Jornal da ABI 346

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DIVULGAÇÃO

A GRANDE ARTE CARTAZISTA DE ZIRALDO AO ALCANCE DE TODOS Criador de símbolos marcantes, como o galo do Festival da Canção, ele desenha para a Feira da Providência há meio século. Páginas 35, 36 e 37

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

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Jornal da ABI

O UTUBRO 2009

SOB O TORPOR DA CENSURA Ao contrário do que ocorreu sob o regime militar, em que havia mobilização contra o totalitarismo, o conjunto da sociedade, entorpecido, não percebeu que a censura prévia ao Estadão agride não apenas esse jornal, mas o Estado Democrático de Direito.

A CIDADANIA SE RENDEU? Página 27 e Editorial na página 2: Vamos à luta, de novo

JORNALISMO CULTURAL, UM

COM TORTURADOR IMPUNE,

GÊNERO EM TRANSIÇÃO

ANISTIA ESTÁ INCOMPLETA

FATORES COMO OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS IMPÕEM REFLEXÕES . PÁGINAS 3, 4, 5, 6 E 7

A OAB RECLAMA NO SUPREMO O JULGAMENTO DE QUEM TORTUROU E MATOU. PÁGINAS 30 E 31


Editorial

VAMOS À LUTA, DE NOVO

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

Jornalismo cultural - Muito mais que uma questão de opinião

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Leg islação - Frente suprapartidária é formada Legislação para defesa da emenda do diploma

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Justiça - Modesto recebe Medalha

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Desafio Desafio- Uma nova missão para Saturnino

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Prêmios - A grande festa do Prêmio Vladimir Herzog

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Veículos - A economia de cara nova

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Um novo tempo para o Diário de S.Paulo

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Depoimento - Osmar Frazão

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Memória - Ninguém quis pagar pelo acervo da Bloch

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Lançamento - A grande arte de Ziraldo

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História - Nabuco, sobretudo jornalista

EM NOSSA EDIÇÃO PRECEDENTE, o Volume 3 da série de publicações dedicadas à comemoração do centenário da Casa, a ABI evocou um dos momentos mais destacados da resistência à ditadura militar: a elaboração do Manifesto 1.046 contra a censura, que reuniu mais de um milhar de adesões de jornalistas, escritores, artistas, professores dos diferentes níveis de ensino, advogados, juristas e representantes de segmentos sociais que não se conformavam com a rolha imposta à liberdade de expressão pelo Governo do General Ernesto Geisel e seu Ministro da Justiça, Armando Falcão. QUEM TRABALHAVA COM IDÉIAS e com o pensamento e pôde ser alcançado por quantos se encarregaram de difundir o documento não vacilou em apor seu nome na declaração libertária. Como manifestação coletiva de engajamento na causa da liberdade, o País jamais assistiu a episódio de tal magnitude. RELEMBRE-SE QUE ESSA INÉDITA mobilização ocorria sob as condições ásperas de uma sanguinolenta ditadura militar, que pouco mais de um ano antes assassinara dois presos políticos, Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e Manuel Fiel Filho, em janeiro de 1976; promovera o massacre dos patriotas que se engajaram na Guerrilha do Araguaia; iniciava a liquidação dos membros da direção nacional do Partido Comunista Brasileiro-PCB, entre os quais vários jornalistas que a integravam, como Orlando Bonfim Júnior e Jaime de Amorim Miranda, cujos corpos, passadas mais de três décadas, jamais foram entregues às suas famílias para um sepultamento digno.

Jornal da ABI Número 346 - Outubro de 2009

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo, Marcos Stefano e Paulo Chico Imagens: Acervo Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), Agência Brasil, Agência Câmara, Agência O Globo, Folha Dirigida, Folhapress. Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: abi.presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-O4O Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 - Osasco, SP

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ASSUMIR A RESPONSABILIDADE cívica de coordenar a coleta de assinaturas ao documento e de tentar entregá-lo em Brasília à feroz autoridade ditatorial, o Ministro Armando Falcão, como fizeram então Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Hélio Silva e Jeferson de Andrade, era um gesto de destemor, um ato heróico. TAL EVOCAÇÃO É OPORTUNA – na verdade, necessária, mais do que oportuna – diante da apatia ou aparente naturalidade com que o conjunto da sociedade e especialmente seus setores com tradição de militância nas causas libertárias, como os intelectuais e os artistas, recebem a censura prévia imposta ao jornal O Estado de S. Paulo por um magistrado do Distrito Federal, numa agressão que tem sido coonestada por outros escalões do Poder Judiciário. Com razão o cientista político Luiz Werneck Viana, um dos participantes da resistência democrática, fez cobranças que são também de todos os que se preocupam com a consolidação do Estado Democrático de Direito entre nós: onde estão os intelectuais que não lançam declarações denunciando essa manifestação totalitária? onde estão os meios de comunicação e principalmente os jornais que não se insurgem em editoriais contra uma restrição de direitos constitucionais que não pertencem ao Estadão, mas a toda a sociedade? ONDE ESTÃO, AFINAL, perguntamos nós da ABI, os que lutaram para o retorno ao Estado de Direito, que não podem depor as armas – sua palavra e sua mobilização – que derrubaram a ditadura militar?

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

ARTIGO 09 “Edições do centenário refrescam a memória nacional”, por Fábio Lucas ○

SEÇÕES MEN SA GEN S NS AG NS 08 Jornal da ABI, a glória que fica ○

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A C O N T EEC CEU N A AB BII As artes plásticas e o futebol

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Mais visitantes no Edifício Herbert Moses

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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS Repórter do Diário de Pernambuco é agredido

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“A sociedade deve reagir contra a censura”

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O Brasil avança no ranking da RSF

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D I R E I TTO O S HU M A N O S A anistia está incompleta

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L IVROS O que não deu nos jornais

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V I DA S Saul Galvão

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Antônio Olinto

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Herval Faria

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Carlos Alberto Menezes Direito e Paulo Cabral

Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Lima de Amorim, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello, Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.


ILUSTRAÇÃO SOBRE FOTOS DA FOLHA IMAGEM

JORNALISMO CULTURAL

Caetano Veloso e Paulo Francis protagonizaram um embate antológico no início da década de 80 através das páginas da Ilustrada, época em que ainda se encontrava um tom autoral nas matérias culturais.

Uma avaliação de um gênero de jornalismo que já teve preeminência excepcional na imprensa brasileira e que agora parece confinado a uns poucos guetos, pelo custo que teria torná-lo mais freqüente. POR MARCOS STEFANO

“T

checov não é o pai de Greta Garbo”, já dizia o polemista Paulo Francis em 1958. A observação pode parecer desnecessária, mas de acordo com Francis, nome destacado do jornalismo cultural brasileiro daquela época, era fundamental para se entender a obra do dramaturgo russo, um dos mestres do conto moderno. Coisa parecida pode muito bem ser dita sobre o jornalismo cultural. Apesar das muitas tentativas de generalização, a cobertura sobre cultura é diferenciada de todos os outros gêneros jornalísticos, mesmo os nobres econômico e político ou o popular esportivo. Tanto que durante muito tempo foram os cadernos de cultura que deram identidade e forneceram diferenciais para os maiores e melhores jornais do País. Desde os tempos em que literatura e imprensa andavam de mãos dadas e nomes como Machado

de Assis e Lima Barreto espocavam nas páginas dos diários, o jornalismo cultural é mais do que o reduto da intelectualidade ou da opinião, é também a ligação entre a arte e a realidade social. “O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo por uma palavra pensada”, sentenciou Guimarães Rosa. Nos últimos tempos, no entanto, poucos assuntos têm sido alvo de tanta discussão ou de debate como o jornalismo cultural. A força da indústria cultural, os avanços tecnológicos, a ampliação do universo a ser pautado e acompanhado, a diminuição das equipes e a falta de maior qualificação dos profissionais exigem cada vez mais da crítica uma autocrítica tão fervorosa quanto uma resenha ou a avaliação de uma peça. Longe de levar a um fim, essa encruzilhada pode abrir novas e interessantes oportunidades. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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JORNALISMO CULTURAL MUITO MAIS QUE UMA QUESTÃO DE OPINIÃO JUCA VARELLA/AE

O jornalista cultural é um espectador privilegiado, tanto da arte quanto da realidade. “O que conta não é sua opinião, mas a arte na qual ela é expressa. Eles diferem dos romancistas apenas por terem como assunto principal a vida ensaiada em vez da vida não ensaiada. O mais sutil e bem informado dos homens continuará sendo um crítico ruim se seu estilo for ruim. É irrelevante se sua opinião está ‘certa’ ou ‘errada’: aprendo muito mais com George Bernard Shaw quando está errado do que com Clement Scott quando está certo. O verdadeiro crítico se importa pouco com o aqui e agora. A última coisa com a qual se preocupa é com o homem que o lerá primeiro. Seu verdadeiro rendez-vouz é com a poste-

DANIEL PIZA

com indicação de filmes e peças que entram em cartaz ou divulgação de exposições e livros. Apesar da importância da chamada “agenda”, há um certo consenso de que o jornalismo não pode se limitar a ela. “Trabalhei em revistas como Veja e IstoÉ nos anos 70 e 80, quando ainda não havia um domínio das ferramentas de pesquisa de mercado que hoje permitem saber quem exatamente é o seu leitor, qual deve ser o seu alvo e conhecer gostos de forma detalhada. Fazíamos muita coisa de forma empírica e tínhamos certa liberdade para, além de prestar o indispensável serviço público, ainda garimpar e mostrar uma produção de qualidade, mas que não é tão visível”, lembra o jornalista

sem as interrupções nos momentos decisivos, a cada capítulo. A tradicional fórmula das telenovelas também foi responsável, muito antes, por um dos momentos que mais caracterizou a relação entre cultura e imprensa: o advento do Folhetim. Na Paris de 1850 e, posteriormente, também no Brasil, grandes obras da literatura nacional e internacional foram publicadas primeiramente encartadas em partes nos jornais. Mas as relações tanto de escritores quanto de artistas com a imprensa começaram ainda antes. Apenas não é possível dizer exatamente quando. Se o jornalismo surgiu com a urbanização na Europa pós-renascentista, pode-se afirmar que sua vocação como obra cultural não tardou

“A crítica com fundamento exige domínio dos assuntos, do idioma, elaboração e transparência na construção sedutora dos argumentos.” ridade. Sua resenha é uma carta endereçada ao futuro – pessoas que daqui a 30 anos podem querer saber exatamente como era estar num determinado teatro numa determinada noite. O crítico é sua testemunha, e ele terá feito seu trabalho se evocar, com precisão e com todos os seus preconceitos claramente expostos, seu estado mental depois de uma performance. [...] Ele achará leitores se escrever clara, alegre e sinceramente; se olhar a si mesmo como um espelho especialmente manufaturado que registra um evento único e irrepreensível”, definiu em 1961 o crítico inglês Kenneth Tynan, com suas tradicionais frases de efeito. Tynan pode até exagerar ao considerar sem relevância a opinião estar certa ou errada, mas acerta no papel daqueles que lidam com cultura na imprensa. Críticas e resenhas, sem exageros, já decidiram tantas vezes o sucesso ou o fracasso de filmes, peças e discos. Mesmo quando bilheterias batiam recordes, os produtores não conseguiam limar os estragos causados à sua imagem por certas palavras e opiniões. Mas resenhas e críticas, assim como ensaios, reportagens, perfis e entrevistas, nunca se limitaram apenas ao mundo das artes.

“A CULTURA ESTÁ EM TUDO” “A cultura está em tudo e é de sua essência misturar assuntos e atravessar linguagens”, defende Daniel Piza, Editor-Executivo de O Estado de S. Paulo e autor do livro Jornalismo Cultural (Editora Contexto). Defensor da singularidade e das especificidades do jornalismo cultural, Piza acredita que o gênero ainda não é devidamente valorizado no Brasil. “Diferente do econômico ou do político, em que prevalecem 4

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as hard-news, no cultural há uma importância diferente da interpretação e da criatividade”, reclama. Ele conta que essa falta de percepção faz que cada vez mais o jornalismo cultural seja equiparado a outros, mesmo sendo tão diversificado, com demandas e debates específicos, como a tão conhecida disputa entre cultura de elite e popular, textos de variedades e conteúdo erudito e cultura nacional contra a estrangeira. Um debate mais presente na área cultural do que no jornalismo. “Já trabalhei em jornais que proibiam título sem verbo nas matérias de cultura e colocavam a crítica à parte, raramente apta para abrir a seção ou mesmo uma página interna. Nada de diagramação diferenciada ou textos com parágrafos mais longos. Essas publicações supõem que a maioria só quer resuminhos com carinhas ou estrelinhas no final. Mas muitos leitores reagem bem ao texto bem escrito e fundamentado ou que aborde tendências”, defende Piza, que acredita existir uma marginalização da crítica na grande imprensa, em que informações em poucas linhas e mais baseadas no achismo e no palpite têm substituído o comentário bem fundamentado. “Definitivamente, não é meramente uma questão de opinião, mas a crítica com fundamento exige domínio dos assuntos, do idioma, elaboração e transparência na construção sedutora dos argumentos.” Nos últimos tempos, um dos traços mais marcantes do jornalismo cultural produzido tanto por cadernos de jornais diários quanto por publicações especializadas é a prestação de serviços,

Humberto Werneck, autor de livros como O Santo Sujo – A Vida de Jayme Ovalle (Cosac Naify) e O Desatino da Rapaziada (Companhia das Letras) e atualmente cronista do caderno Outlook do jornal Brasil Econômico. Werneck, que começou a carreira em 1968 justamente no tablóide Suplemento Literário, encartado no Diário Oficial de Minas Gerais, critica aquilo que chama de “ditadura do best-seller na grande imprensa”. “É natural que se ocupem daquilo que é potencialmente mais interessante para a maioria de seu público, mas os veículos de comunicação me parecem bem pouco interessados no que está à margem do mainstream. Não é uma deficiência recente, mas vem-se agravando nesses últimos tempos com essa política de renovação, corte de custos e enxugamento das Redações, que demite os profissionais mais experientes. O que existe de mais interessante no jornalismo cultural brasileiro foi produzido fora dos releases e das aspas pré-produzidos das grandes estrelas”, analisa.

O COMEÇO, HÁ TRÊS SÉCULOS Histórias de paixão, ódio, ciúme, ambição e vingança. Coincidências, idas e vindas, prolongamentos e repetições. Paternidades desconhecidas, ricos gananciosos e pobres lutadores. Tramas ardilosas e perseguições infindáveis. No final, recompensa para os bons e punição para os maus. Mas não

muito mais. “Que todos entendam e que os eruditos respeitem”, já pleiteava, em 1696, o alemão Tobias Peucer, um dos primeiros teóricos do jornalismo. Antes mesmo, com o surgimento dos jornais The Transactions of the Royal Society of London, em 1665, e News of Republic of Letters, em 1684, já há registros de obras literárias e artísticas. É desse tempo que datam as primeiras resenhas de livros na imprensa. O conceito de jornalismo cultural viria alguns anos depois, em 1711, quando os ensaístas ingleses Richard Steele e Joseph Addison criaram a revista diária The Spectator. Inspirada pelo ensaísmo humanista e com o objetivo de “tirar a filosofia dos gabinetes e bibliotecas, escolas e faculdades, e levar para clubes e assembléias, casas de chá e cafés”, a publicação falava de tudo: livros, óperas, costumes, política e festivais de música e teatro. O tom era de uma conversação espirituosa, culta sem ser formal, reflexiva, mas sem ser inacessível. Um sucesso que abriria as portas para que o jornalismo cultural britânico pudesse contribuir decisivamente para o movimento iluminista do século XVIII. E que também atrairia nomes da literatura, como o do irlandês Jonathan Swift, que antes de escrever Viagens de Gulliver, produziu os panfletos A Batalha dos Livros e Uma Proposta Modesta. Outro foi Daniel Defoe, autor de Robinson Crusoé e Um Diário do Ano da Peste, uma inédita mistura de ensaio, ficção, reportagem e relato de viagem. Durante dez anos, Defoe escreveu sozinho Review, um periódico da Corte. É também na Inglaterra que aparece o primeiro grande crítico cultural: Samuel Johnson, que na metade do século XVIII se consagra com resenhas da prosa e da poesia de seus contemporâneos, ensaios sobre Shakespeare, estudos sobre a língua inglesa, diversas reflexões e romances. Nos anos seguintes, o jornalismo


cipais lançamentos, novidades e eventos do mundo cultural. Mas um jornalismo mais voltado à literatura e à cultura; de fato, só ganha força a partir de 1850, com o arrefecimento dos pasquins e de seus tons políticos. Com esse declínio e melhores condições estruturais, econômicas, sociais e técnicas – gravuras e impressões coloridas ganhariam as páginas da imprensa – surgem jornais e revistas literárias. E, claro, a imprensa começa a publicar obras de grandes escritores na forma de folhetins. Um dos primeiros foi o romance Memórias de um Sargento de Milícias, publicado entre junho de 1852 e julho de 1853 pelo Correio Mercantil. Ainda desconfiado com a novidade, Manuel Antônio de Almeida preferiu assinar o

Rocha, esses escritores estavam no topo de influência da imprensa do final do século XIX. A sociedade modernizou-se muito na virada do século. Com ela, o jornalismo, até então tão escasso de notícias, mas fértil no articulismo político e em debates sobre livros e artes. Com a profissionalização da imprensa, ganhou força a reportagem, com relato de fatos em tons menos sensacionalistas e projeção de repórteres de política e polícia, como sujeitos mais importantes das Redações. Se a arte moderna derrubava barreiras, o jornalismo cultural não ficava atrás. Lá fora, o romancista naturalista Émile Zola, também crítico de arte e literatura, entrou de cabeça no Caso

Mário de Andrade: suas críticas são autênticas crônicas sobre São Paulo.

REPRODUÇÃO

cultural ganharia toda a Europa. Na França de 1789, a Revolução Francesa foi engendrada no caldo de cultura fervido por panfletos e pasquins, tanto políticos quanto culturais. Também havia grandes críticos de arte, como Denis Diderot, o editor-chefe da Enciclopédia, que cobria salões e exposições para os mais diversos periódicos, abrindo caminho para artistas como Delacroix e inspirando seguidores como o poeta Charles Baudelaire. No século XIX, começam a aparecer homens que estabelecem sua reputação unicamente pela atividade crítica. Talvez o nome mais conhecido seja o de Sainte-Beuve, apontado como o papa francês da crítica oitocentista. No jornal Le Constitutionnel, ele publicaria

“O que existe de mais interessante no jornalismo cultural brasileiro foi produzido fora dos releases e das aspas pré-produzidos das grandes estrelas.” uma coluna semanal, Causeries du Lundi (Bate-papo da Segunda-Feira), precursora dos rodapés literários que se vêem até hoje em grandes jornais.

O JORNALISMO, O IMPULSO Nesse mesmo século XIX o jornalismo cultural atravessaria o Atlântico e chegaria ao Brasil. Literalmente, graças ao Correio Braziliense ou Armazém Literário, impresso em Londres por Hipólito da Costa e enviado por navio. Com seções como Comércio e Artes, Literatura e Ciências e Miscelânea, trazia os prin-

texto apenas como “Um brasileiro”. Em 1857, depois de publicar crônicas no mesmo Correio Mercantil, José de Alencar vai para o Diário do Rio de Janeiro e publica, de fevereiro a abril, sua grande obra: O Guarani. Curiosamente, autores que depois se consagrariam na literatura principiaram no jornalismo. Em partes, a explicação é de que viver da literatura, ontem como hoje, era das mais árduas e penosas no Brasil. Mas estar ligado a algum diário ou semanário poderia abrir portas e garantir a publicação de um livro. Assim, um tímido Machado de Assis estreou em 1855 no jornal A Marmota. Como era de bom tom, prestava homenagem ao imperador. Outro que trilharia o mesmo caminho seria Lima Barreto. Seu ferino Recordações do Escrivão Isaías Caminha foi escrito para satirizar os blefes e as ignorâncias existentes numa Redação. Ao lado de jornalistas versados nas letras, como Justiniano José da

Émile Zola e sua carta aberta ao Presidente da França sobre o Caso Dreyfus publicada na primeira página do jornal: Acusado de traição.

Dreyfus. Tudo começou quando um tenente judeu foi acusado de traição na França. Em 1898, Zola saiu em defesa de Dreyfus nunca cartaaberta ao Presidente francês. O momento de glória jornalística levou Zola à cadeia, mas também obrigou uma revisão do caso, que terminou com a prova da inocência do tenente. Na Inglaterra, ganhava cada vez mais força o irlandês George Bernard Shaw. Depois do fracasso como romancista e antes do sucesso mundial como dramaturgo, GBS, como se intitulava, era discutido em todo o país e no exterior com seus polêmicos textos, que versavam política, observação social e análise estética. Com ele e com a profusão de jornais e revistas, a crítica torna-se mais incisiva e informativa e perde seu teor moralista e meditativo.

VENDER OU NÃO A ALMA

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Por aqui, as intermináveis discussões sobre “vender ou não a alma”, que os escritores enfrentaram nos primeiros anos em que abraçaram as carreiras de jornalistas ou funcionários públicos, parecem ter ficado no passado. Agora, a contribuição literária parece perfeitamente adequada e fundamental até para conformar a linguagem do jornal, deixando-a mais direta, enxuta e estética. Em 1904, na Gazeta de Notícias, do Rio, João do Rio, um dos mais notáveis exemplos de hibridismo de cronista e escritor em seu tempo, promove uma das primeiras enquetes da imprensa nacional: Afinal, que efeitos tem o jornalismo sobre as aspira-

ções literárias de um indivíduo? O leitorado do jornal acabou se dividindo. A maioria achava que ajudava, mas muitos também diziam que tanto poderia ajudar como prejudicar. Certamente, os modernistas não tinham o hábito de ler ou responder a perguntas da Gazeta. Ainda bem, senão a revista Klaxon e o buzinaço promovido por Osvald de Andrade, Victor Brecheret e outros no Teatro Municipal, em São Paulo, por conta da Semana de 1922, não teria passado do campo das idéias. Já Mário de Andrade, o poeta de Paulicéia Desvairada e romancista de Macunaíma, dificilmente desenvolveria sua carreira de crítico e ensaísta. Isso não apenas privaria os leitores de análises sobre música e literatura, mas também não haveria incursões nas artes visuais e debates sobre o folclore e política cultural. Como extensão das artes, suas críticas de concerto publicadas nos anos 30 pelo então Diário de S. Paulo mostraram uma ligação ainda maior com o jornalismo, servindo como autênticas crônicas da cidade. Não é possível fazer qualquer relato histórico a respeito do jornalismo cultural sem falar nas revistas lançadas na primeira metade do século passado. Nos Estados Unidos, publicações como Partisan Review (1934), New Yorker (1925), e Esquire (1933) revolucionaram o jornalismo cultural com suas reportagens, perfis e críticas, lançando novos escritores. Tanto New Yorker quanto Esquire, ambas ainda em circulação, foram berços do chamado Novo Jornalismo, que aplicava recursos literários e da ficção em textos jornalísticos de fôlego, revelando ou projetando nomes como John Hersey, Truman Capote, Kenneth Tynan, Joseph Mitchell, John McPhee, Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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JORNALISMO CULTURAL MUITO MAIS QUE UMA QUESTÃO DE OPINIÃO DIVULGAÇÃO

ACERVO ABI

O repórter Joel Silveira escreveu na revista Diretrizes, de Samuel Wainer, um painel divertido e variado da vida brasileira.

entes dos novos movimentos culturais da época, como Gláuber Rocha e José Guilherme Merquior. Estavam lançadas as bases para a criação, três anos depois, do Caderno B, caderno diário de cultura do JB. Com a direção de Jânio de Freitas, o jornal usou a editoria de Esportes como laboratório para experiências. Assim, adotou uma diagramação que abolia os fios e explorava os branc os, e incorporou sugestões já presentes no Suplemento Dominical, diagramado pelo artista Amílcar de Castro. No ambiente cosmopolita e politizado da capital federal, o Caderno B se tornou um sucesso; nos anos 60 já era o suplemento diário de artes e espetáculos mais influente do País.

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

“Os jornais precisam pensar em como atender com mais agilidade os interesses do público ou continuarão a perder leitores.”

OS ANOS DE SALTO: 40 E 50 “O jornalismo cultural brasileiro amadureceu tardiamente. É a partir dos anos 40, 50 que atravessa sua melhor fase. Mesmo com a politização dos anos 60, a produção é rica e variada e agora passa a ser feita pela grande imprensa”, explica o jornalista Marcos 6

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Augusto Gonçalves, da Folha de S. Paulo, autor do livro Pós-Tudo, em que aborda o jornalismo cultural brasileiro nos últimos 50 anos e conta a história do caderno Ilustrada. As mudanças começaram pelo Correio da Manhã, do Rio, veículo em que Álvaro Lins e Oto Maria Carpeaux, com o auxílio de Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda, como redatores, Carlos Drummond de Andrade, como colunista, e Antônio Callado, como repórter e depois cronista, introduziram uma série de novidades, depois copiadas por todos os outros jornais. As reformas gráficas e editoriais começaram pela criação de cadernos e a cultura ganhou o seu primeiro no País: o dominical Quarto Caderno. Mas se estenderam ao visual, à opinião e à linguagem, já que Graciliano Ramos começou a limar o beletrismo do jornal, proibindo o uso de termos como “outrossim”. Entre os suplementos semanais de cultura os mais destacados eram publicados pelo Estadão e pelo Jornal do Brasil. O Suplemento Literário foi criado pelo jornal paulista em 1956 e reunia a nata da Universidade de São Paulo: o melhor da crítica literária, cinematográfica e teatral de São Paulo. Idealizado por Antônio Cândido, era dirigido por Décio de Almeida Prado e tinha entre seus colaboradores Paulo Emilio Sales Gomes, Rui Coelho e Wilson Martins. O JB, que sofre uma reformulação e passa a dar mais valor à reportagem e ao visual, praticamente generalizando o uso do lide no jornalismo brasileiro, confirma seu papel de vanguarda com a criação, no mesmo ano de 1956, do Suplemento Dominical. Dessa iniciativa participaram os poetas Mário Faustino, Reinaldo Jardim e Ferreira Gullar, o crítico Mário Pedrosa e colaboradores do grupo concretista de São Paulo, como o poeta Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Ainda participavam expo-

DIVULGAÇÃO

Calvin Trillin, Norman Mailer, Gay Talese, Tom Wolfe e Lilian Ross. As incursões do jornalismo brasileiro na reportagem literária foram mais raras. Depois de Euclides da Cunha, ainda no começo do século, no Estadão, e do próprio João do Rio, na Gazeta de Notícias, nos anos 40, é a vez da revista Diretrizes, dirigida por Samuel Wainer, publicar diversos perfis e entrevistas feitas com artistas e intelectuais pelo jornalista Joel Silveira. Junto com reportagens sobre o comportamento dos grão-finos paulistanos, há diversos episódios de bastidores da cultura nacional, formando um painel divertido e variado da vida brasileira. Esses e outros textos encontram-se publicados no livro A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista (Coleção Jornalismo Literário, Companhia das Letras). Enquanto isso, fazia sucesso no País a revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand. Mesmo sendo de variedades, a publicação trouxe importantes contribuições, como inovações gráficas e reportagens investigativas. Em termos de cultura, trazia contos de José Lins do Rego e Marques Rebelo, artigos de Vinícius de Morais e Manuel Bandeira, ilustrações de Anita Malfatti e Di Cavalcânti, colunas de José Cândido de Carvalho e Rachel de Queirós. Sem falar do humor de Péricles, O Amigo da Onça, e Vão Gogo, pseudônimo de Millôr Fernandes.

MARCELO COELHO

“Conciliamos uma nova estética, a hierarquia temática do jornalismo, crônicas e críticas. Era um perfil novo e definido”, diz Jânio de Freitas em entrevista ao livro Pós-Tudo.

UMA ESPÉCIE DE GUARDA-CHUVA A efervescência dos anos 60 no meio cultural e seus reflexos no jornalismo cultural foram duramente reprimidos no regime militar. Na área editorial, as melhores experiências se concentraram em algumas revistas de informação, como Veja e IstoÉ e na imprensa alternativa. Dentro deste grupo, Movimento, com colaboração de Maria Rita Kehl e José Miguel Wisnik, foi uma das publicações de maior destaque. Ainda em 1969 apareceu o tablóide semanal O Pasquim que, baseado no tripé humor-política-cultura e com a força de uma equipe que tinha Paulo Francis, Sérgio Cabral, Ziraldo, Tarso de Castro, Millôr Fernandes, Jaguar e Sérgio Augusto, alcançou tiragens de 200 mil exemplares. Uma das melhores seções

de cultura do período foi a publicada sob a direção de Júlio César Montenegro no jornal Opinião, semanário produzido nos mesmos moldes de suplementos como o New York Review of Books e que fez sucesso especialmente entre os universitários e a esquerda intelectualizada. É no processo de redemocratização e com as Diretas Já, nos anos 80, que os cadernos de cultura dos dois principais jornais paulistas, a Folha e o Estadão, consolidam-se como os mais influentes do País. O Caderno 2, do Estado, teve em sua equipe Wagner Carelli, Zuza Homem de Mello, Ênio Squeff, José Onofre, Rui Castro, Telmo Martino e Paulo Francis. Sua marca, desde então, é o forte equilíbrio entre literatura, arte e teatro. Uma clara distinção em relação à Ilustrada, da Folha. Criado em 1959, o caderno foi um reflexo de seu tempo. De acordo com José Nabantino Ramos, na época dono do jornal, a Ilustrada tinha como missão “evitar que os homens se apoderassem do jornal e as mulheres ficassem de mãos abanando, sem nada para ler”. A proposta pode soar machista, mas visava justamente à ampliação da esfera do entretenimento com a emergência das mulheres como leitoras e consumidoras. Mas a Ilustrada original estava tão longe de ser um suplemento feminino, com moda, decoração e cuidados com a beleza, quanto de se transformar em um moderno caderno cultural, voltado para artes e espetáculos. “Era o lugar das variedades, um guarda-chuva no qual cabiam desde reportagens sobre cesarianas em mulheres sob hipnose até fofocas de Hollywood, passando por viagens de balão, exposições, artigos científicos e notas sociais”, diz o jornalista Marcos Augusto Gonçalves. Quase três décadas e muitas reformulações depois, a Ilustrada chegou ao auge com polêmicas como a que foi travada entre Paulo Francis e


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Caetano Veloso em 1983, por conta da musicalidade brasileira, atenção à cultura jovem internacional, especialmente o cinema norte-americano e a música pop, um visual moderno e reportagens que, a princípio, traziam um forte tom autoral, num misto de reportagem e crítica.

ISABELLE ANCHIETA

dos espaços mais bem trabalhados é o da área cultural.

