SIDNEY REZENDE SEU PORTAL TEM 1 MILHÃO DE ACESSOS Foca na Rádio Roquette-Pinto, ele trabalhou em jornal, rádio e televisão e, talento multimídia, agora é um craque do jornalismo eletrônico. PÁGINAS 34, 35, 36 E 37
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
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Jornal da ABI
SETEMBRO 2010
O INÍCIO EXPLOSIVO DA
DÉCADA DE
1980 Há 30 anos uma carta-bomba matava a secretária da OAB Lyda Monteiro da Silva. Começava o terror da linha-dura contrária à abertura, o qual se estenderia por todo 1981. Páginas 20, 21, 22 e 23
A VISÃO DE UM MESTRE DO DESIGN: RICO LINS
NA PAREDE, UM RETRATO
UM NÚCLEO QUE CULTIVA
LEGISLADOR QUERIA
DO AMOR AO CINEMA
A MEMÓRIA DA IMPRENSA
ELEIÇÃO SEM GRAÇA
“UMA IDÉIA AINDA VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS ”, DIZ ESSE ARTISTA PREMIADO AQUI E NO EXTERIOR . PÁGINAS 40, 41 E 42
A IMAGEM DE UMA SESSÃO HISTÓRICA, NA ABI, DA NASCENTE C INEMATECA DO MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO. PÁGINAS 12 E 13
É INSTALADA PELO SINDICATO DOS JORNALISTAS DO RIO INSTITUIÇÃO QUE FIXARÁ MOMENTOS DA PROFISSÃO . PÁGINAS 18 E 19
R EAÇÃO DOS HUMORISTAS DERRUBA DISPOSIÇÃO DA LEI ELEITORAL QUE PROIBIA CRÍTICAS AOS CANDIDATOS. PÁGINAS 20 E 21
Uma febre arde no Rio: Centros Culturais
A área central da cidade abriga importantes instituições que oferecem em caráter permanente cultura e lazer a dezenas de milhares de pessoas. Páginas 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10
Editorial
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03 Especial - Centros Culturais, uma febre no Rio ○
CHAGAS AINDA ABERTAS OS SETORES PROGRESSISTAS do Pais reviveram no fim de agosto e princípio deste mês de setembro a dolorosa lembrança dos episódios tormentosos que marcaram a vida nacional há 30 anos, quando desalmados agentes do regime militar desencadearam uma seqüência de atentados terroristas, que deixaram entre suas vítimas Dona Lyda Monteiro da Silva, secretária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, morta em 27 de agosto de 1980 pela explosão de uma carta-bomba endereçada ao Presidente da instituição, Eduardo Seabra Fagundes, como represália à sua firme atuação na luta pela restauração do Estado de Direito no Brasil. Nesse dia fatídico outro ato terrorista mutilou gravemente um assessor do Vereador Antônio Carlos de Carvalho (PMDB) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, também como revide à corajosa participação desse saudoso parlamentar na luta contra a ditadura. DECORRIDOS 30 ANOS, esses atos criminosos permanecem numa penumbra de mistério, como demonstrou reportagem do jornalista Chico Otávio, que levantou informações que poderão conduzir à identificação da origem e dos agentes desses atos criminosos, desde então protegidos por intolerável impunidade. Diante dessas informações, o Presidente da Seção do Estado do Rio da OAB, Wadih Damous, reclamou a investigação sobre o brutal assassinato da desafortunada Dona Lyda Monteiro da Silva, a quem a instituição prestou homenagens ao evocar tão triste acontecimento. EM LEVANTAMENTO QUE o Jornal da ABI publica nesta edição, o repórter Paulo Chico fez o inventário dos atos terroristas que infelicita-
Jornal da ABI Número 358 - Setembro de 2010
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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ram o País nos anos 1980 e 1981, quando a chamada linha-dura militar se insurgia contra a acidentada caminhada que, cedendo à pressão da sociedade civil, o Governo Figueiredo empreendia, dando continuidade à distensão gradual, lenta e segura de que falara o ditador que lhe precedera, General Ernesto Geisel. Esse é um registro histórico valioso, que demonstra o encadeamento de ações que tinham um centro a concebê-las e agentes designados para executá-las de Norte a Sul do País. NÃO SE DIGA QUE não houve alertas acerca dessa criminosa programação. Uma das grandes vítimas dessa maquinação,o jornalista Hélio Fernandes, cujo jornal, a Tribuna da Imprensa, fora alvo de uma ação terrorista que arrasou suas instalações, revelou então em depoimento numa Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal que o centro responsável pelos atentados era o Serviço Nacional de Informações, tristemente celebrizado pela sigla SNI. Ao longo de seis horas, Hélio Fernandes citou fatos, nomes e circunstâncias que desvendavam a trama liberticida. Após sua impressionante exposição, nada foi feito. Ou melhor, fez-se, sim: deram sumiço à gravação de seu depoimento. É IMPERIOSO QUE, como reclama a OAB-RJ, essa investigação seja retomada, e com seriedade, porque as chagas abertas pelo terrorismo ainda sangram na consciência cívica da cidadania e estão a demandar até mesmo reparação material, como no caso, entre muitos outros, da Tribuna da Imprensa, cujo colapso como empresa foi desatado pelo atentado que sofreu em 26 de março de 1981.
DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer. CONSELHO FISCAL 2010-2011 Jarbas Domingos Vaz, Presidente; Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto Conselheiros efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.
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Artigo - A fuga, por Rodolfo Konder ○
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Depoimentos - “O colapso do JB começou quando o jornal malufou” ○
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Documentação - Um Centro para cultivar a memória da imprensa
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Mobilização - Por uma eleição com mais graça
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Depoimento - Sidney Rezende ○
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História - A Gazeta do Rio, nosso começo, aqui ○
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Ambiente - Brincando de queimar o mundo Por Paulo Ramos Derengoski ○
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Celebrações - O ano da graça de Gullar ○
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40 Design - A perfeição gráfica do acaso, segundo Rico Lins ○
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43 Centenário - Noel Rosa, sempre moderno ○
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SEÇÕES 12 ACONTECEU NA ABI Um retrato do amor ao cinema ○
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MENSAGENS
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LIBERDADE DE IMPRENSA Lúcio Flávio continua sob cerco dos Maiorana
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Procurador viola sigilo da fonte
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Narcotráfico do México mata jornalista e até estagiários
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Durou horas a rolha do Desembargador
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DIREITOS HUMANOS Estilhaços do terror no Brasil
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LIVROS 46 Morel exalta o legado de Cipriano Barata ○
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VIDAS Ricardo Alvarez, um militante social
Conselheiros suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz,José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA José Pereira da Silva (Pereirinha), Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins (in memoriam). COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Lênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.
ESPECIAL
FERNANDO QUEVEDO/AGÊNCIA O GLOBO
A imponente fachada da Bilioteca Nacional, um centro cultural que abriga o acervo centenário trazido pela Família Real em 1808.
Centros Culturais, uma febre no Rio Instituições públicas e privadas mantêm na cidade um conjunto de unidades que dão dinamismo à cultura e à sua universalização: neste ano de 2010 a previsão é de que elas recebam mais de 2 milhões de espectadores e usuários. POR ARCÍRIO GOUVÊA NETO O privilégio de possuir tantos centros culturais no coração da cidade é uma riqueza que o Rio de Janeiro herdou de seu invejável passado histórico. Do Rio emanavam as atitudes e o pensamento dos cérebros que moldavam e ditavam os rumos da opinião pública e das consciências de um Brasil Colônia, Metrópole e República. Muitos desses centros culturais são tão importantes e centenários que contam,
em cada uma de suas paredes e no desenho imponente de suas fachadas, também um pouco da História do Brasil. São tão integrados à fisionomia da cidade que viraram monumentos, monumentos de que o carioca e mesmo o visitante, orgulhosamente, não abrem mão. Quando em novembro de 1807 as velas lusitanas, sob escolta inglesa, rumaram para o Brasil, não supunham os viajantes as transfor-
mações que aqui suscitariam. Cerca de 15 mil pessoas desembarcaram no Rio de Janeiro a 8 de março de 1808. Um acréscimo de quase um terço numa população estimada em 50 mil pessoas. A Corte Lusa se instala e a cidade se torna capital portuguesa. Em 1815 o status colonial do Brasil é alterado e surge o Reino de Portugal, Brasil e Algarves. É hora de mudanças; o Rio troca de roupa. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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ESPECIAL CENTROS CULTURAIS, UMA FEBRE NO RIO ASCOM-RIOTUR
Casa FrançaBrasil Assim, em 1819, Dom João VI manda Grandjean de Montigny, Diretor da Missão Artística Francesa, erguer o edifício onde hoje funciona a Casa FrançaBrasil, palco de eventos importantes de nossa História. A obra, em si, já é um significativo documento. É o primeiro registro do estilo neoclássico no Rio de Janeiro, que, a partir daí, iria invadir a cidade, tingindo o barroco de nossas florestas e de nossas casas coloniais de um tom cosmopolita, à moda européia. O prédio é projetado para sediar uma Praça do Comércio. Em 13 de maio de 1820, aniversário de Dom João VI, o edifício é inaugurado. Quando Napoleão vai para o degredo em Santa Helena, Dom João resolve voltar a Lisboa e não hesita em levar para Portugal, além de sua Corte, toda a riqueza acumulada no próspero período em que esteve na mais rica de suas possessões ultramarinas, Os centros culturais do Rio destacam-se pela programação e também pela beleza das edificações onde funcionam, como a Casa Françabem como em deixar leis rígidas que gaBrasil, projetada pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny na segunda década do século XIX por determinação de Dom João VI. rantissem controle jurídico e financeiro sobre a colônia. um mosaico em vidro de Freda Jardim. Em 29 de março de 1990 a Casa FranÀs vésperas de sua partida, em 1821, O espaço foi criado em 1987 e é composça-Brasil é inaugurada. Torna-se, a parnuma reunião na Praça do Comércio, o to pelo Teatro Nélson Rodrigues – consitir daí, um dos principais espaços cultupovo rebela-se, solicitando, entre outras derado um dos melhores palcos do País rais do Rio de Janeiro e consolida-se coisas, a promulgação de uma Constituipara teatro e dança –, a Grande Galeria e como um lugar privilegiado para a reação liberal. A ousadia é gravemente rea Minigaleria para exposições temporárilização de exposições, performances e A Caixa Cultural Rio de Janeiro – primida pelas tropas reais, com a invaas, e também por um restaurante. Lotação: apresentações musicais. Recentemente antigo Conjunto Cultural da Caixa – é são do prédio e o ataque a tiros e baio388 lugares, dois deles para cadeirantes. o prédio que abriga o centro cultural composta por duas unidades localizadas netas contra os amotinados. Em protesOstentando uma maravilhosa arquipassou por intenso processo de obras no Centro do Rio de Janeiro: uma na to, os comerciantes abandonam a Praça tetura moderna, é inaugurado em 29 de estruturais e de nova restauração com Avenida Chile, 230, Anexo, e outra na e afixam uma faixa dando-lhe um novo junho de 2006, o espaço da Caixa Culo objetivo de recuperá-lo, preservando Avenida Almirante Barroso, 25, junto à nome: “Açougue dos Bragança”. Daí em tural no Rio de Janeiro, na Avenida Aluma construção de grande importância Estação Carioca do Metrô. A programadiante pouco se sabe da repercussão do mirante Barroso, 25 (Estação Metrô). histórica e arquitetônica, e, ao mesmo ção da Caixa Cultural nestas duas unievento, que foi devidamente abafado Situado no coração do centro da cidade, tempo, modernizando suas instalações. dades tem o objetivo de gerar oportunipela Corte, mas guardou a fama de ter junto a importantes instituições públidades a novos talentos da arte contemsido a primeira revolução liberal do Rio cas, como a Biblioteca Nacional, o Muporânea e também possibilitar o acesso de Janeiro. ATRAÇÕES: MÚSICA, MESAseu Nacional de Belas-Artes, o Teatro da população ao trabalho de artistas Com a Independência, em 1822, Dom PALCO, SALA DE LEITURA E Municipal e a Câmara Municipal. consagrados nacional e internacionalPedro I trata logo de dar uma função ao ESPAÇO GASTRONÔMICO O espaço abriga em seus mais de 6.000 mente. belo prédio e o incorpora, em 1824, à O Projeto Música reúne músicos e metros quadrados um teatro de arena, Inaugurado em 1976 com o nome de Alfândega. Em1852, iniciam-se obras de profissionais de outras áreas em encondois cinemas, três galerias de arte, além Teatro BNH, o Teatro Nélson Rodrigues remodelação do edifício, sob a orientatros com música e bate-papo. Participam de salas de oficinas e ensaios. O Teatro de teve como espetáculo de estréia a peça ção de André Rebouças e projeto do arescritores, cronistas esportivos, chefes de Arena tem 226 assentos – sendo quatro Vestido de Noiva, do próprio Nélson. Foi quiteto português Rafael de Castro. A cozinhas, humoristas. O Mesa-Palco para cadeirantes. Os novos e modernos incorporado pela Caixa a partir de 1989 Alfândega funciona ali até 1944, quancompreende performances de dança concinemas dispõem de sistema de som (após a extinção do Banco Nacional de do se muda para um novo prédio na temporânea e oficinas de arte. Nas oficiDolby, e projetores 35mm e 16mm na sala Habitação-BNH), já com o nome Teatro Avenida Rodrigues Alves, na Zona Pornas, artistas plásticos propõem a experiCine 1, que possui 83 lugares, e projetor Nélson Rodrigues, em homenagem ao tuária da cidade. Entre 1944 e 1952 é usamentação dos processos artísticos, por digital na sala Cine 2, de 85 lugares. As grande dramaturgo. O espaço passou por do como depósito dos arquivos do banmeio de atividades teóricas e práticas. A galerias 2 e 3 estão aptas a receber expoampla reforma em 2003 e foi devolvido co Ítalo-Germânico. E de 1956 a 1978, Sala de Leitura oferece ao público a oporsições de grande porte, atendendo a toà população, em setembro de 2004, topassa a abrigar o II Tribunal do Júri. tunidade de conhecer o que há de mais redas as exigências internacionais de segutalmente modernizado. No começo da década de 1980, surgipresentativo em arte contemporânea. rança, luminosidade e climatização. O prédio onde está localizado o tearam as primeiras idéias de aproveitamenTambém realiza encontros de poesia. Regina Ramos, gerente da Caixa Cultro é um marco da arquitetura da décato cultural do prédio. Várias propostas O Espaço Gastronômico da Casa tural, tem um imenso desafio a cada dia: da de 1970, com forma piramidal e faforam feitas até que, em 1984, Darci RiFrança-Brasil faz parte do novo perfil do gerir, com qualidade e competência, um chadas decoradas com esculturas dos arbeiro, então Secretário de Cultura do centro cultural. Junto com a Sala de dos grandes patrimônios culturais do tistas Carybé e Pedro Correia de Araújo Estado do Rio, articulou-se com Jack Leitura e o Espaço de Convivência, inRio e, por que não, do e envolvido por jarLang, Ministro da Cultura da França, e FUNCIONAMENTO tegra um projeto que tem por objetivo Brasil. Ela gosta do dins, passarelas e espeiniciou as conversas para a restauração e Unidade Chile proporcionar ao visitante opções de inseu trabalho. lhos d’água. Internaa implantação de um centro cultural no De terça a sexta, das 10h às 18h formação, entretenimento e lazer. Inau“A Caixa Cultural mente, as paredes do local, destinado ao intercâmbio cultural Sábado, domingo e feriado, das 14h às 18h Avenida Chile, 230, Centro. gurado em novembro de 2009, o espacresce a cada ano. E por térreo e segundo pavientre Brasil e França. Antes que fosse Tel: (21) 2262-8152/ 5483/ 2240-7055 ço é o endereço do mais novo Bistrô The quê? Por entregarmos mento são revestidas tarde demais, pois, acreditem, existia Unidade Barroso Line. O local ainda dissempre ao público por gigantescos paium projeto do arquiteDe terça a sábado, das 10h às 22h ponibiliza o serviço de eventos de primeira néis entalhados em to Lúcio Costa, um dos Domingo, das 10h às 21h. FUNCIONAMENTO Avenida Almirante Barroso, 25, Centro internet sem fio para os grandeza. E pensamos madeira pelos artistas modernistas que proDe terça a domingo, das 10h às 20h Tel: (21) 2262-5483 Rua Visconde de Itaboraí, 78 - Centro visitantes que desejem sempre na arte e na culplásticos Ernâni Majetaram Brasília, sugeTel: (21) 2253-5366 E-mail: fcfb@secrj.gov.br acessar a rede com seus tura, seja de que segcedo e Roberto Sá e, no rindo a demolição do Site: www.fcfb.rj.gov.br Site: www.caixa.gov.br notebooks. mento forem, desde o terceiro pavimento, imóvel.
Caixa Cultural
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Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador e creio que é o suficiente para se fazer bons eventos. Aqui no Rio temos um espaço de seis mil metros quadrados onde mostramos espetáculos de dança, exposições, música, pintura, artes plásticas, e ainda analisamos milhares de projetos a cada ano, para selecionar os melhores, com a única intenção de oferecer o belo ao público amante da arte.”
DIVULGAÇÃO
hip-hop, passando pelo samba e terminando no rock, basta que seja bom. Não concordo quando se diz que o povo não gosta de cultura. Gosta sim, é só lhe serem oferecidos programas de qualidade. Na Caixa Cultural pensamos sempre em fazer eventos que facilitem a presença do público, seja com os horários acessíveis ou com programas diferenciados.” “A Caixa disponibiliza recursos da ordem de R$ 50 milhões para Rio, São
Centro Cultural Light O prédio tem um conjunto de características arquitetônicas que o fazem único no Brasil. Tombado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, foi classificado como de interesse nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Uma de suas características marcantes é a estrutura metálica, que, assim como os principais elementos do prédio, foi importada dos Estados Unidos. Vencendo grandes vãos e deixada aparente, determinou um conceito arquitetônico e administrativo pouco usual para a época. O projeto era assinado pelo engenheiro norte-americano e também presidente da empresa, Frederick Stark Pearson (1861-1914). O edifício foi inaugurado em dia 13 de abril de 1912. A fachada principal, responsável pela nobreza externa do prédio e um colírio para os olhos, foi inteiramente fabricada nos Estados Unidos e trazida para o Rio, onde as peças, previamente numeradas, foram montadas. Numa volta no tempo, podemos ver os bondes entrando pelo vão central do térreo, atravessando o prédio e estacionando no pátio, sob galpões. Os funcionários e visitantes, por sua vez, entrando pela porta da esquerda. Pela entrada da direita chegavam os consumidores, que faziam seus pagamentos em guichês de bronze, que já não existem. Uma tradição interrompida na década de 1980, mas retomada em 1990.
Em 1994, com o objetivo de difundir a cultura e a informação entre a história do Rio de Janeiro e a da companhia, nasce o Centro Cultural Light (CCL), que teve um período de grande efervescência cultural até 1999, retomado com pleno vigor a partir de 2006. As atividades do Centro Cultural Light reforçam a ligação histórica da Light com a cultura. Além de ter sua presença no imaginário carioca traduzida em marchinhas carnavalescas e outras músicas populares (Seu condutor, blim, blim/Seu condutor, blim, blim/Pára o bonde pra descer o meu amor), a companhia teve entre seus empregados vários artistas consagrados. Com vocação para a formação de platéias e integrado à sede da empresa, o Centro Cultural Light promove atividades dirigidas a estudantes das escolas públicas e privadas da cidade, além de apresentações musicais e de teatro, exposições e eventos temáticos. A Light possui em seu acervo iconográfico cerca de 18.000 imagens fotográficas diferentes, distribuídas entre negativos e papel, de autoria do fotógrafo Augusto Malta, contratado da empresa. As fotos, que não têm preço pelo seu valor histórico, contam praticamente toda a história de transformação do Rio, de uma cidade bucólica para uma grande metrópole. Delas, cerca de 1.500 são negativos de vidro e 2.680 em acetato.
DIVULGAÇÃO
Prestes a completar 100 anos (foi inaugurado em 1912), o prédio do Centro Cultural Light impressiona pela fachada nobre, fabricada totalmente nos Estados Unidos.
Um dos mais novos centros culturais do Rio foi instalado pela Caixa Econômica Federal numa edificação de linhas modernas situada no ponto mais central da cidade.
As quase 14.000 fotografias restantes são NOEL ROSA E O FEITIÇO DO SAMBA – O projeto, iniciado no mês de setemreproduções em papel. Há ainda aprobro, celebra o centenário de Noel Rosa ximadamente 10.000 documentos escri(1910/2010) com uma série de espetácutos, um catálogo contendo desenhos de los musicais, que reunirão duas gerações postes antigos e sua distribuição nas ruas de sambistas, interpretando os maiores da cidade, além de uma coleção completa sucessos do Poeta da Vila. Nélson Sarda Revista Light, com 136 números, de gento, Galocantô, Marcos Sacramento, 1928 a 1940, na qual colaboraram nomes Nilze de Carvalho, Batuque de Cozinha como J. Carlos e Di Cavalcânti. CENTRO CUL TURAL LIGHT PARA ESULTURAL e a Velha Guarda da Vila Isabel são alguns TUD ANTES - Visita monitorada por esTUDANTES dos nomes que se apresentarão até detagiários, que cobre um circuito com zembro. MPB 12:30 EM PONTO - Projeto mutrês horas e meia de duração. Os espasical, pelo qual são realizados shows, ços que integram o circuito são: Planesempre às 12h30min no Teatro do CCL, ta Energia, Sala Memória, Espaço do com artistas consagrados da mpb. ViBonde, Caminhão Elétrico, Maquete da sitantes, empregados e público em geCidade de São João Marcos, Espaço Di ral presenciam as apresentações. NesCavalcânti e Praça Negrão de Lima (Páte ano o projeto começou neste mês de tio das Energias). Até agosto o prograsetembro. Zezé Motta, DNA do Samma recebeu a visita de aproximadamenba, Dicró, Noca da Portela, Nilze Carte 4 mil estudantes. MÚSIC A NO MUSEU - Projeto musiÚSICA valho e Monarco se apresentarão a parcal cujo objetivo é formar platéias e retir de outubro. BOTEQUIM DA RUA LARG A - Projeto novar o público da música erudita braARGA sileira. O projeto realiza mais de 500 musical que apresenta o grupo de samapresentações por ano, quase todos os ba Botequim da Rua Larga, formado por dias da semana, em museus, igrejas, insfuncionários da Light. Toda a receita de tituições culturais e outros espaços. No ingressos e da venda de alimentos e beteatro do Centro Cultural Light, as aprebidas durante o evento é destinada ao sentações ocorrem toda primeira sextaPrograma Light Voluntária, que a repassa feira de cada mês e o evento é aberto ao aos projetos que possuem parceria com público. o Programa. O evento é aberto ao públiCHORO APERITIV O – Apresentações PERITIVO co. O início do projeto foi programado do cavaquinista Ronaldinho do Cavaquipara fim do mês de setembro e contemnho. O projeto começa em março de plará uma apresentação por mês, duran2011, porém no dia 6 de dezembro de te seis meses. 3º CONCURSO DE SAMBA DE QUA2010 haverá uma apresentação no CCL, DRA – Carnaval de todos os tempos a qual já está incluída no projeto itineCom produção de Haroldo Costa e Paulo rante do artista. TERÇAS MUSIC AIS - Projeto musical USICAIS Roberto Direito, o concurso visa ao resque resgata a vida e a obra de personagate do samba de quadra, incentivando gens que criaram tendências e ajudaram não apenas compositores experientes, a construir parte da história musical conmas também os jovens que se mostrem temporânea do Brasil. Realizado em mais interessados no gênero. Neste ano parceria com a Sociedade Viva Cazuza! as inscrições acontecerão no período de Até agosto de 2010 foram realizadas 11 15 de setembro a 15 de outubro e a final apresentações de artistas renomados, está prevista para 17 de fevereiro de como The Fevers, 2011, com show do FUNCIONAMENTO Wanderley Cardoso, cantor Diogo NogueiDe terça a sexta-feira, das 11h às 17h. Renato e seus Blue ra. No ano passado, o Avenida Marechal Floriano, 168 - Centro Tel: (21) 2211-7268/ 7529 Caps, Jerry Adriani, Concurso recebeu quaSite: www.light.com.br entre outros. se 1.000 inscrições. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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FRANCISCO UCHA
Durante um arrojado plano de reformas surgiu o teatro na antiga garagem sob o Salão Nobre, sendo refeitos ainda as maravilhosas clarabóias, os vitrais e a cinematográfica e imponente escadaria principal das décadas de 30 e 40. Para quem entra no prédio, é significativa e surpreendente a visão do conjunto formado pelas escadarias, os vitrais e a clarabóia; muitos dizem que somente esse cenário já justificaria uma visita ao local. O conjunto foi reaberto no dia 4 de abril de 2001 como Centro Cultural Justiça Federal. Atualmente, o CCJF dispõe de 14 amplas salas de exposições, teatro, biblioteca, lojinha e cafeteria. Há ainda uma sala destinada à instalação de um cinema. Aberta ao públiFUNCIONAMENTO co desde março de De terça a domingo, das 12h às 19h. 2004, o acervo da Avenida Rio Branco, 241 - Centro Tel: (21) 3261 2582 Biblioteca do CCL, E-mail: biblioteca.ccjf@trf2.gov.br especializado nas Site: www.ccjf.trf2.gov.br diversas áreas das artes e da cultura, é formado por três coAntiga sede do Supremo Tribunal Federal, na Avenida Rio Branco, a edificação do Centro Cultural Justiça Federal foi restaurada com leções: Coleção Bibliográfica: livros, carequinte de precisão, que devolveu a majestade aos seus espaços interiores, como o plenário, onde atuou, entre outros tribunos, Rui Barbosa. tálogos artísticos, folhetos, obras de referência e revistas especializadas; Coleção Iconográfica: material audiovisual suntuoso do edifício, conserva o assoae fotografias; Coleção Acervo Documenlho original de peroba e pau-roxo. Postal Histórico da Justiça Federal: variados sui belíssimos vitrais confeccionados documentos impressos que versam sopela Casa Conrado Sogenith, de São sucessivamente, por varas de Fazenda bre a criação, a História e a composição O edifício do Centro Cultural JustiPaulo. No teto há dois painéis pintados Pública e pela Justiça Federal. da Justiça Federal, principalmente sobre ça Federal-CCJF foi projetado pelo arquipor Rodolfo Amoedo, um dos mais conNa fachada, predominam elementos o Tribunal Regional Federal da 2ª Região. teto sevilhano Adolpho Morales de Los sagrados artistas da sua geração. do classicismo francês. As portas, ricas Rios, sendo um dos mais belos exemplaem detalhes referentes à Justiça, foram res da arquitetura eclética, em voga no talhadas pelo artista português ManoBrasil do início do século XX. A construel Ferreira Tunes. A escadaria em márção, iniciada em 1905, destinava-se à more de Carrara e ferro trabalhado reMitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro. vela o gosto art nouveau. As janelas reAdquirida pelo Governo Federal, tortangulares lembram as góticas e as banou-se sede do Supremo Tribunal Fedelaustradas remetem ao Renascimento ral de 1909 a 1960. Com a mudança do Francês. A Sala de Sessões, o espaço mais STF para Brasília, o prédio foi ocupado,
Centro Cultural Justiça Federal
Centro Cultural Correios O imóvel onde funciona o Centro andar térreo está localizado o teatro Cultural Correios foi inaugurado em com 320 metros quadrados e capacida1922. As linhas arquitetônicas da fade para 200 pessoas. O segundo e o terchada, em estilo eclético, caracterizam ceiro pavimentos têm dez salas de exo prédio do início do século, construposições. Ao fundo da Galeria de Arte ído para sediar uma escola do Lloyd fica a Agência JK, que oferece serviBrasileiro. Mas isto não ocorreu e o ços de correios e de conveniência, com edifício acabou sendo utilizado, por funcionamento de terça-feira a dominmais de 50 anos, para funcionamento go, do meio-dia às 19 horas. O Centro de unidades administrativas e operaCultural dispõe também de um bistrô, cionais dos Correios. Na década de 80 que funciona durante a realização dos o prédio foi desativado para reformas, eventos. sendo reaberto em 2 de junho de 1992, Os Correios, em média, recebem um parcialmente restaurado, para receber público anual de 400 mil visitantes e a Exposição Ecológica 92. A inauguração promove cerca de 50 eventos, com atraoficial aconteceu em agosto do ano seções variadas de teatro, música, danguinte, com a Exposição Mundial de ça, cinema e vídeo, além das exposições Filatelia - Brasiliana 93. de diversos tipos de arte. Charmosa é O edifício, de 3.480 metros quadratambém a Praça dos Correios, uma área dos, é dotado de três pavimentos interaproximada de 1,3 mil metros quadraligados por um elevador, também do dos ao ar livre, com espelho d’água e início do século (com tudo. Há ainda suporcharmosas portas pante de uma concha FUNCIONAMENTO De terça-feira a domingo, das 12 às 19h tográficas), de onde se acústica, que pode reRua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro pode ter uma visão paceber um público nuTelefones: (21)2253-1580/1570/1545 E-mail: centroculturalrj@correios.com.br norâmica de todo o meroso para eventos a Site: www.correios.com.br ambiente interno. No céu aberto. 6
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Erguido num terreno de quina, o edifício do Centro Cultural Correios foi inaugurado em 1922, para abrigar uma escola do Lloyd Brasileiro. Seu teatro tem 200 lugares.
DIVULGAÇÃO
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Centro Cultural Banco do Brasil O Centro Cultural Banco do Brasil ocupa o histórico nº 66 da Rua Primeiro de Março, prédio de linhas neoclássicas que desde o século XIX esteve ligado às finanças e aos negócios. Sua pedra fundamental foi lançada em 1880, materializando projeto de Francisco Joaquim Bethencourt da Silva (1831-1912), arquiteto da Casa Imperial, fundador da Sociedade Propagadora das Belas-Artes e do Liceu de Artes e Ofícios. Inaugurado como sede da Associação Comercial, em 1906, a suntuosa rotunda abrigava o pregão da Bolsa de Fundos Públicos. Na década de 1920, passou a pertencer ao Banco do Brasil, que o reformou para abertura de sua grandiosa sede. Com isso, o banco passou a ter o
DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO A SEREIAZINHA - CIA PEQUOD DE TEATRO DE ANIMAÇÃO Apresentação da sua mais nova criação: a adaptação do conto de Hans Christian Andersen, com marionetes aquáticas embaladas pelas canções de mar de Dorival Caymmi (até 12 de outubro) FRAGMENTOS DO DESEJO - CIA. DOS A DEUX A companhia franco-brasileira volta ao CCBB Rio nesta aprofundada pesquisa cênica que explora os fragmentos de vida de quatro personagens (até 24 de outubro) ÓPERA DOS VIVOS - CIA. DO LATÃO Traça um amplo painel de personagens ligadas ao meio cultural, em épocas distintas, dos anos 60 aos dias de hoje. Cada ato prioriza uma linguagem: teatro, cinema, música e televisão (até 7 de novembro).
ANA COLLA
GALERIA DE VALORES A mostra cria um espaço interativo que conta a História da moeda, no Brasil e no mundo (permanente).
edifício mais emblemático e refinado do mundo financeiro nacional, status que duraria até 1960, quando cedeu lugar à Agência Centro do Rio de Janeiro e depois à Agência Primeiro de Março, ainda em funcionamento. No final da década de 80, resgatando o valor simbólico e arquitetônico do prédio, o Banco do Brasil decidiu pela sua preservação ao transformá-lo em um centro cultural. O projeto de adaptação preservou o requinte das colunas, dos ornamentos, do mármore que sobe do foyer pelas escadarias, e retrabalhou a cúpula sobre a rotunda. Inaugurado em 12 de outubro de 1989, logo transformou-se em pólo multimídia e fórum de debates. Com 17 mil metros quadrados, o CCBB-RJ integra muitos espaços num só, onde a arte está permanentemente em cartaz. É atualmente a principal sede de eventos culturais de variedade natureza do Rio. Criada em 1931, a antiga Biblioteca do Banco do Brasil, originalmente voltada para assuntos mais técnicos, é hoje uma importante fonte de consulta nas áreas de Artes, Ciências Sociais, Filosofia e Literatura, com acervo de mais de 125 mil títulos informatizado, atualizado e periodicamente higienizado por uma equipe da APAE-Niterói. Pela importância estrutural e pelo acervo, constitui uma das mais importantes Bibliotecas do País. Seus 2.200 metros quadrados abrigam um salão de leitura para 100 pessoas, três salas para a coleção geral, uma sala de referências com enciclopédias e dicionários, uma sala de literatura infanto-juvenil com mais de dois mil títulos, uma sala de multimídia, além de salas espe-
de se olhar cultura, não somente no Rio de Janeiro, mas no Brasil. “Sem dúvida nenhuma, demos início a um processo que se propagou pelo País, isto porque o Centro Cultural Banco do Brasil foi a primeira entidade desse molde entre nós. Basta citar como exemplo este pedaço da cidade; quando nos instalamos aqui não havia nada e hoje é um belíssimo e importante corredor cultural, formado pelos Correios, a Casa França-Brasil, o Arco do Teles e todo esse acervo patrimonial, bem cuidado e preservado. Uma área que virou pólo gastronômico e point de todo mundo, principalmente de turistas ciais: Salas de Edições Especiais e Obras estrangeiros, encantados com o lugar.” Raras, Sala Mozart de Araújo e Sala José “Isso muito nos orgulha. No ano pasGuilherme Merquior. sado recebemos 2 milhões e meio de viPara utilizá-la, é preciso prévio cadassitantes e para este ano temos uma vertramento em biblioteca conveniada (a ba do Banco do Brasil de R$ 25 milhões ABI é uma das conveniadas) com aprepara investimento em nossa grade culsentação de autorização do bibliotecátural, como exposições, cinema, músirio responsável. Têm direito funcionáca, teatro, palestras etc. Procuramos dar rios do Banco do Brasil e seus dependenênfase a exposições históricas como a tes. Existe ainda empréstimo medianda Anita Malfati e a Expedição Langste cadastramento (ficha preenchida no dorff. Acreditamos que a cultura deva balcão da biblioteca). Funciona de terser democratizada, com acesso a todas ça-feira a domingo, das 9h às 21h, no 5º as classes sociais, especialmente junto andar. Demais Informações podem ser aos estudantes. Para isso, dispomos de um obtidas pelo telefone: (21) 3808-2030, serviço de transporte, de segunda a domingo, que busca e leva alunos FUNCIONAMENTO das 9h às 20h30. De terça a domingo, das 10h às 21h de regiões distantes para O Gerente do CCBB, Rua Primeiro de Março, 66 - Centro conhecer nosso acervo e Marcos Mantoan, diz que Tel: (21) 3808-2020/ 2101 Site: www.bb.com.br/cultura nossos eventos.” o Centro mudou o modo
ICONOGRAFIA DE DOM JOÃO VI A mostra é composta por quadros a óleo, gravuras e objetos diversos que compõem um novo espaço expositivo no corredor do quarto andar do CCBB (permanente). O BANCO DO BRASIL E SUA HISTÓRIA A exposição, composta por peças do acervo do Museu e do Arquivo Histórico, conta a História do Banco do Brasil (permanente). ACORDES DO RÁDIO: 90 ANOS DO VIOLÃO BRASILEIRO A série enfoca a música brasileira de violão e a maneira como foi sendo difundida pelo rádio ao longo do século XX até os dias atuais. Os espetáculos reunem alguns dos mais importantes violonistas da atualidade e cantoras da nova geração da mpb (até 16 de novembro) ONOMATOPÉIA NÃO É PALAVRÃO Série de cinco shows, apresentados por Hermínio Bello de Carvalho, com repertório de música popular e instrumental brasileira onde a onomatopéia, recurso de imitação de sons por meio de vocábulos sonoros presente nas letras e arranjos instrumentais é valorizada (até 30 de novembro) DE LUDOVICO GIUSTINI A PHILIP GLASS TRÊS SÉCULOS DE PIANO O evento apresenta, em oito concertos – sob a responsabilidade de renomados artistas – a evolução e o desenvolvimento da técnica pianística, desde as primeiras obras escritas para “fortepiano” até peças que representam as atuais vertentes da música no século XXI (até 21 de dezembro)
Com um pé-direito monumental (foto ao alto) e uma fachada ampla e imponente, a antiga matriz do Banco do Brasil passou a sediar desde o final dos anos 80 do século passado aquele que se tornaria o maior, o mais dinâmico e o mais freqüentado centro cultural do Rio.
