Jornal da ABI 353

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TANCREDO NEVES VINTE E CINCO ANOS DEPOIS, SUA TRAGÉDIA ABRIGA PONTOS OBSCUROS Repórteres que acompanharam o caso, desde a internação até à morte, levantam aspectos que ainda carecem de informações convincentes. PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 E 10

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

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Jornal da ABI

ABRIL 2010

ILUSTRAÇÃO DE HENFIL CEDIDA PARA A CAMPANHA DA OAB

TORTURADORES E TORTURADOS

OA B BU S C A A V E R DA D E S T F PE R D OA CR I M I N OSOS O GE N E R A L SOF I S M O U

PÁGINAS 16, 17, 28, 29, 30, 31, 32 E EDITORIAL AGRESSÃO À HISTÓRIA NA PÁGINA 2

NOVA DIRETORIA TEM QUATRO REELEITOS SUBIU O COMPARECIMENTO DE SÓCIOS À ASSEMBLÉIA-GERAL. PÁGINAS 11, 12 E 13

VIOLÊNCIA VIA INTERNET MAIOR EDITORA PAGA SÓ COMO REVIDE AO ESTADÃO R$ 35 POR DESENHO NOVA MODALIDADE DE COAÇÃO À IMPRENSA UTILIZA MEIO ELETRÔNICO. PÁGINA 27

E MAIS: MANDA LIVRARIAS JOGAR NO LIXO OBRAS QUE ENCALHAM. PÁGINAS 33, 34, 35, 36 E 37

A ERA JK NAS FOTOS DE DOIS MESTRES JEAN MANZON E SÉRGIO JORGE CAPTARAM O NOVO. P ÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44, 45 E 46


Editorial

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

História - Revisita a Tancredo, sem segredos ○

AGRESSÃO À HISTÓRIA

COMO OCORRERA no julgamento do processo que promoveu a supressão de obrigatoriedade do diploma de conclusão do curso de Jornalismo ou de Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista, em que vários ministros agrediram os registros históricos ao declarar que o Decreto-Lei nº 972/69 constituíra uma forma de censura à imprensa, também no caso da apreciação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil os integrantes da Suprema Corte agrediram a verdade histórica, ao proclamar que a aprovação da Lei nº 6.683 pelo Congresso Nacional, em 1979, resultara de um processo de negociação, em que os perseguidores – os agentes da ditadura militar – e os perseguidos – as vítimas de práticas hediondas nos porões da ditadura militar – teriam encontrado um ponto de entendimento para dotar o projeto em discussão de disposições que contentassem as correntes em confronto. Trata-se de uma falácia, mistificação que não resiste à evidência dos números. Se o projeto foi aprovado por 203 votos a 201, consagrado, pois, por estreitíssi-

Jornal da ABI Número 353 - Abril de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

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A DECISÃO DO SUPREMO enveredou pela contramão do que acontece na América do Sul, onde diferentes países fizeram o ajuste de contas com os que torturaram, mataram, roubaram crianças ainda nos cueiros após o assassínio de seus pais, como se deu na Argentina do ditador Videla, ou deram sumiço a milhares de adversários do regime, como no tenebroso Chile do ditador Pinochet. Nesses países, assim como no Uruguai, as forças democráticas impuseram-se aos saudosos e cúmplices dos regimes de exceção e deixaram clara a advertência de que esse passado ominoso não será apagado e os autores de tantos crimes não permanecerão na penumbra do esquecimento de que falava o escritor argentino Júlio Cortázar. A CONTRAMÃO ESCOLHIDA pelo Supremo colheu em constrangedor atropelamento os setores da sociedade que reclamam a abertura dos arquivos da ditadura, para que se conheçam em sua inteireza os crimes que marcaram a quadra 1964-1985 de nossa vida nacional, quais foram suas vítimas, quais os seus autores e onde ocorreram tantos atentados à dignidade da pessoa humana. Como sublinhou a Seção do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, em coro com numerosos segmentos da sociedade em diferentes pontos do País, ao lançar campanha nacional com esse objetivo, nosso povo tem direito sagrado à memória, à verdade e à justiça. PENA QUE A SUPREMA Corte não tenha oferecido a contribuição que lhe cabia em matéria tão relevante.

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

História - As confissões de Antônio Brito, o porta-voz da tragédia

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Homenagem - Grã-Cruz da Maçonaria para a ABI

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Mérito - Rodolfo Konder, titular na Educação

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Aniversário - JB festeja 119 anos com missa e suplemento

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Negócio - Portugueses compram O Dia

ma margem, está aí a prova de que não houve a negociação nem o acordo que agora se alega: um dos lados foi derrotado.

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CONTRARIANDO AS EXPECTATIVAS dos setores progressistas da sociedade e os opinamentos de eminentes mestres do Direito, o Supremo Tribunal Federal decidiu lavar as mãos no caso da responsabilização dos agentes da ditadura que cometeram os delitos mais torpes, como as torturas de homens e mulheres, crianças e idosos, sem condições de defesa, os fuzilamentos sumários, os estupros e as ocultações de cadáveres, que a maioria dos ministros, para vergonha do Brasil diante do mundo civilizado, considerou como alcançados pela Lei da Anistia de 1979 e, portanto, insuscetíveis de qualquer sanção, ainda que apenas de ordem moral.

Memória - O General brigou com a verdade

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Condecoração - Ordem do Rio Branco para Derengoski

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Lembrança - Rubem, o santo padroeiro

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Depoimento - Saudades de Senhor

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L e ggislação islação - Professores de Jornalismo reclamam a volta do diploma

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Injustiça - Zé Fontes, o repórter esquecido

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Mercado - Tristes páginas

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Documento - Retratos do novo no Brasil que passou: Jean Manzon e Sérgio Jorge

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SEÇÕES CEU N A AB BII 11 A C O N T EEC Azêdo, Tarcísio, Domingos e Chediak reeleitos ○

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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS Um caso de violência via internet ○

D I R E I TTO O S HU M A N O S A OAB-RJ quer a verdade, toda a verdade da ditadura O Supremo absolve os que torturaram ○

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LIVROS A imprensa num perfil coletivo

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V I DA S Mário de Moraes

AVISO AOS ASSOCIADOS EM DÉBITO - A Diretoria da ABI informa aos associados em débito há mais de um ano que a partir da Edição nº 354 do Jornal da ABI, data de capa maio de 2010, suspenderá o envio desta publicação, em razão do alto custo de sua produção editorial e gráfica e de sua remessa pelo Correio. Os associados que quiserem zerar seu débito poderão pagar a mensalidade de junho, quando circulará a citada Edição nº 354, mediante quitação de boleto que poderá ser solicitado pelo email abi.presidencia@gmail.com.

Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra. O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.


HISTÓRIA

ARQUIVO-AGÊNCIA O GLOBO

Um quarto de século após o trauma sofrido pelo povo, ainda há questões que demandam esclarecimentos sobre o fim daquele que poderia ser, e por 24 horas não pôde ser, o primeiro civil a ocupar o poder depois do golpe militar de 1º de abril de 1964.

No ano em que completaria 100 anos, e que marca também os 25 anos de sua morte, o capítulo final da trajetória de Tancredo Neves é revisitado pelo Jornal da ABI, que ouve jornalistas que participaram da cobertura da doença e morte do Presidente eleito, em 1985. Afinal, a imprensa estava preparada para aquele episódio? Cumpriu seu papel ou deixou-se levar pelo apelo emocional dos fatos? Investigou na medida necessária, ou se contentou cegamente com os informes oficiais? Passado tanto tempo, ainda há algo a ser esclarecido? Com a palavra, os personagens que retrataram aquela época.

POR PAULO CHICO

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HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS MAIRA VIEIRA

conta de que o Presidente sofria com Veja, por exemplo, a repercussão no caso um tumor bateria novamente à porta roteiro da História costudo julgamento dos Nardoni.” do Jornal do Brasil. ma pregar peças. Alguns “E quem a conseguiu foi o Bob Lopes, desses casos, mais do que Da informação à oração junto ao Senador Marcondes Gadelha surpresa, causam espan“Vi um repórter de rádio que foi (PMDB/PB), que também era médico. to e marcam, num dado chamado ao vivo e que, não tendo mais Mas não dava para publicar aquilo. Semomento ou para semo que dizer, começou a rezar ‘Ave Maria, no calor da ocasião, dizer que a Repre, a alma de um povo. Foi num misria’. E a oração completa foi ao ar, ao pública inteira estava num teatro, mento de desencanto e esperança que mivivo! Ele começou a entrada assim: tindo para o País, para a opinião públilhões de brasileiros acompanharam, em ‘Agora não há mais nada o que fazer, a ca. Deixar claro para a população que 1985, a lenta agonia e morte de Tancrenão ser rezar. Ave Maria cheia de graaquele quadro, talvez, não pudesse ser do Neves, num processo repleto de criça...’. E foi em frente”, lembra Tonico revertido. E era difícil bancar essa inforses, cirurgias, boletins médicos contraFerreira, repórter da TV Globo que mação, tendo ela vindo de uma fonte só. ditórios e afirmações duvidosas sobre participou da cobertura, que classifica Não sei qual foi, ou quais foram, as o quadro de saúde do político mineiro. como longa e desgastante. fontes da equipe da Folha de S.Paulo, Desde a noite de 14 de março, quan“Eu corria atrás de médicos especique fizeram com que o jornal bancasdo fora internado às pressas para uma alistas para tentar avaliar o quadro do se a publicação”, diz Noblat. cirurgia no abdômen, o primeiro PrePresidente e explicar os problemas de Ricardo Noblat: No tumulto daqueles Dentro do que era possível fazer, com sidente civil do Brasil, após mais de saúde dele aos telespectadores. Ao fim dias, cheguei a ficar uma semana na os recursos daquela época e naquele conduas décadas de ditadura militar, era de quase 40 dias, eu achava que iria Redação, dormindo poucas horas. texto político, Noblat avalia como razoalvo de orações e muita, muita torcimorrer junto com o Tancredo, de canável a cobertura da mídia. da. Um clima de comoção que, por vesaço. Aliás, não só eu, mas todos os coculite. Essa afirmação foi publicada em “O mais importante é que os jornais zes, dominava a imprensa. Após a increlegas. A cobertura da Globo foi muito primeira mão pela Folha de S. Paulo e adotaram uma postura correta, respondulidade inicial, entre os jornalistas boa, com o Carlos Nascimento e o Carlogo desmentida pelas fontes oficiais. sável. Não deram espaço a teorias de ascrescia a sensação de que a tragédia que los Tramontina entrando ao vivo com “Olha só que curioso! Na primeira sassinato ou de conspiração, que não se anunciava estava prestes a se tornar as informações de última hora, que toda matéria, na edição seguinte ao dia da faziam sentido, para as quais não hareal. Hoje, 25 anos depois, é fácil percea equipe de repórteres pescava aqui e internação do Presidente, o JB descrevia qualquer fundamento. Hoje sabeber o quanto aquela maratona – foram acolá. Corriam boatos, mas eu não acrevia o procedimento da cirurgia e, num mos que, na verdade, Tancredo estava 38 dias de internação, entre Brasília e dito em conspiração. Havia uma movideterminado momento, dizia que um doente já ao longo de sua campanha. São Paulo – exigiu esforços das equipes mentação militar em Brasília para evidos cirurgiões, ao sair da sala, teria dito Mas seu drama inesperado mobilizou médicas. E das Redações. tar a posse, mas os militares de extrema a alguém próximo. ‘É um tumor’. O Joro País e as Redações. Havia uma espé“Eu chefiava a sucursal de Brasília do direita não tinham a capacidade de manal do Brasil publicou isso, exatamencie de torcida, até entre os jornalistas, Jornal do Brasil. Primeiro, é preciso ditar o Presidente com um tipo de vírus, te isso, no meio da matéria, logo no dia para que ele se restabelecesse. Havia zer que ninguém imaginava que o Tancomo se chegou a especular.” seguinte à cirurgia. Está lá perdido, no uma dificuldade geral de acreditar que credo estivesse doente, nem os polítiTonico Ferreira considera que a maior meio do texto. E nós não nos demos o seu quadro fosse tão grave. Na vercos e muito menos a imprensa. E esta dificuldade enfrentada pelos jornalistas conta disso, do valor dessa informação. dade, era inconcebível que, após duas estava despreparada para cobrir aquiresidia mesmo na área médica e nas Passou batido. Não fomos atrás... Não décadas de ditadura, o primeiro Presilo. Não entendíamos bem a situação e pessoas próximas ao Presidente. desdobramos... Isso para você ver como dente civil não tomasse posse, e ainda sequer havia repórteres com especiali“Tínhamos que lidar com as tentaeram a correria e o tumulto daqueles corresse risco de morte”, explica Nozação suficiente para compreender e tivas diárias da equipe de médicos e de dias. Cheguei a ficar uma semana inblat, lembrando que um episódio semetraduzir melhor os laudos médicos e assessores de esconder a gravidade do teira na Redação, dormindo algumas lhante, nos dias de hoje, provocaria codiagnósticos. E havia um cerco fechaestado do Tancredo. Foi um show de poucas horas num sofá dentro do aqubertura de dimensão ainda maior. do em torno do Presidente, uma espévaidades médicas, combinadas com ário”, recorda Noblat. “A internet possibilitaria um acomcie de blindagem. De início, acho que mentiras. Acho que as maiores farsas Ainda antes de o real diagnóstico ser panhamento em tempo real. E a própria por não imaginarem que seria algo graforam desmascaradas, como a foto enpublicado pela Folha, a versão que dava televisão daria muito mais visibilidade. ve, ou seja, para não preocupar a popucenada com a equipe médica para lação. E, depois, ao contrário, mostrar que o Presidente esquando já havia uma consciêntava bem, depois da qual ele cia de que seria difícil ele escanovamente passou mal”, diz par daquela situação”, conta RiTonico, que elogia a atuação cardo Noblat, hoje em O Globo. de Antônio Brito, porta-voz A insistência da imprensa em da Presidência da República. apurar os fatos chegou a provo“Ele fez o que pôde. Estacar reações inflamadas da famíva numa situação difícil, tilia, como quando a esposa de nha que participar das evasiTancredo, Risoleta Neves, acuvas. Era tremendamente chasou os jornalistas de estarem to ouvir os boletins médicos, promovendo uma invasão de com aquela leitura intermiprivacidade e praticarem o esnável de nomes de ‘professoporte de fazer perguntas ‘abures doutores’, que assinavam treiras’. um papelzinho que nada diO frisson e o ineditismo da sizia de importante e conclusituação levaram o JB a dar um vo”, lembra Tonico Ferreira. grande furo na cobertura do Em linhas gerais, assim caso, ainda que sem ter a noção como o repórter da TV Glode tal feito. Depois da transfebo, a maioria credita exatarência, com Tancredo já em São mente ao trabalho do jornaPaulo, havia em campo jornalislista gaúcho o esforço de tentas um pouco mais afeitos à estar informar com transparênfera médica. Por outro lado, alcia sobre o real estado do Preguns médicos pareciam dispossidente eleito. tos a falar em off. Mas, a princiAlguns momentos beirapal notícia, ao longo de toda a vam o constrangimento. cobertura, talvez tenha sido o Como na madrugada do dia anúncio de que se tratava de um 15 de março, logo após a priO início e o fim do drama no Jornal do Brasil: entre 15 de março e 22 de abril a imprensa teve que lidar tumor, e não de simples divertimeira das sete cirurgias que com a mudança de regime e de governo agravada pela doença de um Presidente que não tomou posse. 4

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DIVULGAÇÃO

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Vice de um titular que não existia? Ou Tancredo foi submetido. Endo para tomar soro no Hospital de Ulisses, Presidente da Câmara e na liquanto dava uma coletiva, Brito Base’. Corri para o hospital. Vi ennha direta de sucessão? A questão sefoi interrompido por Aécio Netrando pela portaria o futuro Miria esclarecida horas depois, pelo Mives, neto do Presidente. O ex-Gonistro da Fazenda, Francisco Dornistro-Chefe da Casa Civil do Presidenvernador de Minas Gerais era, na neles. Do orelhão, logo em frente, te que saía, o jurista Leitão de Abreu. época, seu assessor particular. De gritou-me o repórter da Rádio InAssim, os dois governos, finalmente, forma precipitada, como veio a se confidência, Rachid Voner: ‘Eu já começavam a se falar.” confirmar em seguida, ele garandei o furo! O Presidente está no tiu aos jornalistas que o avô pashospital!’. Naquele momento RaNo fim da ditadura, sava bem, e que iria, inclusive, chid, já falecido, era um paciente a democracia em risco tomar posse no dia seguinte. Nesevadido. Dera entrada com uma O temor geral era de que os militase episódio, bem como em outros cólica estomacal e, ao ver o Presires, já não muito fãs do perfil político seguintes em que se viu publicadente lá dentro, pulou da maca e de Tancredo, aproveitassem as incertemente questionado, Antônio correu para o telefone. O curioso zas e indecisões daquele momento de Brito impôs seu estilo compeneé que tanto ele como eu éramos os transição para frear ao máximo o protrado de atuação, e parecia semmais inapropriados para aproveicesso de redemocratização do País. pre recobrar a credibilidade, por tar um furo. Eu, por ser de revis“O Tancredo temia que o Figueirevezes abalada por seus pares. ta. Ele, por ser da emissora oficial do não desse posse ao José Sarney, com Durante a estada de Tancredo do Governo de Minas. Mais tarde quem, de fato, não simpatizava. Isso no Instituto do Coração, em São Tonico Ferreira: Ao fim de quase 40 dias, eu achava que ele contaria que tivera uma luta poderia criar um mal-estar na Nação, Paulo, após coletivas oficiais, iria morrer junto com o Tancredo, de cansaço. verbal com o editor, que não queque assistiria a uma posse sem PresiBrito reunia-se reservadamente ria acreditar na notícia, dependendente. Tancredo tivera sua crise mais com os repórteres, para compledo de aprovação oficial para coloaguda, sofreu com uma dor danada rios”, descreve Inácio Muzzi, que cobriu mentar informações. Mesmo ao públicá-la no ar”. numa igreja, na missa. Na verdade, ele o episódio pela revista IstoÉ. Uma expeco telespectador, parecia expressar-se Muzzi, então, entrou no hospital sofria desse problema já há muito temriência que, além da sua competência além das palavras. Sua feição séria e na esteira de Dorneles, sobrinho de po. Tinha até uma mania que, talvez, jornalística, contou, em seu início, com sobriedade diziam mais sobre o estado Tancredo. pudesse ser um indicativo da doença, um auxílio fenomenal: o fator sorte. de saúde do Presidente do que os eva“Não havia esquema de segurança. uma manifestação de incômodo. A “Na noite da véspera da posse, a sivos boletins médicos. Ao todo, leu 42 Esta é outra característica da época. O todo momento, fazia o movimento de crença era de que as bruxas estavam destes. regime que entrava e o que saía não se esticar ao máximo uma das pernas e cosendo enterradas. Eu insistira com o falavam. Mais tarde, quando fui expulDiretor de Redação da No infortúnio, fator sorte IstoÉ, Mário de Almeifez a diferença da, que podia mandar “O Brito teve uma atuação muito imprimir a matéria que digna. Víamos que ele e o Carlos Mareu escrevera como se a chi, seu auxiliar, lutavam internamenposse houvesse transte contra a manipulação das informacorrido. Eu tinha o disções. No entanto, pareciam vencidos, curso e o esquema croaté o momento em que entrou em cena nometrado da solenio Ministro-Chefe do SNI, Ivan de Soudade. No dia seguinte, za Mendes. Nós, da imprensa da redefaria só uma matéria mocratização, achamos a princípio que de clima. Ele resistiu: aquele seria um personagem sinistro, ‘E se o Tancredo tropeque comprometeria ainda mais a quaça?’. Vencido por aquelidade dos informes oficiais. Mas ocorle editor ‘paranóico’, reu exatamente o contrário. O Genefui me encontrar num ral conseguiu enquadrar os médicos e bar com amigos de São políticos e garantir a prevalência da verA internação, as contradições e o trauma brasileiro: três capas resumem um longo e angustiante período. João Del Rey, entre eles dade, mesmo que não total, nos inforum médico, sobrinho mes. Com o tempo, a imprensa perceçar a barriga. E fez toda a campanha com do Presidente. Mas o médico não estabeu este processo e se acalmou. Partíaso, pude presenciar o desencontro enisso. Ele havia corrido o mundo, passava lá. Um dos presentes me disse: ‘Senta mos do oficial para apurar com as fontre oficiais das PMs de Minas e do Disdo pela Europa. Se quisesse, até podeaí, que ele já volta. Foi só levar o Tancretes complementos e detalhes secundátrito Federal, tentando se entender, ria ter sido operado em Paris, em sigilo. sobre quem guardava o quê. Fiquei zanDiante das dores e da indicação cirúrzando pelos corredores do centro cirúrgica, pediu que os médicos lhe dessem gico. Após a morte do Presidente, a sua um remédio qualquer, forte, apenas para irmã, a freira Ester, me contaria que naagüentar aquilo mais um dia. Só até a quela noite exatas 41 pessoas assistiposse. ‘Depois de empossado, vocês ram, de alguma forma, à primeira cirurpodem me cortar onde quiserem’, pedia gia. ‘Algumas estavam trepadas em ele”, revela Villas-Bôas Corrêa. banquinhos para enxergar melhor ’, Experiente jornalista político, Villasdisse. Consegui permanecer incógnito Bôas já estava em Brasília para cobrir até o início da madrugada. Àquela ala posse. Chegara à capital federal com tura, seguranças tentavam manter as cinco ou seis dias de antecedência. portas do pronto-socorro cerradas. Nos “Eu havia marcado um jantar com dois orelhões em frente, filas de repóro Aluísio Alves, que depois seria Ministeres excitados. A notícia era pouca, tro da Administração do Sarney. Quanmas nervosa: o porta-voz Brito disse do cheguei ao restaurante, ele não esque o Presidente tinha apendicite; o tava. Mas estava o seu filho. ‘Estou te Presidente da Câmara, Ulisses Guimaesperando aqui só para dizer que meu rães, saíra com o braço seguro pela mão pai não vem, pois o Tancredo foi interdo novo Ministro do Exército, Genenado às pressas’. Aí, pensei: o que faral Leônidas Pires. Ambos declararam zer? Vou pro hospital? Para o Congresque o caminho era ‘a via constitucioso? Não vai adiantar nada... Perguntei nal’, fosse lá o que isto significasse. Inácio Muzzi: Não havia esquema de segurança no hospital. Fiquei zanzando pelos corredores do centro cirúrgico e consegui permanecer incógnito até o início da madrugada. a mim mesmo: para onde está indo o Quem seria o empossado? Sarney? Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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LUIZ CARLOS/AJB/RIO

HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS

poder? E lá fui eu pra casa do Sarney. Fui recebido pela Roseana, que, chorando muito, se jogou nos meus braços. ‘Villas, o que vai ser do papai?’. E eu disse que não haveria nada demais. Simplesmente, no dia seguinte ele tomaria posse. E ela: ‘Você não está vendo o que vai acontecer? Aquela multidão toda vai vaiar o meu pai...’, desesperou-se. Houve uma longa reunião política, para decidir quem assumiria: Ulisses ou Sarney? Às cinco da manhã foi feito um discurso de posse. E quem bancou a nomeação do Sarney, inicialmente temeroso, foi o Leônidas Pires”. Sem ter dormido, Villas passou no hotel, onde fez a barba e trocou de roupa, e seguiu para a unidade móvel da TV Manchete, de onde transmitiria a posse. Da equipe, participaram dessa cobertura apenas ele e um câmera. Os demais não acordaram a tempo, exaustos depois de terem trabalhado durante a primeira noite de internação. Ricardo Kotscho, na época na Folha de S.Paulo, narra sua experiência em Do Golpe ao Planalto: Uma Vida de Repórter. “No Incor, em São Paulo, para onde Tancredo foi transportado, cobri seus primeiros dias de agonia, que se prolongaram, cirurgia após cirurgia. Certa noite, seu Frias, que não gostava de ser chamado de jornalista mas adorava farejar notícias exclusivas, me deu ordens para viajar a São João Del Rey, em Minas Gerais, onde Tancredo nascera e onde vivia sua família. ‘O quadro dele é irreversível’, me garantiu. E lá fui eu, na certeza de que o desenlace se daria em poucas horas. Ainda quando o Presidente eleito estava sendo tratado em Brasília, seu Frias conseguiu a informação de que não se tratava de diverticulite, e sim de um tumor. Fomos todos nós, repórteres, furados pelo dono do jornal. Quando o porta-voz Antônio Brito leu a nota oficial no início do Fantástico, da TV Globo, e Fafá de Belém cantou o Hino Nacional, os sinos começaram a repicar em São João Del Rey. Jorge Araújo e eu mal acabamos de transmitir o material do domingo e nos pusemos a planejar a cobertura do enterro, que atrairia milhares de pessoas para a histórica cidade mineira.” Improvisos, desencontros e suspeitas As dificuldades ao longo da cobertura surgiram naturalmente do fato inesperado, mas também da falta de coordenação entre o Governo que entrava e o que saía e da tentativa dos políticos e dos médicos de controlar a informação. 6

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“Os médicos provocaram muito ruído, pela vaidade de aparecer como protagonistas na cena da cirurgia. Os políticos da miscelânea da Nova República tentaram manipular os dados sob diversos argumentos. Aqueles egressos dos quadros da ditadura, muito próximos a Sarney, vinham com o vício de que se tratava de uma questão de segurança nacional. Já os ligados a Tancredo traziam a insegurança de quem temia pela ordem democrática, ainda não legitimada. O resultado foi uma informação de baixa qualidade nos primeiros dias da internação. Quando a imprensa percebeu, já no episódio do primeiro diagnóstico, que o quadro estava sendo adulterado, as fontes oficiais perderam a credibilidade. Médicos auxiliares, enfermeiros e até mesmo faxineiros do Hospital de Base começaram a ser procurados pelos repórteres, na tentativa de se montar um retrato mais real do que acontecia”, diz Inácio Muzzi. O inusitado da situação e a falta de consistência dos informes médicos ensejaram inúmeras histórias fantasiosas, transmitidas boca-a-boca. Entre eles, um boato de que a repórter da TV Globo Glória Maria fora inoculada involuntariamente por uma bactéria destinada ao Presidente. O mesmo teria ocorrido com um garçom, que morrera. “Quem cobria o caso sabia que estas hipóteses eram improcedentes. Mesmo assim, alguns veículos acreditaram na possibilidade e colocaram repórteres investigativos para averiguar. Eu mesmo cheguei a ser entrevistado por dois repórteres japoneses, que estavam no Brasil com a incumbência de levantar uma matéria sobre o ‘assassinato’ do Tancredo. Mas não há mais aspectos obscuros neste processo. O que ficou de lamentável foi a tradicional incapacidade dos Conselhos de Medicina de apurar decentemente e dar satisfação à sociedade sobre as falhas de conduta médica, técnicas ou morais”, aponta Muzzi, que considera que a cobertura foi positiva. “A imprensa, preparada para cobrir o fim da ditadura, foi muito rápida em se reestruturar para cobrir um processo médico, com implicações políticas sérias. Hoje, relendo todo aquele material, e tive que fazer isto para produzir matérias para o caderno do Estado de Minas que homenageou o centenário de nascimento de Tancredo, percebo que a cobertura chegou ao ponto adequado, depois dos tropeços iniciais”. Nem todos concordam. Sobretudo no que diz respeito aos boatos sobre a verdadeira causa da morte do Presiden-

Villas-Bôas Correa: Quem bancou a nomeação de Sarney foi o General Leônidas Pires.

te. O primeiro diagnóstico, de diverticulite de meckel, foi corrigido para um tumor benigno interno, leiomioma. Mesmo assim, as dúvidas continuavam. “Quando Tancredo morreu eu era músico, e também leitor diário da Folha de S. Paulo. Lembro que achei tudo muito emocionante. Na noite em que foi anunciada sua morte eu estava na casa de minha mãe, em São Caetano. Fiquei muito triste, cheguei a chorar”, diz Ricardo Feltrin, titular da coluna Ooops!, da mesma Folha de S.Paulo. “Me impressionou a quantidade de matérias que o jornal trazia sobre a morte, mas não gostei da manchete. Achei a chamada enorme, comprida... Prolixa até... ‘Tancredo Neves está morto; corpo é velado no Planalto; Sarney reafirma mudanças’, dizia. E eu ouvia muitos boatos e rumores de que ele fora morto, ou envenenado. Enfim, aquelas teorias conspiratórias. Senti falta de mais investigação. Os boatos de crime só circulavam nas ruas, entre as pessoas, nas faculdades, bares... E não lembro de ter lido absolutamente nenhuma reportagem que abordasse quaisquer das teorias conspiratórias. Isso me marcou.” Emoção desfocou parte da cobertura “Tancredo sabia de sua doença? Desde quando? Por que a escondeu, ou concordou em fazê-lo? Tinha medo de um golpe? Ou simplesmente não quis acreditar que seria privado do coroamento de sua carreira política justamente quando tê-lo alcançado já eram favas contadas? Já li e ouvi muitas explicações para essas perguntas, nenhuma cabal. Assim como acho as teorias de conspiração pura fantasia. Tem gente que sustenta, ainda hoje, que o conhecimento pleno da doença colocaria em risco a transição para o poder civil. Não acredito. O regi-

me militar e seu acólitos civis estavam desgastados. A onda pró-democracia que vinha da campanha das Diretas e atravessou a eleição de Tancredo, era muito forte para ser contida. A censura, para mim, tem explicação melhor como uma tentativa de ganhar tempo e acomodar os interesses à nova situação”, defende Roberto Pompeu de Toledo, em 1985 no cargo de Editor-Executivo da Veja e atualmente articulista da mesma publicação. Ele reconhece os esforços dos veículos na época. “A maior dificuldade era a parte médica, submetida ao acobertamento desde o início. Despiste, enrolação, mentira... Valeu tudo para manter uma cortina de fumaça entre os jornalistas e o que ocorria. As artimanhas dos políticos e a vaidade de alguns médicos trabalhavam em conjunto para que isso ocorresse. E as tentativas de furar o bloqueio em torno da doença foram constantes. Nesse particular, merecem destaque a Veja e a Folha de S.Paulo. O Elio Gaspari, então Diretor-Adjunto da Veja, tinha uma fonte no hospital, um médico, com quem conversava todo dia. Foi o primeiro jornal a noticiar que Tancredo tinha um tumor”, confirma ele, que vê como um pecado natural o forte apelo emocional da cobertura. “Seria impossível conter essa onda. Tínhamos a doença, em primeiro lugar, e a perplexidade de aquilo estar acontecendo bem naquele momento, tão aguardado e festejado. Não dava para acreditar. Nessas condições, a política


MATUITI MAYEZO/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS

ficou em segundo plano. As coisas, vistas de hoje, permitem pensar que deveríamos ter estado mais atentos à política, especialmente às tramas de loteamento de cargos e à demasiada sede com que os políticos se lançaram ao pote do poder. São fatores que infelicitaram a transição e até hoje deitam sua sombra na política brasileira”, lamenta Roberto Pompeu de Toledo. “Trabalhava no Estado de S. Paulo e fui pra Brasília para a posse de Tancredo. O Editor-Chefe era o Miguel Jorge, que também foi para Brasília. Quando se anunciou que Tancredo estava internado e que não tomaria posse, fui para o Hospital de Base, onde acompanhei as primeiras entrevistas coletivas do porta-voz Antônio Brito e de alguns médicos. Não me lembro quantos dias fiquei em Brasília, mas voltei logo. Quando Tancredo veio para o Incor e seu estado piorou, o jornal me enviou para São João Del Rey. O Estadão montou uma verdadeira sucursal lá, com repórteres, fotógrafos e operadores de telex. Os principais jornais e emissoras de rádio e de televisão tinham equipes na cidade. A frustração era geral e atingiu, certamente, os jornalistas. Nossas matérias foram na maioria dos casos emotivas. Como a única fonte direta de notícia eram os comunicados feitos pela assessoria de imprensa, a busca de informações com médicos, parentes e amigos levou a relatos incorretos e a especulações. Antônio Brito era um jornalista competente, mas como porta-voz estava limitado à versão oficial”, ameniza José Maria Mayrink. A demorada agonia de Tancredo Neves provocou a produção de matérias paralelas, como os testemunhos das pessoas que faziam plantão diante do prédio do Incor e as rezas dos conterrâneos nas igrejas de São João Del Rey. Ali, uma das boas fontes de notícias era o tradicional Jornal do Poste – uma folha de papel mimeografada pregada em alguns postes. A cobertura final foi extensa e comovente, nos jornais, no rádio e na televisão. “Basta recordar as cenas do cortejo de automóveis com o caixão, com milhares de pessoas nas ruas,

Com o fim da campanha Diretas Já, Tancredo Neves uniu novamente a esquerda em torno do seu nome contra a eleição de Paulo Maluf.

dois amigos, Fernando Lyra e Fernando Henrique Cardoso, para ser assessor de imprensa da campanha. Trabalhei com ele a partir de agosto e até março de 1985. O Dr. Tancredo era uma figura de aparência frágil, até mesmo pela idade. Mas, paradoxalmente, demonstrava impressionante vigor no trabalho. Raras vezes se flagrava nele um muxoxo, uma reclamação ou um esgar de dor ou cansaço. Quando ele partiu para a viagem à Europa, logo depois de eleito pelo Congresso, tínhamos, daqui, informações de que estava tomando muitos medicamentos, em especial antibióticos. Essas indicações apontavam para um problema no abdômen. Quando voltou, e à medida que a posse se aproximava, mais se falava que se sustentava com remédios. A gente não tinha noção clara do que acontecia. Eu, particularmente, confundia esse estado um tanto mórbido com a fragilidade natural de um homem de 75 anos”, recorda. Marchi fala da dificuldade enfrentada ao estabelecer a ponte entre a equipe médica e os colegas da imprensa. “Essa crise foi vivida pelo Antônio Brito, que se juntou à equipe nos dias que antecederam a posse. Eu fui convocado para ir ao Hospital de Base na noite do dia 14 de março. Foi uma convoO Estadão cobriu a agonia de Tancredo com matérias emotivas e primeiras páginas impactantes. cação caótica. Ninguém sabia o Durante esse período todas as capas de Veja deram destaque ao drama do Presidente. que ia acontecer e como iríamos enfrentar aquele improviso. Durante a campanha enfrentamos até atentados, mas ninguém estava preparado para lidar com a internação do Presidente poucas horas antes da posse, num momento que não era uma simples passagem de Governo, e sim a transição de um regime. Naquela noite, éramos poucos e agimos como nossa intuição indicou. No hospital, me preocupei em fechar portas para evitar que uma turba de jornalistas enlouquecidos invadisse as áreas reservadas, em especial a sala de cirurgia. Cheguei a pegar um repórter quebrando o vidro da parte de baixo de uma porta, supondo entre o hospital e o aeroporto de Congonhas, em São Paulo; a passagem pelo Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, o velório e o sepultamento, às 11 horas da noite, na cidade em que Tancredo nasceu. A cobertura foi extensa, pelo impacto da realidade. Apesar de certos exageros, acho que a sua dimensão e a emoção corresponderam ao contexto da época”, conclui Mayrink.

