DIVULGAÇÃO
JOSÉ OLYMPIO ELE INVENTOU O MERCADO DO LIVRO NO BRASIL Editor dos mais destacados autores a partir dos anos 40, J.O. criou para suas edições um espaço também comercial. Páginas 36 e 37
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
OUTUBRO 2008
A Constituinte vista de dentro, 20 anos depois Os jornalistas que cobriram a elaboração da Constituição Cidadã do Dr. Ulysses lembram com emoção aqueles dias memoráveis, em que o Brasil instituiu um Estado que tem como primado a liberdade sufocada pelo regime militar. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7 e Editorial na página 2
OS 40 ANOS DE VEJA E
A ABI NA ORDEM DO MÉRITO CULTURAL
DO NOVO JORNALISMO
A CASA É AGRACIADA COM ESSA HONRARIA NO ANO DO SEU CENTENÁRIO . PÁGINA 10
UMA APOSTA DOS CIVITA GEROU OUTRO MODO DE FAZER REVISTA. PÁGINAS 15, 16 E 17
ZUENIR, RICARDO KOTSCHO E ZÉ H AMÍLTON RECEBEM PRÊMIO DA O NU. PÁGINAS 26 E 27
NIEMEYER, MESTRE
REPORTAGEM-DENÚNCIA
BIOGRAFIAS AGORA
30º PRÊMIO HERZOG TEVE 500 NO JÚRI
TAMBÉM NA CRÔNICA
É QUE GANHA DESTAQUE
SUJEITAS A CENSURA
REUNIÃO DE SEUS TEXTOS MOSTRA UM AUTOR QUE MUITOS DESCONHECEM . PÁGINA 31
SÉRIE SOBRE O TERROR EM FAVELAS OBTÉM O MAIOR P RÊMIO E MBRATEL . PÁGINAS 22 E 23
FAMÍLIAS DE NOTÁVEIS ACHAM QUE SÓ ELAS PODEM CONTAR SUAS VIDAS . PÁGINAS 34 E 35
AGÊNCIA BRASIL
JÁ RAIOU A LIBERDADE
Editorial
CIDADÃ, MESMO TALVEZ NÃO TENHAM ALCANÇADO dimensão compatível com a grandeza desse notável documento político de nossa História as comemorações do 20º aniversário de promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, que foi festejada com as galas devidas pelas instituições que tiveram papel de ponta nas ásperas lutas pelo retorno do País do Estado de Direito, mas sem que tais eventos alcançassem a repercussão popular desejável. AINDA BEM QUE a importância desse momento histórico mereceu as atenções das instituições da sociedade civil dedicadas ao culto da lei, como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e suas seções estaduais e as escolas de Direito, que festejaram o aniversário da Carta com seminários, mesas-redondas, conferências e outras iniciativas, celebrando-a sob o aspecto técnico e como construção política. ESSA CONSTITUIÇÃO É A PEÇA mais prodigiosa da nossa evolução política, porquanto constitui de um lado a suma de tudo quanto de avanço foi consagrado nos textos constitucionais precedentes, especialmente o da Carta de 18 de setembro de 1946, que corporificou as aspirações de liberdade e de conquistas no campo dos direitos civis que o prolongado terror do Estado Novo (1937-1945) não logrou esmagar. DE OUTRO LADO, A CONSTITUIÇÃO DE 1988 é produto não apenas das concepções e do trabalho das quase cinco centenas de parlamentares a que as urnas de 1986 atribuíram tão honroso encargo, mas também da mobilização da sociedade civil numa escala sem precedente em
nossa existência nacional com o objetivo determinado de influir na definição do texto legal maior. Em reportagem que o Jornal da ABI publica nesta edição, um dos jornalistas que cobriram a Constituinte, Jorge Bastos Moreno, recorreu a uma imagem feliz para definir esse momento e esse fenômeno. “A Assembléia Nacional Constituinte foi a passarela pela qual desfilaram todos os segmentos da sociedade brasileira”, disse. HÁ EXTREMA adequação, pois, no adjetivo com que o Presidente da Assembléia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, saudou e empunhou o texto constitucional que se promulgava naquele histórico 5 de outubro: “Esta é a Constituição Cidadã”, disse emocionado o condutor dos trabalhos da Constituinte, certamente, então, com a memória avivada pelo acidentado trajeto que cumprira, como líder e chefe da oposição à ditadura militar, ao longo da prolongada luta para derrocada do regime infame que a nova Carta sepultava para sempre. De suas lembranças não estaria apagada a vilania do Governador da Bahia Juraci Magalhães de mandar soltar os cães da repressão policial nos calcanhares dele e do nosso patriarca Barbosa Lima Sobrinho, os anticandidatos da eleição de 1974, quando ambos levaram a Salvador a palavra de denúncia da oposição. ESSA É A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, SIM; Cidadã, mesmo. Como disse na memorável sessão de promulgação o Senador Afonso Arinos de Melo Franco, cabe ao povo defendê-la, como uma obra irretocável e incomparável da nossa consciência cívica.
Jornal da ABI Número 334 - Outubro de 2008
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência O Globo, Folha Dirigida, Folhapress Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03
História - A imprensa na Constituinte ○
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Cinema - A blogosfera nas telonas
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Veja 40 anos - A aposta que se tornou uma fórmula para o novo jornalismo
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Per fil - Mario Augusto Jakobskind erfil
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Reivindicação - Jornalistas querem discutir a renovação das concessões de rádio e tv ○
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Homenagem - A densa caminhada de Mário Barata ○
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Competição - Prêmio Embratel valoriza jornalismo-denúncia ○
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Ano do Centenário - A ABI na Ordem do Mérito Cultural ○
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Educação - Na festa das Personalidades, destaque à ABI ○
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Justiça - Biografias sob censura
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Os Editores - José Olympio: A trajetória de um editor que revolucionou o mercado
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Memória - Stanislaw atual, mesmo 40 anos depois
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ARTIGO
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Povo pobre é que faz comida boa por Paulo Ramos Derengoski ○
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SEÇÕES
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A C ONTE CEU NA AB ONTECEU ABI Pery Cotta assume o Conselho da ABI ○
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L I B ER DADE DE IM P R EN SA ERD ENSA
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D I R EIT OS H U MANOS EITOS Premiação histórica
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Anistiados os líderes da Une presos no Congresso de Ibiúna
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L IVROS As crônicas de Niemeyer
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Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
ARQUIVO-CÂMARA DOS DEPUTADOS
HISTÓRIA
A IMPRENSA NA CONSTITUINTE Vinte anos depois, jornalistas lembram com emoção a aventura profissional que viveram naqueles dias de 1986-1987 com o ardor cívico de saber que o Brasil começava a mudar. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
No dia 5 de outubro de 1988, o Deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, declarava promulgada o que chamou de Constituição Cidadã. Apesar de algumas opiniões em contrário – como a do Senador Marco Maciel, que considera o documento “uma obra inacabada, que pressupõe reformas políticas” –, a nova Carta trouxe ao País avanços significativos, a começar pela estabilidade política, que levou à retomada do Estado de Direito, e o fim da censura. Ao se avaliar os resultados da Constituinte, é importante lembrar também o papel cumprido pelos meios de comuni-
cação nos 19 meses que duraram as discussões e votações no plenário do Assembléia Nacional Constituinte, informando a Nação sobre os debates de uma das mais importantes transições políticas da História do País. O jornalista Tarcísio Holanda, membro do Conselho Deliberativo da ABI, diz que, além de refletir o conflito ideológico, a imprensa também influiu nas decisões, a favor do avanço social: – Essa Constituinte é acusada de assegurar mais direitos do que deveres, o que rigorosamente é verdade. Mas para um país que tem um desnível social tão alarmante, acho que o trabalho foi edificante. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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AGÊNCIA BRASIL
HISTÓRIA A IMPRENSA NA CONSTITUINTE
Pela primeira vez a elite brasileira se preocupou com a maioria marginalizada da população. E a imprensa soube traduzir esse sentimento. Foi um momento marcante na História do Brasil, de tensos mas importantes debates ideológicos. Participar daquele momento teve sabor especial para muitos jornalistas, como o repórter-fotográfico Leopoldo Silva, que trabalhava no Jornal do Brasil: – Mesmo muito jovem, eu tinha a consciência de que a gente estava fazendo História, sentia que, com o meu trabalho, estava contribuindo para a documentação da História do Brasil. Fiquei muito empolgado com a oportunidade de presenciar o processo de transição do País depois de um longo período na obscuridade, com a ditadura militar. A estreante Gisele Arthur, atualmente Gerente de Relações Governamentais de uma empresa de telefonia, em Brasília, fez sua estréia jornalística na Constituinte como freelancer do JB, a convite do editor de Política Franklin Martins, hoje Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Ela conta como era o clima entre os colegas na Câmara, ao fim dos trabalhos: – Foi um dia muito especial. Já era madrugada, não me lembro da hora. Estávamos todos no plenário, porque o Dr. Ulysses disse que ia tocar o projeto até acabar, e realmente foi até o fim. Quando terminou, ele estava eufórico e nós, jornalistas, pedimos que ele se juntasse ao grupo, para que fizéssemos uma fotografia. Gisele conta ainda que as únicas votações que não acompanhou foram as do sistema tributário, cobertas pela editoria de Economia, e a do mandato presidencial, devido a uma gripe muito forte que a manteve em casa. Ela ressalta que há 20 anos, se não havia o suporte tecnológico atual, o acesso às fontes era mais fácil: – A gente passava por um corredor e dava de cara com os líderes das comissões de votação. O contato direto com os parlamentares era muito importante para o nosso trabalho. Também chamava a atenção a riqueza dos debates e discursos em plenário. Mesmo na defesa de pontos de vista diferentes, situação e oposição procuravam se ouvir mutuamente. Um desses discursos marcantes, conta a jornalista, foi o de Alcenir Guerra, defendendo a licença-paternidade proposta por Rita Camata: – O Deputado contou o drama da mulher dele para tomar conta sozinha do seu bebê e emocionou os presentes. Todos acham que a emenda só foi aprovada por isso, assim como o voto sobre o direito de greve, que, para surpresa geral, foi defendido na tribuna pelo militar conservador Jarbas Passarinho, então Senador. Gisele diz que o único capítulo cujo desfecho não teve consenso foi o da Comunicação, cuja relatoria era da Deputada Cristina Tavares: – A briga foi grande durante a votação, devido 4
Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
Após intensos debates durante a Constituinte, parlamentares comemoram aprovação do mandato de quatro anos em acirrada votação.
à atuação dos empresários do setor, e acabou não havendo acordo. Para encaminhar a emenda para a Comissão de Sistematização, a minuta teve que ser “ajeitada”. “Você viu?” No âmbito parlamentar, a Assembléia Nacional Constituinte teve a participação de muitas figuras interessantes, como o esperto e experiente Ulysses Guimarães, que foi um dos grandes articuladores da nova Carta e criou, por exemplo, um expediente chamado fusão, com o qual misturava assuntos completamente díspares. Foi assim que no meio do capítulo sobre o setor pecuário ele pôs uma proposta do então Deputado Ronaldo Cezar Coelho (RJ) sobre o pagamento de compensação, por parte do empregador, de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS em caso de demissão involuntária do trabalhador. O artifício rendeu nota exclusiva do JB na coluna O que foi aprovado ontem, que Gisele produzia com Rita Tavarez: – O JB foi o único que publicou a notícia. No dia seguinte, o editor me telefonou e perguntou se eu tinha certeza da aprovação da emenda, porque ou a gente tinha dado um grande furo, ou uma tremenda barriga. Liguei para a casa do Dr. Ulysses para me certificar do assunto. Ele caiu na gargalhada e falou: “Ah, então você viu, minha filha?” E continuou a rir. Entre tantas histórias, Gisele acha que a mais interessante foi a do resultado da votação da emenda do parlamentarismo, cuja sessão foi coordenada pelo Senador Afonso Arinos de Melo Franco (PFL-RJ). Tarde da noite, andando no corredor do Congresso, ela encontrou o Senador José Fogaça (PMDBRS) com um rolo de papel nas mãos, ao qual contou que estava desolada, porque voltava para a Redação sem ter conseguido uma cópia do documento. Num gesto inusitado, ele falou: “Estou vindo do gabinete do Afonso Arinos e
tenho aqui a minuta. Se você quiser, eu lhe empresto para tirar uma cópia, contanto que me devolva amanhã.” Naquele momento, Gisele não sabia que tinha sido a única repórter a conseguir a minuta. No dia seguinte, os jornalistas de Política foram cobrir o velório de Carlos Drummond de Andrade, falecido em 17 de agosto de 1987, sabendo que seu amigo Afonso Arinos estaria lá. No fim da cerimônia fúnebre, Arinos foi cercado pelos repórteres, que queriam saber da votação, e alegou que precisava consultar sua minuta, que não estava em seu poder:– Eu, muito exibida, peguei a minha cópia, que na verdade era a dele, e disse: “Está aqui, Senador”. As atenções se voltaram para mim – conta a jornalista. – Ele pegou o papel, guardou e foi embora, dando por encerrada a entrevista. Fui atrás dele, pedi a minuta de volta e ele retrucou: “Que emenda, menina? A que eu fiz?” Fiquei num dilema. Como ia explicar ao jornal que não tinha mais o documento? Pois não é que mais tarde, no Congresso, ele mudou de idéia? Veio na minha direção e disse: “Olha, moça, a senhora tem razão, trata-se da minha emenda sim, só que essa cópia deve ser a sua mesmo, porque o meu original está sobre a minha mesa.” E me devolveu o papel. Dificuldades Ao lembrar o ambiente de trabalho nas duas Casas legislativas nos anos 80, o atual Presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados, José Maria Trindade, diz que a primeira dificuldade era técnica, mas que isso só é perceptível hoje, por causa da nova tecnologia: – Não havia celulares, internet, não tínhamos computadores à nossa disposição, só um 286 para atender a Câmara inteira. O trabalho era físico, braçal mesmo. Muitas emendas eram coladas no texto datilografado. Várias vezes presenciei o relator Bernardo Cabral fazer emendas literalmente em cima das pernas, sentado numa cadeira.
No Comitê de Imprensa havia telefones fixos e os repórteres usavam as velhas máquinas de escrever para redigir as matérias. Uma prática comum entre os veículos era mandar seus motoqueiros pegar as laudas e os filmes para levar às redações: – Para evitar o trâmite burocrático e ganhar tempo, sem que os motoqueiros tivessem que passar pelo serviço de identificação da Câmara, passávamos os envelopes com o material pela janela lateral do prédio. — Hoje o setorista tem ainda à sua disposição a intranet, que é atualizada a cada sessão e transforma a notícia em algo quase banal. Antigamente, a gente colhia a informação ali, na hora, no fim das votações das emendas. E quem tivesse mais agilidade para fazer a matéria chegar à Redação no fechamento ganhava a página do dia seguinte. Só então o próprio repórter ia descobrir se havia conseguido o feito. Outra estratégia muito usada era a produção de dois textos, segundo Trindade: – Eu mesmo fiz muito isso, o “foi aprovado (...), não foi aprovado (...)”. Terminada a votação, ligava para o editor e dizia qual texto devia liberar. É bom lembrar também que poucas rádios e tevês mantinham correspondentes em Brasília e que os sites de notícias não existiam. Os jornais reinavam e conseguiam a melhor performance. O número menor de repórteres no Congresso proporcionava uma proximidade dos jornalistas com os parlamentares hoje quase impossível de acontecer, com mais de 300 profissionais disputando notícias no plenário. Ainda assim, Trindade acha que, de modo geral, os veículos podiam ter explorado melhor a Assembléia Nacional Constituinte: – O trabalho que resultou na Constituição proporcionou grandes debates sobre diversos assuntos de interesse geral e a votação era aberta. Entretanto, acabou predominando a pauta política.
ARQUIVO PESSOAL
missão encarregada de organizar as esQuando o Brasil começou a votar sua tratégias da instituição na luta pelo Essétima Carta Constitucional, Barbosa tado de Direito e pela convocação da Lima Sobrinho exercia seu terceiro Assembléia Constituinte. Quando ela mandato na Presidência da ABI (1978foi instalada, em 1987, vários membros 2000). Ele fora deputado constituinte da ABI a integravam e poderiam ofepelo PSD em 1946 e era um constitucirecer contribuição efetiva à elaboração onalista convicto: em 1964, condenou da nova Carta. com firmeza a derrubada de João GouO assunto foi a pauta principal da lart pelos militares; em 1973, aceitou reunião do Conselho Deliberativo da participar como anticandidato a ViceABI em 25 de novembro de 1986, quanPresidente da República na chapa de do o Presidente Barbosa Lima Sobrinho Ulysses Guimarães, para “denunciar a saudou os Conselheiros Pompeu de farsa das eleições indiretas”; nos anos Souza (Senador pelo PMDB80, foi um dos principais arDF); Paulo Alberto Monteiticuladores das “Diretas Já”. ro de Barros (Artur da TávoBarbosa Lima considerala, Deputado federal, PMDBva que já era mais do que RJ); Carlos Alberto Oliveihora substituir a Carta firra (Caó, Deputado federal, mada na ditadura, que PDT-RJ); Afonso Arinos de “comprometia a História Melo Franco e Nélson Carpolítica da nação, inconforneiro (Senadores, respectivamada com um regime premente pelo PFL e o PMDB do sidido por uma ConstituiEstado do Rio); Heloneida ção ilegítima, isto é, uma Studart (Deputada estadual, Constituição que se não PMBD-RJ); Milton Temer originava do voto popular”. (Deputado estadual, PSB-RJ). No artigo A instalação da O hoje Conselheiro TarAssembléia Nacional ConstiTarcísio Holanda: císio Holanda, que na épotuinte, publicado no Boletim ABI de janeiro- fevereiro de conflitos de interesses. ca era comentarista político do Correio Braziliense e da 1987, Barbosa Lima SobriTV Educativa, tece elogios à participanho lembrava que a campanha pela ção de Artur da Távola e Caó na Consnova Carta foi uma ação da vontade tituinte. O primeiro, juntamente com popular, não uma imposição de “goverFernando Henrique Cardoso, Mário nantes escolhidos no segredo dos coCovas e José Richa, entre outros, foi um légios eleitorais”. Assim, não cabia esdos principais defensores do parlamentranhamento no intenso fluxo de cidatarismo no Brasil: — O velho Ulysses dãos em Brasília, em multidões cercanera contra. O Sarney admitiu uma nedo o prédio do Congresso. Toda essa gociação, que chegou a ser esboçada, mobilização significava uma reação ao mas numa madrugada, depois de um passado e a forma de a população reiencontro com o Ulysses, o relator Bervindicar a restauração de um Poder Lenardo Cabral voltou atrás e prevaleceu gislativo que não ficasse “restrito ao o presidencialismo. Essa foi uma das âmbito dos decretos-leis”. notícias mais importantes que eu comentei, além da batalha sobre o manUma bancada da Casa dato presidencial. Seguindo a tradição da entidade de Caó, por sua vez, foi figura importante vanguarda na defesa das causas demona definição da emenda contra a discrimicráticas, a ABI criou em 1985 uma co-
UCHA ARATANGY/FOLHA IMAGEM
NO PLENÁRIO, UMA BANCADA DA ABI
Um ano antes da eleição para a Constituinte, Barbosa Lima Sobrinho criou na ABI uma comissão para estudar o assunto.
nação racial, segundo Tarcísio, “garantindo que passasse a ser enquadrada como crime”. Uma das primeiras providências da Diretoria da ABI durante a Constituinte foi encaminhar a seu Presidente, Ulysses Guimarães, um anteprojeto sobre o Direito da Comunicação, para que fosse inserido na Carta. A proposta partiu do jurista e Conselheiro da ABI Clóvis Ramalhete, que, após aprovação do Conselho Administrativo, elaborou o texto com a colaboração dos Conselheiros Hélio Silva, José Honório Rodrigues, Antônio Houaiss e Edmundo Muniz, assistidos por Barbosa Lima Sobrinho e Mário Martins. A proposta encaminhada pela ABI dizia na Secção I: “São livres, isentas de censura e de licença da autoridade a manifestação de opinião e a transmissão de informações, por jornais, periódicos, livros e radiodifusão. A lei não oporá restrição alguma à prestação de informações, nem à manifestação de pensamento, salvo a da responsabilidade civil ou penal pelos abusos que definir.” Confrontos Tarcísio Holanda diz que a Constituinte foi um momento tenso, cheio de conflitos de interesses: — Entre as emendas mais polêmicas, a da reforma agrária teve destaque indiscutível e provocou grande debate ideológico. Outro debate acirrado foi sobre o direito de greve, que a esquerda queria estender aos militares. Acho um absurdo dar esse direito a uma pessoa que pega em fuzil, é um erro o Brasil dá-lo aos policiais. Nos países civilizados, ARQUIVO-CÂMARA DOS DEPUTADOS
ARQUIVO-CÂMARA DOS DEPUTADOS
Dois dos constituintes da ABI: Heloneida Studart, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio, e Artur da Távola, em Brasília.
quem porta arma não pode participar de greve, feita para proteger a parte mais fraca da sociedade. Coube ao Senador Jarbas Passarinho, lembra Tarcísio, fazer um discurso alertando para o absurdo, porque a organização das Forças Armadas se fundamenta na hierarquia e na disciplina: — Ele explicou que o direito de greve subverteria esses princípios e como ameaçou votar contra, de modo absoluto, forçou a esquerda a entrar em negociação. As Forças Armadas ficaram fora da emenda, mas hoje há a necessidade de se regulamentar o direito de greve, para que também os policiais não possam recorrer a ele. Diz Tarcísio que a formação do Centrão foi uma reação dos núcleos conservadores ao papel importante da esquerda brasileira, especialmente do PMDB, no processo de elaboração da nova Carta. Porém, mesmo com a organização da centro-direita, que tinha muitos representantes, ele registra, a esquerda teve muitas vitórias: — Um papel relevante nesse processo foi o do Deputado Mário Covas (PMDB-SP), líder da Maioria. Homem de centro-esquerda, ele prestigiou as siglas de oposição e deu espaço a elas na Constituinte — inclusive ao PT, que se recusava a assinar o texto. Destaco também o Senador Bernardo Cabral (PMDB-AM), relator-geral, e o José Genoíno(PT-SP); pela direita, o José Bonifácio de Andrada (PDSNG) e o Luiz Eduardo Magalhães (PFLBA), que era um políticoo conservador mas boêmio e tinha uma relação muito boa com os constituintes de esquerda. Havia também o Ricardo Fiúza, do PFL de Pernambuco, que era competentíssimo e foi um dos líderes do Centrão. Tarcísio recorre aos números para falar da correlação de forças e do poder do PMDB na Assembléia Nacional Constituinte: — O PMDB elegeu 304 membros, num total de 481 constituintes, ou seja, um quórum maior que o da maioria absoluta, que era de 281. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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HISTÓRIA A IMPRENSA NA CONSTITUINTE
FOTOS: AGÊNCIA BRASIL
Com a autoridade moral conferida pela coragem com que enfrentou a ditadura, Ulysses Guimarães foi o firme condutor da Constituinte, com a colaboração direta do relator-geral Bernardo Cabral (a seu lado, à esquerda) e a atuação eficaz de parlamentares de relevo, como Fernando Henrique Cardoso (de pé, ao alto) , Mário Covas (abaixo,na cabeceira) e Afonso Arinos (a seu lado).
