FRANCISCO UCHA
Alberto Dines: O diploma não é entulho da ditadura, e sim uma conquista “Nenhum profissional é treinado na Redação, no corre-corre; ele tem que parar para pensar. Isso só acontece na Universidade.” Páginas 18, 19, 20, 21, 22 e 23
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
J UNHO 2009
R$5,00
O resumo da ópera dos quadrinhos O editor que lançou tesouros esquecidos conta por que decidiu encerrar sua Opera Graphica. Páginas 42, 43, 44 e 45
A MÍDIA CRIMINALIZA A POPULAÇÃO POBRE ELA COONESTA A VIOLÊNCIA NAS AÇÕES NAS ÁREAS POPULARES. PÁGINAS 28, 29 E 30
A ABI NÃO VAI MAIS À COMISSÃO DE REPARAÇÃO RAZÃO: O ÓRGÃO NÃO JAZ JUSTIÇA ÀS VÍTIMAS DA DITADURA, COMO DEVERIA . PÁGINA 40
O Supremo comeu. Vinte anos após a promulgação da Constituição de 1988 e 40 após a instituição desse texto legal, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não é obrigatória a conclusão do curso de Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista. Com isso, transferiu para o patronato o poder de exigir ou não o diploma. Páginas 3 a 17 e Editorial na página 2.
Editorial
UM TRISTE RETROCESSO
O PRONUNCIAMENTO DA SUPREMA CORTE não causou surpresa, porquanto o relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes, deixara claro seu entendimento a respeito ao derrubar decisão de uma vara cível da Comarca de São Paulo que reformara decisão de uma juíza desse Estado contrária à exigência do diploma. Antes mesmo de fixar data para o julgamento do feito, o Ministro Gilmar, como é admitido na legislação processual, restabeleceu o ato cassatório da primeira instância, suspendendo a aplicação da norma contida no Decreto-Lei nº 972/69. A PARTIR DESTA SUA DECISÃO, prenunciava-se que a exigência do diploma de Jornalismo ou Comunicação Social estava por um fio, dada a previsão, que os fatos depois confirmariam, de que até por apreço ao seu cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal a maioria dos ministros acompanharia o voto que ele proferisse como relator. Foi o que se deu: com a solitária exceção do Ministro Marco Aurélio Mello, o Plenário acolheu a sua proposta, fixando a contagem de oito votos
Jornal da ABI Número 342 - Junho de 2009
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Fotos: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Câmara, Agência JB, Folha Dirigida, UN Photo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 presidencia@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP
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Jornal da ABI 342 Junho de 2009
RITA BRAGA
DEPOIS DA DECISÃO HISTÓRICA que adotou em 30 de abril passado de suprimir do universo jurídico do País a Lei de Imprensa imposta pela ditadura militar, o Supremo Tribunal Federal entrou em choque consigo mesmo ao decretar como inconstitucional a disposição do Decreto-Lei nº 972/69 que exigia o diploma de conclusão do curso de Jornalismo ou de Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista.
a um para jogar na cesta das coisas imprestáveis uma lei que vigorou durante quase 40 anos, mais da metade deles sob o pálio da Constituição de 5 de outubro de 1988. TANTO O MINISTRO GILMAR MENDES como outros de seus pares douraram a pílula de um pronunciamento que constitui um triste retrocesso na vida institucional do País, ao atribuir ao decreto-lei agora fulminado o poder de restringir a liberdade de expressão, o que justificaria a declaração de sua caducidade. Pela sua maioria, o Supremo deu uma demonstração de que se imagina afinado com as aspirações libertárias do conjunto da sociedade e de seus segmentos mais conscientes e progressistas, quando na verdade apenas escancara o seu desconhecimento sobre a recente História Política do País e os os acontecimentos e manifestações que modelaram a construção do Estado Democrático de Direito em que agora vivemos. O DECRETO-LEI Nº 972/69, COMO REGISTRA em longa entrevista nesta edição Mestre Al-
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico,
berto Dines, foi fruto da militância da categoria profissional nas ásperas e adversas condições da ditadura militar, obrigada a ceder a justas postulações da comunidade jornalística, que, tal como já fizera sob a ditadura do Estado Novo, nos anos 30 e 40 do século passado, em que obteve importantes e memoráveis conquistas, soube manter suas reivindicações e por elas lutar na quadra inóspita de sonegação das liberdades civis e dos direitos sociais promovida pelo golpe de Estado de lº de abril de 1964. O SUPREMO DECRETOU QUE A PRODUÇÃO jornalística, essencial para a consolidação e aperfeiçoamento da democracia entre nós, não exige qualificação adequada sob o aspecto técnico, cultural e ético; pode ser confiada a qualquer que, mesmo sem a educação fundamental completa ou outro requisito mínimo de instrução formal, entenda que pode fazer reportagens, entrevistas e textos editoriais, editar jornais, revistas e informativos no rádio e na televisão, prestar assessoria a instituições públicas e privadas que busquem contato permanente com o conjunto da sociedade. AGORA, MESMO SEM QUALIFICAÇÃO especializada para tanto, até ministro do Supremo Tribunal Federal pode arvorar-se em jornalista e pretender exercer a profissão. O Jornal da ABI convidou diversos cartunistas a expressarem sua opinião a respeito da decisão do STF e o resultado pode ser conferido nas páginas desta edição. Enviaram seus trabalhos Aliedo, Chiquinha, Guidacci, Hemetério, J.Bosco, Ota, Rogério Soud e Waldez.
José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos. Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Wilson de Carvalho e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Moacyr Lacerda.
RITA BRAGA
RETROCESSO
Logo após a decisão do STF de eliminar a obrigatoriedade do diploma de Comunicação Social ou de Jornalismo para o exercício da profissão, a ABI divulgou vigorosa declaração, reafirmando um entendimento que mantém desde 1918, quando organizou o 1º Congresso Brasileiro de Jornalistas. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
O SUPREMO SONEGA À SOCIEDADE UM JORNALISMO FEITO COM TÉCNICA E ÉTICA ABI recebeu com extremada indignação a decisão do Supremo Tribunal Federal, adotada em sessão realizada em 17 de junho, de eliminar a obrigatoriedade do diploma de conclusão de curso de Comunicação Social ou de Jornalismo para o exercicio da profissão, como prescrito no Decreto-Lei nº 972/69, que regulamenta a profissão. Em declaração divulgada logo após encerrado o julgamento no Supremo, a ABI sustentou que a Suprema Corte “está sonegando à sociedade um jornalismo feito com competência técnica e alto sentido cultural e ético”. A decisão foi adotada com base no voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo, que acolheu a postulação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo no Recurso Extraordinário nº 51196l e opinou pela declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 972, para assim abolir a exigência de diploma de nível superior de Comunicação ou de Jornalismo para o exercício da profissão. Na opinião dele, a Constituição Federal de 1988, ao garantir a ampla liberdade de expressão, não recepcionou o Decreto-Lei nº 972/69, que exigia o diploma. Seu voto foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Celso de Mello. O Ministro Marco Aurélio de Melo votou pela permanência da exigência do diploma. Os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes Direito, este de licença médica, não estavam presentes na sessão. Em Brasília, onde fora participar da entrega dos Prêmios Dom Quixote e Sancho Pança, em cerimônia realizada na própria sede do Supremo Tribunal Federal, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, foi informado da decisão e emitiu esta declaração, logo divulgada no Site da Casa: “A ABI lamenta e considera que esta decisão expõe os jornalistas a
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riscos e fragilidades e entra em choque com o texto constitucional e a aspiração de implantação efetiva de um Estado Democrático de Direito entre nós, como prescrito na Carta de 1988. A ABI tem razões especiais para lamentar esse fato porque já em 1918, há mais de 90 anos portanto, organizou o 1º Congresso Brasileiro de Jornalistas e aprovou como uma das teses principais a necessidade de que os jornalistas tivessem formação de nível universitário. Com esse fim, chegou a aprovar a possí-
vel grade curricular do curso de Jornalismo a ser implantado. A ABI espera que as entidades de jornalistas, à frente a Federação Nacional dos Jornalistas Fenaj, promovam gestões junto às lideranças do Congresso Nacional, para restabelecer aquilo que o Supremo Tribunal está sonegando à sociedade: um jornalismo feito com competência técnica e alto sentido cultural e ético”. A decisão desencadeou uma série de protestos, num dos quais, no Rio, o Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, convi-
dado a fazer uma conferência na Fundação Getúlio Vargas, evitou o assédio dos manifestantes, na maioria estudantes de Comunicação, cujo horizonte profissional foi cortado pela proposta que ele apresentou ao STF. Nas páginas a seguir, o Jornal da ABI dá ao tema o relevo devido, no qual se destaca uma entrevista exclusiva concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello ao jornalista Tarcísio Holanda, Vice-Presidente da Casa. Marco Aurélio foi o único a votar pela manutenção do diploma.
APLAUDIDA A POSIÇÃO DA ABI Mensagens saúdam a atitude da Casa diante da decisão do STF. ssim que o Site divulgou a declaração que definiu a posição da ABI diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, a Casa recebeu numerosas mensagens de aplauso e solidariedade, umas extensas, outras bem objetivas, mas todas com o tom de indignação expressa pelo jornalista Antônio Carlos Ribeiro num e-mail em que declara que “a decisão do Supremo é a consagração do obscurantismo”. Entre as mensagens recebidas figuram estas:
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ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO, JORNALISTA: “A decisão do Supremo é a consagração do obscurantismo. Claro que todos podem errar, mas no caso do STF o erro é supremo! Se a medida valesse apenas para o diploma de direito do Instituto Brasiliense de Direito Público, de propriedade do Ministro Gilmar Mendes, onde ensinam os professores Eros Roberto Grau, Carlos Ayres Britto, Carlos Alberto Menezes Direito, César Peluzo e a Senhora Cármen Lúcia Antunes Rocha, faria sentido!” MARCELLE CORRÊA, ESTUDANTE DE JORNALISMO: “Sou estudante de Jornalismo e assim como todos os estudantes e profissionais de jornalismo estamos revoltados com a decisão dos ministros do STF. Por isso estou aqui, lhe pedindo um apoio na passeata que iremos fazer na segunda feira no Centro do Rio. Já temos o apoio do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de janeiro! Precisamos que alguém com representatividade como o Senhor esteja presente! ROSÂNGELA MAGALHÃES DE AMORIM, JORNALISTA E SÓCIA DA ABI: “Estou triste com a determinação do STF, no tocante à exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de Jornalista. É um absurdo o Ministro alegar que todos que têm talento para escrever podem desempenhar a função com eficácia. Todos estamos cônscios de que antes de 1969 centenas de jornalistas se destacaram, numa época em que não era exigido curso de Comunicação Social; bastava a vocação, o chamado “faro” jornalístico. Tudo bem, jamais subestimaria (e sequer é essa minha intenção!) os que possuem esse dom. Só que as pessoas esquecem que no Jornalismo existem várias funções que precisam de certas técnicas, sim, e que não basta apenas escrever bem. Realmente, não é na fa-
culdade que se aprende a redigir. Tudo depende da base (leia-se o antigo primário, hoje ensino fundamental, prática da boa leitura....). O povão e até coleguinhas nossos, ao “assinar embaixo” a decisão do Tribunal e alguns órgãos de interesse, como TV Globo etc. só lembram da figura do repórter de tv ou rádio, que requer um agudo senso de desenvoltura e capacidade de memorizar informações. E o redator? Será que, a despeito de ele ser um exímio escritor, saberia fazer uma nota especificamente para rádio, tv e fazer reportagem para jornal ou revista? E o cargo de Assessor de Imprensa, por exemplo, saberia esse redator eficiente e de outras áreas fazer um release acerca de um produto ou serviço, a fim de lançá-lo na mídia? Será que ele sabe o que é um release? Será que ele saberia empregar políticas de comunicação, diante de uma crise em empresas? E comunicação corporativa? O leigo sabe fazer uma comunicação interna? Saberia fazer um planejamento de marketing, por exemplo? Agora, com a internet, quem aprendeu a fazer matéria para tv sabe que é tão objetiva e reduzida, quanto para televisão. Segundo o ministro, sim. Poderia fazer várias citações, mas prefiro parar por aqui e registrar minha indignação para com o STF e parabenizar as Organizações Globo pela or-
questração no sentido de desobrigar a exigência de diplomas. Isso é Brasil. PS. Felizmente, existem deputados sérios como o Miro Teixeira, que pensa em propor ao Congresso uma regulamentação da profissão, com base na nova medida.” SOLANGE RAMOS, JORNALISTA: “Por favor, vamos todos participar desse protesto. Não vamos baixar a cabeça para essa arbitrariedade. Vamos mostrar que não vamos deixar isso barato! Infelizmente, depois de 40 anos de muita luta, sangue, suor e conquistas, vamos voltar tudo novamente!!!! Tenho certeza de que não vai ser em vão.... Jornalistas diplomados unidos, mais do que nunca!!!!! Protesto confirmado no RJ!!! “ ANA PURCHIO E BARROS, JORNALISTA: “Eu me indignei com a decisão dos sete juristas no último dia 17. E estou movimentando vários jornalistas deste País. Precisamos reagir. Conto com essa associação, estamos do lado de vocês! Diploma sim! Nós merecemos respeito!” FERNANDO ZUBA, JORNALISTA E SÓCIO DA ABI:
“Durante muito tempo, filho de um veterano jornalista que sou, e, diga-se de passagem, que não tem formação superior, passei noites inteiras discu-
tindo com o “velho” sobre a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. O “velho”, já calejado, cansado da labuta, que foi até correspondente de guerra, afirmava impiedosamente que o que valia mesmo era o talento, a vocação. E, confesso, por um momento acreditei. E tratei de requerer o meu registro “precário”. O passo seguinte foi buscar um “lugar ao sol”. Pois também acreditei igualmente que, após mais de vinte anos acompanhando um experiente profissional, nos mais diversos segmentos da comunicação, como a redação do extinto Jornal de Minas, os estúdios das Rádios Capital e Mineira, e diversas assessorias de imprensa, entre elas Fiemg e OAB-MG, além de outras tantas campanhas políticas, estava preparado para encarar qualquer desafio. Ora, tinha mais horas de viagem que muito piloto experiente e devidamente graduado, ou habilitado. Já sabia que era primordial escrever no lide, quem, o quê, quando e onde. Ouvir os dois lados. Bastava então colocar em ação de “prática e o talento”. Quanta imaturidade, inocência e despreparo. Posso dizer, sem medo, sem modéstia, que apanhei feito gente grande. Faltava muita coisa. O trabalho realizado pelo jornalista necessita muito mais do que experiência, e o legado repassado pelo veterano, minha culpa, minha máxima culpa, não foi o bastante. A profissão de jornalista exige, sim, e em grandes doses, compromisso com a sociedade, responsabilidade, ética, dignidade e respeito. E sem técnicas, conhecimentos específicos, uma base sólida, é impossível exercer a profissão. Fato é que resolvi estudar, conquistar não só a graduação, o diploma, mas entender do assunto. Os direitos e deveres, e, principalmente, os reflexos do exercício da profissão. Daí vem um relator dizer que os danos a terceiros não são inerentes à profissão de jornalista e não poderiam ser evitados com um diploma. Que as notícias inverídicas são grave desvio da conduta e problemas éticos que não encontram solução na formação em curso superior do profissional. O Ministro Lewandowski enfatizou o caráter de censura da regulamentação, que o diploma era um “resquício do regime de exceção”, que tinha a intenção de controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, afastando das redações os políticos e intelectuais contrários ao regime militar. Ele não lê jornais! E quem ele pensa que está à frente dos Sindicatos? No país marcado pelo analfabetisJornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
mo, cerca de 20 milhões, tal atitude serve como desestímulo, causa desânimo, náusea, nojo. Jornalistas profissionais: *1969 / +2009” FÁRAH MAUSUR MIGUEL, JORNALISTA E SÓCIA DA ABI: “COLEGAS!!! INDIGNAÇÃO TOTAL!!! É UM ACINTE... É REVOLTANTE. DESRESPEITO TOTAL E ABSOLUTO. QUE “JUSTIÇA” É ESTA NO BRASIL? É UM ESCÁRNIO À NOSSA CONDIÇÃO DE PROFISSIONAIS DIPLOMADOS E DE CIDADÃOS. E VAMOS NO CALAR????????????? NUNCAAAAAAAAA!!! POR FAVORRRRR!!! LEIAM AS ABERRAÇÕES ... Deboche total... EXTREMAMENTE REVOLTANTE!!! INDIGNO.” DE JORGE MARIANO, ESTUDANTE DE JORNALISMO: “E agora, mais do que nunca, os jornalistas foram completamente desvalorizados no Brasil. Os argumentos apresentados foram vários. Tudo para tirar o diploma de quem ficou anos na faculdade, estudando para poder realizar um trabalho com qualidade e ética. De acordo com Tais Gasparian, advogada do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) a obrigatoriedade do diploma é inconstitucional, pois vai contra os conceitos de livre pensamento e liberdade de expressão. Tais disse ainda que a profissão não depende de conhecimentos técnicos. “A profissão não depende de um conhecimento técnico específico. A profissão de jornalista é desprovida de técnicas. É uma profissão intelectual ligada ao ramo do conhecimento humano, ligado ao domínio da linguagem, procedimentos vastos do campo do conhecimento humano, como o compromisso com a informação, a curiosidade. A obtenção dessas medidas não ocorre nos bancos de uma faculdade de Jornalismo”, disse. Sendo assim, a profissão de advogado também não precisa de diploma, já que não tem um conhecimento técnico específico. Basta conhecer alei e saber argumentar. Um advogado não precisa saber o que é um lide ou uma linha fina. Não precisa saber como se portar na televisão ou no rádio. Não é necessário para um advogado distinguir uma crônica, um artigo, uma crítica ou um simples texto factual. E pelo jeito, para o jornalista também não. Se o diploma de Direito fosse derrubado, Tais Gasparian teria a mesma opinião? Surpreendentes também são as declarações de Paulo Tonet Camargo, diretor do comitê de relações governamentais da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e de Daniel Pimentel Slaviero, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert). Para Tonet, “a decisão consagra no direito o que já acontecia na prática, ou seja, não modifica a situação atual. A ANJ continua prestigiando os cursos de Jornalismo e reconhecendo a valida6
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VOZ DISSONANTE
PROFESSOR DE BRASÍLIA APOIOU O SUPREMO Num e-mail indignado, ele defende o fim do diploma. Além das manifestações de apoio à posição que adotou, ABI recebeu umas poucas mensagens de contestação à sua decisão, entre elas a do Senhor Mário Drumond, professor universitário em Brasília, que atribui a reação da Casa a “uma combinação de grosseria e desinformação”. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, respondeu ao Professor Drumond, convidando-o a ler o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição da República. Dizem as duas mensagens: 1) A do Professor Mário Drumond “Senhor Presidente, Imagino que Vossa Senhoria saiba que o Governo Lula adota como prática política a compra de setores da sociedade civil: Une, MST, sindicatos, ongs, associações. Estas e outras entidades da sociedade civil venderam-se ao aparelho do petismo: são marionetes de um governo corrupto. Silenciam diante da corrupção que infesta os gabinetes do Executivo Federal. Faz sentido, pois recebem dinheiro da União. A ABI, ao contrário, não é e nunca foi uma entidade vendida. A ABI é um orgulho para a consciência brasileira, uma fortaleza no cenário devastador da podridão nacional. Por isso mesmo, não consigo compreender o silêncio da ABI em relação à corrupção. Não vejo um comentário, uma palavra, uma manifestação, nada que venha da ABI como referência ética num momento tão grave. Os escândalos do Senado não mereceram nenhum posicionamento firme da ABI nos últimos meses. Que pena. Agora vem a ABI, por meio de declaração de 17 do mês corrente, assinada por Vossa Senhoria, afirmar que a entidade “lamenta e considera que esta decisão expõe os jornalistas a riscos e fragilidades e entra em choque com o
texto constitucional e a aspiração de implantação efetiva de um Estado Democrático de Direito, como prescrito na Carta de 1988.” Francamente, dizer que a decisão do STF “entra em choque com o texto constitucional” é uma combinação de grosseria com desinformação, pois compete justamente ao STF interpretar a Constituição. Sugiro que Vossa Senhoria respeite o STF, principalmente quando a decisão em tela foi legitimada por virtualmente todos os membros da Corte (8 X 1). Em bom português, uma goleada. Sugiro, finalmente, com o respeito que Vossa Senhoria merece, que a ABI saia às ruas para gritar contra a corrupção que apodrece o parlamento brasileiro, a corrupção que apodrece o legislativo nacional, a corrupção que apodrece o judiciário da nação. Basta de silêncio da ABI, pois a ABI não é e nunca foi uma Associação Brasileira de Ineptos. Atenciosamente (a) Mario Drumond (*).” 2) A resposta do Presidente da ABI “Prezado Professor Mário Drumond, Acuso o recebimento de seu e-mail expedido às 2h35min37s de hoje, 19 de junho, e quero felicitá-lo pela indignação com que o Senhor acompanha a vida nacional. Sua preocupação com a ética na gestão da coisa pública é digna de aplausos, pois demonstra o seu interesse pela observância de métodos limpos na vida pública. Devo dizer-lhe, para desfazer incompreensões, que a ABI não é um partido político, que tenha a obrigação e o direito de se pronunciar contra as mazelas que infestam a vida nacional. Se admitisse agir assim, não lhe sobraria tempo para cuidar de suas obrigações institucionais, tantos são os flagelos, como arrolado em
sua mensagem, que exigiriam sua intervenção. Ela também não é palmatória do mundo, instituição que possa arrogar-se a qualidade de árbitro sobre o que ocorre na vida pública do País. Quanto à posição da ABI em reação à derrubada da obrigatoriedade de diploma de Comunicação Social pelo Supremo Tribunal Federal, devo repelir a deselegância de sua afirmação de que tal decorreria de “uma combinação de grosseria com desinformação”. Grosseiro foi o Senhor, ao cometer tal agressão, e desinformação é a sua, ao contestar que a decisão do Supremo não colide com a Constituição e ao atribuir poderes divinos ao Supremo Tribunal Federal, que também erra, como demonstram decisões recentes, inclusive algumas emanadas do Ministro Gilmar Mendes, relator dessa matéria. Infalível, só Deus; na Terra, o Papa, seu representante. A esse respeito será útil a leitura do artigo 5º, inciso XIII, da Constituição, o qual dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Por fim, agradeço e dispenso a sugestão de que a ABI saia às ruas para gritar contra a corrupção etc. etc., porque esse papel não lhe cabe, e sim ao Senhor e a todos os cidadãos que, com a indignação de que falava Darci Ribeiro, estão a reclamar o fim do estado de coisas a que chegou o País. A ABI não se mantém em silêncio, como prova a sua mensagem. Ela é há 101 anos Associação Brasileira de Imprensa. Inepto é quem ignora isso. Por fim: estou transcrevendo sua mensagem e esta resposta no Site da ABI. (a) Atenciosamente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI”
de do diploma de Jornalismo. Mas o que estava em jogo no Supremo era o diploma como pré-requisito para o exercício da profissão”. Já Slaviero afirmou que o diploma era um obstáculo para a profissão. “Continuamos a entender que o diploma e o desenvolvimento dos cursos de Jornalismo continuam sendo importantes, mas a Abert via [a obrigatoriedade do diploma] como uma camisa-de-força”. No entanto, a pior declaração de todas foi de Antoônio Fernando de Souza, Procurador-Geral da República, ao dizer que a obrigatoriedade do diploma pode prejudicar a informação do leitor. “Não se pode fechar os olhos para o fato de que jornalismo é uma atividade multidisciplinar e que muitas notícias e artigos são prejudicados porque são produzidos apenas por um jornalista especialista em ser jornalista, sendo que em muitos casos essa informação poderia ter sido pro-
duzida por um jornalista com outras formações, com formação específica em medicina, em botânica, com grande formação acadêmica, mas que não pode exercer o jornalismo porque não tem diploma. Não se pode desprezar esse contexto”, disse. Souza desprezou completamente a profissão de jornalista. É diferente quando se fala de pessoas que contribuem para meios de comunicação com textos sobre áreas mais específicas, como medicina, por exemplo. Porém, quando se trata da notícia, ninguém está mais bem preparado que um jornalista formado para transmiti-la. O jornalista não precisa apenas do “compromisso com a informação e da curiosidade”, como disse Taís Gasparian. É necessário que o profissional do jornalismo disponha de conhecimentos de ética, muitos conhecimentos técnicos sobre como elaborar textos, produzir material para televisão, rá-
dio. Como operar os equipamentos necessários à realização de suas atividades. O jornalista precisa saber como se relacionar com suas fontes, precisa saber seus limites, assim como a hora de extrapolá-los. É inaceitável que uma decisão como essa seja aceita de boca fechada pela sociedade e principalmente pela classe dos jornalistas e estudantes de Jornalismo. Todo o esforço realizado para poder assumir o compromisso de transmitir a informação não pode ser deixado de lado. A credibilidade, a ética e a qualidade da profissão não podem ser simplesmente esquecidas como fizeram os Ministros Gilmar Mendes, Carmen Lucia, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Celso Mello. Assim, fica uma dúvida: em que se basearam os Ministros do Supremo para tomar tal decisão? Pressões? Interesses políticos? Interesses econômicos? Pelo jei-
to, foi apenas no “sábio discernimento” do Ministro Gilmar Mendes.” LÍVIA LAMBLET, ESTUDANTE DE JORNALISMO “Sou estudante de Jornalismo e, como muitos, estou indignada com o fim da obrigatoriedade do diploma. Na comunidade Diploma de Jornalismo: Sim !!! (www.orkut.com.br/Main#Community. aspx?cmm=91159985), no Orkut, estamos convocando pessoas a participarem de uma passeata contra a decisão do STF. Gostaríamos do seu apoio, pois pretendemos realizar protestos em vários Estados.” ALCYR CAVALCANTI, JORNALISTA, MEMBRO DO CONSELHO DELIBERATIVO DA ABI “Senhor Presidente acredito tenha sido mais um retrocesso partindo de uma elite de um país imerso em contradições. Parabéns pela tomada de posição”
ARFOC: PREVALECEU A VOZ DO PATRONATO Fotógrafos e cinegrafistas previam essa decisão. m declaração firmada por seu Secretário-Geral, Alcyr Cavalcanti, professor universitário e membro do Conselho Deliberativo da ABI, a Associação dos RepórteresFotográficos e Cinegrafistas do Rio de Janeiro-Arfoc expressou seu protesto contra a decisão do Supremo Tribunal Federal, que a entidade classifica de “infeliz e já esperada”. “Mais uma vez prevaleceu a voz do patronato”, afirma a Arfoc. Sua declaração tem o seguinte teor: “A infeliz e já esperada decisão do Ministro Gilmar Mendes e de seus Ministros vem trazer à tona mais uma vez a grave crise em que se encontra o País. Mais uma vez prevaleceu a voz do patronato, sepultando de uma vez por todas a formação daqueles que procuram melhor informar a população. A formação de um jornalista deve ser preparada cuidadosamente pelos cursos de Comunicação Social, que irão ensinar os verdadeiros princípios que devem nortear a profissão, inclusive procurando cobrir falhas da preparação escolar, a nível primário. A profissão tem sim características próprias que devem partir daqueles que conhecem a fundo os meandros da profissão. Ela difere não só de profissões julgadas menores por uma elite orgânica que só legisla para ela mesma, como também de profissões maiores (literatura, entre outras), tendo como uma de suas características a busca da notícia mediante princípios éticos, um pouco em desuso por essa elite governante que tenta nos dar um rumo. A Arfoc vem a público lamentar mais essa decisão que tira o direito de qualificação e capacidade tão apregoado pelos barões da mídia,
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mas que na prática vai servir aos seus interesses, dando o status de jornalista a quem estiver preparado para se submeter às suas ordens construindo as “suas verdades”. Na realidade quem vai fazer a seleção, quem vai julgar quem é jornalista ou não é o patrão, ou seu preposto. Os
jornais vão ficar sendo em definitivo verdadeiras “fábricas de notícias, supermercados da informação”. Qualquer um vai poder ser jornalista desde que tenha bons contatos com os “donos da comunicação”. É lamentável. (a) Alcyr Cavalcanti, professor universitário, Secretário-Geral da Arfoc-Rio.” Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
FOTOS: ALEXANDRE HORTA
Rogério Marques, em primeiro plano à esquerda, acha que os salários poderão ser achatados. Estudantes marcaram a passeata pela internet para deixar claro sua indignação com o STF.
ESTUDANTES PROTESTAM NO CENTRO DO RIO Convocados pela internet, eles fizeram uma marcha até à Câmara Municipal e à Assembléia Legislativa do Estado. POR B ERNARDO COSTA
a primeira segunda-feira após a reunião do Supremo, foi realizada a primeira manifestação no Rio de Janeiro em repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal. Estudantes, jornalistas e representantes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, da Federação Nacional dos Jornalistas e da Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro concentraramse no dia 22 em frente ao edifício-sede da ABI, no Centro do Rio, às 10h, e caminharam em direção à Câmara Municipal do Rio de Janeiro e em seguida à Assembléia Legislativa do Estado. A mobilização estudantil para a passeata começou na internet, quando alunos de Jornalismo, através de uma comunidade do Orkut, se organizaram para a realização do protesto, que, segundo Marcele Batista, uma das estudantes que iniciaram o movimento na rede, aconteceu simultaneamente em Brasília e em outros Estados, como São Paulo, Piauí e Rio Grande do Sul. Ainda em frente à sede da ABI, os manifestantes – com roupas pretas e exibindo faixas com mensagens como “Pesquisa com a sociedade confirma: 74,3% querem que os jornalistas te-
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nham o diploma.” – ensaiaram os primeiros gritos de ordem. Ao som de “ão, ão, ão, diploma é obrigação” e “não é mole não, o meu diploma virou pano de chão”, os participantes utilizaram o megafone para registrar seu descontentamento. Salários sob ameaça Rogério Marques, Vice-Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, recordou o período anterior a 1969, quando não havia a exigência do diploma: – Naquela época predominava o que ficou conhecido como a imprensa marrom, altamente sensacionalista e com padrões éticos questionáveis. Além de muitos jornalistas que mais pareciam policiais, e policiais, amigos de jornalistas, que faziam matérias como um “bico”. Tenho muito receio de que a profissão volte a ser encarada daquela maneira e que a ética seja deixada de lado, ressuscitando o sensacionalismo. Considera Rogério Marques que a partir da decisão do STF a tarefa de organizar a categoria ficará mais difícil, os salários poderão ser nivelados por baixo e os patrões sairão ganhando. – As empresas vão baixar os salários e contratar aquelas pessoas que fazem parte do grupo de interesse deles. Sobre esta questão, a Diretora de
Para Beth Costa, os Ministros do STF demonstraram despreparo na análise da matéria: – Fiquei indignada com o depoimento do Carlos Ayres Britto, quando ele disse que o jornalismo não precisa de técnica, pois se trata de literatura e arte, e que a profissão não causa danos a terceiros. O médico pode matar uma pessoa fisicamente e o jornalista moralmente. Essas justificativas mostram falta de conhecimento sobre a profissão.
Beth Costa ficou indignada com os argumentos apresentados pelos Ministros.
Relações Internacionais da Fenaj, Beth Costa, chamou a atenção para o que classificou como “nepotismo na imprensa”: – Como a maioria das empresas de comunicação do País pertence a algumas famílias, elas poderão começar a privilegiar os parentes e conhecidos, que nunca irão contestá-las.
Como uma bala perdida Carmem Pereira, membro da Comissão de Ética da Fenaj, diz que as empresas não vão querer arcar com o ônus da qualificação profissional, o que pode prejudicar a qualidade do serviço prestado: – Antigamente, as redações eram abertas ao público. O foca freqüentava o jornal e aos poucos ia aprendendo o trabalho. Hoje em dia, as redações estão cada vez mais enxutas, e não há espaço físico para isso. As empresas já querem que o estagiário esteja preparado. Como elas se responsabilizarão pela qualificação do profissional? Carmem acredita que a decisão do STF, a médio e longo prazo, interferirá negativamente na questão salarial: – Não sei qual será o parâmetro salarial. Basta ver que o Ministro Gilmar Mendes comparou a profissão de jornalista com a de cozinheiro.
Um cozinheiro no pedaço Vestido como cozinheiro, numa alusão à comparação feita por Gilmar Mendes entre esta profissão e a de jornalista, o Presidente da Arfoc-Rio e Diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro Alberto Jacob Filho lembrou que a decisão do Supremo não diz respeito somente aos jornalistas, mas a outras categorias que também terão a exigência do diploma derrubada: – Nossa luta será para estabelecer pré-requisitos para o exercício de todas as profissões que não oferecem riscos aos seres humanos, como argumentaram os Ministros do STF, e que, portanto, perderão a exigência do curso superior para serem exercidas. Vamos tentar resolver esta situação, seja por projeto de lei ou emenda constitucional. Jacob Filho informou ainda que será disponibilizado no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro um espaço para a coleta de assinaturas exigindo a implementação de dispositivos que garantam a regulamentação das profissões. Antes de encerrar a manifestação, Rogério Marques convocou os presentes para um protesto no dia seguinte, terça-feira, dia 23, às 17h, em frente à Fundação Getúlio Vargas-FGV, em Botafogo, Zona Sul do Rio, onde o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo, faria uma uma palestra.
APARATO DE SEGURANÇA PROTEGE GILMAR Ministro faz conferência na Fundação Getúlio Vargas e chega e sai sob forte proteção policial. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Cerca de 30 estudantes e profissionais de Jornalismo reuniram-se na tarde de 23 de junho, em frente à Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, numa manifestação de protesto contra o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, que compareceu à sede da FGV para uma palestra. Com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e da Fenaj, eles realizaram mais um ato de repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou como inconstitucional a exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão. O Ministro chegou às 17h30min à FGV, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio, para falar sobre Gestão Pública no Poder Judiciário – Desafios e Perspectivas. Amparado por um forte esquema de segurança de PMs e guardas municipais, na chegada à FGV o Ministro teve o seu carro cercado pelos manifestantes. Portando faixas e cartazes os jornalistas e estudantes permaneceram numa espécie de vigília em frente à FGV, concentrando as críticas no Presidente do Supremo. Gritavam palavras de ordem como “Jornalista diplomado é igual a advogado” e lembravam que “jornalista não é capanga”, em referência a palavras do também Ministro do STF, Joaquim Barbosa, que em discussão com Gilmar Mendes, durante sessão no Tribunal, dis-
U. DETTMAR/SCO-STF
Empunhando um cartaz com a mensagem: “E agora, o jornalista vai enfiar o diploma onde”?, o jornaleiro Sebastião Batista revelou repúdio à decisão do STF: – Gastei uma fortuna para formar minha filha em Jornalismo e agora o diploma não vale mais. É como se eu tivesse sido atingido por uma bala perdida. Entendo que a partir deste momento o jornalista vai ficar desmotivado para seguir a profissão. Carregando nas mãos um rolo de papel higiênico, que comparava ao seu diploma, Isabela Guedes, estudante do 7º período de Jornalismo, demonstrou preocupação com o acirramento da concorrência na hora de pleitear uma vaga no mercado de trabalho: – Já estou quase me formando e até agora não consegui um estágio, pois o mercado é muito fechado. Agora, que estou concorrendo com pessoas de todas as áreas, será muito mais difícil conseguir emprego. Quando a passeata chegou à sede da Assembléia Legislativa do Estado, Rogério Marques pediu apoio aos parlamentares, argumentando que a extinção da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista afeta toda a sociedade: – Precisamos de jornalistas bem qualificados e bem pagos, para que a sociedade seja informada da melhor maneira possível. Queremos que seja criada uma frente parlamentar, a mais ampla possível, para entrar nessa luta junto com a gente.
