NÉLIDA PIÑON A escritora aceita o desafio da internet e encontra no Twitter mais um aliado para sua produção
SÓCRATES O líder da Democracia Corintiana teve atuação marcante em revistas, rádio e televisão
PÁGINAS 40 E 41
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
PÁGINAS 46 E 47
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
373 D EZEMBRO 2011
PRESSÕES AMEAÇAM A COMISSÃO A vitória que foi a criação da Comissão da Verdade não deve desmobilizar os setores democráticos, pois há nos bastidores pressões para manipular sua composição. Esse é um aspecto fundamental da luta em defesa dos direitos humanos. PÁGINAS 26 E 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 4
CARTUNISTAS CONTAM COMO FOI O ANO DE 2011
A RÁDIO NACIONAL SOB
EDMUNDO MONIZ: 100
RAMONET: A EUROPA É
O TERROR DOS GOLPISTAS
ANOS DE UM LUTADOR
DOMINADA PELO CAPITAL
O QUE ELES RETRATARAM COM HUMOR E IRREVERÊNCIA NO B RASIL E NO MUNDO . PÁGINAS 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 E 36
NEM O CANTOR O RLANDO SILVA ESCAPOU DA PERSEGUIÇÃO INSTALADA EM 1964. P ÁGINAS 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 E 12
E XPOENTE DO TROTSKISMO NO BRASIL, ELE FOI AMIGO DE P RESTES , STALINISTA. PÁGINAS 14 E 15
SEUS GOVERNOS SE RENDEM AO PODER FINANCEIRO , DIZ DIRETOR DE LE M ONDE . P ÁGINAS 38 E 39
Editorial
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO
A COMISSÃO E OS SEUS DESAFIOS AS INSTITUIÇÕES QUE SE empenharam ao longo de mais de um ano e meio na campanha pela abertura dos arquivos da ditadura militar, vitoriosas com a sanção da lei de criação da Comissão da Verdade pela Presidente Dilma Rousseff em 18 de novembro passado, não estão desatentas à extrema delicadeza que desde então passou a envolver o assunto, já que a lei em si há que ser completada pela constituição desse organismo tão necessário à consolidação do Estado Democrático de Direito entre nós. DA COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO depende a efetivação dos altos propósitos que inspiraram a edição da lei, para obtenção de esclarecimentos como os proporcionados aos países que nos precederam nessa caminhada, como a Argentina e o Uruguai, ou um simulacro de busca da verdade, que tornaria inócua e meramente simbólica a legislação agora aprovada. Este é um momento crucial: a Comissão poderá proceder a levantamentos e investigações que conduzam à descoberta da verdade tão ocultada pelo regime ditatorial, atingindo assim seus relevantes fins, ou apenas fazer jogo de cena, fingindo buscar, para iludir a platéia, conhecimento amplo e minucioso dos crimes cometidos entre 1964 e 1985, as circunstâncias em que ocorreram, onde aconteceram, suas vítimas e os agentes das violências torpes em que se especializou o regime. RESPONSÁVEL PELO LANÇAMENTO, em abril de 2010, da campanha Memória e Verdade, o Presidente da Seção do Estado do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih
Jornal da ABI Número 373 - Dezembro de 2011
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha presidencia@abi.org.br / franciscoucha@gmail.com
Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André Gil, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva. Diretor Responsável: Maurício Azêdo
Damous, chama a atenção para a necessidade de rigorosa vigilância das instituições democráticas em relação à formação da Comissão, da qual, como ele adverte com ironia, não podem participar agentes que a ela deveriam ter assento não como autores de uma investigação, mas como réus. Não seria inusitada nem singular tal presença na Comissão, sabido que agentes não de todo descomprometidos com as concepções e as práticas da ditadura têm assento em órgãos instalados sob o império da Constituição de 5 de outubro de 1988, como a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, na qual há pelo menos um membro militar que se opõe a pleitos de anistiandos.
História - O dia em que o terror assaltou a Rádio Nacional
13
Lembrança - Leon Hirszman, uma vida na resistência, por Rodolfo Konder
18
Mercado - A imprensa do interior pede passagem
○
○
○
19
CONFORTA VERIFICAR QUE a preocupação manifestada pelo advogado Wadih Damous está presente também em segmentos do próprio Congresso Nacional, como demonstra a iniciativa da Deputada Luíza Erundina (PSBSP) de criação de uma comissão de parlamentares que acompanhem não apenas a formação da Comissão da Verdade, mas também e principalmente o desenvolvimento dos seus trabalhos. A aprovação da criação da Comissão da Verdade por elevada votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal é prova de que a representação parlamentar está igualmente atenta à necessidade de apuração dos crimes da ditadura. À sociedade civil, por suas instituições representativas, como a ABI, a Ordem dos Advogados do Brasil e os Grupos Tortura Nunca Mais, entre outras, cabe responder com nitidez aos desafios postos desde já diante da Comissão da Verdade.
DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.
CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda Conselheiros Efetivos 2011-2014 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.
REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS Diretor: José Eustáquio de Oliveira
Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros Efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Televisão - A notícia há 15 anos no ar
29
Retrospectiva - 2011 ilustrado
37
Moda - O biquíni fez 65 anos
38
Análise - “A Europa não tem força para resistir ao mercado”
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
SEÇÕES A CONTECEU N A AB ABII
O centenário de Edmundo Moniz, pensador e intelectual múltiplo ○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
O jornalista no meio do tiroteio ○
26
○
○
○
○
Livros - Quadrinhos que dóem ○
16
○
○
○
Livros - O mundo de uma garota chique ○
0 14
○
○
Resgate - A História recontada ○
45
○
Literatura - Nélida por inteiro, em menos de 140 caracteres ○
44
○
○
21
42
○
○
Gastança - “Há um delírio de projetos de utilidade social questionável”
40
○
○
20
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
D I R EIT O S HU M A N O S EITO Justiça para a Juíza Patrícia ○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
28
L IBERDADE D E I MPRENSA
46
VIDAS Sócrates, um brasileiro
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
○
Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.
Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros Suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Presidente, Lênin Novaes; Secretário, Wilson de Carvalho; Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS José Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),Carla Kreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares.
O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO A CORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O DECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.