Carlos Marchi lembra o ‘Dr. Tancredo’ Ao contrário de Antônio Brito, que naquele mesmo ano de 1985 deixara a TV Globo, em Brasília, para trabalhar como porta-voz de Tancredo, fazia pelo menos um ano que Carlos Marchi trabalhava com o político mineiro. “Eu tinha deixado o JB em julho de 1984 e logo em seguida fui indicado por

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HISTÓRIA REVISITA A TANCREDO, SEM SEGREDOS

que aquele caminho daria no centro cirúrgico. O próprio Brito, naquela noite, nem sabia direito como se comportar ou a quem se reportar, pois ainda conhecia pouco as pessoas da equipe.” Considera Carlos Marchi que todos os boatos que cercaram Tancredo Neves transcendem o episódio da internação e de sua morte, ocorrida em 21 de abril. Teriam sido produto da irresponsável falta de informação sobre a doença do Presidente. “Ainda hoje, transcorridos 25 anos, não se tem um relatório científico definitivo sobre o mal que acometeu o Dr. Tancredo. Até hoje não se sabe o que, de fato, ele tinha e, em especial, o que ocasionou sua morte. Lembro-me de que alguns anos depois desse fato peguei um táxi no aeroporto de Congonhas e o motorista, sem saber com quem falava, contou-me ter informa-

ções privilegiadas sobre o caso. Segundo a sua versão fantasiosa, o Presidente havia sofrido um atentado. Os males no abdômen seriam resultado de três tiros. Ponderei com ele. Contei que tinha sido assessor e que, a partir dessa condição especialíssima, podia garantir que não houvera atentado algum. Ele não se deixou abater. ‘Eles enganaram até você’, disse. Vi que era inútil tentar vencer a força do boato que, percebi, não era mera invenção. Era a resposta que o povo dava à irresponsabilidade que não transmitiu ao País um relatório consistente e definitivo sobre a doença e a causa mortis”. O aspecto emocional foi predominante na cobertura, mas não era um equívoco técnico dos jornalistas. Era a repercussão do sentimento que dominava todos os brasileiros – diante daquela que seria sua maior tragédia po-

A História, entre a realidade e a ficção Um romance que tenta reconstruir e recontar a grande crise.

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“Acredito que haverá leitores mais iniciados em literatura e História que entenderão esse esquema logo de cara — e uma grande maioria, que não. Eu tive interesse de confundir um pouco. A Operação Rubicão, que seria a tese de que toda eleição por via indireta estava tramada muito antes das Diretas, tem um sentido de lenda urbana que confunde até os iniciados. Minha proposta, antes, foi a de provocar, fazer as pessoas terem interesse em saber mais e até pesquisar, se for o caso. Gosto mais de divertir e provocar do que de convencer.” Em sua pesquisa, Ramiro levantou dados curiosos. “Não havia possibilidade de se imaginar que Tancredo, apesar da idade, pudesse ter alguma doença e nem que, numa suprema impossibilidade, José Sarney pudesse vir a tomar posse. Parece que esse trauma bloqueou na época os sentidos da sociedade e da imprensa. Claro que teorizar hoje, assim, à distância, é fácil. Apenas podemos imaginar em que condições emocionais estavam todos. A função de quem pesquisa História é tentar entender as contradições do passado e iluminá-lo. Houve mesmo ameaças de golpe, conspirações e planos de morte. Isso não era ficção. Mas dá para perceber que esse risco estava em alguns setores isolados das Forças Armadas, na turma do porão, insatisfeita. Tancredo esteve de fato preocupado mas já em setembro, sete meses antes da posse, contava com a simpatia da maioria que importava nas Forças Armadas, graças ao apoio de Geisel e às alianças com Aureliano Chaves. Em outubro, os poucos renitentes da tropa já

lítica. É o que aponta Carlos Marchi. “Penso que a melhor lição foi o sacrifício extraordinário a que se submeteu o Dr. Tancredo. Para ele, a reconquista da democracia valia muito mais que a

estavam falando sozinhos. Em novembro, a fatura com os militares já estava liquidada. E pesou o fato de que Figueiredo foi resistente na defesa da entrega do poder aos civis e sempre desestimulou as conspirações em contrário.” Outro aspecto que parece bem consolidado é que a saúde de Tancredo vinha mal há algum tempo. “Ele se automedicava e tinha pavor de exames e hospitais. O Inácio Muzzi diz que ele estava mal desde junho de 1984. Fernando Lyra afirma em seu livro que era mais de um ano antes da posse. O diretor do Globo Repórter que foi a sua fazenda, em Cláudio, em janeiro, 60 dias antes, viu que ele apertava muito o abdômen dentro da calça e provocou: ‘Tá brincando de Napoleão, Presidente?’. E ele: ‘São gases presos, coisa de velho’. Teria tido uma crise em sua visita a Nova York, no início de fevereiro, 40 dias antes da

Ramiro Batista: A função do historiador é tentar entender as contradições do passado e iluminá-lo.

RODRIGO VALENTE

m jovem repórter em busca do furo da sua vida. As intrigas nos bastidores de um grande jornal. O fracasso da campanha das Diretas-Já. Maquinações políticas, conspirações secretas e pressões militares. A eleição do primeiro Presidente civil depois de 20 anos de ditadura. A doença escondida, a posse malograda e a manchete que ninguém deu. Esses são os elementos que compõem O Dossiê Rubicão Quando a Morte Assume o Poder, livro do jornalista Ramiro Batista, lançado pela Editora Batel no dia 10 de março, em Belo Horizonte. A obra mistura realidade e ficção. “A proposta é contar a história de uma forma sedutora. Uma trama policial que provoque com novas idéias e dê informação histórica. Muitas vezes, o pano de fundo se sobressai à trama literária, sempre com o cuidado de ser leve e agradável. Tive grande repercussão de crítica e público na capital mineira, onde sou mais conhecido. E estou tentando o mesmo no Rio e São Paulo, visitando Redações”, diz o autor. Com a história ambientada numa Redação de jornal, todos os grandes fatos do período puderam ser abordados. Os personagens fictícios cobrem os fatos reais e se imiscuem neles, como alavancas para contá-los. Só não cruzam com os personagens reais, evidentemente, para não haver traição histórica. Tudo o que é atribuído a pessoas reais — falas, fatos, idéias — é fiel. Os personagens fictícios giram em torno para contar suas tramas paralelas.

Carlos Marchi: Até hoje não se sabe o que, de fato, Tancredo tinha e, em especial, o que ocasionou sua morte.

própria vida. Não tenho dúvidas de que se imolou por ela. Ele sempre foi um homem de desassombrada coragem política e pessoal. Foi assim no conturbado Governo Jango e no enfrentamento da ditadura. Foi classificado como conciliador. Mas por trás do político que pregava a negociação havia um homem extraordinariamente corajoso”, diz Marchi; que nos últimos 40 anos passou pelas Redações dos principais jornais do País. Ele guarda como troféu uma página de seu currículo. “No Governo que seria Tancredo, mas acabou sendo Sarney, fui presidente da Empresa Brasileira de Notícias-EBN, agência estatal brasileira, depois fundida com a Radiobrás. Honra-me dizer que a minha nomeação foi assinada pelo Dr. Tancredo e, portanto, foi legalmente indevida, já que ele nunca assumiu a Presidência. Ninguém nunca questionou isso”.

posse. Teria ido com a família a uma clínica, 15 dias antes do evento. O neto Aécio procurou um médico no domingo, cinco dias antes da solenidade, reservou jato táxi por precaução e confidenciou a Brito que talvez não houvesse coletiva após a posse. Na quarta, dois dias antes, foi com o médico Renault de Matos fazer exames. Incrível, ao se saber tudo isso hoje, é que tenha passado despercebido pela imprensa. Ou tenha sido mesmo muito bem escondido”, questiona Ramiro Batista. Um posicionamento claro da mída, naquela época de abertura, sempre incomodou Batista. “Eu percebia um claro envolvimento da imprensa na candidatura das oposições, condescendente com suas maquinações, e intolerante quanto a qualquer iniciativa do Governo e seus candidatos. Embora se soubesse que a oposição, claro, também maquinava. Tancredo tinha tanto dinheiro para a campanha, ou mais, que Maluf. Tinha apoio do grande empresariado e, entretanto, foi o abuso de gastos na convenção do PDS, em agosto de 1984, que foi destacado. Como a solução civil corria o risco de cair em Maluf, a polarização teve que ser entre um ‘santo’ e um ‘demônio’. Em situações assim, devia mesmo ser difícil ser equânime. O JB foi muito acusado de malufista toda vez que tentou dar equanimidade aos dois candidatos, inclusive na distribuição de espaço nas reportagens”, lembra Batista, que, autor de dois outros livros, prepara o lançamento de mais duas obras, sobre o impeachment de Fernando Collor e a suposta ou desejada falência do PT. “São momentos emblemáticos que motivam muito. Quero completar, com eles, uma trilogia sobre o processo crescente de degradação ética da vida pública no Brasil. Da década de 1980 para cá, a coisa só piorou”, sentencia.


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As confissões de Antônio Brito, o porta-voz da tragédia Ao aceitar o convite para o cargo de porta-voz do Governo de transição, que naquele momento se instalava, Antônio Brito bem podia prever que teria alguns dias de trabalho árduo pela frente, com direito a apreensões e tensões políticas. Mas, é certo, nem o pior dos pesadelos o faria supor o cenário que se desenharia com a internação do Presidente eleito. Uma experiência tão radical que o faz ser reconhecido até hoje, mesmo passados 25 anos e de barba raspada, como o jornalista que leu a notícia que o País não queria ouvir. E que o próprio Brito, hoje com 57 anos, relatou no livro Assim Morreu Tancredo, fruto de depoimento dado a Luís Paulo Cunha. Impactante para o Brasil, o episódio foi transformador na vida deste gaúcho de San-

“Todos nós, imprensa e a própria assessoria, passamos a desconfiar das informações.” tana do Livramento, que interrompeu por convicções pessoais a carreira de jornalista. Atuou na política – foi deputado federal e governador do Rio Grande do Sul, pelo PMDB – e na iniciativa privada, em empresas como Azaléia e Claro. Costuma ser convidado a lembrar seu passado. E foi assim que atendeu ao Jornal da ABI, pelo telefone, diretamente da Interfarma, em São Paulo, empresa a que atualmente preside. Brito respondeu às perguntas de forma objetiva e revelou preocupação curiosa, natural de quem, no passado, já fizera diversas entrevistas por telefone. Não do papel de entrevistado, e sim de repórter. “Estou falando muito rápido? Tá dando pra você anotar?”. “Deu, sim, Brito.” Aqui está:

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HISTÓRIA AS CONFISSÕES DE ANTÔNIO BRITO, O PORTA-VOZ DA TRAGÉDIA

OLIVIO LAMAS/AGÊNCIA O GLOBO

O QUE O FEZ DEIXAR UM CARGO DE DIREÇÃO NA TV GLODISTRITO FEDERAL E ACEITAR O CONVITE PARA SER PORTA-VOZ DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA? IMAGINAVA QUE ENFRENTARIA AQUELA MARATONA DE DESAFIOS? O que me fez aceitar foi o fato de que a gente ia viver um momento histórico. Seria a primeira administração civil, após uma ditadura, embora não nascida do voto direto. Nos preparávamos para inserir o processo de redemocratização do País. Assim, ter a chance de viver a transição de perto, do ponto de vista do poder e da imprensa, principalmente quando esta relação se tornasse democrática, seria um desafio fantástico. Além disso, o Dr. Tancredo, como o chamávamos, era uma pessoa que, até por força da profissão de jornalista, eu acompanhava e admirava muito. Mas nem eu nem ninguém sabia o que viria pela frente. BO DO

COMO DEFINIRIA OS MOMENTOS PELOS QUAIS PASSOU NA FUNÇÃO DE PORTA-VOZ, A PARTIR DA INTERNAÇÃO DE

TANCREDO? Divido aquela seqüência de acontecimentos em fases. O primeiro momento foi de reação imediata, isto é, tentar colocar ordem na casa. Significava criar mínimas condições para o trabalho da imprensa, garantir fluxo de informações. A partir daí se estabeleceu, dois ou três dias depois da hospitalização, uma certa rotina. Havia salas, pessoas e horários de atendimento. No segundo momento, nos deparamos todos com as informações monopolizadas pela visão dos médicos, que eram transmitidas à população. Numa terceira etapa, onde toda a rotina de comunicação já existia, passa a haver sérias dúvidas sobre o tom adotado pela equipe médica. Todos nós, imprensa e a própria assessoria, entramos em crise de desconfiança sobre as informações. Nesse contexto, mudo de atitude. Adotamos cuidados e entramos num quarto momento – onde todos já sabíamos que a situação era grave. Passo a exigir os boletins médicos, assinados, como forma de garantir e dar crédito a quem estava assumindo a responsabilidade por aquelas informações. Após a leitura desses laudos, atendia particularmente a imprensa em separado, onde podíamos, todos, trocar idéias sobre a situação real que se desenhava. Em todo esse processo, prevaleceu o respeito ao trabalho da imprensa. Chegamos, então, ao quinto e último momento. Percebemos que o estado do Dr. Tancredo era grave, e o fim se tornara irreversível. Nesse ponto, a preocupação passa a ser como administrar a crise e preparar o País para completar a transição democrática, ainda que sem a figura do Dr. Tancredo. ERAM NÍTIDAS, E FORAM CITADAS POR OUTROS JORNALISTAS, AS TENTATIVAS DE MANIPULAÇÃO POR PARTE DA EQUIPE MÉDICA, E DE ALGUNS FAMILIARES, DE INFORMAÇÕES QUE

PRESIDENTE COMO JORNALISTA NO MEIO DE TUDO ISSO, COMO LIDOU COM ESSA SITUAÇÃO? O comportamento da família de um homem público é sempre uma tensão entre a consciência de que o familiar é um homem público e a tentativa de protegê-lo. Garantir a privacidade, contra a exposição extrema. Isso era inevitável naquele momento. E acho que a família encontrou um bom termo de equilíbrio entre esses dois pontos. A postura da Dona Risoleta, esposa do Tancredo, foi emblemática. Ela o amava, o cobria de carinho. Mas do outro lado estavam os médicos. Ao mesmo tempo, eles tinham um olho no diagnóstico clínico e outro no diagnóstico político. Por que faziam isso? Havia um clima de muita insegurança sobre a transição democrática. O Dr. Tancredo era a figura que havia tornado mais segura essa travessia. Mas, com os médicos conservando um olho na política e outro no organismo, houve um descolamento entre a situação real e o que eles ex-

AMENIZASSEM O GRAVE QUADRO DE SAÚDE DO ELEITO.

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Em 21 de abril de 1985, Antônio Brito anuncia a notícia que o Brasil não queria ouvir: a morte de Tancredo Neves.

pressavam. Por isso mesmo, procurei caracterizar o boletim, deixar claro que, não sendo médico, eu não podia informar o estado de saúde de um paciente, e sim apenas transmitir o relato dos médicos. QUAIS LEMBRANÇAS TEM DAQUELES DIAS DE INTERNAÇÃO DE TANCREDO NEVES? E COMO DEFINIRIA A RELAÇÃO ESTABELECIDA COM SEUS COLEGAS DE IMPRENSA? Um dos grandes orgulhos que tenho nesta história é que, logo após a morte do Tancredo, fui recebido e homenageado por sindicatos de jornalistas de São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Meus colegas reconheceram em mim, apesar das adversidades, o respeito ao exercício da opinião pública, que era o princípio da minha atuação. Criou-se uma relação muito profissional de parte a parte. A gente atravessou o episódio sem as coisas clássicas de o Governo reclamar de jornalista, ligar para o Diretor de Redação para se queixar de alguém... Isso não houve. Acho que, por isso, os jornalistas da época, passados 25 anos, são gentis na avaliação do trabalho que nós desenvolvemos.

GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE UM POUCO DA SUA RESPONSABILIDADE, COMO PORTA-VOZ OFICIAL, DE INFORMAR AO PAÍS SOBRE UMA QUESTÃO TÃO DELICADA COMO AQUELA, NAQUELE CONTEXTO POLÍTICO. COMO LIDOU COM ESSE PESO?

Tinha muito clara em minha mente a visão de que tínhamos que servir a três senhores. O primeiro ponto era proteger a família, resguardando aquilo que fosse da intimidade do Dr. Tancredo e de seus familiares. Em segundo que, sendo ele Presidente da República, era preciso ter um nível de informação e de exposição que mantivesse a opinião pública antenada. Isso começou mal, como já disse. Mas terminou bem. Prova disso é que 25 anos depois não houve nenhuma revelação importante que já não tivesse sido divulgada na época. Isso quer dizer que Governo e jornalistas trabalharam bem. Por fim, a doença causava repercussões políticas. A gente tinha muita preocupação com a questão do acesso. Por exemplo, quais políticos podiam chegar à intimidade do hospital? Ou podiam dar entrevista? Tínhamos que evitar alguns que queriam tirar proveito daquela situação. E evitar que a perda do Dr. Tancredo implicasse prejuízo para a transição que ele tinha construído.

APÓS A MORTE DE TANCREDO, O SENHOR CHEGOU A SER CONVIDADO PELO PRESIDENTE JOSÉ SARNEY PARA CONTINUAR NA FUNÇÃO DE PORTA-VOZ.

POR QUE NÃO ACEITOU? Quando o Sarney me chamou disse a ele uma coisa simples, que sempre pensei e continuo pensando. Porta-voz só serve ao Governo se tiver a capacidade de abrir a porta do Presidente a qualquer momento, sem barreiras. Se não for bem informado, não vai informar bem. A indicação de alguém para esse cargo deve levar em conta, é claro, critérios técnicos e profissionais, de competência. Mas entra também em cena a questão da intimidade, do acesso, da proximidade pessoal com o Presidente. E Sarney já tinha essa figura: Fernando César Mesquita, que tinha atributos profissionais excelentes, além de intimidade e tempo de permanência com o Sarney, o que eu não tinha.

DE JORNALISTA O SENHOR ENVEREDOU PELA POLÍTICA E HOJE ATUA COMO EXECUTIVO. O JORNALISMO, DE FATO, SAIU DE SEU FOCO DE ATENÇÃO? A EXPERIÊNCIA DE SER O PORTAVOZ DAQUELA CRISE FOI PESSOALMENTE TRAUMÁTICA?

Toda vez que preencho qualquer documento profissional, ou uma ficha de hotel, me identifico como jornalista. Até mesmo na época em que fui Governador. É isso que eu sou. Com muito orgulho! Quando saí do Governo entendi que tinha perdido a primeira condição necessária para ser jornalista – ser isento. O jornalista, a bem da verdade, não pode ser neutro. Ele deve tomar posições, só que a partir dos fatos, e não da carteira partidária. Sempre fiz jornalismo político. E não vi como voltar a atuar nessa esfera, de forma isenta, depois de estar mergulhado tão profundamente no meio político.


JOSÉ REINALDO MARQUES

Aconteceu na ABI

Azêdo, Tarcísio, Domingos e Chediak reeleitos Assembléia-Geral Ordinária de 2010 renova o mandato desses quatro diretores da Casa.

Aprovado o Relatório da Diretoria Em reunião realizada em 13 de abril, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou por unanimidade a recomendação à Assembléia-Geral Ordinária de 2010 de aprovação do Relatório da Diretoria e da prestação de contas da Administração da Casa. O Relatório, apresentado aos Conselheiros pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, condena a censura prévia imposta ao Estadão, que foi impedido de publicar qualquer matéria sobre a chamada Operação Boi Barrica da Polícia Federal que envolva o empresário Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney. O documento classifica de inconstitucional a censura adotada contra o jor-

nal paulista, que estava na iminência de completar nove meses. Além de destacar a gravidade da situação, o Relatório ressalta também a importância de se fazer o registro de que esta não é a primeira vez que o Poder Judiciário “faleceu na sua obrigação de contribuir para o alargamento e aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito entre nós”. Sobre a atitude do juiz do Tribunal Regional Federal que decretou a censura ao Estadão, o Relatório registra que este “não teve escrúpulo de se declarar suspeito por sua ligação com a família do postulante” e “impôs uma inconstitucional censura prévia ao jornal O Estado de S.Paulo”. Na conclusão, o Relatório da ABI sobre a censura prévia ao jornal O Estado de S.Paulo assinala que o Supremo Tribunal deixou de exercer o seu dever de garantir a liberdade de informação do veículo: “Ao invés de impor o primado da Constituição em suas disposições cristalinas e incisivas sobre a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal valeuse de uma filigrana jurídica para se eximir do dever de garantir a liberdade de informação do Estadão”.

“O mais importante do que a eleição de hoje foi a reunião do dia 2 de fevereiro de 2010, quando se mudou o Estatuto, o que permitiu que Maurício Azêdo fosse reeleito por uma questão de justiça, pois ele se equivale a um Barbosa Lima Sobrinho, a Prudente de Morais, neto e está levando a ABI de uma maneira maravilhosa.” Confiança Para o Presidente Maurício Azêdo, o quórum elevado de eleitores foi uma demonstração de aprovação dos associados ao trabalho realizado pela Diretoria: “O corpo social da ABI deu mais uma demonstração de sua confiança na Chapa Prudente de Morais, que desde 2004 vem dirigindo a Casa com um grau de eficiência que tem merecido o aplauso dos associados. E a Diretoria e seus membros ficam confortados em recolher esta manifestação de apoio, que certamente constituirá um forte estímulo para novas realizações para a nossa Diretoria.” Citando o caso dos associados José Freires — que veio de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, distante dezenas de quilômetros do Centro do Rio – e Humberto Queiroz, que veio do Município de São Pedro de Aldeia, região

JOSÉ REINALDO MARQUES

CONSELHO

Nacif Elias e a Conselheira Zilmar Borges Basílio, que se referiu à mudança do Estatuto que permitiu aos associados manifestarem reconhecimento à gestão do Presidente Maurício Azêdo: “Fundamentalmente, o sócio pode votar e ser votado. Para mim, esta é a grande mudança do Estatuto da ABI, entidade que conseguiu se renovar através da enorme força de trabalho do Presidente Maurício Azêdo.” Na mesma linha de pensamento manifestou-se o Conselheiro Dácio Malta:

Ex-Secretário de Redação do JB, José Silveira (no alto, à direita) reintegrou-se à vida da ABI. Bernardo Cabral (abaixo) aceitou concorrer ao Conselho.

FRANCISCO UCHA

Com grande adesão de associados, como era esperado, transcorreu em clima de tranqüilidade a eleição realizada no dia 30 de abril na ABI, que promoveu a renovação da Diretoria e elegeu o Conselho Consultivo, o terço do Conselho Deliberativo da Casa para o triênio 20102013 e os membros do Conselho Fiscal para o exercício social 2010-2011. O quórum de eleitores foi superior ao registrado na eleição do ano passado, com o comparecimento de 157 eleitores. Do total de votantes, 153 votaram para a Diretoria e 157 para os membros do Conselho Fiscal. Foram registrados quatro votos em branco para a Diretoria, que contará com quatro membros reeleitos: Maurício Azêdo, Presidente; Tarcísio Holanda, Vice-Presidente; Domingos Meirelles, Diretor EconômicoFinanceiro, e Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer. Completam a Diretoria Orpheu Santos Salles, Diretor Administrativo; Ilma Martins da Silva, Diretora de Assistência Social, e Sylvia Moretzsohn, Diretora de Jornalismo. A mesa escrutinadora foi composta pelos associados Moacyr Lacerda e

FRANCISCO UCHA

POR JOSÉ REINALDO MARQUES E CLÁUDIA SOUZA

Domingos Meirelles (no alto) reelegeu-se Diretor Econômico-Financeiro. Konder (abaixo) veio de São Paulo para votar.

litorânea, Maurício Azêdo falou sobre o processo de renovação do quadro social da ABI, que passa a contar com a categoria de sócios cooperadores: “É uma prova de como a comunicação com os associados pode aumentar a participação deles nas iniciativas da Casa e nesses momentos importantes que são os atos eleitorais.” Reconhecimento Reeleito Vice-Presidente, Tarcísio Holanda ressaltou as qualidades do Presidente reeleito, afirmando que os benefícios para a ABI que marcaram até aqui esta gestão vão continuar: “É muito importante a reeleição da chapa comandada pelo nosso companheiro Maurício Azêdo, um jornalista respeitado por todos, homem de grande integridade moral, cidadão exemplar. É uma honra para todos nós seguir sob o seu comando. Vamos continuar este trabalho profícuo de Maurício Azêdo à frente da Associação Brasileira de Imprensa.” O ex-Ministro Bernardo Cabral fez questão de dizer que a reeleição do jornalista Maurício Azêdo para a Presidência da ABI é uma questão de reconhecimento: “A importância desta eleição reside sobretudo na reeleição de Maurício Azêdo. Nós dois fomos vítimas de perseguição política. Maurício lutou muito para o reordenamento constitucional e eu sempre estive ao seu lado. Vejo com muita alegria que Maurício recebe hoje o prêmio pelo reconhecimento de Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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FOTOS: FRANCISCO UCHA

Aconteceu na ABI

ORPHEU SANTOS SALLES LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA CHESTER

BERNARDINO CAPELL FERREIRA

sua luta contra a ditadura, que sempre tentou esmagar a imprensa. Já que estamos falando em imprensa, posso dizer que Maurício tem uma audiência marcada com a posteridade.” Ao comentar a eleição, o associado Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da Casa, destacou o caráter democrático da ABI: “Com esta eleição, a ABI continua com a sua trilha democrática de fazer a escolha de seus dirigentes através do voto direto dos associados e colaboradores. É bom manter o companheiro Maurício Azêdo na Presidência por tudo o que ele já cumpriu, pelo que ele fez. Para dar continuidade ao trabalho de recuperação da ABI. Ele conseguiu reerguer a entidade.” Lembrando a importância da ABI como entidade que sempre esteve à frente de todos os grandes acontecimentos e movimentos sociais ocorridos no Brasil, o Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), membro do Conselho Consultivo da Casa, deu o seu depoimento sobre o significado desta eleição: “Eu acho que todos nós temos o dever de fortalecer esta eleição, o dever de fortalecer este trabalho do Maurício Azêdo e daqueles que mais próximos a ele tocam aqui essa gestão da ABI. Isso deve ser destacado porque vem sendo feito com absoluta ausência de recursos, mas com muita determinação. Agora isso está sendo possível graças aos alicerces da nossa Associação.” Ética O associado José Ângelo da Silva Fernandes disse que o mais importante a ressaltar no referendo dos associados da ABI à Chapa Prudente de Morais, neto é a crença de todos na continuidade do trabalho de fortalecimento da 12

Jornal da ABI 353 Abril de 2010

ZILMAR BASÍLIO

PERY COTTA

Casa com base na manutenção dos seus princípios estatutários de proteger a classe jornalística: “Esta eleição representa o processo de renovação no qual estão inseridos

Os eleitos A Chapa Prudente de Morais é formada pelos seguintes associados da ABI:

CONSELHO CONSULTIVO Ancelmo Gois, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.

DIRETORIA Presidente, Maurício Azêdo; VicePresidente, Tarcísio Holanda; Diretor Administrativo, Orpheu Santos Salles; Diretor Econômico-Financeiro, Domingos Meirelles; Diretor de Assistência Social, Ilma Martins da Silva; Diretor de Cultura e Lazer, Jesus Chediak; Diretor de Jornalismo, Sylvia Moretzsohn.

CONSELHO FISCAL Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chester e Manolo Epelbaum.

CONSELHO DELIBERATIVO E F ET I V O S André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Souza e Sérgio Cabral.

CONSELHO DELIBERATIVO SU P LENTES Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

LOURENÇO PEREIRA

TARCÍSIO HOLANDA

ADAIL JOSÉ DE PAULA

os objetivos da instituição, seu fortalecimento e, acima de tudo, a preocupação em proteger a propriedade jornalística. A ABI está vinculada a esta atividade no Brasil e tem-se esforçado para mantê-la, embora tenha sido metralhada, pois há uma indisposição em relação à liberdade de imprensa.” O associado Geraldo Caetano afirmou que a recondução de Maurício Azêdo ao posto de Presidente da ABI é uma decisão tomada com base na ética com a qual ele vem conduzindo a atual administração: “É fundamental que possamos eleger pessoas nas quais acreditamos, que defendam os direitos da imprensa, que tenham compromisso com a ética e que, principalmente, não se vendam.” Marcos de Castro lamentou que a Chapa Prudente de Morais, neto não tivesse concorrente, mas afirmou que mesmo assim se sentia feliz com o resultado: “Infelizmente eu acho o fato de haver uma chapa única ruim, mas por outro lado felizmente é uma boa chapa, na qual a gente pode confiar. Sob esse ponto de vista estou satisfeito.” Lembrando Prudente A maioria dos associados que compareceram à eleição tinha um ponto em comum: a crença no trabalho que vem sendo feito pela gestão atual. O associado Teixeira Haizer, membro do Conselho Consultivo da ABI, fez questão de explicar o seu voto: “Primeiro o nome da chapa Prudente de Morais, neto. Eu tenho por ele uma ponta saudade muito grande, pois fomos grandes amigos e ele foi meu diretor na sucursal do jornal O Estado de

PAULO JERÔNIMO

LÊNIN NOVAES

ANDRÉ MOREAU LOUZEIRO

S. Paulo aqui no Rio. E aqui mesmo FROIM BAUMWOL na ABI nós tivemos muitos contatos numa época de ditadura em que a ABI e o Doutor Prudente se bateram bastante para me salvar daquela situação sinistra que se apossou do Brasil. Depois, em razão da chapa liderada pelo Maurício Azêdo, um dos principais jornalistas brasileiros, um homem de luta que também se envolveu politicamente até a alma e é merecedor de aplausos das gestões em que ele participou. E também porque eu modestamente faço parte do Conselho Consultivo, o que me traz não uma ponta de vaidade, mas muito orgulho.” Antiga freqüentadora da ABI e casada com o ex-Presidente da Casa Fernando Segismundo, Gioconda Cavalieri falou da sua satisfação com a reeleição de Maurício Azêdo: “Há muitos anos que eu freqüento a ABI, desde a época do Herbert Moses, uma época de grande movimento. Mas o fato é que a Casa está enriquecida atualmente com um grupo muito forte de jornalistas de todas as áreas, do rádio, da tv e dos jornais, e também porque nós estamos com um grande escritor à frente dela, cuja memória é maravilhosa, que é o Maurício Azêdo. Com ele a ABI está conseguindo se levantar, superando a época em que estava endividada. Felizmente a Casa continua inteira e tudo está voltando ao normal.” A posse da nova Diretoria como determina o Estatuto Social, será no dia 13 de maio, ocasião em que serão empossados também os membros da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo e das Comissões Auxiliares. Colaborou Raquel Bispo, estagiária da Diretoria de Jornalismo da ABI.