Gilmar Mendes: Após o voto contra o diploma, ele passou momentos de sufoco em manifestações de estudantes de Comunicação no Rio de Janeiro e em São Paulo.
se que não era um de seus capangas. Na saída da Fundação Getúlio Vargas, o carro que conduzia Gilmar Mendes saiu em desabalada carreira em direção à Praia de Botafogo, para escapar do protesto indignado dos manifestantes. O protesto terminou por volta das 19h30, com a saída em disparada do Ministro. De acordo com informação publicada no site do Sindicato dos Jornalistas, os estudantes se revezavam no
megafone e insistiam em chamar o presidente do Supremo de “Gilmar Dantas”, numa alusão ao banqueiro Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal e beneficiado por habeas corpus concedidos em duas ocasiões pelo ministro. Um dos estudantes deu a sua opinião sobre o caso: – O Ministro Joaquim Barbosa disse também que Gilmar ‘Dantas’ mantém escravos em sua fazenda. E é isso que ele tem de entender: jornalista não é escravo”, reclamou o estudante Cláudio Neves, que de megafone em punho passou a gritar: “Ô Gilmar Dantas, pode esperar, sua hora vai chegar!” Os estudantes anunciaram disposição de participar de outras manifestações de repúdio contra a decisão. A manifestação ganhou a adesão de outros trabalhadores, que passavam pelo local: – Espero que os estudantes e os jornalistas não dêem paz ao Gilmar Mendes, enquanto ele continuar a desrespeitar as profissões, enquanto valoriza medicina e engenharia e só inclui advocacia por corporativismo – disse César Araújo, vendedor de livros, que parou alguns minutos para se solidarizar com a manifestação. O repórter-fotográfico Alberto Jacob Filho, diretor do Sindicato e Presidente da Arfoc-Rio, voltou a participar da manifestação vestido de cozinheiro, parodiando a comparação feita por Gilmar Mendes desta profissão com a de jornalista. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
MURILO MELO FILHO: CURSO UNIVERSITÁRIO NUNCA É DEMAIS FOLHA DIRIGIDA - HENRIQUE HUBER
Membro da Academia Brasileira de Letras, diretor da revista Manchete na fase áurea dessa publicação da Bloch Editores e jornalista há mais 60 anos, Murilo Melo Filho considera o diploma de jornalista essencial para o exercício da profissão. Diz Murilo, em tom questionador: – Os médicos e os advogados, assim como outros profissionais liberais, necessitam de um diploma para exercer suas profissões. Por que os jornalistas podem dispensá-los? O curso e os estudos universitários nunca serão demais, ou em vão. Eles fornecem aos repórteres uma gama de informações culturais que só poderão beneficiar os profissionais de jornalismo. É inconcebível se pensar de outra forma sobre esse assunto.
Murilo: Diploma é essencial.
NISKIER: ARGUMENTO ANTIDIPLOMA É FRÁGIL O pensamento do acadêmico Arnaldo Niskier, ex-Presidente da Academia Brasileira de Letras, sócio remido da ABI e jornalista há quase 60 anos (iniciou suas atividades como repórter esportivo da Última Hora), segue a mesma linha de raciocínio do seu colega Murilo Melo Filho, de quem é colega na Academia Brasileira de Letras e com o qual trabalhou décadas na Bloch Editores. – Defendo ardorosamente a necessidade do diploma para o jornalista exercer profissionalmente sua atividade. Não é preciso teorizar a respeito. A argumentação que cassou o diploma é frágil, com a exceção corajosa da posição assumida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, voto solitário no Supremo Tribunal Federal. Niskier, que trabalhou 37 anos na revista Manchete, diz que não precisou do diploma para exercer a profissão, mas agora os tempos são outros. – Quando começaram a nascer os cursos de Jornalismo, entre os quais o da Universidade do Estado do Rio de JaneiroUerj, cuja criação teve a minha grande e dedicada colaboração, como membro do Conselho Universitário, houve o notório aperfeiçoamento qualitativo dos profissionais da área. Somente não reconhece isso quem não entende do riscado. Penso
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FOLHA DIRIGIDA - HENRIQUE HUBER
Niskier: Defendo ardorosamente o diploma.
que o Congresso Nacional deve ser acionado para restabelecer o diploma e assim manter a dignidade dos que se devotam a essa difícil e necessária profissão. Lembra Niskier que existem assuntos graves e complexos que deveriam, estes sim, merecer toda a atenção do Supremo Tribunal Federal: – Veja-se o que ocorre na área da educação, com uma lei envelhecida e cheia de furos. Isso não motiva as nossas autoridades? Não é um dos aspectos de nossa sociedade que deveria chamar sua atenção? Ao contrário, preocupam-se, por vezes, com ações perfunctórias, que se fazem como simples rotina, não por necessidade ou visando a um fim útil, como a descabida e perdulária discussão/decisão a respeito de algo que funcionava satisfatoriamente. Por fim, Niskier faz questão de contar sua experiência profissional no jornalismo como justificativa para a existência do diploma: – Quero deixar um testemunho importante: trabalhei durante 18 anos como chefe de reportagem – e todos os meus repórteres eram expoentes do jornalismo ou já tinham se formado. O diploma, hoje vilipendiado, jamais impediu, ao contrário, que eles fossem esplêndidos profissionais, muitos seguidamente premiados. O Brasil amadureceu para não permitir mais o jeitinho deletério. Por que a vítima teria que ser o jornalismo?
Além da técnica, jornalismo exige uma formação ética MINAS E RJ VÃO EXIGIR DIPLOMA NO CONCURSO Uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal ter eliminado a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão, o Deputado Alencar da Silveira Jr. apresentou à Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais projeto de lei que exige diploma para ocupação de cargos nos órgãos públicos do Estado através de concursos. Pela proposta, o direito de ocupar as vagas será privativo de profissionais formados em curso superior de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação. A lei proibirá que profissionais de outras áreas sejam aprovados em seleção para cargos que exerçam atividades inerentes ao trabalho de jornalista, como reportagens, entrevistas, escritas ou faladas e redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada. Radialista e jornalista, o Deputado Alencar da Silveira argumenta que a exigência do diploma nos órgãos públicos é uma maneira de zelar pela qualidade da informação diante do fim da exigência do diploma. – O jornalista, sobretudo o que atua em órgãos públicos, além de técnica, tem que ter uma formação ética e comprometida com a informação de qualidade, já que ele é quem dá transparência às ações do Poder Público. E isso nós só aprendemos nos bancos das faculdades” explicou Alencar da Silveira. Diz o Deputado que a lei não mudará a dura realidade que os jornalistas brasileiros enfrentam neste momento, porém “com esse tipo de medida e com
os esforços das entidades de classe, dos jornalistas e de toda a sociedade podemos pressionar para uma nova regulamentação da profissão. É isso que queremos, ressaltou. No Rio também Também no Estado do Rio de Janeiro o exercício da atividade de jornalista no serviço público ficará condicionado à conclusão do curso de Comunicação Social, nos termos de projeto apresentado à Assembléia Legislativa do Estado, em 30 de junho, pelo Deputado Alessandro Calazans (PMN). Disse o Deputado Alessandro Calazans que a exigência do diploma nos órgãos públicos é uma maneira de zelar pela qualidade da informação diante do fim da exigência do diploma. – Além de técnica, o jornalista tem que ter uma formação ética e comprometida com a informação de qualidade. Creio que o curso de jornalismo cumpre muito bem este papel. Apoio a luta dos profissionais, da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, da ABI e dos Sindicatos que brigam pela regulamentação da profissão. Este pode ser um caminho para isso acontecer” disse o deputado O projeto vai tramitar nas Comissões da Alerj, mas Calazans acredita na sua aprovação. Em maio, passado, por iniciativa do Deputado Paulo Ramos (PDT), a Assembléia Legislativa do Estado realizou uma audiência pública para discutir o fim do diploma. Na reunião, Paulo Ramos propôs a criação de uma Frente Parlamentar em Defesa do Diploma.
MIRO: DECISÃO VAI SER REVISTA, EM LEI O Deputado Miro Teixeira (PDTRJ) acredita que a decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou a exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão poderá ser revista. Ele próprio pretende propor ao Congresso um projeto de lei para regulamentar a profissão de jornalista. – Imagino haver campo para se elaborar um projeto de lei com uma regulamentação que esteja dentro dos balizamentos contidos nos votos dos ministros, declarou Miro ao jornal O Globo. O Ministro das Comunicações,
Hélio Costa, já havia se manifestado favoravelmente à elaboração de uma proposta como essa. Informou Miro que vai avaliar tópicos que não estejam de acordo com a Constituição, levantados pelos votos dos ministros, para, a partir deles, redigir uma proposta de regulamentação. – Temos que verificar nos votos dos ministros do Supremo onde estão os focos da inconstitucionalidade e aí suprimi-los, para construir uma regulamentação profissional, o que está amparado pela Constituição – explicou.
SENADOR C ARLOS V ALADARES APRESENTOU PEC EM DEFESA DO DIPLOMA O Senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou proposta de emenda à Constituição (PEC) que vincula, obrigatoriamente, o exercício da profissão de jornalista aos portadores de diploma de curso superior de Comunicação Social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação. A proposta, entretanto, apresenta duas ressalvas, ao permitir que colaboradores possam publicar artigos ou textos semelhantes e os jornalistas provisionados continuem atuando, desde que com registro regular. Os jornalistas provisionados com registro regular são aqueles que exerciam a profissão até a edição do DL. O decreto-lei permitiu, ainda, que, por prazo indeterminado, as empresas pudessem preencher um terço de suas novas contratações com profissionais sem diploma. Conforme a Federação Nacional dos Jornalistas explicou, esses jornalistas provisionados possuem registro temporário para trabalhar em um determinado Município. O registro deve ser renovado a cada três anos. E essa renovação só é possível para as cidades onde não haja nenhum jornalista interessado na vaga existente nem curso superior de Jornalismo. “Uma consequência óbvia da não obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão seria a rápida desqualificação do corpo de profissionais da imprensa do País. Empresas jornalísticas de fundo de quintal poderiam proliferar contratando, a preço de banana, qualquer um que se declare como jornalista. Era assim
no passado, e resquícios desse período ainda atormentam a classe jornalística de tempos em tempos”, argumenta o parlamentar sergipano, na justificação do seu projeto. Conforme o senador, a principal atividade desenvolvida por um jornalista, no sentido estrito do termo, é “a apuração criteriosa de fatos, que são então transmitidos à população segundo critérios éticos e técnicas específicas que prezam a imparcialidade e o direito à informação”. Daí a exigência de formação e profissionalismo. O Senador rebateu as críticas dos que acham que a PEC é uma “confrontação ao Supremo”, já que este teria tentado preservar a cláusula pétrea do texto constitucional que se refere à garantia da liberdade de expressão. Segundo Valadares, a exigência do diploma diz respeito não à liberdade de expressão, mas à qualificação indispensável para uma atividade profissional que interfere diretamente, e de forma ampla, no funcionamento da sociedade. O parlamentar assinalou, também, que a existência da figura do colaborador em todas as redações é uma prova de que a liberdade de expressão não está sendo tolhida. Exemplos disso são médicos, advogados e outros profissionais que escrevem textos técnicos sobre os campos onde atuam. E poderão continuar a fazê-lo, caso a PEC seja aprovada. Para a emenda ser aprovada é preciso primeiramente que passe pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Posteriormente, são necessários votos favoráveis de três quintos dos senadores (49 dos 81) em dois turnos.
OTÁVIO L EITE : P ROFISSIONAIS TÊM DE ESTAR PROTEGIDOS O Deputado federal Otavio Leite (PSDB-RJ) também é um dos que estão liderando a frente pelo diploma de jornalista no Congresso: – Estou nessa luta há muito tempo. Não comecei agora. É difícil, um trabalho árduo, mas vamos conseguir e não descansaremos enquanto não obtivermos a vitória, vitória essa mais do que justa para uma categoria tão importante para o desenvolvimento de todos os setores deste País. – Não existe um só setor em que a imprensa não esteja presente. Há alguns aspectos da vida republicana que produzem valores inegociáveis. Um deles é a liberdade de imprensa e o seu sagrado direito de informar. Mas para
que isso ocorra os profissionais devem estar regulamentados e protegidos, qualquer mudança nesse panorama é um retrocesso na História. Logo, precisamos cultivar com especial zelo este princípio. – Nesse sentido, significa também preservar e aprimorar a qualidade da informação. E aí, indiscutivelmente, a formação técnica aflora como um ingrediente fundamental para o bom exercício das funções do jornalismo. Portanto, o ensino superior em jornalismo e os direitos adquiridos desses profissionais não podem ser suprimidos. Ao contrário, precisam ser enaltecidos e fortalecidos. (Entrevista a Arcírio Gouvêa Neto)
COMISSÃO DA CÂMARA DISCUTIRÁ DECISÃO DO STF A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio aprovou requerimento do Deputado Miguel Corrêa (PT-MG) para a realização de uma audiência pública sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal-STF que acabou com a obrigatoriedade de diploma em Jornalismo para o exercício da profissão. Segundo o deputado, a matéria é polêmica e merece um debate mais amplo. No entanto, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF, disse que não há possibilidade de o Congresso reverter o que foi decidido pelo Supremo e explicou que futuramente a decisão deve atingir outras profissões regulamentadas. Para Corrêa, no entanto, o Legislativo está apenas cumprindo o seu papel. “É uma posição do ministro do Supremo e eu respeito inteiramente. Agora, é óbvio também que isto não impede a Casa Legislativa de manter os seus trabalhos. Aqui no Congresso, nós temos outro entendimento.” Para o Deputado Paulo Pimenta (PTRS), que tem diploma de jornalista, o Supremo confundiu liberdade de expressão com o exercício da atividade profissional. Ele está colhendo assinaturas para a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição que volte
com a obrigatoriedade do diploma. O Deputado assinala que a sociedade e o Congresso já começaram a compreender o prejuízo que a medida trará para a sociedade, inclusive com a desregulamentação futura de outras profissões. Ele citou, em particular, o caso das universidades que formam os profissionais que podem ter suas profissões desregulamentadas como antropólogos, cientistas sociais e professores de Educação Física, entre outros. “A sociedade já está começando a se dar conta de que o voto do Ministro Gilmar Mendes não acaba só com o diploma de jornalista, mas abre caminho para que outras profissões deixem de existir no Brasil.”, explicou Pimenta. Na Câmara, desde 2008 a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público examina projetos que regulamentam profissões a partir de uma súmula que recomenda a rejeição de propostas sobre reserva de mercado para determinados profissionais em detrimento de outros com formação idêntica. A Comissão também tem rejeitado as propostas que não estabelecem deveres e responsabilidades para o exercício profissional e aquelas que não possuem órgão fiscalizador. Estes órgãos têm que ser criados por projetos de iniciativa do Executivo. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
Elza Cansanção integrou a segunda turma de Jornalismo da antiga Faculdade Nacional de Filosofia, depois de servir como voluntária na Força Expedicionária Brasileira-Feb, na Itália. Leda assistiu à criação do curso, mas não se matriculou: já profissionalizada, foi a primeira mulher a assumir um cargo de chefia numa Redação. POR ARCIRIO GOUVÊA NETO
Filha do médico sanitarista Tadeu de Araújo Medeiros, amigo de Alberto Santos Dumont e auxiliar direto de Osvaldo Cruz na campanha contra a febre amarela, Elza Cansanção, 88 anos, foi a primeira brasileira a se apresentar como voluntária, na Diretoria de Saúde do Exército, para lutar na Segunda Guerra Mundial, em 1944. Tinha 23 anos de idade. Com uma vida rica de aventuras e desafios, Major Elza, como gosta de ser chamada, tem outra faceta de sabor histórico: integrou também a segunda turma de Jornalismo da antiga Faculdade Nacional de Filosofia, a famosa FNFi, em 1949. Uma turma composta por 700 alunos, entre eles Edna Savajet, Jorge da Silva, mais tarde conhecido como Majestade em sua atuação na Radio Jornal do Brasil, falecido precocemente, Branca Miele, esposa do humorista e produtor cultural Luís Carlos Miéle. – Dessa turma colaram grau apenas 120 alunos – conta Elza. – Os outros
desistiram porque as aulas eram puxadas; não passaram nas provas de avaliação, ou foram eliminados pelo caminho, na própria depuração exercida pelo destino nas atividades humanas. Basta dizer que havia aluno que escrevia ‘facurdade’ e ‘a gente vamos’. Nós tínhamos aulas de História Geral, Português, Técnica de Redação e Imprensa, Literatura e Prática de Reportagem e outras que não lembro mais, todas ministradas no auditório, porque era muita gente e não cabia nas salas. Estagiamos no jornal O Globo, mas fazíamos muito estágio em outros jornais. Era ótimo. Imagine o nível dos professores. Vou citar somente dois nomes para dar uma idéia da qualidade do ensino: Múcio Leão e Danton Jobim. Um jornalismo romântico, porém, de pé no chão: – Claro, era romântico sim, como era romântico o tempo, tudo existe dentro do seu meio. Mas isso não significa que não fosse competente e que os jornalistas não tivessem o pé no chão. Nas redações só havia ‘feras’, meu
ARQUIVO ABI
ELZA E LEDA VIRAM O DIPLOMA NASCER
vistas no expediente. Assim, se eu roamigo. Você olhava para um lado e via dava duas mil, colocava 10 mil; se roo Armando Nogueira, olhava para o oudava três mil, colocava 20 mil. No dia tro e via o Carlos Heitor Cony, o Carem que vendi as revistas esqueci de avilos Lacerda, o David Nasser. Eram nosar. E os caras tomaram o maior ferro, mes que impressionavam, que impuporque esperavam uma coisa e era nham respeito, medo. Eram artigos ou outra. Não demorou muito tempo e as reportagens notórias, célebres, que muduas fecharam. De qualquer forma, esdavam o curso dos acontecimentos. O sas revistas represenjornalista era respeitataram um fato impordo, prestigiado, exaltatante, pois foram vando. Me lembro como guardistas para o seu me paparicavam quantempo, sendo feitas do eu dizia que integratotalmente por uma va a segunda turma de mulher, caso inédito jornalismo da Faculdana década de 50, e ainde de Filosofia. da recém-saída de uma Depois de formada, faculdade. sempre com espírito Com os pais, alagoimpetuoso e desbravaanos, Elza aprendeu a dor, Elza fundou duas atirar ainda na adolesrevistas: Ex-Combatencência. Com as goverte e Veteranos da FEB: – nantas alemãs que Olha, hoje é muito enserviram à sua família graçado, mas na época “Sinto-me ludribriada”, diz Elza na Copacabana da déera de chorar. Eu fazia Cansanção, que integrou a cada de 1930, aprentudo sozinha, escrevia segunda turma de Jornalismo da deu música e idiomas. os artigos, as reportaPor indicação de Arnon gens, batia as fotograde Melo, pai do ex-Presidente Fernanfias (naquela época era fotografia), ajudo Collor de Melo, ingressou na ABI dava na diagramação e ainda corria em 21 de março de 1950. Estreou com atrás das propagandas (que agora são Fernando Torres, Natália Timberg e publicidade). Para dar impressão de que Sérgio Brito, no Teatro Universitário, havia muita gente trabalhando, eu com a peça Dama da Madrugada . E mudava o nome de acordo com as maainda teve fôlego para escrever cinco térias; possuía uma relação deles e ia livros: Nas Barbas do Tedesco, 53 Histrocando, misturando, pegava o pritórias da Guerra, Foi Assim que a Cobra meiro nome de um, o segundo do ouFumou, Dicionário de Alagonês” e o prótro, inventava nomes pomposos para ximo, em fase de preparação, A Hisos fotógrafos e assim ia, até que não tória Contada Pela Fotografia. agüentei mais e vendi as duas revistas. Elza Cansanção se emociona quanA venda das duas publicações tamdo fala de sua participação na campabém tem a sua história: – Acontece que nha da Itália. A entrevista teve que para conseguir bons anúncios e impresparar por duas vezes para que ela se resionar eu aumentava deliberadamencuperasse das lembranças, “ainda muite a informação sobre a tiragem das re-
L EDA: E SSA PANCADA VAI ACORDAR OS JORNALISTAS ARQUIVO ABI
que uma fotografia. Leda Acquarone de Trabalhei nas redações Sá, 82 anos, estudou da Fon-Fon, Jornal das Desenho na Escola Moças, Editora Globo, Nacional de Belas-ArO Cruzeiro e A Cigarra, tes-Enba e o desenho onde acabei chefe de acabou levando-a para Redação. Em um cenáa imprensa. Filha do rio altamente machisjornalista Francisco ta do jornalismo brasiAcquarone, conheceu leiro da década de 50, na Enba os alunos eu fui a primeira muMário Barata e Zirallher a assumir um cardo, que tinham contago de chefia. No entos nos jornais e acabatanto, não tive probleram convidando-a mas, todos me respeipara ilustrar algumas tavam e procuravam matérias. De convite “Quem estuda quer que o diploma fazer o que eu pedia. em convite ela acabou represente o fim de uma luta de Leda lembra com gostando e se dedican- quatro anos”, diz Leda Acquarone. saudade desse tempo: do integralmente no – Era formidável, eu jornalismo diário: trabalhava muito, mas era tudo tão ma– Comecei ilustrando pequenos arravilhoso e romântico que nem percetigos, pequenas notas, em um tempo bia. Participava do planejamento da em que as fotografias eram raras e carevista, enfeitava títulos, emoldurava ras. Acho também que o leitor prefeas fotos, ajudava na feitura das matéria as charges, elas diziam muito mais 12 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
rias e ainda corria nas oficinas, brigava com o pessoal dos clichês, das rotativas, pedia mais tinta, mais cor, voltava na redação, atendia telefone, mandava o pessoal para a rua cobrir algum acontecimento e com isso acabei conhecendo os pormenores e os meandros da imprensa como a palma da minha mão. Aí veio o golpe militar de 1964 e tudo desmoronou. Não consegui trabalhar com a censura. Com relação ao diploma de jornalista, Leda Acquarone é categórica: – Quem estuda quer o diploma e quer que o diploma represente o fim de todo um planejamento e uma luta que durou quatro anos e representou e representará toda uma expectativa e esperança de sucesso na vida. Como se pode, de uma para outra, castrar esse sonho? Sabe o que falta a este País? Ética, ética e respeito em todos os níveis, em todos os cargos, até mesmo entre coleguinhas. Quantas matérias vemos na imprensa diária mal-intencionadas? Isso contri-
buiu para desgastar nossa profissão. Ficou vulgar demais. Jornalismo não pode representar interesses, ele tem que se ater aos fatos e à notícia, mas essa é uma luta secular, que não tem fim. Com sua experiência e perspicácia, Leda Acquarone diz que nem tudo está perdido: – Pelo contrário, acho que essa pancada serviu para o jornalista acordar e se valorizar mais e valorizar mais sua profissão. Haverá uma sacudidela em tudo, muitas questões serão levantadas, sempre depois da tempestade vem a bonança, parece um lugar-comum, mas é a pura realidade. O jornalista deve se afastar um pouco dos políticos, não da política; dos políticos, ser mais isento. Tem que haver uma depuração, tem muito profissional inescrupuloso por aí, vendendo informação. Faço até um apelo para a ABI entrar nessa luta, tanto em favor do diploma quanto em favor da sacudidela na profissão, brigando por mais ética e respeito, mais do que ela já briga.
to presentes na alma”. Embora sonhasse em lutar na linha de frente, teve que se conformar em seguir como uma das 73 enfermeiras no Destacamento Precursor de Saúde da Força Expedicionária Brasileira, uma vez que o Exército Brasileiro na época não aceitava mulheres combatentes. Durante o conflito, trabalhou nos hospitais de evacuação na Itália, em turnos de doze horas; nenhum soldado faleceu em seus braços. Atuou como oficial de ligação e enfermeira-chefe no 7th. Station Hospital, em Livorno. Com o fim do conflito, foi dispensada logo após o retorno ao País, onde passou a trabalhar no Banco do Brasil. Em 1957, as mulheres foram reconvocadas e Elza Cansanção retornou prontamente, até se reformar no posto de major. Sua história foi contada no cinema no longa-metragem A Cobra Fumou”, de Vinícius Reis. É a mulher mais condecorada do Brasil: tem 35 medalhas, entre as quais a Medalha de Guerra, a Medalha de Campanha, a Ordem do Mérito Militar, a Medalha Mérito Tamandaré, a Medalha Mérito Santos Dumont. Membro da Academia Alagoana de Cultura, atualmente se dedica à preservação da memória fotográfica da FEB. Mesmo com todas as honrarias recebidas e uma vida acostumada com o pioneirismo, principalmente em um tempo em que a participação feminina era sempre relegada a um plano secundário, Elza Cansanção se diz “num vazio”, depois que tomou conhecimento da decisão do Supremo Tribunal Federal de cassar a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista: – É um absurdo. Me senti completamente ludibriada, menosprezada. Até agora, por mais que tenha boa vontade, não consigo compreender a decisão do Ministro Gilmar Mendes. Está certo que existe a pressão de órgãos poderosos de comunicação para aviltar o salário e a imagem do profissional, mas ele e os outros que o acompanharam não poderiam se curvar a essa situação, sob perda de credibilidade pública. – Não existem mais jornalistas que sobressaiam, misturaram tudo numa geléia geral, e pagam uma merrequinha por mês a profissionais que por sua importância deveriam ter salários dignos. O que se vê hoje em dia é foquinha nas redações e cobrindo acontecimentos que por sua abrangência e complexidade mereciam profissionais competentes. Quem fez essa onda toda pelo fim do diploma foram os patrões, para poder manipular melhor seus empregados; empregados sem a capacitação intelectual proporcionada pelas faculdades, melhor ainda. Deixo uma sugestão, que pelo menos as funções de chefe de reportagem, secretário de redação, editor, redator, sejam exercidas por jornalistas diplomados. Mas creio que essa decisão do Supremo será revertida”, – profetizou Major Elza.
ECO: A QUASE
CHIQUINHA!
PIONEIRA A Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-Eco tem cerca de mil alunos matriculados e confere a cada ano o título de bacharel em Comunicação Social a algo em torno de 80 alunos. Possui um corpo docente formado por 68 professores e oferece uma variedade de atividades extracurriculares, como cursos, eventos, uma galeria de exposições e uma grande produção de publicações. Primeira escola dessa especialidade criada no ensino público do País com o nome de Curso de Jornalismo, só não detém a primazia do pioneirismo no setor porque antes dela foi criada em São Paulo, com caráter particular, a Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, até hoje em funcionamento. Equipada com laboratórios de editoração, fotografia, rádio e televisão, a Eco desenvolveu o projeto de reunir todos estes laboratórios numa Central de Produção Multimídia-CPM, na qual é possível a realização de um trabalho integrado entre várias mídias, bem como a implementação de projetos com órgãos e instituições internos e externos à Universidade. A Eco conta ainda com núcleos de pesquisa, promovendo uma integração da graduação e da pósgraduação através de seus bolsistas. Em 13 de narço de 1967 a Escola de Comunicação transformou-se numa das unidades que compõem o Centro de Filosofia e Ciências Humanas-CFCH da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua História é a própria História dos cursos de Comunicação no Brasil. O Decreto-Lei nº 5.840, de 13 de maio de 1947, que instituiu o Curso de
Jornalismo como parte do sistema de ensino superior, dizia em seu artigo 3º que o curso será ministrado na Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ. A primeira turma colou grau em 1950. Como unidade autônoma foi instalada em 4 de março de 1968 no antigo prédio do Instituto de Eletrotécnica, na Praça da República, 22, com corpo docente oriundo do curso de Jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia. Sua estrutura inicial era composta por um departamento de Comunicação e cinco outros departamentos: de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Audiovisual e Editoração. A posterior mudança para as instalações físicas do campus da Praia Vermelha, em 1971, foi acompanhada da reformulação do currículo, da renovação do corpo docente e da criação do curso de
pós-graduação, em 1972. A Eco passou então a constituir-se como uma unidade de ensino, pesquisa e extensão em Comunicação Social, com quatro habilitações: Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Produção Editorial e, posteriormente, Radialismo. Atualmente ainda conta com a habilitação em Direção Teatral. Um paradoxo: a atual Diretora da Eco, Professora Ivana Bentes, é contrária à obrigatoriedade da exigência do diploma para o exercício de profissão de jornalista, como declarou em debate promovido pelo programa Contraponto, do Departamento de Comunicação da Puc-Rio, dias após a decisão do Supremo. Foi ela a única que manifestou essa opinião na série de entrevistas feitas no mesmo dia, com a participação dos jornalistas Ana Arruda Callado, Fritz Utzeri, Maurício Azêdo e Rogério Marques Gomes.
ALEMANHA E S UÍÇA EXIGEM FORMAÇÃO SUPERIOR, DIZ HANNA A alemã Hanna Christiane Henkel é correspondente de economia do jornal suíço Neue Zuercher Zeitung. Ela está há seis anos no Brasil, mas já de malas prontas para embarcar para os Estados Unidos, onde passará a trabalhar no próximo mês. Hanna, que adora o Brasil e tem uma filhinha nascida “neste país de sol e de mar ”, explica que na Alemanha e Suíça não existe a exigência do diploma, mas quem deseja exercer a profissão deve se submeter a uma prova, para avaliação de sua capacidade profissional. – Na Alemanha, Suíça e outros países, principalmente do Norte europeu, para exercer a atividade de jornalista a
pessoa deve possuir um curso superior. Darei como exemplo minha cadeira, Economia. Nesse caso, se eu desejar trabalhar como jornalista, tenho que fazer um exame de ordem sobre economia; se passar, poderei ser jornalista econômica. Se for educação física, poderei ser uma jornalista esportiva, e assim por diante. É porque dessa forma se entende que o profissional, por estar cursando uma faculdade específica, está apto a lidar com a informação do segmento que escolheu. Hanna explica mais: – Existem ainda duas outras opções. Na primeira, você pode cursar um ano e meio de uma escola preparatória para jornalis-
tas, mantida pelo Governo. Concluído o curso, está apto a trabalhar sob determinadas condições na profissão. A outra opção é dada pelas próprias empresas, que proporcionam ao candidato que queira trabalhar em sua Redação também um curso de dois anos, envolvendo todos os aspectos do jornalismo, desenvolvido pela própria empresa. Lá temos muita prática e pouca teoria, justamente o oposto daqui, onde observo ser o curso de Jornalismo muito acadêmico. Sob qualquer ponto de vista, considero a decisão da Justiça brasileira questionável, embora a respeite. Acho que como estrangeira já estou falando demais. Até logo. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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RETROCESSO A MORTE DO DIPLOMA
UMA AMEAÇA À DEMOCRACIA E À QUALIDADE DO JORNALISMO
fissional igualmente qualificada e baseada em preceitos éticos e democráticos. E uma das formas de se preparar, de se formar jornalistas capazes de desenvolver tal prática é através do curso superior de graduação em Jornalismo – destacou Beth Costa, ex-Presidente da Fenaj, logo após a decisão do STF.
Liberdade de expressão: real ou um sofisma? Um dos principais argumentos usaÉ dessa forma que professores universitários, estudantes e jornalistas entendem o fim dos por aqueles que combatem a exigência do diploma é de que tal regulada obrigatoriedade do diploma de Comunicação Social ou Jornalismo para o exercício mentação é responsável pela falta de lida profissão. Ainda há muitas dúvidas e opiniões divergentes sobre o que o futuro berdade de expressão na mídia. Essa reserva para uma atividade essencial para a sociedade e as práticas democráticas. suposta ameaça é exposta por alguns dos principais jornais, revistas e gruPOR MARCOS STEFANO pos de comunicação do País. A discussão é muito antiga. Diz o jornalista Alberto Dines que a polêmica começou os últimos 100 anos, a luta em decorrência da greve de 1979 (leia pela qualidade no jornalisa entrevista completa a partir da página mo teve pelo menos quatro 18) e se radicalizou em 2001, quando momentos especiais, que se a juíza Carla Rister atendeu precisatornaram marcos na defesa mente a um pedido do Sindicato das da regulamentação profissiEmpresas de Rádio e Televisão de São onal e na busca por formação Paulo — a entidade do patronato — e qualificada para aqueles que concedeu uma liminar suspendendo a atuam na imprensa. exigência do diploma. Em 2005, o TriHá quase um século, em 1918, a ABI bunal Federal Regional revogou a deorganizou o 1º Congresso Brasileiro de cisão. Contudo, o Ministério Público Jornalistas e aprovou como uma de Federal recorreu e o caso foi parar no suas principais teses a necessidade de Supremo. Em novembro de 2006, o que os jornalistas tivessem formação Ministro Gilmar Mendes já havia susde nível universitário. Em 1938, houpendido a obrigatoriedade até que o reve a primeira regulamentação da procurso fosse julgado pelo tribunal. fissão no País. O terceiro momento Para diversos especialistas ouvidos ocorreu em 1947, com a criação da Fapelo Jornal da ABI, no entanto, o arguculdade Cásper Líbero e do primeiro mento da ameaça à liberdade de exprescurso de Jornalismo. Em 1969, quansão é um dos mais ingênuos e equivodo já se reconhecia no jornalismo um cados utilizados no debate. Em alguns ethos profissional, que validava o procasos, dependendo de quem o usa, até eles protestaram contra as palavras de fissionalismo e afastava de vez o amaSe no atual momento esse problema mesmo distorcido: Mendes, que comparou na sessão os dorismo e aqueles que viam o fazer-jorparece ser menor, o mesmo não se pode – A liberdade da imprensa está senjornalistas aos cozinheiros: nalístico como um bico, aconteceu o redizer em relação ao exercício futuro da do lida como liberdade das empresas de – Um excelente chefe de cozinha poconhecimento jurídico da necessidade profissão. A decisão do STF acaba com comunicação. A verdade é que o STF derá ser formado numa faculdade de de formação superior, decisão aperfeiqualquer regulamentação da atividade serviu-se da carta constitucional como culinária, o que não legitima exigirmos çoada pela legislação de 1969. profissional; muitos temem que as reálibi para dar voz aos interesses dos que toda e qualquer refeição seja feita Agora, em 2009, uma quinta data dações virem uma espécie de “terraproprietários da mídia – protesta o Propor profissional registrado mediante pode ser acrescentada a esse rol. Porém, sem-lei”. Sem a devida capacitação, há fessor Fábio Iório, do Departamento de diploma de curso superior nessa área. é difícil considerá-la como um “avanço”. o temor de que as decisões de quem Jornalismo da FaculApesar de vários coordenadores de Afinal, desde que o Supremo Tribunal ouvir e como ouvir – dade de Comunicação cursos de Jornalismo em importantes Federal revogou, em 17 de junho, por além daquilo que é puSocial da Universidafaculdades já terem declarado que a deoito votos a um, a obrigatoriedade do blicado – fiquem inteide Estadual do Rio de cisão não deve afastar os alunos do curdiploma para o exercício da profissão, ramente subordinadas Janeiro-Uerj. so nem provocar tão cedo mudanças pesadas nuvens de incerteza pairam nos aos interesses dos proIório chama a atennos currículos e no mercado de trabaares do jornalismo nacional. prietários dos veículos ção para o fato de que lho, na universidade a sensação é de As primeiras reações partiram das de comunicação, transa atividade jornalístisurpresa e impotência. Algumas faculentidades representativas, como sindiformando-se numa séca regulamentada não dades menores ou distantes dos grancatos, Federação Nacional dos Jornaria ameaça à qualidade limita a liberdade de des centros já reclamam que a proculistas-Fenaj e ABI, e das faculdades. do que é produzido e ao expressão. A exigência ra para o vestibular de meio de ano é Mesmo em época de provas, estudanpróprio exercício da dedo diploma não impemenor. Há também relatos de alunos tes saíram às ruas em diversas cidades, mocracia. de ninguém de escreque não sabem se continuarão o curcomo Brasília, Rio, Teresina, Porto – O principal arguver em jornal ou revisso ou mudarão de área. Alegre e Caxias do Sul, RS, para promento, entre os tantos ta. Para ser um articu– É possível mesmo que caia a protestar contra a decisão do STF. Em São que se pode levantar lista tal exigência seria cura. Algumas pessoas são atraídas Paulo, mais de uma centena de alunos para a exigência do diabsurda, mas não para para uma carreira porque a profissão do Mackenzie, Pontifícia Universdidaploma de curso de graum profissional que é regulamentada, mas não parece que de Católica de Campinas, Metodista, duação de nível supeFábio Iório: A falta do diploma exercerá a profissão será assim tão drástico. Quem quer ser Anhembi Morumbi e Cásper Líbero rior para o exercício não é impedimento para se em tempo integral e jornalista continuará procurando o curfizeram ato na Avenida Paulista e se profissional do jornaescrever em jornal ou revista. deverá ter ética e equiso, pois se identifica com a área. – avalia dirigiram a um hotel na região, onde o lismo, é o de que a solíbrio para dar voz aos o Professor José Coelho Sobrinho, PreMinistro Gilmar Mendes proferia uma ciedade precisa, tem diferentes lados de uma história: sidente da Comissão de Graduação da palestra. Aos brados de “somos jornadireito à informação de qualidade, éti– Esse processo de apuração já permiEscola de Comunicações e Artes da listas, não cozinheiros”, “informação ca, democrática. Informação esta que te ouvir as opiniões da sociedade civil, Universidade de São Paulo-Eca-Usp. não é comida” e “diploma não é lixo”, depende, também, de uma prática pro-
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O tempo dos focas passou, e não volta A necessidade de formação específica para quem exerce o jornalismo é um imperativo e parece ser um consenso, mesmo para quem não defende a obrigatoriedade do diploma. Atualmente, 220 mil alunos cursam Jornalismo em alguma das 450 instituições credenciadas pelo Ministério da Educação e que oferecem graduação na área. E a qualidade do futuro profissional de comunicação deverá passar obrigatoriamente pelas discussões que tiver nas salas de aula. Célio Campos, Diretor do curso de Jornalismo da Faculdade Hélio AlonsoFacha, do Rio, trabalhou na Redação de importantes veículos em um tempo em que o diploma não era obrigatório. Alguns eram ótimos apuradores, redatores e até editores de grandes jornais. Mas era uma época diferente. Além de tudo, há uma diferença brutal na qualidade de uma pessoa que cursou o ensino supe-
FOLHA DIRIGIDA
embora muitas vezes as empresas só pautem fontes de suas preferências, principalmente quando se trata de “personalidades atraentes” ou “plantonistas especializados” – completa Iório. Quando o assunto passa a ser qualidade, o debate torna-se ainda mais intenso. Aproveitando a polêmica causada pela decisão do STF, o Google anunciou a criação de um breve curso sobre noções de Jornalismo por um canal do site de vídeos YouTube. A idéia é aproveitar a força do movimento conhecido como jornalismo cidadão para transformar em repórteres pessoas que estejam nas ruas, testemunhando acontecimentos in loco e tenham pelo menos uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. Parece algo até válido, sabendo-se que a mídia é seletiva e não onipresente. Mas é impensável que venha a substituir o trabalho de apuração com profundidade de um repórter ou deixe de passar por um experiente editor para ser publicado em qualquer veículo como já acontece há bom tempo. – A formação de um egresso da faculdade de Jornalismo é muito mais completa, com quatro anos de estudo teórico, prático, específico e pesquisas, do que de um cidadão que não se graduou ou que se formou em outra área do conhecimento. Quem escreve artigos nem sempre possui a noção exata do que é ser um jornalista. Uma coisa é ser articulista, por exemplo, da área financeira, outra, e bem diferente, é possuir uma formação humanística e conhecimentos específicos de funcionamento e de concepção de um veículo de comunicação. E não apenas com conhecimentos de jornalismo impresso, televisivo ou radiofônico, mas profundos conceitos de antropologia, filosofia, sociologia e psicologia, o que dá à pessoa uma visão mais completa e um olhar mais crítico – alerta Paulo Alonso, que já trabalhou em O Globo e atualmente é Reitor da UniverCidade, no Rio.