4
○
Mercado - Cai o público jovem do jornal impresso
○
Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br
Impressão: Gráfica Lance! Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ
05
HISTÓRIA
RÁDIO NACIONAL
ARQUIVO/AGÊNCIA O GLOBO
O DIA EM QUE O TERROR ASSALTOU A
SOBREVIVENTES DA OCUPAÇÃO MILITAR DA EMISSORA EM 1º DE ABRIL DE 1964 NARRAM AS VIOLÊNCIAS FÍSICAS E AS PUNIÇÕES QUE SOFRERAM. P OR ARCÍRIO B. GOUVÊA N ETO
N
a Rádio Nacional do Rio de Janeiro o dia 1º de abril de 1964 começou nervoso, carregado de maus pressentimentos. Os funcionários iam chegando para trabalhar e trocavam olhares procurando descobrir no outro alguma novidade; na verdade, alguma certeza, porque só havia dúvidas. Sabia-se que alguma coisa iria acontecer, só não se sabia em qual extensão. Djalma de Castro, 11 anos de casa, eletricista de formação, mas um misto de tudo, talvez o funcionário mais prestigiado por sua competência na manutenção e controle da aparelhagem, chegou até mais cedo nesse dia, lá por volta das sete da manhã. Havia muita coisa a ser feita. Ele conhecia tudo, desde os transmissores aos botões da mesa de controle de som. Participou da montagem de centenas de equipamentos e era pau para toda obra,
sendo chamado a todo instante pra aqui e pra ali. Chegou, e foi ao restaurante tomar o café da manhã. Vamos deixá-lo aí e avançar no tempo 47 anos. Hoje, “Seu Djalma”, como é carinhosamente conhecido na Rádio, com 81 anos, esbanja vitalidade, bom humor, lucidez, uma competência ainda muito maior. Ele continua fazendo o mesmo serviço. E já que estamos aqui em sua companhia vamos deixá-lo contar a história a partir de onde paramos. “Bem, passei a manhã tranqüilo. Fiz meu trabalho, almocei e lá pelas três da tarde fui chamado em um dos estúdios para resolver algum problema. Nesse momento, começa uma correria maluca pelos corredores, era gente empurrando, gente sendo empurrada, os elevadores parados e todo mundo descendo assim, nessa loucura, pelas escadas. Fiquei paralisado, ninguém ao certo sabia o que estava acontecendo, sabia somente que
tinha que sair dali, ou melhor, tinha que descer aquelas escadas. Fiz o mesmo, até porque não havia outra opção. Nessas horas é melhor você ir com a maré do que tentar remar contra ela. Quando nos aproximamos do térreo, a confusão aumentou, não andava nada. Depois de muito sofrimento, com o ar já faltando e gente passando mal, conseguimos chegar lá embaixo. Então vimos o que estava acontecendo. O hall de entrada estava cheio de militares, armados e dando ordens; na verdade, gritando, sem controle. Não saía ninguém. Mas a multidão começou a não caber mais ali, foi quando eles decidiram uma coisa meio idiota: os funcionários menos graduados, os peões, deveriam ficar à esquerda e os mais graduados, jornalistas, atores, músicos, à direita. Não deu todo mundo, então eles mandaram a metade para aquela praça em frente ao prédio. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
5
HISTÓRIA O DIA EM QUE O TERROR ASSALTOU A RÁDIO NACIONAL
6
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
DIVULGAÇÃO
E gritaram que estavam ocupando a Rádio Nacional em nome da revolução. Vendo todo esse tumulto eu subi e preferi ficar lá em cima no estúdio. Não demorou muito e três militares, um capitão, um tenente e um major, deram um pontapé na porta do estúdio e a jogaram no chão. Queriam colocar um manifesto no ar. Fui para o controle geral, mas antes, já prevendo algo nesse sentido, tinha ligado para os transmissores lá em Parada de Lucas, contado ao funcionário o que estava ocorrendo e pedido a ele que só fizesse o que eu mandasse. Os militares obrigaram a gente a tirar a Rádio do ar, desligaram tudo. Depois, acho que receberam alguma ordem externa e pediram pra gente colocar novamente a Rádio no ar e resolveram ler um manifesto que fosse transmitido para o mundo inteiro. Eu comecei a enrolar. Nesse momento só havia lá em cima com eles eu, o tesoureiro Nélson Farias e o Juca Pitaluga, do Departamento Comercial. Mexi no magneto, troquei o microfone original por aqueles de carvão, antigos, que tinham um som horroroso, eles perceberam e o major tirou uma pistola Mauser do cinto e me deu uma coronhada na cabeça. Eu caí, o sangue desceu, fiquei tonto. Ele me chutou no chão e gritou ‘Você quer morrer, seu f......, quer morrer? Bota essa rádio no ar direito, nós Se instalaram ali, passaram a ser os donos, ficaram quatro anos aboletados não estamos aqui pra brincadeira, a coisa é pra valer’. Então eu disse: ‘Olha, pra sair na Rádio Nacional. No dia seguinte à invasão começaram a ocupar as salas, fio som como o senhor quer só amplificancavam lá dentro e não saíam de jeito nedo, aí ele sai limpinho, mas eu sozinho não consigo fazer isso’. Era mennhum, mas a princípio não “O Major se mexeram na programação. O tira, porque eu conseguia, sim. único que saía e conversava E continuei: ‘É preciso que