra. O Rio é lembrado na narração da polêmica em torno da marchinha Teu Cabelo Não Nega, que seria uma adaptação de Lamartine Babo do frevo Mulata, dos irmãos pernambucanos Raul e João Valença. A música foi gravada pela RCA Victor, que deu crédito apenas a Lamartine como compositor. O reconhecimento da co-autoria dos irmãos Valença só ocorreu depois de processo judicial. No livro aparecem reproduzidos pela primeira vez os selos dos discos da RCA antes e depois da polêmica, em 1932. O material foi encontrado no acervo do jornalista e pesquisador José Ramos Tinhorão, que atualmente pertence ao Instituto Moreira Salles (Leia depoimento de Tinhorão na página 16). Do passado ao presente Ao longo da obra são apresentados textos, fotos e obras de arte, com o fim de propiciar ao leitor um passeio pela história da festa ao longo de cem anos: – No capítulo final, relacionamos as imagens antigas com as atuais, refor-
Henfil, Betinho e Chico Mário nas recordações da irmã Wanda As memórias da família Souza, com emocionados perfis dos três, foram levantadas pela jornalista e escritora Wanda Figueiredo em sete anos de pesquisas, consulta a documentação do século XIX e dezenas de entrevistas.
Atração das crianças e alegria de gente de todas as idades, o frevo tem componentes indispensáveis: as sombrinhas e os instrumentos de sopro.
outras pessoas é o que mais dá prazer no trabalho do fotojornalista. Para Camilo Cassoli, por se tratar de uma coletânea inédita de imagens e textos, Frevo – 100 Anos de Folia é um documento permanente, uma referência para os estudiosos e o público em geral. Além de mostrar os vários festejos promovidos pela Prefeitura do Recife, para celebrar o centenário do frevo, a obra fala de sua renovação e de sua influência na música brasileira. Nesse aspecto, é destacada uma nova geração de músicos que introduziram no ritmo inovações, fusões, batidas contemporâneas, efeitos de música eletrônica e remixagem nas gravações: – A presença de dezenas de orquestras todos os anos nas ruas da cidade e o surgimento constante de novos grupos, como a Spok Frevo Orquestra e a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, além, é claro, dos milhões de foliões que brincam o Carnaval ao som de sua música – diz Cassoli –, são provas incontestes da permanência e do sucesso do frevo ao longo destes cem anos.
Souza e Maria da Conceição Figueiredo Souza. Além da crônica familiar, traz as mais requisitadas receitas culinárias da matriarca Dona Maria – como a broa espanhola e o biscoito de farinha. No viés político, recorda as cartas que Henfil enviara à família durante os dois anos em que permaneceu em Nova York. Na seção Visões de Minas, traz uma série de depoimentos de personalidades mineiras, com destaque para o Padre Francisco Lage Pessoa, ex-pároco da Igreja da Floresta, em Belo Horizonte, que foi preso, torturado e condenado à prisão pela ditadura militar. Outras personalidade do cenário mineiro que conquistaram projeção nacional também estão presentes na obra, como o ex-Presidente Itamar Franco, o escritor Roberto Drummond e o compositor Fernando Brant. Balaio Mineiro foi lançado em Belo Horizonte em 22 de dezembro de 2008, com direito a uma apresentação musical de integrantes da família, que, diz Wanda, carregam uma tradição musical forte. “Nós sempre gostamos muito de música. Eu lembro que o Henfil dizia que queria ser um Beatle. O Betinho compôs algumas canções, inclusive um chorinho. E o Chico Mário seguiu mesmo a carreira de músico”, recorda. A edição do livro foi viabilizada pelo patrocínio da Companhia de Saneamento de Minas Gerais-Copasa, através da Lei Rouanet.
O clã dos Souza: Henrique e Maria, com seus três filhos e cinco filhas.
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çando a presença constante do frevo no Carnaval recifense, com as características que permaneceram ao longo de décadas e as diferenças que surgiram com o tempo, como o aumento da presença das mulheres na folia. – conta Camilo Cassoli, coordenador editorial do projeto. Convidado pelos organizadores do livro para contribuir com imagens do atual Carnaval pernambucano, o repórter-fotográfico Léo Caldas fez ampla cobertura da festa em fevereiro de 2007, especialmente no dia 9, quando se comemorou o centenário do frevo: – Escolhi como ponto principal para fotografar o Pátio de São Pedro, local de apresentação e encontro de grandes blocos. Foi na Igreja de São Pedro dos Clérigos, ali, que integrantes do Ministério da Cultura, entre eles o Ministro Gilberto Gil, declararam o frevo patrimônio imaterial da cultura brasileira. Participar dessa empreitada e contar um pouco do que é esse ritmo, por meio de imagens, foi muito gratificante. Saber que o seu trabalho será utilizado como fonte de informação para
O resgate de parte da história da família Souza com os três irmãos que participaram da linha de frente da batalha pela volta da democracia ao Brasil. Essa bem poderia ser a sinopse do livro Balaio Mineiro - Memória de Uma Família Brasileira, da jornalista e escritora Wanda Figueiredo, irmã do cartunista Henfil, do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e do músico Chico Mário. A obra é dedicada a Zilah, que, nas palavras de Wanda, é “a irmã que sempre foi, de longe, a melhor de todos nós”. A autora conta que deu um enfoque todo especial às personagens femininas da família. “Esses três irmãos homens foram muito famosos e a parte feminina ficou um pouco esquecida”, brinca ela. A decisão de registrar em livro a memória da família, aliás, nasceu de uma quase revolta. “Eu sempre fui instigada por amigos e parentes a escrever a obra, mas resistia. Até o dia em que vi um curta-metragem sobre Henfil que considerei tendencioso. A verdade, ali, passava longe. E, para agravar, o personagem que mais deitava falação, como grande amigo, íntimo dele, fazia anos que Henfil se afastara dele publicamente. Essa foi a gota d’água para que eu me convencesse da necessidade de escrever o livro”, diz Wanda. Balaio Mineiro traz uma profunda pesquisa da família Souza, traçando a trajetória de seus membros desde os bisavós paternos, Atanásio José de Souza e Porfíria César, e destacando os pais do clã dos Souza, Henrique José de