Alonso (esquerda) e Célio Campos concordam em que não se pode substituir a formação humanística presente no ambiente acadêmico que dá ao jornalista um olhar mais crítico.
rior e o antigo foca ou aprendiz, o jovem de nível médio que chegava às Redações antigamente. – Hoje, não há tempo para um profissional ser formado no dia-a-dia da Redação. É bem verdade que não é na escola ou na sala de aula que se aprende ética, mas o meio acadêmico é o melhor lugar para se discutir a ética. Infelizmente, durante muito tempo se valorizou demais a pressão dos grandes veículos, como se a tecnicização dos cursos fosse sinônimo de qualidade. Por isso, sempre se valorizaram demais as críticas aos cursos de Comunicação. Há faculdade boas e há também as ruins. Mas nenhum modismo tecnológico ou alegada deficiência poderá substituir a profunda formação humanística e leituras e debates acadêmicos – analisa Campos. Na coluna que publica aos domingos no jornal Folha de S. Paulo, o jornalista Gilberto Dimenstein fez um prognóstico um pouco diferente sobre o futuro da formação jornalística. Para ele, realmente, a formação superior continuará sendo indispensável para se trabalhar numa Redação. Mas não necessariamente em jornalismo. Aliás, não preferencialmente em jornalismo. Sua aposta é que os atuais cursos de graduação se transformem, futuramente, em cursos de formação de tecnólogos com, no máximo, dois anos de duração. – Um quadro como esse pode ser desastroso. Uma coisa é uma pós-graduação para alguém formado em outra área; outra, um curso técnico para quem só tem o ensino médio. Não duvido que daqui para a frente as Redações percam profissionais com melhor formação e se desprofissionalizem. Não da noite para o dia, mas com o passar do tempo e com a contratação de cidadãos sem formação específica, haverá um enfraquecimento da categoria, influenciando diretamente os salários e provocando queda na qualidade da informação. Infelizmente, o grande problema continua sendo na escola de nível médio, muito
fraca no Brasil – observa Alonso, Reitor da UniverCidade. Uma Pec dos jornalistas no Senado, outra na Câmara Nas últimas semanas, a movimentação em torno da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo tomou conta do Congresso Nacional. Primeiro, no Senado, onde, com a assinatura de 50 parlamentares, 23 a mais do que o necessário, começou a tramitar uma Proposta de Emenda Constitucional-Pec que restitui a exigência da formação em curso superior de Jornalismo. Apesar disso, o texto, de autoria do líder do PSB, Senador Antônio Carlos Valadares, tenta não se chocar com o STF e abre exceção para os colaboradores e para profissionais que já obtiveram registro especial perante o Ministério do Trabalho. Poucos dias depois, foi a vez do jornalista e Deputado Paulo Pimenta (PTRS) protocolar na Câmara outra Proposta de Emenda Constitucional com conteúdo semelhante. – Não sei se a situação é reversível. Talvez a tendência seja exatamente outra, a de que mais profissões venham a perder a obrigatoriedade do diploma, pois essa decisão do Supremo pode vir a criar jurisprudência. Mas acredito que a formação específica se tornará ainda mais necessária do que agora. Não apenas pela concorrência, mas também pela necessidade de formação permanente e aprofundada. Ainda acredito que aquele que deseja ser médico deve fazer Medicina; quem deseja ser jornalista, fazer Jornalismo. Mas terá que ter uma formação mais global e com visão internacional – diz a Professora Ângela Schaun, do Centro Comunicação e Letras da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Uma hipótese: a valorização do curso de Jornalismo Nesse cenário, a demanda por cursos de especialização em áreas do jornalis-
mo especializado deve crescer. De olho nisso, o Mackenzie já abriu opções de especialização como Comunicação e Sustentabilidade e Marketing e Comunicação Integrada. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-Puc-SP segue a mesma tendência. Hoje já conta com cursos de especialização em oito áreas do jornalismo. A maioria das turmas é formada por egressos de cursos de Jornalismo, mas isso pode mudar. Certo mesmo é que, agora, jornalistas que não investirem na formação correrão um risco maior de se tornarem engessados. Outra aposta na pós-graduação com a decisão do Supremo é a criação de novas modalidades de mestrado profissionalizante em Jornalismo para quem é formado em outras áreas do conhecimento, nos mesmos moldes do que já existe na Europa e nos Estados Unidos. A UniverCidade, no Rio, e a Cásper Líbero, em São Paulo, já estudam alternativas para trabalhar nessa nova modalidade. Outra comparação feita com os países do continente europeu e os Estados Unidos é que lá, mesmo não existindo a obrigatoriedade do diploma, as empresas preferem os profissionais formados em jornalismo. Mas será que aqui isso se repetirá? Apesar de as pressões dos grandes veículos contra o diploma serem um indício preocupante, o Coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Professor Carlos Costa, considera que a tendência é justamente a da valorização do curso de Jornalismo: — O próprio Fernando Haddad, Ministro da Educação, garantiu a continuidade dos cursos de quatro anos. A Cásper é de um tempo em que o diploma não era obrigatório e muita gente procurava a faculdade para estudar. O que não significa que estamos usando a tradição para não melhorar. Mas também não nos deixamos levar pela decisão do STF. Já estamos discutindo o currículo há mais de um ano e devemos ter novidades na abordagem sobre as novas tecnologias. Mesmo com tal raciocínio, Costa ressalva que discutir a regulamentação da profissão é fundamental para o futuro do próprio jornalismo: – Toda essa discussão foi travada na base da emoção. Comparar o jornalismo a outras carreiras muito diferentes não acrescenta nada ao debate. O fato é que pensar que qualquer um com celular na mão pode ser jornalista porque está na rua e tira fotos é uma grande bobagem. A formação jornalística, de qualidade, continuará sendo indispensável ao bom profissional. Duvido muito que o Ministro Gilmar Mendes, com todo o seu gabarito, consiga ser bom repórter ou editar uma publicação sem, no mínimo, uma pós-graduação. Ainda penso que o jornalista deve fazer faculdade de Jornalismo. Só lá ele terá uma experiência rica e crítica com teoria e vivência com profissionais. Se puder, faça também outro curso. Mas só para complementar. (Colaborou: Paulo Chico) Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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OPINIÃO
UMA DECISÃO INJUSTA Poder que era da lei agora é do patronato. POR TARCÍSIO HOLANDA Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada no dia 17 de junho passado, decidiu, por 8 votos a 1, acabar com a exigência de diploma de curso superior em comunicação para o exercício da profissão de jornalista, proclamando a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 972, de 1969, aprovado pelo Congresso Nacional, durante o governo da Junta Militar. A decisão frustrou milhares de jovens que se submetem ou se submeteram a curso de comunicação pensando em se preparar tecnicamente para o exercício da profissão de jornalista. No mesmo julgamento, os oito ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam de atribuir a uma das duas pontas do processo produtivo, os empregadores, a prerrogativa de regulamentar a decisão adotada. Isso significa que o patronato tem poder para dizer agora de quem exige ou de quem não exige o diploma de nível superior em comunicação para o exercício do jornalismo, sem qualquer tipo de interferência ou de participação das entidades representativas dos jornalistas. Essa atribuição mostra o grau de parcialidade implícita na sentença do STF. O julgamento tratou de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp), com fundamento no artigo 102, inciso III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região. Sustenta o recurso que, “se o art. 5º, inciso XIII da Constituição Federal, remete à legislação infraconstitucional o estabelecimento das condições para o exercício da liberdade de exercício profissional, não pode o legislador impor restrições indevidas ou não razoáveis, como seria o caso da exigência de diploma do curso superior de jornalismo, prevista no art. 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972/1969”. Sentença proferida pelo Juiz da 16ª. Vara Cível de São Paulo julgou o pedido parcialmente procedente, determinando que a União não mais exigisse “o diploma de curso superior de jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma, assim como não mais execute fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau universitário de jornalismo, e deixe de exarar
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os autos de infração correspondentes”. O processo foi remetido ao Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, que deu provimento aos recursos interpostos pela União (Ministério Público Federal), Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, reformando a sentença do Juiz da 16ª. Vara Cível de São Paulo. O Tribunal Regional Federal, em decisão histórica, entendeu que o DecretoLei nº 972/69 “foi recepcionado pela nova ordem constitucional”, acrescentando: “Inexistência de ofensa às garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. E entendeu o mesmo Tribunal, contrariamente à decisão do STF: “O inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 atribui ao legislador ordinário a regulamentação de exigência de qualificação para o exercício de determinadas profissões de interesse e relevância pública e social, dentre as quais, notoriamente, se enquadra a de jornalista, ante os reflexos que seu exercício traz à Nação, ao indivíduo e à coletividade”. O TRF da 3ª. Região foi além, ao advertir que “a legislação recepcionada prevê as figuras do provisionado e do colaborador, afastando as alegadas ofensas ao acesso à informação e manifestação de profissionais especializados em áreas diversas”. Os oito ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam a questão de maneira inversa, cometendo “uma demasia”, como observou o autor do único voto discordante, Ministro Marco Aurélio Mello, em entrevista ao Jornal da ABI, acentuando a frustração que sofreram “milhares de jovens que acreditaram no Estado”. Mello, que não vê nenhum conflito do referido Decreto-Lei com a Constituição, considera legítimo que o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional reinstituindo a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Cumpre agora à ABI e à Fenaj, assim como aos Sindicatos de Jornalistas Profissionais espalhados pelo Brasil, a tarefa de mobilizar o apoio de deputados e senadores para a aprovação dessa necessária emenda à Constituição, a fim de reparar uma decisão que consideramos injusta. Tarcísio Holanda é Vice-Presidente da ABI.
UM AMONTOADO DE ERROS E INEXATIDÕES STF não tem familiaridade com o tema tratado. POR MAURÍCIO AZÊDO julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da questão da obrigatoriedade de exigência do diploma de conclusão do curso de Comunicação Social ou de Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista deixou claro que os membros da chamada Suprema Corte não tinham nem têm familiaridade com o tema tratado. Na justificação dos votos pela derrubada da disposição pertinente do Decreto-Lei nº 972/69, os ministros confundiram alhos com bugalhos e revelaram um subjetivismo que não encontra guarida nos fatos históricos e em sua cronologia. Para incriminar a exigência do diploma e justificar sua supressão, vimos ministros a dizer que o Decreto-Lei nº 969/72 foi editado com o objetivo de sufocar a imprensa, submetendo-a à censura. Há grave erro aí: a censura foi formalmente instituída pelo Decreto-Lei nº 1.077, de 26 de ja-
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neiro de 1970, mais de três meses após a edição do Decreto nº 972, assinado em 17 de outubro de 1969 e publicado no dia 21 seguinte. Lembre-se, aliás, que era dispensável a formalização do poder de censurar veículos de comunicação, sabido que, com honrosas exceções, como o JB, O Estado de S. Paulo, o Jornal da Tarde e a Tribuna da Imprensa, jornais e emissoras de televisão praticavam a autocensura e faziam o jogo da ditadura militar. Improcede a afirmação do digno Ministro Ricardo Lewandovski de que o Decreto nº 972/69 tinha como “escopo, inequivocamente, controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, em especial pelos jornais, afastando das redações intelectuais e políticos que faziam oposição ao governo de então”. Na verdade esses intelectuais – um Otto Maria Carpeaux, um Antônio Callado, um Octávio Malta – já tinham sido afastados das redações não por esse decreto, mas
Publicado originalmente na edição de 30 de junho no Jornal do Brasil, coluna Sociedade Aberta, sob o título Incriminação do diploma não se sustenta.
EXCLUSIVO MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO
“ESSES JOVENS ACREDITARAM NO ESTADO. FICO IMAGINANDO COMO FOI GRANDE A SUA FRUSTRAÇÃO” O único Ministro a votar em defesa da exigência do diploma considera que o Supremo deu “um passo demasiadamente largo”. ENTREVISTA A TARCÍSIO HOLANDA Ministro Marco Aurélio Mello, único dos nove ministros presentes à sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal), realizada no dia 17 de junho, que se insurgiu contra a decisão da maioria dos ministros (oito votos a um) de acabar com a exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, em entrevista exclusiva ao Jornal da ABI, disse que tal deliberação “foi um passo demasiadamente largo”, que “certamente causou grande frustração” entre os jovens que optaram por entrar em uma faculdade para fazer um curso de Comunicação, já pensando em ganhar condições para praticar um bom jornalismo. “Esses jovens – acrescentou o ministro Marco Aurélio Mello – acreditaram no Estado e na exigência legal de estudar e de aperfeiçoar os seus conhecimentos. Fico imaginando como foi grande a frustração desses moços. Temos um decreto que vigorou durante 40 anos e, de repente, o classificamos de inconstitucional. Há 400 escolas de comunicação no País. Como ficarão seus alunos e professores diante dessa deliberação?” Perguntamos ao Ministro Marco Aurélio Mello como avaliou a comparação que fez o relator, Ministro Gilmar Mendes, no voto vencedor, entre o cozinheiro e o jornalista: “A comparação foi feita em determinado contexto, mas reconheço que não se trata de uma imagem feliz. Foi, na verdade, um arroubo de retórica”. Lembramos ao Ministro Marco Aurélio Mello que o Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murilo de Andrade, qualificou a decisão do STF como “um desastre” e “a expressão sem reparo da posição das empresas”, ao mesmo tempo em que julgou inexplicável atribuir a uma parte do processo produtivo, os empregadores, a prerrogativa de regulamentar os termos da deliberação. “Talvez não tenha sido muito feliz ter atribuído aos patrões a prerrogativa de regulamentar essa decisão. Não se deveria, de uma hora para outra, concluir pela inconstitucionalidade de um decreto-lei que tinha 40 anos de idade, a metade dos quais convivendo com a Constituição-Cidadã, para lembrar uma expressão cunhada por Ulysses Guimarães. Sou um defensor da liberdade de expressão, que é a mola mestra do Estado de Direito Democrático”. Repetindo o que já dissera em seu voto na sessão plenária do STF, o Ministro disse que a quadra atual vivencia ampla liberdade de expressão. O País não está em época de cerceamento à liberdade, que também encerra “o dever de informar e bem informar à população”. Citando o artigo 220 da Constituição Federal, especialmente a referência constante do parágrafo primeiro desse mesmo dispositivo, sublinhou o Ministro: “É certo que nenhuma lei conterá, segundo esse parágrafo 1º do artigo 220,
NELSON JR./SCO-STF
pelo esmagamento político e comercial que o regime militar impôs a veículos como Última Hora, levada à descaracterização, e o Correio da Manhã, perseguido e subjugado até falir. Carece igualmente de fundamento a invocação do Pacto de São José da Costa Rica, validado no País pelo Decreto 678/92, de que a disposição agora derrubada conflitasse com o artigo 13.3 dessa convenção, como alegado pelo mesmo Ministro Lewandovski, que transcreveu o texto de tal disposição, assim redigida: “Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões”. Mesmo um advogado recém-formado saberia que falta tipicidade entre o que dispõe o Decreto nº 972 e o texto reproduzido pelo Ministro. Numa instituição que reúne algumas das maiores sumidades do País em todos os ramos do Direito, como é o Supremo Tribunal Federal, é incompreensível que tenham sido cometidos erros fáticos dessa natureza, para justificar uma decisão desprovida de fundamento jurídico, e sim ditada pelo propósito politico de atender à postulação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, o grande interessado em instituir a lei da selva, uma terra de ninguém nas relações trabalhistas, afinal criada pela decisão do Supremo, ao homologar e legitimar práticas restritivas dos direitos dos jornalistas já adotadas por muitas das empresas filiadas a essa entidade. Mais grave do que essas alegações despropositadas foi o conjunto de argumentos expostos pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi infeliz e revelou extremado mau gosto e escassa criatividade ao comparar o desempenho do jornalista com o do cozinheiro, mesmo o grande mestre no ofício de conceber e preparar acepipes e quitutes. Demonstrou o Ministro que não entende nem de jornalismo nem de arte culinária; se entendesse, não faria as comparações inadequadas que fez. Ao contrário do que sustentaram ministros que acompanharam o relator (Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Celso de Mello), a profissão de jornalista não pode ser exercida por pessoas que tenham apenas o curso fundamental completo ou incompleto, para as quais a decisão do Supremo escancarou com largueza as portas de acesso à profissão, ou mesmo por aquelas que, como os ministros do chamado Pretório Excelso, tenham formação de nível universitário em outras especializações da vida social.
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dispositivo que possa comprometer a plena liberdade de expressão jornalística em qualquer veículo de comunicação social, mas o próprio preceito remete ao rol das garantias constitucionais, inscritas no artigo 5º da Constituição”. O Ministro Marco Aurélio Mello observou que o mercado de trabalho brasileiro é extremamente desequilibrado, havendo escassez e, ao mesmo tempo, oferta demasiada de mão-de-obra. Também sustentou que o exercício do jornalismo no mundo de hoje reclama uma boa qualificação, pois se trata de uma profissão que exige uma mistura de conhecimentos técnicos e humanísticos. Finalmente, o Ministro indaga se seria conflitante com a decisão recente do STF a aprovação de uma proposta de emenda constitucional pelo Congresso Nacional restaurando a exigência do diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista. Ele acha que não, mesmo porque o decreto-lei que exigia o diploma universitário, que foi aprovado pelo Congresso sob o governo da Junta Militar, conviveu com a Constituição de 1988 durante 20 anos. Marco Aurélio Mello lembra que muitos consideravam espúrio o decreto-lei que exigia diploma de curso superior para o jornalista, uma vez que foi aprovado pelo Congresso durante o reinado de uma Junta Militar, em pleno regime de exceção. Aprovada agora, uma emenda seria introduzida no corpo da Constituição-Cidadã quando o Brasil respira um regime de franquias democráticas.
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FOTOS: FRANCISCO UCHA
DEPOIMENTO
ALBERTO DINES “O diploma não é entulho autoritário. É conquista dos jornalistas brasileiros” os 77 anos de vida e mais de 50 de carreira, o jornalista Alberto Dines é um dos principais nomes da imprensa brasileira. Não somente por sua experiência em importantes veículos como as revistas Visão e Manchete e os diários Última Hora e Jornal do Brasil, mas por ser, como poucos, um – com o perdão do trocadilho – “observador” da mídia. Em 1965, enquanto o País se dividia entre saudar a novíssima Rede Globo de Televisão e criticar a parceria entre Roberto Marinho e o grupo norte-americano Time-Life, Dines já escrevia nos Cadernos de Jornalismo, iniciativa pioneira criada por ele mesmo no JB: “Com a experiência do Time-Life, com a tradição do jornal O Globo, com a equipe de O Globo que se transferiu para a TV, nós vamos ter telejornalismo competitivo. A partir de agora, as reportagens dos diários terão que ser mais profundas, mais seletivas, com mais referência e com mais contexto. Ou não conseguirão competir.” Apesar de acertar em cheio, Dines não é profeta, mas nem por isso deixa de enxergar coisas que poucos conseguem ver. Com esse olhar crítico e analítico, ainda nos anos 60 ele criou na Puc-RJ a primeira disciplina de Jornalismo Com-
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Um dos mais importantes críticos da imprensa brasileira, o jornalista Alberto Dines afirma que o Supremo Tribunal Federal errou duplamente: na anulação integral da Lei de Imprensa e no fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. POR MARCOS STEFANO E FRANCISCO UCHA parado. Dez anos depois, publicou O Papel do Jornal, obra que acaba de completar 35 anos e que, mesmo sem citar as novas tecnologias, ainda é referência nos cursos superiores do País. Ainda na década de 70, ele começou a assinar o Jornal dos Jornais, na Folha de S. Paulo,
uma coluna criada para combater a censura, mas que também foi pioneira na análise da mídia. Depois dessas experiências, ainda criou na Unicamp o Laboratório de Altos Estudos de Jornalismo (Labjor), que seria o embrião do site e do programa de televisão semanal Observatório da Imprensa. Recentemente, quando o Supremo Tribunal Federal acabou integralmente com a Lei de Imprensa e depois, quando pôs fim à obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, sua voz foi uma das primeiras a se levantar contra ambas as decisões. “Trata-se da mesma miopia”, sentenciou. Em entrevista concedida em seu escritório em São Paulo, Dines falou ao Jornal da ABI sobre o passado, presente e futuro do jornalismo brasileiro. E ainda fez uma declaração considerada impressionante para quem não cursou a faculdade de Comunicação: — Com o tempo, conscientizei-me da importância do diploma. Ele não é entulho autoritário, e sim uma conquista dos jornalistas. Nenhum profissional é treinado na Redação, no corre-corre; ele tem que parar para pensar, ouvir outras pessoas para que possa se conscientizar da importância do seu papel. Isso só pode acontecer numa universidade.
JORNAL DA ABI – EM UM DOS ARTIGOS OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, VOCÊ DIZ QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ERROU DUPLAMENTE: NA QUESTÃO DA LEI DE IMPRENSA E NA DO DIPLOMA. E QUE FOI INDUZIDO PELA MESMA MIOPIA. COMO ASSIM? Alberto Dines – Criou-se no Brasil esse mito de que tudo que foi aprovado no período da ditadura faz parte do entulho autoritário. Mas a questão é bem mais complexa. Pegue, por exemplo, a lei do divórcio. Ela foi uma sacanagem do então Presidente Ernesto Geisel, a primeira medida que ele jogou para o Congresso reaberto depois do pacote de abril de 1977. Para que a imprensa não falasse que era um gesto autoritário, ele mandou um projeto que é extremamente popular – o Brasil estava querendo a lei do divórcio – e que era contra a Igreja Católica. Só que remover a lei do divórcio, por ter sido ela uma malícia do Geisel e do Golbery do Couto e Silva, não faz sentido. Da mesma forma, algumas das coisas da Lei de Imprensa estavam erradas, outras não. Igualmente com a obrigatoriedade do diploma. Muita gente argumentou que a obrigatoriedade era uma forma de calar os profissionais mais combativos da época e que não eram formados em Jornalismo. Nada disso. Foi, sim, uma maneira de a Junta Militar, que então governava o País, diminuir sua impopularidade e tentar conquistar a imprensa, atendendo a pedidos que há tempos eram feitos pela própria Federação dos Jornalistas e que visavam a regulamentar e dar mais força à profissão. Nesse negócio de rotular como entulho autoritário, você é obrigado a engolir uma série de visões distorcidas e extremamente perigosas. Ao acabarse com o diploma, acabou-se com a profissão e com toda a regulamentação da atividade.
teresse da sociedade, porém fomos na onda sem parar para pensar e pesquisar, e acabamos nesse caos. Esse é um argumento que pesa: para que brigar pelo diploma se quem vem com o diploma é despreparado? Mas não somente a profissão está no vácuo. Na imprensa há uma enorme confusão e cada um puxa a sardinha para a sua brasa. O fim da Lei de Imprensa jogou questões como o direito de resposta no limbo. Não à toa, houve magistrados que organizaram uma importante reunião sobre o assunto no Rio. Até a Globo teve que cobrir. Eles sabem que é fundamental ter um código para que seja realizado qualquer julgamento.
QUE ESCREVEU PARA O SITE
JORNAL DA ABI – ESSE TAMBÉM É O PENABI E A FENAJ, QUE APONTARAM O FIM DA OBRIGASAMENTO DE ENTIDADES COMO A
TORIEDADE DO DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DO JORNALISMO COMO UMA SÉRIA AMEAÇA À PROFISSÃO.
PODE SER O FIM DO JORNA-
LISMO COMO O CONHECEMOS HOJE?
Alberto Dines – É uma decisão que nada resolve, mas fragiliza ainda mais o jornalismo, e não apenas no sentido trabalhista, mas até filosófico, social, institucional. Digo isso porque o jornalismo é uma profissão necessária à vigência, à oxigenação da sociedade democrática. Se você diz que qualquer um pode exercer essa função, você está tirando essa especificidade; e o jornalismo é uma técnica que mantém a sociedade aberta e oxigenada. Agora, digo que fragiliza ainda mais, porque o problema não vem de hoje e não se resume à decisão do Supremo. Conhecemos o jornalismo de forma idealizada, mas cheio de defeitos na prática. Não é de hoje que essa forma idealizada de jornalismo que conhecemos está ameaçada e fazemos muito pouco para salvá-la.
JORNAL DA ABI – FALANDO EM REGULAMENTAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO JORNALISMO, QUE OUTRAS ALTERNATIVAS PODERIAM SER EXPLORADAS, QUE NÃO O FIM DA OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA?
MUITA GENTE
TEM FALADO EM SE FAZER UMA PROVA NOS
OAB FAZ PARA OS DIREITO, ATÉ PARA QUALIFICAR MAIS O INGRESSO NA ÁREA, E ATÉ REGULAMENTAÇÃO PARA QUEM ESCREVE, MAS NÃO FAZ O DIA-A-DIA DO JORNAL, COMO CRÍTICOS E COLUNISTAS. Alberto Dines – A prova é uma proposta e até a criação de uma Ordem de Jornalistas, por que não? Quando surgiu aquela idéia maluca de formar um Conselho Federal de Jornalismo, apresentada pelo Governo Lula e endossada pela Fenaj, eu fui um dos que condenaram com mais veemência. Mas e se fosse um Conselho Federal de Jornalistas? Já o fato de não ser formado em Jornalismo não impede ninguém de escrever, fazer críticas ou comentários na imprensa. É o caso de esportistas como Tostão e Sócrates, economistas como Mailson da Nóbrega, e tantos outros. O fato é que não é preciso ser jornalista para se expressar com liberdade em qualquer veículo de comunicação. Essa é uma desculpa esfarrapada para esconder a verdadeira natureza da decisão do STF, que foi ideológica, para acabar com o diploma, uma conquista e não uma imposição dos censores. MESMOS MOLDES QUE A FORMADOS EM
JORNAL DA ABI – EM SEU LIVRO O PAPEL DO JORNAL, HÁ UM CAPÍTULO QUE FALA JUS-
riedade daquilo que é ensinado nas faculdades de Jornalismo.
TAMENTE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA EXIGÊNCIA DO DIPLOMA. NELE VOCÊ CONTA QUE
JORNAL DA ABI – MAS ALGUMAS FACULDA-
A TENTATIVA DE DERRUBAR ESSA EXIGÊNCIA É
DES DE JORNALISMO SÃO BEM CONCEITUADAS.
ANTIGA.
Alberto Dines – Poucas, diria exceções. Em geral, os alunos saem da escola muito mal-preparados. Um tempo atrás, quando ainda não existia o Observatório da Imprensa e trabalhávamos no Labjor, fomos chamados para fazer uma avaliação de duas escolas de Jornalismo de São Paulo. Foi terrível. Uma delas não reprovava, simplesmente nunca reprovou um aluno. Como é que você pode fazer isso? Você tem que reprovar, senão você está vendendo o diploma. O cara que não vem à aula não tem que ser reprovado? Sem falar de que alguns nem sabem escrever. E aqui vale uma crítica às próprias entidades corporativas, como a ABI e a Fenaj, que não se mobilizaram para combater o péssimo ensino. Nos anos 90, o Paulo Renato, Ministro da Educação no Governo FHC, montou uma comissão para discutir e rever o currículo de Jornalismo. A Fenaj escolheu seus representantes, entre eles o Nilson Lage. Mas no meio do caminho houve um debate, porque participar de tal comissão contradizia os interesses da Cut. Por causa disso, a Fenaj voltou atrás. Apenas o Lage continuou, como pessoa física. Quer dizer, foi realmente uma jogada política e ideológica porque a Cut não estava interessada. Em meio a essas disputas de poder, quem saiu prejudicado foi o jornalismo. E nós esquecemos disso rapidamente. Digo “nós”, porque não interessa se o jornalista é de esquerda, de direita, de centro e ou de direito. Tal coisa era do in-
COMO COMEÇOU ESSA HISTÓRIA? Alberto Dines – Todo esse debate sobre o diploma começou há 24 anos, em 1985, quando a Folha de S. Paulo começou a reclamar contra o diploma. A história começa até antes, com a infeliz greve de 1979; infeliz, desastrada, burra, estúpida. A reação do patronato foi imediata; eles nunca se reuniam, passaram a se reunir. Não se davam e brigavam, mas se sentaram juntos, criaram logo depois, em 1980, a ANJ (Associação Nacional de Jornais). Combinaram uma série de coisas e uma delas era a luta contra o diploma, porque eles queriam renovar as Redações, porque os velhos que conheciam o bom jornalismo de antes de 1964 estavam ali e esses precisavam ser afastados. Então, a Folha saiu com a bandeira: “Sangue novo nas Redações”. Renovou a Redação com um pessoal recém-formado e usou como ponta-de-lança o Boris Casoy, que escrevia como colunista. Ele, inclusive, escreveu um artigo na última página de Veja e iniciou a campanha contra o diploma. A discussão esquentou e começou a se pensar se era ou não o caso de colocar o assunto na Constituição. Barbosa Lima Sobrinho e Mário Martins, grandes jornalistas e que eram da ABI, perceberam que se tratava de um casuísmo e disseram que aquilo não tinha cabimento. Mas o patronato se agarrou a isso de outra maneira, para acabar com o diploma. Um dos argumentos mais fortes então usados e que continua atual é a preca-
JORNAL DA ABI – MAS ARTICULISTAS GILBERTO DIMENSTEIN E CARLOS
COMO
BRICKMANN ESCREVERAM QUE A DECISÃO DO STF APENAS CONSAGRA O QUE, NA PRÁTICA, A IMPRENSA JÁ FAZIA HÁ MUITO TEMPO. DIMENSTEIN ATÉ ENFATIZA QUE A DERRUBADA DA EXIGÊNCIA DO DIPLOMA ACONTECEU EM RESPEITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO CONSIGNADA NA CONSTITUIÇÃO. Alberto Dines – Respeito o Brickmann, quando ele se posiciona contra o diploma. É legítimo um jornalista ser contra o diploma e ele é um rapaz sério, escreve até no Observatório, com base em sua experiência, mesmo como fundador do Jornal da Tarde. Não é o que faz o Dimenstein, que diz coisas que não dá para levar a sério, como apelar para a liberdade de expressão para invalidar a obrigatoriedade do diploma. Desde quando quem não é Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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DEPOIMENTO ALBERTO DINES
UMA DECISÃO DANOSA POR ALBERTO DINES
“O jornalista é um agente social, cultural, um defensor da sociedade, um intermediário entre vários segmentos da sociedade.” jornalista não pode se expressar? Mas ser jornalista não é como ser escritor. O jornalista tem uma função institucional na sociedade que exige formação e preparo específicos. O sistema democrático compreende os três Poderes instituídos e um informal que é o quarto Poder – a imprensa. O jornalista é deste quarto Poder, ele tem que ser treinado para isso. Ele não vai ser treinado na Redação, no corre-corre; ele tem que parar para pensar, ouvir outras pessoas para que ele possa se conscientizar da importância do seu papel. Isso só pode acontecer numa universidade boa, porque numa universidade ruim ele vai ganhar o diploma e nunca vai parar para discutir a qualidade do que aprendeu. Pensando nisso, escrevi um artigo perguntando: Você contrataria o Gilmar Mendes para dirigir o seu jornal?. Claro que ele não seria um bom diretor de jornal. Não discuto que ele possa ser um bom juiz, mas para dirigir um jornal não basta conhecer leis e ter boa cultura. JORNAL DA ABI – VOCÊ JÁ FOI PROFESSOR DE JORNALISMO. COMO FICAM OS CURSOS DE JORNALISMO AGORA? HÁ ATÉ QUEM APOSTE QUE DEVERIAM SE TRANSFORMAR EM EXTENSÕES DAQUELES TREINAMENTOS FEITOS POR JORNAIS E REVISTAS...
