MURILO MELO FILHO E VILLAS-BÔAS CORRÊA TRAJETÓRIAS EXEMPLARES Dois dos mais importantes jornalistas do País, companheiros de trabalho em diversas Redações, foram homenageados pela excelência de suas carreiras. Páginas 30 e 31, 38 e 39
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
NOVEMBRO 2008
Vítima PRENSA A DA IM N iário U IB R aT do judic a o ã d ti n com a le esso que tramit c num pro se 30 anos. há qua 3 Página 3
O leilão do precioso acervo de Jorge Amado – um verdadeiro museu com 576 peças de grande valor histórico e artístico – escancara a verdadeira face dos governantes brasileiros. Ao permitirem o desmembramento de um inestimável patrimônio literário, artístico e afetivo reunidos pelo escritor e sua mulher, Zélia Gattai, eles demonstram absoluta indiferença e falta de apreço pela cultura e pela memória nacional. Páginas 26, 27, 28, 29 e Editorial na página 2
GUERRA E PAZ
No mesmo mês em que a Declaração dos Direitos Humanos completa 60 anos, o Brasil lembra do mais aterrador instrumento de repressão durante a ditadura militar: o AI-5. Páginas 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11
GANHAM RECONHECIMENTO
ESPECIALISTAS DEBATEM CRISE MUNDIAL NA ABI
MOSTRA ABI DOS ESTUDANTES DE CINEMA QUER ESTIMULAR PRODUÇÃO. PÁGINA 17
SEMINÁRIO BUSCA POSSÍVEIS SAÍDAS PARA A AMEAÇA QUE VEM DE FORA. PÁGINAS 18 E 19
JUIZ EXTINGUE PROCESSO DA PGM CONTRA A ABI
UMA LEI PARA PROTEGER O DIREITO À INFORMAÇÃO
PRÊMIO MAIS COBIÇADO
MAS PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO INSISTE NA COBRANÇA ILEGAL. PÁGINA 25
DEBATE SOBRE A LEI DE IMPRENSA REALIZADO NA ABI É TRANSMITIDO PELA INTERNET. PÁGINA 32
REPORTAGEM SOBRE O IMPÉRIO DA UNIVERSAL GANHA O ESSO DE JORNALISMO. PÁGINAS 36 E 37
JOVENS CINEASTAS
“CONFRONTO ARMADO NÃO ENFRAQUECE O TRÁFICO” AFIRMOU O CORONEL UBIRATAN ÂNGELO EM SEMINÁRIO SOBRE VIOLÊNCIA NO RIO. PÁGINA 20
ELVIRA LOBATO GANHA O
NIELS ANDREAS/FOLHA IMAGEM
JUSTIÇA E AdUa vioSlêEnciaNdaTditadsoufrrae,
Editorial
A INCULTURA NO PODER EM ENTREVISTA CONCEDIDA há alguns anos aos escritores Haroldo e Augusto de Campos, que o visitaram em Bolonha, sua terra, o escritor Umberto Ecco, que na juventude teve oportunidade de conhecer o Brasil como professor da nascente Universidade de São Paulo, lamentou que os governantes brasileiros não dedicassem às questões culturais a atenção devida. O AUTOR DE O NOME DA ROSA fez a observação sem sentido de crítica ou reprovação, porque reconhecia que a insuficiência decorria não de uma atitude preconcebida, mas de um fator natural. O problema, disse, é que os governantes brasileiros são incultos. A CONSTATAÇÃO FEITA HÁ muito por Ecco, ao mostrar o dissídio existente entre nós entre cultura e poder, encontra agora um exemplo gritantemente denunciador dessa incapacidade no episódio do retalhamento da Coleção Jorge Amado e sua venda num leilão, na segunda quinzena de novembro. SE NOSSOS GOVERNANTES, no âmbito dos três níveis da Federação, não fossem tão desprovidos de cultura e de informação, jamais os herdeiros do escritor se veriam compelidos a se desfazer de tão importante acervo, pela impossibilidade de mantê-lo com os re-
cursos da família. Haveria uma voz ou um agente que clamaria pela preservação da integridade e da unidade dos bens culturais que o casal Jorge Amado-Zélia Gattai levou quase seis décadas para reunir. NÃO TERÍAMOS A DISPERSÃO de um patrimônio cultural tão valioso, como acontecerá agora com o esquartejamento ensejado pela omissão do Ministério da Cultura e do Governo do Estado da Bahia, que nada fizeram para impedir tamanho atentado contra a cultura e a memória nacional. Coonestou esse procedimento omissivo a indiferença do Ministério Público da União, que, embora informado e alertado, nada fez para evitar o grave dano que se avizinhava. TÃO TRISTE QUANTO esse assassinato cultural é o desapreço que o País, por seus governantes eventuais e transitórios, revela por uma de suas glórias nacionais, por um intelectual ao qual se deveria prestar reconhecimento permanente pela contribuição que deu à literatura, o humanismo que disseminou com os valores éticos e o sentido social de suas criações, a projeção que deu ao Brasil no mundo inteiro com sua portentosa obra. É TRISTE, MUITO TRISTE, Senhor Ecco, verificar que nossa realidade lhe dá absoluta razão.
Jornal da ABI Número 335 - Novembro/Dezembro de 2008
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Estado, Agência JB, Agência O Globo, Folha Dirigida, Folhapress Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
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Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03 06 08
Direitos Humanos - Os 60 anos de um marco Um defensor incondicional da democracia Uma sentença de morte à liberdade
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Ano do Centenário - Um jornalista de peso na cobertura dos festejos dos 100 anos: Antônio Olinto
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Denúncia - Controlador de vôo alerta para riscos de acidente
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Justiça - Juiz anula cobrança ilegal contra a ABI
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Coleção Jorge Amado - A morte e a morte de Jorge Amado
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Homenagem - Murilo Melo Filho, 80 anos
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Reconhecimento - Elvira Lobato ganha o Prêmio Esso
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Comemoração - O decano do nosso jornalismo político
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Lançamento - Nizan quer o Rio como Patrimônio da Humanidade
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ARTIGO 012 Baleias e abutres por Paulo Ramos Derengoski ○
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SEÇÕES CEU NA AB 17 A C ONTE ONTECEU ABI ABI reúne em mostra jovens cineastas do Rio 18 Um debate sobre as saídas da crise econômica. Saídas? 20 A estratégia do confronto não enfraquece o tráfico ○
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L I B ER DADE DE IM P R EN SA ERD ENSA Em vez de Lei de Imprensa, uma Lei do Direito de Informação A Tribuna, vítima do Supremo ○
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D I R EIT OS H U MANOS EITOS Vítimas do AI-5 anistiadas
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L IVROS
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V I DAS
Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
DIREITOS HUMANOS US/DOD
Soldados americanos escoltam um detento da Base Naval de Guantánamo, em Cuba.
OS 60 ANOS DE UM MARCO Apesar de ainda ser muito mais teórica que prática, a Declaração Universal dos Direitos do Homem tornou-se referência e já inspirou tratados globais e leis específicas em mais de 90 países. MARCOS STEFANO
“T
odos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se o símbolo daquele que talvez seja o documento internacional mais conhecido da história. Com 30 dispositivos que defendem os direitos básicos, como alimentação, segurança, trabalho e liberdade de expressão, a Declaração completou 60 anos em dezembro. Apesar de ter um conteúdo muito elogiado, especialmente por garantir a igualdade de todos
os seres humanos em um tempo em que qualquer motivo valia para atestar a superioridade de uma raça, na opinião de muitos especialistas o documento ainda permanece no papel. Falta ser mais bem aplicado em muitos países inclusive o Brasil, um de seus primeiros signatários e que teve participação destacada em sua aprovação. Apesar das muitas controvérsias sobre esse aspecto, é inegável que o texto se tornou referência obrigatória e pedra fundamental do reconhecimento das liberdades e direitos fundamentais do homem, um marco que influenciou todos os tratados e iniciativas do gênero nas últimas seis décadas. Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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DIREITOS HUMANOS DECLARAÇÃO, 60 ANOS
No Rio de Janeiro, helicóptero da Polícia Civil sobrevoa a favela de Mangueira em uma operação de repressão ao tráfico de drogas.
FABIO POZZEBOM-ABR
UN PHOTO/JEAN-MARC FERRE
A Declaração foi aprovada no dia 10 ras nos quais a Declaração ainda não de dezembro em 1948, em Paris. Na saiu do papel e seus artigos são consiocasião, 58 países assinaram o texto, derados como uma utopia. Uma das comprometendo-se a segui-lo. Era uma principais críticas foi formulada pelo necessidade para um mundo traumaex-Presidente sul-africano Nelson Mantizado pelas duas grandes guerras e asdela, em declaração lida na cerimônia sombrado pela violência do genocídio pelo Presidente do Conselho de Direinazista. A atuação do jornalista brasitos Humanos, o embaixador nigeriano leiro Austregésilo de Athayde foi deciMartin Ihoeghian Uhomoibhi. siva para costurar a aprovação do tex– Para mim e todos aqueles que luto final. Experiente na defesa dos direitaram contra o regime racista do apartos humanos, Athayde era um batalhatheid, na África do Sul, a Declaração dor incansável da liberdade de expresUniversal foi a grande referência e inssão e chegou a ser exilado poucos anos piração. Mas ainda existem centenas antes, após a Revolução de 30. Por sua de milhões de pessoas a quem se nega tenacidade, firmeza e democracia, couo direito de serem, simplesmente, hube-lhe também fazer a apresentação e manos. – escreveu Mandela. defesa do documento no plenário da Os presentes ainda lembraram o Terceira Assembléia da Onu, mostrandrama vivido nos territórios palestinos do a necessidade de sua aprovação para ocupados, os conflitos religiosos no um mundo que ansiava por viver. Oriente Médio, na África e na Ásia e os Os 60 anos da Declaconflitos civis no Suração foram comemodão. Na esteira da crirados em sessão especise alimentar e econôal realizada nas Nações mica, ainda foi lembraUnidas, na Cidade de do que subiu de 923 Genebra, Suíça. Orgamilhões para 963 minizado pelo Conselho lhões o número de desde Direitos Humanos nutridos, pessoas que da Onu na Sala XX do passam fome, no últiPalácio das Nações, sob mo ano, segundo dados a cúpula desenhada pedivulgados pela Orgalo artista espanhol Minização das Nações quel Barceló, que tanta Unidas para a Agriculpolêmica causou recentura e Alimentaçãotemente por causa do Fao. Também houve diBan Ki-moon: “Emergência versas cobranças para absurdo custo da obra, alimentar e crise financeira que a Onu tome uma o ato apontou o docuprivam os mais pobres do básico.” mento como um marposição mais firme com co na História da Hurelação a esses problemanidade, que inspimas. rou toda a política – Temos um potencimundial de defesa dos al enorme de tomar a lidireitos do homem, sederança na defesa dos te tratados internaciodireitos humanos e não nais e leis específicas o fazemos. Precisamos em 90 países. A partir estar conscientes de dele, a Onu já aprovou, que a pobreza é atualentre outras, convenmente a mais grave crições contra discriminase de direitos humanos. ção racial e da mulher, – afirma a Secretáriapelos direitos da crianGeral da Anistia Interça, dos povos indígenas, nacional, Irene Khan. dos refugiados e dos de- Irene Khan: “A pobreza é a mais A Anistia Internacificientes. Apesar disso, grave crise de direitos humanos.” onal é uma das maiores também foi lembrado críticas do grande abisque em muitos lugares a Declaração mo entre o idealismo do discurso de ainda é uma promessa não cumprida. vários países e a prática. Em seu rela– Desde a aprovação da Declaração, tório anual, a organização aponta qu avançamos enormemente. No entanhá pessoas maltratadas e torturadas to, a realidade é que não atingimos sua em pelo menos 81 países; submetidas visão, pelo menos ainda. Os desafios a julgamentos injustos em outros 54; que enfrentamos hoje são tão grandes e impedidas de se manifestar livrequanto os de seis décadas atrás. O mente ao menos em 77. A organizamundo sofre uma emergência alimenção apela para que os países mais potar e uma grave crise financeira global, derosos no cenário internacional – Esque privam os mais pobres do básico. tados Unidos, China, Rússia e União Ainda há também repressão política Européia – liderem um esforço de deem muitos países. – Afirma o Secretáfesa dos direitos humanos. Mas para rio-Geral da Onu, Ban Ki-moon. isso é necessário que rompam barreiras diplomáticas de assuntos aparenUtopia temente “fora de discussão”, como a Nos discursos feitos em Genebra, foprisão norte-americana na base naval ram citadas dezenas de casos nos quais de Guatánamo, em Cuba, e a intoleos direitos humanos são violados consrância russa na Tchetchênia. tantemente. Há países e regiões intei– Fala-se no terrorismo como mal do AMNESTY INTERNATIONAL
Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
O desafio não é aprovar leis, mas respeitá-las Mesmo o Brasil, signatário e um dos países que ajudaram a redigir a Declaração, ainda não transformou em re-
alidade vários princípios que constam do documento. Segundo o Diretor do Centro de Informações da Onu para o Brasil, Giancarlo Summa, o País tem uma legislação avançada, mas ainda há muito a fazer: – O Brasil assinou e ratificou praticamente todos os tratados de direitos humanos e possui uma Constituição bastante completa nessa área, mas precisa colocar as leis na prática. Há avanços, principalmente no sentido de não esconder, mas combater os problemas. Mas no caso da tortura, por exemplo, o uso da prática em prisões, delegacias e centros de detenção de crianças e adolescentes é preocupante. Há pouquíssiAMNESTY INTERNATIONAL
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século 21, mas veja o caso da África. Lá, morre a cada minuto a mesma quantidade de pessoas que morreu nos ataques terroristas em Mumbai, no final de novembro. E isso só porque elas não têm como comprar arroz. Temos que reorganizar nossas prioridades internacionais – pediu Javier Zuniga, Conselheiro especial da Anistia Internacional para Programas Regionais, em entrevista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Manifestantes ocupam as ruas de Londres em protesto contra a repressão em Mihamar.
ONU/TIM MCKULKA
ção da Declaração Universal dos Direitos Humanos há 60 anos? Apesar de as promessas contidas no documento ainda estarem longe de se tornar realidade para boa parte da população mundial, se não tivesse sido aprovada o mundo já teria virado um caos há muito tempo. Mesmo com tanta falta de compromisso de muitos governos, a Declaração foi fundamental para combater não apenas o genocídio e outras formas de “limpeza” étnica, mas de outras atrocidades tidas como normais até a metade do século passado. O documento é a base de grande parte do direito internacional e serve de apoio para ações da Onu contra os violadores. O que deve ser cobrada é uma posição mais firme dos países e do próprio Conselho de Direitos Humanos da Onu. Como qualquer outra legislação, não pode ser simplesmente imposta como lei, mas trabalhada no âmbito da educação dos cidadãos, para que exista uma mudança de mentalidade, ainda que a longo prazo. Como já disse o jornalista Austregésilo de Athayde, em texto que mais poderia ser uma profecia, publicado no Diário da Noite, logo no dia seguinte à aprovação da Declaração, seis décadas atrás: “Muitos perguntam que importância terá essa nova Declaração, se outras já foram feitas sem alterar a sorte dos indivíduos que continuam a sofrer opressão e a ser vítimas de injustiça, apesar dos princípios que deveriam protegê-los.” “No entanto, não menos certo que sobre a Declaração da Filadélfia se fundou a liberdade do povo norte-americano, como sobre a de 1789 foi edificada a democracia contemporânea. A que temos hoje pela primeira vez estabelece direitos universais que devem ser amparados não apenas por um governo, mas pela comunidade de governos. O seu fim último é obrigar, por uma convenção, todas as nações a respeitarem o indivíduo nas suas liberdades essenciais, assegurando-lhe ainda, pelo trabalho, a dignidade espiritual e material da vida. Não é a enunciação dos direitos em si mesma que é importante.” “O fato essencial e alvissareiro é que ao estabelecimento da doutrina vai seguir-se o convênio que tornará a sua execução compulsória. Esses direitos espelham o espírito pragmático do século XX incorporando ao plano político, que preocupou os redatores das Declarações do século XVIII, as prerrogativas econômicas, sem as quais as liberdades e regalias dos cidadãos podem ser um mito. No dia em que todos os homens, assegurados os direitos que a comunhão dos povos lhes garante, sob a égide da Onu, sentirem-se felizes e livres, os grandes desesperos que geram guerras terão desaparecido.” UN PHOTO/TIM MCKULKA
Conquistas palpáveis Mas, se tanta coisa ainda precisa ser feita com relação aos direitos humanos, qual foi a real importância da aprova-
Soldados do Exército de Libertação do Povo Sudanês prontos para uma nova batalha: a guerra étnica é um flagelo na África.
TIM MCKULKA
mas punições aos responsáveis por tortura. A omissão é tão grave quanto a falta de ação. – diz ele. Outros problemas apontados por especialistas no País são a violência contra a mulher, contra crianças, a desigualdade no mercado de trabalho e falta de direitos sociais e econômicos, que afetam grande parcela da população. Entre os diversos avanços citados, principalmente na área de direitos da mulher, estão a criação da Lei Maria da Penha – sancionada em 2006 para coibir a violência doméstica – e, antes mesmo dela, a formulação de políticas específicas após a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2003. Ainda assim, o País é forçado a assistir incidentes bizarros, como o de uma adolescente de 15 anos forçada a dividir uma cela durante um mês com diversos homens, em novembro de 2007. Suspeita de cometer um pequeno furto, a menina foi estuprada várias vezes durante seu encarceramento e, quando a história veio a público, ela sua família teriam sido ameaçados por policiais. No mercado de trabalho, mesmo com a igualdade estabelecida entre homens e mulheres, as trabalhadoras ainda ganham em média 64% do salário da força de trabalho masculina, mesmo desempenhando igual trabalho e tendo a mesma qualificação. Outra área que assusta é a da infância e adolescência. Atualmente, cerca de 15 crianças e jovens morrem assassinados por dia no País. Segundo dados oficiais, existem 80 mil menores vivendo em abrigos e outros 16 mil cumprem medidas socioeducativas em centros de detenção. Números que não param de crescer, apesar da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 18 anos em 2008. – O que falta, tantas vezes, são os recursos para implementar as leis. Também existe uma precariedade dos serviços de apoio. No caso dos programas voltados para combater a violência, precisamos mudar nossa forma de enxergar o problema. Não basta corrigir, precisamos educar e ver o adolescente e a criança como vítimas e não autores – explica Helena Oliveira, gestora de programas na área de proteção do Fundo das Nações Unidas para a Infância-Unicef. Além de todas essas políticas internas, o Governo brasileiro tem sido cobrado por uma liderança mais dinâmica e contundente na sua política externa. Especialmente na hora de tomar posição em relação a países que violam abertamente os direitos humanos, há quem defenda que o Brasil deva deixar de lado suas postulações, como os interesses comerciais na África e na América Latina ou a busca de apoio para conseguir um assento no Conselho de Segurança da Onu, para censurar mais firmemente qualquer abuso.
No Sudão, um pedaço de pano vermelho amarrado a uma estaca indica o local onde há uma mina terrestre. Ao lado, um garoto já está pronto para matar pelas Forças Democráticas de Libertação de Ruanda.
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DIREITOS HUMANOS DECLARAÇÃO, 60 ANOS
Um defensor incondicional da democracia Austregésilo de Athayde, o jornalista brasileiro que se tornou um dos principais redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi perseguido, preso e exilado mas lutou até o fim por seu maior ideal: a liberdade em todos os seus sentidos. WALTER ENNES/FOLHA IMAGEM
POR CLÁUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO
Paris, 10 de outubro de 1948. No Palais de Chaillot, representantes de 58 países estavam reunidos para a votação daquela que prometia ser uma das principais resoluções da extensa pauta da Terceira Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas-Onu. Chamado à frente e diante de estadistas e figuras eminentes da diplomacia mundial, o jornalista Austregésilo de Athayde, representante do Brasil na comissão de elaboração da resolução que poderia se transformar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sentiu certo nervosismo. Entretanto, juntou todas as suas forças e subiu à tribuna. Suas palavras foram breves, mas certeiras: – Realizamos uma obra de colaboração. Cada um de nós fez concessões, porque nossa idéia não era impor pontos de vista particulares de um povo ou de um grupo de povos, nem doutrinas políticas ou sistemas de filosofia. Se nosso trabalho resultasse de uma imposição qualquer e não fosse resultado de uma cooperação intelectual e moral das nações, não estaria à altura de nossas responsabilidades nem responderia ao espírito de compreensão universal que é a própria base de nossa Organização. Declaramos, em nome de todos os homens e mulheres que os seus direitos devem ser protegidos por todos os povos, agindo coletivamente pela Justiça internacional. Um desfecho perfeito para uma atuação fundamental. Durante os mais de dois meses de trabalhos da comissão, a participação de Athayde e da Delegação brasileira fora fundamental para redigir e costurar os acordos que levariam à aprovação, naquele dia, da carta que se tornaria uma referência desde então na busca de Justiça em todo o mundo. Claro, as circunstâncias eram propícias ao documento. Mas sem uma atuação convicta e certeira diante do conflito de interesses de soviéticos e norte-americanos talvez fosse impossível de ser concretizada. No momento em que a Declaração dos Direitos Humanos completa 60 anos, é impossível deixar de lembrar que sem a habilidade de homens como Athayde ela nem chegaria ao papel. Não foi a primeira nem seria a última vez que o jornalista teria seu nome vinculado à luta pelas liberdades e pela democracia. Filho do Desembargador José Feliciano Augusto de Athayde e de Constância Adelaide Austregésilo de 6
Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
Após a eleição da escritora Dinah Silveira de Queiroz em julho de 1980, Austregésilo de Athayde, então Presidente da Academia Brasileira de Letras, queima os votos dos acadêmicos.
Athayde, Austregésilo nasceu em Caruaru, Pernambuco, em 1898. Aos 12 anos, ingressou no seminário e cursou até o 3º ano de Teologia. Quando percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio, iniciou o trabalho como professor e na imprensa. Em 1919, chegou ao Rio de Janeiro, na época capital federal, onde continuou lecionando e passou a escrever com freqüência para o jornal A Tribuna.
Em 1921, estreou na Redação do Correio da Manhã, dedicando-se à crítica literária. No mesmo ano, publicou Histórias Amargas, seu primeiro livro. Já formado em Direito, em 1924, aceitou o convite de Assis Chateaubriand para dirigir a Redação de O Jornal, embrião dos Diários Associados. Crítico ferrenho da Revolução de 1930, foi preso e exilou-se em países da Europa – Portugal, Espanha, França e
Inglaterra – e na Argentina. Ao retornar ao Brasil, reiniciou as atividades como jornalista nos Diários Associados. Foi articulista e Diretor do Diário da Noite e escreveu para O Cruzeiro. Pelo trabalho na revista foi laureado nos Estados Unidos em 1952 com o Prêmio Maria Moors Cabot. Atuação decisiva Laura Sandroni, filha de Austregésilo, tinha então 14 anos. Ela viajou com o pai e a mãe para a Europa e acompanhou de perto o histórico momento da Terceira Assembléia-Geral da Onu: – Em 1948, meu pai foi convidado pelo Presidente da República, general Eurico Gaspar Dutra, e pelo Ministro das Relações Exteriores Raul Fernandes para ser o embaixador brasileiro trabalhando na Terceira Comissão que iria redigir a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Isto porque toda vida, como jornalista, ele lutou pelos direitos humanos de toda a forma aqui no País. Foi contra a ditadura de Getúlio Vargas, foi exilado, preso. Infelizmente, uma história muito comum no Brasil e na vida de muitos de seus grandes homens. A Conferência começou no fim de setembro e terminou no dia 10 de dezembro, quando, exatamente, ele assinou a Declaração. A Comissão era presidida pelo jurista Charles Malik, Delegado do Líbano, e contava com a participação da Senhora Anna Eleanor Roosevelt, mulher do Presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt. Entre os representantes dos 58 países, meu pai foi o escolhido para fazer o discurso de apresentação da Declaração perante a Onu inteira reunida. Athayde foi reconhecido pelos próprios companheiros de mesa como o mais ativo colaborador na redação do histórico documento. Anos mais tarde, em 1968, quando René Cassin, Delegado da França, que também participou da redação da Declaração, foi receber o Prêmio Nobel da Paz, concedido pela Academia Sueca, fez questão de dizer que queria dividi-lo com o jornalista brasileiro. Dez anos depois, o Presidente dos EUA Jymmy Carter enviou carta a Athayde, na qual dizia: “Em nome do povo do meu país, aproveito esta oportunidade para aplaudir seu papel na elaboração de tão importante documento e saudar a liderança vital do Brasil nesse empreendimento. Expresso meu respeito pessoal por sua constante luta em defesa dos direitos humanos no seu país e no mundo.”
Austregésilo, eleito para a Cadeira n° 8 da Academia Brasileira de Letras, e em sua sala quando era Presidente do Jornal do Commercio.
Em 9 de agosto de 1951, Austregésilo de Athayde ainda seria eleito para a Cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Letras, entidade que presidiu de 1959 até a sua morte, em 1993. Ele atuou de forma incisiva no sentido de preservar e aumentar o prestígio da ABL como referência cultural brasileira. Defendeu e conseguiu a permanência da Academia no Rio de Janeiro, quando da mudança da capital para
Brasília, e aumentou consideravelmente o patrimônio da instituição. Como no passado, nesses anos também mostrou-se um incansável liberal. Mas não somente no sentido econômico, mas no sentido moral: daqueles para quem o respeito e a luta pela liberdade de expressão e de consciência são os mais fundamentais direitos. Em 1948, deixou isso claro quando discordou dos soviéticos e propôs a alteração
do artigo primeiro da Declaração, que antes dizia que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotados, pela natureza, de razão e de consciência, e devem proceder uns para com os outros com espírito de fraternidade”. Para ele, era inconcebível o texto não dizer que os seres humanos “são criados à imagem e semelhança de Deus” em lugar de “dotados pela natureza”.