OS CAMINHOS, AINDA OBSCUROS “Fala-se muito em crise do jornalismo cultural e, em alguns casos, ela é necessária para repensar o que vem sendo feito. Especialmente nas revistas, que precisam deixar apenas de indicar e se voltar mais para a análise. Mas também há soluções e tendências claras. Além das publicações especializadas, temos uma expansão sem precedentes para os livros. Já há cole-

É HORA DE MUDAR Desde a década de 1990, os cadernos culturais dos grandes jornais brasileiros passam por um mesmo processo. Se por um lado existe uma maior diversificação com a inclusão de assuntos que não fazem parte das “sete artes” – literatura, teatro, pintura,

Diz Isabelle que os cursos de Jornalismo não valorizam a disciplina. De um universo de 356 cursos, apenas 16, ou pouco mais de 10%, oferecem jornalismo cultural como uma disciplina plena, com 72 horas de aula. Outras trabalham o tema como optativo ou nem oferecem o assunto especificamente. O resultado é uma multidão de profissionais cronicamente analfabetos – com o perdão do trocadilho. Qualquer que seja o futuro do jornalismo cultural brasileiro, ele certamente passará pela internet. A rede mundial de computadores não tem as limitações de espaço de jornais e revistas, muito menos os problemas financeiros de publicações mais especializadas. Diferentemente das mídias em outros mei-

“Fala-se muito em crise do jornalismo cultural e, em alguns casos, ela é necessária para repensar o que vem sendo feito.”

escultura, música, arquitetura e cinema –, como moda, gastronomia e design, por outro, há uma clara diminuição do peso da opinião, com aumento do domínio da agenda passiva, aquela feita a partir da divulgação de eventos e serviços, cujas reportagens, no máximo, abrem aspas para os artistas em todo o texto. Trocando em miúdos, há uma supervalorização do mundo das celebridades e de eventos e uma restrição das críticas, que acabam em pequenos boxes de canto de página. Há muitas colunas, mas cada vez menos são assinadas por jornalistas de carreira. Para Marcelo Coelho, membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo e colunista da Ilustrada, os tempos mudaram e mudanças também nos cadernos de cultura dos grandes jornais são imprescindíveis. “Quando cheguei ao jornal, em 1984, ainda vivíamos um tempo em que um veículo conseguia exercer um papel catalisador em termos de movimentos culturais. Hoje, com novas fontes de informação e um universo de temas muito mais variado, fica difícil sustentar esses cadernos em termos de cobertura e de prioridades. É impossível fa-

tâneas de ensaios e críticas e reportagens feitas diretamente para serem publicadas nesse formato. Desde os anos 80, os jornalistas descobriram o filão das biografias, e mesmo quando o objetivo é falar sobre uma cidade ou travar um debate intelectual, a história cultural torna-se relevante”, aponta Almir de Freitas, Editor-Sênior da revista Bravo!. Ainda que alguns caminhos pareçam obscuros, nunca houve tantas oportunidades para o jornalismo sobre cultura. Então o que falta para aproveitá-los? As respostas são variadas, mas qualquer solução passará, inevitavelmente, pela qualificação dos jornalistas que trabalham na área. E ela não é das melhores. “Continuamos afirmando que os cadernos e seções de cultura dão a cara e servem de diferencial para jornais e revistas, mas não investimos na formação dos jornalistas que lidam com o assunto. Nas faculdades, os alunos continuam pensando que jornalismo cultural é simplesmente opinar sobre um livro ou sobre uma música. Uma questão de gosto. Mas para emitir essa opinião de maneira fundamentada é preciso dominar o assunto e ter todo um conjunto de técnicas que se aprendem”, alerta a professora Isabelle Anchieta, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje professora de Teorias da Comunicação e Teorias do Jornalismo, Isabelle já esteve na outra ponta desse debate. Formada em Jornalismo, ela foi apresentadora de telejornais da TV Globo em Belo Horizonte e repórter de documentários produzidos pela Rede Minas de Televisão. Com experiência, garante: a maioria dos alunos que saem da faculdade não sabem escrever uma crítica ou elaborar uma crônica, duas das principais modalidades do jornalismo cultural. “Eles acham que basta ler Veríssimo e Guimarães para escrever bem. E as faculdades cooperam com essa visão distorcida”, reclama.

ARQUIVO PESSOAL

VALÉRIA MENDONÇA

ALMIR DE FREITAS

zer coberturas exaustivas e dirigidas a todos os públicos. E nada de pensar em usar como alternativa textos curtos que, como uma foto, apenas acenem para o fato. Para isto, existem os guias. Acho que o leitor deseja mais que uma simples notícia”, destaca. Na mesma linha, o jornalista Marcos Augusto Gonçalves propõe uma “reciclagem” dos cadernos de cultura em duas direções: “Primeiro, os jornais precisam pensar em como atender com mais agilidade os interesses do público ou continuarão a perder leitores. Depois, repensar os cadernos semanais, como o Mais, da Folha, o Prosa & Verso, de O Globo,e o Cultura, do Estadão. Eles realmente não devem ceder para o estilo do jornalismo diário, esquecendo sua função seletiva. Mas também não devem se prender a resenhas e textos burocráticos encomendados a professores universitários. É possível se aprofundar, com tratamento diferenciado e reflexivo, mas preservando uma pauta atraente e reportagens diversificadas e mais humanizadas”. Demanda para esse tipo de jornalismo cultural existe. Prova disso são os últimos lançamentos que tratam do tema. Um dos mais elogiados é a revista Serrote, publicação quadrimestral do Instituto Moreira Salles, em formato de livro, com ensaios e pensatas de autores nacionais e estrangeiros sobre os mais diversos temas, de literatura e artes a ciências, quadrinhos e fotografia. Apesar de não ser uma publicação de jornalismo cultural, a semestral Dicta& Contradicta, do Instituto de Formação e Educação, também chama a atenção. Nos mesmos moldes da Serrote, ela reúne artigos e resenhas sobre os grandes temas da cultura ocidental: a ética, a filosofia, a literatura e as artes, sob uma perspectiva de longo prazo, desvinculada da política partidária e com uma abordagem universal. Como a mensal Piauí, uma revista de artigos opinativos e reportagens, um

SERGIO RIZZO

os, que sofrem com quedas de tiragem e problemas de circulação, a internet não pára de crescer e oferecer múltiplas possibilidades, com redes sociais, como Orkut e Facebook, blogs, portais e, agora, acesso por telefone. “Há bem pouco tempo, o único meio de se ter acesso à informação e à reflexão cultural era pela grande imprensa. Com a internet, sua blogosfera e seus sites, já é possível acompanhar regularmente o noticiário cultural de qualquer parte do mundo. Eu mesmo sou leitor regular do Le Monde, do The New York Times e do The Guardian. Se quero jornalismo cultural, vou à web”, diz o crítico e professor universitário Sérgio Rizzo Júnior. Como outros especialistas, ele também pensa que tantas novas possibilidades favoreçam a superficialidade e a divisão do público em distintas “tribos”. Mas não acredita que isso seja o fim do jornalismo cultural. “Os veículos tradicionais podem perder espaço, mas sempre haverá lugar para a crítica bem construída. Tanto no mundo virtual, quanto no impresso, falar de cultura exigirá verticalização e profundidade. Minha dúvida maior é se estamos preparados para enfrentar esses desafios.” Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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Aconteceu Mensagens na ABI

Jornal da ABI, a glória que fica A escritora Lygia Fagundes Telles aplaude o Volume 3 da nossa Edição Especial do Centenário, elogia o relevo dado às mulheres jornalistas e a evocação do Manifesto 1.046 contra a censura e diz que o Jornal da ABI a “faz pensar nas palavras do nosso Machado de Assis: Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola”. Também os escritores João Gualberto de Carvalho Meneses e Anna Maria Martins aplaudiram a Edição Especial em mensagens enviadas à ABI. Em cartão com o timbre da Academia Brasileira de Letras e redigido do próprio punho, a escritora Lygia Fagundes Telles manifestou seu aplauso ao Volume 3 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI, que ela classifica de “belíssima” e define como “comovente” a homenagem “às bravas mulheres” retratadas na Edição: Adalgisa Nery, Carmen da Silva, Cecília Meireles, Eneida de Morais, Hilde Weber, Lena Frias, Nair de Teffé (Rian) e Sílvia Donato. Na mensagem, a autora de Conspiração de Nuvens, que também é jornalista, lembra que um dos seus mestres , o Professor Miguel Reale, “repetia sempre nas suas aulas na nossa Faculdade de Direito que a mais importante revolução do Século XX foi a Revolução da Mulher”, termos que ela sublinha. Além da mensagem, Lygia encaminhou à ABI a primeira folha do original do Manifesto l.046, que tem entre os primeiros signatários o professor e crítico li-

terário Antônio Cândido, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o escritor e jornalista Luís Martins e ela própria, a quarta a assinar o documento. Como relatado na reportagem de Jeferson de Andrade no citado Volume 3 da Edição Especial do Centenário, Lygia integrou com Jeferson, a escritora Nélida Piñon e o jornalista e historiador Hélio Silva a comissão que tentou entregar o Manifesto ao então Ministro da Justiça do Governo Geisel, Armando Falcão. Radicados em São Paulo, como Lygia, os escritores João Gualberto de Carvalho Meneses, Presidente do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo, e Anna Maria Martins, Diretora da Academia Paulista de Letras e membro do Conselho Editorial da União Brasileiura de EscritoresUBE, enviaram mensagens de aplauso à Edição 345 do Jornal da ABI.

Lygia: Aí estão elas na primeira fila

João Gualberto: É sempre bom passar um espanador na memória

Diz Lygia Fagundes Telles em sua mensagem: “Muito caro Maurício Azêdo, Belíssima a Edição Especial do Centenário. A homenagem comovente às mulheres! O Professor Migeul Reale reopetia sempre nas suas aulas na nossa Faculdade de Direito que a mais importante revolução do Século XX foi a Revolução da Mulher. E aí estão elas na primeira fila, correndo o risco de levarem as rajadas no peito, segundo Trotsky. Bela ainda a matéria em torno do Manifesto Contra a Censura. Muito oportunos os esclarecimentos de Jeferson de Andrade, na minha memória um jovem de poucas palavras e olhar ardente. Enfim, o seu Jornal da ABI me faz pensar nas palavras do nosso Machado de Assis: “Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola”. Abraço de fraterno afeto (a) Lygia Fagundes Telles.”

É esta a mensagem do escritor João Gualberto de Carvalho Meneses: “Prezado Maurício Azêdo, Recebi os números 345 e 347 do Jornal da ABI. Os exemplares, trazidos pelo Conselheiro Konder, foram distribuídos e elogiados por todos. Como sempre, é exemplo de bom jornalismo. Devo ressaltar a importante matéria sobre o HERZOG. Como dizia um velho jornalista amigo: “É sempre bom passar um espanador na memória, para que a poeira do tempo não embace o brilho do passado”. Mais uma vez, meus PARABÉNS. (a) João Gulaberto de Carvalho Meneses, Presidente do Conselho Municipal de Educação.”

Ana Maria Martins: Trabalhei na coleta de assinaturas Em sua mensagem, a escritora Anna Maria Martins diz que se sente privilegiada por ter assinado o Manifesto 1.046 e trabalhado na coleta de inúmeras assinaturas. Suas palavras: “Prezado Senhor Maurício Azêdo, Leio sempre com interesse o Jornal da ABI. Recebo o exemplar recém-publicado por intermédio de Rodolfo Konder, meu caro amigo, escritor e jornalista que admiro. Quero felicitá-lo, prezado Maurício Azêdo, pela excelência temática e gráfica da Edição Especial do Centenário. Artigos de evidente relevância histórica estimulam a memória e provocam emoção. O Manifesto 1.046 jamais pode ser esquecido,

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Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

Sinto-me privilegiada por tê-lo assinado e trabalhado na coleta de inúmeras assinaturas. Outra matéria, muito próxima da minha sensibilidade, é a que evoca as mulheres que romperam barreiras. Merecem ser sempre lembradas pela coragem, a audácia ao enfrentar obstáculos. Evitando estender-me demasiado, expresso a admiração pela análise pertinente dos fatos, pelas fotos ilustrativas, por toda a matéria que compõe a Edição Especial do Centenário. Parabéns à ABI, ao Presidente Maurício Azêdo, a Diretores e membros associados, aos que defendem a liberdade de imprensa em nosso País. Cordialmente (a) Ana Maria Martins.”

POR LOYOLA, SP ASSINA EM MASSA O Manifesto 1.046, concebido numa mesa do Restaurante Lucas, em Belo Horizonte, como contou na Edição Especial do Centenário, Volume 3, o jornalista e escritor Jeferson de Andrade, encontrou imediata repercussão em São Paulo, até porque um dos autores recém-proibidos pela crescente censura imposta pelo então Ministro da Justiça Armando Falcão era um dos mais destacados escritores de São Paulo, Ignácio de Loyola Brandão, autor de Zero, considerado o romance do ano de 1976, posto no índex da ditadura. Às assinaturas de Antônio Cândido, Sérgio Buarque, Luís Martins e Lygia Fagundes Telles, que abriam o histórico protesto, seguiramse as de Luís Arrobas Martins, Paulo Mendes de Almeida, Osman Lins, Julieta de Godoy Ladeira, Ricardo Ramos, Raduan Nassar, Anna Maris Martins, O. C. Louzada Filho, Gilberto Mansur, Gilda de Mello e Souza, Nilo Scalzo – jornalistas, professores, escritores, arquitetos; enfim, intelectuais e artistas que se insurgiam e mobilizavam contra a mordaça imposta pelo regime militar.


AVALIAÇÃO

“Edições do centenário refrescam a memória nacional” POR FÁBIO LUCAS Especial para o Jornal da Abi

A

pós a leitura do Jornal da ABI - Volume 3 da Edição Especial do Centenário (no 345, set. de 2009) , torna-se irresistível comentar alguns aspectos da publicação. A começar pelo destaque quanto às mulheres que se distinguiram no jornalismo. Desejo ressaltar aquelas cuja atuação acompanhei mais de perto: Eneida de Morais, Adalgisa Nery e Cecília Meireles, não obstante reconhecer a importância das demais jornalistas. Guardo ainda comigo trabalhos remetidos, com dedicatória, de Eneida, cronista pertinaz e incorruptível, que pagou caro pelo crime de opinião. Carlos Drummond de Andrade a rememora no célebre episódio da tradução da obra Trechos Escolhidos de Marx, Engels, Lenine e Stalin sobre Literatura e Arte de Jean Freville, para a Editorial Calvino, 1945. E Graciliano Ramos a recorda entre os presos políticos. Que dizer de Adalgisa Nery, cuja vida está a requerer uma biografia? O Jornal da ABI a evoca condignamente através da matéria de Ana Arruda Callado. Opiniática e desassombrada, caiu nas malhas da repressão pós-64, perdeu os direitos políticos e, conseqüentemente, os de expressão. Cul-

tivou a poesia e a prosa de ficção. Quem se aventuraria a fazer-lhe a Antologia das melhores produções? Quanto a Cecília Meireles, o Jornal da ABI nos ofereceu um dos seus aspectos menos conhecidos, o de educadora. Abraçou a causa da Escola Nova, então combatida pelo conservadorismo da Igreja Católica, fortemente instalada no poder. Foi exemplar nas suas convicções, pugnando-se pela renovação do ensino, na linha de Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e tantos outros educadores de orientação laica. Poeta, conheci-a inicialmente pela leitura de Mar Absoluto, obra sobre a qual escrevi o meu primeiro ensaio na revista Vocação (1951, Belo Horizonte); mais tarde, voltei ao Romanceiro da Inconfidência (1953) em trabalho sobre Marcos de um Roteiro Cultural de Minas Gerais (A Cultura Mineira Espelhada na Literatura, Belo Horizonte, 2008). Portanto, perlustrei a obra poética de Cecília Meireles desde o seu mais puro lirismo ao mais contundente apelo libertário. Por último, desejo consignar as matérias mais relevantes acerca do jornalismo insubmisso. Por exemplo, a curiosa narrativa de Estanislau Oliveira sobre As horas finais de Última Hora Nordeste e o pormenorizado relato sobre A grande batalha do Manifesto dos

1.046 contra a Censura, especialmente pelos créditos a Jeferson de Andrade, autor de O Manifesto Nasceu na Cantina do Lucas, em Belô. Ali fica indiscutível a minha parte na redação do Manifesto. Não pode ser omitido, aqui, o episódio relativo ao assassinato de Vladimir Herzog. Oportuno o complemento da titulação da matéria: 1975: a impunidade que não acabou. Creio que o Jornal da ABI, nas celebrações do centenário da entidade, refrescou a memória nacional com os episódios que não podem ser esquecidos se se quiser resguardar a liberdade da imprensa das constantes ameaças de que é vítima no Brasil. É que a liberdade de expressão não pode desgarrar-se da justiça. Da justiça social especialmente, seu lado mais sensível.

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Aconteceu na ABI BERNARDO COSTA

Professor de História, Victor Andrade de Melo (à esquerda), e Flávio Carneiro, Professor de Literatura, ouviram as revelações da jornalista Marina Araújo, que veio de São Paulo especialmente para falar sobre o futebol nas artes.

As artes plásticas e o futebol A relação entre o esporte mais popular do País e a criação artística é discutida em ciclo de palestras na ABI. Seja num drible desconcertante, no embalo das torcidas no estádio, na pintura de um gol de placa ou na plástica jogada de um grande craque, nada se compara mais à arte do que aquilo que acontece dentro das quatro linhas de um campo de futebol. Justamente por isso, futebol e artes plásticas foram o tema do 5º Encontro do Ciclo de Palestras Futebol-Arte: A Arte do Futebol, promovido pelo Centro Histórico-Esportivo da ABI. O debate reuniu Victor Andrade de Mello, professor de História da UFRJ e Coordenador do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport); Flávio Carneiro, professor de Literatura da Uerj e crítico literário; e Marina Araújo, repórter da TV Globo de São Paulo e da Globo News. Na entrada da Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício-sede da ABI, onde foi realizada a palestra, o público teve contato com uma pequena exposição de charges e caricaturas de importantes nomes do futebol nacional, com destaque para uma que retratava Garrincha como um Carlitos, inesquecível personagem de Charles Chaplin. Os trabalhos são assinados pelo chargista Adail de Paula, membro do Conselho Fiscal da ABI, que iniciou a carreira na imprensa ainda na adolescência, e foram publicados originalmente nos jornais Diário de Notícias, Jornal do Sports e Última Hora.

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Portinari e o futebol O que há em comum entre gênios das artes como Francisco Rebolo, Cândido Portinari e Vicente do Rego Monteiro e os gênios da bola? De acordo com o professor Victor de Mello, muita coisa, ainda que alguns só façam a ligação inconscientemente. Mas para entender essa relação, é preciso falar de História. Disse ele que a primeira corrente artística a incorporar o esporte foi a pintura inglesa do século XVIII. No século seguinte, o tema foi abordado com mais força pelas vanguardas artísticas européias, especialmente na obra dos impressionistas, que começaram a se aproximar de temas populares: – Mas o futebol não era retratado, pois nesse momento ainda não era considerado um esporte importante. No início do século XX, porém, ele aparece na obra dos futuristas italianos, que, por serem inimigos da tradição, diziam: “Saiam dos museus e das salas de arte. E vamos apreciar a arte junto aos movimentos de massa”. O ciclismo foi o primeira modalidade esportiva a pintar nas aquarelas, devido à idéia de movimento; em seguida veio o futebol. Com espaço garantido nas artes, o futebol ganhou as telas no Brasil justamente com os pioneiros Rebolo, Portinari e Rego Monteiro. Na arte contemporânea, disse Victor, essa relação se acentua ainda mais: – Nesse momento, os elementos do cotidiano, especificamente o futebol, utilizados como fonte de inspiração ou mesmo como veículo de comunicação pelos artistas, aparecem mais constantemente na obra de artistas como Rubens Gerchman e Cláudio Tozzi, com mais freqüência do que no Modernismo. Outro ponto semelhante entre o esporte e a arte apontado por Flávio Carneiro diz respeito à intensa

relação de ambos os elementos com a imagem, o que os torna linguagem universal: – Um drible é um drible em qualquer lugar do mundo, da mesma forma como a fotografia, que integra o campo das artes plásticas, é compreendida em cada parte do globo. Assim como a arte, o futebol está inteiramente ligado à imagem, basta perceber que quando um time não vai muito bem seu uniforme sofre modificações, ou quando um jogador lança uma coreografia para comemorar um gol e todos passam a imitá-lo. Poeta dos campos Quando cobriu para a TV Globo a exposição de artes plásticas Desenho Sobre Fundo Verde, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco Brasil (CCBB), em 2006, apresentando obras inspiradas no futebol, a repórter Marina Araújo se mostrou impressionada com a capacidade da arte de arrebanhar os amantes do esporte: – Todas as pessoas que eu entrevistei na ocasião não eram apreciadores de artes plásticas, mas eram amantes do futebol. Vamos combinar que existem muito mais pessoas interessadas em futebol do que em artes plásticas. Achei muito legal elas serem instigadas a freqüentarem museus e salas de arte por terem sido atraídas por um tema popular como é o futebol. Lembro que muitos daqueles com quem conversei nunca tinham ido a uma galeria de arte. – E aí eu cito o Garrincha. Muitos dos dribles dele eram sem objetivo. Ele passava pelo adversário, depois voltava atrás e driblava o mesmo oponente de novo, e repetia isso seguidamente, não muito interessado em chegar ao gol, mas em brincar, se divertir jogando futebol. Portanto, se formos levar a frase de Paulo Leminski, que afirmou ser “a poesia um inutensílio”, ao pé da letra, constataremos que Garrincha foi o maior de todos os poetas, justamente por preferir encantar o público ao pragmatismo encerrou o professor e crítico literário Flávio Carneiro. (Bernardo Costa)


BERNARDO COSTA

Encontro nacional “Alguns professores se organizaram e fundaram a sede nacional da Do.co.mo.mo na Bahia. A cada dois anos, é realizado um encontro nacional em diferentes cidades. Desta vez ele está sendo realizado no Rio. Dividimos o roteiro em prédios residenciais e institucionais, e este prédio não poderia ficar de fora, pelo seu reconhecimento internacional”, explica a arquiteta Daniela Ortiz, informando que a edificação passou a ser conhecida em todo o mundo após ter figurado no livro Brazil Builds, publicado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York em meados dos anos 40. “A grande maioria das pessoas, porém, conhece o edifício apenas externamente, por meio de fotografias”, disse Daniela. Guiado por Daniela Ortiz e pelo funcionário da ABI Neílson Lopes Paes, o grupo composto Vindos de diferentes países, cerca de 30 estudiosos (ao alto) curtiram as inovações da sede da ABI (abaixo), como o brise-soleil da fachada e da lateral. por arquitetos, historiadores, artistas plásticos, professores e estudantes de diferentes partes do mundo iniciou a visita pelo Auditório Oscar Guanabarino, situado no 9º andar, onde foram destacados o revestimento das paredes do auditório por azulejos feitos em madeira. Um detalhe que, segundo a arquiteta, “revela a preocupação que os irmãos Roberto tiveram em relação à acústica do local”. Também foi visitado o Salão de Estar, no 11º anProjetada e construída na segunda metade da década de 1930, dar, batizado com o nome de Heitor Vila-Lobos, a sede da ABI recebe a visita de representantes de organização maestro, compositor e freqüentador assíduo do espaço de lazer e convívio dos associados da entidanão-governamental européia estudiosos da arquitetura moderna. de. Da varanda, os visitantes se entusiasmaram com a imponência de outros prédios do Centro do Rio, POR BERNARDO COSTA como a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e o Museu Nacional de Belas-Artes, edificações viziConstruído entre 1936 e 1939 na presidência de nhas à ABI. A visita prosseguiu no 7º andar, onde Herbert Moses, o edifício-sede da ABI, que foi tomestão localizados a Presidência, a Redação do Site bado em 1965 pelo Instituto do Patrimônio Históda ABI e o setor administrativo. rico Estadual e em 1984 pelo Instituto do PatrimôA arquiteta argentina Cristina Monfort destacou nio Histórico e Artístico Nacional-Iphan, é constambém o formato curvilíneo da parte externa do tantemente visitado por estudantes de arquitetura banheiro feminino, todo revestido em madeira sue profissionais da área, do Brasil e do exterior. Na cupira do Pará. “No primeiro momento do Modermanhã de 5 de setembro, o edifício projetado penismo, os arquitetos se inspiraram no estilo de conslos irmãos Milton e Marcelo Roberto recebeu uma trução dos navios, de onde se originam essas curvas”, visita muito especial: representantes do Projeto de informou. Documentação e Conservação de Prédios e QuarKátia Bittencourt, do setor de Projetos e Obras teirões do Movimento Moderno (do.co.mo.mo inda Universidade Federal Fluminense-Uff, ressaltou ternational), organização não-governamental que o aspecto social da obra. “Trata-se de um edifício em nasceu na Holanda em 1988 e tem Paris como atual que o visitante sente prazer ao entrar, devido aos sede mundial. amplos espaços internos e às excelentes ventilação Uma das marcas do Edifício Herbert Moses é a e iluminação. Ele impressiona ao conjugar uma artécnica utilizada, a partir de soluções de Le Corbuquitetura sóbria, ao mesmo tempo funcional e muito sier, para minimizar o problema do excesso de luz, bonita”. com o brise-soleil, espécie de quebra-sol através de O incentivo ao convívio e aos debates democrátipersianas de concreto na fachada. cos parece mesmo constar da filosofia da obra. A am“Moro nas proximidades da Cordilheira dos Anplitude da entrada da ABI, que surge numa esquina des. O sol é muito intenso. As edificações utilizaram movimentada, tem um caráter de praça. Essa dispoa mesma solução climática empregada no prédio da sição marca as demais peças do projeto, convidando ABI, com o brise-soleil construído na vertical, permià reunião e ao congraçamento. No hall de entrada, a tindo que a iluminação natural penetre o ambiente artista plástica e advogada Marilza Cardoso se mosde uma forma suave”, comparou a arquiteta argentrou impressionada com a simplicidade e a qualidatina Ines Persia, uma das visitantes. de estética do edifício. Algumas outras características valorizam ainda “Gosto das construções antigas. Mesmo com poumais o edifício-sede da ABI, como a sua estrutura inco conhecimento e com equipamentos precários, os dependente, o teto-jardim e a fachada livre. Seu prinarquitetos realizaram um trabalho de excelente quacipal trunfo é a unidade, que dá a tônica do conjunto, lidade, com uma riqueza de detalhes que mostra tanto nas soluções plásticas quanto nas estruturais. cuidado na execução”.

Mais visitantes no Edifício Herbert Moses

FRANCISCO UCHA

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Aconteceu na ABI SEMINÁRIO

Um marco na discussão sobre liberdade religiosa Evento na ABI reuniu líderes religiosos e autoridades para discutir políticas públicas, ensino, cobertura da mídia e atuação da Justiça na luta contra o preconceito.

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Os dias 30 de setembro e 1º de outubro de 2009 podem se transformar em um novo ponto de partida na discussão sobre liberdade de crença, democracia e luta contra o preconceito religioso no Brasil. Reunidos no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI, líderes judaicos, islâmicos, católicos, protestantes, umbandistas, candomblecistas e ateus discutiram com autoridades e especialistas o árido tema da liberdade e religiosidade, apontando caminhos que poderão nortear políticas públicas, ações no sistema de ensino, a cobertura dos meios de comunicação e a atuação da Justiça. Os debates ocorreram no Seminário Nacional sobre a Proteção à Liberdade Religiosa, promovido pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e pela ABI, com apoio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Rede Globo de Televisão. O evento conseguiu reunir na mesa de discussão personalidades como o Ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-Seppir; a Deputada estadual e evangélica Beatriz Santos (PRB); Mãe Beata de Yemanjá, representante do candomblé; Krishna Shawhá, da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna Hare Krishna; a jornalista e doutora em Comunicação Social Diane Kuperman, Conselheira da Associação Religiosa Israelita e membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa; Mio Vacite, da União Cigana do Brasil; o xeque muçulmano Salah Al-Din Ahmad Mohammad, Presidente da Sociedade Beneficente de Desenvolvimento Islâmico; Dom Antônio Augusto Dias Duarte, Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro; Daniel Souto Maior, representante da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos; e a Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio Benedita da Silva, de confissão evangélica. Um dos temas mais esperados versava a relação entre o Estado brasilei-

tuições da Justiça, nas delegacias de Polícia e no próprio ambiente do Judiciário.