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ESPECIAL CENTROS CULTURAIS, UMA FEBRE NO RIO LUCIANA WHITAKER/FOLHAPRESS
Fundação Biblioteca Nacional Considerada pela Unesco uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo, é também a maior da América Latina. O núcleo original de seu poderoso acervo, calculado hoje em cerca de nove milhões de itens, é a antiga livraria de Dom José, organizada sob a inspiração de Diogo Barbosa Machado, abade de Santo Adrião de Sever, para substituir a Livraria Real, cuja origem remontava às coleções de livros de Dom João I e de seu filho Dom Duarte, consumida pelo incêndio que se seguiu ao terremoto de Lisboa, em 1º de novembro de 1755. O início do itinerário da Real Biblioteca no Brasil está ligado a um dos mais decisivos momentos da História do País: a transferência da Rainha Dona Maria I, de Dom João, Príncipe Regente, de toda a Família Real e da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, quando da invasão de Portugal, em 1808. O acervo trazido para o Brasil, de 60 mil peças, entre livros, manuscritos, mapas, estampas, moedas e medalhas, foi inicialmente acomodado numa das salas do Hospital do Convento da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, hoje Rua Primeiro de Março. A data de 29 de outubro de 1810 é considerada oficialmente como a da fundação da Real Biblioteca, que, no entanto, só foi franqueada ao público em 1814. Quando, em 1821, a Família Real regressou a Portugal, Dom João VI levou de volta grande parte dos manuscritos do acervo. Depois da proclamação da independência, a aquisição da Biblioteca Real pelo Brasil foi regulada mediante a Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade, celebrado entre o Brasil e Portugal em 29 de agosto de 1825. O prédio atual da Fundação Biblioteca Nacional teve sua pedra fundamental lançada em 15 de agosto de 1905 e foi inaugurado cinco anos depois, em 29 de outubro de 1910. O projeto é do arquiteto General Francisco Marcelino de Sousa Aguiar. Integrado à arquitetura da recém-aberta Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, o prédio é de estilo eclético, em que se misturam elementos neoclássicos. Em 1990 a Biblioteca Nacional passou a constituir a Fundação Biblioteca Nacional-FBN, que possui ainda um Escritório de Direitos Autorais para registro e averbação de direitos de autor e também é a Agência Nacional do ISBN (International Standard Book Number).
PRINCIPAIS COLEÇÕES COLEÇÃO CONDE DA BARC A OU COARCA LEÇÃO ARA UJENSE - Adquirida em leiRAUJENSE lão em 1819. É constituída de 2.365 obras em 6.329 volumes, em sua maior parte dos séculos XVIII e XVII. Pertence a essa coleção o conjunto de estampas Le Grand Théâtre de l’Univers, reunido em 125 grandes volume. COLEÇÃO DE ANGELIS - Adquirida em 1853 a Pedro de Angelis, político e bi-
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bliófilo napolitano, naturalizado argentino. Possui 1.717 obras em 2.747 volumes e 1.295 manuscritos. É do maior interesse para a História da Província Jesuítica do Paraguai e das questões de limites na região do Prata. C OLEÇÃO THEREZA CHRISTINA MARIA - Doada em 1891 pelo ex-Imperador D. Pedro II com o desejo expresso de que conservasse o nome da Imperatriz. É composta de 48.236 volumes encadernados e inúmeras brochuras, sem contar folhetos avulsos, fascículos de várias revistas literárias e científicas, estampas, fotografias, partituras musicais e mais de mil mapas geográficos impressos e manuscritos. Dão cunho especial a essa importante coleção, a maior recebida pela biblioteca em todos os tempos, as numerosas dedicatórias autografadas dos autores ao Imperador e à Imperatriz. ARQUIV O DA CASA DOS CONTOS RQUIVO Com cerca de 50.000 documentos e muitos códices, a coleção é proveniente da antiga Casa dos Contos de Ouro Preto e se completa com duas outras da mesma procedência que se encontram uma no Arquivo Nacional e outra no Arquivo Público de Minas Gerais. Compreende documentos da administração de Minas nos séculos XVIII e XIX, com precioso material para o estudo da História da mineração, quintos, contrabando de ouro e diamantes, bandeiras e da Inconfidência Mineira.
MANUSCRITOS EVANGELIÁRIO - SÉCULO XIXII – XI-XII Exemplar em pergaminho com textos, em grego, dos quatro evangelhos. Letra semi-uncial. É o mais antigo manuscrito da Biblioteca Nacional. LIVRO DE HORAS - SÉCULO XV – Pergaminho em latim com letras góticas. Iniciais decoradas a ouro e cores. Contém treze miniaturas de página inteira e quatro menores, algumas com vistas do Louvre e de Montmartre. Encadernação do século XVI, em couro, com motivos geométricos ornamentando as duas capas. Calendário em francês.
IMPRESSOS BÍBLIA DE MOGÚNCIA (BÍBLIA LATINA) - Johann Fust e Peter Schoeffer, «in vigília assumpcõis gl’ose virginis Marie», 14 de agosto de 1462, 2v - A Biblioteca Nacional possui dois exemplares. A Bíblia de Mogúncia é o primeiro impresso que contém data, lugar de impressão e nome do impressor no colofão. Pergaminho, com letras capitais feitas a mão com tinta azul e vermelha. OS LUSÍAD AS – de Luís de Camões, USÍADAS Lisboa, 1572, com a data de 1572 existem duas edições de Os Lusíadas. Numa delas o 7º verso da primeira estância do Canto I é «Entre gente remota edificaram»; em outra, considerada realmente a primeira, o verso é «E entre gente remota edificaram». A Biblioteca Nacional
Admirável por seu acervo, com 9 milhões de itens, e também por sua arquitetura, a Biblioteca Nacional ocupa uma edificação que vai fazer 100 anos agora em outubro.
possui a edição chamada Edição E e, ou seja a primeira das duas de 1572. CORREIO BRAZILIENSE, PRIMEIRO JORNAL BRASILEIRO – Publicado em Londres de 1808 a 1822 por Hipólito José da Costa. Defendia a união monárquicoconstitucional do Império Luso-Brasileiro, só aderindo à Independência em julho de 1822. Combatia a opressão, a corrupção e a ignorância. É uma fonte para estudos históricos, políticos, sociais econômicos e literários. MESSIAH AN ORA TORIO IN SCORES ORATORIO Y PERFOR’D DE AS IT WAS ORIGINALL ORIGINALLY HANDEL - Exemplar da primeira edição do Messias, de Haendel, publicada em Londres em meados do século XVIII. IL DISSOL UTO PUNTO O SIA DON GIDISSOLUTO OVANN, DE MOZAR T - Exemplar da priOZART meira edição da famosa ópera publicada em Leipzig, em 1801. PAR TITURAS ORIGINAIS DAS ÓPERAS ARTITURAS DE CARLOS GOMES - O Guarani, Fosca, Maria Tudor, Salvador Rosa.
EXPOSIÇÃO JORNAL DO BRASIL: DO PAPEL AO DIGITAL Desde 1º de setembro, a Biblioteca Nacional realiza a exposição Jornal do Brasil: Do Papel ao Digital. Coincidindo com a data em que o JB passa a ser pu-
blicado somente na internet, a mostra traz edições históricas dos quase 120 anos do diário impresso, incluindo a primeira, de 9 de abril de 1891, e a última. Lá estão notícias de eventos como a morte de Dom Pedro II, a inauguração do Cristo Redentor e a queda do Muro de Berlim, além de marcos editoriais do jornal, como a criação do Caderno B, o primeiro caderno de cultura da imprensa brasileira. Não ficou de fora a capa mais célebre do JB, quando, ao anunciar a implementação do AI-5 pela ditadura militar, é publicada uma previsão de tempo “sufocante, tendendo a tempestades”, analogia crítica à tensão política em 1968. Promovida pela Coordenadoria de Publicações Seriadas, além de fornecer um panorama sobre a História de um dos periódicos mais importantes da imprensa nacional, a exposição propõe uma reflexão sobre o futuro do jornalismo impresso após a popularização da internet. A exposição irá até outubro no hall do segundo andar na Avenida Rio Branco, 219, com entrada franca. O Professor Muniz Sodré, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, destaca a importância da entidade: “A Biblioteca Nacional é fundamental não apenas por oferecer serviços a leitores
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“O auditório é palco ainda de debates (consulta a livros diversos, periódicos, mensais da Revista de História da Bibliomicrofilmes, obras raras a pesquisadoteca Nacional, cerimônias que valorizam res), como também por ofertar uma autores, como o Prêmio Camões, cursos extensa programação cultural à populae simpósios, encontros para restauradoção do Rio de Janeiro. O Auditório Mares e seminários do Programa Nacional chado de Assis, na Rua México, sintetide Incentivo à Leitura e Sistema Nacioza bem essa proposta: semanalmente, nal de Bibliotecas Públipor ali, passam estudancas. Diariamente, passam tes e intelectuais, que deFUNCIONAMENTO De segunda a sexta, pela instituição, cerca de batem questões de literadas 9h30min às 17h30min 1.200 visitantes, entre leitura, música, política, Avenida Rio Branco, 219 - Centro Tel: (21) 2220-9484/ 4173 tores, turistas e visitantes etc., no programa QuarSite: www.bn.br de exposições”. ta às Quatro.”
Academia Brasileira de Letras No fim do século XIX, Afonso Celso Júnior, ainda no Império, e Medeiros e Albuquerque, já na República, manifestaram votos por uma academia nacional, como a Academia Francesa. Depois de muita negociação e espera, inclusive com a recusa de participação do Estado, como havia proposto Lúcio de Mendonça, a primeira sessão foi realizada no dia 15 de dezembro, às três da tarde, na sala de Redação da Revista Brasileira, Travessa do Ouvidor, nº 31, centro do Rio de Janeiro, sendo logo aclamado Presidente Machado de Assis. A 28 de janeiro do ano seguinte, seria a sétima e última sessão preparatória. Nela estavam presentes, instalando a Academia: Araripe Júnior, Artur Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay. Também Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat e Valentim Magalhães, que haviam comparecido às sessões anteriores, e ainda Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, Conselheiro Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero e Urbano Duarte, que aceitaram o convite e a honra. Eram trinta membros, mas seriam necessários quarenta, como na Academia Francesa. Foi o que fizeram os dezesseis presentes à sessão, elegendo os dez seguintes: Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Bevilacqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo, Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça. Os Estatutos são assinados por Machado de Assis, Presidente; Joaquim Nabuco, Secretário-Geral; Rodrigo Otávio, 1º Secretário; Silva Ramos, 2º Secretário; e Inglês de Sousa, Tesoureiro. A 20 de julho de 1897, numa sala do Pedagogium, na Rua do Passeio, realizouse a sessão inaugural, à qual compareceram dezesseis acadêmicos. O Presidente Machado de Assis, emocionado, fez um discurso preliminar. Rodrigo Otávio, 1º Secretário, leu a memória histórica dos atos preparatórios, e o SecretárioGeral, Joaquim Nabuco, pronunciou o discurso inaugural.
Em 1923, o governo francês doou à academia um prédio, réplica do Petit Trianon de Versailles, construído no ano anterior para abrigar o pavilhão da França na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro. Primeira sede própria, o prédio funciona até os dias de hoje como local para as reuniões regulares dos acadêmicos e para as sessões solenes comemorativas e de posse de novos membros da ABL. No jardim, junto à entrada do Petit Trianon, encontra-se um dos mais conhecidos símbolos da Casa, a escultura em bronze de Machado de Assis, de autoria de Humberto Cozzo. O saguão, com piso em mármore, lustre de cristal francês e peças de porcelana de Sèvres, conduz ao Salão Nobre, ao Salão Francês e à Sala Francisco Alves. O andar térreo compreende também a Sala dos Poetas Românticos, a Sala Machado de Assis e a Sala dos Fundadores. No lado oposto ao do Saguão, a Sala dos Poetas Românticos abre-se para um belo pátio e reverencia Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela e Gonçalves Dias, imortalizados em bustos de bronze. Na Sala Machado de Assis, organizada pelo Acadêmico Josué Montello, destacam-se objetos pessoais do escritor, como livros de sua biblioteca, a escrivaninha onde trabalhava e um belo retrato a óleo de autoria de Rodolfo Bernardelli. No segundo andar do Petit Trianon estão a valiosa Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça, a Sala de Sessões e o Salão de Chá, onde se reúnem os acadêmicos, às quintas-feiras. Uma grande reprodução dos Estatutos da Academia, de 1897, assinados por Machado de
DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO PALESTRA 0 - MU LH ER B R ASI LEI R A HO 1/10 LHER ASILEI LEIR HOJJ E 21/1 Palestrantes: Ana Maria Machado, Maria Sílvia Camargo, Miriam Leitão e Rosiska Darcy de Oliveira, 17h30 25/1 1 - NOEL ROSA, U M PALP ITE F ELIZ 5/11 ALPITE Palestrantes: Aldir Blanc, Carlos Didier, Martinho da Vila, Ricardo Prado e Sérgio Cabral, 17h30m
Doada à ABL pelo Governo da França em 1923, a antiga sede da Academia Brasileira de Letras é a ante-sala de vigoroso programa cultural da Casa de Machado de Assis.
esia, que habita a alma, que sente e comAssis, Joaquim Nabuco e membros da preende. A Academia que temos hoje não primeira Diretoria, está afixada na Sala é diferente disso, mas adotou também de Sessões, que também possui dois paisua vocação de grande casa da cultura: néis com retratos dos fundadores e dos aberta, democrática e criativa.” patronos das 40 cadeiras. “Hoje a instituição é um movimentaO Presidente da Academia Brasileira do centro de atividades culturais, estude Letras, Marcos Vinicios Vilaça, explidos e entretenimento, frequentado por ca o fundamental e precioso papel exerjovens que lotam nossos eventos. O Rio cido pela ABL no panorama cultural do de Janeiro é uma cidade com muitas posRio de Janeiro: sibilidades culturais. Temos muitas sa“O papel da Academia é o de preserlas que foram adotadas para receber var e valorizar a memória nacional: a línconcertos e música de câmara, muitos gua como instrumento do conhecimento museus etc. As atividades culturais são e da convivência; as letras como revelaas mais diversas e oferecidas tanto pedoras e formadoras da identidade naciolas autoridades quannal, sem deixar de fora FUNCIONAMENTO to pelas organizações nada do que é humaDe segunda a sexta, das 9h às 18h não-governamentais, no: a ciência, que resiAvenida Presidente Wilson, 231 - Castelo Tel: (21) 3974-2552/2500/2220-6695 mas claro que sempre de no espírito, que obSite: www.academia.org.br se pode fazer mais. serva e explica; e a po-
Centro Cultural Paço Imperial Quem entra no Centro Cultural Paço Imperial passa a respirar História por todos os poros. É que ela está impregnada em todas as paredes, por todos os balaústres, em cada sacada de suas inúmeras janelas. Situado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, o Paço Imperial é um raro exemplo de monumento histórico que, em diferentes momentos, foi palco de importantes acontecimentos nacionais. A sua própria origem já é uma salada histórica. Abrigou a Casa da Moeda, a partir de 1699, e em uma planta datada de 1713 aparece também como o Armazém Del Rey, local onde eram guardadas armas e munições reais. No início do Século XVIII, com as invasões francesas de 1710 e 1711, a Casa sofreu bastante. Em outras palavras, sobrou pra ela e muito. Em 1710, corsários do francês Jean François Duclerc foram vencidos em violenta batalha travada no terreiro do Carmo, em frente à Casa. Parte dos prisioneiros ficou detida na Cadeia que ali também existia. Imaginem, a Cadeia ao lado da Casa da Moeda. Em 1712, durante a invasão de
Duguay-Trouin, o prédio foi fortemente bombardeado e teve as oficinas inutilizadas; depois, foram restauradas. O Paço entra pra valer em cena a partir de 1733, quando o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, pede ao Rei Dom João V licença para edificar uma casa de governo no Rio. Por volta de 1738, começa a construção do edifício, seguindo o projeto do engenheiro militar português José Fernandes Pinto Alpoim, no Largo do Carmo (ou da Polé), atual Praça XV, naqueles idos o centro nevrálgico da então modesta e insalubre cidade. A nova Casa dos Governadores foi inaugurada em 1743. Desse ano até 1763, foi sede do governo colonial no Brasil. Com a transferência da sede do Governo Geral para o Rio de Janeiro, tornou-se Palácio dos ViceReis até 1808. A partir de então, passou a abrigar a Família Real, que se transferiu de Lisboa para o Rio, recebendo o nome de Paço Real. Depois da proclamação da independência (1822), e até a proclamação da República (1889), passou a ser chamado de Paço Imperial. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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TUCA VIEIRA/FOLHAPRESS
ESPECIAL CENTROS CULTURAIS, UMA FEBRE NO RIO
Após a Proclamação da República, o prédio foi sede do Departamento de Correios e Telégrafos. Os cômodos voltados para o mar e para a praça constituíam a parte nobre do prédio, como a Sala do Trono, onde ocorriam as audiências reais; no corpo da frente e no centro da fachada voltada para a praça, alojavam-se os membros da Família Real. Construiu-se um passadiço, agregando o Paço ao Convento do Carmo e à Casa da Câmara e Cadeia, para facilitar a movimentação dos acomodados nesses espaços. As celas do convento foram transformadas em aposentos para a Rainha Dona Maria I e suas damas. A antiga capela do convento foi transformada em Capela Real. Em 1817, foi erguido um terceiro pavimento na fachada voltada para o mar, dando ao prédio o aspecto palaciano. O local foi destinado aos aposentos reais.
“VOU MANDAR ESTAS FLORES PARA MEU PAÍS.....”
De 1822 a 1890 o Paço foi palco de todos os eventos políticos, religiosos, econômicos e o local de onde se governava o País. Manteve sua importância na cida-
de, pela nobreza e imponência de sua arquitetura, sendo cenário de acontecimentos históricos fundamentais no panorama político/social brasileiro, como a aclamação de dois imperadores, Dom Pedro I e Dom Pedro II; o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) e a assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Isabel, que aboliu a escravatura no Brasil (13 de maio de 1888). A chuva de flores que se seguiu ao ato emocionou o embaixador norte-americano no Brasil, James Rudolph Partridge, que colheu algumas e pronunciou a frase que se tornaria célebre: “Vou mandar estas flores a meu país, para mostrar como aqui se fez uma lei que lá custou tanto sangue”. A Guerra de Secessão custara seiscentos mil mortos. Em 1938, o Paço foi tombado pelo SPHAN (atual IPHAN) e desde 1985, é um centro cultural vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O prédio sofreu inúmeras modificações de nomes e de funções, passou por diversas reformas arquitetônicas, mas não perdeu a beleza, a majestade e a condição, através dos séculos, de testemunha e protagonista da História do País. No Paço Imperial, as expressões do mundo
O Centro Cultural Paço Imperial tem o privilégio de ocupar uma das mais antigas edificações do Rio, construída no século XVII e sede de diferentes Governos na Colônia.
atual dialogam com as referências do pasciclo na Praça XV e suas imediações, onde sado, convidando o visitante a passear peforam surgindo outros centros multicullos tempos. Sua programação diversifiturais, atraindo um público de cerca de cada inclui artes plásticas, cinema, teatro, 2 milhões de pessoas por ano em programúsica, biblioteca, atividades educativas, mações que envolvem grandes exposiseminários, serviços de ções de artes nacionais lojas e restaurantes. e internacionais, evenFUNCIONAMENTO De terça a domingo, das 12h às 18h. O Paço Imperial tortos musicais e literários, Praça XV de Novembro, 48 – Centro nou-se referência no papeças de teatro, espetáTel: (21) 2533-4207 norama cultural do Rio culos de dança, filmes, E-mail: paço@pacoimperial.com.br Site: www.iphan.gov.br e inaugurou um novo cursos e seminários.
MARCO ANTÔNIO TEIXEIRA/AGÊNCIA O GLOBO
Orgulho de portugueses e brasileiros, o Real Gabinete Português de Leitura foi inaugurado em 1880 numa solenidade que contou com um orador de grande renome: Ramalho Ortigão.
Real Gabinete Português de Leitura Pelo seu prestígio nos meios intelectuais, pela beleza arquitetônica e o majestoso branco manuelino do edifício, pela importância do acervo bibliográfico e ainda pelas atividades que desenvolve, o Real Gabinete Português de Leitura é uma notável instituição que muito dignifica Portugal no Brasil. Na verdade, é um dos maiores patrimônios que poderia nascer do dia em que os dois países se encontraram. Em 14 de maio de 1837, um grupo de 43 emigrantes portugueses do Rio de Janeiro – apesar de o Brasil já estar há 15 anos independente do domínio português – reuniu-se na antiga Rua Direita, 20 (hoje Primeiro de Março) e resolveu criar uma biblioteca para ampliar os conhecimentos de seus sócios e dar oportunidade aos portugueses residentes na então capital do império de ilustrar o espírito. Entre esses homens, cuja maioria era composta de comerciantes da praça, estavam alguns que haviam sido perseguidos em Portugal pelo absolutismo e que tinham emigrado para o Brasil. Era o caso de José Marcelino Rocha Cabral, advogado e jornalista, que seria eleito primeiro presidente da instituição. Inspiravam-se no exemplo da França, onde, logo a seguir à Revolução de 1789 começaram a aparecer as chamadas “boutiques à lire”, que nada mais eram do que lojas onde se emprestavam livros, por prazo determinado, mediante o pagamento de determinada quantia. É por essa altura que os dirigentes começam a pensar em construir uma 10 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
com ajuda financeira para o desenvolvimento da instituição.
OBRAS RARAS
sede de maiores dimensões e condizente com a importância da instituição. Para esse fim, é adquirido um terreno na antiga Rua da Lampadosa (hoje Luís de Camões). E as comemorações do tricentenário da morte do poeta (1880) vão ser o grande pretexto para motivar a colônia portuguesa e levar adiante a idéia. O projeto escolhido foi o do arquiteto português Rafael da Silva Castro, com seu traço neomanuelino, evocando a epopéia camoniana. Ramalho Ortigão, convidado para o orador oficial da solenidade, pronunciou então um discurso notável, terminando desta forma: “E se um dia o nome de Portugal houver de desaparecer da carta política da Europa, esta Casa será ainda como a expressão monumental do cumprimento da profecia posta por Garrett
na boca de Camões: ... não se acabe a Língua, o nome português na terra”. Em 1900 o Gabinete Português de Leitura transforma-se em biblioteca pública. É precisamente nesse ano que o Rei Dom Carlos atribui o título de “Real” ao Gabinete. Para as comemorações do 1º centenário da Independência é constituída no Real Gabinete uma empresa com a finalidade de editar, em fascículos, a monumental História da Colonização Portuguesa do Brasil. Os fascículos chegam a atingir cerca de 20.000 exemplares, com 12.000 distribuídos no Brasil e 8.000 em Portugal – um número impressionante para a época. Mas as décadas seguintes serão de grandes dificuldades financeiras para a instituição. É quando grandes empresas nacionais passam a contribuir, através dos benefícios da Lei Rouanet,
Entre as obras mais raras da biblioteca pode-se citar a edição “prínceps” de Os Lusíadas, de 1572, que pertenceu à Companhia de Jesus; as “Ordenações de Dom Manuel” por Jacob Cromberger, editadas em 1521; os “Capitolos de Cortes e Leys que sobre alguns delles fizeram”, editados em 1539; “A verdadeira informaçam das terras do Preste Joam, segundo vio e escreveo ho padre Francisco Alvarez”, de 1540. Possui ainda manuscritos autógrafos de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e o Dicionário da Língua Tupy, de Gonçalves Dias, além de centenas de cartas de escritores.
ACERVO ARTÍSTICO Ao entrar no edifício do Real Gabinete, o visitante, depois de se recuperar e tomar fôlego ante o esplendor da beleza que lhe é oferecida, verifica o quanto estantes e escadas cercadas de livros podem se aproximar do belo, quase inatingível. E percebe ainda que o interior do prédio nada fica a dever à imponência de seu exterior, destacando-se, des-
ELIANE SOARES
de logo, diversas obras de arte, como os bustos em mármore de Eduardo Lemos e de Joaquim da Costa Ramalho Ortigão; e em bronze, do Conde Dias Garcia, de Eduardo Severo e do Rei Dom Carlos I, de Portugal. É fascinante também o busto de Pedro Álvares Cabral, como que reverenciando sua chegada.
ALTAR DA PÁTRIA Obra de ourivesaria e escultura de grande significação e importância, esta obra de arte é única e de valor incalculável, tendo em vista que não se encontraria quem produzisse outra semelhante. Medindo 1,70 m de altura, a alegoria assinala os fatos principais da epopéia lusitana, desde as suas primeiras conquistas marítimas. Da sua base em mármore negro, formando belo contraste com a prata de que é feito, apontam para os quatro pontos cardeais outras tantas naves: “Para buscar do mundo novas partes”.
A fuga
EXPOSIÇÕES HERCULANO EM RELEV O: 1810-2010 RELEVO – Poder-se-ia dizer que foi poeta e romancista, historiador, político, jornalista e polemista, e não seria suficiente para descrever seu papel na sociedade portuguesa oitocentista, muito menos sua ampla aceitação entre os leitores brasileiros. PÓLO DE PESQUISA – O Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-BrasileirasPPRLB é constituído por professores e pesquisadores de várias áreas do conhecimento, empenhados em aprofundar e dar visibilidade aos estudos que contemplam relações luso-brasileiras. Encontrase vinculado ao Centro de Estudos do Real Gabinete Português de Leitura e sediado nas dependências desta instituição cultural fundada em 14 de maio de 1837, que tem em seu patrimônio uma das mais importantes e belas bibliotecas brasileiras. Para o presidente do Real Gabinete Português de Leitura, Antônio Gomes da Costa, o fundamental hoje para a entidade é se aproximar do estudante e realizar palestras e cursos sobre a língua portuguesa. “Temos um papel imprescindível e raro no cenário cultural brasileiro, que é o de preservar e lutar pelo idioma português, sua cultura e sua purificação em um mundo cada vez mais globalizado e sujeito a tantos modismos e neologismos estrangeiros. Por isso, temos hoje uma biblioteca aberta ao público em geral, uma biblioteca que é uma verdadeira jóia e, como tal, tem em seu acervo também preciosidades como os originais de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e até um dente autenticado do escritor. De Machado de Assis temos os originais de Só Tu Amor, além de 200 cartas, também originais, de Garcia Saraiva e Eça de Queirós.” FUNCIONAMENTO De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h Rua Luís de Camões, 30 - Centro Tel: (21) 2221-3138/ 2960 E-mail: gabinete@realgabinete.com.br Site: www.realgabinete.com.br
POR RODOLFO KONDER
A
fuga é uma voragem, um mergulho angustiado em águas turvas. Deixei para trás a família, os amigos, o apartamento, o carro, as roupas, os Iivros, os quadros, os móveis. As referências essenciais ficaram aqui, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, enquanto eu seguia para um segundo exílio. Demitido da TV Bandeirantes, da Fundação Armando Álvares Penteado e da revista Visão (neste último caso, a meu pedido), ameaçado pelo “Braço Armado da Repressão”, fugi para a Argentina. Os feriados do Carnaval de 1976 levaram muita gente a Foz do Iguaçu. Hotéis lotados, restaurantes cheios, ruas apinhadas de criaturas vorazes que invadiam as lojas e tudo consumiam. Consegui um quarto sem arcondicionado, numa espelunca qualquer. Na portaria, perguntei o que precisava fazer para visitar Puerto Iguaçu. “Me dá sua carteira de identidade, que eu peço uma autorização oficial à Polícia. Amanhã, às 10 da manhã, um carro da empresa de excursões vem apanhar os interessados.” Entreguei a carteira, bebi uma Coca-cola – e passei a noite em claro, imaginando que a Polícia Federal logo bateria à porta do quarto, para me prender. Todos os ruídos pareciam suspeitos. O tempo gotejava como suor. Certamente me arrancariam dali a tapas e me transportariam de volta ao Doi-Codi, em São Paulo, para um insuportável re-encontro com os torturadores de plantão. Talvez nem chegasse até lá, deixando-me pelo caminho, em alguma ravina perdida na paisagem deserta ou às margens de um rio barrento e esquecido. Às 9 da manhã, desci até a portaria, trêmulo e enjoado. Devolveram minha carteira e logo embarquei numa caminhonete da Salvatti Turismo, com mais sete pessoas, até à fronteira marcada pelo Rio Iguaçu. Milhares de turistas brasileiros fluíam, como uma irresistível maré humana, para o posto alfandegário, à
margem do rio. A multidão cantava, dançava e se arrastava, caindo sobre as barcaças que faziam a travessia para a margem argentina. Os guardas haviam desistido de recolher as autorizações. Nem pediam qualquer documento. Quem chegasse até ali passava. Num dos barcos, entre homens bêbados e mulheres semidespidas, fui virtualmente carregado para fora do Brasil. Do outro lado do rio, olhei pela última vez para o território brasileiro, com uma enorme sensação de alívio. “Escapei”. Andei pela terra batida, subi um barranco e vi uma fileira de automóveis e ônibus, parados num amplo estacionamento. Corri até um táxi. “Quanto você quer para me levar a Posadas?” “Seiscentos cruzeiros.” “Por 500, partimos agora mesmo.” A viagem durou quase quatro horas, porque uma violenta tempestade de granizo obrigou o motorista a encostar o carro por algum tempo. Em Posadas, fomos direto para o aeroporto, um minúsculo aeroporto típico de cidade pequena. Comprei uma passagem para Buenos Aires, esperei umas três horas – e parti ansioso por me afastar da fronteira. Buenos Aires, a doce e suave Buenos Aires me recebeu com o carinho civilizado de sempre. Visitei uma loja, comprei roupas, enfiei-as numa mala e procurei um hotel decente. Até aquele momento, estava apenas com a roupa do corpo – e 5 mil dólares no bolso. No dia seguinte, tomei um maravilhoso desayuno e saí para as ruas elegantes e ensolaradas do centro da cidade – Florida, Lavalle, Esmeralda, Suipacha, Maipu. Fui visitar um amigo, o jornalista Isidoro Gilbert. Ele me recebeu com muita alegria, mas com um ar de incredulidade: “Acabei de ler no La Nación a notícia do seu desaparecimento, no Brasil”. Rodolfo Konder, jornalista e escritor, é Diretor da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo e Conselho Deliberativo da ABI.
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Aconteceu na ABI ACERVO ABI
Um retrato do amor ao cinema POR CLÁUDIA S OUZA E RENAN CASTRO Em singela e comovente cerimônia, a ABI realizou no dia 16 de setembro sessão especial para a inauguração de um quadro com a fotografia ampliada da platéia que compareceu à sessão da Cinemateca do Museu de Arte Moderna em 13 de maio de 1958, no Auditório Oscar Guanabarino, para a exibição do filme O Ferroviário, do diretor italiano Pietro Germi, um dos mestres do neo-realismo. A imagem histórica, registrada por Robert Léon Chauvière, revela na platéia a presença de jovens cinéfilos que mais tarde se destacaram como grandes nomes do cinema nacional e fundadores do Cinema Novo, entre os quais Cacá Diegues, Walter Lima Júnior, Leon Hirszman, David Neves e Marcos Farias. Prestigiaram a sessão comemorativa estudantes, cineastas, fotógrafos, jornalistas, associados e membros dos Conselhos da ABI, como Adail José de Paula, Alcyr Cavalcanti, Miro Lopes, José Pereira da Silva, Sérgio Caldieri, entre outros. 12 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
Na abertura da cerimônia, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, ressaltou o papel da Casa na cultura nacional: “Este momento tem para nós da ABI um significado muito importante, porque é o seu reencontro com o papel que ela desempenhou e ainda desempenha na cidade do Rio de Janeiro como uma das propulsoras da atividade cultural cinematográfica.” Maurício sublinhou também a importância da fotografia feita por Robert Léon Chauvière como documento histórico para o cinema brasileiro: “Naquela platéia estavam alguns dos jovens cinéfilos que atuariam depois como criadores do Cinema Novo, que levou a cultura cinematográfica brasileira ao exterior, com grande brilho.” O jornalista Dejean Marco Pellegrin, autor do convite a Chauvière para fazer a fotografia em 1958, destacou o vínculo entre a história do cineclubismo e das cinematecas no Brasil com a ABI, onde eram realizadas as sessões. “Nós tínhamos um interesse muito grande pelo cinema. Corríamos atrás de livros sobre o assunto, que eram escassos na época. Era um ideal, um amor total pelo cinema.”
Robert Léon Chauvière, autor da imagem histórica, também recordou com alegria a sessão de 13 de maio de 1958: “Fiquei comovido porque esta foto faz parte de uma etapa do cinema brasileiro que não era fácil. Nós importávamos filmes de vanguarda que a censura muitas vezes não deixava passar. Naquela época era um amor com finalidade somente intelectual.” Com mais de cinco décadas de atividade no jornalismo, Roberto Muggiati, escritor, crítico de cinema e de jazz, também compareceu ao evento. “Saí de Curitiba para estudar cinema na França, dois anos depois da realização desta foto histórica, em 1958. Em Paris, conheci Dejean Pellegrin, que me iniciou no mundo do cinema. Dois anos mais tarde, fui para a BBC de Londres. Quando retornei ao Brasil, caí nas garras da Manchete, onde trabalhei ao longo de 35 anos, até à falência da empresa. Sempre fui fã de cinema. Trabalhei em revistas ilustradas e com fotografia, como na Veja, no cargo de Editor de Artes e Espetáculos, na Fatos & Fotos, como Editor, entre outras publicações. A minha paixão
pelo cinema sempre esteve muito envolvida em tudo isso.” Após a solenidade foi exibido o filme O Ferroviário, que conta a história de Andrea Marcocci, um maquinista italiano, casado, com três filhos, que enfrenta problemas familiares. Suas dificuldades aumentam no momento em que ele se desentende com o sindicato e se vê isolado, tanto no trabalho quanto em casa. O diretor Pietro Germi, nascido em Gênova, mostra os dramas sociais da sociedade siciliana da época, utilizando a estética neo-realista. A obra venceu diversos prêmios, entre eles, o de melhor filme no Festival de Cannes, melhor filme estrangeiro, Direção de filme estrangeiro e melhor atriz de filme estrangeiro (Luisa Della Noce), no Festival Internacional de San Sebastián, na Espanha. Com pesquisa e texto de Gabriel Fontes, estagiário da sua Diretoria de Jornalismo, a ABI editou breve sinopse do filme, que está à disposição dos interessados. Renan Castro, estudante de Comunicação, é estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.