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Festa em dose tripla no Casarão CLÁUDIA SOUZA E ELIANE MARTINS
O 12 de dezembro de 2008 foi um dia de comemorações no Casarão do Cosme Velho. Em cerimônia que reuniu personalidades como os acadêmicos Afonso Arinos de Melo Franco e Candido Mendes, a escritora Laura Sandroni, o Presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni, o cartunista Ziraldo, a escritora Ana Arruda, a cantora Clara Sandroni, o Deputado Alessandro Molon, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o Diretor do Centro de Informação da Onu no Brasil, Geancarlo Summa, e o Presidente do PEN Clube do Brasil, Cláudio Murilo, foram comemorados os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o 110° aniversário de nascimento de Austregésilo de Athayde. A festa foi completada pela inauguração do Instituto Cultural Austregésilo de Athayde, que tem sua sede no Casarão, como é conhecido o número 599 da Rua Cosme Velho, o endereço do imortal por mais de 50 anos. – A comemoração de hoje é a estréia oficial do Instituto Cultural Austregésilo de Athayde, que já funcionava com pequenos eventos e divulgação pela internet, porque não tínhamos conseguido ainda o alvará de funcionamento. Aqui funciona também o Centro Cultural Casarão Austregésilo de Athayde, que tem várias ativida-
des, especialmente musicais, e pretende abrigar, no futuro, um Centro de Direitos Humanos com biblioteca especializada e também com livros voltados para o público infantil. – contou emocionada a escritora Laura Sandroni, filha de Austregésilo e de Dona Maria José. Em outubro, por exemplo, o Casarão de Autregésilo de Athayde realizou o evento gratuito Arte em Laranjeiras e Cosme Velho, que incluiu lançamentos de livros, exposições de gravuras, fotografias, esculturas e apresentações de grupos de teatro, dança e música. Sob a direção de Clara Sandroni, neta do jornalista, e a coordenação da produtora Graça Gomes, o Casarão pretende se firmar como um centro cultural diversificado, referência para o desenvolvimento humano e social na cidade e no bairro onde o Austregésilo viveu com a família de 1942 até a morte, em 1993: – Pretendemos reunir aqui artistas de diferentes gêneros e expressões. Preservar a memória de Austregésilo é preservar a memória do Brasil neste último século – destaca Graça Gomes. Saraus, eventos e oficinas O Casarão de Austregésilo de Athayde foi construído em fins do século XIX, originalmente como uma casa de cômodos. Nos anos 40, foi comprado e reformado pelo jornalista, que nele residiu ao longo de quase cinco décadas. Após sua mor-
Não que fosse religioso. Pelo contrário, dizia não seguir nenhuma religião. Mas tampouco poderia se deixar levar pela filosofia materialista. Por uma simples questão: a maioria daqueles que ali estavam representados, acreditava em Deus. E todos aqueles delegados não poderiam ignorar isso. Enquanto para uns isso se chamaria ingenuidade, para ele era um princípio básico, o fundamento da democracia. Pela sua persistência, o artigo primeiro foi reescrito e ganhou o tom neutro que traz hoje. – No momento, sou a reivindicação da liberdade de pensar: um direito abafado que reclama o ar livre para expandir-se. Para o meu ponto de vista, o essencial é a liberdade, para a qual tenho uma paixão deslimitada – Escreveu ele, certa vez, ao Presidente Epitácio Pessoa, reclamando da perseguição ao jornal A Tribuna. Durante toda a vida, Austregésilo de Athayde esteve ligado profissionalmente à imprensa – presidiu o Jornal do Commercio já em idade avançada – e costumava dizer: – Jamais escrevi um artigo que não expressasse a linha de minhas convicções democráticas. Nunca elogiei partidos, homens ou grupos. Sou incapaz de ser a favor de homens. Sou a favor de idéias, de pontos de vista. O que almejo mesmo é o pensamento democrático, a preservação de nossa unidade nacional e o bem do povo brasileiro.
O Casarão do Cosme Velho passou a ser sede do recém inaugurado Instituto Cultural Austregésilo de Athayde e foi palco da festa que celebrou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do 110° aniversário de nascimento do acadêmico.
te, o imóvel permaneceu fechado por cerca de dez anos, até que a família decidiu fundar ali um centro cultural em homenagem à memória do patriarca. Depois de uma reforma, em maio de 2006, o Casarão recebeu o título de Instituto Cultural Austregésilo de Athayde, e, desde então, tem sido cenário de saraus, eventos gastronômicos, oficinas de dança, ensaios teatrais, exposições de artes plásticas e cursos de gestão cultural, além de abrigar um espaço especialmente dedicado à vida e obra de seu antigo proprietário: —Temos muitos projetos, muita coisa a fazer. E nos surpreendemos com o sucesso das iniciativas que surgiram ainda antes da inauguração – diz Clara Sandroni, que já colocou no ar um portal com artigos, fotografias, correspondências e ou-
tros documentos que ilustram a trajetória do jornalista e acadêmico. Na comemoração dos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, foi realizada uma mesa de debates sobre a importância de trazer à memória nacional os motivos que levaram à criação do documento. Em sua explanação, o Deputado Alessandro Molon expressou a indignação de todos com a absolvição do policial militar que matou o menino João Roberto, em julho passado: – Vejo com profunda tristeza que no aniversário de 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos a sentença do tribunal tenha sido incompatível com a gravidade do resultado da ação policial. É como se o Estado não tivesse a obrigação de nos oferecer uma policia treinada para nos proteger e nos dar segurança.
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DIREITOS HUMANOS
UMA SENTENÇA DE MORTE À LIBERDADE Promulgado há 40 anos, o AI-5 arrastou a nação para a verdadeira ditadura militar, os “anos de chumbo”. AJB/RIO-ODIR
MARCOS S TEFANO
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á 40 anos, no final da tarde da sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, uma reunião no Palácio das Laranjeiras, sede da Presidência da República no Rio de Janeiro, mudaria radicalmente os destinos de toda a nação. Sentado à cabeceira da mesa, o Marechal Artur da Costa e Silva, como Presidente do Brasil, comandava a discussão entre os 25 membros do Conselho de Segurança Nacional, do qual faziam parte 15 militares e dez civis. Foram mais de duas horas de debate, mas apenas um ponto em questão: a aprovação do Ato Institucional Número 5, o AI-5. A pressão era imensa, mas segundo Costa e Silva, a decisão era necessária para que “a Revolução pudesse continuar”. Por declarações como essa, o Marechal chegou a ser aplaudido. De todos os presentes, vários deles brasileiros de reconhecida tradição democrática, apenas três tentaram abrandar aquilo que se tornaria mais um golpe contra os direitos constitucionais: o Vice-presidente Pedro Aleixo, o Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Rondon Pacheco, e o chanceler Magalhães Pinto. Cada um à sua maneira, com mais desconforto do que determinação. Tudo em vão. Durante a reunião, falou-se 19 vezes nas virtudes da democracia e em 13 oportunidades pronunciou-se pejorativamente a palavra ditadura. Mas, quando as portas da sala se abriram, o AI-5 estava aprovado. Já era noite. Uma noite que duraria dez anos e dezoito dias. Não que ato institucional fosse alguma novidade. Eles já vinham desde 1964, com o começo do regime militar. Mas sempre tinham algum verniz supostamente democrático, apesar de passarem distantes de qualquer discussão no Congresso Nacional. Este, no entanto, era diferente: escancarava a ditadura e dava princípio àqueles que se tornariam conhecidos como seus “anos de chumbo”. Com ele, o marechal podia legislar, cassar parlamentares, suspender direitos políticos, prender pessoas sem autorização judicial, nomear governadores para Estados e
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Estudantes levam o caixão com o corpo do colega Edson Luís de Lima Souto, assassinado por militares durante uma manifestação.
municípios, e censurar a imprensa, impedindo a publicação de notícias que desagradassem o Governo, fosse uma crítica oposicionista ou um surto de alguma doença como meningite, que pudesse dar qualquer idéia de falhas na condução do país. – Vivíamos em outro Brasil naquele 1968, “o ano que não terminou”. Inspirados pelo “Maio de 68”, a rebelião estudantil que começou reivindicando uma reforma universitária e acabou incendiando a França, os estudantes brasileiros não apenas faziam a contestação política, mas também dos costumes. O movimento estudantil celebrizou-se como protesto da política tradicional e na demanda por novas liberdades. Eram tempos do tema: “é proibido proibir”. – explica Maria Celina D´Araújo, do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (Cpdoc). Nesses tempos em que baladas eram “bailinhos”, nos quais as meninas iam com seus vestidinhos e cabelos longos bem penteados e os meninos em seus
fuscas, gordinis e aero-willys, telefones estavam bem presos às paredes, computadores pessoais ainda eram objetos de teses e experimentos e a internet era um programa militar norte-americano, o Brasil se radicalizava cada vez mais. De Cuba ao Vietnã, os modelos revolucionários conquistavam a esquerda e a levavam às armas. Não dava para ficar em cima do muro no mundo da guerra fria, dos mocinhos e bandidos, dos Estados Unidos e da União Soviética, independente de quem você acreditasse que fosse o vilão. No decorrer de 1968, a Igreja passou a ter uma ação mais expressiva na defesa dos direitos humanos e lideranças políticas cassadas, antes adversárias, continuavam a se associar para combater o regime. Em abril, a Frente Ampla, que reunia antigos rivais como Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, foi suspensa pelo Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva. Pouco depois, o Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado de ideologia como requisito
para a escolha de dirigentes sindicais. O contra-ataque chegou à “linhadura”, que dava sinais de que seriam necessárias medidas mais enérgicas para controlar as insatisfações de qualquer ordem, fosse dos metalúrgicos de Osasco, na primeira greve operária desde o início do regime, fosse de intelectuais e artistas reunidos na Passeata dos 100 mil. Como disse o Ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, “idéias subversivas” tinham que ser combatidas pois havia “um processo bem adiantado de guerra revolucionária” sendo conduzida pelos comunistas. Diante desse quadro mais amplo, o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, não passaria de uma atitude inconseqüente e despretensiosa. Mas serviu como pretexto ideal. Às vésperas do 7 de setembro, ele apelou para que o povo não participasse dos desfiles militares e as moças, “ardentes de liberdade”, não namorassem com oficiais. Por esta mesma
FOLHAPRESS
ARQCEDOC-UNB
ABAIXO A DITADURA! Militares ocuparam pontos estratégicos no Rio de Janeiro para impedir a anunciada manifestação estudantil em protesto contra a prisão do líder Vladimir Palmeira, em 2 de agosto. Ao lado, imagens da violenta invasão militar ao campus da UnB. No dia 29 de agosto, tropas espancaram e prenderam alunos e professores sob pretexto de prender líderes estudantis. Abaixo, manifestação estudantil no Rio, em 4 de julho. AGÊNCIA O GLOBO
ARQCEDOC-UNB
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AJB/RIO-EVANDRO TEIXEIRA
DIREITOS HUMANOS AI-5, 40 ANOS AGÊNCIA O GLOBO
Dois momentos marcantes pré-AI-5: a Sexta-feira Sangrenta no centro do Rio e a Passeata dos 100 mil, que teve a participação de artistas e intelectuais, como Paschoal Carlos Magno, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo, Dina Sfat, Eva Wilma, Carlos Zara. AGÊNCIA GLOBO
INSTAURA-SE O TERROR NO PAÍS! 20 anos depois da Declaração dos Direitos Humanos, o Brasil viu pela tv o locutor Alberto Curi ler os termos do AI-5. Ao lado o Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva explicou as razões que levaram o Governo a aceitar as sugestões do Conselho de Segurança Nacional para fechar o Congresso e suprimir as liberdades individuais. Em sua primeira página O Globo publica apenas o decreto sem nenhum comentário. Espremidas num canto, duas notícias além de um pequeno título quase sem destaque: “Tranqüila a situação financeira,” AGÊNCIA O GLOBO
Arquivos da ditadura serão abertos em 2009 O Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), confirmou que o Governo Federal lançará em janeiro um pacote de medidas para permitir o acesso do público aos arquivos da ditadura militar (1964-1985). O anúncio foi feito na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada de 15 a 18 de dezembro em Brasília pela própria SEDH, pela Comissão de Direitos 10 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
Humanos e Minorias da Câmara e pelo Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos. O pacote do Governo incluirá um sistema digital de acesso aos arquivos, um projeto de lei que possibilite o conhecimento desses documentos e um edital para recolhimento de documentos que estiverem em poder de particulares: – Haverá garantia de sigilo e de anonimato nesse recolhimento. Os arquivos são do Estado e, se estão com
AGÊNCIA O GLOBO
particulares, estão irregularmente. – afirmou o Ministro Vannuchi. O principal objetivo da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos é a revisão e a atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que foi aprovado em 1996, durante o primeiro encontro sobre direitos humanos. Desta vez, 1228 delegados de todos os Estados participaram de discussões sobre diversos temas, de segurança pública e acesso à Justiça a questões de saúde. O objetivo do Governo é trabalhar direitos ainda não implementados e tam-
No dia 4 de julho, pais também saem às ruas para apoiar a manifestação estudantil por melhores condições de ensino e exigindo mais liberdade. Abaixo Vladimir Palmeira, Presidente da União Metropolitana dos Estudantes-Ume, discursa semanas antes de ser preso. AGÊNCIA O GLOBO
época, outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã. Foi a provocação final. Os militares quiseram processá-los, mas a Câmara negou as licenças. O Governo respondeu com o AI-5. – Baixado o AI-5, “partiu-se para a ignorância”. O Congresso foi fechado, coisa que não acontecia desde 1937, a imprensa controlada e classe média colocada de joelhos por suas travessuras. O regime bifurcou sua ação política. Um pedaço, predominante e visível, foi trabalhara construção da ordem ditatorial. Outro, subterrâneo, que Delfim Netto chamava de “a tigrada”, foi destruir a esquerda. Faziam parte do mesmo processo, e o primeiro acreditava que o segundo seria seu disciplinado caudatário. Desde 1964, a máquina de repressão exigia liberdade de ação. Com o AI-5, ela a teve e foi à caça. – conta o jornalista Elio Gaspari no livro A Ditadura Envergonhada (Companhia das Letras). Ao final daquele mês, onze deputados federais haviam sido cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou em janeiro de 1969, atingindo também ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como instrumento de intolerância, como referendava o modelo econômico em que o crescimento seria feito com “sangue, suor e lágrimas”. Durante sua vigência, 1577 pessoas foram punidas, sendo que 454 perderam mandatos políticos ou tiveram os direitos políticos suspensos. Outros 548 funcionários civis foram aposentados, 334, demitidos, e 241 militares, reformados. As Assembléias da Guanabara, do Rio, de São Paulo, Pernambuco e Sergipe foram postas em recesso. Foram proibidos mais de 500 filmes e telenovelas, 450 peças de teatro, 200 livros e 500 músicas. Jornais e revistas que não aceitaram a censura prévia, receberam censores em suas oficinas. A vida política e cultural brasileira sofreram enorme retrocesso. A noite duraria ainda uma década inteira, até dezembro de 1978, quando o AI5 foi extinto. Era o princípio do fim do regime, mas não das marcas que deixou. Receitas culinárias, poemas, espaços em branco ou ilustrações de demônios nas páginas censuradas da imprensa nacional são coisas que ficarão para a posteridade e não devem ser esquecidas.
bém incorporar novos pontos à pauta em debate. Um dos temas centrais do encontro foi justamente o aborto. Educação Paulo Vannuchi defendeu ainda o ensino de direitos humanos em escolas e faculdades do Brasil. O assunto, segundo ele, deveria ser incluído sob a forma de disciplina em cursos como Engenharia e Direito. Na Engenharia, para que os profissionais lembrem-se dos princípios de acessibilidade na hora de construir. No Direito, para que advogados e magistra-
dos se envolvam com o assunto: – Os juízes continuam dando sentenças contrárias à Lei Maria da Penha, que pune a violência contra a mulher, e proferindo decisões homofóbicas. – disse o Ministro. Para a professora Flávia Piovesan, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP), não há direitos humanos sem luta e ação social. No Brasil, disse ela, essas ações contam com uma série de obstáculos, como as desigualdades sociais, a violência e a discriminação racial. Daí a importância da educação e de uma intera-
ção entre Estado e sociedade civil para promover os direitos humanos. O Coordenador Nacional do Fórum das Entidades Nacionais de Direitos Humanos, Alexandre Ciconello, reforçou a idéia e observou que o Poder Judiciário se distancia dos direitos humanos ao criminalizar movimentos sociais. Por outro lado, defendeu que o Governo libere mais recursos orçamentários para as políticas de direitos humanos: – As políticas transformadoras têm um orçamento pífio. Sem recursos, não ações concretas de direitos humanos. Há apenas intenções e falas. Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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AMBIENTE
DESTAQUE
Baleias e abutres
Zé Hamilton, Brasileiro Imortal
POR PAULO RAMOS DERENGOSKI
Enquanto se proíbem – burramente – tarrafas dos pobres pescadores, mais do que um absurdo – um crime – não ter sido aprovada a criação de um Santuário para a Vida na 55° Reunião da Comissão Internacional da Baleia reunida em Berlim. Mas dá para visualizar seu fim:
Emergindo das profundezas do grande oceano, aquela massa de carne escura, quase cinzenta, já mostrava em reflexos as flores vermelhas abertas pelos arpões de granadas que explodiram em seu interior. Antes de morrer ela ainda pareceu querer voltar às profundidades, mas uma explosão de gases se formou em seu interior, fazendo com que se contorcesse e retorcesse em espasmos de dor – até ficar imobilizada com uma grande massa morta, boiando, petrificada, ao sabor das ondas vagas... Assim morrem (ainda hoje), principalmente nos arredores do Pólo Sul, os grandes cetáceos que antigamente povoaram todos os mares. Algumas décadas atrás, as baleias eram tão numerosas, que até acidentes geográficos das costas marítimas a elas deviam os nomes: Baleia Branca na Paraíba, Ponta do Arpoador no Rio, Armação, em Santa Catarina. No início, a caça era realizada apenas no Hemisfério Norte. Posteriormente, a partir de 1905, com os navios-fábricas dotados de rampas de içamento para bordo, radares, sonares e arpões-granadas explosivos e slip-ways de içamento, a fúria se voltou contra a Antártida. No ano de 1901 foram caçadas cerca de duas mil baleias em todo o mundo. Em 1930 esse total subia para 40 mil cetáceos e já na década de 60 atingia a média de 70 mil espécimes por ano! As companhias baleeiras, inicialmente nórdicas, hoje são na maioria russas e japonesas. Esses navios chegaram a cortar 50 baleias em 24 horas cada um! Apesar da grande mobilização dos ecologistas, a situação das baleias continua sendo dramática. A depleção dos estoques vivos é irreversível. Calcula-se que nas proximidades do Pólo Sul chegaram a viver 400 mil baleias. Hoje não restam mais de dois mil exemplares de baleia-azul na região, quando a população ótima teria que ser de cem mil espécies. A única maneira de salvar as baleias seria prescrever uma limitação por espécie, que impedisse a rarefação. Não é possível que com tanta terra devastada (e mata queimada) para se abrirem novas fronteiras e alimentar populações ricas, cuja maior preocupação é fazer dieta para emagrecer – já que os bilhões de pobres do mundo inteiro jamais comeram carne de baleia –, ainda se insista em esvaziar os oceanos. Chega a ser cômico proibir uso de tarrafas individuais, enquanto se libera o alto-mar. Como dizia Hemingway, o mar é o último lugar livre do nosso planeta. Ele é patrimônio da humanidade. Que se proíba a pesca da baleia e as empresas que o fazem de forma predatória vão à falência e se afoguem no mar de sangue que eles mesmos criaram com seus arpões diabólicos! Se a inteligência do homem está sendo utilizada para depredar a natureza, um dia será afogada como um desenho feio na areia, à beira do oceano bravio... Caso essas frotas matadoras dos abutres internacionais venham assassinar baleias na costa catarinense e brasileira, a nossa Marinha deveria levantar ferros e abrir fogo contra os malvados... Paulo Ramos Derengoski, jornalista, sócio da ABI, é radicado em Lages, Santa Catarina.
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O ano de 2008 foi de homenagens para um dos mais experientes e respeitados jornalistas do País. Com mais de cinco décadas dedicadas à missão de informar, José Hamilton Ribeiro, ao lado de outros cinco notáveis brasileiros, foi um dos ganhadores do Prêmio Brasileiro Imortal, promovido pela Vale. Os premiados emprestaram os seus nomes a seis espécies descobertas na Reserva Natural Vale, localizada na Cidade de Linhares, ES. Uma forma encontrada pela mineradora de celebrar o trabalho dos profissionais que atuam na descoberta e classificação de novas espécies, atividade de vital importância para a ciência. Os vencedores ganharão ainda uma ilustração da espécie que batizaram em selos a serem lançados pelos Correios. O processo de eleição mobilizou cerca de 250 mil pessoas, que puderam votar via internet. Os candidatos ao prêmio da Vale foram escolhidos por uma comissão de especialistas que atuam de forma marcante na área de sustentabilidade, tendo como principal critério serem brasileiros com atuação importante nas áreas social e ambiental. O repórter da TV Globo, onde atua no dominical Globo Rural, conquistou mais de 70% da preferência dos eleitores e venceu a categoria nacional. Com isso, José Hamilton Ribeiro emprestará o seu nome a uma espécie do gênero Anthurium, o antúrio-mirim, descoberto pelo pesquisador Marcus Nadruz Coelho, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Nas cinco categorias regionais foram eleitos o maestro e compositor Tom Jobim (Sudeste), o empresário catarinense Miguel Krigsner (Sul), o economista e historiador Paulo Bertran (Centro-Oeste) e ainda as escritoras Rachel de Queiroz (Nordeste) e Zeneida Lima (Norte). A antropóloga Ruth Cardoso, falecida em 24 de junho deste ano, também recebeu homenagem especial da Vale, emprestando o seu nome a uma das plantas descobertas na reserva capixaba. Exprimeira dama do País, ela fundou e esteve à frente do programa Comunidade Solidária durante os mandatos de seu marido, Fernando Henrique Cardoso. O ex-Presidente da República recebeu a premiação das mãos do Presidente da Vale, Roger Agnelli, durante a solenidade realizada na Academia Brasileira de Letras, no dia 31 de outubro. Além do prêmio idealizado e entregue pela Vale, José Hamilton foi homenageado também no 30º Prêmio Vla-
FRANCISCO UCHA
Contra a planície azul-esverdeada do mar e a fímbria verde-azulada do horizonte, a baleia-azul tentou se erguer nos ares como se fosse um pássaro branco e desesperado voando em direção aos céus. Mas suas asas eram barbatanas quebradas pela fúria dos inimigos. A coluna d’espumas d’água que se levantou parecia montanha de gelo – iceberg em pleno trópico – que logo se desfez até se transformar numa espécie de neblina varrida pelo vento forte do Atlântico.
Além desse título concedido pela Vale, ele recebeu o Troféu Especial de Imprensa Onu: 60 anos da Declaração/Prêmio Vladimir Herzog.
José Hamilton foi escolhido por votação na internet para emprestar seu nome a uma espécie do gênero Anthurium.
dimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, entregue em 27 de outubro, no auditório do Tuca, teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Além dos vencedores em nove categorias, e dos estudantes que conquistaram o 4º Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos, foi entregue o Troféu Especial de Imprensa Onu: 60 anos da Declaração/Prêmio Vladimir Herzog, uma iniciativa do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Além do repórter da TV Globo, foram homenageados com esse prêmio especial Ricardo Kotscho, Zuenir Ventura, Carlos Dornelles e Henrique de Souza Filho, Henfil, morto em 1988. Vencedor de diversos prêmios Esso, José Hamilton é autor de 15 livros derivados de suas reportagens. O primeiro deles, O Gosto da Guerra, trata da reportagem sobre a Guerra do Vietnã que fez para a revista Realidade em 1968, ocasião em que perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre. Ele começou a carreira na Rádio Bandeirantes, em São Paulo, e passou pelas Redações das revistas Realidade e Quatro Rodas, do jornal Folha de S. Paulo e dos programas Globo Repórter, Fantástico e Globo Rural, do qual participa como repórter.
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Um jornalista de peso na cobertura dos festejos dos 100 anos: Antônio Olinto O Jornal de Letras convidou a fazer o texto da matéria de capa da edição em que registrou o centenário da ABI. Entre as homenagens recebidas pela ABI neste Ano do Centenário figurou uma de especial significação para a Casa: a principal matéria de capa da edição de maio do Jornal de Letras, a mais antiga publicação literária do País, que designou para a cobertura das comemorações iniciais do centenário um intelectual, jornalista e escritor de peso: Antônio Olinto, que desde 12 de setembro de 1997 ocupa a cadeira n° 8 da Academia Brasileira de Letras, na qual teve como antecessores Alberto de Oliveira, Oliveira Viana, Austregésilo de Athayde e Antônio Callado. Mineiro de Ubá, terra de Ari Barroso, onde nasceu em 10 de
trado com a imagem do Edifício Herbert Moses na década de 1950, uma fotografia do Maestro Isaac Karabtchevsky e seus músicos no concerto do Show do Centenário, realizado em 7 de abril passado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, abrindo as comemorações dos 100 anos da Casa, e a reprodução do selo postal emitido pelos Correios, com o retrato de Gustavo de Lacerda e imagens ligadas à ABI, em homenagem ao centenário. É esse texto que, honrada, a Casa reproduz a seguir, com o título e os intertítulos do original e pequenos ajustes às normas editoriais do Jornal da ABI.
maio de 1919, Antônio Olinto é sócio da ABI desde 30 de novembro de 1950 e inclui em seu fecundo currículo os 25 anos como titular da coluna Porta de Livraria de O Globo, conferências em nada menos de 51 cidades das Américas, da Europa, da África e da Ásia e uma bibliografia que inclui poesias, romances, ensaios, crítica literária, gramática e literatura infantil. Autor de quatro dicionários, Olinto tem obras em 19 idiomas, publicadas em 30 edições fora do Brasil. O texto de Olinto ocupou as duas páginas centrais dessa edição do Jornal de Letras, sob o título ABI e ABL na festa da liberdade e foi ilus-
ABI e ABL na festa da liberdade
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ARQUIVO ABL
Com a diferença de onze anos, duas grandes organizações surgiram no Brasil, reunindo componentes de atividade ligada à palavra e às idéias criadoras da cultura: a Academia Brasileira de Letras, fundada em 10 de dezembro de 1897, e a Associação Brasileira de Imprensa, que começou a existir em 1908. Eram novos tempos e as duas sentiram que precisavam associar-se em defesa da cultura básica do País. Foi natural, agora, que as duas entidades se unissem nas comemorações do centenário da ABI. A data teve vários atos lembrando o século de defesa da liberdade de imprensa a que a ABI se dedicou por inteiro, houve reunião conjunta na Academia Brasileira de Letras, cerimônia de lançamento de selo postal e carimbo comemorativo, realizada na Sala Belisário de Souza, na sede da entidade; sessão solene de entrega à ABI da Medalha Tiradentes na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, sessão solene de entrega à ABI do Conjunto de Medalhas Pedro Ernesto na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, o Show do Centenário, com participação da Orquestra Petrobras Sinfônica, sob a regência do Maestro Isaac Karabtchevsky, e de Paulinho da Viola no
O Salão Nobre do Petit Trianon na Academia Brasileira de Letras foi palco da Sessão Solene em homenagem ao centenário da ABI que teve presença recorde de publico.
