REPRODUÇÃO
MONIZ VIANA, PAULO SABOYA E BILL DUNCAN AS PERDAS QUE LAMENTAMOS Moniz (foto) ensinou uma geração a ver cinema. Saboya, advogado, lutou pelo Estado de Direito. Bill Duncan foi um dos pilares do Prêmio Esso Páginas 45, 46 e 47
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
FEVEREIRO 2009
A ABI vai dar tempo ao tempo e não aplicará já as regras do Acordo Ortográfico, que é contestado por especialistas do idioma e tem sabor de imposição ditatorial. Páginas 3 a 7 FRANCISCO UCHA
Junto com Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes, este homem frágil mas dotado de grande força espiritual encimou o índex da ditadura militar, que proibiu durante duas décadas a publicação de seu nome. É Dom Hélder Câmara, o Profeta da Paz, cujo centenário transcorre agora.
Páginas 39, 40, 41, 42, 43 e 44
UMA FESTA SAÚDA O VOLUME 2 DA EDIÇÃO DO CENTENÁRIO SENTADO NA LIVRARIA DA TRAVESSA, O SENADOR BERNARDO CABRAL FOLHEIA A PUBLICAÇÃO, LANÇADA EM CONCORRIDO ATO. PÁGINAS 9 E 10
RODOLFO KONDER DIRIGE A ABI EM SÃO PAULO
A ABI MOSTRA QUEM FLERTOU COM A DITADURA
OBAMA, O QUERIDINHO DA MÍDIA AQUI E LÁ FORA
JORNALISTA E ESCRITOR, ELE SUBSTITUI AUDÁLIO DANTAS, QUE RENUNCIOU. PÁGINAS 11 E 12
NÃO FOI DANTON JOBIM, MAS A GRANDE IMPRENSA, QUE APOIOU O GOLPE. PÁGINAS 15, 16 E 17
AS COBERTURAS ESPECIAIS TRANSFORMARAM O PRESIDENTE EM ÍDOLO POP. PÁGINAS 22 E 23
ATÉ GRANADA CONTRA A LIBERDADE DE INFORMAR
CARMEN MIRANDA-DA-DA REVIVE 100 ANOS DEPOIS
ROGÉRIO SOUD, O ARTISTA
FOI EM CAMPINAS, NUMA TENTATIVA DE SILENCIAR A TV A NHANGÜERA. PÁGINA 26
NUNCA HOUVE ANTES NEM DEPOIS ARTISTA COMO ELA, DIZ RUY CASTRO. PÁGINAS 31, 32 E 33
MESTRE EM RETRATOS, ELE MOSTRA COMO É O SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO. PÁGINAS 34 E 35
QUE FAZ NOSSAS CAPAS
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HELDER CAMARA
O ACORDO, UMA FORMA DE ARBÍTRIO?
Editorial
DITADURA NO IDIOMA
Jornal da ABI
Número 338 - Fevereiro de 2009
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência O Globo, Arquivo Obras de Frei Francisco, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Centro de Documentação Helder Camara, Folha Dirigida, Folhapress, Jornal do Commercio, UN Photo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Luiz Fernando Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 jornal@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
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Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
anos 90, até à sua efetivação entre nós, determinada pelo decreto presidencial. O Acordo não se originou de uma necessidade social nem de uma postulação coletiva, que dessem à sua elaboração e aplicação um caráter democrático. Ele nasceu de lucubrações de eminentes mestres, como o lexicógrafo e dicionarista Antônio Houaiss, como fruto de vigílias penosas, ainda que fecundas, a que estes se entregaram com o melhor dos ânimos. AO EMPENHO DESSES ESTUDIOSOS juntou-se a preocupação política de homens públicos não menos eminentes, como o Embaixador José Aparecido de Oliveira, que engalanou a sua passagem pelos inúmeros cargos que ocupou e ilustrou, entre os quais o de Ministro da Cultura, com o patrocínio de uma obra fadada a ficar na História, não apenas no Brasil, mas também nos países que integram a comunidade lusófona, a começar pela pátria-mãe portuguesa. A criação daí derivada não é um produto coletivo, como seria lógico e desejável, já que a língua não tem donos, mas uma emanação de reduzido grupo de pessoas, daqui e dalém-mar. O CARÁTER TOTALITÁRIO REFERIDO ganhou evidência na circunstância de que se atribuiu a uma personalidade, ainda que
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Estanislau Alves de Oliveira (interino) Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adail José de Paula, Adriano do Nascimento Barbosa, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum. CONSELHO DELIBERATIVO MESA 2008-2009 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
FOLHA DIRIGIDA
COMO OS LEITORES NOTARAM na edição precedente (número 337, data de capa janeiro de 2009), também nesta edição o Jornal da ABI deixa de cumprir as normas do Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa, escudado em disposição do decreto presidencial firmado em 29 de setembro passado, o qual estabelece o prazo do ano 2012 para a implantação desse pacto. ESSE COMPORTAMENTO DA ABI está sendo adotado e será mantido tanto nos veículos e publicações da Casa, como o ABI Online, como na correspondência emitida por seus diferentes órgãos. Ainda agora, a ABI está lançando o catálogo da exposição de cartunistas comemorativa do centenário da Casa, numa colaboração com o Centro Cultural Justiça Federal, que franqueou seus espaços para esse importante evento. Tratase do volume Traços Impertinentes, que reproduz os trabalhos incluídos na mostra e oferece um perfil sucinto dos artistas que aderiram a essa iniciativa da Casa. Como no Jornal da ABI, a grafia dos textos dessa publicação é a boa e sonora forma antiga. A rigor a ABI poderia escusar-se de cumprir a ortografia do Acordo como um ato de desobediência civil, uma reação ao caráter totalitário de que ele se tem revestido desde a sua concepção, no começo dos
Defensor do acordo, Evanildo Bechara argumenta que a partir de agora serão divulgados relatórios em português em eventos internacionais, fato que não acontecia antes da Reforma.
ornada de títulos e saber que bem justificavam a sua escolha, o poder e a competência de dirimir dúvidas e fixar a forma correta de se grafarem determinados termos, especialmente aqueles resultantes do complexo sistema de grafia da língua portuguesa, como os relacionados com hifenação, sua manutenção ou sua eliminação. Se é certo que o titular desse encargo, o admirado filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, desincumbiu-se com aplicação e eficácia da missão que lhe foi cometida, não menos procedente é reconhecer que a língua, bem social, patrimônio coletivo, ganhou um donatário, uma espécie de imperador sem trono nem coroa, um senhor de baraço e cutelo, como diria o escritor Lima Barreto. O nome disso é ditadura.
Conselheiros efetivos 2006-2009 Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2006-2009 Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésylo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Wilson Fadul Filho, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.
POLÊMICA
Reforma sem acordo Em vigência desde janeiro, mas com um prazo de quatro anos para ser implantado definitivamente, o novo Acordo Ortográfico gera
dúvidas e é alvo de críticas de professores, acadêmicos e estudiosos da língua portuguesa.
Unificar a ortografia de todos os países de língua portuguesa, com o objetivo de promover a maior integração entre as publicações dessas nações. Uma boa ou má idéia? Aliás, idéia com ou sem acento? Pelo acordo, muitos deles caíram. Alguns hífens também. Com isso, dúvidas surgiram. Pelas novas regras, a platéia ficará para sempre sem acento, ainda que nem todos os assentos do teatro estejam ocupados. Do velho
POR PAULO CHICO
trema, que acompanhava a lingüiça do churrasco e fazia muitos tremerem de raiva, poucos confessam sentir falta. Mais polêmica é a queda do acento que servia para diferenciar um simples para (preposição) do pára (do verbo parar). Confusões e polêmicas à parte, a questão que não sai da cabeça da maioria das pessoas, inclusive de especialistas no idioma, é bastante simples. Afinal, era mesmo necessário fazer tudo isso? Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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POLÊMICA REFORMA SEM ACORDO
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FOLHA DIRIGIDA
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ses reagem violentamente a isso, pois – Isso poderá empobrecer a língua, querem continuar a escrever com a porém não o fará necessariamente. A ortografia de Portugal. Isso violenta um educação precária é que tende para tal, pouco os hábitos adafirma o professor OS ESCRITORES quiridos – explica. Marcus Vinícius DoLeodegário, que é mingos dos Santos, forPORTUGUESES contrário a alguns itens mado em Letras/Grego REAGEM do acordo, ressalta ainpela Uerj e em Direito VIOLENTAMENTE A pela UFRJ. da que o corpo docente das escolas precisa – As variações na esISSO, POIS QUEREM estar preparado para as crita seriam muito inCONTINUAR A mudanças. teressantes e cultural– Não acredito que mente ricas, mas não ESCREVER COM A todos os professores essão convenientes neste ORTOGRAFIA DE tejam informados somomento. Elas hoje rePORTUGAL. ISSO bre isso. Posso dizer forçariam a diferença que os professores de que cada país percebe VIOLENTA UM Língua Portuguesa das em sua variação do idiuniversidades já estão POUCO OS HÁBITOS oma e não favoreceriam se preparando. No ena criação de uma idenADQUIRIDOS. tanto, é preciso haver tidade da comunidade uma qualificação dos professores da lusófona. educação básica – defende Leodegário. Segundo o professor, deste ponto de vista a Reforma Ortográfica em vigor Abertura de novos mercados seria, de fato, necessária. Para alguns críticos a padronização – Teremos a oficialização da língua forçada da língua portuguesa poderá, portuguesa como sétima língua mais sim, no futuro, empobrecê-la em sua falada no mundo, já que, anteriormendiversidade. te, ela possuía duas ortografias, o que dificultava a divulgação do idioma e sua prática em eventos internacionais e diplomáticos. A língua unificada é um fator beneficiador do intercâmbio na comunidade lusófona, permitindo maior circulação de livros, programas de rádio, televisão e internet – argumenta Marcus Vinícius. E é esse novo mercado que as editoras estão a contemplar, pois em um padrão ortográfico o mesmo livro poderá vender mais dentro da comunidade lusófona. A partir daqui, as publicações no idioma português serão internacionais. Porém o professor alerta que grandes editoras estão se saindo muito mal na aplicação das novas regras, especialmente no uso do hífen. – Não se deve neste momento entregar tal atividade a amadores, por questão de economia, pois isso é algo que afeta a credibilidade. Para Sérgio Nogueira, a resistência de Portugal à nova escrita ameaça a Reforma... É também nesse fortalecimento da comunidade lusófona e da abertura de novos negócios e possibilidades que está de olho o Governo brasileiro: – Quem sai ganhando não é um país simplesmente, mas as portas de integração que se abrem para as nações e que fortalecerão a língua portuguesa – disse recentemente o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. FOLHA DIRIGIDA
tão de tempo. O Sistema Globo fez muito bem ao aderir à nova ortografia. É uma bela maneira de o povo se acostumar. Criar uma memória visual para as palavras alteradas pelo novo acordo. A aplicação das novas regras é uma opção interna da empresa, pois a Reforma Ortográfica já está valendo, mas ainda não é obrigatória – diz o professor Sérgio Nogueira, referindo-se ao prazo para adaptação ao Acordo. O Brasil terá três anos para se adaptar à nova maneira de escrever. No entanto, Portugal terá seis, pois lá as mudanças serão bem maiores, para o visível desagrado da população do país que um dia desbravou os mares e, hoje, reluta em redescobrir a própria língua. O dicionário português terá de trocar 1,42% das palavras, enquanto no brasileiro apenas 0,43% delas serão alteradas. A oposição dos portugueses é um – Vejo a Reforma como desnecessáponto que, segundo Nogueira, pode ria. É tímida, traz poucas mudanças. E colocar em risco o sucesso da proposta. não acredito que atinja seus objetivos – Realmente a resistência de Portude unificar a grafia da nossa língua em gal é muito grande e isso pode ameaçar todos os países em que o português é a fortemente o sucesso da Reforma. Como língua oficial. Fui contra desde seu inío maior objetivo é a padronização, se Porcio. Mas, agora, não adianta mais gostugal não aderir, a reforma fracassará na tar ou não gostar. O novo Acordo foi certa – alerta. assinado. Agora é lei e o que me cabe é Nisso tudo, como ficam os professoconhecê-la em profundidade e enconres e estudantes? As mudanças nas retrar um meio de facilitar o problema gras, ainda que não numerosas, podepara meus alunos – afirma o professor rão comprometer ainda mais o ensino, Sérgio Nogueira, formado em Letras e já tão deficiente, da língua no Brasil? mestre em Língua Portuguesa, com atu– Não acredito que a Reforma venha ação nas Organizações Globo, como no trazer problemas para os professores. popular quadro Soletrando, que voltou Já passamos por outra, em 1971, e soao ar na temporada 2009 do programa brevivemos. É só uma questão de temCaldeirão do Huck, da TV Globo, já lepo e de boa vontade. É lógico que tovando em conta as novas regras. dos os professores teE como os veículos “A REFORMA É rão que se atualizar, e impressos têm se adapnão apenas os de portado ao Acordo? PratiDESNECESSÁRIA, tuguês – frisa Nogueicamente todos os jorTÍMIDA, TRAZ ra, que, contudo, lemnais e revistas do País já aderiram às mudan- POUCAS MUDANÇAS bra que apenas a ortografia não tornará o ças. Alguns deles, além E NÃO ACREDITO português do Brasil da nova grafia, deigual ao de Portugal – monstram preocupaQUE ATINJA SEUS Continuarão valendo ções adicionais. É o OBJETIVOS DE diferenças sintáticas, caso de A Gazeta, jornal com sede em Vitó- UNIFICAR A GRAFIA semânticas, de consria, ES, que grifa em DA NOSSA LÍNGUA trução de frases e de vocabulário. suas páginas todas as EM TODOS OS Professor emérito da palavras que apresenUerj (Universidade do tam alterações. Uma PAÍSES EM QUE O Estado do Rio de Janeitática interessante do PORTUGUÊS É A ro), titular da UFRJ ponto de vista pedagóLÍNGUA OFICIAL” (Universidade Federal gico. Primeiro, evita do Rio de Janeiro) e Preque o leitor desavisado sidente de Honra da Academia Brasileira pense que o repórter cometeu um desde Filologia, Leodegário de Azevedo lize de redação. Além disso, acende Filho destaca que o processo de adaptauma espécie de sinal de alerta para a ção às novas regras ainda deverá levar nova versão da palavra. Uma aposta algum tempo. eficiente na memória fotográfica. – Essa questão é muito delicada. – Posso falar pelos jornais em que Ainda mais que o hábito é uma segunda trabalho – O Globo, Extra e Expresso. A natureza. Nós já estamos acostumados aplicação das novas regras tem sido um a escrever de uma maneira, o que torêxito. Os “erros” que ainda ocorrem são na ainda mais difícil começar a escrepor puro descuido. Mudar a grafia de ver de outra. Os escritores portugueuma palavra consagrada é só uma ques-
...mas o processo de adaptação levará algum tempo, destaca Leodegário de Azevedo Filho, que é também contrário a alguns pontos do Acordo Ortográfico.
Plerpexidade e prejuízos Junto às editoras, têm sido freqüentes dois comportamentos distintos. Em algumas delas, o clima beira a perplexidade, e aguarda-se uma espécie de definição da situação, em especial sobre a resistência natural de Portugal ao Acordo, que poderá até colocálo em risco. A posição dos portugueses será fundamental para se decidir em que medida ocorrerá a adequação das obras, e em que ritmo. Em outras editoras, sobram críticas ao projeto da Reforma. E são contabilizados os gas-
tos adicionais em função das mudande dicionários. Pra elas, essa mudanças na ortografia. ça é maravilhosa, pois todos vão que"A revisão dos títulos em catálogo serer comprar dicionários novos. Já para gundo o novo Acordo seguramente reaquelas editoras que atuam preferenpresentará custos adicionais para todas cialmente com livros didáticos, o preas editoras, uma vez que, além da revijuízo deverá ser grande. Geralmente, são em si, haverá a necessidade de reforelas têm grande estoque de livros. mulação editorial no Muitos deles deverão miolo. Todos os títulos ser jogados fora. É na“DESDE QUANDO lançados a partir de tural que as redes púÉ UM GRANDE 2009 estão sendo editablicas e as escolas pardos com as novas re- NEGÓCIO AUMENTAR ticulares, já a partir de gras. No caso das reedi- AS EXPORTAÇÕES DE agora, dêem preferênções dos títulos em cacia às obras atualizatálogo de nossa área de LIVROS BRASILEIROS das", aponta Sérgio Literatura Infanto-juPARA PAÍSES COMO França. venil, todos estão senAntonio Erivan GoANGOLA OU do revisados e adequames, da Cortez Editodos. No caso dos títulos MOÇAMBIQUE, POR ra, até acredita na posda área acadêmica esse sibilidade de incremenEXEMPLO, AMBOS processo será mais lento da circulação de liPOBRES E COM to, pois eles demandam vros entre os países de maior esforço na revilíngua portuguesa. GRANDE PARCELA são. Nós estimamos Mas alerta que, para que esse investimento DE SUA POPULAÇÃO que esse objetivo de será da ordem de R$ fato se concretize, seriANALFABETA?" 400 mil ao ano", diz Anam necessárias divertonio Erivan Gomes, diretor Comercisas outras medidas, bastante amplas. al e de Marketing da Cortez Editora. "Acreditamos que a unificação contriPara Sérgio França, coordenador buirá para a maior circulação do livro. editorial da Editora Record, a maior jusÉ importante que essa mudança seja tificativa para a adoção do Acordo é, na apenas na língua escrita, mas que seja verdade, fantasiosa. O suposto aumenestendida a um aumento da cooperato do intercâmbio cultural e da circução cultural, econômica e social denlação de livros entre os países de língua tre esses países. Importante, ainda, desportuguesa, acredita ele, não vai ocortacar que a Reforma beneficiará os derer. "É claro que não vai haver impacmais países lusófonos, já que eles terão to positivo neste sentido. Pelo menos, a mesma oportunidade em exportar não expressivo. Desde quando é um seus produtos para cá, um mercado grande negócio aumentar as exportamuito maior do que o deles", aposta. ções de livros brasileiros para países Para Sergio França, da Record, há como Angola ou Moçambique, por ainda um outro ponto negativo a ser exemplo, ambos pobres e com grande destacado: o aspecto de diversidade parcela de sua população analfabeta?", cultural das obras, sua identidade naquestiona ele, que também é jornaliscional, tende a ser prejudicado. "Como ta e faz uma segunda análise sobre os editor, e também como leitor, acho inimpactos da Reforma. teressantes as diferenças existentes "Há um segmento que será, de imeentre esses países. Quando pego um lidiato, beneficiado, que são as editoras vro de autor português, espero enconFÁBIO POZZEBOM/ABR
Para Celso Amorim, “as portas da integração se abrirão e fortalecerão a língua portuguesa”.
trar uma escrita típica. Além disso, essa padronização é parcial. Vai gerar uma confusão danada. Mas, em Portugal, as pessoas, na hora de comprar o pão, vão continuar a entrar na 'bicha', a fila daqui. Lá, 'puto' vai continuar a significar menino", conta. Do ponto de vista prático, as principais editoras, como a Record, se anteciparam ao Acordo. "Já estamos em sintonia com as regras desde março do ano passado. Contratamos o Domício Proença para um workshop junto ao corpo editorial e colaboradores. Desde 1º de janeiro deste ano, todos os nossos livros, mesmo aqueles em processo inicial, já seguem os novos padrões ortográficos, desde sua escrita, passando pelo copy e revisões. Alías, a chefe desse nosso setor costuma brincar que nós precisamos 'reprogramar' o cérebro dos nossos revisores para esse novas regras", explica Sergio França. torial realmente está no centro das disNo caso da Record, explica o coorcussões sobre o perde-e-ganha causadenador editorial, o maior gasto extra do pelo acordo ortográfico da língua será quando das reedições das obras em portuguesa. Enquanto catálogo. "Copy e revialguns avaliam que as sor são gastos executa“ESSA editoras serão as princidos somente na priPADRONIZAÇÃO É pais beneficiadas, muimeira versão dos livros. Mas, agora, com PARCIAL. VAI GERAR tas empresas do setor, tanto do Brasil quanto as mudanças nas reUMA CONFUSÃO de Portugal, inicialmengras, a cada reedição DANADA. EM te se opuseram às mudessas obras, teremos danças. novamente que arcar PORTUGAL, AS OPresidentedaUnião com os custos desses PESSOAS VÃO dos Editores Portugueprocessos do trabases, Carlos da Veiga lho", lamenta ele para, CONTINUAR A logo em seguida, tranENTRAR NA 'BICHA', Ferreira, chegou a dizer que havia a chanqüilizar os leitores. A FILA DAQUI. ce de empresas “boico"Esse custo não será retarem” o acordo em passado ao consumiLÁ, 'PUTO' VAI Portugal, com medo de dor final. A revisão de CONTINUAR A que as editoras brasium livro de 200 páginas, por exemplo, nos SIGNIFICAR MENINO.” leiras, especialmente de livros didáticos, pucusta cerca de R$500. dessem ganhar espaço na África, merUm valor que certamente se dilui, será cado dominado pelos portugueses. absorvido pela tiragem", afirma. Apesar do receio, por aqui também não há clima de euforia: Quem perde e quem ganha – Há um custo grande na alteração Presidente do Sindicato dos Estabede todos os livros existentes nos catálecimentos de Ensino do Estado do Rio logos das editoras, com revisão, impresde Janeiro-Sinepe-Rio, Edgar Flexa Risão e elaboração de novos materiais. beiro é um dos maiores críticos da ReQuem vai pagar por isso? Em tempo de forma. Em entrevista ao jornal Folha crise, é arriscado querer passar a conDirigida, especializado em educação, ta para o consumidor. Por outro lado, ele expôs o seu descontentamento. entrar em outros países não é tão sim– Todo o material impresso no Braples, pois os direitos de publicação não sil ficará desatualizado. Teremos que valem apenas para a língua portuguejogar fora diversos livros didáticos. E sa, mas para a publicação em determicomo poderemos ensinar, cobrar algo nado país – questionou Sonia Machaque está diferente do livro? Como o do, Presidente do Sindicato Nacional Mec faz uma campanha de conservados Editores de Livro do Brasil, em enção dos livros e depois, de um dia para trevista à rede britânica BBC. o outro, resolve mudar tudo? Não teApesar de considerar possível alcanmos dinheiro para jogar livros didátiçar mercados mais amplos, o escritor cos fora. Dessa forma, também não poangolano José Eduardo Agualusa acredemos ensinar com os que estarão dedita que quem mais ganhará com as fasados. Será que em três anos teremos mudanças ortográficas sejam as editotodos os livros para substituir os antiras portuguesas: gos? – questiona. – A principal questão a se pensar é Não se trata apenas de mais barulho que o grande mercado do livro de línem meio à polêmica. O mercado ediJornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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POLÊMICA REFORMA SEM ACORDO
DIVULGAÇÃO
gua portuguesa não é a África, mas o Brasil. As grandes editoras portuguesas já perceberam isso. O mercado africano, talvez com exceção do didático em Angola e Moçambique, é ridículo, cem vezes menor que o Brasil – afirma ele, apontando que algumas editoras brasileiras já estariam estudando investimentos nas duas nações africanas. “Reforma é um capricho dos eruditos” Outra coisa sobre a qual não se pensou, e que bem aponta o Presidente do Sinepe, Flexa Ribeiro, é o elitismo da proposta, que se preocupa em tratar de detalhes quando, na verdade, a crise conjuntural no ensino da Língua Portuguesa no Brasil, verificada em inúmeras avaliações internacionais, é que deveria ser o alvo das ações públicas. – A Reforma é um capricho de eruditos em um país de 200 milhões de habitantes, alguns deles analfabetos. Se queríamos a unificação para publicar documentos internacionais, deveríamos fazer valer a nossa grandiosidade. Não podemos obrigar um país, com tamanho continental, a mudar tudo. Por isso, no dia que todos os países começarem a cumprir as novas regras, acredito que possamos vir a cumprir – declara. Além de estudantes e professores, uma outra categoria revelou suas preocupações com as mudanças previstas na Reforma. Habituados a responder às questões de Português nas provas para o ingresso no serviço público, os candi-
Sérgio França, coordenador editorial da Record: custos altos e justificativa fantasiosa para a adoção do Acordo.
datos de concursos ficam perdidos sobre quais regras devem ser seguidas. Presidente da Comissão de Língua Portuguesa do Ministério da Educação, Godofredo de Oliveira, responsável pela condução das discussões da Reforma no País, afirma que até 2012, quando as duas grafias, a antiga e a nova, estarão valendo de forma concomitante, nenhuma banca poderá punir quem se utilizar de uma das duas formas da língua. Essa orientação do Ministério já foi acatada por organizadores de concur-
os aspectos. O Acordo unificará o idioma de oito países, que englobam mais de 240 milhões de pessoas. E isso possibilita uma política de língua internacional. Na verdade, as divergências ortográficas só geraram confusões – diz. Mas como ficam os casos em que o texto do Acordo não deixa claro o que acontecerá com a grafia de uma série de palavras? É o caso por exemplo, dos Divergências entre casos de aglutinação e do uso do hífen. os acadêmicos “Co-habitar” ou “coabitar”? “AbrupNem mesmo entre os membros da to” ou “ab-rupto”? “Para-raios” ou “paAcademia Brasileira de Letras o tópirarraios”? Segundo a ABL, essas quesco Reforma Ortográfitões que não são menca consegue consenso. cionadas claramente “COMO O MEC FAZ Um dos mais respeitaUMA CAMPANHA DE no texto da Reforma dos gramáticos brasisó serão esclarecidas leiros, Evanildo Becha- CONSERVAÇÃO DOS com a nova edição do ra é um entusiasmado LIVROS E DEPOIS, DE Vocabulário Ortográfidefensor do Acordo. co da Língua PortugueUM DIA PARA O – É a língua que abre sa-Volp. a janela para o interColega de Bechara na OUTRO, RESOLVE câmbio, pois torna as Academia, mas com opiMUDAR TUDO? NÃO nião totalmente oposrelações de convivência TEMOS DINHEIRO mais próximas e confeta, João Ubaldo Ribeiro re uma amplitude glo- PARA JOGAR LIVROS tem firmado posição de bal. Agora, em eventos descontentamento em DIDÁTICOS FORA.” relação às alterações internacionais, serão divulgados relatórios na língua portuguesa. em português, fato que não acontecia Em polêmica entrevista, concedida à redevido às várias formas de escrita. pórter Érica Montenegro, do Correio Para ele, 2009 deverá ser mesmo o Braziliense, o autor de sucessos como ano inicial de adaptação de todos às Viva o Povo Brasileiro e A Casa dos Bunovas regras. – Já estão sendo preparadas Ditosos, fez uma análise particular dos dicionários e manuais. Em Portudas novas regras: gal foram publicados dois dicionários. – Já passei por muitas reformas ortoÉ um processo que avança com velográficas, maiores ou menores. A gente cidade e será muito benéfico sob todos lê várias línguas que têm toques absurdos, mas que a língua preserva. Outro dia, tinha gente querendo tirar o til de cima dos s e is da língua francesa, onde não têm função fonética. E foi uma grande resistência. Eu, por exemplo, sinto falta e acho injustiçado o trema. Gostaria de dispor dele – defende. resultado de seu trabalho. Foi ele o prinJoão Ubaldo chega mesmo a duvidar cipal negociador brasileiro do Acordo que a Lei obtenha êxito: – Ninguém vai firmado em 1990. Autor de ensaios, dilevar muito a sério esta Reforma. Pois, cionários e livros, Houaiss foi membro em primeiro lugar, é muito pequena, da ABL e Ministro da Cultura em 1993. apesar de afetar um número grande de Membro do Conselho Nacional de palavras. Para mim, não enriquece em Política Cultural, de 1994 a 1995, ele denada o entendimento da língua com fendeu enfaticamente a tese de que a qualquer um de seus falantes. Sinceraausência de uma ortografia oficial comente, não vejo nessa Reforma nenhumum entre as nações lusófonas trazia ma perspectiva realmente nova, a não dificuldades lingüísticas e políticas. ser dinheiro trocando de mãos. É o Houaiss morreu em 7 de março de pequeno motorzinho econômico da 1999, dez anos antes de seu maior traHistória, como querem alguns – aponta balho virar realidade. Ele era membro o escritor baiano. do Conselho Deliberativo da ABI. Oportunidade de estudo ou risco de grande confusão? Antônio Houaiss Também membro da ABL e Presiesteve à frente do dente do Centro de Integração EmpreAcordo Ortográfico sa-Escola, Arnaldo Niskier tem uma firmado em 1990 opinião mais positiva e prática sobre o Acordo Ortográfico. – O português é a única língua de expressão mundial que até pouco tempo tinha duas ortografias. O inglês, o espanhol e o francês não têm. Acho que estávamos trabalhando contra o nosso próprio prestígio profissional. A Reforma é ortográfica, apenas na forma de escrever. Todo mundo fala da sos públicos, bem como pelas bancas dos vestibulares das principais universidades. – Os candidatos poderão escrever e responder às questões dos concursos das duas formas. Assim como as bancas examinadoras terão a liberdade de formular as perguntas utilizando-se dos dois modelos – explica Godofredo.
Uma reforma que levou 18 anos O conteúdo do Acordo que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009 já tinha sido aprovado há 18 anos, mas não podia entrar em vigor sem que os parlamentos ratificassem o protocolo modificativo. Ele previa que o Acordo entraria em vigor quando três países o aprovassem – e não todos os que falam o português, como estava no texto original. No ano passado, São Tomé e Príncipe foi o terceiro a aprovar o Acordo, dando validade ao documento. Assim, sob o ponto de vista legal, as mudanças que buscam unificar a ortografia dos oito países que falam português (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal) já poderiam estar valendo. Mas isso ficou mesmo somente no campo teórico, pois em 2007 o Brasil definiu que sem a adesão às normas por Portugal o Acordo teria pouca utilidade e na prática não unificaria realmente as ROBERTO JAYME/FOLHA IMAGEM
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normas ortográficas. Em maio de 2008, Portugal ratificou o Acordo, permitindo a adoção efetiva da Reforma. Toda essa diferença de tempo fez o maior ideólogo da Reforma Ortográfica, o filólogo, enciclopedista, tradutor, crítico e diplomata Antônio Houaiss ficar sem ver o
ROOSEWELT PINHEIRO/ABR
Arnaldo Niskier: “A Reforma é apenas na forma de escrever, todo mundo fala da maneira que achar que deve.”
maneira que achar que deve – o que já ocorre, e cada um que compreenda o outro, como puder. Escrever de uma maneira uniforme acho que é uma medida de inteligência – acredita Niskier, que apresenta ainda uma tese que considera “muito pessoal”: – Como se fala mal o português em geral, penso que esse é um excelente pretexto para que as pessoas estudem a nossa língua de forma adequada. Apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura, colunista de diversos jornais, autor de livros e consultor da Rede Globo, Pasquale Cipro Neto também faz duras críticas à Reforma. Em palestra proferida no final de 2008 na Câmara Municipal de Campo Grande, MS, onde esteve a convite da Escola J. Piaget, ele classificou as mudanças de “exageradas” e “desnecessárias”. E alertou sobre as confusões que elas podem gerar. – As mudanças podem gerar dubiedade. É o caso do acento diferencial da palavra “pára”, do verbo “parar”. Imaginem o título: “Trânsito pesado para São Paulo”. Grafado com ou sem acento
O que muda com a reforma da língua portuguesa? HÍFEN Não se usará mais: quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em “antirreligioso”, “antissemita”, “contrarregra”, “infrassom”. Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r, ou seja, “hiper-”, “inter” e “super-”– como em “hiperrequintado”, “inter-resistente” e “superrevista”. Ele desaparece quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: “extraescolar”, “aeroespacial”, “autoestrada”. TREMA Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados. ACENTO DIFERENCIAL Não se usará mais para diferenciar: “pára” (flexão do verbo parar) de “para” (preposição), “péla” (flexão do verbo pelar) de “pela” (combinação da preposição com o artigo), “pólo” (substantivo) de “polo” (combinação antiga e popular de “por” e “lo”), “pélo” (flexão do verbo pelar), “pêlo” (substantivo) e “pelo” (combinação da preposição com o artigo), “pêra” (substantivo – fruta), “péra” (substantivo arcaico –pedra) e “pera” (preposição arcaica). Ele é mantido em pôr, verbo, diferençando da preposição por, em fôrma, formato, para se distinguir de forma, aparência, e em pôde, pretérito do verbo poder, para diferençar de pode, presente do indicativo.