Moses, patrono da Cinemateca Um depoimento de Ruy Pereira da Silva, fundador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna-Mam e criador do Festival de Cinema de Brasília. te para a cerimônia de hoje, seguida de sessão de descerramento de uma histórica fotografia da Cinemateca do Mam no Auditório da ABI e da exibição do filme O Ferroviário. Mais uma brilhante iniciativa de Dejean Magno Pellegrin, pioneiro do cineclubismo no Rio de Janeiro e meu grande amigo. Guardo a lembrança de ter criado o Departamento de Cinema do Museu e da primeira sessão, programada para o dia 7 de julho de 1955 no Auditório da ABI com todo o apoio do jornalista Herbert Moses. O Departamento passou a ser chamado de Cinema do Museu, com sessões mensais na primeira fase, quinzenais depois, semanais em seguida, até chegarmos às sessões diárias no Festival de 1958, já considerando Herbert Moses como um
verdadeiro patrono da minha iniciativa. Vale lembrar que, convidado pela Fiaf– Fédération International des Archives du Film, compareci, acompanhado pelo crítico Moniz Viana, ao Congresso anual realizado na cidade de Antibes, França, em outubro de 1957, quando foi aprovado por unanimidade o nosso projeto de transformarmos o Cinema do Museu em Cinemateca do Mam/RJ. Dejean Pellegrin poderá apresentar ao Senhor um texto completo sobre como começou a Cinemateca nos inesquecíveis momentos da fase inicial até outubro de 1958. Agradeço a atenção, com os meus sinceros votos de contínuo sucesso e os meus mais cordiais cumprimentos. (a) Ruy Pereira da Silva. ACERVO ABI
Um dos cinéfilos presentes à histórica sessão, de que foi um dos organizadores, Ruy Pereira da Silva mandou de Brasília, por e-mail, uma mensagem de cumprimentos pela inauguração da ampliação da fotografia que Chauviére fez em 1958. Fundador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna, cujo reconhecimento ocorreu em Antibes, em 1957, num congresso em que o Brasil foi representado por ele e pelo crítico de cinema Antônio Moniz Viana, falecido no ano passado, Pereira da Silva aponta Herbert Moses, então Presidente da ABI, como “um verdadeiro patrono” da sua iniciativa. Diretor da Fundação Cultural do Distrito Federal no Governo Kubitschek logo após a inauguração da capital, Ruy foi também criador do Festival de Cinema de Brasília, que é, ao lado do Festival de Gramado, o mais importante do País. Radicado desde então na capital, Ruy é sócio da ABI desde 1947; são 63 anos de amor à Casa. “Senhor Presidente, Com grande prazer recebi o convi-
“A ABI era o point da época” A evocação de Walter Lima Júnior, um dos presentes à histórica sessão. POR G ABRIEL F ONTES
DE EXTRAORDINÁRIO? PORQUE ALI ESTAVAM REUNIDAS MUITAS PESSOAS QUE POSTERIOR-
Um dos presentes à sessão de 13 de maio de 1958, o cineasta Walter Lima Júnior lembra que na época havia no Centro do Rio muitos cineclubes, mas o da ABI era o point, o preferido dos cinéfilos, como ele contou nesta entrevista: CINEABI – DE QUE ASPECTOS O SENHOR SE RECORDA DESSA SESSÃO? ELA TEVE ALGO DE ESPECIAL? WLJr. – Essa sessão em particular não teve nada de especial, a não ser um camarada que subiu no palco e tirou essa foto. As sessões no auditório da ABI viviam lotadas, era sempre assim, todo mundo que fazia cinema ou queria fazer andava por lá. E a sessão não terminava quando o filme acabava, sempre depois todo mundo se reunia em algum bar ali por perto para tomar um chope e conversar. Se a sessão acabava umas 8 horas a gente ficava por lá pelo menos até meia-noite. Se os bares fechavam a gente passava para os bancos da praça. As pessoas eram sempre as mesmas. CINEABI – MAS MESMO SENDO UMA SESSÃO DE PRÉ-ESTRÉIA, ELA NÃO TEVE NADA
MENTE REALIZARIAM MUITO PELO CINEMA NACIONAL, COMO O
SENHOR E O CACÁ DI-
EGUES, POR EXEMPLO.
WLJr. – Não, naquele dia ninguém foi ali porque era O Ferroviário ou porque era um filme de Pietro Germi. Justamente o que me chamou a atenção nesse dia foi um camarada que subiu no palco e tirou essa foto (o fotógrafo era Robert Léon Chauviére). Mas eu ia sempre nas sessões na ABI, que tinha um auditório muito grande, muito bonito. Na verdade existiam muitos cineclubes por aquela área, mas o da ABI era o point. E eu ia sempre lá. Me lembro que uma vez eles passaram um ciclo de filmes do John Huston, no qual eu assisti a muitos filmes dele que eu não tinha visto. Dentre eles estava O Falcão Maltês, que eu não tinha visto até então. CINEABI – E QUAL FOI A IMPORTÂNCIA CINEMATECA DO MAM? WLJr. – Na verdade a Cinemateca não existia direito naquela época. Ainda não tinha um prédio como tem hoje, no Museu. A Cinemateca funcionava numa estrutura montada nos pilotis do DISSO PARA O INÍCIO DA
prédio do antigo Ministério da Educação. Era lá que ficavam os escritórios improvisados do pessoal de lá. Era mais como um cineclube, que aliás foram importantíssimos para a nossa formação naquela época. CINEABI – O SENHOR PODERIA FALAR UM POUCO DA IMPORTÂNCIA DOS CINECLUBES DAQUELA ÉPOCA?
WLJr. – Naquela época não existiam faculdades de cinema. Então todos os que faziam cinema ou queriam fazer só tinham os cineclubes para ir. Nosso estudo era assistir a filmes nessas sessões, que não se resumiam somente ao filme, porque, como eu já te disse, elas se prolongavam por toda a noite. E era nessas reuniões que nasciam laços entre quem trabalhava nisso. Para você ter uma idéia, eu só fui conhecer o pessoal de Niterói, cidade em que morava na época, aqui no Rio de Janeiro, nessas sessões. Depois, inclusive, fundamos juntos um cineclube lá em Niterói. E nessa época existia um hábito muito comum, de se julgar a pessoa pelo gosto dela. As afinidades eram alimentadas pelo gosto cinematográfico. Gabriel Fontes, estudante de Comunicação, é estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.
Italianos propõem intercâmbio As instituições representativas da imprensa italiana estão interessadas em estabelecer um intercâmbio permanente com as entidades dos jornalistas brasileiros e os órgãos de comunicação do País. Este propósito foi anunciado no dia 2 de setembro ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo VicePresidente Nacional de La Stampa Sportiva e Secretário-Geral da Ordem dos Jornalistas da Região da Campagna, Gianfranco Coppola, que é também Delegado da Itália para a Imprensa Esportiva Internacional. Coppola visitou a ABI em companhia de Massimo Cabiati, Coordenador das atividades da agência italiana que trata das questões do mercado de trabalho, e Pietro Petraglia, Diretor da Revista Communità Italiana, editada no Rio de Janeiro. Ele aventou entre as iniciativas que poderão marcar este intercâmbio a realização na ABI de uma mostra fotográfica sobre jogadores de futebol brasileiros que atuaram ou atuam na Itália, desde Altafini “Mazzola”, integrante da Seleção Brasileira campeã mundial de 1958, aos craques atualmente em atividade na Itália, como, por exemplo, Robinho. Esta exposição, que poderá realizar-se em junho de 2011, compreenderia também a exibição de vídeos sobre estes jogadores brasileiros produzidos com base no acervo da Rádio e Televisão Italiana – RAI. Outra iniciativa mencionada por Coppola, no âmbito deste intercâmbio, seria a realização de um congresso da imprensa italiana e brasileira, possivelmente em outubro de 2011. Coppola manifestou sua esperança de que o congresso possa ser aberto com uma conferência do escritor Umberto Eco, se o estado de saúde deste permitir. Coppola é também repórter da RAI e, como tal, não perdeu a oportunidade de gravar uma entrevista com o Presidente da ABI, abordando questões relacionadas, não apenas com o intercâmbio discutido no encontro, mas também à presença italiana na vida econômica e cultural do Brasil.
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DEPOIMENTOS
“O colapso do JB começou quando o jornal malufou” Em 21 anos de trabalho na empresa, Sérgio Fleury recolheu provas da grande credibilidade do jornal da Condessa Pereira Carneiro, a qual entrou em declínio, diz ele, quando seu Diretor, Nascimento Brito, se vinculou ao projeto político de Paulo Maluf.
Vanguarda da Notícia
Fleury atribui também à Rádio JB um papel de vanguarda no tratamento da notícia naquele tempo, que somente foi copiado muitos anos depois pela Rádio CBN, do Sistema Globo de Rádio: “A rádio, de certa forma, completava o jornal, era uma dupla eficiente, considerada e poderosa. Intercalávamos notícia com música e o público adorava. Tínhamos ainda o Caderno B, também vanguardista, com uma paginação linda e leve e que foi o pai de todos os Cadernos Bs que vieram depois. Não havia esse tratamento da noite, da vida social e mundana, da cultura, da música, teatro, cinema como o JB criou. Foi notável, veja você quantas vezes eu falei a palavra vanguarda”. Ele cita com igual entusiasmo o Departamento de Pesquisa: “O JB foi pioneiro nisso. Nenhum repórter saía para a rua (lógico, havia vezes que não dava) sem consultar os arquivos. Queríamos dessa maneira para ele ter uma base boa, bastante informação, na hora de escrever um texto. Com os fotógrafos era a mesma coisa, orientávamos para que procurassem o departamento e esmiuçassem lá o que pudes16 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
sem. Por falar em fotografia, tínhamos inegavelmente o melhor time do Rio, profissionais competentes e tarimbados, que prefiro não citar nomes para não cometer injustiças”. Havia uma bizarra competição entre os fotógrafos do JB e os de O Globo. Fleury conta: “Um dia percebemos que os fotógrafos de O Globo tinham orientação de fazer fotos iguais às que os nossos faziam. Em qualquer acontecimento era assim. Se fazíamos uma foto, por exemplo, de um ventilador, eles disfarçavam iam lá e faziam também. Muitas vezes, feras como o Rogério Reis, o Evandro Teixeira, o Ari Gomes, faziam fotos as mais esdrúxulas possíveis, que nada tinham a ver com a matéria, só pra gozá-los, e eles copiavam logo em seguida”. Com coerência no encadeamento dos fatos, Sérgio Fleury revela ainda que a Rádio JB noticiou muitos seqüestros políticos, como os dos embaixadores (pela ordem) norte-americano, alemão e suíço em primeira mão, antes mesmo que a polícia soubesse, e garante que não havia nenhuma censura da empresa à divulgação dessas notícias: “Tínhamos total liberdade, não sofríamos nenhuma ingerência da direção. Nosso Departamento de Jornalismo, inclusive, sabia de muita coisa antes mesmo de a Polícia e do Dops saberem. O Dines sempre dizia: “Escrevam tudo o que vocês viram”. Os seqüestros dos embaixadores são um exemplo, soubemos antes, divulgamos, porque recebíamos informações, provavelmente passadas pelo Fernando Gabeira, que havia trabalhado lá. O pessoal do Dops ficava doido, sem entender nada”. Conta Fleury que muitas vezes as ligações para a rádio ou o jornal vinham em forma de códigos, que tinham que ser decodificados: “Certo dia recebemos uma ligação telefônica dizendo que deveríamos ir a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Rua Conde de Bonfim, Tijuca (Zona Norte do Rio) e procurar uma carta com informações valiosas dentro da caixa de esmolas. Fomos eu e o Ari Gomes. Acontece que chegamos lá na hora de uma missa e pensamos, caramba, como vamos pegar a carta com toda essa gente aqui? Aos poucos fui me aproximando da caixa, a retirei do lugar e, um tanto escondido atrás de uma coluna, fui tateando, tentando encontrar a carta, mas havia um cadeado atrapalhando. Esperamos então acabar a missa e inventei
ANTONIO BATALHA
Sérgio Fleury entrou para o Jornal do Brasil como estagiário em 1962 e saiu em 1983, quando era Chefe de Reportagem. Ele conviveu na Redação com os grandes profissionais que fizeram o prestígio e a credibilidade no jornal. De suas muitas histórias, algumas aconteceram durante a fase repressiva do golpe militar. Da fase em que ele diz que o jornal esteve “moribundo” e depois “morreu”, tem uma opinião formada: “Não sei por que, talvez os estudiosos do assunto saibam, mas um veículo de comunicação é a única empresa do mundo que depois que cai ninguém mais levanta. Parece que o leitor, o público em geral, cria uma ojeriza, um anticorpo contra esse vírus e foge dele como o diabo da cruz.” “Acho ainda, com relação à credibilidade do JB, que quando ele “malufou”, durante um período do final da década de 80 e início da de 90 do século passado (nossa, quanto tempo); abriu uma fenda perigosa por onde começou a escoar sua marca registrada, que era a credibilidade, sua histórica isenção político/ideológica. Depois de ter aberto as pernas para o Paulo Maluf, Nascimento Brito se arrependeu-se e voltou atrás, mas já era tarde. A partir daí começaram os problemas”.
Chefe de Reportagem do JB, Fleury salienta o pioneirismo do jornal, como a criação do Departamento de Pesquisa.
uma história para o padre de que meu sobrinho, na hora de dar a esmola, em vez de colocar o dinheiro na caixa colocou uma carta, que era da minha mãe. Na mesma hora o padre abiu a caixa, nervosos, retiramos a carta e saímos apressados. Mas para nossa surpresa e desapontamento fomos interceptados na calçada, por quatro policiais do Dops, que nos receberam já com a frase: “muito bem, passem a carta’. Depois soubemos que a carta avisava que seria seqüestrado o embaixador da Suíça.” Fleury revela que essas mensagens codificadas e secretas chegavam ao jornal cotidianamente, pois, lembra, os grupos que as enviavam sabiam que seriam noticiadas, servindo, muitas vezes, de comunicações cifradas entre eles próprios, aproveitando-se da força de penetração da rádio e do jornal: “Eram mensagens deixadas em banheiros de botecos, latas de lixo, estátuas públicas, lojas de conveniência e por aí vai. No entanto, chegou uma hora em que a Polícia começou a desconfiar e a interceptá-las também. Tivemos que parar de colocá-las no ar e de publicá-las”. O ex-Chefe de Reportagem do Jornal do Brasil lembra que o jornal sofreu forte
boicote de publicidade oficial por ter encampado a luta pelas Diretas Já; seria este também um dos motivos de sua queda: “É claro que foi uma sucessão de erros, vou citando alguns assim para serem analisados, mas quando tomamos a frente das Diretas Já determinadas verbas oficiais sumiram. O Globo, como todos sabem, no primeiro momento apoiou o golpe, só muito tempo depois, quando eles viram que a coisa estava realmente preta e exagerada mudaram de rumo. Podem ter sofrido alguma represália também, só que eles tinham uma rede de rádio e TV, faziam promoções tipo ‘anunciem no jornal e ganhem dois anúncios grátis na rádio’. Então, ficou difícil a concorrência. Embora tivéssemos os Classificados JB, que eram um achado histórico e nos davam muito retorno, eles sozinhos não eram suficientes.” Embora não houvesse censura da direção da empresa, havia a censura oficial, que, em inúmeros momentos prejudicou demais a informação e a credibilidade do jornal: “Recebíamos ligações telefônicas assim: ‘amanhã a Sunab vai aumentar a carne, mas vocês não vão poder divulgar ’. Nós nem sabíamos do aumento. Outras vezes ligavam e diziam: ‘Fulano foi preso, fulano morreu, fulano está sendo investigado, mas vocês não poderão noticiar nada, entenderam’? Também não sabíamos de nada, e era quase sempre a partir dessas ligações que começávamos a correr atrás. Sem saber, achando que estavam nos censurando, e até nos supervalorizando, eles estavam era nos abastecendo de informação.” A ida do jornal para o suntuoso prédio da Avenida Brasil,500, diz Sérgio Fleury, foi outro dos fatores da decadência: “Foi uma burrice total, um gasto excessivo e desnecessário. Vou citar uma passagem, da qual fui testemunha, para definir isso: um dia o Presidente do New York Times foi visitar o jornal e se assombrou com o tamanho do prédio. Perguntou para o Nascimento Brito quantos exemplares rodavam do Jornal do Brasil. Escutou um raquítico 150 mil. Não satisfeito, indagou então quantas publicações eram feitas ali. Ouviu em resposta: nenhuma, havia apenas a rádio. Estupefato, o visitante concluiu afirmando que um prédio daquele porte nos Estados Unidos abrigaria um conglomerado de veículos, tendo um com, no mínimo, dois milhões de exemplares.” Decepcionado, Fleury diz não acreditar que possa se confiar no JB Digital, nem no JB Online: “Isso é apenas um engodo, uma mentira, é só pra dizer: ‘não vou acabar de vez, vou dar um tempo’. O ciclo de 119 anos do Jornal do Brasil na História do nosso jornalismo está acabado, não volta mais. Até porque falta confiabilidade ao Senhor Tanure, que já vem de outros empreendimentos fracassados. Pergunto: quem vai confiar numa Redação como a de Brasília, centro político do País, com apenas cinco repórteres trabalhando e possivelmente estagiários? E ainda vai se pagar R$ 9,90 por isso? Infelizmente me despeço dele aqui: Jornal? Bye, bye Brasil”.
DIVULGAÇÃO
“Saí antes que o cheiro do cadáver ficasse insuportável”
Rogério lembra que o JB era o recordista de vitórias do Prêmio Esso na categoria Fotografia, os três últimos conquistados por Luiz Morier, Michel Filho e Marco Terranova.
Editor de fotografia do JB de 1991 a 1996, Rogério Reis viu logo ao chegar ao jornal, em 1977, que estava diante de “um time de craques da imagem”. Quando a crise se aprofundou, ele tomou outra direção profissional, “com ajuda de um bom terapeuta”. Em depoimento contundente, impregnado de emoção e sensibilidade, predicados que só poderiam coexistir em um repórter-fotográfico de talento e técnica, Rogério Reis conta sua chegada e vivência, por vários anos no Jornal do Brasil: “Centenas de fotografias de quase dois metros cada, distribuídas criteriosamente pelas paredes dos nove andares do novo prédio da Avenida Brasil 500, formavam uma solene galeria de fotos que discutiam aspectos variados da condição humana e causavam um impacto premeditado. Cada imagem era acompanhada pelo nome do fotógrafo logo abaixo do quadro. Além de produzir encantamento e orgulho, a fotografia ali combinava com aquela arquitetura moderna.” Rogério Reis continua sua narrativa: “Essa foi a percepção que tive ao entrar pela primeira vez no Jornal do Brasil em 1977, como estagiário da Faculdade de Comunicação Gama Filho, levado pela crença de que trabalhar no JB era o sonho de todo cidadão ávido por liberdade. Romântico, não? Mas foi assim. Logo entendi que estava diante de um time de craques da imagem. A direção da fotografia era do paraíbano Alberto Ferreira, apaixonado pelo ofício e incomparável na edição das grandes coberturas. Trabalhar próximo aos experientes Campanella Netto, Rubens Barbosa, Antônio Teixeira, Ronald Theobald, Evandro Teixeira, Almir Veiga e Ari Gomes me fez ter uma base de entendimento do mundo através da fotografia. Por isso hoje não me arrependo de ter permanecido no estágio durante um ano ganhando pouco.” “No pior momento da repressão o JB foi dirigido por Alberto Dines, que, de forma criativa e inteligente, soube duelar com os censores e nos deixou um grande legado de resistência e combatividade. Creio que se fortaleceu aí um jeito de ver e de mostrar fotos, um visor diferenciado, inteligente e sutil, que gostava de se vingar da ditadura militar. O JB sempre estimulou seus fotógrafos no exercício da busca de novos significados da imagem: Erno Schneider, com o seu distônico Jânio Quadros de pernas trocadas (1962); Jair Cardoso, com a imagem do quepe do General Danilo Venturini na cabeça do General Figueiredo em traje civil, uma ilusão induzida pelo enquadramento sobreposto dos dois militares.” “Quem não lembra da foto de Antônio Andrade sugerindo uma postura mendicante do Presidente Juscelino Kubitschek diante do Secretário de Estado americano, Foster Dulles (1958), todos bons exemplos de imagens diferenciadas porque são potencializadas pelo olhar crítico do fotógrafo? Ou melhor,
foram feitas e publicadas com a intenção de ironizar o contexto político. O resultado tem o poder de síntese, crítica e humor da charge política. Isso era a cara da fotografia do JB.” “Olhando para o passado, posso dizer que o time de fotógrafos do JB trabalhou bem enquanto pôde. Prova disso é que ainda hoje se mantém recordista no Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Fotografia. Cito aqui os três últimos ganhos pelos fotógrafos Luiz Morier, Assalto a Turistas Estrangeiros na Floresta da Tijuca (1993); Michel Filho, Tiroteio na Linha Vermelha (1995), ambas na minha gestão como Editor; e Marco Terranova, Tiroteio no Calçadão de Ipanema em Pleno Domingo (1999).” “Como todos sabem, essa curta e longa história termina mal por má gestão empresarial e disputa política. No início dos anos 80 chegaram os primeiros sinais de fracasso. Nesse momento, parte dos
nossos equipamentos de fotografia já não era renovada e a palavra sucata começa a ser pronunciada. Como Editor de Fotografia (1991-1996) passei apertos. Ao fim desse período, parte da nossa equipe de fotógrafos já comprava suas próprias máquinas fotográficas para poder trabalhar e suprir as deficiências
da empresa e não recebia aluguel nem cobertura de seguro por isso. Reconheço o valor dos que lá ficaram, porém eu, não sozinho, mas com ajuda de um bom terapeuta, consegui apontar minha fotografia para outra direção antes que o cheiro do cadáver ficasse insuportável.” (Arcírio Gouvêa Neto)
Um protesto na última edição O fim do JB impresso foi marcado no dia 31 de agosto por um protesto de dezenas de pessoas, que se reuniram na Cinelândia, Centro do Rio, para lamentar o desaparecimento do diário no seu 119º aniversário de vida. Eram jornalistas, a maioria ex-empregados do JB, representantes de entidades sindicais e leitores de um jornal que chegou a ser um dos mais influentes do Brasil e ganhou destaque com a postura corajosa em defesa da democracia e das liberdades. O empresário Nélson Tanure, detentor do direito de licenciamento da marca, procurou justificar a presença do jornal apenas na rede com um apelo ecológico: Os custos econômicos e ambientais do papel são insustentáveis. São inclusive desnecessários. No primeiro ano da versão digital as áreas florestais preservadas corresponderão a 1.200 Maracanãs, disse Tanure, que calcula que cada edição dominical impressa sacrifica 200 árvores e consome 10 mil litros de água e 40 megawatts de energia. A última edição impressa circulou de forma precária e se esgotou rapidamente. Algumas bancas não receberam um único exemplar. A circulação final de pouco mais de 20 mil exemplares contrastava com a tiragem média, que costumava ultrapassar os 200 mil jornais diários. Em seu último número, o jornal anunciou um artigo do Presidente Lula para
a primeira edição 100% digital, destacando que o projeto para o formato digital fora apresentado na semana anterior ao Secretário de Comunicação Social da Presidência, jornalista Franklin Martins, que considerou o processo natural. “Há alguns anos pensava diferente. Não sabemos exatamente como será o futuro, mas acredito que, em 25 anos, mais ou menos, todos os jornais abandonarão o papel e vão se transferir para o meio digital,” disse Franklin. A Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, jornalista Suzana Blass, manifestou opinião contrária à do Ministro, durante o protesto na Cinelândia: “Ninguém deve se conformar com o fim do Jornal do Brasil, porque a versão on-line do veículo só terá valor jornalístico se for produzida por uma equipe constituída por um número expressivo de jornalistas bem remunerados e qualificados. Informou o Sindicato que, embora a direção do jornal informe que cerca de 100 profissionais vão trabalhar na versão online, há informações de que a atual Redação foi reduzida a 25 profissionais, além dos cinco que trabalhavam nas colunas sociais. Nos 30 dias anteriores, um número equivalente de jornalistas foi demitido ou pediu demissão. “O jornalismo online é uma incógnita e a tendência é que fracasse se for
produzido por apenas 20 ou 30 profissionais, sem nenhuma estrutura, como todos imaginamos que vai acontecer ”, criticou Suzana Blass. Presente à manifestação na Cinelândia, o Deputado federal e jornalista Fernando Gabeira (PV), que chefiou o Departamento de Pesquisa do JB, disse que aceitaria trabalhar de graça até que o novo veículo se firmasse financeiramente. Norma Hauer, 85 anos, uma das mais antigas leitoras do Jornal do Brasil, ressaltou a importância histórica do veículo: “Meu pai assinava o JB. Aprendi a ler folheando as páginas do jornal. A versão online não é a mesma coisa. A perda para os jornalistas será menor porque cada um dos ex-empregados pode ir trabalhar em outros veículos no Rio de Janeiro, como O Dia e o Extra. Mas nós leitores não temos como ir para outro jornal. Eu nunca poderia imaginar que o Jornal do Brasil fosse acabar um dia. Isso dói, é muito triste.” As manifestações contra o fim da versão impressa do JB prosseguiram à noite no restaurante Capela, na Lapa, durante o lançamento do livro Jornal do Brasil: Memórias de um Secretário. Pautas e fontes, do jornalista Alfredo Herkenhoff. A partir de 1º de setembro, a leitura do JB na versão digital passa a ter conteúdo aberto. Para a leitura de matérias e informações em todo o site o custo da assinatura mensal é de R$ 9,90. (Claudia Souza).
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CAMILLA MAIA/AGÊNCIA O GLOBO
DOCUMENTAÇÃO
Um Centro para cultivar a memória da imprensa Sindicato dos Jornalistas instala instituição de pesquisa que começa com o acervo precioso de Joel Silveira (1918-2007), considerado o maior repórter da imprensa brasileira. POR CLAUDIA S OUZA
“Uma nova etapa” Dezenas de jornalistas prestigiaram a solenidade de inauguração, entre os quais Maurício Azêdo, Presidente da ABI, Domingos Meirelles, da Diretoria da Casa, e os Conselheiros Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, Arcírio Gouvêa Neto, Miro 18 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
Além de uma biblioteca com 5 mil volumes, Joel Silveira reuniu preciosa coleção de documentos, cartas, fotografias e dedicatórias carinhosas de seus contemporâneos.
FRANCISCO UCHA
Desde 23 de setembro está aberto e em funcionamento no Rio o Centro de Cultura e Memória da Imprensa, criado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, com apoio da Petrobras, para preservar a memória da imprensa brasileira a partir de um acervo constituído por textos, fotografias e vídeos produzidos por jornalistas, além de um programa de memória oral com depoimentos de jornalistas. O material completo, que será disponibilizado no site do projeto, está reunido num conjunto de salas do Sindicato, no sétimo andar da Rua Evaristo da Veiga, 16. O Centro colocará à disposição dos usuários biblioteca, auditório, cursos e eventos. Um dos espaços de destaque do Centro é a Sala Joel Silveira, que reúne livros, fotografias e objetos do acervo do jornalista e escritor Joel Silveira (19182007), um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro. Reunido ao longo da vida do jornalista, o conjunto foi doado por sua família. Durante mais de seis décadas de atividade profissional, Joel Silveira acumulou passagens em diversas Redações do País, ocupando vários cargos. Reconhecido como um dos precursores do jornalismo literário, Joel foi designado para a cobertura da Segunda Guerra Mundial junto à Força Expedicionária Brasileira-Feb, pelo jornalista Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, do qual recebeu o apelido de “A Víbora”, pelo estilo contundente. Autor de mais de 40 livros, Joel Silveira assinou grandes reportagens, entre as quais as memoráveis Eram assim os grã-finos em São Paulo e A milésima segunda noite da Avenida Paulista, que lhe renderam premiações como Jabuti, Esso Especial, Machado de Assis, Líbero Badaró, Golfinho de Ouro, entre outras. Ao falecer, em 2007, ele foi apontado pelo jornalista Villas-Bôas Corrêa como o maior repórter da imprensa do País em todos os tempos.
Lopes e Mário Augusto Jakobskind; Adail José de Paula, membro do Conselho Fiscal, e Carlos Di Paola, membro da Comissão de Sindicância. A mesa de honra da cerimônia foi formada pelos jornalistas Suzana Blass e Rogério Marques, respectivamente Presidente e Diretor do Sindicato, Elizabeth Silveira e Rodrigo Silveira, filha e neto do jornalista Joel Silveira, e Carolina Rocha, representante da Petrobras, patrocinadora do Centro. Na solenidade também foi lançado o livro Memória de Repórter: Lembranças, Casos e Outras Histórias de Jornalistas Brasileiros – décadas de 1950 a 1980 (Verso Brasil) que apresenta em 136 páginas depoimentos de 60 jornalistas de diversas gerações, além de fotografias e ilustrações que resgatam a história do jornalismo brasileiro. Na abertura do evento, a Presidente Suzana Blass destacou o papel do Centro para o jornalismo brasileiro: “Hoje estamos inaugurando o Centro, que é um projeto que vem acontecendo desde 2007. Uma nova etapa começa a partir de agora que temos uma sede física, um site e material para
Foi de Geneton de Moraes Neto, amigo de Joel Silveira, a idéia de incorporar seu acervo ao Centro de Memória.
gerar produto, como publicação de livros, vídeos, material de pesquisa. Juntamos a ação sindical com a questão da memória para a reflexão do jornalismo que fazemos hoje em comparação com o que era feito no passado. O Centro será um espaço crítico importante para continuarmos a praticar um bom jornalismo, melhorando as condições de trabalho, a qualidade da informação, e a luta pela formação específica do jornalista.” “Venda, mas não desmembre” Muito emocionada, Elisabeth Silveira pediu ao filho Rodrigo para ajudála a ler o seu discurso, no qual sublinhou o cuidado de Joel Silveira com a coleção: “É com muita alegria que, hoje, 23 de setembro, quando meu pai faria 92 anos, estamos aqui reunidos para esta merecida homenagem. Já doente, ele sempre me dizia: Minha filha, faça o que achar melhor com a minha biblioteca, se quiser, venda; só lhe peço que não a desmembre. Comentava como era triste ver livros autografados de vários amigos nas calçadas, vendidos a qualquer preço. Conversei com meu filho e decidimos pela doação; afinal aqueles livros significavam a vida dele. Depois de várias conversas com Geneton Moraes Neto, que me apresentou a Rogério Marques, foi plantada a primeira semente. Surgiu a idéia de doarmos ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Ja-
neiro, que criaria o Centro de Cultura e Memória do Jornalismo. Agradeço o carinho e perseverança de todos para que pudéssemos chegar a esta festa. Peço uma salva de palmas a ele e a todos os seus amigos, que certamente estarão cantando parabéns lá em cima.” Rogério Marques lembrou que o projeto do Centro foi sugerido por Geneton Moraes Neto, que teve longa convivência com Joel Silveira: “A idéia nasceu pouco depois do falecimento do Joel Silveira, com Geneton Moraes Neto, que foi amigo do Joel até os seus últimos dias. Além de amigos, os dois escreveram juntos alguns livros. Ao saber que o Sindicato iria ter um Centro de Memória, Geneton achou que o próprio Joel gostaria que seu acervo ficasse por aqui, entre companheiros de profissão. A proposta foi logo abraçada pela Beth Silveira, que teve o apoio do seu irmão Joel e de seu filho Rodrigo. A presidente do Sindicato dos Jornalistas, Suzana Blass, vibrou com a idéia, assim como toda a Diretoria, e nem poderia ser diferente: todos nós conhecemos e admiramos Joel desde muito jovens, através de suas reportagens.” Rogério destacou ainda o valor histórico da coleção organizada por Joel Silveira: “Além da farta literatura relacionada à Segunda Guerra Mundial, na qual o sergipano Joel Silveira esteve como correspondente dos Diários Associados, a biblioteca do nosso Joel é com-
Nas 180 horas de depoimentos já tomados pelo Centro de Cultura e Memória figuram os do repórter Domingos Meirelles (à esquerda) e do fotógrafo Evandro Teixeira.
Jornalista produz a memória alheia Após o encerramento da solenidade, os convidados visitaram as dependências do Centro. Vários deles salientaram a importância da criação da instituição. Na opinião de Maurício Azêdo, o Centro vai contribuir para uma das áreas mais carentes no campo da comunicação: “A criação e o funcionamento do Centro de Cultura e Memória do Jornalismo são muito importantes, porque um dos setores da vida nacional que mais carece de documentação e organização da documentação existente é o setor de jornalismo e comunicação. Toda iniciativa neste sentido é necessária e bem recebida e folgo em ver que estamos diante de instrumento institucional que vai ter a eficácia desejável na direção da documentação da vida dos jornalistas e da imprensa do País.” Geneton Moraes Neto aplaudiu a iniciativa e lembrou a responsabilidade do jornalista na produção da memória da imprensa e do País: “Uma das principais funções do jornalista é produzir memória. Passamos a vida inteira testemunhando os fatos, conhecendo personagens, produzindo memória. Com alegria vejo aqui duas coisas que se completam: jornalista produzindo memória e o Sindicato dos Jornalistas preservando esta memória. Tive o privilégio de ter uma convivência íntima com o Joel Silveira ao longo de 20 anos. Tenho certeza de que ele ficaria felicíssimo em ver que todas as coisas que reuniu não ficarão dispersas, estão fisicamente presentes aqui. Espero que esta seja a primeira sala de muitas outras dedicadas ao jornalismo e à preservação da memória da imprensa. Tomara que seja lançada uma campanha nacional para a preservação da memória do jornalismo, já que ela não é apenas a memória dos jornalistas, é a memória do País. Só faria bem ao Brasil e ao Jornalismo.” Primeira mulher a assumir o cargo de chefe de Reportagem no Brasil, a jornalista Ana Arruda Callado sugeriu a ampliação do projeto de memória para outros Estados: “Esta iniciativa é fundamental. Acho que a imprensa brasileira dá 500 cen-
Ana Arruda, primeira mulher a exercer uma chefia de Reportagem, defende a criação de 500 centros de memória.
tros de memória. Existe, inclusive, a Rede Alfredo de Carvalho, da qual faço parte desde o início. Quanto mais trabalhávamos e nos reuníamos em seminários e congressos, mais surgiam temas relacionados à memória, sobre jornais, revistas e outros veículos maravilhosos que desapareceram. É preciso que exista um Centro de Memória em cada cidade brasileira. A ABI já faz um pouco isso. Quando a iniciativa de preservação parte do sindicato de nós jornalistas, tem um sentido diferente. Aquele que vai para a rua batalhar pela notícia é quem deve contar esta história.” Mestre do fotojornalismo brasileiro, com mais de cinco décadas de atividade na imprensa, Evandro Teixeira é um dos incentivadores do resgate da História da Imprensa brasileira. “Esta idéia brilhante já deveria ter sido concretizada há muito tempo. Espero que as pessoas entendam que devem fazer as suas doações para este que será o verdadeiro centro da nossa memória, da memória do jornalismo brasileiro. Eu já estou fazendo parte deste Centro e pretendo reunir mais doações. Estou organizando os meus arquivos e, futuramente, enviarei outra documentação. Todos nós estamos de parabéns.”