Teatro Municipal, entre outras atividades durante todo o ano. Na Academia Brasileira de Letras Na sessão solene em que a Academia Brasileira de Letras homenageou a Associação Brasileira de Imprensa, os Presidentes das duas – Maurício Azêdo, da ABI, e Cícero Sandroni, da ABL, jun-
tamente com Villas-Bôas Corrêa, Moacir Pereira, Fernando Segismundo e Murilo Melo Filho, falaram sobre a presença da ABI sempre que a liberdade correu perigo ao longo do século 19082008. Sobre Gustavo de Lacerda, fundador da ABI, falou o jornalista Moacir Pereira, seu biógrafo, que assim o definiu: “Gustavo de Lacerda foi um so-
cialista convicto, contestador, que vivia da profissão de jornalista e que não se valeu dela para conquistar empregos em serviços públicos”. Fernando Segismundo falou sobre Herbert Moses e sua longa administração como Presidente da ABI: “Antes uma entidade frágil, a ABI tornou-se notável na gestão de Moses, homem de
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grandes idéias que lutou para fortalecer a entidade. A Polícia invadia a ABI na época em que o exercício do jornalismo era uma atividade perseguida e perigosa: o repórter não tinha idéia se voltaria para casa após o trabalho.” Disse ainda: “Trabalhei ao seu lado e muitas vezes o vi lacrimejar em função dos problemas políticos que atingiam o País e a imprensa. À frente da ABI, Moses se expôs, teve muitos dirigentes presos e torturados. Contudo, conseguiu agregar a classe perante as turbulências.” Villas-Bôas Corrêa falou sobre Prudente de Morais, neto, com quem trabalhou nas redações do Diário de Notícias e do Estado de S. Paulo. – Com Prudente, notável na tarefa de defesa da categoria e dos ideais da sociedade, a ABI representou uma frente de luta em favor da classe e da liberdade de imprensa. Assim como Barbosa Lima Sobrinho, ele enfrentou com grande bravura este período. E o atual Presidente da ABI, Maurício Azêdo, também vem promovendo uma administração exemplar, que, após longos anos, consegue atrair a classe em torno de uma renovada ABI. Em seguida falou Cícero Sandroni, hoje Presidente da ABL e que trabalhou na ABI sob as ordens de Barbosa Lima Sobrinho, ocupando os cargos de Diretor, Secretário-Geral e Presidente do Conselho da ABI. Destacou a emoção em conviver com “a bravura cívica de Barbosa e seu espírito pacifista e conciliador, que só era abalado quando o Fluminense perdia”. “Ele é eterno pelas palavras que deixou escritas, muito melhores do que eu poderia fazer. Lembro que uma vez o questionei pela sua jornada de trabalho, por causa de sua idade, e ele me disse: “O tempo que perdemos na ABI ganhamos pelo Brasil.” Murilo Melo Filho lembrou que, à época da fundação, tanto a ABL como a ABI não tinham sequer onde se reunir: “A ABI hospedava-se no Quartel Militar dos Barbonos, permitindo ao jornalista Belisário de Souza reconhecer: “Pelo menos aqui estamos guardados e seguros”. Só em 1939 a ABI pôde inaugurar a primeira sede própria, no Castelo. Mas jamais silenciou sua voz de protesto e a mensagem de esperanças gravadas para sempre na gratidão e no reconhecimento dos brasileiros. Sob a Presidência digna e correta de Maurício Azêdo e de seus bravos antecessores, a Casa representa fortaleza indômita e indormida na defesa das conquistas democráticas e da liberdade de imprensa”. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, agradeceu a todos pela cerimônia, ressaltando o discurso de Murilo Melo Filho sobre a forte identidade das duas instituições: “Fico honrado com a sessão especialmente dedicada pelos acadêmicos e jornalistas palestrantes à memória de Gustavo de Lacerda, Herbert Moses, Prudente de Morais, neto, exemplos de dedicação ao bem comum e à coletividade. A ABI se sente especialmente confortada, emocionada e, com extraordinário reconhecimento,
Assembléia RJ cria o Prêmio Barbosa Lima. O primeiro é da ABI O objetivo da premiação é estimular iniciativas em favor da imprensa fluminense.
O Vice-Presidente José Alencar prestigiou a festa do centenário da ABI no Teatro Municipal.
recebe a homenagem da ABL, que simboliza o templo da inteligência brasileira, valorosa do ponto de vista do pensamento e da criação”. Depois da sessão, Cícero Sandroni autografou exemplares de seu livro 180 Anos do Jornal do Comércio (1827/2007). No Teatro Municipal A festa do centenário da ABI no Teatro Municipal atraiu milhares de pessoas a começar pelo Vice-Presidente José Alencar, representando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Governador Sérgio Cabral. O ato começou com o discurso do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que versou, muito bem, sobre a carreira da ABI, seus serviços à liberdade de opinião e sua presença permanente nos casos em que essa liberdade correu perigo. Disse: – É com emoção e alegria que a Associação Brasileira de Imprensa recebe a todos nessa memorável noite em que se realiza a mais destacada celebração do seu centenário. A instituição fundada por Gustavo de Lacerda no alvorecer do século XX recebe platéia tão representativa do conjunto da sociedade, como o reconhecimento de que não foi vã, nem inútil, a caminhada empreendida pela geração de jornalistas que edificaram a densa História da ABI desde aquele 7 de abril de 1908. Em seguida, o Governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral, se disse orgulhoso de participar da festa como jornalista e citou seu pai, o também jornalista Sérgio Cabral Santos: – É uma honra participar da Comissão do Centenário, é uma honra o Governo do Estado do Rio de Janeiro estar presente na celebração dos cem anos da Associação Brasileira de Imprensa e que o nosso Teatro Municipal abrigue este evento. Devo muito ao jornalismo, até a minha existência. Por isso, nestes cem anos da ABI, quero homenagear todos os jornalistas exatamente na figura dessa pessoa que me ensinou em casa a amar a democracia, a liberdade e o povo brasileiro que é o Sérgio Cabral pai. A ele eu dedico este discurso e a minha sensibilidade para a causa pública. E quero dizer que com ele aprendi que não há nada mais im-
portante na vida do que a liberdade. Em seu discurso, o Vice-Presidente José Alencar disse: – Alguns, de maneira brilhante e grandiosa, como o Professor Fernando Segismundo, único ex-Presidente da ABI ainda vivo, em que damos um abraço de calorosa homenagem. Ou como o Presidente Maurício Azêdo, a quem cabe o privilégio de estar à frente das comemorações do centenário e de dar curso à obra de Gustavo de Lacerda, Herbert Moses e Barbosa Lima Sobrinho, que deixaram marcas profundas na construção e na consolidação deste patrimônio nacional. No final de sua fala, acrescentou o Vice-Presidente que expressava, com suas palavras, o pensamento do Presidente da República. O Show do Centenário O show final agradou os adeptos da música popular e os da música erudita. Para os primeiros apresentou Paulinho da Viola com seu conjunto: Pecado Capital, Sinal Fechado, Dança da Solidão, Timoneiro, de Paulinho da Viola e Hermínio Belo de Carvalho, Talismã, de Paulinho da Viola, Marisa Monte e Arnaldo Antunes, Coração Leviano, Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues, Ainda Mais, de Paulinho da Viola e Eduardo Gudin, e encerrou com Foi um Rio Que Passou na Minha Vida. A Orquestra Petrobras Sinfônica, além de executar o Hino Nacional, sob a regência do Maestro Isaac Karabtchevsky, contou com a execução de obras de Vila-Lobos, Francisco Mignone e Guerra-Peixe. Uma lembrança Do discurso inicial de Maurício Azêdo, ficaram na lembrança da platéia estas palavras: “A principal conquista da ABI é o apreço que hoje se tem pela liberdade de imprensa e os direitos que a integram: o direito de informar, o direito de acesso a diversas formas de informação, os direitos de opinião e, dentro do direito de opinião, o direito de divergir. Isso é resultado da pregação que a ABI tem feito sobre essa questão ao longo destes cem anos.”
A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro informou à ABI que ela será a primeira instituição a receber o Prêmio Barbosa Lima Sobrinho de Jornalismo, criado em homenagem ao seu centenário. A idéia da premiação, aprovada pelo Presidente da Alerj, Jorge Picciani, partiu do Deputado Marcelo Simão, que também escolheu a entidade para inaugurar a honraria: – A ABI jamais deixou de cumprir os objetivos que a originaram, mas se adaptou ao longo do tempo. Seus estatutos foram ajustados às diversas situações socioeconômicas da indústria jornalística. Como disse em 1969 um ex-Presidente da Casa, Fernando Segismundo, “além das finalidades fundamentais, a Associação deve interpretar o pensamento, as aspirações, os reclamos, a expressão cultural e cívica da nossa imprensa, estimular entre os jornalistas o sentimento de defesa do patrimônio cultural e material da Pátria, realçar a atuação da imprensa nos fatos da nossa História e colaborar em tudo que diga respeito ao desenvolvimento intelectual do País”. Sendo assim, nada mais justo que a entidade seja a primeira a receber o prêmio. O Prêmio Barbosa Lima Sobrinho de Jornalismo irá homenagear anualmente pessoas físicas e jurídicas que tenham prestado destacada contribuição ao desenvolvimento da imprensa no Estado do Rio de Janeiro. Os jornalistas premiados receberão um troféu com a figura do busto de Barbosa Lima Sobrinho. A cerimônia de entrega da premiação à ABI será marcada no início de 2009.
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Aconteceu na ABI REPRODUÇÃO
O guerreiro e o mensageiro
Documentário que abriu a série Grandes Brasileiros no Cine ABI aborda a vida e obra de Darci Ribeiro.
Programação homenageou em novembro Darci Ribeiro e Tancredo Neves, com a exibição de filmes produzidos e dirigidos por Fernando Barbosa Lima. POR B ERNARDO COSTA
Um dos mais destacados pensadores da educação no Brasil e o primeiro civil escolhido para ser Presidente da República depois de duas décadas de ditadura militar tiveram suas vidas e trajetórias exibidas pelo Cine ABI, no mês de novembro. No dia 6, Darcy Ribeiro – O Guerreiro Sonhador ocupou a tela da Sala Belisário de Souza, no 7º andar do Edifício Herbert Moses. Na semana seguinte, dia 13, foi a vez de Tancredo Neves – O Mensageiro da Liberdade ter sessão especial. As duas produções fazem parte da série de documentários Grandes Brasileiros, dirigida por Fernando Barbosa Lima, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, falecido em setembro. Nas sessões, além de conhecer a História recente do País e as principais discussões que fizeram parte da agenda nacional nas últimas décadas, o público emocionou-se com a luta do povo brasileiro retratada nas películas. Darcy Ribeiro – O Guerreiro Sonhador aborda a vida e a obra do etnólogo, antropólogo, político, educador e escritor. Seu legado para o Brasil inclui a fundação do Museu do Índio, em 1953, uma intensa atividade literária, com mais de 30 livros publicados e traduzidos para diversos idiomas, e o Parque Nacional Indígena do Xingu, que ele ajudou a criar juntamente com os irmãos Vilas Boas. No documentário, Darci fala da criação do parque, sua grande paixão: – Lembro que, em conversa com o Getúlio (Vargas), propus a demarcação de um grande parque para preservar a natureza original da região do Xingu para os netos dos netos dos nossos netos, onde todas as tribos dali pudessem conviver em harmonia com a natureza sem devastá-la, ao invés de demarcar um pedaço de terra para cada tribo. Ajudar a criar o Parque Nacional do Xingu foi o que mais me orgulhou na vida. 16 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
Dividido em três partes, o documentário conta a vida do antropólogo desde a infância em Montes Claros, Minas Gerais, até à morte, em 1997, com destaque para as imagens captadas por ele próprio, em 1947 e 1948, na tribo indígena Urubus Kadiuéu, e em 1953, na tribo Bororo. Também bastante destacada é sua atuação na política, pela qual teve importante papel na criação da Universidade de Brasília UnB, da qual foi o primeiro reitor, e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Uenf, na redação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na construção dos Centros Integrados de Educação Pública Cieps, projeto de ensino público integral levado a cabo na década de 1980, quando era Vice-Governador de Leonel Brizola. A segunda parte da produção composta pelos depoimentos de pessoas próximas ao educador nessas empreitadas, como Oscar Niemeyer, Leonel Brizola, Cristovam Buarque, Ziraldo, Sérgio Cabral e Nélida Piñon. A parte final aborda a criação da Fundação Darci Ribeiro, que tem como principais objetivos promover a solidariedade às populações indígenas, negras e caboclas brasileiras, defender a Amazônia e o Pantanal e realizar estudos destinados a reformular a política educacional do País. Um atalho para a abertura política Ao trazer a trajetória política do mineiro Tancredo Neves desde 1935, quando se tornou Vereador de São João Del Rey, sua cidade natal, até em 1985, quando foi escolhido para ser Presidente da República, cargo que não chegou a assumir, pois morreu um dia antes da data marcada para a posse, Tancredo Neves – O Mensageiro da Liberdade mostra alguns dos mais marcantes momentos políticos da História recente do Brasil, como o golpe militar de 1964 e depois a campanha Diretas Já. Depoimentos de parentes como o fi-
lho do político, Tancredo Augusto Neves Filho, e o neto Aécio Neves, hoje Governador de Minas Gerais, e de políticos contemporâneos do homenageado, como José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Antônio Carlos Magalhães, José Serra e Francisco Dornelles, enriquecem a produção: – Com certeza o processo de redemocratização do Brasil aconteceria mesmo sem a contribuição de Tancredo, mas com seu jeito conciliador o processo foi acelerado. Ele foi um atalho para a abertura política – diz Antônio Britto, que foi seu porta-voz. Depoimentos Paulo Valério de Almeida Torres, presente à sessão do filme sobre Darci Ribeiro, destacou a abnegação do antropólogo para concretizar seus sonhos: – Foi um idealista que tentou, ao longo de toda a sua vida, realizar seus projetos como educador e antropólogo no louvável trabalho que desenvolveu junto aos índios. Paulo Henrique Santos, que assistiu aos dois filmes, elogiou muito o trabalho realizado por Darci Ribeiro: – O filme veio provar a perda irreparável que a morte dele representou para o povo brasileiro. Até hoje não existe no País um intelectual com a grandeza e a visão humanista que ele tinha. No filme, Darci diz que se humanizou graças aos índios, que até hoje sofrem com o desrespeito do Estado. Como político, também foi muito importante, principalmente com a criação da Universidade de Brasília e da Universidade Estadual do Norte Fluminense, na qual desenvolveu tecnologia para a prospecção de petróleo em Campos. Ele será sempre uma lição de dignidade e humanidade. Vários trechos das produções lhe
trouxeram à memória as lutas pela democracia, que ele viveu na pele. Os grandes comícios da campanha Diretas Já, ocorridos em 1985, e a decepção do povo com o veto da emenda Dante de Oliveira são dois momentos inesquecíveis para Santos: – Lembro de um comício na Candelária que reuniu 1 milhão de pessoas da igreja até a Central. Estava presente com minha família e fiquei dez horas em pé, acompanhando a votação da emenda no Congresso Nacional. Só fui embora após o último parlamentar se pronunciar e tive a maior decepção, como todos os outros que estavam ali, quando foi anunciado que não teríamos eleições diretas para Presidente. Havia muita gente desolada, chorando. Infelizmente, hoje o povo brasileiro não tem a capacidade de mobilização que tinha há algumas décadas, e isso explica o nível cada vez mais baixo dos políticos que nos governam. Programação Depois do ciclo A Imprensa no Cinema, que apresentou grandes clássicos do cinema mundial com o jornalismo como tema, Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, explica que a programação de títulos nacionais foi retomada e que a série Grandes Brasileiros vai continuar: – Passadas as comemorações do centenário da Casa e do bicentenário da Imprensa Régia, o Cine ABI volta com sua proposta de apresentar filmes que suscitem reflexão e discussão sobre a realidade brasileira com o saudoso Fernando Barbosa Lima. Depois de Darci Ribeiro e Tancredo Neves, ainda teremos outros filmes em que ele focaliza seu pai, Barbosa Lima Sobrinho, Ziraldo e o jornalista Sérgio Cabral.
ABI reúne em mostra jovens cineastas do Rio Realizadores de cinco cursos de cinema e de comunidades populares apresentaram suas primeiras criações. Luz, câmera e, principalmente, ação! O estímulo à produção dos jovens é a proposta da I Mostra ABI dos Estudantes de Cinema, cuja premiação foi realizada em 28 de novembro. Apresentaram seus trabalhos alunos da Escola de Cinema Darci Ribeiro, da Puc-Rio, da Universidade Gama Filho, Estácio de Sá e Universidade Federal Fluminense, além dos projetos sociais da Central Única das Favelas-Cufa e Viajando na Telinha. A entrega dos troféus foi realizada na Sala Belisário de Souza, na sede da ABI. Ao longo da Mostra, realizada entre os dias 25 e 28, foram exibidos 19 curta-metragens, com destaque para a produção da Escola de Cinema Darci Ribeiro que, com O Som e o Resto, levou o prêmio de melhor direção – para André Lavaquiel – e melhor fotografia – entregue a Bruno Diel e Lavaquiel. A Cufa arrebatou dois prêmios: menção honrosa para Ele, feito por alunos da rede municipal de ensino de Vitória, ES, e melhor roteiro para Alace Santos, Monique Mendonça, Mariana Oliveira, Ricardo Marins e Regina Brizio, pelo filme Pelego Veríssimo. O melhor filme de ficção foi Vento em Roupa de Balé, de Eric Paiva, do Viajando na Telinha, e o melhor documentário Remo Usai – Um Músico para o Cinema, de Bernardo Uzeda, da Puc-Rio. O troféu de animação ficou com Jansen Raveira, que representou a Uff com Como Comer um Elefante. Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak afirmou que a proposta principal do projeto foi incentivar, além da produção cinematográfica, a
Jesus Chediak: tentativa de mobilizar e promover interação entre os estudantes.
reaproximação dos jovens com a Casa do Jornalista. “Hoje eles preferem baixar os filmes para assistir em casa. Isso gera um certo isolamento. O prêmio é uma tentativa de encontrar uma forma para mobilizar os estudantes e de tirá-los um pouco do computador, promover maior interação”, afirmou Chediak, que ainda explicou o motivo de o troféu levar o nome do jornalista Fernando Barbosa Lima, falecido em 5 de setembro deste ano. – Ele foi, sem dúvida, a pessoa mais importante do telejornalismo brasileiro. E dar seu nome ao prêmio também é uma forma de aproximar os jovens desse grande personagem. Antes das entrega dos troféus, vamos passar um filme de um jornalista feito por outro jornalista – disse
o Diretor da ABI, referindo-se à exibição do documentário Sérgio Cabral – A Cara do Rio, parte integrante da série de dvds Grandes Brasileiros, produzida por Fernando Barbosa Lima. Produtor da Mostra, Breno Lira Gomes, relembrou a intensa relação entre os estudantes e a ABI, principalmente nos tempos da ditadura, quando muitos jovens cineastas, que mais tarde consolidariam o Cinema Novo, se formaram nas sessões do Cineclube Macunaíma. Ele destacou ainda a criatividade revelada nos curta-metragens apresentados pelos alunos. “Uma coisa que ficou visível foi a tentativa de cada grupo de mostrar um olhar pessoal sobre suas realidades. Os cineastas dos projetos sociais têm um enfoque diferente dos das universidades da Zona Sul. Mas em todos percebi a mesma gana de fazer cinema e viver disso”, festejou. Noilton Nunes, um dos integrantes do júri, ao lado da jornalista, escritora e produtora de cinema Claudia Furiati e de Fellipe Redó, coordenador do ponto de cultura Cuca, da Une, destacou a qualidade dos filmes e a importância de ter mais um espaço aberto aos jovens cineastas. “Acredito que vai ser muito interessante a continuação da Mostra. É importante para o jovem que está começando a fazer cinema poder mostrar seus filmes e receber um prêmio com a chancela da ABI, que abre portas. De modo geral, as produções foram muito boas”, afirmou. Diretor Comercial da RioFilme, Antônio Urano aplaudiu a Mostra e anunciou seu apoio à iniciativa da ABI. “Estudar Cinema já é um esforço muito
grande e essa proposta é vital para ajudar a divulgar as primeiras produções dos alunos. A iniciativa vai ao encontro dos objetivos da RioFilme, que apóia festivais voltados para a nova geração”. Diretora da Darci Ribeiro, Irene Ferraz, que recebeu o prêmio em nome dos alunos, mostrou-se emocionada ao revisitar a ABI. “É fundamental e construtivo ter contato com grupos diferentes de outras instituições e trocar experiências. E o fato de estarmos na ABI, por onde passaram a História do Brasil e do cinema brasileiro, me emociona e me remete ao tempo do Cineclube Macunaíma, que eu freqüentei muito”, relembrou. Autor do cartaz promocional do evento, o designer de cinema Fernando Pimenta acha que a Mostra é um grande incentivo para a formação de novos realizadores. “O cinema é uma atividade que exige pesquisa e interação com aquilo com que se vai trabalhar. O sujeito é obrigado a desenvolver a capacidade de captar aquilo que vê e a forma como vai mostrar. Por isso, entendo que um evento como esse incentiva os jovens a se tornarem realizadores cinematográficos”, disse ele. A Mostra faz parte do projeto Cine ABI, criado e desenvolvido pela Diretoria de Cultura e Lazer como forma de contribuir para que o público conheça o material que vem sendo produzido nas escolas de cinema do Rio de Janeiro. Chediak defende que a segunda edição da Mostra seja realizada em âmbito nacional. Para isso, buscará apoio de instituições como a Une e o Ministério da Cultura. “Este evento é uma forma de manter em evidência a tradição do vínculo da ABI com o cinema. No passado, esta casa contribuiu decisivamente para o cinema brasileiro com o Cineclube Macunaíma, freqüentado por quase todos os cineastas que criaram o Cinema Novo e por um enorme público, que lotava o Auditório Oscar Guanabarino, onde eram realizadas as exibições”, frisou, lembrando que o atual Presidente da ABI, Maurício Azêdo, foi um dos fundadores do cineclube.
A Central Única das Favelas, vencedora na categoria de melhor roteiro, foi representada por Ricardo Marins que recebeu o prêmio das mãos do ator e diretor EmmanuelCavalcanti; Bernardo Uzeda, da Puc-Rio, arrebatou o de melhor documentário e Eric Paiva, do Viajando na Telinha, recebeu o de melhor filme de ficção das mãos do ator Jorge Coutinho. Irene Ferraz representou os alunos da Escola de Cinema Darci Ribeiro que levou dois prêmios – o de melhor direção para André Lavaquiel – e fotografia – para Bruno Diel e Lavaquiel.
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Aconteceu na ABI
Um debate sobre as saídas da crise econômica. Saídas? Durante três dias, especialistas qualificados debateram na ABI possíveis saídas para a atual crise, que ameaça o País com aumento do desemprego e recessão.
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SAMUEL TOSTA
Manchete dos principais noticiários do Brasil e do mundo, a crise econômica não ficou fora dos eventos realizados na ABI. Em meio a números alarmantes, índices recessivos e anúncios de demissões e retração na produção da indústria, especialistas se reuniram de 2 a 4 de dezembro na casa, onde participaram do seminário As Alternativas para o Brasil Enfrentar a Crise. Na abertura do evento, o Governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), apontou uma série de propostas para o País diante do caos em que se encontra o sistema financeiro mundial, dentre elas a desoneração do consumo, por meio de uma reforma tributária, mais investimentos em infra-estrutura, a estatização do crédito, o empreendimento de um projeto próprio de desenvolvimento e o controle sobre as operações de câmbio. “O Brasil não pode deixar o câmbio solto”, defendeu o Governador, que foi saudado pelo Presidente da ABI. – O Governador Requião formula proposições do mais alto interesse nacional. Sua apresentação vai contribuir para a formatação de um Plano de Desenvolvimento que será o resultado desse seminário, que segue até o dia 4 de dezembro – afirmou Maurício Azêdo, que teve sua atuação em defesa da liberdade de imprensa e de expressão destacada pelo Governador. “Azêdo foi um dos heróis que defenderam a liberdade de expressão quando eu fui proibido de emitir opiniões na imprensa. E a ABI, um dos poucos órgãos nacionais que levantaram voz contra a censura”, relembrou Requião, referindo-se ao episódio de sua cassação por um juiz do Paraná. – Essa crise econômica pode ser a grande oportunidade de discutir e formular alternativas, para buscar um outro caminho. A parte que nos cabe é empreender um projeto próprio de desenvolvimento. Devemos desatrelar nosso destino da globalização neoliberal. É preciso ainda abrir linhas de crédito para o empresariado, especialmente para a indústria geradora de empregos – afirmou, sob aplausos da platéia. Além do Governador do Paraná e do Presidente da ABI, compuseram a mesa do primeiro dia do seminário, que lotou a Sala Belisário de Souza, no 7º andar do Edifício Herbert Moses, o Presidente do
Requião: “Devemos desatrelar nosso destino da globalização neoliberal”.