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Retrato de um tempo de trevas Mordaça no Estadão, do jornalista José Maria Mayrink, oferece um relato detalhado e perturbador da ação da censura promovida pelo regime militar num dos mais importantes diários brasileiros. FOTOS: DIVULGAÇÃO O ESTADO DE S.PAULO
POR CLAUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO
Em 13 de dezembro de 1968, dia em que o Ato Institucional nº 5 (AI-5) foi decretado pelo regime ditatorial no Brasil, a edição de O Estado de S. Paulo foi apreendida. Tudo por causa do editorial Instituições em Frangalhos, no qual o jornalista Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal, criticava a posição dos militares e comentava a decisão da Câmara de não conceder licença para o Governo processar o então Deputado Márcio Moreira Alves (MDB). No mesmo dia, o Doutor Julinho, como era chamado na Redação, notificou o Governador Abreu Sodré e o General Sílvio Correia de Andrade, no Palácio dos Bandeirantes: em nenhuma hipótese o jornal faria autocensura. Se o Governo quisesse censurar, que pusesse censores na Redação. Nos anos que se seguiram, mais de 1.100 textos do Estadão e do Jornal da Tarde seriam cortados ou mutilados pela ação da ditadura militar, que, sob a égide da censura e o fim dos direitos à liberdade de expressão e ao acesso à informação, impôs restrições severas à imprensa nacional. Nos espaços das matérias censuradas, o jornal passou a publicar versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões. O outro diário do grupo, o Jornal da Tarde, começou a trazer receitas de doces e bolos em suas páginas. A estratégia deu visibilidade mundial à publicação. Em 1974, o Estadão recebeu o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade, conferido pela Federação Internacional de Editores de Jornais. Agora, esse capítulo nefasto da História do Brasil pode ser conhecido mais a fundo graças ao trabalho do jornalista e escritor José Maria Mayrink, que traz um retrato detalhado e dramático do período no livro Mordaça no Estadão. Com fotos históricas, charges e reprodução de matérias proibidas, a obra faz uma espécie de crônica sobre a censura nos jornais da família Mesquita, com descrição da ação dos censores e a reação da direção da empresa, especialmente dos irmãos Júlio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, que assumiram os jornais após a morte do pai, em 1969. Na realidade, Mordaça no Estadão começou como uma reportagem especial, cumprindo uma pauta da Redação. Após a publicação da matéria, o EditorExecutivo Ilan Kow perguntou a 44
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O Estadão funcionava num edifício na Rua Major Quedinho, no Centro de São Paulo, quando foi alvo do atentado terrorista. A explosão parou o trânsito e atraiu muita gente.
há muitas fotos pessoais e de personaMayrink se poderia continuar o trabagens. Além do jornalista Carmo Chalho, para transformar em livro o que o gas, responsável pela edição do texto, Estadão tinha em seus arquivos. O prinparticiparam do trabalho a equipe da cipal material consistia nos dois voluEditora Digital A2, o pessoal do Cenmes de Relatórios da Censura, compilados e organizados por José Alfredo Vidigal Pontes, curador do acervo cultural do jornal. Eles reúnem bilhetes, relatos e transcrições de documentos feitos pelos secretários gráficos, remetidos diariamente ao editor-chefe e aos diretores do Estado e do Jornal da Tarde. Durante dois meses, no ano passado, Mayrink entrevistou mais de 40 pessoas, na maioria jornalistas das duas publicações. Alguns dos relatos, obtidos pessoalmente – Mayrink viajou a Campinas, Brasília, Rio de Janeiro e Recife para realizar algumas entrevistas – ou por telefone, são responsáveis não somente pela reconstituição dos fatos, mas também pela vivacidade do texto. Paralelamente, ele consultou os arquivos do jornal, no Centro de Documentação e Informação. Dali saíram as reproduções de páginas censuradas que compõem o último dos nove capítulos do livro. As fotos, em granO autor José Maria Mayrink na noite de de parte, foram localizadas nos autógrafos na Livraria Cultura, em São Paulo, vivenciou boa parte dos fatos relatados no livro. arquivos do jornal, mas também
tro de Documentação e Informação, o Editor-Executivo Ilan Kow e outros jornalistas. Clima de tensão Vencedor de importantes premiações, como o Esso de Jornalismo, José Maria Mayrink acumula mais de 40 anos de carreira – grande parte dela no Estadão – e testemunhou boa parte dos fatos que agora relata: – Cheguei ao Jornal da Tarde em 2 de janeiro de 1969, mas não tive contato direto com os censores, que se entendiam ou desentendiam com o editorchefe e depois com o secretário-gráfico. Entretanto, o clima de tensão era nítido em toda a Redação. Lembro-me da prisão de alguns colegas, como Antônio Carlos Fon, que foi torturado, não por suas reportagens, mas porque um irmão dele estava na luta armada. O envolvimento de companheiros e amigos, como Fernando Gabeira, que havia sido meu chefe em 1963, em Belo Horizonte, e colega no Jornal do Brasil, no Rio, trazia preocupação e medo. Porém o que mais me marcou naqueles dias foi a cobertura da morte de Carlos Marighella. Fui o primeiro repórter a chegar à cena da emboscada, nos Jardins, onde vi o guerrilheiro morto no banco traseiro de um Fusca. Senti muito medo, porque eu era amigo dos frades dominicanos também envolvi-
Dois exemplos da implacável censura sofrida pelo Estadão: em 10 de maio de 1973, o jornal foi proibido de noticiar a renúncia do Ministro da Agricultura Luiz Fernando Cirne Lima. Em seu lugar entra como informação básica uma carta de um leitor que lamenta não existirem rosas azuis, além de um calhou da Rádio Eldorado: “Agora é samba”. Cinco meses depois, no dia 17 de outubro, o relato de Júlio Mesquita Neto à Associação Interamericana de Imprensa sobre a situação insustentável da imprensa brasileira durante a ditadura militar foi substituído por poemas. Porém, a foto onde aparece o autor do texto ao lado do jornalista Guido Fernandez, do jornal La Nación, de Costa Rica, não foi substituída.