ACENTO CIRCUNFLEXO Não se usará mais: nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos “crer”, “dar”, “ler”, “ver” e seus derivados. A grafia correta será “creem”, “deem”, “leem” e “veem”. É suprimido também em palavras terminadas em hiato “oo”, como “enjôo” ou “vôo”, que se tornam “enjoo” e “voo”. ACENTO AGUDO Não se usará mais: nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas, como “assembléia”, “idéia”, “heróica” e “jibóia”; nas palavras paroxítonas, com i e u tônicos, quando precedidos de ditongo, “feiúra” e “baiúca”; passam a ser grafadas “feiura” e “baiuca”, nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com u tônico precedido de g ou q e seguido de e ou i. Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem. ALFABETO Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras k, w e y
muda tudo, troca o sentido. O título fica dúbio. Enquanto isso, a palavra forma passa a ter acento optativo. Isso é uma piada. Pasquale Cipro Neto se diz contrário ao Acordo devido ao fato de seu custo ser maior do que o benefício. "O suposto benefício dessa Reforma, que é apenas um acordo de unidade gráfica, é importante deixar claro isso, será apenas facilitar a redação de documentos internacionais e facilitar o trânsito de livros e publicações entre os oito países de Língua Portuguesa. Num acordo comercial entre Brasil e Portugal, por exemplo, sempre foi necessário redigir duas versões do mesmo documento: um seguindo o português do Brasil, e outro de Portugal e dos demais países, que sempre o seguiram". Contudo, lembra o professor, mesmo que o Acordo seja efetivamente colocado em prática, o objetivo será atingido apenas parcialmente. "A unificação ortográfica, mesmo com essas novas regras, vai ocorrer apenas em termos. No Brasil, escrevemos telefônico. Em Portugal, é Telefónico. E assim continuará sendo. Ou seja, será
O que ainda é dúvida “Subumano” ou “sub-humano”? “Para-raios” ou “pararraios”? Apesar da discussão ter demorado 18 anos e já estar em vigor no Brasil, a falta de clareza no texto do Acordo ainda gera muitas dúvidas e polêmicas sobre a grafia de muitas palavras. Principalmente quando se trata de aglutinação ou do uso do hífen. – A regra diz que o H desaparece quando o elemento em que ele está se aglutina ao precedente. Porém, o mesmo H fica mantido quando há hífen numa palavra composta. Como o acordo não faz menção a casos
uma unidade mais ou menos, quase 100%, mas não se chegará a tanto. E ainda há o risco de Portugal, efetivamente, resistir e não aderir ao Acordo. Aí será uma vergonha! E cabe a pergunta: por qual razão corremos tanto?". E qual o custo de todo esse processo? "O custo é tudo que estamos vendo. Há algumas bobagens, como dicionários novos divergindo... Quem comprou a 1ª Edição do Dicionário Escola da Língua Portuguesa da ABL vê lá a palavra re-educar com hífen. Na 2ª edição, já está sem hífen. Acontece uma confusão, uma bagunça... Ainda há um outro custo, que é olhar pra sua estante de livros e dizer: tá tudo velho! Será que o pequeno benefício paga todo esse custo, ainda mais num país como o nosso, onde a pessoa para comprar um simples dicionário faz até prestação?", questiona Pasquale. Apesar das críticas, Pasquale ponderou que as mudanças são apenas ortográficas: – O que muda é a ortografia, que não tem nada a ver com a língua. O trema vai embora, mas vão continuar comendo feijão com lingüiça. A leitura não muda – diz.
específicos, como ‘co-habitar’ ou ‘coabitar’, provoca diferentes interpretações – explica a Professora Thaís Nicoleti de Camargo, Consultora de Língua Portuguesa do Grupo Folha. Um exemplo clássico nesse caso é “pára-raios”, que perderá o acento diferencial do “pára”. No Mini-dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, grafa-se “pararraios”. Já o Meu Primeiro Dicionário Houaiss traz “para-raios”. – O problema é que se perdeu, em certa medida, a noção de composição – diz Thaís Camargo. Outro problema é quanto ao uso do prefixo “re”: como não há menção específica a esse prefixo no Acordo, há quem escreva “reeditar”; outros preferem “re-editar”. As dúvidas devem persistir até o lançamento da quinta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia Brasileira de Letras já anunciou para março. A obra incorpora as novas normas estabelecidas pelo Acordo Ortográfico em 887 páginas, com 349.737 vocábulos, apresentados sob forma de lista, por ordem alfabética, incluindo a classificação gramatical de cada um, além dos estrangeirismos. – Só que o Volp deveria estar pronto já em 2008, antes que o Acordo entrasse em vigor, para que os editores pudessem usá-lo como fonte de orientação. Infelizmente, o Acordo é muito genérico, principalmente com relação ao uso do hífen – reclama José Carlos de Azevedo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador do guia Escrevendo pela Nova Ortografia (Publifolha e Instituto Houaiss). Preço do Vocabulário no lançamento: 120 paus. * Colaborou Marcos Stefano. Ilustração: Aliedo.
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CRÔNICA
MARIA
Qual o sabor de Minas que Sabino procurava? POR N ÉLSON TANGERINI
Quando visitei a terra de Carlos Drumond de Andrade pela primeira vez, fiquei conhecendo a poetisa Amanda Fonseca Duarte, até então com 80 anos de idade, de Itabira e de Minas Gerais. Tão encantado fiquei com sua "prosa" e a poesia que passei a trocar correspondências com ela. Numa das cartas, ela enviou-me algumas poesias suas. Quando voltei pela segunda vez a Itabira, fui visitá-la. Soube, então, que tinha livros de poesias publicados. Pediu-me, porém, segredo máximo, que não contasse a ninguém que ela era uma poetisa. Foi na minha segunda ida à cidade de Drummond que Dona Amanda me contou um fato muito interessante, verídico, garantiu-me a itabirana, que acontecera certa vez com ela. Um homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros subia lentamente a Rua Tiradentes, onde mora – e perto de onde morou o poeta. Apreciava, talvez, o casario espremido entre as novas e audaciosas construções que vão dando nova cara, menos mineira, à cidade do gauche itabirano. Talvez tivesse frases prontas em sua mente – não frases dele, mas do poeta de Itabira – para tudo o que via: "Minas não há mais", "Itabira é apenas uma fotografia na parede"... Dona Amanda, sentada numa cadeira, na calçada, como é de seu costume, o avistara desde quando ele dobrou a curva da rua e ela pode vêlo envolvido em pensamentos e poesia. Ela pensou: "O que Waldick Soriano estaria fazendo em Itabira?" Sim, foi isto mesmo o que pensou Dona Amanda, uma senhora muito divertida e espirituosa. O homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros parou em frente à sua porta e ela pôde ver quem era o "claro enigma". Olharam-se por alguns instantes. E abriram sorrisos uma para o outro. "A senhora me conhece?", perguntou ele. "Sim", respondeu a itabirana, "o senhor é o Fernando Sabino". "Como a senhora me conhece?", continuou. 8
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"Leio seus livros e suas crônicas no jornal", respondeu a poetisa. "Sou mineiro", prosseguiu ele. "Eu sei", disse Dona Amanda. "A senhora poderia me fornecer um copo d'água?, perguntou o escritor. "Pois não", respondeu a bondosa senhora. "Mas eu queria que a água não fosse gelada. E que fosse de filtro de barro. Quero sentir o sabor de Minas", prosseguiu. "Meu filtro é de barro", respondeu a itabirana. Nesse instante, Fernando Sabino olhou para dentro da casa e pediu permissão para entrar. "Pois não", disse Dona Amanda. O escritor mineiro pediu licença e entrou. "A senhora permite que eu veja todos os cômodos?" "Pois não", disse a senhora, que foi lhe mostrando sala, quartos, cozinha, banheiro ... Sabino, sempre muito educado, pedia licença e entrava. Enquanto dialogava com o consagrado escritor, a poetisa pensava, intrigada: "Sabor de Minas Gerais..." "É uma típica moradia mineira", concluiu Sabino, depois de muito meditar. Bebeu toda a água ofertada por Dona Amanda e lhe disse: "Que água gostosa! Tem sabor de Minas Gerais". O escritor agradeceu pela água, retirou-se e prosseguiu em sua caminhada em direção à casa onde morou Drummond. E Dona Amanda Fonseca Duarte ficou a meditar: "Sabor de Minas Gerais..." Também eu, apaixonado por Minas Gerais, estou agora a meditar sobre a frase de Fernando Sabino: "Que sabor terá Minas Gerais?" Respondam-me, Affonso Romano de Sant'Anna, Fernando Brant, Milton Nascimento, Olavo Romano e Carlos Herculano Lopes. Como os mineiros trabalham em silêncio, tal vez nunca respondam. Eles, sim, sabem o sabor de Minas Gerais tem. Mas jamais o dirão. Crônica publicada no jornal O Trem, editado em Itabira, MG, edição de novembro de 2008, sob o título Fernando Sabino. Nelson Marzullo Tangerini, carioca, é escritor, jornalista, compositor, fotógrafo e professor.
FOTOS: FRANCISCO UCHA
O jornalista Hélio Fernandes (à esquerda) e os Senadores Bernardo Cabral e Saturnino Braga foram dos primeiros a chegar à Livraria da Travessa para conhecer o Volume 2 da edição.
Edição do Centenário resgata parte da História da ABI e do jornalismo brasileiro Lançamento do Volume 2 ocorreu na noite do dia 18 de fevereiro e reuniu personalidades do meio político e jornalístico. Uma história tão rica não poderia correr o risco de cair no esquecimento. Por isso, precisa ser registrada no presente, para a posteridade. Com esse intuito, a ABI lançou na noite de 18 de fevereiro, na Livraria da Travessa do Shopping do Leblon, o Volume 2 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI. Em suas 84 páginas, reportagens especiais sobre nomes relevantes da imprensa e os episódios que marcaram a entidade, além de depoimentos de jornalistas, escritores e artistas sobre os laços afetivos e a convivência com a ABI. A edição especial trouxe textos assinados por nomes como Barbosa Lima Sobrinho, Moacir Werneck de Castro e Carlos Heitor Cony. E os perfis de empreendedores da imprensa brasileira, como Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Adolpho Bloch, Victor Civita, Octávio Frias, Alberto Dines e Fernando Segismundo, entre outros. No editorial, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, destacou a importância da publicação, e adiantou que o próximo volume abordará as personagens femininas do jornalismo.
"A ABI terá importância crescente. A imprensa e a comunicação em geral dependem da liberdade, reconhecida pela Constituição, mas com freqüência desrespeitada em diferentes pontos do País, principalmente fora das áreas onde se concentra a produção de noticiário como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. No interior dos Estados o exercício da profissão de jornalista é um exercício permanente de coragem. Segundo um predicamento de um dos nossos mais eminentes presidentes, Prudente de Moraes Neto, a liberdade de imprensa assenta no direito de informar, no direito de ser informado, no direito do acesso às fontes de informação, no direito de opinião, de divergir, contestar, protestar e não se submeter às imposições do poder de qualquer natureza", afirmou Maurício Azêdo, para complementar destacando o papel da instituição neste contexto. "Esta é a grande realização da ABI. E nós nos orgulhamos que a bandeira da liberdade de imprensa e dos direitos humanos tenha sido defendida e erguida
Mílton Coelho, Conselheiro da ABI (no alto, à esquerda), Maurício Menezes e Teixeira Heizer (à direita), Deputado Alessandro Molon (à esquerda) e o jornalista Marco Morel (acima): confraternização e troca de idéias.
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O repórter-fotográfico Avanir Niko, presença alegre, com o carinho habitual.
do Jornal da ABI tem uma entrevista marcada com a posteridade. Precisamos resgatar a luta da Associação, especialmente nos momentos em que a ditadura tomou conta do País, tanto na era Vargas, quanto a partir de 1964". Um dos símbolos do combate à cenSempre bem freqüentada, a Livraria da Travessa ferveu ainda mais de convidados (acima) e de repórteres (abaixo, à esquerda). sura no Brasil, e reconhecido defensor dos interesses nacionais, Hélio Fernandes elogiou a iniciativa da ABI de lançar a edição. "Esta publicação complementa a primeira edição e representa um importante marco para a liberdade de imprensa no País, assinalando um caminho de luta por uma nação livre para os próximos 100 anos da ABI". Jornalista e escritor, Arthur Poerner tamArthur Poerner (à esquerda) e bém enalteceu a edição Carlos Jurandir (acima): especial. "Os depoijornalistas e escritores. mentos de importancom coragem, mesmo nos momentos tes personagens e empreendedores da mais difíceis, como aqueles que levaram nossa imprensa permitem traçar um paa direita terrorista a explodir uma bomba norama de sua História, com todos seus na nossa sede, em 19 de agosto de 1976. erros e acertos". Prudente dizia em relação aos jornalisTeixeira Heizer, que trabalhou por 20 tas que a liberdade é o ar que respiramos. anos no Estado de S. Paulo, comentou a Sem ela, o jornalista não consegue cumreportagem dedicada à trajetória da faprir o seu papel social, que é informar o mília Mesquita, proprietária do jornal. conjunto da sociedade", concluiu o pre"Tenho muito respeito por eles, sobretusidente da ABI. do do ponto de vista político, mas entendo que poderiam ter feito mais pelo BraPersonalidades presentes sil, pela relevância que eles tinham no aplaudiram publicação cenário nacional. Alguns períodos do O lançamento do Volume 2 da Edição Estadão mereceram os nossos aplausos, Especial do Centenário do Jornal da ABI principalmente durante a ditadura micontou com a presença de personalidalitar, quando eles se posicionaram de mades políticas como os ex-Senadores Saneira corajosa", recordou. turnino Braga e Bernardo Cabral, o DeO pesquisador e crítico de cinema putado estadual Alessandro Molon (PT/ Djean Magno Pellegrin assinou a matéO jornalista Wilson Fadul Filho, a socióloga Miriam Limoeiro e os jornalistas RJ), os jornalistas Hélio Fernandes, Teiria Meus Jovens, Eu Estava Aqui, publicada Flávio Ribeiro e Yacy Nunes: cordialidade na fila para o autógrafo de lembrança. xeira Heizer e Vitor Iório, além de Direno Volume 2 da Edição Especial do Centores e Conselheiros da ABI, como Estatenário do Jornal da ABI. Nela são restórico que atravessa desde a sua fundaros, Mario Jakobskind, Toni Marins e nislau Alves de Oliveira, Paulo Jerônimo, gatadas as atividades do cineclube na ção", destacou Saturnino Braga. Ilma Martins da Silva. Milton Coelho da Graça, Benício MedeiABI. "Comecei a freqüentar as sessões de Sócio da ABI, Bernardo Cabral recor"A ABI é um símbolo de luta pela licinema da ABI em 1948, no Auditório dou o momento que marcou a sua lonberdade de imprensa, de opinião e da liOscar Guanabarino, promovidas por ga parceria com a entidade. "Quando berdade civil de um modo geral. Esteve Moniz Vianna, que nos deixou recenteocorreu o episódio da bomba no Riocensempre à frente de todos os movimenmente. Em 1954, organizei as primeiras tro, na década de 80, eu presidia a Ordem tos libertários e democráticos da polítisessões de cinema na ABI, que originados Advogados do Brasil, e o Barbosa ca brasileira. Por essa Casa passaram pesram o projeto do cineclube do MAM. Lima Sobrinho estava à frente da Assosoas de grande destaque na literatura e Maurício Azêdo aceitou a minha sugesciação. Redigimos uma nota de protesno jornalismo brasileiro. A publicação tão de colocar placas com nomes de cito contra o governo militar. Assim coque está sendo lançada hoje é um ponneastas brasileiros na parte de trás das meçou a minha história com a Casa. Sob to de confluência importante, especialpoltronas do Auditório, pois foi lá a ino comando de Maurício Azêdo, o Volumente para os jovens que desconhecem cubadora do que de melhor produzimos: me 2 da Edição Especial do Centenário o papel da Associação e o processo hiso Cinema Novo", apontou. 10 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
MUDANÇA
Nosso líder em São Paulo: Rodolfo Konder Dono de um dos mais densos currículos dentre os jornalistas brasileiros, ele assumiu a presidência da Representação da ABI em São Paulo, em substituição a Audálio Dantas, que renunciou ao cargo de Vice-Presidente da Casa e de Presidente da Representação. ARQUIVO PESSOAL
O jornalista Rodolfo Konder aceitou o convite da Diretoria da ABI e assumiu a coordenação da atividades da Representação da Casa em São Paulo, em substituição ao companheiro Audálio Dantas, que renunciou em 15 de dezembro passado ao cargo de VicePresidente da ABI nacional e de Presidente da Representação da ABI em São Paulo. Konder é membro do Conselho Deliberativo da ABI, para o qual foi eleito em abril de 2008 para um mandato de três anos. Nascido em Natal, RN, e criado no Rio de Janeiro, Konder radicou-se em São Paulo em 1968, quando começou a trabalhar como um dos editores da revista Realidade, da Editora Abril. Considerado um dos mais qualificados profissionais da imprensa do País, Konder foi repórter, editor, editorialista, diretor de publicações, articulista e cronista de jornais e revistas do Brasil e do exterior. Escritor laureado em 2001 com o Prêmio Jabuti pelo livro Hóspede da Solidão, publicou 20 livros de contos, crônicas e memórias. Conselheiro da União Brasileira de Escritores no período 2002-2004, de janeiro de 1993 a dezembro de 2000 foi Secretário de Cultura do Município de São Paulo, integrou o Conselho da Fundação Padre Anchieta, instituição mantenedora da TV Cultura de São Paulo, e a Diretoria da Bienal de São Paulo. Coube-lhe presidir a Comissão Municipal de São Paulo para as Comemorações dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil. Devotado integralmente ao jornalismo, à educação e à cultura, foi Diretor do Museu de Arte de São Paulo-Masp e Diretor Cultural da UniFMU-Faculdades Metropolitanas Unidas, cargo de que se afastou agora em fevereiro, pouco antes de assumir a direção das atividades da ABI em São Paulo. Além da participação na revista Realidade, o invejável currículo de jornalista de Konder inclui a participação como editor ou diretor de outras revistas, como Singular e Plural, Visão, IstoÉ, Afinal e Nova, na qual, após ser admitido como redator, dirigiu uma redação só de mulheres, o que o levou a registrar, com humor e irreverência, que se
Jornalista, escritor e professor, Rodolfo Konder é dono de um currículo denso e fecundo. Ele presidiu a Anistia Internacional no Brasil nos anos 80.
sentia então o bendito fruto entre as mulheres. Foi também colaborador de Playboy, Revista da Hebraica e Época, assim como de O Estado de S.Paulo, no qual publicou artigos e crônicas durante dez anos. Pioneiro do jornalismo multimídia, Konder trabalhou não apenas em veí-
culos impressos, mas também em emissoras de rádio e televisão, entre as quais a Rádio Canadá, de Montreal, à qual esteve vinculado durante dois anos. Durante quatro anos, foi editorchefe e apresentador do Jornal da Cultura, da TV Cultura de São Paulo, na qual, posteriormente, lia diariamente
um texto sob o título Sabor da Crônica até o começo da gestão do jornalista Paulo Markun como diretor da emissora, em 2008. Após a posse de Franco Montoro como Governador do Estado de São Paulo, em 1983, trabalhou durante um ano como Coordenador de Difusão da Secretaria de Comunicação do Estado, atualmente extinta. Professor de Jornalismo da Fundação Armando Álvares Penteado-Faap durante cinco anos e diretor durante um ano das Faculdades Integradas Alcântara Machado-Fiam, Konder foi Diretor Cultural da UniFMU durante oito anos. Como articulista e cronista, publicou textos em Movimento, O Diário, Voz da Unidade, Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, Diário Popular, Pasquim, O Paiz, História, Versus, Opinião, Povos e Países, Jornal do Brasil, Jornal da Semana, Leia Livros, Shopping News, Américas, Shalom e, atualmente, Linguagem Viva. No exterior, publicou textos em La Calle e Clarín, de Buenos Aires, Argentina. Poucos jornalistas do País têm currículo tão denso e fecundo. A par da atuação profissional, Konder teve intensa militância política, que o expôs desde muito jovem a perseguições e provações de todo tipo. Diretor do Sindicato dos Petroleiros do antigo Estado da Guanabara na época da implantação da ditadura militar de 19641985, teve de se exilar logo após o golpe; viveu entre 1964 e 1965 no Uruguai e, depois, no México. Após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas masmorras do Doi-Codi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975, teve de partir para novo exílio, que se estendeu de 1976 a 1978, no Canadá e nos Estados Unidos. Assim como outros jornalistas acusados de militantes do Partido Comunista Brasileiro-PCB, Konder estava preso no Doi-Codi quando Herzog, ameaçado de prisão se não o fizesse, apresentou-se para depor nesse órgão de repressão; horas depois estava morto. Como uma das últimas pessoas a ver Herzog com vida, Konder prestou um depoimento fundamental para o desmonte da farsa montada pelo II Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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Exército, que tentou apresentar a morte do jornalista como suicídio e com esse fim chegou a produzir e distribuir uma grosseira imagem com a simulação da morte de Herzog por enforcamento. Após a corajosa denúncia sobre os momentos finais de Vlado, como Herzog era chamado pelos companheiros, Konder teve de deixar o Brasil mais uma vez. Em depoimento sob o título Fragmentos comunistas, publicado no volume Outras faces de Herzog, editado por alunos de uma faculdade de Comunicação do Estado de São Paulo, Konder narrou assim esses momentos dolorosos: ”Em pleno sábado, dia 25 de outubro daquele ano, Vlado estava no DoiCodi, trilhando seu caminho para a tortura e uma morte covarde, cruel e sangrenta. Na delegacia, fiquei numa cela ao lado da dele. Num determinado momento, obrigaram Vlado a assinar um documento. Diante da negativa dele de assiná-lo, os policiais não pensaram duas vezes e partiram para a força bruta. Vlado teve seu crânio batido no parapeito da cela e nós ouvíamos os gritos vindos também das entranhas dele. Porque os gritos de tortura são diferentes dos gritos de dor. E depois veio um silêncio profundo e, ao mesmo tempo, torturante. Eu e outros presos estávamos na sala do andar térreo quando Herzog foi morto. Algum tempo depois, fomos transferidos para o andar de cima do Doi-Coi para reconhecer algumas fotos. Mas isso foi uma manobra para que pudessem transportar o corpo de Vlado sem que víssemos. Na versão ‘oficial’, Vlado havia se suicidado. No dia seguinte, o comandante chamou apenas a nós jornalistas e não só nos informou sobre o ‘suicídio’, como também afirmou que Herzog era um agente da KGB, o que era absurdo. No enterro, não fiquei muito tempo. Havia saído do Doi-Codi muito
sujo após uma sessão de tortura com choques elétricos em várias partes do corpo. Mas pude sentir a dor dos presentes no pouco tempo em que permaneci ali. O rabino Henry Sobel não quis enterrar Herzog no cemitério ao lado dos suicidas. Foi a primeira demonstração pública de que Vlado foi assassinado e não se suicidou. Uma posição contrária à primeira versão divulgada oficialmente. Depois de algum tempo, fugi para um exílio de três anos. Fiquei em três países: Peru, Canadá e Estados Unidos (Nova York). Após esse período, deixei a militância do PCB e parti para a busca dos direitos humanos. Sinto traumas após tudo o que sofri na repressão, mas consegui superar tudo com o exercício do jornalismo e a publicação de 19 livros. Minha psicanalista foi a literatura.” Após retornar do segundo exílio, em 1978, Konder foi um dos fundadores da Seção Brasileira da Anistia Internacional, de que foi Vice-Presidente e, depois, Presidente, nos anos 80. A serviço da Anistia Internacional, participou de vários congressos no Brasil e no exterior e cumpriu missões diplomáticas na Guatemala e nos Estados Unidos. A dramática trajetória de Rodolfo Konder, assim como sua infância e adolescência em Ipanema, está presente na densa obra que publicou, composta por estes livros: Cadeia para os Mortos; Tempo de Ameaça; Comando das Trevas; De Volta, os Canibais; Anistia Interncional: Uma Porta para o Futuro; O Veterano de Guerra; Palavras Aladas; O Rio da Nossa Loucura; As Portas do Tempo; A Memória e o Esquecimento; A Palavra e o Sonho; Hóspede da Solidão; Labirintos de Pedra; Rastros na Neve; Sombras no Espelho; Cassados e Caçados; Agonia e Morte de um Comunista; A Invasão; As Areias de Ontem. Além desses volumes, tem no prelo mais uma obra: Educar é Libertar.
Conselho elege o novo vice O Conselho Deliberativo da ABI decidiu programar para sua reunião ordinária de março a eleição do novo Vice-Presidente da Casa, em substituição ao companheiro Audálio Dantas, que renunciou ao cargo e à presidência da Representação da ABI em São Paulo em 15 de dezembro. Em face da vacância, o Conselho aprovou o nome do companheiro Estanislau Alves de Oliveira, Diretor Administrativo, para ocupar o cargo interinamente. A renúncia de Audálio foi formalizada em e-mail que ele dirigiu ao Presidente do Conselho Deliberativo, Pery Cotta, e do qual enviou cópia aos demais diretores e aos membros do Conselho Deliberativo e das
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Comissões da Casa. Após a comunicação de Pery Cotta acerca da decisão de Audálio, o Conselho entendeu que a renúncia é ato unilateral que deve ser acatado em respeito à vontade nele expressa. Em sua reunião de fevereiro, o Conselho aprovou a indicação de Rodolfo Konder para Presidente da Representação da ABI em São Paulo, encargo que ele assumira dias antes a convite do Presidente da Casa. Rodolfo é membro efetivo do Conselho e integra a Comissão Executiva do Centenário. Foi ele o autor da proposta de que as celebrações do centenário tivessem esta divisa: ABI – 100 anos de luta pela liberdade.
O Cardeal Dom Eusébio Scheid fez questão de entregar os prêmios da Ação Cultural da Arquidiocese antes de se afastar por ter alcançado o limite de idade.
RECONHECIMENTO
A ABI recebe o Prêmio São Sebastião na Categoria Especial Honraria instituída pela Arquidiocese do Rio de Janeiro é concedida à Casa em homenagem ao seu centenário. A ABI recebeu no dia 19 de janeiro tural da Arquidiocese do Rio de Janeio Prêmio São Sebastião de Cultura, ro, ressalta: concedido pela Associação Cultural da – Ninguém melhor do que a glorioArquidiocese do Rio de Janeiro, cujo sa ABI, baluarte da democracia e da liConselho é constituído por personaberdade de imprensa, para, no ano de lidades de destaque na cultura brasiseu centenário, ser agraciada com o leira, como Ricardo Cravo Albin, Arprêmio especial por excepcionais sernaldo Niskier, Rosamaria Murtinho, viços prestados à cultura e à sociedaSérgio Cabral, Ziralde do Rio, pelas mãos do, Nélida Piñon e do Senhor Cardeal Luiz Paulo Horta, o Dom Eusébio Scheid. mais novo membro A cerimônia de enda Academia Brasileitrega do Prêmio São ra de Letras. Sebastião de Cultura, As indicações para idealizado pelo procada categoria são feifessor Sérgio Pereira tas pelos conselheiros da Silva e instituído 15 dias antes de serem por Dom Eugênio da submetidas à reunião Araújo Sales, Cardeplenária para aprovaal Emérito do Rio de ção por maioria absoJaneiro, teve lugar no luta, privilegiando dia 19 na Casa de Arte pessoas ou instituie Cultura Julieta de ções que contribuíSerpa. ram para a cultura do Além da ABI, foRio de Janeiro, respei- Por sua atuação como jornalista e ram premiados Zueescritor, Zuenir Ventura recebeu o tando os critérios da nir Ventura, na cateprêmio da categoria Ação Cultural. Igreja e da fé cristã. goria Ação Cultural; O jornalista e acaa Associação Brasileidêmico Luiz Paulo Horta elogiou a dera Beneficente de Reabilitação-ABBR, cisão de se premiar a ABI: na categoria Promoção Social; o pin– É uma demonstração de que a tor Carlos Araújo, na categoria Artes nossa Associação Cultural está atenPlásticas; Lúcia Grossi, na categoria ta e participando dos movimentos da Divulgação da Fé; Dalal Achcar, na casociedade brasileira, na qual a ABI é tegoria Artes Cênicas; artistas do esatuante e ocupa lugar de destaque. petáculo Beatles num céu de diamantes, O cartunista Ziraldo, por sua vez, disna categoria Musical; Maurício Dinese que a idéia de conceder o prêmio à ABI pi, Presidente do Jornal do Commercio, foi aprovada pelos conselheiros devido na categoria Comunicação; Érico Maà "qualidade extraordinária da atuação galhães, na categoria Televisão; e Dom da entidade na sociedade civil e pelo seu Cipriano Chagas, ao qual foi concedicentenário, completado recentemente". do o Prêmio Guilherme Arinos, um Entregue anualmente por ocasião dos principais colaboradores da Arquidos festejos do padroeiro da cidade, o diocese e que foi, ainda muito jovem, Prêmio São Sebastião está em sua 15ª Oficial de Gabinete do Presidente Geedição. Carlos Alberto Serpa de Olitúlio Vargas em seu primeiro Goverveira, Presidente da Associação Culno (1930-1945).