Além das coleções de Joel Silveira e Evandro Teixeira, o Centro já recebeu materiais do jornalista Marcelo Beraba, que doou sua coleção pessoal dos jornais Movimento e Opinião, que circularam na década de 1970 e se destacaram na luta em defesa da democracia e das liberdades de imprensa e de expressão. O jornalista André Motta Lima também contribuiu com livros e periódicos antigos. O acervo já conta com 180 horas de depoimentos de profissionais da imprensa gravados em vídeo em estúdios no Rio de Janeiro e em São Paulo. Já foram entrevistados pelo Centro de Cultura e Memória de Jornalismo Alberto Dines, Alberto Jacob, Álvaro Caldas, Ana Arruda Callado, Arthur Poerner, Audálio Dantas, Augusto Nunes, Bartolomeu Brito, Bertoldo de Castro, Carlos Alberto Caó, Caco Barcelos, Carlos Lemos, Cícero Sandroni, Clóvis Rossi, Dácio Malta, Domingos Meirelles, Evandro Teixeira, Fernando Segismundo, Ferreira Gullar, Flávio Damm, Fritz Utzeri, Fuad Atala e George Vidor. Também gravaram entrevistas Germana de Lamare, Henrique Caban, Israel Tabak, Jorge de Miranda Jordão, José Hamilton Ribeiro, Jânio de Freitas, José Louzeiro, Lan, Luarlindo Ernesto, Luís Edgar de Andrade, Luiz Alberto Bettencourt, Luiz Carlos Saroldi. E ainda: Luiz Garcia, Luiz Mendes, Marcelo Beraba, Marcos de Castro, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Morel, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Murilo Melo Filho, Mylton Severiano, Oliveiros Ferreira, Otávio Frias Filho, Ozéas de Carvalho, Pedro do Coutto, Percival de Souza, Pery Cotta, Renato Pompeu, Ricardo Kotscho, Roberto Müller Filho, Sandra Passarinho, Sérgio Cabral, Thomaz Souto Corrêa, Villas-Bôas Corrêa, Wilson Figueiredo e Zuenir Ventura (foto). FRANCISCO UCHA
No final de seu discurso, Rogério Marques recordou a experiência de Joel Silveira na cobertura da Segunda Guerra Mundial e citou um trecho do livro Inverno na Guerra, que o jornalista escreveu sobre o conflito. “É conhecida, e virou folclore, a advertência que o dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, fez a Joel Silveira às vésperas do embarque: “O senhor vai para a guerra, mas não me morra, seu Silveira, não me morra! Repórter é para mandar notícias, não para morrer! Com apenas 26 anos, o mais jovem correspondente de guerra brasileiro cumpriu a ordem de Chateaubriand, felizmente, mas pagou um preço muito alto. Diz ele, no livro: “A guerra não foi um passeio. (...) A guerra é cheia de truques, todos nojentos. E um dos mais nojentos é fazer que alguém, que com ela conviveu durante meses, acabe sendo condicionado por ela. Por isso é que naqueles dias, véspera de voltar para casa, eu sentia que não fora apenas a guerra que havia acabado, mas também uma parte do que eu era antes de chegar à Itália. Por isso é que eu costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40. A guerra, repito, é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve.”
Quem doou, quem gravou
FRANCISCO UCHA
“Seu Silveira, não me morra. Repórter é para mandar notícia, não para morrer.”
RENATO VELASQUES
FRANCISCO UCHA
posta por cerca de 5 mil livros, de clássicos da literatura mundial a autores brasileiros contemporâneos, documentos, fotografias e manifestações de carinho ao Joel, externadas pela nata da cultura brasileira do século passado e do atual, na forma de cartas, bilhetes, dedicatórias e caricaturas de artistas geniais como Nássara e Augusto Rodrigues. Esse riquíssimo material será de grande utilidade para a pesquisa de todos, inclusive dos jovens estudantes de Jornalismo, que o Joel recebia com o maior carinho em seu apartamento, em Copacabana, sempre que solicitado. Ao pesquisar aqueles documentos esses jovens entenderão a responsabilidade que os aguarda, de ser um jornalista, ou mesmo de ser um repórter como foi Joel Silveira ao longo de toda a sua vida profissional.”
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MOBILIZAÇÃO
Por uma eleição com mais graça A insubordinação dos humoristas chamou a atenção para a censura que estava sendo imposta e ajudou a derrubar a disposição da legislação que restringia o trabalho deles durante o período eleitoral. POR PAULO CHICO A censura não tem graça alguma. Por isso mesmo, foi com indisfarçável sorriso de vitória que humoristas de todo o País receberam a notícia da derrubada da disposição legal que os proibia de falar sobre políticos durante o período eleitoral. Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a liminar concedida pelo Ministro Carlos Ayres Britto, no dia 26 de agosto, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.451. Em julgamento realizado em 2 de setembro, os ministros suspenderam o inciso II e a parte final do inciso III do artigo 45 da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97), liberando a veiculação de sátiras e manifestações de humor contra os políticos durante as eleições. A liminar foi pedida pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV-Abert, que em 25 de agosto ajuizou ação questionando o artigo 45 da Lei Elei-
O cartunista Nani fez o cartaz do movimento mas foi muito criticado pelas charges que publicou em seu blog.
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CHARGE PUBLICADA NO JORNAL A TARDE, DE SALVADOR.
toral, segundo a qual “é vedado às emissoras de rádio e tv, em sua programação normal e noticiário, usar truncagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, possam degradar ou ridicularizar candidato, partido ou coligação. As emissoras também não podem produzir ou veicular programa com esse efeito”. Embora a solicitação para a derrubada da censura ao humor tenha partido da Abert, a reação às restrições teve início, e ganhou repercussão, não exatamente nos tribunais, e sim na mídia. Tudo graças aos próprios humoristas. “Fiquei surpreso quando li sobre essa disposição absurda em uma reportagem de jornal que, além da notícia em si, trazia os depoimentos de alguns colegas, todos em tom de lamentação e de resignação, como se essa fosse uma batalha perdida. Logo pensei, como assim? Decidi reunir essas pessoas, mobilizar a classe. Liguei para vários humoristas, de todas as tendências, formas de expressão e emissoras de tv, e a adesão à causa foi total e imediata. Percebi, de cara, que o que faltava mesmo, naquele momento, era somente alguém que, de forma neutra, pudesse puxar a manifestação”, conta Fábio Porchat. A partir daí, teve início o ‘Humor Sem Censura’, movimento da classe que culminou com uma grande passeata na Praia de Copacabana, no dia 22 de agosto. “Acho que, de uma maneira informal, nós conseguimos mobilizar a própria Abert, para que ela tomasse as medidas judiciais possíveis, que terminaram por alterar a lei e devolver a nossa liberdade de atuação. Para isso, é claro, foi importante a união inédita da classe, com a participação uníssona de grupos de teatro, como o Comédia em Pé e dos programas de humor na televisão, como Casseta & Planeta, Comédia MTV, CQC, Pânico na TV e Zorra Total. Também foi fundamental, para nos ajudar a fazer ‘barulho’, a cobertura da mídia, dos jornais. Para você
ter uma idéia, cheguei a dar entrevistas sobre esse episódio até para veículos internacionais, como a Reuters e a CNN”, destaca o humorista, Redator da TV Globo e que em outubro estréia o programa Junto e Misturado, na mesma emissora. União inédita “Mais que seu resultado imediato, a importância maior deste momento foi justamente ter ocorrido essa união. Uma mobilização de humoristas é algo raro. Creio que a proibição eleitoral foi tão desmedida e descabida que conseguiu até isto: dar uma bandeira à classe que geralmente prefere, ao invés de carregar bandeiras, rir delas. E aí os humoristas, por não poderem fazer piadas, piaram. Essa lei atirou numa regulamentação de possíveis utilizações partidárias por conglomerados de imprensa. Mas, devido à mão pesada e ao chumbo grosso, acabou acertando na liberdade de expressão do jornalismo e na li-
berdade de criação dos humoristas”, avalia Ricky Goodwin, jornalista e desenhista especializado em humor, e Redator do programa Casseta & Planeta Urgente, da TV Globo. Para Ricky, a restrição ao trabalho dos humoristas ignorava a importância do humor não apenas para a vida cultural do País como um todo, mas para o próprio meio político. “O humorista tem um papel importantíssimo na sociedade: ele é o menino que corre em meio à parada real gritando que ‘o rei está nu!’. Decodifica o discurso dos candidatos. O humor funciona como uma legenda que mostra o que realmente os candidatos estão dizendo, como estão agindo, como um vento que levanta os véus da empulhação. E a lei ignorava a tradição do humorismo na política brasileira, principalmente no decorrer das campanhas eleitorais, desde o tempo do Império. Quando não se pode fazer piada com a política, corre-se o risco de a política tornar-se uma grande piada. Sem a mínima graça”, diz Ricky. Mesmo com a derrubada da restrição, os humoristas saíram prejudicados nestas eleições? “O que mais está prejudicando os humoristas é a concorrência desleal promovida pelos candidatos e seus pretensos partidos políticos. Querem ser mais engraçados do que os humoristas! Estão fazendo mais palhaçadas do que os palhaços! No programa de humor onde escrevo, muitas vezes criamos situações cômicas que nós mesmos consideramos absurdas, para então descobrir que já existem na vida real. Mas os políticos não levam jeito para a coisa. Não é assim que funciona o humor. Quem deve rir é o público. Com a casta política ocorre o contrário. Eles é que riem da nossa cara”, compara Ricky, que não tem visto a menor graça nas campanhas e no horário eleitoral obrigatório. “Mais do que uma eleição sem riso, essa é um eleição sem siso. Os candidatos não têm juízo. No sentido mesmo da palavra, que é ‘estabelecer relações entre conceitos’. Juízo de valores. Alega-se que os humoristas desmoralizam a política, mas são os candidatos que não levam suas campanhas a sério. Não aprofundam as propostas, não discutem questões realmente necessárias. Querem servir bolos só feitos de glacê, sem conteúdo. Aliás, é preciso relativizar essa liberdade devolvida aos programas humorísticos. Vejo-a com ressalvas. Saímos do pelourinho, há mais espaço para se movimentar com as correntes, mas eu não chegaria a falar exatamente em ‘liberdade humorística’ neste momento no Brasil. Imagine, por exemplo, se aqui pudéssemos praticar o humor que se vê nos programas de tv satíricos americanos... Outras normas rígidas persistem. Há os riscos de processos pesados... A arrogância, tão peculiar às autoridades brasileiras, manifesta-se fortemente em relação às
CHARGE PUBLICADA NOS JORNAIS O VALE, DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E COLETIVO, DE BRASÍLIA-DF
críticas humorísticas. Elas são cheias de não-me-toques e não-me-gozes”, conclui Ricky Goodwin. Fábio Porchat concorda com o colega. “Mesmo após a concessão dessa liminar e a derrubada das restrições pelo Supremo, ainda custamos a entender, na prática, a situação em que nos encontramos. Nós não sabemos, ao certo, até onde podemos ir. Sinto que a classe toma certos cuidados. Teme, por exemplo, ser alvo de multas ou de processos judiciais”, diz ele, que provoca: “Certamente, perdemos muitas boas piadas no início do processo eleitoral, enquanto estávamos impedidos de explorar esses personagens políticos. Essa eleição só não é totalmente sem graça porque nós temos, na disputa pela Presidência da República os mais feios candidatos do mundo.” Chata, feia; boba e burra “A censura é chata, feia, boba e muito, muito burra. A cobertura sobre a restrição ao trabalho dos humoristas pode, sim, ter ajudado a mudar a lei. Mas, jornalismo, mídia e humor nem sempre são bons companheiros. Eu fui muito censurado em alguns jornais onde trabalhei.... Ou seja, boa parte da mídia confunde ‘liberdade de expressão’ com ‘liberdade da mídia se expressar’. Ela, e até alguns coleguinhas, por vezes merecem uma ‘chargeada’. Faço charges sobre o Executivo, o Legislativo, o Judiciário. E por que não sobre o ‘quarto poder ’? Ele é tão poder quanto os outros, tem tantos interesses quanto os demais. E, ao contrário dos outros, pode censurar. E o faz, muitas vezes simplesmente ignorando a tal ‘liberdade de expressão’. O Judiciário também, de certa maneira, ‘pode’ censurar, e o tenta através da lei... Vimos aí uma
tentativa. Mas leis estúpidas acabam revogadas”, pondera o cartunista Aroeira. Para ele, que atua no jornal O Dia, a eleição teve momentos hilariantes. Algumas vezes por talento dos humoristas. Em outras ocasiões, por conta dos candidatos mesmo. “Ver um Serra pitbull e a Dilma na cadeirinha não tem preço... Não, nós não fomos prejudicados. E gostaria que o Serra me explicasse porque ele prefere um Estado mais ágil, porém mais fraco. E que a Dilma me contasse porque prefere um Estado mais lento, porém mais parrudo. E que o Plínio me descrevesse o mundo lá do século XIX, ou que a Marina me explicasse o Criacionismo. Isso só pra começar. E a reforma política, como será? E assim por diante... E o que eu vi de positivo nos debates? Só lama. Argh”, detona Aroeira. O veemente La Peña Em um dos artigos mais contundentes contra as restrições ao humor no período eleitoral, Hélio de La Peña, do Casseta & Planeta, escreveu: “Deixar o humor de fora do processo eleitoral não eleva o nível das campanhas, não esclarece a população e não torna nossos políticos mais respeitáveis. Pelo contrário, enfraquece o debate, tira a corrida presidencial das conversas nas esquinas e nos cafés das empresas. Impede o candidato de rir de si e, quem sabe, corrigir o rumo da campanha. Não estamos lutando pelo direito de difamar ou ferir a honra de ninguém, mas amordaçar nossos candidatos ‘Dilmandona’, ‘José Careca’ e ‘Magrina da Silva’ é um gol contra a democracia”. La Peña saiu em defesa também dos colegas de outros programas de humor: “Eu acho patético impedir que a Sabrina Sato, do Pânico na TV, convença os presidenciáveis a dançarem o ‘rebolation’, ou proibir que o CQC utilize recursos gráficos para nos fazer rir dos políticos. Definitivamente, não é esta a forma de conscientizar o eleitorado sobre a importância do pleito. O público conhece os programas humorísticos, se identifica com eles e sabe quais são suas propostas. Cabe ao políticos apresentar as suas com seriedade, de forma que o povo não as confunda com as dos humoristas.” Colaboraram nesta matéria os cartunistas Nani (www.nanihumor.com); Simanca, do jornal A Tarde (www.oferraodohumor.com); Rico (www.ricostudio.com.br); Aliedo (aliedo.blogspot.com) e Son Salvador.
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UCHA
AMBIENTE
Brincando de queimar o mundo humanidade?” As gerações do futuro responderão... O primeiro semestre no Brasil é a época O biturbo Bandeirante sacoleja vioda derrubada das grandes árvores da flolentamente a mais de 900 m de altura, resta amazônica e do cerradão confinanparecendo um pássaro frágil e doente, te. As terras de dentro estão perdido em meio à fumaça encharcadas pelas águas das branca e venenosa que sobe NTERREM grandes chuvas de verão. Isso das terras negras: o Brasil MEU CORAÇÃO facilita o trabalho dos giganestá em chamas... tratores de esteiras e Deixamos para trás o Rio NAS CINZAS DA tescos motonivelamento que arrandas Mortes e infletimos, lencam a vegetação pela raiz, estamente, sobre a Serra do MAZÔNIA traçalhados os troncos mais Roncador mas no horizonte grossos, despedaçando a galharia arrasjá não se desenham montanhas azulatada por pesadas correntes. Feita a saladas. Nem sequer há horizontes: só fumada, como nas velhas receitas da vovó (ou ça, fumaça, fumaça... seria do Tio Sam?), é só deixar secar... Daquelas alturas o vasto Planalto O segundo semestre é a época das Central, já em transição para a floresta queimadas! A terra já estará seca e o enamazônica, parece uma grande massa tulho vegetal em ponto de combustão. morta, petrificada. Observadas do alto, Mas se ainda restar algo verde, basta entre a neblina seca e cega, as serras se espargir sobre ele, em aviões agrícolas, acachapam, perdem o relevo e até mesalgum desfolhamento químico qualquer mo os rios pertencem ao reino das imo– desses que se compram nas lojas agrobilidades. Somente o véu – transparenpecuárias sem receituário. E se ainda não te e opaco – da fumaça determina as for suficiente, sobre os monturos restandistâncias. Do alto eu sei que as manchas tes mete-se o lança-chamas! sangrentas de fogo manchando o lençol Lentamente o foguinho se transformadas cinzas são flores traiçoeiras... rá em chama, em labareda, em fogaréu. Elas indicam a passagem dos ventos. E Aí vem a primeira network televisiva quando sopra o vento é que o fogo se alase faz (de avião) a reportagem a cores. Os tra. Então os sertões ardem de vez – torecologistas voltam a entrar em cena. cidos e retorcidos como as tripas do demôEntidades internacionais protestam. nio – labaredas que viram chamas, fogo Explode uma capa de revista. Cientistas que vira fogaréu. É o grande incêndio que advertem o efeito-estufa. Velhos entrese alastra, incontrolável e indomável, soguistas dizem que agora “a Amazônia é bre as terras de dentro – “the backlands”. nossa”. Tudo em vão. Até que a floresta É voando que se vê o verde da floresdesapareça sob as cinzas da devastação, ta virar deserto. Verde-folha agora é verenvolta pela baba escaldante de Ucaí, o melho-e-negro. O deserto parece um vasdeus do fogo dos índios. E se cumpra a to mar de fogo: sobrevoamos Be-Ra-Zil, profecia: o que já foi mar e um dia se transcapital mundial da devastação e do criformou em sertão – voltará a ser mar. Verme de ecocídio. de mar-morto. Sob ele está enterrado, Grandes queimadas: visões. Tenebronuma curva qualquer do grande rio que sas visões de planalto e planícies castidescia dos Andes, o nosso coração. gadas pelo machado de pedra do tempo. Voando num pequeno avião perdido Terras ignotas, até há pouco em estado no vasto território das nuvens de fumaça de selvageria brutal, território livre dos da destruição, penso: – “Teremos nós homens nus, de repente nada mais são (brasileiros) o direito de destruir de tal pouco mais que cinzas nos tristes trópimaneira a natureza, que é patrimônio da cos. Árvores seculares, gigantescas e já humanidade?” calcinadas emergem das areias de cinzas, Cientistas provam: as queimadas são dando a sensação de que algo misteriomais prejudiciais em terrenos dobrados – so ali um dia existiu, antes de desabar por facilitarem a erosão – do que em áreas para sempre sobre suas próprias entraplanas. Mas os predadores nem isso sabem... nhas infernais, envolvidas sobre a barIludem-se os que acham que o homem ba escaldante de Ucaí – o diabo do fogo um dia reconstruirá tudo aquilo que hoje dos índios. Afogadas em suas lavas quenestá sendo destruído: o fogo afasta toda tes, viscosas, frias, mortais... e qualquer possibilidade de regeneração Voando num pequeno avião, perdido das florestas. no vasto território das nuvens de fumaça Parece mentira que se destrói a maida destruição, eu penso: “Teremos, nós or floresta tropical do mundo, na Amabrasileiros, o direito de destruir de tal zônia, para plantar capim – enquanto no maneira a natureza, que é patrimônio da
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Sul do País se lavram as magníficas pastagens naturais de capim nativo para plantar “Pinus eliotti”. Aliás, todos esses capins que são plantados na Amazônia depois das queimadas são importados da África. O “colonião”, as “branquiárias”, tudo vem de fora – o que concorrerá ainda mais para alterar nosso meio ambiente, criando novas espécies de pragas e invasoras. Com o fogo, o ecossistema inteiro fica comprometido. Destroem-se variedades do mundo animal, ninhos de pássaros, microfauna, microflora. Finalmente chegará a desertificação. Até o húmus da terra é consumido, com temperaturas abrasadoras de centenas de graus ao nível do solo. Os Estados Unidos derrubaram cerca da metade de sua área arborizada. Calcula-se que na América do Norte existiam 365 milhões de hectares de florestas, com mais de mil variedades de árvores. De tudo isso restam hoje 18 milhões de hectares com cobertura de 262 variedades de árvores. Nas zonas intertropicais da África, onde as plantações industriais visam obter o máximo de lucro num mínimo de tempo, a regressão da floresta é rápida e o empobrecimento do solo fulminante pela ação de grandes chuvas e até pela exportação de produtos (toras, grãos, minerais) que levam para o exterior matéria orgânica ou componentes químicos extraídos do próprio solo. Basta dizer que a floresta em Gana, hoje, ocupa só 15% do território. No Quênia e Tanganica restam apenas 2 por cento da cobertura original da mata. Na América do Sul, a devastação da floresta de araucárias é irreversível, pois são árvores de crescimento muito lento. Na Colômbia devastaram as encostas dos Andes. Sobre a Ásia, nem falar: restam menos de 10 por cento da cobertura florestal da China e Índia... O ritmo das derrubadas é cada vez mais rápido. Há pouco, ainda se utilizava machado individual para cortar árvores. Hoje as motosserras, ou tratores que arrastam correntes ou até tratores de lâmina e esteiras de ferro arrancam-se e depenam milhares de árvores em questão de horas. Quanto ao fogo, é utilizado só depois da derrubada – na estação de seca – pois a floresta tropical não queima, quando em pé. O fogo afasta a possibilidade de rege-
neração da mata, ao agir diversamente sobre as diversas espécies vegetais. As gramíneas perenes, com vigorosos sistemas radiculares, sobrevivem. As espécies “pirófitas” são favorecidas. As árvores com tronco de madeira desaparecem. Como a floresta obedece às leis genéticas de equilíbrio entre espécimes machos e fêmeas (com a necessária polinização), a partir de determinado número as espécies não mais se reproduzem naturalmente e as associações vegetais entram em colapso. Além da alteração quantitativa, ocorre a alteração qualitativa. Com a diminuição das espécies vegetais, altera-se até o clima e pode se desencadear o processo de desertificação. Basta dizer que na Amazônia, por exemplo, cerca de 70 por cento da chuva jamais atingem o solo, permanecendo a água nas folhas e galhos das árvores. Óbvio que com desmatamento as enxurradas, o assoreamento e a evaporação tendem a aumentar muito. O desflorestamento influirá também na composição da fauna, fazendo desaparecer todos os animais que se alimentam de vegetação silvestre, mas facilitando o aparecimento de pragas que se alimentam de gramíneas: cigarrinhas, gafanhotos etc. Como não há rede de transporte organizada (na Amazônia) e a própria exploração da madeira demanda tempo, tudo é consumido pelo fogo e transformado em cinzas. Até mesmo espécies nobilíssimas de madeira de lei, que poderiam ser utilizadas para fabricar móveis, na construção civil e inúmeras outras utilidades. O fogo, quando utilizado na savana, no campo (como se faz há séculos no pampa sulista), pode conduzir ao estabelecimento de pastagens estáveis, pois as gramíneas nativas protegem-se, e são regenerativas. Quando utilizado sobre a mata virgem, é criminoso. A região amazônica tem inúmeros aproveitamentos econômicos altamente rentáveis, sem queimar matas: muito mais rentáveis, aliás, que o incêndio. Entre eles a exploração racional de madeiras e seu replantio, a criação da maior piscicultura fluvial do mundo, a plantação de cacau, seringueira, guaraná, que exigem a manutenção da floresta circulante. Paulo Ramos Derengoski, jornalista e sócio da ABI, é radicado em Lages, SC, sua terra.
HISTÓRIA
Mensagens
A Gazeta do Rio, nosso começo, aqui
“Caringi fará muita falta”
O 10 de setembro marca o aparecimento do primeiro jornal impresso no Brasil, que circularia até o último dia do ano da Independência.
Edson Schettine presta homenagem ao amigo.
"O Conde da Barca tomou a iniciativa de trazer de Portugal o equipamento que se transformou na nossa primeira tipografia, de onde saiu, em 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal impresso do Brasil, que vai durar até 31 de dezembro de 1822", destaca Cybelle. Com dois prelos iniciais e 28 caixas de tipos, que vieram a bordo da nau Medusa, foram iniciados os trabalhos de impressão oficial no Brasil, como as primeiras leis, alvarás, cartas-régias, congratulações, odes, atos episcopais, orações e compêndios literários. Quatro meses depois da fundação, saía de suas oficinas o primeiro jornal impresso no Brasil. Publicado duas vezes por semana, o jornal oficial apresentava assuntos de interesse do Governo, como os conflitos napoleônicos, e a manutenção das relações entre Brasil, Portugal e a Inglaterra. A Gazeta do Rio de Janeiro também chegava aos portos lusitanos e ingleses. O conteúdo do jornal era editado e censurado pelos diretores do periódico, de estrita confiança do Rei. Apesar
da censura, com o passar do tempo o jornal passou a interagir com o cotidiano da cidade e adotou padrões que orientaram o desenvolvimento da imprensa brasileira. "Foi possível difundir as letras, idéias, notícias do mundo inteiro. Como anteriormente havia a proibição de impressos no Brasil, as notícias chegavam de forma clandestina. A partir da Gazeta, foram liberadas. Seus três redatores foram Frei Tibúrcio José da Rocha, o baiano Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, e, no último período, outro religioso, Francisco Vieira Goulart." A Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro conta que, os jornais do século 19 eram muito grandes, de difícil manuseio. Já a Gazeta tinha apenas 19 centímetros de altura e quatro páginas. As primeiras dedicadas às notícias da cidade, da Corte, da Família Real, e às matérias traduzidas de jornais estrangeiros. Na última página eram publicados os anúncios. Ao longo dos anos, o periódico cresceu e chegou a rodar com seis ou oito páginas, além de encartes com publicações de terceiros e edições extraordinárias, sublinha Cybelle. Em 14 anos de existência, o primeiro jornal brasileiro publicou 7.494 páginas em 1.791 edições. A partir de 1821 foram criadas outras tipografias particulares. Em 29 de dezembro de 1821, o periódico passou a se chamar Gazeta do Rio. Com a Independência, em 1822, o jornal deixou de circular a partir de 31 de dezembro de 1822. "Durante 14 anos a Impressão Régia reinou sozinha, soberana, assim como a Gazeta, entre 1808 e 1822. Nessa mesma época, Hipólito da Costa editava em Londres o Correio Braziliense, que cobriu o mesmo período da Gazeta. Em 1º de janeiro de 1823, a Gazeta do Rio foi sucedida pelo Diário do Governo, dando fim à fase heróica que agora se festeja.
vos e telenovelas. A informação é do jornal Meio&Mensagem na sua edição de 6 de setembro. A revista que registrou a maior alta no segmento popular foi a Viva Mais, que alcançou a circulação média de 245 mil exemplares semanais (14,5%) e ultrapassou Ana Maria, que cresceu 6%. Puxado pelo avanço de 8% da revista Caras, a circulação das revistas de celebridades aumentou 10% no primeiro semestre. As outras publicações desse nicho que registraram aumento de circulação foram Contigo, 4%; Quem, 22%; e IstoÉ Gente, 18%. No caso das revistas semanais de in-
formação houve uma oscilação média negativa de 1%, índice semelhante ao da Veja, que representa 58% desse segmento com uma circulação média de um milhão de exemplares por edição. Época e CartaCapital apresentaram queda de 2% e 8%, respectivamente; enquanto IstoÉ avançou 1%. No segmento infantil a revista Recreio registrou um recuo de 18% em sua circulação. Entre as revistas quinzenais, a Capricho teve alta significativa de 53%, alcançando a média de 205 mil exemplares por edição, dado que para especialistas representa ampliação de mercado entre o público adolescente.
POR CLAUDIA S OUZA A introdução da imprensa no País é marcada pela fundação, em 10 de setembro de 1808, da Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro periódico editado no Brasil, a partir da institucionalização da Impressão Régia. Lançado como instrumento dos interesses monárquicos, o jornal garantiu a circulação de idéias, notícias e publicações, até então censuradas, viabilizando o espaço para a crítica e o desenvolvimento dos padrões que selaram a história da imprensa nacional. Fundado em 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal editado e impresso no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, completa dia 10 de setembro 202 anos de criação, um marco na História da imprensa brasileira, que surgiu por decreto do príncipe regente Dom João, em 13 de maio de 1808, a partir da Impressão Régia, cujo objetivo era publicar os atos oficiais do Governo que se instalou no Rio de Janeiro em 7 de março de 1808. Até então, era proibido aos súditos o contato com publicações. "Ao desembarcar no Brasil em 8 de março de 1808, Dom João começou a tomar as providências para o estabelecimento da tipografia. Em 13 de maio de 1808, data de seu aniversário, autorizou a criação da Impressão Régia, aproveitando os tipos e prelos que desembarcaram com a Família Real", conta a Professora Cybelle de Ipanema, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro-IHGRJ, e 1ª Secretária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB. A Impressão Régia foi inaugurada no pavimento térreo da casa nº 44 da Rua do Passeio, no Rio de Janeiro, na residência do Conde da Barca, título criado por decreto de 27 de dezembro de 1815, da Rainha Dona Maria I de Portugal, em favor de Antônio de Araújo Azevedo, diplomata, cientista e político.
MERCADO
Revistas feministas sobem 15,5% O mercado nacional de revistas semanais cresceu 5% no primeiro semestre de 2010. A alta resultou do segmento de publicações populares dirigidas ao público feminino – cujo crescimento foi de 15,5% –, com conteúdo focado nos bastidores de programas televisi-
"Meu caro presidente emérito e amigo Maurício Azêdo, Muito sensibilizado, agradeço o encaminhamento de exemplar da edição nº 354 do excelente Jornal da ABI. Expresso minha gratidão por ter lembrado do nome do Paulo Caringi para um registro tão significativo no jornal da classe. Ele bem merecia perfil como o que foi traçado em Vidas. Apaixonado pelo jornalismo, pelas relações públicas e pioneiro do jornalismo radiofônico, atuou em tais campos com dedicação, eficiência e ética. Muito frontal em seus critérios, deixou a grande herança da transparência em suas atitudes. Fará muita falta. Assim, meu caro Maurício, em nome da legião de amigos, discípulos (entre os quais eu me incluo) e admiradores de Paulo Caringi, transmito as minhas expressões mais sinceras de apreço pelo nobilitante gesto. Como já disse ao próprio Francisco, vocês foram instrumentos de Justiça. Aproveito a oportunidade, para enviar as minhas congratulações pelo novo mandato. Foi merecido. Parabéns pela extrema qualidade do jornal, tanto na forma, quanto no conteúdo. A admiração permanente (a) Edson Schettine de Aguiar."
Pedro Macário "No Jornal da ABI nº 354 leio um tributo à memória de Pedro Macário, o qual não conheci pessoalmente, mas o descobri lendo o conto Bolero no suplemento Idéias & Livros do Jornal do Brasil. Tomei a iniciativa de escrever-lhe, falamos por telefone uma vez, mas só descobri quão importante ele foi lendo a página a ele dedicada no Jornal da ABI. Pedro Macário, nome de personagem de romance: que homem bonito e que carreira rica de realizações! Uma vez falei com uma filha dele por telefone. Tudo muito rápido e distante. Mas eis um companheiro do qual eu gostaria de ter sido íntimo, um homem de bem, um belo pai, um senhor artista. Deus o tenha. (a) Rubens Nogueira, Rio, RJ".