Alberto Dines – É difícil especular sobre o futuro dos cursos de Jornalismo. Mas se não houver uma melhora, não dá para esperar muita coisa. O Ministro da Educação, Fernando Haddad, tem boas idéias e montou uma comissão de avaliação curricular. Confio nele, mas não nessa indústria, porque vários cursos se transformaram em uma indústria de vender diploma. Não há qualidade no corpo docente e pen20 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
sam que apenas ter um pequeno estúdio de rádio já basta. Isso não é o mais importante, depende do que eles estão ensinando, os pressupostos que eles têm a partir da profissão. Em relação aos cursos de treinamento, faço apenas uma ressalva. Quando foram criados, eles foram muito positivos. A Editora Abril começou o curso de revistas em 1983. Eu mesmo o dirigi nos primeiros anos. As escolas de Jornalismo formavam jornalistas de jornal e não tinham a visão das especificidades do jornalismo de revista. O curso foi criado em convênio com o Sindicato de São Paulo, que supervisionava. Fazíamos um teste e os melhores eram escolhidos e tinham estágio nas revistas. A Veja teve vários editores importantes que saíram do curso da Abril. Foi uma coisa extremamente positiva, nesse caso específico. A escola de Jornalismo não tinha preocupação com revista, que é um jornalismo diferente. Agora, depois disso, virou bagunça, virou promoção, marketing. JORNAL DA ABI – NA EUROPA E NOS ESTADOS UNIDOS NÃO EXISTE A OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA DE JORNALISMO, MAS AS EMPRESAS PREFEREM CONTRATAR PROFISSIONAIS FORMADOS NA ÁREA. É POSSÍVEL CHEGARMOS A TAL NÍVEL AQUI NO BRASIL? Alberto Dines – Basta as empresas de jornalismo decidirem fazer isso. O Grupo Globo foi o primeiro a se manifestar: “Vamos manter as mesmas exigências como se nada tivesse acontecido”. Achei legal, mas não é o bastante. O interessante é voltar ao status quo anterior porque o fim do diploma não é só o fim do diploma, é também, do jeito que o Gilmar Mendes colocou no parecer dele, o fim da profissão como um ofício reconhecido institucionalmente. Entendeu? Uma função institucional dentro da sociedade. Isso é que está embutido no parecer dele. Ainda falando sobre experiências de fora, outra possibilidade para regulamentar profissionais que queiram exercer o jornalismo, mas são formados em ou-
Difícil avaliar o que é mais danoso: a crítica do Presidente Lula à imprensa por conta das revelações sobre o comportamento do Senador José Sarney (PMDB-AP) ou a decisão do Supremo Tribunal de eliminar a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. São casos diferentes, porém igualmente prejudiciais à fluência do processo informativo. E exibem a mesma tendência para o sofisma, a ilusão da lógica. Fiquemos com a decisão do STF. Embora irreversível, não é necessariamente a mais correta, nem a mais eficaz. A maioria do plenário seguiu o voto do Presidente da Corte, Gilmar Mendes, relator do processo, que se aferrou à velha alegação de que a obrigatoriedade do diploma de jornalista fere a isonomia e a liberdade de expressão garantida pela Constituição. Para derrubar esta argumentação basta um pequeno exercício estatístico: na quarta-feira em que a decisão foi tomada, nas edições dos três jornalões, dos 29 artigos regulares e assinados, apenas 18 eram de autoria de jornalistas profissionais, os 11 restantes eram de autoria de não-jornalistas. Esta proporção 60% a 40% é bastante razoável e revela que o sistema vigente de obrigatoriedade do diploma de jornalismo não discrimina colaboradores oriundos de outras profissões. No seu relatório, o Ministro Gilmar Mendes também tenta contestar a afirmação de que profissionais formados em jornalismo comportam-se de forma mais responsável e menos abusiva. Data vênia, o MinistroPresidente da Suprema Corte está redondamente enganado: nas escolas de jornalismo os futuros profissionais são treinados por professores de ética e legislação e sabem perfeitamente até onde podem ir. É por isso que na Europa e Estados Unidos, onde não existe a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, são as empresas jornalisticas que preferem os profissionais formados em jornalismo, justamente para não correrem o risco de serem processadas e punidas com pesadas indenizações em ações por danos morais. O STF errou tanto no caso da derrubada total da Lei de Imprensa como no caso do diploma. E foi induzido pela mesma miopia. Publicado no site Observatório da Imprensa no dia 18 de junho
JORNAL DA ABI – NOS ÚLTIMOS DIAS, VÁRIOS PARLAMENTARES TÊM SE MOBILIZA-
‘ROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE GARANTA A OBRIGATORIEDADE DO DIPLOMA. VOCÊ ACHA DO PARA ELABORAR UMA
QUE A DESREGULAMENTAÇÃO EM VÁRIAS PROFISSÕES É UMA TENDÊNCIA OU ESSAS INICIATIVAS PODEM DAR CERTO?
Alberto Dines – Precisamos examinar isso. O Miro Teixeira, um jornalista experiente e não diplomado, já tinha nos adiantado sobre essa mobilização e acho válida. Também temos que repensar esse negócio da Lei de Imprensa, que, por ser entulho autoritário, deve ser totalmente excluída. Em ambos os casos, devemos ter uma visão construtiva. Depois, há outra coisa que todos estão esquecendo: no fim dos anos 1990, começo de 2000, houve a discussão sobre um anteprojeto de uma nova Lei de Imprensa, preparado com muito cuidado por todas as partes e de autoria do Deputado goiano Vilmar Rocha, do PFL. Foram dois ou três anos, muitas experiências internacionais, acordo entre a ANJ e a Fenaj. Pronto para entrar em votação, foi engavetado e lá permanece até agora. Por que não foi para a frente? Porque preferiram apostar no conceito da desregulamentação, uma histeria por parte do patronato. Nem nos Estados Unidos, a pátria da desregulamentação, funciona assim. Lá existe a FCC-Federal Communications Commission, órgão regulador da área de telecomunicações e radiodifusão dos Estados Unidos, criado em 1934, que, mesmo esvaziada como foi pelo Bush, ainda tem mais força do que qualquer coisa aqui no Brasil. Ela multa e tira televisões do ar, proíbe o cruzamento de propriedade. Aqui eles querem acabar com tudo e não se incomodam se estão sendo injustos, acabando com o oficio do qual deveriam ter orgulho. Enfatizo: a exigência do diploma era da categoria. O jornalista não é apenas um sujeito que vai para a televisão e fala qualquer coisa. Ele é um agente social, cultural, um defensor da sociedade, um intermediário entre vários segmentos da sociedade. Na Redação ele não vai aprender a ser um comunicador. Não há tempo. JORNAL DA ABI – SOBRE A LEI DE IMPRENSA E O DIREITO DE RESPOSTA PARECE NÃO HAVER UM CONSENSO ENTRE OS JURISTAS, POIS MUITOS ACHAM QUE NÃO É NECESSÁRIA UMA LEI ESPECÍFICA PARA ISSO.
tras áreas, é exigir, como nos Estados Unidos, outro diploma, no caso um mestrado profissionalizante. Só que lá não é obrigatório, é algo natural. Você faz Ciências Sociais e depois um mestrado profissionalizante em Jornalismo, em dois semestres. As Redações ficam com gente muito mais habilitada, até um pouquinho mais velha, com um ou dois anos a mais. São coisas que nunca se discutiu porque havia tabus, tanto de um lado como de outro – tabu patronal, que exigia o fim do diploma, e tabu sindical, para não discutir nada.
Alberto Dines – Reunimos em um de nossos programas vários juristas importantes, entre eles o ex-Ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Realmente, há quem discorde se a Lei de Imprensa deveria ser jogada toda fora, como entulho autoritário, mas todos admitem que é preciso um novo entendimento sobre como vão ficar as coisas agora, se haverá outro código ou se alguma lei já existente passará a regular o assunto. Para não haver indenizações absurdas e abusos, como costuma acontecer no Brasil.
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DEPOIMENTO ALBERTO DINES
JORNAL DA ABI – VOCÊ VEIO PARA O JORNALISMO NUMA ÉPOCA EM QUE NÃO ERA NECESSÁRIO O DIPLOMA.
POR QUE SE TOR-
NOU UM DEFENSOR DO DIPLOMA?
Alberto Dines – É curioso, mas não fiz nenhuma faculdade na vida. Porém, ao longo de mais de cinqüenta anos de carreira convenci-me de que o único lugar onde o jornalista pode refletir sobre a sua profissão e compreender as especificidades dessa profissão é numa escola de Jornalismo. Nos anos 1960, quando já tinha mais de uma década de profissão e era editor-chefe do Jornal do Brasil, fui convidado pela Puc do Rio para ser professor. Resolvi aceitar porque, mesmo que meu tempo fosse restrito e que o trabalho não fosse remunerado na faculdade, teria uma chance única de organizar minha experiência daqueles onze anos de carreira. Quer dizer, eu estaria aprendendo. Mas não por ser um estudante, mas por por sistematizar o que tinha vivenciado. Durante nove anos, continuei lá. É na escola, na academia – se fizer da escola de Jornalismo realmente uma academia – que você pode refletir, evoluir, parar para pensar. A partir disso, voltei minha atividade jornalística para a produção de publicações especializadas, como foi o caso dos Cadernos de Jornalismo do JB, em 1965. Assim, durante quase dez anos, duas vezes por ano, eles eram publicados, discutindo uma atividade nada comum, que é o jornalismo. Esses cadernos, pioneiros na imprensa brasileira, começaram depois que fui aos Estados Unidos e vi no The New York Times que eles tinham um jornal mural onde havia textos de gozações e brincadeiras sobre o jornalismo. JORNAL DA ABI – DENTRO DO JORNAL? Alberto Dines – Dentro do jornal, no mural. Havia concursos e promoções internas, avaliando a qualidade do que produziam, algo bem americano. Eu achei legal e tentei fazer isso à maneira brasileira, com artigos e análises. O Fernando Gabeira, naquele tempo diretor da área de pesquisa do JB, foi quem me ajudou a materializar a idéia e fazer os primeiros números. A imprensa deve ser discutida, de preferência nas suas próprias páginas ou em veículos especializados. JORNAL DA ABI – SEU LIVRO O PAPEL DO JORNAL, QUE FAZ 35 ANOS NESTE ANO, TAMBÉM SURGIU NESTE PROPÓSITO DE DISCUTIR O JORNALISMO?
Alberto Dines – Também, mas foi diferente. Fui demitido do JB com muita violência. Depois disso, ninguém quis mais me contratar e as portas se fecharam mesmo. Fui aconselhado a ir para os Estados Unidos, porque aqui
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“O jornalismo obriga o jornalista a ser crítico, inclusive com a sua própria atividade. É a única profissão em que você tem que ser cético, inclusive com o que está fazendo.”
to o JB publicou uma nota fria informando burocraticamente que “A partir de ontem, o Sr. Alberto Dines não é mais o editor-chefe do Jornal do Brasil”, O Globo soltou um texto, escrito pelo Evandro Carlos de Andrade, a pedido do Roberto Marinho, abrindo assim: “O que o JB devia ter escrito ontem é” e tecendo um baita elogio ao meu trabalho. JORNAL DA ABI – ROBERTO MARINHO É TIDO POR ALGUNS COMO VILÃO, POR OUTROS
havia muita gente que não me queria exercendo o jornalismo. Fiquei quase dois anos lá. Nessa época, resolvi fazer um livro contando a minha experiência, as minhas reflexões. Novamente, fiz um auto-exame, uma reflexão e ofereci aquilo aos jornalistas. Tanto caiu no gosto do público, que a primeira edição rapidamente se esgotou e a obra virou referência. Até hoje o livro continua saindo. Agora será publicada a nona edição, revista e ampliada. A cada atualização, uma nova camada é acrescentada, sobrepondo os textos iniciais. JORNAL DA ABI – SÓ VOCÊ FOI DEMITIJB? Alberto Dines – Eu e diversas outras pessoas. Foi um golpe meio anti-semita. Por exemplo, mandaram embora a Clarice Lispector, apenas porque ela era judia e minha amiga. Quem estudou esse episódio muito bem e o abordou diariamente com uma coragem fantástica foi o Hélio Fernandes, durante duas semanas em sua coluna. O resto da imprensa ficou em silêncio. No total, saíram mais umas dez pessoas. Quem vinha à minha casa prestar solidariedade era demitido no dia seguinte. Enquan-
DO DO
COMO HERÓI.
QUAL DESTAS FACES CORRES-
PONDE À REALIDADE?
Alberto Dines – As pessoas que não querem ver a complexidade do ser humano resolvem colocar tudo na vala comum e não é bem assim. Primeiro, ele era um jornalista. Era dono do jornal, mas a sua reação inicial era sempre de um jornalista. E ele tentou, como todos os jornalistas, criar e desenvolver o seu império. Chateaubriand fez a mesma coisa, Samuel Wainer tentou também. Nada diferente do que tantos outros fizeram ou fariam. JORNAL DA ABI – CHATEAUBRIAND ERA
entre a TV Globo e o SBT, que tem desprezo pelo jornalismo – o Sílvio Santos abomina jornalismo –, aí eu fico com a Globo, onde eu nunca trabalhei. JORNAL DA ABI – E O TELEJORNALISMO DAS DEMAIS GRANDES REDES ABERTAS?
Alberto Dines – A Bandeirantes, de vez em quando, tenta fazer alguma coisa, mas não tem recursos. E a Record também não tem a tradição, e só tem interesse. Além do mais, a Record nos faz voltar a pensar no velho debate entre Igreja e Estado. Um meio de comunicação, que é uma concessão da sociedade, não pode estar filiado a uma crença, e nem pode estar filiado a descrença também. Ele tem que ser secular, ser laico. Pode haver um programa sobre religiões, a favor ou contra a evolução, é legítimo. Agora, não pode ser propriedade de uma seita ou confissão religiosa. No Brasil, temos a Igreja Católica dominando todo um pedaço, os protestantes dominando outro pedaço. E não sobra nenhum espaço para o pensamento independente, liberal sob o ponto de vista filosófico.
UM AUTÊNTICO REPRESENTANTE DO CAUDILHISMO JORNALÍSTICO DOS ANOS 1930 E 40.
JORNAL DA ABI – VOCÊ ACHA QUE FAL-
Alberto Dines – Sim, ele era de uma geração anterior. Também era muito mau administrador; Roberto Marinho, não; era um empresário, com intuição de organização e administração. Eu não o colocaria como vilão da história. O telejornalismo no Brasil é ruim, mas o telejornalismo da Globo é melhor. Sempre há um padrão de qualidade mínimo, e não é só o visual, jornalisticamente também. Posso discordar, fazer muita coisa diferente. Mas reconheço esses pontos positivos. Posso, por exemplo, achar um absurdo os comentários no Jornal da Globo sobre a vitória do Corinthians, que só falavam de euforia e não alertavam para os riscos de um quebra-quebra. A posição da mídia eletrônica é sempre incentivar a euforia para aumentar a audiência. Agora,
TA HOJE ENTRE OS JORNALISTAS ESSA CAPACIDADE, ESSA VONTADE DE REFLETIR SOBRE A MÍDIA NO PAÍS? E TAMBÉM DE PESQUISAR E SE APROFUNDAR, COMO
VOCÊ TEM FEITO? Alberto Dines – A cadeira de História da Imprensa praticamente não existe no Brasil. Só o fato de não ser obrigatória já é um absurdo. Quer dizer, você forma um profissional sem que ele tenha noção da História da sua profissão. Agora, se você pegar o número 1 do Correio Braziliense, ali tem uma aula de jornalismo escrita há 200 anos, absolutamente atual e escrita em bom português. Por isso, apostamos e editamos a coleção fac-similar em 29 volumes, completa. Sem um bom jornalismo não existe uma boa historiografia. O historiador vai se basear em quê? Em jornais, claro. Antes de ter jornais,
ele tinha que pegar outra documentação. Mas há 400 anos ele vai em cima dos jornais. JORNAL DA ABI – VOCÊ PENSAVA EM CONSTRUIR SUA CARREIRA TRABALHANDO NA CRÍTICA À IMPRENSA?
QUANDO COMEÇOU? NAQUELA COLUNA JORNAL DOS JORNAIS, DA FOLHA DE S. PAULO? Alberto Dines – Não pensava em fazer análises e críticas, mas sempre fui coerente em meu trabalho, coisa que percebo agora. Quando fui lecionar, criei a disciplina de Jornalismo Comparado para fazer comparações entre um jornalismo e outro – de jornal, de revista, de vespertino, de matutino. O jornalismo vespertino era uma coisa, o matutino era outra. Jornais metropolitanos eram diferentes daqueles do interior. Já era uma visão crítica, uma tentativa de visão crítica. Depois vieram os Cadernos do JB, o livro. Nos Estados Unidos, acompanhei o final do caso Watergate e acompanhei as grandes discussões da mídia na campanha contra Nixon. Quando voltei, trouxe na bagagem a idéia de fazer discussões aqui também, ainda mais por estarmos debaixo da censura. E o Octávio Frias topou. Assim, surgiu o Jornal dos Jornais, que durou dois anos na Folha. Quando o jornal foi forçado a recuar, fui fazer no Pasquim o Jornal da Sexta, em tom mais brincalhão e humorado. E por aí continuei. O jornalismo obriga o jornalista a ser crítico, inclusive com a sua própria atividade. É a única profissão em que você tem que ser cético, inclusive com o que está fazendo. O sacerdote não precisa ser crítico da religião, senão abandona o hábito no dia seguinte (risos). O médico também.
JORNAL DA ABI – O OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA TAMBÉM NASCEU A PARTIR DESSA VISÃO? Alberto Dines – O Observatório da Imprensa é filho de uma iniciativa feita na Unicamp, o Laboratório de Altos Estudos de Jornalismo (Labjor), que era um núcleo de estudos e atividades. A Universidade de Campinas nunca teve graduação de Jornalismo nem de Comunicação, nunca quis isso. Mas desejava atuar na área de pós-graduação. Para isso, nos convidou para montar o Labjor. Nele geramos várias iniciativas e projetos, um deles um debate sobre a mídia junto à sociedade, porque chegamos à conclusão de que não adiantava ficar fazendo revistas ou jornais ou qualquer coisa só para o meio, só para a corporação. A sociedade precisava ser envolvida, pois é servida pela mídia. E, por coincidência, naquela época começou a existir efetivamente a internet. Como não tínhamos dinheiro para imprimir uma revista, fomos para a rede. Nosso primeiro artigo, escrito por mim, em 1996, era contra o José Sarney, também então Presidente do Senado, porque ele estava atravancando a votação do Conselho de Comunicação Social.
JORNAL DA ABI – O OBSERVATÓRIO NA TELEVISÃO ESTÁ PASSANDO POR UMA REFORMULAÇÃO? Alberto Dines – Esta reformulação está sendo discutida há um ano e agora começamos a implementar, pois conseguimos superar dificuldades técnicas. Dos 48 minutos de programa – a outra parte é comercial – mais de 20 agora vão para telejornalismo, reportagens e entrevistas que versam o tema do programa. Há pouco, durante a crise ética no Senado, fomos ao Maranhão para falar sobre os escândalos envolvendo o Sarney. O debate fica mais compactado, mais sintetizado, e o programa ganha dinâmica. Agora eu estou sozinho na mesa, antes havia uma apresentadora. Achamos que não funcionava. Ela era ótima, mas tem que ser eu mesmo. Agora estamos com um terminal ligado à bancada para a participação do pessoal. Ainda falta a mudança de cenário e outras surpresas que virão até o fim do ano. JORNAL DA ABI – O QUE VOCÊ PENSA TVE PARA TV BRASIL? Alberto Dines – Não mudou muita coisa, os bons programas continuaram. Alguns acabaram, mas aí existe uma conveniência política. A TVE foi criada com ajuda do Governo alemão para ser uma emissora educativa, isso nos anos 60. Mas ela se tornou um apêndice do Governo Federal. Dessa forma, decidiu-se investir em jornalismo e toda uma programação alternativa e não apenas educativa. O maior problema ainda é a falta de estrutura. Para nós, foi pior o que aconteceu com o nosso programa na TV Cultura, de São Paulo. Depois de dez anos, eles nos tiraram do ar alegando a concorrência com a TV Brasil, coisa que não acontece na prática. SOBRE ESSA MUDANÇA DE
JORNAL DA ABI – AINDA FALANDO SOBRE O TRABALHO NA CRÍTICA À IMPRENSA, COMO É SUA RELAÇÃO COM OS VEÍCULOS?
Alberto Dines – Eles me detestam (risos). Embora eu tenha amizade em quase todos – em quase todos não, em alguns deles –, em vários eu estou vetado, meu nome não sai, lista-negra mesmo. Coisas da vida. Eu não preciso, não vendo livros, não faço livros de sucesso, não sou um performático. Mas de vez em quando alguns veículos resolvem me mencionar, porque tenho outras atividades e escrevo sobre outros assuntos que não dizem respeito à mídia. Nessas ocasiões, eles dão uma colher-de-chá, mas com muita parcimônia e muita má vontade. E isso é grave, pois denota, não apenas em relação a mim mas também em relação a algumas outras pessoas, que existe ainda no Brasil a instituição da listanegra e mesmo da censura. JORNAL DA ABI – ALÉM DE JORNALISTA, VOCÊ TAMBÉM É BIÓGRAFO. Alberto Dines – Sim, a biografia é o gênero literário que aproxima a litera-
UMA SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS POR ALBERTO DINES Convém prestar a atenção a estas frases, escritas em bom português há 200 anos. "O indivíduo que abrange o bem geral de uma sociedade vem a ser o membro mais distinto dela. As luzes que espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil do que aquele que se destina a mostrar com evidência os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas." Explica-se: redatores das folhas públicas são os jornalistas e quem escreveu esta profissão de fé do jornalismo brasileiro foi o seu patrono, Hipólito da Costa, em 1808. Os oito ministros do STF que na quarta-feira declararam extinta a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo não o reconhecem como profissão específica porque desconhecem este texto lapidar. E o desconhecem porque nunca foi publicado num grande jornal. No ano passado, quando deveríamos rememorar e festejar juntos os 200 anos da fundação de uma imprensa livre, sem censura, os senhores de engenho da informação embargaram nossa festa. O sequestro de tão importante página de nossa história foi, porventura, perpetrado pelos diplomados em jornalismo? A camisa de força foi imposta à nossa sociedade pelos jornalistas que acreditam na especificidade da sua profissão? O chefe do Executivo novamente acusou a imprensa de denuncista. Seu aliado, o chefe do Legislativo, denuncia os "setores radicais da mídia" como responsáveis por desvendar a clandestinidade e a ilegalidade que imperam no Senado. E o chefe do Judiciário compara jornalistas a... chefes de cozinha. Na Dinamarca havia algo de podre, no Brasil estamos apenas diante de uma formidável sucessão de equívocos. Publicado no site Observatório da Imprensa no dia 19 de junho.
tura do jornalismo. Não é a ficção, é a biografia. Também foi por acaso que eu fiz essa opção; quando eu comecei a pensar nisso, falei: “É por aí mesmo que eu vou”. Trata-se de uma atividade literária, mas a atitude é jornalística. Pegar documentos, opiniões, fazer contrapontos. É jornalismo mesmo. JORNAL DA ABI – SUA ORIGEM É JUDAICOMO O SENHOR VÊ A COBERTURA QUE OS VEÍCULOS DA IMPRENSA BRASILEIRA FAZEM DO CONFLITO PALESTINO-ISRAELENSE? Alberto Dines – Não é uma cobertura natural. A grande imprensa parece incapaz de dizer que Israel está errado, traindo os ideais de sua criação ao não permitir a existência de um Estado palestino. Ninguém conseguirá dizer isso com medo de parecer anti-semita. Sou sionista, falo hebraico, falo idish, tenho uma cultura judaica. Mesmo CA, SEMITA.
sendo agnóstico, sinto-me à vontade na Sinagoga. Mas não vejo uma crítica natural, apenas os extremos, uma cobertura até passional. Às vezes, coisas absurdas, como a negação do Holocausto. Fico chocado porque eu perdi uma avó, uns cinco ou seis tios, não sei quantos primos, não sei como foi, no dia que foi, lá na Rússia. Eles não eram meliantes que foram pegos e fuzilados, não é bem assim. Então, ainda não há uma naturalidade na imprensa, mas alguns jornalistas já conseguem se equilibrar e apontar erros. Esse Governo Netaniahu está errado porque está fugindo, está traindo certos compromissos da partilha da Palestina. A Palestina, que foi uma entidade britânica, foi dividida por decisão da Onu, tendo o brasileiro Osvaldo Aranha como Presidente da Assembléia. Dividida em dois Estados. Todo mundo saiu para a rua feliz quando houve a partilha, ciente de que seria criado um Estado judeu depois de dois mil anos. Olha, se tudo mundo ficou feliz na ocasião, por que agora não admitem que a segunda parte seja implementada? Tem que ser, o Estado palestino é indispensável. JORNAL DA ABI – V OCÊ COMEÇOU A CARREIRA EM UMA ÉPOCA EM QUE FAZIA SUCESSO O CHAMADO NOVO JORNALISMO. ISSO TEVE ALGUMA INFLUÊNCIA SOBRE O SEU TRABALHO? Alberto Dines – Quando era repórter, gostava de praticar o jornalismo literário, mais profundo e com um texto bem elaborado. Publiquei vários textos assim na Visão e depois na Manchete. Apenas não o rotulávamos assim. Temos grandes nomes do jornalismo brasileiro que praticaram esse tipo de jornalismo: o Jânio de Freitas, o Carlos Alberto Tenório, primeiro jornalista brasileiro a entrevistar Fidel Castro em Cuba, em 1958, o Marcos Faerman, só para ficar em alguns. A escrita evolui e o jornalismo, sobretudo a partir da competição com a televisão, sentiu necessidade de se individualizar, de mostrar aquilo que a televisão não pode fazer. Mas não ficou apenas nos profissionais. O jornalismo convencional e os veículos também saíram lucrando. Seja com as grandes reportagens, seja com veículos como a revista Realidade e o Jornal da Tarde. O departamento de pesquisa do JB foi criado a partir da visão trazida pelo jornalismo literário. Tudo para permitir que as matérias tivessem uma densidade e não ficassem apenas no factual.
JORNAL DA ABI – HÁ ESPAÇO PARA ESSE JORNALISMO AINDA HOJE?
Alberto Dines – Claro. E há ótimas iniciativas. O Gabriel García Márquez faz um excelente trabalho com a Fundación Nuevo Periodismo Iberocamericano-FNPI. No Brasil, a Companhia das Letras lançou a coleção Jornalismo Literário, dirigida pelo Matinas Suzuki, e ainda há uma pós-graduação da Academia Brasileira de Jornalismo Literário. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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Aconteceu Mensagens na ABI CELEBRAÇÃO
CUMPRIMENTOS
Afinal, um Dia da Imprensa sem repressão
Aplausos às publicações da ABI
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lectual e cultural do País. O desenvolvimento social também envolve o trabalho democrático e republicano de uma imprensa livre, tópicos tão indissociáveis do protagonismo histórico da ABI. Nós, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, também contribuímos com o livre fluxo de informações por meio de nosso portal (www.mds.gov.br), no qual divulgamos de uma forma transparente todas as nossas políticas e resultados. Recebi e saboreei, com grande satisfação, o exemplar da edição de março do Jornal da ABI. Parabenizoo pela bela e informativa publicação, especialmente pela matéria na qual homenageia o jornalista Tarcísio Holanda, homem que devido ao seu profundo senso observador principalmente dos bastidores da política no Brasil contribuiu e contribui para o desenvolvimento de nossa imprensa. Gostei muito de saber um pouco mais sobre a trajetória desse excelente pro-
Ministro Patrus Ananias: elogios ao Jornal da ABI, ao catálogo Traços Impertinentes, a Tarcísio Holanda e aos irmãos Henfil e Betinho.
fissional e me diverti com a perspicácia dele durante o episódio sucedido entre ele e o Senador Virgílio Távora. Ao renovar meus agradecimentos pela lembrança e gentileza, aproveito para felicitá-lo pelo sucesso da exposição Traços Impertinentes. Eventos como esse auxiliam no resgate da memória de personagens de grande relevância para a História de nosso País, como foi o inesquecível Henfil. O cartunista, com seu combativo e alegórico humor gráfico, fez da crítica uma arma de resistência ao regime ditatorial. Juntamente com seu, não menos saudoso, irmão Betinho, foi um dos mais ardorosos defensores das liberdades democráticas e da justiça social. Desejo-lhe os mais sinceros votos de contínuo êxito em suas atividades, extensivos a todos da Associação Brasileira de Imprensa, bem como a toda a equipe do jornal. Cordialmente (a) Patrus Ananias, Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.”
OUTRAS MENSAGENS QUE NOS ENVAIDECEM DO VICE-PRESIDENTE JOSÉ ALENCAR
VALTER CAMPANATO/ABR
A ABI divulgou declaração de comemoração do Dia da Imprensa, celebrado neste 1º de junho, o qual pela primeira vez desde 1967 pôde ser festejado sem a repressão que a Lei de Imprensa representava desde a sua edição, em 9 de fevereiro daquele ano. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa dirige-se à comunidade jornalística e aos veículos de comunicação do País para saudar a passagem do Dia da Imprensa, que celebra a criação em Londres, em 1º de junho de 1808, do Correio Braziliense, que seu fundador Hipólito da Costa devotou à defesa da independência do Brasil e do progresso material e espiritual da futura nação independente. A comemoração do Dia da Imprensa neste momento de 2009 tem um significado especial para os jornalistas e veículos de comunicação do País, pois ocorre após a revogação total pelo Supremo Tribunal Federal da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), com a qual a ditadura militar estabeleceu uma forma de coerção permanente sobre a liberdade de informação e de opinião e expôs os profissionais de imprensa a severas sanções penais. Estamos a festejar o Dia da Imprensa, pois, sem a repressão que esse texto legal representava. Ao assinalar a passagem do Dia da Imprensa, a ABI considera oportuno reafirmar seu compromisso de defesa dos quatro direitos que integram a liberdade de expressão, como definido há mais de 30 anos pelo seu inesquecível Presidente Prudente de Morais, neto: o direito de informar, o direito de acesso às fontes de informação, o direito de ser informado, o direito de opinião e, contido neste, o de discordar e de divergir. Esses princípios continuam a nortear a ação e as atividades da ABI neste seu 101º ano de existência, completados em 7 de abril passado. Rio de Janeiro, 1 de junho de 2009. (a) Maurício Azêdo, Presidente
Em extensa mensagem dirigida ao Presidente da ABI, o Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, felicitou a Casa pela qualidade da edição de março do Jornal da ABI (n° 339) e do catálogo da exposição Traços Impertinentes, realizada no Centro Cultural Justiça Federal, de 17 de março a 26 de abril passado, como parte das comemorações do centenário da entidade. Na mensagem, o Ministro Patrus Ananias presta homenagem ao jornalista Tarcísio Holanda, “homem que devido ao seu profundo senso observador principalmente dos bastidores da política no Brasil contribuiu e contribui para o desenvolvimento de nossa imprensa”, e ao cartunista Henfil, que “fez da crítica uma arma de resistência ao regime ditatorial”. Além da manifestação do Ministro do Desenvolvimento Social, a ABI colecionou outras confortadoras mensagens de estímulo ao seu trabalho na área do jornalismo e da produção editorial, como as que lhe foram dirigidas, entre outros, pelo Vice-Presidente José Alencar, pelo Senador Marco Maciel e pelo acadêmico Moacyr Scliar, todas marcadas pelo carinho com que acolheram essas publicações da Casa. A mais longa dessas mensagens foi a expedida pelo Ministro Patrus Ananias, com o seguinte teor: “Prezado Maurício, Ao cumprimentá-lo cordialmente, envio minhas congratulações pelo desempenho da Associação Brasileira de Imprensa, que contribui sobremaneira para o desenvolvimento inte-
MARCELLO CASALJR/ABR
Pela primeira vez desde 1967, o 1º de junho, Dia da Imprensa, pôde ser comemorado sem o totalitarismo da Lei dita de Imprensa.
O Vice-Presidente José Alencar, o Ministro Patrus Ananias, o Senador Marco Maciel e o acadêmico Moacyr Scliar felicitam a Casa pela qualidade do Jornal da ABI e do catálogo Traços Impertinentes.
“Agradeço-lhe a gentileza do envio de exemplar do Jornal da ABI, edição de abril de 2009. Na oportunidade, cumprimento-o e à prestigiosa Associação Brasileira de Imprensa pela qualidade editorial e gráfica da publicação, cujo conteúdo segmentado, dirigido à valorosa classe jornalística, desperta o interesse da sociedade em geral, pela análise de relevantes assuntos. Atenciosamente (a) José Alencar Gomes da Silva, Vice-Presidente da República.”
DO SENADOR MARCO MACIEL Caro Presidente jornalista Maurício Azêdo. Tenho a satisfação de registrar o recebimento da edição de abril/2009 do Jornal da ABI, que li com muito interesse. Com meus cumprimentos, agradeço a gentileza com que fui distinguido. Cordialmente, o apreço e o fraterno abraço do (a) Marco Maciel, Senador.”
DO ACADÊMICO MOACYR SCLIAR “Meu caro Maurício, só umas linhas para cumprimentar pelo notável Jornal da ABI, que não apenas traz excelentes colaborações sobre o jornalismo atual, como é uma grande contribuição no sentido de recuperar o passado cultural e histórico do Brasil. Receba, pois, os parabéns e o abraço do incondicional fã Moacyr Scliar.”
DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS “Recebi, com alegria, o exemplar do Volume 2 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI, publicação que contribui significativamente para o resgate da História da Associação Brasileira de Imprensa, constituindo, desta forma, uma fonte sobeja de consulta e pesquisa a todos os que buscam aprofundar seus conhecimentos sobre assuntos que foram notícia ao longo desses 100 anos da ABI. Aproveito a oportunidade para apresentar meus mais sinceros agradecimentos, desejando votos de sucesso e consideração. Atenciosamente (a) Conselheiro Severiano José Constantino de Aguiar, Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins.”
FABIO POZZEBOM/ABR
APELO
O MP REAGE À MORDAÇA PROPOSTA POR MALUF A Associação Nacional dos Membros do MP denuncia que projeto de lei do ex-prefeito visa a intimidar quantos investigam e relatam casos de uso criminoso dos dinheiros públicos. Em ofício encaminhado à ABI, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) pede a atenção da entidade para o repúdio que faz ao Projeto de Lei nº 265/2007, de autoria do Deputado Paulo Maluf. A proposta estabelece a responsabilidade de quem ajuíza ação civil pública, popular ou de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoal ou visando a perseguição política, por meio da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 (Lei de Ação Popular) e da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa). A proposição de Maluf foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e conseguiu o apoio das lideranças partidárias para que seja votado em regime de urgência. Para o Presidente da Conamp, Promotor José Carlos Cosenzo, a aprovação da proposta significará o cercea-
mento à liberdade da ação do Ministério Público: – Apesar de a propalada iniciativa, por declarações do próprio autor, visar à atuação dos membros do Ministério Público, a malfadada proposta, se aprovada, criará um temor impróprio e desnecessário às partes para a promoção da ação popular, ação civil pública e ação por improbidade administrativa. Na opinião de Cosenzo, o objetivo do deputado “é a responsabilização pessoal do agente em face de uma rejeição futura da demanda, baseada numa avaliação subjetiva de temeridade, promoção pessoal ou má-fé”. No documento encaminhado à ABI o Presidente da Conamp expressa a sua preocupação com a intenção do projeto de lei do deputado: “Na prática a proposta de Maluf aumentará a possibilidade de infratores ficarem impunes, ante o temor justificado do autor popular, da entidade le-
Maluf: Um projeto de lei que aumenta a possibilidade de impunidade de infratores.
galmente constituída para ajuizar ação civil pública, de promotores e procuradores, que passariam a ter a obrigação pessoal e não mais institucional, de obter uma condenação do réu”. O temor do Presidente da Conamp é endossado pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino, que em entrevista ao site Consultor Jurídico (Conjur), do Estadão, disse que “mais uma vez o objetivo do projeto é inibir o Ministério Público de maneira auto-
ritária”, afirmou Nicolao Dino. Em última análise, segundo a Conamp, o projeto compromete seriamente a liberdade de ação ministerial e de autores populares, além de entidades regulamentadas: – Cria obstáculos à promoção de demandas revestidas de inequívoco interesse público. Manejadas majoritariamente pelo Ministério Público, tais ações são instrumentos de consolidação do Estado Democrático de Direito”, afirma José Carlos Cosenzo.