Na passarela, a sociedade SÉRGIO MARQUES/O GLOBO
Há 30 anos na cobertura política, o colunista de O Globo Jorge Bastos Moreno era repórter quando a Assembléia Constituinte foi instalada e o designaram para cobrir os bastidores do evento: – Nesse contexto, acho que o que eu observei de mais interessante foi a queda-de-braço sobre o formato do novo sistema de Governo, o tempo de mandato do Sarney, tudo ligado ao presidencialismo. Era o atalho que se buscava. Uns queriam mandato de seis anos, abriu-se a oportunidade para cinco, mas acabou em quatro, sendo negociado com a questão do parlamentarismo. Ficava cada vez mais claro que a Constituição tinha uma cabeça presidencialista sobre um corpo parlamentarista. A prova maior disso são as medidas provisórias, que dão ao Presidente o poder para legislar. Também chamaram a atenção de Moreno a mobilização popular e a grande circulação de representantes de movimentos sociais pelo Congresso: – Muitos desses grupos hoje estão em evidência, mas na época eram ainda desconhecidos. A Assembléia Nacional Constituinte foi uma passarela para o desfile de todos os segmentos da sociedade brasileira, étnicos e religiosos. Moreno diz também que Brasília sediou então o maior fórum de discussões do País, com gente discursando em toda parte: – Enquanto a maioria dos colegas trabalhava no plenário, eu tinha contato direto com aquelas pessoas que estavam, naquele momento, descobrindo o Brasil, tanto tempo sufocado pela ditadura militar. Brasília deixou de ser uma ilha para representar o País.
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Ulysses ouvia quem tinha o que propor na Constituinte, como Leonel Brizola, Presidente do PDT e então Governador do Estado do Rio (acima). Eram freqüentes também suas reuniões com os líderes de bancadas, ao lado do Senador Mauro Benevides, primeiro Vice-Presidente da Mesa da Constituinte.
RADIOBRÁS
DOIS JATINHOS A SERVIÇO DO CENTRÃO Para alguns repórteres que participaram da cobertura da elaboração da Constituição de 1988, como André Dusek, atual chefe da Fotografia da sucursal do Estadão em Brasília, tudo ainda parece recente: – Foram momentos maravilhosos, parece que foi ontem. Agora, no dia 5 de outubro, quandoe percebi que haviam se passado 20 anos, fiquei surpreso. Depois disso, já ocorreu tanta coisa... o Governo Sarney, o impeachment do Collor, a eleição do Lula para Presidente... Mas a Constituinte, que eu cobri do começo ao fim, foi uma experiência muito rica. Considero um tesouro o material que produzi e guardo até hoje. Jorge Wamburg, da Rádio Nacional, diz que essa foi uma das experiências mais importantes da carreira: – Foi um trabalho extraordinário. A Constituinte empolgou o País, só se falava nesse assunto, e nós, jornalistas, íamos trabalhar com muita garra e entusiasmo, até porque, sem poder prever o futuro, realmente achávamos que muita coisa ia melhorar no País. Conta Wamburg que a rotina da equipe da Nacional era superdinâmica: – A gente entrava muito ao vivo, especialmente na parte da manhã, no programa Revista Nacional”, que ia ao ar das 8h às 10h. Referência do radiojornalismo, hoje ele se chama Revista Brasil”, vai até o meio-dia e ainda é o carro-chefe da casa. Ele também trabalhou para a Rádio Globo de Brasília, atual CBN, na qual deu uma de suas mais importantes notícias sobre a Constituinte: – Guar-
do até hoje a fita da transmissão da cerimônia de promulgação da Constituição, com os discursos do Afonso Arinos e do Ulysses Guimarães. A narração foi feita ao vivo sob a orientação do pessoal do Rio, com a supervisão do repórter Ely Moreira, que atualmente é Conselheiro da ABI. Tensão: o centrão Luiz Queiroz, editor do site Convergência Digital, tinha 28 anos na época da Constituinte e trabalhava para as rádios Alvorada FM, de Belo Horizonte, e Verdes Mares, de Fortaleza. Para ele o momento mais tenso de todo o processo foi o surgimento do Centrão: – Ali ficou caracterizada a resistência da direita em ceder espaços para a esquerda no processo de redemocratização do País. A Constituinte nasceu com uma Comissão de Sistematização, formada por uns 60 a 70 parlamentares que se sobressaíam diante dos demais e tinham a incumbência de recolher todas as propostas à Constituição e transformá-las num texto. Obviamente, o resto do Congresso não gostava desse privilégio de poucos e começaram as reações, sendo o Centrão a mais forte delas. Esse grupo, liderado pelos Deputados Ricardo Fiúza, Luiz Eduardo Magalhães e José Bonifácio de Andrada, montou ardilosa manobra política para se fortalecer nas votações das emendas, denunciada na reportagem Os vôos caros do Centrão, de José Maria Trindade, publicada na IstoÉ Senhor e que ele relembra aqui: – Saindo do jornal para trabalhar em revista, passei a garimpar
Jorge Wamburg, da Rádio Nacional: garra e entusiasmo para cobrir a Constituinte.
notícias que escapavam dos colegas durante a semana. Assim descobri um esquema do Centrão, que punha dois jatinhos voando por todo o País e oferecendo carona aos constituintes dispostos a votar a seu favor. Era só ter uma emenda importante que os aviões eram disparados de Brasília, um para o Sul, o outro para o Nordeste, às vezes voltando de madrugada. Fiz o levantamento dos custos dessas viagens e mostrei todo o funcionamento da trama. Os melhores momentos Para Luiz Queiroz, dois momentos “foram e serão eternamente marcantes”: o primeiro, quando Afonso Arinos pediu no plenário que o povo defendesse a nova Constituição; o segunSÉRGIO DUTTI
André Dusek, chefe da Fotografia da sucursal do Estadão em Brasília; Luiz Queiroz, editor do site Convergência Digital; Gisele Arthur, Gerente de Relações Governamentais; José Maria Trindade, Presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados e Leopoldo Silva, repórter-fotográfico: o trabalho deles contribuiu para documentar esse importante momento histórico do Brasil.
do, quando Ulysses Guimarães proclamou a nova Carta. – Ele a ergueu e disse: “Esta será a Constituição Cidadã”. Guardo comigo esse discurso antológico. Ele sabia que a Carta era imperfeita, mas, no contexto em que vivíamos, aproximou o povo do Congresso Nacional. “Existem imprecisões, reconheço”, dizia o Dr. Ulysses. “Vamos corrigi-las, estou certo”. Mas no fim também deu seu recado àqueles que ainda tinham saudades do período militar: “O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo.” Recorda Queiroz que os jornalistas promoviam muitas brincadeiras no “aquário”, parte superior do plenário onde ficam as cabinas de rádio e TV. Uma delas era tentar descobrir como Ulysses Guimarães podia ficar sentado tantas horas sem ir ao banheiro: – O velho era de ferro. Uns brincavam, dizendo que embaixo da mesa tinha uma “comadre”, ou um “patinho”; outros, que ele usava fraldas descartáveis – mas ninguém conseguia saber como ele se livrava delas durante as sessões. Na época, eu e Gisele Arthur, do JB, também brincávamos com a campainha que chamava os deputados para as sessões. Eram três toques eletrônicos, e nós inventamos que sua tradução seria: “Teeeem jeeeee toooon.” Para quem não lembra, o jeton era um auxílio financeiro que os parlamentares recebiam para trabalhar. Adeus liberdade Queiroz relembra o período da Constituinte como a época em que os jornalistas tiveram mais liberdade que nunca no plenário: – Mesmo com críticas, o Ulysses jamais impediu a imprensa de fazer seu trabalho. Depois dele, tudo mudou. O Ibsen Pinheiro inaugurou uma barra de ferro que separava os parlamentares dos jornalistas. Em seguida, Luiz Eduardo Magalhães mandou envidraçar as galerias. Recentemente, o petista Arlindo Chinaglia queria retirar o Comitê de Imprensa de seu lugar junto ao plenário. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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ARTIGO MARTA STRAUCH
Povo pobre é que faz comida boa POR PAULO RAMOS DERENGOSKI
Alimentação do ser humano – ao longo dos séculos, dos milênios – sempre foi produto de necessidade. Ao analisarmos os hábitos alimentares dos diferentes povos e civilizações, podemos verificar que os países e sociedades mais pobres e miseráveis, numa aparente contradição – se bem que a contradição seja a lei do mundo – são os que produziram as cozinhas mais elaboradas, requintadas e sofisticadas, sob o ponto de vista do sabor, da apresentação e até do olfato. Os chineses, por exemplo, que sofreram fomes milenares, aprenderam a utilizar todos os tipos de comida das mais diversas maneiras, nada jogando fora, aproveitando restos e resíduos, elaborando uma técnica onde a palavra “desperdício” não existe. Premidos pela fome, pela necessidade, pela carência... Por exemplo: preparam não só o peixe, mas também as vísceras do peixe, as barbatanas do peixe, os miúdos do peixe. Comem não só os pássaros e as andorinhas – mas também preparam uma sopa, aliás famosíssima, dos próprios ninhos feitos com as babas dessas mesmas andorinhas... É óbvio que tal necessidade – e capacidade – de aproveitar todo e qualquer tipo de alimento levou a cozinha chinesa a tais requintes de especializações, a tais detalhes da técnica de preparar e servir alimentos, que a culinária do Império do Meio se tornou uma arte – e mais do que uma arte: um fato de cultura, com os cozinheiros passando a ser grandes figuras nas embaixadas e até nas burocracias estatais. Hoje 8
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eles são mestres de uma cultura históto) de todos os ingredientes – e que por rica e gastronômica que chega até a isso mesmo exigem bom tempero, acaexigir cursos de nível superior. No que bamento e combinações com outras aliás estão certos, porque gastronomia guarnições. é sinônimo de cultura. O exemplo mais típico talvez seja o Não por acaso os chineses se tornada velha e generosa feijoada – o prato ram mestres na técnica de conservação nacional brasileiro por excelência, o que de alimentos por métodos naturais. E mais combina com o nosso caráter e com uma populaque talvez por isso ção que ronda o bitenha sido escolhiADA MAIS ANTINATURAL do por Macunaíma lhão, conseguiram afastar o espectro para ele se refesteDO QUE TRANSFORMAR A lar. A feijoada surdantesco da fome. Ali nada se perde: giu porque os seALIMENTAÇÃO NATURAL nem uma casca de nhores d’engenho ovo é jogada fora. do Nordeste, guloEM MAIS UM OBJETO DE A Índia, outro sos e gananciosos, país premido pela preferiram mastiCONSUMO DESVAIRADO necessidade, aprengar apenas as medeu a produzir, ao lhores partes (no longo dos séculos, pratos e condimenentender deles) do porco – lombinho tos refinadíssimos, especiarias e molhos e quartos traseiros – jogando o resto que provocaram romarias de navegadopara os escravos: isto é, orelhinha, rares no passado e que hoje são copiados binho e pezinho. Os escravos mistuno mundo inteiro, como o famoso curraram esses ingredientes ao prato que ry. Basta dar o exemplo do arroz-indiamais comiam – o feijão-preto – e nos no, que chega a ter várias dezenas de tideram um belo exemplo de gastronopos de condimentos de uma só vez... mia que atravessa os séculos, cada vez Descendo para o continente amerimais apreciado. cano, verificamos que um país de granJá os países ricos possuem uma code população pobre e indígena como o zinha absolutamente sem imaginação. México produz temperos e pratos que Basta conferir os pratos norte-ameriatravessam o mundo pelo seu requincanos, canadenses, ingleses ou holante, tempero, sofisticação e originalidadeses. “Graslok!..” “Rodgrod!..” “Flade, como é o caso das “tortilhas–temeskeaeggkage!..” ou suíços: “raclettes” peradas”, das “enchiladas–verdes” ou e “fondues”... dos famosos “pescados-de-Yucateco”. A exceção seria a doce França. Mas Enquanto os Estados Unidos (para não é bom lembrar que a França tem uma falar do Canadá) nos apresentam alcozinha de origem camponesa, provinguns “bolos de carne”, “galinhas com ciana, bretã, normanda, além de ter lentilha” ou “sopas” de pouca imaginaconhecido no passado grandes períoção. Exemplificam a necessidade do dos de carência (“Se não tem pão come aproveitamento (e do embelezamenbrioche”...). Lembra-se?.
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Na Itália também a cozinha mais requintada é a do Sul pobre – de Nápoles, de Sicília, da Sardenha – as pizzas, as massas, os cabritos. Do que o Norte é rico: os frangos, as polentas. Não estou discutindo questões de paladar e muito menos hábitos alimentares enraizados – mas o fato de que onde há abundância de alimentos a culinária não floresceu como arte. Pois sem necessidade de grandes esforços para alimentar a população a gastronomia não evoluiu, sob o ponto de vista da elaboração técnica... No entanto, os habitantes das regiões mais desenvolvidas – apesar de não conhecerem a cozinha mais sofisticada – são grandes comilões (os maiores que se conhece) e por isso um de seus maiores problemas hoje é inventar dietas para... emagrecer. Daí o grande sucesso da chamada alimentação natural nas grandes capitais. Ela de fato é excelente para quem quer perder peso, mas dificilmente será elogiada por aqueles que sofrem carência de calorias e proteínas... Aliás, nada mais antinatural do que transformar a alimentação natural em mais um objeto de consumo desvairado, na ganância de vender tudo o que orienta a sociedade do lucro. Que é de profundo mau gosto. Embora gosto não se discuta... No Brasil são também as regiões mais pobres – como a Amazônia ou o Nordeste – que possuem a cozinha mais requintada e a única verdadeiramente regional: o pato ao tucupi do Pará, o sarapatel da Bahia, a moqueca de peixe do Nordeste. Paulo Ramos Derengoski, jornalista e sócio da ABI, é radicado em Lages, SC.
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FOTOS MARCELO HOLLAND
A diversidade cultural do Brasil foi exposta no palco na pose da foto de encerramento do ato. O ex-Ministro Gilberto Gil (à esquerda) atrasou-se mas chegou a tempo de posar.
A ABI na Ordem do Mérito Cultural Uma noite de gala. Um cenário imponente. E o reconhecimento de uma instituição que, há 100 anos, é uma das protagonistas na batalha travada em defesa da cultura e da democracia no País. Essa pode muito bem ser a síntese da premiação realizada no dia 7 de outubro, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, en que a ABI foi condecorada com a Medalha da Ordem do Mérito Cultural 2008, na categoria Instituições e Iniciativas Culturais. Criada em 1995, a Ordem do Mérito Cultural, que este ano chegou a sua 14ª edição, é uma iniciativa do Governo federal com o objetivo de premiar personalidades, grupos artísticos, iniciativas e instituições que se destacaram por suas contribuições no setor. O tema central deste ano foi o centenário do escritor Machado de Assis – data especial que foi alvo de diversos eventos realizados pela ABL ao longo de 2008. Também falecido em 1908, e igualmente membro da Academia, o dramaturgo Arthur Azevedo foi outro homenageado especial da noite. Durante a solenidade, apresentada pelos atores Sérgio Mamberti – secretário da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura – e 10 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
Camila Pitanga, foram condecoradas 38 personalidades – nove in memoriam – e 11 grupos artísticos e instituições que tiveram destaque por suas ações na área cultural. No roteiro da festa, diversos momentos emocionantes, como a interpretação a capella do Hino Nacional Brasileiro, que ficou a cargo de Elza Soares, uma das artistas homenageadas este ano. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, recebeu a comenda das mãos do Ministro da Cultura, Juca Ferreira, que, ao lado do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, entregou os prêmios da noite. Ambos representaram o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Governador Sérgio Cabral Filho, que não compareceram ao evento que, tradicionalmente realizado no Palácio do Planalto, em Brasília, cumpre agenda itinerante desde 2006. – Essa foi uma noite de destaque para a cultura brasileira, pelo reconhecimento da importância de artistas de grande renome que, através de suas individualidades, em diferentes pontos do País, expressam sua criatividade e produzem formas culturais muito ricas e fecundas – destacou Maurício
Azêdo após o ato, que contou com uma platéia repleta de personalidades da área cultural e artística, com nomes como o Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Muniz Sodré, o pesquisador Ricardo Cravo Albin, a cantora Beth Carvalho e os atores Fernanda Montenegro, Antônio Fagundes, Othon Bastos, Ruth de Souza e Zezé Motta. Primeiro orador da noite, o Ministro Juca Ferreira, recém-empossado no cargo, afirmou que a prioridade de sua gestão será mesmo dar continuidade às políticas adotadas por seu antecessor,
A atriz Camila Pitanga e o ator Sérgio Mam berti, os mestres de cerimônia.
o cantor e compositor Gilberto Gil, que prestigiou o evento. “Quero hoje aqui reafirmar o nosso compromisso com os cidadãos do País e com os artistas, garantindo as políticas culturais que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos, para que tornemos irreversíveis as conquistas históricas de toda a nossa sociedade. Nossa ferramenta de trabalho na construção desse novo estágio será fundamentalmente o diálogo. Falo no diálogo no sentido de quem sempre estará aberto a ouvir opiniões, a aceitar críticas e sugestões”, resumiu. Uma menção especial foi feita pelos apresentadores a Gustavo de Lacerda, fundador da ABI. O jornalista foi descrito como um visionário, graças ao feito de ter criado uma entidade que, no texto lido por Sérgio Mamberti e Camila Pitanga, “é hoje sinônimo das instituições democráticas” e cujo trabalho incessante foi “determinante na luta pela restauração da liberdade de imprensa e de expressão, direitos violados pela censura imposta, sobretudo, durante a ditadura militar”. Os calorosos aplausos que se seguiram não deixaram dúvidas sobre o reconhecimento da platéia à atuação da ABI ao longo de um século de existência.
Contraponto, da Puc-SP, homenageia a ABI Centenário da entidade é lembrado pelo jornallaboratório, um dos mais importantes do País.
ANDRÉ DURÃO
OS HOMENAGEADOS DE 2008 GRÃ-CRUZ Alternar Dutra, in memoriam Anselmo Duarte Athos Bulcão, in memoriam Dulcina de Moraes, in memoriam Edu Lobo Elza Soares Hans-Joachim Koellreutter, in memoriam João Guimarães Rosa, in memoriam Leonardo Villar Marcantônio Vilaça, in memoriam Maria Bonomi Mercedes Sosa Otávio Afonso, in memoriam Paulo Emilio Sales Gomes, in memoriam Pixinguinha, in memoriam COMENDADOR Ailton Krenak Benedito Ruy Barbosa Bule Bule Carlos Lyra Claudia Andujar Efigênia Rolim Emanoel Araujo Eva Todor Goiandira do Couto João Cândido Portinari Johnny Alf Marlene Milton Hatoun Nelson Triunfo Orlando Miranda Paulo Moura Roberto Corrêa Ruy Guerra Sérgio Ricardo Tatiana Belinsky Teresa Aguiar Vicente Salles Zabé da Loca
Uma assistência numerosa lotou o Teatro Municipal do Rio, palco da celebração da Ordem do Mérito Cultural. O SecretárioGeral do Itamarati, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, deu calorosos cumprimentos à ABI (acima). O Ministro Juca Ferreira (abaixo) exaltou a importância da premiação.
O jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC-SP, Contraponto, completou seus oito anos de publicação com uma reportagem especial sobre outro aniversariante, a Associação Brasileira de Imprensa, que comemorou seu centenário neste ano. Com o título Uma história de lutas, o texto traz o histórico da entidade, apresentando-a como uma organização que “leva consigo a marca das lutas no País, não só defendendo a liberdade de expressão, mas exercendo um papel importante na consolidação dos direitos humanos”. Contraponto é considerado um dos jornais-laboratório mais importantes do meio acadêmico. Colorido, com 24 páginas e circulação mensal, o veículo tem sido uma importante ferramenta no processo de aprendizado de futuros jornalistas. A edição fica por conta do experiente José Arbex Jr. e Luiz Egypto é o ombudsman. Uma história de lutas é assinada pelos estudantes Anahi Martinho, Jefferson Peres e Letícia Berchielli. A matéria lembra que o objetivo inicial da ABI era a união da classe e o fortalecimento da profissão, que naquele momento “se encontrava instável, com salários ingratos e condições inadequadas de trabalho”. O fundador Gustavo de Lacerda é citado como um visionário, por sua iniciativa empreendedora e porque defendia a idéia de que “as redações de jornais não deveriam ser empresas, e sim espécies de cooperativas”. Ao falar dos dois períodos de ditadura no Brasil, sob o Governo Vargas e no regime militar, Contraponto ressalta o compromisso da ABI com as liberdades democráticas: “O Conselho Deliberativo da instituição movia uma série de processos para libertar presos políticos e realizava manifestos conta a censura”, diz o texto. Outro destaque fica por conta das campanhas em defesa da soberania nacional, como “O petróleo é nosso”, responsável pela aprovação da lei que criou a Petrobras. Passado e presente O passado e o presente da entidade foram lembrados pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, na entrevista que deu ao jornal-laboratório. No texto, ele fala da atuação da ABI no caso do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, no Doi-Codi de São Paulo, em 1975. E recorda o atentado a bomba que danificou o 7º andar do edifício-sede, em 1976: – A ABI chega aos cem anos com uma realização muito importante: o apostolado da liberdade não só de imprensa, mas das liberdades públicas. – completa ele. Ao comentar as lutas atuais, Azêdo lembra o episódio dos jornalistas do jornal O Dia, seqüestrados e torturados por milicianos no Rio, em maio: – A entidade reclamou a apuração imediata do caso e tomou uma posição de severa condenação a essa agressão e às violências contra os profissionais e contra a liberdade de imprensa.
GRUPOS ARTÍSTICOS, INSTITUIÇÕES E INICIATIVAS CULTURAIS
Associação Ashaninka do Rio Amazonas (Apiwtxa) ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI) Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) Associação Comunidade Yuba Centro Cultural Piollin Coletivo de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) Giramundo Teatro de Bonecos Instituto Baccarelli Mestres da Guitarrada Música no Museu Quasar Companhia de Dança
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Aconteceu na ABI
Pery Cotta assume o Conselho da ABI Ele foi eleito por unanimidade para completar o mandato de Fernando Barbosa Lima. Após uma perda inestimável é preciso, sim, dar continuidade aos trabalhos. Esse foi o tom da eleição de Pery Cotta para a presidência do Conselho Deliberativo da ABI, realizada por aclamação no dia 28 de outubro, Pery terá a missão de completar o mandato do colega Fernando Barbosa Lima, que faleceu no dia 5 de setembro. Ao agradecer a manifestação de confiança dos membros do Conselho, Pery Cotta disse ser “uma honra substituir um jornalista da dimensão de Fernando Barbosa Lima”. Também declarou seu compromisso com a defesa da liberdade de imprensa, lembrando a afirmação do escritor e jurista Rui Barbosa de que ela “é a primeira das liberdades, porque sem ela as outras não subsistiriam”. Na mesma reunião, o Conselho aprovou o relatório da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão elaborado pelo secretário, Wilson de
Carvalho, que relatou denúncia recebida pela ABI, no mesmo dia, de que o jornalista Graciliano Rocha, da Folha de S.Paulo, fora agredido no comitê eleitoral do prefeito reeleito de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB). Segundo o relatório apresentado, “Graciliano foi atingido no supercílio esquerdo com um soco que o jogou no chão, onde foi chutado”. A agressão, ocorrida no domingo de eleição, dia 26 de outubro, durante as comemorações da vitória de Fogaça, só não teria sido mais violenta graças à intervenção de alguns jornalistas. O motivo da agressão, supostamente, teria sido a denúncia de enriquecimento ilícito feita contra o deputado estadual Luís Fernando Zachia (PMDB), ex-coordenador de campanha do prefeito reeleito . Outros casos de ameaças e violência contra profissionais de comunicação também foram relatados. No Município fluminense de Armação de
Búzios, a jornalista Beth Prata, âncora do programa Bom-dia, Búzios, estaria sendo perseguida e sofrendo ameaças de morte. Na Zona Oeste do Rio, o Deputado estadual Natalino Guimarães (sem partido) e o Vereador Jerominho (PMDB) proibiram, com ameaça de morte, que o advogado André de Paula atue em defesa dos moradores da Comunidade Olga Benário. Foram reportadas também violências cometidas contra o jornal Extra pelo Deputado Alessandro Calazans (PMN), que teria mandado comprar todos os exemplares do diário em bancas da Baixada Fluminense, como forma de evitar que a população local tomasse conhecimento de denúncias feitas contra ele. Por fim, o relatório apresentado na sessão lamenta que o assassino da freira norte-americana Dorothy Stang, morta em Anapu (PA) em 2005, Rayfan das Neves Sales, tenha sido eleito Vice-Prefeito da cidade.