Esta seqüência de fotos mostra a ação dos censores no fechamento de cada edição. Sempre no mesmo lugar eles criavam um ambiente tenso desde a Redação até a Secretaria Gráfica e as oficinas. Na foto de baixo, o relógio marca 21 horas.
dos no caso. A matéria não foi censurada, pois só descrevi o que vi, mas também só tive a versão da Polícia. Entre outros episódios detalhados por Mayrink estão os bastidores dos embates entre censores e editores, como Oliveiros S. Ferreira e Júlio de Mesquita Neto, pelo Estado, e Ivan Ângelo e Ruy Mesquita, do JT. Há histórias não apenas de São Paulo, mas das ações das Sucursais de Brasília e do Rio. Muitas delas, bastante curiosas. A presença de um censor incomodava tanto na Redação, que certa noite todos os jornalistas se retiraram quando o censor entrou. Mas a estratégia não deu certo por muito tempo. Logo, o censor foi deslocado para as oficinas, onde seu contato era unicamente com o secretário-gráfico. Quando Júlio Neto insistiu para que o Estadão publicasse algo mais marcante e contínuo para caracterizar a censura, o redator Antônio Carvalho Mendes, que fazia e ainda faz a seção Falecimentos, deu a idéia que ficaria marcada na História da imprensa brasileira: reproduzir versos de Os Lusíadas, de Camões. Até então, o jornal vinha publicando cartas, despachos jurídicos e poemas de outros autores para preencher o espaço censurado. Nada podia ficar em branco. Mendes trouxe de casa um exemplar da obra do poeta português, para adiantar a composição na gráfica. Na opinião de Mayrink, entre os trechos mais tocantes do livro está o testemunho do jornalista pernambucano Carlos Garcia. Em março de 1974, Garcia chefiava a Sucursal do Estadão no Recife, PE. Ele foi preso e torturado com requintes de crueldade e horror na véspera da posse do General Ernesto Geisel na Presidência da República: – O depoimento que gravei com Garcia, e que foi transcrito na íntegra, tem uma força impressionante. Ele foi detido e interrogado por agentes da repressão de um quartel do Recife. Da mesma linha é o depoimento de Luiz Paulo Costa, correspondente em São José dos Campos,SP, que foi preso em sua cidade e levado para as dependências do Doi-Codi, em 1975, em São
A Sucursal Rio do Estadão era mantida sob severa vigilância e os jornalistas eram perseguidos implacavelmente. Muitos foram presos e torturados, como o atual Presidente da ABI, Maurício Azêdo.
Paulo, onde, na mesma semana, o jornalista Vladimir Herzog tinha sido torturado e morto. Resgate de boas brigas Mordaça no Estadão está focado entre 1968 e 1975, apesar de as dificuldades da imprensa terem começado já em 1964 e se estendido até depois de 1978, quando se exinguiu o AI-5. Mesmo assim, como declaram José Alfredo Vidigal Pontes, na apresentação, e Marcus Guterman, na introdução, a obra tem o mérito de resgatar a participação de dezenas de jornalistas na luta contra a censura, entre eles VillasBôas Corrêa, Teixeira Heizer, Fernando Gabeira, Mário Cunha e Maurício Azêdo, Presidente da ABI: – Conheci Maurício no segundo semestre de 1968, quando ele e eu saímos do Rio para São Paulo. Trabalhávamos na Editora Abril, que estava lançando a revista Veja e tinha já a revista Realidade. Mais tarde, Maurício trabalhou na Sucursal Rio do Estadão, enquanto eu trabalhava no Jornal da Tarde, em São Paulo. Eram tempos em que a imJornal da ABI 340 Abril de 2009
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Livros
Foi de Antônio Carvalho Mendes (à esquerda) a idéia de publicar os versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões, sempre que uma matéria fosse censurada, em substituição às cartas dos leitores. Finalmente, em 4 de janeiro de 1975, data de seu centenário, O Estado de S.Paulo voltou a circular sem a interferência dos censores. A missa fez parte das comemorações.
prensa era tecnologicamente menos desenvolvida, o que exigia uma ginástica tremenda para a transmissão das matérias. Telex era a última palavra, pois nem fax existia, muito menos computador. O telefone, então, era
uma tragédia. Muita coisa evoluiu nos últimos anos, mas o importante é salientar a luta da imprensa e dos jornalistas contra a arbitrariedade do regime ditatorial. Agora, trabalha-se com liberdade, sem medo da Polícia e sem
o controle da censura. Se ainda ocorrem arbitrariedades, a imprensa pode denunciá-las – analisa Mayrink. Em entrevista ao Jornal da ABI, Mayrink comentou recentes polêmicas que questionam a posição de vários
“FALA A VERDADE”, DIZIAM ELES. E BATIAM... “Eu ia trabalhar lá pelas 10 horas. Ao chegar à Sucursal, já estavam me esperando. Um entrou e disse que teria de acompanhá-lo ao IV Exército. Respondi que dentro de dez a 15 minutos estaria indo. – Não, é para ir agora. Vi então que a coisa não era brincadeira. Quando entrei numa Rural Willys, fui algemado e encapuzado. Queriam que deitasse no piso da caminhonete. Mas o chefe disse que eu era diferente e deixou que colocasse a cabeça no colo dele. Mas não deixaram de encostar algo que me pareceu o cano de um revólver em minhas costas. Eram ameaças o tempo todo. Do tipo: ‘Nunca mais jogamos ninguém no Rio São Francisco”. Esse rio está a algumas horas de distância do Recife. Não sabia se
era intimidação ou brincadeira. Logo que cheguei, começou o interrogatório, com choques elétricos, pau-de-arara. Queriam saber como funcionava a célula comunista em O Estado de S. Paulo. Não tinham informações, mas achavam que existia a tal célula por causa das matérias publicadas. E que eu era parte dela. – Eu estava encapuzado durante todo o interrogatório. Só tiravam o capuz quando eu era largado na cela, uma solitária. Tive medo de morrer. No momento em que me penduraram por uma das algemas num gancho, eu na ponta do pé, a certa altura, chegou um médico ou enfermeiro, que me auscultou e disse: – Pode deixar, que ele resiste. Fiquei mais um tempo pendurado, até que novamente a pessoa voltou para novamente me auscultar: – Tira, tira! Solta, solta! Não estava agüentando. Quando me soltaram, desabei no chão. Recordo das sessões de choque elétrico. Eles usavam dois jacarés – uma ponta na orelha e outra no testículo ou no pênis. A cada choque, eu caía no chão. Eram bárbaros. Certa vez, um cara disse: – Não inverte não, porque eu não quero... burra, – que era a corrente que cruzaria o coração. Foi assim que o Herzog morreu, num ‘acidente’. Também batiam muito no estômago com a mão fechada. Bateu, dobrava. E eles: – Fala a verdade... – e continuavam a bater. Eu mordia a boca, a língua. No espasmo, sem querer. Fiquei com a língua muito ferida, mesmo depois de 15 dias. A prisão durou umas 30 horas. Somente na última é que não fui torturado.”