Sindicato Nacional da Indústria e Construção e Reparação Naval e Off-ShoreSinaval, Ariovaldo Rocha; o economista Marcos Coimbra; e o representante da Petrobras, Sidney Granja. A origem da crise, por Lessa O economista Carlos Lessa, responsável pelo convite ao Governador Requião para que participasse do primeiro dia do seminário, participou do segundo dia do evento, proferindo sua palestra na manhã de 3 de dezembro, com o tema A Crise e seus Reflexos no Brasil. “Foi viabilizada a idéia de que o mercado é a instituição suprema, acima do Estado. Com isso, a desregulação se expandiu. Gradativamente, o céu passou a ser o limite para o lançamento de produtos financeiros no mercado e para a securitização”, explicou ele, que arrematou. “A Caixa de Previdência dos
Funcionários do BB-Previ já perdeu R$ 15 bilhões, enquanto a Sadia, US$ 1,5 bilhão com derivativos; a Aracruz Celulose, US$ 8 bilhões e o grupo Votorantim, R$ 2,2 bilhões”. Outro participante do evento, o economista Gustavo Santos, da Associação de Funcionários do BNDES, ressaltou que o Brasil poderá passar por graves problemas cambiais já no primeiro trimestre de 2009. Ele calcula que as exportações brasileiras deverão cair 20% no próximo ano e que haverá grande escassez de dólares no País. “Estaremos vulneráveis a crises cambiais e as reservas estão comprometidas por causa da venda futura de dólares em operações de swap (empréstimos entre bancos), que até agora somam US$ 30 bilhões”, concluiu. O jornalista Lorenzo Carrasco lembrou que enquanto a corrente de co-
mércio internacional corresponde hoje a US$ 20 trilhões as estimativas para o mercado de títulos derivativos já se aproximam de US$ 1,5 quatrilhão. “Não estamos vivendo apenas uma crise cíclica do capitalismo. A reserva federal já não controla mais o processo econômico”, alertou ele, que atacou as formas atuais de colonialismo, defendeu a centralização do câmbio e, assim como Carlos Lessa, a moratória para as dívidas atreladas a derivativos. O foco da mídia sobre a crise Na tarde do mesmo dia 3 de dezembro, foi realizada a mesa A Mídia e a Crise, que reuniu três jornalistas: o Professor Marcos Dantas, José Carlos Assis, que é também economista, e Sérgio Souto, do Monitor Mercantil, que organizou e coordenou os trabalhos do seminário. Geraldo Lino, representante do Movimento de Solidariedade Ibero-americano, mediou o debate, aberto por Marcos Dantas com críticas aos meios de comunicação, que, segundo ele, produzem audiência alimentada por “um modelo que implementa conteúdos por sua própria natureza ideológicos e reprodutores do sistema econômico vigente”. E isso, diz ele, inclui os jornalistas: – Considero um equívoco criticarem somente os patrões. Os jornalistas se transformaram numa casta que escreve apenas para uma minoria, em detrimento dos interesses do povo brasileiro. Em busca de audiência e publicidade, preocupam-se com a satisfação dos donos do veículo e o próprio bolso. José Carlos de Assis defendeu o controle de mercado como saída para o problema. “A solução da crise encontra suas bases na cooperação internacional e na regulação. O mercado está globalizado e exige colaboração mundial, que ultrapasse a barreira do capital e avance para os campos social, filosófico e ambiental. Atravessaremos um momento delicado de desemprego, especialmente no início do próximo ano. A mídia precisará redistribuir suas funções a partir do avanço da internet. Os jornais buscarão o campo da análise, enquanto as revistas se associarão à tv no do entretenimento”, apostou. Terceiro debatedor da mesa realizada à tarde, Sérgio Souto falou sobre as deficiências da imprensa nacional. “Há
FOTOS DE NANDO NEVES
muito tempo estamos indignados com o tipo de cobertura que se faz hoje em dia. Seu caráter monopolista ignora o pluralismo que caracteriza a realidade brasileira. A mídia e seu poder hegemônico perderam a interlocução com a sociedade. A crise estourou a velha agenda. As fontes mudaram mediante a crise. Os assuntos outrora travados pela hipocrisia voltaram à cena. Para responder as dúvidas da audiência é preciso ouvir pessoas como o Carlos Lessa”, defendeu. A globalização e os salários No encerramento do seminário, no dia 4, a mesa da manhã reuniu o General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o Professor Teotônio dos Santos, da Universidade Federal Fluminense, todos sintonizados no debate sobre A Questão Internacional e a Saída pela Política. “A missão institucional atribuída às Forças Armadas está seriamente comprometida. Por isso, regiões como a Amazônia e o Atlântico Sul encontram-se vulneráveis”, afirmou o General, que defendeu ações regulares de combate ao narcotráfico, ao terrorismo e à imigração ilegal na região. O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães descreveu aspectos históricos iniciados há aproximadamente 20 anos. “O processo de globalização ocasionou uma centralização de poder. E a concentração do poder político está no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O que está em jogo no Brasil, para que o País garanta a sua estabilidade neste momento, é o processo de recuperação econômica evolutiva interna e o enfrentamento de outras crises”, considerou. Mais radical em seu discurso, Teotônio dos Santos ressaltou que não acredita em milagres para o crescimento e desenvolvimento de uma economia. “É só ver o caso da China, que precisou prosperar durante 30 anos para chegar a se tornar uma ameaça à hegemonia econômica dos Estados Unidos. Isso ocorreu devido a um incentivo de 25% nas indústrias, que correspondeu a um crescimento econômico de 10% e a um aumento no consumo de 8%. É o oposto da economia brasileira, que luta para reduzir os consumos rural e urbano”, pontuou.
Carlos Lessa: “O céu passou a ser o limite para o lançamento de produtos financeiros”.
O tema A Mídia e a Crise reuniu três jornalistas: Sérgio Souto, do jornal Monitor Mercantil (E), o professor Marcos Dantas e José Carlos Assis, que é também economista.
A questão internacional e a saída pela política foi o tema debatido no último dia pelo professor Theotonio dos Santos, da Uff (E), General Gonzaga e pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. À tarde foi a vez de João Paulo de Almeida Magalhães, Maurício Dias David e Dércio Munhoz (abaixo) discorrerem sobre O projeto nacional.
Na parte da tarde, o seminário prosseguiu com o tema O Projeto Nacional. O Professor Dercio Munhoz chamou atenção para a necessidade de se reestruturar o mercado interno. “O que nós temos hoje é uma curva declinante dos salários, o que impossibilita a remontagem do mercado interno. O Brasil tem que recuperar a capacidade do crescimento da demanda para crescer a produção, e isso só será possível a partir de uma política de recomposição dos salários”. Presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro CoreconRJ, o Professor João Paulo de Almeida Magalhães disse que um aspecto positivo da atual crise é a constatação de que o neoliberalismo não funciona em países subdesenvolvidos. Ele propôs uma revisão da prioridade absoluta dada pelo governo ao Programa de Aceleração do Crescimento (Pac). “Os investimentos em infra-estrutura não são essenciais, pois não causam crescimento econômico, apenas permitem que o País possa crescer. Não adianta nada construirmos estradas se não há caminhão para passar”, contestou. O economista Maurício Dias David, que mediou o seminário, afirmou que os jornais estão escondendo a recessão que o Brasil enfrenta atualmente. “Nós só vemos manchetes que falam de recessão nos Estados Unidos e Europa e nada falam sobre a recessão no Brasil, que está acontecendo e deve ser debatida, inclusive pelos jornais. São os Estados Unidos que sairão mais fortalecidos dessa crise, devido às suas instituições, que são estruturadas e funcionam bem, e à sua capacidade de inovação. Essa crise financeira internacional vai estourar mesmo é nas costas da África, da Europa Oriental, da Índia e da América Latina.” O evento foi organizado pela Associação dos Engenheiros da PetrobrasAepet, o Fórum Mídia Livre, o Movimento em Defesa da Economia Nacional-Modecon, o Movimento em Defesa da Amazônia, o Movimento de Solidariedade Ibero-americana, a Associação dos Funcionários do BNDES e o Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, com o apoio da ABI. A iniciativade organização do seminário foi do jornal Monitor Mercantil, que convidou para coordená-lo o economista Marcos Coimbra. Também tiveram atuação destacada na organização os jornalistas Marcos Rodrigues e Randolpho Silva de Souza, editores do Monitor Mercantil.
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Aconteceu na ABI
A estratégia do confronto não enfraquece o tráfico Especialistas em direitos humanos e segurança pública, além de representantes de forças policiais, sustentam em seminário na ABI que é preciso buscar alternativas à atual política do Estado, baseada no confronto ineficaz.
As violências na educação A segunda palestra do encontro foi ministrada por Ana Paula Miranda, professora do Instituto Universitário de Políticas de Segurança e Ciências Policiais, da Universidade Cândido Mendes e coordenadora do Instituto Pereira Passos. Segundo ela, há dois tipos de violência na área da educação, instrumento con20 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
FOTOS DE ANGELO CUISSI
Discutir o drama da violência que toma de assalto o País e, em especial, o Rio de Janeiro. Foi com esse objetivo que a ABI apoiou, no dia 24 de novembro, o seminário Segurança Pública e Cidadania: o Papel da Sociedade na Luta Contra a Violência, realizado no Auditório Oscar Guanabarino em parceria com a Organização não-governamental Rio de Paz e o Centro de Informações da Organização das Nações Unidas, e contou com palestras de convidados. A mediação dos debates esteve a cargo do pastor Antônio Carlos Costa, Presidente da Rio de Paz. Ao abrir o ciclo de palestras, o Secretário-Geral do Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro, Vinícius George de Ribeiro Silva, criticou as condições de trabalho dos agentes da lei, principalmente os policiais militares. “Esses profissionais arriscam suas vidas em prol da sociedade e recebem baixos salários, que não custeiam nem uma boa educação para os filhos”, defendeu ele, que cobrou providências dos governos municipal, estadual e federal, além da necessidade de maior atuação por parte da população que, em suas palavras, “deve tomar parte nesta luta através da pressão social”. Vinícius ainda falou sobre os perfis distintos de violência que mais atingem os cidadãos de dois mundos bem distintos que compõem uma cidade partida, como o Rio de Janeiro: as agressões sofridas pelos habitantes do morro e do asfalto. – Enquanto muitos moradores da favela morrem de “paf ” (projétil de arma de fogo), os do asfalto são vítimas, principalmente, de acidentes de trânsito causados por embriaguez. Nas ruas, o álcool causa mais dano do que a maconha, principal causa do embate entre policiais e traficantes nos morros do Rio. É bom lembrar também que muitos óbitos não são registrados, geralmente por ameaça de policiais corruptos ou do comando do tráfico local – afirmou o sindicalista.
O Presidente da Ong Rio de Paz, Antônio Carlos Costa (acima), mediou o debate onde o Coronel da PM Ubiratan Ângelo afirmou que o Estado não tem uma política eficiente na área de segurança pública.
Jorge Antônio Barros apontou deficiências na cobertura policial da imprensa carioca e falta de transparência na relação que estabelece com a Secretaria de Segurança.
siderado fundamental para o funcionamento de toda e qualquer política que pretenda reduzir os índices de crimes, principalmente nos grandes centros urbanos. – Temos a violência “da” escola e a violência “na” escola. A primeira é gradativa e impactante e envolve ora o professor – que muitas vezes causa danos psicológicos no aluno, dizendo frases degradantes como “você não vai ser nada nesta vida” –, ora a própria instituição que, ao expulsar um estudante, o deixa desmotivado a voltar a estudar e mais vulnerável a imergir no mundo da criminalidade. A polícia mata explicitamente. O professor mata aos poucos. A Polícia monitora os movimentos sociais Autor do blog Repórter do Crime e jornalista de O Globo, Jorge Antônio Barros ressaltou a histórica relação conflituosa entre a imprensa e a polícia. Um embate que, segundo ele, não vem dos dias de hoje. Para comprovar a afirmação, apresentou um trecho de matéria do Jornal do Commercio de 1909, que denunciava ações policiais para coibir investigações feitas pelos jornais, bem como os movimentos sociais. “Já naquela época a Polícia se preocupava com operários se organizando. Não duvido nada que haja aqui algum
policial à paisana acompanhando tudo para fazer relatórios para a Secretaria de Segurança, pois a Polícia também sempre monitorou organizações sociais, como o Rio de Paz”, afirmou ele, que apontou um fenômeno social na cobertura policial, em especial na Cidade do Rio de Janeiro. – A partir de 1937 os jornais passaram a dar mais destaque para as chamadas reportagens policiais. Foi nessa época que eles começaram a dar mais espaço para essa editoria, e também para os esportes. A editoria de Polícia enfrentou ainda a ‘imprensa marrom’ dos anos 50, que se baseava na polêmica combinação de sexo, sangue e dinheiro, e a censura ao noticiário que esteve vigente ao longo dos anos 70, em tempos de ditadura militar. Mas a sua visibilidade aumentou mesmo a partir dos anos 90, quando a violência começou a invadir a Zona Sul do Rio, resultando na mudança de abordagem da questão da segurança pública por parte dos veículos. O assunto passou a ser tratado como
qualidade de vida – relembrou Jorge Antônio Barros, que apontou deficiências na cobertura realizada regularmente pelos jornais cariocas. – Ela ainda é deficitária ao expor nomes e fatos que podem comprometer a integridade da sociedade, mas isto já está sendo revisto, devido ao grande número de processos movidos contra os jornais. Outro sério problema enfrentado hoje pela imprensa é a falta de transparência em sua relação com a Secretaria de Segurança. O Governo do Estado cria uma blindagem, feita de assessores de comunicação altamente caros e qualificados, e gera um forte monitoramento do trabalho da imprensa, impedindo a produção de reportagens investigativas – denunciou. Fuzilados de joelhos Especialista em responsabilidade civil e ex-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Estado do Rio-OAB-RJ, João Tancredo, outro
Cubanos em busca de solidariedade Enviados de Havana relatam os estragos causados pelos furacões Ike, Gustav e Paloma e pedem ajuda para as suas vítimas. Ariel Terrero Escalante, Diretor da União dos Jornalistas de Cuba-Upec, na sigla em espanhol) e chefe de Redação da revista Bohemia, e Maribel Acosta Damas, da tv cubana e também da Upec, estiveram no dia 10 de novembro na sede da ABI. A dupla veio ao Brasil a convite do Sindicato dos Jornalistas de Brasília e da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, para divulgar e ampliar a Campanha de Solidariedade a Cuba, lançada na sede da ABI, em outubro. Recebidos pelos Conselheiros Lêda Acquarone e Mário Augusto Jakobskind e por Rolando de La Ribera, correspondente no Brasil da agência de notícias Prensa Latina, Maribel Acosta e Ariel Terrero aproveitaram a visita para falar da importância de se divulgar os prejuízos causados pelos furacões Ike e Gustav, que atingiram a ilha com intervalo de apenas uma semana, e quebrar o isolamento noticioso enfrentado pelo país: – Queremos mostrar também a solidariedade local, para estimular ainda mais o auxílio que vem de fora. Tem sido incrível o movimento de artistas e intelectuais para mobilizar todo tipo de aju-
SOLANGE NORONHA
convidado do seminário, também criticou a falta de cooperação do Estado na hora de fornecer dados sobre a criminalidade em algumas áreas. “Muitos dados são sonegados por alguns batalhões, que ainda não foram informatizados. Se eles não passam os dados com medo de críticas, por outro lado, nós não podemos discutir, formular e propor políticas públicas eficazes que gerem efeitos a longo prazo. Isso prejudica o trabalho dos defensores dos direitos humanos”, afirmou o advogado, que criticou duramente a política declarada de confronto, adotada pelo atual Governo do Estado. – Uma operação ocorrida em 2007 no Complexo do Alemão resultou em 19 mortes, 22 feridos graves e apenas 14 armas apreendidas. Na época, nós pedimos a um perito independente que avaliasse o caso. Ele constatou que a maioria dos tiros penetrou os corpos formando um ângulo de 45º, ou seja, quando as pessoas estavam abaixadas ou de joelhos, o que configura execução. Esse é apenas um dos exemplos que mostram que essa política de confronto está equivocada. Não adianta matar, pois nas favelas o que não falta é exército de reserva para o tráfico, devido à falta de perspectivas para o jovem carente. Por isso, são necessárias políticas públicas na área de educação e saúde, que possam mudar essa situação a longo prazo. Mas isso nós não vemos. O que há são intervenções imediatas, de caráter eleitoreiro. Coronel da PM, Ubiratan Ângelo ressaltou que até hoje não foram implementadas políticas de segurança pública que possam reger a atuação dos policiais nas ruas do Rio. “O que ocorre é que o Estado não toma essa iniciativa e sua atuação se restringe apenas a estratégias de governança, como compra de armamentos e aumento de efetivo. Portanto, quando ocorrem operações desastradas, a culpa toda recai sobre a instituição policial, quando o Estado deveria ser culpado por não criar uma política eficiente na área de segurança pública para orientar a atuação dos policiais. É a pressão social que pode fazer com que isso mude. É necessário estabelecer um pacto social para fiscalização e avaliação do Governo”, disse ele, que concordou com as críticas de João Tancredo à atual política de enfrentamento adotada no Rio. “O confronto armado não enfraquece o tráfico. Os criminosos que morrem são prontamente substituídos. O que deveria ser feito é o fechamento das divisas do Rio, com diminuição da área metropolitana e intensa fiscalização nas rodovias, por onde entram as drogas. A apreensão, sim, é eficaz, pois diminui o capital de giro dos traficantes, enfraquecendo”, disse o coronel. Após as palestras, o seminário foi encerrado pelo Diretor Administrativo da ABI, Estanislau Alves de Oliveira.
Maribel (E) e Ariel: viagem para divulgar a Campanha de Solidariedade a Cuba.
da. Nos encontros que teremos aqui com jornalistas, estudantes de Comunicação e figuras públicas, nossa intenção é conquistar mais adeptos para a Campanha, mostrando como a população cubana está reagindo, enfrentando com garra as adversidades, para que as pessoas vejam como será bem-vinda e bem utilizada sua contribuição explica Maribel. Ariel lembra que a conta dos preju-
ízos segue crescendo, ainda mais com o ciclone Paloma, que passou por Cuba ainda em novembro: – Toda a ilha foi castigada pelos dois primeiros furacões, pois um veio do Ocidente e o outro, do lado oriental. A destruição foi geral, das plantações às escolas e hospitais. Mesmo assim, a segurança civil mostrouse eficientíssima, conseguindo evacuar 3 milhões de pessoas rapidamente. Antes da chegada do Paloma, 96% da rede elétrica já tinham sido recuperados. O País está organizado, a solidariedade interna está funcionando bem. Os dois jornalistas, que também estiveram no Distrito Federal, em São Paulo e em Belo Horizonte, acham que a campanha humanitária lançada no Brasil tem conseguido grande impacto na imprensa internacional: – Sem dúvida o fato de Oscar Niemeyer ser o Presidente de Honra do movimento abre muitas portas e fura o bloqueio mundial das grandes agências de notícias, que nem sempre dão muito espaço para o que acontece em nosso País e, geralmente, também não se interessam pelos dramas vividos pelo povo. – ressalta Maribel.
JB e jornal da Rússia firmam parceria Intercâmbio de matérias entre os veículos vai colaborar para maior integração entre os povos dos dois países. O Jornal do Brasil e a Rossiyskaya Gazeta de Moscou firmaram acordo de edição conjunta de matérias, como forma de aumentar o volume de informações oferecidas aos leitores dos dois jornais e estreitar as relações de amizade entre os povos do Brasil e da Rússia. A expectativa é de que, já em março de 2009, ambos os jornais possam publicar cadernos especiais com matérias traduzidas e editadas na língua local. O acordo foi comunicado à ABI pelo Diretor-Geral Internacional da Rossiyskaia Gazeta, Eugene V. Abov, que visitou a Casa em companhia do Editor-Executivo e do Diretor-Geral de Negócios do JB, José Aparecido Miguel e Hélio Rubens Nobre, do Gerente Comercial de Projetos Editoriais, Lincoln Mello Martins, e do Diretor de Projetos, Janir de Hollanda, todos envolvidos no projeto. Mantida pelo Governo da Federação Russa e responsável pela publicação dos atos oficiais do país, tal como fazem no Brasil os Diários Oficiais, a Rossiyskaya Gazeta cobre assuntos e eventos de interesse geral. O jornal tem uma circulação em bancas de 260 mil exemplares diários, aos quais se somam 400 mil exemplares de assinaturas e 2,2 milhões destinados a aposentados, que recebem o jornal gratuitamente. Aos do-
Eugene V. Abov, da Rossiyskaia Gazeta, esteve na ABI para comunicar o acordo com o JB.
mingos, chega aos 3 milhões de exemplares. Um dos entraves para o aumento da circulação do jornal russo é a extensão do país. Para chegar ao máximo possível de regiões, a Gazeta é impressa em 31 diferentes cidades. Eugene V. Abov, informou ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que o jornal mantém acordos semelhantes com diversas outras publicações para intercâmbio de reprodução de matéri-
as. Abov expressou ainda sua esperança de que essa parceria com o JB permita que os russos aumentem seu nível de informações sobre o Brasil, que é pouco conhecido em seu país. Segundo ele, o que se sabe a respeito é restrito ao futebol, mas mesmo neste campo em nível pouco satisfatório. Uma falta de conhecimento que, revelou, não se restringe apenas ao Brasil, mas a todos os países da América Latina. Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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DENÚNCIA
FABIO POZZEBOM/ABR
Controlador de vôo alerta para riscos de acidente Uma mensagem dramática pela internet pede ajuda para garantir a segurança na aviação. Em e-mail enviado à ABI, um controlador de vôo, que para evitar represálias ou punições não quis se identificar, faz grave denúncia sobre os riscos que ameaçam o tráfego aéreo no País. Ele adverte que a situação é séria e precisa ser divulgada: “Pedimos ajuda (...) para que possamos deixar claro o que ocorre dentro das salas de controle em todo o Brasil”, diz um trecho do texto. Afirma o autor da mensagem – que ele pede que seja repassada a todos os comandantes de vôo do Brasil –, que a segurança está comprometida devido ao uso de aparelhos não confiáveis, que apresentam falhas constantes nas freqüências e podem parar de funcionar a qualquer momento, deixando os profissionais “sem visualização do radar e do sistema de planos de vôo”. Texto da denúncia Esta é a íntegra do e-mail recebido, com intertítulos da Redação do Jornal da ABI: “Ajuda! É isso que pedimos! Venho por meio desta tentar entrar em contato com o maior número possível de pessoas ligadas à aviação e à imprensa, para que possamos abrir um diálogo. Pedimos ajuda! Sim, ajuda de vocês. Para que possamos deixar claro o que ocorre dentro das salas de controle em todo o Brasil e qual a situação do controle de tráfego aéreo hoje em dia. Equipamentos que não funcionam, colocando em risco a segurança do tráfego aéreo. Freqüências que falham constantemente. Equipamento não confiável, que a qualquer momento pode parar de funcionar, fazendo assim com que fiquemos sem a visualização radar, sem o sistema de planos de vôo e muitas vezes sem freqüência. Uma 24 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
cadeia de comando que não nos permite reivindicar melhorias nesse sistema. Falta de um backup de informações, para que seja usado no caso de uma queda no sistema. Hipocrisia e falta de funcionalidade. Esses são alguns dos tópicos que peço para que analisem junto conosco. Não estou querendo dizer que isto ocorre todos dias, porque seria mentira. Mas há grande quantidade de relatos das situações acima descritas. Estou querendo chamar a atenção para uma situação que logo, logo poderá nos colocar frente a um novo acidente aéreo, infelizmente
O ACIDENTE DA GOL PODE REPETIR-SE Todo aquele episódio do acidente da Gol, a crise, o motim, as discussões, fez com que uma boa parte da mídia, da população e, principalmente, dos pilotos ficasse contra os controladores. Peço que revejam os conceitos e nos ajudem. Reflitam. Juntem-se a nós para que possamos trabalhar em situações melhores. Não falo em questão de salário, mas em questão da infra-estrutura que não temos e da quantidade excessiva de trabalho. Peço que visitem os órgãos de controle, principalmente os Centros de Controle de Área-Cindactas, para que possam conhecer nosso serviço, para que acompanhem com os próprios olhos o que acontece e as situações com que nos deparamos. Mas não venham apenas olhar de longe. Puxem uma cadeira e sentem ao lado de um controlador por pelo menos 20 minutos, em um horário de pico. Vejam a situação com os próprios olhos e tirem suas conclusões. Ve-
jam o que é ter a responsabilidades de 15 aeronaves ao mesmo tempo, não podendo confiar na visualização nem nas freqüências. E, o pior de tudo, o medo. O medo de acontecer um acidente. O medo de ser condenado inocentemente, como está acontecendo com nossos colegas, no caso do acidente da Gol.
A AERONÁUTICA TEME A DIVULGAÇÃO DA REALIDADE Infelizmente, a visita a estes Centros pode ser barrada pelo comandante da unidade, geralmente um oficial-general. Mas se todos começarem a tentar visitar os Centros e não conseguirem autorização, questionem o porquê disso e saberão que é o medo, o receio que a Aeronáutica tem de que a mídia e a população em geral saibam o estado real de trabalho dos controladores. Todos trabalhamos com muito empenho, com muita dedicação. Nos esforçamos ao máximo. E todos gostamos muito do que fazemos, da profissão. É um trabalho inigualável e incomparável. Mas, infelizmente, sem condições, estão todos deixando a profissão, fazendo cursos superiores, prestando concursos, para seguir em uma carreira nova, pois, por mais que gostemos do controle de tráfego, não há condições humanas de continuar trabalhando. Em pouco tempo, todos terão ido embora e teremos apenas recém-formados, sem experiência, para controlar. O que será um problema a mais. A situação é caótica! Por favor, eu peço. Nos ajudem. Se não puderem fazer nada agora, pelo
menos visitem os Centros e sentem ao lado de um controlador, como disse anteriormente. Se não permitirem a visita, questionem o motivo, pressionem. Desse modo, com a interação entre vocês e os controladores, todos terão uma visão bem ampla e real do que realmente acontece, sem nenhuma manipulação, mentira ou exagero.