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Aconteceu na ABI DEBATE
A MÍDIA CRIMINALIZA A POBREZA Seminário promovido pela Comissão de Direitos Humanos da ABI põe em discussão a questão da violência no Rio e o tratamento que lhe dão os veículos de comunicação. Em alguns casos a mídia justifica as ações que ignoram direitos constitucionais dos moradores de comunidades populares.
A Comissão de Direitos Humanos da ABI promoveu no dia 16 de junho o debate Mídia e violência, no qual jornalistas, cientistas sociais, pesquisadores, autoridades e representantes de movimentos populares e de associações de moradores discutiram durante a tarde inteira a situação da violência na cidade do Rio de Janeiro e o tratamento que os veículos de comunicação dão à cobertura das ações policiais em comunidades populares – há jornalista que justifica a violação de direitos constitucionais dos moradores e considera que a menção a direitos humanos pode tornar o jornal “uma chatice”. Ao lado do jornalista Wilson Fadul Filho, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, destacou ao dar início ao debate a relevância da discussão do papel da imprensa no contexto da violência no País. “Gostaria de dar os parabéns ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Wilson Fadul Filho, pela iniciativa de colocar em debate este tema e pelo convite feito ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, Wadih Damous, que tem uma militância muito forte na questão dos direitos humanos, principal alvo das ações de violência no Estado. Quando houve o seqüestro da equipe de reportagem do jornal O Dia em maio passado, o Dr. Damous teve a iniciativa de promover um concorrido ato na sede da OAB, que se constituiu em forte elemento para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou a ação das milícias no Estado do Rio de Janeiro” – disse o Presidente da ABI. Wadih Damous abriu o encontro com a palestra A Relação da OAB Com os Mecanismos de Combate à Violência, declarou-se honrado em participar do evento e sublinhou a trajetória de luta pelas liberdades e a vocação cívica da ABI e da OAB: – A Ordem dos Advogados do Brasil e cada um dos seus membros têm o compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos e da de28 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
ABI ON LINE
POR CLÁUDIA SOUZA E B ERNARDO C OSTA
O Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, ao lado de Mauricio Azêdo e Wilson Fadul Filho, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI: A mídia trabalha com a noção de medo e proclama a necessidade de um Estado forte e repressivo.
mocracia, com a luta contra as injustiças sociais, em favor da sociedade e da cidadania brasileira. Esta tem sido a História da OAB desde a sua fundação na década de 30. Hoje, vivemos em uma democracia plena, mas o País registra altos índices de analfabetismo, pobreza, e violência, que atinge especialmente as camadas mais pobres da sociedade, muito particularmente no Rio de Janeiro. Ressaltou Damous que determinados princípios constitucionais, como o de inviolabilidade de domicílio, são comumente observados nos setores de melhor renda, ao contrário da realidade das favelas, morros e comunidades pobres, onde, disse, é comum a invasão das casas nas ações policiais, legitimadas pelos próprios magistrados que emitem mandados de busca genéricos: – Dificilmente veremos policiais chutando a porta de uma cobertura na Avenida Vieira Souto, em Ipanema. Quando a Polícia Federal chega à cobertura da Vieira Souto para prender alguém da alta burguesia, um banqueiro ou um senador, há uma grita geral da sociedade, inclusive da mídia, o que não acontece em relação ao cidadão de baixa renda. Quando faltam algemas, os policiais utilizam cordas para amarrar os pobres, como foi revelado em emblemática foto publicada no Jornal do Brasil há alguns anos, lembrando o tratamento dispensado aos escravos. As pessoas devem ser tra-
tadas de acordo com a lei, e a lei precisa valer para todos. A perspectiva dos excluídos Na opinião do Presidente da OAB, a grande mídia contribuiu para o fortalecimento de ideologias que atribuem à pobreza o potencial de perigo, inviabilizando a reflexão a partir da perspectiva dos excluídos, dos que sofrem a violência. Disse Wadih Damous que a mídia erra quando trabalha com a noção de medo, proclama a necessidade de um Estado forte e repressivo para garantir segurança à sociedade, apresenta a violência em forma de espetáculo e abandona os critérios críticos: – A chamada política de enfrentamento e de extermínio adotada por autoridades públicas tem um exemplo grave no episódio ocorrido recentemente numa comunidade de Senador Camará, quando um helicóptero da Polícia perseguiu e metralhou dois rapazes. No dia seguinte, dei uma declaração assinalando que aquilo era uma barbárie, e questionei a postura da Polícia. Durante uma semana recebi duras críticas, em especial na seção Cartas de Leitores de determinado veículo, que só publica opiniões que legitimam seu editorial. A questão da segurança pública no Brasil tem como base a criminalização da pobreza, a política de enfrentamento estabelecida no conceito de guerra, infelizmente legitimada por boa parte da sociedade bra-
sileira. A OAB deseja uma intervenção no sentido de clamar pelo princípio civilizatório em relação às políticas de segurança pública no País. Wadih Damous lembrou ainda que a criminalização da pobreza e a política de enfrentamento estão estampadas nas páginas dos jornais há anos, numa demonstração de que a imprensa brasileira não tem contribuído para o diálogo com a sociedade para a construção de uma política pública cidadã. – Precisamos de planejamento e investimentos nas áreas de segurança, educação, saúde, habitação, entre outros. Os movimentos sociais, entidades sindicais e instituições como a ABI e a OAB estão sendo convocados a recusar este tipo de ideologia baseada na exclusão e no preconceito, a apresentar alternativas e a formular iniciativas a partir de debates como este na ABI. Perguntado sobre a ascensão das milícias no Rio de Janeiro, o Presidente da OAB alertou que a imprensa costuma abordar as deficiências do aparato policial no Rio de Janeiro, o que, em sua visão, incentiva a ação de milicianos: – Vamos criar na OAB uma Ouvidoria para tratar das milícias, a partir da proposta de Deputado Marcelo Freixo, que buscou o nosso apoio neste sentido. A Ouvidoria será importante, pois as pessoas têm medo de encaminhar as denúncias a policiais, já que elas podem estar falando, na verdade, com um miliciano.
ABI ON LINE
Alexandre Freeland, Diretor de Redação de O Dia, Sílvia Ramos, Fadul Filho e Sílvia Moretzsohn (à direita): Os jovens infratores só viram notícia quando matam; quando morrem, não.
As maiores vítimas: negros jovens e pobres O Brasil é o sexto país mais violento do mundo, revela pesquisadora. Após a exposição do Presidente da OAB-RJ teve início a primeira mesaredonda do encontro, que reuniu Silvia Ramos, representante do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes-CeSeC; Sílvia Moretzsohn, professora de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense; e Alexandre Freeland, Diretor de Redação do jornal O Dia. Em sua intervenção, Silvia Ramos citou estatísticas alarmantes sobre a violência na América Latina, com enfoque na realidade brasileira,e destacou como a mídia poderia contribuir para mudar esta realidade: – Um estudo do CeSeC realizado em 2006 mostrou que a América Latina é o continente mais violento do globo, apresentando uma taxa de 36 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes. O Brasil, que apresenta taxa de 25 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes, é o sexto país mais violento do mundo. Quando este cenário é transportado para o Rio de Janeiro, disse a pesquisadora, os números crescem vertiginosamente, e de maneira concentrada, com a grande maioria dos assassinatos ocorrendo entre jovens negros, pobres, moradores de favelas e periferias da cidade. Para cada 100 mil habitantes, corresponde uma taxa 150 jovens brancos, entre 15 e 25 anos, assassinados por ano; enquanto para a população negra o número é elevado para 400 homicídios. Negro, a cor da morte – Essa é a cor da morte. Os homicí-
dios no Rio de Janeiro são concentrados de acordo com a faixa etária, cor da pele, grau de escolaridade e local de residência. Nos bairros da Zona Sul, as taxas de homicídio são consideradas civilizadas: entre 2 e 7 casos para cada 100 mil habitantes. Na Zona Norte, o número de pessoas assassinadas sobe para 80, na mesma proporção. Sílvia Ramos ressaltou que a violência ocorrida nas áreas periféricas do Rio de Janeiro encontra pouca visibilidade nos meios de comunicação, o que dificulta a mobilização da sociedade e das autoridades governamentais para que esse problema seja enfrentado. Sílvia Moretzsohn, professora de Comunicação da Uff, falou em seguida sobre a forma como os jornais noticiam as mortes nas regiões mais pobres da cidade: – As informações são publicadas diariamente como nota, no canto da página da editoria Rio, o que gera a banalização desses assassinatos. E não adianta dizer que o fato ocorreu de madrugada, o que impossibilitou o envio de um repórter, pois no dia seguinte nunca sai uma suíte. O problema é que os jovens infratores só viram notícia quando matam e não quando morrem. O caso do “Meia Hora” Outro ponto negativo apontado por Sílvia Moretzsohn se relaciona aos estereótipos expostos nos jornais, que, de acordo com ela, incentivam o preconceito e a violência. Como exemplo, citou a capa da edição do dia 17 de abril
de 2008 do jornal Meia Hora, que, em plena epidemia de dengue na cidade, trazia a imagem de um inseticida com o símbolo do Batalhão de Operações Policiais Especiais-Bope e a seguinte frase: “Bopecida, o inseticida da polícia – eficaz contra vagabundos, traficantes e assassinos”. Texto publicado na primeira página trazia a declaração de um coronel da Polícia Militar afirmando que “os marginais são os mosquitos do mal e o policial é o saneador”. Segundo Silvia Moretzsohn, quando o editor do Meia Hora foi questionado sobre a capa do jornal, argumentou: “Se toda vez que a Polícia matar dois ou três em uma operação nós formos ouvir os representantes dos direitos humanos, o jornal ia ficar uma chatice, e o primeiro a cair fora ia ser o leitor”. Para a professora este episódio constitui um flagrante da criminalização da pobreza na imprensa carioca. Alexandre Freeland, Diretor de Redação do jornal O Dia, iniciou sua palestra lembrando a morte do colega André Alexandre Azevedo, fotojornalista conhecido como André AZ, assassinado no dia 25 de fevereiro último quando passava de moto pela Avenida Brasil, em direção ao Centro da cidade. O caso ainda não teve desfecho: – O impacto desse episódio na Redação foi muito grande. Esta morte foi noticiada junto com diversos casos de assalto ocorridos no mesmo dia e na mesma via expressa. Ou seja, isso mostra que a violência está muito perto de nós todos. Um susto: o colete Na platéia, o representante da Associação de Moradores da Rocinha, Antônio “Shaolin”, questionou Freeland sobre a utilização de coletes à prova de bala por parte dos jornalistas.
– A primeira vez que levei um susto com a imprensa foi quando vi os repórteres entrando na favela de colete à prova de bala. Existe essa discriminação de classe por parte dos jornalistas? – indagou. Freeland concordou com o desconforto dos moradores, mas disse enfrentar um dilema: – É realmente muito chato quando o morador se depara com uma situação dessas, mas quando tenho que enviar um repórter para cobrir um tiroteio em determinada área tenho que cercá-lo de todos os meios de segurança possíveis. Se acontecer algo com o profissional, o responsável será o jornal que o designou para aquela pauta. O Diretor de Redação de O Dia considera que a imprensa tem evoluído na cobertura policial da cidade, embora reconheça que há muito a ser feito: – Acredito que os jornais têm procurado cobrir mais casos de segurança pública do que de Polícia, como tiroteios. Ainda estamos engatinhando nesse processo, mas já começamos a contextualizar os casos de violência da cidade. Mais pressão Ao final da primeira rodada de debates, Silvia Ramos classificou como fundamental a atuação das lideranças das associações comunitárias ao denunciar o que acontece dentro das favelas, mas fez uma ressalva: – Vocês têm que fazer mais pressão junto aos meios de comunicação, assim como fazem as grandes empresas. A Coca-Cola ou a Petrobras, quando são publicadas reportagens que as desagradam, seus representantes ligam para os jornais cobrando explicações. Você, Antônio, vai sair daqui hoje com e-mail e telefone do Freeland para questionar ou elogiar as reportagens de O Dia, estabelecendo esse canal de debate.
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Aconteceu na ABI ABI ON LINE
O líder comunitário Walace, da Rocinha, e o repórter Bartolomeu Brito, decano da reportagem de Polícia, ouvem o relato de Márcia Jacinto, cujo filho de 16 anos foi morto por policiais: “Nós, mães negras, pobres e moradoras de favela, não temos a quem recorrer”.
A dor de Márcia, mãe de um jovem de 16 anos assassinado por policiais “Se não conseguirmos provar que o Estado é responsável pela morte de nossos filhos, não temos direito a nada”, ela contou num desabafo. A segunda mesa-redonda contou com a particpação de Márcia de Oliveira Jacinto, da Rede Contra a Violência; do jornalista Bartolomeu Brito, repórter de O Dia; e Walace Pereira da Silva, Presidente da Associação de Moradores da Rocinha. Márcia Jacinto, cujo filho de 16 anos foi assassinado por policiais, em 2002, no Complexo do Lins, onde morava, criticou os chamados “autos de resis-
tência”. Esta justificativa, disse, não se enquadra no caso de seu filho: – A morte dele foi uma resposta que os policiais quiseram dar aos bandidos, pois quando foram na favela buscar o tradicional “arrego”, os traficantes negaram o pagamento. Então, mataram meu filho aleatoriamente, para mostrar quem manda. A representante do movimento social Rede Contra a Violência falou so-
bre as dificuldades que enfrentou para esclarecer o caso e provar que o filho não era um bandido: – Depois de cometer seus “autos de resistência”, os policiais retiram os corpos das favelas para impedir que a perícia seja feita. O Ministério Público também não teve nenhum interesse em investigar. Tive que correr atrás para investigar e descobri que a arma que apontaram como sendo do meu filho era registrada na Comarca de Itaboraí, onde um dos policiais envolvidos no assassinato respondia por homicídio. Márcia informou que no ano passado ganhou na Justiça o direito a uma indenização pelo assassinato, mas “por uma brecha da lei o Estado está recorrendo da sentença, o que pode levar
mais de 20 anos para a conclusão do processo”. – Ainda tem que ver se o Governo tem dinheiro para a indenização, mas para o Sérgio Cabral viajar não falta grana. Nós, mães negras, pobres e moradoras de favela não temos a quem recorrer. Fazemos as investigações sozinhas. Se não conseguirmos provar que o Estado é responsável pela morte de nossos filhos, não temos direito a nada – desabafou. Para Walace Pereira da Silva, Presidente da Associação de Moradores da Rocinha, as injustiças a que são submetidas as comunidades decorrem de falhas de investigação: – A Polícia e seu setor de inteligência são capacitados para resolver casos como este relatado pela Márcia, porém falta vontade. Disse Walace que o Estado entra nas favelas somente para matar e reprimir o tráfico, e não para melhorar as condições de vida daqueles que lá residem: – A pior violência é a falta de planejamento comunitário, a negligência do Poder Público em relação à saúde e educação nas favelas. Bartolomeu Brito, o mais antigo repórter dedicado às coberturas policiais em atividade no Rio de Janeiro, disse ver com bons olhos o policiamento comunitário implantado pelo Governo do Estado no Morro Santa Marta, em Botafogo; na Favela do Batã, em Realengo; e nos Morros Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme. Para que a iniciativa dê certo, porém, afirmou, é “necessária uma fiscalização de perto por parte da OAB e da ABI”.
Os haitianos, vítimas seculares do racismo em Cuba até à vitória da Revolução de 1959 Jornalista e cientista social cubano, que estuda esse tema há 17 anos, revela que em seu país eles eram discriminados até pelos negros. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Pesquisa de Raimundo Gómez revela as raízes do racismo em Cuba.
meios comunitários. Agora, estamos na luta contra os grandes meios que se opõem à nova ordem internacional da informação e da comunicação. É um combate ideológico em todos os sentidos – afirmou. Como cientista social e jornalista, Raimundo trabalha em duas linhas de pesquisa: uma sobre os meios de comunicação; a outra sobre o tema cidadania e discriminação racial. Este foi o tema da sua palestra no evento da Lasa na Puc, onde falou sobre a Dimensão da Desigualdade do Haitiano e Seus Descendentes em Cuba: – Este tema é fruto de uma pesquisa à qual me dedico há 17 anos e resultou inclusive em um capítulo do livro De Dónde Son los Cubanos?, que escrevi em colaboração com outros dois autores. Na obra, explicamos que na ABI ON LINE
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para a formação e capacitação de jornalistas de rádio, tv, cinema, revistas e jornais, que iriam atuar sobretudo nos
ABI ON LINE
Em viagem ao Brasil para participar de um congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa, na sigla em inglês), realizado na Puc-RJ, no qual fez uma palestra sobre o racismo em seu país, o jornalista e cientista social cubano Raimundo Gómez Navia visitou a sede da ABI, onde foi recebido por membros da Diretoria e pelo Presidente da Casa, Maurício Azêdo. Ele aproveitou para assistir à exibição do filme ¡Salud!, na sessão de lançamento da Mostra de Filmes Cubanos, promovida pelo Cine ABI em promoção conjunta com a Casa da América Latina, a Associação dos Cubanos Residentes no Brasil e a organização nãogovernamental Medical Education Cooperation with Cuba. Raimundo Gómez Navia graduouse em Jornalismo em 1972, pela Uni-
versidade de Havana, mas desde 1966 exerce a profissão, na qual atuou nas funções de redator, correspondente e editor-chefe. Atualmente trabalha para o jornal Juventud Rebelde, o segundo de maior circulação em Cuba, e dirige as Redações das revistas Juventud Tecnica e FEEM, esta última dirigida a estudantes secundaristas. Raimundo também é o chefe da equipe de jornalistas que trabalham na Rádio Havana. Entre os anos de 1987 e 1989, Raimundo Gómez foi Vice-Presidente para a América Latina do Programa Internacional para o Desenvolvimento das Comunicações-PIDC da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaUnescoUnesco: – Naquela época a minha função era atender a projetos
Professor quer reabrir a discussão sobre o Acordo Ortográfico Radicado em Brasília, Ernâni Pimentel defende a revisão do Acordo e prega racionalidade e coerência em suas normas: por que extensão se escreve com x e estender, que tem a mesma origem latina, tem de ser grafado com s? POR JOSÉ REINALDO M ARQUES
Em visita à sede da ABI, na noite de 19 de junho, o escritor e professor de Português Ernâni Pimentel veio pedir à Diretoria da Casa adesão ao manifesto Acordar melhor enquanto há tempo, o qual defende a realização de um amplo debate nacional sobre o novo Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa, de que o Brasil é signatário. Recebido pelo Presidente da ABI, Pimentel revelou que ficou surpreso ao tomar conhecimento de que a ABI também já havia se manifestado contra o Acordo. – A minha idéia era sensibilizar a ABI para que as discussões sobre o novo Acordo Ortográfico tenham prosseguimento e evoluir para benefício das novas gerações. Fui surpreendido quando ele pegou o Jornal da ABI e me mostrou o editorial, no qual a entidade protesta contra a forma como o novo Acordo Ortográfico foi estabelecido. O Professor Pimentel acha que o Acordo Ortográfico está naufragando, porque somente o Brasil o colocou em vigor, ao contrário de Portugal, que adiou a sua implantação. Ele informou que fez um estudo minucioso da reforma ortográfica e só depois disso passou a contestar algumas modificações. Ele critica a Academia Brasileira de Letras, instituição responsável pelo desenvolvimento da reforma: – Evidentemente que quem tinha que lançar o Acordo Ortográfico no Brasil era a Academia Brasileira de Letras. Mas eles alteraram 15 itens do Acordo, sem perceber que qualquer alteração do texto deveria ter aprovação do Congresso Nacional, segundo a própria lei que estabeleceu a vigência da reforma. Ernâni Pimentel classifica essa alteração de ilegal e acrescenta que esse foi o argumento e pretexto que Portugal usou para não seguir o Acordo. Ele lembrou que há um movimento naquele país contra a reforma liderado por um deputado, que já conta com mais de 110 mil assinaturas. Por causa dessa pressão, o Congresso português se dispôs a rediscutir a reforma ortográfica. Ele se referiu também ao fato histórico de Portugal nunca querer seguir uma regra ortográfica ditada pelo Brasil: – Desde 1836 os nossos poetas românticos sofriam com as pressões de Portugal contra as liberdades de eles escreverem de uma maneira brasileira. A nossa independência literária foi uma bandeira levantada quando deixamos de ser colônia. Mas Portugal nunca aceitou nada que pudesse representar uma independência lingüística do Brasil.
Pimentel recorre aos números para tulo ortografia se chama exceção, idéia criticar a atitude de Portugal em relaque defende no artigo A nova ortogração ao Brasil: fia e a escravização ao dicionário, no – Hoje nós temos 210 milhões de faqual aponta a exceção como um gralantes, dos quais 180 milhões são brave fator que na sua opinião está dessileiros. Portugal tem 10% disso. Se a motivando alunos e professores, “por gente pegar os outros países africanos meio de uma consciência coletiva de eles estão do nosso lado, porque temos incapacidade de escrita e de subordiuma história conjunta de colonizados. nação compulsória ao dicionário”. Eles têm mais simpaDiz Pimentel que é tia pelo brasileiro do necessário fazer uma que pelo português. pesquisa sobre os raRadicado em Brasídicais da língua, como lia, onde dirige um curforma de simplificar, so preparatório para por exemplo, o uso do concursos, Ernâni Pis e do x: mentel considera im– Por que a palavra portante que a sociedaestender se escreve de reflita sobre a necescom s e temos que essidade de aprimoração crever extensão com do Acordo – que foi penx? Em latim extendesado no século passado re e extencione se es– para adaptá-lo “à reacrevem com x, mas lidade prática e racional em português entrou do século XXI, período uma delas errada, no em que passa a viger”. caso o estender com s, Informou Pimentel gerando para nós 20 que no Distrito Fedepalavras com s e ouPimentel: Um estudo minucioso de ral todos os diretores contestação do Acordo Ortográfico. tras 20 com x. Não há de jornais já aderiram como decorar. Se exao manifesto; sua protendere gerou a palaposta tem sido defendida junto a divervra extensão, então todas as palavras sos segmentos da sociedade: com esse radical deveriam ser escri– Chegou o momento de começar a tas com x. falar. Por isto, estou dando palestras Revelou Pimentel que em 1980 fez para vários tipos de auditórios. Esse essa sugestão ao Professor Antônio Acordo nasceu atrasado, demorou 30 Houaiss, aqui no Rio. Quando saiu o anos. Foi pensado em 1980, assinado Acordo, decepcionou-se “com sua suem 1990 e colocado em vigor em 2009. perficialidade” e foi conversar com o Nesse período surgiu a internet. O Professor Evanildo Bechara: mundo mudou, principalmente em – Eu disse a ele que a língua tem quatermos de linguagem escrita. se 60 mil radicais e que nós havíamos Para Ernani Pimentel a reforma ordeixado escapar a oportunidade de simtográfica veio para confundir, principlificá-los. Antes do h, há três critéripalmente os jovens, com algumas reos para o uso do hífen, quando devegras que não fazem sentido. Para exemria ser um só. Ninguém pensou em plificar, falou sobre o uso do hífen: retirá-lo, já que ele não é mais pronun– Por que guarda-chuva e mandaciado. Se a reforma é ortográfica, só chuva têm uma só grafia com hífen interfere na escrita, não vai mexer com obrigatório, porém mandachuva está a pronúncia. O hífen também é desnecorreto sem hífen ou com ele (mandacessário, por isso deveria ter sido elimichuva)? Esse é apenas um exemplo. nado. A Alemanha fez isso, e simplifiIsso é a incoerência do Acordo. cou demais a sua regra ortográfica. É neste ponto, diz Pimentel, que reEsses foram os motivos que trouxeside a dificuldade das pessoas para enram o Professor Ernâni Pimentel ao Rio tender como escrever corretamente: de Janeiro, para buscar o apoio da ABI – Não há como convencer um aluno para a realização de um grande debasobre uma regra. Não existe um profeste nacional, do qual participem professor do Brasil, Portugal, Moçambique ou sores, jornalistas, psicólogos, gramátiqualquer outro país de língua portuguecos, advogados, entre outros membros sa que saiba escrever, porque as nossas da sociedade que lidam com a língua regras ortográficas são absolutamente como ferramenta de trabalho: ilógicas. Agora nós temos que avançar – Temos que discutir como vamos para poder baratear o ensino da língua. simplificar essas regras de ortografia, Ele afirma que algo que sempre atrapara que as próximas gerações aprenpalhou o ensino-aprendizagem do capídam a escrever com facilidade. ABI ON LINE
formação da sociedade cubana estão jamaicanos, haitianos, judeus e chineses. Disse Raimundo que os haitianos têm sofrido com o racismo em Cuba, desde antes da Revolução, em 1959, período em que os negros eram discriminados de todas as formas: – O haitiano que chegava a Cuba para trabalhar nas lavouras de canade-açúcar sofria mais ainda. Era discriminado pelos brancos, mas também pelos negros cubanos. Um cubano negro preferia ver sua filha morta a vê-la casada com um haitiano. Esta situação mudou com a Revolução. Informou o pesquisador que a legislação de Cuba proíbe toda manifestação de racismo e discriminação: – A Revolução eliminou a discriminação racial em Cuba. Durante 400 anos a sociedade cubana viveu com os fenômenos das desigualdades sociais e raciais. Mas passados 50 anos da Revolução o racismo ainda persiste na mente e nas atitudes do povo. Vemos isso inclusive nas piadas racistas, quando se diz que os negros não são inteligentes e nas manifestações sutis de intolerância religiosa. Com mais de 5 mil sócios, 25% dos quais residindo fora dos Estados Unidos, a Lasa é uma associação que reúne especialistas de todas as disciplinas e profissões, que se dedicam à promoção do debate intelectual, estudo e ensino sobre a América Latina e Caribe em todo o mundo. Esta é a segunda vez que Raimundo Gómez participa do Congresso da organização. A primeira foi em 2007, em Montreaux, no Canadá, do qual participaram 100 cubanos. Contou Raimundo que os cientistas cubanos tiveram dificuldades de participar desse Congresso por causa de uma suposta determinação do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos de que os cubanos não podem receber ajuda de custo: – Nenhum dólar pode ser repassado aos especialistas de Cuba. Diferentemente de outros pesquisadores, se quisermos participar dos congressos da Lasa temos que arcar com recursos próprios ou contar com a ajuda de universidades ou entidades de pesquisa. Raimundo acha que isso é um reflexo do bloqueio norte-americano a Cuba: – Sem querer polemizar a questão política, o fato é que o Governo dos Estados Unidos proíbe que haja intercâmbio cultural e acadêmico entre os seus cientistas e os especialistas cubanos. Isso tem dificultado a nossa participação. O bloqueio que eles chamam de embargo não é neutro, é uma realidade. Por causa dessa questão, disse, a direção da Lasa tem procurado realizar os encontros fora do território norte-americano.
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Aconteceu na ABI PCdoB lança Teses do seu 12° Congresso
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Eleição será em novembro, mas candidato João Tancredo já pôs seu bloco na rua. O advogado João Tancredo anunciou que seu programa como candidato às eleições na Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Estado do Rio de Janeiro, que serão realizadas em novembro, tem como objetivo principal fazer que a entidade continue apoiando as lutas da sociedade: – Em primeiro lugar, a nossa intenção é resgatar o compromisso de campanha de 16 anos, de levar de volta a OAB para as lutas da sociedade civil como um todo. O segundo ponto diz respeito às questões corporativas, como o desrespeito que vem sendo gerado na advocacia, por parte dos próprios profissionais e dos juízes, declarou João Tancredo. Disse Tancredo que esse é um problema grave, pois quando um advogado é desrespeitado cria-se uma situação que atinge a toda sociedade, pois esta fica sem representação na Justiça. Ele disse também que a sua candidatura pretende recuperar a Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de JaneiroCaarj, porque entende que a terceirização do organismo foi prejudicial para a categoria. Descrença na justiça Outra questão destacada pela plataforma João Tancredo é a expansão do mercado de trabalho: – Nós pretendemos melhorar a participação dos advogados no mercado de
trabalho, ampliar as oportunidades desses profissionais. Isto porque as chances de trabalho para os advogados estão ficando restritas. Essa situação, disse, deve-se ao fato de que pouca gente hoje recorre à Justiça, pois acha que esta é morosa: – As pessoas não vêem os resultados. Vejamos o caso da revisão da pensão dos aposentados. Quando o processo chega ao fim, quem acaba recebendo os direitos é a família, porque o requerente muitas vezes já morreu. Isto afasta a população. Eu costumo dizer que entrar na Justiça é fácil. Difícil é sair dela. Honra para a ABI O lançamento da candidatura de João Tancredo foi feito no dia 9 de junho, em ato realizado no Auditório Oscar Guanabarino, e contou com numerosa assistência de advogados e personalidades políticas, entre as quais o ex-Governador do Rio, Nilo Batista; o ex-Secretário de Justiça do estado, João Luiz Pinaud; o Vereador Eliomar Coelho (Psol); e o jornalista Milton Temer, Presidente do Diretório Estadual do Psol no Rio de Janeiro. A convite de Nilo Batista, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, fez a abertura do ato com um pronunciamento em que declarou que a Casa se sentia honrada em sediar tão importante manifestação, dada a colaboração que
manteve com a OAB durante a ditadura militar dos anos 60 a 80. Disse o Presidente da ABI que sua saudação não constituía violação do dever de isenção que a entidade tem em relação a esse pleito, dado que não lhe cabe influir em decisões relacionadas com outras instituições da sociedade civil. Com capricho e esmero A solenidade foi organizada com muito esmero pelos partidários da Chapa João Tancredo, os quais ofereceram refrigerantes e cafezinho aos convidados e promoveram a instalação de uma telona branca, que cobria toda a largura do auditório. Tendo ao fundo um cenário branco, os advogados de maior prestígio na categoria eram entrevistados para a propaganda eleitoral da Chapa. No palco do auditório, alugado pela ABI, foram colocadas mesas e cadeiras em substituição à grande mesa tradicional usada em atos realizados na Casa, nas quais tiveram assento Nilo Batista, João Luiz Pinaud e Milton Temer, entre outros. João Tancredo, 60 anos, foi Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, na gestão do atual Presidente Wadih Damous, com o qual entrou em divergência acerca de questões relacionadas com o papel institucional da representação da OAB no Rio de Janeiro.
UN PHOTO-JENNY ROCKETT
O Partido Comunista do Brasil programou para 10 de julho, no Rio, o lançamento das Teses do seu 12° Congresso, cuja plenária final será realizada no dia 5 de novembro, no Centro de Convenções Anhembi, em São Paulo. A divulgação das Teses foi anunciada pela Presidente do Comitê Estadual do Rio de Janeiro do PCdoB, Ana Rocha, em encontro que manteve no dia 15 de junho com o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. Ana Rocha, que veio à ABI com outros dirigentes do PCdoB, explicou que as Teses constituem o roteiro para as intervenções dos membros do partido, desde os organismos de base até aos órgãos de direção nacional, e contemplam questões relacionadas com a luta do PCdoB pela implantação do socialismo no Brasil. Ela manifestou interesse também pela realização da reunião estadual relativa à Conferência Nacional de Comunicação, convocada para dezembro próximo, a qual, disse, poderá oferecer importante contribuição à democratização da comunicação no País. O Presidente da ABI informou à delegação visitante que a Casa apóia a Conferencia Nacional de Comunicação, mas não terá uma participação direta na sua organização, porque foi esquecida no decreto presidencial que criou a Comissão Organizadora da Conferência. Disse Maurício Azêdo que a ABI lamentou essa omissão, porque os redatores do decreto se esqueceram de que é ela a mais antiga instituição de imprensa do País. Além de Ana Rocha participaram do encontro o Presidente do Comitê Municipal do PCdoB, Jorge Barreto; o Secretário Estadual de Comunicação do Partido, Wevergton Brito; Carlos Henrique Miranda, membro do Comitê Estadual, e Marcos Pereira, da Comissão Estadual de Comunicação do PCdoB, os quais fizeram entrega de exemplar de publicações do Partido: revista Princípios, que chegou à sua centésima edição e é acompanhada de um dvd pelo qual se podem conhecer os textos de todas as matérias contidas nas cem edições da publicação; O Antiimperialismo – Caminho Para Libertação dos Povos, de José Reinaldo Carvalho; Contribuições do Cebrapaz à Assembléia do Conselho Mundial da Paz, editado pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta Pela Paz-Cebrapaz, e 10° Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, realizado de 21 a 23 de novembro passado, em São Paulo.
Sucessão na OAB começa com ato na ABI
CONSELHO
Repúdio ao golpe militar em Honduras Micheletti, que tomou o lugar do Presidente Zelaya, é um usurpador, diz o Conselho da ABI. Após intenso debate, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou no dia 30 de junho uma moção de repúdio ao golpe militar em Honduras e reclamou a volta ao poder do Presidente Manuel Zelaya, destituído e deportado para a Costa Rica após ser preso pelos golpistas, que invadiram seus aposentos quando dormia e não lhe permitiram sequer tirar o pijama e vestir roupas compatíveis com a dignidade do cargo que ocupava. O Conselho lamentou que a ação dos militares hondurenhos possa restabelecer o ciclo de golpes de Estado que a América do Sul tinha interrompido há cerca de três décadas. Decidiu o Conselho que a ABI se dirija ao Governo de Honduras reclamando o restabelecimento da legalidade
Manuel Zelaya: acordado para ser deposto e embarcado de pijama para a Costa Rica.
democrática, que constitui uma questão de honra para os povos sul-americanos, após o prolongado período de supressão das liberdades públicas e dos direitos civis iniciado nos anos 60. No entender da ABI, o Presidente empossado pelo Congresso, Roberto Micheletti, é um usurpador, cuja permanência no poder ofende as aspirações de de-
mocracia do povo hondurenho. Participaram do debate, que foi o principal tema da reunião de junho do Conselho, os Conselheiros Rodolfo Konder, José Pereira Filho (Pereirinha), Pery Cotta, Presidente do Conselho, Ângelo Fernandes, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Salles e Maurício Azêdo, Presidente da ABI.
Há cadência no samba e no futebol BERNARDO COSTA
A relação entre o esporte e a música é analisada em encontro com a presença de Walter Alfaiate, Celso Branco e Eraldo Leite.
Dos passes em campo, à evolução das passistas na passarela, as relações entre o futebol e o samba compõem parte fundamental do espetáculo genuíno da cultura do País. Por isso, as interfaces existentes entre as duas manifestações mereceram amplo debate na ABI no dia 2 de junho, como parte do ciclo de palestras Futebol-arte: A Arte do Futebol. Os encontros, que ocorrem toda primeira terça-feiralongo deste ano, têm como objetivo discutir as interações desse esporte com os diversos segmentos artístico-culturais. Participaram o Professor Celso Branco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; o radialista e Presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj, Eraldo Leite, também membro do Sistema Globo de Rádio, e o sambista Walter Alfaiate. O programa é uma promoção do Grupo de Literatura e Memória do Futebol-MemoFut em parceria com a ABI, com apoio do canal SporTV, do Laboratório de História do Esporte e do Lazer da UFRJ (Sport) e das editoras livrosdefutebol.com e Apicuri. De forma irreverente, pouco antes do início das palestras dos três convidados, Rodrigo Carvalho e Pablo Amaral, integrantes do grupo Galocantô, entraram na Sala Belisário de Souza, local do debate, munidos de pandeiro e cavaquinho. A música por eles executada como abertura do encontro – Nega Manhosa, samba de Herivelto Martins – já dava a pista certeira do rumo dos debates: “Economiza, olha o dia de amanhã Eu preciso do troco Domingo tem jogo no Maracanã Do bate-bola eu sou um fã” — sentenciava o compositor em seus versos.