Trechos da entrevista do jornalista Carlos Garcia (foto), reproduzida em Mordaça no Estadão
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órgãos de imprensa diante da censura promovida pelo regime militar: – Ainda que alguns tenham capitulado, a censura foi uma realidade drástica e contínua por mais de seis anos, assim como a luta contra ela. A ordem que recebemos da família Mesquita era fazer as matérias como se não houvesse restrição – os censores que cortassem. Na cobertura do golpe militar no Chile, por exemplo, foi censurado tudo o que se referia a brasileiros nas matérias que eu, o Clóvis Rossi e o Carlos Brickmann enviamos. Já numa extensa reportagem sobre conflitos de terra em São Félix do Araguaia, onde passei uma semana com o fotógrafo Rolando de Freitas ouvindo o Bispo Dom Pedro Casaldáliga, padres, índos, posseiros, capangas e feitor de fazenda, as duas páginas do JT foram substituídas por receitas de doces e bolos. O Estado foi o jornal diário mais censurado, porque não se dobrou à censura. Na imprensa periódica, deve-se lembrar O Pasquim, Opinião, Movimento, o semanário O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, e a revista Veja. A censura era geral. Alguns dos embates com as autoridades são registrados com tons dramáticos. Já outros mostram uma imprensa ousada. É o caso de um episódio em que Júlio de Mesquita Neto foi intimado a depor em um quartel do Exército em São Paulo por causa de uma notícia vinda da Sucursal de Brasília, comandada por Carlos Chagas, e que tratava do seqüestro e tortura de um médico. – No jornal, o senhor ocupa que cargo? – questionou o major que conduzia o interrogatório. – Eu sou diretor do jornal – respondeu Júlio de Mesquita Neto. – Diretor-responsável, não é, Doutor Julio? – emendou ironicamente o militar, querendo intimidar. – Não, responsável pelo meu jornal é o professor Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça. Porque o responsável pelo jornal decide o que sai e o que não sai. No caso, depois da censura, quem decide essas coisas é o professor Buzaid, o responsável pelo Estado.
Vidas
Marcito, o desassombrado FOLHA IMAGEM
Jornalista, escritor e ex-parlamentar, Márcio Moreira Alves revelou sua coragem ao denunciar nos primeiros dias de abril de 1964 os primeiros crimes da ditadura militar. Eleito para a Câmara dos Deputados em 1966, tornou-se uma das mais combativas lideranças do movimento de resistência ao regime autoritário. “O Brasil perdeu um homem generoso, solidário e desassombrado”. Esse foi o tom da declaração do Presidente da ABI à Globo News ao comentar a morte do jornalista, escritor e ex-Deputado Márcio Moreira Alves, ocorrida no início da noite do dia 3 de abril. Na entrevista, concedida poucas horas após o falecimento, Maurício Azêdo recordou que, como repórter e articulista do Correio da Manhã, Marcito, como era chamado pelos colegas jornalistas, teve a coragem de denunciar a tortura de presos políticos nos primeiros dias do golpe militar de 1º de abril de 1964. O Presidente da ABI recordou que as reportagens e as crônicas de Márcio Moreira Alves sobre essas práticas violentas foram reunidas no livro Torturas e Torturados, que teve grande repercussão. “Marcito foi personalidade importante como jornalista e como homem público. Muito jovem, teve atuação marcante: ganhou o Prêmio Esso cobrindo a política em Alagoas. Além do relevo que atingiu como repórter, no golpe militar teve atuação muito forte diante das denúncias de tortura. Graças à militância na defesa da cidadania, elegeu-se deputado federal. Na Câmara Federal, teve passagem muito densa, marcada por discurso histórico, considerado ofensivo pelos militares. Deu seu recado. Sempre foi uma pessoa muito carinhosa, respeitosa com as pessoas humildes. A sua partida deixa saudades”, afirmou Azêdo em entrevista ao O Globo. O mesmo perfil exemplar foi destacado por Maurício ao SBT. O falecimento do ex-parlamentar foi lamentado por diversas outras instituições relevantes, como a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, através do Presidente de seu Conselho Federal, Cezar Britto. “A morte de Márcio Moreira Alves evoca mais uma triste página da História Contemporânea do Brasil, em que figurou ao lado das forças da democracia, em franca resistência à ditadura. Cassado por ‘delito’ de opinião, serviu de pretexto para um dos mais nefastos capítulos do regime militar: a edição do AI-5, que agravou ainda mais o ambiente autoritário em que o País vivia, aprofundando a repressão e a violência política. Márcio tornou-se emblema do inconformismo de sua geração. Foi o primeiro a publicar um livro relatando o que se passava nos porões do regime, denunciando a prática sistemática e institucionalizada da tortura a prisioneiros políticos”, declarou Cezar Britto em nota oficial da OAB. O corpo de Marcito foi cremado na tarde do dia 4 de abril no Cemitério do Caju, após velório realizado desde as 9 horas da manhã no Palácio Tiradentes, sede da Assembléia Legislativa do Estado do Rio. Ao velório estiveram presentes inúmeros políticos e colegas de Marcito na imprensa. A cerimônia no Caju teve caráter reservado, com a presença da viúva Madalena Diegues Moreira Alves, dos filhos de Marcito e de outros parentes, entre os quais o cineasta Cacá Diegues, seu cunhado. Entre os presentes estava Frei Betto, que fizera emocionada celebração horas antes durante a vigília ecumênica na Assembléia Legislativa. Márcio estava internado desde outubro de 2008, após sofrer umn acidente vascular-cerebral de que não se recuperou.
Um momento histórico da trajetória pessoal de Márcio Moreira Alves e da própria existência da Câmara dos Deputados: antes da votação do pedido do Supremo Tribunal Federal para que ele fosse processado, como exigia a ditadura, Marcito explicou no Plenário que seu discurso de 3 de setembro, motivo da raiva dos militares, não tinha a intenção de ofender as Forças Armadas. Mesmo com maioria governista, a Câmara negou autorização para o processo por uma diferença de 76 votos. Foi o pretexto para a edição, no dia seguinte, 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5.