“NOS AJUDE, AJUDE A SOCIEDADE BRASILEIRA” Não me identifico por questões de medo, sim, medo da perseguição. Mas deixo esse e-mail aberto a contato. Informo que enviei essa mensagem a todos com que consegui contato pela internet, em sites, associações e comunidades. Nos ajudem a difundir a idéia da visita aos órgãos operacionais. Mas, como eu disse anteriormente, não aquela visita tipo ‘aquário’, onde você vê de longe o controlador e alguém te fala o que ele faz. Sente ao lado dele. Com certeza, será muito bem recebido. Será um prazer enorme ter você ao nosso lado. Precisamos de ajuda! Nos ajude, ajude a sociedade brasileira, os pilotos, a vocês mesmos. Nos ajude salvar vidas!! Deixo aqui meu apelo, e espero ter retorno, seja em visitas aos nossos Centros, ou um diálogo por e-mail.Por favor, por favor, nos ajude a evitar um novo acidente e a deixar claro para a população brasileira nosso papel, nosso trabalho. Peço aos amigos das associações de pilotos que repassem essa mensagem, na medida do possível, a todos os comandantes de aeronaves no Brasil. Obrigado! air.traffic_controller@hotmail.com.”
JUSTIÇA
JUIZ ANULA COBRANÇA ILEGAL CONTRA A ABI Município do Rio insiste em cobrar tributos inconstitucionais.
Processo sumiu No caso agora julgado pelo Juiz Adolpho Correa de Andrade Júnior, constante do Processo nº 1998.120.056537-6, a ProcuradoriaGeral do Município pretendia cobrar uma dívida em torno de pouco mais de R$ 11 mil e para isso penhorou o 6º pavimento do Edifício Herbert Moses, onde funcionam os serviços de assistência médica da Casa, e pretendia vendê-lo em hasta pública pelo preço-base de cerca de R$ 771 mil. A ABI só foi notificada da ameaça que pesava sobre esse andar de sua sede poucos dias antes das duas datas fixadas para o leilão: a primeira, no dia 11 de novembro; a segunda, duas semanas depois. Na petição que formularam, os advogados Rômulo Cavalcante Mota e Carlos Frederi-
AGÊNCIA BRASIL
Em despacho firmado no dia 11 de novembro, o Juiz Adolpho Correa de Andrade Mello Júnior, da 12ª Vara de Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, acolheu a exceção de pré-executividade ajuizada na véspera pelos advogados Rômulo Cavalcante Mota e Carlos Frederico de Serra Machado, patronos da ABI, e extinguiu o processo em que o Município do Rio de Janeiro, através de sua Procuradoria-Geral, pretendia levar a leilão o 6º andar do Edifício Herbert Moses, sede da Casa, para pagamento de tributos – a Taxa de Coleta de Lixo e Limpeza Pública-TCLLP e a Taxa de Iluminação Pública-TIP – declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. A pretensão da Procuradoria-Geral do Município integra uma série por ela ajuizada com o objetivo de forçar a ABI, assim como outros contribuintes, a pagar esses dois tributos por lançamentos feitos antes de 1998, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter fulminado a constitucionalidade de ambos, por terem sido calculados e cobrados com a mesma base de cálculo do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana-IPTU, o que caracteriza bitributação e inconstitucionalidade. A despeito de conhecer essa decisão do Supremo, a Procuradoria-Geral do Município mantém os processos de execução fiscal que ajuizou, os quais vêm sendo derrotados no Poder Judiciário do Estado.
Para aplacar a voracidade da PGM, o Prefeito eleito Eduardo Paes terá que semear em terreno árido.
co denunciaram que a escrivã do cartório da 12ª Vara de Fazenda Pública, Áurea Corrêa Braga Câmara de Almeida, “não localizou os autos, misteriosamente desaparecidos dentro da organizada 12ª Vara de Fazenda Pública, cuja 1ª praça está marcada para amanhã, dia 11/11/2008, sem que tenha sido apreciada a exceção de préexecutividade oposta”. Em sua sentença, decidiu o Juiz Adolpho Corrêa de Andrade Júnior: “Acolho a exceção e julgo extinto este processo de execução.”
paço dos serviços médicos da Casa, agora frustrada, a ABI foi vitoriosa em outras exceções julgadas, o que significa que vencerá em todas, porque tramitam na mesma vara, têm o mesmo fundamento jurídico e serão julgadas pelo mesmo magistrado. Mesmo assim a PGM não desiste de seu intento, mantendo sob tormento permanente os diretores, conselheiros e associados da Casa. É propósito da ABI postular do Prefeito eleito, Eduardo Paes, a mudança de orientação da PGM em relação a essas cobranças ilegítimas, embora ciente de que vai semear em terreno árido: o futuro Procurador-Geral do Município, já escolhido por Paes, é precisamente o atual Procurador-Chefe da Dívida Ativa, que comanda essas ações contra os contribuintes e se jacta de ter aumentado a receita da cobrança da dívida ativa de R$ 80 milhões para R$ 250 milhões.
“ACOLHO A
EXCEÇÃO E JULGO EXTINTO ESTE PROCESSO DE EXECUÇÃO.”
Voracidade A ABI enfrenta a voracidade da Procuradoria-Geral do Município na cobrança desses tributos inconstitucionais em um total de 24 ações judiciais, todas distribuídas à 12ª Vara de Fazenda Pública, na qual ingressou com exceções de pré-executividade. Além de nessa que tentava arrebatar o es-
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ÉDER CHIODETTO/FOLHA IMAGEM
COLEÇÃO JORGE AMADO
Por omissão ou indiferença, o Ministério da Cultura, o Governo do Estado da Bahia e o Ministério Público da União no Rio de Janeiro permitiram o retalhamento do valioso acervo do escritor e sua venda ao correr do martelo, num leilão que representou um crime contra a cultura e a memória nacional. POR MAURÍCIO AZÊDO
A MORTE E A MORTE DE JORGE AMADO MATARAM PELA SEGUNDA VEZ O CRIADOR DE QUINCAS BERRO D`ÁGUA 26 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
Um museu não oficializado como tal e que reunia peças preciosíssimas e insuscetíveis de reprodução ocupou por uns poucos dias dois andares inteiros de um moderno edifício da Copacabana, no Rio de Janeiro, e foi desmontado e vendido a retalho ao correr do martelo de um leiloeiro, nos dias 18 e 21 de novembro passado, graças à omissão do Ministério da Cultura, do Governo do Estado da Bahia e do Ministério Público da União no Rio de Janeiro, que não moveram uma palha para impedir um clamoroso crime contra a cultura e a memória nacional. Além de omissos, esses órgãos revelaram-se cegos, surdos e passivos: não leram a matéria sobre o leilão publicada na primeira página do Segundo Caderno de
REPRODUÇÕES
Lata d’Água na Cabeça, Tomás Santa Rosa
O Globo antes do pregão nem os expedientes, dois sob a forma de ofícios e um de telegrama, enviados pela ABI num desesperado esforço de salvação de um rico patrimônio literário, artístico e afetivo abrigado no museu – na verdade, dois salões de exposição, ainda que imensos, montados para atrair compradores. Se por acaso leram, o que não terá sido improvável, os hierarcas mencionados quedaram-se indiferentes diante da denúncia que lhes foi apresentada, com pedido de adoção de providências que não aconteceram. O acervo singularíssimo constituia a chamada Coleção Jorge Amado, como foi denominado no rico e caro catálogo vendido antes mesmo do leilão (R$ 120,00 o exemplar), e reunia 576 peças que o escritor e sua mulher, a também escritora Zélia Gattai, foram colecionando ao longo de cerca de 60 anos, com extremo carinho. Embora contasSão Francisco, Volpi
Retrato de Zélia, Carlos Scliar
Retrato de Jorge, Quirino da Silva
se com grande número de peças e obque se apaixonou pelo Brasil ao ler o roe 50 do século XX, expressas na genejetos adquiridos por Zélia e Jorge, o mance Jubiabá, naturalizou-se baiano rosidade com que se presenteavam uns qual freqüentava a Feira de Caruaru e regalou seu fraterno amigo Jorge com aos outros; o prestígio internacional de para comprar os bonecos de barro de dezenas de criações sobre a gente, os Jorge como escritor, como militante Mestre Vitalino, o mais famoso dos cecostumes e as religiões da Bahia. político e como pessoa, que levava, por ramistas do Nordeste, a Coleção reuTanto quanto o acervo em si, a Coexemplo, pintores das mais remotas renia orincipalmente obras e criações doleção Jorge Amado permitiria a realigiões da nascente República Popular da adas por intelectuais e artisChina a presenteá-lo com tas brasileiros e do mundo OM O RETALHAMENTO SANCIONADO PELAS telas, gravuras e esculturas; inteiro, entre os quais Pablo a naturalidade com que o roPicasso, o gênio espanhol BATIDAS DO MARTELO DO LEILOEIRO VANDRO mancista mostrava o País a que assombrou os séculos ilustres visitantes estrangeiXIX e XX; o poeta Rafael ARNEIRO PRODUZIU SE A SEGUNDA MORTE ros, como o festejado casal Alberti, considerado um Jean-Paul Sartre e Simone de dos maiores, senão o maior ORTE E Beauvoir, de quem ele, seu DE ORGE MADO O CRIADOR DE poeta espanhol do século irmão James e Zélia foram passado; os brasileiros Câncicerones num mergulho GUA A ORTE DE UINCAS ERRO dido Portinari, Anita Malprofundo no interior do Brafatti, Di Cavalcânti, Djanira Mota e Silzação de pesquisas, estudos e ensaios sil, no começo dos anos 60. Ao périplo va, Alfredo Volpi, Flávio de Carvalho, sobre aquilo que a originara e a cercanão faltou, como documentado em foCarlos Scliar, Aldemir Martins; os prinva, como a espontaneidade e a fratertografias incorporadas à Coleção, pose cipais pintores e escultores baianos ou nidade das relações dos intelectuais e dos dois filósofos com cocares dos índa Bahia, como o argentino Carybé, artistas do País sobretudo nos anos 40 dios Carajás.
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Gabriela, Di Cavalcanti
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Três Iaôs, Carybé
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COLEÇÃO JORGE AMADO A MORTE E A MORTE DE JORGE AMADO
Gabriela, Di Cavalcanti
Candomblé, Djanira
Esses e outros aspectos da nho – não parece afeiçoado fecunda aventura intelectuàs questões relacionadas al e humana de Jorge e Zécom a literatura e a cultulia não mais poderão ser esra em geral. tudados em seu conjunto, O acervo estava avaporquanto sua unidade foi liado em R$ 9 milhões, quebrada pela dispersão de como informou à resuas peças nesse leilão. O pórter Cláudia Souza, destino de quadros, gravuda Diretoria de Jornaras, esculturas, originalíssilismo da ABI, uma das mas criações – como as cadeiorganizadoras do preras concebidas pelo arquiteto gão, Soraia Cals, diretoOscar Niemeyer –, folhetos ra de um escritório de da opulenta literatura de corarte especializado em del do Nordeste e espécimes leilões dessa natureda rica criação plástica e esza. Um desembolso cultural da Bahia, entre oude tal ordem poderia ser banCerâmica Carajá tros bens valiosíssimos, pascado sem grande sacrifício sa a ser ignorado; sobre eles por uma empresa ou instituihoje nos desfazemos de uma parte da copesa desde 21 de novembro ção pública para que não se leção que papai nos deixou". Ela explica: a maldição daquilo que reesquartejasse a Coleção Jor"Impossível ter tudo. As múltiplas pugnava Jorge ao iniciar sua ge Amado. Além de não se incasas, sem seus moradores, foram feobra: a cobiça, o individualisteressar pelo conjunto, o que chando portas, os quadros fora das mo, o egoísmo inseparável poderia parecer desespropoparedes, as esculturas sem ter chão da propriedade privada. sitado, nenhum órgão ou separa ficar. Fizemos nosso exercício de A decisão dos herdeiros tor do Poder Público revelou desapego e aqui estou, em nome de de Jorge, João Jorge e Paloestar informado sobre o leiJoão Jorge e no meu, para apresentarma, assim batizada em holão nem mesmo no varejo, lhes as obras de arte da coleção Jorge menagem a Pablo Picasso, Auto-retrato, Pancetti que incluía peças de preço de Amado que escolhemos para ganhar decorreu da impossibiliarrematação relativamennovos endereços." dade econômica de manO desapego de que fala Paloma AmaODEMOS INFORMAR DISSE ORAIA ALS À te baixo, como inúmeras ter o acervo em condições gravuras arroladas na lisdo foi doloroso para a jovem neta do que assegurassem a sua tagem do leilão. escritor, Mariana, que trabalhou meREPÓRTER LÁUDIA OUZA QUE ENTRE OS preservação. A família viuNo primeiro dos três ses na organização do catálogo e da bese sem recursos para man- COMPRADORES NÃO HAVIA INSTITUIÇÕES PÚBLICAS textos que compõem o calíssima exposição instalada no terceiter no padrão desejável a tálogo da Coleção Jorge ro e quarto andares do Atlântica BusiFundação Casa de Jorge Amado, um voluness Center, na Avenida AtlânOU PRIVADAS APENAS PESSOAS FÍSICAS Amado, instalada num me de 495 tica, Copacabana. No fim sobrado de três andares no Pelourinho, portância, como exemplares dos livros páginas, capa dura e soda tarde do dia 17 de sítio histórico de Salvador; a famosa de Jorge publicados mundo afora e exbrecapa em policronovembro, véspera casa do bairro de Rio Vernelho onde Jortenso registro fotográfico das andanças mia, minuciosas indo primeiro prege e Zélia viveram umas boas dezenas de Jorge e Zélia pelo Brasil e o exterior. formações sobre gão, Mariana chode anos e que se tornou um dos ponEssa valiosa documentação deveria geinúmeras das obras rou abraçada a tos da capital baiana mais visitados por rar estudos sobre a obra do escritor, e não levadas a leilão, Soraia Cals, anteturistas; o apartamento da Rua Rodolapenas despertar manifestações de sucentenas de reprovendo como seria fo Dantas, em Copacabana, residência perficial curiosidade de turistas inculduções de obras e difícil assistir, nos do casal no Rio. tos e apressados, mas um programa perigualmente minucidias seguintes, ao Depositária do acervo bibliográfico manente nesse campo, ainda que deoso e objetivo perfil desfazimento não de Jorge, que durante dezenas de anos sambicioso, não pôde ser executado, biográfico dos artistas apenas da Coleção, foi o escritor brasileiro mais traduzido porque o atual Governo da Bahia – ao que as assinam, a filha de mas também das nue editado no exterior, a Fundação abriga contrário dos Governos Antônio Carlos Jorge Amado, Paloma, afirmerosas boas lembranças um acervo documental da maior imMagalhães, que recuperaram o Pelourima que "não é sem dor que do vovô Jorge e da vovó Zélia. Tete de Chevre, Picasso
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OS SILÊNCIOS DOS NÃO-INOCENTES Ministro, Governador e MP receberam denúncia mas se fingiram de mortos e nada fizeram para salvar um patrimônio sem igual, como lhes foi formalmente postulado pela ABI. Antes, ninguém ouviu a família de Jorge.
O Ministério Público não responde O apelo ao Ministério Público da União foi feito em telegrama dirigido a Procuradora-Chefe Cristina Romanó, que não respondeu nem acusou o recebimento da mensagem da ABI, assim redigida: "A Associação Brasileira de Imprensa encarece a intervenção urgente do Ministério Público da União para sobrestar o desfazimento da chamada Coleção Jorge Amado, integrada por 576 telas, gravuras, objetos de arte e outros bens que serão vendidos em retalhos, ao correr do martelo, em leilão a ser promovido às 21h30 min de hoje, dia 18 de novembro, pelo leiloeiro Evandro Barreto, em pregão a ser realizado no Atlântica Business Center, na Avenida Atlântica, 1.130, 4º andar, e que terá prosseguimento na próxima sexta-feira, dia 21. O desmanche desse inestimável acervo constitui um crime contra a cultura nacional diante do qual têm de agir os brasileiros preocupados com a preservação de bens singulares, como esses que integram a Coleção Jorge Amado. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa."
estelar que Jorge Amado alcançou entre os maiores artistas do Brasil e o carinho que deles recebeu. É pena que o Ministério da Cultura, mesmo tendo à frente durante seis anos um conterrâneo de Jorge Amado, o compositor e cantor Gilberto Gil, não se tenha sensibilizado com os apelos que durante quatro anos foram feitos pelos herdeiros do escritor para impedir o desfazimento de acervo tão importante e a apropriação particular das peças que o integram, as quais deveriam formar o Museu Jorge Amado ou constituir uma seção importante de alguma das instituições culturais do País. Nesse ponto, aliaram-se em pernicioso alheiamento o Ministério da Cultura e o Governo do Estado da Bahia. É igualmente lamentável que a memória e o legado cultural de Jorge Amado sejam tão menosprezados pelos que, como agentes do Poder Público, têm o indeclinável dever de salvaguardar e preservar bens significativos da cultura nacional. Pelo mesmo abandono e pelo mesmo desinteresse está sendo sacrificada a Fundação Casa de Jorge Amado, sediada no Pelourinho, em Salvador, que se arrasta em dificuldades por não contar com a indispensável assistência do Ministério da Cultura e do Governo do Estado da Bahia e depen-
A declaração da ABI "A Associação Brasileira de Imprensa lamenta que o Ministério da Cultura e o Governo Federal tenham permitido o retalhamento da Coleção Jorge Amado, integrada por nada menos de 576 telas, gravuras, objeto de arte e outros bens que o grande escritor baiano e sua esposa, a escritora Zélia Gattai, reuniram durante mais de 60 anos e que estão sendo vendidos no Rio de Janeiro em leilão programado para os dias 18 e 21 de novembro corrente. Essa grave omissão dos organismos responsáveis pela gestão cultural no País constitui imperdoável ofensa à memória de Jorge Amado, priva o povo brasileiro do acesso a um conjunto artístico que retrata o prestígio do escritor junto a criadores de arte do Brasil e do exterior e promove um intolerável corte num dos momentos mais importantes da nossa vida cultural, já que o acervo de Jorge e Zélia reúne a criação dos mais destacados artistas do Brasil e da Bahia num dos períodos mais fecundos da nossa vida artística e intelectual. Tal indiferença apresenta outra conseqüência intolerável: desmancha a presença estelar que Jorge Amado alcançou entre os maiores artistas do Brasil e o carinho que deles recebeu. É pena que o Ministério da Cultura, mesmo tendo à frente durante seis anos um conterrâneo de Jorge Amado, o compositor e cantor Gilberto Gil, não se tenha sensibilizado com os apelos que
ROOSEWELT PINHEIRO/ABR
Em texto alterado apenas no pormenor relacionado com o cargo do destinatário, o apelo da ABI ao Ministro Juca Ferreira e ao Governador da Bahia, Jaques Wagner, foi vazado nestes termos: "A Associação Brasileira de Imprensa lamenta que o Ministério da Cultura e o Governo Federal tenham permitido o retalhamento da Coleção Jorge Amado, integrada por nada menos de 576 telas, gravuras, objetos de arte e outros bens que o grande escritor baiano e sua esposa, a escritora Zélia Gattai, reuniram durante mais de 60 anos e que estão sendo vendidos no Rio de Janeiro em leilão programado para os dias 18 e 21 de novembro corrente. Essa grave omissão dos organismos responsáveis pela gestão cultural no País constitui imperdoável ofensa à memória de Jorge Amado, priva o povo brasileiro do acesso a um conjunto artístico que retrata o prestígio do escritor junto a criadores de arte do Brasil e do exterior e promove um intolerável corte num dos momentos mais importantes da nossa vida cultural, já que o acervo de Jorge e Zélia reúne a criação dos mais destacados artistas do Brasil e da Bahia num dos períodos mais fecundos da nossa vida artística e intelectual. Tal indiferença apresenta outra conseqüência intolerável: desmancha a presença
Jaques Wagner, Governador da Bahia, terra de Jorge Amado: grave omissão.
de para sua manutenção de desembolso financeiro permanente que excede a capacidade econômica dos herdeiros do escritor. A Associação Brasileira de Imprensa faz este registro com tristeza e com um
durante quatro anos foram feitos pelos herdeiros do escritor para impedir o desfazimento de acervo tão importante e a apropriação particular das peças que o integram, as quais deveriam formar o Museu Jorge Amado ou constituír uma seção importante de alguma das instituições culturais do País. Nesse ponto, aliaram-se em pernicioso alheamento o Ministério da Cultura e o Governo do Estado da Bahia. É igualmente lamentável que a memória e o legado cultural de Jorge Amado sejam tão menosprezados pelos que, como agentes do Poder Público, têm o indeclinável dever de salvaguardar e preservar bens significativos da cultura nacional. Pelo mesmo abandono e pelo mesmo desinteresse está sendo sacrificada a Fundação Casa de Jorge Amado, sediada no Pelourinho, em Salvador, que se arrasta em dificuldades por não contar com a indispensável assistência do Ministério da Cultura e do Governo do Estado da Bahia e depende para sua manutenção de desembolso financeiro permanente que excede a capacidade econômica dos herdeiros do escritor.
protesto indignado diante do crime que se está a perpetrar, com a cumplicidade do Poder Público, contra a memória de Jorge Amado e Zélia Gattai e contra a cultura nacional. Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente."
A Associação Brasileira de Imprensa faz este registro com tristeza e com um protesto indignado diante do crime que se está a perpetrar, com a cumplicidade do Poder Público, contra a memória de Jorge Amado e Zélia Gattai e contra a cultura nacional. A ABI conclama as instituições culturais e entidades representativas da sociedade civil a dirigirem mensagens de protesto ao Presidente da República, ao Ministro da Cultura e ao Governador do Estado da Bahia, para que esse clamor deixe claro que esta agressão à cultura do País encontra o repúdio da consciência nacional. (a) Maurício Azêdo, Presidente."
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HOMENAGEM FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
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rata-se de um jornalista, historiador, escritor e, acima de tudo, um ser civilizado que honra a gente brasileira e a espécie humana”. Foi com essas palavras que o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, encerrou sua homenagem aos 80 anos de vida de Murilo Melo Filho, durante solenidade que lotou o Salão Nobre da Academia Brasileira de Letras, no dia 4 de dezembro. Outros dois representantes da ABI também saudaram o acadêmico: o jornalista Villas-Boas Corrêa, membro do Conselho Deliberativo, e Bernardo Cabral, ex-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, exSenador e relator-geral da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988. Durante a sessão, conduzida pelo Presidente da ABL, Cícero Sandroni, também membro da ABI, diversas personalidades prestaram depoimentos especiais, exibidos ao público em dois telões. A série de mensagens foi aberta por dois conterrâneos de Murilo Melo Filho, nascido em Natal, em 13 de outubro de 1928. A Governadora do Rio Grande do Norte, Wilma de Faria (PSB), foi a primeira a homenagear o escritor, seguida de Villas-Bôas Corrêa, o mais antigo cronista político do País e companheiro do aniversariante em diversas coberturas e na extinta TV Manchete. Uma vida de romance Também fizeram pronunciamentos o Deputado Henrique Alves (PMDBRN); o Prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves (PSB); os acadêmicos Carlos Heitor Cony e Nélson Pereira dos Santos, o Cardeal emérito da Cidade do Rio de Janeiro, Dom Eugenio Sales; e o Senador José Agripino Maia (DEMRN). Em sua saudação, o Presidente da ABI destacou aspectos da personalidade do homenageado. “Quero expressar meu reconhecimento ao nosso querido amigo e companheiro acadêmico Murilo Melo Filho pela honra que nos concede de trazer a nossa palavra pessoal e a palavra da ABI a esta magna sessão. Atribuímos essa decisão a alguns dos muitos traços fortes da sua personalidade: a generosidade, o carinho e a indulgência em relação a insuficiências de seus amigos”, discursou Maurício Azêdo, que completou. “Como diz outro ilustre membro desta Casa, o também jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier, Murilo é um exemplo de retidão pessoal e profissional.” O Presidente da ABI também ressaltou a excelência profissional de Murilo. “Como destaca Niskier, é preciso falar de sua invejável precisão na reprodução de diálogos e na menção a datas, locais e detalhes de acontecimentos, que ele tão bem relata e comenta nesse precioso Testamento político, um denso painel da História do Brasil desde os antecedentes da Revolução de 1930. Os
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Murilo Melo Filho 80 ANOS
Em sessão especial na Academia Brasileira de Letras, o jornalista e escritor foi saudado pela ABI e recebeu homenagens de personalidades das áreas cultural e política.
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fatos, as circunstâncias que os geraram e os protagonistas do que aconteceu no País ao longo de cerca de 40 anos de vida republicana estão nesse compêndio que Murilo fez ao correr da pena, com rigor de pesquisa e apelo à memória”. Maurício recordou, ainda, do processo de viagem do escritor de sua terra natal para o Rio de Janeiro. “A vida de Murilo Melo Filho é um romance; uma história de obstinação, de audácia, de destemor, de esperança, como, por exemplo, quando ele anuncia a seu Murilo e a dona Hermínia que vai deixar Natal para ser jornalista no Rio. O pai, buscando justificativa para não se separar do filho, faz a Dona Hermínia uma previsão ou profecia que não se realizou: ‘Que besteira desse menino querer ser jornalista. E logo no Rio de Janeiro. Aí é que ele não será mesmo jornalista!’, disse ele”, recordou o Presidente da ABI, que falou ainda sobre o primeiro emprego do jornalista no Rio, como repórter marítimo do Correio da Noite. “Vou me deter por aqui, porque esses fatos serão suficientes para demonstrar a saga de Murilo Melo Filho na construção de uma obra que engalana milhares de páginas de jornais e revistas e que mereceu o reconhecimento da Academia Brasileira de Letras ao conduzi-lo à cadeira que tem como patrono Joaquim Manuel de Macedo e conta, entre seus ocupantes, com Múcio Leão, de quem Murilo fez uma biografia exemplar. É com grande alegria e com emoção que festejamos os 80 anos de Murilo”, concluiu Maurício Azêdo. Diálogo com a História Ao saudar Murilo Melo Filho por seus 80 anos, Bernardo Cabral descreveu o amigo como uma “dessas pessoas excepcionais que, sozinho diante da sociedade, percorreu um longo diálogo com a História”. O ex-Senador contou que conheceu o homenageado no Amazonas, terra natal do político. “Já lá se vão 50 anos, Bodas de Ouro de Amizade.