Aconteceu na ABI
Edifício Herbert Moses, tema para doutorado A sede da ABI e as inovações que introduziu como projeto arquitetônico serão objeto de estudo na Universidade Politécnica da Catalunha, em Barcelona. POR B ERNARDO C OSTA
O Edifício Herbert Moses, sede da ABI, será objeto de estudo de uma tese de doutorado a ser defendida na Universidade Politécnica da CatalunhaUPC, em Barcelona, Espanha. A responsável pelo estudo será a arquiteta Andrea Bungarten, que no dia 19 de janeiro visitou as instalações do prédio. Formada em 2001 pela Universidade Federal Fluminense, ela destaca um motivo dentre os muitos que a atraíram para debruçar-se sobre o projeto do edificio-sede da Casa do Jornalista, de autoria dos irmãos Marcelo e Milton Roberto, que com esse projeto se tornaram grandes nomes da arquitetura moderna brasileira. — Eles tinham uma grande curiosidade ou necessidade de trabalhar as fachadas, fator que evidencia a influência do francês Le Corbusier, além do cuidado com a adaptação de elementos da arquitetura moderna à realidade local. Devido ao clima quente do Rio, eles conceberam a construção com um brise-soleil, que quebra a incidência direta dos raios solares. Os espaços livres que o antecedem em todos os andares funcionam como uma espécie de câmara de ar, amenizando a temperatura. Antes de tudo, funcionalidade O prédio da ABI é referencial para a arquitetura moderna, que já na década de 30 esboçava o conceito de funcionalidade. A construção do edifício se deu poucos anos após Herbert Moses assumir a presidência da Associação, em 1931, com a preocupação de dotar a Casa de sede própria, sem imaginar, então, que construiria uma obra que deixaria sua imagem para a posteridade. O hall de entrada do Edifício Herbert Moses é todo revestido de granito. Na época, o teto dos escritórios do 2º, 3º, 4º e 5º andares foi confeccionado com fibra prensada para obstrução do som. As paredes do 7º andar até hoje são revestidas por belas placas de sucupira do Pará. O Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar, permanece como espaço para grandes festas e comemorações. “Olho a Casa do Jornalista de frente, erguida nos seus 13 andares muito brancos, sem sombra, protegidos do calor, amenizados do sol, sorridentes, convidativos, sem contornos. Em cima, as suas flâmulas; embaixo, a agitação, a vida multiplicada na energia de suas
Andréa vai apresentar o projeto de sua tese até julho. Depois disso terá de dois a quatro anos para concluir o trabalho.
Curiosidades do prédio setentão O projeto de construção do prédio gera controvérsias. Segundo a Ilustração Brasileira, de setembro de 1940, a autoria é dos irmãos Marcelo e Milton Roberto. Já a Revista da Construção Civil, de outubro de 1978, inclui o terceiro irmão, Maurício, como co-autor. A execução da obra se deu a partir de um concurso instituído por Herbert Moses em 1936, quando foi avaliada em 13 mil contos de réis. O dinheiro foi conseguido pelo próprio Moses através de solicitação pessoal a Getúlio Vargas, por intermédio do ministro Oswaldo Aranha. O empréstimo foi levantado no Banco do Brasil. O edifício-sede da ABI foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Estadual em 1965. A amplitude da entrada da ABI, que surge de repente numa esquina movimentada, tem um caráter de praça. Essa disposição marca também as demais peças do projeto, reforçando o convite à reunião de pessoas.
atividades”, declarou Moses em 1940, confessando seu amor pelo edifício que agora ostenta o seu nome. Construído entre 1936 e 1939, até hoje, passados 70 anos, o prédio recebe constantes visitas de profissionais e estudantes de Arquitetura do Brasil e de outros países. Andrea Bungarten vai apresentar em julho o projeto da tese. A partir daí, terá de dois a quatro anos para concluir o estudo. “Entrevistei Márcio, filho de Maurício Roberto, e pesquisei o acervo dos irmãos arquitetos no Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura do Rio, em Botafogo, quando ainda estava disponível para consulta. Atualmente, este material está sendo submetido a um processo de restauração na Universidade Federal do Rio de Janeiro e em breve poderá ser novamente consultado”. O inspirador dos irmãos Roberto, o franco-suíço Le Corbusier, teria ficado impressionado com as inovações propostas no edifício, como destaca Andrea ao relembrar um episódio. “Quando estava no Rio, atuando como consultor na construção do prédio que abriga a representação do Ministério da Educação na cidade, o hoje Palácio Gustavo Capanema, Le Corbusier passou pelo edifício-sede da ABI, ainda em construção, e ficou surpreso ao ver o brise-soleil, uma inovação sua, na posição vertical. Até então, ele vinha sendo construído apenas na horizontal. Le Corbusier mostrou-se espantado com a ousadia dos irmãos, que, digamos assim, passaram à frente dele”, recorda a arquiteta. Andrea destaca outro detalhe do prédio: a planta do Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar. “Achei muito interessantes o jogo de luzes e o amplo espaço de circulação, que permite o convívio das pessoas”, ressaltou. Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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Aconteceu na ABI
Jorge Vianna: a gratidão por servir 60 anos POR B ERNARDO COSTA
Uma placa em homenagem ao funcionário Jorge Vianna, que ingressou na Casa em 1947, com 14 anos de idade, e trabalhou na entidade até morrer, em abril de 2006, foi inaugurada no dia 9 de dezembro no Salão de Estar Vila-Lobos, onde ele trabalhou durante décadas. Estiveram presentes sua filha, Renata Vianna, grávida de Maria Eduarda, e inúmeros associados e colegas que se tornaram amigos de Jorge nas quase seis décadas que ele dedicou à ABI. Jorge Vianna entrou na ABI exercendo a função de mensageiro. Mais tarde, tornou-se auxiliar administrativo e, finalmente, responsável pelo Salão de Estar do 11º andar, onde também se destacava como exímio jogador de sinuca: – Sempre pedia para o meu pai me ensinar a jogar, o que ele fazia lá pelas 19h, quando o movimento estava mais tranqüilo na Casa. Quando ele morreu, vim até aqui para levar o taco dele, de recordação. Engraçado é que recentemente um pedreiro foi lá em casa fazer uma obra e queria negociar comigo para comprar o taco. Claro que não vendi – conta Renata, com bom humor. A "filha do Jorge", como ela se orgulha de ser conhecida entre os sócios que conviveram com seu pai, lembra que também foi criada no 11º andar do edifício-sede da ABI, onde "sempre estava correndo e brincando, principalmente nas festas de fim de ano". Ela diz que o local era a segunda casa de seu pai, que se dedicou ao trabalho na Associação durante quase 60 anos: – Por isso que eu acho importante essa homenagem que ele recebe hoje. Não é qualquer funcionário que se dedica quase a vida toda a um mesmo emprego. Mesmo depois da sua aposentadoria, meu pai continuou aqui, onde criou muitas amizades e tinha prazer de trabalhar. Por tanto tempo de dedicação à ABI, Jorge Vianna se tornou referência no 11º andar, como conta Renata: – Hoje, parece que falta alguma coisa aqui neste lugar. É como se existisse a sinuca, mas sem bolas para jogar. O funcionário Marcelo Farias Cardoso, atual responsável pelo Salão de Estar do 11º andar, relembra quando sorteou Jorge num amigo oculto: – A festa de entrega dos presentes
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Personagem da História POR A DAIL J OSÉ DE P AULA
Presente ao ato, o chargista e cartunista Adail de Paula, membro do Conselho Fiscal da ABI, distribuiu o poema em homenagem a Jorge Vianna Bastos, com uma caricatura dele. É aqui na ABI Araújo Porto Alegre, setenta e um O lugar onde permanece Um personagem incomum: Aquele que não esquece Como testemunha da História De um passado cheio de glória!... Pois o décimo primeiro andar Que tem bilhar, tem barbeiro Tem salão de estar, restaurante Teve época de muito brilhar Com muita gente importante!
foi um dia depois de o Vasco ter ganhado a Copa Mercosul em cima do Palmeiras. Eu já tinha comprado meu presente, mas, antes de chegar à ABI, comprei mais um: uma camiseta do time do coração do Jorge. Exigi que a vestisse e ele não fez por menos: tirou a camisa ali mesmo, mostrou o barrigão, pôs a camiseta e saiu gritando "Vasco!". Momentos antes de a placa ser inaugurada, o Presidente da ABI Maurício
Seu funcionário mais antigo Jorge Bastos de tantos amigos Cá está, largos sorrisos Desde mil novecentos e quarenta e cinco!... Maneiro como ele só Bela alma, boa cuca Lembra casos de Bororó Viu Vila-Lobos na sinuca Foi contínuo de Bastos Tigre: Veja ilustre companheiro o belo tipo faceiro Que continua a nosso lado Sendo agora a memória viva Pois viu um bocado, tempo afora ... Nascido na André Cavalcânti Vivendo na Lapa desde menino Ainda atento, ladino e elegante Renova o humor que não dispensa Aquela cortesia constante Na Associação Brasileira de Imprensa!
Azêdo, destacou a competência e o companheirismo do homenageado: – A ABI presta justa homenagem a Jorge Vianna, grande companheiro que dedicou boa parte da vida à ABI e, por extensão, ao jornalismo. Fazendo menção ao rebaixamento do Vasco da Gama para a segunda divisão, consumado dias antes, Maurício disse: – Acredito que onde o Jorge estiver ele ajudará a soerguer o time.
Escola de tortura é exibido na ABI Um dos documentários mais impactantes dos últimos tempos foi exibido na Sala Belisário de Souza no dia 4 de dezembro, fruto da parceria entre o Cineclube da Casa da América Latina e a ABI. Trata-se de Escola das Américas, filme dirigido por John Smilhula que revela o funcionamento de um centro de treinamento por onde passaram mais de 62 mil oficiais militares latino-americanos, entre os quais torturadores que estiveram a serviço de ditaduras no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Com um currículo que incluía cursos como guerra psicológica, contra-insurreição, técnicas de interrogatório e táticas de infantaria e comando, todos ministrados pelos melhores instrutores do Exército dos Estados Unidos e contando com as mais modernas técnicas e equipamentos, a Escola das Américas ensinou oficiais e soldados de países em desenvolvimento a dominar situações de risco e enfrentar sindicalistas, clero, jornalistas, intelectuais liberais e políticos de esquerda. A partir de entrevistas com autoridades, comentários de personalidades como Noam Chomsky, Eduardo Galeano e Michael Parenti, além de depoimentos pessoais de vítimas da violenta repressão na América Latina, Smilhula e o produtor Andrés Conteris contam a história do centro de especialização de técnicas de tortura, desde sua criação no Panamá, em 1946, até à transferência, em 1977, para o Fort Benning, na Geórgia, onde passou a se chamar Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica. Já em território norte-americano a Escola continuou formando uma média de 700 a 2 mil soldados a cada ano, todos preparados para as mais cruéis e violentas ações, incluindo execuções sumárias. Entre os graduados da Escola das Américas estão tiranos e repressores que comandaram massacres e assassinatos em El Salvador e na Guatemala, desaparecimento de líderes populares na Argentina, apoio a cartéis de drogas no Peru e na Colômbia e golpes por todo o continente. Pelo menos 355 brasileiros teriam sido formados lá. Pessoas que participaram da repressão após o golpe militar de 1964 e deram ao centro alcunhas como "Escola de Ditadores", "Escola de Assassinos", "Escola de Terroristas" e "Berçário dos Esquadrões da Morte".
HISTÓRIA
A ABI NÃO FLERTOU COM A DITADURA. A GRANDE IMPRENSA, SIM ACERVO ABI
A verdade sobre as relações da ABI e seus diretores com o regime militar, tema que historiadores despreparados e apressados apresentam agora de forma distorcida, incompleta e ofensiva aos que enfrentaram a ditadura nas condições ásperas dos anos de chumbo. O papel de Danton Jobim, Presidente da Casa em 1966-1972 e em 1978, na luta em defesa das liberdades que os Generais Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici agrediam e sonegavam, com a cumplicidade dos que agora, travestidos de liberais, reescrevem a História. POR MAURÍCIO AZÊDO
A ABI recebeu como uma ofensa imperdoável a versão de que “flertou com o regime que depois combateria”, como sustentou reportagem publicada em 11 de dezembro de 2008 em O Globo pelo jornalista Chico Otávio, com base em informações que ele levantou diretamente e em outras que obteve, junto com os opinamentos que esta considerou necessário fazer, da historiadora Denise Rollemberg, da Universidade Federal Fluminense. Ao lado de conclusões levianas que difundiram, tanto Chico Otávio como Denise Rollemberg cometeram erros factuais graves, que deixam entrever a superficialidade com que se ocuparam do tema. Logo no começo de seu texto, Chico Otávio afirma que no dia 19 de agosto de 1976 “uma explosão destruiu por completo o sétimo andar da Casa, onde ficava (ficavam) a presidência e a administração”.
Houve uma exacerbação dramática de Chico Otávio ao relatar o episódio, que ocorreu na data mencionada mas não “destruiu por completo o sétimo andar da Casa”. Houve danos graves, sim, mas sem a dimensão que ele menciona. Colocada no banheiro masculino do sétimo andar, no lado onde ainda hoje funcionam a Diretoria e o Conselho da ABI, a bomba destruiu boa parte desse pavimento, mas não todo ele, pois a explosão não chegou, no lado oposto, à Secretaria e à Tesouraria da ABI. que passaram incólumes por essa provação. Diz o texto de Chico Otávio que Denise Rollemberg sustenta que a memória desses dias foi superdimensionada pela ABI e não mostra “um outro lado da entidade, marcado por cautela, diálogo e até afagos nos generais, entre eles o Presidente da República, Costa e Silva, recebido em homenagem na sede histórica da entida-
Nas comemorações do 60° aniversário da ABI, Danton Jobim recebeu com cortesia mais de 300 convidados e proferiu um corajoso discurso em defesa da liberdade de imprensa.
de”. “As deferências ao regime estão presentes em diversos momentos”, diz Denise Rollemberg, que aponta como tal, “e talvez a mais polêmica”, a presença do General Costa e Silva nas comemorações do 60º aniversário da ABI, em 7 de abril de 1968. Costa e Silva, diz ela, “fora recebido com en-
tusiasmo na própria ABI”, o que não é verdade. Elegante no trato com as pessoas, Danton tratou o General-Presidente com a cortesia com que costumava distinguir até os trabalhadores mais modestos da oficina do Diário Carioca, na época em que era diretor-presiJornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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HISTÓRIA A ABI NÃO FLERTOU COM A DITADURA. A GRANDE IMPRENSA, SIM
dente desse importante matutino. Em nenhum momento ele saudou “o novo general presidente com esperança e entusiasmo”, como afirmou a historiadora ao repórter Chico Otávio. E tampouco fez afagos a Costa e Silva e ao ditador que lhe sucedeu, Garrastazu Médici. Na reportagem, ilustrada com uma fotografia que ocupa quase todo o alto da página 8 de O Globo e que mostra Danton discursando, o jornal reproduziu uma mensagem dirigida ao General Emílio Garrastazu Médici pela ABI, que apresenta congratulações pelo pronunciamento em que o novo ditador expôs “seus propósitos de governo”. Na legenda da foto, o jornal trocou o termo congratulações por elogio, que constaria, diz a pesquisa de Denisse Rollemberg, numa ata de reunião da Casa. Em sua mensagem, Danton não faz qualquer concessão ao arbítrio e até revela certa dose de ironia, ao dizer que os propósitos anunciados por Médici “coincidem com ardentes aspirsações dos homens de imprensa, constantemente renovadas pelo voto de nossas Assembléias em favor da paz e da concórdia entre os brasileiros, sob a égide de um autêntico sistema democrático representativo” – sistema de que o novo ditador e o processo de sua escolha constituíam negação. A História reescrita por Denise Rollemberg e difundida por Chico Otávio deixa de mencionar, no caso da presença de Costa e Silva na ABI, o esforço que a Casa fazia para a restauração do direito de dois jornalistas, Antônio Callado e Léo Guanabara, exercerem a profissão, com a anulação do ato da ditadura que os privou do direito de trabalhar. Essa foi uma luta que Danton conduziu com paciência e firmeza, mesmo diante de incompreensões que agora foram reavivadas, como a frase atribuída a Callado de reprovação das gestões da ABI junto a Costa e Silva, das quais o almoço dos 60 anos foi o ponto alto e o momento mais eficaz. Callado, que, tal como Oto Lara Resende, adorava uma frase de efeito, teria dito que “não se deve almoçar com quem quer nos jantar”, afirmação cronologicamente inexata: àquela altura, ele e Léo Guanabara já tinham sido jantados pela ditadura. No texto agora reproduzido, Danton fazia a defesa de pontos que o regime detestava e abolira. Disse ele que a ABI, “invocando uma tradição de mais de 60 anos a serviço da liberdade de expressão e considerando a necesidade de retirar-se a Nação do impasse institucional, vem manifestar a sua plena confiança em que os propósitos de Vossa Excelência conduzam ao respeito à liberdade de imprensa”. Foi nesse ponto que Danton errou: o Governo Médici arrolhou a imprensa, perseguiu jornalistas, torturandoos e matando-os, e instituiu no Brasil um longo e tenebroso período de agressões aos direitos civis, às liberdades publicas e aos direitos humanos. 16 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
DANTON: COM FIRMEZA E SOBRANCERIA A má-fé da dobradinha Chico Otávio-Denise Rollemberg no propósito de amesquinhar a participação da ABI na resistência à ditadura militar fica visível na referência à reunião realizada na Casa em 7 de abril de 1968, a qual é apresentada como destinada à prestação de homenagem ao General Artur da Costa e Silva, então Presidente da República, o que é inexato. Tratava-se, na verdade, do almoço de comemoração dos 60 anos da ABI, para o qual foram convidadas centenas de pessoas. Numa prova do prestígio da Casa, estiveram presentes não apenas o General Costa e Silva, mas também os Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal Militar e do Tribunal de Contas da União, o Governador do Estado da Guanabara, Embaixador Francisco Negrão de Lima, os Presidentes do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa do Estado, o Núncio Apostólico no Brasil, além de diretores de jornais, adidos de imprensa das embaixadas, o diretor da Agência Nacional e associados, diretores e conselheiros da ABI. Eram mais de 300 os presentes, segundo estimou Danton Jobim em seu discurso, no qual ele fez uma saudação especial a uma ilustre convidada: Dona Maurina Dunshee de Abranches Pereira Carneiro, a Condessa Pereira Carneiro, proprietária do Jornal do Brasil, “jornalista de vocação como o pai”. A menção tinha forte justificativa: duas vezes presidente da ABI no começo do século da fundação, foi João Dunshee de Abranches, com “duas presidências providenciais”, relatou Danton, o responsável pela consolidação material da ABI. Em seu discurso, que a ABI editou numa plaqueta com 20 páginas no mesmo ano de 1968, Danton Jobim não prestou qualquer homenagem ao Presidente Costa e Silva, embora declarasse que era uma honra recebê-lo na ABI, referência protocolar que se faz a qualquer autoridade desse nível. “Iremos ouvi-lo, agora – disse Danton — , com a atenção e o respeito que nos merece, numa hora em que os jornalistas de todo o Brasil se mostram desejosos de recolher os conceitos
de Vossa Excelência sobre o papel que atribui à imprensa na vida da Nação.” Como se tratava de um discurso de comemoração de uma data importante da Casa, Danton deu em seu pronunciamento uma aula sobre a História da Imprensa e sobre a História da ABI. “Colocou-se sobre esta mesa – disse –, diante do Presidente da República, uma relíquia desta Casa: o Livro de Matrículas número 1 da ABI. Acha-se aberto na folha 29, na qual se registra a filiação ao corpo social do jornalista Rui Barbosa. Se o folhearmos ao acaso, desfilarão perante nós todos os nomes gloriosos de nossa imprensa no início do século, de Olavo Bilac a Medeiros de Albuquerque, de Ferreira de Araújo a Alcindo Guanabara, de José Carlos Rodrigues a Félix Pacheco, de Coelho Neto a Fernandes Mendes de Almeida, de Raul Pederneiras a Brício Filho, e tantos e tantos outros que seria impossível enumerar. “ “Poderemos dizer que todos, ou praticamente todos os jornalistas insignes do fim da primeira década do século, época da fundação da Casa, acham-se inscritos no rol dos membros da Asso-
ciação Brasileira de Imprensa, que em 1913 crismava-se Associação Brasileira de Imprensa. É que se havia convertido, realmente, em instituição de caráter nacional, o que sempre estivera, aliás, na concepção de seus fundadores.” Em inúmeros trechos de seu discurso Danton pôs em relevo o compromisso da ABI com a defesa da liberdade de imprensa e com os direitos dos jornalistas. “Esta Casa – disse – tem uma tradição de luta. Todos os que a dirigiram no passado bateram-se pela mais ampla liberdade de expressão, tradição que procuramos preservar mantendo a mais completa independência em face dos Poderes Públicos. Nos dois anos de gestão que nos tocaram não se registrou uma única violência contra jornais e jornalistas, da qual tenhamos tido conhecimento, que deixasse de ser assinalada pelo nosso protesto enérgico e imediato.” “A liberdade de imprensa, ontem como hoje, é condição essencial para que exista imprensa eficaz e honesta cumprindo integralmente seu papel numa sociedade aberta e democrática”, disse Danton adiante, acrescentando que “abafar o debate na imprensa das questões vitais que dizem respeito à estrutura econômica ou à estrutura política seria um crime contra o Brasil”. Numa referência às violências contra repórteres e fotógrafos na cobertura das manifestações de rua que então se tornavam freqüentes no Centro do Rio, disse Danton, com “firmeza e sobranceria”, como ele destacou: “Estamos celebrando a data da fundação da ABI, do seu sexagésimo aniversário, em condições excepcionais e adversas para a imprensa. Insistimos, porém, em realizar este almoço porque em circunstâncias graves como estas é que a ABI se afirma confiante em si mesma, acima das contingências e das paixões, desempenhando com serenidade, mas também com firmeza e sobranceria, a missão que lhe cumpre, olhando de frente as dificuldades e provocações, como estas que surgiram inopinadamente dos últimos acontecimentos.” Onde os afagos no regime alegados pela historiadora Denise Rollemberg? (Maurício Azêdo)
As primeiras páginas dos jornais nos dias que se seguiram ao golpe militar transmitiam a idéia de que era normal a derrubada do Governo constitucional; de que eram igualmente normais as cassações de mandatos e o uso de armas para a suposta garantia da democracia. Também procuravam conferir legitimidade ao ditador em seu apelo e seus atos de nomeação.
FLERTE, NÃO. MANCEBIA, E PROLONGADA Embora procure afetar distanciamento dos fatos a que agora está dedicando séries de reportagens e cadernos especiais, como os 40 anos da instituição do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que vitaminou a ditadura ameaçada pelas manifestações da sociedade organizada, a grande imprensa tem pecado pela falta de autocrítica e pela omissão da descrição ou análise do papel que ela própria cumpriu durante o regime militar. Ao contrário do que Chico Otávio e Denise Rollemberg procuraram fazer crer com a tese de que ABI flertou com a ditadura, quem com ela flertou desde o primeiro momento foi a imprensa estabelecida, que fez a pregação do golpe, saudou sua consumação e apoiou as medidas de exceção que o novo regime adotou. A verdade histórica é que apenas a Última Hora de Samuel Wainer e os jornais da imprensa de esquerda – Novos Rumos, semanário do Partido Comunista Brasileiro-PCB; O Semanário, de Osvaldo Costa; A Liga, do Deputado Francisco Julião (PSBPE), Brasil Urgente, dos frades dominicanos de São Paulo – denunciaram a deposição do Governo constitucional do Presidente João Goulart, coroamento de uma conspiração que tinha sólidas raízes no empresariado do País, como demonstraram René Dreyfuss em seu celebrado estudo A Conquista do Estado e Edmar Morel no corajoso O Golpe Começou em Washington, editado por Ênio Silveira em sua editora Civilização Brasileira logo após o golpe militar. Nem mesmo o Correio da Manhã, festejado pela resistência que a sua
proprietária, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, opôs ao regime militar e seus crimes, pode libertar-se da pecha de participação na derrubada do Governo constitucional. Tornaram-se célebres os editoriais que o Correio publicou na primeira página pregando a deposição do Presidente, com títulos agressivos e marcados pela intolerância – Basta!, dizia um; Fora!, dizia outro. Dona Niomar padeceu horrores, depois, com a brutalidade de um primata alçado ao cargo de Ministro da Justiça, Gama e Silva, que chegou a mandar desnudá-la na prisão, para lhe impor severa humilhação. Instalado o regime discricionário, a grande imprensa desde logo demonstrou que manteria uma prolongada mancebia, e não mero flerte, com os novos donos do poder. Ela festejou como natural a espúria “eleição” do General Humberto de Alencar Castelo Branco para Presidente da República por um Congresso cuja composição fora amputada pelos atos de casssação de mandatos e de direitos políticos decretados pelo chamado Comando Supremo da Revolução, à frente o General Artur da Costa e Silva, que pouco depois receberia o galardão de Presidente da República pelo mesmo processo viciado que “elegera” Castelo Branco. A grande imprensa coonestou a partir de então todos os atos discricionários da ditadura que se instalava: as cassações de mandatos; a intervenção nos sindicatos de trabalhadores; o fechamento da imprensa alternativa – depois do golpe, nenhum dos jornais citados voltou a circular; as prisões sem nota de culpa
e sem direito a habeas corpus; as torturas, como as infligidas no Recife ao ex-Deputado Gregório Bezerra sob o comando de um oficial de índole nazista, o Coronel Darci Vilocq; os assassinatos de presos em fuzilamentos consumados com simulações de tentativas de fugas, supostos tiroteios e atos de resistência a ordens de prisão; a imposição da autocensura e, depois, da censura prévia, com censores instalados nas redações de jornais e de emissoras de televisão. Um dos episódios emblemáticos dessa cumnplicidade da grande imprensa com a ditadura e a repressão foi a prisão, no Rio, nas primeiras horas após o golpe, dos membros de uma missão comercial chinesa, que foram apresentados como espíões numa montagem grosseira e inverossímel do então Chefe de Polícia do Estado da Guanabara, Coronel Gustavo Borges, que não só mandou prendê-los como fez questão de comparecer à Delegacia de Ordem Política e Social-Dops, na Rua da Relação, para provocá-los e humilhá-los. Durante vários dias os jornais acolheram sem rigor critico as versões divulgadas pelo Coronel Gustavo Borges e seu preposto no Dops, Delegado Cecil Borer, tristemente celebrizado com o apelido de Boré. Era notório que os chineses eram vítimas de uma farsa, mas nenhum jornal a denunciou como tal. (Maurício Azêdo)
Anunciando o “maior desfile militar da História do Brasil”, a Folha de S.Paulo deu um presente aos seus leitores no dia 7 de setembro de 1972, em plena ditadura do General Médici: a bandeira brasileira, estampada na metade inferior da primeira página do jornal. Na outra metade, esmero ao falar do Governo Federal. Espremida no canto superior à esquerda, a única notícia repercute o atentado terrorista nos Jogos Olímpicos de Munique, que chocou o mundo.
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RESISTÊNCIA
Leilão do Centro Cultural Casa Grande: a polêmica vai para o segundo ato Após mobilização de artistas, intelectuais e jornalistas, fracassou o primeiro leilão do espaço do Centro Cultural Casa Grande, no Shopping do Leblon, Zona Sul do Rio. Mas o RioPrevidência, órgão do Estado proprietário do prédio, ainda promete colocar os cinco andares à venda. Jornalistas, artistas e intelectuais respiraram um pouco mais aliviados desde 27 de janeiro, data que marcou o fracasso do leilão do Centro Cultural Casa Grande – na verdade, cinco andares acima do teatro de mesmo nome, localizado no Leblon. É que nenhum investidor ou grupo demonstrou interesse em arrematar o prédio. Contudo, a efetivação do sonhado centro de cultura em uma das mais valorizadas áreas da Zona Sul do Rio estará, em breve, sob nova ameaça. A realização de um segundo leilão é apenas uma questão de tempo, promete Wilson Risolia Rodrigues, Presidente do RioPrevidência. O fundo de previdência dos servidores e pensionistas do Estado é proprietário do local desde meados de 2008. “Temos consciência de que, no momento do primeiro leilão, o setor imobiliário do Rio, tal como ainda nos dias de hoje, enfrentava um período de recessão e crise. Diante da falta de interessados, optamos por fazer uma enquete com o mercado. Estamos conversando com imobiliárias, com pessoas do mercado financeiro de capitais, administradoras, para saber se é o momento certo para realizar um novo leilão, ou se devemos aguardar mais um pouco. O que é certo, no entanto, é que um segundo leilão vai mesmo ocorrer”, afirma o Presidente do RioPrevidência. A expectativa é de que o estudo para a definição da data do novo leilão seja concluído ainda em março. A justificativa para a realização do leilão, expôs Wilson Risolia Rodrigues, seria um princípio de responsabilidade administrativa e também de lógica matemática: “Sou gestor de um órgão público que tem como objetivo o pagamento de benefícios a seus segurados. Por isso mesmo, é nossa obrigação administrar o ativo de forma a gerar riquezas, caixa. Manter um espaço como aquele fechado, ou rendendo menos do que pratica o mercado, não faz sentido”. Diz o Presidente do RioPrevidência que o valor estimado do prédio é de R$ 75 milhões. “É preciso entender que, se por qualquer motivo, o Estado abre mão desses recursos, ele estará automaticamente se obrigando a realocar verbas que seriam destinadas a outras áreas – como educação, segurança, saúde e a própria cultura – para cobrir o rombo criado no caixa do RioPrevidência. Assim, apenas para preservar a posse sobre um prédio, ele acabaria por prejudicar a sociedade como um todo”, explicou Wilson Risolia, confirmando que a recomendação para que o espaço fosse leiloado partiu do próprio Secretário de Fazenda do Estado do Rio, Joaquim Levy, em nome da saúde financeira do Estado. 18 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
Numeroso grupo de sócios da ABI participou da reunião em defesa do Centro Cultural Casa Grande, causa a que o Presidente da ABI (à esquerda) assegurou o apoio da entidade. Artistas de grande prestígio, como Nicete Bruno (abaixo), manifestaram vigoroso apoio ao movimento.