Do hospital, um telegrama para a Redação Márcio Emanuel Moreira Alves era carioca, nascido em 14 de julho de 1936, e pertencia a uma família de origem mineira. Seu pai, Márcio de Melo Franco Alves, empresário e político, foi Prefeito de Petrópolis,RJ, e Secretário de Fazenda no Governo Negrão de Lima no antigo Estado da Guanabara, de 1966 a 1971. A mãe, Branca de Melo Alves, era militante de movimentos católicos. Ele começou suas atividades como jornalista aos 17 anos, como repórter policial do Correio da Manhã, e participou ainda muito jovem de coberturas importantes, como a disputa pelo Canal de Suez entre a Inglaterra e o Egito, após a nacionalização decretada pelo Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Ao cobrir a crise política gerada pela proposta de impeachment do então Governador de Alagoas, Muniz Falcão, em setembro de 1957, Marcito foi baleado no plenário da Assembléia Legislativa do Estado durante um tiroteio entre parlamentares da situação e da oposição. Após arrastar-se pelo plenário conflagrado, foi hospitalizado com ferimento na perna. No hospital, pediu ao médico que o socorreu que passasse um telegrama de 15 linhas ao Correio da Manhã, relatando o tiroteio.
Tal reportagem lhe valeu o Prêmio Esso de 1957. Após o golpe militar de 1964, Marcito destacou-se ao lado de outros importantes jornalistas do Correio da Manhã, como Carlos Heitor Cony, Oto Maria Carpeaux, Edmundo Moniz e Hermano Alves, pela denúncia das violências da ditadura e se engajou na resistência ao regime militar. Eleito por seus leitores, ganhou notoriedade com um discurso proferido em 2 de setembro de 1968, em que pregou um boicote às paradas militares de celebração da Semana da Pátria e pediu que as mulheres de oficiais os evitassem na vida sexual, enquanto eles não restabelecessem o regime democrático no País. Distribuído em quartéis, o discurso levou o Governo Costa e Silva a processá-lo perante o Supremo Tribunal Federal, que precisava de autorização da Câmara dos Deputados para dar seguimento ao processo. Apesar de contar com uma maioria governista de dois terços dos seus membros, a Câmara rejeitou o pedido no dia 12 de dezembro de 1968, por 216 votos a 141. Utilizando tal rejeição como pretexto, no dia seguinte o Governo Costa e Silva decretou o Ato Institucional nº 5, que Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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Vidas AGÊNCIA O GLOBO/SÉRGIO MARQUES
Em 2000, 12 anos após ser cassado e longa e penosa permanência no exílio, Marcito voltou ao Plenário da Câmara, onde foi feita esta foto. Ele se emocionou.
sufocou o País por dez anos, com o recrudescimento da censura, o fechamento do Congresso e a cassação dos direitos civis. Márcio Moreira Alves e outros dez deputados tiveram de imediato os seus mandatos cassados e os direitos políticos suspensos. Inicialmente exilado no Chile e depois com passagens pela França e Portugal, Marcito só retornou ao Brasil com a anistia, em 1979. Após tentar, sem sucesso, eleição para a Câmara em 1982, passou a dedicar-se apenas ao jornalismo, como articulista da Tribuna da Imprensa, na qual escreveu de 1979 a 1986, e, em diferentes momentos, como cronista político e repórter de O Globo, do Jornal do Brasil e do O Estado de S. Paulo. Como repórter, publicou textos no livro Histórias do Brasil Profundo, em que mostrou a vida e os problemas de cidades e populações do interior do País. A saga de exilado de Marcito levouo ao Chile, onde permaneceu até 1971, a outros seis países sul-americanos (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Argentina, Bolívia), ao México e aos Estados Unidos, até sua radicação na França e, por fim, em Portugal. Em todos esses países fez conferências denunciando a ditadura militar e as violências contra os direitos humanos no Brasil. Seu público: professores e alunos de 40 universidades. Na França, doutorou-se em 197l pela Fundação Nacional de Ciências Políticas de Paris, na qual defendeu a tese A Igreja e a Política no Brasil. Em Portugal, tornouse em 1974, após a vitória da Revolução dos Cravos, professor do Institu48
Jornal da ABI 340 Abril de 2009
to Superior de Economia de Lisboa. Mesmo distante do País, Marcito continuou a ser perseguido pela ditadura militar. Em junho de 1977, sob o Governo Geisel, o Ministro da Justiça Armando Falcão mandou indiciá-lo e ao editor Ernesto Zahar pela redistribuição no Brasil do livro Suor e Alegria: Os Trabalhadores de Cuba, que Marcito publicara em Portugal e que continha uma dedicatória que Falcão considerou intolerável: “Aos trabalhadores do campo de Portugal e do Brasil, que um dia alcançarão o socialismo e a vida”. O processo foi tão ridículo e primário que terminou arquivado oito meses depois, em fevereiro de 1978. Outro momento dessa perseguição ocorrera em dezembro de 1976, quando o Superior Tribunal Militar, reunido em sessão secreta, bem ao estilo do regime, anulou decisão de 1974 da 2ª Auditoria da Marinha que absolvera Marcito de acusação baseada em seu discurso em 2 de setembro de 1968. Ao contrário do Conselho de Sentença da Marinha, que reconheceu que no momento do discurso Marcito estava protegido pela imunidade parlamentar, o STM condenou-o a dois anos e três meses de reclusão pelas declarações que fizera. Dono de estilo elegante e fluente, em que associava a fineza da técnica literária à objetividade do jornalismo, Marcito produziu uma obra densa, iniciada com o volume A Velha Classe, de 1964, seguido de Beabá do MecUsaid, de 1068, que contemplava um tema que ensejava intensa movimentação das lideranças estudantis: o acordo firmado pelo Ministério da
Educação com a Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos, conhecida pela sigla original em inglês Usaid, para a reforma do ensino no Brasil. Em 1974 publicou O Despertar da Revolução Brasileira, que fora editado no ano anterior em inglês sob o título A Grain of Mustard Seed – The Awakening of Brazilian Revolution. O Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, organizado e editado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, arrola ainda estas obras de Marcito, além das mencionadas: sem indicação de editora, em 1981, A Força do Povo; pela Editora Vozes, em 1984, Teotônio, Guerreiro da Paz; sem indicação de editora, Sementes da Democracia; A Democracia Participativa em São Paulo; pela Editora Nova Fronteira, em 1993, 1968 Mudou o Mundo; pela Editora Revan, em 1995, Manual do Cronista Amador, coletânea de crônicas e artigos que publicara após voltar à imprensa no Brasil; sem indicação de editora nem de data, Os Soldados Socialistas de Portugal. Além dessas obras, Marcito figurou em volumes de colaboração coletiva, como Cultura & Imaginário, organizado por Everardo Rocha e editado pela Finep em 1998, e Crônica Política do Rio de Janeiro, coordenado por Marieta de Morais Ferreira e editado pela FGV-RJ também em 1998. Essa enunciação mostra que, além do ativista e parlamentar que se destacou nas lutas democráticas da segunda metade dos anos 60, Márcio Emanuel Moreira Alves foi um grande jornalista e brilhante intelectual.