POR BERNARDO C OSTA
quis saber qual o motivo de aquela ser a única canção do compositor dedicada ao universo do futebol. “É, não dá para rimar Petkovic com nada mesmo”, disparou o radialista Eraldo Leite, provocando gargalhadas da assistência. Com um broche do Botafogo preso na lapela, Walter Alfaiate contou que conheceu o seu maior amigo e parceiro musical, Mauro Duarte, em um estádio de futebol. “Nosso encontro ocorreu na torcida do Botafogo, quando levamos uma cipoada de 4x1 do Fluminense, no estádio das Laranjeiras. Quando saímos do jogo, viemos caminhando em direção ao bairro de Botafogo, na Zona Sul, onde nós dois morávamos, comentando os lances da partida. E nos tornamos amigos. E, assim, surgiram as parcerias musicais”, recordou ele, que destacou a trajetória peculiar de um sambista já falecido: “Lembro que Roberto Ribeiro veio para o Rio de Janeiro para ser goleiro do Fluminense, mas não teve sucesso. Como sua família já fazia coro no Império Serrano e ele tinha uma grande voz, seguiu o caminho do samba com êxito”. Músicas refletiam momento social do País
No início de sua exposição, o acadêmico Celso Branco, pesquisador da história da música, citou este tipo de arte como uma fonte confiável para a compreensão das sociedades e suas relações com futebol. “Ela revela características de uma época, que muitos documentos não conseguem trazer à tona, nem mesmo os discursos jornalísticos. Através da sua linguagem, a música traz a percepção do povo, seu pensamento sobre o futebol da época em que determinada canção foi criada”. Nesse ponto, citou a marchinha Touradas de Madri, de João de Barro.
“Essa música começou a ser cantada pelos torcedores quando a Seleção Brasileira goleou a Espanha por 6x1 na Copa de 50. Daí em diante, foi cantada em diversos jogos. Esse episódio mostra o quanto a música traduz o sentimento da população”. Com base em suas pesquisas na área, Celso Branco contou que o primeiro samba sobre futebol de que teve notícia data de 1915. Ele traçou também um panorama sobre as letras das músicas, relacionando-as com a época em que surgiram. Aquelas cantadas nos estádios até 1930, segundo Celso, traziam termos ligados à guerra, como “tiro de canto” e “linha de frente”. Já nas décadas de 30 e 40, as canções começam a enfocar a paixão do torcedor pelo time. A exaltação aos grandes craques começaria na década de 50. Nos anos 60 e 70, as canções tiveram conotação ufanista, para encobrir as arbitrariedades da ditadura militar. “As músicas tentavam reforçar a idéia de que o Brasil era um paraíso. O foco era esquecer os problemas e falar de futebol. Tanto que o Médici era figurinha fácil no Maracanã”. Sobre os impactos dos anos de chumbo no esporte, Eraldo Leite lembrou da intervenção do então Presidente Emílio Médici na Seleção Brasileira que iria disputar a Copa do Mundo de 1970, no México. “Ele queria que o Dario fosse convocado, mas o João Saldanha, que era o técnico, retrucou com firmeza: ‘Eu não mando nos seus Ministérios, então você não vai mandar no meu time’. Depois disso, Saldanha foi destituído do cargo e Zagallo o substituiu”, contou. Celso Branco afirma que, nos anos 80 e 90, as músicas entoadas começaram a trazer letras individualistas, refletindo
No campo da disputa, samba dá exemplo
BERNARDO COSTA
Alfaiate conheceu parceiro em jogo de futebol
Walter Alfaiate assumiu o microfone e relembrou um de seus sambas Meu Brasil, Campeão do Mundo, em parceria com Mauro Duarte, composto em 1958, ano em que o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo de futebol. A letra — “homenagem a um tempo de craques na arte do futebol”, como sublinhou Alfaiate — rimava os nomes de artistas da bola que integraram a Seleção Brasileira da época, como Didi, Vavá, Pelé, Djalma Santos, Bellini e Nilton Santos. “Em 1958, os jogadores me ajudaram a fazer o samba, pois seus nomes eram fáceis de rimar. Hoje em dia, não sei com quem fazer a rima”, brincou Walter Alfaiate em resposta à pergunta do cineasta José Carlos Asberg, que, da platéia,
o sentimento da sociedade, que não mais se mobilizava por uma causa coletiva. “Como resposta a essa tendência, alguns compositores buscavam no futebol um tema que servia como válvula de escape para esse individualismo. Falando em nome de um time, as músicas traduziam não mais o sentimento de apenas um indivíduo. É o caso de Uma Partida de Futebol, sucesso do grupo Skank”.
Alfaiate (no detalhe ao alto) cantou e participou do debate ao lado de Eraldo Leite (E) e Celso Branco, que lembraram do grande Lamartine Babo (acima, no traço de Nássara).
Lamartine Babo foi o compositor mais lembrado e festejado pelos participantes do encontro. Suas composições populares para os hinos dos times cariocas ficaram eternizadas, em detrimento das canções oficiais que já haviam sido criadas antes de sua intervenção. “Se Lamartine não fosse um excelente compositor, seus hinos não teriam ficado na memória dos torcedores, contribuindo para a popularização do futebol. Eles trazem riqueza melódica e harmônica sem igual”, explicou Celso Branco. Sobre este contexto, Alfaiate lembrou que o hino mais bonito de Lamartine foi feito para o América, seu time de coração. “É aí que entra o lance da paixão pelo futebol influenciando o compositor ”, acrescentou. O aumento da violência nos estádios, verificada nos últimos anos, não ficou de fora do debate. Trata-se de situação que muitas vezes, segundo o jornalista Eraldo Leite, é incentivada pelos cantos das próprias torcidas. Celso Branco, por sua vez, contou que a violência surgiu na década de 70, quando foram formadas as torcidas organizadas. Antigamente, como bem lembrou Walter Alfaiate, torcedores adversários sentavam-se uns ao lado dos outros nos estádios. “A gente torcia em paz. Não tinha rivalidade fora dos gramados. Hoje, eu não vou mais aos jogos, já estou velho para levar cascudo. Nunca dei, nem nunca levei, e não vai ser agora, depois de idoso, que vou levar”. Para o sambista, os integrantes das torcidas organizadas deveriam ter como exemplo os compositores das escolas de samba, e se comportar como eles. “Na Apoteose, nos fins dos desfiles, você encontra compositores de diferentes escolas conversando, bebendo alguma coisa juntos. Você pode namorar uma cabrocha de outra escola sem problemas. Agora mesmo, eu fui à posse do Ivo Meirelles como Presidente da Mangueira. Todos sabem que eu sou portelense, mas me receberam da melhor maneira possível. No futebol, tinha que ser assim também”. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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Aconteceu na ABI COMEMORAÇÃO
Cuba ganha a tela no Cine ABI
Auditório lotado festeja o centenário de Roberto Martins, criador do clássico Favela
Mostra traz nos meses de junho e julho grandes obras do cinema cubano, como ¡Salud! POR BERNARDO C OSTA
Na chamada Época de Ouro da música popular brasileira, nos anos 30-40, o criador de Meu Consolo é Você era procurado pelos maiores intérpretes, como Francisco Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Ciro Monteiro.
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ABI ON LINE
Parentes, amigos e associados da ABI reuniram-se na noite de 18 de junho para celebrar o centenário de nascimento do compositor Roberto Martins, formando uma platéia que lotou o Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI, para ouvir canções como Meu Consolo é Você, feita em parceria com Nássara, Minha Revelação e Como o Tempo Judiou, ambas com letra de Mário Lago, e Favela, composto com Jorge Faraj e considerado uma das maiores criações musicais do Brasil em todos os tempos. O repertório foi interpretado por Oscarzinho (violão), Toni Sete Cordas (violão de sete cordas) e Jorginho “Jim” (pandeiro). No microfone, os cantores Jorge Goulart, Célia de Souza, Jairo Aguiar, Léo Vaz, Oswaldo Souza, Sílvio Roberto, Therezinha Senna, Vera Lúcia, Zácaro e Vera Castro revezaramse na interpretação de canções que marcaram a chamada Época de Ouro da música popular brasileira: – Naquele momento, por volta da década de 30, o Roberto Martins era muito requisitado pelos cantores, devido à qualidade de suas melodias. Hoje, os compositores gravam suas próprias músicas para fazerem sucesso – disse Norma Hauer, organizadora da homenagem, que também promoveu em 2005 um recital comemorativo do centenário do cantor Carlos Galhardo, de quem é biógrafa. Entre aqueles que o procuravam, estavam cantores como Ciro Monteiro, Carlos Galhardo, Orlando Silva e Francisco Alves, que gravou Favela, feita em parceria com Jorge Faraj. A canção, considerada um clássico da música popular brasileira (“Favela, oi, favela/Favela que trago no meu coração/Ao recordar com saudade/A minha felicidade/Favela dos sonhos de amor /E do samba-canção”), foi um dos primeiros êxitos de Roberto Martins, também responsável pelo sucesso de alguns cantores da época, como lembra Norma Hauer: – Muitos artistas começaram a aparecer a partir de gravações de músicas do Roberto, como é o caso de Nélson Gonçalves. Ele já tinha gravado um samba do Ataulfo Alves, mas não vingou. Ficou conhecido mesmo após interpretar Renúncia, de Roberto Martins e Mário Rossi. Roberto Martins nasceu no Rio de Janeiro, em 1909. Sua influência musical partiu da mãe, que tocava piano, instrumento em que ele aprendeu seus
Ao som de Oscarzinho e Toni Sete Cordas, Jairo Aguiar relembra Roberto Martins.
primeiros acordes e introduziu seu filho, Jorge Roberto Martins, no mundo da música: – Lá em casa sempre havia muita música, e aos nove anos meu pai me ensinou a tocar piano. Mas eu segui carreira na música através do Jornalismo – conta Jorge Roberto, que passou, entre outros, por veículos como Diário de Notícias, IstoÉ e Jornal do Commércio e apresentou o programa Sala de música, na Rádio Mec. Jorge Roberto, associado da ABI, foi membro do Conselho Deliberativo da Casa, para a qual organizou inúmeros eventos culturais. Antes de se dedicar integralmente à música, Roberto Martins trabalhou quando tinha 12 anos em uma fábrica no bairro da Tijuca; depois, em uma indústria em São Cristóvão, onde permaneceu até os 15 anos idade. Também trabalhou no ramo de calçados. Aos 20 anos, decidiu ingressar na Polícia como guarda municipal: – Ao mesmo tempo, papai freqüentava os redutos de boemia e malandragem do Rio, e fazia suas músicas – lembra Jorge Roberto. O samba Olha lá um balão, interpretado por Carlos Galhardo em 1935, foi uma de suas primeiras gravações, que empolgaram o público no Auditório Oscar Guanabarino. Muitos dos presentes sabiam de cor as canções, mas ignoravam o fato de que o compositor era Roberto Martins: – Um exemplo disso é o samba Beija-me, composto em parceria com Mário Rossi e regravado agora por Zeca Pagodinho – diz Norma Hauer.
Em parceria com a ong norte-americana Medical Education Cooperation with Cuba (Medicc) e a Associação Nacional de Cubanos Residentes no Brasil (Ancreb), a Associação Brasileira de Imprensa promoveu no dia 10 de junho uma sessão especial, com exibição do premiado documentário ¡Salud! e um debate sobre o sistema de saúde cubano, considerado um dos mais eficazes do mundo. A sessão abriu oficialmente a Mostra de Filmes Cubanos, organizada para lembrar os 50 anos da Revolução na ilha de Fidel de Castro e que levou clássicos e documentários premiados à tela do Cine ABI. Na mesa de debate, Gail Reed, coprodutora de ¡Salud! e Diretora Internacional da ong Medicc, contou que o filme surgiu a partir de sua experiência de 25 anos trabalhando como jornalista em Cuba: – O filme procura retratar o pensamento que existe nos profissionais da saúde em Cuba. Essas pessoas não se vêem apenas como trabalhadores, mas como lutadores. Mesmo sendo uma nação pobre, por causa desse empenho, o país se destaca mundialmente na área. Nem nos Estados Unidos, um dos países mais ricos do mundo, a saúde tem resultados tão bons. O médico cubano radicado no Brasil Juan Carlos Haxach, assessor e coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia),
falou sobre alguns dos programas mais bem sucedidos que funcionam em Cuba: – O maior investimento é feito em programas de prevenção como o Médico de Família, voltado para populações de baixa renda, muito vulneráveis a diversas doenças. O médico se instala nas comunidades para conhecer de perto seus integrantes e as mazelas a que estão submetidos. O debate ainda serviu para atualizar o problema do embargo econômico imposto pelos EUA desde 1962. Segundo Gail Reed, o sucesso da saúde na ilha contrasta com as dificuldades para adquirir equipamentos e medicamentos: – As empresas médicas norte-americanas precisam de permissão para comercializar com Cuba. As autorizações demoram e inviabilizam os negócios. Como também o intercâmbio não existe, criamos uma revista, a Meddic Review, para a divulgação desses profissionais. Além de ¡Salud!, a mostra ainda trouxe até o dia 9 de julho, outras obras de sucesso como Lucía, de Humberto Solás, considerado um dos dez melhores filmes latino-americanos de todos os tempos; o drama Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea, um dos 100 melhores filmes da História; Viver é Assobiar, de Fernando Pérez, e Hello Hemingway. As sessões, que também contaram com a exibição de curtas, aconteceram no Auditório Oscar Guanabarino, no edifício-sede da ABI.
Os anos de chumbo na Argentina Não foi somente com as obras cubanas que o cinema latino-americano esteve em alta no mês de junho no Cine ABI. Outra produção que chamou a atenção foi o argentino A História Oficial, produzido em 1985 pelo diretor Luis Puenzo e considerado um dos mais importantes filmes do cinema político em todo o mundo, o primeiro longa-metragem latino a conquistar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. — A ditadura argentina foi uma das mais ferozes da América Latina e o grande mérito do filme é retratar os anos de maior repressão, nos quais morreram mais de 30 mil pessoas, com bastante fidelidade. – conta o Diretor de Cultura e Lazer da ABI Jesus Chediak. Ao abordar os anos de chumbo, o filme narra a história da professora Alicia, mulher avessa à política. Depois de reencontrar a amiga Ana, ex-presa política que retorna do exílio e conta as barbaridades cometidas pelos militares após o golpe que derrubou o Presidente Izabel Perón, em março de 1976,
Alicia suspeita que a filha adotiva, Gaby, trazida para casa pelo marido, pode ser, na verdade, filha de presos políticos. É o começo de descobertas chocantes e do envolvimento dela com as Mães da Praça de Maio. A exibição também fomentou o debate sobre as leis de anistia nos países da América do Sul: – Embora tal lei tenha sido revogada pelo Presidente Nestor Kirchner, a força do período ditatorial é grande na sociedade. Algumas pessoas que iriam testemunhar contra os opressores da época tiveram sumiços inexplicáveis. – comenta o jornalista e Conselheiro da ABI Mario Augusto Jakobskind. Segundo Valmiria Guida, da Casa da América Latina, a possibilidade de revogação da Lei da Anistia no Brasil é quase nula: — A apuração dos crimes cometidos por militares brasileiros causa conflitos de interesses. Os arquivos militares continuam fechados e o massacre no Araguaia é escamoteado até pelo PCdoB, partido de muitas das vítimas.
MERCADO
Mesmo em crise, os jornais impressos são a principal referência de informação Pesquisa realizada pela Associação Mundial de Jornais e a PricewaterhouseCoopers em sete países reafirma a força que os veículos impressos mantêm junto aos leitores. Faz décadas que a crise dos jornais impressos é anunciada, inclusive com tons de página de obituário. Foi assim com o advento da televisão. O suposto fim da imprensa escrita foi novamente vaticinado com o surgimento e a expansão da internet e de novos formatos de mídia eletrônica. O mercado de informação mudou, é verdade. Mas os jornais impressos não morreram. Continuam vivos. E gozando de prestígio junto a seus leitores. Isso é o que comprova pesquisa recente feita pela Associação Mundial de Jornais (World Association of Newspapers-WAN) em parceria com a consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC). Nela, o jornal impresso é apontado como a principal fonte de informações para leitores de diversas partes do mundo, apesar da modernização tecnológica em curso, como os sites de conteúdo e os e-books. No estudo foram ouvidas 4.900 pessoas, entre consumidores, editores e publicitários, em sete países: Canadá, França, Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, Holanda e Suíça. Do total de entrevistados na pesquisa, 69% afirmaram preferir obter informações pelos jornais impressos, enquanto 29% utilizam a internet. Aqueles que preferem se
UC
informar on line atribuem como principais motivos da escolha a possibilidade de acesso a vídeos e a visão rápida dos conteúdos. Já entre os que optam pelos jornais impressos a cobertura profunda é apontada como diferencial. Ainda segundo a pesquisa Adaptar Modelos Empresariais Múltiplos: Uma Perspectiva Para os Editores de Jornais na Era Digital, os títulos impressos em papel continuarão a ter os seus fiéis com-
pradores durante muito tempo. Contudo, cabe aos jornais desenvolver estratégias para rentabilizar o seu conteúdo e capital intelectual, já que a internet é cada vez mais uma opção dos leitores. Lourival Sant’Anna, repórter especial do Estadão, autor do livro O Destino do Jornal, cita outras características do jornal impresso. “Outra das conclusões do estudo é de que a credibilidade é o maior atributo do jornal, fren-
te a todos os outros meios. Não só para os leitores, mas também para os anunciantes, que procuram transferir o prestígio dos jornais para suas marcas. A periodicidade dos impressos, que são válidos por 24 horas, também é bastante elogiada. O jornal não é quente demais, como o rádio, a tv e a internet, a ponto de ser superficial. Nem frio demais, como a revista. Além disso, é apreciado, ainda, por sua portabilidade: pode ser levado de um lugar a outro, sem a necessidade de cabos, conexões, eletricidade ou baterias”, aposta. O estudo realizado pela PricewaterhouseCoopers e pela WAN foi dividido de acordo com a faixa etária dos entrevistados. Entre os de 16 a 29 anos, 60% preferem os jornais impressos. Essa proporção aumenta para 65% entre leitores de 30 a 49 anos; e para 73% entre os que estão na faixa dos 50 aos 64 anos, o que revela a tendência de as mídias digitais conquistarem mais adeptos entre o público mais jovem. Outro ponto aborda o pagamento pelo acesso a conteúdos on line: 62% aceitam esse tipo de cobrança pela informação, enquanto 100% dos entrevistados concordam em pagar pelo impresso, o que termina por atribuir maior valor agregado a esse produto.
PROPOSTA
A Esg busca aproximação com a sociedade Reconhecida como uma das mais importantes instituições de ensino do País, a Escola Superior de Guerra pede a colaboração da ABI para ampliar a divulgação de seus estudos estratégicos. Permitir que o conjunto da sociedade tenha maior acesso a informações sobre questões estratégicas de interesse do País. Esse é o objetivo das ações que serão feitas pela Escola Superior de Guerra-Esg junto aos meios de comunicação. Para divulgar seus diversos cursos e estudos realizados, a instituição postula a colaboração da ABI, que se somaria à da Associação dos Diplomados da Escola Superior de GuerraAdesg. “A nossa escola tem preocupação sobretudo com o futuro do País e seu desenvolvimento numa perspectiva de tempo mais larga”, explica o Comandante da Esg, Tenente-Brigadeiro Carlos Alberto Pires Rolla. Em almoço oferecido aos Presidentes da ABI, Maurício Azêdo, e da Adesg, Pedro Ernesto Mariano de Azevedo, no dia 29 de junho, o Comandante Pires
Rolla formulou às duas instituições o pedido de colaboração à sua proposta de se aproximar do conjunto da sociedade, por meio da divulgação de seus estudos e trabalhos. Participaram do encontro o Subcomandante da Escola, Generalde-Divisão Hélio Chagas de Macedo Jr, o Assistente Militar do Comando, General-de-Brigada Márcio Bettega Bergo, e o Presidente da Sociedade Brasileira de Cartografia, Paulo César Trino, que é também Vice-Presidente da Academia Nacional de Engenharia. O Brigadeiro Pires Rolla considera necessária maior aproximação entre a Esg e a sociedade pela relevância dos temas de que a instituição se ocupa e pela necessidade de difusão entre os órgãos públicos, o empresariado e os formadores de opinião, como jornalistas e veículos de comunicação, dos es-
tudos realizados pela Escola, que têm uma visão prospectiva, e não apenas imediata. Durante o encontro, o General Márcio Tadeu Bettega Bergo ofereceu aos visitantes exemplares da segunda edição de seu livro O Pensamento Estratégico e o Desenvolvimento Nacional — Uma Proposta de Projeto Para o Brasil, que reproduz o trabalho por ele apresentado para obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos em 2005. A obra apóia-se em extensa bibliografia, na qual se incluem textos dos jornalistas Augusto Nunes e Mauro Santayana, articulistas do Jornal do Brasil. Ênfase em ciência e tecnologia Às vésperas de completar 60 anos, a Esg teve o General Osvaldo Cordeiro de Farias como seu primeiro Comandan-
te e contou entre seus dirigentes com o General Juarez Távora, um dos líderes da Revolução de 1930. Mais recentemente, de 1993 até 1995, esteve sob o comando do Tenente-Brigadeiro Sérgio Ferolla, que deu ênfase em sua gestão às questões de ciência e tecnologia relacionadas com as necessidades do desenvolvimento do País. A mesma orientação é observada pelo atual Comandante, Brigadeiro Pires Rolla, que assumiu a instituição em fevereiro passado. Em seu Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia a Escola conta atualmente com 85 alunos originários de diferentes pontos do País, os quais cumprem carga horária de tempo integral, de segunda a sexta-feira. A ocupação de suas vagas é feita por indicação de órgãos públicos e da iniciativa privada. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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Liberdade de imprensa
A imprensa e a publicidade em discussão na Câmara Empresários da comunicação, jornalistas e publicitários debatem a atuação e a responsabilidade social da mídia, bem como a relação entre os veículos de comunicação e o mercado publicitário. IVALDO CAVALCANTE/AGÊNCIA CÂMARA
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Ricardo Gandour (ao microfone) fala sobre a responsabilidade de transferência dos princípios da edição da imprensa tradicional para as mídias digitais. No debate, a partir da esquerda, William Waack, Miro Teixeira, Fernando Rodrigues, Miriam Leitão e Eurípedes Alcântara.
as autoridades. “As autoridades brasileiras se consideram intocáveis. Há uma cultura de que não se pode falar contra o seu desempenho. O princípio da autoridade é que precisa ser atualizado, e não a imprensa”, disse. Também participante do evento, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, disse que a democracia e a liberdade de imprensa são indissociáveis. “Democracia não se realiza sem plena liberdade de imprensa. Mas não podemos confundir a regulamentação da imprensa com censura. A própria Constituição prevê a responsabilidade da
imprensa. É tarefa dos órgãos de imprensa, por exemplo, proteger os indivíduos dos abusos cometidos por ela própria. Isso é requisito essencial para a existência da imprensa livre, independente e, sobretudo, responsável”, disse o Ministro. O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Ayres Britto, foi outro convidado especial da Conferência e ressaltou que, segundo a Constituição Federal, a manifestação do pensamento não pode sofrer restrições. Nesse contexto, avaliou, a responsabilidade da imprensa surge num segundo momento. “A Constituição tra-
tou bem a imprensa, pois esta é irmã da democracia”, ressaltou o ministro.
RODOLFO STUCKERT/AGÊNCIA CÂMARA
Um debate sobre o perfil da imprensa no País, bem como sobre o impacto dos meios de comunicação na sociedade. Esse foi o tom da IV Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, realizada no dia 9 de junho no Auditório da TV Câmara, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Coordenado pela Associação Nacional dos Editores de Revistas-Aner, em parceria com a Associação Nacional de Jornais-ANJ, a Associação Brasileira de Rádio e TelevisãoAbert e a própria Câmara, o evento reuniu jornalistas, empresários, parlamentares, magistrados e publicitários. O fato de o encontro ter sido realizado na capital federal teve um significado especial. “O trabalho da imprensa de informar e apurar às vezes acaba desaguando em coisas que precisam ser revistas no funcionamento do Congresso, o que é confundido com tentativa de boicotar o funcionamento do Poder. Este encontro será uma oportunidade para esclarecer que o objetivo do jornalista não é ser chato, implicante ou ranzinza, mas sim manter o público informado, nosso direito e dever”, afirmou Sidnei Basile, VicePresidente da Aner. Diretor-Executivo da ANJ, Ricardo Pedreira disse que a publicidade é fundamental para a independência do jornalismo, pois 70% da receita dos veículos são provenientes exatamente da publicidade. “Os custos de um jornal são muito altos; para manter um produto independente e de boa qualidade, que atenda aos anseios da sociedade como um todo, a empresa precisa gozar de boa saúde financeira”, afirmou. O Presidente da Câmara, Deputado Michel Temer (PMDB-SP), que também participou do evento, afirmou que a Constituição garante liberdade plena de imprensa no País e só prevê restrições a essa liberdade em caso de estado de sítio. Temer disse que, apesar disso, a imprensa age de forma responsável e responde pelos seus atos. Ele ressaltou também que, apesar das constantes investigações e denúncias, há uma fraternidade entre o Legislativo e a imprensa, já que nos regimes autoritários fecha-se o Legislativo e cortase a liberdade dos jornalistas. O Deputado Miro Teixeira (PDTSP), autor da ação que resultou na revogação da Lei de Imprensa (5.250/67), disse que a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição e que não falta responsabilidade aos meios de comunicação. Para ele, quem defende a existência de uma Lei de Imprensa são
Roberto Muylaert falou sobre a importância do direito à informação para a sociedade. Assistem os Ministros César Asfor Rocha e Gilmar Mendes e o Deputado Michel Temer.
O que pensam os jornalistas Convidados a participar do debate, jornalistas de alguns dos mais importantes veículos do País avaliaram a atual condição da liberdade da imprensa. Fernando Rodrigues, da Folha de S .Paulo, afirmou que não sabe se é necessária uma nova Lei de Imprensa. “É parte da nossa cultura produzir leis para remendar os problemas”, disse. O editor da revista Veja, Eurípedes Alcântara, disse que o jornalista só esbarra na questão legal quando não faz bom jornalismo. “Jornalista tem o dever básico de informar e, desde que não haja má-fé, pode imprimir a opinião que quiser.” O Presidente da Aner, Roberto Muylaert, disse que a recente revogação da Lei de Imprensa demonstra que a sociedade brasileira considera de grande relevância o direito de informar. Ele lembrou que o processo de melhoria da qualidade das publicações brasileiras depende da democracia e da liberdade da imprensa, juntamente com a publicidade e a competição. Miriam Leitão, da Globo News e de O Globo, disse que a revogação da Lei chegou tarde, pois a mesma sobreviveu 23 anos após o fim da ditadura. “Se for elaborada nova legislação, e essa decisão cabe aos brasileiros, será necessário considerar o atual momento de mudança tecnológica, com o advento da internet, das mídias sociais e dos blogs”, alertou.
IVALDO CAVALCANTE/AGÊNCIA CÂMARA
Para o Diretor de Redação de O Estado de S.Paulo, Ricardo Gandour, a responsabilidade dos editores nesse contexto de mudança tecnológica é transferir os princípios de edição da imprensa tradicional para as novas mídias. Apresentador do Jornal da Globo, William Waack propôs uma reflexão, questionando abertamente se os jornalistas estão exercendo o dever de informar corretamente. Regulamentação da publicidade Por fim, a questão publicitária dominou o encontro, no qual os participantes concluíram que a auto-regulamentação é mesmo a melhor forma de controle sobre o setor, e suas influências diretas e indiretas sobre os veículos de comunicação. A Presidente da ANJ, Judith Brito lembrou que existem mais de 200 projetos na Câmara que pretendem limitar a publicidade. Ela afirmou que não vê isso como uma conspiração contra a mídia, mas como “um moralismo bem-intencionado”, porém totalmente dispensável e de poucos efeitos práticos. O fundador da Talent Propaganda, Júlio Ribeiro, por sua vez, classificou de estapafúrdios muitos desses projetos. Citou como exemplo o que proíbe a aparição de mulheres de maiô em propaganda de cerveja. “Esses projetos são desnecessários, e a auto-regulamentação é eficaz”, ponderou. Subchefe-Executivo da Secretaria de Comunicação do Governo Federal, Ottoni Fernandes Jr. disse que é contra a restrição a anúncios. Contudo, lembrou que tvs educativas não devem ter publicidade paga. O diretor-geral da Editora Globo, Frederic Kachar, também afirmou que a auto-regulamentação funciona adequadamente no País, e que a restrição à publicidade infantil, na prática, termina por cercear a informação para os pais, já que as crianças não são independentes na escolha e compra de produtos.
Por se tratar de direito instituído pela Constituição, ele é auto-aplicável, diz juiz especializado na matéria, em seminário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio. A concessão do direito de resposta pelos veículos de comunicação independe da existência de lei que regule especificamente essa matéria, uma vez que esse é um direito instituído pela Constituição da República, que é auto-aplicável e, por isso, não precisa de legislação infraconstitucional para ter eficácia, salvo nos casos em que a própria Carta Magna estabelece que a aplicação de tal ou qual de suas disposições dependerá de texto legal que a discipline. Tratando-se de direito fundamental constante do texto constitucional, o direito de resposta tem aplicação imediata. Esse entendimento foi exposto no dia 24 de junho pelo Juiz Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, professor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá, especialista convidado a fazer a conferência de abertura do seminário O Direito de Resposta na Mídia, promovido pelo Tribunal de Justiça e pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, com apoio do jornal O Globo. Disse Grandinetti que os postulantes do direito de resposta podem ajuizar a ação de obrigação de fazer prevista no Código Civil e requerer a tutela antecipada admitida pelo artigo 273 do Código de Processo Civil. Além de aplicar essa disposição, o juiz da causa pode julgá-la fazendo analogia com o Código de Defesa do Consumidor nos dispositivos relativos a propaganda e contrapropaganda. Aberto com um pronunciamento do Presidente do Tribunal da Justiça do Estado, Desembargador Luiz Zveiter, que salientou a oportunidade do tema, posto em relevo pela decisão do Supremo Tribunal Federal que revogou totalmente a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), o seminário contou com a participação do Deputado Miro Teixeira (PDTRJ), autor da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que originou a derrubada da Lei, do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, da advogada Ana Teresa Basílio e dos jornalistas de O Globo Rodolfo Fernandes, Diretor de Redação, Aluízio Maranhão, Editor de Opinião, e Chico Otávio, Repórter Especial. Após a palestra de Grandinetti, a palavra foi franqueada para opinamentos e perguntas aos integrantes da mesa pela assistência, constituída por magistrados, advogados, jornalistas e alunos da Escola da Magistratura. Ao responder às questões suscitadas pelo plenário, os participantes travaram um debate que se estendeu por quase duas horas. Atuou como modera-
FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR
Para Miro Teixeira, quem defende uma nova Lei de Imprensa são as autoridades brasileiras, que se consideram intocáveis. “O princípio da autoridade é que precisa ser atualizado, e não a imprensa”.
O direito de resposta não precisa de nova lei
O Presidente do TJ-RJ, Desembargador Luiz Zveiter, abriu o seminário ressaltando a importância do debate depois que o STF revogou a Lei de Imprensa.
dor o Assessor de Imprensa do Tribunal, jornalista José Carlos Tedesco. Uma criação francesa Grandinetti fez um histórico objetivo da origem do direito de resposta, que surgiu na França em 1795, em meio à grave crise institucional que culminou com a derrubada dos revolucionários de 1789. O mesmo direito foi novamente invocado quase três décadas depois, em 1822, também na França, e pela primeira vez no mundo foi objeto de regulação formal, a qual serviu ao movimento de restauração monárquica que conduziu Luís XVIII ao poder. No Brasil, a questão ganhou atualidade após o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal que revogou a Lei de Imprensa, originando manifestações em defesa da instituição de uma nova lei com o mesmo fim desta, como sustentam alguns dos principais jornais do País, ou a edição de um texto legal específico para regulação do direito de resposta, como preconizado pelo Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes. No entender de Grandinetti, tal providência é dispensável, desnecessária, porque o direito de resposta está assegurado no inciso V do artigo 5º da Constituição, o qual dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais. Como tal, sua eficácia é plena e prescinde de regulamentação. Ao defender a aplicação do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor para decisões acerca do direito de resposta, Grandinetti admitiu a hipótese de que o reconhecimento da legitimidade dessa postulação possa ocorrer em momento em que tornasse inócua a reparação pleiteada, se a publicação ou divulgação do fato que a ensejou já tiver produzido seus efei-
tos nocivos. Diante desse risco, disse, o juiz pode impor ao requisitante do direito de resposta a prestação de caução do valor que custaria a utilização do espaço ou tempo do veículo de que se reclama a reparação. A imposição dessa caução desestimularia a busca do direito de defesa pela via judicial. Regular, só para ampliar Sustentou Grandinetti que a instituição de lei sobre o direito de resposta seria cabível apenas para ampliá-lo, de forma a estender seu exercício também ao leitor do veículo impresso ou ouvinte ou espectador do meio eletrônico que divulgou a informação objeto de questionamento. Se decidir assim, o Congresso Nacional promoveria, na sua visão, uma destacada inovação no respeito ao direito de resposta. Durante o debate e o diálogo com a assistência, o Deputado Miro Teixeira assinalou que a derrubada da Lei nº 5.250/67 constitui o inicio da uma revolução cultural em matéria de imprensa e poderá afirmar o principio de que quem exerce função pública em qualquer dos Poderes não pode invocar o direito de resposta como um direito da personalidade, um direito pessoal, pois os agentes públicos têm de ser fiscalizados e podem ser alvo de críticas, que se dirigem não ao indivíduo, mas ao agente de um desempenho na coisa pública. Concordando com as opiniões expostas por Grandinetti, a advogada Ana Teresa Basílio observou que o Código Civil de 2002 prevê a concessão do direito de resposta de maneira muito ampla. Ela registrou também que os tribunais delimitaram padrões razoáveis para as indenizações de dano moral mesmo durante a vigência da extinta Lei de Imprensa, que, como dissera Grandinetti, estabelecia uma tarifação para a concessão de tal reparação, graduando-a entre 20 e 200 salários-mínimos. Tentativa de seduçâo No entender de Grandinetti, essa foi uma benesse que o regime militar concedeu à imprensa, na tentativa de conquistar o seu silêncio. Outra benesse foi a disposição que previa que o jornalista só seria preso por crime de imprensa depois de sentença condenatória transitada em julgado – isto é, aquela em que se tivesse esgotado a possibilidade de recurso. Ele recordou que em 1973 esse benefício foi estendido a um dos policiais que mais se destacaram nos serviços ao regime, o Delegado Sérgio Fleury, de São Paulo. Posteriormente a disposição foi estendida a todos os cidadãos. Jornal da ABI 342 Junho de 2009
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Liberdade de imprensa
Direito à informação “Não há qualquer iniciativa de intimidação. A relação entre a Petrobras e os veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública. A Petrobras tem prestado todos os esclarecimentos solicitados pela imprensa. E a companhia tem a liberdade para publicar a íntegra das respostas que fornece aos veículos de comunicação porque é a fonte detentora dos dados disponibilizados. As respostas da Petrobras são públicas, como as perguntas dos repórteres também o são. O nosso blog não tem como objetivo prejudicar o trabalho dos jornalistas, e sim informar ainda mais a sociedade”, afirmou a Gerência de Imprensa, em resposta a pauta enviada pelo Jornal da ABI. “A avaliação do blog é feita pelos próprios freqüentadores. No dia 10 de junho, o blog foi o primeiro em língua portuguesa no mundo em número de acessos, de acordo com ranking Blogs of the Day* feito pela Wordpress. Desde 38 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
CONTROVÉRSIA
O imbróglio do blog A Petrobras criou um site polêmico, no qual publica perguntas da imprensa e suas respostas antes de elas serem divulgadas pela mídia. A inovação gerou uma discussão sobre o uso da internet e o direito à informação. POR PAULO CHICO
seu lançamento, já recebemos cerca de 1 milhão de acessos e mais de 10 mil comentários. O perfil blogpetrobras no twitter também já conta com aproximadamente sete mil seguidores. A companhia tem recebido apoio de vários setores da sociedade, o que a motiva a utilizar ainda mais as redes sociais de circulação da informação para estabelecer canais de relacionamento direto com os seus públicos”, esclareceu a assessoria, informando que as matérias veiculadas pela imprensa e as respostas fornecidas pela empresa são, de fato, os assuntos mais comentados no blog. Presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli explicou, em entrevista ao programa Jogo do Poder, exibido pela CNT em 21 de junho, a proposta do blog da empresa. “Essa foi uma idéia interna da Petrobras. É um blog que representa um avanço na relação da empresa como fonte de informação com o público leitor”. Algumas vezes as respostas às pautas enviadas pela imprensa foram veiculadas no blog antes de serem publicadas pelos respectivos veículos que as enviaram. Também neste ponto Gabrielli não vê razões para as queixas feitas pelos jornais. “A nossa visão, claramente, é que a informação é gerada pela Petrobras. Isso pertence à Petrobras, não pertence ao jornalista. O jornalista pode ter feito a pergunta, mas a resposta é da Petrobras. Muitas das perguntas são oriundas de informações anteriormente passadas pela própria empresa. Logo, não tem que haver direito autoral na pergunta do jornalista. Nós respeitamos apenas a divulgação na meia-noite do dia em que o veículo vai publicar a matéria”, ponderou. Para o Presidente da Petrobras, a repercussão em torno do blog é a maior prova de que essa foi uma iniciativa acertada da empresa: “O blog é um sucesso em termos de acesso e de respostas a questões que estão sendo formuladas. Não só pelos jornalistas, mas diretamente pelos leitores. Essa é a grande novidade. Acelera-se fortemente o proces-
EDSON SANTOS-AGÊNCIA CÂMARA
Uma das empresas brasileiras mais importantes do País e mais reconhecidas internacionalmente, a Petrobras sempre marcou presença no noticiário por seus recordes na extração de petróleo ou pelas suas recentes descobertas na costa brasileira. Porém recentemente o foco da maioria das manchetes sobre a estatal foi radicalmente alterado. Seu nome tem sido envolvido em denúncias que vão desde uma suposta manobra fiscal para o não pagamento de R$ 4,1 bilhões em tributos a possíveis fraudes em licitações para a construção de plataformas e superfaturamento de obras. Sob suspeita nas páginas dos jornais e utilizada como valiosa moeda de negociação política no embate travado entre Governo e oposição numa possível Comissão Parlamentar de Inquérito, a empresa inovou na forma de comunicar-se com o mercado e com a população: lançou em 4 de junho o blog Fatos e Dados, que deu voz própria à Petrobras. O blog oferece a internautas todo o conteúdo informativo produzido pela instituição em resposta à demanda dos veículos de comunicação. Ao mesmo tempo que envia as respostas aos jornalistas, a estatal passou a publicar esses dados para os leitores de seu blog. A Gerência de Imprensa da empresa declarou que o objetivo principal da iniciativa não é questionar as notícias veiculadas na mídia, e sim divulgar essas informações, que são fornecidas pela companhia, de forma completa e sem possíveis distorções por alguma edição equivocada. Além desse material, o blog – que é produzido por cinco profissionais da área de Comunicação Institucional da Petrobras – faz algumas postagens para promover o debate entre os internautas. O esquema inédito inaugurado pelo setor de comunicação da companhia foi alvo de críticas de jornalistas, que viram na medida um grave equívoco ético e, mais do que isso, uma tentativa de intimidação da imprensa.