COERÊNCIA

ABI: 102 anos de compromisso com as liberdades Uma reafirmação enfática da Casa no dia do seu aniversário. DEJEAN MAGNO PELLEGRIN

CARLOS RODRIGUES

IVAN VINHIERI

C Carlos Alberto Marques Rodrigues Carlos Alberto Oliveira dos Santos Carlos João Di Paola Celso Balthazar D Dácio Gomes Malta Daniel Mazola Fróes de Castro Dejean Magno Pellegrin Domingos João Meirelles

F Fernando Figueiredo Milfont Fernando Foch Lemos Arigony da Silva Francisco Carlos Ucha Montoto Francisco de Assis Di Veras Thomas (Jeff Thomas) Francisco Paula Freitas Franco Paulino dos Santos Froim Icek Baumwol

H Haidêe Blandina de Almeida Hithler Teixeira Heizer I Ilma Martins da Silva Itamar Guerreiro Ivan Vinhieri J Jesus Chediak Jesus Soares Antunes João Carlos S. Cardoso João Di Paola Jorge Saldanha de Araújo José Alves Pinheiro Júnior José André Borges José Ângelo da Silva Fernandes José Aparecido Miguel José Bernardo Cabral José Carlos Moutinho José Cristino da Costa Ferreira José da Costa Andrade José de Oliveira Brum José Ernesto Mandell Vianna José Freires Filho José Henrique Cordeiro José Hilário Carneiro de F. de Souza José Machado Silveira José Manuel de Carvalho Mesquita José Pereira da Silva (Pereirinha) José Reinaldo Belisário Marques José Ricardo dos Reis Josefa Tenório Cavalcânti K Kepler Alves Borges L Lansano Dabo Leda Acquarone de Sá (foto) Lênin Novaes de Araújo Leonor Guedes Lindolfo Machado da Rosa Lóris Baena da Cunha Lourenço da Silva Ferreira Lúcio Natalino Clarindo Lucy Mary Corrêa M. Carneiro Luiz Carlos de Oliveira Chesther

R Robson Waldhelm Rodolfo Konder Rogério Marques Gomes Romildo de Castro Guerrante Ronaldo David Aguinaga Rosângela Magalhães Amorim Rosina Gioconda Cavaliere (foto)

Luiz Carlos de Souza Luiz Eduardo Souto Aguiar Luiz Sérgio Caldieri Luiz Sérgio Coutinho de Azevedo M Manoel Pacheco dos Santos Manuel Epelbaum Marcos Alexandre Mello Mattos de Souza Aranha de Castro Marcus Antônio Mendes de Miranda Maria Ignez Duque Estrada Bastos Maria Lúcia Silva Martins Maria Nascimento S. Carvalho Maria Rita Cruz Nogueira Mário Augusto Jacobskind Mário Rodrigues Soares Martha Arruda Dias Paiva Maurílio Cândido Ferreira Mauro Rodrigues Rocha Filho Milton Ximenes Lima Miro Teixeira Mirson Antônio Murad Ferreira Moacyr Andrade Moacyr Bahia de Lacerda Moises Celeman

Rubem dos Santos Ruth Pereira Lima

N Nacif Elias Sobrinho Nilson Nobre de Almeida Nivaldo Pereira

S Sérgio Moura Bicca Sérgio Pinto da Motta Lima Shirley Amaro Avene Welz Solange Rodrigues Pereira Suely de Assis Rodopiano Sylvia Moretzsohn

O Odete Ferreira Orpheu Santos Salles Oscar Maurício de Lima Azêdo Oswaldo Alexandrino da Silva

T Tadeu Tabajara Duarte Rodrigues Tarcísio Holanda Telmesson Pirassol Ruas

P Paulo Gomes Neto Paulo Jerônimo de Sousa Paulo Roberto de Paula Freitas Pedro Eduardo de Oliveira Pery de Araújo Cotta

U Ulysses Claudio Lonzetti JOSÉ REINALDO MARQUES

E Edmilson Francisco da Silva Edson de Paula e Silva Edyr Dias Raposo Elizabeth I. Barbosa Ely Moreira da Silva Everaldo Lima D´Alvarez Evilemar Macena de Oliveira

G Geraldo Caetano Geraldo José de Andrade Geraldo Pereira dos Santos Gerdal Renner dos Santos Germando de Oliveira Gonçalves Getúlio Gama Glauco Alexandre de Oliveira

JOSÉ DE OLIVEIRA BRUM

JOSÉ REINALDO MARQUES

B Benício Neiva de Medeiros Bernardino Capell Ferreira Bruno Torres Paraíso

SOLANGE RODRIGUES

KEPLER ALVES BORGES

NOSSOS ELEITORES A Achylles A. Peret Adail José de Paula Adalberto Geraldo Diniz Alcyr Mesquita Cavalcanti Alfredo Aurélio Belmont Pessoa Alfredo Gomes dos Santos Alice de Oliveira André Moreau Louzeiro Antônio Idaló Neto Antônio Martins Lopes Filho (Toni Marins) Antônio Motta Carneiro Antônio Nery Antônio Queiroz Neto Antônio Roberto Arruda Arcírio Gouvêa Neto Argemiro do Carmo Lopes do Nascimento Arnaldo Martins Moreira Arthur José Poerner Arthur Martins Fraga Filho

MARCUS MIRANDA

V Valtair de Jesus Almeida Venilton Pereira dos Santos W Waldir Muniz Pereira Wilson Gonçalves Wilson Nunes de Carvalho Wilson Rocha Meirelles Y Yacy Nunes Soares Z Zilda Cosme Ferreira Zilmar Borges Basílio

Em declaração divulgada em 7 de abril, dia de seu 102º aniversário, a ABI reafirmou seus compromissos mais do que centenários com a defesa da liberdade de imprensa, da liberdade de acesso às fontes de informação e da liberdade de expressão, bem como com a defesa dos direitos humanos. “A ABI considera que estes compromissos são indeclináveis, até pelo dever cívico da Casa de honrar o legado de seus maiores, como Gustavo de Lacerda, seu fundador, Herbert Moses, Danton Jobim, Prudente de Morais, neto e Barbosa Lima Sobrinho”, diz a nota. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “Ao celebrar o seu 102º aniversário, neste 7 de abril, a Associação Brasileira de Imprensa reafirma seus compromissos mais do que centenários com a defesa da liberdade de imprensa, da liberdade de acesso às fontes de informação e da liberdade de expressão, bem como com a defesa dos direitos humanos. Esses compromissos são indeclináveis, até pelo dever cívico da Casa de honrar o legado de seus maiores, como Gustavo de Lacerda, seu fundador, Herbert Moses, Danton Jobim, Prudente de Morais, neto e Barbosa Lima Sobrinho. Considera a ABI que esses bens imateriais têm de ser objeto de uma vigilância permanente, porquanto o exercício da liberdade de informação e da liberdade de opinião não se faz sem riscos, ainda que a Constituição de 5 de outubro de 1988, fruto da prolongada e áspera luta contra a ditadura militar dos anos 1964-1985, tenha assegurado a plena vigência dessas conquistas democráticas. Prova desses riscos, materializados em freqüentes decisões do Poder Judiciário, é a censura prévia imposta há mais de oito meses ao jornal O Estado de S. Paulo por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que promoveu grave abalroamento do texto constitucional. No registro deste momento de sua longa trajetória, a ABI entende que, apesar dos progressos na construção de uma sociedade democrática entre nós, jornalistas e veículos de comunicação devem manter uma atuação constante e indormida em defesa do direito de informação e de opinião, que constituem bens essenciais para a cidadania, da qual os profissionais e órgãos de comunicação são apenas agentes e servidores. Rio de Janeiro, 7 de abril de 2010. Ano 102 da Associação Brasileira de Imprensa Maurício Azêdo, Presidente.” Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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HOMENAGEM

Grã-Cruz da Maçonaria para a ABI Grande Oriente de Santa Catarina destaca a atuação da Casa na defesa do Estado Democrático de Direito. Em concorrida sessão de gala realizada no Teatro Álvaro de Carvalho, um dos principais espaços culturais de Florianópolis, o Grande Oriente de Santa Catarina conferiu a sua Grã-Cruz à ABI, que foi enaltecida pelo Grão-Mestre Rubens Ricardo Franz por sua “história e contínua atuação em prol do Estado Democrático de Direito neste País”. Além da ABI, que foi representada na cerimônia, realizada em 10 de abril, pelo seu Presidente, Maurício Azêdo, foram agraciados com a Grã-Cruz o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Município de Florianópolis, por apresentar o maior Índice de Desenvolvimento Humano-IDH do Estado, e o Município de São João do Oeste, que detém o menor índice de analfabetismo de Santa Catarina. A solenidade, com os maçons do País e os convidados estrangeiros paramen-

tados, comemorou o 60º aniversário de criação do Grande Oriente de Santa Catarina e incluiu a entrega de condecorações também aos grão-mestres da instituição. Na saudação à ABI e à OAB, o Grão-Mestre Rubens Franz, principal orador da cerimônia condenou “os rompantes de desrespeito à imprensa neste nosso continente latinoamericano, o que nos faz refletir e agir para que estas ondas de exceção não apareçam como práticas comuns e rotineiras em solo brasileiro.” “Felizmente há lideranças lúcidas neste País que bem dizem: “Sem liberdade de expressão não há Estado de Direito”, disse o ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto. OAB que historicamente está inserida no contexto da preservação da democracia neste País. Nossas sinceras homenagens e agradecimentos.”

“Já o nosso ilustre Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, jornalista Maurício Azedo, disse em certa ocasião: “A ABI acompanha esses incidentes com grande apreensão e tem adotado uma posição de vigoroso repúdio a essas restrições”. “Daí a importância da nossa homenagem à ABI – Associação Brasileira de Imprensa, no seu histórico papel institucional de manter viva esta chama de compromisso, que em Santa Catarina está simbolizada na memória de Jerônimo Coelho.No que nós, do Grande Oriente de Santa Catarina, registramos a nossa solidariedade aos posicionamentos destas duas entidades civis – OAB e ABI, com histórica e inquestionável representatividade nacional. No que conclamamos nesta me-

morável noite, pela verdadeira, histórica e contínua atuação em prol do Estado Democrático de Direito neste País, com a liberdade responsável de expressão e do pensamento.”

MÉRITO RESOLUÇÃO

Os países de língua portuguesa vão desenvolver oito estratégias, cada uma com inúmeras ações, para difundir o idioma como língua global. Entre essas ações figura o esforço para a introdução do português como “língua de documentação” na Organização das Nações Unidas e como “língua de trabalho” na Organização de Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas-Unesco. A resolução a esse respeito foi aprovada pelo Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em reunião realizada em Brasília em 31 de março e comunicada à ABI pelo Conselheiro do Itamarati Marco Antônio Nakata. Coube à ABI, através do Vice-Presidente Tarcísio Holanda, abrir o debate sobre o tema Ampliação da língua portuguesa nos meios de comunicação de massa, na Conferência que precedeu à reunião dos ministros. O Site da ABI foi o único veículo que divulgou o texto integral da resolução, o qual pode ser acessado em www.abi.org.br.

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Jornal da ABI 353 Abril de 2010

Rodolfo Konder, titular na Educação Gilberto Kassab nomeia o jornalista e escritor membro efetivo do Conselho Municipal de Educação da cidade. Em sessão solene, realizada na tarde do dia 16 de abril, o jornalista e escritor Rodolfo Konder foi nomeado membro titular do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo, órgão no qual já vinha atuando, na condição de membro suplente. A nomeação, assinada pelo Prefeito Gilberto Kassab, foi publicada no Diário Oficial em 8 de abril e é válida pelo período de seis anos. A solenidade ocorreu na própria sede do Conselho, na Rua Taboão, no Sumaré, e foi presidida pelo Conselheiro João Gualberto de Meneses. Também esteve presente o Secretário Municipal de Educação, Alexandre Schneider, de quem partiu a proposta para efetivação de Konder no cargo. “Essa nomeação é o reconhecimento de que conquistei espaço no campo da educação, ao lado do jornalismo e da literatura. E confirma a realização do trabalho honesto nesta área em São Paulo, que teve início na gestão do amigo José Aristodemo Pinotti, então Secretário Municipal de Educação, hoje falecido. Na área da educação é possível perceber avanços, conquistas que não podemos subestimar. Mas, lembro sempre uma frase de Jorge Luis Borges: ‘o presente está em declínio. O presente está só’, dizia ele”, explicou Rodolfo Konder. Nascido no Rio Grande do Norte e criado no Rio de Janeiro, Konder está radicado desde 1968 em São Paulo, onde

MARCOS STEFANO

Conferência fixa oito estratégias para difundir a língua portuguesa

foi Secretário Municipal de Cultura da capital por oito anos, durante os quais deu especial dinamismo à vida cultural da cidade. Autor de 20 livros, é Diretor da Representação da ABI no Estado. Como jornalista, trabalhou nos principais jornais e revistas do País. Foi professor de Jornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e Diretor das Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM). Fez palestras e conferências no Brasil e no exterior, sobre temas relacionados ao jornalismo, à liberdade de expressão e à luta pela democracia. Ao longo de sua trajetória, escreveu obras como Cadeia Para os Mortos (1977, Editora Alfa-Omega); Anistia In-

Jornalista e escritor, Rodolfo Konder conquistou espaço também na área de educação, na qual se destacou como professor e diretor de importantes faculdades de Comunicação de São Paulo.

ternacional - Uma Porta Para o Futuro (1988, Pontes Editora); O Rio da Nossa Loucura (1994, Editora Saraiva); A Memória e o Esquecimento (1997, Editora Global) e Rastros na Neve, Viagens de um Jornalista (2005, Edições UniFMU), entre outras, e ganhou prêmios como o Vladimir Herzog e Homem de Direitos Humanos. Questionado sobre em que medida suas atividades nas áreas da educação e da cultura se fundem com a carreira de jornalista, Konder dispara: “Esta relação é clara. Em todos esses casos, as atividades exigem liberdade, ajudam a preservar a memória nacional e batalham por um futuro mais digno”. (Paulo Chico)


ANIVERSÁRIO

JB festeja 119 anos com missa e suplemento Caderno especial mostrou a resistência à ditadura e a edição do jornal após o AI-5. FOTOS SEBASTIÃO MARINHO

O Vice-Presidente José Alencar foi uma das autoridades que prestigiaram a missa gratulatória dos 119 anos do Jornal do Brasil, celebrada na Igreja da Candelária, no dia 26 de abril pelo Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta. Na oração que proferiu, Dom Orani exaltou o papel cumprido pelo JB ao longo da História da República e pela democracia, nos dias atuais. Esse foi o tema de um caderno especial que o JB editou em comemoração ao seu aniversário. Compareceram à missa centenas de pessoas, entre as quais o ex-Presidente Itamar Franco, o Secretário-chefe da Casa Civil do Estado do Rio, Régis Fichtner, representando o Governador Sérgio Cabral, e os Senadores Paulo Duque (PMDB-RJ) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), os Deputados Miro Teixeira (PDT-RJ) e Marcelo Itagiba (PMDB-RJ); o Presidente de Honra da Fifa, João Havelange; o acadêmico Arnaldo Niskier; o professor Carlos Alberto Rabaça, autor com Gustavo Barbosa do Dicionário de Comunicação; os Presidentes da ABI, Maurício Azêdo, do Clube de Engenharia, Francis Boghossian, da Fundação Cesgranrio, Professor Carlos Alberto Serpa, do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, Conselheiro Thiers Montebello, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, José Luiz Alquéres, e da empresa Carvalho Hosken, Carlos Carvalho; o Deputado estadual João Pedro (Dem); a Vereadora Aspásia Camargo (PV), e o Diretor do Projeto Música no Museu, Sérgio Costa e Silva. Encerrado o ato religioso, o Presidente do JB, Pedro Grossi, recebeu os cumprimentos dos presentes. Comemorando seu 119º aniversário, o JB editou um suplemento de oito páginas em que mostra a resistência do jornal à ditadura militar. A edição especial traz na primeira página o título Uma história de resistência, fac-simile da capa da edição do jornal que circulou no sábado 14 de dezembro de 1968, um dia após a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que deu início ao grave período de censura e violação dos direitos de liberdade de imprensa e de expressão, vividos pelo Brasil durante o regime militar (1964-1985). Referindo-se ao período de exceção, um dos textos da capa do suplemento especial afirma que a ditadura militar pôs à prova a capacidade de resistência do JB, destacando que a censura não foi impedimento para que o jornal persistisse “na defesa dos valores democráticos, característica marcante de uma história de 119 anos”.

O Presidente de Honra da Fifa, João Havelange, seguiu à risca o rito da missa. Os mineiros nos cumprimentos ao JB: da esquerda para a direita, Itamar Franco, Djalma de Moraes, o Vice José Alencar e a esposa, Mariza.

Dom Orani cumprimenta o Presidente do JB, Pedro Grossi, e sua esposa, Lúcia.

Em outro texto da primeira página do suplemento, fica-se sabendo o que aconteceu na Redação do JB na noite de 13 de dezembro de 1968, data da promulgação do AI-5: “Às 10 horas da noite do dia 13 de dezembro de 1968, o JB estava com a edição fechada, quando, em cadeia de rádio e tv, foi anunciado o mais violento instrumento de arbítrio da ditadura militar: o Ato Institucional nº 5, que extinguia direitos constitucionais, abria caminho para o fechamento do Congresso e criava censura prévia à imprensa”. Invasão Poucos instantes depois, a Redação do jornal foi invadida por quatro capitães do Exército, que se instalaram na sala dos editores, no prédio do jornal que funcionava na Avenida Brasil, nº 500. Os agentes da ditadura começaram a determinar a proibição de grande parte das reportagens que seriam publicadas. A saída para o jornal foi colocar anúncios do caderno de classificados no noticiário.

E aí o JB encontrou uma saída para manifestar a sua primeira “resistência à opressão”, manifestada em dois pequenos retângulos na primeira página. O texto da previsão do tempo, colocado ao alto da primeira página, à esquerda dizia: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O País está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 18º, em Brasília, Min.: 5º, nas Laranjeiras”. Na página 2 do suplemento, no artigo Ironia dribla a censura, o jornalista Ubirajara Loureiro conta que nem a presença dos censores fardados na Redação do jornal conseguiu conter o espírito democrático que sempre imperou no JB. Ubirajara recorda o comportamento dos militares no jornal: “Pouco familiarizados com a rotina de um grande jornal, os militares, pelo relato dos editorialistas que com eles mantinham contato, jamais assumiram qualquer atitude prepotente e sem polidez. A prepotência era do regime... Mesmo assim eram rigorosos no exame das reportagens e artigos de opinião”.

Segundo Ubirajara Loureiro, um anúncio de uma missa comum foi transformado em chamada de primeira página, com alusão ao AI-5, cujo texto dizia: “Ontem foi o dia dos cegos”. Foi dele a idéia da nota do tempo: “Nesse clima não tive dúvidas e escrevi: ‘Tempo negro, ar irrespirável etc.’ Só lamento até hoje que um copydesk, designado pelo então editor Alberto Dines, que aprovara a idéia, tenha cortado o que considerava um fecho de ouro para a chamada da meteorologia: “Não há perspectivas de melhoria para os próximos anos”. Soube-se depois que por causa da sua “ingenuidade e inexperiência” os jovens censores militares foram motivos de chacota dos seus companheiros de farda, porque não perceberam as ironias publicadas pelo JB na edição de 14 de dezembro de 1968. Por causa da ousadia, o JB sofreu um duro golpe do regime, que mandou prender, no mesmo dia, o ex-Embaixador José Sette Camara, que era diretor do jornal. Informada da prisão, a Presidente do JB, Condessa Pereira Carneiro, manteve contato com os interlocutores do Governo militar, informando que enquanto o seu diretor fosse mantido preso o jornal não circularia. A edição de domingo já estava pronta, mas como ele só foi libertado na madrugada, o JB não circulou naquela data – 15 de dezembro de 1968. Outro episódio que demonstra a firmeza com que o Jornal do Brasil encarou o regime da ditadura militar aconteceu em 1964, logo após o golpe que tirou João Goulart da Presidência. Uma tropa de fuzileiros navais invadiu o prédio do jornal, que à época funcionava na Avenida Rio Branco, nº 110, no Centro do Rio. A Condessa dirigiu-se ao comandante da tropa e disse: “Meu filho tome conta do jornal. Ele não me pertence, pertence a vocês, pertence ao País”. Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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NEGÓCIO

Portugueses compram O Dia O jornal O Dia, um dos mais tradicionais do Rio, foi adquirido pela Empresa Jornalística Econômico-Ejesa, responsável pela edição do diário Brasil Econômico, lançado no País em 2009. O valor da transação é de R$ 75 milhões. Há dois anos o Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Rede Record, tentou comprar o jornal, mas sua proposta foi recusada pelos antigos proprietários. Pelo acordo comercial firmado entre a Ejesa, associada do grupo de mídia português Ongoing Estrategy Investments e o Grupo O Dia de Comunicação, estão incluídos na transação os tablóides Meia Hora e O Campeão, o portal O Dia Online, a gráfica, a empresa de distribuição e imóveis, além do prédio sede no Centro do Rio. A Rádio FM O Dia não faz parte da negociação. Será mantido também o Instituto Ary Carvalho, que desenvolve projetos sociais em regiões carentes do Rio de Janeiro. A tiragem estimada de todos os jornais do grupo é de 340 mil exemplares diários, de acordo com dados divulgados pela empresa, mas segundo o IVC nos meses de janeiro e fevereiro de 2010 a tiragem dos títulos do Grupo O Dia de Comunicação foi de 219.494 exemplares diários. A negociação acontece depois que O Dia, o título mais antigo do grupo (vendeu 56.443 exemplares, nos dois primeiros meses do ano), passou por uma grande reformulação visual e editorial, em março do ano passado, mudando do formato standard para berlinger, numa tentativa, segundo especialistas, de se livrar de uma grave crise econômica que comprometeu o seu posicionamento no mercado editorial. Por meio de um comunicado, assinado pelo Conselho de Administração do Grupo O Dia de Comunicação, a empresa jornalística informou a transação de venda. É esta a íntegra da nota:

O jornal O Dia ganhou vários prêmios de design gráfico no último ano.

“O Grupo O Dia de Comunicação e o Grupo Ongoing, dando continuidade às negociações, firmaram nesta quarta-feira um Memorando de Entendimentos, por meio do qual os mesmos estabelecem intenções de compra e venda do Grupo O Dia de Comunicação, o que não inclui, até esse momento, a rádio FM O Dia. A estrutura societária e operacional do Grupo O Dia não sofrerá qualquer tipo de alteração até que a operação seja efetivamente concretizada.” Ricardo Galuppo (foto), diretor do Brasil Econômico, disse ao Globo Online que toda a transação envolvendo O Dia e os outros veículos do grupo deverá estar concluída até o início de junho. Ele informou que a negociação durou dois meses e faz parte da estratégia da Ejesa de expandir seus negócios no Brasil – há um projeto de lançamento de um jornal em Brasília. Em relação ao pessoal, disse Galuppo, não há previsão de mudanças, pelo menos a curto prazo. O Grupo O Dia de Comunicação tem atualmente 700 funcionários. (José Reinaldo Marques)

ERRATA

Monitor fechado é o de Campos “Prezado Maurício, Numa matéria publicada no Jornal da ABI 350, de janeiro passado, página 20, Associados fecham jornal, referente ao Monitor Campista, foi citado, certamente por confusão de nome, o Monitor Mercantil. Vários clientes, agências de publicidade e inclusive a Secom de Brasília estão fazendo confusão com o fechamento do Monitor Campista, achando que foi o Monitor Mercantil. Caso seja possível, mande publicar uma nota esclarecendo o caso. Um grande abraço (a) Acúrcio de Oliveira, Presidente do Monitor Mercantil.

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O GENERAL AS PIRES GONÇAL VES, Ministro do ExérO GENERAL LEÔNID EÔNIDAS ONÇALVES cito no Governo José Sarney, não disse a verdade quando declaA GENETON MORAES NETO, da JORNALISTA rou em entrevista ao JORNALIST Rede Globo de Televisão, que não houve torturas quando comandou entre 1974 e 1976 o Destacamento de Operações Internas do Centro de Operações de Defesa Interna do antigo I Exército, sediado no Rio de Janeiro e tristemente celebrizado pela sigla Doi-Codi. Em longo depoimento que prestou a Geneton, levado ao ar no princípio de abril pela Globo News, o General Leônidas, hoje com 88 anos, justificou a repressão promovida pela ditadura, ofendeu os exilados, chamando-os de “fugitivos”, e procurou absolver os agentes do regime das práticas de torturas com que maltrataram presos políticos. A realidade, porém, é que o DoiCodi do General L eônidas Doi-Codi Leônidas foi mantido como uma central de torturas do regime militar militar,, instalada em dependências do quartel da P olícia do Exército Polícia na R ua Barão de Mesquita, na T ijuca, para onde eram conRua Tijuca, duzidos os adversários do regime, seqüestrados por policiais do Departamento de Ordem P olítica e Social-Dops da SecrePolítica taria de Segurança do recém-criado Estado do Rio de Janeiro. O DoiCodi era uma cidadela ine xpugnável, à qual não Doi-Codi inexpugnável, tinham acesso nem mesmo oficiais-generais do Exército. ADO FRANCISO parceiro principal do Doi-Codi era o DELEG ELEGADO CO DE PAULA BORGES FOR TES, ao qual cabia dotar a repressão ORTES de aparência de respeito à legalidade. Borges Fortes, já falecido, instaurava em ato formal um inquérito para apuração de “atividades subversivas”, mandava seqüestrar homens e mulhex do regime res postos no índe índex regime,, todos recobertos com um capuz para não conhecer o itinerário cumprido e o destino, e os entregava ao DoiCodi Doi-Codi Codi; depois que este os libertava, recebia-os no Dops, na Rua da Relação, e os submetia a interrogatório, para produção de depoimento formal que instruiria o processo a ser encaminhado à Justiça Militar, para julgamento dos indiciados. Como a legislação da época admitia que a prisão se estendesse por 30 dias e que o preso fosse mantido incomunicável durante os dez primeiros dias, nesse prazo a violência comia solta nos subter râneos do DoiCodi subterrâneos Doi-Codi Codi. Findo o prazo da prisão, Borges Fortes advertia os libertados de que a prisão se repetiria, com as mesmas barbaridades, se fosse revelado à imprensa o tratamento sofrido no Doi-Codi. A advertência era desnecessária: a imprensa estava sob censura e não divulgaria fatos dessa natureza. Entre as vítimas das torturas no DoiCodi em março e abril Doi-Codi de 1976, na gestão L eônidas Pires Gonçalves Leônidas Gonçalves, figuraram os JORNALIST AS L UIZ PAULO MACHADO e M AURÍCIO AZÊDO JORNALISTAS e o PROFESSOR DE ECONOMIA AYR TON DE ALBUQUERQUE YRTON QUEIROZ, os quais foram brutalmente seviciados pelos comandados do General e depois indiciados pelo Delegado Borges Fortes. Este incriminou no mesmo inquérito os jornalistas ANDERSON ANA CAMPOS e ANCELMO GOES , que não chegaram DE SANT ANTANA a ser presos, graças à intervenção do Presidente da ABI, PRUDENTE DE MORAIS, NETO. Preocupado com a situação de Maurício


MEMÓRIA

BRIGOU COM A VERDADE Houve torturas, sim, no Doi-Codi do antigo I Exército, sediado no Rio, quando o General Leônidas Pires Gonçalves comandava esse órgão de repressão da ditadura militar, nos anos 1970. Leônidas Pires foi no mínimo inexato ao falar dessa época na entrevista que concedeu ao jornalista Geneton Moraes Neto, da Rede Globo de Televisão, no princípio de abril. Azêdo, cuja prisão ocorreu após a de Luiz Paulo Machado e parecia prenunciar mais prisões de jornalistas, o Doutor P Prr udente telefonava três vezes por dia, de manhã, à tarde e de noite, para o Comandante do I Exército, GENERAL REINALDO MELO DE ALMEID A, e para o Ministro da Justiça, ARMANLMEIDA mações sobre Maurício. DO FALCÃO, solicitando infor informações Invariavelmente a resposta era uma só: Maurício está bem. Não estava: durante dez dias, atado com cor reias nos pulsos e correias nos tor nozelos à chamada “cadeira do dragão ”, ele foi submetornozelos dragão”, tido a choques elétricos, confinamento num cubículo super super-gelado, com o som estridente e enlouquecedor de motores de explosão e piso gosmento, para impedi-lo de se deitar deitar,, e submetido a inter rogatórios que se estendiam por dias e dias, sem interrogatórios um momento de sono. O mesmo tratamento desumano foi imposto ao jor nalista L uiz P aulo Machado, que era repórter -fo jornalista Luiz Paulo repórter-fo -fo-tográfico de O Globo e foi demitido do jor nal após essa prisão. jornal Os jornalistas e o professor Ayrton foram julgados na 1ª Auditoria do Exército e absolvidos por três votos a dois pelo Conselho de Sentença, formado por quatro oficiais do Exército e presidido por um civil, o auditor militar. A promotoria recorreu da decisão, que foi confirmada em maio de 1978 pelo Superior Tribunal Militar. No julgamento, o MINISTRO RODRIGO OTÁVIO JORDÃO RAMOS, general-de-exército, não só votou pela absolvição dos acusados como propôs que fosse instaurado inquérito para apuração das torturas denunciadas pelos réus. A pro pro-posta de Rodrigo Otávio foi recusada, mas seu voto consta nos anais do STM como prova, colhida há mais de 30 anos, de que o General L eônidas Pires Gonçalves brigou com a Leônidas verdade quando negou a eexistência xistência de torturas na época em que dirigiu essa matriz da repressão da ditadura militar militar..

MAURÍCIO AZÊDO, QUE FOI PRESO E TORTURADO NO DOICODI QUANDO O GENERAL LEÔNIDAS PIRES COMANDAVA O ÓRGÃO DE REPRESSÃO.

As lembranças distorcidas de Leônidas X “Nós não tivemos exilados, tivemos fugitivos. Podem ser duras as minhas palavras, mas não houve um decreto de exilar ninguém… Depois, fizeram algumas coisas, quiseram ir embora. Então eles continuaram banidos, eles quiseram ir embora para aqui, pra lá, pegaram um avião e saíram por aí. (...) Como é que você quer tachar eles, então? Dá uma sugestão. A minha é fugitivo.” X “Na minha área nunca houve tortura a presos políticos, e desafio alguém que venha a dizer que foi torturado durante este período. Está feito o desafio de novo: foi de 74 a 77. Você vai me perguntar se existiu? Bom, aí eu costumo dizer que a miserável condição humana leva a isso. Com medo de falar de tortura, eles eram grandes delatores. Foi um do Comitê Central do Partido Comunista que delatou toda a turma para o meu esquema de segurança do Rio de Janeiro.” X “Nunca foi ordem, nunca foi norma, nunca foi política dos chefes militares para torturar ninguém. O meu Doi-Codi, por exemplo, era muito vigiado por mim, porque era feito de Exército, Marinha, Aeronáutica, bombeiros, civis, desenhistas. Eu sei da formação do pessoal da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), mas não sei de outros lugares, não. Então a gente tinha que policiar, e repito sempre: a miserável condição humana leva a fazer as coisas mais criticáveis, e tem gente que gosta de torturar os outros.” X “Eu não tenho a menor dúvida de que o (Vladimir) Herzog é um suicida. (...) Não tenho dúvidas de que se o fato ficasse no ar, mas houve um inquérito feito por um general do maior gabarito, homem de uma moral impecável, que fez o estudo tintim por tintim, e o resultado do inquérito foi que ele foi suicida. Por que acho também que ele é suicida? Você não sabe o que é um subversivo preparado. É um soldado guerrilheiro, que a gente respeitava, íamos enfrentar gente dura. Aquele senhor, aquele rapaz, ele era moço, não? Ele não tinha preparo nenhum, era jornalista ou professor, não é? Quando prenderam ele, tenho certeza de que estava assustado. (...) Ele, assustado, pensando que ia ser supliciado, não sei quê, então a minha pergunta: matar o Herzog enforcado para quê? (...) Na minha concepção ele se apavorou das circunstâncias em que estava , e um homem quando fica nesse tipo de pressão faz qualquer coisa.” O texto integral do programa da Globo News com a entrevista do General Leônidas Pires Gonçalves, decupado da gravação para o Jornal da ABI por deferência do jornalista Luís Erlanger, Diretor de Central Globo de Jornalismo, pode ser acessado no Site da ABI (www.abi.org.br) em matéria sob o título A polêmica entrevista do General Leônidas.

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LEMBRANÇA CONDECORAÇÃO

Rubem, o santo padroeiro

Ordem do Rio Branco para Derengoski Sócio da Casa, colaborador do Jornal da ABI e membro do Conselho Curador da TV Brasil, Derengo, como os amigos o chamam, é condecorado pelo Presidente Lula.

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spécie literária genuinamente brasileira, a crônica, tal como a praticamos, continua, talvez, sem similar no resto do mundo. Dizemos espécie porque a nossa é do tipo que faz parte de um conjunto maior, o da crônica como gênero literário. Aqui, como em outros lugares, toma-se um episódio, um personagem, um acontecimento para sobre ele dar uma opinião, tecer um comentário, expor um ponto de vista. A diferença, no Brasil, é que a idéia é mero pretexto para que o cronista dê asas à imaginação, rédeas ao pensamento e escreva o que bem entender, sem o menor compromisso com os fatos, chegando ao requinte de filosofar sobre o nada. Assim, a crônica brasileira justifica-se por si mesma, como expressão da liberdade, exercício do prazer – literatura em estado de pureza. Entre nós, esse estilo teve um mestre: Rubem Braga. Ninguém, como ele, escreveu com mais ternura, com mais delicadeza, com mais simplicidade – principalmente, como observou Manuel Bandeira, quando estava sem assunto. Cronista, foi um grande poeta, dos maiores que já tivemos. Em 1980, publicou um Livro de versos – quase clandestino, pelas Edições Pirata, do Recife –, mas nem precisava: seus poemas realizavam-se nas crônicas, é só ter olhos para ler e coração para sentir. Não se trata de poemas em prosa, quase sempre mal resolvidos, mas de prosa poética, com alta substância lírica. A pequena Silvana ferida na guerra, sofrendo de medo e

POR EDMÍLSON CAMINHA

DIVULGAÇÃO

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Uma evocação de Rubem Braga, o Sabiá da Crônica, que nos deixou há quase 20 anos.

daí desenvolveu intensa atividade profissional, como repórter da Última Hora de Samuel Wainer. Subeditor da Folha de S. Paulo, redator da revista Manchete, entre outras publicações. Há um ano comemorou o 40º aniversário de seu registro como jornalista profissional, concedido em 1969 pelo Ministério do Trabalho. Após longa radicação no Rio de Janeiro, Derengo retornou a Lages, de onde escreve para diferentes publicações, entre as quais o Jornal da ABI. Produtor do programa Atualidades da TV Nova Era, de Santa Catarina, Derengoski é sócio da ABI, da Associação Catarinense de Imprensa-ACI e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e do Conselho Curador da TV Brasil (Empresa Brasileira de Comunicação), realizou documentários para cinema e televisão. É detentor da Carteira Internacional de Imprensa. Depois de destacar-se como autor de O Desmoronamento do Mundo Jagunço, de 1985, clássico da historiografia catarinense, Derengo lançou nos últimos anos inúmeras obras em que mostra a sua versatilidade pela diversidade de assuntos – temas históricos, meio ambiente, artes plásticas, antropologia, como visível nos títulos: Guerra do Contestado, em 1998; Meio Ambiente – Defender a Natureza Sem Ser Ecochato, em 1999; A Saga dos Guaranis, em 2000, todos lançados pela Editora Insular; Rebeldes do Contestado, editora Tchê,em 2001; Viagens de um Repórter, Editora Insular, em 2002; Grandes Pintores, Editora Grafine, em 2005; Garibaldi e Anita – Os Amantes da Liberdade em Dois Mundos de Guerras, em 2007, e Pracinhas e Aliados, em 2009, ambos pela Editora Pérola. Casado com Siomara Ribeiro Derengoski, ele é pai do advogado Paulo HenriDepois de condecorado, Derengoski é cumprimentado que Ribeiro Derenpor Lula sob o olhar da Primeira-Dama, Dona Mariza. goski.