Punição Uma das presenças emblemáticas durante o seminário foi a da Professora Maria Cristina Marques. Ela leciona Português na Escola Municipal Pedro Adami, em Córrego do Ouro, região serrana do Município de Macaé, no Norte fluminense, e foi punida pela diretora da escola, com o afastamento de sala de aula, porque “ousou” dar O Governo está mobilizado na construção de um plano estratégico de combate à intolerância uma aula sobre relireligiosa, disse o Ministro Edson Santos (ao centro) diante de devotos de inúmeras crenças. gião africana, usando o livro Lendas de Exu, gioso, no qual os alunos terão a oporro, laico por definição constitucional, de Ademir Martins, editado com recurtunidade de aprender em módulos see a questão da liberdade religiosa. Foi sos do Fundo Nacional de Desenvolviparados um pouco de cada religião. lembrado que cabe ao Estado garantir mento da Educação-FNDE, órgão vinSe a solução para a discriminação leis e políticas públicas que protejam culado ao Mec. Ela pegou o exemplar passa pela educação, não poderá ser a liberdade de expressão religiosa: na biblioteca do colégio, com o carimalcançada sem uma mudança de posi– Pode ser laico, mas não é neutro em bo de recomendação da própria Prefeição da imprensa. Boa parte dos religirelação às questões sobre democracia tura de Macaé. osos presentes ao evento reclamou do e liberdade. O Governo brasileiro está Cristina conta que viveu 20 dias de tratamento dado pela mídia à sua fé. mobilizado na construção de um plasofrimento por causa de uma punição Numa clara menção aos veículos que no estratégico de combate à intolerâninjusta: fazem propaganda religiosa discrimicia religiosa. Um exemplo disto é a par— A diretora me ameaçou dizendo: natória, o Vice-Reitor de Desenvolviceria que firmamos com a Puc-Rio para “Ou você pára ou eu vou lhe colocar pra mento da Puc-RJ, Francisco Ivern Simó, fazer o mapeamento geográfico das fora. A comunidade aqui é evangélica, disse que é preciso discutir o papel dos comunidades religiosas de matriz afrise você não parar vai ter que sair”. É meios de comunicação: cana. O Estado perseguiu este grupo no muito doloroso, pois isso aconteceu – Proselitismo religioso que não respassado. Hoje, implementamos ações depois que eu me aprofundei na cultura peita o direito dos outros não merece de resgate e valorização da cultura e da afro e vi que está na hora de mostrar receber publicidade a não ser para conmemória do nosso povo – disse o Miessa beleza cultural, além do que o denar. Se não respeita a liberdade, não nistro Edson Santos. colonizador fez com negros e índios. tem direito a ela. O futuro do mundo será Sem falar que ela afixou no quadro de cada vez mais plural do ponto de vista Desafio no ensino avisos da Sala dos Professores a notícultural e religioso. Os meios de comuUm dos maiores desafios a serem cia do meu afastamento, publicada nicação podem contribuir para isto. enfrentados pelo movimento que luta pelo jornal Extra, ao lado do texto de Outra questão polêmica em pauta pelo respeito à diversidade religiosa no um provérbio bíblico, sublinhando a na última sessão do seminário girou em Brasil é o ensino religioso. Diane Kupalavra “mentirosa” e a citação “testetorno do papel que as instituições juperman, que também representa o munha falsa que profere mentiras”. rídicas têm na proteção ao exercício da Fórum Interreligioso do Rio de JaneiO caso da professora de Macaé fere liberdade religiosa. Um dos obstáculos ro, afirmou que o Brasil vive um moa Constituição e a Lei federal nº 10.639, para o acolhimento imediato das demento privilegiado para promover essa que determina o ensino da cultura afrinúncias do racismo e da intolerância discussão. Tanto a Constituição Fedecana e afro-brasileira nas escolas. Nesse religiosa no Brasil é a mentalidade preral de 1988 quanto a Lei de Diretrizes caso há perguntas que continuam sem conceituosa que vigora no próprio sise Bases da Educação-LDB são instrurespostas. Por exemplo: que medidas o tema jurídico. Sobre essa questão a mentos legais, mas não o suficiente: Governo federal pretende adotar para Procuradora de Justiça Maria Bernade– Precisamos redesenhar o País, coque a legislação seja respeitada? que te Azevedo, do Ministério Público de locar o dedo nas questões cruciais. No mecanismos o Mec tem para controlar Pernambuco, fez uma avaliação consicaso da LDB, o texto sobre a opção do o não-cumprimento do ensino religiderada preocupante: aluno estudar religião é frouxo e sem oso nas escolas? – Há uma hierarquia de valores que diretriz. Quando foi escrito não se faComo se perceberá, o seminário foi classifica o racismo como uma coisa sem lava em diversidade. O ideal seria a importante, mas é apenas o primeiro importância, e isso acontece nas instiimplantação de um sistema plurirrelipasso de uma longa caminhada.


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LEGISLAÇÃO

Frente suprapartidária é formada para defesa da emenda do diploma Deputados de diferentes partidos mobilizam-se para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que restabelece a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. A criação de uma Frente Parlamentar com a participação de deputados de diferentes partidos foi formalizada e anunciada em 23 de setembro para a defesa da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista e aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 386, de 2009, que restabelece o direito que o Supremo Tribunal Federal cassou em 17 de junho passado. A iniciativa deu novo impulso às esperanças de que a Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do Deputado Paulo Pimenta (PT-RS), possa ser aprovada na Câmara dos Deputados ainda na sessão legislativa de 2009. A votação do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania estava prevista para 7 de outubro, mas acabou adiada para o dia 21. A Presidente da Frente Parlamentar em defesa do diploma de jornalismo, De-

putada Rebecca Garcia (PP-AM), explicou que a votação foi adiada em razão de viagem do relator da proposta, Deputado Maurício Rands (PTPE), em missão oficial a Honduras. Também a votação de 21 de outubro acabou não se realizando, em respeito à ordem de proposições que estavam na pauta da CCJC. Paulo Pimenta e Maurício Rands propuseram então prioridade para análise da Pec dos Jornalistas na sessão da CCJC de 28 de outubro, o que, na prática, mais uma vez não ocorreu, diante de uma negativa de inversão de pauta para discutir o tema. A expectativa é de que a votação da Pec aconteceria no dia 4 de novembro. Para a Pec ser aprovada é necessário o voto favorável de metade mais um dos membros da Comissão, dentro do quórum mínimo exigido de 31 integrantes.

A Deputada Rebecca Garcia disse que a Frente precisa da ajuda da categoria e das pessoas que entendem a necessidade do diploma para dar continuidade à luta no Congresso Nacional. “Vamos ter que trabalhar forte na Comissão para aprovar a Pec. Não tem lógica essa discussão de mérito acontecer na CCJC, que está ali para julgar a constitucionalidade da proposta, e não o mérito da matéria. Queremos que ela passe logo por essa análise, para que esse tipo de discussão, que é sempre saudável e contribui para o debate, seja feito na comissão especial que será aberta só com esse objetivo”, afirmou a Presidente da Frente Parlamentar em defesa do diploma. “Com uma resposta positiva na CCJC, a Pec ganha muita força, pois teremos um parecer jurídico bem qualificado para contrapor à decisão do STF”, disse Paulo Pimenta.

Modesto recebe Medalha Por iniciativa do Vereador Stepan Nercessian (PPS), a Câmara Municipal do Rio conferiu-lhe a maior distinção da Cidade, a Medalha de Mérito Pedro Ernesto. Seu segundo nome serve de pista de um traço marcante de sua personalidade e do quanto ele fica desconfortável diante de homenagens. Por seus feitos em defesa dos direitos humanos, porém, Antônio Modesto da Silveira não teve como escapar de justa honraria. Por iniciativa do Vereador Stepan Nercessian (PPS), o advogado e ex-Deputado federal recebeu a Medalha Pedro Ernesto na noite de 30 de setembro, no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Como advogado Modesto teve sua atuação marcada pela defesa de presos políticos durante a ditadura iniciada em 1964. “Essas pessoas, perseguidas implacavelmente pelo regime, sentem-se eternamente gratas por terem encontrado neste homem um combatente sem tréguas, advogado destemido e amigo, cujo nome nós pronunciamos com voz cheia de orgulho, do mesmo modo que bradamos com toda energia as palavras liberdade e democracia. A homenagem é o reconhecimento em nome de tantos de seus clientes que ele defendeu com coragem, numa época em que ser advogado e defensor de acusados políticos era uma atividade de altíssimo risco pessoal 14 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

e familiar”, justificou o também ator Stepan Nercessian, que destacou outras passagens da vida do homenageado. “Aos 82 anos, Modesto da Silveira segue firme em sua luta pelos direitos humanos. Foi perseguido por causa da sua atuação corajosa e seqüestrado por agentes do Doi-Codi. Lutou pelo Estado de Direito. Nos tribunais, foi precursor da pregação da anistia ampla, geral e irrestrita aos perseguidos políticos. Depois, no declínio da ditadura militar, foi o candidato da esquerda mais votado para deputado federal no Rio de Janeiro. Em seu mandato, encaminhou o projeto que deu origem à Lei da Anistia”, afirmou o Vereador. A passagem do seqüestro, citada por Nercessian, é lembrada pelo próprio Modesto, que, em emocionado discurso, recordou histórias de luta e rendeu homenagens àqueles que tombaram pelo restabelecimento da democracia no Brasil, como David Capistrano da Costa, jornalista e dirigente do Partido Comunista Brasileiro-PCB, e outras dezenas de comunistas e democratas pelo país afora. “Eu fui advogado de todo tipo de categoria profissional. Estudantes, cri-

Apoio em Goiânia A retomada do diploma foi discutida também no 17º Encontro Nacional de Jornalistas em Comunicação. No encerramento oficial do evento, no dia 3 de outubro, em Goiânia, foi divulgada uma carta reafirmando o compromisso dos jornalistas na defesa da formação específica e diploma para o exercício do jornalismo e reivindicando empenho pela aprovação da Pec na Câmara e no Senado, com a regulamentação e restauração da obrigatoriedade do diploma de formação na área.

CICERO RODRIGUES

JUSTIÇA

Se for aprovada, a Pec dos Jornalistas seguirá para votação no plenário da Câmara e, depois, pelo Senado Federal. Ao obter aprovação nas duas Casas Legislativas, as propostas de emenda constitucional não necessitam de sanção do Presidente da República para entrar em vigor.

anças, menores, profissionais, parlamentares e até gente que acabou sendo ministro. E muitos advogados. Fui advogado de muitos advogados. Todo mundo sofria. Eu mesmo, pois com toda essa ousadia, também fui seqüestrado pelo Doi-Codi do Rio de Janeiro. Naquela altura não ousaram me marcar fisicamente, pois eu estava conhecido até mesmo no exterior. Mas procuraram me marcar ao máximo psicologicamente nos setores de tortura da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca”, recordou. Sobre a homenagem recebida na Câmara Municipal, Modesto declarou ao Jornal da ABI: “Senti-me extremamente honrado, pois sou mais carioca do que de qualquer outra cidade. Cheguei ao Rio com 21 anos de idade. O povo daqui me elegeu deputado federal em 1978, me honrou com diversas homenagens e cargos. No Rio constituí minha família e

Modesto da Silveira recebe a comenda das mãos de Stepan Nercessian: “um combatente destemido, defensor de acusados políticos numa época de altíssimo risco pessoal”, justificou o Vereador.

minha carreira, dando ênfase ao trabalho em defesa dos perseguidos políticos. Por isso, esse reconhecimento me deixou extremamente satisfeito”, resumiu. Modesto da Silveira nasceu em Minas Gerais, próximo de Uberaba. Filho de lavradores sem terra, teve de ganhar a vida como lavrador e ajudante de carro de bois. Aos nove anos, era operário de pedreira e voltava por vezes à lavoura. Foi engraxate, lenhador e guia do cego Benedito Fonseca, que o ajudou a entrar na escola. Foi também da Marinha Mercante, professor, tradutor e jornalista. Ao se formar em Direito, pouco antes do golpe de 1964, dedicou-se à defesa dos presos e perseguidos políticos. Estima-se que em cerca de duas décadas de duração do regime militar tenha atuado na defesa de mais de dois mil perseguidos pelo Estado autoritário.


DESAFIO

Uma nova missão para Saturnino Ex-Senador é indicado para a Presidência do Instituto Cultural Casa Grande, onde terá a responsabilidade de liderar a luta para assegurar que importante espaço do Shopping Leblon, na Zona Sul do Rio, seja destinado a atividades culturais, como determina a lei estadual que autorizou a edificação desse complexo comercial. Ex-Senador, Roberto Saturnino Braga se prepara para voltar, ainda que de uma forma alternativa, à cena política. Também ex-Prefeito do Rio de Janeiro, ele foi indicado para a Presidência do Instituto Cultural Casa Grande, que trava um confronto com o Governo do Estado acerca da posse e destinação do espaço de cinco andares na parte alta do imóvel que hoje abriga o Shopping Leblon, na Zona Sul do Rio. A reivindicação é que a área seja destinada à implantação do Centro Cultural Casa Grande, conforme previsto em lei estadual que autorizou a edificação do complexo comercial. O Coordenador-Geral do Instituto, Marcelo Barbosa, considera que a vasta experiência política do novo Presidente será importante para a conquista do espaço: “A luta tem um aspecto mais técnico, que é o jurídico, no qual estamos caminhando bem. Perante a sociedade, acredito que a figura do Saturnino, um importante homem público, vai dar uma cara, uma visibilidade maior para nosso pleito de que o espaço tenha destinação pública e cultural. Apesar de o movimento ser pela cultura, essa luta é essencialmente política. E ele, como ex-Senador, pode nos ajudar muito neste sentido”. Antes de Saturnino estiveram à frente do Instituto o poeta Ferreira Gullar e o cantor Sérgio Ricardo. A indicação ocorreu por consenso dos integrantes da comissão que luta contra a privatização do espaço, formada pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo; o Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous; e personalidades como Fernanda Montenegro, Paulo Goulart, Paulo José, Nicete Bruno, Hermínio Bello de Carvalho, Aderbal Freire Filho, Tim Rescala e Edino Krieger; além dos cineastas Eunice Gutman e Daniel Filho; e dos Vereadores Aspásia Camargo (PV) e Eliomar Coelho (PSOL). Diretor do Teatro Casa Grande, Moysés Ajhaenblat explica que a indicação de Saturnino foi unânime. “Ele é um companheiro nosso de muitos anos, sempre presente a todas as reuniões. Tem um passado de lutas importantes, dentre elas a da conquista desse espaço destinado ao centro cultural, na qual ele esteve engajado desde o início. Achamos

FOTOS FRANCISCO UCHA

finalmente destinada à construção do centro cultural. “Este espaço é um dos poucos remanescentes da fase áurea do nosso Casa Grande, época em que lá aconteciam calorosos debates em prol da restauração da democracia no País, então mergulhado na ditadura militar implantada em 1964. O Casa Grande era uma ilha de democracia cercada por um clima de repressão”, recorda o ex-Senador. Diz Saturnino que a vocação histórica do Casa Grande é de filosofia política. E ela será mesmo respeitada. “Pretendo desenvolver ações nessa área. Um dos projetos, além da criação de um centro cultural que contemple todas as formas de arte, é viabilizar a construção da Universidade Livre e Aberta Casa Grande, que privilegiará os estudos no campo das ciências políticas”, anunciou.

Moysés Ajhaenblat: Saturnino tem um passado de lutas importantes.

Saturnino Braga lembra que o espaço em questão é um dos remanescentes da fase áurea do teatro: “O Casa Grande era uma ilha de democracia cercada por um clima de repressão”

que esta homenagem seria justíssima e correta. Nós estamos convidando as pessoas para a cerimônia de posse e a aprovação ao nome escolhido tem sido muito grande”. A polêmica em relação ao espaço cultural surgiu após a negociação feita entre o Governo do Estado do Rio, o antigo Teatro Casa Grande e a empreiteira que construiu o Shopping Leblon, entendimento mediado pela Assembléia Legislativa do Estado, que aprovou uma lei autorizando a edificação. Foi

acordada então a instalação do Centro Cultural e também da Universidade Livre e Aberta Casa Grande, como espécie de contrapartida cultural do empreendimento comercial que se instalara em terreno de propriedade do Estado. Em última análise, do povo do Rio. Fase áurea Saturnino Braga aceitou o convite para presidir o Instituto e disse estar disposto a ajudar para que a área acima do Shopping Leblon seja

A história da luta pela preservação do espaço já teve capítulos dramáticos. O Governo do Estado chegou a anunciar um leilão para sua venda, mas no dia marcado, 27 de janeiro passado, não apareceu nenhum licitante. Kadu Machado, assessor do Instituto Cultural Casa Grande, informou que a ausência de possíveis compradores na ocasião é explicada pelo fato de a Diretoria do Instituto ter conseguido liminar, expedida pela 9ª Vara da Fazenda Pública, excluindo a possibilidade de uso do espaço que não em ações de caráter cultural. A liminar foi contestada pelo Governo, que entrou com recurso para revogá-la. O Tribunal de Justiça do Estado rejeitou o recurso no dia 1º de setembro. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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PRÊMIOS

A grande festa do Prêmio Vladimir Herzog FOTOS DIVULGAÇÃO

Criação de site, concerto musical e entrega dos troféus Vlado Imortal marcaram a 31ª edição do principal concurso jornalístico do País dedicado aos direitos humanos. POR CLAUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO

Resgatar a memória para construir o futuro. Foi com esse ideal que o jornalismo brasileiro experimentou três dias de festa no fim de outubro em São Paulo. Primeiro, com o lançamento oficial do site Prêmio Vladimir Herzog, que reúne na internet um importante acervo da produção jornalística do País nas últimas três décadas. Depois, com o Concerto Vocem, em homenagem a todos os jornalistas. Por fim, a entrega da 31ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que premiou os melhores trabalhos do ano em onze categorias, incluindo mídia impressa, rádio, televisão e internet, deixou claro que realmente a História não pode ser esquecida. A preservação da memória do jornalista Vladimir Herzog, preso pela ditadura militar, torturado e morto nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975, foi destacada em todas as oportunidades. Porém, como um passo para algo muito maior: – Estamos falando também da História recente do País e de tantas lições por ela ensinadas. A principal herança de meu pai é seu exemplo de liberdade, justiça e ética. Esses valores devem ser lembrados para inspirar, reconhecer e valorizar o jornalista que, através

de seu trabalho, colabora para a promoção da cidadania e dos direitos humanos e sociais – destaca Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, organizador das atividades. Foi no Espaço Vladimir Herzog, mantido pelo Instituto no Centro da capital paulista, que as palavras de Ivo começaram a se tornar realidade, com o lançamento, no dia 24, do site Prêmio Vladimir Herzog (www.premiovladimir herzog.org.br), que já disponibiliza na rede os trabalhos premiados ao longo de 30 anos, digitalizados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e pelo Centro de Informação da Organização das Nações Unidas para o Brasil. O evento ainda contou com o debate Nenhuma lei, novas tecnologias: o futuro dos jornalistas e do jornalismo, com a participação de Caio Túlio Costa, Rodrigo Savazoni e Igor Ribeiro. No dia seguinte, as comemorações foram transferidas para a Capela do Colégio Sion, também na região central de São Paulo. Ali, Vlado, como era carinhosamente chamado, e toda a classe jornalística foram homenageados com o Concerto Vocem, último da série Cantos de Paz em Tempos de Guerra, com regência do maestro Martinho Lutero e apresentação de composições de Dori Caymmi, Nélson Mota, Chico Buarque de Holanda, Cristóvão

Amanda Machado Cieglinski, da Agência Brasil, recebe o Prêmio Vladimir Herzog na categoria Analfabetismo Cultural com a matéria Analfabetismo: a exclusão pelas letras.

Uma arma contra a repressão A idéia de criar um prêmio que denunciasse a repressão da ditadura militar surgiu em 1977, no Comitê Brasileiro de Anistia-CBA de Minas Gerais. A entidade era presidida na época por Helena Grecco e a proposta foi levada ao Congresso Nacional pela Anistia, realizado em São Paulo naquele ano. A tarefa de elaborar o regimento do prêmio e concretizá-lo ficou a cargo da CBA paulista e foi conduzida por Perseu Abramo, então representante do Sindicato dos Jornalistas na entidade. “Servi de ponte entre as entidades e articulei, juntamente com muitos outros companheiros, a implementação da idéia e organização da primeira edição do prêmio”, disse Abramo, explicando o trabalho feito em seguida. Com isso, a primeira edição do prêmio aconteceu em 1978 e foi organizada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, pelo Comitê Brasileiro de Anistia, pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, pela Comissão de Justiça e Paz da Cúria Metropolitana/SP, pela ABI e pela Federação Nacional dos Jornalistas, com o apoio de várias agências e jornais do exterior. As primeiras edições do Prêmio Vladimir Herzog contemplaram também jornalistas de outros países da América Latina. A partir do avanço da redemocratização em boa parte do Continente, cerca de oito anos depois, a premiação se concentrou apenas nas matérias publicadas em território nacional, conforme informação descrita no site Prêmio Vladimir Herzog, lançado em outubro na sede do Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo.

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Tatiana Merlino recebe o prêmio pela matéria Porque a Justiça não pune os ricos.

Bastos, João Bosco, Aldir Blanc, Edino Krieger, entre outros autores. O concerto foi promovido pelo Instituto Vladimir Herzog, em parceria com a Rede Cultural Luther King e apoio do Hospital Samaritano, da Oboré-Projetos Especiais em Comunicações e Artes, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e da TV Educativa. Símbolo de luta No dia 26, jornalistas, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, estudantes e diversas autoridades lotaram o Tuca, da Puc-SP, para acompanhar a solenidade de entrega do 31º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Trabalhos de onze diferentes categorias

disputaram o troféu Vlado Imortal, esculpido pelo artista plástico Elifas Andreato: Livro-reportagem; Artes; Fotografia, Jornal; Rádio; Revista, Internet e Sites Noticiosos; Documentário ou Especial de Televisão; Jornalismo Diário na Televisão e Imagem de Televisão. A novidade ficou por conta da categoria Analfabetismo Cultural, que a partir desta edição premia reportagens com conteúdo social. – Entre todos os prêmios do jornalismo nacional, o Vladimir Herzog é diferente. Tem a vocação de ser um símbolo da luta por um Estado social mais justo e igualitário – afirmou o Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, José Augusto Camargo, em sua apresentação, que era acompanhada aten-


A noite de gala da educação Educadores e instituições eleitas no Personalidade Educacional 2009 receberam os seus títulos em solenidade que fez justiça aos profissionais dos diferentes níveis de ensino.

Olho por Olho, de Lucas Figueiredo, foi o vencedor na categoria Livro Reportagem.

tamente pelo Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o Governador de São Paulo, José Serra, e o Secretário Municipal de Direitos Humanos, José Gregori. Na categoria Livro-reportagem, uma das mais disputadas, o prêmio principal da edição 2009 foi para Lucas Figueiredo, com a obra Olho por Olho – Os Livros Secretos da Ditadura. Ainda receberam menção honrosa O Olho da Rua, de Eliane Brum, e Operação Condor: O Seqüestro dos Uruguaios – Uma Reportagem dos Tempos da Ditadura, de Luiz Cláudio Cunha. Já na estreante Analfabetismo Cultural, o vencedor foi o especial multimídia Analfabetismo: A Exclusão pelas Letras, trabalho produzido pela repórter Amanda Cieglinski e pela equipe da Agência Brasil, que aborda a incapacidade do País de alfabetizar cerca de 14 milhões de pessoas que ainda permanecem à margem das letras. A lista completa dos vencedores está publicada no blog vladoherzog.blogspot.com. Fechando a noite, ainda foram premiados os estudantes de Jornalismo Marcelle Souza, Renato Santana de Jesus e Leandro Ramos Martins de Siqueira, pela conquista do 1º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão. Mas a aposta no futuro não se resume apenas na identificação dos novos talentos. As diversas entidades de direitos humanos e do jornalismo que fazem parte do Instituto Vladimir Herzog trabalham em outros dez projetos para colocar na prática a luta de Vlado: – Queremos uma mudança de foco: passar da lembrança da morte dele, para celebrar a vida. Nesse sentido, estamos fechando uma parceria com a Usp para a criação, já em 2010, de um curso de extensão sobre o jornalismo voltado para os direitos humanos, e iniciaremos uma série de atividades conjuntas com a Fundação Padre Anchieta e a TV Cultura, de São Paulo, para discutir e resgatar o papel crucial do jornalismo público, na construção de um país melhor – adianta Ivo Herzog.

A noite de 22 de outubro foi marcada pela já tradicional solenidade de entrega dos títulos às Personalidades Educacionais 2009, eleitas na promoção realizada pela Folha Dirigida, ABI e Associação Brasileira de EducaçãoABE. A confraternização entre educadores ocorreu na sede social do Jockey Club Brasileiro, no Centro do Rio, e foi, mais uma vez, marcada pelo reconhecimento dos presentes às ações em defesa do saber e do conhecimento, realizadas pelos homenageados deste ano. Por decisão de um colégio eleitoral que somou mais de 8 mil votos, receberam o título o membro do Conselho Nacional de Educação Antônio Freitas; a professora da UFRJ e da PucRio Cleonice Berardinelli; o Senador Cristovam Buarque (PDT-DF); o Ministro da Educação, Fernando Haddad; o membro do Conselho Estadual de Educação RJ, diretor da Rede MV1 e vice-presidente do Sinepe-RJ José Carlos Portugal; o diretor do Colégio Pentágono, Paulo Armando Areal; o diretor da Uppes, Raimundo Stelling; o Chefe de Gabinete da SECT-RJ, Roberto Boclin; a Secretária de Estado de Educação/RJ, Teresa Porto; e os Presidentes da Abeu, Valdir Vilela; e do Sinpro-Rio, Wanderley Quêdo. Na categoria Instituições, foram eleitos o Colégio Pedro II, representado pela Diretora Vera Maria Ferreira, a Puc-Rio, na pessoa do Padre Jesus Hortal Sanches, e o Sesi-RJ, cuja diretora de Educação é Andréa Marinho. Por terem sido eleitos por três vezes, Cristovam Buarque e Roberto Boclin passaram a integrar a Galeria dos Grandes Educadores. Também pelo mesmo critério, o Colégio Pedro II passa a integrar a Galeria das Grandes Instituições. Ao iniciar a solenidade de entrega dos títulos aos eleitos, o Presidente da ABE, João Pessoa de Albuquerque, comparou a promoção com elementos comuns à área mecânica. “Existem, na mecânica, duas ferramentas essenciais de propulsão: a mola e a alavanca. Um evento como este serve como mola e alavanca para os educadores. E repetindo-se como vem se repetindo, esta premiação é realmente uma festa para os olhos, os ouvidos e o espírito”, declarou. Japão, um exemplo Diretor Cultural da ABI, parceira na realização do evento, Jesus Chediak tocou em um assunto que há muito gera polêmica no Brasil: a educação pública. Assim como os seus filhos, ele

FOTOS HENRIQUE HUBERT/FOLHA DIRIGIDA

Idealizador do Personalidades da Educação, Adolfo Martins (à esquerda) exaltou o papel dos professores. Chediak mostrou o elevado status concedido aos educadores pelo Japão.

estudou no Colégio Pedro II e aproveitou a noite para ressaltar que “um país se constrói com a educação”. Citou como exemplo o Japão, que, após ser destruído pela guerra, atingido por bombas atômicas, passou a prestigiar a figura dos professores. “O imperador, na época, fez um decreto que tinha três frases. A primeira era: ‘o professor pode usar as vestes destinadas à nobreza’. Já a segunda dizia que ‘nenhum profissional liberal pode ser remunerado acima do professor’. E, finalmente, a terceira: ‘o professor pode se dirigir de pé ao imperador’”, citou, acrescentando que estes profissionais são figuras centrais do processo da educação. O Presidente da Folha Dirigida, Adolfo Martins, ressaltou a importância da 11ª edição do Personalidade Educacional. “Esta é uma festa poliédrica, pela multiplicidade de perfis que estão sendo homenageados, cada qual no seu pedaço de chão”, destacou Adolfo, que ressaltou também as características presentes nas instituições e pessoas escolhidas: “Estão seguramente delineadas pelo trabalho reto, perseverança, convicções na força da educação e do poder das idéias, valores éticos e compromissos. Sejam empreendedores, educadores ou gestores, direta ao indiretamente, esses educadores tentam ensinar as novas gerações a escrever o livro da vida, dizendo-lhes que é possível ter um prefácio de sonhos, compor frases que permitam ter uma visão crítica da realidade, construindo páginas onde estejam entranhados os valores humanos,

compondo caminhos para um trabalho justo e socialmente útil.” A palavra do Mec Representando o Ministro da Educação, Fernando Haddad, o Professor Cícero Rodrigues, representante do Ministério no Rio, destacou uma ação principal do Mec. Disse ele que um dos pontos mais fortes do atual Governo é que o orçamento da Pasta foi praticamente triplicado. “Em proporções, o investimento saltou de 3,8% para 4,5% do PIB e, pode chegar, no ano que vem, a 5%”, disse, ressaltando que a meta é chegar a 8%. Ele citou também o Programa Universidade para Todos-ProUni, pelo qual foram triplicadas as vagas no ensino superior gratuito, o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais-ReUni, e o fato de as escolas tecnológicas terem sido ampliadas. Outro marco, disse, foi a criação do piso nacional, medida de valorização dos professores. O Ministro Fernando Haddad encaminhou uma mensagem de agradecimento por sua eleição no Personalidade Educacional 2009, lida na solenidade por Cícero Rodrigues. “Essa homenagem está relacionada ao reconhecimento do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Mec, que tem dedicado seu esforço em estabelecer melhorias na educação brasileira em todos os níveis. Gostaria de dividir essa indicação com toda a equipe e com as representações do Rio de Janeiro e de São Paulo, que têm dado suporte aos programas que temos desenvolvidos”, dizia o texto. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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VEÍCULOS

A economia de cara nova Portabilidade, leiaute moderno, linguagem descontraída e informação de qualidade são os ingredientes que compõem o Brasil Econômico, nova publicação diária lançada em São Paulo. POR SIBELE OLIVEIRA

Antes de ser lançado oficialmente o jornal Brasil Econômico teve algumas edições-teste número 0. As duas ao lado foram distribuídas nos dias 6 e 7 de outubro. O formato diferenciado, pouco maior que o tablóide convencional, e a cor salmão destacam a publicação de outros veículos concorrentes.

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MARCELA BELTRÃO

Falar sobre economia de maneira leve e palatável, sem a aridez que costuma permear o tema. Essa é a proposta editorial do Brasil Econômico, o mais novo jornal do segmento, formulado com um conteúdo que assume o desafio de se adequar à demanda de informação do leitor atual, que dispõe de pouco tempo e precisa acompanhar a velocidade dos acontecimentos. “O público que a gente pretende atingir é o mercado financeiro, os empreendedores, empresários, diretores, gerentes, estudantes de administração e economia e todas as pessoas que tomam decisões que tenham a ver com sua possibilidade de investimento. Queremos traduzir esse momento de expansão de negócios e mostrar aos nossos leitores o que anda acontecendo, os processos de decisão e como eles funcionam nessa economia em crescimento, cada vez mais internacionalizada, arejada e aberta”, resume o Diretor praticamente personalizada, o Brasil de Redação Ricardo Gallupo. Econômico conta com uma multiplataFruto de um ambicioso projeto da forma de conteúdo que, além da verparceria entre o grupo português Onsão impressa, inclui edição eletrônica going, detentor de 30% do capital acicom uma gama de ferramentas tecnoonário, e da família luso-brasileira Mascarenhas Vasconcelos, responsável pelo controle dos 70% restantes, o jornal busca inovar tanto na linha editorial quanto no projeto gráfico e chega às bancas não só para disputar a preferência do leitor com o Valor Econômico, seu principal concorrente, mas como uma opção a mais para os ex-leitores do recém-extinto Gazeta Mercantil. “Viemos ocupar um Ricardo Gallupo quer que o Brasil Econômico expresse a espaço no mercado que modernidade e o crescimento da economia brasileira. está aberto para um leitor que entenda que a lógicas que facilitam o acesso e a naveeconomia brasileira está crescendo, se gabilidade, além de uma versão formadinamizando, se tornando cada vez tada para celulares, info points (monimais moderna e que precisa de um vetores de plasma em pontos de grande ículo que expresse esse crescimento e circulação) e uma tv corporativa na modernidade. O jornal é produzido web, com lançamento previsto para o para um leitor sintonizado com o Brainício de 2010. sil que está crescendo”, acrescenta Como os leitores consomem inforGallupo. mações relacionadas à economia, política, empresas e mercado financeiro Serviços variados durante a semana, o jornal circula nos Para estar em sintonia com o leitor finais de semana com o caderno de moderno, que transita em diferentes cultura Outllook; uma vez por mês, mídias em busca de uma informação

publica um suplemento intitulado Fora de Série, que trata de temas, situações e pessoas especiais. Ambos são vigorosos e atraem um público exigente e sofisticado, afirma o Diretor de Redação. As edições de fim de semana também trazem textos de colunistas que normalmente não abordam economia. Na Redação do Brasil Econômico trabalham 69 jornalistas, sendo 65 em São Paulo, dois correspondentes em Brasília e dois no Rio de Janeiro, além de 22 profissionais da área de arte. No jornal como um todo, há 125 funcionários. Com uma tiragem inicial de 55 mil exemplares, a publicação é distribuída em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e parte do interior mineiro, além dos três Estados do Sul. A meta do grupo é que no decorrer de 2010 a circulação do jornal abranja todo o território nacional. O projeto também inclui a construção de uma sucursal em Brasília, que deve ser finalizada ainda no primeiro semestre, a tempo da cobertura das eleições, e outra no Rio de Janeiro. A cor, um diferencial À primeira vista, a cor salmão do Brasil Econômico é o que mais chama a atenção. Essa tonalidade de impressão não aparece em nenhum outro jornal brasileiro, embora estampe jornais conhecidos como o inglês Financial Times. O projeto gráfico segue a mesma linha de outros jornais do gru-

po Ongoing, como os portugueses Diário Econômico e Semanário Econômico, impressos na mesma cor. A diferença da publicação brasileira é que ela é desenhada sob medida para a pauta do dia, sem a obrigação de se enquadrar em gabaritos pré-estabelecidos. Produzido num formato tablóide especial (aproximadamente 28x40,5cm), com 48 páginas, diferencia-se também na impressão feita a quente (heatset), a mesma utilizada em revistas e, que além de deixar as imagens mais nítidas, não solta tinta nas mãos como os jornais convencionais. Outra diferença marcante do Brasil Econômico é a presença de uma coluna em branco em todas as páginas, onde há apenas uma chamada, aspas ou foto, inserida propositalmente com o objetivo de proporcionar um “fôlego” maior na leitura. “A nossa preocupação com a diagramação do jornal é sempre no sentido de facilitar a leitura. As pessoas que lêem o jornal não tem muito tempo para perder, principalmente o nosso público alvo, que é composto de estudantes, empresários e profissionais da área de economia que precisam ter acesso rápido às notícias. Temos esse cuidado na hora de paginar ”, diz o Diretor de Arte, Pena Placeres. Embora a impressão e o processo mais lento de diagramação representem um custo a mais para o jornal, Placeres garante que esse custo não será repassado ao leitor.