Um símbolo do jornalismo POR CRISTOVAM BUARQUE
“Ele (Márcio Moreira Alves) não foi somente um político, foi sobretudo jornalista. E foi também um símbolo do jornalismo que faz a pauta e a matéria comprometidas com a verdade, conforme a verdade, sem manipulação. Márcio foi ao fundo da verdade como repórter, e nessa função descobriu que, além dos escândalos e vergonhas, há verdades positivas a serem ditas sobre a política. Não duvidou em dizer as boas verdades na sua coluna no jornal O Globo. Eram os sábados azuis, em que descrevia as experiências de políticas públicas implantadas ao longo de todo o território brasileiro, por prefeitos e governadores que aos poucos iam mudando, localmente, a realidade brasileira. Márcio foi um exemplo de jornalista e de político, por apresentar uma qualidade rara: a intransigência em defesa da democracia e da verdade, inteiras e completas. Seu exemplo é ainda maior em um tempo no qual a transigência, tanto na política quanto no jornalismo, tornou-se constante. A transigência dos políticos que defendem as saladas partidárias, em nome da vitória eleitoral, da conquista de cargos e de evitar o pior. E do jornalismo que, em busca da venda dos jornais, tem preferência pelos escândalos e não pelo debate aberto, pela verdade, mesmo que em torno de fatos positivos. Entramos em um tempo de transigências aceitas como a regra normal da política. Por isso, nessa semana, morreu a boa intransigência – contra a corrupção, a ditadura, a mentira. Márcio fará falta como analista, jornalista, sobretudo como amigo de tantos. Mas sua falta será compensada pelo papel que desempenhará como símbolo, pela memória de sua fala e de seus gestos. Acima de tudo, pelo fato de sua defesa da democracia ter provocado o agravamento momentâneo do regime autoritário, como prova de sua fragilidade e fracasso. O Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) fez este elogio póstumo de Marcito no texto intitulado Lições de Marcito, publicado na edição de 11 de abril de O Globo, página 7. O trecho reproduz a parte final do artigo.
FOLHA IMAGEM/ARQUIVO ULTIMA HORA
Filho de uma família rica, Marcito teve uma iniciação precoce no jornalismo e, através deste, na política institucional.
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Na apresentação do livro Sábados Azuis, 1999
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LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
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“O amor pelos livros acompanha Márcio Moreira Alves pela vida como parte de sua bagagem cultural; ele tem o que se chamava antigamente de uma boa base em humanidades. Isso é mais ou menos metade do que se deve exigir de um jornalista de primeiro time. A outra metade pode-se dizer que seja composta por partes iguais de muita coceira na sola do pé e muito poucas papas na língua. Também aí Marcito preenche a receita. É um repórter que não se contenta em ler e ouvir: vai ver. E depois conta, do jeito que viu.”
LUIZ GARCIA Na apresentação do livro Gostei do Século, 2001
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Na apresentação do livro Manual do Cronista Aprendiz, 1995
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ERIC NEPOMUCENO
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“Márcio Moreira Alves tem um dom raro na imprensa dos dias de hoje: ser leitura ao mesmo tempo obrigatória e agradável, necessária e inevitável. Às vezes, chega a extremos – pelo menos, no meu caso pessoal. Explico: certos artigos eu leio, não concordo com as idéias, mas, mesmo assim, aprecio a leitura, e termino por considerá-la valiosa.”
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está fazendo com o discernimento do repórter, a agudeza do analista e mais o cálido envolvimento de um brasileiro reconciliado com seus melhores sentimentos sobre a sua terra.”
“E, voltando ao Brasil, surprise!, surprise!, eis que Marcito descobre o otimismo. A cúpula do poder, políticos e que tais, cada vez se deteriorava mais. Mas, por isso mesmo, enojado com as cúpulas, Marcito sedimentou o seu sentimento básico de que o País não era esse. Não podia ser. (...) Muitos de nós sabíamos ou pressentíamos isso. Mas Marcito foi lá. Procurar o pote de ouro no fim do arco-íris.”
MILLÔR FERNANDES Na apresentação do livro Brava Gente Brasileira, 2001
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No Prefácio ao livro A Igreja e a Política no Brasil, março de 1979
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FREI BETTO
“O Márcio conta o que esse outro Brasil
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“Quem conhece de perto sabe que Marcito não é apenas o último membro de uma estirpe de políticos mineiros (embora seja ele carioca) a fazer uma meteórica carreira parlamentar. Sua luta reveste-se de uma coragem e destacase por uma coerência raramente encontradas entre os filhos da classe dominante brasileira que, em alguns momentos de suas vidas, pensaram em trocar seus interesses pelos interesses dos dominados. Nos idos de 1964-65, enquanto certa parcela da esquerda brasileira (...) Marcito deixava a redação do Correio da Manhã para ir ao encontro da outra parcela, mais combativa, ligada aos movimentos populares, que se encontrava nos cárceres.”
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Na introdução ao livro A Velha Classe , 1964
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ANTONIO CALLADO
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suspensa no teto: uma bala calibre 45 estava encaixada na sua coxa direita (...). Recostado nos travesseiros o repórter de 22 anos tinha um bloco de papel sobre a barriga e na mão um lápis. Redigia um informe para o jornal. Tive sérias dúvidas quanto ao possível salvamento da perna de Marcito. Mas vi logo que o jornalismo brasileiro tinha ganho um repórter de fibra e de briga. Foi preciso um não-tiroteio, o de 1º de abril de 1964, para revelar no repórter da Assembléia alagoana o jornalista político que vão encontrar nos artigos aqui publicados.”