A comemoração dos 50 anos de Brasília teve sabor especial para o jornalista Paulo Ramos Derengoski, sócio da Casa, colaborador do Jornal da ABI, do qual participa com reportagens, crônicas e artigos, e membro do Conselho Curador da TV Brasil: na véspera dos festejos, ele recebeu do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco no grau de Oficial, em reconhecimento à sua contribuição ao jornalismo e à vida cultural do País. Filho de Lages, interior de Santa Catarina, onde nasceu em 6 de março de 1950, Derengo, como é chamado pelos colegas da imprensa, estudou no Ginásio Diocesano de sua cidade e depois cursou a Pontíficia Universidade Católica, o Instituto de Estudos Brasileiros-Iseb e a antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, e se aperfeiçoou com uma bolsa de estudos em Paris. Não o seduziu a carreira técnica do pai, o engenheiro militar Bertoldo Paulo Derengoski, apesar dos galardões que este ostentava: quando major do 2º Batalhão Rodoviário, foi um dos construtores da Rodovia BR-116, que liga São Paulo ao Extremo Sul do País. Com forte lastro cultural e domínio de três línguas estrangeiras – inglês, francês e espanhol –, Derengoski decidiu dedicar-se ao jornalismo, no qual se iniciou no Diário de Noticias do Rio de Janeiro. A partir

de dor; o padeiro que bate à porta e se desculpa avisando que não é ninguém; um homem nadando sozinho no azul do mar – são temas que, nas mãos de outros, renderiam os lugares-comuns de que não sabemos como fugir; nas de Rubem, eram matéria-prima da beleza, graças ao talento com que elevou a crônica à condição de obra de arte. Jornalista, não era bem o modelo romântico com que se idealizavam os repórteres na época: feio, caladão, sem jeito, era, principalmente, tímido. Talvez por isso tenha sido preso, acusado de espionagem – logo quem! –, quando cobria a Revolução de 1932. Andou por Belo Horizonte, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Consta que se apaixonou por Bluma, mulher de Samuel Wainer, e para esquecê-la exilou-se em Porto Alegre, prova de fidelidade ao amigo e de respeito a si mesmo. Em 1944, na companhia de Joel Silveira, seguiu para a Itália como correspondente de guerra. Desde então, passaram a insultar-se com carinho, numa demonstração curiosa de afeto. Em casa do pianista Bené Nunes, vi uma noite Joel simular a maior impaciência: “Estou doido que o Rubem morra! Aí vou poder mentir à vontade sobre a guerra...” O troco vinha rápido: certa vez, Joel Silveira, filho importante de Lagarto, dizia ter sido esta a única cidade de Sergipe em que Lampião não entrara. Ouvindo a bazófia, pergunta o velho Braga: “E o que, Joel, Lampião teria pra fazer em Lagarto?” Se não era bem um tipo de beleza, Rubem seduzia as mulheres pela competência com que as


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ntre livros e obras de arte, Rubem vivia só, desde que se separara de Zora Seljan. Um dia, limpava as gaiolas no terraço quando a mulher, depois de muito arrodeio, comunicou-lhe que estava saindo de casa para viver com Antônio Olinto, também escritor. Conta-se que a reação do cronista foi a de inglês de anedota. Trocou a água da tigelinha, soprou as cascas do alpiste e deu a sua opinião sincera:

– Pode até ser, Zora, que você esteja melhorando de marido; agora, de literatura está piorando muito... Ao saber que um câncer lhe devastava a laringe, foi ligeiro a São Paulo – não à procura de quem lhe desse alguma esperança, mas para contratar pessoalmente os serviços do crematório. Nada de radiações, tratamento quimioterápico, operação aqui ou no exterior: anunciada a morte, que viesse no passo de costume, seria recebida com distinção e cortesia. Inútil travar um duelo que já perdera, atirar-se a uma guerra que mais não prometia além do sofrimento emocional e da decadência física. Morrer com dignidade, então, como se esforçara por viver aqueles setenta e sete anos que já se estendiam demais. Numa segunda-feira, convidou apenas três amigos para jantar, a doença quase lhe sufocando a voz – se lhe tivesse ocorrido, diria que era o próprio homem rouco, título de um dos seus livros. Não se falou em despedida, mas o sentimento dos quatro era o de que se encontravam pela última vez. Dois dias depois, 19 de dezembro de 1990, Rubem Braga morria em um hospital, sozinho e em paz, como pedira. As cinzas foram jogadas ao vento em Cachoeiro de Itapemirim, misturadas à terra e à água do lugar que tanto amou. Vinte anos são passados desde que se foi, silencioso e discreto como sempre viveu. Dele guardamos algumas das mais belas páginas da nossa literatura, que o fazem santo padroeiro de todos nós, seguidores dos seus passos na certeza de que jamais poderemos alcançá-lo. Ave, Rubem, os pequenos cronistas do Brasil te saúdam! Publicado originalmente no jornal O Trem Itabirano, de Itabira, MG, e reproduzido com autorização do autor.

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Escritor, jornalista, professor de literatura brasileira e de língua portuguesa, Edmílson Caminha nasceu em Fortaleza, Ceará. Dirigiu, em Teresina, a Rádio Educativa e o Departamento de Jornalismo da TV Educativa do Estado do Piauí. É consultor legislativo, por concurso público de provas e títulos, da Câmara dos Deputados, de cujo Conselho Editorial foi Presidente. Colaborou nos jornais O Povo e Diário do Nordeste (Fortaleza); Jornal de Letras e RioArtes (Rio de Janeiro); D.O. Leitura (São Paulo); Suplemento Literário Minas Gerais (Belo Horizonte); A Tarde (Salvador);

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Caminha, jornalista e escritor

O Dia e Diário do Povo (Teresina); Correio Braziliense (Brasília); O Cometa Itabirano e O Trem Itabirano (Itabira), entre outros. Obras publicadas: Palavra de Escritor (1995); Inventário de Crônicas (1997); Villaça, Um Noviço na Solidão do Mosteiro (1998); Lutar com Palavras (2001); Drummond, a Lição do Poeta (2002; 2ª ed. 2006); Pedro Nava: Em Busca do Tempo Vivido (2003); Brasil e Cuba: Modos de Ver, Maneiras de Sentir (2006); O Monge do Hotel Bela Vista (2008). É membro da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da Academia de Letras do Brasil, sócio correspondente da Academia Cearense de Letras e sócio da Associação Nacional de Escritores e da Associação dos Bibliófilos do Brasil.

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onheci Rubem Braga em 1981, quando foi a Fortaleza – com Paulo Mendes Campos, Oto Lara Resende e Fernando Sabino – participar de um seminário de literatura. Pareceu-me o oposto do que escrevia, incapaz de tanta inspiração. Para ele, esse negócio de conhecer leitores, dar autógrafos, responder a perguntas devia ser meio cansativo: bom era não ter de falar, apenas viver, sem levar as pessoas muito a sério. Que o deixassem quieto no seu canto, um homem pobre e cansado que, se não fosse querer muito, gostaria de envelhecer em paz. Pediu-nos para comprar umas redes cearenses, daquelas coloridas, com varanda, em que gostava de ler, ouvir música ou dormir sem hora pra acordar, coisas simples mas que lhe davam grande prazer. Fomos ao Centro de

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cantava em prosa. Muitas foram as que amou – Tônia Carrero, entre elas. No esplendor dos trinta anos, a atriz encantava a todos por sua beleza deslumbrante, luminosa. Sempre que ia ao bar dos escritores e artistas, alguém se levantava para dar um telefonema: “Rubem, ela chegou”. Logo depois, entrava o cronista: sentava-se sozinho a uma mesa, pedia um uísque e simplesmente ficava olhando para Tônia, admirando-lhe a beleza, contemplando a mulher com quem tantos sonhavam. Nas belíssimas crônicas em que curtiu essa paixão, os nomes são vários, mas a musa é uma só. A conquista, dizem, foi num transatlântico rumo à Europa – a bela e a fera, o mar e o céu por testemunhas. Tornaram-se depois grandes amigos, o amor transformado em afeição que durou até o fim.

Turismo, as lojas de artesanato nas antigas celas da cadeia pública, onde andou à vontade, escolheu duas redes e tomou água de coco bem gelada. Meses depois, estivemos uma noite com ele, na famosa cobertura da Barão da Torre, em Ipanema, recanto de fruteiras e bem-te-vis que pairava sereno sobre a agitação da cidade. Pela janela do apartamento, viu-nos chegar a pé, Ana Maria e eu, passando por tipos que nos observavam: – Não sei como vocês não foram assaltados. Eles me respeitam porque sabem que eu moro aqui, mas geralmente pegam os estranhos. Apresentou-nos a Lila Bôscoli, irmã de Ronaldo e ex-mulher de Vinícius, e voltou para a rede que compunha o ambiente da sala, sem a menor preocupação de fingir o que não era. Depois mostrou-nos as plantas, os passarinhos e levou-nos para o gabinete de trabalho, nos fundos do apartamento. Ao descerrar a cortina da janela, tivemos uma das mais impressionantes visões do Rio de Janeiro: a pouca distância de nós, o Morro do Cantagalo erguia-se como um gigantesco painel de sombras e de luzes, os barracos soltos no ar, presos por cabos invisíveis muito acima das nossas cabeças.

SERGIO TOMISAKI/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS

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DEPOIMENTO

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omo muitos jornalistas ainda ativos devem saber, devo meu começo em jornalismo a um bilhete do Doutor Herbert Moses, então Presidente da ABI, a Alves Pinheiro, chefe de Reportagem de O Globo, o maior que eu conheci em toda a minha longa vida profissional, aqui e no exterior. Dívida igualmente grande tenho com os meus mestres jesuítas do então Colégio Anchieta de Porto Alegre, que me ensinaram a diferença entre informação e conhecimento, fundamentais na carreira. Pinheiro me fez jornalista; os ensinamentos dos jesuítas explicam por que em 1945, com menos de 20 anos, fui designado correspondente de O Globo junto às Nações Unidas, primeiro brasileiro em tal função. Entrei numa vida sempre interessante. Não esqueço minhas dívidas. Você quer a verdadeira história do nascimento da revista Senhor. Creio ter sido o Presidente John Kennedy quem notou que o sucesso tem muitos pais, o fracasso é órfão. Ao menos lembro que disse. Sérgio Waissann, irmão de Simão, ambos financiadores, consta-me continua muito ativo no Rio, deve lembrar. Merece honras especiais. Vivemos verdadeira aventura emocionante de cerca de três anos. É impossível resumi-la no espaço do nosso jornal. Terei de ficar nos primórdios. E conscientemente esqueço as muitas decepções sofridas no período com pessoas. Como dizem os chineses, as águas de um rio não passam duas vezes pelo mesmo lugar. Parafraseando, digo que as mesmas mágoas não se repetem. Melhor deixá-las se perderem no tempo passado. Começo então pelo gesto de Beyla Genauer, minha mulher de toda a vida, que deu o primeiro impulso à revista que nasceria. Educada parcialmente nos Estados Unidos, atriz que foi a única brasileira a estrelar produção do Actor´s Studio, de Nova York, escola que formou Marlon Brando e gerações de atores de teatro e cinema americano, atriz em hebraico no histórico teatro Habima e Cameri, de Tel Aviv, em inglês para um filme londrino, em inglês para novela japonesa, autora de três livros. Então bela, jovem e premiada atriz brasileira. Faz muito tempo. Numa festa dançávamos quando o que para nós era um senhor se aproximou e lhe disse uma gentileza: “Abrão, conheça o Nahum, que está livre agora. Por que vocês não o convidam para fazer algo diferente para vocês? E ele respondeu: “Sabe de uma coisa? O Simão está querendo uma idéia. “Vá procurá-lo, Nahum!” Simão era Simão Waissmann, sobrinho e sócio na Editora Delta, das maiores do Brasil de coleções vendidas a crédito. Não memorizo datas nem guardo nada do que escrevi ou editei. Ao que sei, o melhor resumo de minha vida profissional foi preparado em 2004 como trabalho de conclusão de curso de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, por Gabriel Toueg, hoje correspondente de publicações brasileiras em Israel. Ele tem excelente texto, fez criteriosa pesquisa.

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Associados. Discordei de Assis Chateaubriand, com o qual mantive carinhosa relação até à morte dele. Ele provaria que estava certo. Na função de diretor, acordei certa madrugada de 1956 com Israel combatendo a guerra do canal de Suez. Pelas primeiras notícias o Egito estava vencendo. Minha mulher e filhos lá se encontravam. “Doutor, eu vou tentar chegar lá.” Ele respondeu que não conseguiria antes de os judeus ganharem. “Não largue seu trabalho, pois não terá volta.” Larguei. Poucos dias depois as forças de Israel chegavam às margens do Canal, vitoriosas. Outros ocuparam meu lugar. Tive a idéia de procurar Alfredo Monteverde, fundador e proprietário do Ponto Frio, que aceitou apoiar a criação de nova revista, H$M, Homem e Mundo, com Dines como editor-geral. Seria um semanário com a fórmula conhecida como bola de cristal dos mágicos. Os nossos Correios eram péssimos. O Cruzeiro era o único semanário a chegar aos principais mercados brasileiros em uma semana, devido a sistema próprio de distribuição. O nosso semanário seria sobre tendências, perspectivas do que se imaginava estava por acontecer nas próximas semanas, idéia inspirada em Visão, um quinzenário dedicado a política, negócios e economia. Daria certo e era algo de acordo com minha formação profissional de ávido leitor de revistas estrangeiras, hábito adquirido em meus anos de Nova York. A festa com Beyla mudou tudo. Dias depois fui ao escritório de Simão Wais-

SAUDADES DE SENHOR

Em depoimento especial diretamente de Israel, onde está radicado há anos, o criador da revista conta como nasceu a mais sofisticada publicação editada no País entre 1959 e 1963. POR NAHUM SIROTSKY Nos meus dias de editor seria contratado pela qualidade de seu trabalho. Não memorizo datas, apenas fases, e os mais emocionantes momentos e inúmeras aventuras vividas na prática da profissão. Guerras, expedições, encontros com personalidades que fizeram a História do século passado. Gângster americano, Molotov, De Gaulle, Churchill, Adenauer, Evita, Fidel, Frank Costello, Getúlio, JK, Margot Fonteyn, Gigli. Que vida! Não esqueço que em Visão e Manchete, com Alberto Dines me assessorando, aprendi que a montagem de cada edição de uma revista é um quebra-cabeça cujas partes precisam se combinar para se chegar ao todo desejado. Uma parte força-

da em espaço não compatível desequilibra e o conjunto não fecha. No caso de Senhor equivalia à frustração de um caso de amor sem a realização desejada. O aprendizado se completou em Senhor sem Dines, que já voava por conta própria. Do menino que veio trabalhar comigo em Visão e me acompanhou em Manchete, ele ascendeu a um dos melhores editores de diários no JB, que ele transformou num dos melhores do mundo. Senhor nasceu quando eu estava desempregado, tendo me demitido da direção dos Associados quando atingira o maior salário do jornalismo brasileiro na época: cerca de 100 mil cruzeiros mensais como diretor de jornal dos Diários

smann, na Travessa do Ouvidor. “Você tem uma idéia que procuro?” Não hesitei. “Tenho.” Comecei a descrever uma mistura de Esquire, Realités, Seleções, publicações de novelas em cada número. Flair, a mensal de mais audaciosa paginação que jamais vira e não perdurou muito tempo devido ao divórcio da editora de seu marido, da Look. Entusiasmado e improvisando, fui desenhando com a voz uma publicação intelectual no texto e sofisticada na apresentação. Capa de uma pintura que seria arte da melhor e comentário irônico sobre a vida carioca. Uma noveleta com-


pleta em cada edição. Contos e ensaios e observações e pensamentos de intelectuais brasileiros e estrangeiros. Haveria textos sobre temas mundanos como moda masculina ou qualidades de bebidas. Seria para homens com a intenção de atrair as mulheres da classe visada – gente de sucesso. Elas tinham mais tempo livre e presença relativamente pequena no mercado de trabalho. Fui me inspirando no que dizia, que vira nas melhores revistas estrangeiras. Já naquele tempo se aplicava a teoria de Lavoisier ao jornalismo: nada se cria, nada se perde, tudo se copia. As idéias iam surgindo. “Por exemplo, Simão, as revistas apresentam garotas de roupas de banho. O sugerido e insinuado é mais sensual. Moça do Senhor será fotografada em roupas elegantes em diferentes línguas.” Havia na época revista mensal dedicada aos elegantes. Ibraim Sued já tinha a coluna, a linguagem dele decidia quem impressionava na sociedade com expressões inventadas que ficaram na História. A revista dos grã-finos tinha preço de capa caríssimo. A nossa seria mais cara, símbolo de status. O preço de venda era muito superior às demais de preço alto. Naqueles tempos havia consciência de que as pessoas do high society formavam opinião. Era 1957. Um dos nossos objetivos seria o de levar às novas classes que enriqueciam na indústria, no comércio e em profissões do Brasil um surto de desenvolvimento e otimismo inspirado no Governo Juscelino e na construção de Brasília. Ajudaríamos a criar o gosto pelas artes em geral, boa literatura, característica da velha aristocracia de origem rural em decadência. Publicaríamos ensaios cultos e inteligentes sobre o novo mundo. (Não esqueço monografia muito inteligente sobre as várias etapas de Senhor em seis anos de vida, até morrer. Tenho cópia assinada por Maria Eugênia Maia Vizeu Barbosa, que não cheguei a conhecer. É de 1999 para a Escola de Comunicação da UFRJ como trabalho de conclusão de seu curso de Jornalismo sob orientação da professora Ilana Strozenberg. Maria Eugênia onde estará? Inúmeros textos sobre Senhor foram preparados, em escolas de Jornalismo. Jamais revista alguma não noticiosa recebeu tanta divulgação gratuita por todo o País, JK mandava buscar seus exemplares por motoqueiros do Catete. O Rio era a capital. JK concedia dezenas de entrevistas todos os meses. Na nossa juventude jornalismo se aprendia na prática. Era ter vocação ou desistir. Gabriel Toueg, agora correspondente de veículos brasileiros em Israel, fez longo e detalhado trabalho para a Universidade Metodista de São Paulo com tal pesquisa de minha vida profissional em 2004 que a ele recorro para refrescar minha memória.) Depois da conversa com Simão Waissmann fui para casa. Eufórica. Beyla

preparava a inauguração do grupo Teatro de Hoje. Contei-lhe tudo e disse: “Falta mostrar.” Ela disse que o Carlos Scliar, veterano da Feb, gaúcho, pintor, artista gráfico, amigo de toda a vida, preparava um cartaz para lançamento do grupo dela, cujo diretor teatral era Paulo Francis. “Ótima idéia.” Chamou Carlos Scliar e expliquei o que precisava. Ele veio com Glauco Rodrigues, mais jovem, também amigo, que se transformou num dos pintores brasileiros que entraram para a História das artes, desenhista de técnica inigualada. Chegaram armados de tesoura e cola. As revistas estrangeiras eu providenciei. Repeti tanto quanto a memória permitiu o que havia dito a Simão. Tinha por Scliar um imenso respeito. Era mais velho que eu, tinha sobre mim autoridade. E quem era eu para ensinar artes gráficas? Trabalharam horas até expressarem numa boneca o imaginado que não sabia se poderia ser concretizado. “Liguei pro Simão e logo marcamos novo encontro. “É isto o que quero realizar ”, disse quando viu a boneca.

Impossível, pensava eu. Para começar, não havia no Brasil uma gráfica com a qualidade de impressão essencial. Não havia o papel. Não existiam anúncios com a criatividade e arte das agências de publicidade européias e americanas. Não existiam cartunistas nem ilustradores tecnicamente preparados. Nem fotógrafos, pois os melhores estavam em O Cruzeiro. Não havia a tradição de resenhas de livros acompanhadas de ensaios. Se não me engano, ninguém sabia escrever perfis de personalidades como se fazia na imprensa americana. Não tínhamos novelistas de noveletas. Naqueles dias não se falava em realidade virtual, que era a boneca da revista. “É isto”, disse Simão, que me deu carta-branca para contratar a equipe e a gráfica das Listas Telefônicas para impressora, Scliar e Glauco foram os primeiros. Sérgio Waissmann, o irmão mais moço de Simão, ficou com a direção de circulação, Newton de Almeida Rodrigues foi para Editor de Política e Economia, Luiz Lobo para o refinado, desde humor a selecionar as garotas do Senhor. Os textos dele eram simplesmente gostosos de ler. Paulo Francis se candidatou a Editor de ficção e ensaios. Tinha todas as qualidades e poderia trabalhar meio expediente para não prejudicar seu trabalho de Diretor teatral. Jaguar, que foi reforçar a direção de arte, desenhou cartuns tão excepcionais que foi elogiado na mais respeitada revista

62 anos de Israel sem paz Em 1947, eu me encontrava nos Estados Unidos como correspondente de O Globo, primeiro brasileiro credenciado junto à Onu, e tivera de lutar para obtê-la, pois a funcionária que me atendeu, depois de ser informada que eu escreveria em português, negou-me o documento sob a justificação de que não havia telegrafistas que soubessem a língua. Depois de agitada e difícil discussão – meu inglês era do ginásio –, desisti e fui procurar autoridade maior. O Subsecretário de Imprensa era um chileno chamado Benjamin Cohen. Tais coisas não se esquecem, pois de latino-americano sempre se esperava que viesse com chapéu mexicano. Ele perdeu a paciência e perguntou se não sabia que telegrafista só precisava conhecer o alfabeto. Naqueles tempos do Brasil só se sabia ser terra do café e da música Tico-tico no Fubá, que era dançada como rumba. Foi o ano em que Osvaldo Aranha, diplomata brasileiro, foi eleito para presidir a Assembléia das Nações Unidas, que, imaginava-se, resolveria definitivamente o confronto entre

palestinos árabes e palestinos judeus. Aranha me assumira com o carinho de um padrinho, relação que durou até à morte dele. O gaúcho era de longe o mais atraente de todos os diplomatas, além de ser reconhecido como dos mais hábeis dentre todos. Foi uma das figuras mais impressionantes que eu conheci em toda a minha longa carreira, durante a qual conheci e entrevistei, limitado pela minha grande ignorância das coisas do mundo, a maior parte dos homens que fizeram a História do século. Partilhou-se o que restava da província otomana da Palestina. Por decisão inglesa, dois terços haviam sido destacados para ser o emirado da Jordânia, desértica, sem gota de petróleo, colada às riquíssimas reservas da Arábia Saudita, Iraque, etc. Os ingleses receberam mandato (direito de governar) sobre a área mas desistiram. Judeus e árabes não se entendiam. Era 1947. Poucos meses depois, 1948, com um total pouco superior a 500 mil habitantes, Ben Gurion, líder dos judeus, disse que “é agora ou nunca”. Foi.

de artes plásticas da época, Graphis, da Suíça; Ivan Lessa, cujo humor o levaria à BBC de Londres; Ivo Barroso foi o incomparável tradutor do material estrangeiro; Bia Feitler veio para assistente de Scliar e acabou Diretora de Arte da Vogue de Nova York; Clarisse Lispector redigindo as historietas de abertura, Senhor E Cia; Richard Sasso, fotógrafo francês; Ivan Meira, que morreria jovem em acidente aéreo, veio como Diretor de Publicidade e criador de algumas peças especiais para clientes que ele levantava. A política era de recusar anúncios que não tivessem qualidade artística compatível com a revista. E isto teve decisiva influência na nova importância que passou a ser atribuída ao Departamento de Arte das agências. Eu sempre adotava me cercar de gente com talento suficiente para assumir minha posição e optei pelo estilo de direção democrática, pela qual os editores discutiam comigo cada pauta. Eu não escrevia, por considerar meu estilo jornalístico incompatível com a qualidade dos textos que desejava. A primeira novela ficou entre obra de Ernest Hemingway e primorosa tradução de Ivan Ilitch, de Tólstoi, por Carlos Lacerda. Não cito a obra do americano para evitar que se identifique quem tinha os direitos para a língua portuguesa. Os sócios se separaram. Os direitos de língua portuguesa ficaram com o sócio lisboeta. Durante meses trocamos correspondência sem resposta definitiva. Optei por um telegrama cujo texto não esqueci: “Peço vênia a Vossência: responda telegrama. Pago qualquer decisão do caso”. Tínhamos que fechar a edição. A resposta, juro, veio no mesmo dia por telegrama: “Tenho prazer informar vossência que resposta pedida seguiu hoje por carta”. Arrisquei no Hemingway. O primeiro número saiu em março de 1959. A capa, se não me engano, era de Glauco. Ele e Scliar tinham trabalhado nas oficinas e obtido impressão da mais alta qualidade usando papel adequado à técnica de ofsete. Milagrosos os dois. Quando recebi a revista tive um acesso incontrolável de choro. Tinha 32 anos e me considerei um fracassado. Tinha tudo em demasia. Não tinha o equilíbrio desejado. Nunca publicação alguma foi tão bem recebida. Recebeu tantos elogios, tanta promoção gratuita. Era março de 1959. Em julho de 1961, o número 29 foi o meu último. A revista tinha sido vendida. Não concordei com as concepções do novo proprietário. Roberto Campos, um dos colaboradores, designado embaixador em Washington, convidou-me para ser seu assessor e evitou que eu caísse em profunda depressão. Perdera a direção da revista a que eu me entregara de corpo e alma. Nunca mais quis ver o que lhe acontecia, nada podia fazer. Senhor morreu no número 54, em agosto de 1963, apesar dos esforços de dois brilhantes colegas. Ninguém mais teve a coragem de Simão Waissmann. Senhor foi passando de mão em mão. Morreu de falta de recursos. Morreu de inanição. Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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LEGISLAÇÃO

Professores de Jornalismo reclamam a volta do diploma Em declaração divulgada em seu 13º Encontro Nacional, realizado no Recife, representantes do magistério de Comunicação proclamam a necessidade da formação de nível superior para o exercício da profissão. POR PAULO CHICO Realizado de 21 a 23 de abril na Universidade Católica de Pernambuco, o 13º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo-ENPJ marcou o início das comemorações pelos 50 anos do Curso de Jornalismo na instituição de ensino, ao mesmo tempo que abrigou debates sobre a qualidade da formação dos jornalistas no Brasil. Mais do que isso, serviu para demonstrar que prossegue a mobilização de entidades do setor em defesa do restabelecimento da obrigatoriedade do diploma de graduação em Jornalismo ou Comunicação para o exercício da profissão de jornalista. No evento, professores de Jornalismo reafirmaram o compromisso de luta pelo retorno da exigência do diploma. Também foram aprovadas, como prioridades da próxima gestão do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo, cuja nova Diretoria foi empossada no Encontro, as seguintes medidas: melhoria na qualidade do ensino e a aprovação das novas diretrizes curriculares em Jornalismo e a implantação das resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Em ato político durante o evento, os repentistas Antônio Lisboa e Edmilson Ferreira deram um tom especial à manifestação com Já Vai Tarde Gilmar Mendes, composição que celebra a saída do então Presidente do Supremo Tribunal Federal, responsável pela derrubada do diploma, ocorrida em 23 de abril. De tom contestador, a Carta do Recife em Defesa da Formação Jornalística Superior, aprovada na assembléia de encerramento do Encontro, propõe a urgente criação de mecanismos de regulamentação profissional do Jornalismo como única forma de assegurar a produção de um jornalismo plural e pautado pelo interesse público. No documento os professores associados ao FNPJ, que até 2012 terá como Presidente e Vice-Presidente, respectivamente, Sérgio Luiz Gadini e Mirna Tônus, reafirmam o compromisso da entidade com a defesa intransigente da obrigatoriedade do diploma. Eles pediram o fim das ameaças aos jornalistas no exercício de suas funções – como ainda ocorre com freqüência em todo o País. A Fenaj esperançosa No dia 23, o Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, ironizou os resul22

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tados da decisão do Supremo. “Dez meses após a decisão do STF estamos vivendo um período pleno de liberdade nas contratações nas Redações”. Ele enfati-

zou a importância da mobilização pela retomada do diploma, pois “o Ministro Gilmar Mendes é o símbolo da maior agressão já feita contra o jornalismo”. E completou: “A sociedade de um modo geral ficou perplexa, surpresa, indignada e também preocupada”. Sérgio Murilo foi enfático ao revelar que acredita na possibilidade de reversão da decisão. “Temos plenas condições de reverter esta decisão e isso não é retórica. E temos condições porque criamos estas condições”, disse, salientando que a reversão da derrubada do diploma vai depender da ação de todos os envolvidos: escolas, jornalistas, professores e estudantes. O 13º ENPJ teve como tema central Ensino de Jornalismo: Novas Diretrizes e Novos Cenários Jurídicos, Profissionais, Tecnológicos e Econômicos. O ensino do Jornalismo no contexto dos países ibero-americanos foi tema central do III Colóquio Ibero-Americano de Ensino de Jornalismo do FNPJ, realizado na manhã de 23 de abril. “A idéia é de fazermos uma interação com os amigos ibero-americanos, para que eles possam trazer as realidades do exercício da profissão em seus respectivos países”,

explicou o jornalista Gérson Martins na abertura do evento. O declínio chileno Os jornalistas Miguel Paz, atualmente no Chile como Subeditor do El Mostrador, e Celso Schröder, Presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e Caribe-Fepalc e Vice-presidente da Fenaj, compuseram a mesa de debate. Miguel Paz disse que a formação de um jornalista no Chile exige alto investimento: “O custo na instituição mais barata totaliza US$ 12 mil e US$ 34 mil na mais cara. O jornalismo é considerado profissão para as elites”, contou, destacando a expansão do jornalismo na internet, onde são pagos os mais baixos salários. Paz revelou que a procura pelo curso tem caído bastante. “Em 1999, estava entre os mais disputados nas universidades chilenas. Seis anos depois, em 2005, deixou de figurar entre os dez primeiros. Isso representou uma queda de 16,3% no número de graduados na profissão.” O BBB e Bial Em seguida, o jornalista gaúcho Celso Schröder fez uma comparação do jornalismo atual com o que era praticado nas décadas de 1980 e 1990, e citou momentos de crise, incluindo os períodos de democracia. “Na década passada aconteceram reformas gráficas e o entretenimento passou a se sobrepor à informação. Na década atual, o entretenimento já passa a ser o que provoca a perda da identidade da profissão jornalística. O Big Brother Brasil, da TV Globo, é a prova disso. Vemos um jornalista competente negando sua própria atividade de formação. Para mim, ele representa a síntese de crise desse período atual”, afirmou, numa referência a Pedro Bial.

Carta do Recife: Não ao oligopólio atual “Diante dos crescentes impactos da decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 17 de junho de 2009, aboliu a exigência de formação universitária específica para o exercício do jornalismo, os participantes do 13º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo-ENPJ, realizado na Universidade Católica de Pernambuco, no Recife, entre os dias 21 e 23 de abril de 2010, reafirmam a urgente criação de mecanismos de regulamentação profissional ao Jornalismo. Em uma realidade marcada pelo oligopólio do controle dos principais meios de comunicação, seja em níveis regionais ou nacional, a regulamentação se torna um fator imprescindível para assegurar a produção de um jornalismo plural e pautado por interesses públicos. O desafio de ampliar a luta intransigente em defesa da formação universitária

específica para o exercício do jornalismo é um compromisso, urgente, de estudantes, docentes e profissionais da área, bem como dos setores da sociedade civil organizada. Neste contexto, a proposta de criação de Novas Diretrizes Curriculares ao Ensino de Jornalismo – elaborada por comissão de especialistas nomeada pelo Mec, em 2009 – precisa ser urgentemente aprovada, possibilitando assim o fortalecimento do ensino e a formação profissional específica. Os participantes do 13º ENPJ defendem, assim, a imediata aprovação de diretrizes próprias ao ensino de Jornalismo, criando condições concretas para padronizar indicadores de qualidade e compromisso na formação universitária da profissão. Numa perspectiva mais ampla, no âmbito da defesa do direito humano à comunicação, os

professores de Jornalismo entendem que é fundamental dar conseqüência às decisões da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, especialmente no que tange à implantação do Conselho Nacional de Comunicação. É urgente estabelecer debate público que contribua para a definição de um novo marco regulatório, que inclua dispositivos da extinta Lei de Imprensa e se torne instrumento capaz de regular o funcionamento e democratizar o acesso à mídia no Brasil. Em outro aspecto, a existência dos mais de 400 cursos de graduação em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo demanda mais investimento e atenção, por parte dos gestores, seja no que diz respeito a espaço, infra-estrutura laboratorial ou quadro docente, demonstrando a compreensão estratégica que a formação

jornalística pode propiciar à conquista de cidadania, a partir da oferta de uma informação plural e preocupada com as demandas sociais, e não mais meramente mercadológica. Por fim, os participantes do 13º ENPJ cobram imediatas providências das autoridades responsáveis (Judiciário, Legislativo e Executivo) frente às constantes ameaças que vêm comprometendo o exercício do jornalismo, com agressões verbais e físicas a profissionais da área, feitas por alguns poucos que se sentem tão à vontade para agir à revelia da legislação que ousam responsabilizar jornalistas quando estes divulgam o que não lhes agrada. Tais ameaças à democracia precisam ter um basta e isso é responsabilidade dos setores do Poder Público. Recife, Pernambuco, 23 de abril de 2010.”


ARI GOMES

INJUSTIÇA

Zé Fontes, o repórter esquecido

O extrovertido Fontes na Chefia de Reportagem do JB em 1971.