mexeu na os operadores em Parada de conosco, gostava de ouvir Lucas ajustem agora todos os cadeira e custou música e andar pelos corredoinstrumentos e as ondas L7, a fazer a segunda res era o Major Ari. Acho que L8 e L9’. Ele me chutou de deveria dizer isso, mas pergunta: Seu nem ele era até boa praça. novo e disse que eu estava Mário, o senhor Aí apareceu a tal lista, que mentindo. E me obrigou a ligar um outro microfone e cotanto desastre causou em nosé comunista?” sa Rádio, tanto sofrimento, meçou a ler umas mensagens tanto mal desnecessário e tanta injustiça. que estavam escritas em um papel, um manifesto, mas o som saía horroroso. Mas Nem quero falar quem a elaborou porque os documentos e a História já se encarremesmo assim deu para transmitir alguma garam de revelar, mas foi muito triste. coisa. Só não sei se o Brasil inteiro escutou e o mundo, como eles queriam. Até porque, Um dia, o Major Ari sentou para conversar comigo e me falou que tinha uma miseles haviam desajustado muitos controles, são que era a pior da vida dele. Eu pergunresolveram então ir a Parada de Lucas. Mas quando desceram deram de cara com mais tei qual era. Ele custou a dizer e, posso te falar, disse, constrangido, que tinha de fatropas que estavam chegando. Só então zer umas perguntas ao Mário Lago. soubemos que os que haviam invadido a rádio eram dos Fuzileiros Navais, por isso Eu pensei: ‘Meu Deus, o Mário é comunista, é carne de pescoço, isso não vai dar chegaram logo, vieram dali mesmo. Afinal, certo’. Então o Major me pediu para leváa Rádio fica próxima ao Arsenal de Marinha e a todas aquelas bases entre a Praça XV lo até ele. O Mário estava no estúdio gravando, eu o chamei pelo vidro, fiz uma e a Praça Mauá. mímica apontando para o Major. Depois Chegaram com um aparato de tanques e mais gente armada, parecia uma guerra. Foi de algum tempo o Mário mandou a gente entrar. Sentamos os três, o Major adorava a maior tragédia que eu já vi na vida. Teve o Mário Lago, admirava seu talento, suas até gente desmaiando. Quando o capitão que os comandava viu meu ferimento na músicas; em suma, era seu fã e, visivelmente emocionado, perguntou ao Mário se cabeça e todo meu corpo ensangüentado poderia lhe fazer duas perguntas, o Mário perguntou quem havia me feito aquilo, eu apontei para o major e ele, um tanto irritadisse que sim. Ele então mandou as duas. ‘Foi o senhor quem escreveu um texto do, o questionou e mandou que eu procurasse um médico imediatamente. Foi bom, lido pelo médico Gastão Pereira da Silva em porque assim eles não foram comigo para seu programa?’ O Mário respondeu: ‘Sim, fui eu’. O Major se mexeu na cadeira e os transmissores em Parada de Lucas.
Djalma de Castro, o “Seu Djalma”, viu o momento em que Mário Lago (ao lado, na foto do registro de sua prisão) foi preso na Rádio Nacional acusado de ser “subversivo”.
custou a fazer a segunda pergunta: ‘Seu Mário, o senhor é comunista?’ O Mário respondeu evasivamente, mas apelou para a Constituição dizendo que tinha liberdade de pensamento e de expressar livremente suas preferências ideológicas e partidárias e que nenhum regime poderia suprimir isso do cidadão. Foi o bastante. O Major levantou e andou um tempo pelo estúdio, algumas pessoas sentadas esperavam o desenrolar da cena. Ele virou para o Mário e disse: ‘O senhor hoje me causou um grande pesar’. E perguntou ao Mário se faltava muito para ele terminar de gravar. O Mário respondeu que faltavam ainda dois capítulos. O Major Ari então sentou calmamente em um banquinho e esperou duas horas até o Mário terminar de gravar. Hoje, posso te garantir que ele ficou ali mais como admirador do que como militar. Quando terminaram as gravações o Major pediu ao Mário que o acompanhasse. Ele ficou preso acho que no Forte de Copacabana. Foi torturado, humilhado e mal tratado ao extremo. Quatro meses depois, estávamos no restaurante almoçando e quem aparece na porta? O Mário. Colocou as mãos espalmadas em cada soleira da porta e ficou parado nos olhando. Foi uma comoção geral, um misto de felicidade e horror, porque ele estava tão desfigurado, tão irreconhecível que nos deu uma imensa pena. Parecia um cadáver ambulante, branco, esquálido, macilento. Nos disse que ficara preso em um navio e que outros estiveram presos com ele, mas não via ninguém porque só andava de venda nos olhos. Com o tempo vieram mais prisões, mais desespero e a Rádio foi perdendo prestígio e, de certa forma, ficou parecida com o Mário Lago naquela cena da soleira da porta. Tudo acabou de uma forma que nem o enredo mais terrível de nossas radionovelas poderia chegar perto. Éramos uma família e despedaçaram essa família. Éramos a maior rádio da América Latina e despedaçaram essa rádio. Éramos um orgulho do povo brasileiro e despedaçaram esse orgulho. E agora, quem vai juntar os pedaços para consertá-la de novo? A Rádio se quebrou, mas quem sentiu a dor foi o País.”