Um novo tempo para o Diário de S.Paulo Resistente às intempéries pelas quais a imprensa passou no último século, o jornal ganha fôlego e se adapta à era da modernidade.

Em 1911, ainda sem fotos na capa, o Diário Popular chamava para a guerra entre a Itália e Turquia; em 1972, em plena ditadura militar, comemorava o sesquicentenário da independência; e poucos dias antes de mudar de nome, em 2001, a manchete era a Guerra do Golfo.

lista. De acordo com o comunicado oficial da Infoglobo, empresa que administra os jornais das Organizações Globo, “a Traffic reconhece o grande valor da marca Diário de S. Paulo e pretende utilizá-la, juntamente com os demais ativos, na expansão territorial e ampliação da relevância de sua rede no mercado paulista”. Composta por dez jornais, produzidos em Bauru, Jundiaí, Sorocaba, São José do Rio Preto, Catanduva, Fernandópolis, Itatiba, Marília, região do ABCD e Grande São Paulo, as publicações da Rede Bom Dia circulam em mais de 260 cidades, com tiragens que somam

PAULO MUMIA

Ele nasceu em 1884 e foi porta-voz dos principais acontecimentos históricos do século XX. Sob o slogan “o jornal de todas as classes”, o então Diário Popular, carinhosamente apelidado de Dipo, conquistou os leitores com notícias precisas e objetivas, além das conhecidas páginas de classificados. Embora quisesse se manter fiel à maneira tradicional de fazer jornalismo que seguiu desde a sua criação, durante a década de 80 teve de aderir a novas tecnologias para competir com a agilidade dos concorrentes e definir um público-alvo mais específico. Resultado: investiu num projeto gráfico mais moderno, centrou sua linha editorial nas classes B, C e D, e as editorias de Esportes, Polícia e Geral passaram a ocupar mais espaço no jornal. Com as mudanças, o velho Dipo passou a registrar recorde de vendas nas bancas, numa época em que concorria com o Notícias Populares e a Folha da Tarde. Em 2001, sob a propriedade das Organizações Globo, foi rebatizado como Diário de S. Paulo e agora passa às mãos do empresário e jornalista José Hawilla, dono da empresa de marketing esportivo Traffic, responsável pelo controle da TV Tem, que mantém quatro emissoras afiliadas da Rede Globo, cuja cobertura abrange 318 cidades, e da Rede Bom Dia, que edita jornais no interior paulista. Facilitada pela parceria entre a Globo e José Hawilla, a compra de ativos da marca Diário de S. Paulo faz parte do projeto do empresário de ampliar seus negócios e chegar à capital pau-

Flávio Pestana espera conter a fuga dos leitores com um pacote de medidas que inclui uma nova proposta editorial.

A última edição do Diário Popular (esquerda) circulou no sábado, 22 de setembro de 2001, com um encarte explicando todas as mudanças do dia seguinte, quando o jornal passou a se chamar Diário de S.Paulo. As mudanças não surtiram o efeito desejado.

132.799 exemplares em dias úteis e 161.677 aos domingos. “Estamos construindo uma grande rede de jornais regionais. Para que nossa rede fosse completa, precisávamos ter um jornal na maior cidade do País. Quando apareceu a oportunidade de comprarmos o Diário, aproveitamos”, diz o Diretor-Geral da Rede Bom Dia, Flávio Pestana. A mudança de direção do Diário de S. Paulo acontece num momento crucial para a publicação, já que a tiragem média projetada em 300 mil exemplares pela Infoglobo quando comprou o jornal do ex-Governador Orestes Quércia não foi atingida. O desempenho ficou muito aquém do esperado, segundo dados de Instituto Verificador de

Circulação-IVC, que revelam uma tiragem de 54.969 exemplares em agosto. Esses números são objeto de preocupação por parte da Rede Bom Dia e funcionarão como uma espécie de termômetro que deve sinalizar os ajustes pelos quais o jornal terá de passar. “Os jornais de SP, incluído aí o Diário, estão perdendo circulação ano após ano. Em 2010, trabalharemos no sentido de reverter esta curva, para que a circulação volte a crescer. Este é um negócio de mídia e, portanto, de audiência. Quem perde audiência perde faturamento publicitário e tende a desaparecer”, diz Flávio Pestana. Para conter a fuga de leitores, está sendo preparado um pacote de medidas que inclui o tripé reformulação da proposta editorial, aumento na circulação e investimento em publicidade. “Esperamos implantar as mudanças já no primeiro trimestre de 2010. Vamos “apaulistar” o jornal, modernizar o desenho gráfico, melhorar algumas editorias e procurar fazer um jornalismo popular de qualidade, com ênfase na cobertura local da cidade de São Paulo. A nossa idéia é que o jornal traga um conteúdo que tenha a cara da capital paulista. Além disso, vamos investir bastante no novo site do Diário de S. Paulo, que deve ser lançado no ano que vem”, antecipa Flávio Pestana. Em relação à publicidade, a estratégia é explorar mais os classificados. “Vamos fortalecer os classificados. O Diário já é líder no segmento de veículos e agora temos que buscar a liderança em outros segmentos”, diz Pestana. Para executar essa tarefa, a equipe de 380 funcionários ganhou um reforço: o jornalista Leão Serva, que assumiu o cargo de Diretor de Redação. (Sibele Oliveira) Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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DEPOIMENTO FOTOS ARQUIVO PESSOAL

O S MAR F R A ZÃO

O contador de histórias O sonho dele era ser artista e foi realizado no rádio, no teatro e na televisão. Mas sua curtição mesmo é contar na Rádio Nacional o que estudou ou testemunhou, com uma segurança que lhe valeu o título de “enciclopédia da música popular brasileira”, dado por um crítico exigente: Flávio Cavalcânti. ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES

N

ascido no dia 8 de fevereiro em pleno Carnaval carioca, o ator, radialista e especialista em música popular brasileira Osmar Frazão dizia desde criança que queria ser artista. O sonho se concretizou 21 anos depois, em 1957, quando ingressou no elenco da antiga TV Tupi, onde conviveu com Paulo Porto, Maurício Sherman, Orlando Drummond, Mário Tupinambá e muitos outros. Atualmente, Frazão comanda o programa Histórias do Frazão, que vai ao ar semanalmente na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, todos os domingos das 9 às 11 horas, e mantém um site na internet, onde conta histórias curiosas de grandes personagens da música nacional. Nesta entrevista, Frazão fala dos papéis que interpretou na tv, no teatro, da sua amizade com Almirante, Chico Anísio e do sucesso como jurado do programa de calouros A Grande Chance, comandado por Flávio Cavalcânti, que o chamava de “a enciclopédia da música popular brasileira”.

JORNAL DA ABI — ONDE E QUANDO VOCÊ NASCEU?

Osmar Frazão — Eu nasci no Rio de Janeiro, na Rua São Francisco Xavier, na Tijuca, no dia 8 de fevereiro de 1936. Era um dia de Carnaval e os grandes sucessos na época eram as marchinhas do Lamartine Babo. Mas cresci no Méier, na Rua Castro Alves. Na casa em frente morava o Ataulfo Alves. JORNAL DA ABI — QUAIS SÃO AS SUAS RECORDAÇÕES DE UM VIZINHO TÃO ILUSTRE?

Osmar Frazão — Eu me lembro do meu pai conversando com Ataulfo, na época de Saudade da Amélia, que ele compôs em 1942. Quando nos muda20 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

mos para Copacabana, quem foi morar na casa em que nós morávamos foi o próprio Ataulfo Alves.

TV Tupi, onde me reunia com o Orlando Silva, que conheci quando era menino, por intermédio de um tio meu que era compositor.

JORNAL DA ABI — COMO FOI ESTA TRANSIÇÃO DO SUBÚRBIO PARA O BAIRRO MAIS

JORNAL DA ABI — FOI NESSA ÉPOCA QUE

ZONA SUL? Osmar Frazão — Em Copacabana comecei a conviver com outro tipo de gente com que eu estava acostumado no subúrbio. No prédio em que fui morar, viviam o cantor Gregório Barros e o cartunista Borjalo. No condomínio em frente, a Miss Brasil Terezinha Morango. No outro quarteirão, a Ângela Maria. Foi nessa época que eu passei a freqüentar a televisão, o bar da

VOCÊ DECIDIU QUE QUERIA PERTENCER A

BADALADO DA

ESSE MUNDO ARTÍSTICO?

Osmar Frazão — Eu desde garoto quis ser artista. Nunca pensei em fazer outra coisa na vida que não fosse no meio artístico. Quando eu estudava no Instituto de Educação, era comum os professores perguntarem aos alunos qual a profissão que iam escolher. A minha resposta era sempre a mesma: eu vou ser artista de rádio.

JORNAL DA ABI — A FAMÍLIA O APOIOU QUANDO VOCÊ ANUNCIOU QUE QUERIA SER ATOR?

Osmar Frazão — Eu devo muito aos meus pais por ter chegado até onde cheguei. Eles acreditavam em mim. JORNAL DA ABI — SEUS PAIS TINHAM ALGUMA LIGAÇÃO COM A ARTE?

Osmar Frazão — O meu pai tocava piano de ouvido e era um tremendo sapateador. Ele foi o grande incentivador do que sou hoje. Quando eu era menino, ficava encantado com ele contando para os amigos histórias da vida de Custódio Mesquita, Noel Rosa, Ari Barroso e do Café Nice (casa noturna no


Centro do Rio). Eu ficava boquiaberto. Dizia para mim mesmo que quando eu crescesse ia querer ser igual a ele.

amizade com vários compositores, entre os quais Clécius Caldas, Armando Cavalcânti, Ari Barroso e Lamartine Babo.

JORNAL DA ABI — FOI A TELEVISÃO QUE O PROJETOU PARA A CARREIRA ARTÍSTICA E

JORNAL DA ABI — A IDA PARA A TV TUPI

DE PRODUTOR MUSICAL, MAS VOCÊ TAMBÉM

FOI A REALIZAÇÃO DO SEU SONHO DE SE

É MUITO IDENTIFICADO COM O RÁDIO.

TORNAR UM ARTISTA?

Osmar Frazão — Por que as pessoas me vêem muito como um homem de rádio eu não sei. Eu comecei em televisão em 1957, levado pelo amigo Jair Pereira Duarte, que era operador da TV Tupi. No dia em que entrei pela primeira vez nos estúdios ele me disse: “Agora se vira!”

Osmar Frazão — Sim, foi o início de tudo. Fiquei orgulhoso de ter conhecido também artistas com o talento do Daniel Filho, Lourdes e Rodolfo Mayer e Ioná Magalhães. Eu sabia que um dia ia chegar a minha vez, e as oportunidades foram aparecendo. Além de fazer parte do elenco artístico, eu trabalhei também como assistente de direção e produção.

JORNAL DA ABI — E QUAL FOI A SUA REAÇÃO?

Osmar Frazão — Eu era ainda um garoto, mas logo me envolvi com os artistas da emissora. Foi um orgulho imenso conhecer Paulo Porto, Maurício Sherman, Orlando Drummond, Mário Tupinambá, entre outros. Com eles eu comecei fazendo pequenos papéis na televisão. JORNAL DA ABI — VOCÊ JÁ TINHA TIDO AL-

acontecer coisas interessantes para minha carreira. JORNAL DA ABI — QUE TIPO DE COISAS? Osmar Frazão — No meu primeiro dia de trabalho na TV Rio pediram-me para ir à casa do novo diretor do programa, que era o Manoel Carlos e na época estava casado com a Cidinha Campos. Ele ficou surpreso quando eu lhe disse que ia estrear naquele dia na TV Rio como assistente de direção porque, além de achar que eu já pertencia ao quadro da emissora, ele também faria a sua estréia no mesmo canal dirigindo o programa do Chico Anísio. JORNAL DA ABI — QUAIS SÃO AS SUAS TV RIO, CANAL 13, QUE NESSA ÉPOCA ERA COMANDADA POR WALTER CLARK? Osmar Frazão — O Walter Clark quis dar uma sacudida na programação. Mandou chamar o João Roberto Kelly,

BOM E A MÚSICA PRAÇA ONZE TAMBÉM FEZ UM TREMENDO SUCESSO.

Osmar Frazão — Essa composição já tinha sido apresentada ao público no Teatro São Jorge, numa peça chamada Por Que Me Ufano de Bananal, de autoria do Jararaca e do Geisa Bôscoli, que em 1962 revelou Marina Miranda e Dilma Cunha. JORNAL DA ABI — VOCÊ ASSISTIU AO ESPETÁCULO?

Osmar Frazão — Conheço essa história porque nessa época eu estava ainda na TV Tupi e participava também do Teatrinho Infantil Kibon, que depois ganhou o nome do Teatrinho Troll, sob a direção do Fábio Sabag.

RECORDAÇÕES DA

JORNAL DA ABI — VOCÊ SE TRANSFORMOU EM UM PROFISSIONAL DE TV POLIVALENTE?

Osmar Frazão — Eu queria aprender tudo, tinha loucura por aquilo que eu

JORNAL DA ABI — QUAIS ERAM OS OUTROS INTEGRANTES DO ELENCO?

Osmar Frazão — Os outros integrantes do elenco eram a Norma Blum, Zilka Salaberry, Roberto di Cleto, Oscar Filipe e o Paulo Padilha. Era o que havia de melhor do teatro infantil. JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ

GUMA EXPERIÊNCIA ANTERIOR NO CAMPO AR-

ACHA DO TEATRO INFANTIL?

TÍSTICO, QUANDO INGRESSOU NA TELEVISÃO?

Osmar Frazão — O teatro infantil é de uma responsabilidade incrível, porque te obriga a um grande exercício interpretativo para prender a atenção da criançada. E a gente não pode fazer coisa séria no texto infantil, assim como também não se pode ser infantil numa coisa séria. Esse foi um dos maiores empreendimentos artísticos de que já participei.

Osmar Frazão — Somente como amador, a partir de uma experiência que eu e outros garotos tivemos em 1955, quando lançamos um show chamado Prata da Casa. Era um espetáculo todo feito de improviso. O texto nós decorávamos das peças do Walter Pinto, que assistíamos no Teatro Recreio, cujo elenco era formado por coristas e vedetes muito bonitas. JORNAL DA ABI — ALÉM DE VOCÊ QUEM MAIS PARTICIPAVA DO ESPETÁCULO?

Osmar Frazão — Meu irmão Jair Frazão, Pascoal Perrota, que também era violinista, e o Raul Diniz, que depois foi locutor da Rádio Nacional. O Jorge Benjor, que nessa época era conhecido como Babulina, cantava lá também. Esse grupo que se apresentava no Minerva era muito bom. JORNAL DA ABI — ENTÃO DO TEATRO AMADOR VOCÊ FOI DIRETO PARA A TELEVISÃO?

Osmar Frazão — Eu era tão determinado a seguir a carreira artística que abandonei um emprego, que o meu pai me arranjou, assim que eu completei os meus estudos. Em seguida, ingressei na TV Tupi, para fazer programas humorísticos, como Ali Babá e os 40 Garçons, A,e,i,o...Urca e Rua do Ririri. Eu participei de todos os programas humorísticos da Tupi, na época. JORNAL DA ABI — ESSES PROGRAMAS TINHAM MUITA AUDIÊNCIA?

Osmar Frazão — A audiência do programa Ali Babá e os 40 Garçons era tanta que, em 1959, cantando uma marcha do Max Nunes com o J. Maia, o Mário Tupinambá ganhou um concurso de carnaval por causa da popularidade do seu personagem, que era um deputado baiano. Nessa época eu também fiz

JORNAL DA ABI — VOCÊ PARTICIPOU DE OUTRAS PRODUÇÕES VOLTADAS PARA O PÚBLICO INFANTIL?

Osmar Frazão — Depois, na Tupi, eu trabalhei na peça As Aventuras do Inferno Verde, que tinha ao meu lado o Carlos Copa e a Norma Blum. E também Frazão trabalhou com artistas de grande popularidade, como Emilinha Borba e João Roberto Kelly, atuei no programa As Aventuras que, chamado por Walter Clark, revolucionou a programação da TV Rio.Nela Frazão tornou-se ator. do Saci Pererê, na Tupi, que naquela época tinha programas inestava vivendo e aprendendo. Chegava que estava na TV Excelsior, e junto com fantis formidáveis teatralizados. na Tupi às dez da manhã e só saía à meiaele vieram o diretor de tv Luiz HarolJORNAL DA ABI — O QUE VOCÊ ACHA DA noite, quando o canal encerrava as suas do, Mário Meira Guimarães (grande QUALIDADE DOS PROGRAMAS INFANTIS DE HOJE transmissões, com uma música chamaroteirista de teatro de revista), J. Rui, COMPARAÇÃO COM OS DOS ANOS 60? EM da Acalanto, do Dorival Caymmi. Antônio Maria e Sérgio Porto. Essa Osmar Frazão — Os mais antigos equipe ficou encarregada da produção JORNAL DA ABI — QUANTO TEMPO VOCÊ eram incomparavelmente superiores. do programa Praça Onze. TRABALHOU NA TUPI? Porque tinham textos que permitiam JORNAL DA ABI — VOCÊ CITOU O JOÃO Osmar Frazão — Trabalhei na Tupi aos atores interpretarem os seus perROBERTO KELLY. QUAL FOI A CONTRIBUIÇÃO de 1957 a 1964, depois fui para a TV Rio sonagens com mais conteúdo. VivíaDELE PARA A EMISSORA? levado pelo Mário Tupinambá, que era mos também um outro período; não Osmar Frazão — Com a chegada do compadre do Chico Anísio e também existia a tv em cores e nem a internet Kelly ocorreram as modificações na um grande humorista. para disputar a atenção das crianças. programação da TV Rio. Ele montou JORNAL DA ABI — VOCÊ JÁ TINHA TIDO JORNAL DA ABI — VOCÊ CONVIVEU COM aqueles musicais maravilhosos, incluALGUM CONTATO COM O CHICO ANÍSIO ANO F ERNANDO BARBOSA LIMA E O BONI NA sive o próprio Praça Onze, cuja músiTERIORMENTE? TV RIO? ca é uma composição dele com letra do Osmar Frazão — Eu o conheci na Osmar Frazão — Eu presenciei a Chico Anísio. Foi nesse programa que Rádio Mayrink Veiga, emissora para a chegada do Boni na TV Rio. Lembro eu deslanchei como ator, sob a direção qual o Mário Tupinambá produzia que ele ficou sentado no auditório asdo Luiz Haroldo. scripts. E foi nesse período do meu insistindo aos movimentos no palco. JORNAL DA ABI — O PROGRAMA ERA gresso na TV Rio que começaram a Depois, o Walter Clark deu a mão a ele, Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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DEPOIMENTO OSMAR FRAZÃO

cipar de oito capítulos da novela O Primeiro Amor, contracenando com Tônia Carrero e Sérgio Cardoso. Depois em Selva de Pedra, com a Regina Duarte, interpretando um delegado cheio de banca. Mas nada disso me atraiu, porque eu me sentia muito longe de me aproximar daqueles artistas a que a TV Globo estava dando atenção.

que se juntou com o João Roberto Kelly e se tornou um grande diretor de televisão. JORNAL DA ABI — QUEM FOI O RESPONTV RIO? Osmar Frazão — A TV Rio cresceu com o Walter Clark, que soube formar uma equipe importante com nomes como Fernando Barbosa Lima, que era o maior talento da nossa televisão. Ele era bom em tudo. A vida do Fernando Barbosa Lima na televisão é um capítulo à parte, todos sabem disso. SÁVEL PELO CRESCIMENTO DA

JORNAL DA ABI — POR QUÊ? Osmar Frazão — Porque eu sentia que ia começar tudo novamente, e daqui que chegasse a ser notado ia demorar muito. E eu sou muito agitado.

JORNAL DA ABI — CONSTA QUE NA TV RIO VOCÊ VIVEU UM DILEMA: TEVE QUE ESCOLHER ENTRE TRABALHAR COMO ASSISTENTE DE DIREÇÃO OU SER ATOR. Osmar Frazão — Depois de ter participado daquelas jornadas todas na Tupi, fui para a TV Rio, como já disse, trabalhar com o Chico Anísio. Um dia o Boni se reuniu conosco e falou: “Frazão, você tem que optar. Ou fica como assistente de direção, ou trabalha como ator ”.

JORNAL DA ABI — MESMO ASSIM VOCÊ BALANÇA MAS NÃO CAI QUANDO ESTE

PARTICIPOU DO PROGRAMA

PASSOU A SER PRODUZIDO

GLOBO. Osmar Frazão — Participava de um quadro onde representava um contínuo fanho de uma repartição pública, ao qual o Max Nunes deu o nome de Estefanho. E também participei da Escolinha do Professor Raimundo. Mas não era um personagem de destaque, talvez me faltasse um pouco de talento para fazer graça perto do Chico Anísio.

PELA

JORNAL DA ABI — E QUAL FOI A SUA DECISÃO?

Osmar Frazão — A segunda opção para mim era a melhor. O meu negócio era ser ator. Entrei para um quadro chamado Café Bola Branca, onde contracenei com Antônio Carlos, um comediante maravilhoso, pai da Glória Pires; Rui Cavalcante, do teatro de revista; e o Ankito, que foi um dos maiores ídolos do nosso cinema.

JORNAL DA ABI — MAS TEVE TALENTO PARA SE TRANSFORMAR EM UM DOS

JORNAL DA ABI — O CHICO ANÍSIO TINHA MUITA CONFIANÇA NO SEU TRABALHO? Osmar Frazão — Ele me deu cartabranca para conduzir a produção do seu programa. Uma vez fui falar com ele se podia escalar um ator. Ele olhou para mim e disse: “Olha, Frazão, se eu tiver que dar opinião não preciso ter você coordenando o programa. Você não tem que me perguntar nada. Quem tem que escalar o elenco é você”. Para mim isso foi sensacional. Eu então levei para a TV Rio o Pituca, a Marilu Bueno e o Herval Rossano. JORNAL DA ABI — ALÉM DA TELEVISÃO VOCÊ ATUOU EM TEATRO E NO FINAL DOS ANOS 60 RECEBEU VÁRIOS ELOGIOS DA CRÍ-

A GARÇONIÈRE DO MEU MARIDO, DO SILVEIRA SAMPAIO. Osmar Frazão — O sucesso na TV Rio foi que me levou para o teatro. O meu personagem na peça era um garçom irreverente e cínico. E pelo meu desempenho fui apontado para ser uma das revelações de teatro em 1965. Recebi um elogio pessoal do Millôr Fernandes e da viúva do Silveira Sampaio. Ela me disse que o Luiz Delfino, que interpretara o mesmo personagem nos anos 50, não o fizera tão bem quanto eu. O que para mim valeu muito. TICA PELA SUA PARTICIPAÇÃO NA PEÇA

JORNAL DA ABI — DEPOIS DISSO VOCÊ CONTINUOU FAZENDO TEATRO? 22 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

MAIS RESPEITADOS PESQUISADORES DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA.

Osmar Frazão — Se hoje eu sou um modesto conhecedor da música popular brasileira é porque eu queria ser igual ao Almirante e estudava muito o assunto. Eu o admirava e ficava encantado ao ouvi-lo contar histórias do folclore brasileiro, da música, da amizade dele com o Noel Rosa. Aquilo tudo para mim era um mundo maravilhoso.

Os jovens Sérgio Cabral e Frazão (na foto do alto) tinham a mesma paixão, a música popular, e os mesmos ídolos, como Orlando Silva (acima, ao centro, ao lado da atriz Nádia Maria), que Frazão admirava desde menino, sem imaginar que cedo se tornaria colega dele.

Osmar Frazão — Depois eu participei de outra peça do Silveira Sampaio, cujo título era Trilogia do Herói Grotesco, e recebi um grande elogio do Fausto Wolff, que era crítico teatral do jornal O Dia. Nunca mais esqueci da frase que ele escreveu em sua coluna: “Osmar Frazão nasceu para interpretar as peças de Silveira Sampaio”. Partindo de um homem que conhecia teatro como ninguém, foi uma das grandes alegrias que eu tive na vida e no teatro. JORNAL DA ABI — VOCÊ TEVE OUTRAS? Osmar Frazão — A outra alegria teatral que eu tive foi com o Walter Pinto. Eu fazia um show no Teatro Carlos Gomes com o Silva Filho. Quando acabou o espetáculo ele mandou me chamar e disse: “Olha, menino, quando você souber que eu vou montar uma peça no Teatro Recreio me procura porque você tem uma vaga certa”. Acabou não acontecendo, mas são coisas que a gente não esquece.

GRAMAS HUMORÍSTICOS, VOCÊ ACHA QUE A TELEVISÃO LEVOU VANTAGEM SOBRE O RÁDIO?

Osmar Frazão — No final dos anos 60, a produção de programas humorísticos no rádio entrou em decadência, principalmente por causa do surgimento da televisão, que quando entrou no ar levou, do elenco da Rádio Tupi e da Mayrink Veiga, os grandes humoristas e roteiristas, como Chico Anísio, Mário Tupinambá, e maestros como o Radamés Gnatalli, Guio de Morais. JORNAL DA ABI — QUAL FOI O PROGRAMA HUMORÍSTICO QUE FAZIA SUCESSO NO RÁDIO QUE A TELEVISÃO SE APROPRIOU?

Osmar Frazão — De início a televisão levou para o seu ambiente o programa Balança Mas Não Cai, com o Max Nunes e o Paulo Gracindo, no qual se destacou muito o saudoso Brandão Filho, que inclusive mais tarde fez um tremendo sucesso na Rede Globo. JORNAL DA ABI — VOCÊ CHEGOU A TRAREDE GLOBO? Osmar Frazão — Eu cheguei a parti-

BALHAR PARA A

JORNAL DA ABI — EM RELAÇÃO AOS PRO-

JORNAL DA ABI — VOCÊ CHEGOU A FAALMIRANTE? Osmar Frazão — Em 1960 cantei na TV Tupi no programa Era uma Vez no Carnaval, apresentado pelo Almirante. Indicado por ele, juntamente com o Artur Farias, participei desse programa acompanhado por Pixinguinha, João da Baiana, Donga, Alfredinho e Waldemar Melo. ZER AMIZADE COM O

JORNAL DA ABI — VOCÊ DISSE QUE SE INSPIROU MUITO NO ALMIRANTE. POR QUÊ?

Osmar Frazão — O Almirante foi um espelho para mim. Freqüentava a casa dele na Tijuca, onde aprendi a cantar algumas músicas do início do século, que eu interpretava no programa junto com o Pixinguinha e a turma da Velha Guarda. O que eu não conhecia de música ele passou a me ensinar.


JORNAL DA ABI — QUAL É A RECORDAÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE VOCÊ TEM DO TEMPO

ALMIRANTE? Osmar Frazão — Guardo uma dedicatória em um livro dele que diz o seguinte: “Ao amigo Osmar Frazão, que vem sendo um papa da música popular brasileira”. Ele acreditava que eu ia ter um grande conhecimento sobre a nossa mpb.

EM QUE CONVIVEU COM O

JORNAL DA ABI — FOI ESSE CONHECIMENTO QUE O LEVOU A SER JURADO DE PROGRAMA DE CALOUROS NA TELEVISÃO?

Osmar Frazão — Eu fui convidado para ser jurado na TV Tupi do programa do Mauro Montalvão, que fora locutor esportivo. Eu ganhei essa chance porque comecei a mostrar um certo conhecimento sobre música popular. No bar da emissora eu conversava muito com meus companheiros sobre músicas antigas, sobre a vida do cantor Orlando Silva, entre outros. Por causa disso, em 1964, o Hilton Abi-Rihan me convidou para fazer um programa de música na Rádio Continental, cujo nome era Mil novecentos e antigamente. JORNAL DA ABI — ALÉM DE JURADO VOCÊ TAMBÉM CHEGOU A DIRIGIR O PROGRAMA

MONTALVÃO. Osmar Frazão — De jurado eu passei a ser o diretor musical do programa. O júri era formado por Aurimar Rocha, Adalgisa Colombo, Vera Gimenez, o jornalista Mister Eco, Tati Bueno (casada com Vinícius de Moraes). Ali eu comecei a me destacar por causa das informações que detinha sobre as músicas, ano de gravação e seus intérpretes.

DO

Osmar Frazão — Por sorte minha o primeiro calouro a se apresentar cantou Carinhoso, do Pixinguinha, com quem eu já havia trabalhado. Quando chegou a minha vez de fazer um comentário, eu aproveitei para contar a história da música. Disse ao jovem candidato a cantor que ele cantava bem, e que a música tinha sido lançada no Teatro Municipal, numa peça chamada Parada de Maravilhas, em 1936, cantada pela atriz famosa Heloísa Helena. Lembrei também que foi gravada pelo Orlando Silva, no dia 28 de maio de 1937. Quando eu falei também qual era o número de registro da gravação — disco Vitor, número 34.181 — ficou todo mundo espantado. A partir daí eu não parei mais.

quando eu me dirigi a ele e disse: “Você está falando com o próprio”. JORNAL DA ABI — VOCÊ ACHA QUE NO SEU CASO PESOU O PODER DA TELEVISÃO?