Muitos protestos contra a decisão do Governo
Apesar das explicações técnicas do Presidente do RioPrevidência, muitos foram os protestos de diversos setores da sociedade contra o leilão do Centro Cultural Casa Grande. Sobretudo a classe artística colocou-se contrária à proposta, posição que recebeu o apoio da ABI. O Diretor do Teatro Casa Grande, Moisés Ajhaenblat, explicou que o leilão viola o acordo que o Estado fez com o Teatro, que cedeu 30% do seu terreno para a construção do Shopping Leblon. Como contrapartida, os responsáveis pelo empreendimento comercial ficaram obrigados a criar um complexo para o desenvolvimento de atividades culturais e acadêmicas, nos cinco andares localizados na parte superior do Shopping. Moisés lembra que, por causa da lei de zoneamento municipal, que é rigorosa, a construção do Shopping Leblon só se viabilizou porque houve a cessão de parte do terreno da casa de espetáculos: “Tivemos que sair do prédio antigo esperando a construção do novo. O Casa Grande ficou quatro anos parado, sem receita, esperando pelo novo teatro e o centro cultural”. No novo espaço, deveriam ou deverão funcionar centros de formação e oficinas de artes em geral, entre outras iniciativas na área de cultura. Encontros realizados por artistas, liderados pelo ator Paulo Goulart, reuniram, entre outros, Edwin Luisi, Nicette Bruno, Hermínio Bello de Carvalho e Tim Rescala. Também se empenharam nas manifestações em defesa do Centro Cultural Casa Grande jornalistas como Ana Arruda Callado, Ziraldo e Zuenir Ventura. Num ato realizado no dia 22 de janeiro, foi numerosa a participação de sócios da ABI ligados à área cultural. Compareceram à reunião os associados Carlos Alberto Caó, Fichel Davit Chargel,
Jorge Nunes, Jorge Roberto Martins, Lílian Nabuco, Manolo Epelbaum, Maria Ignez Duque Estrada, Mário Augusto Jacobskind, Marlene Custódio, Mary Ventura, Nilo Braga e Vitor Iório, além de Ana Arruda, Ziraldo e Zuenir, todos sócios da Casa. Artistas como Fernanda Montenegro e políticos como a Vereadora Aspásia Carmargo (PV), além do Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, enviaram mensagens ao Governador Sérgio Cabral solicitando a suspensão do frustrado leilão de 27 de janeiro. Não obtiveram resposta. Críticas à Secretária Estadual de Cultura
O Diretor do Teatro Casa Grande disse estranhar especialmente o comportamento da Secretária de Estado de Cultura, Adriana Rattes. “A criação desse Centro é um sonho de mais de 20 anos e uma luta de artistas e intelectuais, desejosos de expandir e tornar permanente a ação social do teatro e de recuperar um espaço público. Mas a Secretária diz tão somente que o Estado não tem condições de implantá-lo”. A posição de Adriana Rattes foi alvo de críticas do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, durante um dos encontros com a classe artística. “A Secretária teve um papel destacado no movimento cultural nos anos 70 e 80, como integrante do cineclubismo e posteriormente como criadora de cinemas de forte preocupação cultural, como o Grupo Estação Botafogo, do qual foi uma das fundadoras. Ela me faz lembrar de um conto do escritor
húngaro Ferenc Mólnar. Nele, o personagem está no ponto do ônibus e protesta quando estes passam superlotados e os passageiros amontoados junto à porta não o deixam entrar. Logo depois, ele consegue entrar no ônibus. E aí é ele quem veda a passagem das pessoas que estão à espera no ponto”, disse Maurício. Para Marcelo Barbosa, CoordenadorGeral do Instituto Casa Grande, o movimento contrário ao leilão e em defesa da construção do centro cultural está cada vez mais forte, pois ganhou a adesão da sociedade civil organizada. “No início eram somente artistas, jornalistas e intelectuais engajados nessa luta. Mas agora ganhamos o reforço de entidades como a ABI e a OAB e de uma representação parlamentar suprapartidária, o que acabou institucionalizando o movimento. Isso ajuda porque com esse apoio temos mais representatividade para cobrar das autoridades a sua responsabilidade sobre o assunto”, declarou. Formado em Economia e cedido pela Caixa Econômica Federal, da qual é funcionário, para administrar o RioPrevidência, a convite de Sérgio Cabral e de Joaquim Levy, Wilson Risolia Rodrigues diz compreender a mobilização de artistas, intelectuais e jornalistas em defesa do espaço. “Entendo e acho legítima essa mobilização. Mas quero dizer que, como gestor público e carioca, tenho um compromisso assumido com toda a sociedade, e não apenas com esta ou aquela classe”. O segundo ato dessa história ainda não tem data para acontecer.
ENSAIO
Reflexões à luz de fatores que empurraram o jornal para o abismo das dívidas. Em artigo especial para o Site da ABI (www.abi.org.br), o jornalista Pinheiro Júnior lamenta a interrupção provisória da circulação da Tribuna da Imprensa e procura responder à pergunta: por que foram fechados tantos jornais no Brasil? Repórter nos anos 50 da Última Hora de Samuel Wainer, para a qual fez uma série de reportagens que ficou famosa por abordar um problema que então surgia, o da chamada "juventude transviada", termo popularizado por ele, Pinheiro foi Chefe de Reportagem de UH e, depois, editor de O Globo. É transcrito a seguir o texto de seu trabalho, mantidos o título, subtítulo e os intertítulos de seu original: POR PINHEIRO JÚNIOR
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ENSAIO POR QUEM OS SINOS DOBRAM? DOBRAM PELA TRIBUNA E POR TODOS NÓS
Da chantagem nacional do papel subsidiado à planetária crise econômica: por que foram fechados tantos jornais no Brasil? Com o fechamento da Tribuna da Imprensa – ou sua redução à internet e a um claudicante e heróico semanário – acentuou-se mais a concentração de jornais impressos nas mãos (e nos bolsos) de uns poucos magnatas da mídia. fenômeno não é novo. Minuciosamente, esta concentração foi estudada como monopólio pelo historiador Nelson Werneck Sodré. Que o registrou na sempre atual História da Imprensa no Brasil (1977/Graal). Segundo o que ali está escrito (página 471), o monopólio da comunicação seria no mínimo uma distorção democrática. Distorção – ou degradação? – pela primeira vez trazida a público em forma de denúncia há 54 anos durante um congresso de jornalistas em Belo Horizonte. Monopólio, no sentido de açambarcamento e domínio de mercadoria, era então um termo relativamente novo. Ou pouco empregado com relação à imprensa caracterizada no Brasil pela diversidade empresarial. Só então se acordavam as consciências para o problema que acentuaria a pobreza cultural do século XX no Brasil humilhando notadamente a imprensa regional. Indigência que desafia ainda hoje o já distante fim da sempre culpada ditadura, toldando, mesmo que parcialmente, o retorno à eleição de presidentes e congressistas com representatividade democrática. E tanto mais se acentua o vácuo cultural quanto mais fica evidente que a cultura e o saber dependem da informação escrita, destacando o jornal como sua ponta mais popular e imediata. É verdade, porém, que ocorreram na combalida República pelo menos dois mandatos presidenciais de completa trégua para a imprensa. Selaram-se nestes períodos a liberdade editorial e um conseqüente estímulo às informações confiáveis e independentes. Graças aos Governos de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, de personalidades marcadas pelo respeito e tolerância para com idéias e opiniões contrárias. Entre um Presidente e outro, o reduzido Governo de Jânio Quadros também não foi de intolerância. Mas JQ assumiu deblaterando contra o volume de papel comprado a dólar subsidiado para a grande imprensa, mostrando como exemplo/escândalo a alfarrábica edição dominical de O Estado de S.Paulo. Uma exibição em horário nobre da TV que funcionou como argumento final para a revogação, sem maiores protestos, do controvertido privilégio do papel sob subsídio oficial. 20 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
Ao contrário de muitos outros, JK e Jango foram presidentes que deram realmente garantias totais aos jornais. Asseguraram inclusive o livre acesso aos insumos e acessórios jornalísticos nunca arranhando direitos de dizer e de interpretar mesmo de críticos declaradamente inimigos. Caracterizando os ataques quase sempre como injustos e absurdos, esses críticos tinham a construção de Brasília e novas conquistas sociais (a maioria apenas prometida) como temas centrais de um denuncismo duvidoso e reacionário. E que partiam exatamente de onde? E principalmente de quem? Desta aguerrida Tribuna da Imprensa e da implacável verve de seu fundador e principal articulista – o tribuno Carlos Lacerda. É verdade que outros jornais do Rio, São Paulo e Minas se incorporavam às campanhas. Como se houvesse na mídia uma articulação orquestrada com fins golpistas. O controle dos jornais pelo estado Foi em 1955 que se reuniu em Belo Horizonte o marcante VI Congresso Nacional de Jornalistas. Presentes representantes da decana ABI, da recémfundada Fenaj e de incipientes entidades sindicais de alguns Estados. Levantou-se então o problema que se apresentava aflitivo para profissionais do jornalismo distanciados das benesses do Poder. Tratava-se de um resíduo realmente sólido/insólito da ditadura Vargas derrubada há dez anos. Um lixo que se acentuava com inesperado assédio governamental ao noticiário e, principalmente, aos editoriais. Materializava-se assim, novamente, a tentativa de domínio dos jornais pelo Estado. Controle que se pretendia e se manifestava através do processo discriminatório de importação e exigências para o fornecimento de papel apenas a jornais de circulação comprovadamente diária. Essas imposições instrumentavam, na verdade, uma pressão que descambava para a chantagem oficial. Ou oficiosa. Sob critério duvidoso, jornal sem bom comportamento não poderia usar papel linha dágua, que era a marca indelével do papel importado sob generoso câmbio oficial. O representante do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro – Orlando Bonfim Júnior – tinha pronta em Belo
Horizonte uma pesquisa demonstrando que, nos cinco anos anteriores, o recurso cambial de limitação à liberdade de imprensa apresentava uma face, não absolutamente nova, mas de características políticas e econômicas ainda mais perversas. Porque, afinal, desde 1945, com a derrocada do fascismo na Europa e o conseqüente fim do Estado Novo no Brasil, a expectativa da sociedade apontava para o mais amplo direito à opinião e ao ato de noticiar de forma multiplicada ao alcance de todos. Em tese, o papel subsidiado deveria funcionar como o agente mais importante do pretendido salto cultural. Era uma esperança que deveria atingir também, de forma diferente, a expansão do rádio e, muitos anos mais tarde, as televisões cujos canais foram concedidos pelo Governo a particulares com prestígio e, vamos dizer, com comprovada capacidade empresarial. As tevês promoveram logo uma revolução na imprensa. E haveriam de crescer dominadoras da consciência e do comportamento populares por conseguirem impor suas imagens com a onipresença que o jornalismo escrito jamais alcançaria. Porém, para solidificar o futuro promissor, contribuiria não apenas o aumento vegetativo da população. Seria importante também o barateamento de apetrechos e insumos destinados à mídia impressa. Mas, importante mesmo, seria o crescimento do índice de escolaridade da população. Reduzir o analfabetismo, ampliar a escola pública e botar o brasileiro para ficar em sala de aula o maior número de anos possíveis até que conseguisse estar pronto para galgar cursos técnicos e universitários. E pronto, portanto, para saber ler, entender e até julgar o que publicam jornais e revistas. A vulnerabilidade dos mais pobres No entanto estava ali, posta à execração jornalística naquele encontro de Belo Horizonte, o sistema de quotas de papel estabelecidas com generoso e discriminatório câmbio, rotulado popularmente de dólar-jornal. Mesmo com o desenvolvimento da indústria nacional de celulose e papel a partir da era JK, que reduziu a níveis menos alarmantes a dependência de importações canadenses e finlandesas, a denúncia de Bonfim Júnior em 1955 pode parecer bem atual se nos abstrairmos das mudanças globais intrínseca e especificamente tecnológicas. Em síntese, dizia ele o seguinte: – Há uma tendência no sentido de tornar inacessível aos jornais mais pobres esse elemento essencial que é o papel de imprensa. Mantendo-se nesta batalha que mais se politizaria com seu ingresso na Imprensa Popular, a vida deste jornalista desafiador de interesses poderosos ficou em perigo após o golpe de 1964. Os empastelamentos promovidos pela direita paramilitar não se abateram
apenas sobre as edições de Última Hora do Rio a Recife. Os jornais orientados pelo PCB foram simplesmente exterminados pela Polícia. E só não o foram completamente porque se refugiaram na clandestinidade ganhando os subterrâneos da mídia. Mas Bonfim Júnior acabaria por ser assassinado. Como era notória sua militância comunista, foi preso em 1975. Mesmo ano do mais rumoroso dos assassinatos de jornalistas – o de Vladimir Herzog, da TV Cultura de São Paulo. Os carrascos do Doi-Codi tentaram fazer crer que ocorrera um suicídio no caso Herzog. Descobriu-se mais tarde que tanto ele como Bonfim Júnior haviam sido torturados até à morte, segundo confissão de "fontes militares", assim identificadas pelo Estadão e a Folha de S. Paulo, que tentavam romper o silêncio imposto pela censura, Bonfim Júnior foi sepultado em segredo. Onde, a família não sabe ainda. E reclama seu corpo mobilizando permanentemente a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Mas, se na metade do século passado a discriminação cambial e a chantagem do papel podiam provocar o fechamento de muitos jornais País afora, o advento da ditadura militar em 1964 ressuscitou estas ferramentas econômico-financeiras em forma de atrocidade sem qualquer sutileza oficial. Durante os anos de chumbo foram a aberta censura, o explícito boicote econômico e a perseguição policial direta nas redações os responsáveis pelo fechamento dos mais importantes jornais da época. Finaram seus dias de luta pelo direito do povo à notícia e à liberdade de opinar pelo menos quatro grandes jornais com circulação nacional: Diário Carioca, Diário de Notícias, Correio da Manhã e Última Hora. Milhares de profissionais foram lançados ao desemprego, de 1965 (fechamento do Diário Carioca sob a direção de Danton Jobim) até 1972 (fim da Última Hora de Samuel Wainer). Quando não ficavam pura e eventualmente sem emprego, jornalistas eram aprisionados ou empurrados para o exílio sob acusação de delitos que encerravam, por vezes, apenas e incautas discordâncias ideológicas. Desta situação de penúria ou tortura declarada a luta clandestina ficava a um passo, podendo significar para muitos, inclusive, opção única de sobrevivência imediata. Foram mais de 20 anos de repressão político-militar que nem o Estado Novo de Vargas ousou impor ao País com tal ferocidade. Estabeleceram-se inéditas perseguições que acentuaram ainda mais a castração ao direito da propriedade de empresa jornalística. Restringia-se o privilégio a uns poucos órgãos que apoiavam o regime militar e estavam aptos, segundo a lógica da ditadura, a gozar de benesses econômicas e confiança irrestrita por parte de anunciantes poderosos, mas vulneráveis, também eles – os anunciantes – às sanções militares. Assim, jornais marcados
por veleidades libertárias foram se esfacelando um a um. E eis que agora, como numa volta ao passado de terror, o fim das edições diárias da Tribuna da Imprensa dirigida por Hélio Fernandes – célebre pelo inconformismo e a irreverência – parece reforçar a convicção de que a ditadura não acabou. Sobrevive em sanções econômicas. Está viva na proverbial lentidão e na sempiterna apatia da Justiça e de outros poderes decisórios de uma República que não cuida de salvar sua débil democracia. Enquanto isso, a sonhada liberdade e a diversidade empresarial, ainda que sob a tutela de insuspeitadas circunstâncias que escapam à compreensão do leitor comum, são cada vez mais reféns de forças econômicas que se impõem com descaramento multinacional. Ou, como se diz eufemisticamente, com globalizada desenvoltura. E, como se sabe, se a economia conduz a política, é obvio que determina também a perenidade ou não dos jornais. A franqueza de David Nasser Não seria despropósito lembrar, ante tantas adversidades e descontentamentos profissionais, um velho e insuspeito depoimento. Deu-o o repórter David Nasser, cronista da revista O Cruzeiro, morta em 1975. Foi a maior e mais prestigiosa revista que o País já conheceu. Mas aderiu à ditadura com tais ímpetos e transações que acabou ligada tragicamente ao seqüestro e assassinato de seu último dono, Alexandre von Baumgarten, que tentava o relançamento da revista sob secretos auspícios de próceres da ditadura. A entrevista de Nasser está também registrada por Nelson Werneck Sodré (página 479 da História da Imprensa no Brasil). Com sarcástica clareza, Nasser falou o que foi interpretado na época como simplória visão do panorama e do movimento jornalístico. Uma atividade – quem ignora? – que não se moveria nunca de outra forma numa sociedade desejadamente capitalista. Falando, porém, como não se deve falar "de corda em casa de enforcado", disse Nasser o que não se dizia abertamente e com toda franqueza a outra revista de prestígio – a Manchete – que fazia dobradinha com a novel tv do mesmo nome. Ambas haveriam de se desintegrar empresarialmente, arrastando-se a revista, penosa e heroicamente, com esporádicas edições carnavalescas, até os dias de hoje. Era uma publicação que sobreviveria, portanto – e Adolpho Bloch sabia sob que condições – às agruras impostas por uma submissão humilhante aos militares. Manchete estampou as declarações de Nasser na edição de 15 de outubro de 1965. Dizia ele: – No Brasil nunca houve, na realidade, liberdade de imprensa. O que
existe e sempre existiu é a opinião do dono do jornal. Abancava-se o entrevistado na experiência dos (quase também extintos) Diários Associados fundados pelo lendário Assis Chateaubriand e herdados por um complicado condomínio nacional, sob o qual o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro se mantém ainda hoje como a jóia remanescente da coroa. Nasser disse então mais o seguinte: – No jornalismo, como vocês sabem, só se faz fortuna sendo picareta ou então alugando a opinião. Nasser era rico. Como não se imaginava que um repórter pudesse ser. Menos, certamente, do que o fôra seu patrão e mestre Chateaubriand. Mas dispunha até de guarda-costas que integravam o Esquadrão da Morte – a organização policial-criminosa apaniguada pelo chefe de Polícia Amauri Kruel, o comandante do Segundo Exército em São Paulo cujo apoio, na madrugada de 1º de abril de 1964, decidiu a derrubada de Jango, que o julgava um confiável aliado. O corollarium de Roberto Marinho Um dos mais importantes editores de Última Hora Rio e Recife, da também extinta revista Realidade e do vitorioso diário O Globo – o jornalista Milton Coelho da Graça – falando sobre o pretenso sacramento da liberdade de imprensa em recente reunião do Conselho Deliberativo da ABI, lembrou que quem sabia das coisas era Roberto Marinho. E citou famosa frase do incontestável empresário construtor da organização hoje galvanizada em cadeia de jornais, redes de rádio e tv, produções cinematográficas e fonográficas, além de insuspeitados negócios comerciais, industriais e bancários. Quem não tomou conhecimento ainda desse oligopólio apresentado como
símbolo do triunfo do mercado aliado ao jornalismo e da acertada gestão administrativa? Ao contrário do Jornal do Brasil, que se consome e se definha sitiado por turbulências financeiras atribuídas a gestores distantes da realidade, vamos dizer, do jornalismo empresarial. Eis o corollarium de Roberto Marinho citado por Milton Coelho: – Sagrado em jornal, meu filho, só existe o anunciante. "Uma verdadeira proposição empresarial" – concordam mesmo os céticos e apáticos. Quanto ao apoio dos declaradamente antiéticos, não consideram eles o drama pessoal e coletivo da profissão. A robotização das redações. O aviltamento dos salários. A apuração dos fatos manipulados e virtualmente cafetinizados por imposições e veiculações através de agências e órgãos de comunicação afiliados à matriz das notícias sem a correspondente remuneração por direito de propriedade intelectual. Para emergir desses escombros, escapar do fantasma das demissões e manter alguma fidelidade a ideais aprendidos em boas escolas de Jornalismo, ao profissional consciente só restaria uma limitada ascensão de carreira em busca de notória capacidade e poder para influir empresarialmente. Tudo isso implica com clareza a redução do poder dos jornais. Ao tempo em que se capitalizam podem estar perdendo leitores. Muitos se convertendo em vistosos catálogos de anúncios com ou sem sinal de matéria paga. Parecendo apontar essa sobrepujança da informação publicitária – paradoxalmente aliada à debilidade da missão primeira dos jornais – para uma total e revolucionária mudança na mídia que se contorce buscando caminhos ao longo deste terceiro milênio de irremediável e imprevisível informatização. Mesmo sob alta credibilidade documentada por ibopes, o jornal diário, o rádio e a tv estão visivelmente desprestigiados. Estão deixando de ser o tão badalado "quarto poder". E têm circulação e audiência reduzidas a cada dia, a cada novo impacto econômico ou tecnológico. Culpar a concorrência da internet – como há meio século os jornais culparam a tv –, acreditar na penetração de infindáveis sites e desarvorados blogs para explicar esta nova vertigem é no mínimo reducionismo jornalístico. Um admirável mundo novo? Algo mais magnificente, por assim dizer, há de surgir para a mídia-jornal sobreviver. Pelo menos é o que se espera. E se for o caso, ganhar vida nova dentro de um processo de reciclagem sem a tradicional dependência da prensa, da tinta e do papel. Inserindo-se no contexto desencadeado pela era digital que coloca tudo na palma da sua, da nossa, na mão de todos. Na ponta dos dedos,
melhor dizendo, para facilitar a leitura ao alcance dos mais variados nichos de interesse. Como parece ocorrer com a magia da sempre polêmica internet. Fundada em pleno ano do Ato-5 (1968), a pragmática revista Veja debate-se agora – exemplarmente! – para antecipar o que seria esse admirável mundo novo (Aldous Huxley que nos desculpe pela apropriação). Garante a publicação – menina dos olhos da família Civita, da Editora Abril – que já tem à disposição de leitores e internautas uma estrutura digitalizada idêntica às páginas impressas da Veja, cuja instrumentação simula o manuseio do papel com o usuário podendo navegar "como se estivesse com uma revista nas mãos". Outras publicações, como o Jornal do Brasil, desenvolvem também o recurso. Mesmo porém sensorialmente confortáveis, são recursos ainda pífios que, por enquanto, só fortalecem o insubstituível conceito de permanência/imanência que as publicações impressas em papel gozam por poderem ser tocadas, transportadas e estocadas em hemerotecas públicas ou caseiras. Ter um jornal nas mãos, dobrar uma revista, marcar ou recortar detalhes de notícias e artigos: quando o ser letrado se submeterá a tais renúncias? Mas como nada acontece por acaso, jornais do mundo inteiro tremem e gemem com sombrias (e mais concretas) manchetes sobre a atual crise econômica que irrompeu através das fronteiras dos Estados Unidos. A depressão se instalou no mundo inteiro e se acentua dia a dia. É um drama em escala coletiva tão inédita quanto também pessoal. E que conduziu a jornalista britânica Lucy Kellaway a investigar, para o Financial Times, o que vai pela alma de milhares, talvez milhões, de vítimas das demissões em massa. Considerou ela (Valor Econômico, 26 a 28/ 12/2008, página D8) que tanto para demitidos como para não demitido há "uma orgia de medo". E é fácil compreender por que quem ainda tem emprego sofre tanto quanto. Ou mais. O drama da Tribuna da Imprensa não se relaciona diretamente com a crise global advinda do chamado subprime americano. Mas seu desfecho a 2 de dezembro último, com repórteres, redatores e editores sem receber pagamentos há pelo menos quatro meses, é no mínimo uma sincronicidade jungueana. Que enlutou e colocou em alerta toda a família jornalística. O que nos leva a concluir como o poeta inglês John Donne, inscrito com seu lírico saber no pórtico do romance de Ernest Hemingway – Por Quem os Sinos Dobram (1956, tradução de Monteiro Lobato, Companhia Editora Nacional). Porque, se a liberdade e a própria vida humana não são uma ilha isolada, são um arquipélago, nenhum jornal morre sozinho: – ... E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por Ti. José Alves Pinheiro Júnior é Conselheiro da ABI e escreve novelas não-ficção baseadas em notícias e reportagens.
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do democrata eram a cor da pele e o nome muçulmano, e como isso poderia redimir o passado escravocrata do país e recalibrar suas relações com o mundo islâmico, além de representar o fim da desastrosa era Bush. Mas nos EUA Bush não era impopular por ser fundamentalista religioso, porta-bandeira da direita cristã, retrógrado, imperial e apatetado como muitos mundo afora o viam. Era impopular, mas porque a guerra no Iraque não deu certo e a economia estava arruinada. – diz o correspondente de Veja André Petry. Principal semanal de informação no Brasil, Veja não planejou sua cobertura para não se engessar à rigidez da pauta. Como outros grandes veículos brasileiros, voltava suas baterias para assuntos de relevância do momento. Foi assim que um tema que não seria enfocado no começo da campanha ganhou grande destaque no decorrer da disputa: a religião. Apesar de McCain e Obama não serem considerados devotos para os padrões norte-americanos, as declarações do reverendo Jeremiah Wright, expastor do democrata, insinuando que o vírus da aids foi criado pelo governo norte-americano para destruir os negros e que Obama compartilharia dessa opinião, tornaram a fé um ponto “quente”. – Tentamos dar a dimensão exata do que Obama representa lá. O fato de tudo isso ser meio deslumbrante é inevitável. Tudo nos EUA vira espetáculo. No mundo todo, boa parte da imprensa vive do espetáculo. A própria política, esterilizada pela força estupenda dos mercados, tem sido cada vez mais um espetáculo. Como afirma o ditado: “quem mora no Império Romano precisa entender o que se passa em Roma”. – completa Petry.
Veículos do Brasil dão espaço inédito para as eleições nos Estados Unidos, encontram boas fórmulas, mas poucos conseguem fugir do modismo e da superficialidade. POR MARCOS STEFANO
“Sim, nós podemos!” Foram 21 meses de campanha até que o slogan do democrata Barack Obama conquistasse definitivamente os Estados Unidos e ele fosse eleito o 44º Presidente da nação, derrotando o republicano John MacCain. Nesse tempo, Obama saiu da condição de aposta para se tornar um fenômeno e não apenas em seu país. Também no Brasil as eleições norte-americanas receberam um destaque inédito, com uma cobertura longa e muito intensa da imprensa. Um massacre de informações na televisão, no rádio, em revistas, em jornais e na internet, com diversas pautas diferenciadas e criativas. Mas também muita repetição e superficialidade. Em diversos aspectos, essa corrida à Casa Branca foi diferente. Já nas prévias democratas houve a primeira disputa histórica: uma mulher contra um negro tentando chegar à liderança da nação. Quando Hillary Clinton retirou sua candidatura, Obama tornou-se o centro dos holofotes. Já pelo nome chamava a atenção: era Barack (nome africano) com sobrenome Hussein (de origem árabe) e Obama (bastante popular em uma tribo do Quênia). Sua trajetória meteórica foi comparada pela imprensa brasileira com casos recentes e bastante parecidos daqui. Como Fernan22 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
do Collor de Melo, Obama é jovem e ganhou rápida popularidade com status de salvador da pátria. Já com Lula, tinha a semelhança de não ter experiência em cargos executivos. Sua vitória impressiona ainda mais pelo passado escravocrata norte-americano e pelo imenso preconceito vigente no país há apenas meio século. Em uma interessante comparação, a revista Veja lembrou que se Obama tivesse nascido “há 143 anos, seria propriedade de um senhor de escravos. Há 54 anos, suas filhas, Malia e Sasha, 10 e 7 anos, não poderiam se matricular em uma escola freqüentada por brancos. Há 47 anos, quando ele nasceu, negros não podiam votar nem ser votados”. Seu passado ligado ao Terceiro Mundo e a impopularidade de George W. Bush fizeram com que Obama se se transforma em uma esperança de melhorias para todo o mundo. Ainda assim, nos EUA sua vitória só se consolidou nos últimos dias de campanha, principalmente por causa da grave crise econômica que começava. – Em nossa cobertura, tentamos transmitir ao leitor o significado da eleição para os próprios norte-americanos. Fora dos EUA, os dados mais distintivos
Obama teve participação generosa nas capas das revistas semanais brasileiras e em reportagens especiais.
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O suplemento especial do Estadão sobre as eleições americanas (esquerda) publicado no dia 2 de novembro, e a edição do dia 5, com a notícia da vitória do presidente negro.
Brasil porque os democratas são mais protecionistas. Isso já não é mais verdade. Ambos são protecionistas. A diferença é que os democratas o fazem com subsídios. Mas a grande imprensa embarcou nessa idéia ao colocar opiniões prontas e pasteurizadas. Outro problema que vi em algumas revistas é que se confunde muito jornalismo factual e opinião: o repórter tece comentários sem ouvir fontes entendidas e sem citar argumentos. – aponta a jornalista Fhoutine Marie Souto, especializada em Jornalismo Internacional e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc-SP). Mas se a “fórmula do comum” imperou em boa parte dos veículos, que basearam sua cobertura apenas em materiais de agências e nas declarações de fontes tradicionais, também houve algumas boas – e surpreendentes – ações. Jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo publicaram cadernos e suplementos especiais sobre temas como religião e o perfil do eleitorado norteamericano. Para tanto, enviaram correspondentes especiais que viajaram o país para fugir do óbvio. – Reconheço que o leitor assíduo deve ter ficado cansado, pois nessas eleições houve mesmo esse massacre de informações. Mas procuramos fugir disso evitando repetição das mesmas pautas dos anos anteriores. Mergulhamos no mundo de imigrantes, operários, negros e militares,
mostrando como pensam os eleitores em matérias escritas por brasileiros, aprofundamos a opinião em artigos opinativos e tentamos deixar claro esse papel do Obama, de um outsider, um fenômeno de comunicação. – explica José Eduardo Barella, Editor de Internacional do Estadão. Na eleição e na posse de Obama, o jornal trabalhou com seu correspondente em Washington, enviados especiais, material de agências e reportagens de veículos norte-americanos. Também mobilizou os dez profissionais da editoria na cobertura, que foi bem planejada e durou um ano e meio. – Hoje, a cobertura feita pelos veículos tornou-se muito igual. Cada vez mais é difícil dar “furos” nessa área. Por outro lado, o interesse é sempre maior, apesar de que desta vez o fator decisivo para tamanho espaço tenha sido a crise econômica. – analisa Barella. Obama não é o primeiro fenômeno político que vira Presidente dos EUA. Outro democrata, Bill Clinton, teve ascensão semelhante nos anos 90, embora a mídia brasileira não tivesse dado tanto destaque, mesmo que sua eleição tenha acontecido logo após a Guerra do Golfo. – Claro que a forte carga simbólica carregada por Obama e a crise econômica ajudaram a aumentar no interesse pelo assunto. Até mais que em outros anos.
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Desequilíbrio e adulação
Nos Estados Unidos, monitorar a cobertura da mídia é fato corriqueiro. Foi assim que o Project for Excellence in Journalism (PEJ) do Pew Research Center descobriu que a cobertura dos veículos locais pendia para Obama. Enquanto o candidato democrata teve destaque em 78% das notícias, seu oponente só conseguiu em 51%. Uma das justificativas apresentadas para os desequilíbrios na cobertura seria a de que Obama tem “maior potencial noticioso por representar uma novidade” e que a sua “possibilidade de chegar ao poder era maior”. – Tudo bem que a candidatura do Partido Democrata era histórica e Obama simbolizava o novo, mas jornalisticamente o tratamento não foi correto. – analisa Tom Rosenstiel, Diretor do PEJ e co-autor do livro Os Elementos do Jornalismo – O Que os Jornalistas Devem Saber e o Público Exigir. Apesar dos elogios e muita adulação que Obama recebeu de boa parte da mídia brasileira, por aqui não existe ainda nenhum estudo semelhante. O que não impede os pesquisadores da área de apontar algumas derrapadas de boa parte da imprensa: – Muitos veículos ainda estão presos a velhos estereótipos que não são mais verdadeiros. Por exemplo, o de que os republicanos seriam melhores para o
A posse de Obama teve show com grandes astros da música pop e aparições de atores e políticos de destaque e foi retransmitida por vários canais de tv a cabo no Brasil, além de receber atenção especial dos principais telejornais do País. A Marvel Comics aproveitou a popularidade de Obama para criar uma história em quadrinhos onde ele contracena com o popular Homem-Aranha. A revista será lançada também no Brasil.
Mas não vejo como uma tendência. Cada época tem seu atrativo. Nas duas eleições anteriores, o decisivo apoio da direita norte-americana para eleger Bush e o atentado de 11 de Setembro foram os catalisadores do interesse. – afirma a jornalista Thais de Mendonça Jorge, editora do site Mídia e Política e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB). Para ela, o discurso de “sim, nós podemos!” contaminou grande parte da imprensa, inclusive a brasileira. Enquanto McCain era retratado com um veterano de guerra, experiente, mas pouco confiável, Obama passou a ser visto com esperança, confiança no processo democrático e num mundo melhor, valores que os brasileiros perseguem há muito tempo e são melhor recebidos se vêm do “eldorado” do capitalismo, os Estados Unidos. – Do ponto de vista da propaganda e da informação, a cobertura foi positiva. Se parcial ou não, só dá para saber com algum estudo. Mas é claro que houve o encantamento de diversos veículos brasileiros. É algo perigoso, pois pode deixar de lado questões práticas e políticas, especialmente aquelas que dizem respeito ao mundo e ao Brasil.