Dois magnatas da mídia no Cine ABI A mostra A Imprensa no Cinema, que chegou ao fim em outubro, deu lugar à exibição de três importantes documentários. Duas das mais importantes figuras da mídia nos Estados Unidos e no Brasil no século XX foram destaque no Cine ABI no mês de outubro. Dia 9 foi exibido o clássico Cidadão Kane, de Orson Welles, filme que encerrou com chave de ouro a mostra A Imprensa no Cinema. A obra retrata a vida de um certo magnata da imprensa chamado Charles Foster Kane, que é inspirado no controvertido William Randolph Hearst, dono de um império de comunicação na primeira metade do século passado nos Estados Unidos. No dia 17, o homenageado foi o paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o Chatô, com a exibição do curta-metragem Chateaubriand – Cabeça de Paraíba e do inédito documentário Chateaubriand, ambos produzidos pelo cineasta Marcos Marins, diretor do premiado Memórias da Chibata. A mostra A Imprensa no Cinema teve seus dois últimos filmes exibidos em outubro. A comédia A Primeira Página (The Front Page), de Billy Wilder, tece sua crítica à imprensa marrom a partir da história do repórter Hildy Johnson (Jack Lemmon) e sua tumultuada relação com o ardiloso editor Walter Burns (Walter Matthau). Cidadão Kane, considerado pela crítica o melhor filme de todos os tempos, foi o escolhido para fechar a mostra. 12 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
Depois de alvoroçar os norte-americanos com a transmissão por rádio de A Guerra dos Mundos, Orson Welles traz ao público a trama em que o repórter Thompson (Joseph Cotten) tenta reconstituir a trajetória de Charles Foster Kane (Welles). Organizada pelo Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak, a mostra homenageou o centenário da ABI e os 200 anos da Imprensa Régia, exibindo desde junho filmes como A Trágica Farsa, de Mark Robson; A Grande Ilusão, de Robert Rossen; Todos os Homens do Presidente, de Alan J.Pakula; A Luz é Para Todos, de Elia Kazan; Correspondente Estrangeiro, de Alfred Hitchcock; e Aconteceu Naquela Noite, de Frank Capra, que revelam os bastidores da imprensa, a rotina dos jornalistas e o papel fundamental da mídia na construção da sociedade e na defesa das liberdades. Chatô, o rei da imprensa Exibido no dia 17, o curta Chateaubriand – Cabeça de Paraíba (2000) já participou de 15 festivais e mostras no Brasil, Bélgica e França. O roteiro é concentrado na inauguração da TV Tupi, passa pela ascensão do império de Chatô e culmina na chegada da Rede Globo e do grupo Timelife, que determinam a decadência e a derrocada do império. Já o documentário Chateaubriand reúne nove entrevistas realizadas na década de 1990, com personalidades
importantes da imprensa que conviveram de perto com o fundador dos Diários Associados, um dos maiores impérios da mídia no Brasil: – O depoimento de Barbosa Lima Sobrinho foi realizado na ABI, quando ele ainda ocupava a Presidência da Casa. – conta Marins. – Ouvi também Austregésilo de Athayde, que então estava à frente da ABL; Emília Araúna, a enfermeira que cuidou de Chatô durante oito anos, e Martinho de Luna Alencar, que foi Tesoureiro dos Diários Associados. – conta o cineasta Marcos Marins. O assassinato de JFK em debate A ABI retomou ainda em outubro a parceria com o Cineclube da Casa da América Latina e exibiu, no dia 30, ZR – O Rifle que Matou Kennedy, de Marco Antonio Cury, com roteiro da jornalista Claudia Furiati, que ainda participou de um debate com a platéia após a sessão. ZR baseia-se em livro homônimo escrito por Furiati, que passou 13 meses em Cuba, recolhendo informações sobre o assassinato de John F. Kennedy. Debruçada sobre pastas, relatórios,
Ao longo da sessão, alguns conselheiros manifestaram-se sobre assuntos que foram considerados de grande relevância. Milton Coelho da Graça chamou a atenção para a necessidade de a ABI discutir três questões importantes no horizonte do jornalismo: a regulamentação da profissão; a decisão a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o diploma de Comunicação Social para o exercício profissional; e a perda de prestígio dos veículos impressos diante do jornalismo mais dinâmico das emissoras de rádio e televisão. Rodolfo Konder, por sua vez, salientou que é necessário discutir duas grandes questões nacionais: a qualidade da educação e o respeito à ética no jornalismo e na vida social. A propósito da ética, ele lembrou uma famosa e irônica frase do escritor Mark Twain: “Os jornalistas costumam separar o joio do trigo e publicar o joio.”
Chateaubriand foi tema de dois documentários exibidos no Cine ABI.
fotos, nomes em código e mapas, Claudia concluiu que vários personagens que orquestraram ações contra a revolução cubana e tentaram matar Fidel Castro tiveram participação no assassinato de John Kennedy: – Trata-se da operação ZR-Rifle, que era integrada por agentes da Cia, da Máfia e de cubanos contra-revolucionários e tinha o objetivo de capacitar pessoas para cometer assassinatos políticos. – conta ela. Entre todas as versões que tentam explicar o assassinato de Kennedy, a proposta por Claudia Furiati é considerada a mais plausível pelo repórter do Brasil de Fato Nestor Cozzeti, associado da ABI que esteve presente à sessão: – É um importante documento de jornalismo investigativo, com fontes do serviço secreto cubano que dão indicações, ao longo do filme, de que havia setores da direita norte-americana que consideravam Kennedy um comunista. A Cia usou quatro atiradores cubanos anticastristas, que estavam exilados nos Estados Unidos, para alvejar JFK naquela manhã de 22 de novembro de 1963, dizendo aos cubanos que o próximo alvo seria Fidel.
Aula prática sobre o Modernismo
Alunos da Uerj na ABI Formandos de Jornalismo conheceram a entidade
Alunos de universidades catarinenses visitam a Casa do Jornalista. Setenta anos após sua construção, o Edifício Herbert Moses continua sendo uma referência da Arquitetura brasileira e atrai regularmente estudantes de universidades do País que o visitam em busca de uma verdadeira aula sobre o Movimento Modernista. Em setembro e outubro a sede da ABI recebeu turmas de duas importantes universidades de Santa Catarina, que puderam conhecer em detalhes o projeto arquitetônico do prédio, justamente um dos marcos do modernismo no Brasil. Primeiro, foram os alunos do 6º período de Arquitetura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Eles estiveram no dia 9 de setembro no edifício-sede da ABI, que tem seu projeto assinado pelos irmãos Marcelo e Milton Roberto. – O prédio impressiona pelas inovações da fachada, com um tipo de arquitetura sem ornamentos e prática, com o brise-soleil que quebra a incidência direta dos raios solares no prédio, sem prejudicar a luminosidade. – analisa o
As turmas de Arquitetura da UFSC (acima) e Unisul (abaixo), ambas de Santa Catarina, visitaram o Edifício Herbert Moses, referência na moderna arquitetura brasileira.
professor José Kos, responsável pela excursão Gladys Neves, professora de Arquitetura Brasileira da UFSC, falou da importância da construção, que aconteceu em três anos, de 1936 a 1939, para o cenário moderno nacional: – Nesta disciplina, nós estudamos a arquitetura do século XX, na qual o Modernismo é o principal momento. Os irmãos Milton e Marcelo Roberto são grandes expoentes deste movimento e, ao projetarem o prédio da ABI, com inovações como o brise-soleil, os amplos espaços de circulação nos andares e a planta livre, contribuíram de forma decisiva para que a arquitetura do País desse um salto de qualidade. Contraste Em outubro, professores e alunos da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina) visitaram o edifício-sede da
ABI. Arlis Peres, professora de Projetos em Arquitetura e Urbanismo, sublinhou o papel de destaque do Rio de Janeiro na arquitetura brasileira: – Como grande parte dos nossos alunos reside em cidades pequenas, este tipo de atividade é fundamental para que eles vejam de perto importantes conjuntos arquitetônicos. O Modernismo é a identidade da região, a cara do Rio. Surgiu aqui e se desenvolveu de forma genuína em função da topografia. Conhecer essas obras será um importante contraste para eles. Os estudantes das duas universidades destacaram os pontos altos dos roteiros, que incluíram também o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o MAM, o Aterro do Flamengo, o Maracanã, o Paço Imperial, o Corcovado e o MAC, em Niterói: – Nesta minha primeira visita ao Rio, estou tendo a oportunidade de visualizar muitas coisas que foram ditas em sala de aula. Como pretendo me especializar em Paisagismo, fiquei impressionado com a beleza do Sítio Burle Marx. Gostei muito também de conhecer o Palácio Gustavo Capanema e a sede da ABI. – comentou Izaque Dacoregio, de 21 anos, aluno do 8º período da universidade. Fernanda Vargas, uma das alunas da UFSC, destacou algumas características da Casa do Jornalista: – Achei muito interessante a fachada de vidro, que antecede o brise-soleil, criando espaços livres que percorrem todo o prédio. Também gostei do hall de entrada, que combina diferentes materiais, como concreto, madeira e metal.
A convite do associado Carlos Augusto Lima França, alunos e exalunos de Jornalismo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro estiveram no dia 30 de outubro na sede da ABI. Mais do que promover uma aula prática, o objetivo de França foi despertar a moçada quanto à importância do envolvimento na defesa da liberdade de imprensa e no desenvolvimento de melhores condições profissionais: – Uma das minhas intenções ao convidá-los para conhecer a Casa foi exatamente porque acho importante trazermos os jovens para cá, principalmente os estudantes de Jornalismo, para que a ABI esteja sempre se renovando – diz França. Estiveram presentes Kamylle Alves, Patrícia Serrão, Alexandre Costa, Bruno Souza e Angela Cantoni. Agora, todos pretendem se vincular à ABI, como sócios: – É um lugar histórico de representação da categoria, que teve participação importante nos momentos mais decisivos do País, sempre em defesa da imprensa e, conseqüentemente, da democracia – destacou Ângela Cantoni, já formada.
Ângela Cantoni (de cabelo preso) e seus colegas da Faculdade de Jornalismo
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CINEMA
A blogosfera nas telonas Nome Próprio, filme de Murilo Sales, apresenta pela primeira vez no cinema o universo dos escritores de diários virtuais. Porém seu forte é o retrato intimista que faz da juventude cibernética. DIVULGAÇÃO
POR LUCAS GUEDES
De um lado, os sonhos e aspirações de toda uma geração de jovens escritores, que encontrou no universo dos blogs o caminho para fazer conhecido seu trabalho, intimidades e sentimentos. De outro, os conflitos de uma garota compulsiva, em busca de um lugar ao sol. Qual deles retr ata melhor a juventude cibernética, aquela que invadiu e agora domina a internet? Em Nome Próprio, de Murilo Sales, o grande vencedor do Festival de Gramado em 2008, ambos, mas, principalmente, o último. Baseado nos livros Máquina de Pinball (2002) e Vida de Gato (2004), da escritora Clarah Averbuck, e roteirizado por Elena Soárez, a obra retrata os anseios de Camila (Leandra Leal), que vai de Brasília a São Paulo, na tentativa de concretizar o sonho de ser escritora. Blogueira compulsiva – numa época em que os diários virtuais não eram tão populares como atualmente —, ela faz questão de postar na internet tudo o que acontece em sua vida, desde coisas banais até as mais íntimas, que teoricamente não interessariam a ninguém. De cara, já na primeira cena, o espectador é confrontado com uma situação que se repetirá ao longo de toda a história e saberá se vai ou não gostar do filme. Camila está nua, chorando, enquanto seu namorado Felipe (Juliano Cazarré) tenta expulsá-la da casa onde moram. Traído, a xinga de todos os palavrões possíveis e ainda desfere um tapa no rosto da garota, que, ofendida, revida. Ela sai de casa com seus discos preferidos, poucas roupas e seu computador, que faz questão de instalar assim que chega ao apartamento de um amigo, para blogar sobre o fim do relacionamento. Camila não imaginava que faria tanto sucesso, a ponto de atrair leitores de todo o Brasil. Estes passam a encaminhar e-mails apoiando ou criticando a blogueira, por seu comportamento pretensamente “libertário”, quando afirma publicamente, por exemplo, que faria sexo com o primeiro homem que aparecesse à sua frente, ou então que quer beber sozinha num bar. E é desse modo que as tramas se sucedem, emaranhadas a situações inesperadas, como a perda do apartamento, a mudança para outra cidade e os vários homens com quem ela se relaciona. Nome próprio foi filmado com câmeras digitais e um orçamento de apenas R$ 1,2 milhão. As tomadas, captadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, exploram, na maioria das vezes, apartamentos, ruas e bares reais, no intuito de econo14 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
Por sua impecável atuação como uma intensa e, por vezes, solitária blogueira, Leandra Leal recebeu o Kikito de Melhor Atriz em Gramado.
mizar com locações. Fora das telas, a internet também foi usada para atrair o público. Além do blog criado exclusivamente para o filme – nomeproprio filme.blogspot.com –, foram organizadas várias pré-estréias exclusivas para blogueiros, além de uma exibição fechada só para usuários da rede social virtual Myspace e e-mails do próprio diretor, criticando o modelo de distribuição cinematográfica e incentivando o público a assistir ao seu filme. A estratégia funcionou. Em dezenas de blogs, foram postadas informações sobre o filme, mas muitas críticas foram negativas. Alguns protestaram, dizendo que o filme nada teria a ver com o universo de um verdadeiro blogueiro, alegando que as situações retratadas ali não passariam de versões deformadas de uma garota mimada. Ou, ainda, que um dos personagens, Guilherme, interpretado por David Katz
(indicado ao prêmio de melhor ator em Gramado), seria o clichê extremista de um nerd, o que poderia criar uma imagem distorcida dos blogueiros. O ponto forte do filme é a atuação de Leandra Leal. Desprendida de qualquer estereótipo que sua participação em novelas pode causar, a atriz convence com seu jeito dúbio de menina revoltada e de mulher independente e
bem-resolvida. Tecnicamente impecável, parece que a personagem foi escrita exclusivamente para ela. O texto pode não ter sido exclusivo, mas a própria Clarah Averbuck afirma que a escolha do diretor não poderia ter sido melhor. Pelo papel, Leandra faturou o Kikito de melhor atriz em Gramado. Fã do germano-americano Charles Bukowski, do ítalo-americano John Fante e do brasileiro Paulo Leminski, Clarah faz questão de esclarecer que, apesar de o roteiro ser baseado em seus livros, o filme não retrata sua vida, assim como seus livros também não. O diretor Murilo Sales também explicou que os textos da escritora serviram apenas como base para o filme, mas que há também trechos de outros blogs e de textos da filósofa Viviane Mosé, que ocupam a tela, enquanto Camila digita em seu computador. Transitando entre literatura ficcional, poesia e vida real, o filme segue em ritmo acelerado, apesar das várias cenas em que o silêncio se faz necessário. O roteiro colabora para dar à narrativa um tom de desconstrução, em que pouco importa a ordem dos acontecimentos, tornando algumas cenas atemporais. Fugindo da antiga tendência do cinema brasileiro de mostrar seus morros ocupados por traficantes, ou de intermináveis extensões de novelas televisivas, Nome Próprio é uma viagem ao interior da personagem Camila, que só quer viver intensamente suas paixões, sobretudo pela literatura e por si mesma. Lucas Guedes, radicado em São Paulo, é jornalista, escritor, fotógrafo e tradutor.
VEÍCULO
A aposta que se tornou uma fórmula para o
NOVO JORNALISMO
JORG E BU TSU EM/ EDIT ORA
Amada por uns, contestada por outros, Veja chega aos 40 anos com o status de publicação que transformou a imprensa brasileira e se tornou a maior e mais influente revista do País. POR MARCOS STEFANO
N
o princípio, era uma aposta. Victor Civita e seu filho, Roberto, donos da Editora Abril, tinham a convicção de estar diante daquelas raras oportunidades de fazer História com um novo e inovador produto editorial para o mercado brasileiro. Os anunciantes e leitores não partilhavam da mesma certeza. A campanha publicitária elaborada para seu lançamento – uma das maiores e mais caras da história da mídia nacional – deu a entender que vinha aí uma revista semanal ilustrada, daquelas feitas para serem folheadas, e que pudesse concorrer com Manchete. O público só não estava preparado para algo tão novo, uma revista semanal de informação, feita nos moldes de revistas internacionais como L’ Express, da França, Der Spiegel, da Alemanha, e as norte-americanas Time e Newsweek. Retumbante no começo, a Abril decidiu bancar o sonho. E, aos poucos, o Brasil começou a ver e, claro, ler Veja. Hoje, 40 anos depois da aposta, a revista mostrou que veio para ficar. Como poucas, enfrentou o período mais duro da censura militar. E ajudou a moldar o jornalismo brasileiro, transformando-se na terceira revista semanal de informação mais lida no mundo e a primeira do País.
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ABR IL
A cada semana são imfato de a revista ser indepressos 1,1 milhão de pendente, isenta, inteliexemplares, lidos por gente e responsável. Não mais de 5 milhões de pester admitido pressões de soas. Desde 1968, a revisgovernos e governantes, ta já publicou 152.500 páamigos e inimigos, acioginas de reportagens e arnistas e anunciantes. A VEJA SOB CENSURA - 1968-1976 Maria Fernanda Lopes Almeida tigos e mais de 265 mil fogrande mudança trazida Editora Jaboticaba, 352 p tografias. Uma trajetória por Veja e por seus sucesde sucesso devida principalmente às sivos Diretores de Redação – Mino Cargrandes reportagens. Logo em dezembro ta, José Roberto Guzzo, Mário Sérgio de 1969, segundo ano da publicação e em Conti, Tales Alvarenga e, atualmente, plena vigência do AI-5, Veja trouxe uma Eurípedes Alcântara – e equipes não foi matéria de capa contando os bastidores apenas a apresentação de um leque da morte de Chael Charles Schreier, um vasto e confiável de informações a cada paulistano que abandonara o curso de semana, mas também o contexto e a medicina para se unir à Vanguarda Aranálise que permitem colocar os fatos mada Revolucionária, grupo Palmares, em perspectiva, para entendê-los mesob a liderança de Carlos Lamarca. Caplhor. – escreveu Roberto Civita, em sua turado no Rio por agentes da repressão, Carta do Editor, na edição especial que Schreier apareceu morto, em um hoscomemorou os 40 anos de Veja, em sepital militar, poucas horas depois. A retembro. vista revelou o atestado de óbito do raUma história de quase paz, comprovando que ele fora espancacinco décadas do até a morte. Era a primeira prova de Veja foi lançada no dia 11 de setemum assassinato nos porões da ditadura bro de 1968, com 700 mil exemplares, e a publicação chegou às bancas com uma venda em bancas e 144 páginas. Mas o capa que trazia uma simples ilustração projeto de publicar uma revista semada inquisição medieval. Logo acima, a nal começou anos antes, em 1960. Nasingela chamada: Torturas. quele tempo, a idéia era criar uma revista Foram muitas as vezes em que Veja
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usou de criatividade e também ousadia. Em 1982, por exemplo, Elis Regina, considerada a mais importante cantora do Brasil na época, morreu vítima de um explosivo coquetel de uísque com cocaína. Alguns veículos tiveram acesso ao laudo necrológico, mas preferiram silenciar sobre a questão diante do clima de comoção que tomou conta do País. A revista preferiu outro caminho e abordou as razões da morte da cantora, mostrando um problema que já se mostrava uma tragédia nacional. Comportamento e política renderam muitos outros textos de impacto ao longo dessas quatro décadas: os bastidores da eleição e da morte de Tancredo Neves, a luta do cantor Cazuza contra a Aids, o escândalo dos Anões do Orçamento, a investigação sobre as causas da morte de Ayrton Senna – que a revista considerou “a maior tragédia da história do esporte brasileiro” – e, mais recentemente, o esquema de corrupção do mensalão e a máfia do apito, que revelou um esquema para mudar o resultado de jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2005. – Foi fundamental para o sucesso o 16 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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ilustrada semelhante às norte-americanas Look e Life, à francesa Paris Match e à italiana Oggi, para concorrer com a brasileira Manchete. Seu nome seria Veja, porque se destinaria, primeiramente, a ser vista. Teria muitas e ampliadas fotos. Este projeto não saiu do papel por causa da instabilidade política que dominou o País em 1961. Logo em seguida, a Abril lançou Quatro Rodas (1964) e Realidade (1966). O sucesso das duas publicações mostrava que a editora estava pronta para retomar a idéia de uma semanal, mas agora, de informação. O jornalista Mino Carta foi convidado para dirigir o projeto em 1967. E aí surgiu o primeiro impasse, com relação à autonomia editorial: – Aceitei o desafio, mas acertei com eles que não discutiria as pautas previamente. Eles poderiam fazer objeções, mas a posteriori. Teria independência ou nem sairia do Jornal da Tarde, veículo em que estava muito bem – conta Mino Carta em entrevista ao Jornal da ABI. No recém-lançado Veja Sob Censura (1968-1976), a autora Maria Fernanda Lopes Almeida traz também a versão de Roberto Civita para o ocorrido. Para
o Presidente da Abril, Carta tinha, sim, independência para fazer a revista, mas não autonomia editorial. As linhas editoriais defendidas pela empresa deveriam ser seguidas: – Não vejo nenhuma revista dessa casa, muito menos Veja, como sendo independente de mim. Não é por ser dono, mas por me considerar editor. Até hoje, cabe ao Diretor de Redação fazer a revista no diaa-dia. Sempre discutimos matérias específicas, analisamos capas e tratamos da Carta ao Leitor a posteriori. Mas deixo claro antes as grandes linhas. Se tiver algo que gostaria de ler antes, peço que me mandem. Discussões à parte, foram produzidos 13 números zero. Pelos bonecos das capas, só se sabia que o nome da publicação teria quatro letras. Veja era considerado um bom título para concorrer com uma revista ilustrada, não para ser de informação. Pensou-se em Panorama, mas o título já tinha dono. Por fim, Victor Civita optou por Veja. Por exigência jurídica, já que uma palavra de uso comum não podia ser registrada sozinha, Veja era acompanhada por E Leia. Mas o complemento saía pequenino, até finalmente desaparecer. Apesar de tanto planejamento, o
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sucesso de Veja não foi imediato. Nos primeiros anos, a tiragem da revista experimentou uma queda sucessiva. Dos 700 mil do número inaugural, passou a 500 mil, 300 mil, 150 mil. A quinta edição já estava com 100 mil exemplares, mas a publicação cairia ainda mais, chegando nos momentos mais difíceis a uma tiragem de apenas 23 mil, com vendas que não passavam de 16 mil em bancas. Nos dois primeiros anos, o número de páginas de publicidade mal ultrapassava os dedos da mão. Apesar do fracasso aparente, os Civita não pensavam em fechar a revista. A aposta perdurava. Em todos os países em que semanais de informação foram lançadas, suas editoras se fortaleceram economicamente e adquiriram prestígio: – Veja só veio a dar lucro depois de seis anos. Nos três primeiros, foi sustentada graças ao forte capital da Abril e pelo sucesso de outras revistas, das fotonovelas aos quadrinhos. – diz Mino Carta. Trajetória humana A história de Veja sempre esteve muito ligada aos jornalistas que fizeram a revista. Desde o começo, houve
uma mescla entre jovens talentosos que surgiam no mercado como promessas e profissionais competentes e experientes. Passaram pela publicação jornalistas como Tão Gomes Pinto, os irmãos Sérgio e Renato Pompeu, Silvio Lancelotti, Carmo Chagas, Paulo Totti, Almyr Gajardoni, Sérgio Sade, Pedro de Oliveira, Hamilton de Almeida Filho, José Maria Mayrink, Tim Teixeira, George Benigno Duque Estrada, Elio Gaspari e outros. Algumas histórias protagonizadas por esse pessoal entrou no anedotário do jornalismo brasileiro. Dorrit Harazim entrou para a revista em setembro de 1968, a convite de Roberto Civita e Mino Carta. Durante a Segunda Guerra Mundial, ela emigrou da Iugoslávia para o Brasil, mas depois voltou para a Europa para fazer a faculdade: – Ela recebeu o convite quando trabalhava no departamento de pesquisa de L’Express. Quando voltou ao Brasil, teve dificuldades. Não conhecia o País como imaginava e tinha enormes dificuldades com a língua. Mas aprendeu rápido. Inclusive as dicas de Mino Carta sobre como uma jornalista deveria se comportar. “Nunca use sandálias porque só uma mulher em um milhão tem pés bonitos”, ele dizia a “little
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Dorrit”. – conta Mario Sergio Conti em seu Notícias do Planalto. A crise dos primeiros anos não passou despercebida na Redação. No início, com 46 repórteres, o sétimo andar do prédio da Abril na Marginal Tietê, em São Paulo, onde funcionava a revista, passou a ter apenas 10 profissionais em 1972. Várias seções e editorias passaram por cortes e a expressão jornalística “passaralho”, que quer dizer demissão, ganhou força desde então. Chamada de “Projeto Falcão”, Veja só conseguiu alçar vôo depois de algumas mudanças e reestruturações. Antes delas, diariamente redatores e editores se debruçavam sobre revistas como Time e Newsweek, buscando repetir a fórmula daquelas revistas aqui. Liam, reliam, mas não conseguiam. Algo não encaixava. O título saía diferente, a legenda não se encaixava, capa e textos não encantavam. A pauta circular, usada para dar abrangência nacional aos textos, não funcionava. Para se entender melhor a questão: se havia um problema com o serviço de táxis em São Paulo, logo eram acionadas as sucursais de todo o Brasil, para manda-
rem relatórios falando sobre como era o serviço de táxis em suas cidades. O resultado era uma infinidade de folhas de telex que ficavam penduradas em varais e eram costuradas como uma colcha de retalhos para caberem em uma única página. A primeira grande mudança foi a introdução da entrevista das Páginas Amarelas, que nas primeiras páginas da revista já traziam um assunto relevante, tratado por uma personalidade. A opção pela cor não foi questão de gosto. Como a editora tinha um estoque de papel amarelo de gramatura diferente, passou a usar na entrevista e num caderno de investimentos, que vinha ao final de cada número. – O tom certo do texto veio com a transformação no modo de cobrir política. Com ela, descobriu o caráter nacional que tanto precisava, passando a buscar o furo, de forma corajosa e independente. Não apenas trazendo o acontecimento, mas também expressando seu sentido, encontraria a fórmula de revista semana de informação, seguida até hoje. – analisa Maria Fernanda Almeida, em Veja Sob Censura (1968-1976). De setembro a dezembro de 1969,
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editora nos dez anos seguintes. O acordo foi fechado com um aperto de mãos. Durante uma década, a Abril não vendeu assinaturas de outras publicações, mas Veja encontrou sua redenção e fórmula de sucesso que prevalece até hoje com as assinaturas. – lembra Mário Sérgio Conti, em Notícias do Planalto. Luta contra a censura Em 1968 o País vivia sob a sombra da ditadura. Veja foi alvo da censura pela primeira vez em sua edição de número 15. O Presidente Artur da Costa e Silva, apoiado por quase todo seu Ministério – a exceção era o Vice-Presidente, o jurista Pedro Aleixo – havia acabado de fechar o Congresso Nacional e promulgar o AI-5, que ampliava os poderes do regime e suspendia as liberdades individuais. Um censor foi mandado à Redação para ter certeza que não surgiriam críticas na revista. Ele recebeu do próprio Roberto Civita a garantia de que nada apareceria escrito na capa da publicação. Satisfeito, o censor autorizou a impressão. De fato, a capa saiu sem nenhuma palavra, mas com uma foto que falava por si: Costa e Silva aparecia sentado em uma das cadeiras do Congresso vazio. Ao
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Eurípedes Alcântara é o atual Diretor de Redação da Veja.