G
erdal dos Santos estreou na Rádio Nacional em 1953, aos 24 anos, participando do programa Consultório Sentimental, criado e apresentado por Helena Sangirardi. Apesar da pouca idade, tinha certa experiência em rádio, pois em 1942 participara do programa Hora do Guri, na Rádio Tupi, e em 1945 já participava de radioteatro, na Rádio Globo, convidado pelo novelista Amaral Gurgel. Esteve presente nas maiores produções da emissora na década de 1950, trabalhando com grandes ídolos como Paulo Gracindo, Ísis de Oliveira, Iara Salles, Mário Lago, Wanda Lacerda, Rodolfo Mayer, etc. Juntamente com Seu Djalma, Gerdal é o funcionário mais antigo da emissora e viveu todos os momentos tormentosos do golpe militar, da invasão e da ocupação da Rádio por quatro anos, sendo um dos demitidos logo após 1º de abril. Retornou em 1980, 16 anos depois, beneficiado pela Lei da Anistia. Atualmente, produz e apresenta os programas Onde Canta o Sabiá e Rádio Memória, aos sábados e domingos, desfilando o melhor da música popular brasileira de todos os tempos. Nesta entrevista exclusiva, ele relata, emocionado, os momentos difíceis e angustiosos que viveu com os companheiros logo no primeiro dia do golpe. “Para se contar a história e se entender o que houve na Rádio Nacional com o golpe militar é necessário voltar um pouco no tempo. O Governo João Goulart primou pela defesa de nossas riquezas e da soberania nacional. Criou uma série de medidas em prol das classes populares, entre elas a Reforma Agrária, e se posicionou, de uma certa forma, contra a influência dos Estados Unidos, aproximando-se, ao mesmo tempo, da Rússia e de Cuba. É claro que essa atitude desagradou os meios conservadores e retrógrados de nossa sociedade, especialmente o meio militar. E acontece que na Rádio Nacional, um veículo de massa oficial, em que havia adeptos da esquerda e da direita, a coisa ficou muito acirrada. Diferentemente de hoje, naquela época as discussões políticas, e conseqüentemente as ideologias partidárias, eram muito acentuadas, acaloradas. Nós, da Rádio Nacional, éramos muito visados. E logo ficaram marcados os que eram pró-Cuba, pró-China; entre eles, eu. Éramos discriminados e tratados com preconceito. Porque existia um crápula em nosso meio chamado César de Alencar, uma figura das mais sórdidas e mesquinhas, em que o caráter não combinava com o grande comunicador que ele era. Tínhamos um programa em que se falava em Cuba e quem trabalhou nesse programa, também como eu, ficou marcado. Eram mal vistos eu, o Dias Gomes, o Teixeira Filho, o Mário Lago, o João Saldanha e por aí vai, todo mundo do Partido Comunista. Só que também houve na Rádio programas pró-Estados Unidos, especialmente na Segunda Guerra e creio que depois na Guerra da Coréia, e ninguém falava nada. Bem, com o golpe é claro que iria sobrar pra gente. Nós tínhamos consciên-
MARCOS RAMOS/AGÊNCIA O GLOBO
GERDAL: “VI CENAS DE UM CONTEÚDO PATRIÓTICO INENARRÁVEL” Integrante do grupo progressista da emissora, ele assistiu a cenas que considera de puro heroísmo. cia disso. Sabíamos que a Rádio Nacional seria um dos primeiros lugares onde eles iriam mexer, e não deu outra. Até porque nós nos posicionávamos politicamente sim; afinal, a Constituição nos dava esse direito, o direito de livre expressão do pensamento. Íamos nos comícios de políticos de esquerda, os que eram de esquerda como eu, e os que eram de direita iam nos comícios e subiam nos palanques dos candidatos de sua preferência. Enfim, que mal havia nisso? É a pura realidade, porque esse negócio de dizer que um veículo de comunicação é isento de tendências ideológicas e partidárias é pura balela, todos têm suas preferências mesmo e ponto final. Fizemos célebres reuniões na ABI na campanha “O petróleo é nosso”, comandadas pela Maria Augusta Tibiriçá. Recebemos Fidel Castro aqui na Rádio quando ele esteve no Brasil, assim como estivemos com ele também naquela famosa ida à ABI. Participávamos de manifestações político-partidárias na Cinelândia, no Castelo, queríamos um Brasil melhor, lutávamos por um Brasil grande. Não queríamos violência ou luta armada, queríamos progresso, desenvolvimento. Até porque a luta armada nos desfavorecia. Que arma nós tínhamos? Nenhuma. Faríamos uma luta inglória. Veja bem, o nome já está dizendo ‘Forças Armadas’, nós éramos as ‘forças desarmadas’, claro que iríamos levar a pior. Não pensávamos em nenhum tipo de confronto; nada disso, nem nos passava pela cabeça. Éramos
radialistas, jornalistas, atores, atrizes, foram espetaculares, de uma abnegação músicos, pessoas do bem, intelectuais. incrível, revezavam-se em um trabalho Somente sabíamos lutar com as palavras, que só podemos definir como heróico. com os sons, mas isso incomodava. Defendíamos a democracia, atendíamos No dia 1º de abril acordei cedo e vim para ao chamado da Frente Nacionalista e a Rádio Nacional. Todos na Rádio sabiam sabemos que na Rádio Mayrink Veiga a que ia acontecer alguma coisa, só não se cena se repetiu, com os Grupos dos 11, sabia o quê, desde o mais humilde dos funliderados por Leonel Brizola. Soubemos cionários até nós. Quando cheguei no depois que eles também invadiram e toprédio já havia uma multidão à porta. A maram a Rádio Mec. Rádio já estava transmitindo ao vivo toda Em torno do prédio da Nacional havia uma programação em defesa do patrimômilhares de trabalhadores. No ar, o Minisnio nacional, da liberdade tro Abelardo Jurema pedia “O Mário foi um aos brasileiros que lutassem, de expressão, dos direitos humanos, de obediência à que não desanimassem, até herói. O povo Constituição e, principalsubitamente, investiu brasileiro devia que, mente, de respeito a um Goprédio adentro um pelotão reconhecer isso. dos Fuzileiros Navais. Foi verno que fora eleito pelo povo. Foi de emocionar, vi O povo esquece uma balbúrdia dos diabos, cenas de um conteúdo patriprenderam todo mundo, ótico inenarrável. De cora- rápido seus ídolos.” quem tinha a ver e quem gem, dedicação, heroísmo, que contaginão tinha. Lembro que um simples seravam quem estivesse por perto. No covente, que ficou do lado de fora, quando mando da programação, no ar, emocionaeles aglomeraram todo mundo lá dentro, do, o Ministro da Justiça, Abelardo Jurequeria entrar para pegar a sua roupa; na ma. Quanta abnegação, espírito cívico e ingenuidade própria dos mais humildes, lucidez desse grande homem e de todos os começou a discutir com eles. Resultado: que estavam ali. foi preso como subversivo e nunca mais Vinha um e falava e logo outro já queouvi falar dele. ria falar também e assim se sucedia minuOs militares cometeram toda sorte de to a minuto. Discursos inflamados como, excessos lá dentro, tiraram a Rádio do ar; imagine, o de Jorge Veiga, e o brio espetadepois, acho que recebendo ordens supecular de Manoel Barcelos, Presidente da riores, a colocaram no ar novamente. O Associação Brasileira de Rádio. Mas nem Manoel Barcelos havia estacionado seu quero citar nomes para não cometer incarro, já prevendo o pior, nos fundos do justiças. Foi maravilhoso, até hoje me prédio. Chamou a mim e mais uns dois e emociono ao lembrar. Os operadores disse: ‘Vamos sair pelos fundos. Eles não