José Sérgio Gabrielli: Blog é um avanço na relação da Petrobras com o público.
so de geração da informação, quebra-se o monopólio exclusivo dos veículos como intermediários entre a fonte e o leitor; faz-se que haja uma criação, um conjunto de canais de discussão direta entre o leitor e a fonte primária – que é a Petrobras. E isso é um instrumento permanente. Um instrumento que foi criado, sem dúvida, no momento do debate em torno da CPI e que tenta transmitir e levar ao leitor a nossa visão sobre cada informação que nós geramos”. Jornalistas criticam estratégia A repercussão da conduta adotada pelo blog da companhia gerou uma onda de críticas por parte de jornalistas, sobretudo de veículos impressos. Em seu blog vinculado a O Globo, Ricardo Noblat abriu espaço para o debate sobre o tratamento dispensado pela estatal à informação. “Publicar perguntas dos jornalistas antes de o material ser publicado nos respectivos veículos é mais do que um simples ato de deselegância. Cheira um pouco a intimidação, incompatível com uma empresa que afirma não temer as investigações. Inútil, em todos os casos, pois acaba por gerar um noticiário negativo à empresa, justamente o que estrategistas de comunicação da Petrobras almejam evitar”, escreveu Sérgio Lírio, Redator-Chefe da CartaCapital. Diretor de Conteúdo do Estado de S. Paulo, Ricardo Gandour também deu
seu depoimento: “A Petrobras, não por má-fé, mas por falta de compreensão e aprofundamento de assunto complexo e contemporâneo, caiu numa armadilha conceitual, que foi achar que a sociedade pode prescindir da edição. Isso fica claro quando ela diz que a blogosfera permite o contato direto com as fontes sem a necessidade de um filtro. É o mesmo que desinstitucionalizar a imprensa. A sociedade não pode prescindir da imprensa e dos valores da edição. A empresa dá a entender que o sigilo de que a imprensa precisa para apurar se contrapõe à transparência. Ora, o sigilo é transitório. Ele faz parte de método de trabalho que sustenta a construção de um contexto numa apuração completa. E culmina na transparência total. Criar antagonismo entre o sigilo da apuração e a transparência é falso. E pode, em último caso, jogar a opinião pública contra a imprensa. O que não é produtivo nem para a sociedade como um todo e nem para a democracia” Ali Kamel, Diretor-Executivo de Jornalismo da TV Globo, manifestou sua posição no Blog do Noblat. “A Petrobras, uma empresa que detém informações estratégicas que, por força de regulamentos, devem ser mantidas em sigilo, sabe, como poucas, como lidar com a imprensa. Eu não posso atribuir a outra coisa senão a um brutal mal-entendido essa decisão de tornar públicas as consultas dos órgãos de comunicação antes que os mesmos façam uso das informações obtidas por meio delas. Após a publicação da reportagem, a Petrobras e qualquer outra empresa, se assim considerar necessário, podem tornar pública a íntegra das respostas. Não há mal nenhum nisso. Antes da publicação, porém, íntegras serão sempre uma atitude de desrespeito, não a veículos específicos, mas à imprensa, instituição que, numa democracia, deve ser prestigiada. Mal-entendidos acontecem, e são corrigidos. Não tenho dúvidas de que a Petrobras, após refletir, porá fim à prática”, previu Ali Kamel. O Globo desferiu duras críticas à empresa, em editorial publicado no dia 9 de junho, com o título Ataque à Imprensa. “No centro do noticiário de desvios de recursos em contratos superfaturados, de irrigação generosa de ongs companheiras, e motivo de instalação de uma CPI no Senado, a Petrobras decidiu, de maneira agressiva, antiética e ilegal, tentar acuar O Globo, a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, jornais que acompanham com a atenção as evidências de desmandos na administração da companhia. O caminho encontrado pela estatal foi publicar em um blog as perguntas encaminhadas por repórteres e as respectivas respostas. Com o detalhe, também grave, de que a empresa divulgou na sexta informações que prestara para uma reportagem que seria publicada na nossa edição de domingo, numa assombrosa quebra do sigilo que precisa existir no relacionamento entre imprensa e fonte prestadora de informações. O indisfarçável objetivo intimida-
tivo da empresa desrespeita os profissionais e atenta contra a liberdade de imprensa”, destacou trecho do editorial.
* Blogs of the Day é um ranking exclusivo dos blogs que usam a ferramenta do Wordpress e não têm hospedagem própria. Portanto, nesse ranking não são contabilizados todos os blogs do mundo.
Exigir rigor de exatidão em notícias sobre denúncias e investigações seria o mesmo que engessá-la em sua atividade de manter a sociedade informada, reconheceu o Tribunal após a revogação da Lei nº 5.250/67. O primeiro julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça após a derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal marcou uma nova interpretação dos magistrados sobre o papel social desempenhado pela imprensa. No entendimento da 3ª Turma do STJ, os veículos de comunicação não precisam ter certeza absoluta para noticiar seus conteúdos jornalísticos. Podem, sim, fazê-lo livremente, desde que as notícias sobre suspeitas e investigações tenham como base trabalho criterioso e bem fundamentado. “As empresas não são obrigadas a ter certeza plena dos fatos, como ocorre em juízo”, diz a sentença. A decisão favoreceu a Globo Participações S/A na ação por danos morais e materiais que havia sido movida contra a empresa pelo jornalista Hélio Dórea, citado em reportagem do Fantástico como envolvido na chamada Máfia das Prefeituras, no Estado do Rio de Janeiro e no Espírito Santo. O jornalista tinha saído vitorioso na primeira instância, com direito a uma indenização de R$ 100 mil por danos morais e R$ 6,5 milhões por
Vereadores intimidam radialista em Garanhuns Por defender maior transparência nos gastos públicos, o jornalista Eduardo Peixoto foi alvo de ataques de vereadores do Município pernambucano. Em reportagem de denúncia, que recebeu o título Vereadores de Garanhuns defendem a lei da mordaça, o jornal RadioAção, uma publicação especial do Sindicato dos Radialistas de Pernambuco, trouxe a público a tentativa de alguns Vereadores da Câmara de Garanhuns de intimidar a atuação da imprensa local. Eles defenderam punição ao radialista Eduardo Peixoto, que repercutiu na Rádio Jornal de Garanhuns dados sobre o montante de recursos endereçados aos
SCO/STJ
“Legítima defesa” Presidente da ABI, Maurício Azêdo enviou declaração ao blog Fatos e Dados, na qual aponta o momento de ataques sofridos pela empresa por parte da mídia, bem como reconhece legitimidade na postura de defesa adotada pela Petrobras: “A ABI considera legítima a decisão da Petrobras de criar um blog para divulgação das informações que presta à imprensa e especialmente aos veículos impressos, uma vez que as questões relativas ao seu funcionamento e aos seus atos de gestão interessam ao conjunto da sociedade, que não pode ficar exposta ao risco de filtragem das informações típica e inseparável do processo de edição jornalística. A empresa tem o direito de se acautelar contra as distorções em que os meios de comunicação têm incorrido, como a própria ABI registrou em matéria publicada da edição de 31 de maio de um dos jornais que agora se insurgem contra o blog da empresa”. O Presidente da ABI afirmou ainda que “a criação do blog constituiu-se em instrumento de autodefesa da empresa, que se encontra sob uma barragem de fogo crítico disparado por vários veículos impressos”: “Não se poderá alegar que é assegurado à empresa o direito de resposta, uma vez que quando este for exercido a informação nociva já terá produzido efeitos adversos. Ademais, é conhecido principalmente dos jornalistas o tratamento que a imprensa concede tradicionalmente ao direito de resposta, se e quando o reconhece e o acata: a informação imprecisa ou inidônea é divulgada com destaque e dimensão que não se confere à resposta postulada e concedida. O confronto entre a empresa e alguns veículos de comunicação tem inegável cunho político. A Petrobras encontra-se, infelizmente, na linha de tiro do canhoneio contra ela assestado. Atacála com a virulência que se nota agora não faz bem ao País”, concluiu. O debate sobre o blog Fatos e Dados da Petrobras chegou a Brasília. Durante a IV Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa, realizada no dia 9 de junho no auditório da TV Câmara, por iniciativa da Associação Nacional de Editores de Revistas-Aner, o Presidente da Câmara, Deputado Michel Temer (PMDB-SP), afirmou não ser possível impedir a empresa de divulgar as informações por ela geradas, por vezes ‘furando’ os próprios veículos de comunicação. “A Petrobras também tem direito à liberdade de informação”, afirmou Temer, que, no entanto, acrescentou que essa prática não é recomendável, uma vez que tem prejudicado o trabalho da imprensa.
A imprensa não precisa ter certeza absoluta, decide o STJ após o fim da Lei de Imprensa
Em seu voto a Ministra Nancy Andrighi sustentou que não se pode exigir a certeza plena da veracidade da notícia à imprensa sob pena de engessá-la.
danos materiais. Ao julgar o recurso da Globo, a 3ª Turma do STJ chegou à conclusão de que a reportagem não pode ser classificada como violação dos direitos do jornalista, nem mes-
representantes da Câmara para o exercício do mandato. Revelou a reportagem que , o radialista apenas defendeu, a partir de denúncias feitas por alguns vereadores da própria Casa Raimundo de Moraes, nome oficial da Câmara de Vereadores do Município pernambucano, a adoção de medidas que garantissem maior transparência à utilização de recursos por parte dos membros do órgão legislativo. Conforme veiculado na edição de maio e junho de RadioAção, alguns Vereadores atentaram contra a liberdade de expressão, ao atacar o radialista. Informou a reportagem que um Vereador exigiu a demissão de Eduardo Peixoto. Outro chegou a denegrir a imagem do profissional no Plenário da Câmara, chamando-o de “maluco”. Para o Sindicato dos Radialistas de Pernambuco, as reações desses vereadores lembram os tempos da ditadura militar, remetem à época da lei da mordaça e deixam claro para a população que eles não querem transparência de suas atitudes e nem do serviço que dizem prestar ao povo. Contudo, devido à grande repercussão junto
mo se configura como abuso da liberdade de imprensa. Seguindo a decisão do STF que, em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, derrubou a Lei de Imprensa (nº 5.250/67), em julgamento realizado no dia 30 de abril deste ano, a relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, reafirmou em seu parecer a total inaplicabilidade da citada lei. Assim, alterou a decisão anterior de condenação da Globo Participações S/A, com base no Código Civil e na Constituição de 1988, usando também o Código de Ética dos Jornalistas. Na sua justificativa a Ministra lembra os casos de complexidade que podem envolver uma matéria jornalística, e o tempo empregado na sua elaboração: “Não se pode exigir que a mídia só divulgue os fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque a recorrente, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal cognição. Impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la à morte”, sustentou Nancy Andrighi.
à população, o caso parece já ter sido encerrado. “A empresa na qual trabalha não se manifestou sobre o tema. Eduardo Peixoto continua exercendo a sua função na vanguarda dos interesses da população, divulgando os atos praticados na Câmara de Vereadores de Garanhuns, principalmente, aqueles que não são condizentes com a postura de representantes do povo”, afirma Inaldo Salustiano, Presidente do Sindicato dos Radialistas de Pernambuco. “Logo após o material publicado em RadioAção, com o posicionamento firme do radialista Eduardo Peixoto, os tais vereadores foram orientados a não adotar esse comportamento. O Sindicato dos Radialistas de Pernambuco, desde o início do ocorrido, vem dando apoio jurídico, através de seus advogados, bem como apoio político, através da divulgação em nosso periódico. Também, caso os vereadores insistam nos seus procedimentos contra o radialista, deveremos promover atos de protesto contra os mesmos”, conclui o Presidente do Sindicato.
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Direitos humanos
A ABI renuncia à Comissão Especial de Reparação O órgão é meramente simbólico: suas decisões não são acatadas e geram infundadas expectativas entre as vítimas do regime militar. A ABI declinou da indicação de um de seus membros para integrar a Comissão Especial de Reparação, incumbida de analisar os requerimentos de vítimas de prisão e tortura durante o regime militar, conforme disposto na Lei nº 3.744/2001, como solicitara a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro. Considerou a ABI, para adotar esta decisão, que essa Comissão tem existência meramente simbólica, porquanto, segundo os dados tornados públicos, apenas 140 dos 900 requerimentos de reparação (no valor de R$ 20 mil) foram pagos, os últimos em junho de 2006.
“Ofício ABI.PRES. n° 729/2009 Rio de Janeiro, 3 de junho de 2009 Ilustre Subsecretária Betânia Freitas, Em atenção ao seu Ofício SSDPDH/SEASDH n° 027/2009, de 19 de maio passado, informo-lhe que a ABI declina da indicação de representante para integrar a Comissão Especial de Reparação instituída pelo Decreto nº 41.851, de 5 de maio corrente, por entender que essa Comissão tem existência meramente simbólica, já que as decisões que emite não são acatadas nem consideradas pelo Governo do Estado. Decorre essa conclusão da ABI da experiência de Comissão precedente, instituída no Governo Rosinha Garotinho, a qual apreciou mais de um milhar de processos e opinou favoravelmente acerca de 900, dos quais apenas 140 ensejaram o pagamento da reparação moral às vítimas de prisão e torturas pela ditadura militar. O último desses pagamentos, salvo engano, foi efetuado em junho de 2006 – há quase três anos, portanto. A ABI não quer associar-se a qualquer iniciativa oficial que gere nas vítimas do regime militar expectativas e esperanças que não se concretizam. Estamos dando ciência desta nossa posição à Ordem dos Advogados do Brasil / Seção do Estado do Rio de Janeiro, ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio-CRM-RJ e ao Grupo Tortura Nunca Mais, que integraram a Comissão anterior e que agora são, como a ABI, novamente convidados a integrar um
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No ofício que encaminhou à Secretaria, em 3 de junho, a ABI diz que não quer associar-se a qualquer iniciativa oficial que gere, nas vítimas do regime militar, expectativas e esperanças que não se concretizam. A solicitação da Secretaria de Direitos Humanos foi feita em expediente encaminhado à ABI pela Subsecretária de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, Betânia Freitas. A seguir a íntegra dos ofícios que a ABI enviou à Subsecretária de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, expondo os motivos pela não aceitação do convite para integrar a Comissão de Reparação.
órgão que o Governo do Estado desconsidera. Com os protestos de nossa consideração, firmo-me atenciosamente, (a) Maurício Azêdo, Presidente.”
“Ofício ABI.PRES. nº 784/2009 Ilma. Senhora Dra. Betânia Freitas Rio de Janeiro, 10 de junho de 2009 Digníssima Subsecretária da Subsecretaria de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos Senhora Subsecretária, Agradeço a gentileza de seu Ofício SSDP/ SEASDH Nº 46/2009, de 9 de junho corrente, no qual Vossa Excelência acusou o recebimento do expediente (Ofício ABI. PRES. nº 729/2009) em que a ABI comunicou sua decisão de declinar de participação na Comissão Especial de Reparação a ser novamente constituída, agora no âmbito dessa Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Em relação às questões expostas por Vossa Excelência, cabe-nos observar: 1. A ABI não tem dúvida de que os processos julgados na gestão anterior continuam válidos, até porque seria estranho, para dizer o mínimo, que tais documentos administrativos tivessem perdido validade sem ato formal previsto em lei. 2. A ABI discorda do entendimento e da afirmação de que os pagamentos, devidos por força de lei, estão sendo realizados.
3. Quando se afirma que os últimos pagamentos se deram em junho de 2006, tal decorre da falta de informação divulgada a esse respeito por essa Secretaria, como seria sua obrigação em face da disposição constitucional que institui a publicidade (ou transparência, como é corrente dizer-se agora) como um dos princípios que regem a administração pública (art. 37, caput, da CF). 4. Se os pagamentos estão sendo realizados, é dever dessa Secretaria informar às entidades que colaboraram com o Poder Público, como a ABI, quais foram os destinatários desses pagamentos e quais os números dos processos respectivos. Fala-se que teriam sido sete esses pagamentos, os quais se teriam somado aos 140 efetuados no Governo Rosinha Garotinho. É preciso que, por obediência ao art. 37 da Constituição, essa Secretaria informe a quem fez esses pagamentos e por que foram estes, e não outros, os seus destinatários. 5. É confortador saber que o Governo do Estado se empenha na apreciação dos processos que ainda necessitam de julgamento e que considera isso um compromisso, como referido em seu expediente. Apreciar para jazer, como os demais, no limbo dos processos desconsiderados? 6. Não nos parece adequado nem justo o critério de realização dos pagamentos considerando a ordem numérica dos processos. Há requerentes muito idosos, outros muito doentes, que não terão como aguardar em vida a chegada do número de seu processo para obter a reparação pecuniária que esperam há anos pelo que sofreram há mais de quatro décadas. 7. Concordamos em que a participação da ABI seria importante para a consolidação do processo democrático brasileiro, mas esta depende de atos concretos, como a retomada do pagamento da reparação devida às vítimas da ditadura militar. Peço-lhe que aceite as expressões do nosso elevado apreço. Atenciosamente (a) Maurício Azêdo, Presidente.” cc. Dr. Wadih Damous / OAB-RJ Cecília Maria Bouças Coimbra / Grupo Tortura Nunca Mais Luís Fernando Soares Moraes / Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro
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VLADO VIVE OUTRA VEZ Criado em São Paulo, em comovente cerimônia, o Instituto Vladimir Herzog, destinado a preservar a memória do jornalista assassinado numa prisão militar em 1975 e a estimular a luta em defesa dos direitos humanos.
Vlado, bem jovem, numa foto rara: ele tinha duas grandes paixões, o jornalismo e o cinema.
POR MARCOS STEFANO
para o exercício da profissão. O Instituto também coordenará o 31º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que desde 1979 premia os melhores trabalhos jornalísticos na área, e o Prêmio Jovem Repórter Fernando Pacheco, voltado para os estudantes de Comunicação. Presente à cerimônia, o Governador de São Paulo, José Serra, falou sobre a importância de lembrar o passado com olhos voltados para o futuro: – Não cheguei a conhecer Vlado pessoalmente, mas o vejo como um companheiro de longa jornada. No passado, sua morte foi decisiva para a redemocratização do País. Agora, seu exemplo de clareza, caráter e visão poderá moldar a luta por um Brasil melhor daqui para a frente. A viúva do jornalista, Clarice Herzog, informou sobre outras ações que nortearão o trabalho do recém-criado Instituto: – Duas das maiores paixões dele
eram a imprensa e o cinema. Além de organizar o acervo impresso, queremos ampliar a discussão sobre essas duas atividades e uni-las cada vez mais, começando por montar um acervo com entrevistas com os vencedores do Prêmio Vladimir Herzog. Após os discursos, o Rabino Henry Sobel, o Cardeal Dom Evaristo Arns e o Reverendo James Wright, já falecido, foram homenageados com a escultura Vlado Vitorioso, de Elifas Andreato, pela coragem que tiveram de realizar um culto ecumênico em memória de Herzog dias após a sua morte, celebrado por iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Pauloo, na época presidido por Audálio Dantas, ex-Vice-Presidente da ABI. O ato final da cerimônia contou com a participação da cantora Zizi Possi e do Coral Martin Luther King, que interpretaram Cálice, de Chico Buarque, e O Bêbado e o Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco.
Organizadores esqueceram de uma testemunha do fim de Herzog
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Ao som de músicas de Chico Buarque e Geraldo Vandré, centenas de pessoas participaram na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, em 25 de junho, do lançamento do Instituto Vladimir Herzog, criado por parentes e amigos de Vlado, assassinado pela ditadura militar em 25 de outubro de 1975. A instituição tem por fim preservar a memória do jornalista e estimular e apoiar a luta em defesa dos direitos humanos no Brasil. – Com o Instituto Vladimir Herzog, quem ganha é a democracia brasileira. Não é apenas a memória do homem que será preservada, mas a história recente do País, especialmente do período posterior ao golpe de 64 e da fase da redemocratização – diz Ivo Herzog, Coordenador do Instituto e filho de Vlado. A cerimônia teve momentos de grande emoção, especialmente para aqueles que conheceram ou trabalharam com Vlado, que na época de sua morte chefiava o Departamento de Telejornalismo da TV Cultura, e para as diversas lideranças presentes. A atriz Eva Wilma abriu o ato com a leitura de uma carta de Zora Herzog, mãe do jornalista. Em depoimento gravado, o Presidente Lula e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso falaram sobre a importância de Herzog e saudaram o novo Instituto. – Este será um espaço para reflexão e produção de material que lembre às novas gerações a importância de Vlado e do jornalismo cidadão, para que a imprensa possa desempenhar com desenvoltura seu papel na consolidação da democracia. A morte de Vlado foi um evento importante, que levou à distensão política no passado, e é um marco novamente hoje – lembrou o Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Os discursos de diversas autoridades e convidados, como os jornalistas Sérgio Gomes, o Serjão, e Guto Camargo, Presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, destacaram a importância do jornalismo para a sociedade moderna e criticaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com a obrigatoriedade do diploma de Comunicação Social ou Jornalismo
O Governador José Serra entrega a escultura Vlado Vitorioso ao Rabino Henry Sobel, que recusou sepultar Vladimir no espaço dos suicidas, deixando claro que ele fora morto.
Por uma falha dos organizadores do ato de lançamento do Instituto, deixou de ser convidado para a cerimônia na Cinemateca Brasileira o jornalista e escritor Rodolfo Konder, que estava preso com Vlado no Doi-Codi de São Paulo e foi, com o também jornalista George B. J. Duque Estrada, igualmente preso, uma das testemunhas dos últimos momentos de vida de Herzog naquela prisão militar. Sobre esses instantes dramáticos Konder fez relatos impressionantes em crônicas e artigos incluídos em vários dos 20 livros que publicou. Konder, atualmente Presidente da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Deliberativo da ABI, prestou dias após o assassinato de Vlado longo e minucioso depoimento sobre os momentos finais de seu companheiro no Departamento de Telejornalismo da TV Cultura de São Paulo, com o qual já trabalhara na revista Visão. Em razão do opressivo quadro político da época, o depoimento foi colhido e gravado em sigilo, em local reservado, diante de pequeno número de testemunhas, entre as quais o Presidente da ABI, Prudente de Morais, neto, e Audálio Dantas, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Em fins deste mês de junho, em entrevista a O Estado de S. Paulo, o hoje Desembargador Márcio José de Souza revelou que esse depoimento de Konder foi decisivo para a condenação da União como responsável pela morte de Vlado em ação ajuizada por Clarice Herzog em sentença que ele expediu em outubro de 1978, como juiz de primeira instância.
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OS EDITORES FRANCISCO UCHA
Carlos (à direita), ao lado do sócio Franco de Rosa: de mãos dadas com a ousadia.
Uma ópera e seu maestro A aventura do angolano Carlos Mann, que criou uma editora especializada em quadrinhos, editou trabalhos dos maiores artistas da chamada arte seqüencial, mostrou às novas gerações o que foi a lendária revista O Tico-Tico e fechou as portas de sua pequena e ousada empresa sem poder lançar, depois de pronta, requintada edição de Flash Gordon, a fantástica criação de Alex Raymond. POR FRANCISCO U CHA
Ele nasceu na África e sua infância foi repleta de aventuras: corria pelo mato, nadava nos rios, criava galinhas e se acostumou a brincar perto de elefantes, girafas, zebras. Mas não espere encontrar aqui a história de um Jim das Selvas ou ainda do Tarzan ou do Fantasma, o herói mascarado que vagava pelas selvas lutando contra a pirataria e as injustiças do homem civilizado. Apesar de um começo que pode parecer história em quadrinhos, nosso personagem existe e se tornou um dos edi42 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
tores mais ousados da chamada arte seqüencial no Brasil. Seu nome: Carlos Mann. Ele nos concedeu esta entrevista, acompanhado de seu sócio Franco de Rosa, para nos contar como chegou ao Brasil, montou uma comicshop que é uma referência no País e se tornou um caçador de pérolas editoriais que transformou sua pequena casa publicadora especializada em quadrinhos num exemplo a ser seguido, mesmo depois de decidir fechar as portas com a sensação do dever cumprido.
Descendente dos primeiros portugueses que colonizaram o Sul de Angola, Carlos Mann nasceu no dia 16 de dezembro de 1965, vivia numa pequena aldeia onde só havia uma rua e não tinha acesso a livros, jornais, revistas, televisão. Seu contato com o resto do mundo era através de um velho rádio de válvulas que seus pais insistiam em ouvir diariamente com alguma dificuldade, e também da exibição de antigos filmes que um caixeiro-viajante trazia quase que semanalmente para ser projetado no pequeno clube do vilarejo. Seu avô era fotógrafo, cinegrafista, colecionador de selos, mecânico, inventor, escriturário. “Mesmo sem escolaridade, ele fazia tudo do nada! Era autodidata, aprendeu tudo sozinho e fez a base onde nossa família vivia. Depois foi morar numa cidade maior e meu pai continuou na aldeia”, relembra. Porém, antes de Carlos completar dez anos, uma verdadeira revolução aconteceu na vida simples de sua família. Era o início da guerra em Angola; de uma hora para outra, Carlos Mann e seus pais se tornaram parte de grande massa de refugiados que buscavam na África do Sul a porta de saída para a liberdade. “Não havia mais como ir para a capital para vir diretamente para o Brasil. Tivemos que passar por alguns campos de refugiados, depois ficamos na casa de algumas pessoas até resolver a documentação”. A chegada de sua família a São Paulo, no final de 1975, não chega a ser tão dramática, pois seu pai já havia comprado uma casa humilde na periferia da capital paulista com algum dinheiro que havia conseguido trazer na fuga. Mas seus primeiros dias na escola, Carlos não esquece: “Engraçado... Vivi muito tempo na África e nunca tive problemas com preconceito, mas aqui era xingado de “leite azedo” por causa de o tom da minha pele ser bem diferente do padrão e meu sotaque também ajudava nessa segregação”. Primeiro contato
Mas como esse garoto criado nas selvas começou a se interessar por quadrinhos? “Foi no início da década de 80 quando comecei a produzir fanzines. O primeiro que fiz rodei num mimeógrafo e foi sobre Teosofia; antes dos quadrinhos. Fazia tudo: escrevia, desenhava, rodava e distribuia... era coisa de adolescente”, conta sorrindo. Esse foi o começo para uma jornada a um mundo fascinante. “Vendia doces no centro da cidade e uma pessoa me convidou para ajudá-la numa banca de jornal. Logo conheci o Joel, que me chamou para ser sócio em uma pequena banca na Avenida Lorena”. Mais tarde esse pequeno negócio se transformou na Tiragem Limitada, uma banca que se tornou referência no Brasil para quem buscava novidades em termos de revistas em quadrinhos nacionais e importadas. O começo, ao contrário do que se podia pensar, foi muito difícil. “Tivemos problemas com a Prefeitura assim que abrimos o ponto e depois com os vizinhos. Era um local nobre e eles não nos queriam lá. Cheguei a ser ameaçado de morte! Também tivemos proble-
L&PM, que consentia em vender desde que eles não expusessem os livros, e a Press Editorial. “O negócio começou a girar bastante e, depois de algum tempo, começamos a receber lotes cada vez maiores para vender”, relembra. Em 1986, quando acontece um grande boom de lançamentos de revistas de histórias em quadrinhos, a Editora Abril passa a colocar no mercado cada vez mais títulos e a Tiragem Limitada a vender cada vez mais, até começar a oferecer produtos importados. “Para se ter uma idéia, a primeira remessa de revistas importadas vendeu em uma semana”, confidencia. “Foi nessa época que surgiu a Devir e, através de uma parceria com a VHD, que editava a revista Animal, participamos de nossa primeira Bienal do Livro.” A Tiragem Limitada não parou mais de trazer novidades. Depois das revistas importadas vieram os cards, os Role Playing Games (RPG) e toda uma parafernália de produtos ligados aos quadrinhos e ao mundo dos games e do cinema. E a clientela foi aumentando. “Tudo começou ali. Faziamos os embrulhos na calçada e atendiamos a 300 clientes por mês de todo o Brasil”. Um novo começo
Da banca na Lorena até chegar à loja da Comix na Alameda Jaú foi outra história de superação e soluções criativas que envolveu a separação dos sócios e algumas experiências comerciais bem sucedidas. Carlos começou a trazer lotes gigantescos da badalada revista de quadrinhos futuristas Heavy Metal, a versão norte-americana da francesa Metal Hurlant. Além disso houve uma tentativa de criar uma pequena rede de distribuição a partir do trabalho em con-
Um dos pontos fortes da editora foi a publicação das primeiras histórias de clássicos como Recruta Zero antes de se alistar (esquerda), do Sargento Rock, de Joe Kubert (acima), do Príncipe Valente, de Hal Foster; e de Tex, dos italianos Bonelli e Gallep (abaixo).
junto de cinco comic-shops, lojas especializadas em venda de revistas em quadrinhos. Elas começariam a bancar a distribuição de produtos diferenciados. “Deu parcialmente certo porque a Devir, que também trabalhava com produtos importados, nunca teve interesse real em consolidar o mercado de quadrinhos no Brasil. Talvez seja apenas uma visão diferente de ver o mercado mas, com exceção da Comix, nenhuma outra loja daquela época conseguiu crescer trabalhando com os produtos da Devir. Parecia que eles não tinham interesse em que os lojistas crescessem. Mas somente com pontos fortes é que você cria sustentação para o mercado”. No Brasil havia uma demanda reprimida que era, em parte, atendida pelas importadoras. Porém Carlos Mann queria ir mais adiante e utilizava os períodos de promoções para obter mais informações do público comprador. “Para sondar o mercado e também para formar leitores íamos nas faculdades e vendíamos tudo com grandes descontos. Íamos a todos os eventos possíveis na tentativa de formar público. Acho que se mais pessoas tiverem acesso às revistas e livros de quadrinhos – como eu tive –, elas se encantariam também, como aconteceu comigo”. Assim como aconteceu com a banca Tiragem Limitada, a Comix terminaria também se tornando um referencial para os editores da época que visitavam a loja com freqüência para colher informações importantes na definição de estratégias de lançamentos. E Carlos Mann era a pessoa a ser ouvida. Muitas vezes até informalmente. Sérgio Guimarães, da Press, sabia disso e fez uma proposta de trabalho irrecusável para o lojista. Mas Carlos não queria (e nem podia) largar o seu comércio. Porém Guimarães o tranqüilizou: “Você não precisa sair daqui”. E assim foi acertado. E, de comerciante, Carlos se torna editor de sua primeira publicação. E isso foi apenas o começo para o grande passo que aconteceria depois, quando, ao lado de Franco de Rosa – desenhista, editor e também apaixonado por quadrinhos – decidiu montar uma pequena empresa que publicasse tudo aqui-
lo que os dois gostariam de ler e de ter na estante sem que a questão do lucro fosse primordial na decisão de lançar ou não um produto. “O Franco é uma das pessoas que mais respeito, independentemente do ponto de vista profissional. Nossa sintonia é muito grande e não lembro de nenhum atrito nestes anos de convívio”. Essa harmonia foi fundamental para realizar um verdadeiro trabalho de garimpagem de títulos, autores e personagens que poderiam ser lançados no Brasil com retorno do investimento a médio e longo prazo. Foi com esse desejo que surgiu a Opera Graphica (assim mesmo, sem acento), uma publicadora especializada em quadrinhos especiais, de pequenas tiragens. “A editora provavelmente não existiria se publicássemos revistas da maneira tradicional, visando lucros imediatos. Chegamos a lançar livros com tiragens de apenas 700 exemplares!”, confidencia. A grande questão para os sócios da nova empreitada continuava sendo a de fidelizar leitores. Mas sem uma distribuição eficiente o risco seria grande. “Havia muito preconceito com quadrinhos entre os grandes livreiros daquela época e colocar os produtos nessas redes era uma grande dificuldade para nossa editora. Se tivéssemos colocado nossos produtos em um pouco mais de livrarias teríamos feito muito mais coiSERGIO BONELLI EDITORE
O talento do veterano Eugênio Colonnese pôde ser conferido em diversos lançamentos que resgataram histórias de guerra do artista e trouxeram de volta Mirza, a Mulher Vampiro, e o Morto do Pântano, e também em álbuns que ensinam a arte de desenhar mulheres exuberantes, uma especialidade do grande mestre.