R AB IL
lado dele, apenas o quepe de um militar. O Exército mandou apreender os exemplares nas bancas. Já nos anos 70, Veja passou a receber todos os meses um índex da Polícia Federal com os assuntos proibidos de ser tratados em reportagens. Nada podia sair sobre assaltos ou seqüestros feitos por militantes esquerdistas. Nada também sobre brigas entre figuras do Governo ou erros da política econômica. Mesmo um surto de meningite no Brasil era assunto proibido. Em fevereiro de 1974, a revista desrespeitou um dos 25 tópicos ao registrar a indicação ao Prêmio Nobel da Paz de Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife e inimigo do regime. A partir dali, Veja passaria por censura prévia. De última hora, censores liam títulos, legendas, fotos, notas de rodapé, alguns textos. Quando qualquer coisa era cortada, a figurinha de anjos ou demônios passava a ocupar os espaços censurados. – Poucos veículos podem dizer que receberam censura e foram combatidos pela ditadura. Veja foi um deles. Os
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A OR DIT S/E ER UD OL AN RM GE
Veja veio com 14 capas de temas políticos e de difícil apuração, entre elas a morte de Carlos Marighela, a participação de padres na luta armada, a crise militar pela sucessão presidencial, o seqüestro do cônsul americano Charles Burke Elbrick e duas sobre torturas, uma delas já mencionada no começo desta reportagem. Foi nessa época que a revista lançou uma coleção de fascículos sobre a conquista da Lua. Um enorme sucesso. Outra mudança decisiva para colocar a revista nos eixos foi a nova política de assinaturas desenvolvida pela Abril. Até então, assinaturas eram raras por causa da oposição de jornaleiros do Rio e de São Paulo. Os “capatazes”, como eram chamados, escondiam as revistas que traziam anúncio de assinatura, colocando-as nas bancas, embaixo das pilhas das concorrentes para não vender nada. – Roberto Civita fez uma reunião com eles e pediu que liberassem Veja, pois essa seria a única forma de salvar a publicação. Em contrapartida, assumiu o compromisso de não vender assinaturas de nenhum outro título da
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quisto pelos militares fora contratado havia pouco para escrever uma coluna na publicação. Mino adiou a solução do caso para depois de suas férias. Quando voltou, no entanto, Plínio já havia sido mandado embora, com a desculpa de que caso fosse afastado, Veja não sofreria mais censura. Porém, Mino diz que soube que Roberto Civita tinha ido a Brasília, conversado com Falcão e o nome de Plínio sequer fora mencionado. O problema era o Diretor de Redação mesmo. Como a empresa não teria aceitado apoiá-lo e trazer o colunista de volta, Mino entregou sua carta de demissão. Roberto Civita sustenta a outra versão. Segundo o Presidente da Abril, havia um acordo entre ele e Mino Carta, que não foi cumprido. O Diretor de Redação teria trazido Plínio Marcos em um tempo no qual a censura arrefecia, mas à revelia da direção da empresa. O que o colunista escrevia não seria o ponto principal, mas, sim, a quebra do acordo. Quando Mino Carta ameaçou ir embora, Victor Civita teria levantado, estendido a mão e dito: “Lamento muito. Até logo, Mino”. Na guerra de palavras e de posições, esta não foi a última polêmica de Veja.
censores mandaram substituir as figuras pela árvore-símbolo da Editora Abril. Mas logo aprendemos a dar notícias sem desfigurar as páginas, mesmo sob os olhares da censura. Quando era inevitável, publicávamos a árvore, sempre de uma forma diferente, até com folhas caindo ao chão. – explica Mino Carta. Durante toda a sua existência, Veja continuou dividida entre críticas e afagos. Ironicamente, uma das maiores polêmicas da revista aconteceu em 1976, com a saída de Mino Carta. Na época, a Abril estaria tentando um empréstimo junto a Caixa Econômica Federal. Mas a liberação do dinheiro teria sido barrada pelo Ministro da Justiça Armando Falcão e pelo Presidente Ernesto Geisel. O motivo seria a postura de Mino Carta à frente de Veja, fazendo oposição ao regime, e a falta de uma atitude da direção da empresa para coibir isso. O jornalista teria sugerido à cúpula da Abril que o demitisse, seu nome saísse do expediente, e ele ficasse operando apenas nos bastidores. A sugestão não foi aceita. A partir daí há duas versões para o desfecho do caso. Na de Mino, a direção da empresa teria pedido a demissão de Plínio Marcos, que não era bem
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Até hoje é lembrado que a revista publicou em maio de 1992 uma entrevista em que Pedro Collor, irmão do então Presidente Fernando Collor de Melo, revelou o envolvimento do tesoureiro de campanha PC Farias em um caso de corrupção no Governo Federal. Era o estopim para o surgimento de um movimento que, meses depois, terminaria com o impeachment. Mas a revista também publicou poucos anos antes a reportagem que lançou o mesmo Fernando Collor no cenário nacional, apontandoo como “caçador de marajás”. Amada ou odiada, Veja continua crescendo e adquirindo prestígio. Sua tiragem é maior que a soma de suas concorrentes semanais juntas, revela a direção da Abril. Mas muito mais importante do que isso são as mudanças que a publicação trouxe ao jornalismo brasileiro. Tão ou mais significativas que Realidade, outra revista lançada pela editora paulista, que também marcou época. De um jeito ou de outro, é impossível negar a contribuição de Veja, que, de aposta, inaugurou uma fórmula de se fazer revista de informação no Brasil. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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PERFIL
De olhos abertos sobre a América Latina POR B ERNARDO COSTA
Uma carreira, em grande parte, voltada para os problemas do Brasil e da América Latina. Da estação inicial em que, com apenas 16 anos, se aventurou a cobrir jogos de futebol, Mário Augusto Jakobskind partiu rumo a uma viagem profissional das mais férteis. Aliás, uma só não. Na verdade, foram diversas delas, nas quais o jornalista, hoje colunista dos noticiosos online Fazendo Media e Direto da Redação, do semanário uruguaio Brecha e do jornal Pátria Latina, conheceu de perto a realidade de boa parte dos países latinos. – Eu era assessor de imprensa da Secretaria de Obras do Governo Leonel Brizola quando fui contratado por uma agência de notícias sueca, criada por exilados políticos de origem latina, para uma viagem de um ano, percorrendo países latinos. A experiência resultou nos livros América Latina – histórias de dominação e libertação, editado pela Papirus em 1985, e Apesar do bloqueio, um repórter carioca em Cuba, que saiu pela Ato Editorial em 1986. Para a ilha, retornei em 1988, quando trabalhei durante um ano na revista cubana de política internacional Prisma – conta Jakobskind, que é integrante do Conselho Editorial do jornal Brasil de Fato e membro da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão e do Conselho da ABI, instituição à qual se filiou em 1972. Foram diversas e variadas as passagens do jornalista pela imprensa brasileira. Do início profissional em 1969, no Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, Mário Augusto guarda as lembranças de sua atuação civil combativa, inserido numa juventude que fazia suas manifestações contrárias ao regime militar instaurado desde 1964. “Atuava em jornais estudantis e de partidos políticos clandestinos, o que me colocou no alvo da repressão e me forçou ao auto-exílio, em 1972. A Polícia Federal, numa ocasião, foi me buscar em casa. Eu morava com meus 18 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
SOLANGE NORONHA/ABI
MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
pais e por sorte não estava por lá naquela hora. Depois desse incidente, decidi ir para a Itália e só voltei dois anos depois”, recorda. Atuando como jornalista na Europa, Mário ajudava a denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura militar no Brasil, assinando matérias com o pseudônimo A.F. Ao retornar ao País, começou a colaborar com a imprensa alternativa, escrevendo para o jornal carioca de oposição Crítica, lançado no Governo Geisel e editado por Inácio Alencar. Um ano depois, entrou para a sucursal Rio da Folha de S.Paulo, onde trabalhou até 1981. “Lá eu cobria a área política e sindical e fazia matérias para a Geral, mas não podia participar de nenhuma cobertura oficial, presidencial, pois os órgãos de segurança do Governo recebiam a lista dos jornalistas que iam trabalhar. E como já estava visado não era escalado”, conta ele que, nos anos 70, chegou a colaborar, com sua crítica mordaz, com alguns veículos de descarada resistência à censura, como O Pasquim e o Opinião. Também dessa época Jakobskind destaca a sua passagem pelo jornal Versus, sob a batuta de Marcos Faerman. “Foi a primeira publicação a tratar de temas relacionados à África e à América Latina por aqui”, lembra. Nos anos 80, ingressou nos Cadernos do Terceiro Mundo, editados por Neiva Moreira e Beatriz Bissio. Pela revista, foi ao Uruguai cobrir a posse do Presidente Gregorio Álvarez, Mário trabalhou na Rádio Warshawyz, de Varsóvia, em 1973, que prometia a aberquando a Polônia ainda era um país socialista. tura política, mas acabou sendo preso e expulso do país. “O Uruguai vivia uma A partir desse momento, o interesse situação curiosa, com a saída de um cipela situação dos países latinos passou vil ditador para a entrada de um milia ser uma constante, culminando com tar que queria fazer a transição para a a viagem de um ano por diversas lodemocracia. Cheguei dois dias antes da calidades, com direito à segunda estaposse e comecei a entrevistar lideranças da de um ano na ilha de Fidel de Caspolíticas importantes para uma grande tro. Ao retornar de Cuba, em 1989, inmatéria. No dia D, bateram no meu gressou na Tribuna da Imprensa, na quarto de hotel e me levaram preso e, qual foi editor de Internacional até depois de seis horas, me fizeram assinar 2004. Uma bagagem que lhe confere um documento e me mandaram pro autoridade, nos dias de hoje, para avaBrasil no primeiro avião. Em 2 de setemliar as mudanças políticas e a coberbro de 1981, saiu, então, no Estadão a tura da imprensa brasileira no contimanchete: ‘Jornalista acusado de espinente. “Hoje já interrompemos qualonagem é expulso do Uruguai’. Após 15 quer projeto imperialista no territóanos, tive acesso às informações sobre rio, dando o recado em diversos tons. mim arquivadas nos nossos antigos O Chávez é mais contundente. Recenórgãos de inteligência e percebi que elas temente, quando o embaixador norforam a base de todas as perguntas que te-americano Philip Goldberg, estimume fizeram lá, o que demonstra que as lador do separatismo na Bolívia, foi exditaduras atuavam juntas na América pulso pelo Evo Morales, Lula não se Latina”, diz Mário Augusto. opôs à decisão do Governo Boliviano.
Mário Augusto foi Assessor de Imprensa da Secretaria de Obras do Estado do Rio no Governo Leonel Brizola, a quem acompanhava em importantes atos (à esquerda). O boné impunha ordem à vasta cabelama indisciplinada.
No Paraguai, a direita já queria dar o golpe contra Fernando Lugo, mas a União de Nações Sul-Americanas se mobilizou e impediu. Sem dúvida, são avanços. Falta aprofundar, principalmente, reformas sociais que possibilitem uma distribuição de renda mais igualitária nesses países”, avalia. A grande imprensa brasileira, acredita Jakobskind, ainda olha para a América Latina com preconceito, principalmente no que diz respeito aos movimentos sociais. “A verdade que eles passam são aquelas definidas pela Sociedade Interamericana de Imprensa, re-
petidas de forma padronizada por todos os jornais. A cobertura é muito deficiente e cabe aos jornais alternativos fazer o devido contraponto”. Tal reflexão já deu origem ao livro América que não está na mídia, lançado com êxito em 2006 e cujo segundo volume está prestes a ganhar as ruas. “Ele reúne uma série de 52 reflexões atemporais sobre as mais variadas questões relacionadas à região e sua cobertura pela mídia”, adianta o jornalista, que também é autor de Dossiê Tim Lopes - Fantástico/ Ibope (Europa, 2004) e A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982).
Em breve nos cinemas... Não satisfeito com as páginas de jornais e livros, ou mesmo com as pequenas telas dos computadores que acessam suas colunas, Mário Augusto Jakobskind se prepara, agora, para ganhar as telonas. Realizado em parceria com o diretor Antonio Castigliola, Cuba, um sonho possível? já está pronto e conta com a participação dos atores Chico Diaz, Letícia Spiller (foto acima), Gerald Thomas, Dinho Valadares, Aline Bourseau e Leandro Meira. “O filme conta a história de um menino nordestino que sonha ser alguém na vida e vai parar naquele país. Abordamos o maniqueísmo sobre os acertos e desacertos da revolução cubana, em meio às novas reformas que estão sendo empreendidas na ilha, a partir do olhar do jovem, que confronta a sua realidade com o que um repórter lhe apresenta de Cuba”, descreve ele, que adianta o tema de um próximo filme. “Será um documentário sobre o jornalista Fausto Wolff, morto em 5 de setembro de 2008.”
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COMPETIÇÃO
Prêmio Embratel valoriza jornalismo-denúncia Troféu Barbosa Lima, o principal do certame, é atribuído a equipe de reportagem que denunciou o regime de terror imposto pelo tráfico em favelas do Rio de Janeiro. FOTOS ALINE SÁ E ICARDO AYRES
Tradicional casa de shows da Zona Sul do Rio de Janeiro, o Canecão Petrobras foi palco de um espetáculo diferente na noite de 21 de outubro. No lugar de cantores, músicos ou atores, entraram em cena alguns dos mais respeitados jornalistas do País. Em sua 10ª edição, com o número recorde de 1.231 trabalhos inscritos, o Prêmio Imprensa Embratel reuniu uma platéia de aproximadamente 1.500 profissionais, que prestigiaram os vencedores em 18 categorias. Com apresentação da Ronaldo Rosas e Leilane Neubarth, a solenidade teve início com a fala do Presidente da Embratel, José Formoso Martinez, que tratou sobre o principal objetivo da iniciativa, que é reconhecer e valorizar a prática do bom jornalismo. O prêmio tem o apoio da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro Arfoc-RJ e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, além do reconhecimento da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj e da ABI. Ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, coube a tarefa de entregar o prêmio de melhor Reportagem de Rádio a Lívia Carla, repórter da Rádio Mec do Rio, que inscreveu seu trabalho 40 anos de 1968, uma retrospectiva dos movimentos de contestação política, social e cultural ao regime militar ocorridos naquele ano. O prêmio mais cobiçado, que leva o nome do jornalista Barbosa Lima Sobrinho, foi entregue a Carla Rocha, Dimmi Amora, Fábio Vasconcelos, Sérgio Ramalho e equipe do jornal O Globo, que venceram com a série de reportagens A Ditadura nas Favelas, na qual foi revelado o regime de terror imposto pelo poder paralelo em comunidades do Rio, com a prática regular de torturas, exílio, execuções e desaparecimentos. Além do reconhecimento aos melhores trabalhos jornalísticos, a solenidade reservou espaço para o humor. A platéia se divertiu com Maurício Menezes, com seu Plantão de Notícias. Encarregado de anunciar os nomes de Marcelo Gomes e José Trajano, autores de Brasil Olímpico, exibida na ESPN Brasil, vencedores na categoria Reportagem Esportiva, o jornalista arrancou risos da platéia com suas piadas e também com a reprodução de erros de colegas em matérias exibidas no telão, 22 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
No final da festa todos os premiados foram chamados ao palco para um último registro. Ao lado, a equipe vencedora do Troféu Barbosa Lima Sobrinho, do jornal O Globo. Abaixo, Daniela Dariano e Carol Medeiros, do jornal O Dia, foram premiadas na categoria TI, Comunicação e Multimídia – Veículo não-especializado por Luz, Câmera, Educação.
num momento de descontração. E nem mesmo a música ficou de fora do Prêmio Imprensa Embratel. Além de jornalistas que exibiram ao público seus dotes musicais, como Marceu Vieira e Daniel Pereira, que interpretaram composições próprias, e Lúcia Helena e Tânia Malheiros, com uma bela homenagem aos 100 anos de nascimento de Cartola, a noite de premiação contou, em seu encerramento, com um show de Arlindo Cruz, que, emocionado, prestou homenagem a Luiz Carlos da Vila, compositor de sambas de sucesso como Kizomba, A Festa da Raça, que havia falecido dois dias antes.
Fábio Diamante e Thiago Bruniera, do SBT, ganharam na categoria Jornalismo Investigativo com a reportagem Cocaína - Cidade refém.
REIVINDICAÇÃO
Jornalistas querem discutir a renovação das concessões de rádio e tv A Lei de Telecomunicações foi instituída em 1962, há quase 50 anos, e não atende mais à complexidade da área de comunicação.
Claudio Ribeiro e Luiz Henrique Campos do jornal cearense O Povo representaram a equipe de Mares, desertos e chuvas do sertão, reportagem vencedora na Região Nordeste.
Vencedores do 10º Prêmio Imprensa Embratel TROFÉU BARBOSA LIMA SOBRINHO favelas, de Carla Rocha, A ditadura nas favelas Dimmi Amora, Fábio Vasconcelos, Sérgio Ramalho – O Globo (RJ) REPORTAGEM DE JORNAL/REVISTA (TEMA LIVRE) Lugar de corrupto não é na cadeia cadeia, de Walter Nunes, Guilherme Evelin e Andréa Leal – Revista Época (SP). JORNALISMO INVESTIGATIVO refém, de Fábio Cocaína. Cidade refém Diamante e Thiago Bruniera – SBT (SP). REPORTAGEM FOTOGRÁFICA ico do Brasil das armas trágico armas, Retrato trág de Marcelo Régua – O Dia (RJ) TI, COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA – VEÍCULO NÃO-ESPECIALIZADO Luz, Câmera, Educação Educação, de Carol Medeiros, Daniela Dariano e Flávia Salme – O Dia (RJ).
Ricardo Allan, Marcelo Tokarski, Luciano Pires, Mariana Flores e Luís Oswaldo Grossmann – Correio Braziliense (DF). REPORTAGEM DE RÁDIO 968 1968 968, de Lívia Carla – 40 anos de 1 Rádio MEC (RJ). JORNALISMO CULTURAL te no Brasil corte Brasil, de Sandra 1808 – A cor Moreyra e Mônica Sanches – GloboNews (RJ). RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL O Brasil que mais vai sofrer com o aquecimento aquecimento, de Silvia Bessa – Diário de Pernambuco (PE). REGIÃO NORTE contaminadas, Arsênio - vidas contaminadas de Alinne Passos e equipe – TV Record (PA).