Sua família lembra que ele foi um dos mais premiados jornalistas do Brasil nos anos 60-90. A família do jornalista José Gonçalves Fontes está empenhada em divulgar para as novas gerações de jornalistas a trajetória profissional desse que em sua época foi o mais premiado repórter da imprensa brasileira. Fontes, ou Zé Fontes, como era chamado pelos companheiros da Redação do Jornal do Brasil e pelos colegas de outros jornais com os quais convivia, ganhou nada menos de quatro Prêmios Esso de Jornalismo, arrebatando em 1962, 1964, 1975 e 1987 a maior distinção concedida a profissionais da imprensa brasileira. Carioca, nascido em 1934, Fontes começou sua trajetória profissional numa agência de notícias e em 1958 foi admitido no Jornal do Brasil, no qual trabalhou 37 anos, divididos em dois períodos: de 1957 a 1979 e de 1984 a 1 de agosto de 2000, quando faleceu. Ele participou da reforma editorial e gráfica do JB sob o comando de Odilo Costa, filho, e acompanhou a caminhada do jornal nos anos seguintes, sob a liderança de Jânio de Freitas, Alberto Dines e Carlos Lemos, entre outros ases do veículo da Condessa Pereira Carneiro. Jovem, brilhava ao lado de destacados repórteres da Geral do JB, como Ana Arruda, Amauri Monteiro, Ribeiro Luz, Maria Ignez Duque Estrada, entre outros. A primeira das incontáveis distinções obtidas por Fontes foi no começo da carreira, em 1960, quando ele ganhou o Prêmio Ministério da Aeronaútica, atribuído à melhor reportagem sobre a Semana da Asa. A partir de então teve uma torrente de premiações, iniciada com a conquista do Prêmio Esso de Reportagem de 1962 pela série de reportagens em que denunciou a fraude na apuração das eleições de 1960 no então Estado da Guanabara. Seu trabalho resultou na cassação do mandato do beneficiário da fraude, Deputado Sami Jorge. Por sua atuação em defesa da verdade eleitoral, foi agraciado em 1961 com a Medalha e Diploma do Mérito Forense pelo Tribunal de Justiça do antigo Estado da Guanabara.

Sob o olhar de Silvio Santos e do jornalista Israel Tabak, do JB, o Deputado Álvaro Vale (PL) entrega o Troféu Imprensa de 1975 a José Fontes. Acima, na homenagem aos vencedores do Prêmio Esso, Fontes posa ao lado do quadro que o mostra como o ganhador em 1962. Ele venceu também em 1964.

Fontes trabalhou seis meses nessa reportagem, que desembocou na recontagem de votos determinada pelo Tribunal Regional Eleitoral e na comprovação da fraude. Relator da comissão julgadora do Prêmio Esso, o jornalista Odilo Costa, filho explicou a razão da vitória de Fontes: “O que, a meu ver, a comissão distinguiu, antes de tudo, na série de reportagens de Fontes, foi uma consciência profissional. Dela decorrem os merecimentos do repórter e do seu trabalho, a teimosa tenacidade, o amor à exatidão, o senso de pesquisa da verdade – só a verdade e toda a verdade.” Trabalho de fôlego de Fontes foi também a reportagem sob o título geral Bloqueio do mar, publicada pelo JB num suplemento especial de 20 páginas em 14 de junho de 1964. Fontes trabalhou um ano no levantamento de dados para essa matéria: percorreu todos os portos do País e descreveu os problemas existentes em cada um e, também, as suas potencialidades. Com essa reportagem, ilustrada com fotos de Evandro Teixeira, já então um dos ases da equipe de repórteres-fotográficos do JB, onde ele trabalha até hoje, Fontes ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 1964. A partir de então, praticamente em todo ano Fontes ganhava um ou mais prêmios: em 1963, o Prêmio Guilher-

me Guinle, instituído pela Federação das Indústrias do então Estado da Guanabara, e o Prêmio Ministério da Marinha; em 1969, 1970, 1973 e 1974, o Prêmio DER (Departamento de Estradas de Rodagem); no mesmo ano de 1969, o Prêmio Sursan de Reportagem; em 1972, o Troféu Coruja, concedido pelo Centro de Estudos e Pesquisas Presidente Castelo Branco; em 1973, a Medalha e o Diploma Santos Dumont, outorgado por uma Comissão de Alto Nível do Ministério da Aeronáutica pela reportagem que fez em homenagem ao centenário do Pai da Aviação; em 1975 e 1976, o Troféu Imprensa, concedido pela TV Sílvio Santos. O Troféu de 1976 foi concedido a Fontes por um júri que por dez votos a um escolheu a reportagem intitulada Grupo Lume – Um império em desencanto, em que ele mostrou com rigor de minúcia a trajetória do empresário Linaldo Uchoa de Medeiros, então um dos homens fortes no campo dos negócios, que foi desmascarado, por suas práticas nem sempre éticas, pelas duas páginas e meia publicadas por Fontes no JB no domingo 4 de abril de 1976. Além das distinções locais e nacionais, Fontes ganhou em 1971 da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip o Prêmio Mergenthaler, assim denomi-

nado em homenagem ao inventor da linotipo, que revolucionou a imprensa no final do século XIX. A distinção punha em relevo as séries de reportagens que Fontes fez em favor da comunidade. A partir de 1970 ele se tornou verbete da Grande Enciclopédia Larousse. Pela sua competência profissional e sua isenção em relação a questões político-partidárias, Fontes pôde participar de 1980 a 2000 da Assessoria de Imprensa do Governo do Estado, primeiro como Assessor-Chefe da Secretaria de Planejamento, depois como Assessor de Imprensa do Gabinete Civil do Governador. Pelo respeito que naturalmente impunha, Fontes trabalhou com Governadores de diferentes filiações partidárias: Chagas Freitas (PMDB), Leonel Brizola (PDT), em seu segundo mandato, e Marcelo Alencar (PSDB). Seu currículo era admirado: na longa militância no JB, foi repórter especial, Chefe de Reportagem e Editor de Cidade. Para o resgate da imagem profissional de Fontes estão trabalhando sua viúva, Neyde Baptista, e seu filho Ricardo José Gonçalves Fontes, que agradecem a colaboração que os contemporâneos dele no JB e no serviço público possam oferecer, através da ABI, para colocá-lo no lugar de destaque que ele merece. (Maurício Azêdo) Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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Liberdade de imprensa Imprensa da Argentina reclama de intimidação

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Família de jornalista assassinado em 1998 finalmente é indenizada. POR CLÁUDIA S OUZA

A família do jornalista Manoel Leal de Oliveira, fundador e editor do jornal A Região, da cidade de Itabuna, na Bahia, recebeu do Governador Jaques Wagner a quantia de R$ 100 mil a título de indenização pelo assassinato do jornalista em 14 de janeiro de 1998. “A indenização, inédita no País, não devolve a vida do jornalista, mas é um passo a mais contra a impunidade no Estado”, disse Jaques Wagner durante a cerimônia realizada em 7 de abril, data em que se comemora o Dia do Jornalista. Estavam presentes ao ato de reparação os dois filhos de Leal, Valéria e Marcel. Pouco antes de morrer, Manoel Leal de Oliveira denunciara em seu jornal irregularidades na administração municipal, envolvendo o então Prefeito da cidade, Fernando Gomes, o Delegado Especial da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, Gilson Prata, e seus au-

xiliares, entre eles o ex-policial civil Mozart Brasil, condenado em 2007 a 18 anos de prisão pelo assassinato de Leal. Em 19 de maio de 2000, a Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip solicitou a intervenção da Comissão Interamericana de Direitos HumanosCIDH no caso, diante da lentidão no cumprimento da justiça. Seis anos depois, a CIDH colocou à disposição do Governo do Brasil e da Sip a proposta de reparação financeira para os familiares de Manoel Leal de Oliveira. Como parte do acordo firmado entre o Governo e a Sip, foi realizada uma cerimônia oficial, em 21 de setembro de 2009, na qual o Governador da Bahia, Jaques Wagner, reconheceu, perante a família Oliveira, a sua responsabilidade na falta de justiça no caso do assassinato do jornalista, bem como por outros nove assassinatos cometidos na região. Em 13 de janeiro último, Wagner aprovou a Lei n° 11.637 que prevê in-

denização aos filhos e à viúva de Manoel Leal de Oliveira. Na ocasião, o Presidente da Sip, Alejandro Aguirre, aplaudiu a iniciativa: “Esse é mais um passo para garantir que os crimes contra Oliveira e os outros nove jornalistas assassinados na Bahia nos anos 90 não fiquem impunes. Há esperança de que os assassinatos sejam um episódio que fique no passado.” De acordo com as determinações da CIDH, o Governo brasileiro deve retomar as investigações para que os autores intelectuais do crime contra Manoel Leal de Oliveira sejam identificados e condenados. “Pela primeira vez na história do Brasil um governo estadual assumiu publicamente sua responsabilidade por não ter garantido a liberdade de imprensa e está cumprindo as recomendações da CIDH para assegurar que o fato não se repita”, ressaltou a entidade em comunicado.

Mataram 42 jornalistas no mundo desde janeiro Quase metade tombou em abril, um mês fatídico para a imprensa. O Instituto Internacional para a Segurança da Imprensa-Insi, sediado em Londres, na Inglaterra, informou em 28 de abril que 42 jornalistas foram mortos em todo o mundo desde o início de 2010. Somente no mês de abril foram registrados 17 assassinatos de profissionais da imprensa, o que representa duas mortes a cada três dias. O período, de acordo com o estudo, é o mais violento para a mídia nos últimos cinco anos. “Este é um duro preço que pagamos por nossas notícias ao redor do mundo. O número chocante de mortes em abril coloca o assunto em maior evidência. Todos os casos demonstram a necessida-

de premente de ação no cenário mundial”, afirmou Rodney Pinder, Diretor do Insi (foto). Desde janeiro de 2010, aponta o relatório, sete jornalistas foram assassinados em Honduras, seis no México, quatro no Paquistão, três na Colômbia e três na Nigéria. Foi registrado ao menos um caso de assassinato em diversos países, entre eles Chipre, Equador, Nepal, Rússia, Turquia e Venezuela. O estudo do Insi revela ainda que dos 42 casos de morte registrados este ano 27 estão associados ao trabalho na imprensa. De cada dez crimes contra jornalistas, oito não são punidos. Rodney Pinder fez um apelo aos países, em especial a Honduras, México, Paquistão, Colômbia e Nigéria, para que REPRODUÇÃO

A Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina-Adepa divulgou em seu relatório anual que o país passa atualmente por um dos “momentos mais críticos para a liberdade de imprensa”, mesmo depois de restaurada a democracia com o fim da ditadura militar, em 1983. As críticas dos representantes das empresas jornalísticas são dirigidas contra o Governo da Presidenta Cristina Kirchner, que desde março de 2008 é acusada de manter um confronto com os principais veículos de comunicação, especialmente com o jornal Clarín e o canal de televisão Todo Notícias. O relatório dos empresários das entidades jornalísticas afirma que os meios de comunicação argentinos estão “sofrendo uma inédita campanha de insultos ao jornalismo por parte do poder político”. No documento, eles acusam o Governo Kirchner de utilizar os meios de comunicação estatais de “forma abusiva com fins partidários”. A Adepa também criticou o critério adotado pelo Governo para a distribuição da publicidade oficial, indicando que há indícios de privilégios para os jornais nitidamente favoráveis à administração Kirchner, independentemente do volume de circulação. As críticas das entidades jornalísticas apontam também “a recente negativa do Governo em fornecer informação pública sobre as quantias” gastas na publicidade oficial por parte da Presidenta Cristina Kirchner. De sua parte o Governo argentino há dois anos vem acusando a imprensa de tentar implementar um golpe de Estado em aliança com os ruralistas e a oposição. Em 2009, foi aprovada em caráter de urgência a polêmica Lei de Mídia, que impôs uma série de restrições às empresas de mídia e favoreceu aquelas alinhadas com o casal Kirchner. Pesa sobre essa medida a acusação de que a votação ocorreu em meio a uma série de irregularidades – a aplicação da lei está temporariamente suspensa pela Justiça. Enquanto isso, o Governo tenta reverter a situação apelando aos tribunais. A pressão do Governo Kirchner ganhou o apoio do Sindicato dos Caminhoneiros, que realizou bloqueios nas portas das gráficas dos jornais La Nación e Clarín, impedindo por diversas vezes a distribuição das edições. Em nenhuma das vezes em que foi acionada a Polícia apareceu para dispersar os piquetes. Diz a Adepa que o Governo demonstra “passividade” diante de “ações de intimidação e violência de grupos ou setores contra jornalistas e empresas jornalísticas”. (José Reinaldo Marques, com informações de O Estado de S. Paulo)

R$100 mil por uma vida

os inquéritos sobre os crimes sejam concluídos e os responsáveis punidos. Iraque, um cemitério

O ano de 2007 é considerado o mais violento para a história recente da imprensa mundial, quando foram contabilizadas 172 mortes de jornalistas, seguido de 2006, com 168 assassinatos, a maior parte deles na Guerra do Iraque. Em 2003, ano da invasão promovida pelos Estados Unidos, centenas de correspondentes foram mortos na região. Atualmente, de acordo com o Insi, os assassinatos estão vinculados a matérias que envolvem temas como criminalidade e corrupção. “Exortamos todos os Estados membros da Onu a se unirem em um esforço global para conter o derramamento de sangue e para dar um basta à impunidade aos assassinos de jornalistas”, destacou Pinder. (Claudia Souza, com informações da Reuters)

Fenaj lista 58 agressões a jornalistas em 2009 Autores: agentes do poder ou prepostos a mando destes. A Comissão Nacional de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj divulgou em 27 de março o “Relatório de Violência e Liberdade de Imprensa — 2009”. O trabalho foi realizado a partir de casos divulgados pelos sindicatos de jornalistas, pela Fenaj e por veículos de comunicação de todo o País. De acordo com o estudo, entre janeiro

e dezembro de 2009 foram registrados 58 casos de agressões a profissionais da imprensa, em grande parte cometidos por agentes do Estado ou a mando destes, tal como registrado nos estudos realizados em 2007 e 2008. Informa o Relatório que 26 do total de registros envolveram profissionais da mídia impressa; nove de emissoras de televisão; dois de emissoras de rádio; oito da internet. O estudo revelou ainda o aumento da utilização de recursos judiciais para impedir a divulgação de notícias.

A queda da exigência do diploma, as demissões, a precarização das relações de trabalho, a censura empresarial e a autocensura são, de acordo com o Relatório, “fatos diários que configuram violência de proporções incalculáveis”. O estudo foi encaminhado a entidades nacionais e internacionais de defesa de jornalistas, ao Ministério da Justiça, à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ao Conselho Nacional de Justiça e às Comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado.


Um caso de violência via internet No momento em que o Brasil rediscute seu Marco Civil da Internet, uma repórter do Estadão e o próprio jornal sofrem uma série de ameaças simplesmente por terem mencionado o nome de um fórum em uma matéria. Apesar da pesada ofensiva, o portal conseguiu contornar rapidamente os problemas. Por sua vez, a moderação do 55chan tentava apagar os posts com as ameaças. Mas a cada mensagem apagada, surgiam várias outras. Entre as muitas ameaças, uma voz mais consciente alertava: “É muita hipocrisia um chan perseguir um jornalista, ainda mais porque chan é sinônimo de liberdade de expressão”.

POR MARCOS STEFANO Os avanços tecnológicos dos últimos anos mudaram radicalmente a forma como as pessoas se comunicam. Especialmente por meio da internet, as inovações não apenas agilizaram a troca de informações. Trouxeram também novas formas de se divertir, relacionar e viver em comunidade. Apesar do potencial quase infinito, os desafios impostos por esse ambiente às sociedades democráticas não são poucos. Para o jornalismo, assim como para a música e para o cinema, ter controle sobre o conteúdo produzido é quase impossível. Apertando apenas um botão, o consumidor pode escolher o que quer ver, ouvir e ler. Muitas vezes sem qualquer custo. Além de copiar em blogs ou postar em sites de vídeo como o You Tube ou ainda discutir em redes sociais como o Facebook. Mesmo sendo apontado como o principal problema da rede, o acesso ao conteúdo digital é uma faceta da discussão que tem tomado conta da internet nos últimos tempos. Outra polêmica que promete fazer tanto barulho quanto essa envolve um valor que a imprensa ocidental sempre cultivou como supremo: a liberdade de expressão. Só que não se trata de algum governo tentando cercear essa liberdade, e sim dos abusos cometidos em nome dela. Que o diga o jornal O Estado de S. Paulo, uma das últimas vítimas. Neste mês de abril, a repórter Ana Freitas foi vítima de uma campanha de perseguição promovida por membros do fórum 55chan. Tudo por causa de uma breve menção ao site em um texto assinado por ela, que discorria sobre manias da web. Protegidos pelo anonimato, os “anões”, forma pelo qual os usuários do fórum se autodenominam, incitaram diversos atos de violência contra a jornalista. As ameaças iam de trotes infantis, como mandar pizzas para a sua casa sem ela ter pedido, até agressões físicas. Não bastasse isso, os membros do 55chan partiram para uma represália organizada contra o portal do jornal (www.estadao.com.br). A confusão havia começado na semana anterior, quando o Link, caderno de tecnologia do jornal, dedicou sua capa a fóruns que dão origem às manias da internet, geralmente piadas enviadas por e-mail e que trazem links, fotos e vídeos. Uma das matérias trazia como título Onde nascem e vivem os memes brasileiros. Escrita por Ana, começava assim: “O berço dos memes brasileiros também é um fórum. Mas não se trata das versões brasileiras do 4chan, do

brchan ou do 55chan. Nem de algum site obscuro. É no fórum de discussões de games do Uol, na área de ‘off-topic’, conhecida como VT (vale-tudo) que surgiram manias como o TENSO, que captura expressões de coadjuvantes de fotos e vai ampliando a imagem até que eles fiquem em primeiro plano, ou o Dourado Poder Supremo”. A reportagem não tratava do 55chan, mas bastou mencioná-lo para que seus freqüentadores reagissem. Apesar do fórum ser aberto para qualquer um, bastando entrar no Google para encontrá-lo, os “anões” detestaram a exposição no jornal. Quem dá uma passada pelo 55chan percebe claramente que por lá impera uma lei do silêncio. Publicidade de todo tipo não é bem-vinda e novos usuários chegam a ser chamados de “câncer” e de “cancro”. Foi com esse espírito que passaram a ser postadas no fórum fotos da repórter do Estadão e links para os perfis dela nas redes sociais. Não demorou muito e até seus dados pessoais, como endereço e telefone, passaram a ser repetidos inúmeras vezes entre as incitações de atos de violência. Ao mesmo tempo, o site do jornal era atacado. A estratégia dos usuários do fórum era gerar um excesso de comentários, aumentando o tráfego e tirando a página do ar. Durante o dia seguinte à publicação da reportagem do Link, o portal do Estadão foi muito atacado e diversos de seus blogs saíram do ar e páginas perderam formatação.

Trollagem e anonimato Justiça seja feita, no 55chan muita gente não compactua com esse comportamento arredio e nem aceita práticas como a trollagem, que no idioma da internet acontece quando pessoas se unem para atacar uma pessoa ou um site com ameaças e ações. Porém, aqueles que usam dessas práticas não percebem os crimes que cometem e como dão argumentos para aqueles que tentam fazer da internet um ambiente controlado. “Esses crimes vão da ameaça implícita à explícita, passando pelas ofensas pessoais, que podem ser classificadas como injúrias. Apesar do anonimato, com a tecnologia, os autores podem ser identificados e a punição pode recair inclusive sobre o dono do fórum. Espero que não seja necessário tomarmos essas providências”, disse Olavo Torrano, Gerente-Jurídico do Grupo Estado em entrevista ao próprio Link. Procurado pela reportagem do Jornal da ABI, o Editor do caderno Link, Alexandre Matias, informou que o Estadão preferia não se manifestar mais. A direção do jornal procura tirar de foco o tom pessoal que as ameaças contra a repórter Ana Freitas tomaram e evitar que o incidente dê argumentos para qualquer tipo de censura, ainda mais para quem questiona a liberdade de expressão. Em uma coluna publicada no Estado, o jornalista Pedro Dória, Executivo do jornal, assim se manifestou sobre a questão: “O Estado de S. Paulo sempre defendeu a liberdade, inclusive na internet. Mas o que a turma do canal 55chan.org fez foi uma covardia. A Constituição diz que há liberdade de expressão, porém que o anonimato é vedado. O documento parece sugerir que podemos dizer o que pensamos desde que assumamos a responsabilidade sobre o que dissemos. Meus colegas de Link são árduos defensores do anonimato na internet, mas eu já não divido a mesma certeza deles. Apesar de ser extremamente importante para a democracia, especialmente por trazer à tona

provas e denúncias contra grupos poderosos ao garantir segurança para o delator, que nos Estados Unidos é chamado de whistleblower; também pode proteger o crime. A questão talvez seja não proteger toda forma de anonimato, mas é muito difícil evitá-lo sem instalar um sistema de vigilância na estrutura da rede. Assim, se é para errar, talvez seja melhor errar pelo lado da defesa da liberdade, consciente de que abusos ocorrerão. É duro concluir assim, mas, como descobrimos, a liberdade não é fácil.”

Um campo fértil, aberto à barbárie, agora em debate É fato que o sucesso de muitos fóruns se deve ao anonimato e à moderação inexpressiva. No valetudo, surgem piadas, mas também casos de pedofilia, injúrias, propaganda que estimula o racismo e o nazismo. A web se transforma num campo fértil para todo tipo de barbárie. Num momento em que se rediscutem regras que garantam direitos, determinam responsabilidades e orientam a atuação do Estado no desenvolvimento da rede mundial de computadores, casos como esse são preocupantes. No dia 8 de abril, foi reaberto o debate público do Marco Civil da Internet no Brasil. A discussão, que deve durar até o fim de maio e pela qual a sociedade poderá opinar via internet mesmo sobre a minuta preliminar de anteprojeto de lei elaborado pela equipe do Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, deve ser acirrada justamente por conta dos abusos. É necessária uma lei que combata o crime, mas não puna a liberdade e a democracia. Um bom caminho para construí-la começa dentro da própria rede, onde muitos usuários precisam entender que seus desejos e ideais perniciosos, que ferem os direitos de tantos outros, nada têm a ver com a verdadeira democracia. Trata-se de mais uma falácia, pois a liberdade de uns não pode tolher a liberdade de consciência de todos. (Marcos Stefano)

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Direitos humanos

A OAB-RJ quer a verdade, toda a verdade da ditadura Campanha Nacional pela Memória e pela Verdade é lançada pela seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, que reclama a abertura dos arquivos do período da ditadura militar, para fazer justiça às suas vítimas. POR JOSÉ REINALDO MARQUES E PAULO CHICO

Confrontar-se com o passado, sem máscaras. Essa é uma receita básica para quem deseja fortalecer-se, espantar antigos fantasmas, e seguir em frente. Com esse princípio foi lançada em 16 de abril no Rio a Campanha Nacional pela Memória e pela Verdade, criada pela Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro/OAB-RJcom o objetivo de pressionar o Governo a abrir os arquivos do período da ditadura militar, sobretudo para o esclarecimento de casos de pessoas desaparecidas, em crimes até hoje não desvendados. Presente à solenidade, o Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, manifestou o seu apoio à OAB-RJ e sublinhou que a iniciativa fará uma enorme diferença na luta pela abertura dos arquivos. Para ampliar sua repercussão, a Campanha conta com o apoio de artistas. Seis dos mais populares atores do Brasil – Fernanda Montenegro, Osmar Prado, Glória Pires, José Mayer, Eliane Giardini e Mauro Mendonça – gravaram, gratuitamente, relatos de 30 segundos cada, em que interpretam militantes mortos e desaparecidos. Os depoimentos dão vida a seis desaparecidos políticos: Sonia Angel, Ana Rosa Kucinsky, Eleni Guariba, David Capistrano, Fernando Santa Cruz e Maurício Grabois. Eles começaram a ser veiculados em emissoras como TV Brasil, TV Comunitária, TV Senado e MTV. Participam ainda da veiculação a TV Globo e os canais Globosat (Globonews, Multishow, GNT, SporTV, Futura e outros), além da rede de cinemas do grupo Estação. “Esses são astros queridos pelo povo, pela classe artística, são formadores de opinião. Se essa campanha for bem veiculada, terá o poder de superar as dúvidas que ainda existem em torno do assunto que deveria ter 100% de aprovação nacional, pois se trata de uma cruzada que reivindica apenas o resgate da memória e o direito de cerca de 140 famílias de enterrarem seus mortos”, declarou Paulo Vannuchi. Lançada no Rio, a Campanha ganhou a imediata adesão das Seccionais da OAB no Pará, Bahia, Piauí, Amazonas, Distrito 28

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Federal, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe, Mato Grosso e Maranhão. Além do Ministro, fizeram parte da mesa da solenidade de lançamento da Campanha o Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, o Presidente da Seccional Rio de Janeiro, Wadih Damous, que organizou o ato e o presidiu; a Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Sueli Bellato; e o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. Além dos vídeos, dirigidos por Chico Abreia, a Campanha contará com anúncios em revistas e jornais e prevê um abaixo-assinado em apoio à abertura dos arquivos, que pode ser acessado pelo site da entidade no endereço eletrônico www.oab-rj.com.br. Nesse site também é possível conferir cartuns de Henfil que tratam justamente de temas políticos da época, como a anistia. Os desenhos foram cedidos para a Campanha pelo Instituto Henfil, dirigido por Ivan Cosensa, seu filho.

POEMA DE AFFONSO, UM DESTAQUE

A cerimônia de abertura do evento foi marcada pela leitura do poema Os Desaparecidos, de Affonso Romano de Sant’Anna, pelo Conselheiro federal da OAB Marcus Vinicius Cordeiro. Após versos contundentes - como

‘NÃO HÁ COVA FUNDA QUE SEPULTE A RASA COVARDIA. NÃO HÁ TÚMULO QUE OCULTE OS FRUTOS DA REBELDIA. CAI UM DIA EM DESGRAÇA A MAIS TORPE DITADURA, QUANDO OS VIVOS SAEM À PRAÇA, E OS MORTOS DA SEPULTURA’, Marcus Cordeiro proferiu discurso emocionado, no qual lembrou o drama das famílias em busca de informações sobre parentes presos e torturados durante a ditadura.


EXEMPLOS VIZINHOS, MAS IGNORADOS

Justiça?

O Presidente da OAB-RJ criticou as autoridades brasileiras pelo fato de o Brasil não ter seguido o exemplo de países vizinhos, que concederam às famílias dos desaparecidos o direito de saber seu paradeiro e à população como um todo a possibilidade de conhecer sua História. O Brasil, lembrou ele, tampouco promoveu de forma regular as chamadas ações reparadoras. “Este continua sendo um tema tabu aqui no Brasil. Temos cidadãos brasileiros que desapareceram como se nunca tivessem existido. E nós, da OAB, não conseguimos entender por qual motivo essa nova geração de militares, que nada teve a ver com aqueles episódios, não se insere nessa luta, inclusive para limpar a imagem do Exército Brasileiro”, afirmou Wadih Damous.

REVANCHISMO, NÃO!

Em declaração em nota da instituição, o Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, contestou a tese de que há revanchismo em relação aos militares na aplicação da Lei da Anistia contra os agentes da ditadura autores de crimes de tortura, seqüestro e assassinato. Diz um trecho da nota: “Trata-se do resgate da História e da memória da sociedade brasileira para o fortalecimento da Constituição e da democracia do País”, afirma a OAB. A declaração da OAB Federal coincidiu com recente artigo do Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão: “Alguns defendem a idéia de que a lei abrangeu os crimes de qualquer natureza cometidos durante o regime militar. Quer dizer que o Estado de Direito brasileiro é mesmo conivente com qualquer tipo de lesão aos seres humanos? Mutilações, massacres coletivos, torturas sistemáticas e genocídios podem ser perdoados, desde que elaborada uma lei em um contexto de transição? A ordem jurídica brasileira não se filia à melhor tradição ética ocidental desde Nuremberg? Seria a construção da paz somente possível sob os auspícios da impunidade? Não parece ser este o exemplo da Alemanha, dos países do Leste europeu, do Chile e da Argentina”, escreveu Paulo Abrão.

POR RODOLFO KONDER

QUEM FEZ, ONDE E QUANDO?

O Presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, também foi incisivo em seu pronunciamento no ato: “Temos o direito de saber o que aconteceu, como aconteceu e quem foi responsável pelo desaparecimento de mais de uma centena de pessoas que sumiram da História sem que jamais seus pais, filhos, mulheres e maridos tivessem obtido, pelo menos, seus corpos para sepultar com dignidade. Não nos movem sentimentos de revanche. Podem ficar tranqüilos setores do atraso que resistem e ameaçam o Governo com bravatas toda vez que reafirmamos nosso direito à memória e à verdade. Como sociedade madura, queremos apenas jogar luz sobre aqueles anos sombrios. Entendemos que a partir do conhecimento da História criaremos anticorpos na sociedade. Em especial nas novas gerações, para que jamais uma ditadura volte a nos assombrar.”

Sempre que um governo executa alguém, o humanismo naufraga nas águas turvas da insensatez. O castigo irreversível da morte imposta friamente pelo Estado é, na verdade, uma implacável loteria do terror. Neste momento, neste preciso momento, pessoas estão sendo enforcadas, fuziladas, eletrocutadas, envenenadas, decapitadas ou apedrejadas até à morte, em dezenas de países. É assim que aqueles governos fazem justiça? Negativo. A pena de morte, em primeiro lugar, serve aos regimes autoritários. É usada para eliminar presenças incômodas, dissidentes e adversários políticos. Para eliminálos ou intimidá-los. Também serve para banir minorias étnicas e grupos religiosos. Nos Estados Unidos, mesmo sob a presidência de Barack Obama, a percentagem de condenações e execuções, nos casos de crimes cometidos por negros, é bem mais alta do que nos casos de crimes cometidos por brancos. Justiça? A prática também revela que a evolução dos processos, no mundo da burocracia judicial, depende dos agentes de investigação, da política local, do poder econômico, dos preconceitos vigentes, da composição do júri, do juiz, da mídia, do clima criado em torno de cada processo. Não terá sido por acaso que 32 pessoas compro compro-vadamente inocentes foram executadas, nos Estados Unidos, no século passado. Estudos recentes da Anistia Internacional mostram que países como China, Irã, Sudão, Iêmen, Arábia Saudita e Estados Unidos se destacam entre os recordistas internacionais no derramamento de sangue. No Irã, 112 aplicações da pena capital aconteceram nos dois meses entre as eleições e a posse de Mahmoud Ahmadinejad. Intimidação? Os estudos revelam igualmente que a aplicação da pena de morte não contribui para reduzir a violência e a criminalidade. Ao contrário, estimula os violentos e os criminosos. A justa e humana indignação que sentimos diante de um crime hediondo não deve nos afastar de princípios éticos universais e do respeito à vida. A pena de morte é cruel e desumana. Torna o mundo menos civilizado. Brutaliza a sociedade. Destrói a moral. É uma agressão imperdoável à consciência dos seres humanos. É a vitória da barbárie e dos demônios do Holocausto. Rodolfo Konder, jornalista, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo.

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Direitos humanos

O Supremo absolve os que torturaram O Ministro Eros Grau, vítima da ditadura, conduziu a votação que, por sete a dois, concedeu aos que seviciaram presos o perdão que a Lei da Anistia não admitiu. POR CLAUDIA SOUZA

COMPARATO: É ÉTICO TORTURAR PRESOS?

Por sete votos a dois, após dois dias de julgamento, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram arquivar em 29 de abril a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF 153 ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB contestando a Lei nº 6.683/1979, a Lei da Anistia, e a sua extensão a casos de tortura e crimes comuns cometidos por civis e agentes do Estado durante a ditadura militar (1964-1985). A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, Ministro Eros Grau, ele próprio vítima da ditadura, que considerou improcedente o pedido da OAB. Na opinião dele, “não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que na transição do regime militar para a democracia resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979”. Acompanharam seu voto as Ministras Carmen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie e os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Melo e Cezar Peluso. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto defenderam uma revisão da lei, sustentando que a anistia não teve “caráter amplo, geral e irrestrito” e que “certos crimes são, pela sua natureza, absolutamente incompatíveis com qualquer idéia de criminalidade política pura ou por conexão”. O Ministro Dias Toffoli não participou do julgamento, porque estava à frente da Advocacia-Geral da União na época em que a ação foi ajuizada e chegou a anexar informações ao processo. O Ministro Joaquim Barbosa estava de licença médica.

AGENTES DE CRIMES COMUNS NÃO SÃO ABRANGIDOS PELA LEI Na ação, a OAB defendeu uma interpretação mais clara quanto ao que foi considerado como perdão aos crimes conexos “de qualquer natureza” quando relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política. No entender da OAB, a Lei “estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime” e, nesse contexto, não deveria alcançar os autores de crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, abuso de autoridade, lesões corporais, desaparecimento forçado, estupro e atentado violento ao pudor, contra opositores ao regime político da época. Argumentou a OAB que delitos de opinião não podem ser comparados ao cometidos por pessoas contrárias ao regime e os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal cometidos por representantes do Estado contra elas. 30

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Na interpretação da Ordem, os agentes policiais e militares da repressão política não teriam cometido crimes políticos, mas comuns, uma vez que os crimes políticos seriam apenas aqueles contrários à segurança nacional e à ordem política e social.

A PROCURADORIA E A AGU: PARECERES CONTRÁRIOS À OAB Em fevereiro deste ano, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ao gabinete do relator Eros Grau parecer pela improcedência da ação, sob a alegação de que a Lei resultou de um longo debate nacional, com a participação de diversos setores da sociedade civil, inclusive da OAB. A Advocacia-Geral da União-AGU também se posicionara contra a ação, alegando que a própria Constituição de 1988 reforça o caráter amplo e irrestrito da anistia ao qual se refere a Lei nº 6.683/1979; mesmo com a revisão da Lei da Anistia, sustentou, já não haveria punibilidade possível por prescrição dos crimes.

O julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental teve início na véspera, dia 28, no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Na abertura, o relator Eros Grau informou que havia rejeitado o pedido da OAB para a realização de uma audiência pública sobre o assunto. O motivo, segundo ele, foram “o grande lapso temporal entre a data de ingresso da ação (2008) e a solicitação da OAB (2010)”, e o fato de o processo “já se encontrar, quando o pedido foi feito, suficientemente instruído”. Eros Grau sublinhou que a Associação Juízes para a Democracia, que ingressou como amicus curiae (amigo da Corte) no processo, anexara à ação manifesto de juristas favoráveis ao pedido da OAB e um abaixo-assinado com 16.149 assinaturas contra a anistia dos militares. Também figuraram como amigos da Corte no processo a Associação Brasileira de Anistiados Políticos, a Associação Democrática e Nacionalista de Militares-Adnam e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional. O jurista Fábio Konder Comparato, representando a OAB, abriu o debate, lembrando na tribuna que o julgamento da Lei de Anistia tinha por objetivo “recompor a posição de dignidade do Estado brasileiro no concerto das nações, recuperar a honorabilidade das Forças Armadas, após os atos de arbitrariedade, terrorismo, seqüestro, assalto, tortura e atentado pessoal praticados por integrantes da corporação contra opositores do regime militar”. Ele questionou se “seria ético e dentro do direito torturar presos – pessoas fora de combate”. Falando em nome do Congresso Nacional contra o acolhimento da Argüição, a advogada Gabrielle Tatith Pereira salientou que “no instante em que entrou em vigor a Lei da Anistia extinguiu a punibilidade dos crimes políticos e conexos de qualquer natureza e de qualquer modo relacionados”.