Osmar Frazão — Eu não tenho a menor dúvida, pois a televisão é um

tava histórias da mpb e da cidade do Rio de Janeiro. A idéia foi do Cristiano Menezes. Inclusive eu vou lançar um livro intitulado Histórias do Frazão. Ele e o Aldir Blanc foram convidados para escrever o prefácio. JORNAL DA ABI — ESSE VAI SER O SEU SEGUNDO LIVRO?

Osmar Frazão — No tempo em que eu trabalhava na Riotur escrevi o livro Cem Anos de Copacabana em parceria com a Lindita. Coube a mim falar sobre a parte carnavalesca do bairro, que era contagiante já desde o início do século passado. Os bailes do Copacabana Palace e outros que eram realizados nas residências, conhecidos como Puf. Foi um período gracioso de Copacabana, mas também de toda a cidade do Rio de Janeiro.

JORNAL DA ABI — COMO FOI QUE VOCÊ DESENVOLVEU ESSA CA-

JORNAL DA ABI — VOCÊ VOLTOU

PACIDADE PARA GUARDAR TANTOS

PARA O RÁDIO E TAMBÉM ESTÁ NA

DETALHES?

INTERNET. COMO VOCÊ ESTÁ LIDAN-

Osmar Frazão — Por que eu tenho facilidade para memorizar tanta informação eu não sei. O que eu posso dizer é que esta minha capacidade me ajudou muito na carreira e na relação com o Flávio Cavalcânti. Eu passei a ser tratado por ele de maneira especial. Nos programas que ele passou a fazer em São Paulo, o meu nome aparecia como produtor.

DO COM ESTA EXPERIÊNCIA?

JORNAL DA ABI — ENTÃO FOI A PARTIR DO PROGRAMA A GRAN-

JORNAL DA ABI — E COMO FOI QUE FLÁVIO CAVALCÂNTI? Osmar Frazão — Eu fui indicado ao Flávio Cavalcânti pelo diretor do programa, que era o Artur Farias, para substituir o Sérgio Bittencourt, que estava de mudança para São Paulo. No dia em que nos conhecemos aconteceu um fato curioso. O Flávio quis me testar, pegou o livro Panorama da Música Popular, do Ari Vasconcelos, abriu a publicação, virou-se para mim e disse: “Vamos falar do Herivelto Martins”. Eu comentei que o capítulo sobre o Herivelto estava na página 115. Ele foi conferir e em seguida afirmou: “Este homem é uma enciclopédia da música brasileira”. VOCÊ CHEGOU AO PROGRAMA DO

DE

CHANCE QUE VOCÊ PASSOU A

SER REALMENTE RECONHECIDO

O tempo não privou Frazão de sua energia criativa: ele produz três programas na Rádio Nacional, um deles líder de audiência.

PELO GRANDE PÚBLICO?

Osmar Frazão — Eu e Flávio ficamos bons amigos. Foi ele quem me lançou como “a enciclopédia da música brasileira”. A minha carreira só foi impulsionada depois que eu passei a ser jurado do programa dele. JORNAL DA ABI — COM UM RECONHECIMENTO BEM MAIOR DO QUE ANTERIOR-

JORNAL DA ABI — AMIGOS SEUS CONTAM JORNAL DA ABI — ALÉM DE VOCÊ QUAIS

QUE AS PESSOAS CHEGAVAM A TE PARAR NA

ERAM OS OUTROS JURADOS DO PROGRAMA

RUA PARA TESTAR OS SEUS CONHECIMENTOS.

FLÁVIO CAVALCÂNTI? Osmar Frazão — O programa se chamava A Grande Chance. O júri era formado por mim, Humberto Reis, Erlon Chaves, Artur Farias, Carlos Renato, José Messias, Cláudio Mascarenhas e a Cidinha Campos, que entrou no lugar da Márcia de Windsor.

É VERDADE? Osmar Frazão — Teve uma vez que aconteceu uma história engraçada. Eu participava de uma roda de conversa, quando um dos presentes começou a falar sobre uma determinada música. Só que o que ele dizia estava errado. Então lhe chamei a atenção. Ele não gostou e reclamou: “Não me venha com essa. Vai querer dar uma de Osmar Frazão pra cima de mim?”. Todos riram

COMANDADO PELO

J ORNAL DA ABI — C OMO FOI A SUA ESTRÉIA NESSE PROGRAMA?

JORNAL DA ABI — ALGUMAS DESTAS HISTÓRIAS VOCÊ VEM CONTANDO

veículo fabuloso. Hoje está um pouco diferente porque o rádio aumentou a sua audiência. Não estamos mais nos anos 70, quando o rádio se retraiu por causa da ditadura militar. Atualmente ele tomou outro rumo. Hoje em dia, muita gente importante no rádio, como o Antônio Carlos, teve uma passagem pela TV.

MENTE NO TEATRO.

Osmar Frazão — O curioso é que depois de tantos anos eu fiquei conhecido como uma personalidade da música e não do teatro, que foi a minha porta de entrada para o meio artístico.

Osmar Frazão — Quem me levou para a internet foi o jornalista Dagoberto Souto Maior. Um dia ele me telefonou se apresentando como meu admirador e falando nesse projeto. A idéia dele era que eu contasse as histórias em livro. O livro já está com quase 150 páginas com histórias deliciosas, que eu não gostaria de destacar agora, mas garanto que quando o livro sair todos vão gostar. E foi o Dagoberto quem me trouxe esta luz.

JORNAL DA ABI — VOCÊ TEVE TAMBÉM UMA COLUNA SOBRE MÚSICA NA TRIBUNA DA

IMPRENSA. Osmar Frazão — Tinha uma página inteira na Tribuna, chamada Histórias da Música Popular Brasileira. Mas não durou muito, porque eu comecei a me envolver com outras coisas, a produzir shows. Nessa época, cheguei a dirigir um espetáculo para a Leny Eversong e outro com os vencedores de A Grande Chance. Com isso, me faltava tempo para escrever a coluna. JORNAL DA ABI — COMO FOI VOLTAR À RÁDIO NACIONAL DEPOIS DE TANTOS ANOS? Osmar Frazão — Na Rádio Nacional eu produzi os programas Naquele tempo, Parada de Todos os Carnavais e Parada de Todos os Tempos, no qual eu con-

DIÁRIO DO FRAZÃO*. Osmar Frazão — No blog, faço crônicas sobre música popular brasileira que são ilustradas com o meu acervo de mais de 500 fotos autografadas de artistas de rádio. Isso facilita o entendimento do internauta, que já ouviu falar, por exemplo, de Oduvaldo Cozzi, o homem que batizou Orlando Silva de O Cantor das Multidões, mas nunca viu uma imagem dele. Eu comecei em janeiro do ano passado, um ano depois a minha página já atingiu cerca de seis mil visitas.

NO BLOG

JORNAL DA ABI — E AINDA LHE SOBRA TEMPO PARA PRODUZIR PROGRAMAS DE RÁDIO?

Osmar Fazão — Eu faço três programas radiofônicos, todos na Rádio Nacional. Um deles é o Histórias do Frazão, que nas manhãs de domingo, das 9h às 11h, é o programa de maior audiência na emissora. Na mesma Nacional participo do programa Alô Rio, com o Hilton Abi-Rihan, onde eu conto 22 histórias por mês. E tem também o Sintonia Total. *www.historiasdoosmarfrazao.com.br

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Liberdade de imprensa

Repórter do Diário de Pernambuco é agredido Dois filhos do Vereador Luiz Vidal, do Recife, agrediram com soco Rafael Dias, em represália a matéria que levantava suspeitas sobre a causa da morte do político do PSDC. A violência de que são vítimas profissionais de imprensa ainda se repete por todo o País. Um dos casos mais recentes atingiu o repórter Rafael Dias, do Diário de Pernambuco, agredido na noite de 28 de setembro, na portaria do jornal onde trabalha. Os agressores se identificaram como Luiz Vidal Filho e Ivo Vidal, filhos de Luiz Vidal, vereador do Recife, que falecera dois dias antes. Os dois rapazes perguntaram pelo jornalista na recepção. Ao se apresentar para recebê-los e, após se identificar, Rafael Dias recebeu um soco no rosto. Um segurança também foi agredido. “Os ferimentos não foram muito graves. O pior é o susto e a sensação de impotência. Eu ainda estou assustado. Eles viram o meu rosto, sabem onde eu trabalho e, quando saíram, fizeram novas ameaças. Eu fugi depois que recebi o soco, pois pensei que eles iriam me perseguir dentro do jornal”, afirmou o repórter, que devido ao sangramento no nariz teve que ser atendido no Hospital Esperança, com direito a dois dias de licença. Ele passou a andar acompanhado por segurança do jornal.

“Ainda não entendi direito o que aconteceu. Estou procurando motivos para esse ato antidemocrático. Eles não abriram margem para qualquer diálogo”, disse ele. Os agressores tentaram justificar a agressão. Disseram eles que Rafael Dias teria escrito uma matéria que denegria o nome do Vereador Luiz Vidal. Rafael contou que a mãe dos jovens ligou para o jornal e pediu desculpas à Diretora de Redação pelo ocorrido. “Esse foi um ato premeditado, covarde e de quem não sabe conviver com a democracia. A agressão atinge todos os jornalistas, pois é um atentado ao direito de um veículo de comunicação de informar seus leitores sobre a morte de um homem público”, reagiu a Diretora de Redação do Diário de Pernambuco, Vera Ogando, em reportagem publicada no próprio jornal, no dia 29 de setembro. A matéria, que falava do sepultamento do vereador do PSDC, relatava que a antecipação do enterro, ocorrido no domingo, dia 27 de setembro, teria causado surpresa a amigos e correligionários. A cerimônia, seguindo os

preceitos judaicos, religião à qual Vidal havia se convertido, tinha sido inicialmente marcada para o dia 29. O texto segue relatando que o vereador, morto aos 62 anos, esteve internado por quase sete meses e que deu entrada no hospital tendo delírios e sentindo dores no corpo. Diante da falta de um diagnóstico preciso, bem como de um comunicado oficial da causa da morte, o texto levanta a hipótese de que Luiz tenha sido vítima de encefalopatia espongiforme transmissível, doença mais conhecida como ‘mal da vaca louca’. “Nós entendemos a dor da família, mas não podemos deixar de registrar que o Diário de Pernambuco sempre respeitou Luiz Vidal, um combatente ferrenho da ditadura e que tanto lutou pela democracia. E esse respeito foi mantido integralmente nas matérias sobre a sua morte, retratando fielmente o legado que ele deixou para a política pernambucana”, disse Vera Ogando. O Delegado João Dantas, titular da Delegacia de Boa Vista, no Centro do Recife, abriu inquérito para apurar a agressão. O Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco divulgou nota de protesto pedindo punição para os envolvidos na agressão e colocou à disposição de Rafael Dias sua assessoria jurídica. “Os agressores saíram tranqüilamente, com total arrogância e certeza de

impunidade”, disse o Presidente do Sindicato, Airton Barbosa Maciel Júnior. “O Sindicato não entende como a publicação de uma informação sobre a suspeita de uma doença grave, que por si só obriga os órgãos de saúde e pesquisa a procurarem confirmar ou negar, em razão do risco de propagação, possa ter ofendido as pessoas. Somente o espírito violento e o sentimento de impunidade podem explicar tal covardia. Espírito e sentimento demonstrados, também, pelos dois agressores ao se retirarem da empresa, ameaçando seguranças, insinuando estar portando arma e ironizando as testemunhas ao mandar que anotassem a placa do veículo que os transportava”, dizia a nota, divulgada no dia 29 de setembro. Informou Rafael Dias que os agressores foram ouvidos pelo delegado e apresentaram outra versão para o caso. “Eles disseram que eu os teria ameaçado violentamente, passando a insultá-los. Falaram também que vão me processar por calúnia, porque eu os teria chamado de judeuzinhos”, contou o repórter, negando tais fatos. Enquanto aguarda o desdobramento do inquérito criminal, Rafael Dias disse que vai entrar na Justiça com duas ações contra Luiz Vidal Filho e Ivo Vidal. Uma na área cível, por danos morais e materiais, e outra na esfera criminal, por denunciação caluniosa.

NELSON JR./SCO-STF

Não ao matador de Barbon O Supremo nega habeas corpus ao policial militar suspeito no Caso Barbon. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou em 28 de outubro, por unanimidade de votos, habeas corpus a um capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo acusado de participar, juntamente com mais quatro integrantes da PM, da quadrilha que teria assassinado o jornalista Luis Carlos Barbon. Colaborador do Jornal do Porto, Barbon denunciou o envolvimento de vereadores de Porto Ferreira, em São Paulo, em um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a realização de orgias sexuais em chácaras localizadas nos arredores do Município. O jornalista foi morto a tiros em maio de 2007, quando estava em um bar, no Centro da cidade. O oficial suspeito de ter ordenado o homicídio está preso preventivamente desde 3 de março de 2008, sob o argumento de que estaria intimidando testemunhas. A viúva de Barbon, Kátia Camargo, entrou para o Programa de Proteção à Testemunha 26 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

em janeiro deste ano, após receber ameaças. No julgamento do pedido de habeas corpus, o advogado do policial sustentou que a manutenção de sua prisão preventiva não está suficientemente motivada, conforme dispõe a Lei nº 11.689/08, que alterou o artigo 413 do Código de Processo Penal. O representante do Ministério Público presente à sessão, Wagner Gonçalves, defendeu a manutenção da preventiva: – Pelo menos três testemunhas relataram que sofreram atentados cuja autoria é imputada aos policiais militares. Além disso, trata-se de crime grave, praticado em uma pequena cidade e a revogação da prisão dos acusados poderá gerar na população sensação pública de abandono da lei e desamparo completo, concluiu. O relator do processo, Ministro Cezar Peluso, afirmou em seu voto que não há nenhuma ilegalidade flagrante.

– O decreto de prisão preventiva está muito bem fundamentado e os fatos que constituem causa da preventiva são graves. Trata-se da imputação a policiais militares de formação de uma quadrilha, a prática dos crimes e depois intimidação de testemunhas. E isso já seria suficiente para a manutenção da prisão – afirmou o relator. Os demais integrantes da Segunda Turma acompanharam o voto de Peluso e negaram seguimento ao habeas corpus. Julgamento marcado A Justiça paulista agendou para o dia 25 de março, no fórum da Barra Funda, na Zona Oeste da Cidade de São Paulo, o julgamento dos réus. Os policiais militares e o comerciante acusados de participar do atentado contra Barbon ficarão frente a frente com o conselho de sentença. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, os policiais militares - um capitão, um sargen-

Cezar Peluso considera o decreto de prisão preventiva muito bem fundamentado.

to e dois soldados –, além do comerciante que seria o dono da arma usada no crime, estarão em plenário para serem julgados pelo Tribunal do Júri. Até lá, os policiais militares permanecem recolhidos no Presídio Romão Gomes, na capital paulista. O comerciante está preso no Centro de Ressocialização de Rio Claro, interior de São Paulo, e aguarda decisão da Justiça.


“A sociedade deve reagir contra a censura” O cientista político Luiz Werneck Viana cobra uma posição mais vigorosa contra a censura prévia ao Estadão. DIVULGAÇÃO

“A censura prévia que o jornal O Estado de S. Paulo vem sofrendo é uma ameaça à democracia no Brasil. E a sociedade não está reagindo com o devido vigor.” A cobrança foi feita pelo cientista político Luiz Werneck Viana, do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro-Iuperj, e deu o tom ao Fórum Debates Republicanos, realizado em setembro, no Rio, pela Faculdade de Direito Hélio Alonso. Com o tema A Crise do Senado e a Degradação da República, o debate foi mediado pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e contou com a participação do Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros-AMB, Juiz Mozart Valadares, do jornalista Merval Pereira, cronista político de O Globo e da TV Globo, e do Senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Além de lamentar a situação do Estadão, que desde agosto está proibido por uma liminar de publicar qualquer reportagem sobre as investigações da Polícia Federal na Operação Boi Barrica que envolvam o nome do empresário Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney, Viana ainda cobrou a divulgação de manifestações de intelectuais e protestos da própria mídia, contra essa violação das liberdades de imprensa e de expressão de que é vítima o jornal paulista. Em sua exposição, o Senador Jarbas Vasconcelos defendeu a realização de uma reforma política que inclua entre seus pontos principais o fim das coligações nas eleições proporcionais, o

O Senador Jarbas Vasconcelos considera consolidada a democracia no País mas defende uma ampla reforma política.

financiamento público das campanhas eleitorais, a instituição da fidelidade partidária e a adoção da cláusula de desempenho ou de barreira nas eleições. Sobre o problema da democracia no País, Vasconcelos acabou abordando o assunto em resposta a uma indagação da numerosa platéia de estudantes de Direito. Apesar de considerar a democracia consolidada no Brasil, ele acredita que esteja sendo prejudicada pela saturação da opinião pública diante dos escândalos que são divulgados. Mobilização popular Os trabalhos foram abertos pelo Coordenador do Fórum, Desembargador Luiz Fernando Ribeiro da Carvalho, e encerrado pelo Professor Hélio Alonso, Diretor da Faculdade. O Presiden-

te da AMB apontou o controle social como uma forma de assegurar o respeito à ética na coisa pública e a defesa de medidas que favoreçam a diminuição das desigualdades sociais. Valadares indicou como controle social a mobilização popular, inclusive com manifestações de rua, visando à garantia dos direitos coletivos, como se deu na campanha Diretas Já e no impeachment do então Presidente Fernando Collor. Disse o Presidente da AMB que o Poder Judiciário foi o primeiro a eliminar o nepotismo — depois seguido pelo Executivo e o Legislativo — e a realizar as primeiras punições de magistrados que violaram seus deveres funcionais. Essas punições alcançaram, por meio de atos do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, dois desembargadores do

Amazonas e oito do Maranhão. Valadares também condenou a proposta do Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) de extinção do Senado Federal, que a seu ver deve ser mantido por ser o ponto de equilíbrio da Federação. Ao defender a ética no trato da coisa pública, o Presidente da AMB citou o caso do porto de Santos como um butim disputado pelos políticos, dadas as vantagens que podem obter ao influir para a liberação de cargas. Alianças esdrúxulas O jornalista Merval Pereira chamou a atenção para a antecipação da campanha da eleição presidencial para 2010, e fez reparos ao comportamento dos diferentes partidos que, disse, não vacilam em recorrer a alianças esdrúxulas para garantir a vitória no próximo pleito. Ele concordou com a afirmação do Senador Jarbas Vasconcelos de que é imperiosa e urgente a aprovação de uma reforma política, que não pode ser substituída por uma simples reforma eleitoral como aquela que acaba de ser aprovada pelo Congresso Nacional. Na fase final do debate, o Senador ainda retomou a problemática dos seguidos ataques à democracia, insistindo em que falta ao Brasil uma agenda positiva que contenha proposições para suprir a ausência de Poderes e, principalmente, a do Poder Legislativo. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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Liberdade de imprensa

O Brasil avança no ranking da RSF Relatório anual da organização não-governamental Repórteres sem Fronteiras acerca da liberdade de imprensa no mundo mostra que o Brasil registrou ligeiro avanço no respeito à liberdade de informação mas ainda se registram agressões e crimes contra jornalistas, bem como censura a veículos de comunicação. JOSÉCRUZ/ABR

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DIVULGAÇÃO

Uma pequena melhora do Brasil, no contexto desanimador da América Latina. Essa pode ser a tradução literal do ranking anual da liberdade de imprensa no mundo, divulgado em 20 de outubro pela organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras-RSF, sediada em Paris. O Brasil, que ocupava a 82ª posição em 2008, subiu para o 71º lugar na estatística, liderada pela Dinamarca, Finlândia e Irlanda, que ocupam, respectivamente, as três primeiras posições. Por outro lado, cinco dos sete maiores recuos da liberdade jornalística ocorreram em países sob influência de Hugo Chávez, Presidente da Venezuela, que caiu 47 posições desde 2002 e atualmente figura na 124ª colocação. O cenário no continente, de fato, não é dos melhores. O estudo internacional aponta ações como fechamento de emissoras de rádio e tv, aprovação de projetos de lei para restringir a atuação de meios de comunicação, censura prévia, agressões físicas e até assassinatos de jornalistas. Tudo isso em países que, apesar do perfil democrático, ainda convivem com arbitrariedades quando o que está em jogo é a apuração, produção e circulação de informações. No caso da Venezuela, diz a RSF, Chávez teria mudado regras que regem a radiodifusão justamente com o objetivo de silenciar seus críticos. “Não é nada bom o caminho que as Américas estão seguindo”, avaliou Robert Rivard, que preside a Comissão de Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip, ao comentar o grau de tensão entre a imprensa e os governos nesses países. Ele também citou nações sob a influência chavista, como Bolívia, Nicarágua e Equador, como focos de preocupação. A situação de Honduras, que já era vista pela Sip como problemática quando Manuel Zelaya - aliado de Chávez - estava no poder, piorou após o golpe que derrubou o Presidente. Honduras sofreu queda de 28 posições e ocupa agora o 128º lugar, em função do golpe contra o Presidente Manuel Zelaya e das ações contrárias à liberdade de imprensa. Outros casos pelo mundo também se destacaram negativamente. A dura censura aos meios de comunicação, em especial durante a ocupação militar na Faixa de Gaza, comprometeu a posição de Israel, que despencou do 46º lugar na última pesquisa para o 93º em 2009. Irã, Pelo ter-

Sobe e desce: Enquanto a Venezuela de Hugo Chaves registrou uma queda de 47 posições no ranking anual da liberdade de imprensa da RSF, os Estados Unidos subiram 20 posições depois que Barack Obama foi eleito Presidente.

ceiro ano consecutivo, Turcomenistão, Coréia do Norte e Eritréia, chamados de “trio infernal”, ocupam os últimos lugares. De acordo com o estudo da RSF, a situação no Irã foi agravada pelos ataques à imprensa no Governo Ahmadinejad. Especificamente sobre o Brasil, o relatório da RSF aponta que o País se “beneficia dos esforços desenvolvidos pelo Governo Lula em matéria de acesso à informação”,mas faz uma ressalva. “Apesar de evoluções positivas, o Brasil padece de violência persistente contra meios de comunicação nas grandes aglomerações urbanas e nas regiões do Norte e do Nordeste”. Por fim, chama a atenção para o controle sob as mídias locais. “A censura preventiva permanece ativa em certos Estados nos quais as autoridades monopolizam os meios de comunicação”, diz a organização.

Outro destaque deste ano é a melhora do quadro nos Estados Unidos, que subiram de 40º para 20º no ranking. Diz o relatório que a eleição de Barack Obama e sua postura mais democrática que a do antecessor George W. Bush contribuíram muito para o avanço do país. Porém, mais uma vez, o relatório chama a atenção para um aspecto pouco positivo. No caso dos Estados Unidos ainda pesa o envolvimento em guerras. A atitude dos Estados Unidos para com a mídia do Iraque e do Afeganistão é preocupante. Desde o início dos conflitos, dezenas de jornalistas foram presos ou feridos nesses dois países. Os europeus há tempos vêm dando exemplos de respeito à liberdade de imprensa, porém o relatório 2009 mostra que, apesar de ainda ocuparem as 13 primeiras posições, várias nações européias retrocederam no setor. A França, que estava no 43°, caiu 8 posições;

a Eslováquia (44), 37; a Itália (49), cinco lugares. Com isso, deram lugar a democracias da África (Mali, África do Sul e Gana) e do Hemisfério Ocidental (Uruguai e Trinidad e Tobago). Esse é oitavo ranking mundial de liberdade de imprensa divulgado pela RSF. A lista é elaborada com base em questionários respondidos por jornalistas e especialistas em mídia em todo o mundo. No caso da pesquisa deste ano, foram levadas em consideração as ações relativas à liberdade de imprensa no período entre 1º de setembro de 2008 e 31 de agosto de 2009. Para atribuir a posição de cada país, a entidade leva em conta episódios de violência contra profissionais de imprensa (ameaças, detenções, agressões físicas e assassinatos) e veículos (censura e pressões econômicas), além de abusos cometidos por governos, milícias armadas e organizações clandestinas.


Clima pesado em Honduras A emissora mexicana de TV Televisa denunciou agressão sofrida por sua equipe durante cobertura em Honduras. Segundo nota, o repórter Alberto Cardona e o cinegrafista Rony Sánchez foram agredidos por policiais hondurenhos no dia 28 de setembro, quando se dirigiam à sede da emissora Rádio Globo de Tegucigalpa, fechada pelo Governo interino, juntamente com o canal de TV 36. Segundo a rede mexicana, o ataque contra seus enviados especiais a Honduras aconteceu nas primeiras horas do dia, quando a equipe se dirigia à emissora oposicionista, fechada pelo governo interino em meio ao endurecimento das medidas do governo, que decretou estado de exceção. Segundo o governo interino, a emissora servia de instrumento político para o presidente deposto Manuel Zelaya, que tentava incitar a insurreição popular. Agentes da polícia, não identificados, desferiram golpes de cassetetes e deram pontapés nos profissionais. Além disso, os oficiais tiraram câmera, dinheiro e os passaportes dos repórteres. O Governo da Guatemala denunciou a agressão à Organização dos Estados Americanos-OEA. Já o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, uma ong sediada em Nova York, fundada por correspondentes internacionais, criticou o fechamento de ambas as emissoras oposicionistas, bem como o ataque aos jornalistas. “Os cidadãos de Honduras têm o direito de ser informados adequadamente sobre o que está acontecendo no país neste momento tão delicado”, disse Carlos Lauria, coordenador do programa para as Américas do CPJ. “Pedimos ao governo interino para afastar essas restrições à imprensa, reabrir imediatamente os veículos suspensos e respeitar o direito dos jornalistas de informar livremente”, concluiu Lauria em comunicado divulgado na mesma semana em que ocorreu a agressão à equipe da Televisa.

Perseguição política fecha jornal no interior paulista A Gazeta Notícias, de Itapeva, afirma ter sofrido represália por publicar denúncia de irregularidades na gestão municipal. Represália e perseguição. Foi com estas palavras que Jefferson Modesto da Silva, proprietário do semanário A Gazeta Notícias, de Itapeva, a 270 quilômetros de São Paulo, definiu o fechamento da redação de seu jornal. No dia 23 de setembro, fiscais da Prefeitura, acompanhados de policiais militares, interditaram o prédio onde funciona A Gazeta com a alegação de que o local não possuía hidrante. De acordo com uma lei municipal, construções que ocupem terrenos com mais de 750 metros quadrados, como no caso do prédio do semanário, devem ter o equipamento. O jornal considera que o aparente cumprimento da lei teve “o caráter de represália”, motivada pelas matérias publicadas pelo semanário sobre possíveis irregularidades na gestão municipal. De acordo com a Editora-Chefe do jornal, Viviane Campolim, tudo começou com uma denúncia do Vere-

ador Paulo de La Rua de que o jornal não teria registro em cartório e de que seria “clandestino”. – Sabemos que essa era uma exigência da Lei de Imprensa de 1969, que nem sequer está mais em vigor. E nos causa estranheza o fato de que outros veículos na cidade estejam na mesma condição e nenhum tenha sofrido qualquer pena. O episódio não se esgotou com o fechamento do jornal. Como ninguém sabia quem deveria investigar a situação do jornal, a Prefeitura foi acionada e mandou a fiscalização, mas para inspecionar o local onde funciona o semanário. Depois de quase uma semana fechado, a Prefeitura só autorizou a reabertura de A Gazeta Notícias em 28 de setembro, depois que o dono do jornal assinou um compromisso de instalar o equipamento: – Toda essa história está mal contada. Há vários imóveis na mesma con-

dição e apenas o nosso foi interditado. Não tenho dúvidas de que o fechamento se deu por perseguição política, já que o jornal vem denunciando os desmandos administrativos do Governo Luiz Husse Cavani. As declarações do Vereador Paulo de La Rua, que disse na Câmara Municipal que mandará fechar o jornal quantas vezes for necessário, só confirmam isso. – afirma Jefferson Modesto da Silva. Silva encaminhou a denúncia à ABI. No dia 29 de setembro A Gazeta Notícias publicou carta-aberta à população em repúdio ao fechamento do jornal. Se houve mesmo uma represália, foi um verdadeiro tiro no pé: – Todos perceberam o ocorrido e houve muitos protestos contra o vereador e contra essa atitude da Prefeitura. A verdadeira informação ainda é nossa maior arma – diz a editora Viviane Campolim.

A carta de repúdio à violência Terça-feira, 29 de setembro de 2009 Carta-aberta à população Em repúdio a atitude tomada pelo Presidente da Câmara, Paulo De La Rua Tarancón, contra o jornal Gazeta Notícias. Caro amigo leitor, Após quatro anos da atual gestão (2004 a 2008), percebemos que a mesma estava enveredando por um lado que não faz parte de nossos ideais, ou seja, o jornal A Gazeta Notícias, que sempre foi imparcial (como deve ser a verdadeira imprensa), começou, em janeiro deste ano, a enxergar outro lado da história. Para sermos mais objetivos, começamos a divulgar, através de documentos que provam tudo que escrevemos, as possíveis irregularidades cometidas pelo Executivo e pelo Legislativo. Como vocês podem se lembrar, foi o jornal A Gazeta Notícias quem primeiro denunciou as possíveis irregularidades no Curso de Formação da Guarda Municipal (que culminou com a instalação de uma CEI na Câmara), bem com os atos secretos do Presidente da Câmara, Vereador Paulo de la Rua, que contratou funcionários na Câmara sem concurso público, o que é proibido pela Constituição Brasileira desde 1988. Pois bem. Como sempre, a imprensa séria, neste caso nós, estamos sendo perseguidos por estes politiqueiros que, em uma atitude de total insanidade, fazem de tudo para que nosso semanário seja fechado em definitivo, conseguindo já parte de sua vontade, pois na última sexta-feira (25/09), fiscais do Setor de Tributos da Prefeitura Municipal foram até nossa sede, acompanhados de policiais militares, e fecharam nossas portas, pois a Prefeitura Municipal de Itapeva não concedeu nosso alvará de funcionamento, pelos motivos que seguem: Estamos localizados na Rua Itaberá, número 30, na Vila Bom Jesus, em um prédio da Família Campolim, que abriga, além de nosso jornal, um supermercado e dez apartamen-

tos. Pela legislação em vigor, prédios com mais de 750 metros quadrados necessitam conter, entre outros, um hidrante no local. Acontece que o prédio em questão não é de propriedade de um único dono, necessitando que todos concordem em fazer tais adaptações, sob risco de se interditar todo o prédio. O projeto, já aprovado pelo Corpo de Bombeiros, encontra-se em fase de orçamento, devendo ser iniciado em breve pelo competente engenheiro Dr, Jésus Castelanni. Vale ressaltar aqui que, assim como o prédio que nos abriga, os prédio da Câmara Municipal, Prefeitura e do Fórum, não possuem tais adequações, mostrando que este ato é fruto de perseguição política. Não satisfeitos, esses politiqueiros, mostrando toda sua mágoa contra essa empresa, seus proprietários e funcionários, registraram diversos boletins de ocorrências, além de uma denúncia ao Ministério Público, que não foi acatada pelo excelente Promotor de Justiça, Dr. Alexandre Salem Carvalho, que encaminhou o caso à Prefeitura, que tomou essa atitude antidemocrática, mandando seus fiscais fechar nossa Redação, deixando as outras áreas do prédio funcionando normalmente. Diante disso, estamos lhe enviando essa carta, pedindo-lhe desculpas por esse contratempo, informando que estamos tomando todas as providências cabíveis para que nosso semanário não seja impedido de circular, e contando com sua compreensão e colaboração, para que políticos assim, bem como seus padrinhos (deputados, senadores e governadores), sejam banidos do cenário político local, estadual e federal, mostrando que o povo está cansado de ser amordaçado e impedido de exercer seu direito de cidadania. Em nossa próxima edição, estaremos publicando uma matéria contendo entrevistas com todos os envolvidos nos fatos narrados acima. Lembre-se: um povo só será livre quando sua imprensa for livre!