TI, COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIA – VEÍCULO ESPECIALIZADO A informática na escola escola, de Rovênia Amorim – Correio Braziliense (DF).
REGIÃO CENTRO-OESTE Pesquisa revela mutações em vítimas do césio césio, de Vinicius Jorge Sassine, Deire Assis, Marília Assunção e Carla Borges – O Popular (GO).
REPORTAGEM ESPORTIVA olímpico, de Marcelo Gomes Brasil olímpico e José Trajano – TV ESPN Brasil (SP).
REGIÃO SUL campo, de Tiago Infância roubada no campo Eltz – RPC-TV (PR).
REPORTAGEM DE TV meio, de Marcelo Canellas – Terra do meio TV Globo (DF).
REGIÃO SUDESTE Fantasmas da Alerj – o escândalo do auxílio educação educação, de Alfredo Junqueira, Mahomed Saigg e Ricardo Villa Verde – O Dia (RJ).
REPORTAGEM CINEMATOGRÁFICA caçador, de Rogério Lima – Caça ou caçador TV Globo (RJ). REPORTAGEM ECONÔMICA cresce, de Vicente Quando o Brasil cresce Nunes, Edna Simão, Luciana Navarro,
REGIÃO NORDESTE tos e chuvas do ser tão desertos sertão tão, Mares, deser de Claudio Ribeiro, Demitri Túlio, Luiz Henrique Campos e Rafael Luís – O Povo (CE).
Reunidas em audiência pública realizada no 17 de outubro na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, por iniciativa do Deputado Gilberto Palmares (PT), instituições de profissionais de comunicação decidiram renovar iniciativas que visam à realização da Conferência Nacional de Comunicação no primeiro semestre de 2009. O evento propõe-se a discutir questões como a renovação de concessões de canais de rádio e televisão e a definição do chamado marco regulatório para o setor, com a atualização da Lei de Telecomunicações, instituída em 1962 e considerada insuficiente para disciplinar inovações como a internet e o celular. As discussões foram abertas pelo Presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil, Orlando Guilhon, que salientou a necessidade de um estudo sobre a nova regulamentação do setor, em torno do qual existem hoje 192 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, um deles apresentado em 1991 pela então Deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ). Também fizeram exposições no plenário superlotado o Vice-Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, Celso Schröder; o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; a jornalista Márcia Correia, da Intervozes-Coletivo Brasil de Comunicação Social; e o Deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator do projeto sobre convergência digital que tramita na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e que ele espera ver aprovado antes do fim do ano. Em sua intervenção, Maurício Azêdo expôs as dificuldades de avanços na regulamentação do setor de comunicação, porquanto as empresas são muito poderosas e não têm interesse em modificar a atual situação em que seus poderes não são contestados, nem pelo próprio Governo. Ele citou como prova disso a situação dos trabalhadores da TV Manchete, que há
mais de dez anos lutam para receber suas indenizações trabalhistas, sem que os sucessores da emissora, da Rede TV!, tenham sofrido qualquer incômodo por parte do poder público. O Presidente da ABI disse ainda que na área de telecomunicações o Estado é fraco, como ficou demonstrado no caso da definição da tecnologia da televisão digital, que mereceu estudos de 11 ministérios e mais de 60 instituições acadêmicas e entidades da sociedade civil, como relatou em conferência na ABI, em junho de 2006, o então Ministro da Cultura Gilberto Gil. Finalmente, a tecnologia foi regulada por decreto — firmado pelo Presidente da República — de autoria do Ministro das Comunicações, Senador Hélio Costa, que, sabidamente, defendeu no âmbito do Governo as propostas das principais emissoras de rádio e televisão. A representante da Intervozes, Márcia Correia, chamou a atenção para a necessidade de se regular a sublocação e a subconcessão de espaços na televisão, como ocorre com a Rede Bandeirantes, que no Município do Rio de Janeiro aluga horários à MultiRio, empresa da Prefeitura especializada na produção de audiovisuais para a área da educação. Ela salientou a contradição dessa prática: uma emissora que é uma concessão pública ceder espaço a um órgão público mediante pagamento. Márcia censurou a demora na tramitação dos processos de renovação de concessões, que deveriam durar quatro meses e se estendem por cinco anos. Além do Presidente, participaram da audiência pública os associados da ABI Mário Augusto Jakobskind — que representou no ato o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro — e Evandro Ouriques, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também esteve presente à reunião a Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Suzana Blass.
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Liberdade de imprensa
Jornal é apreendido em Santa Catarina Para promotora, publicação exibia propaganda eleitoral irregular em sua primeira edição. A ABI recebeu em outubro mais uma denúncia de restrição à liberdade de imprensa. Desta vez o atingido foi o jornalista Sebastião Antônio Bastos de Carvalho que, por meio de documento encaminhado à entidade, disse considerar-se prejudicado em seu direito de expressão devido à apreensão da primeira edição do jornal catarinense A Voz de Urubici, recém-criado e do qual é diretor. No apelo que fez à ABI, o jornalista afirmou apelar à Associação em “nome da defesa da liberdade de imprensa e dos direitos do cidadão”. A apreensão dos 2 mil exemplares do jornal ocorreu no dia 2 de outubro, por iniciativa da Promotora Eleitoral Mirela Dutra Alberton, amparada em despacho do Juiz Laerte Roque Silva. O motivo da decisão teria sido a publicação de propaganda velada de um candidato na publicação. Segundo reportagem do Correio Lageano, também de SC, o jornal, ao mesmo tempo em que cedeu uma página para carreata de um dos candidatos, que posou para as fo-
tos na companhia do Governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira (PMDB), fazendo o ‘V’ de vitória, em uma outra página fez duras críticas ao prefeito que disputou a reeleição. Em sua defesa, o jornal A Voz de Urubici afirma que a reportagem não menciona siglas partidárias, nem os nomes dos candidatos. Com relação às fotos que geraram a polêmica, o veículo alega que não poderia ignorar a visita do governador do Estado a Urubici, “o que se constitui num importante fato social e refere-se a uma realidade que um jornal local não pode ignorar ”, defende-se a publicação. Em resposta ao apelo do jornalista Sebastião Antonio, a ABI enviou mensagem a A Voz de Urubici, solidarizando-se em face da violência praticada contra o impresso. “A ABI quer expressar ao companheiro e demais integrantes da equipe do jornal A Voz de Urubici sua solidariedade diante da violência cometida pela Promotora Eleitoral Mirela Dutra Alberton e pelo Juiz Laerte
Roque Silva, da Vara Única da Comarca de Urubici, que em ação conjunta agrediram o texto da Constituição da República ao determinar a apreensão da publicação, em 2 de outubro corrente”, ponderou à ABI, que deu continuidade à sua mensagem de apoio. “Além de violar as disposições dos artigos 5º e 220 da Constituição Federal que asseguram a plenitude da liberdade de imprensa, a Senhora Promotora Mirela Dutra Alberton cometeu impropriedades fáticas acerca da edição de A Voz de Urubici, pois em nenhuma de suas linhas e páginas a publicação contém propaganda eleitoral, como a alegada por essa ilustre representante do Ministério Público para justificar a proposta que formulou ao senhor Juiz Laerte Roque Silva. E que este, de boa-fé, acatou. A ABI está formalizando ao Egrégio TRE-SC pedido de correição do procedimento da promotora, que cometeu não apenas ofensa ao texto constitucional, mas igualmente abuso de poder.”
ABUSO DE AUTORIDADE
Juiz determina fechamento de periódico Decisão autoritária manda policiais militares ocupar a Redação e lacrar a sede do jornal ANTÔNIO CRUZ/ABR
“Um arroubo autoritário e inconstiDando continuidade ao alerta sobre tucional”. Essas palavras dão a medida da o caso, a ABI dirigiu ofício ao Presidenreação enfática da ABI diante da decisão te do Tribunal Regional Eleitoral do Rio do Juiz eleitoral Flávio Silveira Quaresde Janeiro, desembargador Alberto Motma, da 28ª Zona Eleitoral, de Paraíba do ta Moraes, pedindo a adoção de mediSul (RJ), de proibir a circulação do Entredas de correição do procedimento do Rios Jornal. Por determinação judicial, o juiz. A instituição também comunicou veículo teve a sua Redação ocupada por o grave episódio ao Presidente do Tribupoliciais militares e a sede lacrada com nal Superior Eleitoral, ministro Carlos fita adesiva. Ayres Britto. “Como Vossa Excelência é A motivação para tal decisão da Juszeloso guardião das normas constitucitiça teria sido o descumprimento, por onais e legais que regem o processo eleiparte do jornal, do direito de resposta detoral no País, dou-lhe ciência do protesto terminado pelo juiz, após o veículo ter que a ABI dirigiu ao Juiz Flávio Silveira publicado, nos dias 2 e 3 de outubro, maQuaresma, que impôs ao diário Entretéria com o advogado Luiz Paulo ViveiRios Jornal sanções que caracterizam graros de Castro, que fez acusações de irve violação da liberdade de imprensa”, regularidades que teriam sido pratica- Ministro Ayres Britto foi comunicado assinalou Maurício Azêdo. pela ABI do grave episódio. das pela prefeitura. Dentre elas, estaria O mesmo abuso de poder foi relatao uso de verba pública para a compra e do por Azêdo no ofício enviado ao Predistribuição de material de propaganda, fato flagrado pelo sidente do TRE-RJ. “A ABI quer manifestar seu protesTRE nas eleições do município. to contra a decisão do Juiz Eleitoral da 28ª Zona EleitoInicialmente, a ABI manifestou-se por meio de telegraral do Estado, sediada em Paraíba do Sul, o qual determa enviado ao Juiz Flávio Quaresma, assinado pelo seu minou o fechamento da gráfica onde é impresso o diáPresidente, Maurício Azêdo. “A decisão de Vossa Excelência rio Entre-Rios Jornal, proibindo seu funcionamento por de proibir a circulação do periódico Entre-Rios Jornal e fechar 72 horas e, com isso, impedindo a impressão da publie lacrar sua oficina colide com o texto constitucional, que cação. Além disso, determinou a apreensão de exemplares não lhe confere tal poder, com precedente somente na do jornal. A ABI considera que o juiz incorreu em abuditadura militar. A sanção pelo desatendimento a direito so de autoridade, e que a atuação do magistrado está a de resposta é a aplicação de multa, como consta do artidemandar correição por esse Egrégio Tribunal, que não go 18 da Resolução 22.624 do TSE. A Associação Brasipode permitir a reprodução de violências que represenleira de Imprensa lamenta esse arroubo autoritário e intam retrocesso às práticas de ditadura”, sinalizou o Preconstitucional de Vossa Excelência”, dizia a mensagem. sidente da ABI.
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Jornalista de Macaé sofre ameaças e censura O jornalista Toni Marins encaminhou à ABI pedido de apoio para um caso de violação do direito de liberdade de imprensa e de expressão, do qual se diz vítima devido ao artigo Tatuagem e Câncer de Pele, que escreveu para o jornal online O Rebate, de José Milbs, um dos mais tradicionais de Macaé (RJ). Segundo o jornalista, o Sindicato dos Tatuadores do Brasil teria pressionado o site para retirar o texto do ar. Em seu artigo, Toni Marins defende que a prática da tatuagem seja regulamentada pelas autoridades médicas e sanitárias, porque, no seu entender, pode levar à doença. No mesmo dia em que o artigo foi publicado começaram a chegar dezenas de e-mails na Redação, muitos deles com xingamentos, reclamando de sua posição em relação à tatuagem e acusando-o de “racista, nazista e preconceituoso”. — Entrei em contato com o Presidente do Sindicato dos Tatuadores, Antonio Carlos Ferrari, porque ele tinha sido o único a se propor a um diálogo civilizado. Mas, além de me ameaçar, afirmando que levaria o caso ao departamento jurídico, ele me questionou, dizendo que eu não deveria falar sobre o que não conheço. Sou vítíma do câncer de pele e acho um absurdo alguém fazer no próprio corpo uma coisa que só sai por meio de cirurgia. Marins explica que resolveu pedir ajuda à ABI, da qual é sócio, porque quer que o caso seja analisado pela Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da entidade. E reclamou: — Fizeram um complô para apavorar a mim e ao jornal. Sinto-me coagido e ameaçado covardemente. Minha intenção era contribuir para que haja regras, procedimentos, normas, manual e registro profissional para os tatuadores. Eu lamento que o dono do jornal tenha se rendido às pressões que sofreu, retirando o meu artigo do ar. Ele também me sugeriu que eu fizesse um blog. Achei um comportamento lamentável, porque, no fundo, ele foi a primeira pessoa a cercear o meu direito à liberdade de imprensa e de expressão — queixou-se Toni Marins, que considera que no Brasil, apesar do momento democrático, “existe uma censura velada e coesa”.
Denúncias levam radialista à prisão em Búzios Beth Prata apresentou queixa à ABI, que também recebeu documentação que contesta as acusações feitas por ela. Trocas mútuas de acusações terminaram por acender uma polêmica no Município de Armação de Búzios, que culminou com a prisão da jornalista Ana Elizabeth Perez Baptista Prata, âncora do programa Bom dia Búzios, da Rádio Búzios FM Online. Beth foi presa por policiais militares na tarde do dia 30 de outubro por ordem do Juiz Criminal Rafael Resende de Chagas, sob a acusação de distribuição, no Tribunal de Justiça do Rio, de panfletos apócrifos que chamam juízes da região de corporativistas. Um habeas corpus, concedido pelo desembargador Custódio de Barros Tostes, libertou a jornalista, conhecida como Beth Prata, logo no dia seguinte à prisão. Vale lembrar que o caso tem sido acompanhado de perto pela ABI. No dia 8 de setembro, Beth Prata encaminhou à ABI cópia da denúncia que fez à Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro e à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Estado, acusando o proprietário do jornal Primeira Hora, Ruy Borba Filho, de perseguição e difamação. No próprio dia em que foi efetuada sua prisão, por volta das 18h30 min, a radialista fez contato com a ABI, por meio de um celular, de dentro da delegacia. Nervosa, Beth pediu o apoio da ABI para o acompa-
nhamento de seu caso, e revelou temer sua transferência para um presídio no Rio de Janeiro, fato que não se concretizou, uma vez que foi libertada em 31 de outubro. — Quando cheguei para trabalhar na rádio, por volta das 11h30min, os policiais já estavam me esperando. O motivo da prisão seria porque um dia antes eu tinha feito uma carta aberta para chamar a atenção dos juízes do Tribunal de Justiça, para que eu seja ouvida e possa me defender das acusações que venho sofrendo e apresente as provas de que estou sendo perseguida injustamente — afirmou a jornalista, logo após ser libertada. Justamente por suas cobranças e denúncias de corporativismo no setor judiciário, Beth Prata acredita que sua prisão foi, na verdade, uma retaliação. — Isso foi uma repressão do juiz, com certeza. Quem expediu o mandado de prisão foi Rafael Resende das Chagas. Mas ele trabalha com o Juiz João Carlos de Souza Corrêa, que teve a coragem de ligar para o Deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ), para interpelá-lo por qual motivo ele se pôs em minha defesa, durante discurso feito na Câmara dos Deputados, no dia 20 de agosto. Mais do que isso eu não posso falar, pois o Tribunal de Justiça me proíbe. Estou na lei da mordaça, até que
meu processo seja julgado — lamentou ela, que é acusada pelo juiz de calúnia e difamação. O outro lado Se Beth Prata enviou carta à ABI no dia 8 de setembro, no dia 10 do mesmo mês foi a vez de o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, receber das mãos do Juiz João Carlos de Souza Corrêa, titular da Comarca de Búzios; de Ruy Borba Filho, diretor e editor-chefe do jornal Primeira Hora, do mesmo Município da região litorânea do Rio; e da Deputada Alice Tamborindeguy (PSDBRJ) documentação que busca rebater as denúncias encaminhadas à entidade pela jornalista. — A ABI estará sempre em busca da verdade e em defesa da ética na sociedade e no jornalismo — afirmou o Presidente da ABI ao receber o relatório, também encaminhado ao Deputado Chico Alencar. Segundo Ruy Borba Filho, as acusações feitas por Beth Prata teriam motivação pessoal. Ele e a radialista eram sócios no Primeira Hora, mas a parceria foi interrompida há três anos. “A partir dessa época ela começou a manifestar posição contrária à linha editorial do veículo e interrompeu o cumprimento das obrigações na sociedade, me obrigando a recorrer à Justiça para
propor a cisão societária. Em represália, Beth deu início a uma série de denúncias infundadas e inverídicas contra mim e o Juiz João Carlos de Souza Corrêa”, defende-se Ruy Borba Filho, que prossegue em suas afirmações. “Ela manipulou os fatos e envolveu a própria ABI, na pessoa doConselheiro José Talarico, mentindo sobre a existência de uma Lei da Mordaça no Município de Búzios, que foi posteriormente desmentida. Com o intuito de nos intimidar, fez inúmeros registros policiais inconsistentes e responde a processos judiciais pelas inverdades proferidas contra cidadãos e autoridades de Justiça e do Estado. Tudo isto sob o respaldo de provas inexistentes, cartas anônimas, documentos apócrifos e e-mails falsos”, rebate. Há 12 anos na cidade de Búzios, o Juiz João Carlos de Souza Corrêa diz ter sido envolvido no caso em função do processo judicial da cisão entre os antigos sócios do Primeira Hora. “Desde então, venho sendo objeto de calúnias e difamação por parte dessa jornalista que, apesar de ter tido acesso a todos os direitos de ampla defesa, nada conseguiu provar. A ação contra ela está em fase final e o Ministério Público deverá se pronunciar em breve em favor da condenação nas formas previstas na lei”, aposta o juiz.
Bolívia ameaça prender jornalista brasileiro Sem poder cruzar a fronteira por causa da ameaça de prisão pelo Exército, dono de jornal eletrônico vê cerceado seu direito de informar. nhum mandado formal em meu nome, mas, como a região está sob estado de sítio, o Exército não precisa de mandado para pôr qualquer pessoa na cadeia”, informa ele. “Estou quieto em Brasiléia. Já estava me precavendo, pois alguns jornalistas tinham me avisado sobre essa situação. Acho que essa perseguição se deve ao fato de que o meu escritório passou a ser usado como base para jornalistas de todas as partes do mundo que estão cobrindo o que está acontecendo na Bolívia. Isso aqui virou um refúgio de colegas de veículos brasileiros, agências internacionais e até mesmo da Bolívia. Isso despertou a atenção das autoridades bolivianas”. Para se proteger de uma possível prisão arbitrária, Alexandre Lima comunicou o fato ao subcomandante do Exército brasileiro no Acre, Major Hélio Borgea, e ao Delegado da Polícia Federal Gustavo Rezio, que recomen-
daram que ele não recentemente que o atravesse a fronteiGovernador tinha ra até que o caso vemontado uma rede nha a ser esclarecido. de comunicação e A ABI e a Federação comprado a imprenNacional dos Jornasa de Pando, inclusilistas também fove O Alto Acre, coisa ram comunicadas, e que nunca aconteacompanham o caso. ceu. Ele citou dois O Governo bolivicontratos que teriano decretou o estaam sido feitos codo de sítio na Provínnosco, que eu nego cia de Pando, após que existam. Em uma onda de protes2007, prestei um tos contra o Presiserviço de artes grádente Evo Morales, e ficas para Leopoldo que culminou na priFernández, de um Alexandre Lima usa de precaução: são do Governador O Exército não precisa de mandado folder e um cartaz, do Estado. Alexandre para pôr qualquer pessoa na cadeia nada mais. Mas o Lima pretende deMinistro Quintana fender-se das acusações de que tenha sido insiste na existência dos contratos no colaborador de Leopoldo Fernández. valor de 36 mil bolivianos, o equivalen– O Ministro da Presidência da Bote a R$ 9 mil, que eu nego – afirma o lívia, Juan Ramón Quintana, declarou jornalista. ARQUIVO PESSOAL
A ameaça à liberdade de imprensa, por vezes, cruza fronteiras. Este é o caso do brasileiro Alexandre Lima. Dono do jornal eletrônico O Alto Acre, da cidade de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, o jornalista passou a ser alvo do Exército daquele país. Ele é acusado pelo Governo boliviano de ser colaborador do Governador do Estado de Pando, Leopoldo Fernández, preso sob a acusação de genocídio de trabalhadores rurais. Alexandre Lima diz que ficou sabendo que havia um suposto mandado de prisão contra ele ao telefonar para um colega jornalista em Cobija, no dia 11 de outubro. Por precaução, desde que recebeu a notícia, o jornalista não tem atravessado a fronteira para cumprir sua missão profissional. “Tentei me informar com as autoridades de Pando, mas não consegui localizar nenhuma queixa específica contra mim. Amigos meus não localizaram ne-
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Liberdade de imprensa
Direitos humanos
Brasil em 82º lugar no ranking da liberdade de imprensa
PREMIAÇÃO HISTÓRICA
Zuenir Ventura foi um dos jornalistas homenageados com o Troféu Especial de Imprensa Onu.
uma iniciativa do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com o apoio de dezenas de entidades coordenadas pela Oboré — Projetos Especiais em Comunicações e Artes. O júri, que é composto pelos mais de 500 jornalistas vencedores das edições anteriores do Prêmio Vladimir Herzog, homenageou com esse prêmio especial, e graças ao conjunto de suas obras, os jornalistas Ricardo Kotscho e Zuenir Ventura, ambos Conselheiros da ABI, Carlos Dornelles, José Hamilton Ribeiro e Henrique de Souza Filho, o cartunista Henfil, morto em 1988. Para Kotscho, que recebeu quatro Prêmios Esso ao longo de 43 anos de profissão, essa homenagem lhe reservou um sabor especial. — Este é o prêmio mais importante da minha carreira. Além de ter o aval institucional da Onu, a forma de votação, direta, feita por um júri de mais de 500 jornalistas vencedores do Vladimir Herzog, dá legitimidade à premiação — festejou Kotscho, que é membro do Conselho Deliberativo da ABI e não escondeu a emoção ao saber que ganharia o troféu especial da Onu, criado pelo artista plástico Elifas Andreato. Na mesa de honra da solenidade estavam presentes o Ministro Paulo de Tarso Vannuchi, da Secretaria Especial
de Direitos Humanos da Presidência da República; o Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia; o Secretário de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Luiz Antônio Guimarães Marrey, representando o Governador José Serra; o Vice-Presidente da ABI, Audálio Dantas; os Presidentes do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Guto Camargo, e da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murilo de Andrade; além de Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog, entre diversas outras personalidades. UCHA
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Troféu especial Também foi entregue o Troféu Especial de Imprensa ONU: 60 anos da Declaração/Prêmios Vladimir Herzog,
Morto há 20 anos, Henfil também foi lembrado pelo conjunto de sua obra.