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“A única vítima não alagoana do tiroteio da sexta feita, 13 de setembro de 1957, no interior da Assembléia Legislativa de Maceió, foi um jovem repórter do Correio da Manhã. Como redator-chefe do jornal naquele tempo, logo que eu soube, através de um confuso noticiário de guerra, do ferimento do repórter, parti para o chamado local dos acontecimentos. Fui encontrar (...) Marcito Moreira Alves, o então caçula do Correio da Manhã, com a perna
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15 de julho de 1964
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RUBEM BRAGA
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“Márcio Moreira Alves, que ontem completou 28 anos, é a grande revelação de articulista político de 1964, boa pedida para qualquer partido incluir na chapa de deputado na próxima eleição, quando houver, se houver.”
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6 de novembro de 1964
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TRISTÃO DE ATHAYDE
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“O outro exemplo tirado dos acontecimentos recentes, já agora no plano da inteligência em ação, é a figura do jovem jornalista Márcio Moreira Alves. Não começou a escrever agora, bem o sei, e anos atrás já se notabilizara durante aqueles tristes acontecimentos de Alagoas, de que saiu até ferido fisicamente. Fora, entretanto, mais uma demonstração de um sensacionalismo informativo do que mesmo de personalidade como forma de expressão intelectual. Agora não. Seus artigos posteriores ao movimento representam uma verdadeira afirmação intelectual, não só pela coragem de atitudes, mas ainda pela lucidez do pensamento e pela elegância autenticamente literária da expressão. Foi realmente uma revelação. Não sei que futuro político terá o Sr. Miguel Arraes, nem que futuro jornalístico terá o Sr. Márcio Moreira Alves. Mas cada um a seu jeito – um no mais mortífero embate dos fogos políticos entrecruzados e outro na difícil encosta dos comentadores imediatos dos acontecimentos – ambos passaram pela prova, ou antes, pela provação, com grau dez.”
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Marcito, por muitas vozes
“Márcio Moreira Alves é o melhor intérprete e divulgador que conheço deste Brasil silencioso, que teima em mostrar que pode dar certo. (...) Márcio está sempre de coração e mente abertos para novas histórias. E, sobretudo, sempre pronto a colocar o pé na estrada e, com olhar sensível, despido de qualquer idéia preconcebida, mergulhar e se deixar impregnar por este universo.”
BEATRIZ AZEREDO Na apresentação do livro Histórias do Brasil Profundo, 2003
Silva Filho, o jornalistapintor João Silva Filho – ou apenas Silva Filho como assinava reportagens, crônicas, quadros, charges, contos e romances – morreu aos 70 no dia 24 de abril, vítima de parada respiratória em conseqüência de câncer no intestino. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista, Itaboraí, RJ, a poucos quilômetros de seu ateliê em Bom Retiro, São Gonçalo, onde seu filho Leonardo Silva revela que ele deixou um acervo de 50 quadros nunca expostos. Silva participou de diversas exposições em Niterói e São Gonçalo e era detentor de uma láurea internacional conferida pelo Canadá. Como repórter, trabalhou na antiga Última Hora e em Fluminense, foi editor do Nosso Jornal, da Tribuna de Niterói, de jornais no Sul Fluminense e da revista Extra, que ele fundou na década de 1990. Seu pai, funcionário do Lloyd Brasileiro, gostava de contar que Silva se iniciou na pintura quando viu a primeira reprodução da Santa Ceia de Leonardo da Vinci feita na varanda de uma casa. Tinha apenas cinco anos e passou a garatujar desenhos de Cristo e dos Apóstolos em quantas paredes podia, aperfeiçoando-se tanto e com tal precocidade que chegaram a lhe fazer encomendas para decorações em bares e sorveterias. Mais tarde impressionou-se com a figura de Luís Carlos Prestes, a ponto de o pai levá-lo para um comício na Esplanada do Castelo, Rio, onde Silva desenhou um retrato do então candidato a senador pelo PCB, que foi presenteado ao líder comunista com muitos elogios e uma profecia – a de que viria a ser “um grande pintor”. Já profissionalizado, Silva teve uma fase inicial predominantemente realista com ênfase em nus produzidos em Nova Friburgo e cujos modelos eram coristas e dançarinas de balé. Em seguida “rendeu-se ao cubismo” – como gostava de falar – mas buscava temas literários impressionistas, como suas conhecidas interpretações de Dom Quixote e Sancho Pança. Ultimamente dedicava-se a interpretações contemporâneas, deixando inacabado um painel de 2mx3m representando algo que os amigos interpretam como uma “admirável desordem urbana”. Preferia o óleo e o acrílico sobre tela, mas era tal a sua necessidade de pintar em seus últimos anos, que vinha usando eucatex e compensados, algumas bases mais de uma vez quando lhe faltava material e sobrava inspiração. Deixou pronto dois romances inéditos nos quais mesclou personagens fictícias com personalidades reais, principalmente jornalistas e políticos de suas relações. Silva Filho deixa viúva Ângela Maria, com quem teve quatro filhos: Leonardo, Rosana, Márcia e Tatiana. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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Vidas JUAN ESTEVES
Pioneiro e referência no universo da fotografia de moda no País, Otto Stupakoff deixa como legado alguns dos melhores registros de imagens já feitos no Brasil e no mundo. POR P AULO C HICO
Se pudesse ser traduzido em imagem, o dia 23 de abril de 2009 possivelmente seria uma tarde de céu cinzento, um clima daqueles que nublam o horizonte e os inspiram a mais profunda tristeza. Pelo menos no universo da fotografia, e para todo bom amante dos cliques, essa data entra para a história exatamente assim, devido à morte de Otto Stupakoff, pioneiro da imagem de moda no País, cujo corpo foi encontrado em seu apartamento no bairro do Itaim, em São Paulo, aos 73 anos. A cerimônia de cremação foi realizada no dia 24, no Cemitério São Paulo. Em mais de 50 anos de carreira, Stupakoff acumulou trabalhos prestigiados no Brasil e no exterior. Fotografou a top model britânica Kate Moss para a Vogue 50