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Liberdade de imprensa
Lúcio Flávio continua sob cerco dos Maiorana Seu jornalismo independente é perseguido pelos barões da mídia do Pará, seu Estado. POR JOSÉ REINALDO M ARQUES Ganhador de alguns dos mais importantes prêmios nacionais de Jornalismo, Lúcio Flávio Pinto, Editor do Jornal Pessoal, continua sendo pressionado e impedido de exercer seus direitos de ir e vir e de liberdade de expressão. O motivo é a sua ousadia em denunciar desvios de conduta de grupos poderosos do Pará, inclusive do setor de mídia. O cerco ao jornalista já foi denunciado pela ABI em várias matérias publicadas no Jornal da ABI. Recentemente, Lúcio Flávio Pinto não pôde comparecer ao 1º Encontro de Blogueiros Progressistas, porque tinha de apresentar na Justiça um agravo a um dos inúmeros processos judiciais que lhe foram impostos pela família Maiorana, dona do Grupo Liberal, que edita um jornal com o mesmo nome, no Estado do Pará. Lúcio Flávio foi representado no evento por seu filho Angelim Pinto, que leu sua mensagem – cujo texto reproduzimos a seguir – endereçada aos participantes do encontro. No comunicado, Lúcio Flávio Pinto relata os episódios de censura e perseguição que vem sofrendo desde os anos 80, quando ainda trabalhava na sucursal de O Estado de S. Paulo, em Belém, e fala da criação do seu Jornal Pessoal, há 23 anos. Um veículo que, segundo ele, é “um blog impresso no papel, que exerceu na plenitude o direito de proclamar a verdade, sobretudo as mais incômodas aos poderosos”. A mensagem Foi esta a mensagem por ele enviada ao Encontro de Blogueiros: “Caros amigos blogueiros, Sinto-me muito honrado pelo convite, que devo ao Azenha e à Conceição Lemes, para participar deste Encontro. É uma iniciativa generosa e gentil para com um analfabeto digital, como eu. Garanto que sou capaz de ligar e desligar um computador, de 26 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
enviar e receber mensagens. Não garanto nada a partir daí. Como, então, estou aqui? Sou – digamos assim – um blogueiro avant la léttre. Não podendo ser um tigre, posto que sou Pinto, fui precursor na condição de blogueiro de papel – e no papel. Às vezes, por necessidade, também um tigre in fólios – e nada mais do que isso. Em 1987, eu tinha 38 anos de idade e 22 de profissão e me vi diante de um dilema. Numa vertente, a carreira profissional bem assentada em O Estado de S. Paulo, então com 16 anos de “casa”, e também no Grupo Liberal, a maior corporação de comunicação do Norte do País, no qual tinha 14 anos, com um rompimento pelo meio, quando tentaram me censurar, logo superado pelo restabelecimento da minha liberdade de expressão. Na outra vertente, uma matéria pronta, importante, mas que não encontrava quem a quisesse publicar. Era o desvendamento do assassinato do exDeputado estadual Paulo Fonteles, por morte de encomenda, executada na área metropolitana de Belém, o primeiro crime político em muitos anos na capital do Pará. O Estadão publicara todas as matérias que eu escrevera até então sobre o tema. Mas aquela, que arrematava três meses de dedicação quase exclusiva ao assunto, era, segundo o editor, longa demais. Já O Liberal a considerava impublicável porque ela apontava como envolvidos ou coniventes com a organização criminosa alguns dos homens mais poderosos da terra, dois deles listados entre os mais ricos. Eram importantes anunciantes. Ao invés de me submeter, decidi ir em frente. Aí, há 23 anos nascia o Jornal Pessoal, sem anunciantes, feito unicamente por mim, assemelhando-se aos blogs de hoje. Um blog impresso no papel, que exerceu na plenitude o direito de proclamar a verdade, sobretudo as mais incômodas aos poderosos.
era ofensivo, nem invadia a privacidade dos persoIMPUBLICÁVEL PORQUE ELA APONTAVA nagens. Mas desagradava aos senhores da comuniCOMO ENVOLVIDOS OU CONIVENTES cação. Embora tendo a emissora de televisão de COM A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA maior audiência do EstaALGUNS DOS HOMENS MAIS PODEROSOS do, afiliada à Rede Globo, o jornal que ainda era o DA TERRA DOIS DELES LISTADOS ENTRE líder do segmento (já não é mais) e estações de ráOS MAIS RICOS RAM IMPORTANTES dio, não usaram seus veíANUNCIANTES O INVÉS DE ME culos para me contraditar ou mesmo atacar com o SUBMETER DECIDI IR EM FRENTE produto que constitui seu negócio, a informação. O que resultou dessa agressão? Da Em janeiro de 2005, depois de muiminha parte, a comunicação do fato à tas ameaças por conta desse compropolícia, que enquadrou o criminoso na misso, fui espancado por Ronaldo Maiforma da lei. Mas o agressor fez acordo orana, um dos donos do Grupo Liberal, com o Ministério Público do Estado, que na época era simplesmente o Preentregou cestas-básicas a instituições de sidente da Comissão em Defesa da Licaridade (uma delas ligada à família berdade de Imprensa da OAB do Pará. Maiorana) e permaneceu solto, com sua Eu estava almoçando ao lado de amiprimariedade criminal intacta. Já o agresgos em restaurante situado num parsor, com a cumplicidade do irmão mais que público de Belém, quando o agresvelho e mais poderoso, ajuizou contra sor me atacou pelas costas, contando mim 14 ações na Justiça, nove delas pecom a cobertura de dois policiais milinais, com base na Lei de Imprensa da tares, que usava – e continua a usar – ditadura militar, e cinco de indenização. como seus seguranças particulares. O objetivo era óbvio: inverter os póQual a causa da brutalidade? Um arlos, fazendo-me passar da condição de tigo que publiquei dias antes sobre o vítima para a de réu. Em quatro das império de comunicação do agressor. ações eu era acusado de ofender os irO texto não continha inverdades, não
“O LIBERAL CONSIDERAVA A MATÉRIA
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mãos e sua empresa por ter dito que fui espancado, quando, segundo eles, eu fui “apenas” agredido. Mais um dentre vários absurdos aviltantes, aos quais a justiça paraense se tem prestado – e não apenas aos Maiorana, já que me condenou por ter chamado de pirata fundiário o maior grileiro de terras do Pará e do universo, condição provada pela própria Justiça, que demitiu por justa causa todos os funcionários do cartório imobiliário de Altamira, onde a fraude foi consumada, colocando ao alcance do grileiro pretensão sobre “apenas” cinco milhões de hectares. Os poderosos, que tanto se incomodam com o que publico no Jornal Pessoal, descobriram a maneira de me atingir com eficiência. Já tentaram me desqualificar, já me ameaçaram de morte, já saíram para o debate público e não me abateram nem interromperam a trajetória do meu jornal. Porque em todos os momentos provei a verdade do que escrevi. Todos sabem que só publico o que posso provar. Com documentos, de preferência ofi-
ao seu cinto de mil utilidades para me isolar e me enfraquecer. Não posso contar nem mesmo com o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil. Seu atual Presidente nacional, o paraense Ophir Cavalcante Júnior, quando Presidente estadual da entidade, firmou o entendimento de que sou perseguido e agredido não por exercer a liberdade de imprensa, o direito de dizer o que sei e o que penso, mas por “rixa familiar”. No entanto, dos sete filhos de Rômulo Maiorana, criador do império de comunicações, só três me atacam, com palavras e punhos. Dos meus sete irmãos, só eu estou na arena. Nunca falei da vida privada dos Maiorana. Só me refiro aos que, na família, têm atuação pública. E o que me interessa é o que fazem para a sociedade, inclusive no usufruto de concessão pública de canal de televisão e rádio. E fazem muito mal a ela, como tenho mostrado – e eles nunca contraditam. Crêem que, me matando em vida, proibindo qualquer referência a mim e
“CRÊEM QUE, ME MATANDO EM VIDA, PROIBINDO QUALQUER REFERÊNCIA A MIM E MEUS PARENTES, E SILENCIANDO SOBRE TUDO QUE FAZEM CONTRA MIM NA PERMISSIVA E CONIVENTE JUSTIÇA LOCAL, A HISTÓRIA DESSA INIQÜIDADE JAMAIS SERÁ ESCRITA PORQUE O QUE NÃO ESTÁ NOS SEUS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO NÃO ESTÁ NO MUNDO.” ciais ou corporativos. Nunca fui desmentido sobre fatos, o essencial dos temas, inclusive quando os abordo pioneiramente, ou como o único a registrá-los. Não temo a divergência e a contradita. Desde então, os Maiorana já me processaram 19 vezes. Nenhuma das sentenças que me foram impostas transitou em julgado porque tenho recorrido de todas elas e respondido a todas as movimentações processuais, sem perder prazo, sem deixar passar o recurso cabível, reagindo com peças substanciais. O que significa um trabalho enorme, profundamente desgastante. Desde 1992, quando a família Maiorana propôs a primeira ação, procurei oito escritórios de advocacia de Belém. Nenhum aceitou. Os motivos apresentados foram vários, mas a razão verdadeira uma só: eles tinham medo de desagradar os poderosos Maiorana. Não queriam entrar no seu índex. Pretendiam continuar a brilhar em suas colunas sociais, merecer seus afagos e ficar à distância da sua eventual vendetta. Contei apenas com dois amigos, que se sucederam na minha defesa até o limite de suas resistências, de um tio, que morreu no exercício do meu patrocínio, e, agora, com uma prima, filha dele. Apesar de tantas decisões contrárias, ainda sustento minha primariedade. Logo, não posso ser colocado atrás das grades, objeto maior do empenho dos meus perseguidores. Eles recorrem
meus parentes, e silenciando sobre tudo que fazem contra mim na permissiva e conivente Justiça local, a história dessa iniqüidade jamais será escrita porque o que não está nos seus veículos de comunicação não está no mundo. Não chegaria ao mundo porque o controlam, a ponto tal que tem sido vão meu esforço de fazer a Unesco, que tem parceria com a Associação Nacional de Jornais, incluir meu caso na relação nacional de violação da liberdade de imprensa. O argumento? Não se trata de liberdade de imprensa e sim de “rixa familiar”. O Grupo Liberal, por mera coincidência, é um dos seis financiadores do portal Unesco/ANJ. Após os Maiorana, o dilúvio. A maior glória do Jornal Pessoal é nunca ter sido derrotado no terreno que importa à história: o da verdade. Enquanto for possível, as páginas do Jornal Pessoal continuarão a ser preenchidas com o que o jornalismo é capaz de apurar e divulgar, mesmo que, como um Prometeu de papel, o seu ventre seja todo extirpado pelos abutres. Eles são fortes, mas, olhando em torno, vejo que há mais gente do outro lado, gente que escreve o que pensa, apura sobre o que vai escrever e não depende de ninguém para se expressar, mesmo em condição de solidão, de individualidade, como os blogueiros, que hoje, generosamente, me acolhem nesta cidade que fiz minha e que tanto amo, como se estivesse na minha querida Amazônia.”
Procurador viola sigilo da fonte Ramiro Rockenbach, de Mato Grosso do Sul, intimou quatro emissoras de televisão, dois jornais diários e dois portais jornalísticos a revelarem quem lhes deu informações sobre uma penitenciária federal. Com procedimentos que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil classificou de “iniciativas intimidatórias”, o Procurador da República em Mato Grosso do Sul Ramiro Rockenbach da Silva Matos Teixeira de Almeida intimou quatro emissoras de televisão, dois jornais diários e dois portais jornalísticos do Estado a revelar as fontes de informação de matérias relacionadas com a Penitenciária Federal de Campo Grande, capital do Estado. Através de portaria datada de 26 de julho passado, Rockenbach deu prazo de dez dias para que esses veículos fornecessem as informações requisitadas. Na portaria, que tomou o número 233/2010, o Procurador fundamenta em sete considerandos sua decisão de instaurar inquérito civil “visando adotar todas as medidas possíveis e necessárias, judiciais e extrajudiciais, no intuito de transcrever o texto assinalado na folha 002 de Campo Grande-MS”. Foram por ele intimadas a prestar informações as emissoras TV Guanandi, afiliada da Rede Bandeirantes; TV Morena, afiliada da Rede Globo; TV MS, afiliada da Rede Record; TV Campo Grande, afiliada do SBT; jornais Correio do Estado e O Estado de MS; portais eletrônicos Campo Grande News e Midiamax. Pretende o Procurador Rockenbach que cada um desses veículos informe se: 1. teve acesso ou recebeu documentos a respeito do tema escutas telefônicas em parlatórios e/ou salas de visita íntima, conversas de advogados e presos em relação à Penitenciária Federal de Campo Grande, 2. em caso positivo, remeter cópia integral do material recebido/acessado; 3. o material recebido/acessado foi divulgado? Quando e de que modo? (remeter cópia das matérias jornalísticas respectivas); 4. o material recebido/acessado foi remetido a esse órgão de imprensa por quem? A iniciativa do Procurador Rockenbach foi comunicada à ABI pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Júnior, que informou que em sua sessão de agosto o Conselho Federal “aprovou por unanimidade, em aclamação do Plenário, apoio incondicional ao Presidente da OAB de Mato Grosso do Sul, Leonardo Avelino Duarte, pela defesa das prerrogativas profissionais diante das iniciativas intimidatórias perpetradas pelo Procurador da República Ramiro Rockenbach da Silva Matos Teixeira de Almeida”. Em ofício à ABI, o Presidente da OAB lembrou as “lutas históricas e vitoriosas em conjunto com a Ordem” e pediu à Casa que, “informando-se na luta ora empreendida em defesa da Constituição da República”, “adote as providências
cabíveis de proteção da liberdade de imprensa e das fontes do jornalista”. Diante da denúncia da OAB, a ABI dirigiu-se ao Procurador Rockenbach questionando sua iniciativa, que no entender das duas instituições fere a liberdade de imprensa, assegurada pelo inciso IX do artigo 5º, e o sigilo da fonte, resguardado pelo inciso XIV do mencionado artigo 5º. O expediente ao Procurador Rockenbach, divulgado no ABI Online no dia 23 de setembro, tem o seguinte teor: “Ilustre Procurador da República Ramiro Rockenbach, Com a devida vênia, a Associação Brasileira de Imprensa dirige-se a Vossa Excelência para assinalar a carência de embasamento constitucional de sua iniciativa de intimar oito veículos de comunicação de Mato Grosso do Sul a prestar informações e fornecer documentos relacionados com a Penitenciária Federal desse Estado, exigência que no entendimento desta Associação Brasileira de Imprensa fere a liberdade de imprensa, assegurada pelo inciso IX do artigo 5º da Constituição da República, e o sigilo da fonte, resguardado pelo inciso XIV do mencionado artigo 5º. Essas disposições constitucionais têm nitidez de clareza meridiana e não podem ser contornadas ou ignoradas mesmo quando relevante o objeto que se persegue. Dizem esses preceitos da Carta Magna: “Art. 5º – ..., nos termos seguintes: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; A ABI foi alertada para a providência de Vossa Excelência pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Ophir Cavalcante Júnior, que condenou as “iniciativas intimidatórias perpetradas” por Vossa Excelência, como constante do Ofício nº 128/2010/GOC/COP, de que estamos anexando cópia. A ABI confia na revisão por Vossa Excelência dos procedimentos que possam macular o papel que cabe ao Ministério Público de “zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas”, como assinalado nos considerandos da Portaria 233/2010, que instaurou o inquérito civil ora em curso. No ensejo, Senhor Procurador, apresentamos as expressões do nosso elevado apreço. Atenciosamente (a) Maurício Azêdo, Presidente. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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Liberdade de imprensa
Narcotráfico do México mata jornalista e até estagiários Dez dias após o assassinato do jornalista Tejero Ocampo, locutor de uma rádio, os cartéis da droga mataram um estagiário de Fotografia que não chegou a trabalhar duas semanas. Ele seria contratado quatro dias depois. Um dia após a assinatura do protocolo de segurança para jornalistas, no dia 6 de setembro, em Chihuahua, México, o jornalista Marcelo Tejero Ocampo, 64 anos, locutor de uma emissora de rádio, foi morto no interior de sua residência no Município de Carmen, Estado de Campeche. A Polícia informou que o corpo apresentava sinais de asfixia. Dez dias depois foi morto o jovem estagiário de fotografia Luís Carlos Orosco, que seria efetivado quatro dias depois pelo jornal El Diario. O crime eleva o ranking da violência contra profissionais da imprensa no México, no dia seguinte à solenidade que reuniu representantes de associações de jornalistas e autoridades de Chihuahua, para o lançamento do Protocolo de Segurança para Jornalistas em coberturas de risco. Localizado na fronteira dos Esta-
dos Unidos, Chihuahua é considerado uma das regiões mais perigosas no mundo para jornalistas, em razão da violência relacionada ao tráfico de drogas. O Protocolo inclui medidas para ampliar a segurança dos jornalistas e compromissos das autoridades em relação à imprensa, como o respeito à liberdade de expressão e ao direito à informação. Entre outros itens, o documenta recomenda, por exemplo, que os jornalistas evitem o uso de fontes anônimas. Participaram da assinatura do Protocolo representantes de entidades jornalísticas, profissionais de imprensa autônomos e autoridades de Chihuahua, entre elas o Governador Reyes Baeza Terrazas e os Presidentes do Tribunal de Justiça, Rodolfo Acosta, e da Comissão Estatal de Direitos Humanos, José Luis Armendariz.
Em seu discurso, Reyes Baeza Terrazas reconheceu o papel da imprensa na sociedade e os perigos aos quais os jornalistas estão expostos na missão de informar. “Destaco a importância dos meios de comunicação para a democracia. Precisamos continuar cumprindo o dever de levar informação à sociedade”, disse Terrazas. Armendáriz disse que a assinatura do documento representa “um marco na luta contra o crime organizado”: ” Através deste Protocolo será possível capacitar os jornalistas para ações preventivas contra a onda de violência que assola o país”. O primeiro encontro para a elaboração do Protocolo aconteceu em 26 de julho passado, reunindo jornalistas, representantes do Governo e da Polícia, com o objetivo de facilitar a cobertura de eventos de risco e proteger os profissionais da imprensa. “Por causa da falta de conhecimento dos policiais e militares sobre os direitos dos jornalistas, grande parte dos responsáveis pela proteção das áreas de risco considera fotógrafos e repórteres inimigos em potencial”, ressaltou o jornalista Ernesto Avilés, do Diario de Chihuahua. O Presidente da Federação das Associações de Jornalistas do México, Roberto Piñón, enfatizou que, além de melhorar as relações entre a imprensa e a polícia, é preciso capacitar os repórteres para a cobertura de situações de risco. O Protocolo, em sua opinião será um manual para evitar o perigo. (Claudia Souza)
El Diario pede trégua a narcotraficantes Encurralado pela violência homicida dos cartéis das drogas, importante jornal mexicano denuncia o poder dos criminosos, num suposto apelo-rendição aos traficantes. POR JOSÉ REINALDO MARQUES Depois dos atentados que já mataram dois de seus funcionários, o jornal mexicano El Diario pediu uma trégua às organizações criminosas que atuam em Ciudad Juárez, no texto de um editorial publicado no dia 19 de setembro. Sob o título O que eles querem de nós, o editorial assinala que a perda de dois de seus repórteres assassinados – José Armando Rodriguez, executado em 2008, e Luis Carlos Santiago Orozco – representa “um dano irreparável” e que os jornalistas estão apreensivos e desejam saber o que os narcotraficantes querem da categoria. O texto também critica as autoridades mexicanas, principalmente o Presidente do México, Felipe Calderón, que é acusado de não ter tomado as providências devidas para impedir que os jornalistas continuem sendo executados. Desde que ele assumiu o Governo, há quatro anos, 28 mil pessoas foram assassinadas em crimes ligados ao narcotráfico no país. O editorial ressalta que a iniciativa tomada pelo jornal não é uma rendição aos grupos que se impõem pela força, mas uma maneira de tentar entender o que se espera de um órgão de mídia, que não deseja mais mortes dos seus jornalistas ou dos seus colegas de profissão: “Não queremos mais ferimentos ou até mais intimidação. É impossível exercer o nosso papel nessas condições. Diganos, portanto, o que querem que publiquemos ou o que devemos parar de publicar, o que esperam de nós como meio (de comunicação).”
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A mensagem do El Diario destaca também que o México se tornou um ambiente que não oferece garantias suficientes para os cidadãos desenvolverem as suas vidas e atividades com segurança, e que o resultado disso é que o jornalismo tem-se tornado uma das práticas profissionais “mais perigosas” de se exercer no país. “Vazio de poder”
O atentado que matou o estagiário do El Diario e o editorial endereçado às organizações criminosas despertaram a atenção de diversos setores, inclusive de governantes locais. Para o Prefeito José Reyes Ferri, os Governos devem dar garantias aos trabalhadores dos veículos de comunicação. “A comunicação é uma parte essencial de qualquer sociedade democrática, temos de proteger os jornalistas que desempenham esta importante função”, declarou o prefeito à reportagem do El Diario. Na opinião de Elia Baltazar — membro do Conselho de Administração do Centro de Jornalismo e Ética PúblicaCepet, sediado na Cidade do México —, um fator grave é que a ausência do Estado e a impunidade estão provocando um vazio de poder institucional em regiões como Ciudad Juárez, onde a violência tem sido acentuada. Segundo ele, isso dificulta o trabalho da imprensa, que não encontra no Exército nem na Polícia parceiros a que possa recorrer: “E se isso não é grave para uma democracia, me diga então o que é mais grave”.
As palavras de Baltazar coincidiram com a observação de Carlos Lauria, Coordenador do Programa das Américas do Comitê para Proteção dos JornalistasCPJ, que alertou sobre o envolvimento de setores do Estado com o narcotráfico e para a incapacidade das autoridades governamentais, que permite que os grupos criminosos em conflito consigam os seus objetivos de controlar a circulação de notícias. Ao El Diario o coordenador do CPJ disse que os traficantes de drogas operam em várias frentes “e são conectados” com as autoridades, forças de segurança e o Judiciário: “Sabemos que a informação (a notícia) é um bem precioso e que pode ser usada para prejudicar a reputação de cartéis rivais, e é isso que eles estão conseguindo, de um Estado que está cada vez mais ausente, evidentemente incapaz de oferecer garantias aos jornalistas”, afirmou Carlos Lauria em entrevista ao jornal mexicano. A cobertura em debate
A atuação dos jornalistas que cobrem áreas de conflito de narcotraficantes é uma preocupação que cada vez mais vem sendo debatida pelas entidades ligadas à categoria. Esse foi o tema central do fórum realizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas na Universidade Austin no Texas nos dias 17 e 18 de setembro, que debateu a cobertura do tráfico de drogas e do crime organizado na América Latina e no Caribe, com a participação de 40 organizações dedicadas à capacitação e segurança de jornalistas.
Participaram do encontro entidades como Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji, a Associação Nacional de Jornalistas Hispânicos, a Sociedade Interamericana de ImprensaSip e o Comitê para Proteção de Jornalistas, entre outras. O jornalista Mauri Konig, do jornal Gazeta do Povo e membro da Abraji foi um dos debatedores do painel “Iniciativas regionais, transfronteiriças e globais sobre cobertura do crime organizado”, que teve a participação de Osmar Gómez, do jornal ABC Color e do Fórum de Jornalistas Paraguaios; Gabriel Michi, do Fórum de Jornalismo Argentino; Giannina Segnini, do jornal La Nación da Costa Rica; e Paul Radu, do Centro Romeno para o Jornalismo Investigativo. Durante o fórum discutiu-se também, entre outros assuntos, o que pode ser feito para ajudar repórteres e editores que trabalham em ambientes hostis, sob condições perigosas e estressantes, e quais medidas práticas os jornalistas podem tomar quando estiverem cobrindo a violência. A violência no México foi um dos temas centrais do encontro. Como desdobramento do Fórum, foi anunciado que de 25 a 28 de novembro será realizada a primeira reunião regional de jornalismo para as fronteiras da Argentina, Brasil e Paraguai, que irá acontecer em Ciudad Del Este, no Paraguai. O principal objetivo do evento é promover palestras sobre jornalismo investigativo, uma vez que os jornalistas da região têm muito pouca oportunidade de capacitação nesse sentido.
A morte de Orozco, aos 21 anos Os tiros que mataram Luís Orozco, que tinha completado 21 anos recentemente, foram disparados contra o seu carro por vários homens armados não identificados. Ele estava acompanhado de outro estagiário de fotografia do El Diario, Carlos Sanches Colunga, que ficou gravemente ferido no atentado. O crime aconteceu por volta das 15h no pátio do estacionamento de um shopping, localizado próximo à sede do jornal. Toda a ação foi registrada pelas câmeras de segurança do prédio comercial, mas os bandidos ainda não foram encontrados. De acordo com as investigações iniciais, o assassinato de Luis Orozco tem o mesmo estilo daqueles encomendados pelos cartéis de drogas do México. Falando à organização Repórteres Sem Fronteiras-RSF, o editor Pedro Torres disse que o motivo do ataque não foi esclarecido, e que o jornal não recebera quaisquer tipo de ameaças. Os dois estagiários não estavam trabalhando em nenhuma cobertura do El Diario sobre a guerra contra os cartéis de drogas deflagrada no México. Luís Orozco começou a estagiar como fotojornalista em maio deste ano, com a promessa de que seria contratado definitivamente em 20 de setembro. Sanches tinha apenas duas semanas na função. Informou Pedro Torres que no dia do crime os dois passaram a manhã em um curso de fotografia promovido pelo jornal: “Eles não estavam cobrindo o caso (dos cartéis de drogas). Nós não sabemos quem pode estar por trás deste ataque”, disse o editor à RSF. A onda de violências contra jornalistas no México alcançou um nível tão absurdo que vem provocando protestos das organizações de proteção à categoria junto ao Presidente Felipe Calderón. Em junho, a RSF encaminhou às Nações Unidas um pedido formal de proteção aos profissionais da mídia em atividade no país. O atentado contra os estagiários do El Diario é o segundo ato criminoso que atinge a equipe de reportagem do veículo. Em 2008, ocorreu o assassinato do repórter José Armando Rodriguez, cujo inquérito nunca identificou os culpados. Pedro Torres disse à RSF que espera que a apuração da morte de Luís Orozco não siga o mesmo caminho: “Ao contrário do assassinato de Armando, desta vez o crime ocorreu em um lugar público, com câmeras de vigilância e na presença de testemunhas”, declarou. Em dez anos foram registrados 68 assassinatos de jornalistas e trabalhadores da mídia no México. Desde 2003, 11 profissionais estão desaparecidos. O país é onde a liberdade de imprensa está mais ameaçada na América Latina e uma das regiões mais perigosas do mundo para o exercício do jornalismo. (José Reinaldo Marques)
Durou horas a rolha do Desembargador Juiz eleitoral, Liberato Póvoa impôs censura prévia a 84 veículos do Estado do Tocantins, mas dois dias depois o TRE derrubou a sua decisão contrária à Constituição, que amordaçava veículos de comunicação da capital do interior. Afinado com o interesse da Coligação Força do Povo, que patrocina a candidatura à reeleição do Governador Carlos Gaguim (PMDB), o Desembargador Liberato Póvoa impôs censura prévia a 84 veículos de comunicação do Estado do Tocantins, mas sua agressão ao texto constitucional teve vida curta: menos de 48 horas depois, o Tribunal Regional Eleitoral, por quatro votos a dois, derrubou a sua decisão. Liberato firmou o ato castrador no dia 23 de setembro, uma quinta-feira; no segundo dia útil seguinte, 26 de setembro, o TRE-TO revogou. A proibição determinada pelo Desembargador atingiu o jornal O Estado de S. Paulo e mais 83 veículos de comunicação, através de uma decisão que amordaça a imprensa no território tocantinense. Todos, foram impedidos de divulgar informações sobre investigação promovida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo que cita o Governador Carlos Gaguim, como integrante de organização criminosa destinada a fraudar licitações. O silenciamento da imprensa foi requerido pela Coligação Força do Povo. A decisão do Desembargador Liberato Póvoa proíbia a divulgação de notícias sobre o caso por oito jornais, seis emissoras de televisão da capital, Palmas, e cinco da cidade de Araguaína, cinco sites do Estado,42 rádios comunitárias e 22 emissoras comerciais de diferentes Municípios. Se descumprisse a ordem judicial, o veículo seria punido com multa diária de R$ 10 mil. Em e-mail dirigido ao Desembargador Póvoa, a ABI classificou a decisão de “grave transgressão” do texto da Constituição, que no parágrafo 2º do seu artigo 220 estabelece que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Dizia a mensagem da ABI que no “clima exacerbado da campanha eleitoral” no Tocantins era previsível que o Desembargador Póvoa não reconsiderasse sua decisão, que “passa
Os veículos condenados ao silêncio A decisão do Desembargador Liberato Póvoa não tem precedentes em matéria de abrangência: nunca sob o império da Constituição de 1988 foi tão numeroso o conjunto de órgãos de comunicação colocados sob censura prévia pelo Poder Judiciário. É esta a lista, segundo publicado na edição de 27 de setembro pelo Estado de S. Paulo: JORNAIS O Estado de S. Paulo Correio do Povo A Notícia Cocktail Mira Jornal O Paralelo 13 Jornal Opção Tribuna do Planalto
TELEVISÕES Em Palmas TV Anhanguera (Globo) Rede Record TV Palmas TV Bandeirantes TV Capital (SBT) TV Gurupi Em Araguaína TV Anhanguera (Globo) TV Araguaína (SBT) TV Girassol TV Líder TV Palmas SITES DO TOCANTINS Cleber Toledo Ecos do Tocantins Conexão Tocantins Roberta Tum Portal Stylo RÁDIOS COMUNITÁRIAS Aparecida do Rio Negro Rio Verde FM Goianorte FM Cidade FM Miracema FM Nova FM
a integrar os fastos das violências contra a Constituição da República sob o Estado Democrático de Direito que penosamente tentamos construir”. É esta a declaração da ABI: “Ilustre Desembargador Liberato Póvoa, Vossa Excelência cometeu grave transgressão do texto da Constituição da República ao impor a censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo e a 83 veículos de comunicação do Estado do Tocantins, em atendimento a postulação igualmente inconstitucional do candidato Carlos Gauguim e dos partidos por ele reunidos na chamada Coligação Força do Povo. Ignorou Vossa Excelência que a Constituição estabelece no parágrafo 2º do artigo 220 que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artistica”. Esse preceito da Lei Maior, esculpido com nitidez, não pode ser contornado por qualquer invocação de “segredo de justiça”, como fez Vossa Excelência ao justificar a violação da norma constitucional. Causa também espécie o ato de Vossa Excelência pela circunstância de que lhe cabia declarar-se suspeito para decidir o pleiteado pelo Governador Carlos Gauguim, que nomeou sua esposa e sua sogra para cargos comissionados da administração estadual, como informou o jornal O Estado de S. Paulo em sua edição de hoje, 27 de setembro, ao noticiar sua decisão, por isso altamente censurável sob o aspecto ético. É previsível que o clima exacerbado da campanha eleitoral no Estado do Tocantins não lhe permitirá rever e reconsiderar sua decisão, que passa a integrar os fastos das violências cometidas contra a Constituição da República sob o Estado Democrático de Direito que penosamente tentamos construir, a despeito dos equivocos cometidos por membros do Poder Judiciário, entre os quais Vossa Excelência agora se inclui. Atenciosamente (a) Maurício Azêdo, Presidente.” Luz FM Liberdade FM Formoso FM Criativa FM Cultura FM Boas Novas FM Natureza FM Planeta FM Palmeiras FM Ciclone FM FM Pequizeiro Colméia FM Vale FM Natividade FM 104,9 Rádio Sucesso Porto Alegre FM Almas FM Combinado FM Cidade FM Itamaraty FM Lagoa FM Cidade FM Jovem FM Dimensão FM A Voz do Mel Taipas FM Goiatins Esperança FM
Educativa FM Rádio Aliança FM Radio Entre Rios FM Associação Brasileira de Rádios Comunitárias do Estado do Tocantins RÁDIOS COMERCIAIS DO TOCANTINS Terra FM Cidade FM Mirante AM e FM Tocantins FM Araguaia AM e FM Nativa FM Tocantins AM e FM Cidade FM Guaraí AM Tocantins FM Araguaia FM Serra da Mesa FM Cristal AM Independência AM e FM Rádio Cultura de Miracema Araguaia FM Jovem Pan FM 96,1 – Palmas FM Jovem Palmas AM e FM Nova Era FM (Antiga Galileia)
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Direitos humanos
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FOTOS ROGÉRIO REIS/TYBA
ia 27 de agosto de 1980. O relógio marca 13h40min. Na sede da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, no Rio de Janeiro, a secretária Lyda Monteiro abre uma carta, como tantas outras, dezenas, endereçadas ao Presidente do Conselho Federal da entidade, Eduardo Seabra Fagundes. Aquela, no entanto, trazia uma mensagem diferente. Tratava-se de uma correspondência do terror. O estrondo que se seguiu foi ouvido em todo o País, num claro sinal de alerta de que o processo de abertura política que se iniciava não estaria livre de percalços. Havia, sim, nas alas mais radicais dos militares, no poder desde o golpe de 1964, representantes dispostos a tudo para a manutenção do regime ditatorial. Capazes de matar. Na verdade, um expediente quase usual no Estado ausente de Direito, estabelecido naqueles tempos. A bomba fez de Dona Lyda, 59 anos, sua vítima fatal. Os estilhaços do artefato feriram em cheio o Brasil, a comunidade dos advogados e, em especial, a OAB, nicho de resistência e relato das arbitrariedades cometidas pelos sucessivos governos militares. Ali lutava-se abertamente pela volta do Estado de Direito. Eram denunciados atos como prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos. O estrago feito naquela tarde foi tão grande que, 30 anos depois de detonado o explosivo, restam ainda feridas abertas. Dúvidas no ar. A disposição inarredável da OAB de esclarecer o caso e de responsabilizar os culpados. Não por acaso, o Presidente da OABRJ, Wadih Damous, anunciou, no dia 27 de agosto, que a entidade vai solicitar a reabertura do inquérito que investigou o atentado. Em ato que marcou as três décadas da morte da exfuncionária, Wadih Damous disse que o pedido terá como base as revelações divulgadas em reportagem de O Globo, publicada naquela mesma data, de autoria do jornalista Chico Otávio. “Quem ordenou o crime? Quem o executou? E onde se encontram, hoje, esses funcionários de um dos aparatos da administração pública brasileira? Nós não podemos mais conviver sob o signo dessa conveniente ignorância”, questionou Damous. “Quando lançamos a ‘Campanha pela Verdade e pela Memória’, a maioria dos jornais publicou reportagens sobre a nossa iniciativa
ESTILHA
Três décadas após a explosão da bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, o Presidente da Seccional do Estado do Rio da entidade, Wadih Damous, reclama a reabertura do inquérito policial sobre o caso, para identificação e punição dos responsáveis pelo ato, que matou a funcionária Lyda Monteiro da Silva, chefe da Secretaria da instituição. A iniciativa da OAB aviva a lembrança de outras ações terroristas praticadas pela direita linha-dura, que resistia ao processo de retorno do País ao Estado de Direito. Os atentados não pouparam órgãos de imprensa e atingiram outras entidades, como a própria ABI. POR PAULO CHICO
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ÇOS DO TERROR NO BRASIL conder debaixo do tapete os períodos tenebrosos da História de um país, para que os fatos que nos envergonharam jamais voltem a acontecer. Passados 30 anos, nossas instituições democráticas são sólidas e nos permitem conhecer a verdade sobre aqueles anos terríveis, dando nomes aos que cometeram crimes de lesa-humanidade”, afirma Wadih Damous. O Presidente da OAB/RJ não teme que, a exemplo de outros polêmicos casos recentes de crimes cometidos pela ditadura militar, uma equivocada interpretação da Lei de Anistia possa impedir a responsabilização dos culpados. Wadih Damous considera que não há espaço jurídico para isso. “Nesse caso em particular, ninguém poderá alegar que os criminosos devem ser beneficiados pela Lei de Anistia, pois os atos terroristas e os assassinatos aconteceram depois da promulgação da Lei. A bomba foi detonada em agosto de 1980. A Lei de Anistia fora aprovada no ano anterior.”