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Direitos humanos

A anistia está incompleta Ao mesmo tempo em que é considerada um marco no processo de redemocratização do País, a Lei nº 6.683, que a instituiu, é alvo de críticas 30 anos após a sua edição, por ter deixado impunes autores de crimes como a tortura, amplamente cometidos durante o regime militar. EUGENIO NOVAES

No dia 28 de agosto de 1979, era publicada em Diário Oficial a Lei nº 6.683. Em 2009, 30 anos depois, a Lei da Anistia é alvo de várias celebrações, como um símbolo máximo do processo de abertura gradual do regime militar, que imperava no Brasil desde 1964. Contudo, também é alvo de críticas e ressalvas. Para muitos, abriu precedentes perigosos ao juntar, sob a mesma proteção legal, perseguidos políticos, muitos deles arbitrariamente exilados pela ditadura, e autores de crimes bárbaros cometidos neste período, como a tortura. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, Cezar Britto assinalou na passagem do 30º aniversário da Lei que esta se aplicou apenas aos crimes políticos e conexos, não estando entre eles os atos de tortura e os assassinatos ocorridos nos porões do regime. “Tortura não é crime político, mas de lesahumanidade e, logo, imprescritível. Falta o Estado punir todos aqueles que a praticaram”, afirmou. Em outubro, a OAB ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF nº 153 junto ao Supremo Tribunal FederalSTF. O objetivo é viabilizar a punição de torturadores e assassinos. A ação foi distribuída ao Ministro Eros Grau e aguarda parecer na Procuradoria-Geral da República. Para Cezar Britto, a Lei acenou para o processo de redemocratização do País, ao propor o perdão àqueles que deram o golpe militar, fecha-

Cezar Britto, Presidente da OAB, defende que torturadores devem ser punidos: “Tortura não é crime político, mas de lesa-humanidade e imprescritível”.

No dia 17 de setembro, o Jornal da República estampava em sua primeira página a volta de Arraes a Pernambuco e seu primeiro comício depois de mais de 15 anos de exílio.

ram o Congresso, censuraram a imprensa e as produções artísticas, bem como aos que se encontravam exilados em função de atos políticos. “Estes acabaram perdoados. E isso foi um recomeço. A Lei de Anistia operou essa função, mas fora dela o Estado não cumpriu seu papel na integralidade, pois não puniu os torturadores daquele período. Não há qualquer relação de abrangência entre essa Lei, que agora comemora 30 anos, e os crimes de tortura. Estes, é preciso que deixemos claro, ainda não foram punidos. E muito menos esquecidos ou perdoados”, considera.

No Memorial da Resistência, toda a história dessa luta O Memorial da Resistência, em São Paulo, abrigou, de 8 de agosto a 18 de outubro, a exposição A luta pela Anistia - 1964-?, organizada pelo Arquivo Público e pela Pinacoteca, órgãos do Estado. O objetivo era relembrar parte dos acontecimentos que culminaram com a assinatura da Lei da Anistia. A mostra era constituída por três módulos temáticos: Antecedentes,

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mostrando a dimensão política do golpe de 1964 e a usual ação violenta dos golpistas; Preâmbulos da Anistia, que apresentou os movimentos pró-anistia criados em todo o Brasil, e, por fim, A Lei da Anistia, tratando da aprovação da Lei e sua repercussão no País. A exposição era composta por fotografias, cartazes, depoimentos, jornais e materiais

de propaganda da época e destacou campanhas iniciadas no período de 1973 e 1974, entre as quais o Movimento Feminino pela Anistia, além das Comunidades Eclesiais de Base, Comissões de Justiça e Paz e as ações de parlamentares e grupos clandestinos nacionais ou locais. Em 1976, os movimentos pela anistia espalharam-se pelo País. Em

julho de 1978 foi realizado o Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia, em Salvador, quando é criado o Comitê Brasileiro pela Anistia. Em novembro aconteceu o Congresso pela Anistia, em São Paulo. Tais manifestações eram marcadas por intensa mobilização popular, o que culminou na assinatura da Lei, logo no ano seguinte.


No final da década de 70, sob forte pressão popular e já em processo de liberalização, o então Presidente João Baptista Figueiredo encaminhou o projeto de Lei ao Congresso, que o aprovou. Apresentada sempre acompanhada da caracterização de Lei “ampla, geral e irrestrita”, a Anistia recebeu várias críticas dos movimentos sociais da época engajados na luta pela redemocratização. Hoje, ela é considerada por pesquisadores como uma lei feita para atender aos interesses do regime militar – naquele ano de 1979 já em visível declínio. Entre os pontos mais criticados, estava a não previsão de pagamento de indenizações às vítimas do período militar. Alguns ‘furos’ foram corrigidos com o tempo. A Lei nº 9.140, conhecida como Lei dos Desaparecidos, aprovada em dezembro de 1995, determinou o fornecimento de atestados de óbitos a desaparecidos políticos. A reparação econômica às famílias dos mortos pelo regime, no entanto, só foi garantida mais de 20 anos depois da Lei de Anistia, com a aprovação da Lei nº 10.559, em 2002. Segundo estudo da cientista política Glenda Mezarobba, para tese de mestrado na Universidade de São Paulo-Usp, as ações de reparação executadas no Brasil tiveram aspecto majoritariamente

BETH SANTOS/GDI

A lei atendeu aos militares, diz pesquisadora da Usp

econômico – com a minimização dos crimes políticos. O Estado, por exemplo, nunca reconheceu que houve tortura durante o regime. “Até hoje as Forças Armadas nunca abriram os seus arquivos. O

Como fica claro nesta charge publicada há 30 anos, Henfil foi um dos maiores críticos da anistia “ampla, geral e irrestrita” proposta no Governo do General Figueiredo: ela não atendia às vítimas do regime militar e protegia torturadores e assassinos.

acerto de contas não é só sobre as vítimas, é um compromisso com a democracia e a história, para que fatos como esses nunca mais aconteçam”, defende Glenda Mezarobba.

Paraíba lembra a luta de João Pedro, Elizabeth e Agassiz Almeida Por ocasião das comemorações dos 30 anos da Lei da Anistia, diversos eventos especiais foram realizados em diferentes pontos do País. A Assembléia Legislativa da Paraíba, por exemplo, prestou homenagem à líder camponesa Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, um dos organizadores e líder das Ligas Camponesas no Estado. O intuito da ação era mobilizar os trabalhadores rurais em prol da reforma agrária. Em 1962, João Pedro foi assassinado por um grupo de latifundiários, fator que contribuiu para a adesão em massa de militantes, com as Ligas de Sapé chegando a congregar cerca de dez mil membros. Após o assassinato do marido, Elizabeth assumiu a luta à frente

da Liga Camponesa de Sapé. Na época, o então Deputado Agassiz Almeida, também homenageado na sessão realizada na Assembléia Legislativa da Paraíba no início de setembro deste ano, requereu à Casa a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a autoria do crime. Por essa iniciativa o parlamentar foi cassado, preso e demitido dos cargos de promotor de Justiça e professor da Universidade Federal da Paraíba, além de deportado para a prisão na Ilha de Fernando de Noronha. A sessão especial na Assembléia Legislativa, presidida pelo Deputado Zenóbio Toscano (PSDB), contou com as presenças do Prefeito Ricardo Coutinho (PSB) e representantes dos

governos locais, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Presente à homenagem, Agassiz Almeida destacou a necessidade de abertura dos arquivos da ditadura e punição daqueles que praticaram crime de tortura, considerado imprescritível no texto legal da Constituição de 1988. “Nós, que estivemos na linha de frente contra o regime por longos 21 anos, não podemos aceitar como um ato festivo esta comemoração pelos 30 anos da Anistia. Enquanto não forem abertos os arquivos da repressão, e os torturadores punidos, não podemos comemorar vitórias. No Brasil, um silêncio infame procura encobrir crimes monstruosos de lesa-humanidade, como a tortura e o genocídio”, resumiu.

Prisioneiros sem acusação formal no Irã Em visita à ABI, assessora da Comunidade Bahá’í do Brasil pede apoio da entidade para libertar presos da fé no Irã. Direitos humanos e liberdade religiosa estiveram em pauta no mês de setembro na ABI. Em visita à entidade, no dia 14, a Assessora de Ações com a Sociedade e o Governo da Comunidade Bahá’í do Brasil, Daniella Hiche, pediu apoio à sua campanha para que questões relacionadas à violação dos direitos humanos no Irã entrem na pauta de cooperação econômica entre os dois países. No ano passado, sete dirigentes da comunidade Bahá’í iraniana foram detidos sem acusação formal e permanecem até hoje na prisão de Evin, sem acesso a advogados. Neste momento em que o Brasil aproxima relações comerciais com o Irã, Daniella tenta reunir personalidades-chave da sociedade civil em um encontro no Ministério das Relações Exteriores, para que seja feita uma pressão na tentativa de incluir na pauta de cooperação dos dois Estados questões relativas à violação dos direitos humanos no Irã: – Achamos importante o diálogo entre Brasil e Irã, mas essa aproximação das duas nações não pode passar por cima das constantes violações dos direitos humanos no Irã, não apenas contra a comunidade Bahá’í, mas também contra os curdos, os homossexuais e os movimentos feministas. O Brasil ocupa posição de destaque hoje na diplomacia internacional e pode fazer exigências. A fé Bahá’í é uma religião universal com representação em 188 países. Surgida há 176 anos na antiga Pérsia, atual Irã, é voltada para a promoção de ações de desenvolvimento social e econômico no mundo inteiro, com foco na defesa dos direitos humanos. Disse Daniella que os 350 mil membros da comunidade Bahá’í iraniana são perseguidos sistematicamente pelo Governo do país: – Essa perseguição aumentou nos últimos 30 anos, devido a um manifesto que visa à extinção da comunidade Bahá’í iraniana. E com a ferrenha censura imposta à imprensa iraniana só piorou. Em um país onde não há liberdade de expressão, os violadores dos direitos humanos encontram campo fértil para atuarem. Por isso, estamos buscando o apoio da ABI, que sempre se destacou pela defesa intransigente da liberdade de imprensa. Na ABI, Daniella foi recebida pelo Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak, que se comprometeu a redigir um relatório sobre o apoio da entidade e submetê-lo à aprovação do Conselho Deliberativo. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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FOTOS E IMAGENS: ACERVO BLOCH

MEMÓRIA “Está tudo preservado. Não há risco de perder esses registros. Porém, cabe lembrar que são produtos perecíveis. Tudo está sob a responsabilidade da massa falida da Bloch Editores, nas figuras do síndico Valter Soares e do leiloeiro Fernando Braga”, conta José Carlos, que, em 33 anos de empresa, atuou nos setores de produção, fotografia, telejornalismo e cobertura de desfiles de Carnaval, além de ter sido coordenador de Reportagem da revista Manchete. Um acervo inestimável Jussara Razzé trabalhou na Bloch Editores entre 1984 e 2000, inicialmente no setor de serviços editoriais, que lidava com a coordenação de material, fotos e textos remetidos pelas sucursais de Nova York, Paris, Milão, Tóquio e Lisboa, entre outras cidades. Atuou na cobertura de desfiles e bailes de CarnaUma foto rara: o encontro entre Adolpho Bloch e Luiz Inácio Lula da Silva na sede da editora, na Rua do Russel. val, marca registrada da Manchete. E participou da confecção de Aconteceu na Manchete - As Histórias Que Ninguém Contou (Editora Desiderata), livro lançado em 2008. “Esse projeto surgiu em 2005 durante um encontro informal de ex-funcionários da casa. Era um almoço que reunia pouco mais de uma dezena de integrantes da Redação da extinta revista Fatos, publicação semanal lançada em 17 de março de 2005 e que durou apenas cerca de um ano e meio. Era dirigida por Carlos Heitor Cony e foi abatida, como Fracasso do leilão da documentação jornalística da Editora Bloch revela pouco caso com o livro revela, por problemas políticos. Sofreu boicote de alguns diretores da a memória e a cultura do País. São 12 milhões de fotos, cromos e negativos em que própria Bloch, além de dificuldades estão registradas cinco décadas da História do Brasil e do mundo. Um tesouro documental editoriais”, recorda a jornalista. No encontro surgiu a idéia de se reque, no entanto, não despertou o interesse da iniciativa privada. Nem dos governos. gistrar as vidas daquele grupo de jornalistas com anos de POR PAULO CHICO atuação na empresa. Uma história não oficial, que revela os bastiNão aconteceu, nem virou manchedores de coberturas e te. Mas deveria ter virado. Essa pode ser passagens profissionais a descrição da tentativa frustrada de curiosas. O Aconteceu leilão do acervo fotográfico e jornalísna Manchete traz cerca tico da Bloch Editores, em 22 de setemde 200 imagens, reprobro. O lance inicial de quase R$ 2 miduzidas de revistas da lhões chegou a cair pela metade, e nem Bloch. São registros que, assim atraiu interessados. O fato chaem sua maioria cedidos ma a atenção, e merece ganhar destapor Jussara Razzé, tamque na mídia, pela relevância históribém ilustram esta reca do material em oferta. São 12 miportagem. lhões de fotos, cromos e negativos pro“Acreditamos que o duzidos para revistas como Manchete, objetivo de preservar Fatos & Fotos, Amiga e Geográfica Uniparte da memória jorversal, além das edições de todas essas nalística do grupo foi publicações encadernadas. alcançado. Obviamen“Fizemos boa divulgação, mas existe, os 48 anos de existe uma cultura que se pratica em leilões. tência da Manchete renQuase nunca no primeiro leilão aparederiam muitos outros cem interessados. Mas, em se tratando livros com a participade um produto que conta a História do Armazenadas em caixas de papelão e armários de aço, várias revistas importantes do acervo da Bloch Brasil e do mundo por 50 anos, não conEditores podem se deteriorar, como a revista Manchete n°1, de 1952 e esta Manchete Esportiva de 1956. ção de centenas de jornalistas, de várias gerasigo entender essa falta de interesse, ções. E seria bom que principalmente dos órgãos públicos, tais viessem outros, que outras Redações demora na concretização do leilão só faz o material está armazenado em um galcomo bibliotecas e museus. Os goverdas dezenas de revistas da Bloch conaumentar a angústia desse grupo, uma pão de 1.500 metros quadrados que nos, em alguma esfera, poderiam ter partassem suas trajetórias”, defende ela, vez que o dinheiro arrecadado será utiabrigava um dos estúdios da TV Manticipado. O que me deixa triste é ver o destacando a importância do acervo, lizado para pagar créditos trabalhistas. chete, em Água Grande, subúrbio do descaso com a cultura no País”, lamenque aguarda nova data de leilão, ainOutra preocupação é justamente Rio. Um tesouro guardado em 11.563 ta José Carlos Jesus, presidente da Coda não marcada. com o acervo e sua conservação. Todo caixas de papelão e 103 armários de aço. missão de ex-funcionários da Bloch. A

Ninguém quis pagar pelo acervo da Bloch

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Fotos que registram 50 anos de História do Brasil estão guardadas num galpão de 1.500 metros quadrados que abrigava um dos estúdios da TV Manchete, entre elas o passeio descompromissado de João Goulart em Nova York (acima) e a imagem mais representativa da conquista da Copa do Mundo de Futebol, no México, que foi publicada na capa de uma edição especial da revista Fatos & Fotos em 1970.

“Fiz para o livro a pesquisa iconográfica a partir de coleções particulares de revistas ou de exemplares adquiridos em sebos. Quando trabalhei no setor de serviços editoriais eu conheci parte do acervo. O que posso dizer é que a Manchete tem a história visual do Brasil entre 1952 e 2000. Estão lá os acontecimentos políticos, as tragédias, conquistas esportivas, Bossa Nova, Cinema Novo, mpb, tropicalismo, as crises institucionais dos anos 50, o golpe de 64, manifestações estudantis, grandes obras como a construção de Brasília, além de moda, comportamento, a clara evolução do Carnaval. Há imagens raras de ídolos como Carmem Miranda, Roberto Carlos e João Gilberto, fotos que conquistaram o Prêmio Esso, vastas coberturas das Copas e de Olimpíadas. Um acervo de enorme importân-

cia não apenas jornalística, mas também do ponto de vista cultural”, enumera. Referência de uma época A trajetória de Roberto Muggiati na Bloch teve início em 1965. Após passagens por revistas como Fatos & Fotos e Ele&Ela, esteve à frente da Manchete em três períodos distintos; foi o mais longevo editor da principal publicação da empresa liderada por Adolpho Bloch. “A Manchete era o carro-chefe. Atuava na área das revistas semanais ilustradas, ao mesmo estilo de publicações internacionais como Life e Paris-Match. A Fatos & Fotos era mais noticiosa e popular. A Amiga cobria tv e celebridades. Cada uma tinha fotógrafos próprios, com ampla penetração nos meios que cobriam, e especializados na linguagem

A Manchete buscava o impacto visual de fotos como a que Pelé e Fittipaldi posaram de uniformes trocados ou a dramática cena da queda do Elevado Paulo de Frontim, no Rio.

do veículo. O fotojornalismo dessas publicações nada ficava a dever às suas congêneres no resto do mundo”, recorda. Diz Muggiati que a Bloch era uma empresa familiar de gráficos, que se perdeu por falta de renovação de gerenciamento diante da possibilidade real de tornar-se um império de comunicações, sobretudo a partir da concessão da TV Manchete, em 1983. “O fascínio da mídia eletrônica fez os Bloch relegarem ao esquecimento suas

revistas. Mas eles não conseguiram se impor nas área da tv, apesar de sucessos como a novela Pantanal. Essa oportunidade foi jogada fora, e a TV levou a editora para o buraco”, conta ele, que torce por um fim digno para o acervo. “Torço para que fique com uma instituição que garanta a sua conservação, e também torne suas fotos acessíveis ao público em geral, através de mostras periódicas, venda de imagens e até pela consulta e visita via internet”.

A espera de quem trabalhou O valor a ser arrecadado com o leilão do acervo da Editora Bloch, inicialmente avaliado em exatos R$ 1.967.438,42, será utilizado para o pagamento de apenas parte dos créditos trabalhistas da empresa, que somam R$ 60 milhões. A maior parte desse valor – cerca de 80%, estima José Carlos Jesus – está sendo paga com o dinheiro que foi arrecadado com a venda dos três prédios da Rua do Russel, na Glória, para a CredCheque, no valor de R$ 65 milhões. “Vale ainda lembrar que R$ 25 milhões estão reservados para o imposto de renda, por ordem da Justiça do Rio de Janeiro. A empresa não recolhia aos cofres do Governo. A massa falida dos Bloch ainda tem algumas outras dívidas, menores”, conta o presidente da comissão de ex-funcionários. Até outubro, num total de cerca de 2 mil ex-empregados, já foram pagos 1.300 credores habilitados na massa falida. Outros 120 estão sendo procurados para os pagamentos. “A Bloch faliu com 3 mil empregados. Outros créditos foram pagos com três rateios feitos ao longo dos últimos anos, mas ainda restam cerca de 500 processos transitando na Justiça. Hoje, o que está sendo pago é o crédito principal. Ou seja: são valores atualizados até a quebra da empresa, em agosto de 2000. Os juros e a correção monetária após essa data serão pagos só depois que as outras dívidas forem sanadas. Se faltar dinheiro, ainda existem alguns bens a serem leiloados”, explica José Carlos, que destacou o papel da Juíza Maria da Penha Nobre Mauro Victorino, titular da 5ª Vara Empresarial, em defesa do pagamento dos direitos dos ex-empregados da Bloch.

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DEBATE FOTOS: DIVULGAÇÃO/CIA DE FOTO

O futuro do jornalismo passa pela internet? Terceira edição do MediaOn, Seminário Internacional de Jornalismo Online, realizada em São Paulo, teve intensos debates sobre os caminhos da imprensa na nova mídia, mas mostrou também que há mais dúvidas do que certezas nesse percurso. POR MARCOS STEFANO

No inventário dos fracassos humanos, talvez nada se compare às tentativas de fazer previsões relativas ao futuro; em quase todos os casos, elas não passam de apostas equivocadas. Ainda assim, quando o assunto é jornalismo, é impossível ignorar tudo o que poderá acontecer diante da revolução tecnológica que, aliás, já se encontra em pleno curso. Algumas dessas possibilidades estiveram no centro dos debates do 3º MediaOn – Seminário Internacional de Jornalismo Online, realizado em São Paulo, entre os dias 27 e 29 de outubro. Maior fórum do gênero na América Latina, o evento reuniu renomados pesquisadores e profissionais do Brasil e do exterior em diversos painéis, que tiveram transmissão em tempo real pela internet. E, se ainda existem muitas dúvidas, especialmente sobre o que acontecerá com a mídia impressa, as discussões mostraram pelo menos uma certeza: o papel desempenhado pelo jornalista frente a seu público vai mudar radicalmente. Um tema quase onipresente nos três dias de debates foi a crescente participação do público nas chamadas mídias sociais. A internet não apenas mudou a forma como as pessoas consomem a informação; também ampliou as possibilidades de interação entre o leitor e o jornalista, que mais do que relatar precisará repensar na forma como interage com o público: – Sites de relacionamento, blogs, o Twitter e outros mostram que hoje já é possível gerar informação de qualidade o tempo todo e em alta velocidade. Para se adaptar a esse mundo, o jornalista deve perder sua arrogância, agir como ser humano, encarar o leitor em primeira 34 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

José Roberto Toledo, Tiago Doria e Carlos Drummond debateram o que um jornalista precisa para se integrar à era das novas mídias. Para Joshua Benton (abaixo, à esquerda) o novo jornalismo fará interação com o público mas Pedro Dória (abaixo, à direita) alerta que a informação bem apurada continuará essencial. Já Fabiana Zanni explicou o aumento dos acessos aos sites da Editora Abril.

pessoa e aprender a dizer: “isto, eu não sei”. O novo jornalismo será cada vez menos institucional e dará cada vez mais espaço para a interação com o público – sustentou Joshua Benton, jornalista investigativo e diretor do Nieman Journalism Lab, da Universidade de Harvard, na abertura do MediaOn. A cada intervenção ficava mais claro que o atual momento é realmente de transição. Assim como o profissional deve estar atento às mudanças, o mesmo acontece com os veículos, especialmente os grandes grupos de comunicação, que precisarão se reinventar para não desaparecer: – A informação bem apurada continua fundamental para manter a sociedade coesa. Acredito que sempre haverá espaço para o jornalismo, mesmo aquele investigativo, mesmo para a grande reportagem. Ele existe justamente para alimentar a comunidade, provê-la de informação, que é uma das coisas que os internautas mais buscam. A internet foi feita para o jornalismo, ainda que ele não seja praticado de forma profissional – diz Pedro Doria, Editor-Chefe de conteúdos digitais do Grupo Estado. Porém, como fazer isso? Cobrar pelo conteúdo? Natalie Malinarich, Editora-Executiva da BBC News Online, entende que esse pode não ser o melhor caminho: – Ainda não há recursos para bancar muitos conteúdos somente com publicidade na internet. Isso pode ser contornado com a produção de conteúdo para diversas plataformas, incluindo celulares e televisão. Mas também é preciso de conteúdo exclusivo para os sites. Uma das experiências brasileiras que mais chamou a atenção na discussão foi a da Editora Abril. Apresentada pela Diretora de Mídias Digitais da empresa, Fabiana Zanni, a exposição revelou que o número de acessos às paginas eletrônicas de publicações da editora cresceu 73% nos últimos meses: “Transcrever a revista para os sites não é adequado, temos de agregar conteúdo. Acreditamos que a Abril vai se fortalecer no conceito de 360 graus. No

final, isso vai nos levar a uma posição de liderança e a galgar posições melhores no mercado de internet nos próximos anos”. Pode ser, mas concorrência é o que não vai faltar. Foi o que garantiu Antônio Guerreiro, Diretor de Conteúdo do novíssimo portal R7.com, da Rede Record, que aproveitou para contar como foi a construção do site, que emprega 160 jornalistas e entrou em funcionamento em apenas cinco meses: “Eu me divertia muito quando via as definições que davam para o R7 antes de ele ir ao ar. Falavam que vínhamos para concorrer com a Globo, com o G1. Vamos concorrer com todos. A internet estimula a infidelidade e vamos brigar por esse mercado”. Fim do impresso Outro tema bastante abordado foi a sobrevivência da mídia em papel. Há quem defenda o fim dessa plataforma e que a internet deverá agregar não apenas os veículos impressos, mas também a televisão e o rádio. Essa, porém, não foi a opinião da maioria dos debatedores presentes ao fórum, promovido pelo portal de internet Terra e pelo Instituto Itaú Cultural. Que tudo vai mudar, isso é consenso. Mas pelo menos a médio prazo o papel e as demais plataformas continuarão a existir. Claro, com uma reestruturação profunda no modelo dos negócios, já que cada vez mais pessoas usam a banda larga e o celular como sua principal fonte de comunicação.

– Se voltarmos no tempo uns 60 anos, encontraremos o rádio ocupando lugar expressivo na veiculação de notícias em todo o mundo. Logo veio a televisão, mas o rádio não desapareceu, apenas se adaptou. Tevê, rádio e jornais impressos sobreviverão, mas terão que mudar. Talvez os jornais impressos não sejam mais produzidos em massa, talvez se dirijam a um público mais focado, talvez sejam mais analíticos, talvez circulem apenas três vezes por semana em vez de serem diários. Não sei. São todas possibilidades. O certo é que haverá muitas mudanças – diz o jornalista investigativo Joshua Benton. Como costuma acontecer nesse tipo de evento, as propostas foram mais pretensiosas do que o tempo permitia para que fossem discutidas. Mas entre dúvidas e exclamações, algumas observações soaram preocupantes. Como a feita pelos jornalistas da área de esportes: – O jornal terá de ser de “amanhã” e não de “ontem”. Ele deverá prever e analisar o que vai acontecer – aposta Luiz Fernando Gomes, Editor-Chefe do diário esportivo Lance!. – Temos de aprender a fazer jornalismo esportivo na internet. A verdade é que esse, como outros tipos de jornalismo, ainda não existe online. São feitos de colagem de outras plataformas. E antes de os criarmos teremos que responder: é mais importante dar uma informação nova ou dar a antiga melhor? – questiona José Henrique Mariante, Editor de esportes da Folha de S. Paulo.


LANÇAMENTO

A grande arte de Ziraldo

Um livro de 300 páginas, organizado pelo designer Ricardo Leite, apresenta uma das facetas da produção do cartunista: a arte gráfica de seus cartazes. Cartunista, chargista, pintor, dramaturgo, escritor, cronista, desenhista e jornalista. São muitos os talentos de Ziraldo. Faz tempo que sua obra está em cartaz no Brasil. Aliás, em diversos cartazes. Mais freqüentemente os traços do artista mineiro, pai de personagens já clássicos, como o Menino Maluquinho, são associados a gibis, programas de tv, revistas e jornais. Mas é justamente sobre sua produtiva faceta de designer de cartazes que trata Ziraldo em Cartaz, livro organizado por Ricardo Leite e lançado pela Editora Senac Rio em 8 de outubro, na Mansão Figner, no Rio de Janeiro. POR PAULO CHICO

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u

m convite de mestre para aprendiz. Foi assim que Ricardo, também designer, recebeu o pedido de Ziraldo para apresentar ao público a vertente menos conhecida de sua obra. “O Ziraldo me convidou porque queria ter um olhar crítico de um designer sobre sua obra. É impressionante, ele criou centenas de cartazes para todas as áreas de atividade. São muito mais do que 500, pois há muitos perdidos”, conta Ricardo Leite. Na produção de Ziraldo há desde cartazes para o lançamento de filmes, shows e teatros, até as campanhas políticas, publicitárias e públicas, como a de combate ao fumo. Além, é claro, da divulgação de eventos, como a tradicional Feira da Providência, da Arquidiocese do Rio. Esse evento, aliás, é um capítulo à parte na vida do cartazista. Os desenhos geniais feitos para anun-

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ciar a Feira da Providência, desde a sua primeira edição, em 1961, não podiam ficar de fora. Ziraldo é o artista que mais fez cartazes para um mesmo evento. Ou seja, com a edição deste ano, já são 49 obras exclusivas. “Ano que vem comemoro 50 anos de Feira”, anuncia o próprio, que em 2009 completou 60 anos de carreira. Uma vitoriosa trajetória profissional que se manifestou desde cedo, ainda em 1939, quando o menino Ziraldo Alves Pinto, então com seis anos de idade, teve publicado seu primeiro desenho na Folha de Minas. Também no livro, Ricardo Leite faz ampla análise sobre o significado dos cartazes, desvendando os bastidores de alguns trabalhos e mostrando todo o processo de criação e execução do artista, desde a composição dos croquis até as técnicas e truques para criar as ilustrações. “O Ziraldo também foi

muito influenciado por artistas brasileiros, franceses e americanos. Aliás, ele próprio conta que uma das primeiras coisas que quis ser na vida era affichiste, termo que designa cartazista em francês”, recorda. Ricardo, que é sócio e Diretor de Criação da agência Crama Design Estratégico, contou com o auxílio de Helena Guedes. Coube a ela, também designer na Crama, elaborar o projeto gráfico de Ziraldo em Cartaz, que apresenta quatro versões de sobrecapas com os cartazes do artista, abrindo, assim, as possibilidades de escolha ao leitor, que nas 300 páginas poderá admirar os 292 cartazes selecionados por Ricardo a partir de critérios gráficos e de importância histórica. O texto do organizador da obra aponta a função social e política dos cartazes, o histórico da evolução de seu estilo e explica ao leitor o que faz o trabalho gráfico do Ziraldo ser tão es-

pecial e único. Mapeia o comprometimento do artista com valores da cultura brasileira e traça um panorama do cenário no País ao longo dos últimos 60 anos. Ao folhear o livro, na verdade, experimenta-se uma espécie de viagem pela evolução das artes gráficas. “Ao apreciar todo o acervo de cartazes de Ziraldo, pude verificar a diversidade de soluções encontradas por ele para temas bastante distintos, sem perder sua identidade. O resultado é uma deliciosa viagem visual pela segunda metade do século 20. Os seus cartazes são como uma trilha visual de nossas vidas”, diz Ricardo Leite. Um dos exemplos de como é marcante a produção gráfica de Ziraldo é o cartaz O Galo, criado em 1966 para o I Festival Internacional da Canção Popular do Rio, que logo virou símbolo nacional. O cartaz para Os Mendigos, de Flávio Migliaccio, primeira comédia


do Cinema Novo, foi considerado um dos mais importantes e inovadores da história do cinema, por ter sido feito sem fotos dos atores. “Foi uma ousadia do Flávio e a primeira oportunidade de exercer o meu próprio estilo num cartaz”, lembra Ziraldo, que no campo do jornalismo teve sua atuação marcada como um dos fundadores de O Pasquim, além de passagens por O Cruzeiro e Jornal do Brasil. Entre outros trabalhos, merecem destaque os cartazes de O Assalto Ao Trem Pagador; Os Cosmonautas, estrelado por Golias e Grande Otelo; e Roberto Carlos e o Diamante Cor De Rosa, tendo o ‘Rei’ como protagonista. Os de pornochanchada são maioria, sobretudo na década de 1970, quando o gênero tomou conta da produção cinematográfica nacional. Entre eles, a divulgação para Os Paqueras, As Mulheres que Dão Certo e Oh! Que Delícia de Patrão. “Estes são

Em oito capitulos, a obra explicada

TAMANHO É DOCUMENTO – Explica ao leitor o que é cartaz, e como é complexa a criação dessas peças visuais. O objetivo é aparelhá-lo para apreciar melhor os cartazes de Ziraldo que virão a seguir.