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Liberdade de imprensa
Atentado à Rede Anhangüera fere a liberdade de imprensa Ataque à sede do grupo, localizada em Campinas, SP, é alvo de manifestação da ABI, que cobrou do Governador José Serra empenho nas investigações. Um ato violento de ameaça à liberdade de imprensa no Brasil. Assim foi classificado pela ABI o atentado praticado contra a Rede Anhangüera, ocorrido na noite de 21 de janeiro. Localizada na Vila Industrial de Campinas, a sede do grupo foi atacada por três homens que desembarcaram de um veículo Gol de cor cinza, quebraram o vidro de uma das janelas do andar térreo e arremessaram uma granada que felizmente não foi detonada. A ação mereceu o repúdio da ABI, que enviou ofício ao Governador de São Paulo, José Serra, no dia 26 de janeiro. Na mensagem foi solicitada a rápida apuração do atentado com a imediata identificação e responsabilização dos seus autores. “Este episó-
dio reveste-se de extrema gravidade, pois demonstra que os seus autores não vacilam em recorrer a atos que podem causar danos de monta a pessoas e bens, e o fazem certamente em represália a noticiário divulgado pela Rede Anhangüera de Comunicação”, diz a mensagem da ABI. “A ABI registra que a Delegacia de Investigações Criminais-DIG, através do Delegado Seccional em Campinas, Paulo Tucci, iniciou logo investigações para identificação dos autores do atentado, as quais poderão alcançar o nível de eficácia desejável na medida em que forem colocados à disposição dessa autoridade os recursos necessários ao êxito de seu trabalho. É desejável também, Governador, que sejam ado-
tadas medidas de proteção aos bens da Rede Anhangüera e seus trabalhadores, a fim de evitar a repetição de violência dessa natureza, que atinge importante segmento do jornalismo regional do Estado de São Paulo e fere a liberdade de imprensa no País”, concluiu o ofício. A ABI também enviou mensagem à Rede Anhangüera com palavras de apoio a todos os profissionais da empresa. Outras importantes instituições, como a Unesco, a Associação Nacional de Jornais-ANJ e a Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj também enviaram mensagens de solidariedade ao grupo, cobrando medidas enérgicas do Governo nas investigações. A Rede Anhanguera de Comu-
nicação edita os jornais Correio Popular, Diário do Povo, Notícia Já, Gazeta do Cambuí, Gazeta de Piracicaba e Gazeta de Ribeirão, a revista Metrópole, além de manter a Agência Anhangüera de Notícias, o portal Cosmo Online e a gráfica e bureau GrafCorp. O Presidente da Rede Anhangüera, Sylvino de Godoy Neto, avaliou o atentado como uma criminosa tentativa de intimidação, que afronta a civilidade e a liberdade de expressão. “Tamanha violência contra um órgão de imprensa não foi empregada nem mesmo nos anos mais sombrios da ditadura militar”, afirmou. As investigações sobre as causas e autoria do atentado correm em segredo de justiça, informou a Polícia Civil de Campinas.
ABI contesta processo contra jornalistas do Comércio da Franca Renata Modesto e Marcos Junqueira são acusados de ‘crime contra a honra’ do Delegado José Carlos de Oliveira.
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LUIZ SILVEIRA/SCO/STF
A ABI criticou o inquérito em que os repórteres Renata Modesto e Marcos Junqueira, do jornal Comércio da Franca, do Grupo Correia Neves, são acusados pelo Promotor de Justiça Claudemir Aparecido de Oliveira de praticarem “crimes contra a honra” ao relatar comportamento equivocado do Delegado José Carlos de Oliveira no dia 27 de dezembro de 2007. A acusação é feita com base na Lei de Imprensa, cujos artigos 21, 22 e 23 de condenação penal estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião o delegado teria protagonizado uma confusão no plantão policial. Testemunhas afirmam que José Carlos, muito alterado, teria xingado um policial militar, chamando-o de “policialzinho de merda”. Em depoimento, o PM confirmou a agressão, além de ameaças feitas pelo delegado. Mesmo assim, o promotor insistiu em enquadrar os jornalistas na Lei de Imprensa, por entender que os repórteres teriam ofendido o delegado na reportagem que publicaram. Em mensagem encaminhada no dia 4 de fevereiro ao Editor de Opinião do Comércio da Franca, Luiz Neto, o Presidente da ABI escreveu: “A ABI ficou estarrecida diante da
Promotor denunciou jornalistas com base na Lei de Imprensa que foi suspensa pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto
informação de que o Promotor Claudemir Ademir de Oliveira denunciou os jornalistas Renata Modesto e Marcos Junqueira, por crime contra a honra com base em disposições da Lei de Imprensa (Lei n° 5.250/67), cuja aplicação está suspensa por decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, até que a Suprema Corte volte a apreciar a Argüição de Descumprimento de Preceito Constitucional ajuizada através de seu partido pelo Deputado Miro Teixeira (PDT-
RJ), membro do Conselho Consultivo da ABI”. “Estranha a ABI que o ilustre Promotor não se tenha dado conta da inaplicabilidade das disposições com que pretende punir os jornalistas, pois o julgamento da Argüição mencionada foi um dos fatos mais destacados da atividade do STF no ano de 2008. Não pode esse digno membro do MP de São Paulo alegar que tais disposições estavam em vigor quando ocorreram os fatos de que se queixa o Delegado José
Carlos de Oliveira, ocorridos em dezembro de 2007, quando é sabido que a lei penal só pode retroagir para beneficiar o possível agente de delito. Além de apresentar sua vigorosa solidariedade aos companheiros denunciados e ao Comércio da Franca, que sofre uma intolerável agressão à sua liberdade de informar, a ABI considera necessário dirigir um apelo ao Promotor Claudemir Ademir de Oliveira para que reconsidere sua manifestação”, concluiu Maurício Azêdo. A editora-chefe do Comércio da Franca, Joelma Ospedal, assim como a ABI, mostrou-se indignada com o indiciamento dos dois profissionais. “Publicamos rigorosamente a verdade, ninguém desmentiu, não houve erros e, ainda assim, sofremos um processo. É um absurdo jurídico. Sentimo-nos tolhidos em nossa liberdade de atuação. Qual é o sentido de fazer jornalismo se somos penalizados por dizer a verdade? Será ainda mais absurdo se chegarmos a um tempo em que tivermos que pautar o noticiário pelo que ‘pode’ ou ‘não pode’ dar processo”, desabafou. O Promotor Claudemir Aparecido de Oliveira disse que o caso está nas mãos de um juiz e que ele somente irá se manifestar, se necessário, em juízo.
Atuação da imprensa e da ABI garante proteção da viúva de Barbon Kátia Rosa Camargo e seus dois filhos já estariam fora da cidade de Porto Ferreira, sob proteção da Polícia Federal.
Repórteres Sem Fronteira divulgou o mapa da liberdade de imprensa mundial: os países marcos em preto têm situação crítica.
Morreram mais ou menos jornalistas no mundo em 2008? A Repórteres Sem Fronteiras informa que houve 60 mortes contra 86 em 2007, mas a Campanha Emblema da Imprensa registra números maiores: 95 em 2008, 115 em 2007. A pesquisa anual da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras revelou que morreram 60 jornalistas em todo o mundo em 2008. O total é inferior ao registrado em 2007, quando ocorreram 86 mortes de profissionais da imprensa. Os casos de privação de liberdade também diminuíram, com 673 jornalistas presos em todo o mundo em 2008, contra 887 no ano passado. Embora registra que algumas situações evoluíram favoravelmente em termos estatísticos, a Repórteres Sem Fronteiras ressalva que "não se pode afirmar que 60 assassinatos, centenas de prisões e atos de censura generalizados constituam motivo de otimismo". O levantamento de outra associação internacional de jornalistas, a Campanha Emblema da Imprensa, diverge desse dado: os jornalistas mortos no ano seriam 95, menos que os 115 que morreram em 2007. O relatório da RSF informa que as regiões mais perigosas para o exercício da profissão foram o Iraque, o Paquistão e as Filipinas, onde ocorreram 15, sete e seis mortes, respectivamente. Na África, observou-se a redução do número de mortos – três casos em 2008, contra 12 ocorridos em 2007 –, mas como resultado da queda do número de jornalistas em atuação na área. O ranking de prisões em 2008 é liderado pelo Iraque, que aprisionou 31
jornalistas, seguido pela China (38) e a Birmânia (17). A RSF chama a atenção para o primeiro caso de assassinato de jornalista com atuação na internet. O fato ocorreu em janeiro de 2008 na China, país que encabeça o ranking da repressão na mídia eletrônica, com 93 sites censurados, além de dez "cyberdissidentes" presos, 31 agredidos ou ameaçados e pelo menos três condenados pela Justiça. Os entraves à liberdade de expressão na web foram particularmente severos também na Birmânia, onde
PAÍSES MAIS PERIGOSOS JORNALISTAS MORTOS EM 2008 IRAQUE 14 PAQUISTÃO 7 FILIPINAS 6 MÉXICO 4 GEÓRGIA 4 3 ÍNDIA 3 TAILÂNDIA
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
2 AFEGANISTÃO 2 CROÁCIA 2 NEPAL 2 SRI LANKA BOLÍVIA BULGÁRIA CAMBOJA CONGO HONDURAS ISRAEL REPÚBLICA DOMINICANA RÚSSIA SOMÁLIA UGANDA FONTE: REPÓRTERES SEM FRONTEIRA
uma junta militar condenou dois internautas: um, blogueiro, a 59 anos de prisão e o outro a 20. Diz a RSF que a internet "é o campo de batalha de cidadãos com opiniões críticas e de jornalistas censurados, e por esta razão representa uma ameaça para os poderosos, acostumados a governar unicamente de acordo com a sua vontade e na mais total impunidade". Pelo levantamento da Emblema da Imprensa, que abrangeu 32 países, incluindo o Brasil, o Iraque permanece liderando o ranking com 15 assassinatos, o que representa queda de 70% em comparação a 2007, quando 50 jornalistas foram mortos na região, considerada a mais perigosa para os profissionais da informação. O México ocupa o segundo lugar na estatística, com nove jornalistas mortos – grande parte nas áreas do interior dominadas pelo narcotráfico –, seguido pelo Paquistão, com oito mortos; a Índia, com sete; as Filipinas, com seis; a Geórgia e a Rússia, com cinco cada; e a Tailândia, com quatro. O estudo constatou avanços na Somália, onde foram registrados dois mortos contra oito em 2007; e no Sri Lanka, com dois assassinatos contra sete no último ano. O Brasil aparece no estudo com um caso de assassinato de jornalista, ao lado de países como Irã, Equador, Bolívia, Quênia, Camboja e Israel, entre outros.
Assassinado em 5 de maio de 2007 a tiros de espingarda em um bar no Município de Porto Ferreira, SP, a 228 quilômetros da capital paulista, o jornalista Luiz Carlos Barbon Filho (foto) deixou esposa e dois filhos adolescentes. O crime, que teria sido motivado por uma série de reportagens do repórter no jornal Realidade, em 2003, sobre o envolvimento de políticos da região na prostituição de menores, deixou, além do desejo de justiça, medo, sentimento que levou Kátia Rosa Camargo, viúva do jornalista, a apelar à ABI pedindo maior segurança para si mesma e para seus filhos. A ABI recebeu o apelo de Kátia no dia 29 de outubro do ano passado e no dia seguinte encaminhou ofício ao Governador de São Paulo, José Serra, pedindo a sua intervenção, para garantir proteção à família do jornalista. A iniciativa da ABI, bem como a vasta cobertura sobre o caso, foram, segundo o advogado Ricardo Ramos, de "suma importância" para que a viúva e seus dois filhos fossem incluídos no Programa de Proteção à Testemunha do Estado de São Paulo. "A Justiça é uma porcaria e precisa de pressão para funcionar. Neste sentido, não resta dúvida de que a atuação da ABI, e da imprensa como um todo foi dez, para não dizer mil. A imprensa atuou como um mosquitinho que incomoda bastante", afirmou o advogado. Na mensagem, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pedia a José Serra a designação de proteção especial à viúva, afirmando que a partir do comunicado a entidade passava a considerar o próprio Governador responsável pela integridade física e pela vida de Kátia Camargo e seus dois filhos. Kátia, que recebia constantes ameaças de pessoas ligadas aos acusados pela execução de seu marido, não é mais vista na cidade. Familiares teriam confirmado à imprensa local que a viúva, assim como seus dois filhos, estaria sendo mantida em segurança pela Polícia Federal. Ricardo Ramos informou que o caso está encerrado e aguarda julgamento, ainda sem data prevista para acontecer, pois a Juíza da 1ª Vara Criminal de Porto Ferreira, Milena de Barros Ferreira, encaminhou pedido ao Tribunal de Justiça de São Paulo para que o julgamento dos acusados seja feito fora do Município, por temer que haja pressão sobre os jurados. Cinco policiais militares e um comerciante são acusados de cometerem o crime. Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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Direitos humanos INVESTIGAÇÃO REPRODUÇÃO
A ABI quer a apuração de crimes na Faixa de Gaza O Conselho Deliberativo aprova moção da Comissão de Direitos Humanos. UN PHOTO/ESKINDER DEBEBE
O Conselho Deliberativo da ABI aprovou em sua reunião de janeiro, realizada no dia 29, moção de sua Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos de apoio à decisão da Organização das Nações Unidas de apurar a ocorrência de crimes de guerra praticados por Israel na Faixa de Gaza. Diz a moção: "A decisão da ONU se justifica diante do grande número de civis mortos, em grande parte mulheres e crianças. A ABI condena a posição de Israel e do Hamas de não acatar a resolução das Nações Unidas por uma trégua imediata, e ainda a dos Estados Unidos, que se abstiveram em uma votação relevante, o que, na prática, estimula a impunidade. A ABI exorta que sejam investigados os constantes bombardeios e as denúncias da Onu de uso de bombas de fósforo por parte de Israel, arma química, vale enfatizar, proibida pela Convenção de Genebra. Em nome da liberdade de imprensa e do pleno exercício da profissão, a ABI repudia o impedimento por parte de Israel do acesso de profissionais de imprensa na Faixa de Gaza. Conseqüentemente, as informações chegam à opinião pública de forma parcial, registrando relatos e imagens dramáticos fornecidos apenas por correspondentes "autorizados", em repetição ao que aconteceu na invasão do Iraque. A rigor, entende a ABI, trata-se de uma visão tendenciosa e parcial que obedece ao esquema do pensamento único em um perverso legado de ódio que se acumula ao longo de pelo menos seis décadas desde a criação do Estado de Israel."
O retrado de Jorge Amado, de Flávio de Carvalho, pertencia ao valioso acervo.
Coleção Jorge Amado, um caso para o MP
No dia 20 de janeiro o Secretário-Geral da Onu, Ban Ki-moon, esteve em Gaza e viu como ficou o edifício sede das Nações Unidas depois que foi bombardeado pelo exército israelense (abaixo) em sua guerra contra o Hamas.
Funcionários da Cemig fazem apelo à ABI Ameaça de demissões e falta de condições de trabalho estão entre as principais críticas do Sindieletro-MG. O Diretor Coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Wilian Vagner Moreira, enviou carta à ABI, denunciando a redução injustificada do quadro de funcionários da Centrais Elétricas de Minas GeraisCemig. "A empresa cresceu em todos os indicadores nos últimos quatro anos, não apresentando nenhuma justificativa para a redução de pes-
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soal. Enquanto o Governo federal e grandes empresas se esforçam para afastar a crise do Brasil e do setor produtivo, o Governador Aécio Neves e a maior companhia pública do Estado de Minas Gerais fazem essa proposta irresponsável", acusa o sindicalista. Diz ainda Wilian Vagner Moreira que a Cemig, seguindo planejamento estratégico, estaria priorizando "a distribuição de dividendos e a alavancagem financeira, em detrimento dos
investimentos no setor produtivo, gerando fechamento da maioria de suas oficinas, laboratórios, agências de atendimento e escritórios regionais e prejudicando a população mineira, que já sofre com apagões por períodos superiores a 48 horas". O sindicalista, que conclama a ABI a intervir em favor dos eletricitários, critica também a política de terceirização da empresa, que seria "campeã no número de acidentes de trabalho fatais".
O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, instaurou procedimento para apurar o caso de retalhamento do acervo da Coleção Jorge Amado, conforme denúncia apresentada pela ABI à Procuradora-Chefe do MPF, Cristina Romanó, antes da conclusão do leilão. No fim de novembro do ano passado, 80% das 578 peças reunidas durante mais de 60 anos pelo escritor e sua esposa, a também escritora Zélia Gattai, foi leiloado no Rio. Avaliado em R$ 9 milhões, o acervo reunia objetos pessoais, cerâmicas, mobiliário, conjuntos de cristal, desenhos, esculturas e quadros de artistas como Anita Malfatti, Burle Marx, Carybé, Carlos Scliar, Di Cavalcanti, Djanira, Lasar Segall, Oscar Niemeyer, Pablo Picasso e Volpi. Quase tudo dedicado ao casal, o que valorizava ainda mais as peças. Em documento dirigido ao Ministério da Cultura e ao Governo do Estado da Bahia, a ABI condenou o leilão, um “crime contra a cultura nacional”. No texto, a ABI cobrou a omissão das instituições públicas que não se sensibilizaram com o apelo dos filhos dos escritores, feito nos últimos quatro anos e pedindo ajuda para garantir a preservação e integridade do acervo. Também foi criticada a omissão desses órgãos diante das dificuldades enfrentadas pela Fundação Casa de Jorge Amado, que fica no Pelourinho, em Salvador. A instauração do Procedimento MPF/PR/RJ nº 1.30/012.000939/200814 foi comunicada à ABI em ofício assinado pelo Procurador da República Maurício Andreiuolo Rodrigues. No documento, visando a dar prosseguimento na instrução do procedimento, o MPF solicita informações sobre o leiloeiro, como endereço profissional e nome completo, para que possam ser catalogados os bens que já foram leiloados. Informou o Ministério Público Federal que o procedimento tem por objetivo “a preservação dos bens da Coleção Jorge Amado, de valor inestimável à cultura nacional”.
ARQUIVO ABR
DENÚNCIA
Em discurso na cerimônia de posse da nova diretoria da entidade, no dia 26 de janeiro, o novo Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás-Aepet, Fernando Leite Siqueira, defendeu a mudança do chamado marco regulatório do petróleo, instituído pela Lei n° 9.478/97, cujo artigo 26 foi por ele classificado de inconstitucional por conceder a propriedade do petróleo a quem produzir. Esse artigo, disse, "é fruto do lobby internacional". Siqueira, que já foi Presidente da Aepet, disse que o artigo 26 "tira da União poderes de decisão de cunho absolutamente estratégico, tais como usar o petróleo como poder de barganha com países importadores, impedir a produção predatória da jazida e controlar a produção de forma a manter uma relação reserva/produção compatível com a estratégia do País". O ato de posse, realizado na sede do Clube de Engenharia, foi presidido pelo Vice-Presidente da Aepet, Ricardo Maranhão, ex-Vereador à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e contou com uma mesa formada por representantes de cerca de 30 entidades, entre as quais a ABI, o Movimento de Defesa da Economia Nacional-Modecon, a Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra-Adesg e sindicatos de engenheiros e petroleiros do Estado do Rio, São Paulo e Bahia. Durante a cerimônia foi observado um minuto de silêncio em memória dos engenheiros Heitor Manoel Pereira, que presidia a Aepet quando faleceu, em 2008, Sidney Reis e Ruy Gesteira, que foram homenageados também no discurso do novo Presidente, cuja
Há dedo estrangeiro na Lei do Petróleo, diz líder da Aepet Artigo que concede o óleo a quem o produzir "é fruto do lobby internacional", sustenta o novo Presidente da entidade, Fernando Siqueira. íntegra é reproduzida a seguir, com os intertítulos do original. "Agradecendo a presença de todos, gostaria de iniciar, solicitando um minuto de silêncio em memória dos companheiros Heitor Pereira, Ruy Gesteira e Sydney Reis. Perdas irreparáveis que a Aepet, a Petrobrás e o País sofreram no ano passado. Acho que o criador fundou uma Aepet no céu e, para garantir o seu desempenho, levou logo três dos nossos melhores expoentes. Só esperamos que Ele nos compense dando-nos condições de preencher a ausência desses patriotas. É possível que a Petrobrás e o Brasil nem tomem conhecimento ou esqueçam rápido estas nossas palavras de homenagem a estes grandes brasileiros, mas jamais poderão esquecer o que eles fizeram para o bem da Companhia e do País. Em seguida, coerente com a nossa linha de aversão ao "pensamento único",
que a mídia e o Sistema Financeiro Mundial tentam nos impor, diariamente, emitiremos algumas de nossas considerações sobre a crise internacional, porque, qualquer que seja a sua origem, ela está sendo muito conveniente para o seu gerador (os Estados Unidos da América). Eles não a criaram deliberadamente, mas aproveitaram para revertêla em seu favor, ao disseminá-la pelo mundo e se salvando de uma catástrofe econômica iminente. Alguns fatos: 1) Até 1971, a emissão de dólar era garantida por lastro-ouro depositado no Fort Knox. Estima-se que a emissão da moeda, até então, era de ordem de US$ 3 trilhões. A partir daquele ano, o Presidente Nixon, unilateralmente, eliminou a obrigação desse lastro. O Fed (Banco Central Americano), encarregado de emitir dólares, é privado e se calcula que ele e suas filiais emitiram, a partir daque-
le ano (1971), US$ 45 trilhões. Ou seja, 94% dos dólares em circulação no mundo não têm lastro. A maioria dos países havia se conscientizado disto e já se manifestavam pela necessidade de uma moeda referência mais sólida. O dólar vinha despencando em todo o mundo, ameaçando os Estados Unidos. A crise fez os investidores correrem para os títulos do Tesouro americano, ainda considerados os ativos mais seguros, apesar de tudo. Em conseqüência, o dólar subiu e foi ressuscitado; 2) O mundo caminhava para o terceiro e irreversível choque do petróleo, devido à chegada do pico de produção mundial. É prevista uma queda acentuada na oferta, após esse pico, enquanto a demanda seguia crescendo. Em vista disto, a previsão dos especialistas era a subida irreversível do preço do barril. Os Estados Unidos, que já estavam numa situação bastante complicada, com seu déficit atingindo a cifra de US$ 13 trilhões, e sem muita saída, inclusive, importando mais de 5 bilhões de barris por ano, tiveram um forte alívio financeiro, pois com a crise, o consumo caiu, os especuladores correram a vender ativos em petróleo e os preços despencaram. Lembremos que, na década de 1990, os Estados Unidos atuaram para derrubar o preço de petróleo para US$ 10 por barril e quebraram a Rússia; 3) A China vinha crescendo e ameaçando a liderança americana. Além de a crise frear o crescimento chinês, ela também esvaziou a principal fonte de recursos dos fundos soberanos estatais. Eles estavam preocupando o sistema financeiro internacional porque vinham adJornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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DENÚNCIA HÁ DEDO ESTRANGEIRO NA LEI DO PETRÓLEO, DIZ LÍDER DA AEPET
seus diretores Nélson Narciso, ex-presiquirindo um poder muito forte, inclusive dente da americana Halliburton em Ancomprando ações de bancos daquele sisgola e que controla os leilões e o banco de tema, pondo em risco a hegemonia do dados da ANP, que, por lei, recebe dados poder anglo-saxão, no mundo. Com a estratégicos da Petrobrás. crise, a principal fonte provedora de re– No 10º. leilão, a ação violenta da Pocursos desses fundos – o petróleo – enlícia do Rio de Janeiro sobre os sindicacolheu drasticamente. Os fundos tivelistas refletiu o poder dos interessados ram que frear fortemente sua expansão; no prosseguimento desta ação lesiva aos 4) Os especialistas internacionais em interesses do País. economia confirmam nossa tese: "Os – Pressionam também o Congresso EUA vão sair primeiro da crise, pois o seu para não mudar o marco regulatório, Em Banco Central saiu na frente em socor2008, ocorreram quatro seminários no Sero de sua economia". nado: cada um com cinco mesas; em cada 5) Os Estados Unidos estão empenhauma delas havia, pelo menos, dois lobisdíssimos em obter reservas de petróleo, tas internacionais. Hoje, infelizmente, o pois eles consomem cerca de 10 bilhões Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), um de barris por ano e têm reservas de apedos lobistas, apesar do nome, congrega nas 29 bilhões. A descoberta do pré-sal o interesse do cartel das Irmãs. Outros abriu-lhes o apetite voraz, pois são resernotáveis lobistas participantes são exvas localizadas na América Latina; se somembros do Instituto Liberal, criado pela madas às reservas existentes, serão equiShell para quebrar o valentes às do Iraque. Eles querem obter o “O LOBBY, QUE ATUOU NO monopólio do petróleo na década de 90. Ex-dimáximo possível do petróleo do pré-sal. A CONGRESSO PARA QUEBRAR retores da ANP tamreativação da 4ª. FroO MONOPÓLIO, ENTROU EM bém integram o time de lobistas. ta é, na melhor das hiCAMPO E GARANTIU OS Nós reivindicamos, póteses, uma forma de por carta ao Senado, a pressão psicológica soVOTOS DOS OITO MINISTROS participação nesses bre o Governo Brasieventos e, num dos seleiro. Nesse sentido, RESTANTES. VOTOS minários, nos conceestão jogando pesado INCONSISTENTES E SEM deram 10 minutos. Ou no lobby pela manutenção do marco regu- NEXO QUE INFLIGIRAM UMA seja, em cinco mesas atuaram 10 lobistas e, latório, que lhes é amGRANDE DERROTA À NAÇÃO apenas, um contraplamente favorável. 6) Com a queda do E À SOBERANIA NACIONAL.” ponto de 10 minutos. A pressão sobre o petróleo para 40 dólaJudiciário foi explicitares o barril, os próprida quando, através do Governador Roos brasileiros, por falta de conhecimenberto Requião, apresentamos uma Ação to, ficaram céticos quanto à viabilidade de Inconstitucionalidade do artigo 26 da do pré-sal, favorecendo a ação dos lobislei do petróleo, que entrega o petróleo a tas pela manutenção da Lei n° 9.478/97. quem produzir. Os grandes constituciAssim, aliados ao cartel das Sete Irmãs onalistas eram unânimes em considerar do petróleo (que dominam o setor há 150 o artigo inconstitucional. Obtivemos o anos e estão ameaçadas de morte, por voto magistral do relator Ayres de Brisuas reservas terem caído para 3% das reto e do Ministro Marco Aurélio Melo. O servas mundiais), os EUA atuam sobre lobby, que atuou no Congresso para queos três Poderes: Executivo, Legislativo e brar o monopólio, entrou em campo e gaJudiciário. Nesse cartel, quatro emprerantiu os votos dos oito ministros ressas são americanas, uma é anglo-holantantes. Votos absolutamente inconsisdesa, uma é inglesa e uma é européia. tentes e sem nexo, que, mesmo assim, Embora as principais empresas desse valeram e infligiram uma grande derrota cartel venham se fundindo para sobreà Nação e à soberania nacional. viver, novas empresas americanas e euEsse mesmo tipo de pressão tem sido ropéias apareceram: Devon, El Paso, Ameexercido sobre a direção da Petrobrás: nos rada, Repsol e outras. últimos 14 anos ela foi obrigada achatar o salário dos seus empregados e deteriTipos de pressão exercida sobre orar o seu plano de Previdência, que era os três poderes brasileiros um grande diferencial a favor da reten– Pressão sobre o Governo para que ção dos seus técnicos e de sua tecnoloretome os leilões com inclusão do pré-sal, gia. Hoje o salário inicial na Petrobrás é sem propor mudança no marco regulatómenor que a metade do salário inicial de rio. Como o Presidente Lula havia consórgãos públicos com Bacen, CVM, Sutatado que é um absurdo entregar o présep, Ipea, e outros. sal, com risco zero, para empresas estrangeiras que não investiram nem correram Por que querem manter riscos, ele criou a comissão interministeo marco regulatório rial para reestudar o assunto. Esta comisPor que o marco regulatório atual, são iria publicar sua proposta em novemlegado por Fernando Henrique, é bom bro de 2008, mas não conseguiu vencer para os Estados Unidos e para o cartel essa pressão. O Ministro das Minas e mundial do petróleo e péssimo para o Energia (Edison Lobão) anunciara as liPaís? Vejamos alguns fatos: nhas mestras da proposta que incluiriam a) A Lei n° 9.478/97 é intrinsicamenmudar o marco regulatório. A reação tem te incoerente, pois ela tem três artigos (3º., sido muito forte. A Agência Nacional do 4º. e 21), que, em consonância com a Petróleo, que segue com os leilões, é suConstituição Federal, estabelecem que as bordinada ao Governo, mas tem entre 30 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
jazidas de petróleo e o produto da lavra pertencem à União, portanto ao povo brasileiro. Mas contém o artigo 26, que contraria esses artigos e a Constituição e concede a propriedade do petróleo a quem produzir. É fruto do lobby internacional; b) Essa lei, regulamentada pelo Decreto nº 2.705/98, estabelece que a participação da União no produto da lavra é de 0 a 40% mais 5% de royalty. Enquanto, isto, no mundo, os países exportadores recebem 84% de participação, em média. Os países da Opep – Organização dos Países Exportadores de Petróleo, recebem 90%; c) A propriedade de petróleo sendo de quem produz, tira da União poderes de decisão de cunho absolutamente estratégico, tais como: usar o petróleo como poder de barganha com países importadores; impedir a produção predatória da jazida (produzir mais do que o reservatório permite) e controlar a produção de forma a manter uma relação reserva/produção compatível com a estratégia do País. Exemplo: se a ANP resolver leiloar todo o pré-sal e, supondo que existam equipamentos para todos os produtores, dentro de 13 anos o pré-sal acaba. Mas se for feito um planejamento energético correto e a Petrobrás for encarregada de fazer o desenvolvimento do pré-sal, seguindo suas linhas mestras, esta rica área pode durar de 30 a 40 anos. Tempo suficiente para desenvolver o substituto ao petróleo. A Lei nº 9.478/97 ainda tem artigos que precisam mudar. O artigo 23, por exemplo, estabelece contrato de concessão, o pior de todos, pois ele dá a propriedade a quem produzir. É preciso mudar para o contrato de partilha ou de prestação de serviços, o melhor de todos. Há outros artigos que também merecem revisão, como o 22, que obriga a Petrobrás a entregar todos os seus dados históricos, inclusive os mais estratégicos, mormente os dos pré-sal, para a ANP. Esta agência entregou a gerência desse banco à Halliburton, que através de sua subsidiária Landmark administra e usufrui há dez anos desses dados. O Brasil está, pois, diante de uma segunda oportunidade para se firmar como o país mais viável do planeta. Tem a maioria dos recursos naturais que precisa, tem um clima ideal, sem intempéries, tem um povo altamente criativo e competente. Tem terra, energia solar e água doce em abundância. É, portanto, o país com maior potencial para substituir o petróleo em médio e longo prazos. Antes disto, com os recursos do pré-sal, o País poderá resolver todos os problemas econômicos e financeiros, podendo, inclusive sair da vergonhosa posição de abrigar dezenas de milhões de miseráveis. Outras riquezas importantes a defender
A nossa Amazônia verde, que, além dos minerais estratégicos estimados em US$ 10 trilhões, da biodiversidade, matéria-prima para a indústria farmacêutica do futuro, da ocorrência de petróleo e gás e das funções como floresta tropical, a Amazônia ainda detém 68% da água doce nacional. Assim, com terra, água e energia do sol em abundância, a região é um alvo fortíssimo da cobiça
internacional. A energia da biomassa é talvez o único produto capaz de substituir o petróleo na integra. Esses são os principais elementos que levam a cobiça internacional sobre a região. Temos uma das maiores concentrações de organizações não-governamentais internacionais do planeta, ong's que se fossem humanitárias estariam na África, cuja população está em muito pior situação do que os índios brasileiros. Atuação da nova diretoria
Quanto à nossa atuação na direção da Associação dos Engenheiros da Petrobrás-Aepet, vamos seguir o nosso Estatuto, que determina os grandes objetivos da nossa Aepet: a) defender a soberania nacional sob todos os seus aspectos: cultural, econômico, territorial, social e ambiental, dando ênfase na defesa da tecnologia e do patrimônio da Petrobrás; b) defender o Corpo Técnico e lutar pela sua participação nos processos decisórios do Sistema Petrobrás; c) promover, individualmente ou com outras entidades, a preservação da memória Petrobrás; d) promover o desenvolvimento técnico e cultural de seus associados; e) promover a união entre seus associados, defendendo os interesses destes junto aos órgãos públicos e privados, inclusive podendo se valer da via judicial para tanto; f) defender os interesses de seus associados perante a entidade de previdência, além de defender os direitos trabalhistas dos mesmos, devendo, assim, ser entendido reivindicações por melhores condições de trabalho, podendo atuar neste item, com outras entidades que agrupem empregados da Petrobrás e suas subsidiárias; g) atuar em prol do aperfeiçoamento democrático do País, junto com outras instituições. Concluindo, gostaríamos de continuar contando com o apoio e a ajuda de todas as forças vivas da nossa Nação, bem como de todos os brasileiros, na defesa dos interesses de nosso país. Temos clareza de que sozinhos não conseguiremos defender essa riqueza recém descoberta do pré-sal que é um patrimônio do povo brasileiro. Nas décadas de 1940 e 1950, quando o petróleo era apenas um sonho, as forças vivas desta nação fizeram o maior movimento cívico da nossa História. Agora que o petróleo é uma realidade concreta e auspiciosa, superando todas as expectativas, temos muito mais razão para reeditar aquela campanha. "O petróleo tem que ser nosso". Queríamos deixar mais um abraço de agradecimento aos nossos homenageados, Luis Antonio Castagna Maia, Roberto Requião, Ildo Sauer e Paulo Metri, que muito tem nos ajudado a defender a Petrobrás e o País. E também à antiga diretoria e aos empregados da Aepet, pela sua incansável dedicação. Muito obrigado pela honrosa presença de todas e de todos vocês e que Deus nos ajude nessa dura batalha na defesa da nossa Pátria."