conhecem as saídas. Vamos, eu deixo vocês em casa’. Fomos, escondidos daqui e dali. Conseguimos chegar lá embaixo, entramos no carro e saímos. Só então eu me dei conta do que estava ocorrendo. Da grandiosidade da coisa. Pancadaria no prédio da Une, no Flamengo, tiros, gritos, pedradas, os estudantes resistindo e muita gente do povo ajudando. Em outros lugares, a mesma coisa, partidários dos dois lados em conflito na porta de um cinema em Botafogo. Em Copacabana também vi algumas escaramuças. Eu morava em Ipanema e Manoel Barcelos me deixou em casa. Não me lembro bem, mas acho que no dia seguinte não aparecemos para trabalhar. Uns dois dias depois fomos chegando, os esquerdistas como eu, desconfiados. Logo soubemos que haviam prendido e mandado para a Delegacia da Praça Mauá o médico Paulo Roberto, uma pessoa pura, simples, que fazia programas de sucesso na Rádio, sempre falando de medicina, conselhos de saúde, essas coisas. O mais famoso deles era Nada Além de Dois Minutos. Ligamos pra aqui e pra ali. Até que alguém lembrou do Governador Carlos Lacerda. Conseguimos falar com ele, a Rádio Nacional tinha um grande peso, dissemos: ‘Governador esse homem não pode ficar preso’. Em poucos minutos ele estava solto. Você veja as barbaridades das prisões, sem o menor nexo, a menor coerência. Prender por prender apenas, para mostrar força. Mas quem sofreu mesmo foi o Mário Lago. Eu nunca fui preso e nem interrogado e nenhum de nosso grupo do Partido Comunista. No entanto, com o Mário Lago eles cismaram, muito também em função de seu posicionamento intrépido e altaneiro. Perdi as contas de quantas vezes ele foi preso. Ficavam aguardando ele gravar um programa e o levavam. Sou testemunha de que o Mário andava com uma valise onde carregava seus objetos pessoais, como escova de dentes, toalhas, sabonete, já se precavendo contra qualquer prisão fora de hora. O Mário foi um herói. O povo brasileiro devia reconhecer isso. O povo esquece rápido seus ídolos. Não quero e nem posso terminar este depoimento que muito me honrou ao Jornal da ABI sem enaltecer aqui o seu papel em defesa dos interesses nacionais, da liberdade de pensamento e dos direitos Humanos. Assim como várias entidades lutaram destemidamente naquela época negra de nossa História contra um regime que foi o mais nefasto de nossa era de República, a ABI também não fugiu à luta. Pelo contrário, a procurou, como a leoa que defende a sua presa do ataque dos predadores e os acomete corajosamente. Na ABI, e na pessoa de seus presidentes na época de chumbo, Herbert Moses, Celso Kelly e Danton Jobim, fizeram-se centenas de reuniões e encontros de onde saíam decisões lúcidas e vigorosas de questionamento das bárbaras arbitrariedades cometidas pelos militares. A ABI foi um baluarte, uma trincheira de lutadores em defesa do Brasil e quando se fala dos heróicos da Rádio Nacional, e de tantos outros veículos de comunicação que enfrentaram de peito aberto a ditadura militar, não se pode esquecer também dos heróicos da ABI.” Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
7
HISTÓRIA O DIA EM QUE O TERROR ASSALTOU A RÁDIO NACIONAL
CÉSAR DE ALENCAR ENTREGOU NOMES AOS CORONÉIS Ao depor diante dos militares, ele apontou os “subversivos“ Mário Lago, Dias Gomes e Oduvaldo Viana.
E
m seu depoimento no inquérito policial militar-IPM instaurado pela Artilharia de Costa e Artilharia Antiaérea em 13 de maio de 1964, sob o nº 14.949, o radialista e maior comunicador da Rádio Nacional, César de Alencar, demonstrou que não tinha nenhum apreço por seus colegas de emissora e não sentiu nenhum constrangimento pelas atitudes que tomou. Nutria um único objetivo: pôr em prática o seu plano paranóico de ser o Diretor-Geral da Rádio Nacional. Deixava evidente que agiu friamente, que já havia planejado o que fazer nesse dia e que vinha mantendo contatos com militares para saber como agir no dia do golpe, sob as ordens do comando militar. Eis algumas partes do documento:
“ Pergunta – Senhor César de Alencar,, qual foi a atuação que o senhor car teve na Rádio Nacional no dia 1º de abril último? Resposta – Há muito eu havia me situado contra o estado de coisas existente na Rádio Nacional e no dia 1º de abril recebi em minha casa um recado para não ir à Rádio. Posteriormente, recebi uma chamada telefônica do colega Hamilton Frazão pedindo que marcasse com ele um encontro no Aeroporto Santos Dumont, por nos parecer um local neutro, onde compareceu também o colega Celso Teixeira. Fomos então para a Churrascaria Pirajá, em Ipanema, onde um dos proprietários, Major Murilo, nos acolheu, colocando tudo o que fosse preciso à nossa disposição. Lá estabelecemos vários contatos e mais ou menos às 15 horas e 30 minutos assistimos pela televisão à tomada do quartel-general da Artilharia de Costa, no Posto Seis, em Copacabana, e recebemos, então, determinação no sentido de nos dirigirmos à Rádio Nacional, dada pelo Inspetor Cecil Borer, por solicitação do Coronel Gustavo Borges. (...) Nos dirigimos em condução fornecida pelo Major Murilo ao quartel da Polícia Militar, à Rua São Clemente, em Botafogo, para pedir cobertura. (...) Falamos pelo telefone com o Coronel Airosa, que nos disse para seguirmos para a Rádio Nacional, que já tinha sido abandonada, inclusive pelo destacamento de Fuzileiros Navais, e assim fizemos. Chegamos ao edifício de A Noite às 16 horas e 15 minutos (...) Nos dirigimos então à sala da Direção-Geral, onde encontramos os senhores Nélson Farias e Duarte Filho, aos quais participamos a nossa determinação. De imediato fizemos uma vistoria nas dependências da Rádio e ve8
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