ZIRALDO ANTES DO ZIRALDO – Os primeiros cartazes feitos por ele, ainda sem que a ‘cara’ Ziraldo estivesse presente. Aos poucos, mostra como o artista descobriu seu estilo próprio – que faz de seus desenhos, hoje, um ‘Ziraldo’ imediatamente reconhecível. ZIRALDO TIPÓGRAFO – Destaque especial para o recurso tipográfico, que entre os outros mapeados no capítulo anterior tornou-se um forte elemento estilístico e autoral. ABORDAGEM CRIATIVA – Neste capítulo, o processo de como Ziraldo concebe as idéias e atrai o olhar do público, gerando satisfação intelectual através dos cartazes. ZIRALDO ILUSTRADOR – Embora em todos os capítulos existam ilustrações primorosas, aqui são destacadas as mais expressivas, variando entre desenhos muito elaborados e outros mais soltos e gestuais. ZIRALDO ENGAJADO – Cartazes para campanhas e ações políticas e sociais. ANATOMIA DE UM CARTAZ – O exame detalhado de um cartaz, apresentando ao leitor, por modelo esquemático, como se dá a composição. FEIRA DA PROVIDÊNCIA – Todos os 48 cartazes feitos até 2008 para a Feira da Providência. Talvez seja Ziraldo o único designer do mundo a ter feito, por 48 anos seguidos e ininterruptos, todos os cartazes para um mesmo evento.

cartazes para o chamado cinema sexy, eram filmes erotizantes. Eles nem mandavam o roteiro. ‘Faz pelo título’, diziam os produtores”, ri Ziraldo. Nos anos 1980, em campanha encomendada pelo Ministério da Saúde, Ziraldo alterou drasticamente o conceito usado até então no combate ao tabagismo. Em vez de citar as complicações que o cigarro pode causar à saúde, investiu exatamente no argumento que convidava todos a fumar: o comportamento. Anunciou, em um dos cartazes, que ‘fumar é cafona’. No último da série, o slogan era: ‘Fumar fede’. A campanha rendeu bons frutos. Além da imensa repercussão pública, Ziraldo ganhou diversos prêmios internacionais. E, o maior deles talvez tenha sido parar de fumar, após 40 anos de vício. “Se eu digo que fumar é cafona, como posso fumar? Perderia a credibilidade. Então, parei”, recorda.

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Livros

O que não deu nos jornais Novo livro de Mário Augusto Jakobskind faz uma revisão da história latino-americana nas últimas décadas e critica a mídia nacional.

Lançamento também no Uruguai Jakobskind aproveitou o mês de outubro para outro lançamento, desta vez no Uruguai. Com a presença dos Embaixadores do Brasil, José Felício; de Cuba, Carmen Lilia Marón; e do Equador, Edmundo Vera, e da Conselheira da Embaixada da República Bolivariana da Venezuela, Aura Contrera, foi lançado no dia 26, em Montevidéu, o livro A Pesar del Bloqueo, 50 años de Revolución!, que traça uma radiografia dos 50 anos da Revolução Cubana e é uma atualização da obra lançada em 1984, 38 Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

na Suécia, intitulada A Pesar del Bloqueo, Un Reportero Carioca em Cuba, que marcou os 25 anos do acontecimento histórico que transformou a ilha caribenha no primeiro país socialista da América Latina. Também prestigiaram o evento o jornalista Wilfredo Alayón, correspondente da agência Prensa Latina no Uruguai; Maria Caridad Balaguer, Conselheira da Embaixada cubana no Uruguai; e Luiz Polakof, Secretário de Assuntos Econômicos e Internacionais da Prefeitura de Montevidéu. O Embaixador José Felício destacou durante o lançamento a importância

de um jornalista brasileiro apresentar aos leitores latino-americanos “a realidade pouco conhecida na região do Cone Sul”. Para a Embaixadora cubana no Uruguai, Maria Caridad Balaguer, o livro de Jakobskind “expressa, em linguagem jornalística e sensível, a realidade do país que sofre um bloqueio de quase 50 anos por parte dos Estados Unidos”. A trajetória jornalística de Jakobskind em defesa dos povos latinoamericanos foi destacada pelo Embaixador equatoriano Edmundo Vera e pela Conselheira venezuelana Aura Contrera. O jornalista uruguaio Ricardo Soca,

responsável pela edição do livro, fez a apresentação do autor ao público presente na noite de autógrafos. A Pesar del Bloqueo, 50 Años de Revolución!, que está circulando em todo o Uruguai e brevemente será distribuído na Argentina, apresenta os principais acontecimentos históricos ocorridos em Cuba, inclusive a participação de cubanos na luta pela independência de países africanos de língua portuguesa, como Angola, e as sucessivas tentativas de desestabilização do regime cubano, por meio de incursões terroristas. (Com a colaboração do jornalista uruguaio Juan C. Guimaraens)

Um desagravo, 28 anos depois Durante o tempo em que esteve no Uruguai para lançar seu livro sobre os 50 anos da Revolução Cubana, Mário Augusto Jakobskind também recebeu o título de “Visitante Ilustre de Montevidéo”. A homenagem, realizada no dia 19 de outubro, foi um desagravo contra sua prisão e expulsão do país em 1981, quando fora escalado para cobrir a posse do então Presidente eleito Gregório Álvarez para a revista Cadernos do Terceiro Mundo. Mário lembra: – Cheguei na antevéspera da posse e comecei entrevistando lideranças políticas importantes para uma grande matéria. No dia D, bateram no meu quarto de hotel e me levaram preso. Depois de seis horas, me fizeram assinar um documento e me mandaram de volta para o Brasil no primeiro avião — lembra Jakobskind. Presidida pelo Diretor de Assessoria Jurídica de Montevidéu, Javier Miranda, que representou o Prefeito Ricardo Ehrlich, a cerimônia foi realizada na Prefeitura da capital uruguaia. Além de ex-exilados políticos uruguaios, também estiveram presentes o Ministro da Indústria, Raúl Sendic, o Embaixador do Brasil no Uruguai, José Felício, o membro da Chancelaria Jerónimo Cardozo e o Diretor-Geral de Área Econômica da Prefeitura, Luis Polakov. A concessão do título “Visitante Ilustre de Montevidéu” é também um reconhecimento ao perfil solidário de Jakobskind, que durante os anos 70 e 80 abrigou diversos exilados políticos uruguaios no Rio de Janeiro, como salientou Javier Miranda.

DIVULGAÇÃO

Uma história “escrita na base do sangue, suor e lágrimas”, mas que não aparece na mídia. É assim que o jornalista Mário Augusto Jakobskind, membro do Conselho Deliberativo e da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, qualifica seu mais novo livro: A América Que Não Está na Mídia (Editora Altadena, 2009). Composta por uma seleção de artigos, a obra passa em revista os principais acontecimentos políticos da América Latina nas últimas décadas e tece uma crítica contundente à imprensa, que, diz o autor, tem coberto o Continente de forma tendenciosa e preconceituosa. O texto da orelha é do jornalista Fausto Wolff (1940-2008), a apresentação, de João Pedro Stédile, dirigente da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e o prefácio assinado pelo também jornalista Flávio Tavares. Os artigos que compõem o livro foram originalmente publicados em sites como Direto da Redação, Tem Notícia e Fazendo Média e no semanário uruguaio Brecha. No lançamento oficial, realizado no dia13 de outubro, no Restaurante Lamas, no Rio, Jakobskind falou sobre a proposta de trabalhar uma versão diferente daquela que a imprensa costuma publicar: – Em relação aos acontecimentos relativos à Guerra do Gás, por exemplo, ocorrida na Bolívia em 2002 e que possibilitou a ascensão de Evo Morales, só faltou os editores da grande imprensa brasileira pedirem ao Governo que enviasse tropas militares para a Bolívia. O preconceito ficou patente na visão simplória que a mídia brasileira teve do episódio. Diz Jakobskind que a América Latina tem avançado politicamente com governos que não aceitam a influência do imperialismo norte-americano e diplomaticamente com a criação da União das Nações Sul-AmericanasUnasul. Uma evolução que a mídia não acompanha e é a força motriz do livro.

As voltas que a política dá: Mário Augusto (à esquerda) foi expulso de Montevideu em 1981; agora, foi agraciado lá como "Visitante Ilustre".

Um militante Mário Augusto Jakobskind iniciou a carreira jornalística em 1969, no Jornal do Brasil, onde trabalhou um ano no Departamento de Pesquisa. Ao mesmo tempo, atuava em jornais estudantis e de partidos políticos clandestinos, o que motivou seu exílio voluntário em 1972, na Itália. Atuando como jornalista na Europa, ele ajudou a denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira em matérias que assinava com o pseudônimo de A.F. De volta ao Brasil, colaborou com jornais da imprensa alternativa como

Versus, O Pasquim, Movimento, Crítica e Opinião. Em seguida, ingressou na sucursal Rio da Folha de S. Paulo, onde trabalhou até 1981. Ainda nos anos 80, trabalhando para a revista Cadernos do Terceiro Mundo, Mário Augusto foi ao Uruguai cobrir a posse do Presidente Gregório Álvarez: acabou preso e em seguida foi expulso do país. Seus livros publicados em português são A América Que Não está na Mídia; América Latina — Histórias de Dominação e Libertação; Apesar do Bloqueio, um Repórter Carioca em Cuba; A Hora do Terceiro Mundo.


RESGATE

A vez dos negros Coleção mostra a vida e a obra de figuras importantes da cultura, da política e da militância negra no País e oferece preciosa contribuição para se entender as raízes da sociedade brasileira.

Abdias Nascimento, pioneiro na denúncia da questão racial no Brasil e considerado um dos mais importantes intelectuais das lutas libertárias na atualidade, é um exemplo dessa linha. Para recuperar a vida e obra desse dramaturgo, ator, acadêmico, político, artista plástico e militante, ainda atuante aos 95 anos de idade, a jornalista Sandra Almada, que acompanha sua trajetória há quase duas décadas, juntou todo o material que acumulou nesse período com novas entrevistas e pesquisas

POR MARCOS STEFANO

– Conversamos muito para escolher os primeiros personagens. Os retratados devem ser interessantes e importantes para a memória afro-brasileira e, por extensão, para a memória brasileira. Assim surgiram os três primeiros volumes da Coleção, todos com um texto leve, direto e didático, que evita o excesso de academicismo. Até por isso, convidamos jornalistas para produzir as obras. A proposta é fazer com que os livros sejam de fácil assimilação, mas com um conteúdo substantivo – explica Vera. Um retratado: Abdias As biografias não pretendem ser obras definitivas sobre as vidas dos personagens. Buscam reunir os principais momentos e contribuições, de forma contextualizada e crítica. A obra sobre

realizadas com o próprio Abdias no Rio de Janeiro, durante quatro meses. Dessa forma, ela descortina o espírito revolucionário de Abdias Nascimento, desde a infância em Franca, no interior paulista, passando pelas discriminações que sofreu na São Paulo de 1930 e chegando ao trabalho desenvolvido no Rio. É destacado o histórico de militância do criador do Teatro Experimental do Negro, que conjugava uma nova forma de expressão ao combate ao racismo, com passagens que mostram seu trabalho na Câmara e no Senado, o histórico discurso na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, em 1980, e a convivência com líderes do movimento negro como Nelson Mandela e parceiros de resistência dos tempos de exílio, como os brasileiros Leonel Brizola e Darci Ribeiro.

FOLHA IMAGEM

Luís Gama, José do Patrocínio, Machado de Assis. Este último, com certa resistência. Pergunte a boa parte dos brasileiros – até professores das diversas escolas públicas e particulares – quais importantes personagens da história do Brasil eram negros ou afrodescendentes e não serão citados mais do que alguns nomes. Com exceção desses e de outros, contemporâneos ou com maior destaque na mídia, casos do artista Aleijadinho, do ator Grande Otelo, do mítico Zumbi dos Palmares e de craques da bola, como Garrincha e Pelé, a herança cultural africana ainda é subestimada, quando não tratada com preconceito. É bem verdade que iniciativas como as Leis números 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008, que tornam obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no ensino fundamental e médio, têm sido de grande valia para mudar essa realidade, mas a jornada ainda é longa e árdua. Faltam materiais, obras e informação para mostrar a experiência afro-brasileira. Para preencher esse vazio,uma editora de São Paulo, a Summus Editorial, criou a Coleção Retratos do Brasil Negro, da Summus Editorial, que retrata a vida e a obra de figuras importantes da cultura, da política e da militância negra, oferecendo uma contribuição muito bem-vinda para reconhecer e valorizar a diversidade no País. A idéia de fazer a coleção partiu da editora-executiva Soraia Bini Cury, responsável pela Selo Negro Edições, do grupo Summus, criado em 1999 para abordar temas voltados para aspectos da cultura negra e a situação social, política, religiosa e econômica dos afrodescendentes no Brasil e no mundo. Para coordenar o trabalho, Soraia chamou a socióloga Vera Lúcia Benedito, consultora da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Integrante de uma geração de ativistas negras brasileiras do final dos anos 70 e começo dos 80, Vera havia participado nos Estados Unidos do African Diáspora Research Project, que reuniu estudiosos de diversos países para mapear a diáspora negra pelo mundo. Com tal trajetória acadêmica e política aliada à experiência dos cursos que ministrou nos últimos dois anos na formação de professores da rede municipal de ensino em São Paulo, Vera era a pessoa certa para a tarefa.

Nei Lopes, com humor Abdias Nascimento junta-se a um seleto grupo que já conta com outros dois expoentes da cultura negra. Sueli Carneiro foi escrito pela jornalista Rosane da Silva Borges com cara mais de um perfil ampliado da fundadora do Geledés, o Instituto da Mulher Negra, e uma das principais ativistas do movimento social negro na atualidade. Ao tentar compreender sua militância, a autora consegue mostrar as mudanças produzidas na sociedade nos últimos anos por conta do movimento anti-racista. Um trabalho significativo, mas que dificilmente é encontrado em qualquer livro de História. Assim como a contribuição do poeta, compositor, sambista, pesquisador e escritor Nei Lopes para a cultura nacional. Ao biografá-lo e mostrar sua trajetória de superação pessoal, o também jornalista Oswaldo Faustino recupera com propriedade a obra musical e os escritos – que somam 35 obras e 300 composições – do boêmio intelectual, apontado como a grande referência no Brasil no estudo da cultura afro. Refletindo o bom humor de Lopes, o livro, como sua vida, é um libelo contra o racismo. Outras biografias já estão sendo preparadas para juntar-se a essas três nos Retratos do Brasil Negro. Devem sair do prelo ainda no primeiro semestre do próximo ano. A coordenadora Vera Lúcia Benedito prefere não adiantar nomes, mas garante que serão personagens relevantes para compor o panorama da afro-brasilidade, sem a qual é impossível compreender a cultura nacional. Mesmo a contragosto de parte da História oficial, tradicionalmente eurocêntrica, obras como Retratos ajudam a reescrever diversos capítulos da trajetória brasileira, usando muito mais a cor e menos o preconceito.

Abdias do Nascimento, quando esteve em São Paulo em 1956 para conhecer o Mambembe, assiste à estréia da peça A Tempestade, de Shakespeare, adaptada por Neli Dutra.

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HISTÓRIA

Nabuco, sobretudo jornalista As celebrações dos 160 anos de nascimento do autor de O Abolicionismo põem em relevo a sua produção jornalística. POR CLAUDIA SOUZA

O retrovisor da História aprecia datas redondas, inteiras, para fazer justiça ou lançar novas luzes sobre ilustres personagens. E 2009 celebra os 160 anos de nascimento de um dos maiores abolicionistas brasileiros. O pernambucano Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, ou, simplesmente, Joaquim Nabuco, nasceu no Recife, em 19 de agosto de 1849. A data ensejou homenagens, como uma exposição especial, e de redescobertas a respeito da trajetória dessa personalidade histórica.

“Joaquim Nabuco foi mais jornalista que escritor. Seus livros de temáticas direcionadas eram calcados na experiência parlamentar e jornalística. Intelectual influente, ditou os rumos da cultura. Respeitado pelos seus pares, era uma voz ouvida com atenção. O Brasil deve muito a ele na concepção do que o Estado precisava pensar para se desenvolver enquanto nação. Ainda há muito o que dizer e conhecer a respeito de Joaquim Nabuco”, afirma Uelin-

ton Alves, autor de Cruz e Sousa - Dante Negro do Brasil, a respeito da vida do poeta João da Cruz e Sousa, personagem contemporâneo de Nabuco e precursor do simbolismo no País. A obra foi finalista do Prêmio Jabuti 2009 na categoria Biografia. Escritor e estudioso desse período histórico, Uelinton considera que, assim como a trajetória de seu pai, o Senador Nabuco de Araújo, o perfil de Joaquim era o de um estadista, como diplomata e parlamentar. “A sua missão foi a de dar transparência ao Brasil, sobretudo no exteri-

A mostra comemorativa dos 160 do nascimento de Nabuco, organizada pelo Museu Histórico Nacional, reúne bens do acervo pessoal do líder abolicionista e peças de grande valor histórico, como o autógrafo da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel.

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or, mesmo durante a República, uma vez que era um monarquista ferrenho, um defensor do imperador e das políticas do Império brasileiro. Para a História do Brasil, Joaquim Nabuco deu um corte epistemológico crucial ao propor políticas de integração diplomática, na economia e nas relações humanas. Daí sua obstinada defesa da abolição da escravatura e a desenvoltura com que defendia as liberdades sociais, políticos e de expressão”, diz Uelinton. Nabuco formou-se em 1870 na Faculdade de Direito do Recife, instituição em que aprimorou as qualidades de orador e líder que o aproximaram de muitos políticos de prestígio e professores notáveis. Após a formatura, re-


tornou ao Rio de Janeiro para trabalhar no escritório de advocacia do pai. Nesse período, iniciou as atividades na imprensa, que não foram poucas. No jornal A Reforma estreitou relações com importantes figuras da vida literária brasileira, como Machado de Assis, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, de cujo convívio nasceria a Academia Brasileira de Letras, em 1897. Em fevereiro de 1882, derrotado nas eleições na Corte para a Câmara dos Deputados, como representante dos abolicionistas, decidiu partir para a Europa. Viveu em Londres como advogado e jornalista, escrevendo para o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. Em 1883, publicou um dos seus principais livros, O Abolicionismo. Em janeiro de 1886, novamente derrotado em eleição para a Câmara dos Deputados, desta vez por Recife, Nabuco volta a se dedicar à prática jornalística, ao escrever diversos opúsculos, tais como O Erro do Imperador, O Eclipse do Abolicionismo e Eleições Liberais e Eleições Conservadoras, com críticas ao governo. Em 1888, participou de audiência com o Papa Leão XIII para relatar toda a luta pelo abolicionismo no Brasil, tendo

1893, publicada em 1896, na qual analisa o confronto entre Saldanha da Gama e Floriano Peixoto; Um Estadista do Império, de 1896, sobre o pai e a condição política, econômica e social do Brasil; e Minha Formação, publicado parcialmente na imprensa e reunido em livro em 1900. “Como deputado e como jornalista Joaquim Nabuco imprimiu um estilo novo de se fazer política, que passa longe da política oligárquica e coronelista vigentes. Ao imprimir tom novo à política que até então se praticava,

Nabuco se destaca nessa cena, e passa a ser uma voz influente para direcionar os rumos do fim da escravidão brasileira. Com a publicação, em Londres, de O Abolicionismo, a história da escravidão muda de figura, e ao mesmo tempo o regime feudal recebe os primeiros golpes mortais que o aniquilaria poucos anos depois. Ao lado de lideranças como José do Patrocínio e André Rebouças, Nabuco se destaca numa tríade antiescravista típica. E passa a ter a certeza da vitória”, explica Uelinton Alves.

possivelmente influenciado o pontífice na elaboração de uma encíclica contra a escravidão. Em 1891, Nabuco tornou-se colaborador do Jornal do Brasil, recém-fundado por Rodolfo Dantas. No período de 1893 e 1899, dedicado a intensa atividade intelectual, escreveu vários livros e artigos para jornais e revistas. Algumas obras foram publicadas em formato de capítulos em jornais e na Revista do Brasil. Entre elas, Balmaceda, de 1895, sobre a guerra civil no Chile; A Intervenção Estrangeira na Revolta de

“Os negros nos deram um povo” Joaquim Nabuco - Brasileiro, Cidadão do Mundo é o tema da exposição promovida pelo Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, de 20 de agosto a 15 de dezembro, como parte da celebração pelos 160 anos de nascimento de Nabuco, cuja obra influenciou pensadores como Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda. Com a curadoria geral de Helena Severo, cenografia de Chicô Gouveia e animação do designer Marcelo Dantas, a mostra reúne vasto acervo, com objetos pessoais, fotografias, mobiliário, livros, documentos e correspondências que resgatam a memória do destacado personagem nacional. “O Brasil precisa conhecer os seus grandes nomes. Joaquim Nabuco foi um dos homens públicos mais importantes que o País já teve, sobretudo pela sua brilhante atuação na campanha abolicionista. Até hoje, o pensamento dele é extremamente atual. Em sua época, já falava das desigualdades sociais e da importância da educação, entre outros assuntos relevantes”, ressalta a curadora. A trajetória de Nabuco, morto em Washington, nos Estados Unidos, em 17 de janeiro de 1910, quando exercia sua faceta diplomática, é contada de forma cronológica nos módulos intitulados A Infância e a Forma-

Menino (ao alto), Nabuco não parecia fadado a se tornar um homem bonito, a ponto de ser apelidado de Quintas, O Belo. O fardão da Academia, de que foi um dos fundadores, davalhe aparência majestosa.

ção; O Abolicionista e o Pensador e O Diplomata e Cidadão do Mundo. No módulo da exposição dedicado à luta de Joaquim Nabuco pela abolição e sua decisiva influência na construção do pensamento nacional, o visitante encontra o original da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, e a réplica do Teatro Santa Isabel, de Recife, onde um importante discurso de Nabuco é reproduzido com a ajuda de modernos recursos de animação. A essa homenagem somam-se textos do sociólogo Francisco Weffort e também do jurista e diplomata Rubens Ricúpero, além de depoimentos de membros da Fundação Joaquim Nabuco, que sublinham a vanguarda e o liberalismo político desse homem que marcou a história do Segundo Reinado, da diplomacia brasileira e da luta antiescravagista. Nabuco passou grande parte da infância no campo, sob os cuidados da madrinha Ana Rosa Falcão de Carvalho, proprietária do Engenho de Massangana, no Município de Cabo de Santo Agostinho, a apenas 40 quilômetros do Recife. Ali entrou em contato com os horrores do regime escravocrata. A partir dessa experiência, formou seu forte caráter abolicionista. “Joaquim Nabuco é uma figura importantíssima, não apenas porque contribuiu para a abolição da escravatura de uma maneira muito decisiva, mas porque ele terá sido talvez o primeiro na elite brasileira a dizer: ‘os negros nos deram um povo’”, sublinhou Weffort. Na visão de Ricúpero, ninguém superou Nabuco no vigor e originalidade com que apreendeu a realidade internacional em evolução e propôs, dentro das limitações de poder brasileiro da época, uma política exterior adequada à defesa dos interesses nacionais: “Ele foi um dos raros que souberam aliar à força do pensamento as qualidades de execução e o bom desempenho, funções inseparáveis de um agente diplomático”.

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Vidas

O esteta do vinho Jornalista e escritor Saul Galvão, apresentou a bebida aos brasileiros. Mais do que simples gosto, comer e beber bem é uma questão de estar bem informado. Quem acompanhava os textos do jornalista e crítico gastronômico Saul Galvão em O Estado de S. Paulo e no Jornal da Tarde sabe muito bem o que isso significa. Durante 30 anos, Galvão foi um guia completo dos melhores vinhos e cardápios do Brasil e do exterior nas páginas da imprensa brasileira. Sua morte, de câncer, aos 67 anos, setembro, não é uma perda apenas para a gastronomia, que fica sem um de seus mais refinados colunistas, mas para os leitores que conheceram com ele o prazer de ler. – Saul Galvão foi o homem que apresentou o vinho ao brasileiro. Especialmente, depois da abertura das exportações há pouco mais de 15 anos. Sem frescuras e sem afetações, ele desmistificou a crítica gastronômica e foi decisivo em seu aperfeiçoamento, formando um estilo e deixando um legado que pode ser encontrado em diversos grandes jornais e revistas brasileiros. – diz Luiz Américo Camargo, Editor de Suplemento do Estadão e também crítico do caderno Paladar, em que Galvão assinava semanalmente uma coluna sobre os melhores vinhos até julho deste ano. Galvão construiu sua carreira no Grupo Estado, mas quando começou, em 1965, estava muito longe da gastronomia. Paulista de Jaú, cidade a 304 quilômetros de São Paulo, ele havia deixado o curso de Di-

O suplemento Paladar dedicou uma edição ao seu colunista Saul Galvão depois de seu passamento. Na capa uma ilustração de Baptistão, craque da caricatura.

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reito na Universidade de São Paulo, para trabalhar como repórter de Política e Internacional. Sua estréia na gastronomia aconteceu apenas em 1978, no JT, quando substituiu o jornalista Paulo Cotrim, um dos precursores da crítica gastronômica em São Paulo. Companheiro de Galvão no curso de Direito da USP e depois no Estadão, Quartim de Moraes diz que um dos traços mais marcantes do amigo era a generosidade. Galvão era do tipo construtivo, um crítico que só publicava comentários se o objeto sobre o qual escrevia valesse a atenção de seus leitores: – Se ele detestasse um restaurante ou um novo vinho, jamais publicava uma crítica demolidora. Dizia que não queria prejudicar ninguém; se não tivesse nada de bom a dizer, simplesmente não diria nada. Apesar de ter se dedicado com tanta intensidade à gastronomia, quando escrevia, Galvão não se limitava às críticas. Falava sobre a cidade, sobre seus restaurantes, contava histórias. Foi uma testemunha de um tempo de transformações, o registro de como São Paulo se tornou nas últimas décadas uma metrópole cosmopolita. E registrou tudo como um autêntico cronista da vida e do apetite urbanos. Nouvelle cuisine Por sua paixão pela cozinha, Saul Galvão chegou a fazer estágios na França, nos restaurantes dos estrelados chefs Pierre Troisgros e Roger Vergé, luminares da nouvelle cuisine francesa, nos anos 1980. Essa vasta cultura e a capacidade ímpar de transformar o detalhe mais erudito e sofisticado em informações práticas e facilmente assimiláveis tornouo admirado e lido por pessoas dos mais diferentes perfis. Também foi decisiva para a produção literária, com diversos livros, dicas de restaurantes, bebidas e receitas de comidas, incluindo os seus pratos prediletos. Dentre as obras que publicou como crítico e enólogo figuram dois excelentes guias de receitas e compras de vinhos. A Cozinha e Seus Vinhos apresenta um panorama da produção vinícola e das características principais das marcas de vinhos mais consumidos no mundo. O livro surgiu como um roteiro de viagem de Saul Galvão pelas regiões onde se encontram as maiores vinícolas produtoras de vinho no mundo, na qual ele destaca o desempenho de países sul-americanos como Chile, Argentina, Uruguai e Brasil, diante do mercado europeu. Como seu autor, a edição também é requintada, com mapas, história e referências. A Cozinha e Seus Vinhos também revela outra faceta do jornalista: a do detalhista. No guia, Saul Galvão se esmera com primor para levar ao leitor dicas sobre escolha, degustação, armazenamento e temperatura ideal para manutenção do vinho, de acordo com o tipo, além de sugestões sobre combinações com comidas e indicação de preços. Outra obra marcante de Saul Galvão sobre a produção de vinho é Tintos e Brancos. O livro, que se tornou referência quando o assunto é vinho, é o resultado de mais de 25 anos de pesquisa nos principais centros produtores da bebida, em países como França, Itália, Portugal, Chile, Argentina, Brasil, entre outros da Europa e das Américas do Norte e do Sul.

Receita de mestre Além do estilo e paladar refinados, Saul Galvão também costuma ser lembrado pelos amigos por seus pratos prediletos. Ele costumava dizer que “leitoa na minha casa é uma espécie de prato do dia”. Conta o amigo Dias Lopes que esse prato favorito geralmente era degustado na casa de dona Sila, sua mãe, nos almoços de Ano-Novo e outras comemorações familiares. Saul gostava tanto dele que, morando em São Paulo, era capaz de encomenda-lo à mãe por telefone e se lançar na estrada, viajando mais de 300 quilômetros até Jaú, sua cidade natal, somente para saboreá-lo em companhia da família.