Murilo estava às voltas com a missão de produzir uma reportagem para a Manchete sobre a Amazônia, da qual resultou uma peça, até hoje, considerada irretocável”, contou Cabral, que ingressou na ABI em 1967, afastou-se em razão da longa carreira pública e retornou à Casa neste ano de 2008. “Entre 1960 e 1965, o encontrei vivendo em Brasília, testemunhando os acontecimentos em centenas de reportagens e fabricando tempo para construir a sede da Bloch Editores e da Manchete, e ainda ser professor de Jornalismo na Universidade de Brasília-UnB, como convidado de Darci Ribeiro. De regresso ao Rio, foi eleito Diretor-Executivo das Empresas Bloch e reeleito durante sucessivos mandatos pela Assembléia dos Acionistas, tendo sido de sua responsabilidade a parte política da organização, além de problemas administrativos relacionados não apenas com a Manchete, mas também com todas as outras 15 revistas de circulação nacional. Pena que não mais existam”, apontou Bernardo Cabral. O currículo “Murilo foi o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a guerra do Vietnã, em 1967, e a guerra do Camboja, em 1973, tendo chegado a Saigon e Phnom-Penh, via Tóquio. Em audiências e entrevistas, esteve, dentre outros, com De Gaulle, Kennedy, João XXIII, Frondizi, Fidel Castro, Eisenhower, Golda Meir, João Paulo II, Selassié, Ben Gurion, Indira Gandhi, Guevara, Sukarno, Perón, Elizabeth II, Moshé Dayan, Salazar, Hiroito, Spinola, Nixon, Giscard d’Estaing, Reagan, Adenauer, Franco, Allende, Kruschev, Ho-Chi-Min e Anuar el-Sadat. Conviveu, pois, com quase todos os líderes que fizeram a História em época recente. Conhece quase o mundo todo. Foi 32 vezes à Europa, 27 aos Estados Unidos, duas à Ásia, quatro à América do Sul e duas à África”, enumerou o ex-Senador. “Com tanta vivência e conhecimento, tinha uma dívida a saldar com a sociedade, que era passar aos livros tudo
Como lembrou Bernardo Cabral em sua saudação, Murilo “conviveu com quase todos os líderes que fizeram a História em época recente”. Nas fotos, três exemplos: Tancredo Neves (página ao lado), Richard Nixon (acima) e Itamar Franco.
Walter Moreira Sales e o Cardeal D. Eugênio Sales marcam presença no lançamento do livro Testemunho Político, de Murilo Melo Filho, que teve prefácio de Mário Henrique Simonsen.
À sombra de Machado “Por tudo isso é que, nesta Acade-
mia, ele se sente em casa – altivo e humilde à frente da Biblioteca Rodolfo Garcia, da qual foi idealizador e que conta com um acervo de 70 mil volumes, em instalações de 1.300 metros quadrados – à sombra que Machado de Assis propicia a todos. E é aqui, e não haveria lugar mais apropriado, que sendo um cidadão do mundo jamais deixou de ser aquele bom menino nascido no seu sempre venerado Rio Grande do Norte, e que continua extasiado, até hoje, com as belezas do Rio de Janeiro. Parabéns, querido amigo Murilo. Até os próximos 80 anos”, concluiu. Ao final da solenidade, muito emocionado, Murilo Melo Filho agradeceu as manifestações de carinho. Entre os presentes estavam sua esposa Norma, sua companheira há cerca de 50 anos, e Nélson e Fátima, dois de seus três filhos.
Luiz Paulo Horta disputou a cadeira na ABL, que pertencia a Zélia Gattai, com o escritor e cartunista Ziraldo e outros 17 candidatos. O jornalista atua desde os anos 70 como crítico. Atualmente, escreve para O Globo. É autor de Sete Noites com os Clássicos,
entre outros livros. Na área de música, sua paixão, é autor de trabalhos como Caderno de Música, Dicionário de Música Zahar, Villa-Lobos, uma Introdução, Guia da Música Clássica em CD e Dicionário Groove de Música, este último em parceria com Luiz Paulo Sampaio.
que aprendeu. E assim o fez, de forma brilhante. Entre outros, lançou O Desafio Brasileiro, seu primeiro livro sozinho, com prefácio do então Ministro João Paulo Reis Velloso, que vendeu 80 mil exemplares em 16 edições sucessivas, ganhando com ele o Prêmio Alfred Jurzykowski, desta Academia, como Melhor Ensaio do Ano. Na seqüência, O Modelo Brasileiro, com prefácio do professor, Ministro e meu saudoso amigo Mário Henrique Simonsen. No ano de 1997, lá estava ele, lançando o livro Testemunho Político, com prefácio do exPresidente e Senador José Sarney e apresentações de Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony e Barbosa Lima Sobrinho”, relembrou Bernardo Cabral, antes de despedir-se do homenageado.
ACERVO ABL/RICHAM SAMIR
ACADEMIA
Luiz Paulo Horta assume a cadeira de Machado Jornalista e crítico musical é o primeiro dessa área a ser eleito para a Academia. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em agosto, o jornalista Luiz Paulo Horta (foto) tomou posse da cadeira número 23 da instituição no dia 28 de novembro. Em seu discurso, o novo acadêmico homenageou Machado de Assis, lembrando o centenário de morte do escritor. “Se há o Machado melancólico do Dom Casmurro e do Quincas Borba, há o Machado dos contos, o Machado inesgotável das crônicas, e o Machado final do Memorial de Aires, que eu leio como se fosse pura música”, disse. A cerimônia de posse, no Salão No-
bre do Petit Trianon, reuniu 400 convidados. O novo membro da ABL, que é também teólogo e nasceu no Rio de Janeiro em 1943, foi recebido pelo acadêmico Tarcísio Padilha, ganhou o Colar Acadêmico de Ivan Junqueira e o diploma de membro efetivo das mãos de Arnaldo Niskier. “A Academia Brasileira de Letras vos acolhe de braços abertos na plena convicção de que vós lhe aportareis a preciosa contribuição de vossa cultura e de vosso ameno convívio”, afirmou Padilha na solenidade. O Presidente da ABL, Cícero Sandroni, disse que a posse vale comprova a abertura da instituição às “humanidades em geral”, para além das letras.
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Liberdade de imprensa
Em vez de Lei de Imprensa, uma Lei do Direito de Informação A ABI condena o texto da Lei nº 5.250/67 e propõe legislação que garanta a liberdade de informar.
Maurício Azêdo defendeu uma lei para proteger o direito de informação e criticou os multiplicadores para indenizações previstos no projeto da Senadora Serys Slhessarenko. Para Miro Teixeira, uma Lei de Imprensa não favorece a liberdade de informação.
liberdade de imprensa remonta ao tempo em que era deputada à Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, a qual, por sua iniciativa, ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 5.250 que nunca foi julgada. Ela expôs os pontos principais de sua proposição, pela qual: 1. não haverá restrição ao livre fluxo de informação; 2. o responsável por abusos no exercício da liberdade de informação será a empresa, e não o jornalista; 3. no caso de condenação judicial ao pagamento de indenização por danos civis, o juiz poderá aplicar um multiplicador no caso de ocorrência de dolo, o qual poderá variar de três vezes a dez ou 50 vezes o
valor da indenização, independentemente de pedido da vítima do agravo. Em suas intervenções, o Deputado Miro Teixeira reafirmou seu entendimento de que a Lei de Imprensa constitui um “entulho autoritário” da ditadura militar e insistiu na tese de que o País não precisa de uma Lei de Imprensa, até porque jamais houve uma Lei de Imprensa que favorecesse a liberdade de informação: – Todas – disse – foram instituídas em regimes autoritários. Ao defender a instituição de uma nova Lei de Imprensa, o Presidente da ABI salientou a necessidade de se proteger o direito de informação, que, como se vê atualmente, é alvo de res-
Prefeito de Itaguaí ameaça jornalista Série de reportagens apontando falta de prestação de contas na administração municipal teria dado início às ameaças. Em telegrama ao Prefeito de Itaguaí, RJ, Carlos Busatto (PFL), no dia 7 de novembro, a ABI pediu formalmente que ele cesse as represálias e perseguições contra o Jornal Atual e não mais ameace seu diretor, Marcelo Godinho. O motivo da perseguição seria uma série de reportagens publicadas pelo jornal, apontando a falta de prestação de contas do prefeito ao longo de sua administração. As denúncias acabaram por impugnar a candidatura de Busatto à reeleição, impedindo-o de assumir o cargo após as eleições do dia 6 de outubro. Como resposta às matérias publicadas pelo Jornal Atual,
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RODOLFO STUCKERT-AGÊNCIA CAMARA
FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR
A ABI considera necessária a existência de uma nova Lei de Imprensa, em substituição àquela atualmente em vigor, de número 5.250, de 1967, e que tenha como objetivo a garantia do acesso às fontes de informação. Seria não uma Lei de Imprensa, uma Lei do Direito de Informação. A opinião da ABI foi expressada no debate realizado em sua sede no dia 5 de dezembro por iniciativa do Portal Comunique-se, o qual convidou para o encontro, que se estendeu por uma hora e meia e foi transmitido online, o Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que o Supremo Tribunal Federal está julgando; a Senadora Serys Slhessarenko, autora do Projeto de Lei do Senado nº 382 de 2008, que trata da matéria; o jurista Manoel Alceu Afonso Ferreira, advogado de O Estado de S.Paulo e do Jornal da Tarde; e o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. O debate foi mediado pelo jornalista Milton Coelho da Graça, colunista do Comunique-se e membro efetivo do Conselho Deliberativo da ABI. Abrindo o debate, a Senadora Serys Slhessarenko informou que seu projeto está na Comissão de Justiça e Redação do Senado, ainda sem relator, e estabelece entre outras medidas a descriminalização da injúria e da difamação através de imprensa, delitos constantes da Lei nº 5.250/67. O jornalista passaria a responder somente por crime de calúnia, qual seja imputar a alguém a prática de ato criminoso. Informou a Senadora que sua preocupação com as questões relativas à
Carlos Busatto fez ameaças de violência física ao jornalista Marcelo Godinho, além de tentar dificultar a circulação do veículo, por meio de pressão sobre jornaleiros e distribuidores. “A Associação Brasileira de Imprensa apela a Vossa Excelência no sentido de evitar represálias e perseguições ao Jornal Atual e a seu diretor, de modo a deixar claro que não é inimigo da liberdade de imprensa. Conto com a sua palavra tranqüilizadora a esse respeito. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI”, diz a mensagem enviada ao Prefeito.
trições e violências do Estado policial em que o Brasil ameaça se transformar, como demonstram as ações da Agência Brasileira de Inteligência-Abin e da Polícia Federal, que expõem as pessoas à execração pública antes de qualquer julgamento ou mesmo da apresentação de elementos que caracterizem que tenham cometido crimes. Maurício criticou as disposições do projeto da Senadora Serys que estabelecem multiplicadores para as indenizações, como aquele que corresponderá a 50 vezes a indenização cabível: – Seria melhor, Senadora, que a senhora propusesse a execução do jornalista por fuzilamento ou enforcamento, em vez de fixar esses multiplicadores absurdos. O advogado e jurista Manoel Alceu Afonso Ferreira contestou que a Lei nº 5.250 seja um “entulho constitucional”, pois contém disposições condenáveis mas também necessárias à proteção da liberdade de imprensa: – O símbolo do autoritarismo hoje é a lei eleitoral, que impõe censura durante a época de eleições. Essa lei tem um pai maldito, o regime ditatorial militar. Após a discussão travada pelos membros da mesa, o moderador Milton Coelho da Graça expôs as perguntas formuladas via online pelos assistentes da mesa-redonda e pelos espectadores presentes. A Senadora Serys saiu antes do fim da reunião, porque tinha vôo marcado para seu Estado, mas ficou em seu lugar seu irmão Alexandre Slhessarenko, um dos formuladores do texto do PLS 382.
A Tribuna, vítima do Supremo O jornal teve sua circulação interrompida por dez dias, no início de dezembro. Seu Diretor, Hélio Fernandes, não resistiu à morosidade da Justiça. peito para julgar o caso. Ele rariamente fora de circulação, estava com o processo parado e ter sua existência ameaçada, em seu gabinete desde 2006. é da “Justiça morosa, tendenAssim, o processo, que pode ciosa, descuidada, displicente, render R$ 10 milhões em inverdadeiramente injusta e audenizações e salvar a publicasente”. A Justiça diz, que deveção das dívidas, será redistriria garantir a liberdade de exbuído, o que certamente agrapressão, luta contra, impõe sivará a situação de 64 funciolêncio e é tão “ditatorial quannários da empresa, que aguarto a ditadura”. Por fim, classidam o recebimento dos saláficou Joaquim Barbosa de “imorios atrasados. desto Ministro” por demorar O processo de indenização mais de dois anos e meio para que a Tribuna da Imprensa moentender um recurso. ve contra a União pede repaEm sua edição de retomada, ração pelo fato de diversos goem 11 de dezembro, a Tribuna vernos terem censurado suas da Imprensa publicou diversas edições durante dez anos. Arcartas de leitores e de represengumenta também que seus tantes de entidades da sociedaanunciantes foram intimidade civil, como a ABI, que se dos e máquinas da Redação mostraram solidários com os foram destruídas em invasões problemas enfrentados pelo policiais. O jornal, fundado jornal. A ABI expressou sua sopor Carlos Lacerda em 1949, lidariedade ao jornalista, dianfez História como adversário te da situação criada pela dedo segundo Governo Vargas mora da decisão em relação à (1951-1954) e do regime miliação ajuizada pela Tribuna destar (1964-1985). A decisão sode 1979. Em contato com o Prebre a obrigação da União em Hélio Fernandes: “Justiça morosa, tendenciosa, descuidada, sidente da ABI, Maurício Azêdo, pagar a indenização já foi displicente, verdadeiramente injusta e ausente”. Hélio Fernandes contou ter redada nas duas primeiras inscebido apoio também de outras tâncias da Justiça Federal, mas o caso instituições e personalidades de todo o Hélio Fernandes voltou a afirmar, foi parar no STF, o Governo recorreu País, inclusive do Presidente do Conseem artigo publicado na internet, que das sentenças. lho Federal da OAB, César Britto. a culpa de seu jornal ter ficado tempoAGÊNCIA CAMARA-EDSON SANTOS
Historicamente, a penalização de veículos de comunicação, sobretudo os de perfil contestador, é uma prática adotada em regimes de exceção, como nos períodos de ditadura já experimentados no Brasil. Contudo, o País comprova agora que, mesmo em regimes democráticos, órgãos de imprensa podem se ver ameaçados, inclusive pela Justiça legalmente constituída. Mais precisamente, pela gritante morosidade do trâmite dos processos judiciais. Após ter sua circulação interrompida, em 1º de dezembro, a Tribuna da Imprensa voltou às bancas no dia 11 seguinte, inicialmente com uma distribuição apenas semanal, feita às quintas ou sextas-feiras. A versão online da publicação será atualizada diariamente, com a ressalva de estar temporariamente com o conteúdo reduzido. Na origem da crise, um imbróglio judicial. Em artigo publicado na primeira página da edição do dia 1º, o Diretor-Presidente do jornal, Hélio Fernandes, acusou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de protelar seu parecer sobre ação impetrada pelo veículo há praticamente três décadas. Uma batalha que se arrasta e que, pelo visto, ainda está longe do fim. Diante das acusações de Hélio Fernandes, o Ministro, relator do recurso da União contra o jornal, se declarou sus-
APOIO A HÉLIO NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ÉRICA RAMALHO/SITE PAULO RAMOS
Em pronunciamento especial no plenário da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, no dia 4 de dezembro, o Deputado Paulo Ramos (PDT) tratou do momento de crise da Tribuna da Imprensa, por ele considerada um jornal ativo na luta pela democracia e na defesa dos interesses nacionais. “A censura e as perseguições, somadas ao descaso de anunciantes, em especial das empresas públicas federais e da administração direta, são os responsáveis pela crise financeira do jornal”, acusou. Foi este o pronunciamento de Paulo Ramos. “Venho à tribuna, Sr. Presidente, prestar uma homenagem ao jornalista Helio Fernandes, da Tribuna da Imprensa. E simultaneamente manifestar a minha indignação pelo fato de, depois de ter sido garroteado durante anos a fio, o jornal Tribuna da Imprensa encerrar temporariamente a sua circulação. Não cuido aqui, sr. Presidente, da perda dos postos de trabalho, que já
Paulo Ramos: Solidariedade a Hélio Fernandes por sua contribuição para a imprensa livre.
seria uma motivação extremamente relevante, quero cuidar da tão propalada liberdade de imprensa, na medida em que a Tribuna da Imprensa, mesmo nos dias de hoje, tem sido uma grande trincheira na defesa da democracia, na defesa da nossa soberania e na defesa dos mais caros valores nacionais. A Tribuna da Imprensa no período pós-64 foi submetida à mais dura repressão, culminando inclusive pela explosão de sua sede e de suas máquinas. Não apenas a censura que alcançava, pelo menos, todos os demais veículos que defendiam a democracia, mas também pela ação mais dura, de modo a impedir a sua circulação. Todos devem lembrar que a Tribuna da Imprensa chegou a circular com páginas em branco porque o jornalista Hélio Fernandes, numa ação corajosa, com todo desassombro, não substituía as matérias censuradas por outras matérias, Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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Liberdade de imprensa “A AÇÃO CAMINHA PARA COMPLETAR 30 ANOS. TRINTA ANOS! REPOUSANDO AGORA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUE CONTRIBUI DECISIVA E DELIBERADAMENTE, ATRAVÉS DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA, PARA PROTEGER OS INTERESSES DA UNIÃO CONTRA UM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DE QUEM DEU UMA CONTRIBUIÇÃO PARA QUE HOJE PUDÉSSEMOS ESTAR RESPIRANDO ARES DE LIBERDADE” Deputado Paulo Ramos (PDT), em pronunciamento na Alerj.
FABIO RODRIGUES POZZEBOM-ABR
Ministro Joaquim Barbosa: acusado de protelar seu parecer sobre a ação que poderia salvar a Tribuna da Imprensa.
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Ex-Deputado do PT recorreu à Justiça contra repórter de O Estado de S.Paulo para obter material sobre a Guerrilha do Araguaia. A decisão do advogado e ex-Deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) de recorrer à Justiça reivindicando que o jornalista Leonêncio Nossa, do Estado de S.Paulo, entregue documentos e forneça informações por ele levantadas sobre a Guerrilha do Araguaia foi condenada pela ABI. No dia 27 de novembro, a ABI contestou a opção pela via judicial, uma vez que a chamada obrigação moral de o profissional de imprensa ceder tais informações constitui apenas uma questão de consciência. Portanto, não deveria estar sendo alvo de debates na esfera da Justiça. “A ABI reitera seu entendimento de que o advogado e ex-Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh incorreu numa manifestação de arbítrio ao postular a requisição, pela 1ª Vara Federal de Brasília, de documentos levantados pelo jornalista. Na nota em que procurou justificar sua iniciativa na Justiça, o ilustre advogado cometeu erros nas premissas de sua análise e, em decorrência destes, na formulação de seu pedido. Erra o experimentado causídico ao sustentar que ‘qualquer pessoa que tenha conhecimento do mais ínfimo pormenor moral sobre o assunto tem a obrigação moral de relatá-lo às autoridades judiciais’, como se obrigação de caráter moral, assumida no plano da consciência, pudesse ser objeto de imposição, requisição ou sanção pelo Poder Judiciário”, dizia a nota assinada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que prossegue. “E mais, ao contrário do que ele
sustenta: jornalista não tem obrigação de prestar informações à Justiça, pois seu dever é o de informar os leitores, ouvintes ou espectadores do veículo em que trabalha, nem incorre em delito se não cede ou expõe documentos que tenha obtido legitimamente e não integre qualquer conjunto de peças de investigação criminal ou em tramitação judicial. A ABI concorda em que a União tem a obrigação de abrir os arquivos da ditadura referentes à Guerrilha do Araguaia, como reclamam o ex-parlamentar e os setores democráticos do País. Mas esse encargo não pode ser transferido ao jornalista Leonêncio Nossa, que busca verdades que o poder público oculta”, conclui a mensagem. Ou dá ou desce Em sua defesa, Greenhalgh afirmou, em seu site, que a ação tem como objetivo solicitar que o “repórter seja ouvido, por ser autor de reportagens sobre o tema. O objetivo do pedido é que o mesmo preste esclarecimentos e auxílio aos autores da ação, pois tem condições de contribuir decisivamente com a História do País, ao colaborar com a localização e fornecimento ao Estado de documentos repassados por Sebastião Curió, autor de inúmeros delitos cometidos na Guerrilha do Araguaia”, defende-se o ex-Deputado, que ainda esclarece. “A mencionada busca e apreensão de material na cada do jornalista só ocorreria no caso de o mesmo recusar-se a prestar informações à Justiça”, diz. GERVÁSIO BAPTISTA/ABR
os espaços ficavam vazios com o carimbo: ‘Censurado’. É claro que sofreu todas as conseqüências. Mas ajuizou contra a União uma ação, buscando a justa e devida reparação. E a ação caminha para completar 30 anos. Trinta anos! Repousando agora no Supremo Tribunal Federal, que contribui decisiva e deliberadamente, através do Ministro Joaquim Barbosa, para proteger os interesses da União contra um direito líquido e certo de quem deu uma contribuição para que hoje pudéssemos estar respirando ares de liberdade. O jornalista Hélio Fernandes, na última segunda-feira, comunicando a todos nós a suspensão momentânea da circulação da Tribuna da Imprensa, faz a mais grave denúncia ao Judiciário brasileiro, como ele diz aqui: ‘Não na 1ª Instância, mas nos tribunais superiores’, incluindo o Supremo Tribunal Federal. Porque na primeira Instância o processo correu de forma a mais natural. Diz Hélio Fernandes no seu editorial – cuja transcrição na íntegra vou pedir a V. Exa. –, falando sobre aquilo que ele e os profissionais, os jornalistas, os trabalhadores da Tribuna da Imprensa enfrentavam durante o período autoritário: ‘Que sabendo dos obstáculos que enfrentaria, dos sacrifícios a que seria submetida, assumiu sem qualquer restrição a resistência ao autoritarismo e à permanente e intransigente defesa do interesse nacional, tão sacrificado.’ Diz ele, entre aspas, lembrando o Apóstolo Paulo: ‘Combatíamos o bom combate.’
Ao final do texto, depois de fazer uma condenação veemente, agora já ao Supremo Tribunal Federal, na figura do Ministro Joaquim Barbosa, que se inclina a acolher um esdrúxulo recurso da União, diz Hélio Fernandes também que a Tribuna da Imprensa, pela sua ação independente, obviamente também não consegue ser aquinhoada com os anunciantes de sempre, todos ligados ao poder – Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, grandes empreiteiras, empresas transportadoras, todos aqueles que alimentam e submetem uma parcela expressiva dos nossos meios de comunicação, aniquilando uma liberdade que é fundamental para a afirmação da democracia. Diz Hélio Fernandes de uma forma muito lúcida: ‘Vivemos num mundo dominado pela visibilidade e a reciprocidade. Como não nos entregamos nunca, como ninguém neste jornal distribui visibilidade para receber reciprocidade, estamos em situação dificílima’. Distribui visibilidade para receber reciprocidade. É através desse mecanismo que os meios de comunicação conseguem não apenas subjugar mas também seduzir, às vezes, até as parcelas mais significativas da representação popular. É muito fácil ser seduzido para surfar na mídia em detrimento das convicções – temos acompanhado isso no dia-a-dia da vida pública no nosso País. O que me causa estranheza, e muita estranheza, é que não surgiu nos meios de comunicação ninguém – nem no Sistema Globo, que é o arauto da democracia; que, ao contrário da Tribuna, foi cevado, cresceu, teve aumentados sua influência e seu patrimônio exatamente no período autoritário –, nenhuma voz da mídia em defesa da Tribuna da Imprensa. Estou encaminhando à Associação Brasileira de Imprensa uma cópia do manifesto de Hélio Fernandes em defesa dos direitos da Tribuna e, acima de tudo, em defesa das liberdades democráticas. Estou encaminhando este texto ao Presidente da ABI, na expectativa de que a entidade que representa a imprensa brasileira possa se manifestar. Portanto, Sr. Presidente, é movido por grande revolta que venho aqui manifestar a minha mais completa solidariedade ao jornalista Hélio Fernandes e a todos aqueles que, através da Tribuna da Imprensa, davam a sua contribuição para a imprensa livre.”
A ABI questiona ação judicial de Greenhalgh
Greenhalgh: Obrigação moral deve ser objeto de sanção pelo Poder Judiciário.
Direitos humanos
Vítimas do AI-5 anistiadas Comissão de anistia faz sessão no seminário AI-5 Nunca Mais, realizado em São Paulo, e anistia, entre outros, o Deputado Doutel de Andrade, Líder do antigo PTB. ANTÔNIO CRUZ/ABR
– O AI-5 deu guarida e apoio para que se praticassem as mais violentas torturas, nessa fase da ditadura que se chama anos de chumbo. Não somente isso. Também deu legitimidade, uma roupagem, para que se praticasse como se fossem legais os mais diversos abusos, como a suspensão das garantias individuais, o habeas corpus de acusados de crimes políticos, contra a segurança nacional e a ordem econômica e social. – As palavras do Presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Marco Antônio Barbosa, deram a tônica do que foi o seminário AI-5 Nunca Mais, realizado na Estação Pinacoteca e no antigo KVA, em São Paulo, nos dias 12 e 13 de dezembro para lembrar os 40 anos da decretação do Ato Institucional nº 5 e seus efeitos. Em suma: apesar da brutalidade e violência da ação, suas lições não devem ser esquecidas. Em 13 de dezembro de 1968, o regime, sob o comando do Presidente Costa e Silva, impôs o AI-5, que ratificou uma série de ações da ditadura e concedeu poderes absolutos aos governantes para punir aqueles que consideravam “subversivos”. O texto permitia, por exemplo, o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção do Governo Federal em decisões dos Estados, além de instituir a censura e proibir habeas corpus a presos políticos. Realizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e Fórum dos Ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo o AI-5 Nunca Mais começou no dia 12 de dezembro com um painel de debates que teve a participação do advogado Técio Lins e Silva; do dramaturgo e fundador do Teatro Popular União e Olho
Fazendo parte das comemorações oficiais dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a mostra fotográfica Direito à Memória e à Verdade foi inaugurada pelo Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que lançou também o primeiro número da revista Direitos Humanos.