DC COMICS
KING FEATURES SYNDICATE
mas com um vendaval que molhou tudo... Perdemos o pouco que tínhamos!” Além desses problemas, os sócios enfrentavam as dificuldades comuns a todos os que precisavam de produtos das distribuidoras de revistas: “Não havia revista para todo mundo e era comum darmos uma ‘caixinha’ para o cara da distribuidora guardar determinada publicação, pois precisávamos atender nossa clientela”. Foi nessa época que o jornal Folha de S.Paulo começou a fazer campanhas maciças para vendas de assinaturas e Carlos viu que novos problemas iriam surgir em breve. “A Folha começou a dar um mês de assinatura grátis, a oferecer condições tão especiais para o assinante que era muito difícil de competir. Também começaram a reduzir o reparte para jornaleiros. Eu e meu sócio percebemos que nosso fornecedor queria nos matar, que nosso negócio teria uma vida curta! Ao mesmo tempo que foi uma coisa ruim, foi a chave para a saída, para a especialização!” Nesse tempo Carlos foi apresentado a uma nova onda de histórias em quadrinhos que eram publicadas com sucesso. “Meu sócio me deu o gibi dos X-Men, com a história da Fênix, e achei maravilhoso! Logo conheci o material da Press... Os Freak Brothers do Robert Crumb; tinha também os brasileiros Níquel Náusea, Mozart Couto, Chiclete com Banana! Aí começou meu interesse! Optamos pela especialização! Foi um caminho natural, mas difícil porque não tínhamos dinheiro e as editoras não vendiam direto para o jornaleiro”. Carlos e seu sócio começaram uma via crucis por várias editoras para conseguir comprar as revistas. Começaram com a Circo Editorial, do Toninho Mendes, a
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OS EDITORES UMA ÓPERA E SEU MAESTRO
Um grande e luxuoso volume apresentou às novas gerações a lendária revista O TicoTico e seus artistas talentosos, como Luiz Sá.
Grandes mestres do quadrinho nacional, como R.F. Lucchetti e Nico Rosso (acima), e Shimamoto (à direita) foram redescobertos através de lançamentos antológicos.
Abrindo caminhos
“Acredito que a Ópera Graphica acabou criando um mercado e abrindo o caminho para outros editores fazerem o mesmo. Houve uma época que havia muitas editoras lançando muitos produtos diferentes e esse processo não parou por aí. Muita coisa do que a Panini lança hoje estava em nosso planejamento. Tudo o que a Opera Graphica fez ainda repercute e continuará repercutindo por algum tempo ainda. Quer um exemplo? A entrada da Companhia das Letras nesse segmento é altamente positiva: ela irá chegar em livrarias que nossa editora, por
Detalhe da hq Macbeth, de Álvaro de Moya, publicada em seu livro Anos 50 - 50 Anos. O Fantasma (direita) também foi tratado com carinho pela editora: ganhou dois álbuns luxuosos e várias revistas.
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melhor produto que tivesse, não conseguiria entrar! Pode ser que dessa maneira surja um espaço ainda mais generoso para as histórias em quadrinhos nas prateleiras brasileiras.” Mas então os compradores das grandes redes de livrarias não conhecem esse mercado? “Sim, é verdade. É falta de conhecimento mesmo”, afirma categórico Carlos Mann. “Digo isso porque há alguns anos ajudamos a montar um departamento de histórias em quadrinhos para o site Submarino.com e meses depois eles nos enviaram uma carta parabenizando pelo resultado que conseguiram a partir do trabalho que desenvolvemos. Então, uma boa livraria tem que ter um bom setor de quadrinhos.” Também a imprensa começou a perceber o trabalho que Carlos Mann e Franco de Rosa realizavam à frente da editora e passaram a dar um espaço generoso nos jornais para a pequena editora. “Nossa assessoria de imprensa também trabalhava de maneira criativa. Não poderia ser diferente, afinal nossos produtos primavam pela qualidade gráfica, sempre buscando a melhor apresentação do produto. Veja por exemplo o Guia Oficial DC Comics – Desenhos e Roteiros! Ficou muito melhor que o original produzido nos Estados Unidos!”, diz, orgulhoso. E é verdade. Muitos produtos lançados pelos bravos editores traziam, além de uma apresentação gráfica primorosa, muitos textos complementares, escritos pelos maiores especialistas em quadrinhos no Brasil. “Mas não podemos esquecer de uma coisa”, lembra
KING FEATURES SYNDICATE
sas. Um livro como Tentação Italiana, do jornalista Gonçalo Júnior, por exemplo, provavelmente teria vendido muito mais se fosse lançado por uma editora como a Companhia das Letras ou pela Ediouro. Mas, será que elas teriam coragem de lançar esse produto naquela época? Hoje é fácil falar pois a edição esgotou e teve repercussão. Mas faltava coragem a muitas editoras, que já tinham a receita do bolo pronta. E assim é difícil inovar” Inovação. Essa era a palavra-chave. A opção de fazer tiragens pequenas foi uma estratégia de sobrevivência e de realização para o lançamento de produtos diferenciados. Como uma editora nova, com poucos produtos lançados e totalmente segmentada, a Opera Graphica não tinha um caminho confortável pela frente. Dependeria da audácia, da criatividade e das estratégias de lançamentos que Carlos Mann e Franco de Rosa começavam a planejar. E assim foram lançados, em álbuns de luxo ou em formatos mais simples, grandes obras dos quadrinhos, como as páginas dominicais de Krazy Kat (1925-
1926); Os Sobrinhos do Capitão; Às Inimigo, de Joe Kubert; Gato Felix, de Otto Messmer; O Príncipe Valente, de Hal Foster, Os Novos Deuses, de Jack Kirby; A Casa do Fim do Mundo, de Richard Corben; Batman de Neal Adams; além de publicar trabalhos de mestres do quadrinho nacional como Eugênio Colonnese, Mozart Couto, Flávio Colin e Júlio Shimamoto e livros comemorativos como O Tico-Tico: 100 Anos da 1ª Revista de Quadrinhos do Brasil.
Carlos durante uma pausa na entrevista. “Nada disso seria viável sem a tecnologia! Sem ela nós não conseguiríamos publicar nada. A grande maioria de nossos produtos fosse digitalizada aqui e o resultado foi maravilhoso em termos de qualidade e tratamento. Na época não recebíamos arquivos digitais. Hoje é mais fácil. Tanto os produtos coloridos como aqueles em preto-e-branco eram tratados aqui com todo o respeito e não perdiam em nada para os originais. Quando o desenhista Eduardo Risso, autor de 100 Balas, esteve no Brasil, não acreditou no que havia sido feito. Nossa edição ficou melhor que o original. Recuperamos também clássicos como o Príncipe Valente, de Hal Foster! Hoje a tecnologia permite fazer o gibi mais barato e com maior qualidade.” Mas, então, com todo esse sucesso, por que a decisão de parar, de fechar a editora? “Sinceramente... Isso também é estranho. Não virei um fanático religioso como certos rumores fazem crer. Nem a editora faliu e muito menos briguei com o Franco. O que acontece é que sempre tomamos as decisões em conjunto, pois nossa sintonia é muito grande, e percebemos que estava chegando a hora de completar um ciclo, verdadeiramente. Além disso, tínhamos contratos com várias empresas mas não estávamos mais dispostos a,
O melhor da Opera Graphica inclui a biografia do Fantasma A Opera Graphica lançou nesses pouco mais de nove anos de existência mais de três centenas de produtos, entre revistas, edições especiais, álbuns de luxo e livros que primaram pela qualidade gráfica, acabamento refinado, textos complementares e um profundo conhecimento do segmento, aliado, em muitos casos, a um intenso trabalho de pesquisa realizado por talentosos colaboradores. O último lançamento da editora – Fantasma - A Biografia Oficial do Primeiro Herói Fantasiado dos Quadrinhos – é um bom exemplo disso. Escrito por Marco Aurélio Lucchetti, que tem pós-graduação em Comunicação, é especialista em quadrinhos e autor de vários livros sobre o assunto, o álbum tem formato gigante (26,5 x 36 cm), capa dura que abriga mais de 140 páginas impressas em papel especial e repletas de informações produzidas a partir da colaboração de colecionadores e profissionais da área de quadrinhos e de uma ampla pesquisa iconográfica realizada durante três anos. O resultado é um estudo completo sobre o Espírito Que Anda: desde suas primeiras histórias, que tinham influencia na literatura de pulp fiction; o envolvimento do herói com vilãs sensuais; sua agressividade e virilidade, que era mais acentuada que a dos outros personagens da época; os mistérios e os ícones de suas histórias; seus filmes, seriados e desenhos animados. Há também duas importantes entrevistas com Walmir Amaral e Gutenberg Monteiro, os dois desenhistas que mais produziram histórias com o personagem no Brasil. Um produto para colecionador algum botar defeito. A seguir, uma lista com os principais lançamentos da Opera Graphica, comentados pelo editor Franco de Rosa, divididos em sete grupos.
CLÁSSICOS
FANTASMA SEMPRE AOS DOMINGOS As histórias dominicais escritas por Lee Falk e desenhadas por Ray Moore jamais haviam sido reunidas em álbum. Algumas só haviam sido publicadas em capítulos, nos anos 40. [112p-26,5x36] RECRUTA ZERO ANO 1 Revelamos o Zero dos primeiros anos. Com visual diferente. As primeiras tiras diárias e páginas dominicais. Incluindo
KRAZY KAT Não perdemos a oportunidade de publicar o mais cultuado e exótico personagem das tiras. Uma série que chega a ter diálogos em cinco diferentes línguas ao mesmo tempo. Tratamos de traduzir com extremo rigor. Um preciosismo inédito no Brasil. [90p-36x26,5] GATO FELIX Cinco historietas clássicas publicadas entre 1934 e 1935 assinadas por Otto Messmer fazem deste livro em capa dura um grande objeto de desejo. [152p36x26,5] COLEÇÃO OPERA KING Clássicos imortalizados como Mandrake, Recruta Zero, Popeye, Betty Boop, Pinduca, Os Sobrinhos do Capitão, Krazy Kat, Hagar e o genial Reizinho voltaram a ser destaque nas prateleiras das livrarias e gibiterias. Os ídolos das tiras do passado foram revelados a uma nova geração e relembrados pelos mais velhos em uma série de álbuns despretensiosa, porém muito apreciada: a Coleção Opera King. [100p-16x23] LINHA VERTIGO
os seis primeiros meses, quando Zero era um estudante, e sua série um fracasso. E os primeiros sucessos, assim que ele entra para o exército. [160p-26,5x36]
PRÍNCIPE VALENTE 1 Relançamos a história mais publicada de Valente. Mas conseguimos novas provas. Nossa edição “remasterizada” contém ainda artigos, capa e visual aprimorado. [86p-26,5x36] SOBRINHOS DO CAPITÃO PIORES IMPOSSÍVEL Publicamos as mais antigas seqüências da mais antiga série de quadrinhos disponível: a fase de 1936 a 1938. A série circula ininterruptamente desde o século 19. As pranchas anteriores forma perdidas. [112p-36x26,5]
SANDMAN – CAPAS NA AREIA Esta obra magistral valoriza, com justiça, as pinturas de Dave McKean e foi a principal responsável por nossa investida nos títulos da Vertigo. A empresa americana não encontrava quem aceitasse tal empreitada. Para publicar tal obra, solicitamos um catálogo amplo. Neil Gaiman conta os bastidores da criação das capas da coleção Sandman original e até revela capas inéditas e uma hq exclusiva, publicada na integra. [232 p -23,2x27,5] 100 BALAS Tivemos a sorte imensa de ter à nossa disposição a melhor série policial da última década. Um autêntico ícone da arte seqüencial que consagrou o roteirista Brian Azzarelo e o desenhista Eduardo Risso. Y Para nossa surpresa, quando escolhíamos as séries de nosso último contrato, nasceu a mais criativa aventura futurís-
tica concebida dos últimos anos. Produzida com realismo arrebatador. Imprevisível a cada quadrinho.
VERTIGO INVERNO A mais badalada e festejada antologia de autores, em histórias curtas de corrosivo humor-negro. Desenhos realistas valorizados por textos solenemente críticos embalam argumento surpreendentes e chocantes. LINHA DC
J. Carlos, Ângelo Agostini, Max Yantock, Alfredo e Oswaldo Storni, Luiz Sá e Paulo Affonso. O livro ganhou o Prêmio HQ Mix e o Prêmio Ângelo Agostini, e, principalmente, um destaque na Biblioteca Nacional. É a edição da Opera Graphica que mais nos orgulha. [256p-26,5x36]
TENTAÇÃO A ITALIANA Este livro nasceu de um bate-papo entre os editores e seu autor, Gonçalo Júnior. Era para ser uma trilogia focando Manara, Crepax e Serpieri, três idolatrados quadrinhistas italianos. Venceu o bom senso, resultando em um estupendo livrão capa dura. Lindo, superilustrado, porém dos mais carregados em textos que editamos. 50 ANOS - ANOS 50 Faltava menos de um mês para que se completassem os 50 anos da primeiríssima exposição didática sobre histórias em quadrinhos do mundo. Tinha acontecido em São Paulo em 1951, informava-nos o jornalista Álvaro de Moya, um dos organizadores do evento histórico. Não tivemos dúvidas. Convidamos alguns jornalistas amigos. Entrevistamos Moya. Ele revisou o texto. Escreveu um pouco mais e o livro ficou pronto a tempo de ser lançado exatamente no dia do 50º. aniversário da mostra. [130p-21x28]
JONAH HEX - SHOWCASE Num box luxuoso, os dois livros com 272 páginas cada apresentam as primeiras aventuras do último grande personagem do faroeste americano. [544p-17x26] MUNDO BIZARRO O lado amoral, destrutivo e ridículo dos super-heróis é caricaturizado pelos melhores e mais consagrados autores dos quadrinhos independentes dos EUA. [208p-17,6x26,6] RONIN O venerado artista Frank Miller funde nesta obra os conceitos que havia absorvido dos quadrinhos europeus da Metal Hurlant com os mangás de samurais. PIORES DO MUNDO Nunca antes o universo de Batman e Super-Homem havia vivido uma paródia de tal dimensão, escrita e desenhada por grandes nomes do gênero como Paul Dini, Alex Ross e Dave Gibbons, entre tantos. [64p-21x28] SARGENTO ROCK ENTRE A MORTE E O INFERNO Imprimimos em belíssimo sépia, valorizando ainda mais os magníficos desenhos de Joe Kubert, esta magistral graphic novel escrita pelo premiado Brian Azzarello, que criou uma trama de mistério dentro de um tema de forte apelo dramático. [144p-19x28] SUPER-HOMEM DE ALAN MOORE A Opera Graphica lançou as três obrasprimas que envolvem o famoso personagem assinadas pelo conceituado escritor britânico Alan Moore. São elas Super-Homem – O Adeus, Super-Homem – O Homem que Tinha Tudo e Super-Homem e o Monstro do Pântano. TEÓRICOS
O TICO-TICO: 100 ANOS DA PRIMEIRA REVISTA INFANTIL BRASILEIRA. Quando o pesquisador Worney Almeida de Souza, ao lado do Professor Luiz Antônio Cagin, da Eca-Usp, nos trouxe uma série de slides contendo na íntegra a edição numero 1 da primeira publicação brasileira de quadrinhos, de 1905, resolvemos encarar uma empreitada alucinada. Assim, em tempo recorde de apenas quatro meses, nos dedicamos a fazer este livro, com mais de 250 páginas, formato tablóide, capa dura, encartando um facsímile colorido de O Tico-Tico numero 1. Chiquinho/Buster Brown, Little Nemo, Reco-Reco, Bolão e Azeitona, Zé Macaco e Faustina, Kaximbawn, Jujuba, Carrapicho, Lamparina, Brocoió (Popeye), Gato Felix, o Ratinho Curioso (Mickey Mouse), Gato Maluco (Krazy Kat). São os personagens destacados no livro, que valoriza os magistrais artistas
SEXO, GLAMOUR E BALAS James Bond, o 007, é uma franquia internacional que encanta gerações. O jornalista Eduardo Torelli conhecia tudo e muito mais sobre o personagem e seu universo. O sucesso foi tanto que ganhou uma segunda edição capa dura. Revisada e ampliada. [304p-26,5x36] O HOMEM ABRIL O jornalista Gonçalo Júnior nos informou possuir dezenas de horas gravadas de entrevistas com Cláudio de Souza, que começou nos quadrinhos como roteirista, foi o primeiro editor do Pato Donald, e diretor na Editora Abril por três décadas. Estavam em busca de um editor e a Opera Graphica era a editora certa para publicar esta biografia. [304p-16x23] QUADRINHOS DOURADOS Com clima de matinês dos anos 40 e escrito como uma biografia nostálgica este pequeno e singelo livro escrito pelo desenhista Diamantino Silva registra em detalhes a carreira dos heróis clássicos na imprensa brasileira durante as décadas de 30, 40 e 50. [96p-16x23] 100 ANOS DE WESTERN O faroeste saiu da moda em meados dos anos 70. E até mesmo a mídia especializada esqueceu dele. No entanto, o roteirista e desenhista Primaggio Mantovi sacou ligeiro e, num belo entardecer, nos apresentou este completíssimo, divertido e superilustrado livro que lembrou a todos que o western cinematográfico completava 100 anos em 2003. Primaggio até foi no Jô Soares contar os detalhes. Grande sucesso. [144p-21x28] QUADRINHOS NACIONAIS
CALAFRIO 20 ANOS O quadrinho de terror é uma tradição no Brasil. E Calafrio de Rodolfo Zalla é o título nacional mais importante do gênero. No Natal de 2002 festejamos os 20 anos de lançamento da revista com esta antologia, onde a maioria das páginas era inédita. [128p-21x28]
MIRZA, A VAMPIRA Com roteiro de Franco de Rosa e Osvaldo Talo e arte de Eugênio Colonnese, criador da personagem, a Mulher Vampiro atua em duas novas aventuras. Numa delas acontece, pela primeira vez em 35 anos de carreira, o esperado encontro de Mirza com outra criação de Colonnese: o Morto do Pântano. [68p-21x28] MUSASHI E MUSASHI II Sem dúvida estes álbuns apresentam os trabalhos mais autorais de Julio Shimamoto. Apresentando um apurado conhecimento da história do Japão, detalhando combates entre os samurais e a filosofia dos guerreiros. [68p-21x28] MADAME SATÃ - CASSINO Com roteiro de Luís Antonio Aguiar e arte de Julio Shimamoto esta obra narra a trajetória do malandro homossexual andrógino que atuava na noite carioca dos anos 30 e 40. Aqui Satã vive em uma intriga política nos primórdios da Guerra Fria. [68p-21x28] QUADRINHOS INTERNACIONAIS
TEX Gianluigi Bonelli e Aurélio Gallepini criaram em 1948 o faroeste de mais longa duração dos quadrinhos. Este álbum traz um minucioso levantamento de todas as revistas publicadas no Brasil com o personagem e apresenta suas três primeiras histórias produzidas em tiras e publicadas originalmente em revistas com formato de talões de cheque. [68p-21x28] GROO: ODISSÉIA GROO: IMPOSTOS! PAGUE ATÉ MORRER A Opera publicou dois álbuns em capa dura com o hilariante bárbaro criado e desenhado por Sérgio Aragonés e escrito por Mark Evanier. Odisséia é uma antologia com quatro histórias. Impostos! é uma graphic novel. O ANEL DE NIBELUNGO Baseado na ópera de Wagner, das lendas nórdicas e teutônicas de espada e feitiçaria, a dupla Roy Thomas (roteiro) e Gil Kane (desenhos) produziu esta graphic novel que trata da trágica história de amor entre Sigmund e Sieglinde, a ânsia de poder de Wotan e a maldição eterna de Alberich, o Nibelungo.[212p-16x23] GIANCARLO BERARDI E IVO MILAZZO O primeiro é escritor. O segundo é ilustrador. Conheceram-se na escola e formaram uma das duplas de criadores mais importantes dos fumetti, os quadrinhos italianos, a partir de 1974. Ficaram mundialmente famosos ao criar Ken Parker, um western inovador e inteligente. Qualidades encontradas em Marvin: O Caso de Marion Colman, Tom’s Bar, Contrastes e Noturno, quatro álbuns que foram editados com total capricho e zelo pela Opera Graphica. Impossível dizer qual deles é o melhor. Todos apresentam histórias curtas magnificamente bem desenhadas, com roteiros de total poesia.
O FILHO DO URSO E OUTRAS HISTÓRIAS Flávio Colin foi um dos mais nossos freqüentes colaboradores. Postumamente lançamos dois de seus álbuns de antologias: O Filho dos Ursos e Outras Histórias e Mapinguari e Outras Histórias.
NOVOS DEUSES Jack Kirby é o nome do “rei dos quadrinhos”. Ele criou super-heróis, cowboys, ficção, terror, fantasia, romance; enfim, fez de tudo no ramo. No entanto, no auge de sua carreira, nos anos 70, resolveu criar seu próprio universo de heróis. Novos Deuses é o melhor dessa empreitada, ao lado de Senhor Milagre, outro herói publicado pela Opera.
NO REINO DO TERROR Cinco anos antes de Will Eisner lançar sua primeira graphic novel, o escritor brasileiro Rubens Lucchetti lançava a sua, O Filho de Satã. Exatamente 30 anos depois publicamos No Reino do Terror, uma antologia com 10 histórias escritas por Lucchetti desenhadas pelos maiores artistas do gênero do Brasil: Nico Rosso, Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, Júlio Shimamoto e Flavio Colin. [146p-16x23]
GUIA OFICIAL DC COMICS ROTEIROS E DESENHOS O escritor Denny O’Neil e o desenhista Klaus Janson assinam esta esmerada obra embalada em boxe com dois livros em capa dura que ensinam o modo de se fazer quadrinhos segundo a DC Comics. Apresentam as mesmas técnicas, normas e estilos de criadores responsáveis pelos mais importantes personagens daquela editora. [288p-21,5x28,5]
CURSOS DE DESENHO
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OS EDITORES UMA ÓPERA E SEU MAESTRO
por exemplo, ver nosso planejamento editorial ser passado para terceiros e também não queríamos entrar em leilões absurdos para garantir a publicação de certos títulos. Teve o caso de um editor que foi a uma feira na Alemanha e, acreditando que o nosso trabalho era medíocre, tentou comprar tudo de uma vez!” “Há uma outra questão”, continua. “O editor que publica material nacional deve estar preparado para estabelecer um relacionamento com o autor – desenhista ou escritor – bem profissional porque eles não sabem o esforço enorme que um coordenador editorial precisa desenvolver para lançar cada produto da forma mais digna possível. As pessoas não concebem que alguém queira realizar alguma coisa pelo simples ato de realizar e de viabilizar um produto, uma idéia. Assim como ninguém acredita que alguém possa fazer alguma coisa pelo outro por puro interesse pela obra, pelo autor ou pela história. O único interesse que a maioria das pessoas consegue enxergar, no mundo de hoje, é o valor econômico ou do poder, como se estes fossem os únicos valores humanos possíveis.” E certamente esse foi o combustível que moveu os dois audazes editores a resgatar uma preciosidade brasileira perdida no tempo: a lendária revista O TicoTico ganhou um livro luxuoso para comemorar seu centenário no qual se contaram, em suas mais de 250 páginas encadernadas em capa dura e impressas primorosamente em papel especial, os detalhes da história da primeira revista de quadrinhos do Brasil. “Esse título deveria ter sido publicado pelo Governo e não por um editor independente. O Franco – que na minha opinião é o verdadeiro autor desse livro – fez uma pesquisa profunda que revelou várias surpresas jamais publicadas antes!” Claro que a editora teria seu grande final com uma obra à altura de seus mais de nove anos de existência trabalhando com extrema delicadeza e qualidade. Fantasma – A Biografia Oficial do Primeiro Herói Fantasiado dos Quadrinhos, de Marco Aurélio Lucchetti e Franco de Rosa, é um lançamento tão imponente e corajoso quanto vários dos títulos já lançados pela pequena casa editorial. O livro parte de uma pesquisa apurada e levanta em detalhes a trajetória do personagem criado por Lee Falk. “Não existia um livro teórico sobre o Fantasma. Assim resolvemos começar o trabalho para que o livro fosse lançado no ano em que se comemorariam os 70 anos do personagem, em 2006. Mas ele só ficou pronto em 2009. Foi um trabalho minucioso e chegamos a digitalizar e pu-
O Gordo e o Magro são personagens de Contrastes, obra-prima de Berardi e Milazzo lançada pela Opera Graphica, que também apresentou clássicos em álbuns luxuosos como Os Sobrinhos do Capitão e Krazy Kat (embaixo). A história do faroeste no cinema também não foi esquecida com o lançamento do livro de Primaggio Mantovi.
blicar as 800 capas das revistas do personagem lançadas no Brasil”. Por falar em preciosidades, que outra obra vocês gostariam de ter lançado mas não conseguiram? A resposta de Carlos Mann vem rápida e certeira: “Flash Gordon, de Alex Raymond! Esse deveria ser, na realidade, nosso último lançamento, mas a King Features não nos permitiu terminar o trabalho que já havíamos feito, pois os direitos foram suspensos para o mundo todo em virtude de um suposto filme que estaria começando a ser produzido. E o álbum já estava completamente acabado, todo traduzido e com as imagens tratadas, pronto para ir para a gráfica. Foi outro trabalho primoroso que nos deixou tristes por não conseguirmos colocar no mercado”. — Você acha que, agora, a Opera Graphica poderá ser reconhecida pelo que foi realizado? “Sempre buscamos coisas que as pessoas tinham esquecido ou que tinham importância para nós e para a história dos quadrinhos. Existe espaço para muitas coisas serem realizadas. Talvez uma grande editora não consiga fazer porque não haja viabilidade econômica. Sempre apostamos de
coração em nossos projetos. Sei que as pessoas acham que nós estamos ricos, que foi por isso que paramos... Não quer dizer que a verdade, por si só, prova alguma coisa. Mas ela prova para quem tem boa vontade, para quem tem os ouvidos abertos para escutar. Quem não tem vai continuar construindo a realidade que quer. A editora dependia do nosso trabalho e para isso trabalhamos muito... Eu e mais centenas de colaboradores que nos ajudaram a sustentar esse sonho.” Passional, exigente, trabalhador, Carlos Mann e seu parceiro de trabalho, Franco de Rosa, criaram um projeto editorial diferenciado simplesmente porque achavam que era possível realizá-lo. Com o espírito de quem anda sem se conformar com o que é habitual, o imigrante que chegou de Angola há 34 anos foi o maestro principal de uma grande ópera gráfica que fez a diferença no mercado brasileiro.
KING FEATURES SYNDICATE
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46 Jornal da ABI 342 Junho de 2009
Casa das Beiras exalta luta da ABI pela liberdade Considerada uma das importantes casas regionais portuguesas da cidade do Rio de Janeiro, a Casa das Beiras prestou homenagem à ABI pela passagem do seu 101º aniversário, transcorrido em 7 de abril passado. Em ato realizado em 14 de junho sob a presidência do seu Presidente, Amadeu da Silva Coelho, com a presença de grande número de diretores e sócios reunidos num almoço na sede da associação, o jornalista Joe Rodrigues, ex-Presidente da Associação Luso-Brasileira de Imprensa, entregou ao Presidente da ABI uma placa que homenageia a Casa por “mais de um século de trabalho em defesa da liberdade”. Ao saudar os homenageados, entre os quais associados da Casa das Beiras, Joe Rodrigues destacou que, “não bastasse reunir a nata dos jornalistas e intelectuais do País, propiciando a discussão em alto nível dos grandes problemas nacionais”,a ABI “tem uma importância ainda mais relevante: nestes 101 anos de existência, completados em abril, foi o bastião das liberdades, nomeadamente a liberdade de expressão, de que nós, brasileiros e portugueses, ficamos privados durante tantos anos”. Disse ainda Joe Rodrigues: “Mesmo nesses períodos de trevas, foi a ABI que liderou os movimentos de resistência e encontrou meios para defender os que ficaram oprimidos pelas ditaduras de qualquer tipo”. Fundada em 1953 por um grupo de portugueses, a maioria comerciantes da Praça Quinze de Novembro, a Casa das Beiras desenvolveu um esforço admirável para a construção de sua sede, uma edificação de três andares situada na Rua Barão de Ubá, na Tijuca, Zona Norte do Rio, mas viu sua dedicação recompensada: a fita de inauguração do prédio foi descerrada pelo Presidente de Portugal, General Craveiro Lopes, em cerimônia que contou com a presença também do Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. Foi essa a única sede de casa regional de portugueses radicados no Brasil inaugurada por um Presidente de Portugal.
Vidas
Walda, inovadora e criadora de estilo Redatora-chefe de revistas dos Diários Associados, na era de fastígio dos veículos da rede de Assis Chateaubriand, Walda criou um estilo jornalístico considerado moderno para o começo dos anos 60, com adoção de inovações hoje correntes, como As Frases da Semana. Com pouco mais de 30 anos, Walda Menezes alcançou posição de destaque em veículos dos Diários Associados no tempo em que a rede de Assis Chateaubrind mantinha a liderança na produção e na circulação de publicações. Entre 1962 e 1970, ela trabalhou em O Jornal, considerado o diário líder dos Associados, como editora do suplemento especial dedicado a matérias sobre artes, arquitetura, culinária e decoração. Foi também coordenadora de Moda de A Cigarra e O Cruzeiro, quando ambas lideravam a circulação de revistas. Colunista de publicações dos Diários Associados, trabalhou na Bloch Editores, na qual, além de escrever para a revista Manchete, foi chefe de Redação da revista Desfile. Após se afastar da atividade em redações, Walda atuou em assessorias de imprensa, entre as quais a da
borador de várias revistas, como Jóia, da Bloch Editores. Defensora dos direitos das mulheres e poliglota, tinha fluência em inglês, francês, italiano e espanhol. Tendo visitado diversas vezes a Europa, especialmente a Alemanha, relatou suas impressões de viagem em matérias especiais, como a série Castelos da Alemanha, publicada na revista Ventura. Suas últimas reportagens foram veiculadas no site Idade Maior. Sócia da ABI desde 22 de outubro de 1974, Walda faleceu em 19 de maio, vítima de um choque hemorrágico. Nascida em 3 de outubro de 1924, filha de Oswaldo de Menezes e Antonietta de Senibus Menezes, Walda deixou quatro filhos, todos homens: Marcelo Bustamante, ex-Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro, Maurício, Mauro e Murilo.
Embaixada Americana no Rio de Janeiro, a da Panair do Brasil, liquidada no Governo Castelo Branco, e, mais recentemente, a da empresa Itaipu Binacional. Ao longo da carreira Walda Menezes fez entrevistas de grande repercussão com personalidades como a Dra. Nise da Silveira e os escritores Ariano Suassuna e Arthur Miller, famoso teatrólogo norte-americano. Com amplo trânsito no meio artístico, gozava de grande prestígio junto a pintores famosos, como Antônio Bandeira e Farnese de Andrade, e a destacados arquitetos, como José Bina Foniat e Leopoldo Teixeira Leite. Era respeitada por mestres da gastronomia, como Miguel de Carvalho, cola-
Costa Neto, o renovador da OAB-RJ Como Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, ele liderou o processo de atualização da entidade e seu engajamento nas lutas pelo retorno da democracia no País. CAMILO CALAZANS/AJB-RIO
A ABI manifestou à Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro seu pesar pelo falecimento do advogado Francico Costa Neto, ex-Presidente da entidade, ocorrido no dia 26 de maio. O teor da mensagem, enviada ao Presidente da OAB, Wadih Damous, foi endossado por Nilo Batista, ex-Presidente da OAB-RJ e exGovernador do Estado, que apontou Costa Neto como o responsável pela atualização da entidade nos anos 80 e o principal líder do engajamento da Ordem nas lutas democráticas. “Contristada com a notícia do passamento desse ilustre membro da Egrégia OAB, o qual teve atuação destacada nos esforços dos advogados do Rio para integração plena e vigorosa da OAB-RJ na luta pela restauração do Estado de Direito no País, a ABI pede a Vossa Excelência que transmita à família, amigos e companheiros do Dr. Francisco Costa Neto nosso sincero pesar pelo falecimento desse eminente profissional do Direito. Ele deixa seu nome marcado na nossa História política pela atuação que teve na liderança e organização da chapa que, a partir dos anos 80, quando se elegeu Presidente da OAB-RJ, promoveu a inserção dessa instituição nos movimentos cívicos que culminaram com a instituição do Estado Democrático de Direito entre
Costa Neto dedicou-se às lutas democráticas desde jovem, lembrou Nilo Batista.
nós”, afirmou a mensagem da ABI. Costa Neto formou-se na turma de 1950 da Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRJ, e presidiu a OAB-RJ entre 1983 e 1985, quando liderou a Chapa Azul na disputa eleitoral da entidade. “A partir de Costa Neto a OAB-RJ passou a ter um papel destacado nas lutas pelo retorno ao Estado de Direito.
Ele influenciou o engajamento do próprio Conselho Federal da OAB nas lutas democráticas”, lembra Nilo Batista, que posteriormente se elegeu Presidente da OAB-RJ também pela Chapa Azul, numa seqüência de pleitos em que se elegeram os advogados Eugênio Roberto Haddock Lobo, Carlos Roberto Martins Rodrigues e Hélio Sabóia, entre outros. Nilo Batista recorda que Costa Neto se dedicou muito jovem às lutas democráticas. No fim dos anos 40, foi preso na Espanha juntamente com outros três estudantes, entre os quais o futuro jornalista Emo Duarte, sob a acusação de serem comunistas. O fato gerou campanha de solidariedade no Brasil, a qual culminou com a libertação do grupo pela polícia da ditadura franquista. A formatura da turma de Costa Neto teve ruidosa repercussão, motivada pela suspensão abrupta da cerimônia de colação de grau, realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Eleito paraninfo da turma, o catedrático Leônidas de Resende redigiu um discurso considerado provocativo por parte dos formandos e de alguns professores, com os quais tinha profundas divergências ideológicas desde que, na segunda metade dos anos 20, criou e dirigiu o primeiro diário comunista do Brasil, A Nação. Acamado no dia da formatura, Leô-
nidas de Resende convidou o jovem formando Francisco Costa Neto para ler seu discurso, intitulado Rui Cordilheira, no qual exaltava a pregação de Rui Barbosa em defesa das liberdades públicas e dos direitos civis – uma heresia naqueles tempos de Guerra Fria e de repressão do Governo Dutra. Dono de uma voz poderosa e alinhado com as idéias do paraninfo, dando ênfase às passagens mais vigorosas do texto de Resende, Costa Neto não pôde concluir a leitura. Colegas formandos tentaram arrebatar-lhe as folhas do discurso, outros reagiram contra essa manifestação de intolerância, solidários com Resende e com Costa Neto, e saíram aos tapas e socos com os dissidentes. Diante do conflito que se desencadeou, a direção da Faculdade suspendeu a cerimônia. Com vasta atuação na área trabalhista e respeitado advogado de sindicatos de trabalhadores, ao lado de outros notáveis advogados especializados, como Alino da Costa Monteiro, George Pires Chaves e Eugênio Roberto Haddock Lobo, Costa Neto foi um dos principais incentivadores da criação da Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro-Caarj, que assegurou aos profissionais da advocacia a proteção previdenciária e a assistência médico-hospitalar de que não dispunham. Ele estava com 87 anos.
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