DIVULGAÇÃO
Um avanço tímido mas, ainda assim, positivo. Divulgado no dia 22 de outubro, pela Organização Repórteres Sem Fronteiras-RSF, o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, apontou o Brasil em 82ª posição, numa lista de 173 países. Apesar de ter avançado duas posições em relação ao ranking anterior, a RSF responsável pelo estudo faz uma séria ressalva às ameaças à liberdade de imprensa no País. “A violência contra jornalistas investigativos é exemplo dos tipos de veneno que flagelam as democracias emergentes”, aponta o estudo. A Islândia lidera o ranking da liberdade de imprensa, seguida por Luxemburgo, Noruega, Estônia, Finlândia, Irlanda e Bélgica. Dentre os 20 primeiros colocados no ranking, 18 países localizam-se na Europa — as exceções são o Canadá (13ª) e a Nova Zelândia (10ª). Outros destaques positivos são a Jamaica e a Costa Rica, que ocupam, respectivamente, a 21ª e 22ª posição. Entre os países da América Latina, o Uruguai, que ocupa a 43ª posição, é o mais bem classificado. Já a Bolívia caiu 47 posições e ocupa a pior classificação, com o 115º lugar. Este resultado, analisa a RSF, seria “reflexo da crise institucional e política que exacerbou a polarização entre as mídias privada e pública e expôs os jornalistas à violência, em função de suas ligações com o Governo ou a oposição”. Eritréia, na África, em 173º lugar, ocupa a última colocação, antecedido pelos asiáticos Coréia do Norte e Turcomenistão. A China ficou com a 167ª posição e o Iraque, com a 158ª. Os Estados Unidos amargaram apenas o 119º lugar. A RSF realiza o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa desde 2002, com o objetivo de apontar a situação de jornalistas e veículos de comunicação em todo o mundo, a partir de pesquisas feitas com profissionais da área, além de pesquisadores, juristas e especialistas em direitos humanos.
Foi com esperança que um menino iugoslavo, fugindo do terror do nazismo do início do século passado, refugiou-se no Brasil com sua família. Naturalizado brasileiro, jornalista e teatrólogo de talento já reconhecido, teve que enfrentar, nos porões da ditadura militar, a prisão arbitrária e a tortura. Duas práticas bárbaras que, décadas antes, o fizeram deixar a Europa, terminaram por lhe tirar a vida em sua nova nação. Essa história real refere-se, é claro, a Vladimir Herzog, morto em 1975 no Doi-Codi do II Exército de São Paulo. Por isso, nada mais natural que em 2008 o Prêmio que leva seu nome tenha feito uma referência aos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda tão desrespeitados no País. A solenidade de entrega do 30º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e Especial Onu/60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ocorreu na noite do dia 27 de outubro, no auditório do Tuca, teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sob o comando de Heródoto Barbeiro e Rose Nogueira, coordenadora do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa (Condepe) e do Grupo Tortura Nunca Mais, a cerimônia teve início com a apresentação do grupo de teatro popular União e Olho Vivo, além da execução do Hino Nacional em ritmo de samba. Além dos vencedores, distribuídos em nove categorias, foram premiados os estudantes que conquistaram o 4º Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos, voltado para alunos de cursos de Jornalismo de São Paulo.
AVANI STEIN-FOLHA IMAGEM
RSF considera um flagelo a violência contra jornalistas investigativos no País.
30º Prêmio Vladimir Herzog homenageia os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e entrega Troféu Especial de Imprensa a jornalistas
Ricardo Kotscho: “Este é o prêmio mais importante de minha carreira”.
GANHADORES DO 30º PRÊMIO VLADIMIR HERZOG CATEGORIA ARTES VENCEDORA — ilustração: A árvore e a floresta Autor — Fernando de Castro Lopes Correio Braziliense — Brasília-DF
CATEGORIA JORNAL VENCEDORA — Os anti-heróis, o submundo da cana Autor — Mário Magalhães e Joel Silva Folha de S. Paulo — Sucursal Rio de Janeiro-RJ
MENÇÃO HONROSA — O valor do voto Autor — Raimundo Rucke Santos Souza Folha da Cidade de Itu — Itu-SP
MENÇÃO HONROSA — Duas justiças Autor — Ana Cristina D’Angelo e Alfredo Junqueira O Dia — Rio de Janeiro-RJ
Jurados — Gualberto (Gual), Fausto Bergocce e Gilberto Maringoni
MENÇÃO HONROSA — Sem hospícios, morrem mais doentes mentais Autor — Soraya Aggege O Globo — Sucursal São Paulo-SP
CATEGORIA FOTOGRAFIA VENCEDORA — Índio perde guerra Autor — Luiz Gonzaga Alves de Vasconcelos A Crítica — Manaus-AM
Jurados — Rose Nogueira, Roland Sierra e Dr. Fábio Canton CATEGORIA REVISTA turador à solta VENCEDORA — Um tor torturador Autor — Gilberto Nascimento e Rodrigo Martins CartaCapital — São Paulo-SP
Limpeza MENÇÃO HONROSA — Limpe za na penitenciária Autor — Herminio Nunes Diário Catarinense — Florianópolis-SC MENÇÃO HONROSA — Uma novela chamada lixão da Muribeca Autor — Juliana Andrade Leitão Diário de Pernambuco — Recife-PE
MENÇÃO HONROSA — Inclusão, só com aprendizagem Autor — Thais Macedo Gurgel Revista Nova Escola — São Paulo-SP
MENÇÃO HONROSA — Festa e tensão na Serra Autor — Cristiano Borges O Popular — Goiânia-GO
to aborto MENÇÃO HONROSA — O mapa do abor Autor — Patricia Zaidan e Alessandra Roscoe Revista Claudia — São Paulo-SP
Jurados — Regina Vilela, Douglas Mansur e Paulo Witaker
Jurados — Paulo Cannabrava, Ivan Seixas e Ary Normanha
CATEGORIA TV REPORTAGEM VENCEDORA — Saúde pública — Salve-se quem puder Autor — Mariana Brambilla e Adriana Araújo Jornal da Record — TV Record — São Paulo-SP
CATEGORIA TV DOCUMENTÁRIO VENCEDORA — Pará: terra sem lei Autor — Gustavo Costa e equipe Jornal da Record — TV Record
MENÇÃO HONROSA — Camboja — Reino destruído Autor — Cleisla Vieira Garcia e Eduardo Prestes Diefenbach Jornal da Record — TV Record — São Paulo-SP to morto MENÇÃO HONROSA — Caso do administrador mor Autor — Monica Puga, Aline Grupillo Chagas, Eliane Aparecida Pinheiro, José da Silva Lucas Filho, Patricia Hadlich Aquino e Ivaldo Anastácio da Silva TV SBT — São Paulo-SP Jurados — Dr. Martin Sampaio, Maria Amélia e Julio Moreno
MENÇÃO HONROSA — Luta na terra de Macunaíma Autor — Luiz Carlos Azenha, Aldo Quiroga e equipe TV Cultura — São Paulo-SP
CATEGORIA LIVRO-REPORTAGEM VENCEDOR — Bar Bodega — Um crime de imprensa Autor — Carlos Dorneles Editora Globo — São Paulo-SP MENÇÃO HONROSA — Casadas com o crime Autor — Josmar Jozino da Silva Editora Letras do Brasil — São Paulo-SP
CATEGORIA INTERNET almares VENCEDORA — Nação P Palmares Autor — André Deak, Juliana Nunes, Rodrigo Savazoni, Spensy Pimentel, André de Oliveira, Jefferson Pinheiro, Fausto José, Vasodara Cordova, Mário Marco, Robson Moura, Válter Campanato, Wilson Dias, José Cruz e Marcello Casal Jr. Agência Brasil — Brasília-DF morte MENÇÃO HONROSA — Vida e mor te correntina Autor — Lúcio Lambranho Congresso em Foco — Brasília-DF MENÇÃO HONROSA — Violência velada Autor — Juliana de Melo Correia e Sá JC Online — Recife-PE Jurados — Reiko Miura, Roseli Tardelli e Chico Silva
MENÇÃO HONROSA — Sobreviventes do Césio — 20 anos depois Autor — Carla Lacerda do Nascimento Marques Editora Contato Comunicação Jurados — Mônica Martinez, Antônio Carlos Prado e Rui Veiga CATEGORIA RÁDIO VENCEDORA — Exploração sexual de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul Autor — Cid Martins e Jocimar Farina Rádio Gaúcha — Porto Alegre-RS MENÇÃO HONROSA — Risco invisível Autor — Marcela Guimarães Rádio CBN — São Paulo-SP
MENÇÃO HONROSA — Por que lutamos: resistência à ditadura militar Autor — Fernanda Ikedo TV Comunitária de Sorocaba — Sorocaba-SP Jurados — Branca Rosa, Rafael Martinelli e Pedro Ortiz 4º PRÊMIO VLADIMIR HERZOG DE NOVOS TALENTOS DO JORNALISMO VENCEDORA — Bairro Lixão — esquecido pela justiça Autor — Renan de Carvalho Gouvêa Jornal do Ônibus Unaerp — Ribeirão Preto-SP MENÇÃO HONROSA — Homem x mulher: uma luta que acontece a cada 1 5 segundos no Brasil 15 Autor — Ana Paula Herculano Garrido e Wellington Alves da Silva Jornal Expressão Universidade São Judas São Paulo-SP MENÇÃO HONROSA — Consumismo e monocultura são os vilões atuais do meio ambiente Autor — Milena Tomazini Jornal do Barão — Centro Universitário Barão de Mauá — Ribeirão Preto-SP Jurados — Franklin Valverde, Fabíola de Oliveira e Walmir de Medeiros Lima
Jurados — Arlete Taboada, Bene Rodrigues e Oswaldo Luiz Vittal (Colibri)
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Direitos humanos Anistiados os líderes da Une presos no Congresso de Ibiúna
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Kátia Bardon teme por sua vida e a de seus filhos com a libertação dos policiais militares acusados da morte de seu marido. A ABI recebeu no dia 30 de outubro um apelo de Kátia Barbon, viúva do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, assassinado em 5 de maio de 2007 a tiros de espingarda enquanto conversava em um bar, no Município de Porto Ferreira, localizado a 228 quilômetros da capital paulista. Na mensagem, Kátia Barbon diz que se sente ameaçada e teme por sua vida e as de seus filhos, de 11 e 14 anos, uma vez que alguns dos acusados da morte de seu marido se encontram em liberdade. “Alguns dos suspeitos, que são policiais militares, estão presos. Mas, infelizmente, outros já foram soltos e estou com medo de que, com o passar dos dias, mais sejam libertados sem serem julgados pela Justiça”, afirma ela na mensagem enviada à ABI. Em fevereiro de 2008, quatro policiais militares foram indiciados pelo assassinato do jornalista. O inquérito cita também um comerciante, que seria o dono da arma usada pelos assassinos. A suspeita é de que a execução tenha sido motivada por uma série de reportagens feitas pelo repórter no jornal Realidade, em 2003, sobre o aliciamento de menores na cidade.
REPRODUÇÃO
Exatos 40 anos depois da violência praticada pela ditadura militar, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça anistiou os participantes do Congresso da União Nacional dos Estudantes presos na cidade paulista de Ibiúna, em 1968, concedendo-lhes reparação pela perseguição sofrida. Foram alcançados pela anistia Américo Antônio Flores Nicolatti, José Miguel Martins Veloso, Luiz Felipe Ratton Mascarenhas, Darci Gil de Oliveira Boschiero e João Mauro Boschiero, que sofreram perseguições após a prisão em massa feita em Ibiúna: foram presos na aparatosa operação policial-militar mais de 800 estudantes, vindos de diferentes Estados. A decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça foi adotada no dia 10 de outubro, no ato de encerramento da 12ª edição do evento Caravanas da Anistia, no Memorial da Resistência, em São Paulo. Participaram da cerimônia os Ministros da Justiça, Tarso Genro; da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi; e da Secretaria de Comunicação Social, jornalista Franklin Martins, um dos participantes do Congresso de Ibiúna; o Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, os Secretários estaduais de São Paulo da Cultura, João Sayad, e da Justiça e Defesa da Cidadania, Luiz Antônio Marrey, e a Presidente da Une, Lúcia Stumpf. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça foi criada em 2001 por medida provisória do então Presidente Fernando Henrique Cardoso e transformada em lei em 2002, em cumprimento ao artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 5 de otutubro de 1988. O órgão analisa os requerimentos de pessoas que informam terem sido perseguidas pelo Estado brasileiro nas ditaduras instaladas no País a partir da promulgação da Constituição de 1946. Dos 62 mil processos protocolados na Comissão, já foram apreciados 38 mil. Em 25 mil foi reconhecida a perseguição do Estado e concedida a anistia. A reparação econômica prevista na lei foi formalizada em aproximadamente 10 mil casos. A Comissão pretende finalizar os julgamentos até 2010. Entre os processos ainda pendentes há cerca de meia centena formulados por jornalistas e que têm sido objeto de expedientes da ABI à Comissão com pedido de que esses casos sejam decididos em vida dos requerentes.
Viúva de jornalista assassinado faz apelo à ABI
Luiz Carlos Bardon, jornalista executado covardemente no interior de São Paulo.
O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, comunicou que está encaminhando mensagem ao Governador José Serra, pedindo designação de proteção especial para Kátia Barbon: “A partir dessa nossa comunicação, o responsável pela integridade física e a vida da
viúva é ele, José Serra”, diz Maurício. Esta é a segunda vez que a ABI recorre ao Governador de São Paulo para que interceda pela família Barbon. Na ocasião do crime, a entidade encaminhou telegrama pedindo sua intervenção pessoal para que fosse realizada “apuração rigorosa e eficaz” do assassinato do jornalista. É esta a íntegra da mensagem enviada por Maurício Azêdo ao Governador José Serra: “Comunico a Vossa Excelência que esta Associação Brasileira de Imprensa recebeu um apelo dramático e angustiado da senhora Kátia Barbon, viúva do jornalista Luiz Carlos Barbon, assassinado no Município de Porto Ferreira no dia 6 de maio de 2007, a qual se considera ameaçada por alguns dos matadores do marido já soltos e por outros que venham a ser libertados. A ABI encarece a intervenção de Vossa Excelência junto às autoridades de segurança do Estado para que se assegure a proteção a Kátia Barbon, cuja integridade física e vida ficam sob a sua responsabilidade direta a partir desta comunicação. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
Compositor e vereador baianos sofrem ameaça Embate político em Município do interior da Bahia termina em suposta ameaça de morte. A ABI é acionada para dar divulgação ao caso O compositor Raimundo Jorge Martins Ribeiro e o suplente de Vereador Antônio Paulo Ribeiro (PMDB), ambos do Município de Milagres, no interior da Bahia, encaminharam à ABI denúncia de que estariam sendo ameaçados de morte por um grupo de correligionários do Prefeito eleito da cidade, Raimundo de Souza Silva (PR). Segundo o e-mail recebido pela ABI, a causa das supostas ameaças teria sido uma briga dos dois autores da denúncia com cabos eleitorais do vencedor das eleições, ocorrida na noite do dia 7 de outubro. — Nós saímos à rua para agradecer aos eleitores que votaram no Antônio Paulo Ribeiro, quando cruzamos com o grupo que apóia o Prefeito eleito e o filho dele, Conrado Neto, que também é seu Vice. Houve embate físico e nós nos dirigimos ao distrito policial de Milagres para pedir socorro e prestar queixa. Na delegacia, fomos ameaçados enquanto prestávamos depoimento, na presença do Delegado Gilmar Pereira Nogueira — diz Raimundo Ribeiro que, além de autor de sucessos como Nega Retada, gravada pela cantora Ivete Sangalo, é coordenador político do Vereador Antônio Paulo Ribeiro.
— Apelamos para a intervenção da ABI no caso, pois esse órgão tem tradição na luta para que a liberdade de expressão e o direito de ir-e-vir do cidadão sejam respeitados. Estamos sendo ameaçados de morte e os senhores têm a égide desta denúncia para que, em caso de óbitos, esta entidade não deixe este fato longe do conhecimento da população, nem das autoridades. Isto é um fato, não é um trote, pelo amor de Deus e da democracia! Pela vida humana — afirma Raimundo Jorge Martins Ribeiro em um dos trechos do documento enviado à ABI. O compositor informa que encaminhou um pedido de apuração de sua denúncia ao titular do Departamento de Polícia do Interior-Depin da Bahia, Delegado Joselito Bispo, e que naquele órgão foi ouvido pela Delegada Maria Lúcia, que documentou o episódio. O titular da Delegacia Policial de Milagres, Gilmar Pereira, confirmou ao ABI Online que os ânimos das pessoas ligadas ao Prefeito eleito estavam, de fato, exaltados. Mas negou que tenha havido as ditas ameaças ao compositor e ao suplente de vereador.
— Houve, sim, uma briga entre seis indivíduos, na qual se viram envolvidos o Raimundo Ribeiro e o candidato Antônio Paulo Ribeiro, contra um grupo que apóia o partido rival (PR), por causa de desavenças políticas. Na realidade, fica até difícil classificar as vítimas e os agressores, porque foi uma briga generalizada, na qual todos se agrediram entre si. Além do mais, todos aqueles que se dizem vítimas têm ficha suja, são baderneiros, arruaceiros. Mas não houve ameaças. Se tivesse havido, eu teria tomado as providências cabíveis. Ainda segundo o Delegado Gilmar Pereira, foram registrados os depoimentos de todos os envolvidos, com o encaminhamento dos feridos para exame de corpo de delito, com o envio do inquérito ao Cartório da Vara Criminal de Milagres. As medidas tomadas pelo Delegado, contudo, parecem não ter sido suficientes para tranqüilizar o compositor Raimundo Ribeiro. “A partir do ocorrido, estou vivendo em prisão domiciliar. Mas tenho confiança que vocês, da ABI, estão atentos e, se algo vier a ser consumado contra mim ou minha família, não vai ficar impune”, afirmou.
HOMENAGEM
A densa caminhada de Mário Barata POR MARIA DE LOURDES VIANA LYRA
“Participo desta homenagem ao Professor Mário Antônio Barata na condição de representante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o que muito me honra e me emociona, pela oportunidade de reverenciar a memória de um mestre amigo, com quem tive o privilégio de conviver e muito aprender com o seu exemplo de retidão acadêmica e erudição intelectual. No IHGB, ele foi eleito sócio em 1961, atuou com destaque nas múltiplas atividades da instituição, passando ao quadro de sócio benemérito em 1988, tornando-se membro da diretoria e chegando a ocupar o cargo de segundo vice-presidente até setembro de 2007, quando nos deixou. Pertenceu à Academia Portuguesa da História, à Academia de Belas-Artes de Lisboa, foi membro dos Institutos Históricos e Geográfico do Pará e do Rio de Janeiro, do Instituto Arqueológico e Histórico de Pernambuco, do Comitê Diretor da Associação de Cultura Franco-Brasileira e do Instituto Cultural BrasilAlemanha; Diretor-Geral da Associação de Museus de Arte do Brasil, Vice-Presidente da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas e um dos fundadores, no Louvre, do ICOM. Foi também professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde o conheci no início dos anos 80 como meu colega no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais-Ifcs e passei a admirá-lo pela relevante atuação de um verdadeiro mestre – destacado pela paixão ao estudo da História da Arte; pela erudição do conhecimento na apreciação crítica da arte; pela participação ativa nos seminários de pesquisa e conselhos universitários; e, sobretudo, pela sua postura humanista, revelada na peculiar generosidade no trato com colegas e alunos, em questão do cotidiano. O seu comportamento entusiasta em prol do exercício pleno e integrado do ensino/pesquisa, da interação professor/aluno; no incentivo à interdisciplinaridade e à integração universidade/sociedade, à valorização da cultura pela liberdade de pensamento, sempre se destacou e chamou a atenção de quem com ele conviveu. Membro das mais importantes associações de cultura e conselhos de arte do Brasil e no exterior, além de renomado crítico de arte e autor de livros consagrados no seu campo de conhecimento, o Professor Barata circulava com afabilidade, sem o distanciamento usual de antigos catedráticos, nem a pose de titular da época. Ao contrário, sempre cordial e dinâmico, ele atuou com independência, assumindo uma postura renovadora através da participação ativa nos mais diversos eventos, nas discussões sobre o papel da Universidade e sobre o sentido social da Arte. Sem jamais entrar em querelas ou tomar partido em confrontos, nem descuidar do relevante encargo da divulgação dos eventos culturais que estavam ocorrendo na cidade, distribuindo ora convites para exposições ou círculos de palestras, ora recortes de jornais com matérias interessantes ou exemplares de revistas com artigos sobre tema de interesse de cada interlocutor. Orientou pesquisas relevantes sobre História da Arte no Brasil, que resultaram em dissertações de mestrado e teses de doutoramento, aprovadas com louvor; participou de comissões organizadoras de
colóquios internacionais e da organização do Núcleo de Pesquisa e Estudos Históricos. Essa sua profícua trajetória acadêmica seria temporariamente interrompida em 1990, pela aposentadoria por idade, ao completar 70 anos, mas logo reativada no ano seguinte, ao ser agraciado com o título de Professor Emérito, honra a poucos concedida em tão curto espaço de tempo. Lembro da sua emoção na sessão solene da Assembléia Universitária, realizada no Salão Nobre do Ifcs, numa tarde de maio de 1992, ocasião em que recebeu esse honroso título que lhe facultava a continuidade da sua função de professor. Recuando no tempo, encontrei preciosos testemunhos que ratificam o seu perfil de intelectual competente e engajado. Em 1987, o Professor Joaquim Veríssimo Serrão saudou-o como “Acadêmico Titular da Cadeira n° 40 da Academia Portuguesa da História”, destacando o valor de sua obra, “que se impõe pela qualidade de investigação e o rigor do método”, e ressaltando a “grandeza do coração que lhe é própria”, acrescentando: “Ao pesquisador que sulcou caminhos novos na interpretação da arte brasileira associamos o homem na variedade dos seus talentos e dons: tolerante nas idéias, amável no convívio, distinto sem afetação, leal em todas as circunstancias (...) é alguém que sabe ventilar idéias e respeitar os outros, porque nele encontramos um amigo dedicado nas boas e más horas da nossa vida”. Quantos de nós aqui presentes não endossam esse comovente testemunho! Trinta anos antes, em 1956, o Professor Quirino Campofiorito saudou-o na solenidade de sua investidura na cátedra de História da Arte na Escola Nacional de Belas-Artes, da UFRJ, declarando ter-se habituado a estimar o jovem professor: “dadas as suas condições de criatura bem formada, sua educação jamais descuidada, sua solícita atenção, pressuroso sempre, no convívio daqueles de quem se aproxima, prestimoso para quantos dele necessitam”, destacando o “brilhantismo do seu talento e o dinamismo de suas atividades”. No discurso de posse nessa cadeira de História da Arte, o jovem professor de 36 anos falou da emoção ao assumir o “cargo vitalício, em que, segundo a tradição universitária, há liberdade de pensamento e impõe-se o dever de ensinar às novas gerações de acordo com a própria consciência e com a cultura viva do nosso tempo”. Naquele momento solene, ele publicamente assumia o compromisso de “tudo fazer pelo ensino da História da Arte”, por ser ela “um testemunho de grandeza e da autenticidade humanas”. E declarava ocupar aquela cátedra “consciente de que a rotina não pode nela incluir-se, sob pena de fracasso das tarefas que cabem a um professor de História da Arte (...) numa sociedade democrática que confia no saber, na liberdade e nos homens”. Concluído com uma bela e significativa definição de arte: “Efeito de vida, espelho das necessidades da vida, a arte necessita para ser com-
preendida no seu fluir histórico uma poderosa penetração nas condições e na dialética real da existência humana, de cada época”. Imaginemos, portanto o quanto não deve ter sido doloroso o seu afastamento das funções de professor, pela cassação arbitrária do governo militar, através de decreto publicado no Diário Oficial em 28 de abril de 1969, que atingia a ele e a numerosos outros ilustres professores de todas as universidades públicas brasileiras, proibidos de atuarem em qualquer instituição de ensino e de exercerem cargo público em qualquer parte do território nacional. Mas o Professor Mario Barata não desanimou, apesar da injustiça sofrida e das dificuldades de sobrevivência conseqüentes. Não saiu do País, nem transformou a cassação em bandeira de reconhecimento posterior. Ao contrário, nunca o escutei falando sobre esse fato lastimável. Preferiu dedicar-se à profissão de jornalismo, escrevendo sobre a sua paixão maior, a História da Arte, em jornais do Rio de Janeiro. Vale aqui o registro de que datam dessa época algumas das suas melhores e mais reconhecidas obras, como: Escola Politécnica do Largo de São Francisco, Berço da Engenharia Brasileira, publicada em 1973, análise magistral, não apenas sobre o estilo arquitetônico do edifico centenário, situado no coração da cidade do Rio de Janeiro, mas também sobre o desenvolvimento urbano e sobre a história do ensino da engenharia no Brasil; Igreja da Ordem 3ª da Penitência do Rio de Janeiro, publicada em 1975, obra considerada pela crítica como “um mimo artístico e literário”, pela forma como o autor analisa a elegância das proporções externas no monumento religioso, a beleza do ritmo das janelas gradeadas, a riqueza e unidade da nave e capela-mor da igreja, além dos tetos primorosos e de raro encanto, revelando-nos a excelência de uma “verdadeira jóia da arte barroca”; Poder e Independência no Grão-Pará, também publicada em 1975, valiosa obra de análise histórica sobre as relações de poder e os interesses envolvidos no processo de independência nas províncias do Norte do Brasil, terra dos seus antepassados. Foi também nessa época que sua atuação internacional começou a se destacar, pela sua atuação mais efetiva na Associação de Cultura Franco Brasileira, no Instituto Cultural Brasil-Alemanha e na Associação Internacional de Críticos de Arte, em Paris. Com a Lei de Anistia de 28 de agosto de 1979, o Professor Mario Barata seria liberado para voltar à Universidade. Ele voltou com o mesmo entusiasmo de quando havia iniciado a sua carreira, nos idos dos anos 50, confirmando o quanto seu exemplo dignifica a nossa carreira de professor.” Discurso proferido em nome do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 19 de setembro passado, na solenidade em que a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UniRio inaugurou o retrato de Mário Barata na galeria de seus Professores Eméritos.