Vivo, Idibal Pivetta; do ex-Deputado federal Airton Soares; da Presidente da União Nacional dos Estudantes, Lucia Stumpf; e da representante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Iara Xavier. À tarde, a Comissão de Anistia deu início à sessão especial de julgamento de quatro requerimentos de ex-perseguidos políticos: o militante Délio de Oliveira Fantini, da Organização Corrente Revolucionária, de Minas Gerais, que foi preso e figurou na relação de torturados do Documento dos Presos de Linhares; o também militante Jorge Raimundo Nahas, das organizações Colina e Polop, preso, torturado e condenado por infringir a Lei de Segurança Nacional. Sua soltura foi negociada em troca do Embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, seqüestrado por opositores do regime, no Rio; o ex-Depu-
tado Federal por Santa Catarina Paulo Macarini, que teve seus direitos políticos cassados e suspensos por dez anos pelo AI-5; e outro ex-Deputado Federal por Santa Catarina, Armindo Marcílio Doutel de Andrade, então Líder do antigo Partido Trabalhista Brasileiro-PTB na Câmara, que teve seus direitos políticos cassados e suspensos por dez anos pelo AI-2 e foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Sua esposa, Lígia Doutel, candidatou-se em seu lugar e elegeu-se como a mais votada de seu Estado, mas também teve seus direitos políticos cassados. Jango em documentário Na tarde do sábado, 13, houve a exibição do documentário Jango em 3 Atos, do jornalista Deraldo Goulart. Produzido pela TV Senado, o filme narra a trajetória política do Presidente João
Goulart e inclui relatos de personagens que viveram aquela época. João Vicente Goulart, filho do homenageado e Presidente do Instituto João Goulart, participou como convidado especial do encontro. À noite, o Ministro Paulo Vannuchi abriu a mostra fotográfica sobre a ditadura Direito à Memória e à Verdade. Ele também aproveitou a ocasião para lançar o primeiro número da revista Direitos Humanos, publicação semestral da Secretaria, com artigos de Dalmo Dallari, Mary Robinson e Baltasar Garzón, uma entrevista com o dramaturgo Augusto Boal e um ensaio fotográfico de Sebastião Salgado. Tanto a exposição quanto a publicação fazem parte também das comemorações oficiais dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, comemorados também em dezembro.
Novas denúncias contra Prefeito eleito de Milagres Desta vez a acusação é de atentado a bomba contra a residência de vereador eleito A ABI recebeu nova denúncia envolvendo o Prefeito eleito da Cidade de Milagres, no interior da Bahia, Raimundo de Souza Silva. Desta vez, o Vereador eleito Eneliram Borges (PDT) de-
nunciou uma onda de atentados praticados por pessoas supostamente ligadas ao político. Em outubro correligionários do prefeito foram acusados de ameaça de morte, em mensagem enviada à ABI pelo compositor Raimundo Jorge Martins Ribeiro e o suplente de Vereador Antônio Paulo Ribeiro (PMDB). O motivo das supostas ameaças teria sido uma briga ocorrida em
7 de outubro e motivada pelas eleições. Na nova denúncia encaminhada à ABI, Eneliram – que é filho de João Rodrigues Borges Neto, Presidente do PDT na cidade baiana – afirma que sua casa foi atingida por uma bomba, lançada de dentro de um carro, onde havia duas pessoas, no dia 9 de novembro. Ele conta que nas imagens captadas por seu sistema de segurança um
dos responsáveis pelo atentado foi identificado como o funcionário público municipal Leandro da Cruz Barreto, aliado do grupo chefiado por Raimundo de Souza Silva. Eneliram Borges diz que deu queixa e entregou uma cópia da fita com as gravações do atentado à Delegacia de Milagres, cujo titular, Gilmar Nogueira, prometeu abrir inquérito para apurar as denúncias.
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RECONHECIMENTO Terremoto foi o tema da primeira página premiada, do jornal O Dia. Abaixo, Criação Gráfica, Categoria Jornal, da Folha de S.Paulo e na página ao lado, a Categoria Revista, da Superinteressante. Clóvis Rossi (abaixo) foi o autor da impactante foto Martírio no Presídio.
Elvira Lobato ganha o Prêmio Esso Repórter da Folha de S.Paulo conquista a maior láurea do principal concurso jornalístico do País.
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FOTOS: PAULO RODRIGUES/DIVULGAÇÃO PRÊMIO ESSO
A jornalista Elvira Lobato, com a reportagem Universal Chega aos 30 anos com Império Empresarial, publicada na Folha de S.Paulo, foi a ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 2008, cujos vencedores foram anunciados em solenidade realizada no dia 9 de dezembro no Copacabana Palace Hotel, no Rio. Mais do que merecidos aplausos pela excelência do trabalho, o prêmio concedido pelo júri a Elvira teve o significado simbólico de um alerta sobre as ameaças à liberdade de imprensa e à intimidação contra jornalistas. A matéria publicada pela Folha de S.Paulo revelou detalhes sobre os basTentaram intimidar Elvira Lobato por causa da tidores da rede de empresas lireportagem que agora recebe o Prêmio Esso. gada à Igreja Universal do Reino de Deus e rendeu 105 processos judiciais contra a repórter. Na conglomerado empresarial em torno verdade, ações orquestradas com o indela. Além das 23 emissoras de tv e 40 tuito de intimidar a jornalista e o veíde rádio, o levantamento da Folha de culo de comunicação no qual atua. A S.Paulo identificou 19 empresas registática adotada pela Igreja praticamente tradas em nome de 32 membros da desde o início de 2008 foi orientar seus igreja, na maioria bispos”. fiéis a queixarem-se na Justiça contra A tentativa de intimidação da jornaa jornalista e o jornal em diversas cidalista trouxe à tona a crescente utilizades, de vários Estados do País, como forção de vias judiciais menos para obter ma de dificultar a defesa dos acusados. reparações cabíveis por injúrias ou diA reportagem, publicada em 15 de famações, e mais com o propósito, aindezembro de 2007, provocou a ira e da que camuflado, de intimidar repórrespostas imediatas por parte do coteres e empresas jornalísticas, no senmando da Iurd, envolvendo até mestido de adotarem uma autocensura a mo a Rede Record de televisão, tamseu trabalho de investigação. bém de propriedade do Bispo Edir MaO Prêmio em sua 53ª edição cedo, líder da organização religiosa. SeA comissão julgadora da 53ª edição gundo reportagens da emissora, as do Prêmio Esso foi constituída por mais ações movidas em todo o País seriam, de 80 jornalistas de diversos veículos sim, semelhantes pelo simples fato de e profissionais ligados à comunicação, os fiéis terem sido orientados por adque conferiram 14 premiações, sendo vogados da Iurd. Contudo, a matéria 12 destinadas a trabalhos da mídia imrechaçava a acusação de que as ações pressa, além do Prêmio Esso de Telejorseriam orquestradas por membros da nalismo e do diploma de Melhor ConIgreja, e não iniciativas autônomas e tribuição à Imprensa em 2008. Este úlparticulares dos fiéis que, supostamentimo foi outorgado ao projeto Diário em te, teriam se sentido ofendidos com os Braille, do Diário de Pernambuco, que dados levantados pela jornalista, que disponibilizou seu conteúdo a milhaos teria retratado como vítimas de um res de deficientes visuais. processo de exploração financeira, a Representada por seu Conselheipartir da exacerbada crença religiosa. ro Milton Coelho da Graça, a ABI foi Na reportagem, Elvira Lobato revela contemplada com um diploma em que “em 30 anos de existência, complehomenagem aos cem anos de sua funtados em julho, a Igreja Universal do dação, comemorados em 7 de abril Reino de Deus construiu não apenas último. O jornalista, que compareceu um império de radiodifusão, mas um
Milton Coelho representou a ABI no evento e recebeu o diploma em homenagem ao centenário da Casa dos Jornalistas. Abaixo, José Varella e Ana Beatriz Magno com o prêmio de melhor reportagem.
à solenidade acompanhado da neta Moya Ehlers Coelho da Graça, que tem 19 anos e é estudante de Filosofia da Puc-Rio, recebeu a premiação das mãos do Presidente da Esso no Brasil, Carlos Pietrowsky. “Estamos festejando várias datas: o centenário da ABI, os 200 anos da chegada da imprensa no Brasil, o 53º aniversário do Prêmio Esso e os 29 anos que estamos livres do AI-5. A ABI continuará sempre empenhada em remover todo o entulho autoritário, como no momento atual de luta pelo fim da Lei de Imprensa, estabelecida no período de ditadura”, disse Milton Coelho.
Coordenador do Prêmio Esso, em parceria com Guilherme Duncan, Ruy Portilho destacou que a homenagem à ABI representa o reconhecimento do seu apoio e participação ao longo da história da premiação. “Nestes 53 anos, diversos associados e Presidentes da ABI integraram as comissões de julgamento do Esso, incluindo Maurício Azêdo. Muitos também foram os premiados. A interação com a entidade remonta à primeira edição, em 1955, quando o vencedor do prêmio principal, jornalista Mário de Moraes, recebeu o Esso das mãos do então Presidente da ABI, Herbert Moses”, relembrou.
Os vencedores do Esso 2008 JORNALISMO Elvira Lobato, com o trabalho Universal Chega aos 30 Anos com Império Empresarial, publicado no jornal Folha de S.Paulo. TELEJORNALISMO André Felipe Tal, Ricardo Andreoni, Jorge Valente e Marcelo Zanini, com o trabalho Dossiê Roraima: Pedofilia no Poder, exibido no Domingo Espetacular, veiculado pela Rede Record.
CRIAÇÃO GRÁFICA CATEGORIA REVISTA Adriano Sambugaro, Josi Campos, Carlo Giovani, Fabiano Silva e Rodrigo Ratier, com o trabalho Quando o Máquina dá Pau, publicado na revista Superinteressante. PRIMEIRA PÁGINA Alexandre Freeland, André Hippertt, Breno Girafa, Ana Miguez e Luisa Bousada, com o trabalho Cientistas Brasileiros Fazem Alerta: Mais Terremotos Vêm Aí, publicado no jornal O Dia.
REPORTAGEM Ana Beatriz Magno e José Varella, com o trabalho Os Brinquedos dos Anjos, publicado no Correio Braziliense.
INTERIOR Iara Lemos, com o trabalho No Coração do Haiti, publicado no Diário de Santa Maria.
FOTOGRAFIA Clóvis Miranda, com o trabalho Martírio no Presídio, publicado no jornal A Crítica, de Manaus (AM).
REGIONAL 1 Silvia Bessa e Marcionila Teixeira, com o trabalho Hanseníase, publicado no Diário de Pernambuco.
INFORMAÇÃO ECONÔMICA Fabiana Ribeiro, Lino Rodrigues, Higino de Barros e Henrique Gomes Batista, com o trabalho Desemprego Zero, publicado no jornal O Globo.
REGIONAL 2 Alana Rizzo, Thiago Herdy, Maria Clara Prates e Equipe, com o trabalho Sangria na Saúde, publicado no Estado de Minas.
INFORMAÇÃO CIENTÍFICA, TECNOLÓGICA E ECOLÓGICA Eliane Brum, Solange Azevedo e Renata Leal, com o trabalho Suicídio.com, publicado na revista Época. CRIAÇÃO GRÁFICA CATEGORIA JORNAL Renata Steffen, Fernanda Giulietti, Ivan Finotti, Alexandre Jubran, Tarso Araújo e Letícia de Castro com o trabalho Cigarro e Álcool na Adolescência, publicado na Folha de S.Paulo.
REGIONAL 3 Mauro Ventura, com o trabalho Tribunal do Tráfico, publicado no jornal O Globo. MELHOR CONTRIBUIÇÃO À IMPRENSA EM 2008 A Comissão de Seleção decidiu outorgar o diploma de Melhor Contribuição à Imprensa em 2008 ao projeto Diário em Braille, do Diário de Pernambuco, pelo extraordinário alcance social da iniciativa, ao permitir que milhares de deficientes visuais de Pernambuco passassem a dispor das mesmas informações impressas diárias oferecidas a todos os demais leitores.
Portilho traz diploma à ABI Na tarde do dia 16 de dezembro, diante dos Conselheiros da ABI, o jornalista Ruy Portilho, coordenador do Prêmio Esso, entregou à ABI o diploma de certificação com que a Casa foi homenageada na premiação realizada na semana anterior e na qual a ABI foi representada por Milton Coelho da Graça. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, agradeceu a Portilho pelas palavras, relembrou os tempos difíceis para os jornalistas durante a ditadura militar e exaltou a luta de Rodolfo Konder, autor de 20 livros e ganhador do Prêmio Vladimir Herzog em 1994. – Tínhamos, naquele momento, nas condições aviltantes e humilhantes do regime militar, vários companheiros presos, entre os quais nosso querido Rodolfo Konder, que era um dos líderes dos jornalistas vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, golpeados pela ação repressiva do Doi-Codi. Ele viveu um momento tormentoso muito prolongado, que o levou ao exílio pela segunda vez. Isso o levou a vários países da América do Sul, Europa e América do Norte. Constituiu o refinamento de uma alma sensível do ponto de vista literário. Foi assim que fez 20 livros, afora as antologias. Então, recebemos essa homenagem como mais um estímulo para que continuemos nessa luta”, agradeceu Azêdo. Ruy Portilho relembrou, mais uma vez, a importância da ABI na história do Prêmio Esso. “A idéia de prestar esta homenagem à ABI, na pessoa do Presidente Maurício Azêdo, não surgiu apenas devido ao centenário da entidade, mas porque o Prêmio Esso nasceu sob os auspícios desta Casa. A premiação só decolou, só sobreviveu nos primeiros anos e ganhou impulso para chegar ao 53° aniversário porque esta Associação foi uma das sustentadoras do Esso e de todos os prêmios da época, especialmente nos anos de chumbo. As entregas dos troféus eram sempre feitas com a presença da diretoria da ABI. Hoje, aqui, faço um prolongamento da homenagem diante dos membros do Conselho”, destacou.
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COMEMORAÇÃO
O DECANO DO NOSSO JORNALISMO POLÍTICO Ao completar 60 anos de carreira, Villas-Bôas Corrêa, o mais importante cronista político do País, recebe homenagem na ABI.
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FRANCISCO UCHA
Na década de 1930, quando ainda era um garoto, Luiz Antônio VillasBôas Corrêa gostava de ir ao teatro. Sempre na companhia do avó, o fiscal tributário Luiz de Castro, o menino se deslumbrava com as performances de Procópio Ferreira e Conchita de Morais e com as produções de Walter Pinto, o renovador do teatro de revista. Apesar de garantir que nunca pensou em uma carreira nos palcos, aqueles tempos tiveram influência decisiva sobre sua vida e obra. Com 85 anos de idade e 60 de carreira, o mais antigo analista de política no Brasil usa o teatro como metáfora da própria política: – A política hoje é uma encenação. Não há mais discussões de idéias. As sessões no Congresso são mais argumentações de assuntos banais, de aumentos de salário do funcionalismo a compra de material de escritório – diz. Nesse mundo de espetáculo, VillasBôas Corrêa rejeita ser ator, mas é um de seus mais preparados e sensatos críticos. Sua análise sem papas na língua tornou-se uma marca e sinônimo da profissão. Se hoje existe jornalismo político no Brasil, em grande parte a culpa é dele. De Getúlio a Lula, passando pelas renúncias, golpe, censura, abertura política e os mais diversos escândalos: ele acompanhou tudo. E foi decisivo na criação do modelo que se tornaria padrão até hoje na cobertura política: acompanhamento do Congresso, das comissões, da tribuna e dos outros poderes. In loco, pois, como ele mesmo costuma dizer, se política não se faz só em gabinete, jornalismo político, muito menos. Gerações de políticos aprenderam a admirar seu trabalho e ler seus textos. No papel, ele não interpreta, é direto. Talvez, por isso, não quis ser ator. Preferiu se tornar comandante, timoneiro da crônica política brasileira. No dia 9 de dezembro, Villas-Bôas Corrêa foi homenageado pelos 60 anos de carreira em cerimônia especial realizada na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício-sede da ABI. Amigos, colegas de trabalho, admiradores e parentes estiveram presentes. Entre eles, Teixeira Heizer, que no princípio do ano sugeriu à Diretoria a realização da homenagem, Herval Faria, Antônio Carlos de Carvalho, Paulo Stein, Geraldo Pedrosa, Raul Quadros, o fotógrafo Evandro Teixeira,
POR CLÁUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO
o cartunista Chico Caruso, Diretores e Conselheiros da ABI – como Milton Coelho da Graça, Pery Cota, Jesus Chediak, Paulo Jerônimo e Orpheu Santos Salles – a mulher Regina, os filhos Marcos e Marcelo Sá Corrêa e a neta Joana. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, abriu a solenidade convocando os membros da mesa, formada pelo acadêmico e jornalista Murilo Melo Filho, o Senador Bernardo Cabral – sócios da Casa –, o jornalista Teixeira Heizer e o acadêmico e Embaixador Afonso Arinos de Melo Franco. Todos puderam assistir ao documentário da TV Uerj Memória da Imprensa Carioca, que, nas palavras de Maurício Azêdo, “constitui não apenas a descrição da trajetória individual de Villas-Bôas Corrêa, mas também a fixação de momentos importantes da História do jornalismo do Rio de Janeiro e, por conseqüência, do Brasil e da vida pública nacional”. – A ABI abre hoje suas portas para homenagear um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, que no dia 27 de outubro completou 60 anos de carreira. Esta data é sobremodo importante para a imprensa, pois aplaude a carreira de um homem que continua esbanjando saúde, dignidade e empenho no exercício de sua formação. Em 1948, em A Notícia, ele teve seu batismo de fogo no jornalismo, que durou dois minutos, ao fim dos quais o foca já estava redigindo uma nota de poucas linhas, que, no dia seguinte, viu com surpresa ser estampada na primeira página. Amigos e colegas há 60 anos, somos nós dois os remanescentes dos anos dourados da política, um tempo em que se estabeleceu o modelo político forjado por grandes nomes como Heráclio Assis de Sales, Pompeu de Souza, Otacílio Lopes, Osvaldo Costa e outras dezenas de heróis do nosso jornalismo.– disse o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho, resgatando a trajetória do veterano cronista. Depois de A Notícia, Villas-Bôas ainda passou pelo Diário de Notícias, Rádio Nacional, Rede Manchete de Televisão, O Estado de S. Paulo, como Chefe da seção política no Rio e depois como Diretor da própria sucursal carioca, O Dia, e Jornal do Brasil, veículo em que escreve até hoje. Quando se aposentou, em 1978, tentou parar. Queria viver no campo, criar galinhas.
ORLANDO BRITO/CPDOC JB
“Um seguidor da trilha luminosa mas estreita”
Villas-Bôas na redação do Jornal do Brasil em 1988 e na primeira página do JB de 9 de dezembro deste ano, quando foi publicada a notícia da homenagem realizada na ABI.
“Conheci Villas Bôas Corrêa, em 1962 ou 1963, quando ele já ocupava lugar de relevo no jornalismo político do Rio de Janeiro e do Brasil. Fazia cobertura para a respeitada seção política de O Estado de S.Paulo e do jornal A Notícia, que compunha o Grupo O Dia, então de propriedade de Chagas Freitas. Villas já era respeitado como grande repórter e excelente comentarista político, gozando de grande conceito entre figuras da vida pública brasileira, nas turbulentas décadas de 60 e 70, quando mais convivemos. Com ele participei, não só do Jornal de Vanguarda, como do Alta Política – ambos criados por Fernando Barbosa Lima – quando fizemos algumas entrevistas que tiveram grande repercussão. Villas sempre procurava quem tinha importância e informação para dar. Raramente o vi fazendo anotações; tinha uma memória prodigiosa. Guardava tudo o que chegava ao seu conhecimento e escrevia rapidamente à maquina para contar o que sabia. Creio que ninguém mais no jornalismo brasileiro merece tanto essa homenagem que lhe presta a Associação Brasileira de Imprensa” TARCÍSIO HOLANDA, CONSELHEIRO DA ABI
neral Arthur da Costa e Silva. Quando surgiu a notícia sobre o AI-5, o Magalhães Pinto consultou 32 pessoas de sua confiança sobre a questão e eu fui o último a ser ouvido. “Se o senhor tem mesmo dúvida sobre este assunto, não deveria me consultar, pois sabe a minha opinião”, disparei. Ao final, Villas-Bôas assegurou que pretende prosseguir firme com seu trabalho na imprensa e se disse realizado com a festa: – Este é o tipo de homenagem de que a gente gosta. A comoção veio rápido desta vez, porque pode ser a última – concluiu, emocionado. O comentário foi imediatamente contestado em uníssono pela platéia, que o aplaudiu de pé.
Não conseguiu ficar longe da política por mais de seis meses.
CARLOS CHAGAS, JORNALISTA
“Um extraordinário jornalista, exemplo de independência, coragem, isenção e grande lucidez, atributos com os quais tem brindado seus leitores ao longo dessas décadas. Mas não só com isso, senão também com um texto absolutamente próprio, de estilo inconfundível e saboroso, a aliar inegáveis e evidentes qualidades literárias ao talento do extraordinário profissional de imprensa que ele é.” FERNANDO FOCH, DESEMBARGADOR E CONSELHEIRO DA ABI
“Mais que um jornalista, Villas-Bôas Corrêa é um missionário do jornalismo que iniciou a carreira ainda na primeira metade do século passado. Não é preciso concordar com tudo o que ele escreve para reconhecer que sua competência o torna respeitado e confere grande peso a suas opiniões. Ele é um patrimônio do País, um arquivo vivo dos últimos 60 anos de história da política e dos políticos do Brasil.” LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPÚBLICA
“É um mestre pelo exemplo de retidão, de caráter e de dedicação ao jornalismo. Ao lado de Carlos Castelo Branco e Tobias Monteiro, criador do jornalismo de análise, onde o texto está servido por grande cultura, conhecimento da História e visão do Estado.” JOSÉ SARNEY, SENADOR
“Minha relação com o JB começou na adolescência, quando lia Villas-Bôas e Castelinho. O destino levou Castelinho, mas Villas continua a nos premiar com sua lucidez e seu texto saboroso.” SÉRGIO CABRAL FILHO, GOVERNADOR DO RIO DE JANEIRO
OU NC ITE J OC PD /C RT B
“O Villas é dono de um texto primoroso, de leitura extremamente agradável, concordemos ou não com suas opiniões. Que possamos continuar a desfrutar de seu talento jornalístico por muito tempo.”
B ÍS LU
Quixote, um presente Na solenidade, o decano do jornalismo político foi presenteado com uma escultura de ferro de Dom Quixote de La Mancha, entregue pelo Editor-chefe da revista Justiça e Cidadania, Orpheu Santos Salles, que declarou: – Villas-Bôas é o digno representante do pensamento do velho Cervantes, por sua dignidade, postura, caráter e tudo o que representa para nós. Surpreso e feliz, Villas esbanjou bom humor ao receber a estatueta: – Dom Quixote eu não tenho, mas uma Dulcinéia eu conquistei há 62 anos, né? – brincou, referindo-se à mulher Regina. Dirigindo-se aos membros da mesa e à platéia, o analista político agradeceu a solenidade: – Sou muito grato ao Maurício Azêdo, para mim o melhor Presidente de toda a História da ABI. Em relação a mim, asseguro que o Murilo exagerou nos elogios, mas elogio não faz mal a ninguém. No discurso, lembrou ainda momentos significativos de sua carreira, como o período em que trabalhou como assessor do Ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto: – Foi em 1968, no Governo do Ge-
Quem herda o quê? Para Maurício Azêdo, a cerimônia reflete o reconhecimento da trajetória de Villas-Bôas e sua relevância para a imprensa brasileira: – Ele é um companheiro admirado por todos e um exemplo de competência, dignidade e humildade no exercício do jornalismo político. O acadêmico Afonso Arinos de Mello Franco enfatizou a experiência do analista como um modelo do que vem a ser a política nacional: – Somos amigos desde os velhos tempos em que ele começou no jornalismo. Ainda hoje continuo aprendendo com ele. Teixeira Heizer escolheu o rigor ético como uma das características mais marcantes de Villas-Bôas Corrêa: – Trabalhei com ele durante 20 anos no Estadão e somos amigos há 30. Não me lembro de um só deslize durante toda a sua carreira. Como eles, outros lembraram histórias e saudaram o veterano jornalista, como um modelo a ser seguido, como também foram feras como Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Castelo Branco, Tobias Monteiro e Joel Silveira. Marcos Sá Corrêa, filho mais velho de Villas-Bôas e também jornalista, falou da influência do pai em sua escolha profissional: – O filho do industrial herda a indústria; o filho do médico herda o consultório; e o filho do jornalista herda o exemplo. Sou jornalista porque cresci na casa de Villas-Bôas Corrêa.
“Poucos jornalistas continuam jornalistas como Villas-Bôas. No meio do caminho, ou até no começo, quantos companheiros nossos saltaram de banda, uns para carreiras políticas, outros se tornando publicitários, empresários, diletantes e até chatos. O Villas segue na trilha luminosa mas estreita onde se destacaram Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Castello Branco, Joel Silveira e outros. O único desvio permitido ao Villas seria um simples complemento de tantas décadas dedicadas à arte de informar, sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, pela qual todos torcemos.”