JORNALISTAS RECORDAM OS DESAFIOS DA COBERTURA NA ÉPOCA “Participei da cobertura da morte da Dona Lyda Monteiro na OAB e cobri a passeata e o enterro dela no Cemitério São João Batista. Eu e o Marcelo Beraba, ambos de O Globo na época, passávamos por perto e fomos dos primeiros
a chegar ao local da explosão. Foi uma visão assustadora. Participei também um pouco da cobertura da explosão de uma bomba na Câmara dos Vereadores do Rio, que mutilou um funcionário e feriu outros. Foi um atentado nos mesmos moldes do ocorrido na OAB, executado pelo mesmo grupo de extrema direita, ligado a militares da linha dura. Também foram eles que explodiram várias bancas de jornal para impedir a venda dos jornais alternativos, que combatiam o regime”, recorda José Luiz Alcântara, Chefe de Redação da Sucursal/Rio de O Estado de S.Paulo. Alcântara descreve ainda o ambiente nas principais Redações diante dos diversos casos de terror. “É claro que o clima era de medo em todos os setores da sociedade, e mais ainda nas Redações. Me lembro do atentado e invasão do jornal Hora do Povo. Estive lá como repórter e fiquei chocado com a violência. Lembro da tentativa de golpe do General Sílvio Frota contra o Presidente Ernesto Geisel e a intimidação que a equipe do Jornal do Brasil sofreu no Aeroporto Internacional por parte da segurança do Comandante do I Exército. Um dos nossos colegas chegou a ser agredido. Pessoalmente, nunca fui ameaçado, mas é óbvio que o clima de trabalho, principalmente em coberturas desse tipo, era permanentemente tenso”, conta Alcântara, que ressalta a importância de matérias como a publicada
pelo O Globo no dia 27 de agosto passado. “Vale lembrar que nunca se chegou aos autores dos atentados contra a OAB, a ABI e a tantas outras instituições.” Citado pelo colega José Luiz Alcântara, Marcelo Beraba também falou com o Jornal da ABI. “Naquela época eu era repórter especial de O Globo. Estes casos marcaram o período e envolveram na cobertura quase todos os repórteres da Geral. Foi um período de muito investimento em investigação jornalística. Cobri lateralmente o Riocentro. Participei mais da cobertura do atentado à OAB. Foi um período de grande descontrole institucional e o acesso às informações era muito difícil. Não me lembro de ameaças diretas a jornalistas. Tenho bastante viva a memória das Redações de O Globo e do JB, então os dois grandes jornais do Rio de Janeiro, completamente empenhadas em apurar cada caso. Depois de anos de cerceamento, a cobertura daqueles atentados, naquela fase de distensão política, permitiu o exercício da investigação jornalística e a maior preparação das Redações para o período de abertura e transição democrática que se seguiria”, avalia Beraba, Editor-Chefe de O Estado de S.Paulo. Fotógrafo de O Globo no início dos anos 1980, João Roberto Ripper revela as peculiaridades do trabalho jornalístico naqueles tempos. “Tínhamos uma ida diária ao espaço militar onde ROGÉRIO REIS/TYBA
e várias emissoras de televisão veicularam gratuitamente os nossos filmes com os depoimentos de atores de grande importância, como Fernanda Montenegro e Osmar Prado. Agora, a matéria de O Globo foi fundamental para trazer à tona novas informações sobre o atentado. E ainda delineou uma rede de ligações entre os vários agentes da repressão e seus superiores, apontando figuras carimbadas nas listas de notórios torturadores.” Ainda segundo o Presidente da OAB/RJ, a reportagem trouxe importantes revelações sobre o atentado que vitimou Dona Lyda, confirmando aquilo que todos desconfiavam: militares lotados no Doi-Codi foram os responsáveis pelo crime. “Acredito que agora a apuração do caso siga em frente. Os acusados foram identificados; se a sociedade se mobilizar, a investigação conseguirá as provas necessárias para condená-los. É nosso dever procurar esclarecer o crime. O Secretário Especial de Direitos Humanos, Ministro Paulo Vannuchi, prontificou-se a solicitar à Polícia Federal ajuda para localizar os agentes que investigaram o crime na época, para que eles contem aquilo que sabem. O Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, está constituindo comissão para propor as ações judiciais necessárias. O pedido de reabertura do inquérito será extensivo ao atentado do Riocentro, em 1981.” A reportagem revelou indícios de que os autores da bomba enviada à OAB pertenciam ao mesmo grupo envolvido com os artefatos que explodiram em outros atentados, como o do Riocentro. Avesso a debates, o segmento obscuro do regime militar tinha no terror a forma acabada de sua manifestação de descontentamento. Foram diversos, por exemplo, os casos de bombas instaladas em bancas de jornal. Em 23 de março de 1981, uma foi detonada na oficina da Tribuna da Imprensa, no Rio. As reações dos opositores ao processo de redemocratização do Brasil não pouparam sequer a ABI, onde um artefato explodiu no banheiro do sétimo andar, em 19 de agosto de 1976. Felizmente, não houve vítimas. “Onde houvesse manifestação contrária ao regime que, durante décadas, amordaçara nosso povo, lá estavam eles, os verdadeiros terroristas, emissários de um regime que agonizava, mas que podia contar com o maior trunfo de que o transgressor pode se valer: a crença na impunidade. Reabrir o inquérito deste caso é uma forma de não se calar, de a advocacia afirmar, alto e bom som, que não compactua com a impunidade. E é sempre bom não es-
Cerca de 10 mil pessoas conduziram o corpo de D. Lyda Monteiro da Silva numa passeata que percorreu os 9 km do Centro do Rio ao Cemitério São João Batista, em Botafogo. Próximo ao Consulado dos Estados Unidos, manifestante pixa a parede em sinal de protesto.
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Direitos humanos mos nada. Nós não sabíamos sequer por que estávamos ali. Aliás, naquele momento, ninguém sabia. Nem a chefia de Reportagem da Globo. Mas isso logo se resolveu”, conta. Em poucos minutos, carros da Polícia, do Exército e dos bombeiros cercaram toda a área. “Eles nos empurraram para fora e começaram a perguntar o que tínhamos visto. Logo em seguida chegaram repórteres de vários jornais e cada um correu para o seu lado para apurar os acontecimentos. Naquele dia, eu sabia que estava aprendendo algo mais... Fiquei cobrindo o fato até o dia seguinte, quando chegou outra equipe para me render. Dali fui direto para a Redação da TV Globo, onde fiquei à disposição dos editores e da direção para escrever o texto e ajudar na edição. Não vi, não posso afirmar com certeza, mas soube que representantes do alto escalão do Exército estiveram na emissora, nos andares poderosos da TV Globo no Jardim Botânico, para acompanhar as informações. O que posso dizer é que tive que mudar o texto umas três vezes e quase ‘testemu-
nhar ’ o que vi no estacionamento”, conclui Leila. No caso do Riocentro, o tiro saiu pela culatra. Os ataques, é claro, seriam atribuídos pelo regime aos brasileiros que enfrentavam a ditadura, mas a primeira bomba daquela noite de 30 de abril de 1981 explodiu, literalmente, no colo dos militares, por volta das 21 horas, antes de ser instalada. O artefato matou um sargento e feriu gravemente um capitão. Assim, ficou bastante óbvio de quem era a autoria dos atos terroristas. Como se não bastasse, uma segunda explosão ocorreu, poucos minutos depois, numa estação de energia responsável pelo abastecimento do Riocentro. A bomba foi jogada por cima do muro, explodindo no pátio, sem prejudicar a eletricidade do pavilhão, o que certamente causaria pânico entre o público de cerca de 20 mil pessoas. Apesar das evidências contrárias, um inquérito policial militar, aberto para apurar o caso, chegou a divulgar a versão oficial de que as bombas foram implantadas no carro para matar os militares, e não trazidas por eles.
O CHOQUE DE UMA JOVEM REPÓRTER QUE SE INICIAVA NA TELEVISÃO Uma das mais destacadas jornalistas do País, Leila Cordeiro estreou na televisão em 1979. Teve passagens pela TV Aratu, da Bahia, TV Globo, TV Manchete e SBT. Desde 1997 mora nos Estados Unidos, onde trabalhou como âncora e repórter da CBS Telenotícias Brasil. Atualmente, escreve nos blogs Conexão América e Direto da Redação. “No dia 30 de abril de 1981, tive minha primeira grande experiência como jornalista. Eu trabalhava na TV Globo, sem horário fixo, já que estava começando. Era meio ‘pau pra toda obra’, como todo iniciante. Ia onde me mandavam, sem hora pra começar e muito menos pra acabar. E foi assim que fui parar no Riocentro, na véspera do Dia do Trabalhador. Já havia terminado oficialmente o meu horário como repórter, estava em casa, quando uma ligação da Redação me convocou para estar a postos para cobrir um ‘acontecimento inesperado’, ocorrido no estacionamento do Riocentro”, lembra Leila. “Era tarde, mais ou menos dez da noite. Já estava deitada, pronta pra dormir. Pulei rápido da cama e ainda sonolenta vesti-me com a primeira roupa que encontrei, até porque o carro da Globo chegou em seguida ao telefonema. Quando estacionamos no Riocentro senti algo estranho no ar, apesar de não ver nenhuma movimentação. Vimos que havia fumaça num determinado lugar e fomos até lá. Quando chegamos ao local vimos, em primeira mão, um Puma destruído, com uma pessoa lá dentro também completamente destroçada. Era sangue por todo lado. O cinegrafista e eu não entende32 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
A EXPERIÊNCIA DE UM FOTÓGRAFO EM SEU OFÍCIO DIÁRIO
ROGÉRIO REIS/TYBA
estava o processo. Já havíamos desenvolvido táticas para o máximo aproveitamento dos poucos minutos de consulta, naqueles poucos dias em que o processo era liberado. Recordo que um dia o Marcelo Beraba passava rapidamente as páginas do processo e eu ia fotografando cada uma delas. Depois do filme revelado, as páginas eram copiadas. Somente aí conseguíamos ler com a calma devida as informações.” Ripper diz nunca ter se sentido ameaçado nas coberturas dos chamados anos de chumbo e conta um episódio que ocorreu alguns anos mais tarde. “Me recordo que fui detido algumas vezes, reprimido no momento das coberturas... Muitas delas tinham um clima pesado. De fato, só fui me sentir ameaçado, algumas vezes, mais tarde , quando comecei a denunciar trabalho escravo e crimes do latifúndio. Há muito o que se investigar no Brasil, e não só no período do regime militar. Ainda hoje há abusos cometidos pelo Estado, nos governos estaduais, nas Polícias civil e militar e no próprio Exército. A violência de que são vítimas os moradores de favelas, por exemplo, está longe de ser explicada”, diz Ripper.
Foi assim que o repórter Israel Tabak e o fotógrafo Rogério Reis encontraram o Puma onde explodiu a bomba que deveria ser usada no atentado no Riocentro: parcialmente destruído.
De máquina em punho, Rogério Reis participou como fotógrafo do Jornal do Brasil das equipes que cobriram os atentados à OAB e ao Riocentro. “Para sobreviver àquela obscura fase de medo e desconfiança, nós, jornalistas, desenvolvemos o saudável hábito de discutir regularmente nossas estratégias de atuação profissional. O princípio básico de checar todas as informações e versões apresentadas era exercido como nunca, de forma rigorosa. Essa nossa postura foi fundamental para esclarecer a opinião pública e restaurar em grande parte a verdade dos fatos.” Rogério, que cedeu algumas imagens da época para o Jornal da ABI, lembra de detalhes do episódio do Riocentro. “Logo na manhã seguinte à bomba, o repórter Israel Tabak e eu fomos à caça do maldito automóvel Puma, para tentar entender o ocorrido através dos estragos feitos pela explosão no veículo. Depois de algumas voltas, localizamos o carro abandonado em uma rua deserta bem próxima à delegacia da Barra da Tijuca. Sem a presença de outros jornalistas e da Polícia, percebemos que estávamos sós: Israel, eu e o Puma. Excitados com o inesperado encontro, logo iniciamos nossa perícia com todo cuidado para não imprimir nossas digitais no carro”. Além de imagens gerais, Rogério Reis fotografou importantes detalhes do painel fronteiro ao motorista e o do banco do carona. “Estava em perfeitas condições, o que desmascarava a primeira versão oficial de que a bomba teria sido colocada debaixo dele. Me lembro da cena do Israel com uma vara de bambu pescando no assoalho o ticket de estacionamento, que determinava a hora de chegada dos dois militares ao Riocentro, como se eles fossem pessoas comuns. Naquela época, nossa principal dificuldade era vencer o desafio constante de voltar para a Redação com o dever jornalístico cumprido de forma ética, apesar das barreiras impostas pelo regime.” Nas passeatas e manifestações, como ocorreu no enterro de Dona Lyda, sempre apareciam falsos fotógrafos, infiltrados com credenciais desconhecidas. “Tudo isso produzia tumulto e tensão no ambiente. Para evitar o confisco arbitrário dos nossos filmes, tínhamos o hábito de esconder, não dinheiro, mas filmes na cueca e nas meias, ou enterrá-los provisoriamente em algum jardim da cidade. Me lembro de que, na Era Geisel e no Governo Figueiredo durante as coberturas de eventos com a presença dos Presidentes era comum chegar em casa com marcas dos beliscões dos seguranças de Brasília, que assim nos provocavam para justificar o cancelamento da nossa credencial de trabalho. Acho que aprendemos a conviver com sabedoria e a resistir com humor a todos esses dissabores daquelas coberturas. Afinal, o que passáva-
TRIBUNA DA IMPRENSA
Perseguido com prisão e confinamento, Hélio Fernandes foi alvo do atentado terrorista que destruiu as instalações da Tribuna da Imprensa.
mos nas ruas era café- pequeno diante da barbárie ocorrida nos porões da ditadura”, diz Rogério. que cita outro caso emblemático da época.
OS ATENTADOS CONTRA A TRIBUNA E A ABI Diante de outros atentados, a sensação de medo, por vezes, se instalava. “O caso da bomba na Tribuna da Imprensa foi uma espécie de aviso. Vivíamos apreensivos e já sabíamos que estávamos pisando em um terreno minado, perigoso. De uma forma geral, esse ambiente intimidou muita gente e deixou marcas morais e psicológicas em alguns jornalistas. Por outro lado, grande parte das Redações resistia e acreditava que o regime de exceção e os excessos cometidos pelos militares estavam com os dias contados”, lembra Rogério Reis. Certamente ninguém sofreu ou se revoltou mais com esse ato terrorista do que Hélio Fernandes, jornalista e Diretor da Tribuna da Imprensa. “O assassinato de Dona Lyda emocionou o País e era a tentativa de atingir um órgão em especial, a OAB, que sempre resistiu às ditaduras. No Riocentro, quase uma catástrofe, podiam ter morrido milhares de pessoas que assistiam ao show de mpb comemorativo do 1º de Maio. Até hoje não se explicou a razão do atentado e do seu fracasso. Entre esses dois casos, ocorreu em 26 de março de 1981 a destruição da Tribuna da Imprensa, também com o mesmo objetivo criminoso e terrorista. O jornal, instalado na Rua do Lavradio, foi totalmente destruído, devastado, destroçado, impedido de circular.” Em texto publicado na internet, Hélio Fernandes conta o desfecho das investigações sobre o atentado. Ou melhor, torna evidente que a investigação, ao menos de fato, nunca ocorreu. “Quando foi praticado o crime terrível contra a Tribuna da Imprensa, funcionava no Senado a ‘CPI do Ter-
A era das bombas: a linha-dura resiste 1980 JANEIRO 18 – Desativada bomba no Hotel Everest, no Rio, onde estava hospedado Leonel Brizola, recém-chegado do exílio de 15 anos. 27 – Bomba explode na quadra da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, no Rio, durante comício do PMDB. ABRIL 26 – Show 1º de maio – Bomba explode em uma loja do Rio que vendia ingressos para o espetáculo. 30 – Em Brasília, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Belém e São Paulo, bancas de jornal começam a ser atacadas, numa ação que durou até setembro. MAIO 23 – Bomba destrói a Redação do jornal Em Tempo, em Belo Horizonte. 29 – Bomba explode na sede da Convergência Socialista, no Rio de Janeiro. 30 – Explodem duas bombas na sede do jornal Hora do Povo, no Rio de Janeiro. JUNHO 27 – Bomba danifica a sede da Casa do Jornalista, em Belo Horizonte. AGOSTO 11 – Bomba é encontrada em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, num local conhecido por Chororó. Em São Paulo, localizada uma bomba no Teatro da Universidade Católica-Tuca, horas antes da realização de um ato público.
12 – Bomba fere a estudante Rosane Mendes e mais dez estudantes na cantina do Colégio Social da Bahia, em Salvador. 27 – No Rio, explode bomba-carta enviada ao jornal Tribuna da Luta Operária. Outra bomba-carta é enviada à sede da OAB, no Rio, e na explosão morre a secretária da ordem, Dona Lyda Monteiro. Ainda nesta data explode outra bomba, esta na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Outra é desarmada na Sunab, no mesmo prédio da ABI. SETEMBRO 4 – Desarmada bomba no Largo da Lapa, no Rio. 8 – Explode bomba-relógio na garagem do prédio do Banco do Estado do Rio Grande do Sul em Viamão, no interior do Estado. 12 – Duas bombas em São Paulo: uma fere duas pessoas em um bar em Pinheiros e a outra danifica automóveis no pátio da 2ª Cia. de Policiamento de Trânsito no Tucuruvi. 14 – Bomba explode no prédio da Receita Federal em Niterói. NOVEMBRO 14 – Três bombas explodem em dois supermercados do Rio. 18 – Bomba explode e danifica a Livraria Jinkings em Belém, Pará. DEZEMBRO 8 – O carro do filho do deputado Jinkings é destruído por uma bomba
incendiária em Belém.
1981 JANEIRO 5 – Outro atentado a bomba em supermercado do Rio. 7 – Na Cidade Universitária, no Rio, uma bomba explode em ônibus a serviço da Petrobrás. 16 – Bomba danifica relógio público instalado no Humaitá, no Rio. FEVEREIRO 2 – É encontrada, antes de explodir, bomba colocada no aeroporto de Brasília. MARÇO 26 – Atentado às oficinas do jornal Tribuna da Imprensa, no Rio. 31 – Bomba explode no posto do INPS, em Niterói. ABRIL 2 – Atentado a bomba na residência do Deputado federal Marcelo Cerqueira, no Rio. 3 – É parcialmente destruída com a explosão de uma bomba a Gráfica Americana, no Rio. 28 – O grupo Falange Pátria Nova destrói, com bombas, bancas de jornais de Belém. 30 – Ocorre o mais rumoroso atentado, no Pavilhão do Riocentro, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, durante show com artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Milton Nascimento, Elba Ramalho e Gonzaguinha, em homenagem ao Dia do Trabalhador.
ror ’, presidida pelo Senador Mendes Canale e tendo como relator Franco Montoro, mais tarde Governador de São Paulo. Este me telefonou no dia seguinte ao ataque, combinou que viria conversar comigo. Como o jornal, naquele momento, não existia mais, nos encontramos no gabinete do Barbosa Lima Sobrinho, a grande figura que presidia a ABI naquela época.” Hélio descreve a cena da qual foi personagem central e na qual, bem a seu estilo, falou durante seis horas seguidas, sem beber um gole de água. “Fui interrompido apenas por perguntas, que não deixei sem resposta. Citei nomes, revelei que tudo havia sido planejado, preparado e executado pelo SNI, que com isso tentava tornar sem efeito o que agora ministros do Supremo Tribunal Federal, equivocadamente, seguem a rotina, chamando de anistia ampla, geral e irrestrita. Disse textualmente: ‘Esse é o golpe do SNI, para prorrogar a ditadura!’. E nada melhor para isso do que destruir o jornal que se jogou inteiro na resistência a ela. Gostaria de fornecer esse depoimento histórico aos ministros do STF, que se negaram a indenizar o jornal pelos prejuízos decorrentes deste atentado. Infelizmente, não é possível. Não demorou muito e o depoimento desapareceu dos anais do Senado.” Na mesma tarde em que ocorreu o atentado contra a OAB, no dia 27 de agosto de 1980, foi desativada uma carta-bomba deixada no 8º andar do prédio da ABI, onde funcionava uma reparição do Governo, a Superintendência Nacional de Abastecimento-Sunab. O artefato, dessa vez, era dirigido ao Superintendente do órgão, General Glauco de Carvalho, mas por sorte não foi detonado. Sua secretária, que recebeu a encomenda, precavida com o que havia ocorrido instantes antes na OAB, desconfiou e não abriu o pacote que acompanhava o documento, evitando que o mecanismo de ativação fosse acionado. Ainda nesta data, explodiram outras duas bombas, no jornal Tribuna da Luta Operária e no prédio da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, esta última ferindo seis pessoas, uma com gravidade: um assessor do Vereador Antônio Carlos de Carvalho, um dos mais atuantes adversários da ditadura. No primeiro ataque ao prédio da ABI, ocorrido na manhã de 19 de agosto de 1976, houve diversos danos. “Colocada no banheiro masculino do sétimo andar, no mesmo lado onde ainda hoje funcionam a Diretoria e o Conselho da Associação, a bomba destruiu boa parte desse pavimento, mas não todo ele. A explosão não chegou até o lado oposto, isto é, à Secretaria e à Tesouraria. Ambas passaram incólumes por toda aquela provação”, relatou recentemente o Presidente da ABI, Maurício Azêdo. “O que aconteceu na nossa sede não tem resposta. Quem deve respostas são as autoridades de segurança”, protestou na época o então Presidente da Casa, Prudente de Moraes, neto. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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DEPOIMENTO
DIVULGAÇÃO
Com seu talento multimídia – trabalhou em jornal, rádio, televisão e, agora, internet –, ele criou um veículo que é um arraso em audiência.
Sidney Rezende começou no jornalismo em 1985 na Rádio Roquette-Pinto. Ao longo dos 24 anos de carreira trabalhou em jornais, emissoras de rádio e de tv e, mais recentemente, na internet, com o portal de notícias SRZD, que em três anos de atividade atingiu a marca de 1 milhão de usuários na rede. A consagrada trajetória multimídia é marcada pela competência, ética, responsabilidade social e pelo espírito empreendedor, revelado já no início da profissão em projetos e iniciativas inéditas que contribuíram para a renovação do modelo noticioso no rádio e na TV. POR BERNARDO COSTA
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JORNAL DA ABI – COMO UM JOVEM QUE SONHAVA COM A CARREIRA DE CINEASTA SE TORNOU JORNALISTA?
Sidney Rezende – Acho muito bonito quando a pessoa tem em mente a sua vocação desde a infância. Isto não aconteceu comigo, mas eu percebia que tinha aptidão para a comunicação. Quando eu estava no primário, a professora de Geografia pediu para os alunos apresentarem a matéria escolar em formato de telejornal. No final da minha apresentação, ela falou que eu tinha talento para ser um jornalista. Mais tarde vi que a professora tinha acertado o prognóstico. No período da ditadura militar, eu tinha a preocupação de não ter vínculos com a chamada burguesia. Para mim, naquela época, estudar em uma universidade representava uma atitude burguesa. Decidi, então, não fazer faculdade. Optei por um curso introdutório de Filosofia, na Universidade Santa Úrsula, onde conheci a freira Maria Edna Brito, da Igreja Progressista. Ela me convenceu a ingressar na universidade, argumentando que eu era jovem e que um curso superior poderia abrir as portas para mim. Entrei para a Faculdade de Comunicação Social da PUC-RJ, mas como lá não havia curso de Cinema tive que optar entre Publicidade e Jornalismo. Para alguém que não queria cursar uma faculdade porque julgava ser coisa de burguês, estudar Publicidade seria ideologicamente inaceitável. Então, fui para o Jornalismo meio que empurrado, conduzido por uma mão invisível. JORNAL DA ABI – COMO FOI O INÍCIO DA RÁDIO ROQUETTE-PINTO? Sidney – Me formei em Jornalismo em 1983 e comecei a trabalhar no final de 1985. A Roquette foi uma escola para mim, pois a equipe, chefiada por Regina Boldstein, era formada por jornalistas experientes oriundos da Rádio JB, com os quais aprendi muito. Eu não tinha estagiado antes, não tinha experiência alguma. O começo foi muito difícil, mas eu apresentava uma vantagem: estava sempre bem informado, eu lia sobre tudo, especialmente sobre os fatos relacionados à política. Além disso, eu conseguia reconhecer facilmente as pessoas, o que foi muito útil na cobertura do calvário do Presidente Tancredo Neves. Quando as personalidades chegavam ao hospital para visitá-lo, eu as identificava imediatamente, ao contrário de alguns colegas. Severo Gomes, empresário eleito senador pelo Estado de São Paulo, muitas vezes passava incólume durante as visitas a Tancredo Neves. Eu me aproximava dele e fazia perguntas. Obtive muita informação de bastidor, que eu usava na Rádio. Com isso, fui levando informações para o ouvinte, um diferencial do meu trabalho.
CARREIRA NA
JORNAL DA ABI – O QUE REPRESENTOU A COBERTURA DO ESTADO DE SAÚDE DE TAN-
NEVES EM SUA CARREIRA? Sidney – Foi a mais importante co-
CREDO
bertura do início da minha trajetória. Ao longo dos 17 dias em que permaneci no Instituto do Coração, em São Paulo, onde Tancredo estava hospitalizado, tive a oportunidade de observar o trabalho dos repórteres mais experientes do Brasil e do exterior, que atuavam em diversos meios de comunicação. Nessa época eu não sabia fazer nada. Tanto é que me foi dado o horário da madrugada, de pouca visibilidade e audiência. Por coincidência, no dia em que Antônio Brito, então porta-voz da Presidência da República, comunicou oficialmente a morte de Tancredo Neves, fui eu quem deu a notícia na Roquette-Pinto, uma emissora pequena, mas que com essa cobertura subiu da 25ª para a 5ª posição em audiência. JORNAL DA ABI – O AMADURECIMENTO PROFISSIONAL FOI CONQUISTADO NA RÁDIO JB?
Sidney – Em função do programa Encontros com a Imprensa, nessa emissora, eu vivia no centro dos acontecimentos. Diariamente, às 13h, entrevistávamos grandes personalidades brasileiras, como o Presidente da República, líderes políticos, o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, o Presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, escritores e intelectuais importantes como Fernando Sabino, Adélia Prado, Austregésilo de Athayde. Amadureci muito em função do contato com essas pessoas. Foi um momento fantástico. Pude conversar, por exemplo, com Luís Carlos Prestes sobre assuntos delicados, como a relação dele com a Olga Benário e o Governo Getúlio Vargas. Fizemos um programa cujo tema da discussão era a tortura. Entrevistamos um médico acusado de ser torturador, ao lado de Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais. Foi um clima emocionante e pesado, já que Cecília o reconheceu como sendo seu torturador no estúdio da emissora. Ao mesmo tempo, foi uma situação bastante esclarecedora, especialmente naquele período em que o País precisava passar a limpo a repressão militar para seguir em frente. Diversos personagens que marcaram a História do Brasil foram entrevistados no programa, como Barbosa Lima Sobrinho, que foi Presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Tive a chance de conversar com cada um deles, ouvir seus relatos. Uma experiência engrandecedora, que estabeleceu a base para o meu prestígio profissional. JORNAL DA ABI – EM 1991, ESTA EXPERIÊNCIA FOI TRANSFORMADA EM LIVRO.
Sidney – Sim. A produtora do programa, Clarice Abdalla, que morreu recentemente – lembro como se fosse hoje sua dedicação –, reuniu os grandes momentos do programa na publicação As Entrevistas do Encontro com a Imprensa. Nós dois, com o auxílio de outras pessoas da equipe, decupamos todo o material, que é referência histórica do período entre a pós-ditadura e a abertura política.
JORNAL DA ABI – E VOCÊ ESTAVA SÓ INICIANDO A CARREIRA.
Sidney – Com certeza. Quando saí da Roquette-Pinto, dois amigos lutaram muito para que eu fosse para a Rádio JB, o Augusto Fonseca, que hoje se dedica ao marketing político, e o Marcos Gomes, que atualmente está na Rádio Nacional. Eles achavam que, apesar de eu estar no início, de certa forma tinha conseguido me destacar na Roquette Pinto, especialmente pela vontade e a disposição para trabalhar. Eu tinha muito entusiasmo em relação à minha profissão. Isso fez a diferença. JORNAL DA ABI – ALÉM DO ENTUSIASMO E DA DISPOSIÇÃO, VOCÊ SE DESTACOU TAMBÉM PELO PERFIL EMPREENDEDOR. QUANDO SURGIU A IDÉIA DE IMPLANTAR O CHAMADO SISTEMA ALL NEWS NO RÁDIO BRASILEIRO?
Sidney – Em 1989, eu propus ao Carlos Drummond que era o chefe de Redação da Rádio JB, a ampliação do conteúdo informativo na programação da emissora. Ele se esforçou para implantar o projeto, mas não conseguiu sensibilizar o diretor e os donos da empresa. Nessa época a emissora se destacava pelo prestígio e credibilidade, mas a programação jornalística ocupava apenas horários definidos, com o Jornal do Brasil Informa (JBI), que apresentava os principais acontecimentos do dia em boletins com duração de 20 minutos a 30 minutos, e com algumas entradas esporádicas de repórteres e comentaristas, como a Sônia Carneiro. A minha idéia era uma Rádio JB-AM com muito mais informação. Achei que havia espaço para isso, mas minha proposta não foi aceita. Comecei a perceber que não estava me realizando ali. Não era o tipo de jornalismo que eu gostaria de fazer. Por outro lado, eu estava em uma posição confortável, apresentando o principal programa da emissora e recebendo um salário expressivo para a época. Tentei implantar o mesmo projeto na Rádio Alvorada-FM, que pertencia a um grupo de banqueiros de Minas Gerais, e tinha uma programa-
ção essencialmente musical. Mas lá também não compraram a minha ideia. Até que um dia, fiquei sabendo por um colega locutor que o dono da Rádio Panorama-FM, Wellington David, gostava muito do meu trabalho e achava que eu era um ótimo entrevistador. Fui até Nilópolis, na Baixada Fluminense, onde funcionava a emissora, e apresentei o projeto para ele, que ficou encantado e aceitou a minha proposta. Esta foi a primeira iniciativa no radiojornalismo brasileiro mais próxima do sistema all news. Foi também a primeira vez em que se incluiu o jornalismo na fm. Na época, o que se dizia, e fazia sentido, é que o som na frequência modulada, por ter qualidade superior, era ideal para a programação musical. Nós quebramos este paradigma. Levei comigo mais da metade da equipe de jornalistas da Rádio JB, como Patrícia Maurício, Nicolau Maranini, Marco Antônio Monteiro, e a própria Clarice Abdalla, que ficou um tempo conosco, além de um grande número de repórteres. Um mês após a estréia do programa Panorama Brasil, foi anunciado o Plano Collor que congelou o dinheiro de todo mundo e dificultou a captação de patrocinadores. Um dos nossos anunciantes não honrou o contrato, afetando drasticamente a folha de pagamento. Diante deste cenário, restounos começar do zero. Investimos o dinheiro do nosso Fundo de Garantia da Rádio JB para tocar o novo programa. Ficamos pouco mais de um ano no ar e foi um sucesso. JORNAL DA ABI – VOCÊ CONSIDERA O PANORAMA BRASIL SUA INICIATIVA MAIS OUSADA? Sidney – Posso citar dois momentos marcantes nesse sentido. Um foi este programa, já que nunca havia sido feito nada semelhante. Quando não se tem nenhum parâmetro o momento é fascinante e ao mesmo tempo assustador. Ninguém sabe o que vai acontecer. Hoje, mais amadurecidos, olhamos para trás e perguntamos o que nos motivou a tomar aquela iniciativa ousada e pioneira. O que atualmente é oferecido no programa Pânico, no rádio, ou no CQC, na televisão, nós já fazíamos em 1990. Entrevistamos Eduardo Dussek dentro do banheiro do teatro onde ele estava apresentando um show. Entrevistei Cássia Eller, a portas fechadas, dentro de um quarto de hotel. Foi realmente um sucesso, um fenômeno na fm. Nossa audiência era maior do que a das rádios JB e Globo fm. Importantes personalidades da política brasileira estiveram em Nilópolis para conceder entrevistas como Roberto Campos, César Maia e Garotinho. Lembro do Senador Nélson Carneiro, muito velhinho, subindo com dificuldade as escadas da emissora. Optamos pela linha editorial que mesclava informação e humor e o conceito A liberdade é a diferença slogan dado pelo Milton Temer. As grandes emissoras, muitas vezes comprometidas com interesses Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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DEPOIMENTO SIDNEY REZENDE
empresariais, tinham dificuldades para cobrir os assuntos com total liberdade. Nós não. Nosso único compromisso era com o público. Fazíamos uma cobertura divertida, interessante, moderna, atualizada, com profundidade e conteúdo. A editoria de Política era chefiada por Marco Antônio Monteiro; Economia, por Ricardo Bueno e Patrícia Maurício; Cultura, inicialmente com Waldir Leite e depois com Sidney Garambone. Entre os colunistas tivemos Hermeto Pascoal, Nélson Werneck Sodré, Jânio de Freitas, Maria Lúcia Dahl, Ricardo Noblat, entre outros. Foi mais ou menos o modelo adotado mais tarde pela CBN, mas sem o humor. JORNAL DA ABI – QUAL FOI O SEU PAPEL RÁDIO CBN? Sidney – Eu estava no Clube de Engenharia e, em função do sucesso na Panorama-FM, fui abordado por José Roberto Marinho, que era o Diretor do Sistema Globo de Rádio. Ele me convidou para fazer parte do grupo que estava começando a ser formado para uma nova rádio, que viria a ser a CBN. Eles não sabiam ainda qual seria o nome. A rádio que existia na época era a Eldorado. O primeiro contratado foi o Jorge Guilherme, responsável pelo jornalismo. Eu fui o segundo contratado e assumi o cargo de Editor-Executivo. Ao lado de Marco Antônio Monteiro e Ramiro Alves, criei a grade de programação do Jornal da CBN, que substituiu o Jornal Eldorado, e existe até hoje. Fui um dos fundadores e a primeira voz da Rádio CBN, que nasceu aqui, no Rio de Janeiro. Arildes Cardoso, que era locutor da Eldorado, ficou com medo de perder o emprego com a criação da nova rádio. Para garantir o lugar dele, tive a ideia de ter um locutor e um âncora, solução ainda hoje utilizada no Jornal da CBN. Mantive o emprego dos antigos funcionários, que se entusiasmaram e colaboraram muito com o novo projeto. Depois de um mês com a nova programação, ainda na Rádio Eldorado partimos para a inauguração da CBN. Heródoto Barbeiro era contra a mudança do nome da rádio em São Paulo, que se chamava Excelsior. Ele dizia, com razão, que aquele nome já estava sedimentado junto ao público. A pedido de Jorge Guilherme e de José Roberto Marinho, fui a São Paulo para tentar convencê-lo a mudar o nome e obtive sucesso. Então, a CBN começou no Rio e depois foi para São Paulo. Desta forma foi sendo montada em todo o Brasil e hoje é esta potência.
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Formado em 1983 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio, Sidney escolheu o curso de Comunicação porque não existia lá aquele que ele queria fazer: o de Cinema. Seu começo profissional, no final de 1985, foi na Rádio Roquette-Pinto, onde teve a sorte de ser foca de uma equipe experiente originária da Rádio JB, que liderava o radiojornalismo no Rio. Jovem, cheio de gás, não temia entrevistar monstros-sagrados, como Chico Anísio.
NA CRIAÇÃO DA
JORNAL DA ABI – DEPOIS ESTE MODELO DE JORNALISMO MIGROU PARA A TV. COMO SURGIU O CONVITE PARA INTEGRAR A EQUIPE DA GLOBO NEWS? Sidney – Cinco anos após a criação da CBN, a diretora de tv Alice Maria, que estava montando a equipe da Globo News, durante um almoço com Jorge Guilherme manifestou interesse em conhecer os âncoras que faziam parte daquele projeto bem sucedido da rádio. 36 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
Ela realizou testes comigo e com outros apresentadores e achou que o meu desempenho tinha sido superior ao que ela esperava. Fui contratado e permaneço lá apresentando uma edição do Conta corrente e o Em Cima da Hora. JORNAL DA ABI – CONTE UM POUCO SOBRE A SUA CARREIRA NA TV.