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FOTOS: FOLHA DIRIGIDA
Uma Macaé que não é a do petróleo Em belíssimo ensaio, a natureza é revelada pelo olhar de Cony e Dom João de Orleans e Bragança.
Evanildo Bechara (representado pelo filho) e Flexa Ribeiro (com Edília Garcia) passaram à Galeria dos Grandes Educadores.
EDUCAÇÃO
Na festa das Personalidades, destaque à ABI Um gesto cavalheiresco de Adolfo Martins, Presidente do Grupo Folha Dirigida: em homenagem ao centenário da ABI, entregou à Casa a presidência da sessão solene em homenagem aos líderes da educação em 2008. Por deferência do jornalista Adolfo Martins, Presidente do Grupo Folha Dirigida, como homenagem ao centenário da Casa, a ABI presidiu a cerimônia de entrega do Prêmio Personalidades Educacionais 2008. A distinção foi concedida a três instituições — Colégio Pedro II, Colégio Santo Inácio e Instituto Militar de Engenharia — e a dez educadores, entre os quais o Senador Cristovam Buarque, que se encontrava na Noruega, participando de uma reunião internacional de profissionais da educação e foi representado na solenidade pelo sobrinho Bartolomeu Buarque. Ao agradecer a homenagem do Grupo Folha Dirigida, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, destacou a trajetória centenária de luta em defesa das liberdades públicas, especialmente a de imprensa, e, a partir dos anos 70, dos direitos humanos, após o assassinato, numa prisão militar em São Paulo, do jornalista Vladimir Herzog, que completaria 33 anos de idade dois dias depois de ser morto, em 25 de outubro de 1975. Maurício salientou ainda a vinculação da Casa com a educação, sobretudo através da atuação de alguns de seus ex-Presidentes, como Barbosa Lima Sobrinho, um dos primeiros professores de Economia do País, na antiga Faculdade de Ciências Econômicas do Estado do Rio de Janeiro. Destacou também as contribuições de Danton Jobim, um dos primeiros professores de ensino de Jornalismo no Brasil, como Cásper Líbero; e Fernando Segismundo, eminente professor de História do Pedro II, uma das instituições homenageadas. 30 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
A ABI teve destacados educadores como Presidentes, disse Maurício Azêdo.
Além dos agradecimentos, o ato foi marcado pelo forte teor de denúncias de representantes do magistério: do Professor Edgar Flexa Ribeiro, Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro; de Wanderley Quedo, que acompanhou a tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação como representante do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro; e de Zaia Brandão, da Pontifícia Universidade Católica do Rio. Todos reclamaram justiça para os professores, sobretudo no que se refere à remuneração. A 10ª edição do Prêmio Personalidades Educacionais, realizada na sede do Jóquei Clube do Rio de Janeiro, contou com a presença de inúmeros membros da comunidade fluminense da área da educação e coroou o trabalho de dois professores que, devido
à terceira indicação, ingressaram na Galeria dos Grandes Educadores: Edgar Flexa Ribeiro e o filólogo e gramático Evanildo Bechara. Também foram eleitos pelos mais de seis mil votantes o Reitor da Unigranrio, Arody Cordeiro Herdy; o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF); a Diretora da Escola Parque, Mary Ferraz; o Diretor da União dos Professores Públicos no Estado-Sindicato-Uppes, Raymundo Stelling Júnior; o Reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Ricardo Vieiralves; o Chefe de Gabinete da Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e Reitor da Uezo, Roberto Boclin; o Professor Wanderleu Quêdo, do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região-Sinpro-Rio, e a Professora Zaia Brandão, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Macaé, no Norte fluminense, tornou-se conhecida em todo o país por concentrar as principais reservas de gás e petróleo nacionais. Porém, ao longo de algumas semanas, o jornalista, escritor e acadêmico Carlos Heitor Cony, a jornalista e pesquisadora Anna Lee e o fotógrafo Dom João de Orleans e Bragança descobriram que talvez essa não seja a mais exuberante riqueza da região. Com um olhar sensível e original, eles mostram fantásticas belezas naturais em Macaé: A Natureza Revelada. Com textos de Cony, pesquisa de Anna Lee e fotos do príncipe Dom João, a publicação apresenta a história do lugarejo que ganhou status de vila em 1813, batizada como São João de Macaé. O balneário enfrentou a decadência econômica a partir de 1855 e, um século depois, assistiu à retomada do desenvolvimento econômico impulsionado pelas descobertas que a transformaram na capital nacional do petróleo. A região, que abriga serras, rios, cachoeiras, praias, fauna e flora exuberantes, recebeu a instalação de uma usina termelétrica, a UTE Norte Fluminense, com a finalidade de produzir energia a partir da utilização de gás natural da Bacia de Campos. Concebida em meio à crise energética dos anos 2000–2001, a usina faz parte do Programa Prioritário de Termelétricas, criado pelo Governo Federal. Desde então, a UTE Norte Fluminense firmou compromisso de preservação ambiental com os moradores e a Prefeitura do Município, incluindo o financiamento para a revitalização do Parque Fazenda Atalaia — área remanescente de Mata Atlântica —, a preservação da região serrana do Sana, a gestão da Baia do Rio Macaé e a expansão da Reserva Biológica União, habitat do mico-leãodourado. Bilíngüe, impresso em papel cuchê e ricamente ilustrado, o livro traz o resultado dessas iniciativas e apresenta um ensaio que une belos textos a paisagens ainda mais bonitas.
Livros
As crônicas de Niemeyer Mestre da arquitetura moderna mostra em seleção de textos que tem intimidade também com as letras
Oscar Niemeyer é um homem orgulhoso. Perto de completar 101 anos, ele une a vitalidade de uma rotina diária de trabalho com a experiência de quem se tornou um dos principais nomes da arquitetura mundial no século passado. E continua alimentando seus sonhos. Foram eles que inspiraram o centenário mestre da arquitetura moderna o livro Crônicas de Oscar Niemeyer, que traz uma seleção de textos que refletem a opinião do autor a respeito da política, do Rio antigo, de suas experiências de vida e outros temas. Sem falar nas homenagens prestadas a velhos amigos como Darci Ribeiro, João Saldanha, Leonel Brizola e André Malraux. Em sua maioria, as crônicas do livro foram publicadas na Folha de S.Paulo, no Jornal do Brasil, no Correio Braziliense e em outros órgãos de imprensa, durante as últimas décadas. Niemeyer fez algumas alterações em parte delas para que pudessem entrar no livro. Outras foram escritas recentemente, em agosto de 2008, especialmente para a obra. As crônicas também revelam detalhes do contato do arquiteto com a arte ainda na infância, quando costumava desenhar no ar, sob o olhar intrigado da mãe. A vida tranqüila em família, os bairros arborizados e a atmosfera acolhedora do Rio de Janeiro de outrora são recordados com saudosismo, assim como a descoberta da literatura, da música de Chico Buarque e da poesia de Ferreira Gullar. Mais adiante, sublinha sua preferência pela linguagem simples do cotidiano e seu sentimento de revolta contra o racismo e a pobreza. A filosofia marxista, sempre presente na obra, propõe “uma vida mais justa, de mãos dadas com a dignidade e a solidariedade humana”. Porém, chama a atenção o capítulo que Niemeyer dedica às reflexões intimistas e à analise de sua longa e genial trajetória. O concorrido lançamento realizado em outubro, na Galeria Anna Maria Niemeyer, no Rio, reuniu admiradores e amigos do arquiteto, como o jornalista Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Renato Guimarães, Diretor da Editora Revan, e Sérgio Caldieri, sócios da entidade; o advogado Humberto Jansen, a bailarina e coreógrafa Dalal Achcar, o colecionador Gilberto Chateaubriand, os arquitetos Maristela Kubitschek Lopes e Paulo Casé e os atores Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho.
NUNO GODOLPHIN/A VIDA É UM SOPRO
POR CLÁUDIA SOUZA
Um clássico da luta pela liberdade de expressão Cale a Boca, Jornalista!, de Fernando Jorge, ganha nova edição revista e ampliada.
"Sinto-me cada vez mais radical, preso aos antigos camaradas", diz Niemeyer.
Sobre amigos e convicções “Deste querido amigo guardamos uma terna lembrança — alegre e leal como sempre foi. Recordo a sua posição corajosa e radical diante dos problemas políticos que ocorriam. Um exemplo que nos ficou e que procuramos difundir, tão importante ele se faz nestes momentos de incertezas e angústias em que vive o povo brasileiro.” (Sobre o jornalista e comentarista esportivo JOÃO SALDANHA, que foi sócio e membro do Conselho Deliberativo da ABI. Niemeyer acalenta o sonho de ver construído o estádio de futebol que trará o nome do amigo)
“Comparei o homem a uma casa. No caso de Darci Ribeiro, vejo-a como um palácio, imenso, com torres e mirantes e cúpulas a subirem para o céu. Palácio de vidro transparente como o nosso amigo. Sem janelas, porque as coisas do mundo nele penetram sem obstáculos. Sem portas, porque nele todos entram e saem à vontade, pois Darci não tem medo e é assim, generosa e solidária, sua filosofia de vida.” (Sobre o antropólogo, educador, ensaísta e acadêmico DARCI RIBEIRO, a quem Niemeyer se refere como amigo, irmão e exaltado no livro como símbolo de sonhos e determinação)
“E lembrava Aparecido a declarar, quando tomou posse no Governo de Brasília: ‘Vou governar com os olhos do Oscar’. Deste contato fraternal senti melhor como era o meu amigo, a sua posição de homem generoso que o levou a construir, nas cidades satélites, um dos primeiros prédio modernos ali
realizados, a Casa do Cantador, que a seu pedido projetei, e, mais tarde, na Praça dos Três Poderes, o Panteão. Nos últimos anos nossos contatos pessoais se fizeram mais à distância, embora nas ocasiões em que vinha ao Rio ter com seus amigos Ziraldo, Millôr, Geraldo Carneiro, Chico e Paulo Caruso encontrasse tempo para me ver. E nos abraçávamos, ríamos, falávamos de Brasília, como se a vida não fosse nada mais que esses momentos em que uma amizade mais forte se impõe.” (Sobre a trajetória do exMinistro da Cultura JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA, que presidiu a Fundação Oscar Niemeyer e foi sócio e membro do Conselho Consultivo da ABI)
“Sinto-me cada vez mais radical, preso às velhas convicções, aos antigos camaradas, aos que lutam pelas ruas e praças deste País contra a injustiça social, a miséria, o desemprego, a violência, as ameaças a nossa soberania.” (Sobre POLÍTICA, já que, diferente de outras áreas da vida, nem o passar dos anos foi capaz de mudar suas convicções)
“Comecei a falar comigo mesmo, ou melhor, com este ser oculto que dentro de nós vive a nos criticar ou louvar pela vida afora. Gosto da companhia deste velho amigo, de com ele rir ou chorar pela vida afora, neste mundo cheio de surpresas, de miséria, violência, difícil de modificar. De atender aos que aparecem, sem neles procurar defeito, certo de que em todos existe um lado bom.” (Ao fazer REFLEXÕES INTIMISTAS e analisar sua longa trajetória)
A luta pela liberdade de expressão é antiga no Brasil. Desde os primeiros dias do Império, passando pela Proclamação da República, atravessando a Revolução de 1930 e chegando à mais recente ditadura, iniciada com o golpe de 1964 e que durou duas décadas, é possível narrar uma história do Brasil apenas falando sobre espancamentos, prisões, torturas, assassinatos e atentados cometidos contra profissionais da imprensa e veículos de comunicação. Esse ângulo inusitado é explorado por Fernando Jorge no livro Cale a Boca, Jornalista!, obra que já se tornou um dos clássicos sobre comunicação no País e agora chega à sua 5ª edição, lançada pela Editora Novo Século, totalmente revista e ampliada. Fernando Jorge, que também é jornalista, colabora com diversos jornais e revistas e integra o Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, além de ser autor de obras premiadas como O Aleijadinho, sua Vida, sua Obra, seu Gênio e Getúlio Vargas e o seu Tempo, sabe o que diz. Ele foi preso e processado durante a ditadura militar, vivendo na pele a perseguição por causa da luta pela liberdade de expressão. No livro, ele relata os atos de violência e arbitrariedades cometidos contra a imprensa desde o Império de D. Pedro I até a década de 1980, detalhando episódios que envolveram colegas de profissão como Cipriano Barata, Frei Caneca, Evaristo da Veiga, Vladimir Herzog, Luiz Paulo Machado, Hélio Fernandes e Maurício Azêdo, hoje Presidente da ABI. O objetivo da publicação, segundo o escritor, é apresentar a História do Brasil sob ângulos novos e reunir documentação inédita sobre fatos importantes que foram omitidos, especialmente no período da repressão: – Esta obra, além do caráter de denúncia, é um registro da nossa memória histórica, útil para pesquisadores, estudantes, professores, jornalistas e todos os que amam a liberdade. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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Livros
UM OLHAR DE VANGUARDA SOBRE A MULHER Obra apresenta o trabalho de Man Ray, um dos principais fotógrafos do início do século XX. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Nascido na Filadélfia, Estados Unidos, em 1890, Emmanuel Radnitsky cresceu no Brooklyn, em Nova York, e, já assinando Man Ray, foi um dos fotógrafos mais versáteis do século XX, ao lado de nomes como Robert Capa e Cartier-Bresson. Entre seus trabalhos mais conhecidos destacam-se aqueles que ele fez sobre a imagem feminina, revelando um olhar muito à frente de seu tempo. Em Man Ray e a Imagem da Mulher: A Vanguarda do Olhar e das Técnicas Fotográficas, a antropóloga Geórgia Quintas busca provocar um debate sobre a apropriação que ele faz da figura da mulher. – Sua plasticidade, apesar de ser um misto de beleza, estranhamento e investigação, estabelecia a elegância e se desvinculava do vulgar. – conta a autora, que também é pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco e especialista em fotografia e imagem. Georgia ainda destaca o que mais lhe chama a atenção nas fotos de Man Ray: – Nada em sua produção era gratuito, tudo faz sentido. As imagens são elaboradas a partir da técnica e de uma série de recursos. Outro fator era a originalidade. O próprio artista costumava dizer que, com a fotografia, conseguia fazer coisas que as pessoas jamais poderiam imaginar que ele fizesse.
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Além do anjo pornográfico e da estrela solitária Em seu novo livro, Ruy Castro troca as biografias pelas crônicas. O jornalista Ruy Castro tornou-se conhecido por suas premiadas biografias de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmem Miranda. Mas, além de saber falar sobre a vida dos outros, ele também sabe narrar as peculiaridades do dia-a-dia em deliciosas crônicas. Castro acaba de lançar Ungáua!, livro que reúne 101 crônicas selecionadas entre as mais de 150 que publicou entre fevereiro de 2007 e março de 2008, na Folha de S.Paulo. O título de uma das crônicas deu nome à publicação, que foi lançada pela Publifolha e abrange temas diversos, como música popular, cinema, política e violência. Vencedor de três prêmios Jabuti, o jornalista e escritor comenta, em tom de brincadeira, que o espaço que ocupa na Folha deveria estar reservado à análise contundente e fundamentada da política, da economia e das instituições, e não cedido a um cronista que fala sobre temas que vão da Bossa Nova ao tráfico de besouros recheados com cocaína em Amsterdã, passando pela relação entre a galinha e o Tyrannosaurus Rex e entre Derci Gonçalves e Tarzan: — A crônica, ainda mais quando praticada por cariocas, é o feudo da conversa fiada e, nela, todo assunto é válido, desde que irrelevante — adverte Ruy, com a habitual ironia e talento que o consagraram com um dos principais contistas e cronistas do país.
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JUSTIÇA
A
pesar da atmosfera democrática que envolve o Brasil nos últimos tempos, o clima em relação à liberdade de expressão anda sofrendo mudanças, no caso negativas, que atingem, entre outros, quem se dedica a escrever biografias de grandes personagens da vida nacional. Entre os autores que tiveram seus trabalhos censurados estão os jornalistas e escritores Fernando Morais e Ruy Castro. Porém, a lista vem aumentando – e muito – nos últimos anos. Diferente de outros países, como os Estados Unidos, onde personalidades da vida pública podem ter três, quatro ou mais biografias lançadas – além daquela autorizada, outras independentes ou não-autorizadas –, no Brasil muita gente ainda cerceia a informação com a desculpa de que o biógrafo precisa de consentimento, principalmente da família, que busca preservar seus interesses, para falar sobre a vida e obra de uma pessoa. Se não passar por esses interesses, trata-se de crime. E a Justiça apóia tal distorção. Fernando Morais foi censurado por causa de Na Toca dos Leões (lançada em 2005 pela Editora Planeta), que conta a história da agência W/Brasil, do publicitário Washington Olivetto. Uma declaração do então Deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), citada no livro, perto das eleições presidenciais de 1989, fez com que o parlamentar movesse duas ações cíveis contra Morais, que teve a publicação da obra interditada por decisão do Juiz Jeová Sardinha de Moraes, na época titular da 7ª Vara Criminal de Goiânia. Em 1995, Ruy Castro passou por situação semelhante quando escreveu Estrela solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha (Companhia das Letras). As filhas do homenageado moveram uma ação e a biografia foi recolhida das livrarias, pois a Justiça entendeu que afetava negativamente a imagem do ex-jogador do Botafogo e da Seleção Brasileira. Depois de um recurso, a decisão foi revogada e o livro pôde voltar a ser vendido. No ano passado, foi a vez do escritor e jornalista Paulo César Araújo, com a biografia de Roberto Carlos, Roberto Carlos em Detalhes (Editora Planeta), que a Justiça também mandou recolher a pedido do “Rei”, sob a alegação de invasão de privacidade. Agora, a Justiça mandou interromper a venda de Sinfonia de Minas Gerais – A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa (LGE Edi-
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Biografias sob censura Apesar do crescimento do gênero nos últimos anos, especialmente quando feitas por jornalistas, não são poucas as decisões judiciais que impedem a venda de diversas obras e atacam frontalmente a liberdade de expressão. POR JOSÉ REINALDO MARQUES E M ARCOS S TEFANO
tora), do escritor goiano Alaor Barbosa, por entender que a biografia contém informações erradas sobre o autor de Grande Sertão: Veredas. Em seu despacho, o Juiz Marcelo Almeida de Moraes Marinho, da 24ª Vara Cível do Rio de Janeiro, alega que a venda do livro poderá trazer prejuízos aos direitos das herdeiras do escritor, Vilma e Agnes Guimarães Rosa. Na ação conjunta proposta contra a LGE e Alaor, Vilma e a editora Nova Fronteira – donas dos direitos autorais das obras de Guimarães Rosa —, alegam que foram surpreendidas ao tomar conhecimento, pela imprensa, do lançamento da biografia. Dizem, também, que ninguém da família foi consultado pela editora ou pelo autor “para opinar, dar entrevistas ou qualquer espécie de contribuição para o livro”.