rificamos que as pessoas que a tinham abandonado retiraram das mesas de transmissão válvulas, cristais e inverteram circuitos. Ligamos para Parada de Lucas, onde falamos com o senhor Júlio Braga, depois pedimos permissão aos Coronéis Evaristo e Souza para colocarmos a rádio no ar e eles aquiesceram. Iniciamos então um período de transmissão com mensagens tranqüilizadoras à população e pedimos ao Coronel Evaristo que fizesse algumas falas aos ouvintes. Daí em diante tudo seguiu seu rumo normal. (...) Aproximadamente às 20 horas apresentaram-se oficiais do Exército com determinação de ocuparem a rádio. Lembro o nome de um, Coronel Bandeira de Melo. Aos oficiais prestamos conta do que vínhamos fazendo e pedimos ordens. Nos pediram que mantivéssemos a mesma linha de conduta e que assumíssemos a Direção-Geral da Rádio Nacional, o que pedimos para ser feito por escrito e afixado nos quadros de aviso da emissora. (...) Às primeiras horas da manhã mudaram os oficiais do Exército que ocupavam a Rádio Nacional e assumiram os Coronéis Maurício e Renato, que ordenaram que permanecêssemos em nossos postos. Entre 15 e 16 horas do dia 2 de abril, apresentou-se aos oficiais o senhor Mário
Resposta – Quer me parecer que o caminho mais certo para essa apuração seria uma consulta às tabelas de serviço desse dia. Pergunta – Quais as ocor ocorrências rências de que tenha conhecimento e que possam facilitar a apuração dos fatos e as devidas responsabilidades definidas como crime nas Empresas Incorporadas ao P atrimônio Nacional? Patrimônio Resposta – Os cargos de Superintendente e Diretor-Geral da Rádio Nacional são nomeações do Presidente da República. No Governo do senhor João Goulart foi colocado nesse cargo o Major do Exército Roberto da Gama e Abreu. A escolha do Diretor-Geral cabia ao Superintendente e a escolha recaiu sobre Saint-Clair da Cunha Lopes, que a exerceu em caráter interino por dois anos. Durante esse período os movimentos sindicais tiveram ampla acolhida na empresa. Sendo que o Presidente do SindicaNesta entrevista publicada na Revista do to dos Empregados em Empresas de RádiRádio em 16 de maio, César de Alencar odifusão só ocupou o cargo de Diretor Addeixou claras suas intenções depois do golpe. ministrativo da Rádio por omissão dos demais diretores. O processo de comunização e subversão foi tomando corpo a Neiva, com uma portaria assinada pelo ponto do senhor Hemílcio Fróes, Diretor Ministro da Guerra, nomeando-o DiretorAdministrativo da Rádio e Geral da Rádio Nacional. Entreguei-lhe a direção da “O Departamento Presidente do Sindicato dos Radialistas, constituir-se no Rádio, pedindo-lhe que retide Rádioteatro homem de confiança do Surasse meu nome dos quadros é a célula perintendente. No dia 17 de de aviso. Continuei a prestar serviços, já então por solicicomunizante que janeiro desse ano, quando assumiu a Direção Administação do Coronel Ferreira se ramifica para trativa da Rádio Nacional, o Dias, que tinha recebido fichário dos funcionários, fios outros setores senhor Hemílcio Fróes escolheu para colaborar nomes chário esse que se encontrada empresa.” reconhecidamente atuantes va na Delegacia de Ordem na pregação de idéias comunistas, como Política e Social, levado pelo doutor ManAntônio Teixeira Filho, Mário Lago, Dias so, funcionário da Rádio Nacional. Gomes, Carlos Lira, Souza Lima e outros que passaram a ter livre acesso e trânsito Pergunta – O senhor tem idéia formada sobre o provável ou os prona empresa. (...) Funcionários que se opunham a váveis autores da retirada das váltais práticas esquerdistas, como o próprio vulas, cristais e inversão de circuitos na Rádio Nacional? declarante, ou foram perseguidos ou demitidos como José Américo (demitido), Silva Ferreira (demitido), Celso Teixeira (demitido), Walter Araújo (demitido) (...) Seus diretores eternizam-se nos cargos, o que vem causando queda na audiência e prejuízos econômicos e desserviço à Nação. O Departamento de Rádioteatro é a célula comunizante que se ramifica duta, contrariava os fundamentos básicos para os outros setores da empresa. (...)
Era preciso enquadrar a Rádio na linha da “Revolução Vitoriosa” O inquérito policial militar instaurado na Diretoria de Artilharia de Costa e Artilharia Antiaérea, assinado pelo General Artur da Costa e Silva, não deixava dúvidas quanto às intenções dos militares com relação a determinados “elementos” da Rádio Nacional, como diz este trecho do documento: “(...) Competia-nos: a) enquadrar a Rádio Nacional na linha da Revolução Vitoriosa, fazendo-a retornar, imediatamente, às suas características de empresa radiofônica e informativa, dentro dos moldes democráticos que a Revolução restaurava, e no nível e na forma pela qual deve funcionar, sobretudo, considerando as suas vinculações com o Governo, as quais a tornam, de certo modo, a palavra oficiosa das autoridades governamentais. (...) c) Enquadrar, com os elementos informativos de que dispúnhamos, o pessoal que, por ideologia ou manifesta con-
da Revolução, além daqueles que, por qualquer forma, desmereciam da confiança mínima necessária para desempenhar suas funções (...) Ficando sob o controle do pessoal militar aqui destacado pelo Estado-Maior do Exército todas as normas orientadoras do noticiário e da programação. (...) Quanto à tarefa política propriamente dita e como medida que se impunha fosse realizada com a maior urgência, elaboramos, com a supervisão do Tenente-Coronel José Ferreira Dias, respondendo pela Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional e com a colaboração, na qualidade de informantes, dos senhores César de Alencar, Hamilton Frazão e Celso Teixeira, a relação de todos aqueles que deveriam, como medida de segurança, ser afastados do serviço e das dependências da Rádio Nacional. (...)”.
Pergunta – O senhor deseja prestar mais alguma declaração? Resposta – Sim. Estranhar que até a presente data tenham acesso às dependências da Rádio Nacional elementos reconhecidamente esquerdistas que inicialmente tiveram suas atividades suspensas e que paulatinamente vêm voltando a freqüentar as dependências da emissora, como Mário Monjardim, Gerdal dos Santos, Rodney Gomes, Heitor dos Prazeres, Oduvaldo Viana, Cícero Acaiaba, Dalísio Machado, Waldir Fiori, Carlos Carrier, Romeu Fernandes, José Geraldo Luz. Estranhando também que órgãos da imprensa venham assacando contra homens reconhecidamente democratas acusações em declarações feitas por elementos que não mais deveriam ter acesso a órgãos de opinião pública. (...)”.