Sidney – Desde o inicio da profissão eu sempre tive dois ou três empregos. Enquanto eu estava na Roquette Pinto, e depois na Rádio JB, fui pauteiro na Rádio Mec, posteriormente, comentarista da Rádio Globo, apresentador do Jornal do Rio, da TV Bandeirantes, colaborador do programa Sem Censura. Atuei ainda em alguns programas na antiga TVE, hoje TV Brasil, como o Baleia Verde, com Fernando Barbosa Lima. Até o momento, de-
diquei 30% da minha carreira à televisão e 70% ao rádio. JORNAL DA ABI – FALE SOBRE A EXPERIÊNCIA DE TRABALHAR COM FERNANDO BAR-
LIMA EM UM PROGRAMA PIONEIRO. Sidney – Foi a primeira vez em que se produziu uma revista ecológica na televisão brasileira. O Fernando era um criador, um empreendedor. Ele tinha esta vocação. Eu lembro que o Cláudio Pereira, sócio dele na Intervídeo, disse para mim uma vez que o Fernando era um menino, uma criança, e que a cabeça dele, mesmo com os cabelos brancos, era a de um garoto, em relação à criatividade. O Cláudio tinha razão. Fernando Barbosa Lima criou diversos programas pioneiros. Com sua inventividade, era um diretor que possibilitava a abertura de espaços para entreBOSA
vistas inteligentes, para novos talentos. Fui um dos beneficiados, mas não era exatamente aquele profissional com quem ele contava mais. Fernando tinha muitas parcerias com o Roberto D’Ávila e o Osvaldo Sargentelli. Trabalhei um bom tempo com ele. Fizemos o programa Baleia Verde durante mais de um ano e alguns outros. Ele também me dava a oportunidade de apresentar a edição do programa Conexão França, no formato do bem sucedido Conexão Internacional, quando o Roberto D’Ávila precisava viajar. JORNAL DA ABI – QUAL FOI O OUTRO MOMENTO MARCANTE DE SUA CARREIRA APÓS O
PANORAMA BRASIL? Sidney – Foi a criação do portal SRZD há três anos. Um segundo momento de ousadia por se tratar de um portal de
notícias atuando em meio a outros vinculados a grandes veículos de comunicação. JORNAL DA ABI – FOI UM MOVIMENTO SEMELHANTE AO DE SUA SAÍDA DA RÁDIO JB
PANORAMA FM? Sidney – Com certeza a mesma idéia. Os grandes conglomerados de comunicação estão sempre no meu caminho e eu sempre, de alguma forma, identificado com grupos independentes. É uma saída para o mercado de comunicação no Brasil a existência de produções independentes, experiências alternativas, até mesmo para alimentar os grandes conglomerados em termos de criatividade e novas propostas. Muita gente acredita que portais como o meu, ou programas como o Panorama Brasil rivalizam com os grandes grupos de comunicação, mas na verdade representam forças de renovação. PARA A
JORNAL DA ABI – COMO SURGIU O PROJETO DO PORTAL? Sidney – Eu já tinha trabalhado na Tribuna da Imprensa, no Jornal do Brasil, em rádio quase todo o tempo, e em televisão. Mas não tinha experiência com a internet. Meu filho, Francisco Rezende, que hoje dirigi a empresa, me estimulou a entrar nesta área. Minha primeira atitude neste sentido foi buscar a oportunidade dentro da Globo. Como não foi possível, pedi permissão, firmada em contrato, para criar meu próprio portal de notícias.
temos os estúdios, só falta adquirir alguns equipamentos. Estamos levantando o orçamento, mas é preciso ter cautela, já que a crise econômica afastou os patrocinadores tradicionais do mercado. Todo mundo está tendo um pouco mais de calma. As empresas internacionais consultam suas matrizes e elas pedem mais cautela. Estamos esperando o melhor momento. JORNAL DA ABI – A EDITORIA CARNAVASRZD OBTEVE GRANDE SUCESSO NA COBERTURA DO CARNAVAL. FALE SOBRE ESTA EXPERIÊNCIA. Sidney – Através do Carnavalesco temos a oportunidade de noticiar o Carnaval o ano inteiro. A equipe da editoria, chefiada pelo jornalista Alberto João, é formada por pessoas verdadeiramente apaixonadas pelo carnaval, daí o sucesso. No dia da apuração do resultado dos desfiles tivemos dificuldades pois dois servidores exclusivos ficaram congestionados, tornando o acesso lento. A apuração do Grupo Especial foi perfeita, mas na do Grupo de Acesso, percebemos o site mais lento, em função da grande quantidade de pessoas que recorreram ao Carnavalesco para obter informações. Isto já foi corrigido. Agora temos um servidor maior e no ano que vem vamos disponibilizar mais espaço para que o problema não se repita. LESCO DO PORTAL
JORNAL DA ABI – NA SUA OPINIÃO, O JORNALISMO NA INTERNET ESTÁ ESTRUTURADO E PODE SER UM BOM CAMINHO PARA A
JORNAL DA ABI – E QUANTO AO SEU BLOG? Sidney – Nós optamos por fazer o site primeiro e depois o blog, como complemento. Não só o meu, mas também os dos demais blogueiros que participam do nosso portal. O site e os blogs formam o portal SRZD. Desde o início recebemos o retorno do público. Inicialmente contabilizamos cerca de 2.600 acessos mensais. Hoje, alcançamos a marca de um milhão. Um salto exponencial em três anos. É fascinante, pois o público é heterogêneo, inclusive ideologicamente. E eu gosto que seja assim. O pluralismo sempre permeou o meu trabalho. Não me sinto bem em atuar em um veículo no qual eu não possa exprimir opinião, dizer o que penso. É muito ruim ser pressionado pelos patrões, pela publicidade, por dificuldades operacionais. Acredito que a minha liberdade é proporcional à liberdade do público e vice-versa.
IMPRENSA?
Sidney – A internet é fantástica justamente por estar se estruturando. É uma obra aberta que está sendo construída. Pode ser uma enciclopédia para a qual todo mundo colabora, ou um produto que não deu certo e alguém transformou em algo extraordinário, ou um espaço aberto para idéias antigas com novas roupagens. Não tenho a menor dúvida de que a internet é o caminho. Eu, que amo os livros, compreendo as dificuldades das novas gerações para desenvolver o hábito da leitura. Mas vale lembrar que eles estão lendo na rede. Aí podem citar as deficiências no aprendizado da gramática. Sim, mas é importante destacar que hoje há mais acesso à informação a partir dos sites e portais. Quanto mais incontrolável e desestruturada for a internet, melhor será para a liberdade de criação do homem, dos jornalistas.
JORNAL DA ABI – O PORTAL SRZD AL-
JORNAL DA ABI – VOCÊ JÁ TRABALHOU EM
CANÇOU A MARCA DE UM MILHÃO DE USU-
JORNAL, RÁDIO, TV E INTERNET. EM QUE TIPO
ÁRIOS, UMA META SUA. QUAIS SÃO OS PRÓ-
DE VEÍCULO VOCÊ SE SENTE MAIS À VONTADE?
XIMOS PROJETOS?
Sidney – Até eu ser demitido da CBN, nunca tinha deixado de trabalhar no rádio. São 25 anos dedicados ao veículo, trabalhando paralelamente em outros lugares. Eu tenho uma grande identificação com o rádio.
Sidney – A nossa meta agora é, nos próximos 12 meses, permanecer neste patamar. Nos esforçamos muito para subir até um certo platô da montanha. Agora, vamos parar um pouquinho, respirar, trabalhar, melhorar o produto, para ganhar fôlego de novo e continuar crescendo. Temos a intenção de em algum momento criar uma webrádio. Já
JORNAL DA ABI – VOCÊ RETORNOU AO COMO SURGIU ESTA OPORTUNIDADE NA MPB FM?
RÁDIO RECENTEMENTE.
Segundo jornalista contratado pela Rádio CBN do Rio, depois de ter trabalhado na Tribuna da Imprensa e no JB, Sidney foi um pioneiro do chamado jornalismo multimídia.
Sidney – Por contrato, eu tenho impedimento de fazer ancoragem em qualquer emissora de rádio que não pertença às organizações Globo. Então, na MPB FM faço dois comentários, às 9h e às 18h. O portal SRZD vai produzir o conteúdo nos moldes de uma agência de notícias. A MPB FM segue uma programação cultural com a qual eu me identifico muito. Uma bela oportunidade para aproximar a internet do rádio. Alimentamos com notícias os boletins informativos que vão ao ar às 7h e às 18h, o MPB Notícia, e, no meio da tarde, o MPB Finanças. Atendemos também o rush, quem está indo para o trabalho e quem está voltando. Com o tempo, sentindo a receptividade do público, pensaremos em novas idéias. JORNAL DA ABI – EM 1993, VOCÊ RETORNOU À PUC PARA DAR AULAS DE JORNALISMO.
QUE ENSINAMENTOS VOCÊ PRIORI-
ZOU PARA TRANSMITIR AOS ALUNOS?
Sidney – Comparo a profissão de jornalista à de garçom. Levamos a informação da cozinha para a mesa. Não somos o chefe de cozinha que preparou a refeição, nem o dono do restaurante. Somos apenas aquele indivíduo que oferece ao público a informação que ajudará as pessoas a tomarem as suas decisões. É muito importante que o jornalista tenha consciência deste papel. A leitura é essencial para a profissão. Millôr Fernandes costuma dizer que jornalista tem de ler até bula de remédio. Concordo. Quanto mais informação o profissional reunir, mais qualificada e correta será a cobertura dos fatos. Não creio que existam apenas duas versões de um acontecimento. Tampouco acredito na neutralidade. Acredito, sim, na isenção e na multiplicidade de leituras de um determinado fato. O nosso dever, como jornalistas, é fazer uma profunda apuração. Quanto melhor a apuração, melhor a reportagem. É preciso ter paciência para apurar, humildade para entender a profissão e consciência de que o objetivo é informar o maior número de pessoas possível, principalmente aque-
las que pertencem às classes sociais menos favorecidas. É para elas que devemos atuar como fiscais do poder. Este é o nosso dever. JORNAL DA ABI – POR QUE VOCÊ DECIDIU ESCREVER UM LIVRO ABORDANDO O TEMA SUCESSO?
Sidney – Antes de escrever o livro Deve ser bom ser você, eu tinha uma dúvida: como dois irmãos, às vezes gêmeos, educados no mesmo universo, na mesma escola, acabam traçando caminhos opostos? Um consegue prosperar, enquanto o outro fracassa. Ao escrever o livro, entendi que fama não é sinônimo de sucesso, e que quando se trabalha com metas o sucesso chega mais rápido, especialmente nos planos de curto prazo. Quem opta por objetivos muito ambiciosos, pode levar a vida inteira para alcançá-los. O indivíduo que percorre metas de curto prazo, ganha motivação a cada conquista. Aprendi também que dinheiro não é indicador de sucesso e que só a felicidade nos leva ao estado de consagração. JORNAL DA ABI – VOCÊ SE CONSIDERA UM PROFISSIONAL BEM SUCEDIDO?
Sidney – Não me sinto realizado. Eu confesso que sinto orgulho da minha origem em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Sou o caçula de uma família de cinco filhos, e minha mãe enfrentou todas as adversidades para me criar. O meu início na profissão foi marcado por muito esforço, trabalho, noites mal dormidas, plantões e outros problemas. Posso dizer que sou bem sucedido ao observar de onde eu vim e estou agora. Ao longo da minha carreira, sempre acompanhei as experiências de outros colegas, as coisas que eu gostaria de ter feito, mas não sei se teria a mesma capacidade. Isto em relação a um texto bem feito, uma matéria bem acabada, um equilíbrio harmonioso entre imagem e texto, uma coluna que traz uma nota que eu poderia ter apurado e não apurei. Enfim, todos os dias encontramos a guém que fez algo melhor do que nós. Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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DIVULGAÇÃO
CELEBRAÇÕES
Este 2010 está sendo generoso com o poeta, que conquistou o Prêmio Camões, brilhou na Feira Literária Internacional de Parati-Flip, lançou um livro de poemas após dez anos de abstinência e fez 80 anos saudável e admirado.
O ano da graça de
Gullar POR JOSÉ REINALDO MARQUES
A parte mais efêmera de mim É essa consciência de que existo É todo existir consiste nisto É estranho!. Esse é um dos versos de Perplexidade, um dos poemas inéditos do livro Em alguma parte alguma (Editora José Olympio), de Ferreira Gullar, que no dia 10 deste setembro está completando 80 anos de idade. O livro acaba se tornando um presente duplo: para o autor, pela criação de mais uma obra; para os admiradores da sua poesia, pela oportunidade de matar as saudades de seus poemas reunidos em uma única publicação, pois o último lançamento aconteceu há dez anos, com Muitas vozes. Dividido em quatro partes, o livro reúne 59 poemas inéditos, compostos 38 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
nos últimos dez anos, nos quais o autor aborda diversos temas, entre os quais arte, universo e exílio. Todas as características dos versos do poeta, que segundo ele nascem do “espanto, do inesperado, como sentir o cheiro de um jasmim ou esbarrar em um móvel”, são analisadas na obra por Antônio Carlos Secchin e Alfredo Bosi, em dois textos críticos. “Com 61 anos de ofício, a poesia de Ferreira Gullar torna-se cada vez mais nova. Neste arrebatador Em alguma parte alguma pulsa a urgência da vida, por meio de um olhar que se lança tanto microscopicamente à textura espessa das frutas condenadas ao apodrecimento, quanto telescopicamente à solidão esquiva e silenciosa do cosmo”, diz Antônio Carlos Secchin, poeta,
professor, membro da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores especialistas da obra de Gullar. Um ano fecundo O ano de 2010 tem sido especial para o poeta Ferreira Gullar, pois celebra o seu octagésimo aniversário esbanjando a mesma fecundidade poética que o elegeu um dos maiores do gênero no Brasil. Em junho, conquistou o 22º Prêmio Camões, o principal da língua portuguesa, pelo reconhecimento alcançado pelo conjunto da sua obra. Em agosto, foi festejado com uma mesa especial de debates na Festa Literária Internacional de ParatyFlip, em Paraty. Poeta, jornalista, teatrólogo, pintor e crítico literário, Ferreira Gullar nas-
ceu em São Luís, no Maranhão, em 10 de setembro de 1930. Seu primeiro poema publicado foi O trabalho, impresso no jornal O Combate, em 1948. No mesmo ano, estreou como locutor da Rádio Timbira e colaborador do Diário de São Luís. Em seguida, contando com recursos próprios e o apoio do Centro Cultural Gonçalves Dias, publica Um pouco acima do chão, seu primeiro livro de poesia. Em 1951, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde desde então desenvolveu o seu brilhante dom artístico e literário e se tornou amigo de Mário Pedrosa, Oswald de Andrade, Décio Pagnatari, Augusto e Haroldo de Campos. Ainda nos anos 50, trabalhou nas revistas O Cruzeiro e Manchete, no Diário Carioca e teve também uma parti-
cipação no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. A partir dos anos 60, Ferreira Gullar passa do texto poético considerado experimentalista para uma poesia mais engajada de vanguarda. Isso aconteceu depois da sua passagem pelo Distrito Federal como Diretor da Fundação Cultural de Brasília, nomeado pelo Presidente Jânio Quadros. Lá criou o projeto do Museu de Arte Popular. Em 1962, o poeta ingressou no jornal O Estado de S.Paulo, onde trabalhou por 30 anos. No mesmo ano filiou-se ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes-CPC. Nessa época publicou João Boa-Morte, Cabra Marcado Para Morrer e Quem Matou Aparecida, cujos textos são pistas do seu engajamento político ideológico.
O engajamento social em um tempo de nebulosidade política no País lhe impôs um período no exílio (1971 a 1977), passado na antiga União Soviética, Peru, Argentina e Chile, onde acompanhou a derrubada de Salvador Allende (Chile, 1973) e, disse, ter-se dado conta de que a esquerda acabou cometendo um equívoco: Eu aprendi na minha luta política, no preço que paguei no exílio, a ter uma visão diferente do marxismo que não tenho medo de expressar. Eu vi a extrema esquerda e o Partido Socialista de Allende trabalharem a favor do golpe, pensando que estavam sendo mais de esquerda do que todo mundo. Na verdade, colaboraram com a CIA para derrubar Allende. O marxismo tem uma visão política generosa, mas equivocada “, afirmou Gullar em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Gullar diz que não se arrepende de todas as lutas sociais e políticas que apoiou. Costuma dizer que as frustrações e as tristezas ele supera com a poesia. Seus escritos são como um combustível para o recomeço. Esse comportamento está refletido no poema
Prêmio Príncipe Claus, da Holanda, dado a artistas, escritores e instituições culturais de fora da Europa que tenham contribuído para mudar a sociedade, a arte ou a visão cultural de seu país. Em 1964, filiado ao Partido Comunista Brasileiro-PCB, foi uma das vozes que protestaram contra a ditadura militar e que defenderam o socialismo como a única alternativa digna para “o capitalismo selvagem que oprimia a classe operária”. Foi um período de grande efervescência da criação artística de Ferreira Gullar, que tinha como parceiros Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Teresa Aragão, entre outros, com os quais fundou o Grupo Opinião.
Engajado, sempre Uma das principais características da trajetória de Ferreira Gullar é o seu senso crítico que faz dele, para além do ambiente literário, um dos maiores pensadores do País. Entre suas obras mais importantes estão Poema sujo (1976), Argumentação contra a morte da arte (1993) e Muitas vozes (1999). Duas vezes indicado para o Prêmio Nobel de Literatura (2002 e 2004), Ferreira Gullar já foi agraciado com o Prêmio Jabuti e o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Biblioteca Nacional, ambos em 1999. Conquistou o Prêmio Multicultural 2000, do Estadão, e o
Toada à toa, que faz parte do livro recém-lançado: A vida, apenas se sonha Que é plena, bela ou o que for. Por mais que nela se ponha É o mesmo que nada por. Pois é certo que o vivido - na alegria ou desespero – Como o gás é consumido... Recomeçamos de zero. De bem com a vida e com os poemas que escreve, Ferreira Gullar diz que a poesia lhe traz felicidade e discorda daqueles que dizem que escrever poesia é um sofrimento: “Pode ser pra eles, para mim é uma alegria”, declarou à Folha, revelando que Poema Sujo, um dos mais importantes que escreveu, nasceu no exílio de um “transe, um barato que durou por cinco meses”: “Sentia-me impelido a escrever”. Com uma trajetória repleta de experiências inusitadas em vários campos de atuação (jornalismo, política e arte literária), Ferreira Gullar afirma que é um poeta que não dá bola para o sofrimento, que para ele não tem nenhum valor: “Não quero saber do sofrimento, quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Detesto o passado”.
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divulgação de sua obra motivaram o poeta a tomar uma atitude corajosa: deixar o exílio por conta própria e voltar ao Brasil mesmo sendo proscrito, desafiando a ditadura de peito aberto. E avisando a todos, de antemão, que estava voltando. A ousadia deu certo, com o retorno do poeta sendo tolerado pelos militares:
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medo de “desaparecer”, junto a tantos outros “desaparecidos” vítimas das várias ditaduras militares instaladas na América do Sul. Um temor que o motivou a escrever aquela que deveria ser uma espécie de “obra resumo” de sua vida, caso ele de fato sumisse pelos porões da truculência daquele momento. Gullar tinha medo de morrer sem deixar um legado, e Poema Sujo deveria ser, por assim dizer, seu “testamento literário”. Assim, entre maio e outubro de 1975 Gullar dedicou-se a escrever seu longo poema, que desembarcou no Brasil no mesmo ano, gravado em uma fita cassete trazida pelo poeta Vinícius de Moraes. Naqueles anos de chumbo, seria muito arriscado passar pela alfândega brasileira com um texto de autoria do poeta exilado, e gravá-lo em fita pareceu ser uma boa idéia. E de fato foi: a gravação passou despercebida pelas autoridades, e em pouco tempo, já transcritos, os versos de Gullar começaram a correr pelo País como um manifesto pela liberdade. A força dos seus versos e a
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O dvd Poema Sujo, produzido e distribuído por iniciativa do Instituto Moreira Sales, é o cinema documental em seu estado mais bruto. Praticamente não há edição, com todas as hesitações normais de uma produção – tanto diante como por trás da câmera – captadas da maneira mais fluida possível, assumindo erros e ruídos com total naturalidade. Tudo para registrar, sem retoques, o poeta Ferreira Gullar lendo aquela que é uma de suas obras mais significativas: Poema Sujo, de 1975, verdadeiro clássico da nossa literatura recente. Cabe aqui uma explicação histórica: forçado ao exílio pela ditadura militar, Gullar morava na época em Buenos Aires, onde tinha
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POR CELSO SABADIN
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Criação de Gullar chega ao mercado com imagens do poeta e sua voz.
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“Poema Sujo” passado a limpo em dvd a repercussão de seu Poema Sujo lhe serviria de escudo. Em 2005, comemorando os 30 anos desta história com final feliz, o poeta Fernando Franceschi, então Diretor do Instituto Moreira Sales, teve a idéia de registrar em vídeo a íntegra do poema, gravado pelo próprio Ferreira Gullar. Agora em 2010, esta gravação chega ao mercado no formato dvd. Mercadologicamente, serve também como parte das comemorações pelos 80 anos de Gullar, completados no dia 10 deste mês de setembro. Por mais despojado que seja o trabalho, as filmagens foram coordenadas por profissionais de grande talento: o documentarista João Moreira Sales e o Diretor de Fotografia Walter Carvalho, um dos melhores do País, o mesmo de Central do Brasil. Não bastasse o registro histórico das imagens do dvd, a edição ainda traz um caprichado encarte com reproduções de textos de Paulo Mendes Campos e Vinícius de Moraes, publicados respectivamente no Jornal do Brasil e na revista Manchete em 1976.
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DESIGN RODRIGO HAMAM
A perfeição gráfica do acaso, segundo Rico Lins “A comunicação não é mera informação, é uma via de mão dupla, que provoca e convida à interação”, diz esse artista gráfico, um dos mais premiados do País, que ganha retrospectiva de sua fecunda carreira. POR PAULO CHICO “A obra gráfica de Rico Lins demonstra como são imprecisos os limites entre a arte e o design. Mais ainda: arte e vida”. A frase é de Agnaldo Farias, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e curador da exposição Rico Lins: Uma Gráfica de Fronteira, em cartaz na Galeria da Caixa Cultural, em Curitiba/PR, até 24 de outubro, com mais de 100 obras. Não por acaso a mesma definição foi escolhida para dar início a esta matéria, que se ocupa de traçar o perfil deste artista de 54 anos, carioca radicado em São Paulo, respeitado no mundo e forma40 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
do pela Escola Superior de Desenho Industrial-Esdi-Rio, em 1976. Designer, diretor de arte, ilustrador e educador, Rico Lins desenvolveu premiada carreira junto a instituições e empresas de destaque, no Brasil e no exterior. Um talento que amplia as fronteiras das artes plásticas, englobando outras manifestações artísticas, como música, dança, arquitetura, fotografia, moda e poesia. Ao mixar, em definitivo, as formas de expressão acadêmica às populares, criou novas possibilidades para cartazes de teatro e cinema, capas de revistas, livros e discos, ilustrações, comunicação visual de museus e projetos gráficos, inclusive para programas de televisão. Na ten-
tativa de compreender os fundamentos de um talento tão apurado quanto diversificado, entra em cena o próprio Rico Lins. “Acho saudável quando as artes plásticas banham a linearidade da metodologia projetual com a ambigüidade, o erro, o acaso. Considero isto uma presença indissociável do meu trabalho. Aliás, acho que isto é o que o torna interessante. A criação deve sempre primar pela liberdade, em qualquer atividade”, define Rico Lins, que costuma repetir em entrevistas que “o perfeito é péssimo”. Menos que eficiente frase de efeito, a máxima ajuda a entender a trajetória e o estilo de Rico. Quando retornou
ao Brasil em 1994, depois de 15 anos de estudo e trabalho na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, ainda prevalecia por aqui a pregação da perfeição não somente como meta, mas como regra geral a ser obedecida. O valor residia no rigor, na precisão, na limpeza, na funcionalidade e em outros princípios quase sempre assépticos. “Acredito que, apesar de estarmos cada vez mais submersos em um universo de imagens descartáveis, uma imagem ainda vale mais do que mil palavras. Sou uma espécie de intérprete ocular da História e me identifico muito com a vanguarda antropofágica brasileira, que se abastecia de tudo sem a menor culpa. Sou um profissional que mantém o compromisso criativo com a pluralidade de expressões e a diversidade que compõem a identidade cultural brasileira. E considero fundamental ampliar o repertório e contribuir para a educação visual do público”, diz. A variedade de formatos nos quais é possível admirar sua arte complementa essa linha de raciocínio, segundo a qual o artista tudo pode, tudo quer. “O que mais me atrai nos projetos é a abordagem criativa de um tema na busca de uma solução de comunicação. E comunicação não é mera informação, é uma via de mão dupla, que provoca e convida à interação. O que torna os projetos mais ou menos interessantes é a possibilidade de explorar este diálogo. É difícil dizer qual me atrai mais – entre cartazes, capas de livros e ilustrações, por exemplo. Pois cada um deles tem características específicas e todos podem, em princípio, ser explorados criativamente.” A arte no jornalismo, uma necessidade É natural que aqui, no Jornal da ABI, sua produção para jornais e revistas mereça um capítulo à parte. “Não acho apenas que existe espaço para a arte no jornalismo. Acredito, mesmo, que há necessidade dela. Por não me apoiar em um estilo, mas buscar a solução gráfica que melhor se encaixe a cada tema, sempre consegui experimentar graficamente de um modo híbrido. Como capista, isso permitia não apenas garantir a variedade das capas, mas trafegar da colagem à fotografia, à ilustração, de forma analógica ou digital, com muita autonomia. Sob este aspecto, a revista acadêmica alemã KulturRevolution, a Bravo e a Time eram tratadas da mesma forma, independentemente do público e dos mercados nas quais atuam”, conta ele, que segue em seu relato. “A Newsweek, por exemplo, é a segunda maior revista semanal de informação dos Estados Unidos e circula mundialmente em quatro edições: América do Norte, América Latina, Europa e Ásia. As características de produção de uma publicação desse porte exigem logística sofisticada e a produção simultânea de material editorial exclusivo para os quatro merca-
Acima, colagem publicada na capa do caderno Arts&Leisure do The New York Times combina ícones da cultura pop, e dois cartazes que participaram de eventos gráficos: um alusivo à Declaração dos Direiros Humanos e outro comemorativo do centenário de Bertolt Brecht. Abaixo, três capas de revistas: a Big Brasil, de 1999; a Business Week, e a Newsweek.
dos. Esse contexto exige a criação semanal de várias opções de capa para as diferentes edições, cujos prazos de fechamento devem ser rigorosamente obedecidos: os temas das capas são definidos na tarde de terça, para serem criadas, aprovadas, editadas e impressas até a madrugada de sábado, para circulação mundial no fim de semana. Assim, podem vir a ser solicitadas mais de 20 diferentes capas por semana. Eu atuava como ilustrador, designer ou diretor de arte para matérias ou capas”, completou. Rico Lins cultivou relação estreita com grandes jornais diários, como o The New York Times, The Boston Globe,
The Washington Post, além de revistas semanais. Também trabalhou esporadicamente para publicações como Rolling Stone e New Yorker. “Grande parte destas publicações mantém uma equipe composta por duplas de Editor e Diretor de Arte para cada uma de suas seções editoriais. Mas, mesmo assim, muitos trabalhos eram resolvidos sob a pressão das atualidades semanais. Algumas vezes, a solução gráfica era encontrada durante um telefonema do Diretor de Arte, na hora do fechamento da edição. Fui agenciado pela PushPin Studio por vários anos, o que contribuiu para que eu colaborasse com publicações variadas em diversos pontos dos
Estados Unidos. Morei em Nova York do final de 1987 até minha volta ao Brasil, em 1994.” Outro período importante da carreira de Rico foi registrado numa temporada na Europa que, na verdade, antecedeu sua ida para os Estados Unidos. “Cheguei na França em 1979, turbinado pela imprensa alternativa de oposição no Brasil e os desafios criativos impostos pela censura. A colaboração no Tendências e Cultura, do Opinião, e o experimentalismo de jornais como O Beijo, estimulavam o exercício com a ambigüidade da imagem para garantir a crítica e a reflexão. O papel da imagem na imprensa e as infindáveis dis-
cussões com jornalistas, intelectuais e artistas me deram musculatura para chegar na imprensa de oposição da França pré-Mitterand, com discurso e olhar crítico muito afiados”, recorda. Um Editor e Diretor de Arte em cada seção editorial Nessas discussões, o quanto havia de conflito entre designers e editores, isto é, entre forma e conteúdo? Como garantir harmonia e complementaridade entre esses dois aspectos? “Palavra e imagem articulam-se de formas diversas e o domínio do texto na grande imprensa coloca a imagem num papel supostamente secundário e decorativo,
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DESIGN A PERFEIÇÃO GRÁFICA DO ACASO, SEGUNDO RICO LINS
com alguma exceção para o fotojornalismo. Meus melhores trabalhos na imprensa foram feitos com jornalistas visualmente inteligentes e cultos, que aceitavam explorar as mensagens visuais de forma completa, autônoma e complementar, mesmo que tomando posições diferentes das do texto escrito”, revela. Na Europa, Rico trabalhou para um leque de publicações, que ia do Le Monde e Libération a jornais e revistas de diversos grupos de oposição da França e da Alemanha. “Só fui para os Estados Unidos após um período sabático que passei em Londres, onde morei entre o início de 1986 e o final de 1987. Lá fui aluno do Royal College of Art, o que me deu a possibilidade de experimentar novas mídias, técnicas e linguagens. Foram estes aprendizados brasileiro e
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europeu que levei para os Estados Unidos, um enorme mercado editorial marcado pela liberdade de opinião e pela produção industrial da cultura.” O interesse de Rico pelas imagens surgiu ainda na infância. “Este universo sempre me atraiu. Na adolescência, fui muito estimulado por meu tio, o jornalista Darwin Brandão, que tratou de me colocar em contato com a arte, a música, o cinema e os artistas. Nesta fase, eu respirava rock, mas minha guitarra não encontrava nem amplificador nem músico à altura... Assim, desde cedo mergulhei de cabeça nas imagens. Só não sei se foi por opção, ou justamente pela falta de opção em fazer algo que me atraísse mais”. Tendo recebido os mais importantes prêmios da área, e com trabalhos em exposição regular em grandes museus pelo mundo, Rico é consultor de design
e comunicação empresarial, coordena seu estúdio de criação, no bairro de Perdizes, em São Paulo, e desenvolve projetos para clientes como TV Globo, Rede Bandeirantes, GNT, SporTV, WEA, Banco do Brasil, Santista, Roche, Zoomp, Alliance Française, Goethe Institut e Fundação Roberto Marinho, entre outros. Além disso, promove cursos, palestras e oficinas no Brasil e no exterior. Uma avaliação da imprensa brasileira E qual a visão do artista sobre a imprensa brasileira? “Acho que há uma certa padronização definida não só pelas tecnologias de impressão gráfica, mas pelos meios de comunicação, apesar de isto não ser privilégio do Brasil. Isto se evidencia mais na grande im-
Acima, três capas da revista acadêmica KulturRevolution, criada e editada por professores da Universidade de Bochum, na Alemanha, se caracteriza pela liberdade gráfica. Rico Lins é colaborador da publicação desde sua fundação em 1982. Embaixo, cartaz do filme Labirinto de Paixões para o mercado norte-americano; e duas capas da revista Bravo!, onde Rico também colabora desde a primeira edição.
prensa, onde o investimento na tecnologia gráfica é infinitamente maior do que no design gráfico. E como não existe projeto gráfico novo sem projeto editorial novo, vemos que o design editorial mais interessante está nas publicações que valorizam e consideram o design como elemento que vai além da estética. O bom design é elemento fundamental para a imprensa e a linguagem jornalística.”
CENTENÁRIO
Noel Rosa, sempre moderno Avaliar a obra de Noel Rosa é mergulhar em outra dimensão, além, muito além da rotineira. Uma dimensão que possa explicar tão brilhante talento, expressão do mais absoluto sentimento da arte. E vinda de alguém que morreu com apenas 26 anos, deixando uma obra que paira no campo do mistério e do incompreensível, tamanha a sua extensão e profundidade psicológica, realizada em apenas seis anos de vida artística. Noel rompeu com as convenções poéticas e melódicas de seu tempo e ainda deu o tom para os acordes que viriam 30 anos depois com a Bossa Nova, sendo “bossa” um termo usado por ele para designar a irreverência do carioca. A genialidade de Noel não repousa apenas em suas letras e rimas riquíssimas, nas crônicas sobre o Rio e seus personagens, na aguda análise da sociedade brasileira, na crítica político/social e observação dos costumes, na forma anti-romântica de falar do amor. A genialidade de Noel também vem de sua musicalidade, pois ele foi um excepcional músico, que nos legou composições belíssimas e de harmonias avançadas para a década de 30. Neste ano em que se comemoram os 100 anos de seu nascimento, renovamos a convicção de que passados mais de 70 anos desde que ele nos deixou sua presença é mais forte do que nunca, mostrando, sem dúvida, que ele continua vivo e moderno entre nós. Como exemplificam alguns desses comentários sobre Noel: “Noel Rosa, na música popular brasileira, pode ser ou não ser o mais psicológico, o mais poético, o mais harmonioso, o mais romântico, o mais realista, o mais ritmado etc, indiscutivelmente, ele é apenas o maior compositor popular brasileiro.” (Paulo Mendes Campos, poeta, escritor e jornalista). “Noel é o marco fundamental da música brasileira. Letras de simplicidade ab-
No 2010 em que completaria 100 anos e 73 anos após sua morte, o poeta de Vila Isabel sobrevive como merecedor da definição de outro poeta (Paulo Mendes Campos): ele é apenas o maior compositor popular brasileiro.
soluta, fazendo uso da palavra com propriedade extraordinária. Humor excepcional, espontâneo, sem armação. Noel é a cultura popular autêntica”. (Millôr Fernandes, jornalista, escritor e teatrólogo). “Noel é o mais moderno dos compositores brasileiros.” (Aldir Blanc, compositor). “A obra de Noel Rosa é, sem dúvida, a mais surpreendente da música popular brasileira, pois nela não há altos e baixos, somente obras-primas.” ((Tim Rescala, compositor e maestro).