“TORTURADO NÃO PODE PERDOAR TORTURADOR” A reação da ABI à decisão do Supremo Tribunal.

Em seguida ocuparam a tribuna do Supremo Tribunal Federal os chamados amigos da Corte. Representando a Associação Juízes para a Democracia, Pierpaolo Cruz Bottini destacou que o objetivo da entidade era que a decisão do STF representasse “um marco para as gerações futuras, para que nunca mais ninguém seja morto ou torturado por discordar de um regime político”. A jurisprudência internacional sobre a matéria foi lembrada por Helena de Souza Rocha, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional-Cejil. Ela destacou a tendência contemporânea do Direito Constitucional mundial de prestigiar normas internacionais destinadas à proteção do ser humano. Disse Helena Rocha que no entendimento da Cejil há um descompasso entre a interpretação que prevalece sobre a Lei da Anistia, a ordem constitucional vigente e o direito internacional dos direitos humanos. “O resultado do julgamento será uma mensagem clara contra a impunidade e em repúdio à cultura do segredo, afirmando em alto tom que nunca mais esses atos se repetirão”. A Associação Democrática e Nacionalista de Militares-Adnam foi representada por Vera Karan de Chueiri, para quem a Lei da Anistia viola preceitos fundamentais decorrentes da Constituição Federal. “O Supremo deveria levar em conta as violações aos artigos 2º, 8º e 25 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos”, afirmou. Na seqüência, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a constitucionalidade da Lei: “Não parece à Procuradoria-Geral aceitável fazer uma leitura atemporal do ato impugnado (a Lei de Anistia), atacando o mesmo contexto que possibilitou e conferiu legitimidade à convocação da Assembléia Nacional Constituinte”, avaliou. O Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams, também favorável à Lei da Anistia, afirmou que “não se pode questionar, 30 anos depois, a lei que anistiou não só os crimes políticos, mas também os crimes comuns relacionados a eles, pois isso acarretaria grave ofensa à segurança jurídica que impede que uma leitura mais gravosa da norma atinja situações jurídicas já consolidadas”.

O VOTO DO RELATOR: UM TEXTO DE 67 LAUDAS Por oito votos a um, o Supremo Tribunal decidiu analisar o mérito da Argüição. Ao todo, os ministros votaram sobre cinco preliminares apresentadas pela Advocacia Geral da União-AGU, pelo Senado Federal e pelo Ministério da Defesa. Todas foram rejeitadas pela maioria do Plenário. Somente o Ministro Marco Aurélio concluiu pela inadequação do instrumento processual (a ADPF) para contestar a norma. Em seu voto, de 67 laudas, o Ministro Eros Grau julgou improcedente a Arguição sob o fundamento

RETRATO-FALADO DO TORTURADOR, POR AYRES BRITTO “Um torturador não comete crime político, crime de opinião. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. O torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador.” (Trecho do voto do Ministro na sessão de 29 de abril de 2010 do Supremo Tribunal Federal.)

O torturado não pode perdoar o torturador, como fez o Ministro Eros Grau, preso e torturado durante a ditadura militar, ao relatar, no Supremo Tribunal Federal, a ação em que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionou o entendimento de que a Lei de Anistia, de 1979, se estende aos que praticaram torturas em presos políticos durante a ditadura militar. Além de condenar a decisão, a ABI lamentou que a Corte Suprema não tenha reclamado com mais clareza e vigor a abertura dos arquivos da ditadura, embora essa necessidade fosse mencionada por alguns dos juízes. O inconformismo da ABI foi expressado em declaração divulgada em 30 de abril, um dia após a decisão do Supremo Tribunal, na qual a Casa manifesta seu aplauso aos Ministros Ricardo Lewandovski e Carlos Ayres Britto, os únicos que votaram contra o entendimento de que a Lei da Anistia beneficiou os agentes do Estado que torturaram, estupraram e deram sumiço aos corpos de dezenas de homens e mulheres presos durante o regime militar. Diz a declaração da ABI: “O torturado não pode perdoar o torturador, como fez o Ministro Eros Grau, preso e torturado durante a ditadura militar, ao relatar, no Supremo Tribunal Federal, a ação em que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questionou o entendimento de que a Lei da Anistia, de 1979, favorece os agentes do Estado que torturaram, estupraram e deram sumiço aos corpos de homens e mulheres presos durante o regime militar. A ABI considera que faltou à maioria dos ministros do Supremo a coragem cívica de proclamar que esses crimes não têm conotação política e são imprescritíveis, como têm declarado eminentes juristas e como estabelecido em tratados internacionais de que o País é signatário, como a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos. É estranho que na véspera de julgamento de tal importância institucional os ministros do Supremo Tribunal Federal tenham aceitado convite para um jantar ou um encontro social com o Senhor Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, deixando que pairasse em setores da opinião pública a suposição de que a decisão adotada não enaltece a desejada e indispensável independência da principal Corte de Justiça do País. Nesse quadro de rendição a pressões de forças que não ousam expor-se à luz da opinião pública, a ABI considera também que é seu dever expressar aplausos às manifestações dos juízes que foram votos vencidos nesse histórico julgamento, os Ministros Ricardo Lewandovski e Carlos Ayres Britto, que negaram seu aval aos crimes praticados pelos monstros, como os classificou o Ministro Ayres Britto, que se valeram do poder do Estado para supliciar e humilhar homens e mulheres colocados sob sua custódia. Lewandovski e Britto, e não seus pares, ofereceram relevante contribuição à tentativa de esclarecimento de um período sombrio da nossa História que é preciso desvendar em toda a sua inteireza. A ABI reitera que, assim como a OAB Federal e a sua Seção do Estado do Rio de Janeiro, a gloriosa OAB-RJ, vai prosseguir na luta pela abertura dos arquivos da ditadura, que deveria ter sido reclamada com vigor, com manifestação formal e expressa, pelos ministros que decidiram perdoar os que não poderão jamais ser perdoados, pela iniqüidade e vilania dos crimes que cometeram. Rio de Janeiro, 30 de abril de 2010. Maurício Azêdo, Presidente.” Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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Direitos humanos

A DITADURA ADMITIA MUDANÇAS, MAS SOB O SEU CONTROLE O Ministro Ricardo Lewandowski abriu divergência ao defender a revisão da Lei. Em seu voto ele afirmou: “Julgo procedente em parte a ação para dar interpretação conforme ao parágrafo 1º do artigo 1º da Lei nº 6.683/79, de modo que se entenda que os agentes do Estado não estão automaticamente abrangidos pela anistia contemplada no referido dispositivo legal, devendo o juiz ou tribunal, antes de admitir o desencadeamento da persecução penal contra estes, realizar uma abordagem caso a caso mediante a adoção dos critérios da preponderância e da atrocidade dos meios para caracterizar o eventual cometimento de crimes comuns, com a conseqüente exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitos considerados conexos. É como voto”. O Ministro lembrou que a Lei foi editada em meio a um clima de insatisfação popular contra o regime autoritário e que os líderes do regime entenderam que era a hora de promover mudanças de forma controlada; a partir daí se deu a abertura lenta e gradual liderada pelo General Ernesto Geisel. Para Lewandowski, ainda que o Brasil estivesse enfrentando uma guerra, “mesmo assim os agentes 32

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DESAGRAVO

Prêmio da Unesco para jornalista torturada na ditadura Pinochet

estatais estariam obrigados a respeitar os compromissos internacionais concernentes ao direito humanitário, assumidos pelo Brasil desde o início do século passado, pelo menos”. O Ministro Ayres Britto concordou em que a norma não têm caráter amplo, geral e irrestrito. “Quem redigiu essa Lei não teve coragem, digamos assim, de assumir essa propalada intenção de anistiar torturadores, estupradores, assassinos frios de prisioneiros já rendidos, pessoas que jogavam de um avião em pleno vôo as suas vítimas”. A Ministra Ellen Gracie acompanhou o voto do relator, alegando que “a afirmativa de não recepção da Lei nº 6.683/79 pela Constituição de 1988 vai além do que poderiam razoavelmente pretender os que a sustentam, pois conduziria ao paradoxo de retirar o benefício de todos quantos foram por ela alcançados”. Ellen Gracie disse ainda que “por mais incômodo que seja reconhecê-lo hoje, quando vivemos outro e mais virtuoso momento histórico, a anistia, inclusive daqueles que cometeram crimes nos porões da ditadura, foi o preço que a sociedade brasileira pagou para acelerar o processo pacífico de redemocratização com eleições livres e a retomada do poder pelos representantes da sociedade civil”. O Ministro Celso de Melo defendeu a manutenção da Lei da Anistia e finalizou seu voto afirmando que “a improcedência da presente ação não impõe qualquer óbice à busca da verdade e à preservação da memória histórica em torno dos fatos ocorridos no período em que o País foi dominado pelo regime militar”. O Presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso, o último a votar, disse não ter entendido o porquê de a OAB ter questionado o acordo mais de 30 anos depois, tendo dele participado. Ele sublinhou que nenhum Ministro tinha dúvida sobre “a profunda aversão por todos os crimes praticados, desde homicídios, seqüestros, tortura e outros abusos – não apenas pelos nossos regimes de exceção, mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos”. Ressaltou, porém, que a anistia aos crimes políticos “é, sim, estendida aos crimes conexos, como diz a Lei, e esses crimes são de qualquer ordem, e que a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política”. Ao concluir, o Presidente do STF comentou que “se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua História, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia”: “Uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos, está condenada a um fracasso histórico”.

A jornalista chilena Mónica González Mujica (foto), presa e torturada sob a ditadura do General Augusto Pinochet (1973-1990), foi contemplada pela Organização de Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas-Unesco com o Prêmio Mundial Guillermo Cano de Liberdade de Imprensa, o qual inclui uma dotação de 25 mil euros – cerca de R$ 45 mil. Mónica González Mujica receberá o prêmio das mãos da Diretora-Geral da Unesco, a búlgara Irina Bokova, em cerimônia programada para Brisbane, Austrália, em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Depois de passar quatro anos no exílio após o golpe militar de setembro de 1973, a jornalista retornou ao país e passou a investigar as violações de direitos humanos e ações financeiras do General Augusto Pinochet e sua família. Por esse motivo, Mónica González continuou a ser perseguida pelo serviço secreto do regime e teve que deixar vários empregos. A jornalista foi presa e torturada entre 1984 e 1985. Mónica enfrentou ainda novas prisões e tribunais chilenos. Depois de libertada, continuou a publicar livros e artigos sobre os abusos da ditadura militar. A Unesco divulgou em comunicado o comentário do Presidente do júri, Joe Thloloe, ombudsman do Conselho de Imprensa da África do Sul, que elogiou a trajetória jornalística de Mónica: “Mónica González deu provas de valor e mostrou o lado obscuro do Chile ao longo de toda a sua vida profissional. Ela tem o espírito que inspira o prêmio. Foi presa, torturada e processada, mas continuou firme.” Desde 2007 Mónica González Mujica é diretora do Centro de Jornalismo e Investigação em Santiago. Ela foi recomendada ao prêmio da Unesco por um júri internacional formado por 12 jornalistas. Desde sua criação o Prêmio Guillermo Cano foi conferido aos seguintes jornalistas: Lasantha Wickrematunge (Sri Lanka, 2009), Lydia Cacho (México, 2008), Anna Politkovskaya (Federação da Rússia, 2007), May Chidiac (Líbano, 2006), Cheng Yizhong, (China, 2005), Raúl Rivero (Cuba, 2004), Amira Hass (Israel, 2003), Geoffrey Nyarota (Zimbabwe, 2002), U Win Tin (Myanmar, 2001), Nizar Nayyouf (Síria, 2000), Jesús Blancornelas (México, 1999), Christina Anyanwu (Nigéria, 1998), Gao Yu (China, 1997). O Prêmio Mundial Guillermo Cano de Liberdade de Imprensa foi criado em memória do editor de um jornal colombiano assassinado em 1987 por denunciar atividades de traficantes de drogas na região. (José Reinaldo Marques )

UNESCO/CAROLINA JEREZ

de que não cabe ao Poder Judiciário rever o acordo político que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979: “O acompanhamento das mudanças do tempo e da sociedade, se implicar necessária revisão da lei de anistia, deverá ser feito pela lei, vale dizer, pelo Poder Legislativo, não por nós. Como ocorreu e deve ocorrer nos Estados de direito. Ao Supremo Tribunal Federal, repito-o, não incumbe legislar”, salientou. Ele advertiu, contudo, que seu voto pela improcedência da ação não exclui seu repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e militares, policiais ou delinqüentes, porque há coisas que não podem ser esquecidas: “É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como foram no passado”. Em seu entender, não se pode questionar a legitimidade do acordo político que resultou na edição da Lei da Anistia, pois isso seria um desapreço a todos aqueles que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Ao término do voto, o Presidente do Supremo, Ministro Cezar Peluso, suspendeu a sessão, que foi retomada na tarde seguinte, dia 29, com o voto da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, que acompanhou o relator. “Buscou-se ali uma pacificação no sentido de transpor uma etapa para atingir a paz social”, disse a Ministra. Após o tradicional intervalo, em que os ministros deixam a sala de sessões para lanchar, o Plenário retomou o julgamento com a leitura do voto do Ministro Gilmar Mendes, que também julgou improcedente a Argüição. Mendes afirmou que o julgamento não geraria nenhum efeito prático, pois os crimes que foram anistiados já estão prescritos, tanto para a responsabilização de caráter penal, que prescreve em 20 anos, quanto a de natureza civil, que prescreve em dez anos.


MERCADO

TRISTES PÁGINAS

Em dois capítulos, histórias nada louváveis do maior grupo editorial brasileiro.

ILUSTRAÇÃO MARIA

P RÓLOGO O que faz uma editora? Publica livros, certo? Nada mais natural, portanto, que zele e tenha apreço por eles. E que tal se uma dessas empresas, na verdade, a maior do gênero no Brasil, sugerisse, em correspondência oficial enviada a 400 livrarias, o descarte, a destruição de centenas, milhares de exemplares de suas obras? Contraditório? Polêmico? Uma recomendação absurda num País tão carente de acesso à cultura? Pois saibam, há outras páginas estranhas ou, no mínimo, desconfortáveis e constrangedoras, no atual mercado de editoras no Brasil. Para colocar nas prateleiras e bancas suas obras de passatempos, uma segunda empresa desse mesmo grupo conta com a ajuda de centenas, milhares de profissionais, também chamados de colaboradores. Ao menos uma classe que atua neste processo parece não ser vista bem assim. Ou, pelo menos, sente-se explorada, desrespeitada no processo de confecção de sua arte. Falamos dos ilustradores. O manifesto, quase um desabafo de um deles, em seu blog particular, abriu o debate sobre quanto vale um desenho. Muito pouco, quase nada. É o que diz Zé Roberto Graúna, referindo-se a uma editora que, segundo seu próprio infame trocadilho, ‘não é de ouro’... Acompanhemos em detalhes nos próximos capítulos desta matéria duas histórias que, apesar de beirarem a ficção do absurdo, são verídicas. Tristemente reais.

POR PAULO CHICO

C APÍTULO I

Autópsia e descarte O E-MAIL CONTROVERSO

É habitual a troca de informações entre editoras e livreiros por meio de correspondência. Informes de mercado, lançamentos e, é claro, devoluções. Mas a mensagem eletrônica com data de 5 de abril de 2010 recebida por cerca de 400 livrarias em todo o País de início não provocou surpresa. “Buscando sempre apresentar soluções inovadoras para que o livreiro independente possa enfrentar a dura concorrência dos nossos dias, a Ediouro, maior grupo editorial brasileiro, e a SuperPedido Tecmedd, maior distribuidora, desenvolveram um

projeto para que o atendimento do catálogo e dos lançamentos dos selos Ediouro, Agir, Nova Fronteira, Thomas Nelson, Plugme, Desiderata e Nova Aguilar seja feito de forma mais prática e eficiente”, dizia a introdução da mensagem. O conteúdo mais impactante, contudo, estava reservado para o final do texto e tratava exatamente do balanço dos livros que, cedidos em consignação, não tivessem sido vendidos e de como deveria ser feita a devolução desse material à editora: “Para reduzir tempo e custo neste processo, iremos praticar a modalidade de Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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MERCADO TRISTES PÁGINAS

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Samuel Seibel, da Livraria da Vila, é categórico: “isso não pode acontecer”. Ele acredita que o caso deve servir para uma profunda reflexão. Fábio Herz, da Livraria Cultura, concorda: “Nada justifica essa postura. Livro não se destrói. Parece uma coisa da Inquisição”. Mais cauteloso, Rui Campos, da Travessa, lamenta que esses livros não sejam aproveitados por programas de incentivo à leitura e ações similares. Cláudia Amorim, da Malasartes, acha que foi uma tentativa atrapalhada de resolver um problema de frete.

O primeiro susto

“Quando li o e-mail, não acreditei. Guardei para ler mais tarde e pedi para outras pessoas lerem e confirmarem se a recomendação era mesmo para descartar os livros, sem nem mesmo avaliar quais títulos seriam descartáveis”, conta Claudia Amorim Malasartes, sócia da Livraria Malasartes, na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro. “É preciso destacar que, no nosso caso, não havia encalhe. Havia livros adotados pelas escolas, títulos de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, além do clássico O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, entre muitos outros infantis. Também havia livros de 34

Jornal da ABI 353 Abril de 2010

gourmets, como a Enciclopédia do Vinho, e vários de culinária, além de títulos novos, como O Seminarista, de Rubem Fonseca.” A livreira vê a inusitada orientação como uma tentativa atrapalhada de resolver um problema de frete, de fato bastante elevado num País de dimensão continental como o Brasil. Contudo, lamenta que a direção da empresa, ao tentar baratear esse custo, não tenha levado em conta o produto que estava sendo descartado. “Não acho que essa seja uma política da Ediouro. Foi uma solução para um problema pontual, sem uma análise adequada das repercussões. Editoras são, principalmente, empresas que vivem de livros, mas precisam faturar para se manter no mercado. Não houve diálogo, nem um prévio levantamento do que seria descartado. Duvido que a editora pretendesse jogar fora títulos novos; partiram da premissa de que seriam só encalhes”, acredita Cláudia Amorim. Diante da repercussão negativa junto aos livreiros, a Ediouro e a SuperPedido Tecmedd logo voltaram atrás na recomendação inicial. “O cancelamento do primeiro e-mail certamente ocorreu devido às manifestações dos livreiros. Não trabalhamos com importados, nosso foco são os infantis, mas sei que o descarte do miolo é feito apenas em casos de livros datados. Dicionários, códigos, guias ultrapassados que não podem mais ser vendidos. Em algumas situações, há desconto na compra dos novos quando se devolve o antigo”, diz Cláudia, que chegou a escrever para a editora, sugerindo a alternativa da doação das obras, como opção à simples destruição. Uma campanha pública com a venda desses livros a preços simbólicos não seria uma boa solução para o problema, e também para o País? “Só se as bibliotecas fossem realmente lugares de encontro e fizessem compras regulares para o acervo se manter atualizado. Além disso, a escolha dos livros teria que estar de acordo com os interesses dos leitores desses locais. Não adianta doar livros, simplesmente. Vender por um preço simbólico para o público, só se houver compromisso entre todos os

pontos de venda, as editoras e os autores”, sustenta Cláudia, que, apesar da resistência da maioria dos livreiros diante da orientação da Ediouro, soube de alguns colegas que seguiram à risca a receita de descarte dos exemplares. A segunda mensagem

“Rio de Janeiro, 20 de abril de 2010. Prezado Cliente. Diante das manifestações bem-embasadas e relevantes de alguns livreiros e com o objetivo de evitar a destruição de livros em um País carente de acesso à leitura, a Ediouro Livros decidiu rever o processo para o encerramento de suas consignações em aberto com seus clientes. “O que revimos efetivamente é o processo para o saldo de consignação existente no momento. Se antes oferecíamos 60% de desconto e pedíamos para que apenas capas e páginas de copyright fossem devolvidas, agora passamos a oferecer as seguintes opções: para quem optar pelo faturamento do saldo total consignado, oferecemos desconto especial de 80%. Para quem optar por parte do saldo consignado, o desconto permanece o oferecido anteriormente pela editora, ou seja, 60%.” O texto acima, extraído do corpo do e-mail que tentava contornar a polêmica aberta pela mensagem enviada 15 dias antes, reposicionava a postura da Editora DIVULGAÇÃO ESPM

devolução de capas das edições. Não será necessário enviar os livros fisicamente. A partir desta data, a capa, quarta capa e ficha catalográfica de cada livro a ser devolvido deverão ser enviadas acompanhadas de notas fiscais de devolução de consignação para o CNPJ e editora de origem. O miolo deverá ser descartado”, orientava, ainda de forma vaga. O procedimento a ser adotado era, então, detalhado no final do e-mail, onde há uma espécie de manual de instruções, com dicas como ‘passe o estilete desde a parte de cima da capa até o final da lombada, de forma que a capa se desprenda do corpo do livro’. Quase uma autópsia. E ainda: “repita este processo com todos os exemplares dos títulos constantes em seu mapa”. E mais: para finalizar, “descarte o miolo do livro. Sugerimos que aproveite para reciclagem de forma que sua utilização seja totalmente inviabilizada”. A mensagem, assinada por Alexandre Mathias, Diretor-Executivo do Grupo Ediouro Livros, e Gérson Ramos, Diretor Comercial da SuperPedido Tecmedd, fazia um balanço final, uma espécie de renovação de intenções, afirmando: Com esta iniciativa, esperamos não só dar continuidade ao nosso histórico de boas relações comerciais, mas também, ao facilitar o processo de consignação, permitir que você, livreiro, dedique mais tempo ao atendimento de seu cliente, promovendo a leitura e a cultura com o melhor e mais variado catálogo de títulos que podemos oferecer ”. Curioso, não?

diante do mercado. Quem explica melhor é o próprio Alexandre Mathias, que, com Gérson Ramos, também assinou o texto cujo trecho principal publicamos no parágrafo anterior. “Alteramos o sistema de atendimento às livrarias, concentrando-o na distribuidora SuperPedido Tecmedd. Para o início dessa operação, seria necessário que o livreiro finalizasse o saldo de consignação existente anteriormente, podendo adquirir com 60% de desconto os exemplares ainda não vendidos ao consumidor final. Para aqueles que faturassem o saldo total consignado, o desconto foi elevado para 80%. Do contrário, os livros poderiam ser devolvidos à editora. Sugerimos o descarte apenas como opção aos livreiros que eventualmente tivessem dificuldades em arcar com esse frete, mas em seguida decidimos que os custos ficariam mesmo a cargo da Ediouro”, diz Mathias. Quando questionado se a recomendação de mutilação de livros não é uma medida contraditória, especialmente num País como o Brasil, a resposta do Diretor-Executivo do Grupo Ediouro foi evasiva: “Esperávamos que a maior parte dos livreiros optasse pela compra dos exemplares consignados com o desconto elevado, que foi o que aconteceu. Em todo caso, passamos a arcar com todos os custos de frete caso o cliente preferisse a devolução. Aliás, como a Ediouro arcou com o frete, todos os exemplares não adquiridos pelos livreiros retornarão ao nosso estoque, como sempre ocorreu.” O livro como um iogurte

Mathias, da Ediouro: Sugerimos o descarte apenas como opção aos livreiros que tivessem dificuldades em arcar com o frete.

Bem mais contundentes são as observações de Milena Duchiade, da Nova Livraria Leonardo da Vinci, que funciona na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio. “Essa recomendação foi uma lástima, uma prova de que o livro está sendo tratado como produto perecível, tal como um iogurte. Minha reação foi de incredulidade, e havia decidido devolver os livros, pagando eu mesma o frete. Mas não iria destruí-los de modo algum.” Milena considera que a sugestão representou um grave equívoco, uma confusão entre o gerenciamento de um produto cultural de tempo lento em todas


as suas etapas: na gestação, feitura, distribuição e consumo. Ler é um processo demorado, assim como escrever. O descarte do miolo é comum justamente em produtos de consumo rápido, como revistas. “É possível que o vínculo e a tradição da Ediouro com a indústria de revistas, como a Coquetel, esteja na origem desta proposta. Ou, então, algum gerente originário de supermercados pode ter dado esta idéia. “Todos nós, que lidamos com livros, temos encalhe. Tentamos transformar em saldos promocionais os livros que envelhecem, se tornam amarelecidos ou estão machucados. Afinal, espaço é um problema para todos. Entretanto, sabemos que o bom livro é perene, e atravessa gerações”, resume Milena, que traça um paralelo com o que é praticado no exterior: “Nos Estados Unidos, os editores pagam imposto sobre o estoque. Para

U MA LISTA NOBRE Autores como Manuel Bandeira, Nélson Rodrigues, Ariano Suassuna, Millôr Fernandes poderiam ter seus livros destruídos caso os livreiros não tivessem se rebelado contra a orientação enviada por e-mail. Entre os livros que estavam em consignação e que foram salvos, vários são clássicos e atemporais: AUTO DA COMPADECIDA, Ariano Suassuna FEBEAPÁ 1, 2 E 3, Stanislaw Ponte Preta REVISTA DO LALAU, Sérgio Porto MINISTÉRIO DAS PERGUNTAS CRETINAS, Millôr Fernandes TRINTA ANOS DE MIM MESMO, Millôr Fernandes NOVAS FÁBULAS FABULOSAS, Millôr Fernandes A CONSCIÊNCIA DE ZENO, Italo Svevo POESIA COMPLETA, Ferreira Gullar LIBERTINAGEM & ESTRELA DA MANHÃ - 40 ANOS, Manuel Bandeira ESTRELA DA VIDA INTEIRA, Manuel Bandeira ITINERÁRIO DE PASÁRGADA, Manuel Bandeira A VIDA COMO ELA É, Nélson Rodrigues O CASAMENTO, Nélson Rodrigues O BERRO IMPRESSO DAS MANCHETES, Nélson Rodrigues TEATRO COMPLETO, Nélson Rodrigues O SEMINARISTA, Rubem Fonseca LUCIA MCCARTNEY, Rubem Fonseca AGOSTO, Rubem Fonseca TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - QUADRINHOS, Lima Barreto/Edgar Vasques e Flávio Braga DESENHOS DE HUMOR, Reinaldo ACONTECEU NA MANCHETE - HISTÓRIAS QUE NINGUÉM CONTOU, vários autores CACHORROS - COLEÇÃO NEW YORKER TERAPIA - COLEÇÃO NEW YORKER GATOS - COLEÇÃO NEW YORKER GRANDE SERTÃO: VEREDAS, Guimarães Rosa OBRA COMPLETA, Leon Tólstoi OBRA COMPLETA, Mário Quintana TERRA DOS HOMENS, Saint-Exupéry O PEQUENO PRÍNCIPE, Saint Exupéry A MEGERA DOMADA, William Shakespeare A TEMPESTADE, William Shakespeare O MERCADOR DE VENEZA, William Shakespeare JÚLIO CÉSAR, William Shakespeare HAMLET E MACBETH, William Shakespeare

evitar isso, existe um mercado secundário de saldos ou ‘remainders’, que vende livros novos a preços mais baixos. Também sei que são descartados livros datados, como guias turísticos ou guias de vinho, pois são atualizados periodicamente. O descarte também acontece para livros didáticos, quando surgem novas edições”. A transformação de encalhe em saldos parece ser a solução mais simples e óbvia, segundo a responsável pela Leonardo da Vinci. Existe um grande comércio de livros porta-a-porta, no interior do País, que poderia absorver boa parte destes livros. Feiras seriam outra alternativa viável. Diz Milena Duchiade: “A carência de canais permanentes de distribuição está na raiz do problema. Num País com quase 5.600 Municípios, temos menos de 3 mil livrarias. As bancas de jornais não dispõem de espaço. É preciso estimular a criação de livrarias e apoiar as poucas que resistem. Uma Lei do Preço Único, nos moldes da Europa, México e Argentina, ajudaria a nos proteger da concorrência predatória. Ninguém estranha pagar o mesmo preço num jornal ou revista, independentemente do ponto de venda. Este mecanismo permitiria que os best-sellers financiassem a permanência dos long-sellers em acervos. E diminuiria a sofreguidão com que editores despejam uma pletora de novidades.” Não há crise no mercado

“Nada justifica essa postura por parte de uma editora. Não há crise no mercado editorial do Brasil. Muito pelo contrário. Na última década, inclusive, atingimos um padrão de primor editorial crescente e mágico”, esclarece Fábio Herz, Diretor Comercial da Livraria Cultura, com sede na Avenida Paulista, em São Paulo, e outras dez lojas pelo País. “No aspecto conceitual, partimos do princípio básico de que livro não se destrói. Parece uma coisa da Inquisição, de fogueiras... Ainda mais num País com tamanha falta de acesso à cultura e de bibliotecas”. Na verdade, a orientação de descarte feita pela Ediouro em nada atingiu a Livraria Cultura. “Nós, por uma definição de política comercial, não trabalhamos com consignação, como fazem 95% do mercado. Nós compramos os livros, eles são nossos, não há devolução. O que requer, claro, muito mais planejamento e um empenho maior nosso nas vendas. Na verdade, a consignação gera uma postura controversa: ‘deixa os livros aí! O que vender vendeu, o que encalhar a gente devolve’, pensam muitos”, diz Fábio Herz. Samuel Seibel, da Livraria da Vila, também de São Paulo, é taxativo: “Minha posição é simples: isso não pode acontecer. E a editora percebeu isso, voltou atrás. Talvez alguém de bom senso tenha ouvido as críticas. A questão deve nos levar a outros temas de discussão, como a criação de bibliotecas, a oferta de livros para outros locais e, principalmente, a necessidade de se pensar mais na leitura como formadora cultural e educacional da população. Essa

discussão reforça o equívoco da editora, mas pode servir para uma profunda reflexão. E para vermos o que podemos aprender com esse episódio”. “Não há como não lamentar, em um País com maioria da população tão carente de acesso ao livro, que esses não sejam aproveitados por bibliotecas, programas de incentivo à leitura e ações similares”, diz Rui Campos, da Livraria da Travessa, do Rio de Janeiro, que faz um alerta. “É preciso evitar uma leitura leviana da questão. Temos que considerar as necessidades das editoras de sustentar seu negócio e sua viabilidade econômica. Mas escolas públicas, por exemplo, seriam um bom destino para esses livros. Nas livrarias, funcionam muito bem as promoções. E há outras formas, desde que não se inviabilize a editora

como agente produtora de livros.” Membro da Academia Brasileira de Letras, escritor e jornalista, Arnaldo Niskier fecha a questão de forma direta e objetiva: “O que vale mesmo nesta história é a decisão da editora de reconsiderar o que é usual, por exemplo, na distribuição de revistas. Lembro que isso acontecia na Manchete, para atenuar os custos do frete. É preciso considerar a extensão territorial do Brasil. Agora, a questão do pouco acesso ao livro é menos das editoras e mais dos governos. Quem deve zelar pela entrega do livro ao leitor carente é o Governo. Sou francamente favorável a esse enlace, a uma parceria entre governos e editoras. Todos ganhariam com isso. Não é uma boa sugestão para o Ministério da Cultura?”, indaga.

C APÍTULO II

Quanto vale um desenho? UMA POLÊMICA NASCE NA INTERNET

O segundo capítulo desta reportagem trata não diretamente da Ediouro, e sim da empresa Coquetel, que faz parte do grupo e atua no segmento de passatempos, com a publicação de revistas de palavras cruzadas, sudoku, infantis e criptogramas, entre outras. E, embora aqui seja apresentado depois, cronologicamente, teve início antes da polêmica sugestão de descarte de livros consignados, caso retratado no primeiro capítulo. Com o título Uma Caricatura Por Uma Gorjeta, o ilustrador Zé Roberto Graúna postou em seu blog pessoal (www.zerobertograuna.blogspot.com), no dia 29 de março, uma espécie de desabafo sobre as condições de trabalho impostas aos ilustradores. “Quanto paga uma editora que não é de bronze, não é de prata e nem é de ouro? Há tempos escuto histórias sobre as péssimas condições de trabalho de boa parte de nossos desenhistas. Quer sejam eles cartunistas ou ilustradores, a maioria vive se queixando do quanto as editoras pagam por um desenho. Entendo que a queixa é velha. Porém, espanta-me o fato de saber que algumas editoras insistem em pagar valores abaixo da crítica, mesmo quando aparentemente vendem bem suas publicações. E espanta-me mais ainda o fato de muitos dos nossos desenhistas aceitarem valores tão acachapantes”, assim iniciava Graúna, que seguia em frente. “No Rio de Janeiro, existe uma dessas editoras que tem a petulância de

DESENHO DE AMORIM PUBLICADO NUMA REVISTA COQUETEL: PROFESSOR RAIMUNDO, PERSONAGEM DE CHICO ANÍSIO.

oferecer a bagatela de R$ 35 por uma caricatura. O leitor não entendeu errado. Estamos falando mesmo de 35 reais. O ridículo valor deveria ser estudado e divulgado pelo Guinness Book como recordista absoluto na categoria ‘farinhaJornal da ABI 353 Abril de 2010

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MERCADO TRISTES PÁGINAS

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Mattias (acima, numa caricatura de Manohead) vê como um retrocesso a posição passiva dos desenhistas. Zé Roberto Graúna acha que o valor é uma gorjeta, não um pagamento: “Alguns desenhistas fazem papel de garçons que entregam seus desenhos numa bandeja de lata”. Nei Lima, no entanto não concorda: “Nós ficamos à mercê dessa escravidão. É muito fácil criticar quem aceita esse tipo de condição das editoras, mas tenho contas para pagar.” Segundo J.Bosco, a Ediouro trata os desenhistas com “grande desprestígio”.

pouca-meu-pirão-primeiro’. Importante ressaltar que a tal editora não é pequena, nem alternativa. Na verdade, tratase de uma das maiores empresas do País, que adquiriu há pouco tempo duas outras famosas editoras cariocas. Essa editora tornou-se famosa por jogar nas bancas de jornais dezenas de revistas especializadas em passatempos. (…) Obviamente que qualquer leitor, por mais leigo que seja, e mesmo que nunca tenha completado um jogo de palavras cruzadas na vida, sabe a qual editora estou me referindo”, prosseguiu. A referência velada à Ediouro, presente no trocadilho logo no início do texto, tornou-se mais clara com os diversos comentários que se seguiram à publicação do texto. Um dos colegas que se manifestaram no blog foi Mattias, que também falou ao Jornal da ABI: “A visão de mercado que tenho hoje é de amplitude e desenvolvimento. Existe a questão da ‘lei da procura’ que é infinitamente superior à ‘lei da oferta’. E, muitas das vezes, o mesmo cartunista que publica aqui, independentemente do quanto ganha, quer ganhar lá. E, não satisfeito, quer acolá também. E quase sempre são os mesmos, querendo abraçar o mundo com as pernas. Geralmente, são esses que não se importam com a desvalorização do trabalho. Esse ilustrador quer é ganhar. E se o ‘ganhar’ significa fazer mil ilustrações, cobrando R$1,00 por cada imagem, assim ele fará.” Uma questão de classe?