A ESPERA ANGUSTIANTE PELA LISTA Até o cantor Orlando Silva foi incluído na relação de 118 punidos ou postos sob observação.
A
ACERVO RÁDIO NACIONAL
APOSENTADA EM 7 DE JULHO DE 1980.
Newton Marin da Mata. Radioator RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Nora Ney. Cantora APOSENTADA EM 7 DE JULHO DE 1980.
Palmeira Guimarães APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Paulo Grazziolli APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Paulo Gracindo. Radioator RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Oswaldo Elias (Elias Haddad). Radioator SEU NOME CONSTA APENAS DA LISTA DOS “ELEMENTOS A SEREM OBSERVADOS”. RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Rodney Gomes. Radioator RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Sérgio Bica APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Teixeira Filho APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Wanda Lacerda. Radioatriz SEU NOME NÃO CONSTA DO IPM. RETORNOU EM 07 DE JULHO DE 1980.
Orlando Silva entrou para a lista sem ter atividade política.
A relação dos nomes dos demitidos foi publicada numa edição do Diário Oficial de julho de 1964 – seção I, parte I. A lista completa, incluindo os 81 postos sob “observação” – isto é, submetidos a permanente espionagem – continha estes nomes: ARQUIVO PAULO E NORMA TAPAJÓS
ntes mesmo que o golpe militar de 1964 completasse um dia de existência, várias listas começaram a passar de mão em mão nos corredores antes frenéticos e agora sombrios da Rádio Nacional. E perguntava-se: “Será esta, será aquela?” Ninguém estava em paz. Atores, atrizes, cantores, compositores, redatores, programadores, todo o pessoal que antes se encontrava com alegria no prédio de A Noite e ajudara a construir o maior veículo de comunicação de massa até então conhecido no Brasil e na América Latina, agora torcia nervosamente as mãos e era esse o quadro que doía mais: sombras onde antes existia a luz. E a lista era a conversa do dia, uma notícia mais esperada do que qualquer outra do Repórter Esso. Uma relação de nomes cuidadosamente elaborada em prol da “moral e da democracia”. Já no dia 2 de abril o advogado Mário Neiva Filho, nomeado Diretor da Rádio Nacional por portaria assinada pelo General Artur da Costa e Silva, começava seu trabalho, ou melhor, seu expurgo: “As listas foram muitas e, pelo menos, uma delas ganhou cunho oficial”, revelou Mário Lago em seu livro Bagaço de BeiraEstrada. De acordo com um documento citado no livro, em extenso relatório enviado ao Superintendente das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União, Mário Neiva Filho, sob a supervisão do Tenente-Coronel José Ferreira Dias e a colaboração, “na qualidade de informantes”, dos radialistas César de Alencar, Hamilton Frazão e Celso Teixeira”, todos da Nacional, relacionava os nomes daqueles que por causas políticas – no documento denominadas “medidas de segurança” – deveriam ser afastados da emissora. Seriam 37 os nomes da lista, agora já se sabia. Um verdadeiro disparate, uma relação esdrúxula e estúpida, onde nada parecia ter sentido. Basta dizer que se juntavam “nomes doces e extremamente conservadores como Dinah Silveira de Queiroz e Orlando Silva com João Saldanha e Mário Lago; Iara Sales e Herivelto Martins com Jorge Goulart e Wanda Lacerda”, como disse em uma reportagem Edmar Morel. Ou seja, pessoas assumidamente políticas com outras que nem sequer entendiam o que se passava. Ia desde líderes sindicais, como Hemílcio Fróes, Presidente do Sindicato dos Radialistas, até sambistas e pintores primitivos, como Heitor dos Prazeres. De grandes ídolos da emissora, como Ísis de Oliveira, a jovens ainda desconhecidos, como Gracindo Júnior. De músicos eruditos, como o Maestro Alceu Bocchino, ao comediante Brandão Filho. Eram 37 os
DEMITIDOS
Francisco de Assis Pires SEU NOME NÃO CONSTA DO IPM APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Gerdal dos Santos. Radioator e locutor RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Hemílcio Fróes. Diretor Administrativo e radialista APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
João Saldanha. Jornalista esportivo
CONSTAM NO IPM COMO DEMITIDOS, MAS NÃO NO DIÁRIO OFICIAL Alceu Bocchino. Maestro. Cícero Braz Acaiaba Vieira Dinah Silveira de Queiroz. Escritora Ênio Santos Eurico Crispim da Silva Giuseppe Ghiaroni. Maestro. Herivelto Martins. Músico e compositor Ísis de Oliveira. Atriz Jorge Veiga. Cantor José Rosa José Lages Rocha Lolita França. Atriz Luiz Manoel Godefroy de Almeida Maria José Macedo Mário Monjardim Filho Mário Alves Mário Tavares Myrian de Souza Pires Moacyr José dos Santos Moacyr Marques da Silva Miguel Gomes Nélson Nilo Hack Nelson Raymundo Raimundo de Souza Dantas Rodolfo Mayer. Radioator Romeu Fernandes. Ator Sebastião Severino de Almeida Silvia Donato Waldemar de Oliveira Soares Waldir Brito Waldir Fiori Walter Alves Walter Rodrigues Wilson José Nogueira Zilmar Madeira de Mattos
Adelaide Teixeira Antônio Ivan
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
APOSENTADO EM 7 DE
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
JULHO DE 1980.
Jonas Garret
Carlos Carrier
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
APOSENTADO EM 7 DE
Jorge Goulart. Cantor
JULHO DE 1980.
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Carmen Lídia
Jorge Vianna
SEU NOME NÃO CONSTA
SEU NOME NÃO CONSTA DO IPM.
DO IPM. APOSENTADA
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
EM 7 DE JULHO DE 1980.
José Geraldo Luz. Radioator
Dalísio Machado
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
APOSENTADO EM 7 DE
José Gomes Talarico. Jornalista
EM OBSERVAÇÃO
JULHO DE 1980.