HOMENAGEM FOTOS: DIVULGAÇÃO
Tem exposição, shows e até curso ministrado pelo biógrafo Ruy Castro para comemorar os 100 anos de nascimento da Pequena Notável. POR PAULO CHICO
Taí, ela fez de tudo pra gente gostar dela. Com talento, conquistou o mundo. Depois de longa temporada nos Estados Unidos, disseram que ela havia voltado americanizada. Mas o que é inegável, até os dias de hoje, é que a Pequena Notável foi autora de um grande feito: apresentou a música brasileira ao mundo. Muitos sambas, algumas rumbas, tudo envolto numa embalagem atraente. Canções feitas não somente para serem ouvidas, mas também para serem vistas. Uma artista preparada para cruzar a fronteira do rádio rumo ao colorido circo da televisão, ainda incipiente. Uma pioneira referência pop, antes mesmo que o termo se tornasse popular. Vez por outra, as lembranças sobre Carmen Miranda – sim, e de quem mais poderíamos estar falando? – ganham generoso espaço na mídia. Na verdade, o espaço que lhe é de direito e mais do que merecido. Neste sentido, 2009 tem se mostrado um ano especial. Afinal, em 9 de fevereiro foram celebrados os 100 anos de nascimento dessa portuguesa em Marco de Canaveses, na província do Porto, e cujo nome verdadeiro era Maria do Carmo Miranda da Cunha. No dia em que completaria um século de vida, teve início no Rio de Janeiro uma exposição que resgataria a trajetória da intérprete de clássicos como O Que é Que a Baiana Tem?. No museu que leva seu nome, localizado no Flamengo, foi realizada a Semana de Carmen Miranda, que além da exposição de roupas, sandálias, peças cênicas, debates, shows e sessões de filmes, contou com uma novidade pra lá de especial. A possibilidade de estar cara a cara com a cantora, agora imortalizada em escultura em tamanho natural pelo artista plástico carioca Ulysses Rabello, também curador da mostra. Feita em fibra de vidro e com o figurino reproduzido do filme Uma Noite no Rio (1941), a obra levou mais de três anos para ser finalizada. "Inicialmente a idéia era confeccionar apenas um busto. Mas posteriormente o projeto expandiu-se e decidi empenhar-me no molde de um manequim em tamanho real. Para isso, uti-
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HOMENAGEM O QUE É QUE CARMEN MIRANDA TEM?
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CARU RIBEIRO - SECRETARIA ESTADUAL DE CULTURA
lizei referências como a máscara mortuária e a arcada dentária de Carmen para garantir a fidelidade da peça". A escultura, que não pesa mais do que quatro quilos, reproduz o 1,53m da cantora. Porém, em cena sua altura ia bem além disso, graças às altas sandálias e aos turbantes e cestos que lhe serviam de adorno na cabeça. O evento de abertura da Semana de Carmen Miranda, que se estendeu até 15 de fevereiro, tendo como encerramento o grito de carnaval do Cordão do Bola Preta, contou com a presença de convidados especiais, como a irmã da cantora, Cecília Miranda; sua sobrinha, Carminha Miranda; o biógrafo da artista, jornalista Ruy Castro; e o pesquisar cultural Sérgio Cabral. O lançamento da exposição, uma realização do Instituto Dominus e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, contou ainda com a presença da Secretária de Cultura, Adriana Rattes. Na ocasião também foi lançada uma medalha comemorativa pelos 100 anos de nascimento de Carmen, feita pela Casa da Moeda. A secretária de Cultura disse que, mais do que celebrar os 100 anos da artista, a intenção do Governo do Estado é incentivar uma nova reflexão sobre o significado de Carmem Miranda. "Ela foi usada pelo Governo dos Estados Unidos para estreitar relações com a América Latina. Chegou mesmo a fazer parte da política americana de boa vizinhança. Estamos acostumados a ligá-la ao lado brejeiro, mas ela também representou criatividade, coragem, ousadia, empreendedorismo. Esse lado também fala do Brasil", destacou Adriana Rattes. A Rádio Roquette Pinto, do Governo estadual, na qual a Pequena Notável começou a carreira, também prestou homenagens ao centenário com programas especiais. Espetáculos musicais na rede Sesc, shows temáticos de Maria Alcina, referências na São Paulo Fashion Week e o lançamento de um cd duplo pela Sony BMG, reunindo gravações originais e releituras feitas por outros intérpretes, também fizeram parte das comemorações. O Centro Cultural Banco do Brasil planeja uma série musical cujo tema será Carmen Miranda, que será apresentada nas unidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, em datas ainda não definidas.
Criada em tamanho natural pelo artista plástico Ulysses Rabello, a escultura em fibra de vidro da cantora recepcionava os visitantes da exposição Semana de Carmen Miranda.
Ruy Castro destaca ineditismo e influência artística determinante ão houve ninguém parecido com ela antes. E, mesmo depois dela, nada semelhante apareceu. Nunca houve no Brasil outra cantora que combinasse tanto sucesso e prestígio numa só pessoa – talvez o mesmo sucesso ou o mesmo prestígio, mas não os dois juntos". Essas palavras, é claro, referem-se a Carmen Miranda. O autor da descrição é Ruy Castro, jornalista que durante cinco anos dedicou-se a pesquisar toda a vida da Pequena Notável. O resultado foi a biografia de 600 páginas: Carmen, lançada pela Companhia das Letras em 2005. O escritor compara a importância de Carmen com a de Pedro Álvares Cabral ao descobrir o Brasil. "Ela descobriu os brasileiros e nos apresentou ao mundo. A música brasileira era muito européia, mais lírica do que popular. Ela introduziu a fala popular na música", afirma Ruy Castro, que, no entanto, lamentou o descaso da indústria fonográfica com a história da música brasileira. "Mesmo no mês de seu aniversário, as gravadoras não disponibilizaram, em seus catálogos, as músicas da artista. Eles se esqueceram de programar relançamentos desses discos, negligenciaram esta artista tão importante. Foi uma vergonha", criticou.
A influência da cantora sobre o que se convencionou chamar de Música Popular Brasileira é absoluta, segundo Ruy Castro. "Todos os cantores brasileiros de bossa – e isso inclui de Ciro Monteiro a Ivete Sangalo, ou seja, mais de 70 anos de música popular – são devedores de Carmen. Observe bem a publicidade brasileira, o jeito de a carioca se vestir, as fantasias das escolas de samba – tudo é inspirado nela. Sem falar nos sapatos-plataforma, que ela inventou em 1934 e, na sua generosidade, nunca se preocupou em patentear e ficar rica", recorda ele, que em março ministrou curso especial sobre sua biografada na Estação das Letras. Esquecida pelas gravadoras e pela grande mídia, que aos poucos começa a reconhecer naquela personagem um fenômeno de comunicação, Carmen Miranda tem sua importância na esfera musical reconhecida pelos próprios colegas. Foi assim que algumas canções por ela eternizadas encontraram novo alento em expressivas vozes contemporâneas, como as de Elis Regina, Gal Costa e Ney Matogrosso – este último, um dos intérpretes que mais se influenciaram por sua atitude cênica. Sucessos da artista foram recriados até mesmo por representantes mais jovens, como Adriana Calcanhotto e Marisa Monte. Foi também na efusividade de cores e fantasias de faceira cantora que os tropicalistas fundamentaram boa parte do movimento que, no final dos anos 60, abalou as estruturas mais tradicionais da mpb. A influência, de tão evi-
dente, chegou a ser declarada em alto e bom som por Caetano Veloso na emblemática letra de Tropicália. "Viva a banda da, da / Carmem Miranda, da, da, da, da...", provocava o baiano no final da canção. Isto numa época marcada pela repressão da ditadura militar, na qual, teoricamente, não haveria qualquer sentido para a celebração da personalidade festiva da artista. Carmen, a biografia de Ruy Castro, é a história da brasileira mais famosa do século XX, que morreu aos 46 anos, vítima de uma carreira estafante e meteórica. Por isso mesmo, mostrava-se deprimida por crises amorosas, pela perda de um filho e pelos efeitos de inúmeros remédios e do álcool. Mas é também um delicioso passeio pelo Rio de Janeiro dos anos 20 e 30 e por Nova York e Hollywood dos anos 40 e 50. "Carmen só é portuguesa porque nasceu lá, mas veio para o Rio com 10 meses de idade. Em tudo e por tudo, é brasileira e carioca, e ninguém tasca", conclui o escritor. A trajetória da cantora brasileira na indústria norte-americana de cinema, onde ganhou status definitivo de estrela, é uma sessão à parte. Os filmes estrelados por Carmen Miranda são normalmente associados à política da boa vizinhança, estratégia de aproximação cultural dos EUA com a América Latina visando, principalmente, aspectos comerciais. Assim, participa de longas como Uma Noite no Rio ( That Night in Rio, 1941), Aconteceu em Havana (Week-End in Havana, 1941), Minha Secretária Brasileira (Springtime in the Rockies, 1942), Entre a Loura e a Morena (The Gang's All Here, 1943), Quatro Moças num Jeep (Four Jills in a Jeep, 1944), Serenata Boêmia (Greenwich Village, 1944), Alegria, Rapazes (Something for the Boys, 1944), Copacabana (1947), O Príncipe Encantado (A Date With Judy, 1948), Romance Carioca (Nancy Goes To Rio, 1950) e Morrendo de Medo (Scared Stiff, 1953), entre outros. A estigmatização da imagem de Carmen nas produções americanas foi alvo de muitas críticas e ajudam a entender a reação fria de parte do público quando de sua volta aos palcos do Cassino da Urca. O jornalista Ruy Castro, no entanto, afirma que a estrela já saiu do Brasil pronta. E desmente a versão de que o estereótipo em cima da imagem da Pequena Notável tenha sido uma imposição de Hollywood. "O Que É Que a Baiana Tem? surgiu em um filme brasileiro de 1938. Nele, orientada por Dorival Caymmi, ela já se valeu de indumentária e trejeitos parecidos com os que internacionalizaria a partir do ano seguinte", alerta o biógrafo.
De Portugal para o Brasil, das rádios para as telas o nascimento em Portugal, em 1909, até a vinda para o Brasil, passaram-se apenas dez meses. O pai de Carmen, José Maria Pinto da Cunha, veio para o Brasil um pouco antes, com o objetivo de estabelecerse e abrir uma barbearia. Depois, já em 1910, vieram Carmen, sua mãe Maria Emilia e a irmã Olinda, nascida em 1907. Com passagens como o emprego numa casa de gravatas no Centro do Rio, Carmen inicia, aos poucos, uma vitoriosa carreira, cujo grande salto se deu em 1929, com a apresentação num festival organizado pelo baiano Aníbal Duarte, no Instituto Nacional de Música. A partir daí, Josué de Barros, compositor e violonista baiano, passa a se interessar por sua carreira – promove-a junto às estações de rádio, clubes e gravadoras. Ela se apresenta em programas na Rádio Educadora e na Rádio Sociedade. Ainda em 1929 grava, simbolicamente, seu primeiro disco. E continua se apresentando em diversos locais. Grava seu primeiro disco na Victor, com Triste Jandaia e Dona Balbina e, em 13 de dezembro deste ano, apresenta-se na Mayrink Veiga, acompanhada por Rogério Guimarães. Gravações de sucesso se sucedem, dá entrevistas para importantes veículos, como O Globo e a revista O Cruzeiro. Prestigia festas importantes da época
e participa de promoções. Faz shows na Argentina e nas principais cidades brasileiras, já firmando-se como a cantora mais popular do País. Em 6 de março de 1933, estréia de seu primeiro filme, A Voz do Carnaval, no Cine Odeon. Em agosto desse mesmo ano assina contrato de dois anos com a Rádio Mayrink Veiga, para ganhar dois contos de réis mensais. Em caso de rescisão, 10 contos de multa. Era a primeira cantora de rádio a merecer contrato, quando todos recebiam cachê. Nesse mês, para assumir a direção artística da Mayrink, chegava César Ladeira, responsável por seu batismo artístico como Pequena Notável. No ano seguinte, durante visita ao Brasil do astro Ramon Novarro, para a promoção do filme Voando Para o Rio, Carmen canta numa recepção ao artista. Começam a surgir boatos de uma possível carreira internacional em Hollywood. Faz, com muito sucesso, novos shows na Argentina, em companhia do Bando da Lua. Em 1935, lança Alô, Alô Brasil, o primeiro filme brasileiro com som direto na película. A partir de 1935, faz novas temporadas no país vizinho e assina contratos milionários com a gravadora Odeon e a Mayrink. Participa de novos filmes. Atua no Cassino Copacabana e no
Artista esfuziante, elegante – como na foto da página ao lado – e muito talentosa, Carmen Miranda chamou a atenção de Hollywood, onde passou a atuar em diversas comédias românticas, como Entre a Loura e a Morena, de 1943 (abaixo)
Cassino da Urca. Transfere-se para a Rádio Tupi, num convite irrecusável do ponto de vista financeiro. Faz apresentações esporádicas na Rádio Record e no Teatro Coliseu. Retorna à Mayrink Veiga onde, em 1939, apresenta o talento de Dorival Caymmi, de quem grava, com grande sucesso, O Que É Que a Baiana Tem?. No dia 4 de maio de 1939 embarca pelo vapor Uruguai com o Bando da Lua para os Estados Unidos. Ao desembarcar em Nova York em 17 do mesmo mês, declara animada à imprensa: "Vocês verão principalmente que sou cantora e tenho ritmo". Revoluciona a Broadway, grava discos, participa, apenas cantando, do filme Serenata Tropical. Em 5 de março de 1940 exibe-se durante banquete ao Presidente Roosevelt, na Casa Branca. No ano seguinte retorna ao Brasil, com carinhosa acolhida dos fãs no cais e nas ruas do Rio. Contudo, numa primeira apresentação no Cassino da Urca, sofre com a fria recepção do público, que a acusa de ter se 'americanizado'. Na seqüência, grava suas últimas seis músicas no Brasil, quase todas repelindo as críticas de sua suposta americanização, incluindo Disseram Que Voltei Americanizada. Em 3 de outubro de 1940 retorna aos EUA onde, em 1941, imprime suas mãos e sapatos no cimento da calçada do Teatro Chinês de Los Angeles. É a primeira e única sul-americana a receber tal honraria. Entre 1941 a 1953, sua carreira assume estrondoso sucesso, com um ritmo de trabalho sufocante e assustador.
Atua em mais 13 filmes em Hollywood. Sua presença também é constante nos mais importantes programas de rádio, televisão, night-clubs, cassinos e teatros. Em 1946, recebe o maior salário pago a um artista e torna-se, portanto, a mulher que mais recolhia imposto de renda nos Estados Unidos. No ano seguinte casa-se com o americano David Sebastian, de quem engravida, mas perde o filho em 1948. Após uma excursão a vários países da Europa, retorna ao Brasil em 3 de dezembro de 1954 – após 14 anos de ausência. Com visível esgotamento físico, comparece a teatros e festas, e é muito homenageada. Tem início um tratamento para a redução do consumo de cigarros, álcool e medicamentos diversos, utilizados há tempos para garantir-lhe fôlego para a pesada rotina de gravações e apresentações. Aparentemente recuperada, embarca de volta para os Estados Unidos em 4 de abril de 1955. Trabalha em Las Vegas, Havana e na televisão. Na madrugada de 5 de agosto de 1955, morre aos 46 anos de idade, em sua casa de Beverly Hills. Na mesma noite, pouco antes, numa festa em sua própria residência, cantava e divertia-se com amigos. Sobe para seu quarto e, pouco antes de deitar-se, sofre um infarto fulminante; é encontrada caída no chão, ao lado da cama, por uma empregada. Seu corpo embalsamado chega ao Rio na manhã de 12 de agosto. É velado, durante 24 horas, na antiga Câmara de Vereadores do Rio, atual Câmara Municipal, na Cinelândia, atraindo mais de 60 mil fãs e admiradores.
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PERFIL
A arte como liberdade de expressão Quem é Rogério Soud, o ilustrador da capa do Volume 2 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI. POR MARCOS STEFANO
Um dos principais assuntos nas rodas de conversa que se formaram na Livraria Travessa do Shopping do Leblon, durante o lançamento do Volume 2 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI, no dia 18 de fevereiro, era a qualidade da publicação. Não apenas das reportagens especiais sobre grandes nomes da imprensa nacional, episódios que marcaram a trajetória da ABI e depoimentos de jornalistas, escritores e artistas, mas também pela ilustração que ocupou toda a capa da edição 336. O desenho destaca Herbert Moses, presidente da entidade de 1931 a 1964, e o edifício que ajudou a construir e leva o seu nome. Mas não se trata apenas do homem e sua obra, mas da importância do lugar, que com justiça se tornou conhecido como a “Casa do Jornalista”. Na sede da ABI estiveram Presidentes como Juscelino Kubitschek, foram reali-zadas importantes discussões que reuniram personalidades, do músico Vila-Lobos ao líder cubano Fidel Castro, e aconteceram manifestações históricas, entre as quais o lançamento da campanha O Petróleo é Nosso e diver-
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sos atos durante a Assembléia Constituinte de 1987-1988. A pena e o talento por trás da obra pertencem ao carioca Rogério Soud, de 42 anos, um artista que, com traço leve e eclético, já se destaca como um dos principais ilustradores brasileiros. O convite para participar do projeto foi feito a Soud pelo editor Francisco Ucha. “Queríamos algo que pudesse contar o significado da ABI e o Rogério nos pareceu a pessoa certa para colocar isso no papel”, destaca Ucha. Inicialmente, a idéia era homenagear Moses e mostrar o edifício-sede da ABI, mas após o primeiro esboço logo ficou clara a necessidade de ir mais longe. “Não se trata de uma moderna obra arquitetônica, mas do palco de importantes acontecimentos dos últimos 100 anos no Brasil, que reuniram políticos, artistas, pensadores e intelectuais. Ao juntarmos na imagem todas essas figuras, tentamos transmitir essa mensagem”, acrescenta Soud. Quando fala sobre sua criação, Rogério Soud mostra a mesma paixão dos tempos de moleque, quando começou a fazer seus primeiros desenhos. “Desde que me entendo por gente, faço meus rabiscos. Acho que sempre respirei arte”, diz. Quando ainda trabalhava como office-boy em um escritório
de despachante, no Rio de Janeiro, seus atrasos na retirada e entrega de documentos eram freqüentes. Culpa das livrarias e bancas de revistas, já que bastava passar na frente de uma e ver algo diferente, para entrar e gastar tempo lá. Persistente, Soud tornou-se um autodidata. A primeira grande chance apareceu em 1988 e por causa dela mudou-se para São Paulo e foi trabalhar na Editora Abril, desenhando histórias em quadrinhos dos Trapalhões e de personagens da Disney como Zé Carioca e o Pato Donald. Essa experiência deu base para ele se aventurar por outros segmentos e investir em novas linguagens, técnicas e estilos. Hoje, além de fazer desenhos e caricaturas para jornais e revistas,
Soud ilustra livros didáticos, literatura infantil e juvenil e contribui em peças publicitárias. Por seu trabalho, já foi contemplado com vários prêmios Abril de Jornalismo, nas categorias Destaque e Melhor Desenho, e com o Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Tecnologia ou habilidade? Como é seu costume, Soud fez o desenho de capa da edição 336 à mão. Só usou o computador para fazer a pintura, a arte-final e o acabamento: “Atualmente, o profissional que trabalha na área pode contar com softwares e equipamentos de ponta, que permitem simulações perfeitas com as mais diferentes técnicas como guache,
aquarela, óleo e lápis de cor. Por isso, migrei para o computador há dez anos. Ainda assim, na hora de criar e desenhar, nada substitui o trabalho manual”, afirma. O alerta vale para as novas gerações que vêem na computação gráfica e nas tecnologias o fim e não o meio para produzirem. “Não adianta se preocupar com novos programas e processadores mais rápidos, sem trabalhar conceito, idéia e expressão. Infelizmente, as grandes empresas estão perdendo esses referenciais e abrindo mão do conteúdo e da qualidade por causa dos custos e do tempo”, diz Soud. Membro da Sociedade de Ilustradores do Brasil, Soud trabalha com exposições, debates, palestras e workshops para valorizar a ilustração no País. “O artista, como o jornalista, não é um mero produtor de conteúdo. É um ser político e engajado. Conheço a ABI desde que comecei a fazer trabalhos na imprensa. Ela é um marco institucional e símbolo da representatividade e preservação da democracia na História re-
COMENTÁRIOS DE SOUD SOBRE SEUS DESENHOS A ilustração da Basílica de Aparecida foi feita para o jornal Folha de S.Paulo por conta da visita do Papa Bento XVI ao Brasil em 2007. A proposta foi ilustrar de modo mais artístico, intercalado com infográficos, os locais que o Papa visitaria. Eu e o editor adjunto de arte da Folha, Mário Kanno, passamos um dia inteiro em Aparecida fotografando os locais para usar como referência. As caricaturas de Dunga e do Rogério Ceni foram publicadas no Caderno de Esportes da Folha de S.Paulo. Ambas compõem ilustrações de página dupla. A de Dunga foi para o especial Datafolha 20 anos e a do Ceni para uma matéria sobre o desempenho dos jogadores. A charge Lula e os Pingüins foi publicada na Folha de S.Paulo para uma matéria sobre a afirmação do Presidente Lula de que “é mais fácil ser gente do que ser pingüim”, a respeito do documentário A Marcha dos Pingüins. A ilustração com o Big Ben é uma releitura de uma capa que fiz há muitos anos e que foi publicada na nova edição do livro Aqui
Entre Nós, da escritora Márcia Leite, lançado pela Ática. A ilustração com Nélson Rodrigues foi feita para o livro Teatro Para Quem Nunca Fez Teatro, do escritor Tenê de Casa Branca, publicado pela Global Editora. A caricatura de Guimarães Rosa foi feita para o caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo, por ocasião dos 50 anos do livro Grande Sertão: Veredas.
cente do Brasil. Saber dessa trajetória foi o que me convenceu a participar do projeto”, afirma. Tal qual o bom pauteiro e o arguto repórter, Rogério Soud é um observador da vida cotidiana. Afinal, é dela que tira a inspiração para o trabalho. “As melhores informações em termos visuais estão escondidas em um filme, na leitura de um livro, na paisagem que se vê ao caminhar na rua ou na conversa com os amigos. Como no jornalismo, sensibilidade é essencial”, prega. Enquanto prepara sua primeira exposição individual, que reunirá ilustrações de interpretação livre sobre filmes nacionais recentes, o talento de Rogério Soud pode ser conferido em seu site www.rogerio soud.com.br, na capa do número 337 do Jornal da ABI, em que ele reúne numa caricatura os entrevistados dessa edição especial ou na exposição Traços Impertinentes, em que ilustradores e cartunistas fazem uma homenagem ao Centenário da ABI.
A HISTÓRIA DE UMA CAPA EM QUATRO QUADROS
Em seu primeiro estudo a lápis, a capa da edição especial do Jornal da ABI não contemplava Juscelino, Villa Lobos, Fidel Castro e a campanha O Petróleo é Nosso, elementos que foram acrescentados em seguida, dando maior movimento à ilustração. Na etapa seguinte, a pintura passa a ser executada no computador por meio de uma mesa digitalizadora e do programa Painter versão 9, ferramentas que permitem obter digitalmente resultados bem próximos aos conseguidos com pincel, tintas e lápis de cor. O resultado final pode ser conferido na capa da edição reproduzida na página 9.
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FOTOS: DIVULGAÇÃO
FOTOGRAFIA
Arte e História através da imagem Coleção Grandes Fotógrafos, da Folha de S. Paulo, reúne em livros temáticos mais de 400 imagens de 33 gênios da fotografia mundial. POR MARCOS STEFANO
Desde sua invenção, há 170 anos, a fotografia arrasta consigo duas grandes polêmicas. A primeira se realmente é arte. A segunda, devido às suas notórias limitações, se é capaz de registrar a realidade e contar fatos históricos. Existem opiniões e argumentos fortes para responder de forma positiva ou negativa a essas questões. Mas, controvérsias à parte, é inegável o fascínio que a imagem capturada num clique, no célebre “instante decisivo” de Henri CartierBresson, consegue provocar, eternizando um momento, um ato de carinho, um olhar desolado, um tiro, uma lágrima, um gesto de triunfo. Cenas tão representativas de sociedades, nações e épocas, capazes de causar impacto e dar a dimensão de acontecimentos, como alega o ditado “melhor que mil palavras”. Justamente por causa disso coleções como Grandes Fotógrafos, lançada este mês pelo
jornal Folha de S. Paulo, acabam sendo tão populares. Os 14 volumes trazem 431 fotografias de 33 renomados mestres da imagem. Em geral, não são registros desconhecidos do grande público. Estão na coleção fotos célebres como o histórico retrato de Che Guevara, com sua boina e olhar pensativo, dirigido ao infinito, feito em Havana, Cuba, em 1960, por Alberto Korda. A imagem ganhou o mundo e se tornou a mais conhecida do guerrilheiro, mas poucos sabem quem é seu autor ou tampouco que foi tirada no funeral da tripulação do cargueiro La Coubre, que transportava armas à ilha e sofreu atentado anticastrista. Ou o flagrante de um miliciano republicano, que abre os braços ao tomar um tiro fatal, durante a Guerra Civil Espanhola, em setembro de 1936. Uma das imagens mais famosas do fotojornalismo, feita pelo húngaro Robert Capa, consagrado repórter que cobriu o desembarque das tropas aliadas na Nor-
Dois momentos contrastantes captados pelas lentes do fotógrafo W. Eugene Smith: a paz no olhar sereno da criança que vê seu reflexo na água do Silver Lake em 1950 e a guerra na agonia de um bebê encontrado por um soldado americano em junho de 1944.
O rosto sofrido da mãe durante a Grande Recessão, em foto de Dorothea Lange, em 1936, e o olhar assustado de Muhammad Ali, por Thomas Hoepker, em 1966, em Chicago: segundos eternizados.