FRANKLIN MARTINS, MINISTRO-CHEFE DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
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LANÇAMENTO FRANCISCO UCHA
Nizan quer o Rio como Patrimônio da Humanidade Campanha lançada com o apoio de diversas instituições busca reconhecimento do título pela Unesco CARLOS MAGNO
Uma campanha para dar to de Santo Antônio, e do um novo fôlego ao merecineoclássico de tantos prédido destaque da cidade do os históricos. O Rio tem a Rio no cenário internaciomelhor música do mundo, nal. Foi com essa proposta a melhor festa e o melhor que o publicitário Nizan povo. Sei que tudo será diGuanaes lançou, no dia 8 de fícil, mas estou otimista dezembro, no Forte de Cocom a possibilidade de nospacabana, a campanha Rio sa vitória”, afirmou. Patrimônio Cultural da HuO representante da Unesmanidade. O objetivo é obco também mostrou confiter junto à Unesco (Organiança no projeto. “Vejo com zação das Nações Unidas muito bons olhos essa fespara a Educação, a Ciência ta de lançamento e creio e a Cultura) o reconhecique terá um final feliz. Este mento desse status para a é apenas o primeiro passo ‘Cidade Maravilhosa’. de outros que serão difíceis A ABI teve a honra de ser e complicados. Mas o proa primeira instituição a asjeto é sólido, tem bons parLançamento da campanha Rio Patrimônio Cultural da Humanidade teve o apoio de diversas autoridades. ceiros, e a cidade tem o resinar o Livro de Ouro da campanha, na figura de seu conhecimento internacioda mais acentuada. Esta cidade é incríporte. “O Rio de Janeiro tem tudo e mais Presidente, Maurício Azêdo, logo após nal. Não há quem diga que o Rio não é vel. Tem o Aterro do Flamengo, o Pão alguma coisa para se ganhar dinheiro o próprio idealizador Nizan e o emprelindo. Mas acho que a responsabilidade Açúcar, o Corcovado, o bucolismo de com ele. Possui uma tendência fabulosário Olavo Monteiro de Carvalho, Prede é de todos e principalmente do povo Santa Teresa, o frenesi da Lapa. É o mesa para o turismo e certamente vai gasidente da Associação Comercial do Rio carioca. Muitas fases serão ultrapassalhor encontro do mundo entre a natunhar mais esse desafio, pois nasceu de Janeiro, co-patrocinadora do movidas, mas estou confiante e contente reza dada por Deus e a mão do homem, aprendendo a vencer desafios”, apostou. mento. Também participaram do lancom tudo o que vi, como a força de vontornando essa beleza ainda mais envolO Governador Sérgio Cabral exaltou çamento o Governador do Rio, Sérgio tade de todas as entidades e pessoas envente. Precisamos agora do carioca nas a realização do Rio Summer e a visão Cabral; o Prefeito eleito da cidade, volvidas”, disse Vincent Defourny. ruas, participando com garra e vontapioneira do Coronel Édson Silva de OliEduardo Paes; o Deputado Fernando Também presente, o Presidente do de, porque o Rio já nasceu grande, pensa veira, responsável pelo Forte, de aproGabeira (PV); o Presidente do Comitê Instituto do Patrimônio Histórico e Argrande e os desafios são os grandes resximá-lo da comunidade do Rio. “Acho Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur tístico Nacional-Iphan, Luis Fernando ponsáveis pelo progresso da humanidaque há alguns anos isto seria impossíNuzman; o Presidente da Federação das de Almeida, destacou a proximidade do de – declarou Nizan, estusiasmado. vel. Tanto os organizadores do Rio SumIndústrias do Estado do RJ-Firjan, carioca com a natureza e de como ela se O lançamento da campanha ocorreu mer como o Comandante deste Forte Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira e o reintegra no panorama físico-cultural da simultaneamente ao Rio Summer, que merecem todo o nosso apoio. E vamos presentante da Unesco, Vincent Decidade. “Caso o Rio seja declarado Patritambém se realizou nas instalações do trabalhar para elevar a cidade a Patrimôfourny, entre outras personalidades. mônio Cultural da Humanidade, não Forte de Copacabana e pretende fazer nio Cultural da Humanidade. Eu costu– O Rio já nasceu belo. A cidade hoje será nenhuma novidade para nós brasida cidade um pólo mundial de confecmo dizer que São Paulo é hardware e o tem outra cara. É a luta do bom conleiros, que já temos 17 cidades nesta lisção e moda de praia. O empresário OlaRio é software. Nossa cidade é a melhor tra o bem. A luta do bem contra o mal ta. Mas o que deve ser destacado é que vo Monteiro de Carvalho, Presidente da representação mundial do encontro da está ficando para trás e tenho certeza de ela estar de fora é uma injustiça. Não há Associação Comercial, ressaltou o poarquitetura colonial e moderna, do enque na administração do Prefeito Eduarespaço neste planeta mais fantástico e tencial do Município para eventos desse contro do barroco, expresso no Convendo Paes essa etapa de transição será ainmais criativo”, elogiou. 40 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
Livros
Aconteceu, virou Manchete. E agora, livro Os bastidores das reportagens e do trabalho em uma das mais importantes revistas brasileiras relatados por quem trabalhou lá. AMÉRICO VERMELHO/FOLHA IMAGEM
POR CLÁUDIA SOUZA
Durante quase cinco décadas, entre 1952 e 2000, a revista Manchete se tornou um dos principais semanários do Brasil. Misturando informação com muitas fotos, notícias com variedades, era o que se chamava de “revista ilustrada”. O sucesso que alcançou foi tremendo. Em poucos anos, tornou-se uma das principais publicações brasileiras e permitiu a criação de um dos mais importantes conglomerados de mídia do País, com o surgimento da Rede Manchete de Televisão e das emissoras de rádio AM e FM. Como se dizia não muito tempo atrás: “aconteceu, virou Manchete”, slogan da revista e de emissora de televisão. Entrar nessa história é contar um dos principais capítulos do jornalismo nacional no século passado. E é isso que fazem vários profissionais renomados que passaram pela revista ou tiveram contato com seu fundador, Adolpho Bloch, em Aconteceu na Manchete (Editora Desiderata, 448 páginas). Recheada de fotos históricas, a publicação reúne textos que falam sobre os bastidores da revista, o making of das matérias e muitos casos marcantes, contados com boa pitada de humor, por jornalistas como Carlos Heitor Cony e os organizadores do livro, Esmeraldo Gonçalves e J. A. Barros. Como diz João Máximo no prefácio, Aconteceu na Manchete resgata “histórias curiosas por trás dos fatos que as páginas das revistas estampavam e relatos dos bastidores de grandes coberturas. Uma ampla visão interna do modo de se fazer revistas que marcaram a história do jornalismo no País”. Lançada em 1952, com inspiração na francesa Paris Match, a Manchete deixou em seus arquivos um dos mais importantes documentos iconográficos dos últimos 50 anos do século passado, ao registrar os principais acontecimentos no Brasil e no mundo. O arquiteto Oscar Niemeyer, idealizador do edifíciosede da Bloch Editores, destaca no primeiro capítulo a importância de seu fundador para o jornalismo brasileiro: – Meu contato mais longo com Adolpho Bloch foi durante a construção do prédio da Manchete, cujo projeto me confiou. Durante anos usufruí os encontros diários com aquele bom amigo. Bloch
Adolpho Bloch ergueu um império de comunicação a partir da Manchete, revista semanal ilustrada que ele fundou em 1952.
era, na verdade, pessoa generosa, simples, muito diferente do que sua aparência nas reuniões da grã-finagem poderia sugerir. Ah, velho Bloch, como lembro com satisfação o tempo em que nosso amigo Marcos ia todo mês à sua tipografia receber a ajuda para o PCB, que a solidariedade política justificava. No capítulo seguinte, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy descreve seu relacionamento com o empresário e a relevância da publicação: – Minha amizade com Adolpho e a Manchete veio por meio de Justino Martins, que conheci em Paris, ainda nos anos 50, quando fazia a pós-graduação em um hospital em Nanterre. Ele era mais velho do que eu, mas nos tornamos muito próximos, e a amizade continuou quando voltei ao Brasil. A Manchete, em seu tempo, não ficou nada a dever às melhores revistas internacionais. Ela representou e ainda representa um momento importante da história de nosso País, momento de muita qualidade, que ela acompanhou e estimulou. José Esmeraldo Gonçalves e J.A. Barros, os organizadores do livro, contam
que a Manchete chegou às bancas em 26 de abril de 1952, na semana em que se comemorava o dia de São Jorge, e que a publicação precisava realmente “da lança e do escudo do santo guerreiro para enfrentar O Cruzeiro, dragão e potência do jornalismo da época, que então rodava 400 mil exemplares”. O primeiro número da revista trouxe 40 páginas, quatro anúncios e tiragem que não ultrapassava 30 mil exemplares distribuídos no Rio e em São Paulo. Contudo, ao longo de quase meio século, a publicação se tornou uma das mais importantes do Brasil e viabilizou a expansão da empresa, que figurou entre as maiores do setor da comunicação, com a criação de emissoras de rádio e tv. Após 2.519 edições, o último exemplar da Manchete chegou às bancas em 29 de julho de 2000. O projeto editorial do livro inclui notas nas laterais das páginas, com breves comentários sobre algumas das mais notórias matérias que retrataram, entre outros episódios, a construção e a inauguração de Brasília, o exílio do Presidente João Goulart, o assassinato de John Len-
non e a queda do Muro de Berlim. No capítulo Por dentro da Redação, Carlos Heitor Cony recorda os momentos de alegria e drama ao longo dos 30 anos de atuação na revista: –Foi na Manchete que fiz e conservei alguns dos amigos mais queridos. Por ocasião da falência do grupo, eu dava apenas uma assistência não mais às revistas, mas à Diretoria. Sofri com Adolpho o trauma das tentativas de venda da tv a outros grupos, convidei gente de fora para dirigir a revista principal, mas os grandes nomes que contatei recusavam convite quando tomavam conhecimento das dificuldades que a empresa atravessava. Os célebres colaboradores da Manchete são lembrados pelo jornalista José Rodolpho Câmara no capítulo A janela do Russel, com destaque para Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Orígenes Lessa, Otto Maria Carpeaux, Antônio Callado, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Lincoln Martins encerra o livro com A edição que ninguém leu, discorrendo sobre os últimos dias da revista, quase uma década após o fim da Bloch Editores. Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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Livros
Jovem Pan, a vanguarda do rádio Livro de Tuta Machado de Carvalho conta a trajetória da emissora e fala sobre os meios de comunicação nos últimos 60 anos no Brasil. Jovem Pan se tornou nas últimas décadas sinônimo de rádio no Brasil. Ou melhor: de inovações, tecnologia e uma programação sempre cheia de novidades, que agrada, em especial, ao público jovem. Ainda na década de 1940, foi uma das primeiras a voltar seu conteúdo para os esportes. Tempos depois, soube como poucas aliar os recursos proporcionados por uma grande emissora de televisão, para virar uma referência em música. Nos anos 70, já era uma das poucas emissoras em São Paulo com amplo jornalismo e prestação de serviços. Hoje, com 53 emissoras afiliadas, comemora o sucesso de outro projeto em que também foi uma das pioneiras: a tecnologia digital, com transmissão via satélite, iniciada ainda nos anos 90. Essa história de invenções e reinvenções que celebraram os microfones da Pan é contada em Jovem Pan – 7 Capítulos e Uma Grande História (Editora Jovem Pan), obra produzida por seu Diretor-Presidente, o jornalista e empresário Antonio Augusto Amaral Carvalho, o Tuta. Com riqueza de detalhes e belíssimo acabamento editorial e gráfico, o livro não se resume apenas á História da emissora. De certa forma, trata também da comunicação brasileira nos últimos 60 anos, ao publicar fotos do arquivo pessoal de Tuta e depoimentos de personalidades do rádio e da TV, como Fausto Silva, Jô Soares, Silvio Luiz, Hebe Camargo e Manoel Carlos. Retrata, ainda, os shows, as transmissões esportivas, as campanhas de utilidade pública, os grandes momentos da Rádio Jovem Pan,
da TV Record e da Jovem Pan Online. Na apresentação do livro, Tuta Carvalho diz que quando o assunto é rádio e televisão ele é tomado pelo desejo de começar tudo de novo: – Desde muito jovem, esse negócio tomou conta de mim, graças ao meu pai, Paulo Machado de Carvalho, e nunca mais me deixou, e muito menos eu a ele. Assim, tive a oportunidade de conviver com gente pioneira, de quilate moral e intelectual de fazer inveja a qualquer concorrente. Gente dedicada, movida pelo amor, pela vontade de realizar. Por tudo isso, resolvi editar esse livro e oferecer um pouco da nossa História à História das comunicações no Brasil. Inaugurada em 3 de maio de 1944, como Rádio Pan-Americana S.A, na sede da Rua São Bento, 279, Centro de São Paulo, a emissora usava como prefixo as primeiras notas da Quinta Sinfonia de Beethoven, que, no Código Morse, representavam o “v”, da vitória. Em novembro daquele mesmo ano, mudou de mãos: foi comprada por Paulo Machado de Carvalho e passou a integrar o Grupo de Emissoras Unidas. Em 1945, depois de ter se notabilizado pela transmissão de novelas, a Pan-americana foi transformada na “emissora dos esportes”, com o projeto do novo Diretor-Geral Paulo Machado de Carvalho Filho. Em 1952, Paulinho – como era chamado – foi para a Rádio Record e deixou no cargo Tuta Carvalho, então
com 21 anos. Em 1953, Tuta deixou a Pan-Americana para se dedicar à programação da TV Record, mas no início dos anos 60 voltou à rádio e passou a acumular a direção das duas emissoras. O nome Jovem Pan surgiu em 1965, por sugestão de Paulo Machado de Carvalho, e foi seguido de uma grande transformação na programação, sob a supervisão de Tuta: ganhou programas com ídolos da MPB e os jornalísticos Equipe Sete e Trinta, Jornal Integração Nacional e Jornal da Manhã. O cantor Agnaldo Rayol foi um dos artistas contratados para integrar a equipe dos primeiros humorísticos da Jovem Pan: – Fui para a TV Record em 65, para fazer um programa humorístico-musical, ao lado do grande Renato Corte Real, o Corte-Rayol Show, um dos maiores sucessos na época. Foi então que conheci o querido amigo Tuta e toda a família Machado de Carvalho. A Jovem Pan, dirigida pelo Tuta, já era também um grande sucesso e ele teve a idéia de levar para lá os artistas que atuavam na emissora de televisão. Era sempre assim. Com boas idéias, a empresa estava na vanguarda do rádio no Brasil.
Os dez mais das glórias do Flamengo Editora do jornalista Roberto Sander aponta os ídolos dos grandes clubes, começando com o Mengo e o Timão. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
É uma seleção para ninguém botar defeito: Zizinho, Domingos da Guia, Dequinha, Evaristo, Dida, Leônidas, Rubens, Zico, Júnior e Leandro. Todos esses craques, que fizeram a história do clube mais popular do Brasil, ressurgem em Os Dez Mais do Flamengo, livro lançado pelo jornalista Roberto Sander no dia 17 de novembro, no Salão de Troféus do Flamengo, em sua sede, no bairro carioca do Leblon. Sander informou que a escolha dos jogadores destacados no livro foi feita por meio de enquete com os jornalistas Fernando Calazans, Ruy Castro, Roberto Assaf, Luiz Mendes, Marcos Eduardo Neves, Sérgio Noronha, Luiz Fernando Vassalo, Renato Maurício Prado e Antônio Maria Filho. Com 184 páginas e dezenas de fotos e caricaturas, o livro ilustra, através das histórias desses jogadores, toda a trajetória de glórias que, diz o autor, “levaram o Flamengo a se transformar num fenômeno imbatível de popularidade”. Uma das histórias interessantes do livro, destaca Sander, é a que se refere à quase ida do ídolo Zico para o rival Vasco da Gama. Diz ele que o Galinho estava disposto a aceitar a proposta, mas foi demovido da idéia pelo pai, seu Antunes, e o então dirigente George Helal. A obra inaugura a Coleção Ídolos Imortais, de sua Maquinária Editora, com a qual pretende resgatar a 42 Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
história dos maiores jogadores dos grandes clubes do futebol brasileiro. Botafogo, Fluminense e Vasco serão os próximos clubes do Rio contemplados pela coleção. Também terão seus livros os paulistas Corinthians, Santos, Palmeiras e São Paulo; os gaúchos Grêmio e Internacional; e os mineiros Cruzeiro e Atlético. Roberto Sander conta que a idéia de lançar a coleção surgiu este ano, após um jogo amistoso entre a Seleção Brasileira e a Seleção da Suécia, que comemorava o cinqüentenário da Copa de 1958: – Chamaram minha atenção os comentários veiculados na mídia sobre a total desinformação dos atuais jogadores da nossa Seleção Brasileira sobre os atletas de 1958. Então, resolvi escrever sobre os dez maiores ídolos do passado de cada grande clube. Na minha opinião, caberia às agremiações de futebol essa responsabilidade de passar para os seus atletas, desde as formações de base, um pouco da sua história, para que essa memória não seja esquecida. Sander acrescenta que a Coleção Ídolos Imortais foi idealizada como fonte de pesquisa para quem tem interesse por futebol: – Trata-se de um material que foi criado para resgatar a história de jogadores que foram os verdadeiros responsáveis pela relação de pai-
xão dos torcedores pelos clubes, iniciada no século XX. Foram Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Zizinho e Evaristo que ajudaram a fazer do Flamengo o clube da massa, quando ele abriu suas portas para os atletas negros na década de 30. O mais importante é contribuir para que as novas gerações conheçam as histórias desses fenômenos do nosso futebol. É uma satisfação muito grande saber que os mais jovens vão conhecer melhor cada um desses craques, de suas ligações com o futebol ao contexto social em que se desenvolveram. Esse é o encantamento. – A idéia é também mostrar os jogadores como patrimônios e ídolos de todas torcidas: – Zizinho e Domingos, assim como Rivelino, Pelé, Tostão e Tesourinha, são o grande tesouro do futebol brasileiro. Eles fazem com que eu me sinta um arqueólogo resgatando o passado. Além do livro que conta a história dos mais admirados jogadores que fizeram a alegria da Nação Rubro-Negra, já foi lançado também Os Dez Mais do Corinthians, escrito pelo jornalista Celso Unzelte, da ESPN, em noite de autógrafos realizada no Museu do Futebol do Estádio do Pacaembu, em dezembro, em São Paulo.
Vidas
Manual da grande reportagem Páginas Ampliadas analisa o universo do livro-reportagem e do jornalismo literário. POR M ARCOS S TEFANO
A exemplo do que acontece em outros países o livro-reportagem faz cada vez mais sucesso no mercado editorial brasileiro. Com pouco tempo e espaço limitado em jornais e até mesmo em revistas, para qualquer tipo de aprofundamento ou variação formal da linguagem, profissionais tarimbados descobriram no livro uma plataforma com mais recursos para trabalhar biografias e reportagens investigativas – duas das modalidades mais praticadas por aqui. Porém, assim como há muitos casos de sucesso, há também fracassos retumbantes. Afinal, escrever um livro não é como preparar um texto conciso. Demarcar essas diferenças e estabelecer as fronteiras do trabalho feito com excelência é o objetivo de Páginas Ampliadas (Editora Manole, 472 páginas), de Edvaldo Pereira Lima, que já se tornou um clássico sobre o que é e como se faz um livro-reportagem. Analisando trechos de obras escritas por autores do calibre de Euclides da Cunha, John Reed, Tom Wolfe, Gay Talese, Truman Capote e Ryszard Kapuscinski, além de publicações como a brasileira Realidade e as norte-americanas New Yorker e Esquire, Páginas Ampliadas detalha a realização de uma grande reportagem. Com esse expediente Lima quebra o tom acadêmico necessário à classificação das diversas categorias de livro-reportagem – como perfil, depoimento, ciência, ambiente, atualidade, ensaio e viagem – e oferece ao leitor um panorama histórico e preciosos enfoques que sobressaem em cada tipo de obra. Também prepara o caminho para a parte prática: estabelecer a pauta, apurar e escrever o texto. Cada etapa é estudada em detalhes, assim como os procedimentos dos mestres e seus cuidados, desde a busca pelo ângulo inusitado ao trabalho de campo, com atenção para aspectos normalmente desprezados na correria do dia-a-dia mas que fazem toda a diferença no Jornalismo bem feito, como a humanização e a descrição detalhada de ambientes. Ainda assim, que ninguém espere encontrar um livro que “ensine” como escrever melhor – apesar de tantas dicas valiosas. Como bom observador, Edvaldo Pereira Lima está realmente interessado em discutir o livro-reportagem, entender seus caminhos, propor alternativas para seu futuro e, principalmente, entendê-lo como uma extensão e união do Jornalismo e da literatura. Páginas Ampliadas foi publicado pela primeira vez em 1993, como Tese de Doutorado na Escola de Comunicações e Artes-Eca da Usp. Agora ganha sua 4ª edição, revista, ampliada e com uma importante discussão sobre Jornalismo Literário. Não somente o New Journalism, tão festejado nos EUA dos anos 1960 e 1970, mas aquele que é praticado atualmente e também é conhecido como Jornalismo Narrativo ou Literatura da Realidade. O conteúdo é um resumo daquilo que é apresentado no curso de pós-graduação da Academia Brasileira de Jornalismo Literário, da qual Lima é um dos fundadores, e mostra que criatividade, profundidade e posições claras nunca sairão de moda para quem deseja fazer Jornalismo de qualidade, daquele que dá gosto de ler.
Jorge Nogueira, o defensor dos clubes O jornalismo e os clubes sociais do Estado do Rio de Janeiro perderam em 22 de novembro um grande profissional, de que ficou privada a imprensa, e um incansável defensor: Jorge Nogueira, que não resistiu a uma tumoração hepática. Jorge Nogueira, que ingressou na ABI em 2004 por proposta do Presidente da Casa, Maurício Azêdo, iniciou carreira no Jornal dos Sports, quando o diário vivia sua época áurea, tendo à frente Mário Filho. Jorge dizia que a redação “era um verdadeiro Butantã, só tinha cobras” e considerava o colunista Luís Bayer seu maior mestre. Ao longo de 50 anos de carreira, Jorge passou também pelos jornais Tribuna da Imprensa, Diário de Notícias, Correio da Manhã, O Jornal, O Fluminense, O Dia e O Globo e a revista O Cruzeiro, atuando em diversas editorias e funções. Mas seu maior legado, dizia, era o Jornal dos Clubes, “o maior porta-voz dos clubes do País”, como se orgulhava em ressaltar. O filho Marcelo Nogueira também destaca a importância do veículo e do trabalho do pai na defesa dos interesses das agremiações: — Nos seus 25 anos de existência, o jornal lutou pelos direitos dos clubes, que enfrentam grandes problemas, principalmente com as Prefeituras. O César Maia, antes de tomar posse como Prefeito do Rio, se comprometeu a implantar a isenção do IPTU para os clubes, uma luta do meu pai, mas deu pra trás. As Prefeituras só enxergam as obrigações das agremiações, o quanto elas têm que pagar, mas não os seus direitos. E meu pai sempre lutou muito por isso.
O jornalista Wilson de Carvalho, colaborador do Jornal dos Clubes, exaltou o esforço do colega para manter um veículo alternativo por mais de duas décadas: — Foi um dos poucos que sobreviveu, graças ao idealismo, à liderança e ao prestígio de Jorge. Agora, estamos conclamando os clubes e os parceiros para decidir se o jornal vai continuar. Jorge Nogueira também teve importante passagem pelo rádio, atuando como locutor comercial e narrador de notícias na Mayrink Veiga e na Nacional, onde há 13 anos lançou o Programa Jornal dos Clubes, que dizia ser “o único programa radiofônico sem ‘jabá’, inteiramente transparente, e que divulga o artista que tem talento”. O programa é sucesso absoluto na Band-AM. Além de jornalista, Jorge foi relações-públicas de diversos clubes e chefe de cerimonial, com destaque para a entrega do Troféu Master, concedido a pessoas de diversos segmentos da sociedade, das artes à política: — Parece que ele esperou a realização do prêmio deste ano, que ocorreu na sexta-feira, dia 21, para morrer no sábado. Foi um bravo guerreiro, um exemplo de competência, honestidade e seriedade, que era o lema do seu jornal e que regia sua vida — diz Wilson Carvalho. Jorge Nogueira deixou esposa, Alba Maria, e três filhos: Patrícia, Marcelo e Jorge Luiz.
Macedinho, o talento precoce Filho do jornalista e escritor Macedo Miranda (José Carlos Macedo Miranda, seu nome civil), Carlos Alfredo de Macedo Miranda teve uma iniciação precoce no jornalismo: com apenas 19 anos, em 1969, trabalhou como repórter especial do Jornal do Brasil, que era então um celeiro de destacados profissionais. A precocidade tinha origem e motivação no espaço familiar: além de romancista, contista e poeta, o pai tinha sólida formação cultural, cultivada desde que se formou em Direito e exerceu o cargo de promotor público, até se dedicar inteiramente ao jornalismo e à literatura. Tal como Carlos Alfredo, Macedo Miranda, nascido em 1920 e morto prematuramente em 1974, revelara-se um talento
igualmente precoce, pois já aos 25 anos publicara um livro de poesias, sob o título Marcha Fúnebre, editado em 1945. Redator das revistas Manchete, Fatos & Fotos e O Cruzeiro, não lhe foi dificil influenciar o filho para também se dedicar ao jornalismo Macedinho, como se tornou conhecido, seja porque havia já outro Macedo, seja porque ele era uma pessoa afável e atenciosa no trato profissional e pessoal, logo conquistou destaque como repórter, redator e editor de publicações. Após brilhar no JB, trabalhou em revistas da Bloch Editores e da Abril, que faziam o jornalismo periódico mais qualificado. Atraído pela televisão, integrou a equipe de criação do Fantástico, sob a liderança de
José-Itamar de Freitas, e a do Globo Repórter. Juntamente com Aloísio Legey, craque na produção de espetáculos, e de Maurício Tavares, participou da equipe de direção do primeiro Rock in Rio, em 1985. Com a cancha adquirida, Macedinho criou a sua própria produtora, a Arte & Fato, que realizou diversas campanhas políticas e introduziu inovações em diversos programas de televisão, Há dois anos ele era Diretor-Executivo do Núcleo de Dramaturgia da Rede Record, que saíra à caça de profissionais experimentados para aumentar seus níveis de audiência. Ele faleceu em casa, em Copacabana, aos 58 anos, de câncer. Seu corpo foi cremado no dia 30 de novembro. Ele era sócio da ABI desde 29 de setembro de 1981. Jornal da ABI 335 Novembro de 2008
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