Em entrevista à repórter Marina Gonçalves, do jornal O Globo, publicada no dia 7 de outubro, Vilma alega que a obra de Alaor é plágio do livro Meu Pai, escrito por ela em 1983. O autor contesta e diz que há cinco anos, quando começou as pesquisas para fazer Sinfonia de Minas Gerais, vem tentando sem sucesso um diálogo com a família de Guimarães Rosa: – Em 2003, escrevi uma carta para Vilma, comunicando que estava escrevendo o livro e pedindo informações. Ela não me respondeu. Alguns meses depois, telefonei a ela para pedir novamente sua colaboração, que também me foi negada. Produção de biografias em risco Para Fernando Morais, a produção de biografias corre sério risco se tiver que ser submetida à censura prévia dos des-
cendentes dos biografados, o que configura caso grave de ameaça à liberdade de expressão: – É uma barbaridade, pode-se abrir um precedente nacional de uma hora para outra, parece uma ação corporativa. Além do mais, é uma maneira de impedir a sociedade de se informar. Uma medida como essa é uma violência que está causando um efeito muito negativo no escritor —, diz ele, referindo-se a Alaor, cujo livro tem 387 páginas e informações colhidas em muitas viagens a diversas regiões de Minas, como Codisburgo, terra de Guimarães, e Itaguara, onde ele morreu, em 1967. Alaor, que já publicou dois livros sobre Monteiro Lobato – Lobato e as Crianças (Editora Caminhos, em 1960) e Um Cenáculo da Paulicéia (Editora Projecto, em 2004) – diz que gosta de escrever sobre a vida dos grandes autores brasileiros. Por isso, sentiu imensa tristeza ao saber da ação judicial: – A notícia trouxe muita dor moral, a mim e à minha família. Há dois anos, publiquei um estudo sobre o romance regionalista brasileiro, em que falo da obra de vários escritores, como José de Alencar, Visconde de Taunnay, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, até chegar a Guimarães Rosa. Analisei a obra e escrevi um perfil biográfico deles. E não tive qualquer tipo de problema. O autor considera a censura prévia “uma coisa inadmissível”: – Além disso, verificar se um livro contém ofensa à imagem de alguém é algo que tem
ARQUIVO PESSOAL
Alterar a lei. Esta pode ser a saída
Fernando Morais (E), escritor que já sentiu na pele a tentativa de censura de seu livro Na Toca dos Leões, diz que é uma barbaridade a situação vivida por Alaor Barbosa (acima), que teve seu livro proibido de ser vendido. Sérgio Vilas Boas (D) , jornalista e professor de jornalismo literário, faz coro: “Tirar um livro de circulação é uma medida medieval”. DIVULAGAÇÃO
DIVULAGAÇÃO
sido convocar algum dentre os nossos bons especialistas em Guimarães Rosa, pedir-lhe um parecer, e divulgá-lo”. Apesar da crise deflagrada pelos vários processos judiciais, nem tudo nessa história é ruim. Para o jornalista e professor de Jornalismo Literário Sérgio Vilas Boas, esses casos deixam claro o baixo grau de consciência da sociedade sobre o fazer biográfico, mas podem fazer com que o debate se encaminhe para uma maturidade: – A controvérsia mostrou os riscos de se fazer uma biografia no Brasil e fez com que todos amadurecessem a questão. A realidade é que avaliamos uma biografia apenas pelo volume de informações e não pelos seus méritos. Esses casos e a discussão da Lei de Biografias (ver texto ao lado), mostrarão que precisamos discutir com uma complexidade mais consciente a questão e não apenas com base em interesses pessoais. O projeto de lei ainda é aberto com relação ao assunto, mas dará segurança mínima para os autores. Estudioso especializado em narrativas biográficas e autor dos livros Biografismo – Reflexões sobre as Escritas da Vida (Editora Unesp) e Biografias e Biógrafos (Summus Editorial), Vilas Boas alerta que esse processo precisa ser apressado, sob pena de conseqüências graves: – Tirar um livro de circulação é uma medida medieval. Autores, editores e famílias detentoras do acervo dos biografados deveriam tomar como exemplo outros países onde há mais
de conhecer sua própria história. Sob outro aspecto, tem desestimulado autores e editores a investirem tempo, dedicação e recursos na pesquisa e publicação de biografias, o que representa uma perda muito séria para a sociedade. Com a modificação proposta, quem cometer injúria ou difamação poderá ser processado por isso, mas fica assegurada a liberdade de expressão. Em relação à proposta de alteração da Lei n° 10.406, Palocci diz que acredita na aprovação e eficácia do projeto como futura lei para acabar com a censura judicial: – Apresentado após uma ampla consulta e um debate intenso entre escritores, editores e especialistas no tema, ele vai mudar um único artigo do Código Civil, que tem servido de pretexto para a proibição de biografias nãoautorizadas no Brasil e faz com que escrever sobre pessoas públicas e de interesse da sociedade seja encarado, erroneamente, como uso indevido do direito de imagem movido por interesse comercial. As biografias são reconhecidamente obras de valor histórico e cultural e, portanto, de grande interesse público. Impedir o uso comercial de produtos dessa natureza é um grande obstáculo e pode minar essa produção.
tradição no mercado editorial e o público leitor está consolidado, ao discutir esse gênero. Só existem processos quando se falam mentiras ou se usam informações protegidas por copyright, como aconteceu no caso do inglês Ian Hamilton, que tentou biografar, nos anos 80, o ficcionista J. D. Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio. Hamilton usou trechos de cartas escritas por Salinger entre 1939 e 1961 e elas eram protegidas. O biografado entrou na Justiça norte-americana e evitou a publicação. Por aqui, precisamos mudar nossas concepções e saber que aqui-
lo que torna a biografia atraente é justamente o fato de que os biografados são seres humanos, com imperfeições. O biografado, seus familiares, amigos e conhecidos podem contribuir ou não com o biógrafo. Podem também tentar demover o escritor, dificultando seu acesso a fontes. Mas não opor dois preceitos constitucionais: a liberdade de expressão e o direito à privacidade, ainda mais com dados públicos. Se não houver atenção com esses pontos, qual editora vai querer publicar uma biografia, ainda que relevante, para ter prejuízos financeiros?”
ELZA FIÚZA/ABR
que ser feito em um processo regular. Só depois da produção de provas, e se houver uma sentença transitando em julgado, é que se pode determinar alguma coisa. Alaor Barbosa vem recebendo apoio de outros escritores e de diversas entidades, como a União Brasileira dos Escritores, que, em 1º de outubro, publicou nota de repúdio à retirada de sua obra das livrarias. O texto é assinado pelo Presidente da UBE, Levi Bucalem Ferrari, e diz que a instituição “manifesta-se, prontamente, contra esse ato arbitrário, atentatório à liberdade de expressão e criação artística, como bem define o Código Civil”. No artigo Em Defesa das Biografias, Claudio Willer, poeta, ensaísta, tradutor e Conselheiro da UBE, que já presidiu a entidade, diz que as obras sobre os grandes autores brasileiros são do interesse de historiadores, sociólogos e críticos, e “contribuem para o conhecimento, na razão direta do seu valor literário”. Mais adiante, ele escreve: “Guimarães Rosa não escondeu esqueletos no armário. A argumentação de Vilma Guimarães Rosa, fundamentando sua ação, trata de supostas incorreções na biografia por Alaor Barbosa. Mover ação por isso é idiossincrático e contraproducente”. Claudio diz ainda que isso é “assunto para a crítica literária, e não para o Judiciário”. E conclui: “Agora, temos o juiz dublê de crítico literário: dupla usurpação, do nosso direito à leitura, do nosso direito ao julgamento. O certo teria
Vem de Brasília uma boa notícia para aqueles que se dedicam a escrever sobre a vida de pessoas de renome. Encontrase em fase final de apreciação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei das Biografias (PL 3.378, de 2008), de autoria do Deputado Antônio Palocci (PT-SP), que dispõe sobre alteração do artigo 20 da Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil. A medida visa a garantir a liberdade de expressão e poderá acabar com as proibições de livros não-autorizados, que crescem em todo o País. A proposta teve parecer favorável do relator, Deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), que votou por sua “constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, com substitutivo”. Nas cinco reuniões da CCJC, durante as quais poderiam ser apresentadas emendas ao projeto, nenhuma alteração foi feita. O projeto de lei em seu único dispositivo diz que “é livre a divulgação da imagem e de informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública ou cuja trajetória pessoal ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade”. Em sua justificativa, Antônio Palocci diz que considera necessária a alteração no artigo 20 do Código Civil, “para contemplar a exceção constituída pelo direito à informação, em se tratando de personagem histórico ou público, garantindo-se também o acesso a fontes culturais, mesmo que a utilização das imagens seja para fins comerciais”, conforme o previsto no artigo 215 da Constituição Federal. No documento, ele acrescenta que, ao restringir a utilização de imagem sem autorização, o artigo 20 “impede o acesso do público a dados biográficos de personalidades da cultura e da política, inibindo o exercício pleno da cidadania”. Para o deputado, a censura prévia a biografias é um equívoco que tem causado graves prejuízos ao País: – São prejuízos à memória nacional, à cultura e à sociedade, que tem direito
Palocci: é necessário alterar a lei para garantir o direito à informação.
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“Você fez pelo livro no Brasil o que ninguém fez até hoje”, disse-lhe em carta um jovem escritor: Jorge Amado.
FOTOS DIVULGAÇÃO/SEXTANTE
OS EDITORES
POR C LAUDIA SOUZA E MARCOS S TEFANO
Ao chegar na salinha dos fundos da loja, Graciliano ficava a princípio em silêncio. Ouvia a conversa, mas inesperadamente soltava uma frase polêmica. Só para provocar a discussão. Os amigos estavam acostumados com a mania do escritor, mas nunca deixavam de reagir à provocação. Quem ia ao prédio de número 110 da Rua do Ouvidor, no Rio, tinha a certeza de presenciar algum debate sobre as grandes questões do País, críticas e elogios a Getúlio Vargas e análises sobre socialismo, integralismo, história e a razão daquele espaço existir: a literatura. Graciliano Ramos, Jorge Amado, Portinari, José Lins do Rego, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e tantos outros. Eles não eram apenas freqüentadores da “Casa” – nome pelo qual José Olympio chamava sua editora e livraria. Muitos desses grandes nomes da literatura brasileira foram lançados e popularizados por seu selo. José Olympio Pereira Filho nasceu em Batatais, interior de São Paulo, em 1902. De origem humilde, começou a lutar cedo pela sobrevivência. Aos onze anos, já trabalhava atrás de um balcão de farmácia na cidade. Em 1918, com a ajuda do padrinho, o então Governador de São Paulo Altino Arantes, e tendo cursado apenas o primário, chegou na capital paulista com dois sonhos: cursar a Faculdade de Direito e arrumar emprego num armazém de secos e molhados. Só que o armazém faliu, o projeto de carreira jurídica acabou adiado e ele foi parar na Casa Garraux, livraria onde começou abrindo caixas de livros, mas em 1926 tornou-se gerente e conheceu grandes intelectuais e escritores, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia. Fascinado pelos livros, em 1931 ele comprou os 10 mil volumes do acervo do escritor e jurista Alfredo Pujol e fundou a Livraria José Olympio Editora, na Rua da Quitanda, Centro de São Paulo. No mesmo ano, lançou seu primeiro título Conhece-te pela Psicanálise, do norte-americano Joseph Ralph. O livro ficou 20 anos em catálogo e tornou-se um sucesso de vendas. Desgastado com o marasmo cultural e comercial em que São Paulo mergulhou de36 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
pois da Revolução de 1932, mudou-se em 1934 para o Rio de Janeiro, onde a livraria virou célebre ponto de encontro de intelectuais e literatos e transformou-se em uma das maiores editoras do século XX, especialmente entre as décadas de 30 e 50. Sensível e atento ao mercado editorial, José Olympio – ou J.O., como era conhecido – implementou projetos sur-
preendentes na época e revolucionou o mercado literário brasileiro. Essa trajetória é contada no recém-lançado José Olympio: O Editor e sua Casa, organizado pelo neto de J.O., Marcos da Veiga Pereira, em um trabalho de lapidação e pesquisa executado ao longo de três anos. E que também resultou em uma exposição homônima realizada recentemente na Biblioteca Nacional, no Rio,
que trouxe rica iconografia, livros, documentos raros e extensa troca de mensagens e dedicatórias entre o editor e escritores, além de inúmeras capas que estampam a preocupação de J.O. com o projeto gráfico, executado em sua editora por artistas como Santa Rosa, Luís Jardim, Poty, Cícero Dias, Di Cavalcânti e Portinari. A mostra e o livro traçam um panorama da história das artes editori-
Três editados de José Olympio: Drummond, Guimarães Rosa e Bandeira (à esquerda). Ao lado, J.O. com os filhos Geraldo Jordão e Daniel e Afonso Arinos.
ais no País e resgatam o contexto literário e cultural da época. Politicamente eclética, a José Olympio publicava comunistas como Jorge Amado e Graciliano Ramos, integralistas como Plínio Salgado, intelectuais de oposição ao regime, o próprio Getúlio Vargas, que lá editava seus discursos, Lourival Fontes, o Diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda-Dip e, mais tarde, o General Golbery do Couto e Silva, estrategista dos governos militares. Sua empresa não era apenas um ponto de encontro de literatos, médicos, professores, jornalistas e historiadores. Nem os acalorados debates que ocorriam entre suas prateleiras a principal razão de sua existência – apesar de Olympio ter cedido seu escritório, nos fundos da loja, para que tivessem um espaço próprio para a tempestade cerebral. Sua “Casa”, como a chamava, também foi um “lar” para nomes como João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Morais, Rubem Braga, Fernando Sabino, Antônio Callado, Oto Lara Resende, Ariano Suassuna, Cícero Dias, Clarice Lispector, Aurélio Buarque de Hollanda, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon. Precursora no uso de técnicas modernas de marketing, a editora inovou com os anúncios das novas publicações nas quartas-capas dos livros, na elaboração de campanhas publicitárias – desde o começo dos anos 40, caminhões e aviões circulavam pela então Capital Federal divulgando diferentes títulos —, nos adiantamentos de direitos autorais, nas grandes tiragens, nas vendas por crediário e de porta em porta e na abertura de espaço para poetas modernistas que, na ocasião – como era o caso de Carlos Drummond de Andrade —, tinham pouca ou nenhuma saída comercial, incluindo nomes do regionalismo nordestino. Foi também ele quem inaugurou o método da crítica “nas orelhas” dos livros, modificou o formato dos volumes, do usual 18 cm X 12 cm para 21,5 cm X 13,5 cm, e foi o primeiro editor brasileiro a colocar ações nas bolsas de valores. Somados, esses fatores levaram a editora a números fantásticos: em 1981, ela comemorou 50 anos com um total de 2.214 títulos, sendo 1.644 brasileiros, 1.289 autores, 844 nacionais, e 4.510 edições.
José Olympio por Drummond Habitué do espaço onde se discutia da política à literatura, Drummond escreveu em uma de suas crônicas que J.O. se referia à editora, como uma parte de si, transferindo a ela seus próprios sentimentos: “a Casa ficou magoada”, “a Casa está feliz”. O ambiente afetuoso e informal atraía ilustres colaboradores, como Aurélio Buarque de Hollanda, na função de copidesque, e Jorge Amado, que passou por várias funções, inclusive a de vendedor. Em carta enviada em 1936 a J.O, o escritor baiano ressaltou seu pioneirismo: “Você revolucionou o mercado de livros, fez pelo livro no Brasil o que ninguém fez até hoje, inclusive obrigar os editores a tomarem vergonha e serem honestos”. Graciliano Ramos, que trabalhou como tradutor na livraria, sintetizou o local: “Está aí um lugar onde se encontra excelente e abundante material para um romance, que poderia ser editado ali mesmo. Move-se diariamente em redor daquelas mesas uma boa parte da literatura nacional”. Graciliano, aliás, era muito assediado na livraria por escritores iniciantes, e certa vez rasgou um conto que consi-
derou ruim na frente do autor, o jornalista Joel Silveira. A dedicação de J.O. estendia-se também aos títulos estrangeiros, privilegiando autores de grande sucesso e obras clássicas como A Mulher de Trinta Anos, de Honoré de Balzac; Orgulho e Preconceito, de Jane Austen; Humilhados e Ofendidos, de Dostoievski, e Destino da Carne, de Samuel Butler; biografias de Nijinsky, Charles Chaplin, Isadora Duncan, Sarah Bernhardt, Tolstoi e Jack London; e coleções como Fogos Cruzados, que reunia alguns dos mais importantes romances em todo o mundo e A Ciência de Hoje. Em tempos nos quais as tiragens de livros raramente ultrapassavam os mil exemplares, a José Olympio apostava em tiragens com 5 mil ou mais exemplares, mesmo para novos autores. Em outro segmento, criou a Coleção Documentos Brasileiros, série de estudos sobre a origem e formação social do País, abrangendo os aspectos histórico, etnográfico, folclórico e antropológico, inicialmente sob a direção de Gilberto Freyre, seguido pelo historiador Octavio Tarquínio de Sousa e por Afonso Arinos de Melo Franco: – Não exis-
José Olympio com um dos seus mais ilustres editados: o Presidente Getúlio Vargas.
te na história da indústria editorial brasileira uma empresa tão abrangente quanto a José Olympio. A editora criou e desenvolveu uma impressionante quantidade de linhas editoriais, entre elas as de poesia, ensaios, memórias e literatura brasileira, estrangeira e infantil – diz Marcos da Veiga Pereira. Para organizar sua obra-homenagem, Marcos vasculhou o depósito que abrigou durante anos o que resta do acervo da editora, em Bonsucesso. E encontrou fotos, livros e documentos preciosos: – Impressiona a clareza de meu avô em relação à importância da empresa que criara. Todo o material que reuni foi sendo catalogado ao longo de anos. Os eventos da Casa sempre eram documentados por fotógrafos e havia uma preocupação dele em manter este acervo para o futuro, como a edição de um livro ou uma exposição, conforme acontece agora. É um privilégio e uma emoção comemorar o sucesso no presente reconhecendo as glórias de um passado tão marcante. Em razão da concorrência crescente do mercado que, ironicamente, ajudou a desenhar, José Olympio fechou sua livraria em 1955 e passou a se dedicar a livros didáticos, iniciando nova fase de sucesso, em que sua editora figurou entre as maiores empresas brasileiras. Na década de 70, a crise do papel corroeu a autonomia da José Olympio, que passou às mãos do Grupo Record. Contudo, o legado de J.O. foi abraçado por seus descendentes. O filho Geraldo Jordão Pereira, morto no início deste ano, criou a editora Salamandra e em 1998 fundou a Sextante, hoje comandada por seus filhos Marcos e Tomás da Veiga Pereira. Não serão apenas eles que não esquecerão os feitos do pai. Como o homenageou certa vez Graciliano Ramos: “Há crentes e descrentes, homens de todos os partidos, em carne e osso ou impressos nos volumes que arrumam nas mesas, muitos à esquerda, vários à direita, alguns no centro. O editor é liberal. Se tem simpatia para qualquer extremidade, oculta-a. Aparentemente, está no meio, aceita livros de um lado e de outro, acolhe com amizade pessoas de cores diferentes ou sem nenhuma cor”. E completou Drummond: “Aquilo era uma loja de livros, à primeira vista; mas na verdade tinha alma”. Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
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MEMÓRIA AGÊNCIA GLOBO
POR CLÁUDIA SOUZA
apitalismo é a exploração do homem pelo homem. Socialismo é o contrário”. “O que seria do doce de coco se não fosse o circunflexo?”. “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”. As frases que abrem essa matéria são apenas alguns exemplos, dentre centenas, ou milhares, de tiradas sarcásticas e pensamentos espirituosos de um dos mais ilustres personagens da história do jornalismo no Brasil. Na verdade, uma figura tão rica e complexa que não se contentava com uma só identidade. Em 2008, foram completados 40 anos da morte de Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta, falecido em 30 de setembro de 1968, de infarto, aos 45 anos de idade. Assim como sua personalidade, que compreendia o pseudônimo que se tornou mais conhecido do que seu nome de batismo, suas atividades profissionais eram igualmente diversificadas. Cronista, escritor, teatrólogo, radialista, jornalista e compositor, tinha como marca registrada seu talento mordaz e multimídia. A crítica sempre ácida, mas nem por isso menos bem-humorada, de Sérgio Porto ganha agora novo fôlego. A editora Agir acaba de lançar A Revista do Lalau, antologia de dispersos e inéditos organizada por Luis Pimentel. Formatada a partir dos periódicos da década de 50, a edição resgata a linguagem que aproximou o morro do asfalto, o samba do jazz. Um marco na história da crônica e do humor no País. A obra oferece ao leitor pérolas como o primeiro livro de Sérgio Porto, A Pequena História do Jazz, de 53; o conto O Elefante, censurado pela ditadura militar; diversas fotografias de família; e edições da coluna As Certinhas do Lalau, que surgiu durante sua passagem pela revista Manchete, como sátira ao colunista Jacinto de Thormes (pseudônimo utilizado por Maneco Müller), que em 1954 publicara a lista das Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano. Em resposta ao exibicionismo social, o irônico Ponte Preta logo criou a lista das Mulheres Mais Bem Despidas do Ano. Atriz, diretora, roteirista e produtora teatral, Maria Pompeu foi uma das muitas musas que conquistaram espaço na coluna. “Até hoje, 45 anos depois, as pessoas se lembram de mim como uma das “Certinhas do Lalau”, coluna diária na qual ele publicava fotos de mulheres que atuavam no ramo das artes e da cultura, como atrizes, cantoras e vedetes. As imagens mostravam mulheres trajando biquínis grandes. Não havia nudez. Em uma foto, por exemplo, posei com um blazer e apenas as pernas de fora. Não recebíamos dinheiro para isto, mas a coluna era muito promocional. Quando eu ia estrear uma peça ou um filme, pedia uma força ao Sérgio Porto”, recorda ela. Muitos vêem no estilo carioca, nonsense e caricatural de Sérgio Porto a semente inicial do jornalismo humorístico que influenciou as gerações do Pasquim e do Casseta & Planeta. É o que pensa, por exemplo, a pesquisadora Claudia Mesquita, autora da tese de doutorado De Copacabana à Boca do Mato, que a Fundação Casa de Rui Barbosa acaba de publicar. Cláudia desenvolveu a teoria de que, em vez de pseudônimo, Stanislaw é o heterônimo (por ter personalidade distinta) de Sérgio, com o qual sintetizou duas culturas: a da Zona Norte (Boca do Mato) com a da Zona Sul (Copacabana). Além de personificar dois tipos cariocas: o solar (o homem de praia) e o noir (o cronista da noite). “Com o heterônimo, Sérgio Porto uniu uma cidade que começava a ser tornar ‘partida’ pela modernização do Rio”, defende a pesquisadora. 38 Jornal da ABI 334 Outubro de 2008
Quatro décadas após a sua morte, Sérgio Porto mantém-se vivo como uma das principais referências do jornalismo crítico, com generosas doses de humor.
ARQUIVO MANCHETE ACERVOUH-FOLHAIMAGEM
Sérgio Porto em sua vida profissional. E traduzido por ele mesmo
A exuberante Maria Pompeu, uma das Certinhas do Lalau, as mulheres boazudas que ele escolhia anualmente. Ao lado: Vinícius de Morais e Sérgio Porto (sentados na primeira fila) e um time de notáveis do jornalismo e da literatura: no alto, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino. Deitado, um jovem talentoso: Chico Buarque de Holanda.
Sérgio Marcus Rangel Porto nasceu no Rio, em 11 de janeiro de 1923. Iniciou a carreira na imprensa no fim da década de 40, quando um tio, o jornalista Lúcio Rangel, o convidou para trabalhar no Diário Carioca. Atuou mais tarde nas redações da Última Hora e da Tribuna da Imprensa, nas revistas Sombra e Manchete. Em emissoras de rádio e tv. Escreveu sobre música, produziu shows e compôs o Samba do Crioulo Doido para o Quarteto em Cy. Costumava definir nossa música com a sigla MPBB: Música Popular Bem Brasileira. Com base no personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, inventou, com o ilustrador Tomás Santa Rosa, o irreverente personagem Stanislaw Ponte Preta, que criticava a ditadura militar, a hipocrisia e o falso moralismo da sociedade no lendá-
rio Festival de Besteiras que Assola o País, ou, simplesmente, Febeapá. Na verdade, um grande apanhado de notas jornalísticas simuladas, que ganhavam ares de noticiário sério. Na pele de Stanislaw, escreveu os livros Tia Zulmira e Eu (1961); Primo Altamirando e Elas (1962); Rosamundo e os Outros (1963); Garoto Linha Dura (1964); Febeapá 1 — Primeiro Festival de Besteira que Assola o País (1966); Febeapá 2 — Segundo Festival de Besteira que Assola o País (1967); Na Terra do Crioulo Doido (1968); Febeapá 3 (1968); A Máquina de Fazer Doido (1968); e Gol de Padre (1968). Como Sérgio Porto, assinou A Casa Demolida (1963) e As Cariocas (1967). Em agosto de 1963, Sérgio definiu a si mesmo, em texto intitulado Autoretrato do Artista Quando Não Tão Jovem, reproduzido no quadro abaixo.
ATIVIDADE PROFISSIONAL
PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES
ÓDIOS INCONFESSOS
TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS
Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade, dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.
Mulher.
Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não é tão boa quanto pensa.
OUTRAS ATIVIDADES Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.
QUALIDADES PARADOXAIS Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.
PONTOS VULNERÁVEIS Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.
PANACÉIAS CASEIRAS Quando dói do umbigo para baixo, Elixir Paregórico; do umbigo para cima, aspirina.
SUPERSTIÇÕES INVENCÍVEIS Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões, comparativamente, qualquer pai-de-santo é um simples cético.
MEDOS ABSURDOS Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).
ORGULHO SECRETO Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.
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