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mandia, no Dia D, e um dos fundadores da agência Magnum. Anos depois, ele mesmo morreria após pisar em uma mina na Guerra da Indochina. Também estão lá dois dos beijos mais apaixonados e famosos – justamente por causa da fotografia – de todos os tempos. Aquele de um jovem casal, na verdade, atores contratados, em frente ao Hotel de Ville, na Paris de 1950, registrado pelas lentes de Robert Doisneau, e o marinheiro que toma em seus braços uma jovem em plena Times Square, na Nova York do ano 1945, sem se importar com a presença de Alfred Eisenstaedt, o profissional que os flagra numa comemoração digna da vitória aliada sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial. Esta imagem, aliás, é homenageada na abertura do filme Watchmen, no qual uma seqüência de eventos marcantes do século passado é apresentada com pequenas alterações. – Procuramos reunir fotografias que mostrassem cenas do cotidiano, retratassem épocas e fossem impactantes, despertando emoções e sensações fortes nos leitores. – explica Letícia Carvalho Lopes, Gerente de Desenvolvimento do Grupo Folha. Em sua maioria, as fotos são em preto e branco, mas também há algumas coloridas. Tudo dividido por temas – metrópoles, guerra, trabalho, cinema, mulheres, religiões, revoluções, infância, refugiados, vilarejos, arte, mar, esportes e Brasil. Cada livro conta com 32 páginas, um texto de abertura e pequenos textoslegendas explicando cada imagem, citando o autor e ano em que a cena foi capturada. Além disso, breves biografias dos fotógrafos que publicam seus trabalhos a cada volume seguem no fim do livro. Segundo Letícia, a obra realmente não traz textos introdutórios e maiores explicações porque busca valorizar as imagens: – Essa é uma obra inédita no Brasil. Temos livros de cada um desses profissionais, publicando seus trabalhos de forma individual. Mas nada que trouxesse uma coletânea das imagens, ainda mais a preços acessíveis. Dessa forma, nosso objetivo é alcançar o público leigo que gosta do tema, não apenas profissionais e estudantes. O projeto é fruto de uma parceria entre a espanhola Editorial Sol 90, que
Acima, à esquerda, uma das fotos mais famosas do mundo: Che Guevara pela lente de Alberto Korda, em 1960. Ao lado, o descanso do garimpeiro em Serra Pelada, por Sebastião Salgado, em 1986.
suas séries monográfiDe acordo com Letícia, a dificuldade cas sobre cães, edifícide negociar contratos com outros autoos dos Estados Unidos res brasileiros ou com veículos e empree Marilyn Monroe. sas para os quais trabalham impediu que Apesar de pequeno, as mais deles participassem da coleção. mulheres também seu Mas, se as expectativas para a Coleção espaço. Em um dos voGrandes Fotógrafos se cumprirem, a Gelumes da coleção, aparente de Desenvolvimento do Grupo recem as pioneiras DoFolha acredita que brevemente se abrirothea Lange, Margarão portas para novas obras, inclusive ret Bourke-White e Lee popularizando o trabalho dos fotojornaMiller, as duas últimas, listas brasileiros: correspondentes de – Precisamos por aqui da mesma agiguerra nos anos 40. lidade e profissionalismo que encontraOs brasileiros tammos lá fora. Sei que os brasileiros não bém não ficam de fora. devem nada aos grandes nomes da fotoMas bem que poderiam grafia mundial e acho que novas obras A atriz Ingrid Bergman fotografada por Robert Capa em 1946 estar em maior númelogo chegarão. descansando nos bastidores do filme O Arco do Triunfo. ro e com mais obras. Ainda assim, nada que diminua o imAfora Sebastião Salgapacto e a importância de fotos como as do, que com seu trabalho de forte cunho já havia desenvolvido trabalhos semedo fotojornalista Steve McCurry, que social e de denúncia aparece em quatro lhantes na Argentina, Grécia e Portugal, dedicou grande parte de sua carreira a livros, os demais só aparecem no volume e a Folha. Foram seis meses de desenvolpercorrer a Ásia, denunciando a realidaBrasil. Estão lá os trabalhadores paulisvimento do produto, em um processo de social e testemunhando conflitos. É tas, clicados por Pedro Martinelli, em que contou com a colaboração da Redadele o retrato da refugiada afegã Sharbat 1970. Nem durante o ção do jornal paulistano, dando sugesGula, que se destacava descanso, eles têm folga. tões de profissionais e fotos que podeda paisagem do campo Enquanto assistem a um riam integrar a coleção: de Nasir Bagh. Talvez jogo de futebol no Está– Inicialmente, começamos a trabavocê se lembre dela por dio Parque Antártica, no lhar com 50 fotógrafos e, usando critécausa de seus grandes 1º de Maio, uma enorme rios como variedade de temas e númeolhos verdes e coberta chaminé soltando fumaro de fotos representativas, baixamos por uma maltrapilha ça na parte de trás lempara 33. Há muitos especializados em vestimenta vermelha. bra suas sinas. Também fotojornalismo, mas também vários que Fotografada em 1984, estão os índios caiapósnão o são – observa a analista de markeela se tornou celebridagorotines, do Pará, fototing Ana Paula Duarte, que participou de de ao estampar a capa grafados por Miguel Rio diversas etapas do projeto. da revista National GeBranco, em 1983. E a beAlém dos já citados Capa, Korda, ographic no começo do leza da natureza em conDoisneau e Eisenstaedt, participam da ano seguinte. Tempos traste com o ser humacoleção com suas obras fotógrafos como depois, mais precisano das imagens de Arao próprio Cartier-Bresson, o soviético Metrópoles: foto de Doisneau mente 17 anos, Mc Curquém Alcântara, como ilustra capa do primeiro volume. ry voltou ao país, enconYevgeni Khaldei, que esteve no front ao na foto que fez do Vão lado do Exército Vermelho de 1941 a trou Sharbat Gula e, das Almas, a maior comunidade de qui1945, o norte-americano W. Eugene como manda o bom fotojornalismo, fez lombolas do Brasil, na Chapada dos VeSmith, que, embora fosse um feroz panova série de retratos, mostrando novaadeiros, em Goiás. Além, claro, de Salgacifista, acompanhou as batalhas da Semente a situação da garota. Por histórido, com flagrantes de cacaueiros e garimgunda Guerra por todo o Pacífico, e o as como essas, coleções como Grandes Fopeiros de Serra Pelada, no Pará. francês Elliott Erwitt, conhecido por tógrafos valem o investimento. Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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A práxis de um intelectual Filósofo e educador renomado, Leandro Konder fala sobre suas lembranças. POR MARCOS STEFANO
Nos últimos tempos, intelectual deixou de ser aquele sujeito pensador, que elabora soluções para o mundo, para se tornar uma pessoa inteligente, porém carregada de idéias abstratas e pouca utilidade prática. Esse estereótipo pode até ser verdadeiro para aqueles que adoram a tal "masturbação mental", mas não para Leandro Konder. Com 21 livros publicados em áreas como Filosofia, Sociologia, História e Educação, ele é figura certa na galeria dos mais importantes filósofos e educadores brasileiros. Como poucos, foi capaz de analisar com extrema lucidez o marxismo, uma de suas paixões, no Brasil das últimas décadas. Em sua última obra, Memórias de um Intelectual Comunista (Editora Civilização Brasileira, 264 páginas), Konder fala sobre cada um desses aspectos que nortearam sua vida. Porém, não se trata de uma autobiografia, muito menos de uma autocrítica do marxismo no País. Sua pretensão declarada não era a de simplesmente contar histórias ou dizer se foi certo ou errado, mas de refletir sobre cada experiência. E é dessa forma que ele revela os bastidores da vida política e intelectual que muita gente só conhece por meio de fotos e notícias de jornal. Memórias é o tipo de obra gostosa de se ler, impregnada de humor e fina ironia, para contar momentos prazerosos e outros mais duros. Também é uma reflexão existencial e ideológica que fala sobre 38 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
diferentes visões de mundo, tolerância com opções contrárias, aceitação de divergências e perseverança em questões de princípios. Mas, para ser melhor aproveitada, é essencial que o leitor traga alguma familiaridade com a trajetória do comunismo no Brasil, pensadores como Georg Lukács, Walter Benjamin e Friedrich Hegel, e os anos de chumbo da ditadura militar. Assim, poderá saborear os relatos de Konder sobre sua infância, formação, o golpe de 64, a vida no exílio, as discussões ideológicas e os embates políticos em tempos de redemocratização. E acompanhar histórias e revelações. Como porquê ele nunca aceitou enveredar pelo mundo da política, apesar de todo seu prestígio. "Nunca pretendi me dedicar profissionalmente à política, por isso não estudava as modificações programáticas das organizações comunistas nem do Partidão. Não era pouco caso e, sim, conseqüência da minha convicção juvenil de que outros companheiros deveriam se preparar para assumir o poder e governar o país, enquanto eu me concentraria no trabalho intelectual, na análise, na reflexão e na crítica cultural", lembra ele, abrindo o jogo e o coração. Ou as reuniões que os camaradas faziam durante o exílio na Europa dos anos 70. Uma delas, um jantar com Luís Carlos Prestes, chama a atenção em especial. Konder fala sobre como estava nervoso ao conversar com o velho comunista – a ponto de tirar seu prato da mesa para abrir espaço, colocá-lo sobre
os joelhos e esquecê-lo lá. O tema da reunião era um jornal produzido pelos intelectuais exilados, Voz Operária, e que era distribuído no Brasil. Incomodado com algumas opiniões da publicação, Prestes estabeleceu que ela seria tutelada por dirigentes do partido. Konder e seus companheiros aproveitaram a conversa para expor suas divergências. Prestes deixou claro que respeitava, devido à sinceridade, os argumentos, porém não concordava. No final, como ninguém convencia ninguém, Prestes apelou para a disciplina partidária: a facção minoritária – dos intelectuais – deveria aceitar a linha da majoritária – da direção – o que encerrou a pendência. Anos depois, por volta de 1980, quando Prestes regressou ao Brasil, já em conflito aberto com a maioria do Comitê Central, Konder e outros foram visitá-lo no escritório de Oscar Niemeyer, com a proposta de que participassem, com um terço, na direção de um novo semanário, Voz da Unidade. "Ele recusou nossa proposta. Admitiu que era minoria vencida, mas não convencida. E advertiu que não ia cumprir as decisões da maioria, porque o caso dele era um caso especial, sendo quem era, não estava sujeito às normas dos estatutos, muito menos aos princípios do centralismo democrático", conta Konder. Pode ser surpreendente para muita gente, mas é isso que torna as Memórias tão instigante: a sinceridade em admitir que a vida é mais rica do que a ideologia apenas no papel.
DIVULGAÇÃO/CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Livros
Literatura da vida real Em nova coletânea, desta vez com matérias da revista Época, a repórter Eliane Brum mostra como a realidade pode ser mais surpreendente do que a ficção. Há muito tempo, as fronteiras entre jornalismo e ficção estão muito bem fixadas. Porém, em algumas oportunidades, a vida real consegue superar - e muito - a imaginação. Um dos melhores exemplos disso na atualidade está na obra da jornalista Eliane Brum. Como num envolvente romance, ela é capaz de contar histórias surpreendentes: as parteiras nos confins da Amazônia, os descendentes dos antigos exploradores da borracha nas selvas, o "Povo do Meio", a arrojada vida amorosa de humanos e cachorros na Brasilândia, em São Paulo, e os casos das prostitutas que gozam e se apaixonam no garimpo de um homem que oscila entre o céu e o inferno, um tal de Zé do Capeta. Todas elas foram publicadas originalmente na revista Época, em que Eliane trabalha como repórter especial, e agora saem na antologia O Olho da Rua (Editora Globo, 424 páginas), terceiro livro da autora e que reúne dez de suas matérias. Como nas obras anteriores, a jornalista mostra uma forte marca autoral em textos nos quais predominam a narrativa com requinte literário e o uso de expressões de efeito e simbolismo. Assim, as parteiras "nascem do ventre úmido da Amazônia" e certa senhora é resgatada pela filha do asilo e, quando sai de lá, traz "a vida inteira espremida numa mala de mão". A narrativa do real praticada por Eliane gira em torno de personagens anônimos que tradicionalmente não ocupam as páginas de jornais e revistas, mas são capazes de retratar o Brasil aos leitores melhor do que muitos números, gráficos, tabelas, escândalos e denúncias. Recursos como humanização e descrição, até o uso de primeira pessoa, coisa impossível e herética no hardnews diário, permitem ouvir, cheirar, ver e sentir. Talvez, por causa dessa liberdade, as matérias são acompanhadas por fotos e breves making of, em que ela conta como se deu a apuração, quais foram seus erros e acertos. Ainda que, em alguns momentos, se sinta falta de maior aprofundamento – coisa natural para se esperar em um livro, mas não para reportagens de uma revista semanal de informação –, é importante salientar que Eliane mira com seu trabalho não somente a transparência e a influência junto a estudantes de Jornalismo. Procura estreitar a comunicação com o leitor, melhorar sua relação com a mídia impressa. Ótimo, até porque jornalismo não fala somente à razão, mas também ao coração. (Marcos Stefano)
CENTENÁRIO
“Os que tentam calar e condenar Dom Hélder são os que não conseguem imaginar que, desde a crucificação, desde os primeiros mártires que se seguiram, desde sempre, no cristianismo, a vitória está na derrota aparente. Os que tentam humilhá-lo são os que não conseguem se lembrar da verdade evangélica segundo a qual quem mais humilhado for mais exaltado será” Marcos de Castro, no livro Dom Hélder – Misticismo e Santidade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002
A VOZ DE UM PROFETA QUE A DITADURA NÃO CALOU O nome dele foi proscrito durante 20 anos nos meios de comunicação do Brasil, mas seu clamor em defesa dos direitos humanos ecoou no mundo inteiro. POR EUGÊNIO VIOLA
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ARQUIVO OBRAS DE FREI FRANCISCO
DOM HÉLDER CÂMARA
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HELDER CAMARA
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O Estado de S. Paulo, em 30 de maio de 1970 e é assinada por Gustavo Corçao”, lembra o historiador em seu artigo. O articulista ironiza a homenagem recebida por Dom Hélder na Universidade de Louvain ao ser agraciado com o título de doutor honoris causa daquela instituição de ensino superior de origem católica. Em linguagem ríspida, Corção busca desqualificar todo e qualquer apoio recebido por Dom Hélder em solo francês e diz textualmente: “Não há perigo. O Sr. CâDom Hélder recebe o título Doutor Honoris Causa da Universidade de Sorbonne em março de 1975. mara não completou ainda a rede de viagens que sonhou, e ainda não percorreu todas as prostituídas Universidades ex-católicas que lhe trarão uma bandeja, para ser cuspido, o título de doutor “honoris causa”. Em outro trecho, Márcio de Souza Porto escreve: “Dom Hélder era atacado por padres, bispos, deputados, jornalistas nacionais e estrangeiros e Arcebispos, como no caso de Dom Vicente Scherer, de Porto Alegre, que, em entrevista ao Jornal do Brasil de 30 de julho de 1970, diz que ele deveria usar o prestígio que possuía em alguns círculos europeus para desmentir calúnias contra o Brasil e a Igreja brasileira. Dom Geraldo Proença Sigaud, então bispo de Diamantina (MG), declarou ao jornal Estado de S. Paulo, em 5 de julho de 1970, antes de embarcar para Roma, que a Perseguido incessantemente, Dom Helder (acima com Miguel Arraes) não tinha o mesmo realidade religiosa, política e social do espaço na grande imprensa que seus detratores. O Pasquim foi uma das poucas exceções quando publicou, em março de 1970, uma contundente entrevista com o Bispo. Brasil se apresentava com uma imagem deformada na Europa, como resultado apoio dos setores mais reacionários da de uma campanha desenvolvida com ações de terrorismo. Seus assessores Igreja aumentam a campanha de difaeste objetivo, acrescentando que a idepassam a ser ameaçados, expulsos do mação e de tentativa de desconstrução ologia esquerdista dominava largos Brasil, e a humilde casa no fundo da Igreda imagem de Dom Hélder. E os gransetores dos meios de informação, incluja das Fronteiras, no Recife, onde Dom des jornais do eixo Rio-São Paulo dasive no campo católico. Hélder morava, é metralhada. vam generosos espaços aos que o acu“O Correio do Ceará, em 23 de julho A barbárie atinge seu ponto máximo savam de distorcer a realidade brasileide 1970 – registra o historiador Souza no dramático caso do jovem Padre Henra. Indicado quatro vezes para o Prêmio Porto –, transcreveu artigo escrito por rique Pereira Neto, Nobel da Paz, o Governo militar conDavid Nasser construindo suspeitas de apenas 28 anos segue, articulado ao Itamarati, tirar o sobre Dom Hélder, indagando quem de idade. Assessor prêmio das mãos do bispo brasileiro. seria o financiador de suas viagens que direto do Arcebispo denominava de “peregrinações do pior de Recife e Olinda, Inventário de difamações dos ódios”. O Jornal do Brasil, em 31 de o jovem sacerdote Em artigo publicado no dia 14 de jajulho de 1970, trazia declarações do foi seqüestrado, neiro passado no site da Aditado (AgênDeputado Federal Clovis Stenzel, da torturado e assassicia de Informação Frei Tito para a AméArena do Rio Grande do Sul, acusannado por integranrica Latina), o historiador Márcio de do o Arcebispo de Olinda e Recife de tes do CCC em 17 Souza Porto cita um boletim interno, “conspurcar a imagem do nosso País e, de maio de 1969. feito pelo Secretariado Regional Normais do que isso, continua a dizer inSem condições deste I da CNBB, em 1970, no qual fica verdades a respeito do que se passa em de se manifestar no registrada a campanha de difamação nossa Pátria”. Brasil, Dom Hélder contra Dom Hélder. Diz o boletim: Na apresentação do livro Dom Hélfaz uma conferên“A imprensa brasileira vem desencader Câmara – O Deserto É Fértil, publicia na França – onde deando uma intensa campanha contra cado pela Civilização Brasileira, em reuniu cerca de 15 a pessoa de Dom Hélder Câmara, Ar1978, o editor Ênio Silveira escrevia: mil pessoas, do lado cebispo de Olinda e Recife. Fatos com“A justiça e a paz serão estabelecidas de dentro e do lado de fora do Palais des probatórios estamos a encontrar diaao fim de tortuoso caminho, de longas Sports – e denuncia a tortura no Brasil. riamente nas páginas dos grandes jormarchas e contramarchas em que os A mídia européia abre espaço para as acunais do País, numa prova concreta de homens se irão depurando dos ódios, sações daquele bispo franzino e determique o Arcebispo estaria sendo tolhido das vaidades e dos preconceitos. Se o nado, peregrino da paz e da justiça. nas suas manifestações.” ódio pode ser mais forte e intenso do Mas a verdade incomoda. Era nada “A primeira notícia reproduzida pelo que o amor, num curto espaço de temmais do que a verdade. No entanto, os citado boletim foi publicada no jornal po, só o amor construirá para sempre”. ditadores de plantão, contando com o REPRODUÇÃO
Muitas são as razões para o Jornal da ABI prestar essa homenagem no centenário de nascimento daquele que foi o bispo brasileiro com maior projeção internacional e ao mesmo tempo o mais incompreendido e perseguido no período de trevas pós-golpe militar de 1964. Idealizador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1952, a CNBB, a ABI e a OAB, tornaram-se as três principais instituições na luta pela redemocratização do País. Difamado dentro da própria Igreja, Dom Hélder foi também alvo de pesadas e injustas críticas na grande mídia, que abria amplo espaço para seus perseguidores. O direito de resposta lhe era negado. Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Paulo Freire e Dom Hélder eram os primeiros nomes a constar do índex da censura. Sem liberdade de expressão, sua defesa era muitas vezes amparada nas palavras dos amigos, como Alceu Amoroso Lima, que, na época, assinava seus artigos sob o pseudônimo de Tristão de Ataíde. Defensor dos ‘sem vez e sem voz’, Dom Hélder tinha plena consciência de que a opção preferencial pelos pobres a que a Igreja se reconvertera no Concílio Ecumênico Vaticano II e confirmada na Conferência de Medellín (1968), tornara-se um incômodo às oligarquias latino-americanas. E ele era o maior símbolo dessa nova era cristã. “É bom que ninguém se iluda, ninguém aja de maneira ingênua: quem escuta a voz de Deus e faz sua opção interior e arranca-se de si e parte para lutar pacificamente por um mundo mais justo e mais humano, não pense que vai encontrar caminho fácil, pétalas de rosa debaixo dos pés, multidões à escuta, aplausos por toda parte e, permanentemente, como proteção decisiva, a Mão de Deus. Quem se arranca de si e parte como peregrino da Justiça e da Paz, prepare-se para enfrentar desertos”, escrevia Dom Hélder no livro O Deserto É Fértil. De silenciosa e até conivente com a injustiça social, a Igreja passa a denunciar as condições desumanas em que grande parte de nosso povo estava condenada. Volta às origens do cristianismo, deixando no passado a relação de poder que manteve durante séculos com os Estados e com a nobreza. “Se dou comida a um pobre, me chamam de santo, se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista”, desabafava Dom Hélder. Furiosos, manipulados pela doutrina da War College, os militares e grupos de extrema direita, como o Comando de Caça aos Comunistas-CCC, iniciam
ARQUIVO PARTICULAR DE AGLAIA PEIXOTO
ARQUIVO PARTICULAR DE AGLAIA PEIXOTO
Em 1974 Dom Hélder foi convidado a participar como palestrante do Fórum Econômico Mundial de Davos, Suiça, e falou em nome dos dois terços da humanidade que sofrem com a fome e a miséria, como os moradores da favela da Praia do Pinto, que ele e o Cardeal Montini (à esquerda), futuro Papa Paulo VI, visitaram em junho de 1960.
Nem anjo nem demônio Biografia de Dom Hélder Câmara lançada no ano do seu centenário traça um retrato veraz do religioso mais execrado pelo regime militar. POR MARCOS STEFANO
Hélder Pessoa Câmara talvez seja a figura mais brilhante e polêmica que a Igreja Católica produziu no Brasil. Chamado de “Profeta da Paz” por uns, “Bispo Vermelho” ou “Santo Rebelde” por outros, ele era amado pelo povo e odiado pelos governos militares. Biografar uma personalidade com um currículo assim, sempre é complicado, pois fica muito fácil transformála em uma figura mítica, acima do bem ou do mal, ou reduzir seu papel a um padre de passeata, pregador de utopias e manipulador das massas. Em Dom Hélder Câmara – O Profeta da Paz (Editora Contexto, 400 páginas), os historiadores Nelson Piletti e Walter Praxedes conseguem fugir desses perigos e apresentam não apenas o líder religioso que moveu multidões, ajudou a fundar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB e transformou-se num dos arautos da defesa da liberdade de expressão nos anos 70, mas também o homem, com suas falhas, teimosias e perseverança. Aquilo que todo ser humano possui, mas que costuma ser ignorado diante de figuras poderosas. Nem sempre manter a isenção é fácil. Piletti e Praxedes andam tantas vezes no “fio da navalha”, sem esconder a admiração por Dom Hélder. Mas, no
fim, o resultado é a mais completa biografia existente hoje no mercado sobre o “Irmão dos Pobres”. A obra, na verdade, é um relançamento por conta dos 100 anos do nascimento de Dom Hélder, completados no dia 7 de fevereiro. Originalmente, o livro foi lançado em 1997, com o título Dom Hélder Câmara – Entre o Poder e a Profecia. Agora, no entanto, vem atualizado, com seus últimos anos e toda a repercussão de sua morte, ocorrida em 1999, aos 90 anos. Logo no início, os autores mostram o diferencial de sua pesquisa intensa, numerosas entrevistas e análise da farta documentação – muita informação inédita e que antes era conhecida apenas pelos altos escalões dos Governos militares brasileiros ou pela cúpula católica no País. Na embaixada brasileira em Oslo, Noruega, eles tiveram acesso a documentos secretos e revelam as articulações do Governo do General Emílio Médici (1969-1974) para impedir que o então Arcebispo de Olinda e Recife ganhasse o Prêmio Nobel da Paz. As negociações feitas durante dois anos em que Dom Hélder fora indicado para receber a distinção são contadas em detalhes, desde as notícias plantadas na imprensa norueguesa, até as tentativas de influenciar os membros do Comitê do Prêmio Nobel para que mudassem seus votos e a conivência de grandes ve-
ículos da imprensa brasileira. Esse é apenas o começo. Dividido em três partes, O Profeta da Paz oferece um panorama da História do Brasil nos últimos 50 anos, contextualizando a vida de Dom Hélder e apresentando a relação entre o poder político e o eclesiástico, assim como as posições da Igreja romana no País e as do Vaticano. Em Anos Verdes (1909-1935), é apresentada a infância em Fortaleza, a influência política do integralismo sobre o jovem Hélder e sua opção pelo sacerdócio. É nesse tempo que surge a preocupação pelo próximo e pelos pobres, muito bem retratadas no livro. Anos Dourados (1936-1964) mostra o amadurecimento de Hélder, seu desencantamento com o integralismo e seu envolvimento com o humanismo. O católico que antes defendia um Estado centralizado que pudesse fazer frente ao comunismo reconcilia-se com a democracia e a luta contra o totalitarismo, de direita ou de esquerda. Em tempos de prática e idealismo, ele lidera a Ação Católica, organiza seminários para reerguer a Igreja, que já perdia espaço para outras religiões, e, já como bispo, articula a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Os processos são descritos minuciosamente e é possível acompanhar os bastidores, as disputas quase viscerais no interior da Igreja e o jogo de poder aqui e lá fora. Ainda assim, a melhor parte fica por conta dos Anos Vermelhos (1964-1999). É tempo do amadurecimento de Dom Hélder. Antes mesmo de perder o acesso aos corredores do poder econômico
e político, ele já rompia com o assistencialismo e populismo, políticas cujo apoio costurou durante o Governo getulista. Agora ele sabe que é necessária uma grande reforma na sociedade e mudanças nas políticas do País para promover justiça social. Mas o rompimento com os militares não é imediato e O Profeta da Paz identifica muito bem esse processo. Mostra como o bispo adotou uma postura independente em 1964, que mais pareceu um apoio tácito à “revolução”. Em Pernambuco, no entanto, sua ação social, inspirada no Concílio Vaticano II, já mostrava uma posição mais “rebelde”. Porém, a postura anticomunista levou a liderança católica a fazer a apologia do regime militar, mesmo diante da violação dos direitos humanos e da prisão de muitos membros do clero. Para Dom Hélder, isso impunha o rompimento. Sua ação e visitas às cadeias soavam como um desafio para o Governo, que passou a ameaçá-lo. Chamam a atenção as histórias de como diversos jornais eram simplesmente proibidos de falar nele, mesmo que fosse para criticá-lo. Também é desse tempo sua célebre frase: “Se eu dou comida a um pobre, sou chamado de santo; mas se pergunto por que ele é pobre, dizem que sou comunista”. Em algumas oportunidades, a obra carece de mais informações sobre a vida cotidiana, os dilemas pessoais e familiares de Dom Hélder Câmara. Também acaba se aprofundando no caráter político e social de seu trabalho e dando pouca atenção a um aspecto que Marcos de Castro trabalha bem em seu livro: a fé e o misticismo do “santo rebelde”. Mas nada que possa comprometer O Profeta da Paz, que, com seu texto fluído, muitas histórias, situações e diálogos fascinantes, oferece não apenas uma narrativa que interage e prende o leitor, mas também exemplos que mexem com a cabeça e com o coração. Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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DOM HÉLDER CÂMARA
Um homem discreto, despojado; santo. O biógrafo do Arcebispo de Olinda e Recife conta como ele era avesso à notoriedade e fala de sua devoção à Igreja dos Pobres. POR MARCOS DE CASTRO
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Pedem-me um artigo para complementar o material do Jornal da ABI sobre o centenário de nascimento de Dom Hélder Câmara e me é previamente sugerido o assunto. Muito bem escolhido, por sinal, uma vez que a ABI é a Casa do Jornalista e Dom Hélder costumava ocupar amplo espaço na mídia européia nos anos 1960 e 70, enquanto no Brasil seu espaço começou a murchar cada vez mais depois do AI5 (dezembro de 1968). Não é para menos, pois o arrocho à imprensa piorou muito depois desse quinto Ato Institucional da ditadura militar. Começarei contando um episódio significativo, ocorrido em 1970, quando eu trabalhava na Redação da falecida revista Manchete, naquela época ainda uma das maiores do Brasil. A Redação tinha recebido do Recife uma foto, de Carlos Weick, especialmente significativa: duas crianças correm para Dom Hélder, que as espera de braços abertos. O editor de Manchete na ocasião, Zévi Givelder, pediu ao redator Narceu de Almeida (19331985), um talento excepcional, que preparasse um texto-legenda para acompanhar foto tão sugestiva – e a sugestão mais evidente era a conhecida frase de Cristo “Deixai vir a mim as criancinhas”. Narceu fez um texto brilhante e, em meio a tanto sentimento de inocência (duas criancinhas e um arcebispo próximo da santidade), no mesmo dia em que a revista foi às bancas veio a reação brutal: o jornalista Murilo Melo Filho, então um dos diretores das empresas Bloch, que editavam Manchete, foi chamado ao Ministério do Exército (o Palácio Duque de Caxias, perto da Central). Boa coisa não podia ser, imaginouse logo. Na volta, toda a Redação cercou Murilo, que foi logo contando o caso, repetindo, no fim, as palavras com que o coronel que se sentava à cabeceira da mesa encerrou o ”diálogo”: – Desse arcebispozinho comunista a revista não pode publicar mais nada, Dr. Murilo, nada. Nem mesmo contra. A revista pode considerá-lo morto. Esse era o tratamento que a ditadura militar dispensava a Dom Hélder Câmara. O episódio resume tudo à perfeição. Mas não fugirei à verdade histórica: registro aqui o fato incontestável de que alguns jornais e revistas agiam com grande alegria à exigência ditatorial de tratar Dom Hélder como mor-
to. Evidentemente não vou citar nomes de publicações, mas a História está aí mesmo e os pesquisadores sérios sempre acabam por deixar tudo às claras. Um outro vezo dos militares da ditadura era tentar fazer crer que Dom Hélder adorava aparecer na mídia, uma grande mentira. Dom Hélder era um homem discreto, entretanto descoberto e festejado pelos europeus em função de seu trabalho pelos pobres, consubstanciado sobretudo através de sua atuação no Concílio Vaticano II. Observe-se que no Concílio, convocado por João XXIII, il papa buono, com o sentido de renovar a face esclerosada da Igreja (pois assim era no meado do século passado) através do que veio a se chamar aggiornamento, no Concílio, eu dizia, Dom Hélder não falou numa única assembléia, não apareceu com destaque em qualquer ocasião.
Fez, isto sim, um trabalho de sapa incrível, reunindo um núcleo de companheiros seus de pensamento e ação em encontros que ficaram conhecidos como “as sextas-feiras do Vaticano”. Desses encontros participavam Dom Manuel Larrain, do Chile, Dom Leónidas Proaño, do Equador, e Dom Samuel Ruiz, do México, conhecidos por seu alinhamento ao lado dos humildes, entre outros latino-americanos que tinham uma visão clara de que a Igreja ou seria uma Igreja voltada para os despossuídos, os sem-vez e sem-voz, ou não seria nada. Dom Hélder já voltava seu trabalho para os pobres desde 1955, quando, terminado o Congresso Eucarístico do Rio, aproveitou para uma construção nova as toneladas de madeira utilizadas para os bancos em que se sentaram os fiéis durante as missas no Aterro da Glória (que não tinha nem o Museu de Arte Moderna nem o Monumento aos Pracinhas, era terra pura despejada a partir do desmonte do Morro de Santo Antônio, no Largo da Carioca). Que construção nova foi essa? Precisamente a Cruzada São Sebastião, erguida no Leblon onde havia um terreno pantanoso conhecido como Praia do Pinto. Dom Hélder confessava que nessa época não tinha a visão de que acabar com favelas depende de uma mudança estrutural na sociedade. Mas não
se arrependeu do que fez. A visão da necessidade de novas estruturas sociais Dom Hélder começou a ter depois dos citados encontros com outros bispos latino-americanos no Concílio Desses encontros surgiu o espírito de Medellín, a II Conferência do Episcopado Latino-Americano, em 1968, que daí em diante passou a ser o encontro da Igreja mais grato ao coração de Dom Hélder. A I Conferência tinha sido no Rio de Janeiro, em 1955, mas totalmente abafada pela realização paralela do Congresso Eucarístico Internacional, cuja organização, cujo sucesso ficou devendo tudo a Dom Hélder Câmara. Mas em Medellín é que esteve viva como nunca a chamada Igreja dos Pobres – Dom Hélder tinha um profundo amor pela expressão. Dizia sempre que a Igreja não podia ser outra coisa se quisesse ser fiel ao espírito do cristianismo, fiel ao espírito de Cristo. Desalentador é que são frágeis os corações humanos e na história dos homens de um modo geral, não só da Igreja, o que há de mais comum é darmos um passo para a frente e logo depois voltarmos ao estágio anterior. Puebla, a III Conferência, no México, em 1979 (deveria ser em 1978, mas foi adiada porque um novo papa, o polonês João Paulo II, acabava de assumir), não manteve o espírito renovador de Medellín. A Igreja começava rapidamente a se ajustar ao espírito conservador de João Paulo II, um homem admirável, homem de fé profunda, mas conservador como de um modo geral todo o catolicismo polonês. O pontificado de João Paulo II, como se sabe, prolongou-se até o início do século XXI e o homem eleito para sucedê-lo, o alemão Ratzinger, que viria a ser Bento XVI, foi precisamente o grande teórico do conservadorismo que traçou as linhas de ação do polonês, em cujo pontificado teve uma influência decisiva. Mas voltemos a Dom Hélder, que é o nosso foco aqui. Seu trabalho pela Igreja dos Pobres impressionou profundamente as ricas arquidioceses européias, que viam talvez mais do que os brasileiros o trabalho de pastor e profeta desenvolvido por Dom Hélder. Não raro alguém que está distante vê com maior clareza do que nós o que nosso vizinho está fazendo. Nesse momento (antes mesmo de Medellín) é que Dom Hélder começou a receber convites incessantes de universidades e de organizações européias diversas para falar de seu trabalho, que caracterizava uma Igreja nova: as sessões conciliares se desenvolveram de 1962 a 1965 e já no ano seguinte (1966) começaram as viagens de Dom Hélder (o primeiro convite veio de Bruxelas). Dom Hélder recebeu a partir daí, às dezenas, títulos de Doutor Honoris Causa de universidades européias. Tinhaos todos mofando num baú que tomava boa parte de sua ínfima sala nos fundos da Igrejinha das Fronteiras (uma construção dos tempos de Maurício de Nassau).