LEITOA A PASSARINHO Cortar a leitoa em pedaços pequenos, como se fosse um frango a passarinho, e temperada na véspera em vinha d’alho (alho, vinho tinto e temperos verdes). Vai para a panela com vinha d’alho até estar cozida. Antes de tirar do fogo, joga-se gordura fervendo para deixar a pele pururuca.


Pô, cara, que saudade! POR A.P. QUARTIM DE MORAES

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tinham viajado. Preocupadas, logo na quinta-feira a Sila Maria e a Sandra o levaram para fazer exames num hospital. Constatou-se que o problema era causado por um pequeno tumor no cérebro, metástese de outro maior e maligno, no pulmão. No mesmo fim-desemana, uma delicada e bem sucedida cirurgia extraiu o tumor da cabeça. Mas era o começo do fim.

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No fim-de-semana ficamos sabendo pela irmã que eles não

Outra atividade em que o Saul se destacou foi a de escritor. Publicou uma meia dúzia de obras primorosas sobre vinhos, culinária e a combinação de ambos. Tintos e Brancos é um clássico. Depois que passei a trabalhar com livros, a partir de 1995, tornei-me o editor dele, seja na minha finada editora, seja nas casas publicadoras em que trabalhei. Deixou uma obra inacabada. Em agosto de 2008 fomos jantar, os dois casais, ele com a Sandra, sua última companheira, num restaurante da Oscar Freire. Era uma quarta-feira. Dois dias depois eles embarcariam para Buenos Aires. O Saul chegou no melhor do seu mauhumor, queixando-se de um pequeno tremor intermitente na mão esquerda. Era canhoto e imaginou que se tratasse de algum problema relacionado com o modo como manejava o mouse em seu computador. Algo como a tal lesão por esforço repetitivo – LER. Ele chegou a derrubar uma garrafa da mesa, com um toque involuntário da mão esquerda.

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orientava-se por um princípio: elogiar o que merece e só fazer críticas construtivas. Se detestasse um restaurante ou um novo vinho, jamais publicava uma crítica demolidora: “Não quero prejudicar ninguém. Se não tenho nada de bom a dizer, prefiro simplesmente não dizer nada”.

O jornalista A.P. Quartim de Moraes ao lado do amigo Saul.

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Talvez a faceta mais visível do Saul fosse a de bon vivant. Mas, embora não haja nenhuma incompatibilidade entre uma coisa e outra, as características mais importantes de sua personalidade eram uma rigorosa honestidade e uma discreta mas profunda generosidade. Ele sempre manteve distância de certo dono de restaurante famoso, mas muito pouca gente, só os mais íntimos, conheciam os motivos: o cara tentara comprar-lhe a simpatia, com dinheiro vivo, nos primórdios de sua carreira. Jamais perdoou. Como crítico

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Só no fim da década de 70 o Saul passou a se dedicar profissionalmente à crítica gastronômica e enológica. Primeiro no Jornal da Tarde, que tentava substituir o falecido Paulo Cotrim, e depois no Estadão. Mas comer e beber bem sempre foram o esporte preferido do meu amigo. Ele adorava a noite, a boêmia e um rabo de saia. Tanto que resistiu solteiro até perto dos 50 anos, quando cedeu aos encantos da Vera, minha colega no Grupo Visão. Casaram-se com pompa e circunstância na igreja de Nossa Senhora do Carmo. Anos mais tarde, quando ocorreu a previsível separação, ele me dizia em aparente tom de brincadeira que jamais voltaria a se envolver com uma mulher que eu lhe apresentasse.

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Também, não é para menos. Nós nos conhecemos em 1962, quando ele ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, um ano depois de mim. No ano seguinte comecei a trabalhar no Estadão. Um ano depois, foi ele. Demo-nos bem, profissionalmente. Naquele tempo o diploma de jornalista não era exigido para o registro profissional. Então, profissão de jornalista definida,

abandonamos a faculdade de Direito. Trabalhamos juntos na reportagem política. Anos depois, dividimos a chefia da Reportagem. Curiosamente, minha mulher, Mônica, e a irmã dele, Sila Maria, cursavam Letras no Sedes Sapientiae, tornaram-se amigas íntimas e só algum tempo depois descobriram que ele e eu também éramos amigos. Deixei o Estadão em 72 e já então Saul e eu fazíamos parte de um grupo de jornalistas que permanecem juntos até hoje, embora cada um num lugar, ou mesmo numa atividade diferente. Um grupo referido como a “turma do Estadão”, e que tem em seu “núcleo duro” Raul Bastos, Ludenbergue Góes, Ricardo Kotscho, Reginaldo Leme, Zélio Alves Pinto, Oswaldo Martins, Clovis Rossi e Reali Jr, este, apesar da distância entre São Paulo e Paris. Além das respectivas caras-metades. Uma característica desse grupo são os casamentos duradouros. O Saul, é claro, fugia à regra.

ACERVO PESSOAL

Quando um amigo que temos há quase 50 anos se vai, demora um pouco para cair a ficha. A minha ainda não caiu. O Saul nos deixou há mais de três meses, mas a toda hora tenho aquela sensação de que ele vai ligar para combinar um jantar, explicar por que ainda não terminou o novo livro, reclamar do nosso São Paulo – sim, ele tem sempre um motivo específico para ligar, nunca o faz apenas para bater papo. Uma das saulzices – e são tantas! – é achar que telefone só serve para recados rápidos, parece que o aparelho queima a orelha dele. Lugar de conversar é em torno de uma mesa, de preferência diante de um bom prato e um bom vinho. Aí o papo rola solto e ele jamais é o primeiro a se levantar. É um grande conversador. Adora falar sobre os casos e coisas de sua Jaú, e de suas expertises, vinho e comida. Sua ampla cultura humanística, especialmente seus conhecimentos sobre História, fazem dele um interlocutor sempre animado e agradável. Se o assunto é política, ele adora fazer gênero, parecer muito mais conservador do que realmente é: “Sou um liberal. Em minha casa a empregada sempre teve permissão para beber água do filtro!”. Casamento: “A instituição do matrimônio começou a falir no dia em que a mulher parou de chamar o marido de senhor”. Escatologia: “Fui fazer, no mesmo dia, uma colonoscopia e uma endoscopia do estômago. Pedi ao médico: ‘Se for usar o mesmo aparelho, por favor comece por cima’”. Esse é o Saul! O bom-humor dele só é comparável ao mau-humor dele. Aquele é corrosivo; este, muito engraçado. Ele... Sim, leitor, você já notou. Estou falando do meu amigo como se ele ainda estivesse entre nós. Realmente, a ficha ainda não me caiu. Aliás, nem sei bem se é isso mesmo. Acho que jamais me livrarei da intensa presença... dessa sensação de perda.

Especial para o Jornal da ABI

••• Na semana seguinte à morte do meu amigo, a equipe do Paladar decidiu homenageá-lo com uma edição especial daquele suplemento do Estadão. Pediram-me um texto. Gostei muito de escrevê-lo, por isso reproduzo aqui o último parágrafo. Saul tinha pavor da morte e evitava falar sobre isso. Mas nos últimos meses tornara-se obcecado pela idéia do próprio fim. Para cortar o assunto quando a conversa ficava muito pesada, aprendi um truque igualmente mórbido: “Fique tranqüilo, cara. Já reservei para mim uma alça do seu caixão”. Então ele ria, mandava-me para os piores lugares e quase voltava a ser o velho Saul. Naquela tarde chuvosa e triste, no cemitério de Jaú, não pude deixar de me lembrar dessa história. E as lágrimas me vieram, abundantes. Como voltam agora, enquanto escrevo. E essa dor da perda só se atenua porque sei que de lá, onde toma seu vinho, ele está me observando com aquele ar safado e se divertindo ao murmurar por detrás dos bigodes: “Que babaca!”

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Vidas

A cultura perde Antônio Olinto Com vasta produção literária, o romancista de A Casa de Água teve suas obras editadas em diversos idiomas e manteve constante atuação em jornais brasileiros.

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acadêmico. “Adeus, velho amigo. Tenha a certeza de que a sua falta será muito sentida por todos”, emocionouse Sandroni. Olinto era também sócio da ABI, na qual ingressou em 30 de novembro de 1950. Foi crítico literário de O Globo durante 25 anos. Seus últimos textos foram publicados no Jornal do Brasil, para o qual já não vinha escrevendo devido às complicações de saúde. Escreveu vários livros de poesia, entre os quais Presença (1949), Resumo (1954) e O Homem do Madrigal (1957). Em 1969, lançou o romance A Casa da Água, que faz parte da trilogia Alma da África – juntamente com O Rei de Keto e Trono de Vidro. Nos anos 60, cumpriu uma temporada de três anos no continente africano como adido cultural na cidade de Lagos, na Nigéria. Foi nesse período que escreveu o livro Brasileiros na África, considerado uma obra de referência. “Como pessoa, Antônio Olinto era uma festa móvel, um farol permanentemente apontado para a cultura africana”, recorda o acadêmico Marcos Vilaça. Além dos textos que produziu para a imprensa, uma das importantes contribuições de Olinto para o jornalismo foi o ensaio Jornalismo e literatu-

Parceira e admiradora A jornalista Beth Almeida foi assessora especial de Antônio Olinto e de Zora Seljan ao longo de quase três décadas. Atualmente é editora do Jornal de Letras e Vice-Presidente do Instituto Cultural Antônio Olinto, que abriga todo o acervo do casal, o qual inclui milhares de livros, centenas de esculturas, máscaras, tecidos, fotos, documentos e demais objetos representativos da arte africana. O relacionamento profissional deu origem a uma grande amizade que, diz, impulsionará a sua luta pela preservação da memória e do legado de Olinto e Zora. “Foram exatamente 26 anos, sete meses e 24 dias de trabalho, quando Olinto nos deixou, na madrugada de 12 de setembro deste ano. Comecei a trabalhar para o casal em 18 de janeiro de 1983. Era um ensinamento diário. Antônio Olinto tinha o hábito de fazer umas listinhas, com mais ou menos 20 itens, que ao final do dia tinham de estar todos feitos. Eram telefonemas, cartas, lembretes, artigos, enfim uma infinidade de tarefas que tinha de cum-

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No dia 12 de setembro de 1997, Antônio Olinto ingressava na Academia Brasileira de Letras, tomando posse da cadeira número 8 como sucessor de Antônio Callado. O 12 de setembro foi fundamental na vida do acadêmico: muito antes, em 1955, conheceu a escritora Zora, sua esposa por mais de quatro décadas. Ano de 2009, novamente 12 de setembro. A data marcou a despedida do imortal, aos 90 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos. Mineiro de Ubá, Olinto era também diplomata e, ao longo de sua produção literária, teve livros traduzidos para 19 idiomas. “É muito difícil para nós, seus confrades, entender o desaparecimento de Antônio Olinto, este homem que, aos 90 anos, levava uma vida tão intensa não só de trabalhos administrativos, de jornalista atuante, crítico literário e acadêmico assíduo, sempre pronto a viajar para representar a Academia, e presente em todos os eventos para os quais era convidado, seja no exterior ou na mais distante cidade do interior do Brasil”, destacou Cícero Sandroni, Presidente da ABL, no tradicional Discurso de Adeus, pronunciado no momento em que o féretro deixa o Petit Trianon para o sepultamento no mausoléu

ra, lançado pelo Mec em 1955, trabalho que acabou adotado por diversos cursos de Comunicação Social do País. Na área cultural, é autor do livro Ary Barroso, A História de uma Paixão, lançado em 2003 em homenagem ao compositor de quem era conterrâneo. Em 2009, foi tema de enredo e desfilou na Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Em breve será lançado o livro Antônio Olinto, 90 Anos de Paixão – Memórias de um Imortal, do jornalista João Luís de Albuquerque, com prefácio de Cícero Sandroni e depoimentos de colegas da ABL. Colegas cujos relatos dão a dimensão do homem e do intelectual. “Quero ressaltar um aspecto relevante em Olinto. Ele prestou serviços ao Brasil no plano internacional, ao aperfeiçoar as ações do Itamarati, na África, pelo alto conhecimento que tinha da cultura afro e das interrelações conosco”, avaliou o Presidente do Senado, escritor e acadêmico José Sarney (PMDBAP). Para Domício Proença Filho, “Olinto foi um dínamo da cultura brasileira, como romancista, como promotor cultural, como intelectual e acadêmico sempre inquieto, sempre presente”. Nas palavras de Tarcísio Padilha, pesaram as qualidades do amigo. “Ele nos deixa um exemplo dignificante de cultivar, durante sua longa vida, as letras e fincar raízes na solidariedade e na prestimosidade”, exaltou. O jornalista, escritor e acadêmico Murilo Melo Filho destacou sua “homenagem ao intelectual incansável distribuidor de bibliotecas pelas favelas e morros do Rio de Janeiro”.

Também o Senador Marco Maciel (DEM-PE) lamentou a morte do companheiro de ABL. “Tive oportunidade de conhecê-lo quando se encontrava como adido cultural do Brasil em Londres, sempre em companhia de Zora. Olinto realizou um trabalho extremamente positivo de aproximação no campo cultural e, de modo especial, no campo literário, entre o Brasil e a Inglaterra. Suas atividades não se limitavam apenas a Londres, mas abrangia toda a Europa, incluindo Portugal.”

Olinto vestido com a elegância infantil dos anos 20 em Ubá, Minas, sua terra e de Ari Barroso, de quem fez uma biografia.


ABL ACERVO PESSOAL

Olinto assumiu a cadeira número 8 da Academia em 1997, quando fez uma evocação comovida de seu antecessor, Antônio Callado. Solícito diante dos pedidos de entrevista (acima, à direita), ele se demorava em noites de autógrafos, como esta na Livraria Argumento (abaixo à esquerda) ou com Arnaldo Niskier e Alain Touraine (à direita).Com sua assistente Beth Almeida (abaixo), ele promovera recentemente no Sesc do Flamengo o lançamento do livro Seis Pequenos Contos Africanos, escrito e ilustrado por Raul Lody.

ACERVO PESSOAL

ACERVO PESSOAL FRANCISCO MOREIRA DA COSTA

prir todos os dias. As eventuais pendências ficavam para o dia seguinte, e, assim, começávamos tudo de novo, fazendo e retornando ligações telefônicas, respondendo às cartas que recebíamos, além de planejar o The Brazilian Gazette, feito, nesse momento, já aqui no Rio”, recorda a jornalista. Ultimamente Olinto dedicava mais tempo ao Jornal de Letras. Ele tinha um carinho especial pelo periódico. Costumava dizer que o jornal manifestava o anseio literário e a História da Literatura Brasileira. Participou do primeiro Jornal de Letras, administrado pelos irmãos Condé. Quando o acadêmico Arnaldo Niskier, a quem ele chamava de irmão, o convidou para dar prosseguimento à publicação, Olinto ficou muito feliz. “Ele tinha um amor especial pela educação e pela cultura, dizia que era

o professor mais antigo em atividade. Quando seminarista, dava aulas para os alunos mais jovens, e tinha que colocar um banquinho para chegar ao púlpito. Com as bibliotecas ele realizou um sonho. Quando Artur da Távola assumiu a Secretaria das Culturas, convidou-o para a Direção-Geral de Documentação e Informação Cultural, que consistia em coordenar as Bibliotecas Populares, o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro e o Museu da Cidade. Apesar das sucessivas mudanças políticas, conseguiu inaugurar cinco bibliotecas em áreas carentes, e ficava feliz quando íamos visitálas”, diz Beth. “Seus livros, seus artigos e suas conferências representam a memória da cultura nacional. Durante seus 90 anos de vigor e entusiasmo pela vida e pela cultura, Antônio Olinto não parou um só dia de escrever. Nas numerosas viagens que fazíamos, ele fazia questão de levar na bagagem a velha máquina de escrever, além de livros para ler. Só parou ao ser hospitalizado e, mesmo assim, eu lia para ele, informava as notícias, e ele, durante algum tempo, acenava com a cabeça e apertava a minha mão. Se depender de mim, farei todo o esforço para que a memória desse grande escritor jamais seja esquecida pelos brasileiros e africanos. É como ele dizia: temos que continuar, continuar, continuar...”, conclui a jornalista. O corpo de Olinto foi sepultado na tarde de 12 de setembro no carneiro nº 3 do Mausoléu da ABL no Cemitério de São João Batista, Zona Sul do Rio, mesmo túmulo de sua mulher, Zora Seljan, e ao lado dos jazigos de Austregésilo de Athayde e do economista e exMinistro da Fazenda Roberto Campos, que foi seu colega de seminário, em Minas Gerais. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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Vidas ACERVO PESSOAL

Um homem com coração de menino ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Parafraseando Antônio Olinto: Falar de Antônio Olinto é fácil, falar de Antônio Olinto é difícil. Homem, menino, sábio, transparente, desconfiado, como bom mineiro. Foi o ser humano mais puro, no sentido literal da palavra. Comecei a trabalhar com Zora e Antônio Olinto há mais de vinte anos. Ela ainda estava entre nós quando fizemos Bodas de Porcelana. Ela brincava e, ao mesmo tempo, me impunha a responsabilidade de continuar a sua missão de cuidar, de ser o cão de guarda do “Piau”, como ela carinhosamente chamava Olinto. Quando perdemos Zora, fiz o seguinte desabafo no Jornal de Letras: – Adeus, Zora. Eu era uma pedra bruta. Fui sendo lapidada pelo carinho, amor e ensinamentos dos dois. Zora, mulher guerreira, sabia dizer não com firmeza e estava sempre pronta para as batalhas que enfrentou, e foram muitas. Ainda jovem, militou em partidos políticos e, com o filho recém-nascido Roberto, de sua união com Rubem Braga, foi para a cadeia durante o regime militar. Foi salva pelo jurista e acadêmico Evandro Lins e Silva. Quando soube do falecimento do amigo devido a um tombo, chamou Antônio Olinto e disse: – Viu? Evandro não tinha uma Beth ao lado dele. Mulher sábia, quando sentiu que, devido à osteoporose, não poderia mais acompanhar Antônio Olinto, avisou: – Beth, não vou mais poder viajar com o Piau como fazíamos. Você agora é quem vai acompanhá-lo, cuidar dele. Deu a ordem, mas supervisionava, passava instruções, cuidava de tudo na casa e em nossas vidas. Ao lado de Antônio Olinto Zora viajou o mundo, coletando dados, peças e histórias. Mulher vibrante, sua estada nas Embaixadas de Lagos e Londres guardou histórias. Sempre à frente de seu tempo, destoava da austeridade do Itamarati, andando pelas ruas de Lagos e

POR BETH ALMEIDA

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de cidades vizinhas conversando com os descendentes de brasileiros que haviam retornado para a África após a escravidão. Ave Zora, Ave Aurora, o livro de poesia que Antônio Olinto escreveu de um só fôlego, depois de sua partida, nos leva a uma viagem no tempo. São trinta e quatro poemas contando o que viram, o que sentiram, enfim, tudo o que viveram ao longo de cinqüenta anos de feliz união. Em 2007, através de um projeto patrocinado pelo SescRJ, conseguimos tornar o sonho de Antônio Olinto realidade, com a exposição de arte africana, primeiro no Sesc do Flamengo, depois no Sesc Madureira. Quando entramos na exposição, sentimos Zora em cada objeto. Tudo lembrava o apartamento de Copacabana, o cuidado com que ela catalogou mais de duzentas peças africanas, os tecidos tradicionais, livros, fotos tiradas em quase todo o mundo, a máquina de escrever de Antônio Olinto. Com que emoção vimos sua peça Exu, O Cavaleiro da Encruzilhada ser lida, quase dramatizada por jovens atores, que conseguiram passar para a platéia a mensagem da mulher pioneira, que já em 1990 vislumbrava a violência e a decadência humana do século XXI. Eu não entendia muito bem quando as pessoas diziam que eu era uma privilegiada. Agora, com o passar dos anos, e na minha condição de avó, sei o que é. Quando conheci Zora e Antônio Olinto, minha filha Tatiana tinha cerca de sete anos. O casal levou a menina ao mundo maravilhoso dos livros. Com o nascimento da Lyah, minha neta, Antônio Olinto olha para a poltrona em que Tatiana ficava por horas lendo ou atenta a tudo o que o avô emprestado dizia e fazia. – Vejo aquela menina sentada. Ela agora já é mãe, e eu bisavô, comenta Olinto, com seu sorriso de menino. Adeus meu menino, adeus.

Apaixonado pelo Vasco, Herval vibrou com o título da Segundona conquistado pelo clube.

Herval, o empreendedor Após encerrar uma fecunda trajetória no batente de Redações e assessorias de imprensa, ele criou uma empresa pioneira na cliplagem em televisão no Rio de Janeiro. Mais que um jornalista, um verdadeiro empreendedor. Um inventivo homem de mídia. Este era o perfil de Herval Faria, morto aos 74 anos, vítima de um acidente vascular cerebral, na noite de 24 de outubro, após ter-se submetido a uma cirurgia para implantação de ponte de safena. A operação foi realizada no Hospital Adventista Silvestre, em Santa Teresa, no Rio, onde ele se internara quatro dias antes. Filho de portugueses, Herval nasceu no Rio em 25 de maio de 1935. Em sua carreira de jornalista passou pelas Redações do Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Tribuna da Imprensa, além de ter sido assessor de imprensa do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES. Trabalhou também na TV Tupi, onde apresentou o programa jornalístico Repórter Esso, e foi o responsável pela criação da editora e jornal Correio da Serra, em Teresópolis, região serrana fluminense. Foi ainda fundador e Presidente da Ajef (Associação dos Jornalistas de Economia e Finanças do Rio de Janeiro), além de ter criado o Clube da Comunicação e de ter sido sócio fundador da Abemo (Associação Brasileira das Empresas de Monitoramento da Informação). Também produziu e assinou matérias especiais para a Bloch Editores. Foi igualmente livreiro da Ponto de Encontro, em Teresópolis, e do Armazém das Letras. Compunha o corpo social da ABI, à qual se filiou em 25 de julho de 1972. Herval atuava ultimamente na direção de suas empresas e na assessoria de imprensa do ex-Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso. Ele criou a Video Clipping Produções em 1988 - uma empresa pioneira na clipagem em televisão no Rio de Janeiro. Diversificou as atividades, passando a produzir vídeos comerciais e institucionais e clipagem de jor-

nais, revistas, rádio e internet. Em 2001, criou o Setorial News Energia, informativo editado de segunda a sexta e enviado para assinantes por e-mail, cobrindo áreas estratégicas da economia fluminense, como eletricidade, gás, petróleo, biologia e eletricidade. Em 2003, lançou a Agência Rio de Notícias, portal com notícias em tempo real do Brasil e do Mundo com foco na cidade e no Estado do Rio. Sua última criação foi o Atividades Nuclares; hotsite de conteúdo voltado para o setor nuclear. A lealdade aos amigos, o bom humor e o otimismo diante das dificuldades eram as marcas registradas de Herval Faria, que chegava à sede das empresas, no bairro da Glória, Zona Sul do Rio, às 9 horas da manhã. “O jornalismo perde um baita profissional, a família perde um exemplo de homem e eu perco um verdadeiro professor. Que os seus familiares, a quem mando imensos beijos carinhosos, tenham a certeza de que o lugar deste eterno empreendedor está garantido no céu! Descanse em paz, professor ”, despediu-se Rodolfo Schneider, Chefe de Redação da BandNews FM Rio. “Sou um privilegiado que teve a felicidade de ser amigo de Herval. Um dos ‘coleguinhas’, como ele gostava de chamar. Fechávamos a editoria de economia do Jornal do Brasil já tarde da noite, e ele sempre com o bom humor com que havia chegado à Redação. Herval foi, é e continuará sendo um ser extraordinário”, recorda-se outro companheiro, Silvio Ferraz. Herval deixa esposa, Leda Heggendorn Faria, três filhos, Rafael, Renato e Ricardo Faria, além de bisneto, netos e noras. O sepultamento ocorreu na tarde de 25 de outubro, no Cemitério de São João Batista, em Botafogo, ao qual compareceram diversos colegas e amigos, como o Presidente da ABI, Maurício Azêdo.


JOSÉCRUZ/ABR

As marcas de Paulo Cabral: muito trabalho e dedicação

Direito, a vida regida pela lei Reconhecido como exemplo de dignidade pelos colegas, o passamento do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito privou o Supremo Tribunal Federal de um dos seus mais competentes membros. POR SIBELE OLIVEIRA

No início do ano, o nome de Carlos Alberto Menezes Direito esteve presente em calorosas discussões no meio jornalístico por estar vinculado à polêmica revogação da Lei de Imprensa. Mas a trajetória de sucesso do jurista, coroada com uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, foi interrompida em setembro último, quando ele faleceu em conseqüência de complicações de um câncer no pâncreas, aos 66 anos. Natural de Belém do Pará, Direito graduou-se e obteve o título de doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Seduzido pelos encantos da política, o jovem advogado e professor universitário trocou a carreira promissora em escritórios de advocacia e em salas de aula da Puc-RJ para ocupar o cargo de assessor do então Ministro da Educação, Nei Braga, no final da década de 70. Ainda na capital fluminense, assumiu cargos públicos de expressão, como o de Chefe de Gabinete na Prefeitura do Rio de Janeiro e Presidente da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho Nacional de Direito Autoral e da Casa da Moeda do Brasil. Mais tarde, candidatou-se a deputado federal, mas a campanha com o bordão Vote Direito não conquistou os eleitores. Ao invés de saborear os louros da vitória, Menezes Direito teve de amargar a derrota nas urnas, mas não se deixou abalar. A volta por cima veio em meados dos anos 80, quando foi nomeado pelo colega dos tempos de colégio e Governador do Rio de Janeiro na época, Moreira Franco, para o cargo de Secretário Estadual de Educação. Foi na magistratura que Carlos Alberto Direito encontrou seu caminho

definitivo e consolidou uma carreira brilhante. A primeira oportunidade veio pelas mãos do Governador Moreira Franco, que o nomeou desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pelo Quinto Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil. A bagagem adquirida como desembargador o estimulou a galgar passos ainda mais ambiciosos. Em junho de 1996, foi empossado ministro do Superior Tribunal de Justiça. Onze anos depois, em 2007, ascendeu ao posto máximo da maior instância judiciária do País, o Supremo Tribunal Federal. Com a aposentadoria do decano do STF, Sepúlveda Pertence, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva o nomeou Ministro da instituição, onde ele permaneceu até morrer. Fidelidade à lei Conhecido pela postura conservadora e fidelidade às tradições legais, o jurista de formação católica sempre defendeu com veemência suas convicções, inclusive em ações polêmicas, como a Lei de Biossegurança, que autoriza o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas dentro dos limites do território brasileiro. Nessa questão, Carlos Alberto Menezes Direito votou pela constitucionalidade parcial da lei, sugerindo a permissão das pesquisas desde que os embriões não fossem destruídos, mas foi, em parte, vencido. Ele foi alvo de elogios quando votou favoravelmente à manutenção da portaria que definiu a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, reserva indígena localizada a noroeste de Roraima, mas incluiu algumas ressalvas, pois se preocupava, entre outras razões, em garantir a proteção da fronteira e

a conservação da biodiversidade. Ao final da votação, suas 19 condições foram adicionadas à decisão da Corte. Outro caso marcante relatado por ele foi a manutenção da prisão preventiva do banqueiro Salvatore Cacciola, quando seu voto contribuiu para que o plenário mantivesse a custódia do banqueiro. Imprensa, só livre Em se tratando da discutida Lei de Imprensa, votou para que a legislação criada durante o regime militar fosse integralmente derrubada. Com a decisão, comemorada por jornalistas de todo o País, deixaram de valer mecanismos que previam blindagem de autoridades, censura prévia e penas mais severas que as do Código Penal aos veículos de comunicação e jornalistas que cometessem crimes contra a honra, embora boa parte da lei já não aplicada em razão da jurisprudência firmada após a Constituição de 1988. Menezes Direito votou a favor da extinção da lei por entender que ela impedia a livre circulação de idéias. Ele argumentou que a imprensa é a única instituição dotada de flexibilidade para divulgar as mazelas do governo, o que a eleva à condição de detentora da mais importante missão democrática. Para ser imparcial, salientou, a imprensa deve gozar de autonomia em relação ao Estado: “A liberdade de imprensa não se compraz com uma lei feita com a preocupação de restringi-la, de criar dificuldades ao exercício dessa instituição política... Nenhuma lei estará livre do conflito com a Constituição Federal se nascer a partir da vontade punitiva do legislador, de modo a impedir o pleno exercício da liberdade de imprensa e da atividade jornalística em geral.”

Chamado por Assis Chateaubriand para comandar a empresa Brasiliense, que ele criara para administrar e editar o Correio Braziliense, na capital, e o Estado de Minas, em Belo Horizonte, e dirigir a TV Tupi, então uma das mais imprtantes emissoras de televisão do País, Paulo Cabral de Araújo aceitou o desafio e marcou a sua atuação por virtudes ressaltadas após o seu passamento, em 20 de setembro, pelo Presidente do Condomínio Acionário dos dos Diários Associados, Álvaro Teixeira. “Trabalho, muito trabalho, e dedicação eram as marcas de Paulo Cabral”, disse Teixeira. Paulo Cabral, que estava com 87 anos, ocupou por 22 anos a presidência dos Diários Associados, sediada no Distrito Federal. Natural do Ceará, ele nasceu no Município de Guaiuba, próximo da capital, e deu os primeiros passos no jornalismo aos 12 anos de idade, no jornal Exemplo, que era editado pelo Centro Infantil de Cultura, de Fortaleza. Quando completou 16 anos, ingressou por concurso na Ceará Rádio Clube. Trabalhou na emissora até ingressar nos Diários Associados, onde por mais de duas décadas esteve na direção da empresa para a qual o convidara Assis Chateaubriand. Em 1951, Paulo Cabral se envolveu com a política e se elegeu Prefeito de Fortaleza, proeza singular para quem não tinha filiação partidária e fizera uma campanha eleitoral que durou apenas 25 dias. Durante o regime da ditadura militar, exerceu a função de Secretário do Ministério de Justiça no Governo do General Ernesto Geisel (1974-1979). Na década de 90, assumiu a presidência da Associação Nacional dos JornaisANJ, que ele dirigiria durante seis anos. Desde 2008 compunha o Conselho Editorial do jornal O Povo, de Fortaleza. Paulo Cabral morreu de hemorragia gástrica. Velado no dia 21 de setembro pela manhã, na Capela Especial do Cemitério Campo da Esperança, em Brasília, ali seu corpo foi enterrado. Antes do sepultamento foi celebrada uma missa em sua memória, à qual compareceram o Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda; o Vice-Governador, Paulo Otávio; o Presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP); o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, César Asfor Rocha, e o Ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal. Jornal da ABI 346 Outubro de 2009

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