Em sua postagem, Graúna faz duras críticas a colegas que se submetem ao que considera brutal exploração por parte das editoras. “Uma justificativa, defendida por um colega, afirma que, se a gente não aceitar os imorais R$35, outro profissional chega e acaba pegando o serviço. Então, fica combinado assim: trabalhar para a tal editora é como se fosse uma corrida de otários travestidos de desenhistas. O bobo que chegar primeiro pega o trabalho. Convenhamos: desenhar por 36

Jornal da ABI 353 Abril de 2010

35 merrecas é coisa de trouxa mesmo. (...) Entendo que esses desenhistas fazem na verdade o papel de garçons, que entregam seus desenhos numa bandeja de lata, já que 35 pilas por uma caricatura se caracteriza mais como uma gorjeta do que um pagamento”. Mattias também relata sua experiência na editora, e condena, além dos valores praticados no pagamento a ilustradores, a postura dos colegas: “Trabalhei na Ediouro entre 1997 e 1998. Em dia de pagamento e entrega de material, encontrava por lá, além dos cartunistas “frilas”, alguns que tinham seus espaços dentro de jornais conceituados. E sempre que chegava alguém mais novo, argumentava o seguinte, ‘Se fulano de tal, que publica em jornal e é conceituado no mercado, se sujeita aos preços pagos pela empresa, por qual motivo eu não vou aceitar?’, questionavam. Existe, sim, o desprestígio tanto por parte de algumas empresas, quanto por parte de alguns companheiros de profissão. Mas também existem empresas que valorizam o trabalho do ilustrador ”, ponderou. A percepção de Graúna é bem diferente, principalmente ao justificar quais motivos o levaram a escrever o post: “Na verdade, eu percebo que esses valores desabam a cada ano... E que alguns colegas colaboram de fato para que isso aconteça, quando aceitam trabalhar por qualquer valor... Eu, então, marquei um encontro com alguns desses colegas para papear sobre o assunto, mas concluí que eles acham mesmo que devem aceitar esses valores. Resolvi escrever o texto para registrar minha opinião. Aliás, há meses que não desenho para ninguém, porque não tenho como concorrer com esses colegas que aceitam valores tão baixos”, lamentou, informando que alguns deles enveredam

por outras áreas de comunicação e artes, como a diagramação ou a programação visual. E muitos atuam ministrando aulas de desenho em escolas e faculdades. Sinais de um tempo em que o mercado para os ilustradores é cada vez mais restrito: “A chamada grande imprensa não absorve ninguém há anos. Os profissionais que atuam nos jornais estão lá há 20 ou 30 anos. E a imprensa alternativa não existe mais. Hoje esse espaço se resume aos jornais de bairros, que não

UM ASTRONAUTA, NA VISÃO DE AMORIM. À ESQUERDA, DESENHO DE MACHADO.

passam de tablóides de anúncios. As ilustrações foram praticamente extintas de jornais e revistas. Acredito que isso se deva ao desenvolvimento da informática. Hoje é mais barato manipular fotos e criar imagens como ilustração. Infelizmente, a maioria das pessoas que comandam um setor de artes numa editora não é do ramo, não entende nada de ilustração e nem sabe quem foi um J. Carlos ou um Mendez”, critica Zé Roberto Graúna. “Na verdade, o desenho nunca foi visto com o mesmo respeito das artes


Todos os ótimos desenhos em preto e branco que ilustram esta matéria foram publicadas em quatro edições das revistas Coquetel: Grande Hércules, 261 (Diretas, nível médio); Desafios de Lógica, 90 (Médio difícil); Busca Palavra 187 (Fácil) e Cruzadox, 113 (Médio). Preço de cada revista: R$3,60 (exceto Busca Palavra, que custa R$ 3,40)

ACIMA, DESENHO DE NIVALDO; AO LADO, CANDI.

plásticas e da literatura. Acho que para reverter esse quadro só mesmo quando os cartunistas se conscientizarem da sua importância. Mas isso requer anos de conversa. E, pra ser sincero, acho que a classe é uma das mais desorganizadas que temos nesse meio”, diz Graúna, que, crises à parte, vê novos talentos chegando ao mercado. “Todos os dias descubro um monte de gente boa na internet. Aliás, a rede é uma válvula de escape para esses meninos. Veja, por exemplo, o João, que participou da exposição de cartuns do centenário da ABI... Ele tem uns 14 anos. E tem a Maria, que hoje é colaboradora do Jornal da ABI, e é uma talentosa ilustradora e caricaturista”. “Prostitutos do traço”

“Chamo esses meus colegas, que desenham por qualquer valor, de ‘prostitutos do traço’. Qualquer ‘agrado’ já garante o serviço. Vejo como um retrocesso a posição passiva ou de mendicância à qual muitos companheiros se sujeitam e promovem em relação aos demais, por conta de seus interesses. Como já ouvi dizer, ‘é pouco, mas dá para tomar umas cinco geladas’. Eles precisam se valorizar”, dispara Mattias, que hoje é responsável, em parceria com o cartunista Ray Costa, pelo Projeto Sorrialengo, no Rio de Janeiro, onde crianças, jovens e adultos utilizam o desenho de humor para promover suas comunidades. Há quem, por outro lado, adote uma postura mais pragmática em relação à questão, como Nei Lima: “As editoras exploram os desenhistas fixando um valor que elas acham justo pagar. E aí nós ficamos à mercê desta ‘escravidão’. Eu sou um desses colaboradores. E se me perguntam porque aceito essa condição, respondo que tenho contas, que moro em um apartamento alugado e sem alguém com quem dividir as despesas. É muito fácil criticar quem aceita esse tipo de condição das editoras. Mas, se eu não aceito, tem quem aceite... E eu saio perdendo de qualquer forma. Há quem aceite, pois precisa sustentar a família. Outros ainda estão começando e querem fazer portfólio. Não podemos ser

radicais e sair criticando essas pessoas sem tentar esclarecer o porquê dessa situação. Feliz é quem tem condições de rejeitar essas ofertas”, pondera ele, que também vê na histórica desunião da classe um dos fatores que permitem a exploração pelas editoras. Então, o que levou a essa desvalorização das ilustrações e de seus autores? “Penso que as editoras enxergam o desenhista como um marginal, que coloca um pedaço de papel sobre a perna e faz um desenho rapidamente. Tudo no Brasil, no fundo, é uma questão de educação. Não fomos e não somos educados para apreciar a arte. Veja só: até a charge do Chico Caruso, no O Globo, sai espremida num cantinho do pé da página, quando sabemos que seus originais, feitos à mão, são em tamanho A3. Aqui, os desenhos são jogados na lata de lixo”, avalia Nei Lima, que, para sobreviver, leciona numa faculdade de Artes Visuais em Niterói. “Mas tenho que manter os meus clientes como freelancer, já que os professores são outra classe desvalorizada deste País.” A astróloga e ilustradora Eliane Soares, que desenvolve projetos de ilustrações gráficas concorda com Nei Lima. A polêmica se resume a uma palavra: educação. Diz ela: “O ensino precisa reconhecer a arte

JÔ SOARES, POR ULISSES.

como o fundamento de qualquer aprendizado. A minha tristeza é ver os anos passarem e nada acontece! Assim, cada vez menos pessoas sabem reconhecer um trabalho de valor artístico, ou são capazes de distinguir a real dimensão de uma obra de valor, muitas vezes confundida com simples rabiscos. A falta de cultura de alguns editores que preferem a solução fácil de publicar uma foto básica na capa da revista ou num anúncio em lugar de buscar o grafismo de uma ilustração diluiu a criatividade e reduziu consideravelmente o campo de trabalho. Senti isso principalmente a partir dos anos 1980.” “Nunca prestei serviços para a Ediouro, mas sei do grande desprestígio com que a editora trata os ilustradores. Porém, acredito que isso aconteça por causa da aceitação dos próprios profissionais. A prática não se repete em outras editoras... Tenho trabalhos publicados recentemente para livros didáticos, na maioria com valores superiores a R$ 250, uma espécie de piso. Não acho que o desprestígio dos ilustradores seja geral, pois conheço grandes profissionais que estão sempre recebendo convites para ilustrar

livros com salários dignos. Depende do profissional aceitar ser humilhado. No meu caso, não faço. Dou sempre uma desculpa que estou muito ocupado. Já recebi várias propostas absurdas. Se o profissional aceita, ele é o maior culpado pelo próprio aviltamento”, acredita J. Bosco, que há mais de 20 anos empresta seus traços a O Liberal, jornal do Pará. Ele também não vê retração no mercado de jornais: “A própria Folha de S. Paulo faz concursos para ilustradores e chargistas à procura de novos talentos. O ilustrador Mauro Souza é um grande exemplo de profissional que, todos os dias, ilustra diversos jornais e revistas, e atua nos estúdios Maurício de Souza. Outro grande profissional é o Orlando Pedroso, da Folha de S. Paulo. O Caú Gomez faz charges e ilustrações no jornal A Tarde, de Minas. Não tenho do que reclamar. Acho que tem muita gente reclamando muito e trabalhando pouco. Vejo um crescimento do mercado. A internet está ajudando muita gente a divulgar seus trabalhos. Mas vejo um bando de malucos brigando em blogs, ficando velhos e sem espaço. Hoje sou um cartunista multimídia... O próprio mercado exige isso”, concluiu. No fim de tudo, o silêncio

Procurada, a Direção da revista Coquetel e da Ediouro preferiu não se pronunciar sobre o texto de Zé Roberto Graúna, sua repercussão e o mercado atual de ilustradores no Brasil. RAUL GIL E FREUD, DE ULISSES; TOM CAVALCANTE, DE NEI LIMA, E LAPLACE, DE MACHADO.

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Livros

A imprensa num perfil coletivo Contar a evolução do jornalismo no Brasil é essencialmente falar sobre seus protagonistas. É o que está fazendo a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que lançou uma coleção com perfis biográficos de destacados profissionais da mídia nacional. REPRODUÇÃO

POR MARCOS STEFANO Diferente do que acontece em muitos países, a cara da imprensa no Brasil não é a de uma grande emissora de televisão, de um centenário jornal ou de um gigante grupo de comunicação. Sua face mais marcante é a dos profissionais que a construíram, jornalistas singulares, dos mais diversos estilos, mas capazes de marcar indelevelmente a palavra escrita e falada no País. Se é impossível falar da História da Imprensa brasileira sem mencionar esses protagonistas, quando se trata de suas vidas, é natural contar histórias que revelam a própria trajetória da sociedade nacional. Mencionar nomes como o de Juca Kfouri, José Ramos Tinhorão, Roberto Müller Filho e Paulo Francis é recordar a evolução do jornalismo brasileiro e esmiuçar a lida recente da nação. É o que faz – e muito bem – a coleção Imprensa em Pauta, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Depois de lançar Juca Kfouri – O Militante da Notícia, de Carlos Alencar, ainda em 2006, a coleção foi retomada agora com outras três novidades: Paulo Francis – Polemista Profissional, de Eduardo Nogueira; Tinhorão – O Legendário, de Elizabeth Lorenzotti, e Roberto Müller Filho – Intuição, Política e Jornalismo, de Maria Helena Tachinardi. Todas são obras que transitam entre o perfil e a biografia, repletas de fotos, capas de jornais e revistas, ilustrações e, em alguns casos, ma-

Juca Kfouri abraça Pelé durante a festa de relançamento da revista Placar, em 1995, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.

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a concepção da Gazeta Mercantil nos anos 1970, uma das mais influentes publicações de política, economia, negócios e diplomacia daquele tempo”, explica Tachinardi. O livro começa com a vida em família de Müller, ainda em sua infância em Ribeirão Preto, no interior paulista, seu envolvimento com a política ao ter contato com o Partido Comunista Brasileiro-PCB, e a formação em Química. Passa ao jornalismo, quando mostra o começo de carreira na Rádio PRA7, seu ingresso na Folha de S. Paulo, ainda como copidesque, e passagens pela Veja, Realidade, Visão e Expansão. Em 1974, ele assume como Editor-Chefe da Gazeta Mercantil, com a missão de transformar o jornal em um veículo independente, in-

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Müller num visual bem diferente durante os primeiros tempos da Gazeta Mercantil.

terial produzido pelos biografados. Mas não se limitam à reportagem biográfica. Muito por causa da proposta da série, mas também pela qualidade dos autores, todos jornalistas de grande experiência, que acabaram até vivendo parte daquilo que contam, mas são capazes de conciliar essa prática profissional com uma sólida base acadêmica que permeia e contextualiza os textos. É o caso de Maria Helena Tachinardi, que construiu parte de sua carreira entre os bancos escolares de importantes instituições como a Universidade de Navarra, da Espanha, a Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne, a Universidade de Maryland, Estados Unidos, e atualmente é membro titular do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional-Gacint, da Universidade de São Paulo-Usp. Para falar da vida de Roberto Müller Filho, tão importante quanto sua formação foi ter trabalhado por mais de duas décadas na Gazeta Mercantil – jornal em que foi repórter, correspondente em Brasília e em Washington, EUA, Editora-Executiva da Gazeta Latino-Americana e da seção Internacional. Metade dessa carreira sob a chefia do próprio Müller. “Dessa forma foi fácil esboçar um roteiro de temas que o livro cobriria. A partir daí, escrevi o texto com base em duas longas entrevistas que o Müller, auxiliado pelo Antônio Gouveia, amigo próximo que o ajudou a rememorar fatos dos tempos do jornal e do Gabinete do Ministro Funaro, na época do Ministério da Fazenda. Não dá para falar em jornalismo econômico no Brasil sem tratar do trabalho feito pelo Müller. Por isso, procurei mostrar como suas idéias de patriotismo, de nacionalismo e de justiça social ajudaram a entender como se deu

fluente e rentável. Vai muito além. Em pouco tempo, a publicação se torna referência para o mundo empresarial e financeiro. Quem queria antecipar os fatos, destrinchar planos econômicos e entender certas medidas polêmicas precisava ler a Gazeta. Não somente aqui, mas também no exterior. No prefácio do livro, Matias Molina, que trabalhou como correspondente do jornal em Londres, conta que representantes do Departamento de Estado, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial procuravam receber por telex as principais informações e análises publicadas em suas páginas. Como conseqüência, a facilidade para conseguir entrevistas exclusivas era muito grande. “O Brasil ganhava então um jornal realmente nacional e que serviu como modelo para todo o jornalismo econômico praticado aqui. Era uma cobertura pautada não tanto pelo furo, mas pela precisão dos indicadores, informação bem apurada e aprofundada. O Müller teve a visão de antecipar em anos a segmentação da cobertura para que as pessoas entendessem melhor como seus interesses eram afetados. Dava gosto trabalhar lá. Pela primeira vez os jornalistas assinavam suas matérias e a tradicional competição deu lugar a um trabalho em grupo para ir mais fundo nas reportagens. Isso até ganhou um nome: “estética das relações”. Por isso, ao falar sobre a vida de Müller, trato também da história recente do jornalismo econômico, dessa jornada da Gazeta Mercantil e das idas e vindas da política econômica ao longo desses anos, terminando com uma discussão sobre alternativas para esse tipo de jornalismo hoje”, completa Tachinardi.

O livro do Francis reproduz muitas fotos, entre elas esta do fotógrafo Milton Michida.


Furos e contradições

Diário Carioca, que introduziu o lide e o manual de redação no Brasil, e o Jornal do Brasil, com seu histórico Caderno B. A iniciativa da Imprensa Oficial é exemplar, pois há muitos nomes de destaque no jornalismo nacional, cujos trabalhos não são devidamente reconhecidos”, diz a jornalista e Professora Elizabeth Lorenzotti, autora de Tinhorão – O Legendário. Doutoranda em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Usp, Elizabeth dedica-se atualmente a pesquisas nas áreas de jornalismo cultural e História da Imprensa, analisando suplementos literários publicados por jornais. O interesse por Tinhorão, no entanto, começou muito antes, já que Lorenzotti o acompanha desde os tempos de JB e Pasquim e já havia feito outras entrevistas com o jornalista, que, segundo ela, é autor de textos brilhantes, cheios de bom humor, uma profunda visão cultural e audácia intelectual: “Tinhorão é uma figura ímpar para se entender o jornalismo cultural brasileiro. Começou como copidesque no Diário Carioca, em 1952, e poderia ter continuado assim a vida toda, ainda mais com a habilidade que tinha para textos literários. Mas era tão irrequieto, que fez valer o apelido ganho como “sobrenomeadjetivo”: Tinhorão, na verdade, uma planta tóxica. Ele sempre nadou contra a corrente. Gostava de escrever em suplementos de cultura e dizia que a Bossa Nova é uma variante americana do samba, tão brasileira como um carro montado no Brasil. Que João Gilberto inventou um jeito de cantar para adaptar a música brasileira ao estilo norteamericano. É um pesquisador nato, capaz de dizer que o samba nasceu no Rio e não na Bahia, que a modinha surgiu no Brasil como dança e só depois chegou a Portugal como canção. Pode-se até discordar dele, mas ainda não vi ninguém contradizê-lo”, diz Elizabeth Lorenzotti. Livros que começam com o lide

Ela conta que foi justamente por causa dessa “alma de pesquisador” que o jornalista recebeu ordem de Reinaldo Jardim, em 1961, no JB, para produzir uma série sobre a música popular brasileira. “Mas não existe livro, pesquisa, quase nada sobre isso”, tentou argumentar Tinhorão. “Se vira, vai entrevistar o Sérgio Cabral, faça qualquer coisa”, ordenou Jardim, mal sabendo que estava criando um “monstro”. “Monstro”, no bom sentido, diga-se de passagem, já que Tinhorão escrevia muito, como bem pode ser constatado em alguns de seus artigos resga-

tados pela autora no final do livro. Com seu nacionalismo e críticas à Bossa Nova, ganhou fama de chato, uma injustiça para quem foi o principal responsável pelo resgate da obra de artistas como Cartola, Nélson Cavaquinho, Bide e tantos outros. E também resgatou da mesmice as seções de cultura de tantas publicações, entre elas o Correio da Manhã, O Cruzeiro, O Jornal, Última Hora, Veja e JB. Tinhorão só deixou o jornalismo na década de 1980. Insatisfeito com a profissão e com a vida pessoal. Mas não deixou de escrever. Apenas passou se dedicar integralmente a outra paixão: os livros. Aos 82 anos, já são 30 publicados

CEL LISBOA/DIVULGAÇÃO

Talvez falar sobre a vida de seus personagens seja a melhor maneira de traçar uma autêntica cronologia da imprensa no Brasil. Quando escreveu há quatro anos Juca Kfouri – O Militante da Notícia, Carlos Alencar, ex-repórter e editor de veículos como A Gazeta Esportiva, Folha da Tarde, Diário Popular, Diário de S. Paulo e Lance!, percebeu e aproveitou muito bem disso. Seu livro não se limita a contar a trajetória de um dos principais jornalistas esportivos brasileiros, dos tempos de militância de esquerda, na Aliança Libertadora NacionalALN, de Carlos Marighella, às disputas com cartolas da indústria do futebol e donos de algumas das grandes empresas jornalísticas do País. Como se isso não bastasse para um belíssimo livro. Mas Alencar aprofunda um pouco mais: mostra a transformação do jornalismo esportivo, da mera cobertura factual ao surgimento das reportagens investigativas que deram prestígio ao gênero em uma nação onde o esporte é cada vez mais importante. Aliás, isso está nas entrelinhas do texto inteiro. Polêmicas também não faltam em Paulo Francis – Polemista Profissional. Para fugir do que já haviam feito outros autores que abordaram a vida e a carreira de um dos mais conhecidos e influentes – assim como amado e odiado – profissionais da imprensa brasileira de todos os tempos, Paulo Eduardo Nogueira, Editor-Executivo da revista Scientific American Brasil, é claro e direto, mas com leveza e elegância, um estilo típico de Francis (1930-1997). Assim, conta como ele fundou o Pasquim, em 1969, colaborou nos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, e na TV Globo. Se exalta a eloqüência e a capacidade, não esconde os pecados, trazendo as principais polêmicas com artistas, políticos e intelectuais e que não deixavam ninguém indiferente. O livro é um ótimo exemplo do espírito da Coleção Imprensa em Pauta. Ao mesmo tempo que analisa as contradições do trotskista que se transformou em conservador, traz um ensaio fotográfico de Francis, produzido por Bob Wolfenson na década de 1980, e revela bastidores e mecanismos da grande imprensa no Brasil. “A História da Imprensa no Brasil é contada em grande parte por homens e mulheres marcantes. Quando comecei a pesquisar sobre a vida do José Ramos Tinhorão, percebi que era necessário falar dele, mas também das reformas promovidas nos anos 1950 e 1960 por jornais em que ele trabalhou, como o

no Brasil e em Portugal. Mesmo sem o reconhecimento formal da Academia, não há quem não o respeite como pesquisador. Por causa disso, comprou outra briga com sua língua afiada, ao afirmar que “esse pessoal come Tinhorão e arrota Mário de Andrade”. Como se pode perceber, a erudição do pesquisador da cultura urbana não conseguiu vencer o espírito jornalístico do Legendário, o homem que começa um livro sempre com um lide. Todas essas singularidades, assim como os bastidores da imprensa carioca dos anos 1950 e 1960, são trabalhadas com maestria em Tinhorão – O Legendário. Mas, afinal de contas, por que “Legendário”? Com a palavra final a autora Elizabeth Lorenzotti: “Nos tempos de Diário Carioca, Tinhorão ganhou fama também pela versatilidade de seu texto. Não apenas possuía um estilo delicioso, mas também um poder de síntese sem igual. Por isso, era sempre chamado para fazer as legendas e os textos-legenda do jornal. Unindo refinamento e síntese, ganhou o muito apropriado epíteto de “Tinhorão, o Legendário”.

O Presidente da ABI foi abraçar o amigo Tinhorão, que autografava seus livros no Centro Cultural do IMS. Ele parece dizer: "Este é o cara".

O resgate de um acervo inestimável O Centro Cultural do Instituto Moreira Salles realizou no dia 13 de abril em sua sede, na Gávea, Rio de Janeiro, o evento que marcou a chegada do rico acervo do jornalista José Ramos Tinhorão à Reserva Técnica Musical da entidade, onde foi apresentada uma exposição com alguns dos milhares de itens que passaram por um processo de catalogação desde 2001 e que até o final deste ano estará disponível para consultas. São mais de 12 mil discos (de 76, 78 e 33 rpm), 14 mil livros especializados em cultura popular urbana, além de fotos, filmes, scripts de rádio, cartazes, jornais, revistas, rolos de pianola, folhetos de cordel, press releases de gravadoras. Na mostra, que teve curadoria do

próprio Tinhorão, os visitantes puderam apreciar discos de samba anteriores ao famoso Pelo telefone, de Donga; o primeiro registro fonográfico de Carmem Miranda, Não Vá s’Imbora; a mais rara gravação de Francisco Alves, O Pé de Anjo, e peças que mostram facetas artísticas pouco conhecidas de Di Cavalcânti, que foi ilustrador de anúncios, chargista político e capista de livros de Manuel Bandeira e João do Rio. No evento foram lançados três livros: A Música Popular que Surge na Era da Revolução (Editora 34) e Crítica Cheia de Graça (Empório do Livro), ambos de José Ramos Tinhorão; além de Tinhorão, O Legendário (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), de Elizabeth Lorenzotti.

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DOCUMENTO

Exposição exibe imagens históricas de dois grandes fotojornalistas da Era JK. POR MARCOS STEFANO

INAUGURAÇÃO DE BRASÍLIA, SÉRGIO JORGE

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s anos 1940 e 1950 foram tempos de mudanças no Brasil. Repetidos à exaustão pela imprensa, termos como industrialização, integração nacional, desenvolvimento e modernização começaram a se materializar, dando a impressão de que o arcaísmo das décadas e até séculos anteriores era coisa do passado e que, de fato, nascia ali o “País do futuro”. Geradoras de energia, petroquímicas, montadoras automotivas e grandes estradas começaram a aparecer. Com elas, aumentou o poder de compra e a oferta de produtos. O american way of life aproximava-se dos trópicos. Nos esportes, a Nação seria sede de sua primeira Copa do Mundo, para depois levantar o caneco e ver o surgimento de gênios dos campos, das quadras e dos ringues, como os craques Pelé e Garrin-

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cha, o boxeador Éder Jofre e a tenista Maria Ester Bueno. Na cultura não foi diferente, com grandes inovações na arquitetura, o surgimento da Bossa Nova, novas manifestações como o Teatro de Arena, o concretismo nas artes plásticas e o nascimento da dramaturgia nacional no rádio, cinema e televisão. Talvez ninguém tenha observado e registrado tão bem essa história quanto o fotojornalismo brasileiro, que começava a ganhar corpo na época. Com suas máquinas em punho, repórteres atentos ao calor dos acontecimentos flagravam instantâneos, fundindo na reportagem imagens com textos, que então passavam a apoiar o registro fotográfico. O Brasil tornou-se conhecido pelas lentes de profissionais como José Medeiros, Jean Manzon, Thomaz Farkas, Sérgio Jorge, Flávio Damm, Eugenio Silva, Luiz Pinto, Inda-

lécio Wanderley, Indaiassu Leite, Erno Schneider e Alberto Jacob, entre outros. Um dos períodos mais significativos daquele tempo, os anos em que Juscelino Kubitschek governou o País, pode ser revisto pelo público através do olhar de Manzon e Jorge. Em cartaz no Centro Cultural da Caixa Econômica, na Praça da Sé, em São Paulo, a exposição Os Anos JK: A Era do Novo é composta por 78 fotos e dois filmes institucionais, que mostram eventos esportivos, flagrantes de metrópoles como Rio e São Paulo, manifestações artísticas, a industrialização, personalidades e, claro, a construção e inauguração de Brasília. Além do trabalho desses dois mestres da fotografia no Brasil, a exposição se completa com imagens do arquivo da Cinemateca Brasileira e do arquivo pessoal do cineasta Roberto Santos. Pa-

ralelo à mostra está acontecendo um curso livre sobre cultura brasileira. “A exposição abrange imagens de um período um pouco anterior a JK assumir a Presidência e um pouco posterior a têla deixado, para que o público possa compreender o que acontecia naquela época. Era um tempo em que o “novo” invadiu as mais variadas esferas da sociedade, deixando a impressão de que o Brasil estava entrando no seleto grupo de países desenvolvidos. Muito do que se projetou não se concretizou, mas aquele momento foi singular e trouxe uma mudança de pensamento que atingiu diversas áreas da vida social. Na mostra, procuramos resgatar um pouco disso”, explica um dos curadores da mostra, o historiador Carlos Eduardo França de Oliveira. Nenhuma obra ou acontecimento simbolizou melhor os anos JK e seu famoso


bordão “50 anos em 5” quanto a construção da nova capital da República. A comemoração do cinqüentenário de Brasília serviu como mote para realização da exposição e a construção e inauguração da cidade é mostrada em grande parte das imagens apresentadas ao público. Imagens que por pouco não se perderam. As de Jean Manzon foram cedidas pela Fundação Cepar Cultural, detentora do acervo de fotos e filmes do fotógrafo francês. Já as de Sérgio Jorge são do acervo pessoal do fotojornalista, que tem em seu arquivo mais de 96 mil imagens, grande parte em cromos e negativos. Foi necessário escaneá-las e restaurá-las. Os Anos JK: A Era do Novo busca reconstruir os anos 50 e começo dos 60 até no design da mostra, sons, cores das paredes e na seleção de imagens, escolhidas com um critério estético, desde que se comunicassem com o público comum. Porém, além de apresentar um olhar diferenciado sobre um tempo que vem sendo assunto para tantos eventos por conta do aniversário de Brasília, é também uma rememoração dos chamados “anos de ouro” do fotojornalismo brasileiro. Ofício que em muitos momentos adquire status de arte, mas cujas obras também costumam ser rapidamente esquecidas devido à fugacidade das publicações. Resgatar parte dessa produção é um dos objetivos da exposição, que agora busca apoio para seguir para outros centros, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília. “Trabalhar com fotojornalismo era nosso objetivo desde o princípio. Por isso, tentamos usar acervos de jornais. Mas foi impossível. No Brasil, quase nunca quem detém a guarda desse material possui também o direito de publicar. Quem tem os dois olha muito o lado comercial e obras que foram tão importantes terminam no esquecimento. Foi, então, que conseguimos trabalhar com o Manzon e o Jorge, uma dupla que, apesar de improvável no dia-a-dia, representa o que de melhor foi feito no fotojornalismo e na propaganda institucional na História recente do País. Pela natureza do trabalho, fotógrafos são protagonistas do registro dos acontecimentos, da criação da própria História. Está na hora de o Brasil redescobrir seus cliques”, propõe o também historiador Rodrigo Silva, organizador da exposição. Sérgio Jorge e Jean Manzon foram amigos. Conheceram-se no escritório que o francês mantinha na capital paulista, nos anos 60. Chegaram a trabalhar juntos, apesar de nunca terem sido parceiros. Foi numa vez que Manzon foi chamado por Assis Chateaubriand para filmar uma visita sua, numa cadeira de rodas, ao acervo do Museu de Arte de São Paulo-Masp, quando este ainda funcionava no Centro da cidade, na Rua 7 de Abril. O cineasta contratou o fotojornalista brasileiro para fazer as fotos. Três dias antes de Manzon morrer, falaram-se pela última vez. Agora, reúnem-se novamente. Para deleite da arte, da fotografia e da História.

JK imagina a capital do País no Planalto Goiano. Jean Manzon fez um registro com emoção.