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ARQUIVO OBRAS DE FREI FRANCISCO CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO HELDER CAMARA
Vamos abrir parênteses aqui para falar dessa “casa” de Dom Hélder Câmara. Não só no Brasil, mas pelo mundo afora, é comum ver arcebispos morando em palácios. Pois Dom Hélder nem uma casa tinha. Morava nos fundos de uma igrejinha, como se disse, uma espécie de puxadinho em relação à sacristia. Além do baú, uma escrivaninha, uma prateleira para os poucos livros e uma geladeirinha que parecia brinquedo de criança. Também, não havia necessidade de nada maior: dentro dela, na semana em que estive lá durante seis noites a visitá-lo para as entrevistas, nada mais do que uma garrafinha de Coca-Cola e um naco de queijo de coalho, postos lá pelas freirinhas do ambulatório vizinho da igrejinha. O quarto de dormir era um cubículo onde não caberia nada além da cama que o ocupava por inteiro. Quanto aos títulos de Doutor, no baú, ele gostava de contar uma historinha. Não que os desprezasse, isso não, mas o título de doutor a que dava mais valor tinha sido um recebido numa paróquia do subúrbio do Engenho Novo, no seu tempo de Rio de Janeiro. Convidado pelo pároco para concelebrar, ao fim da homilia, pronunciada por ele, o pároco se aproximou e agradeceu as palavras do convidado, o “Dr. Dom Hélder”. Dom Hélder o cutucou e disse baixinho: “Não, eu não sou doutor não.” O pároco emendou: “Bem, Dom Hélder está aqui me dizendo que não é doutor...” Nesse momento, um senhor negro, alto e forte, com um jeito de extrema simplicidade, começou a pular aos berros lá no meio da igreja: “É doutor, é doutor, é doutor!!!” – Foi o único título de doutor que ganhei diretamente do povo – diz ele alegremente. Por isso é de todos aquele a que dou mais valor. Quero encerrar lembrando das dificuldades que tive para realizar as entrevistas posteriormente transformadas na biografia de Dom Hélder que escrevi. Pois o mesmo, o mesmíssimo Dom Hélder que segundo os militares da ditadura adorava aparecer na mídia, por pouco não me manda de volta de Recife ao Rio de mãos abanando. Conto o caso. No Governo Geisel a ditadura ia sendo abrandada de forma “lenta e gradual”. O Deputado Max da Costa Santos (PDT-RJ), que morreria alguns meses depois, estava lançando uma editora (Graal) e resolveu que os primeiros livros seriam biografias de pessoas que desagradavam ao regime militar. Alceu Amoroso Lima, Oscar Niemeyer e Dom Hélder Câmara seriam os três primeiros. Entre as pessoas que formavam o primeiro conselho editorial estava minha querida amiga Guguta Brandão, que sugeriu meu nome para a biografia de Dom Hélder (Otto Maria Carpeaux faria a biografia de Dr. Alceu e Nélson Werneck Sodré a de Oscar Niemeyer). Comecei por ouvir as pessoas que tinham trabalhado com Dom Hélder aqui
Para divulgar os ideais da Igreja dos Pobres, Dom Hélder nunca se furtou em aparecer para o grande público, como no concerto abaixo, e sempre foi lembrado por personalidades como Madre Teresa de Calcutá (ao lado) e o Presidente João Goulart.
no Rio e me fixei em Cecília Goulart Monteiro, a Cecilinha, e ficamos logo amigos de infância. Conhecê-la era criar um problema insolúvel: como poderia uma alma tão grande caber em corpo tão miudinho. Cecilinha era pequena e magra, muito pequena e muito magra, mas dificilmente alguém teria o coração tão grande. Depois de algumas conversas com Cecilinha, marquei a viagem, ainda que ela me prevenisse: “Ele ainda não cedeu, continua firme na idéia de não contribuir para a própria biografia. Mas se você tem pressa de ir, vá. Continuarei trabalhando por você aqui na retaguarda.” Verdade pura. Dom Hélder não queria de modo algum ceder, dizia que sua posição seria ridícula, como a de quem inaugura o próprio busto em praça pública. Lembrei-lhe que acabava de ser lançado um livro de perguntas e respostas feito com ele por um escritor francês, José de Brouckeur. Dom Hélder justificou-se: “É, mas ainda que eu também não quisesse atendê-lo de jeito nenhum, acabei cedendo diante do argumento de que ele tinha atravessado o Atlântico e seria profundamente desagradável se voltasse de mãos abanando.” Contra-argumentei que eu não atravessara o Atlântico, mas que Rio-Recife não deixava de ser uma grande viagem. Não, não e não continuaram sendo suas respostas sempre. Claro, eu não queria desistir de modo algum, mas estava quase desistindo no quarto ou quinto dia de insistência, quando Dom Hélder me disse: – Bom, eu verdadeiramente não queria atendê-lo de modo algum. Mas Cecilinha me ligou ontem à noite e me pediu com grande empenho que o atendesse. Vou fazê-lo exclusivamente porque tenho Cecilinha na mais alta conta. Nessa mesma noite iniciamos as entrevistas, no fundo da Igrejinha das Fronteiras. Cecilinha morreria poucos dias depois atropelada em frente ao Hotel Glória, no Rio, sem ver o livro pelo qual, afinal, foi a grande responsável. Dom Hélder Câmara faleceu aos 90 anos de idade, no dia 27 de agosto de 1999. Sua memória está reunida no Centro de Documentação Hélder Câmara, no Recife. Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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DOM HÉLDER CÂMARA
Meu encontro com Dom Hélder POR FRANCISCO U CHA
Estudava no Colégio Salesiano Sagrado Coração de Jesus, em Recife, e fazia o curso científico, que corresponde hoje ao ensino médio. Não sei precisar o ano. Talvez 1972 ou 73. O fato é que era uma época de silêncio, angústia e opressão. Uma nova Igreja mais atenta aos humildes e necessitados intensificava suas ações sociais, mas a opção pelos pobres atiçou a ira dos donos absolutos do poder, que promoveram uma incessante e tortuosa perseguição aos religiosos que serviam à população carente. E, dentre todos, Dom Hélder Câmara era o alvo a ser destruído pela ditadura. Eu não sabia que vários de seus colaboradores foram presos e torturados, mas sentia claramente o medo no ar. Percebia num dos padres salesianos que buscavam renovar as missas para os jovens, introduzindo a música e a guitarra nos cultos, o semblante sempre presente da apreensão. Mesmo assim, numa aula de Religião, nossa turma foi dividida em grupos de trabalho e coube-me a grata tarefa de entrevistar Dom Hélder, que era nosso vizinho. O Colégio Salesiano (ainda) está localizado na Rua Dom Bosco, n° 551; a Igreja das Fronteiras, onde residia o Arcebispo, cujos aposentos foram muito bem descritos pelo jornalista Marcos de Castro no texto da página 43, fica na Rua das Fronteiras, a pouco mais de cinco minutos a pé, andando com tranqüilidade. Lembro-me de que cheguei lá no início da tarde e fui recebido por uma freira que me pediu para aguardar um momento. Eu estava nervoso e ansioso. A salinha escura e silenciosa aguardava a entrada de um gigante. Logo ele surgiu e, com sua voz branda, melodiosa, alegre e gentil, me colocou à vontade. Conversamos por dez ou quinze minutos. O bastante para que ele respondesse a algumas perguntas simples daquele estudante tímido e assustado. Se eu tinha dúvidas da força daquele homem franzino, elas se dissiparam no exato momento em que sua figura surgiu à minha frente. Um comunista? Que brincadeira! Ele não tinha rótulos
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políticos. Era um verdadeiro humanista, um pacifista. Alguém que buscava, em cada uma de suas ações, ajudar e confortar o próximo! Sua bondade e sua fé eram inabaláveis. A partir dali soube que ninguém poderia destruir o que aquele homem plantou, pois sua mensagem surgira do mais profundo amor pela Humanidade. Nem mesmo os mais cruéis capachos da ditadura conseguiriam dobrá-lo. Não que fossem fáceis os seus caminhos. Em seu livro O Deserto é Fértil ele descreve suas dificuldades como peregrino da justiça e da paz: "É bom que ninguém se iluda, (...) para lutar pacificamente por um mundo mais justo e mais humano, não pense que vai encontrar caminho fácil, pétalas de rosas debaixo dos pés, multidões à escuta, aplausos por toda parte (...). Os grandes e poderosos desaparecem, cortam toda e qualquer ajuda, passam a represálias. Não raro financiam campanhas que se tornarão tanto mais rudes, difamadoras e caluniosas quanto mais sentirem perigo à vista." Mas ele tinha um segredo: "O segredo de ser sempre jovem – mesmo quando os anos passam, deixando marcas no corpo –, o segredo da perene juventude da alma é ter uma causa a que dedicar a vida. (...) Abraçar uma grande causa, ser-lhe fiel, sacrificar-se por ela, é importante como acertar na escolha da vocação." Mais adiante ele define os artistas como se estivesse me definindo, descrevendo cada um de nós: "O artista não pode ser medido pelos padrões comuns: participa ainda mais claramente do Poder Criador do Pai. Tudo nele é imprevisto, original. Reage ao enquadramento, à monotonia, à rotina. O artista costuma ser aberto ao humano, à justiça, à liberdade. Para ele, clima de ditadura é clima irrespirável. Com antenas sensibilíssimas, pressente o amanhã, fala (...) em nome dos que não sabem ou não podem falar." Este é o homem que esteve comigo por alguns minutos. O suficiente para que sua suave presença e suas firmes convicções me marcassem para sempre.
Dom Hélder mostra o símbolo maior de sua peregrinação em favor dos injustiçados.
O Pastor da Liberdade na Globo Nordeste O pe360graus.com – portal da Rede Globo Nordeste – colocou no ar em fevereiro um hotsite em homenagem ao “Pastor da Liberdade”, título com o qual chama Dom Hélder Câmara logo em sua página de abertura. Ao acessar o endereço centenariodomhelder.com.br, o internauta é recebido por uma das célebres frases do religioso: “As pessoas te pesam? Não as carregue nos ombros. Leva-as no coração”. Com várias fotos históricas e um visual limpo, bem resolvido graficamente e fácil de navegar, o visitante ainda pode conhecer diversos aspectos da vida de Dom Hélder, como sua formação, enfrentamento da ditadura, pensamento político, produção artística e a criação da CNBB. O hotsite ainda traz um texto falando sobre algumas homenagens feitas por ocasião dos 100 anos de seu nascimento e diversos vídeos, com testemunhos de pessoas que conviveram com ele, antigas entrevistas e reportagens.
– O site faz parte de uma série que a Globo Nordeste fez para homenagear Dom Hélder. Acredito que seja uma importante contribuição para que a lembrança não fique restrita à data redonda de seu centenário, o que reduz suas obras a efemérides. Quando passa a data, cessa a discussão. Com esse espaço, esperamos dar um lugar para que aqueles que conviveram, estudaram ou tiveram suas vidas modificadas por ele, como é o caso de muitas pessoas e até comunidades aqui de Pernambuco, possam dar um testemunho contínuo de sua vida e mensagem. – afirma a jornalista Fabíola Blah, Editora de Conteúdo do pe360graus.com. Além do hotsite, a Globo Nordeste ainda produziu reportagens especiais, um documentário e entrevistas exclusivas para a internet como parte das homenagens a Dom Hélder. Apesar de dizer que não há planos para colocar novos materiais no hotsite por enquanto, ela acredita que é o começo de uma caminhada de cidadania para conscientizar a sociedade: – Não conheci Dom Hélder, mas pude aprender muito com ele ao realizar esse especial. Admiro muito sua capacidade conciliatória e diplomática. Mesmo contrariado ele não se dava por vencido, estimulava a discussão em busca de caminhos para transformar suas idéias em ações. Uma lição que precisamos reaprender hoje.
Vidas
Bill Duncan, o exterminador de conflitos POR SANDRO VAIA
No começo, o Jornal da Tarde foi formado pela fusão de várias tribos. A maior dela era a dos mineiros. A diáspora mineira foi produzida por Murilo Felisberto, o secretário de Redação, que recrutou dezenas de talentos que militavam nas redações dos jornais de Minas. Havia outras tribos menores, como a dos egressos da sucursal paulista do Jornal do Brasil, além dos talentos avulsos, recrutados em redações esparsas. Guilherme Duncan de Miranda, o Bill, era da tribo do JB. As tribos se fundiram à perfeição e criaram uma nova identidade única, que veio a formar o espírito JT. Dessa fusão foram surgindo as individualidades, a imposição suave e natural de estilos de comportamento, de estilos de trabalho, de características pessoais mais ou menos marcantes. Desse silencioso milagre produziuse uma das redações mais criativas, talentosas, buliçosas, inquietas e, por incrível que pareça, solidárias de que se tem notícia na história recente da imprensa brasileira. Uma das características da Redação do JT era a efervescência criativa. Nela, conviviam profissionais mais experimentados e jovens no estado de graça da ebulição dos hormônios e da imodesta crença na sua própria genialidade e na imortalidade de seus talentos. Uma estranha estratégia Bill não pertencia ao grupo dos destemperados. Tinha as bochechas falsamente graves e um ar de condescendência quase paterna para com aquilo que mais tarde, em outro contexto, Humberto Werneck chamaria de “os desatinos da rapaziada”.
personalidade e o perfil do jornal ao qual dedicava o melhor de sua energia. Dividia-se entre jornal e família em rigorosa dupla jornada de afeto e dedicação. Como lembrou Moacir Japiassu num comentário postado no Comunique-se, Bill andava para cima e para baixo com um longo e elegante sobretudo bege que lhe realçava a elegância nas noites frias. O sobretudo viria a fazer parte da sua persona. E também, como lembrou seu amigo Mário Marinho, não saía da Redação sem antes virar todos os papéis que encontrasse pela frente nas mesas da Redação. Era uma estranha estratégia para retardar ao máximo o abandono do seu posto de trabalho.
Integrante da equipe de fundação do Jornal da Tarde, nos primeiros dias Duncan ficou na boca da rotativa para pegar um exemplar quentinho.
Estava sempre disponível para a boemia companheira, a boa e comportada boemia dos fechamentos tardios, das excursões pelos bares da galeria Metrópole, dos chopes bem tirados e das rodas onde se criavam, tijolo por
tijolo, as catedrais do folclore humano das redações. Era um jornalista talentoso, rigoroso com os cânones da profissão, cuidadoso com as palavras a serem impressas, com os conceitos que constituíam a
Poder moderador Na fila da porta do elevador, a caminho da parada estratégica para jantar nas redondezas, quando o jornal ainda funcionava na Rua Major Quedinho, no Centro de São Paulo, alguém olhava em volta e perguntava: “Cadê o Bill?” Outro respondia: “Tá virando papel.” Todos sabiam que esse era o ritual – e vida que segue. Nas crises e nos conflitos naturais de uma Redação vitaminada pelas guerras e guerrilhas de egos e de vaidades à flor da pele, Bill era o porto seguro. Aportavam a seu lado aqueles que queriam ouvir palavras de serenidade, de lucidez, de bom senso. Era uma espécie de poder moderador, um exterminador de conflitos. Saiu do jornal em 1989 e foi cuidar do Prêmio Esso. Morreu aos 66 anos depois de lutar seis anos contra um câncer. Não há ninguém que possa tomar o lugar de Bill Duncan. Guilherme Duncan faleceu em 22 de fevereiro. Este texto de Sandro Vaia foi publicado no dia seguinte no site Observatório da Imprensa
O que aprendi trabalhando com Bill Duncan POR RUY PORTILHO Especial para o Jornal da ABI
Conviver com um colega de profissão por mais de 20 anos nas redações de jornais e em outras atividades ligadas à área de comunicação social deixa lembranças que o tempo não apaga, mas no caso o meu amigo e companheiro Bill Duncan deixou, sobretudo, ensinamentos. Bill será lembrado por mim pelos conceitos que emitiu ao longo da nossa convivência profissional e também pelas frases sábias que brotavam de sua boca nos momentos de dificuldade. Meu colega de redação de O Estado
de S. Paulo e Jornal da Tarde, onde alcançou as mais altas posições na hierarquia dos dois jornais, era um crítico permanente da atividade que exercíamos, sempre com a intenção de melhorar aspectos do desempenho da profissão que, na sua visão exigente, mereciam cuidados permanentes. Nunca se conformou, por exemplo, com o comodismo tão em moda no jornalismo de nossos dias de espalhar “denúncias” sem exigir do repórter que utilizasse os meios a seu dispor para conferir a informação. “Repórter não tem só ouvidos”, dizia ele, “possui olhos, pernas e bom-senso para averiguar o que lhe dizem”. E completava
“qual o sentido de reproduzir a fala de um “denunciante” se posso eu mesmo verificar a veracidade das informações nos locais onde o fato dito delituoso se produziu? Que motivo me levaria a abdicar do direito de checar a informação sob várias formas até me certificar que está correta? Só se for o do comodismo que destrói a reputação do jornalista junto com a imagem das pessoas que denuncia” – concluía. Bill era, sobretudo, um cavalheiro. E dessa forma se comportava com os companheiros e com as demais pessoas que tivessem a felicidade de cruzar o seu caminho. Nunca deu curso a uma “fofoca”, a algo que lhe contassem e que
pudesse denegrir a imagem de alguém. O que lhe contavam, se não fosse para falar bem de alguém, morria com ele. Figura rara de jornalista esse Bill. Ponderação, discernimento, sabedoria na convivência com as pessoas e, acima de tudo, respeito para com o próximo, poderia muito bem ser um resumo de suas características mais marcantes. Sorte minha e de tantos outros que com ele conviveram porque puderam absorver seus bons exemplos, melhorando as atitudes profissionais e aprendendo a exercitar a humana e nem sempre lembrada virtude da tolerância. Ruy Portilho, jornalista, é Coordenador do Prêmio Esso de Jornalismo.
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Vidas FERNANDO MAIA-AGÊNCIA OGLOBO
Exilado após o golpe militar, na volta Saboya lutou pelo retorno do Estado de Direito.
Saboya, um dos construtores da OAB democrática Um anúncio fúnebre com os nomes de quase 200 pessoas – exatamente 190 —, a maioria profissionais da área do Direito, ocupando quatro colunas de 2l,5 cm de altura na edição de 4 de fevereiro de O Globo, deu idéia da comoção causada pelo falecimento do advogado Paulo Saboya (Paulo Eduardo de Araújo Saboya), Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros e um dos responsáveis, ao lado de outros companheiros, como Francisco Costa Neto, Eugênio Roberto Haddock Lobo e Nilo Batista, pelo engajamento da Seção do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil nas lutas pelo retorno do País ao Estado de Direito, posição que acabou por influenciar e levar para esse caminho o próprio Conselho Federal da OAB. Funcionário da Petrobrás, Saboya era Diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Fábrica de Borracha Sintética, em Duque de Caxias, quando irrompeu o golpe militar de 1º de abril de 1964, que promoveu centenas de prisões e demissões na empresa e destituiu as diretorias das entidades sindicais, entre as quais a do Sindicato a que ele pertencia. Demitido da Petrobrás, a partir de então Saboya enfrentou longo período de privações, sem que as dificuldades de caráter pessoal o impedissem de participar ativamente das lutas democráticas. A firme militância credenciou-o ao respei46 Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
to dos companheiros, expresso tanto na manifestação de pesar pelo seu passamento como nas investiduras que marcaram sua trajetória política e profssional. Além de Presidente do IAB, a mais antiga das instituições dos advogados do País, Saboya era Presidente do Tribunal de Étic a e Disciplina da OAB-RJ, da qual foi Vice-Presidente. Em 2008, foi agraciado com a Medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a maior condecoração da Cidade. Secretário de Justiça do Estado do Rio em 2002, no Governo Benedita da Silva, Saboya era especializado em Direito Civil e Direito do Trabalho e lecionava nas Universidades Cândido Mendes e Estácio de Sá. O Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, descreveu-o como um homem de cultura, refinado senso de humor e talento profissional, virtudes que proporcionavam a seus amigos um convívio proveitoso. “Ele foi um dos pais do movimento histórico de advogados que mudou a direção da instituição”, disse Damous. Saboya, 69 anos, lutava contra um câncer pulmonar que o levou a se internar no Hospital Copa D’Or, onde faleceu na madrugada do dia 3 de fevereiro. Ele deixou viúva, Kívia Maia, irmã do ex-Prefeito César Maia, duas filhas do primeiro casamento e cinco netos.
MONIZ VIANA Sai de cena um jornalista apaixonado pelo cinema Mais respeitado crítico de cinema do Brasil, Antônio Moniz Viana formou uma geração de críticos e de cinéfilos. Carlos Heitor Cony, seu companheiro no Correio da Manhã, apontou-o como o imperador absoluto da crítica cinematográfica. Um apaixonado pelo cinema que, por mais contraditório que possa parecer, abandonou seu ofício justamente por amor à Sétima Arte. Essa bem que poderia ser a síntese do perfil do Antonio Moniz Viana, crítico que faleceu em 31 de janeiro deste ano, aos 84 anos, no Rio de Janeiro, após 15 dias de internação motivada por uma pneumonia. Nascido em Salvador em 1924, Vianna cresceu na capital fluminense, cidade onde estudou Medicina, atividade que tanbém exerceu. Em 1946, aos 21 anos, Moniz estreou como crítico no Correio da Manhã, no qual escreveu sobre cinema até a morte de seu ídolo, o norte-americano John Ford. O impacto da perda do diretor de clássicos como No Tempo das Diligências (1939) abalou não só a indústria cinematográfica mas especialmente Moniz Viana, cada vez mais descontente com os rumos comerciais das principais produções da época. Desiludido com sua maior paixão, Moniz abandonou a coluna que assinava no jornal em 9 de setembro de 1973, apenas dez dias após a morte de seu cineasta preferido. “O cinema acabou”, disse na época o polêmico articulista, que, além de crítico, foi redator-chefe do jornal por
cerca de três anos. Decepcionado com a crise criativa do cinema contemporâneo, Moniz não viu mais razão de continuar na labuta diária do exercício analítico. Para ele, o cinema já havia experimentado seu auge, no período de 1912 a 1962. Diante de uma indústria que considerava em franco declínio, optou por isolar-se em seu apartamento em Copacabana. Não parecia haver mais lugar para seus textos refinados em jornais que abriam mão de seus suplementos culturais, onde a crítica aprofundada cada vez mais perdia espaço para as simples resenhas atreladas às campanhas de lançamento dos principais títulos de Hollywood – tal como ocorre nos dias de hoje. Ao longo de sua atividade profissional, estima-se, Moniz produziu mais de seis mil críticas. Ele integrava a geração dos grandes críticos, homens preparados e dedicados, com profundo amor pelo cinema. Após a insistência de familiares e amigos, permitiu o lançamento de um único livro com 91 de seus artigos, reunidos por Ruy Castro. Lançado pela Companhia das Letras em 2004 com o sugestivo título de Um filme por dia: crítica de choque, a obra revela muito do perfil do jornalista. Era exatamente com essa periodicidade – uma fixação diária – que produzia seus textos, chegando mesmo a copiar as extensas fichas técnicas dos filmes no escuro da sala de projeção. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo no dia 3 de fevereiro, o jorna-
Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath), obra-prima de John Ford com Henry Fonda, é um dos filmes prediletos de Moniz Vianna e um dos que mais o impressionou.
JORNAL DO COMMERCIO
lista, escritor e acadêmico Carlos Heitor Cony lembrou a trajetória intelectual e jornalística de Moniz. “Durante muitos anos, Moniz Viana foi o imperador absoluto na crítica cinematográfica. Evidente que era contestado, mas ninguém poderia imaginar um filme importante sem sua opinião, fosse contra ou a favor. Antes de mais nada, foi um líder: apesar de responsável pela seção de cinema, durante dois ou três anos foi o redator-chefe do Correio da Manhã”, lembra Cony. Moniz formou um grupo que teria influência no jornalismo e na produção cinematográfica, incluindo alguns diretores, como Walter Lima Jr. e Maurício Gomes Leite, e um time de colegas que se destacaram na imprensa do País, como José Lino Grünewald, Ely Azeredo, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Sérgio Augusto, Valério Andrade, Ruy Castro, Wilson Cunha, Paulo Perdigão e outros. Foi diretor da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, entre 1956 e 1965. Junto ao cinema, cultivava outra grande paixão: a torcida pelo Flamengo. Moniz foi antes de tudo um precursor e incentivador cultural. Foi ele quem trouxe para o Brasil, em 1958, a primeira cópia de Cidadão Kane ao Brasil, obraprima que Orson Welles dirigira quase 20 anos antes, em 1941. Vieram também por suas mãos e seu empenho cópias de obras essenciais como as de Griffith (O Nascimento de Uma Nação, Intolerância), os primeiros filmes de Mé-
Os discípulos exaltam o mestre Companheiros de Moniz Viana prestam homenagem àquele que lhes ensinou a ver filmes e lhes abriu espaço para o exercício permanente da crítica cinematográfica. “Um minuto de silêncio precedeu o jogo do Flamengo contra o Volta Redonda, domingo passado, pelo Campeonato Carioca. Quantos dos presentes conheciam, ainda que vagamente ou só de nome, Antônio Moniz Viana?, perguntei-me ao saber da homenagem, seguro de que jamais teria uma resposta satisfatória. Moniz Viana, morto na madrugada do último sábado, aos 84 anos, não era uma celebridade, apenas um dos mais ilustres torcedores do Flamengo, sua maior paixão depois do cinema. Célebre ele fora em décadas passadas e famoso há de ficar como o primeiro crítico de cinema brindado com um minuto de silêncio no Maracanã.” (SÉRGIO AUGUSTO, in O homem que melhor nos ensinou a ver um filme, O Estado de S. Paulo, 7 de fevereiro de 2009, Caderno 2, página D3)
Moniz foi o criador da moderna crítica cinematográfica. Sua influência era tanta que Carlos Heitor Cony, seu colega no Correio, apontou-o como o imperador absoluto da crítica.
“Quando Moniz Viana inaugurou sua coluna de crítica no poderoso Correio, em 1946, contavam-se nos dedos as pessoas que conheciam algo sobre a linguagem e a história da Sétima Arte no Brasil. O estouro de bilheteria da temporada (e recorde por décadas) era o tosco dramalhão O Ébrio, com o cantor Vicente Celestino. As tentativas da indústria patinavam. A polêmica entre os saudosistas do cinema silencioso (como Vinícius de Morais) e os defensores do sonoro só havia terminado em 1945. Nos estúdios da Brasil Vita Filmes, a reverenciada estrela-cineasta Carmem Santos se afligia no nono ano de esforços para concluir a produção de Inconfidência Mineira, que só conseguiria estrear dois anos depois. Quando a Vera Cruz levantou estúdios em São Paulo, em 1950, com preten-
sões de Hollywood brasileira, alguns assistentes socorriam os diretores estreantes correndo para comprar o básico Tratado de Realização Cinematográfica, do russo Kulechov, só encontrado em espanhol no País. O desnível entre o know-how de Moniz e o dos cineastas da época era abissal. (...) Foi um crítico sofisticado, mas não elitista. Difundia metodicamente gêneros populares hollywoodianos: o western, o musical, o filme de gângster. Quando a publicidade tornou obrigatório ver Rita Hayworth e seu simbólico strip-tease de Gilda e os exibidores resolveram salgar os preços dos ingressos, Moniz escreveu que era caso de um quabraquebra. Não deu outra: os inconformados vandalizaram as poltronas e a tela do Rian, em Copacabana.” (ELY AZEREDO, in Moniz Vianna, o critico que sa-
liès e Lumière, as obras fundamentais do neo-realismo italiano e do realismo poético francês, além dos filmes da escola soviética. Em 1965, organizou a maior mostra de cinema que o Brasil já conheceu: o Festival Internacional do Filme do Rio de Janeiro, cujo júri, para se ter uma idéia, era composto por nomes como Fritz Lang, Joseph Von Stenberg, Vincente Minnelli. Apesar da fama de inimigo do cinema brasileiro, construída em grande parte por seus ferozes ataques às populares chanchadas das décadas de 1940 e 1950, Moniz ajudou como poucos as produções nacionais quando à frente da Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica, no Governo Carlos Lacerda, e do Instituto Nacional de Cinema-INC. Ele teve relacionamento conturbado até mesmo com a acadêmica turma do Cinema Novo. Moniz foi a primeira pessoa que Gláuber Rocha procurou ao chegar ao Rio. Ficaram amigos, depois brigaram e fizeram as pazes. Estavam brigados quando Moniz elogiou Deus e o Diabo na Terra do Sol e de bem quando Moniz pichou Terra em Transe. Para o crítico, o filme considerado por alguns como a maior obra cinematográfica de todos os tempos, era, na verdade, “caótico e ininteligível”. Apesar da dura crítica, Moniz Viana deu contundente prova de sua neutralidade quando, no INC, não mediu esforço para liberar o mais polêmico filme de Gláuber, então proibido pela ditadura militar.
bia demais, O Globo, 7 de fevereiro de 2009, Segundo Caderno, página 2) “Enquanto Antônio Moniz Viana era vivo, parecia difícil escrever que ele pode ter sido o maior crítico de cinema do mundo em todos os tempos. No íntimo, Moniz gostaria de ouvir isso, porque tinha perfeita noção de seu valor. Mas não era algo a sair dizendo por aí. Podiam tentá-lo a voltar a escrever, e ele há muito dera as costas ao cinema e se aposentara. (...) Se Moniz Viana não foi o maior crítico do mundo, quem seria? Os franceses André Bazin e Jacques Doniol-Valcrose? Os americanos James Agee, Otis Ferguson, Robert Warshow, Pauline Kael? Esses eram críticos de revistas semanais – não precisavam ver tudo que saía e tinham tempo para caprichar no texto. Pois nem assim o que fizeram encosta em Moniz. Quanto a Dwight McDonald, Manny Farber e o nosso Paulo Emílio, não eram bem críticos, mas ensaístas. Nennhum deles dissecava um filme por dia, como fez Moniz no Correio da Manhã, de 1946 a, incrível, quase fim dos anos 60. (...) ... no Brasil, Moniz assistia de Ann Sheridan a Marisa Allasio e de Gaby Hayes a Tina Louise e Cantinflas, e nos ensinava a ver de tudo.” (RUY CASTRO, in O maior crítico de cinema, Folha de S. Paulo, 4 de fevereiro de 2009, página A2)
Jornal da ABI 338 Fevereiro de 2009
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