POR ARCÍRIO GOUVÊA NETO
Show Filosofia
Nessas homenagens aos 100 anos de Noel, uma peça se destaca: Filosofia de Poeta, de autoria de Nélson Laranjeira, ex-integrante da Banda Veludo e atualmente líder de uma banda de blues, a Original Band. Nelsinho (entre amigos) é um dos maiores admiradores de Noel: “Olha, não tenho palavras para exprimir o que sinto por ele. Noel é simplesmente fantástico, com tudo de fantástico que a palavra fantástico comporta. Não é porque tenho uma banda de blues que não adoro o samba, aliás, samba e blues tem muito a ver, nos seus componentes africanos, e a obra de Noel tem um pouco de tudo. Na minha peça, que espero ver encenada ainda este ano, conto o lado irreverente do Poeta da Vila e as músicas que refletem essa irreverência. O que torna o espetáculo uma explosão de bom-humor e alegria, que era a visão que Noel tinha da vida”, explica Nelsinho. Martinho: “Na Vila Noel é Deus”
Depois de escrever enredo e sambaenredo sobre Noel Rosa para a Unidos de Vila Isabel no Carnaval deste ano,
Martinho da Vila acaba de lançar o cd Poeta da Cidade, incluindo a obra nas homenagens prestadas pelo centenário de nascimento do compositor. Martinho canta Noel só com músicas de Noel, sem parceria, exceção feita a Filosofia, música que leva a assinatura também de André Filho. Se hoje é um especialista em assuntos noelinos, Martinho reconhece que não era no início de sua carreira: “Ouvia e gostava de Feitiço da Vila, mas só quando cheguei na Vila é que fui pes-
quisar, porque todo mundo falava de Noel. Lá, ele é Deus”, relembra Martinho, que prossegue: “O Deus da Vila teve uma morte prematura – aos 26 anos, de tuberculose –, mas o fato não impediu que sua obra fosse reconhecida. Se não tivesse morrido tão cedo, Noel seria um grande compositor de samba-enredo. Ele não pegou a Vila Isabel escola de samba. Em relação a Noel, sou um santo. Ele era o capeta (risos). Na juventude, deu muito trabalho para Dona Marta, sua mãe. Era Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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CENTENÁRIO NOEL ROSA, SEMPRE MODERNO
avesso à escola, abandonou a faculdade de medicina. Em poucos anos de vida foi mais boêmio do que eu na minha vida toda”, diverte-se Martinho. Entrevista concluída, ele vibra com a paixão por Noel Rosa. Entre goles de cerveja, explica à filha Mart’nália quão avançado era o compositor 80 anos atrás: “Ele tinha uma postura contra todos os preconceitos, sem falar e sem botar na música. Foi o primeiro a tratar do preconceito contra homossexuais, fez uma música (Mulato Bamba, gravada por Mário Reis) e dedicou a Madame Satã. Os sambistas de morro eram discriminados, Noel ia lá, fazia parceria com eles, dormia com elas. O cara era branco, feio, mas arranjava as mulheres que queria.” Martinho não deixa de aproveitar a oportunidade para falar do que mais gosta: escola de samba. Militante histórico do Carnaval, ele defende a relevância cultural de enredos, que na ditadura enfrentavam acusações de ser oficialescos e/ou pernósticos: “Falavam de independência, abolição. As escolas tiveram uma importância muito grande na integração contra o preconceito. Foram sempre discrimina-
das, e nunca discriminaram. “Vamos preparar lindos mamulengos pra comemorar a libertação’, ecoavam os versos de Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade, sexto lugar no desfile de 1972". Afirmando-se um otimista (“as revoluções foram feitas pelos otimistas, não pelos conformistas”), Martinho destina discreto elogio ao Brasil atual: “Na política, não tivemos grandes exemplos, com exceção de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e, agora, de Lula”. Há muito o que se dizer de Noel Rosa. Um dos maiores arquitetos do samba, que caminhou da cidade ao morro para beber nas fontes de outros tão grandiosos, como Cartola e Ismael Silva, além de Braguinha (João de Barro) e Lamartine Babo, e transformou para sempre um dos estilos brasileiros mais conhecidos do mundo. Como disse Paulinho da Viola: “Noel Rosa é o pioneiro de uma forma na qual a poesia popular, altamente sofisticada, embora saindo de maneira simples, junta-se a uma melodia de filigrana, de grande refinamento, dando a suas composições uma dimensão poucas vezes atingida na história da nossa música popular.”
Um gênio perdulário com a saúde Ele esbanjou talento e criatividade e dissipou a vida. Noel nasceu em 11 de dezembro de 1910, na Rua Teodoro da Silva, 130, Vila Isabel, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Por amar as coisas da França, seu pai, Eduardo de Medeiros Rosa, lhe deu o nome de Noel, Noël de Medeiros Rosa (com trema e tudo) e ainda por estar próximo do Natal. Nasceu em uma cidade amedrontada pela Revolta da Chibata, comandada pelo marinheiro João Cândido contra os maus tratos praticados pela oficialidade. O episódio apavorou sua mãe, Marta, o suficiente para provocar dificuldades no parto. Com isso, acabou retirado a fórceps, procedimento que ocasionou fratura do seu maxilar direito, fato que o marcaria para o resto da vida.
QUEM NASCE LÁ NA VILA NEM SEQUER VACILA AO ABRAÇAR O SAMBA... Ele foi uma criança inquieta, que sempre chegava em casa com as roupas rasgadas e o corpo suado das brincadeiras de rua. A rua...rua, que juntamente com os botequins e bordéis seria mais seu lar do que sua própria casa e sua companhia mais do que qualquer amigo ou namorada. Passarela de suas dores e conquistas, amores e desilusões, palco de sua glória, principalmente quando ouvia seus sambas cantados na época do Carnaval. Lugar onde ele construiria boa parte de sua personalidade... 44 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
QUEM ACHA VIVE SE PERDENDO POR ISSO AGORA EU VOU ME DEFENDENDO
DA DOR TÃO CRUEL DESTA SAUDADE QUE POR INFELICIDADE MEU POBRE PEITO INVADE... Com Que Roupa?
Um dia dona Marta, sua mãe, reclama das noitadas do filho, que, além de não comer direito, bebe, fuma e chega em casa sempre de madrugada. Mas essa noite ela tomaria uma decisão: esconderia todas as roupas dele e assim quando seus amigos chegassem Noel não poderia sair. Dito e feito; à noite eles aparecem e o convidam para um aniversário. Do quarto, ele responde com uma pergunta: “Com que roupa?” Em 1931, sua música Com Que Roupa foi a mais executada. Sucesso retumbante no Carnaval. O Rio de Janeiro todo a cantou. Serviu para ilustrar anúncio de jornal e de rádio e foi ainda motivo de inúmeras entrevistas e reportagens. Então com 20 anos, a partir daí, ele passaria a incorporar o bairro de Vila Isabel ao cenário artístico brasileiro, mudando a vida da sua comunidade. Noel transformou suas ruas pacatas, casas, moradores, botequins e o Boulevard 28 de Setembro, tipicamente cariocas e de classe média, em imagens que passariam a povoar a imaginação coletiva brasileira, projetando-o internacionalmente.
AGORA VOU MUDAR MINHA CONDUTA EU VOU PRA LUTA POIS EU QUERO ME APRUMAR VOU TRATAR VOCÊ COM FORÇA BRUTA PRA PODER ME REABILITAR POIS ESTA VIDA NÃO ESTÁ SOPA E EU PERGUNTO: COM QUE ROUPA?... Quem dá mais?
Noel deu várias versões para essa letra. Em uma delas revela que em conversa com o pai teria dito a ele que a letra é uma crítica contra a falta de dinheiro crônica do brasileiro, principalmente o funcionário público, que no fim do mês recebia uns “poucos vinténs”. E ainda uma crítica à falta de emprego e oportunidade que milhões de trabalhadores em potencial sofriam no dia-a-dia. Aliás, com relação à “bancarrota coletiva”, Noel fez dezenas de músicas, entre elas Quem dá Mais, que diz em um trecho: ... “Quanto é que vai ganhar o leiloeiro Que é também brasileiro E em três lotes vendeu o Brasil inteiro?...” Ele estava sempre pronto a pregar uma peça em alguém. Assim, quando o motorista de táxi Malhado, que fazia ponto no Café Nice, Centro da cidade, e para onde iam invariavelmente as celebridades do Rio toda a noite, lhe pede para fazer uma música inédita que cantariam juntos em uma serenata para uma garota lá pelos lados da Rua Barão do Bom Retiro, no Andaraí, Zona Norte do Rio. O pai da moça era militar; Malhado tinha medo de ir sozinho, aceita na hora. Logo no dia seguinte, Noel aparece com a música, uma valsa, e combinam que quando fosse meia-noite soltariam os pulmões embaixo da sacada da casa onde ela morava. Lá chegando, Noel diz para Malhado entrar que ele esperaria na
calçada, pois a casa era a última de uma vila. Mas Malhado insiste para ele ir também; afinal, era Noel quem sabia tocar violão. Depois de muita insistência, Noel entra na vila, desconfiado. Pega o violão, Malhado pigarreia; Noel limpa a garganta e ataca: “Eu saí da tua alcova Com o prepúcio dolorido Deixando o teu clitóris gotejante Com volúpia emurchecido Porém o gonocócus da paixão Aumentou minha tesão De gonorréia latejante E espermatozóide perfurante” Logo abre-se uma janela e um homem esbraveja: “Seus canalhas, biltres, sem-vergonhas, isso é coisa que se cante para uma mulher e ainda mais para a minha filha?”. De revólver em punho, vara a noite com dois ou três tiros para cima deles. Noel dispara e espera Malhado na rua. Continuam correndo até o antigo Jardim Zoológico, sempre olhando para trás. Lá, param, ofegantes. É quando Malhado se vira para Noel e sentencia “Sabe Noel, essa gente sem sensibilidade não entende poesia”...
SEU GARÇOM, FAÇA O FAVOR DE ME TRAZER DEPRESSA UMA BOA MÉDIA QUE NÃO SEJA REQUENTADA, UM PÃO BEM QUENTE COM MANTEIGA À BEÇA, UM GUARDANAPO, UM COPO D’ÁGUA BEM GELADA... Desencontros amorosos terminam em samba
Seus desencontros amorosos resultavam também de uma total infidelidade com as mulheres, de um inexistente comprometimento. Ele não tinha qualquer responsabilidade para com o sexo feminino; quem caísse na rede era peixe; de seus relacionamentos fugazes e confusos de positivo deixavam somente as músicas. Um dos seus sambas mais ricos em achados poéticos fala justamente desses descaminhos, o clássico Três Apitos, composto para sua namorada Josefina (a Fina), que trabalhava na fábrica de tecidos Confiança, fundada em 1885, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio. O prédio da famosa fábrica já extinta (hoje um supermercado) é tombado pelo Patrimônio Histórico e mantém por tradição a chaminé com seus apitos que soam diariamente da mesma forma que outrora...
QUANDO O APITO DA FÁBRICA DE TECIDOS VEM FERIR OS MEUS OUVIDOS EU ME LEMBRO DE VOCÊ... Quando sóbrio, Noel era acanhado. Não cobrava aos que lhe deviam (principalmente Francisco Alves), enrubescia quando elogiavam suas composições e dificilmente to-
O ORVALHO VEM CAINDO VAI MOLHAR O MEU CHAPÉU E TAMBÉM VÃO SUMINDO AS ESTRELAS LÁ NO CÉU TENHO PASSADO TÃO MAL A MINHA CAMA É UMA FOLHA DE JORNAL... Palpite infeliz: recado para Wilson Batista
Em 1934, Noel inicia um embate musical com o compositor Wilson Batista, que revida. A polêmica vai aumentando até que este lança Frankstein da Vila, de extremo mau gosto e insensibilidade. A crítica e o público, que até então gostavam da contenda, recebem mal, muito mal, a apelação de Wilson, que nem precisava disso, pois era um excepcional compositor. Contrariado, Noel responde com Palpite Infeliz, mostrando que rivalidade entre sambistas se resolve com elegância e sutileza. E a questão termina aí. Mais tarde, ficam amigos...
QUEM É VOCÊ QUE NÃO SABE O QUE DIZ MEU DEUS DO CÉU QUE PALPITE INFELIZ SALVE ESTÁCIO, SALGUEIRO, MANGUEIRA OSWALDO CRUZ E MATRIZ...
Certo dia, chegando em casa ao amanhecer, Noel troca o leite do vizinho pela sua cerveja e ainda deixa um bilhete que diz: “Amigo, envenene-se com a minha cerveja que eu vou me envenenando com seu leite”. Com relação ao espírito irreverente e bem-humorado de Noel, em que situações inusitadas podem acontecer, vale a pena citar uma delas. É Carnaval, um bloco vai abrindo passagem, imenso, pela Avenida Maxwell, na Tijuca. Em dado momento surge Noel, vestido de mulher e dando enormes cam-
REPRODUÇÃO
maria alguma decisão que magoasse alguém. Evitava comer perto dos outros, pois mastigava com dificuldade; por isso, alimentava-se de caldos, ovos e comidas leves. Passando as noites em claro, comendo pouco, bebendo muito e fumando mais ainda, já apresentava ameaçadoras manchas nos dois pulmões. É mandado para Belo Horizonte, a fim de desfrutar de seu clima saudável. Mas lá não chegava para tantos compromissos. Imagine, uma celebridade como ele na ainda ingênua e manhosa Belo Horizonte. Um dia é convidado para uma entrevista na Rádio Mineira. Ao chegar, fica de bate-papo com um dos funcionários e percebe intrigado que ele a todo momento ligava para alguém e dizia: “Alô, é o embaixador Bill!” e desligava. Curioso, Noel pergunta o que significava aquilo e o funcionário explica tratar-se de uma pessoa importantíssima da capital, um desembargador, que não deixava ninguém namorar sua filha. Sabendo que isso o irritava, o rapaz passava o dia inteiro nessa brincadeira. Noel pega o caso para ele e volta e meia ligava para o homem e atacava, já à sua maneira: “Alô, aqui é o embaixador Bill, vai pra p.....”
boêmia do Centro do Rio, foi o seu maior desengano amoroso. Desse relacionamento, conturbado e doloroso, nasceram talvez as suas melhores músicas. Último Desejo é uma delas. Ele já sabia que ia morrer, tentou construir um monumento de sua dor e desilusão com essa música, mas Araci de Almeida só a gravou seis meses após sua morte...
NOSSO AMOR QUE NÃO ESQUEÇO E QUE TEVE O SEU COMEÇO NUMA FESTA DE SÃO JOÃO MORRE HOJE SEM FOGUETE SEM RETRATO E SEM BILHETE SEM LUAR NEM VIOLÃO... Deixa a música para entrar na História
balhotas e plantando demoradas bananeiras. Gargalhada geral, confusão, aplausos, um guarda aparece, pega Noel pelo braço e o leva para fora do turbilhão: “Seu Noel, o que é isso, não fica bem para uma pessoa como o senhor. “Ora, seu guarda, qual é o problema? É Carnaval! Não se pode fazer umas piruetas?” “Poder pode, seu Noel, mas sem nada por baixo?”
UM PIERRÔ APAIXONADO QUE VIVIA SÓ CANTANDO POR CAUSA DE UMA COLOMBINA ACABOU CHORANDO, ACABOU CHORANDO... Uma fita amarela gravada com o nome dela
O Poeta da Vila precisava realmente mudar de vida se quisesse continuar vivo. Até tentou. Depois de Belo Horizonte foi saborear uma temporada em Nova Friburgo. Mas se afastar da boemia é que era O Xis do Problema, como ele advertia em uma de suas músicas. Assim, um dia tomava calmamente duas cervejas em um bar de Vila Isabel. O grande poeta e compositor Orestes Barbosa, seu amigo, ao vê-lo naquelas condições, se aproxima e reprova sua atitude: “Noel, você não sabe que não pode beber e ainda mais cerveja gelada, Noel Impassível, Noel lhe mostra uma notícia no jornal: “Leia, meu caro Orestes, descobriuse na Alemanha que uma cerveja vale por uma refeição. Pois então, como já tomei duas cervejas, estou repetindo o prato.”
QUANDO EU MORRER NÃO QUERO CHORO NEM VELA QUERO UMA FITA AMARELA GRAVADA COM O NOME DELA... “O maior castigo que te dou é não te bater, pois sei que gostas de apanhar” (O Maior Castigo que te Dou). Ele sempre esteve envolvido com mulheres: Clara, Josefina (Fina), Julinha, que ele chamava de Meu barracão da Penha, bairro que acabou ganhando mais músicas suas do que Vila Isabel, a esposa Lindaura, de 13 anos, que juntamente com Clara fora aluna de sua mãe. Mas foi inegavelmente Ceci, de 16 anos, o grande amor e paixão de sua vida. Bela e acessível, dançarina do Cabaré Apolo, da Lapa, zona
Maio de 1937, dia 4, 11h30min da noite, Rua Teodoro da Silva, 130, Vila Isabel. Noel está deitado em sua cama, sem forças para nada, espantosamente magro e arquejante, olhar fixo no teto, quem sabe procurando a Lua; talvez, ao lado da rua, sua única e verdadeira companheira, não
é por acaso que elas rimam. Ao lado de sua casa, um vizinho dá uma festa, mas antes pede à família de Noel autorização para o arrasta-pé. Seu irmão, Hélio, que o velava no quarto, vai atender o vizinho no portão Ao voltar, Hélio conta o que aconteceu. Noel então pede a ele que vá até à casa e peça para tocarem De Babado (De babado sim/Meu amor ideal/Sem babado não...), sua música preferida. Quando o irmão volta, ele já escutava os acordes amigos e bem-vindos da canção. É com ela que deseja fazer uma grande viagem, em sua companhia viajaria feliz e sem medo. Diz ao irmão: “Estou me sentindo mal, quero virar para o outro lado. Ao virar, seus dedos tamborilam alguns instantes sobre uma mesinha; a morte para ele também era um samba. As batidas vão diminuindo... diminuindo... diminuindo. Pela primeira vez Noel atravessava um samba. Já não mais vivia, mas morria sambando, ao atravessar a História.
Noel, por ele mesmo Uma entrevista montada com trechos do que ele disse em entrevistas a jornais e rádios. Pesquisando trechos de entrevistas de Noel Rosa concedidas a jornais e rádios do Rio e de Belo Horizonte, consultando depoimentos de amigos e ainda trechos de livros sobre música popular que abrangem a década de 1930, pode-se montar uma entrevista dele, que seria exatamente esta. NOEL, AOS 13 ANOS VOCÊ ERA UM GAROTO AMARGURADO QUE SOFRIA COM O SEU PROBLEMA FÍSICO. NA ESCOLA, ERA CHAMADO IMPIEDOSAMENTE DE “QUEIXINHO” PELOS COLEGAS. COMO É QUE VOCÊ SUPEROU ESSE PROBLEMA? A música foi fundamental. Antes de tocar violão eu comecei tocando o bandolim de minha mãe. Levava o instrumento para a escola e sentia a sensação de ser importante e, para te confessar um segredo, ser o centro das atenções. Era uma necessidade que eu tinha pra compensar meu problema físico, necessidade que me acompanhou o resto da vida. No recreio, começava a tocar e logo a garotada se reunia em volta de mim. As meninas me olhavam com assombro e curiosidade. E eu adorava, embora soubesse que tudo ficaria apenas nos olhares.
QUE RELAÇÃO JULGA EXISTIR ENTRE O AMOR E A MÚSICA?
É a mesma que existe entre a casca de banana e o escorregão. Brincadeiras à parte, a música expressa o amor; se ele é profundo e sincero a música refletirá isso; se é falso e fugaz, também. Nestes versos defino minha visão do assunto: o primeiro, Faz de Conta que eu Morri diz: “Amar deve ser para nós um divertimento/E não o eterno ciúme/ Que nos traz sofrimento...”; o segundo, Silêncio de um Minuto, fala: “Luto preto é vaidade nes-
te funeral de amor/ O meu luto é a saudade/E saudade não tem cor...”. VOCÊ TEVE VÁRIOS CASOS AMOROSOS, SEMCOMO SEU CORAÇÃO CONVIVEU COM TANTA TURBULÊNCIA? Vou te responder com outro samba, chamado Coração: “A paixão faz mal ao crânio/ Mas não afeta o coração...”. Na verdade, o samba é o melhor remédio para estas moléstias, não dói e nem tem contra-indicação Administrando-o em doses homeopáticas, conseguia manter sob controle os efeitos desse mal. Em conjunto com outro bom remédio chamado boemia então não há vírus desse tipo que nos destrua. PRE BEIRANDO A DESILUSÃO.
SEUS ÚLTIMOS DIAS FORAM DE MUITO SOFRIMENTO, AFINAL, A TUBERCULOSE JÁ SE TORNARA IRREVERSÍVEL E MESMO ASSIM VOCÊ CONTINUOU COMPONDO MÚSICAS BEM-HUMORADAS, FALANDO COM IRREVERÊNCIA DO SEU DIA-A-DIA. TEM EXPLICAÇÃO?
Amigo, a vida não é para ser levada a sério. O mundo é para ser desfrutado, quem complicou e criou todas as convenções e formalidades foi o ser humano, na ambição insana de obter o vil metal. Por isso, eu preferi viver e cantar como a cigarra, mesmo vivendo pouco tempo, a ser uma formiga, refém da prisão de um buraco-formigueiro dentro da terra. Mas sofri muito sim, como digo em um de meus sambas, Eu Sei Sofrer: Quem é que já sofreu mais do que eu? Quem é que já me viu chorar? Sofrer foi o prazer que Deus me deu Eu sei sofrer sem reclamar... Arcírio Gouvêa Neto, jornalista, é 2º Secretário da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo da ABI
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Livros
Morel exalta o legado de Cipriano Barata Criador da série de jornais intitulados Sentinela da Liberdade, ele sustentou há quase 180 anos idéias libertárias, denunciando a tortura nas prisões, e reformas sociais, como o limite à propriedade de terras. Um historiador estrangeiro considerava-o o Che Guevara brasileiro. e irmã Maria Helena Guimarães Pereira, jornalista que trabalhou ainda mais do que eu, o livro não se concretizaria. Estávamos todos irmanados em trazer à luz uma parte importante da História revolucionária do Brasil, como disse Caio Prado Jr. em relação a Cipriano. Claro que um revolucionário dentro das limitações de seu tempo, como ocorre para qualquer personagem histórico.”
POR JOSÉ REINALDO MARQUES A Biblioteca da ABI passou a contar em seu acervo com exemplar do livro Cipriano Barata – Sentinela da Liberdade e Outros Escritos (Edusp, 2008), organizado e editado pelo jornalista e historiador Marco Morel. Trata-se de obra que, segundo o próprio organizador, reúne uma variedade de textos que permitem, pela primeira vez, que se tenha uma visão do período de emancipação do Brasil – fase de construção do Estado e da Nação brasileira e do surgimento da imprensa no País –, quando a colônia deixa esse status e se transforma em um império. O volume apresenta 88 números de jornais redigidos por Cipriano Barata, além de sete manifestos/dissertações, alguns deles inéditos, três textos diversos e os pronunciamentos nas Cortes de Lisboa. Todo esse precioso conteúdo é apresentado pelo organizador por critério cronológico e pelo contexto em que surgiu cada um dos escritos, enriquecidos com comentários esclarecedores sobre as principais questões em debate. O primeiro número do jornal Sentinela da Liberdade foi publicado em 1823, época em que pela primeira vez no País a imprensa pôde circular sem censura prévia. Cipriano Barata, seu idealizador, contava então mais de 60 anos, pois nasceu em 26 de setembro de 1762, na freguesia de São Paulo, em Salvador. Marco Morel aponta-o como um dos primeiros e principais líderes políticos brasileiros no período em que “o Brasil se formava como nação”. No texto de abertura, Morel ressalta que a liderança exercida por Cipriano Barata tinha algo de especial, pois, diferentemente do lugar-comum do período, não se baseava no poder econômico, militar ou até mesmo burocrático, “mas através do carisma e do convencimento, da pregação da palavra pública impressa e falada”, marcadas pelo tom expressivo de suas aspirações idealistas. Revolucionário
A seguir, Marco Morel fala sobre o pioneirismo do livro e a importância de Cipriano Barata para a História do Brasil: “Realmente, pela primeira vez os textos, nunca publicados em livro, são impressos desde a morte do autor, há 172 anos. Cipriano Barata era famoso, figura central na cena pública, mas aos poucos foi coberto com o manto do esquecimento histórico. Ele foi uma das primeiras lideranças políticas de nível nacional no Brasil, logo após a Independência. Exerceu tal liderança através do carisma (paixão e razão) e, sobretudo, pela imprensa. Foi um dos pioneiros da imprensa no País e encarnava um amplo projeto alternativo de socie46 Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
Influência
Cipriano Barata e seu Sentinela da Liberdade (abaixo): denúncias de corrupção política e crítica ao predomínio do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.
dade, que não foi o predominante. Ainda que não sistematizados numa obra orgânica, os escritos de Barata expressam o pensamento político radical (no bom sentido, de quem vai à raiz dos problemas) daquela época. Esta edição visa a facilitar o acesso aos pesquisadores e a quem se interessa em compreender criticamente as matrizes do Brasil.” Marco Morel explica que organizar e editar esta obra era um sonho antigo, de mais de 30 anos, aparentemente impossível de se concretizar devido à amplitude do trabalho. O projeto começou a tomar forma com um pequeno livro, escrito em 1986: “Publiquei o livro e defendi o meu mestrado sobre o tema em 1990, sob a importante orientação da Professora Célia Freire, que também pretendia esta publicação. O livro ficou com 936 páginas em grande formato, pode-se dizer que é literalmente um trabalho de peso!” Diz Morel que o livro só existiu porque contou com a “extraordinária contribuição” do historiador István Jancsó, coordenador, com Pedro Puntoni, da Coleção Documenta, da Edusp: “O István, que faleceu recentemente, era uma pessoa generosa, lúcida e empreendedora. Ele costumava dizer que Barata era o “Che Guevara brasileiro”. No fundo acho que foi por isso que organizei esta obra, durante cinco anos, trabalho gigantesco pelo qual recebi uns R$ 1 mil até agora. E se não fosse também a imensa generosidade de minha amiga
Sobre a importância histórica do jornal Sentinela da Liberdade, Marco Morel diz que foi tão grande que acabou influenciando o surgimento de outros periódicos em diversas províncias do País, inclusive com o mesmo título: “Lançado em 1823, foi tamanha a influência desse periódico que surgiram vários, com o mesmo título, em diversas Províncias e até no exterior, criando uma das primeiras redes de comunicação impressa no Brasil, interligada por um ideário de luta política”, conta Marco Morel, afirmando que o jornal era revelador “de um Brasil que poderia ter sido”. “Era a época dos primeiros passos, disputas e ensaios de construção de um Estado e uma Nação”. Por meio do Sentinela da Liberdade, foram levantadas algumas bandeiras que acabaram não se cristalizando (“algumas naquele período, outras ainda hoje”) para a formação do Estado-nação idealizado por Cipriano Barata. Marco Morel assinala as principais críticas publicadas pelo veículo: “A crítica ao predomínio do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário; a denúncia de corrupção política; a implantação do federalismo enquanto descentralização provincial; aumento e garantia da liberdade de expressão; colocar limites na grande propriedade fundiária
e redefinir a posse das terras; desmantelar o aparelho repressivo das prisões existentes; republicanismo e antiaristocratismo; liberdade de culto; fim do tráfico atlântico de escravos; eliminação gradual do trabalho escravo; combate ao predomínio britânico na economia e nos costumes e, também, ampliação dos direitos de cidadania para expressivos contingentes oprimidos do ponto de vista étnico e social. Há problemas de longa duração que ainda nos desafiam.” Preciosidades
Na opinião de Morel, o principal legado do Sentinela da Liberdade para a imprensa atual é que o jornal lançado por Cipriano Barata estava “ao lado e à frente da luta por liberdade de expressão e justiça social, por transformações que quebrassem as estruturas de dominação, em benefício da maioria da população”. No entendimento de Marco Morel, há um grande distanciamento, mais do que cronológico, entre a chamada grande imprensa atual e a que Cipriano Barata e seus aliados faziam: “Todos os jornalões e muitos dos jovens jornalistas atuais estão distantes da linhagem de Cipriano Barata, à qual pertenceu, por exemplo, meu avô Edmar e, ainda hoje, aparece na comunicação (impressa, falada ou digital) de movimentos sociais e de propostas alternativas e críticas, bem como na atuação da ABI. Precisamos retomar, recriar e ampliar esta linhagem”. Durante a sua pesquisa para livro, Marco Morel diz que se deparou com preciosidades, entre as quais manuscritos nunca impressos, incluídos alguns escritos no período em que Cipriano Barata esteve na prisão: “Temos a corajosa dissertação sobre torturas nas prisões militares no governo de Dom Pedro I na presiganga (navio-prisão), bem como um manifesto lúcido e contundente contra a criação da primeira condecoração honorífica brasileira, a Ordem do Cruzeiro, prenúncio em 1822 de uma nação desigual. Dos 186 números de jornais que sabemos redigidos por Barata, estão transcritos os 88 localizados, sobretudo na Fundação Biblioteca Nacional e em outros acervos, como o do bibliófilo José Mindlin, doado à Universidade de São Paulo. Há também sete manifestos, além de cartas e debates parlamentares. Cipriano define conceitos como legitimidade, liberdade, pátria e povo e a idéia de república.” Cipriano Barata esteve preso nos períodos colonial, imperial e regencial; mesmo assim conseguiu lançar o periódico do cárcere. A prisão dificultou seu trabalho intelectual e sua ação política, mas não impediram que fosse expressiva:
Vidas “Cipriano nos permite ler a História de maneira exótica, isto é, fora da ótica predominante. Ao lidar com os textos ficou mais clara para mim a estreita ligação entre palavra impressa e palavra falada, mostrando que os impressos não ficavam restritos a uma pequena elite alfabetizada.” Crítica
Muito além dos e-books Ensaios de professor de Harvard enriquecem a discussão sobre a permanência do livro em sua forma tradicional e as versões eletrônicas que eliminam o papel. POR RITA BRAGA Em tempos de e-books e aceleradas tecnologias para a digitalização dos acervos de grandes bibliotecas, o historiador e professor Robert Darnton, Diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard, reúne em A Questão dos Livros (Companhia das Letras) onze ensaios que mostram ao leitor a complexidade das discussões acerca de nossa relação com os livros neste início de século. O autor que confessa sua “apologia descarada em favor da palavra impressa” logo na primeira página surpreende o leitor com dados e argumentos que vão de encontro a mitos e preconceitos enraizados – tanto entre grupos que se proclamam “defensores” dos livros, quanto entre as gerações que pressupõem a evolução tecnológica a todo custo. Mais do que discutir se o livro impresso acabará ou não com a chegada das novas mídias, o objetivo de Darnton é expor as camadas de interpretação e as efetivas conseqüências de todo esse período de transição, que historicamente nem se apresenta tão inusitado quanto parece. É claro que o texto considera todas as especificidades do livro em sua materialidade, que implica não somente memórias sensoriais do ato da leitura, como também desdobramentos econômicos, políticos e sociais em diferentes épocas. Um momento marcante da obra já se dá quando Darnton, ao descrever o
momento em que foi nomeado diretor da Biblioteca de Harvard, sem imaginar que nas semanas seguintes mergulharia no universo espinhoso das leis de direitos autorais e políticas públicas, com a proposta do Google de digitalizar o acervo que passava então à sua responsabilidade. Leis, emendas, influências, até Mickey Mouse foi citado para exemplificar o grau de especificidade entre diferentes detentores de copirraite. Darnton revela que não demorou que viessem à tona os interesses comerciais em “disponibilizar o acesso a livros raros” por meio de assinaturas – um processo que o autor comenta a partir de comparações pertinentes com casos de revistas de pesquisa e outras propostas que surgiram com a mesma bandeira de “democratização da leitura”. Como ele é também fundador do Programa Gutenberg-e, para a divulgação de teses no meio digital, o repertório de ocorrências e considerações alimenta a reflexão do leitor de maneira aberta, apontando controvérsias, referências e espaços de aprofundamento das questões levantadas. Os ensaios contêm ainda discussões polêmicas acerca da preservação de documentos e reflexões sobre o papel da bibliografia na preservação e, principalmente, na produção do conhecimento em qualquer área de pesquisa. Enfim, A Questão dos Livros é um mergulho no conceito sempre atualizado de “era da informação”.
Ricardo Alvarez, um militante social Atuante na resistência à ditadura militar, ele integra a Diretoria do Sindicato após a derrota dos colaboracionistas do regime. A vocação para o jornalismo foi uma herança do avô materno, Pedro Mota Lima, que junto com Carlos Drummond de Andrade e outros integrava a “direção coletiva” da Tribuna Popular, jornal lançado em 22 de maio de 1945 para ampliar a ação política do Partido Comunista Brasileiro-PCB, que retornara à legalidade. Ricardo Mota Lima Alvarez, nascido em 25 de abril (dia da Revolução dos Cravos, em Portugal) de 1948, também seguiu os passos do avô na luta política: por muitos anos teve militância ativa no PCB. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio se orgulha de tê-lo em seus quadros como um diretor extremamente dedicado, durante a segunda gestão de Carlos Alberto de Oliveira, o Caó, iniciada em 1980, após a derrota da diretoria que fugia o jogo da ditadura. Sempre preocupado em colaborar para a construção de um mundo igualitário e mais justo, Ricardo integra a lista dos trabalhadores que morreram e não receberam a indenização a que tinham direito como exempregados da TV Manchete, do império editorial de Bloch Editores, falido em agosto de 2000. Cerca de 3 mil foram indenizados no ano passado, mas ainda faltam 400 para receber seus créditos. Ricardo Alvarez estava entre esses. Estudante de Economia, curso que não chegou a concluir, optou pelo jornalismo. Inicialmente trabalhou no Correio da Manhã e na revista técnica Portos e Navios. Depois chegou à Rede Globo de Televisão. Na Editoria de Esportes, entre outras atividades, foi chefe de Reportagem e participou da cobertura das Olimpíadas de Seul, na Coréia do Sul, em 1988. Permaneceu na emissora até 1998, por 14 anos. Depois foi para a TV Manchete e lá ficou até à falência da empresa. Durante dois anos, Ricardo Alvarez chegou a morar em São Paulo, onde trabalhou como Editor da uma publicação na área de agricultura. Nos últimos anos, realizou uma série de trabalhos autônomos, como Editor do jornal da Associação de Moradores de Laranjeiras-Amal onde morava, escrevendo resenhas para publicações da Petrobras ou fazendo revisão de livros e outras publicações.
REPRODUÇÃO
Ao comparar seu livro a outros estudos sobre a História da imprensa no Brasil, Marco Morel disse que atualmente estamos vivendo uma nova fase dessa produção historiográfica, mas é bastante crítico quando afirma que existe descaso de grande parte da imprensa atual sobre o assunto: “Procurei ao mesmo tempo registrar e compilar os documentos, mas também fazer uma edição crítica com informações complementares, análises e estudo, além de acrescentar imagens da época. O recente
bicentenário da Imprensa no Brasil (2008) não gerou movimento editorial expressivo, apesar de alguns trabalhos interessantes. Mas um importante passo vem ocorrendo através de reedições de jornais do século XIX, desde a monumental edição do Correio Braziliense (1808 -1822), por Alberto Dines, há oito anos, seguida de outros, como também pela digitalização e acesso on-line de jornais antigos. O mais importante na visão do historiador Marco Morel – professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador associado da Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) – é que estão sendo criadas bases para uma profunda renovação da História da imprensa e da própria História do Brasil: “Além do acesso aos documentos, é importante manter esforço intelectual e institucional, renovar e afinar nossas reflexões, abordagens e métodos. Estamos percorrendo o caminho”.
Filho de Damaso Barreira Alvarez e Judith da Mota Lima Alvarez, servidores públicos, Ricardo deixa o filho Fernando, que mora em Barcelona, de 36 anos, nascido no primeiro casamento com a jornalista Walkiria Dutra de Oliveira, e Marina, de 26 anos, da união com a jornalista Mônica Horta. Fica também entre nós a namorada Helena Ferraz Soares Lopes, que amava e o acompanhou mais de perto em seus últimos dias, além de muitos amigos e admiradores. O jornalista Rogério Marques, Vice-Presidente do Sindicato, falou sobre o amigo: “O Ricardo foi uma das pessoas mais interessantes que conheci. Fazia aniversário em 25 de abril, dia da Revolução dos Cravos. Adorava a vida. Conheci o Ricardo no PCB, por volta de 1979, quando um grupo de jornalistas fazia o Boletim Pró-Cut, no Sindicato dos Engenheiros. Sempre preocupado em construir um mundo melhor, mais justo, morreu levando uma vida simples, sem receber o dinheiro a que tinha direito como ex-funcionário da TV Manchete, assim como tantos outros colegas que por lá passaram. No dia 27 de julho, Ricardo submeteu-se a uma cirurgia para a retirada de um câncer no pulmão, mas no sábado seguinte, à noite, foi vítima de hemorragia seguida de uma parada cardíaca. Submetido a coma induzido, permaneceu nesse estado até morrer na tarde do dia 5. (Fonte: Site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro) Jornal da ABI 358 Setembro de 2010
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