Jean Manzon ENTRE O PRIMITIVO E A INOVAÇÃO

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dia seguia tranqüilo, como qualquer outro naquele ano de 1944, no Amazonas, quando, repentinamente, as brincadeiras e correrias das crianças e o trabalho dos adultos foram substituídos por um corre-corre desenfreado diante do barulho ensurdecedor que invadiu os céus. Enquanto as mulheres corriam com seus filhos para a floresta, os homens entravam e saíam das choupanas, arcos, flechas e lanças em punho. O motivo era aquele enorme pássaro branco passeando sobre suas cabeças com um ronco enfurecido. Nesse dia em que o “paraíso” isolado dos índios xavantes foi transformado num “inferno” pelas rasantes do monstruoso ser, o que mais se ouviu foram os gritos de um sujeito preso às garras da tal ave: “Mais baixo! Outra vez e mais baixo!”. Mal sabiam os nativos que não se tratava de um pobre infeliz capturado pelas presas de um ser quase mitológico, e sim de um fotógrafo empolgado, desesperado unicamente pela busca de um melhor ângulo e de mais aproximação do avião em que estava, provavelmente um bimotor Focker Wulf 58, para registrar, pela primeira vez, o encontro do homem branco com um dos mais importantes grupos indígenas brasileiros, mas ainda praticamente desconhecido. O risco de uma queda ou de alguém perfurado pelas flechas e bordunas valeu a pena. Em 24 de julho daquele ano, a revista O Cruzeiro publicava um furo de reporta-

gem com o título “Enfrentando os chavantes” – com “ch” mesmo, como se grafava à época. Com grande repercussão mundo afora, em 27 páginas, a matéria descrevia de forma quase inacreditável a aventura, com 26 fotos, inclusive algumas que mostravam os índios em posição de guerra. O texto vinha assinado por David Nasser e as fotos, por Jean Manzon, aquele louco praticamente pendurado no avião e que viria a revolucionar a foto-reportagem no País. Medo de mudar

“Quando cheguei em O Cruzeiro, a reportagem fotográfica no Brasil era inexistente. Havia um atraso muito grande, a paginação era confusa e todo mundo tinha muito receio de mudar. Comecei minhas matérias sem ninguém que escrevesse os textos, nem mesmo as legendas”, declarou Manzon nos anos 1980, em depoimento ao livro José Medeiros, 50 Anos de Fotografia (Funarte). Segundo o jornalista Luiz Maklouf Carvalho, em Cobras Criadas (Editora Senac), um pouco exagerado, mas com fundo de verdade, características que justamente marcaram a carreira do fotógrafo. “Não era bem assim em relação aos textos. Havia quem os escrevesse, para o bem e para o mal. Mas a foto-reportagem realmente não existia. O Brasil nunca vira fotos produzidas como as de Manzon, a não ser quem comprava as revistas ilustradas estrangeiras. Enquadramento perfeito, ângulos novos, clo-

ses de arrepiar, caras e bocas que pareciam em movimento. Um estilo completamente novo se comparado ao das fotos da imprensa brasileira”, diz Maklouf. Tão importante quanto o talento foi a ótima escola de Manzon. Nascido em Paris, na França, em 2 de fevereiro de 1915, ele era filho único de Marc Manzon e da pintora judia Sophie Rose Manzon. Teve sua primeira experiência profissional aos 16 anos, quando um parente materno o levou para o vespertino L’Intransigeant. Era repórter, mas a fotografia logo o atraiu. Foca de laboratório, carregava o pesado equipamento dos profissionais em troca de poder acompanhá-los e vê-los em ação. Foi assim que se qualificou para cobrir o dia-a-dia para a Agência Meurice, até receber um convite para colaborar na Vu, pioneira francesa das revistas ilustradas, lançada em 1928. O jovem Manzon trabalhou em política, deu alguns furos e conseguiu algumas capas. Também cobriu a Guerra Civil Espanhola para o jornal Paris-Soir. Com isso, entrou para a revista Match, a mais importante do período, com tiragens que chegavam a 2 milhões de exemplares. Fez reportagens sobre o avanço nazista, algumas cobrindo o próprio Adolf Hitler, e flagrou, com uma câmera escondida, o bailarino russo Nijinski, calvo e gordo, em pleno salto, em um sanatório da Suíça, em que estava internado há duas décadas. Desde o começo, trazia uma série de espertezas que o ajudariam a obter imagens difíceis Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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DOCUMENTO RETRATOS DO NOVO BRASIL QUE PASSOU

e exclusivas. “A Match queria o sensacional, o pitoresco, o insólito, o inverossímil. Manzon se adequaria à perfeição a esse estilo dali para frente. Mesmo que para isso tivesse que recorrer a truques ou falsificações”, aponta Maklouf. Em 1939, foi convocado pela Marinha francesa para trabalhar como cinegrafista durante a Segunda Guerra Mundial. Ganhou prêmios e medalhas por heroísmo, mas acabou isolado na Inglaterra, ao lado do amigo Pierre Daninos, redator da Match. Impossibilitados de voltar para a França, ocupada pelos nazistas, conheceram o cineasta brasileiro Alberto Cavalcânti, radicado em Londres, e aceitaram a sugestão de viajar para o Brasil. Manzon vendeu sua câmera cinematográfica Bell & Howell e a fotográfica Leica e ficou apenas com uma Rolleiflex. Foi assim que chegou aqui e conseguiu emprego para trabalhar como responsável pelos setores de fotografia e cinema do Departamento de Imprensa e Propaganda-Dip, do primeiro Governo Vargas. Pragmático, Manzon suou a camisa não apenas pelo sucesso do Dip e do Estado Novo, mas pelo seu próprio, entre 1940 e 43. Conquistou o ditador brasileiro, que ficou encantado ao ver suas fotos em publicações estrangeiras. Nesse período, também teria sua primeira experiência com uma publicação nacional, a revista Sombra. Nela, conseguiria emplacar as primeiras foto-reportagens, inclusive, a “Clínica das bonecas”, aproveitando uma experiência já realizada nos tempos da Vu, e trazendo fotos de cabeças, braços e pernas de bonecas que mais pareciam pessoas mutiladas na guerra. Em todos os seus trabalhos, ele fazia questão de colocar sua assinatura – coisa nova no Brasil. 42

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Um catálogo de má qualidade

Quando chegou em O Cruzeiro, em 1943, a convite de Frederico Chateaubriand, sobrinho do empresário Assis Chateaubriand, o Chatô, Manzon expressou todo o seu desagrado. “Isso não é uma revista, é um catálogo, uma galeria de retratos de família, fixos, posados, idênticos. Ademais, sem dúvida, para parecer rica, há um máximo de pequenos clichês, agrupados sobre uma só página como uma coleção de pequenos selos. A tinta, o papel, a impressão são de tão má qualidade que poderíamos dizer que se trata de manchas”, avaliou. Seu trabalho, ao lado de outros profissionais, transformaria a revista. No mesmo estilo das mais importantes revistas estrangeiras, como Life e Match, começam a aparecer aberturas em página dupla; prioridade absoluta para a imagem; fotos sangradas nas páginas ímpares; titulação de impacto no tamanho e conteúdo, geralmente sensacionalista; subtítulos; linhas finas; e os “boxes”, textos de apoio à matéria principal. A paginação, confusa pelos constantes “continua na página tal”, ganha novas regras. A filosofia também muda: agora a ordem passa a ser produzir um trabalho integrado entre repórter e fotógrafo, com o produto final sendo padronizado pela edição. Logo, essas mudanças atingiriam toda a imprensa brasileira e O Cruzeiro saltaria de 20 mil para cerca de 800 mil exemplares. Manzon formaria com David Nasser aquela que talvez tenha sido a mais famosa parceria da História do jornalismo brasileiro. Depois de uma aproximação paulatina na Redação de O Cruzeiro, apareceram pautas de grande apelo e a in-

Jean Manzon registrou imagens que fugiam do estilo da época, como a foto de cima, onde o Presidente Juscelino Kubitschek e o arquiteto Lúcio Costa posam durante a construção de Brasília, ou estas duas que retratam o Carnaval carioca, ou ainda a dos trabalhadores de cana de açucar, na página ao lado.

dicação “Fotos de JEAN MANZON – Textos de DAVID NASSER”, abaixo dos títulos, uma autêntica grife de grande sucesso. Até 1951, os dois produziram reportagens polêmicas e que mexiam com o imaginário dos brasileiros. Certa vez, mostraram de forma inédita nas páginas de uma revista o interior e o funcionamento de um templo maçônico. À narrativa primorosa e às metáforas buriladas por Nasser casavam-se com perfeição as fotos bem produzidas e trabalhosas de Manzon, que fugia ao estilo do fotojornalismo tradicional, de flagrantes e espontaneidade. Sem compromisso com a verdade

É importante que se faça uma observação: naquele tempo, jornalismo não

era algo feito necessariamente de fora para dentro das Redações. Fatos não precisavam nascer nas ruas; poderiam ser construídos. E Manzon era sensível, superlativo, mas sem compromisso com a verdade. Três características fundamentais para dar certo ao lado de um “monstro do texto”, como já começava a ser chamado Nasser. “Naquele tempo, ninguém fazia reportagens, no sentido literal da palavra. Quando o Manzon chegou aqui, era como um tenista de primeira classe ensinando um tenista de província – eu. Aprendi muito com ele dentro do ramo da reportagem. Em primeiro lugar, aprendi a vencer a timidez. Depois, iniciei-me nos truques da profissão. Embora não sendo um homem de cultura, ele possui extraordi-


nária sensibilidade jornalística”, justificou-se Nasser na célebre entrevista 0 rei David concedida à Manchete em 1965. Essa falta de cerimônia de Manzon, além de encantar Nasser, foi decisiva em vários episódios delicados. Num deles, a dupla conseguiu entrevistar o recluso médium Chico Xavier e fotografá-lo em poses pitorescas, amalucadas e audiaciosas como dentro de uma banheira. Isso só foi possível depois que o abusado francês insistiu em saber se haveria alguma chance de um espírito baixar durante o banho. Noutra oportunidade, a vítima foi o Deputado Barreto Pinto. Depois da publicação de “Barreto Pinto sem máscara”, em que o político aparecia de fraque e cueca, a cassação foi inevitável. Quando não dava para convencer e criar, a alternativa era inventar. Uma das histórias mais fantásticas produzidas foi A vida dos mortos, que afirmava: “Morreu Jean Manzon!”. Na verdade, a dupla produziu uma brincadeira sobre a morte do francês, que depois de ter sobrevivido a guerras teria morrido atropelado por um carro na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. O resultado foi uma enxurrada de telegramas, telefonemas, notícias em outros veículos. O Presidente Getúlio Vargas lamentou e até a própria ABI mandou uma coroa de flores. Esclarecida a confusão da “reportagem ficcionista”, como Nasser a chamou, na mesma hora, a assessoria do Presidente ligou, exigindo a retificação da notícia. Tais incidentes, por incrível que pareça, apenas serviam para aumentar a popularidade dos jornalistas e dar ainda mais liberdade a Manzon. Outra vez, quando faziam uma matéria sobre a vida monástica, os monges se recusaram a ser fotografados. Sem qualquer pudor, o francês arrumou dois conhecidos, vestiu-os com batas e clicou. Na semana seguinte, lá estava a reportagem com suas esplêndidas fotos. Agência Magnum

A fama conseguida nesses anos acompanhou Manzon mesmo depois de sua saída de O Cruzeiro. Depois de uma rápida passagem pela revista Manchete, ele passou a se dedicar mais à produção de documentários cinematográficos e à fotografia institucional e publicitária, tarefas que realizou até o fim da vida, em 1990. Mesmo quando dividiu suas atenções com a direção da revista Paris-Match e as colaborações para a Agência Magnum, entre os anos de 1968 e 72, na volta a França. Com sua própria produtora cinematográfica, filmou 845 obras, exibidas a princípio nas salas de cinema, antes dos longas. Costumava irritar os opositores, pelo viés generoso com que tratava quem estava no poder, mas não era chapa-branca. Apenas um idealista que primava pelo esmero técnico. São dele quase todas as imagens dos anos 50 e 60 que o audiovisual brasileiro utiliza. De filmes como Pelé Eterno à minissérie JK, se vêem cenas de época pelos olhos de Jean Manzon, que filmou a Vasp, a nascente indústria automobilística e a Cosipa, entre tantas. A demanda era grande e ele chegou a ter nove equipes espalhadas pelo Brasil. Fil-

Manzon se tornou um dos maiores fotógrafos da imprensa brasileira e se dedicou também à produção de documentários e à fotografia institucional e publicitária.

mando e fotografando. Especialmente durante a Presidência de Juscelino Kubitschek, de quem foi o fotógrafo oficial. “Manzon tinha uma visão de um Brasil promissor, cheio de potencial. Dessa forma, produziu em meio século de trabalho o maior acervo de documentação

fotográfica e cinematográfica já realizado por um artista na América Latina. Seu trabalho primava tanto pelo conteúdo quanto pela estética. Por isso, sua contribuição foi tão decisiva no fotojornalismo brasileiro e na fotografia e vídeo institucionais. Para ele, a imagem devia

ter um apelo de arte, um olhar refinado e cercado de glamour – avalia o fotógrafo Renato Suzuki, um dos curadores da exposição Os Anos JK: A Era do Novo. Em tempo: a aventura das primeiras fotografias tiradas dos índios xavantes, história que abre este texto, até hoje causa muitas dúvidas, afinal, ninguém sabe se foi realmente Jean Manzon quem as tirou. Muito por causa de outra reportagem publicada dez meses antes por O Globo. A matéria anunciava que o Chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto, acabara de descobrir e sobrevoar a aldeia. O piloto, Antônio Basílio, era o mesmo que acompanharia os jornalistas na reportagem de O Cruzeiro. Logo, questionou-se a presença de Nasser no episódio. Depois, foi a vez de perguntar se as fotos não seriam um presente à dupla. Para dar força às dúvidas, a inexistência de qualquer imagem que mostre os jornalistas sequer próximos do avião. Teria Manzon, experiente que era, esquecido de fazer tal registro? O outro ponto a apoiar a idéia de fraude é justamente a questão da técnica e do primor, marcas registradas do francês. Nas fotos dos xavantes, esse tipo de esmero simplesmente não existe. A falta de qualidade, inclusive, dá a entender que se trata de negativos produzidos a partir de uma filmagem. Para aqueles tempos, isso era o que menos importava. Importante era a descoberta. E seu registro. Como diria Millôr Fernandes, a ética ainda era uma palavra grega. Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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Sérgio Jorge

Um momento de glória: Éder Jofre campeão.

A FOTOGRAFIA CONTA UMA HISTÓRIA

uando ainda era criança em Amparo, pequena cidade do interior de São Paulo, Sérgio Jorge presenciou uma cena que o marcaria para o resto da vida. Estava sentado na porta de casa, brincando com um cachorro, quando apareceu aquele que foi durante muito tempo motivo de pesadelos infantis: o homem da carrocinha. Laço em riste e missão de combater a raiva pela captura de animais nas ruas, ele não titubeou em capturar o bichinho. Sérgio reclamou, discutiu com o homem, chorou. “Só consegui salvar o cãozinho porque meu pai, um advogado influente da região, apareceu”, lembra. Os anos se passaram e, em 1959 e já morando na capital paulista, Jorge reviveu o drama da infância, enquanto fazia uma pauta para a revista Manchete. Acompanhando justamente equipes da carrocinha, ele capturou com sua câmera o exato momento em que o funcionário laçava o cachorro Piloto, na Ponte Nova, um bairro pobre da cidade. Atrás, o dono do animal, o garoto Fernando, chorava desesperado tentando agarrar a corda e impedir que seu bichinho fosse levado. Na época, a imagem gerou comoção nacional, despertou a opinião pública na discussão sobre a captura indiscriminada de animais e rodou o mundo, estampada nas páginas de publicações como o jornal Sunday Times e as revistas ParisMatch e Life. Sérgio Jorge ganhou prestígio internacional e dois anos depois

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recebeu por essa foto o primeiro Prêmio Esso na categoria Fotografia. Mais uma conquista de um dos principais profissionais do fotojornalismo brasileiro. “O trabalho do Sérgio é importantíssimo para explicar a modernização e o aprimoramento técnico do fotojornalismo e da fotografia comercial no Brasil. Muitas pessoas não conhecem tão bem seu trabalho porque A Gazeta não costumava conservar os negativos e o espólio da Manchete está em disputa judicial, mas todas as suas fotografias têm histórias espetaculares que explicam o ofício e contam fatos que explicam a História recente do País. Especialmente em São Paulo e no Brasil do final dos anos 1950 e começo dos 60” afirma o também fotógrafo Renato Suzuki, curador da exposição Os Anos JK: A Era do Novo. Sérgio Vital Tafner Jorge faz questão de enfatizar sua ligação quase umbilical com o jornalismo. Paulista de Amparo, ele nasceu no dia 7 de abril de 1937, justamente nesse que é atualmente o Dia do Jornalista. A paixão pela fotografia surgiu ainda nos tempos de ginásio, como uma brincadeira. Aos 13 anos, o lúdico ganhou novos elementos quando Jorge passou a fazer parte do fotoclube da cidade, somando aos cliques o trabalho de revelar e produzir a fotografia e encantando-se por elementos como a sala escura e a luz vermelha. Seu primeiro trabalho foi cobrir, ainda na adolescência, os acontecimentos políticos e sociais na cidade.

Depois de fazer o Tiro de Guerra, em 1955, mudou-se para São Paulo e passou a trabalhar no jornal O Dia, cobrindo as áreas de polícia e de cultura. Ganhou experiência e melhorou a técnica. Também aumentou a confiança profissional ao ser escalado para cobrir o Palácio dos Campos Elíseos, então sede do governo paulista. “Naquele tempo, o jornal tinha além de mim mais três fotógrafos. Todos mais velhos, não gostavam de fazer experimentações, buscar soluções novas. Eram até bitolados demais naquele jeitão quadrado que tinha a publicação. Procurei os editores e, aos poucos fui propondo mudanças que aconteceram principalmente nas páginas de esportes”, conta Jorge. Era de ouro do esporte

As mudanças não foram percebidas apenas pelos leitores. Também impressionaram a concorrência, que o chamou para trabalhar, a partir de 1956, nos jornais A Gazeta e A Gazeta Esportiva, de propriedade da Fundação Cásper Líbero. O fotógrafo acompanhou nessas publicações o início de uma era de ouro para o esporte brasileiro, com o surgimento de ídolos em várias modalidades. Suas lentes captaram as jogadas geniais de Pelé, a refinada técnica de Maria Ester Bueno nas quadras e toda a emoção dos primeiros títulos de Éder Jofre nos ringues. Em tempos nos quais fotografar era muito mais do que ter sensibilidade e uma boa visão, já que a tecnologia limitava demais a ação, não era raro ele furar seus

pares. No autódromo de Interlagos, onde já aconteciam as charmosas Mil Milhas Brasileiras, isso aconteceu diversas vezes. Há flagrantes, até atropelamentos, que só ele captou. Enquanto os outros preferiam ficar parados, de braços cruzados, Jorge não sossegava e estava correndo atrás da notícia, um dinamismo herdado da cobertura policial. Para vencer as limitações tecnológicas, o fotógrafo apostava na ousadia e na criatividade. Escalado para cobrir a tradicional Corrida de São Silvestre, procurou o chefe da fotografia do jornal para propor que tentassem algo diferente: “Não contávamos com os poderosos flashes de hoje e a Corrida ainda começava por volta das 23 horas. Sem luz, as fotos noturnas ficavam normalmente apenas restritas ao primeiro plano. As tiradas nas corridas mostravam apenas alguns atletas do pelotão de frente. Por isso, propus que tirássemos uma, na largada da prova, que mostrasse toda a massa de competidores em profundidade.” A São Silvestre ainda começava em frente ao Palácio da Imprensa, no Centro de São Paulo. Foi lá que a equipe de A Gazeta Esportiva instalou, em pontos estratégicos na avenida, cinco lâmpadas de magnésio, todas conectadas à câmera de Jorge, que, por sua vez, subiu na cobertura de um ponto de ônibus, buscando um ângulo mais privilegiado. Quando foi dada a largada, ele clicou. Além do espocar do flash de sua máquina, apenas duas das lâmpadas acende-


Sérgio Jorge aproveitou as formas exuberantes da ousada arquitetura de Brasília nestes flagrantes realizados durante a inauguração da Belacap. Abaixo, JK e sua Caravana da Integração.

ram. Tudo bem: foram suficientes para capturar a turba que começava a se movimentar, uma foto estampada com enorme destaque na capa da edição de 1º de janeiro do diário esportivo. A foto do Prêmio Esso

O sucesso lhe valeu o convite de Arnaldo Niskier para trabalhar na sucursal paulista da Manchete, a princípio como freelancer e em fotonovelas. Jorge aproveitou a oportunidade e foi entrando na publicação aos poucos. Convidado para as reuniões de pauta da revista, aproveitou o “mês do cachorro louco”, agosto de 1959, para propor uma pauta inusitada: acompanhar o trabalho da carrocinha. Diante de uma ainda tímida atuação dos grupos de defesa dos animais, capturar e sacrificar cachorros era a principal política pública de combate a doenças como a raiva.

Depois de três dias acompanhando o serviço pelas ruas paulistanas, Jorge conseguiu a histórica foto que lhe valeria o Prêmio Esso quase dois anos depois. Junto com a imagem, Manchete revelava que a Organização Mundial de Saúde desaconselhava o sacrifício de cachorros e gatos como estratégias de combate às doenças. Mesmo assim, animais que fossem aprisionados pela carrocinha naquele tempo eram alimentados por dois dias, esperando algum recurso legal que os salvasse, e depois eram levados para a famosa cela número 13, onde acabavam sacrificados. A denúncia e a discussão levantada pela crueldade do homem nas fotos pouparam a vida do cachorro Piloto. Quase um ano mais tarde, ele reapareceria nas páginas da Manchete, são e salvo, ao lado do sorridente dono. Sérgio Jorge encarava seu trabalho como uma aventura e gostava de viajar.

Ousadia e criatividade para registrar a largada da São Silvestre numa fotografia noturna.

Chegou a ir duas ou três vezes para Brasília, quando a capital ainda estava em construção. Depois, quase na véspera da inauguração, voltou para lá numa caminhonete Rural Willys de A Gazeta, para “sentir na pele a mesma sensação das

enormes caravanas que foram de todos os cantos do País acompanhar a festa”. Em outras oportunidades, chegava a ficar mais de um mês fora de casa. Como algumas pautas surgiam repentinamente, era impossível avisar previamente a Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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DOCUMENTO RETRATOS DO NOVO BRASIL QUE PASSOU

No autódromo de Interlagos, Sérgio Jorge não sossegava até registrar flagrantes inusitados. Também no futebol ele fez fotos inesquecíveis de ídolos como Pelé.

família. Assim, de vez em quando, a mulher era chamada em casa para ir a um rádio-amador próximo. Do outro lado, entre chiados e interferências, Jorge informava que estava no Panamá, indo para a Ilha de Páscoa ou a caminho dos Andes, no Chile. Era comum acertar pautas junto com um fotógrafo e enviá-las à direção das publicações. Como quase nunca havia recursos, eles mesmos corriam atrás de condições que as viabilizassem. Assim, no começo de 1960, mesmo sem credenciamento, conseguiu em São Paulo a promessa do Presidente da montadora Mercedes de que se fosse por conta própria para Belém do Pará poderia viajar na Caravana da Integração Nacional para a futura capital federal. Jorge correu de um lado para outro até arranjar a passagem de avião. Chegou lá em cima da hora, mas conseguiu viajar ao lado de três dezenas de jornalistas num caminhão pau-dearara para conhecer os 2,2 mil quilômetros da nova rodovia que ligaria o Norte ao Distrito Federal. Piquenique na Antártica

Pouco antes, em 1959, ele já havia vivido situação parecida dando uma de Trumman Capote. Como aconteceu com o escritor e jornalista norte-americano, que leu uma notícia no The New York Times e foi para a pequena cidade de Holcomb para fazer sua famosa reportagem literária A Sangue Frio, Jorge leu em O Estado de S.Paulo uma pequena nota informando que o Brasil precisava correr, pois tinha pouco tempo para tomar posse de sua área e instalar uma base no Pólo Sul. Sem dinheiro do jornal, ele e o repórter que o acompanharia tentaram embarcar para a Antártica em algum navio da Marinha. Não conseguiram. Por sorte, tinham contatos quentes na Casa Rosada, sede do Governo argentino, muito mais atento à questão. Poucos 46

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dias depois, embarcavam no navio inglês Liberdad e passaram 17 dias na base argentina, a convite dos vizinhos. Jorge tirou fotos, foi ao local destinado aos brasileiros e aproveitou para fazer um piquenique no gelo, com uma garrafa de cachaça, limão e duas latas de feijão. Depois que a matéria foi publicada, o Brasil rapidamente se mobilizou para montar sua base científica no inóspito continente. “O fotojornalista deve se preparar para tudo. Cobrir coquetel e estar com artistas e políticos, comendo caviar e tomando champanhe, ou realizar longas coberturas sob as mais difíceis condições e comer sanduíche de mortadela”, diz Sérgio Jorge. Atenção e um papel de embrulho de sanduíche de mortadela são ingredientes que o levaram a conseguir importantes furos jornalísticos nos anos 60. Primeiro, ouviu uma conversa de que Jânio Quadros, Presidente que acabara de renunciar, fora visto com amigos em um bar em São Paulo. “Conversa fiada. Deve ter ido para o exterior”, desprezaram os colegas. Jorge foi conferir e encontrou o polêmico ex-Presidente na casa de parentes. Foi o primeiro a fotografá-lo, ainda de pijama em frente à casa onde estava hospedado. Depois, quando soube que Assis Chateaubriand viera morar na Casa Amarela, também na capital paulista, depois de ficar meses nos Estados Unidos, sendo submetido a tratamentos para tentar se reabilitar de uma dupla trombose que o deixara paraplégico, fez plantão na frente da mansão. Depois de três dias infrutíferos, escreveu em um papel que embrulhava um sanduíche de mortadela: “Como jornalista, o senhor foi um chato. Eu, como jovem jornalista, quero ser mais chato ainda e fotografá-lo”. Logo os enfermeiros mandaram chamá-lo.

“Doutor Assis quer vê-lo”, disseram. Jorge tirou três fotos: o dono dos Diários Associados escrevendo em sua máquina adaptada, um close e na cama com os enfermeiros. No final, agitou-se. Achou que tinha feito algo errado, mas foi logo tranqüilizado pela enfermeira Emília Araúna: “Ele pediu para esperar, pois quer que o fotografe lá embaixo, vestido com sua farda”. Foram as primeiras fotos de Chatô de volta ao País, proeza que nem os jornais nem O Cruzeiro tinham conseguido. Em 1967, Jorge deixou o fotojornalismo. Decidira se dedicar a uma nova área, ainda incipiente no Brasil: a fotografia publicitária. Eram raros os profissionais da área por aqui e ele buscava um novo desafio. Outra vez, inovou, mas com imagens mais elaboradas e muita estrutura para fazer fotos industriais e relatórios ilustrados. Só deu uma pausa nesse trabalho em 1970, quando foi convidado por Victor Civita para coordenar a área de fotografia da Editora Abril. Em quatro anos, não apenas melhorou o nível do fotojornalismo da empresa, como também foi um dos responsáveis pela criação

do Estúdio Abril, um dos mais modernos e dinâmicos daqueles tempos. Desde 1975 Jorge vem atuando em seu próprio estúdio. Enquanto posa e dá dicas para a própria foto que ilustra esta matéria, diz sentir saudades do fotojornalismo. Não o que é praticado hoje, mas aquele de sua época: “Agora está muito mais fácil fotografar. As câmeras são tão sofisticadas que fazem maravilhas. Filme é coisa do passado e a internet permite envio imediato do material. Se não ficou boa, apaga e faz outra. Muito diferente dos tempos em que você não podia errar. Íamos a um jogo no Maracanã, tirávamos algumas fotos no começo do jogo, atrás dos gols, pois as objetivas não eram grande coisa, e com 15 minutos do primeiro tempo saíamos correndo para o aeroporto. Às vezes, parávamos o avião já taxiando na pista para embarcar para São Paulo. Chegando lá, a ordem era torcer na revelação para que tudo estivesse em ordem.” O que não falta a Sérgio Jorge são histórias para contar. E ele já prepara um livro, ainda sem editora, para contá-las. Nada mais justo para imagens que contam a própria História do Brasil.


Vidas

Adeus, caçador de aventuras O jornalismo perdeu Mário de Moraes, repórter que marcou época em revistas como O Cruzeiro e era mestre em conseguir exclusivas, como a entrevista que fez com Jacques Monard, o assassino de Trotski, e as imagens do emocionante encontro entre o líder comunista Luís Carlos Prestes e a filha Anita Leocádia.

No dia 25 de abril, o jornalismo brasileiro perdeu um notável caçador de aventuras. Aos 84 anos, morreu, vítima de um câncer, o jornalista e fotógrafo carioca Mário de Moraes. Como um autêntico personagem saído de filme de ação, Moraes conjugava um espírito aventureiro com pura alma de repórter. Foi correspondente na guerra de Angola, entrevistou com exclusividade o assassino de Trotski, capturou o único close de Getúlio Vargas morto, cobriu Copas do Mundo, arriscou a vida em diversas oportunidades, conseguiu furos e experiências impressionantes viajando Brasil afora, até em paus-de-arara, e faturou dois Prêmios Esso. Foi defensor do bom jornalismo, aquele que ele mesmo dizia, é “feito com agilidade, mas não de forma apressada”. Moraes era o tipo de profissional que pode ser definido como “completo”. Teve passagens marcantes por jornais, revistas e emissoras de televisão, escreveu sobre todo tipo de assunto, foi de repórter a editor e criou importantes publicações. Mesmo com tal currículo, nunca aceitou dar aulas em universidades. Não se considerava capaz de lecionar. Um rigor exagerado para muitos, mas não para ele que, quando era indagado sobre seu segredo profissional, garantia ter nada de especial, a não ser a empatia, aquela qualidade essencial para seduzir a fonte, e facilidade para entrevistar. O que fazia a diferença era sua paixão pelo jornalismo. “O repórter precisa gostar do que faz. Como no futebol, se não botar o coração, qualquer matéria, por mais quente que seja, será uma gelada”, explicava, comparando com o futebol, outro de seus prazeres. Filho de Evaristo de Moraes e Emília Paester, Mário se formou em Direito, embora nunca tenha exercido a profissão. Preferiu o jornalismo, no qual ingressou em 1942 com apenas 17 anos, como repórter do jornal O Radical. Em seguida, passou pelo jornal O Mundo e pela revista Fon-Fon. Lançou uma revista humorística, O Coringa; como não tinha propaganda para sustentá-la, a publicação não durou mais que cinco números. Em 1950, recebeu o convite para ingressar em O Cruzeiro, a maior revista da época. Como tinha o desejo de conhecer a Europa e os Estados Unidos, Moraes logo procurou José Amádio, então Chefe de Redação, que o aconselhou a aprender a fotografar. Fazendo as duas coisas, o repórter viajaria e a revista economizaria. A fórmula foi um bom negócio, já que em 1955 Moraes faturou, ao lado de Ubiratan Lemos, o primeiro Prêmio Esso de

ARQUIVO FAMILIAR

POR MARCOS STEFANO

Mário de Moraes em Veneza e a revista O Cruzeiro com a matéria que lhe rendeu o Prêmio Esso.

Jornalismo, com a matéria Os paus-dearara – uma tragédia brasileira, justamente por conta de uma viagem. Tudo começou quando faziam reportagem sobre os nordestinos que vinham para o Rio trabalhar na construção. Um dos trabalhadores alertou Moraes de que as fotos não mostrariam nem de perto a dificuldade de viajar num velho caminhão pau-de-arara. Imediatamente, propuseram nova pauta: fariam uma viagem do tipo, disfarçados. “Embarcamos em cima da carga de um caminhão, numa viagem de 11 dias rumo a Campina Grande, PB. Presenciamos todo tipo de desastre e tragédia, mas ainda não era o pau-de-arara”, contou Moraes em entrevista ao Jornal da ABI, em 2005. Lá, Ubiratan encontrou um amigo, locutor de rádio, e caiu na besteira de dizer o que planejavam. O locutor anunciou para todos que “os jornalistas acabariam com os escândalos dos paus-de-arara e com a exploração dos nordestinos”. Para não serem mortos, eles fugiram de madrugada com um caixeiro-viajante para Salgueiro (PE), onde finalmente encontraram o caminhão que tanto buscavam. No veículo, as pessoas sentavam em tábuas, algumas com as pernas do lado

de fora. Eram 108 passageiros, entre eles mulheres com crianças e grávidas. Ao passar pelas ribanceiras, alguém gritava e todos levantavam as pernas. A comida se resumia a carne-seca, o jabá, levado em sacos, e só bebiam água quando havia algum córrego. Os homens matavam os motoristas que tentavam estuprar as mulheres. Sem maldade, Moraes fotografou uma das mulheres. O marido dela não viu dessa forma e tentou matá-lo pelas costas com uma faca. O repórter foi salvo por um dos capangas. Saiu vivo, mas não ileso da empreitada. Contraiu tifo e, ao chegar à capital, ficou três meses internado, desenganado pelos médicos. Com o assassino de Trotski

Apesar de premiada, para Moraes não era a mais importante. Preferia falar das competições que cobriu, todas as Copas do Mundo entre 50 e 66, da Olimpíada de Tóquio, em 1964, e de entrevistas. Como a que fez com Jacques Monard, assassino de Trotski. “Fui ao México, onde ele estava preso, cobrir os Jogos Pan-Americanos e, numa série de malandragens, entrei no presídio”, lembrou ao Jornal da ABI. Moraes foi apresentado a Monard sem revelar ser jornalista, pois o assassino era violentíssimo com a imprensa. Na conversa, ganhou a simpatia de Monard, que se disse desiludido com o comunismo. Só não admitiu trabalhar para Stálin. A necessidade de tirar uma foto, no entanto, obrigou o repórter a se revelar. “Ele ficou bravo, mas acabou topando.” Outra entrevista marcante foi com o líder comunista Luís Carlos Prestes. Na época, ele estava desaparecido em virtude da perseguição da Polícia e alguns até

o davam como morto. Quando a filha de Prestes, Anita Leocádia, veio de Moscou para o Brasil, Moraes não se contentou com a versão oficial de que fazia turismo. Insistindo, conseguiu uma exclusiva. “Vendaram meus olhos e me botaram no banco traseiro do carro. Mas consegui olhar e reconheci as palmeiras do Jardim Botânico. Comecei a contá-las”, revelou o repórter. Ao chegarem numa casa, a ordem era para esperar e só fotografar Prestes quando fosse autorizado. Mas Moraes ficou mais distante e, sem que percebessem, registrou toda a emoção do encontro entre a filha e o pai. “Eles disseram que eu os enganei. Expliquei minha situação e avisei que na manhã seguinte retornaria à casa. Duvidaram, mas peguei o carro de O Cruzeiro, orientei o motorista e chegamos lá.” Correr riscos parecia algo natural para ele. Quando viajou até Angola, para cobrir a guerra no país, não pôde ir além da capital Luanda. Ao saber que aviões estavam chegando trazendo feridos, foi ao aeroporto com a desculpa de fotografá-los. Lá, fez amizade com um piloto que tomava cerveja no bar. A porta do avião estava aberta, mas ele não concordou em retornar com um clandestino. “E se eu entrar?”, perguntou o repórter. “Fica por sua conta e risco”, respondeu o piloto. Moraes entrou e cobriu a guerra na linha de frente, vendo gente morrer e quase morrendo também. Ao longo da década de 1950, Moraes trabalhou na TV Tupi e depois, em 1964, a convite de Mauro Sales, Diretor do Departamento de Jornalismo da Rede Globo, tornou-se Chefe de Reportagem da emissora, sendo um dos responsáveis pela criação de seu primeiro telejornal, o TeleGlobo. Dois anos depois, voltaria para O Cruzeiro, como Diretor de Redação. Na televisão, ainda passaria pelo SBT e pela Bandeirantes, além de escrever para O Dia e para o Jornal dos Sports. No rádio, trabalhou na Nacional e na Tupi. Também publicou livros e assessorou grandes empresas. Em 1986, ganharia pela segunda vez o Esso de Jornalismo, desta vez na categoria de Melhor Contribuição à Imprensa. Recebeu o prêmio junto com Alfredo Belmont Pessoa, pela criação da Revista da Comunicação, veículo dirigido a estudantes e professores de Jornalismo que alcançou tiragem de 65 mil exemplares. A revista só fechou as portas em 2001, quando a Coca-Cola retirou seu patrocínio, “uma verdadeira estupidez”, segundo Moraes. De fato, a publicação era considerada por muitos como uma importante conquista para a valorização e discussão do jornalismo brasileiro. Um de seus assuntos preferidos era debater a reportagem, especialidade de Moraes. Aliás, ele não costumava perder a chance de fazer uma sequer. E, diferente de hoje, gostava de pesquisar. Ficar isolado na frente de um computador? Nem pensar! Sua matériaprima era relacionamentos. “Sou pé-deboi mesmo. Conheço uma boa pauta pelo tato, pelo cheiro e pelo olhar. Se não imaginar o que a história pode render, nunca poderá fazer bom jornalismo.” Nem viver tantas aventuras. Jornal da ABI 353 Abril de 2010

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