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francesa, além de ter realizado centenas de ensaios para revistas como as americanas Harper’s Bazaar e Cosmopolitan, além da Elle francesa. Entre as décadas de 60 e 90, Stupakoff morou nos Estados Unidos e na Europa, onde fotografou personalidades como o presidente Richard Nixon, a princesa Grace Kelly, a atriz Bette Davis, o ator Jack Nicholson e o escritor Truman Capote. “Os Estados Unidos e a Europa me proporcionaram os elementos necessários para poder trabalhar muito bem. Modelos, assessoria... estou falando de fotografia de moda, que envolve muitas pessoas na produção, e o talento de quem estava nesse meio, fora do país, era muito superior. Tudo isso me faltou aqui. Faltou um trabalho no Brasil que pagasse um bom dinheiro. Assim, tive que voltar para Nova York”,
declarou Otto em entrevista concedida em 2005. Stupakoff foi o único profissional brasileiro a ter seu nome incluído no Vogue Book of Fashion Photography, que o destacou entre os dez nomes mais importantes da fotografia de moda em todo o mundo nos anos 70. Tanto reconhecimento, no entanto, não impediu que enfrentasse momentos de ostracismo no Brasil. “Quando retornei ao País, em 1976, depois de morar por cinco anos em Paris, sabia que tinha que estar em São Paulo se quisesse trabalhar. Porém, é um mistério para mim porque não consegui me encontrar e ter o reconhecimento aqui. Parecia que as pessoas me tratavam como um mito, não se sentiam muito à vontade na minha frente. De uma maneira geral, houve um certo ressentimento”, contou ele, no mesmo depoimento. Mas qual o segredo do notório talento de Otto? O que fazia de seus cliques um trabalho tão especial? É ele próprio quem responde. “Sempre tratei o retrato de moda como uma foto familiar. Sou fotógrafo de moda que tem ojeriza a fotos posadas. Sempre tentei que as modelos fossem o mais descontraídas possível, que fossem atrizes, que pudessem viver a situação com a qual elas se deparariam na locação”. Para o profissional, nascido em São Paulo em 1935, é possível separar os fotógrafos em duas categorias: aqueles que vivem o glamour e ganham a vida profissionalmente, mas que não são profundamente dedicados à verdade de sua prática. E os outros, como ele, para quem a fotografia é uma maneira de viver, à qual ele está integralmente dedicado. “O maior desafio do artista é encontrar sua própria voz. Gosto de evitar coisas já feitas”, disse certa vez. “Tenho mesmo a impressão de que, se eu recomeçasse a fotografar moda, se me fosse dada a oportunidade, começaria de onde parei, porque até hoje não vi ninguém fazendo o que eu imaginava. Em primeiro lugar, existe uma quantidade de fotógrafos que não existia antigamente. Hoje são muitos, muitos, e eu vejo nomes que nunca vi antes e não me interessa fazer trabalho de pesquisa para saber quem é quem. Não estou procurando acompanhar esse mercado, e os nomes que vejo mudam constantemente. Eu tenho a impressão de que não está sendo dada ao fotógrafo a oportunidade de desenvolver o seu olhar, a sua maneira de ver”, afirmou em 2005. Neste mesmo ano, após rodar praticamente todo o mundo – chegou a alugar uma casa na Tailândia –, Stupakoff voltou a fixar-se na capital paulista. Foi alvo de uma homenagem com mostra especial no Pavilhão da Bienal, durante o São Paulo Fashion Week daquele ano. “Eu me sinto extremamente honrado, pois meu aniversário é dia 28 de junho, data de abertura da mostra ao público. Eu nunca recebi um presente tão grande. E é comovente também, porque durante certo tempo eu me senti um pouco perdido por aqui”, recordou na véspera da abertura da retrospectiva de seus trabalhos. Em um de seus últimos feitos profissionais, ele cuidou pessoalmente também da publicação de seu livro, Rio Erótico, lançado em 2006, um belo apanhado de décadas de imagens explorando o erotismo e a sensualidade carioca. “Gosto do erótico, do que não está dito, do que está aí para ser revelado. Isso é sublime. O erótico é a beleza em sua forma mais pura, muito diferente das vulgaridades que estamos vendo nas revistas atuais.” Otto Stupakoff chegou mesmo a afirmar que o erotismo era a base da sua fotografia. Era o que, de fato, o movia. Nesse livro, ele procura de forma singela, ou às vezes nem tanto, mostrar sua visão de uma cidade que já se tornou sinônimo de sensualidade em todo o mundo. Para acompanhar o seu olhar, frases de personalidades como Millôr Fernandes, John Updike, Walt Whitman, Hilda Hilst e Jorge Amado legendam suas fotografias. Puro talento. Doce deleite.
Princesas Grace kelly e Stephanie de Monaco, em 1971. Abaixo, o rei Pelé em Santos, 1979.
Jack Nicholson em Nova York, 1972.
Livro ajuda a compreender obra do artista
Sharon Tate em Santa Mônica,1969. Ao lado, Mulher Pássaro retratada em NovaYork, em 1983.
Como não poderia deixar de ser, Otto Stupakoff e sua obra são tema de livro da Cosac Naif, editora fundada em 1996 por Charles Cosac e Michael Naify e dedicada a livros de arte: cinema, teatro, design, arquitetura, fotografia, dança, moda, monografias, além de perfis de artistas brasileiros e ensaios sobre história e teoria da arte. O livro sobre o fotógrafo inclui textos do próprio Otto e do organizador Rubens Fernandes Junior, além de depoimentos de Paulo Borges e Bob Wolfenson, entre outras personalidades. A obra reúne, pela primeira vez, além de uma série notável de fotografias de moda pelas quais Otto ficou conhecido, imagens que ele produziu ao longo de mais de 50 anos. São retratos familiares, de personalidades da vida cultural, além de fotos de viagens. Qualquer imagem é pretexto para uma narrativa de Otto Stupakoff, que cria climas em cada um dos instantes fotografados. Além de saber fazer as fotografias, ele sabia descrevê-las em suas intenções e nuances como poucos. Em entrevista feita por Álvaro Machado, Augusto Massi e Rubens Fernandes Junior, Otto relembra o início como fotógrafo, depois de tomar a decisão de abandonar a sua primeira vocação: cineasta. Informalmente, discorre sobre a importância da formação cultural de um fotógrafo. Conta que trabalhava para as editoriais de moda como se estivesse produzindo imagens para álbuns de família. Por isso, suas imagens se assemelham muito ao cotidiano, como se tivessem sido capturadas casualmente durante algum breve encontro familiar. Singelas, porém com uma carga informativa bastante elevada. Jornal da ABI 340 Abril de 2009
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