SEU NOME NÃO CONSTA DO IPM.
Antônio dos Santos Ary Paulo da Silva Brandão Filho. Comediante. Carlos Marques Durans Carlos Alberto Barbosa Cláudio da Cruz Clotilde Cunha da Gama e Abreu Clóvis Aquino Jacometti Dario de Oliveira Djalma de Castro Édson Batista
Dias Gomes (foto acima). Diretor de elenco, produtor e novelista
João de Souza Lima. Radioator.
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Mário Farias Brazzini. Radioator e produtor
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
SEU NOME NÃO CONSTA DO IPM. RETORNOU
Edmo do Valle
EM 7 DE JULHO DE 1980.
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
Fagundes de Menezes
Mário Lago. Radioator, produtor e escritor
APOSENTADO EM 7 DE JULHO DE 1980.
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Fernando Barros da Silva. Locutor
Marion (Penha Marion Pereira). Atriz
RETORNOU EM 7 DE JULHO DE 1980.
Ednaldo Vieira Lima Edmundo Salvador Aquilino Eugênio Bezerra Martins Elias Ferreira Fernando José Cabral Fernando Mattos Francisco Ignácio do Amaral Gurgel Francisco Morais Gastão Pereira da Silva. Médico Henrique da Silva Hernani Cataldi Humberto Telles Ilka Maria Dantas Fiori Isaías Dias da Silva Iara Salles. Atriz Ivo Amorim Gonçalves Jairo Ribeiro Jayme Ribeiro João Rodrigues João Zacarias João Corrêa de Mesquita João Pinheiro da Silva Filho João Mendes João Pedro da Silva Jorge José Lima Jorge de Oliveira Fernandes Jorge de Oliveira José Araújo de Oliveira José Alves Pereira José Gomes Filho José Mattos José Teixeira José Vicente Faya José da Silva José Felício Júlio Barbosa Luiz Gonzaga Gomes de Souza Manoel Eulálio da Silva Marlene Roque da Cunha Nelson Pereira Farias Nelson Andrade Nelson Cardoso Pires Nelly Martins Neuza Tavares Paulo Sampaio Lacerda Paulo de Moura Pedro Argemiro de Souza Odilon Pinto Caldeira Orlando Silva. Cantor Oswaldo de Oliveira Oswaldo Alves Rafael de Almeida Simões Renato Perrota Roberto Gonçalves Roberto da Silva Saint-Clair Lopes Sebastião Pereira Sebastião Carneiro da Silva Sebastião Pimentel Valter Ferreira Victor dos Santos Waldemar de Souza Walter Pereira dos Santos Wilson das Neves
FALECIDOS ANTES DA LEI DA ANISTIA Heitor dos Prazeres. Compositor e pintor. Demitido José Luiz Rodrigues Calazans (Jararaca). Cantor e compositor. Demitido Jairo Argileo. Demitido José Marques Gomes (Paulo Roberto). Médico. Demitido Oduvaldo Viana, pai. Demitido Ovídio Chaves. Demitido
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
9
COMO A RÁDIO GANHOU UM FILME O documentarista Paulo Roscio põe na tela a trajetória da emissora.
dessa lista, mas havia ainda outra lista em que constavam mais 81 nomes que “deveriam ser investigados e ficar sob observação”. Para os funcionários mais antigos da rádio, aqueles que vinham lá de 1936, tudo isso tinha certo sentido. Conhecendo a Nacional como a palma da mão, eles não tardaram a solucionar o que para o leigo parecia uma charada. Por baixo dos panos e das “causas patrióticas”, escondiam-se outros interesses. Acontece que César de Alencar nutria há muito tempo a ambição de assumir a direção da emissora, de modo que, na condição de “informante”, teria incluído em sua lista todos aqueles que lhe pareciam um estorvo. Como o destino às vezes parece consertar seus erros, César de Alencar, o maior comunicador do País, o que lotava auditórios idolatrado por tantos, jamais chegou à direção da empresa e nunca mais foi perdoado por seus excompanheiros. Mário Lago nem sequer lhe citou o nome nos comentários que fez em seu livro sobre o famoso documento. Em um final de carreira embaçado, César de Alencar ainda foi acusado de roubar um carro da marca Gordini que deveria ser sorteado em um programa de prêmios, quando trabalhava na extinta TV Excelsior. Mário Lago escreveria em 1977: “O inglês costuma rir das anedotas várias horas depois de contadas. Já se passaram 13 anos dessa piada e eu ainda não consegui achar graça”. No dia 7 de julho de 1980, 16 anos depois de demitidos, em um clima de euforia e confusão, mas também de muito ressentimento, os ex-funcionários da Rádio Nacional, beneficiados pela Lei da Anistia, foram reintegrados à emissora ou aposentados, sendo recebidos pelo Administrador Regional da Rádio, jornalista Jorge Guilherme Marcelo Pontes. Na ocasião, Hemílcio Fróes declarou: “Estamos aqui porque a lei fez com que retornássemos, mas não estamos felizes, porque a lei não ressarciu os nossos prejuízos e porque faltam alguns de nossos colegas, já falecidos. E também porque a lei ainda não é muito clara sobre o que vai nos acontecer”. Dias Gomes disse: “Caberá agora cada um procurar a Justiça, para tentar uma indenização; afinal, não cometemos crime algum e merecemos uma reparação, já que a Lei da Anistia não nos faculta o direito de sermos indenizados. A situação dos aposentados também é bastante controversa”. 10 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
DIVULGAÇÃO
A
o percorrer os corredores da Rádio Nacional, enquanto preparava um documentário sobre a Orquestra Tabajara, o empresário Paulo Roscio se sentiu imediatamente atraído pelo fascínio que cada pedaço do velho edifício do jornal A Noite transmite e por um passado de glória, glamuroso e frenético, difícil de não ser percebido, que parece pulsar em cada centímetro sob nossos pés. Como ele relata: “Quando percorri pela primeira vez aqueles incomensuráveis corredores do edifício A Noite, fui arrebatado por um sentimento inenarrável, uma certeza de que estava perpassando milhares de histórias de magia, amor, sedução, glamour e pura imaginação. O sonho real que estava invadindo meu inconsciente tinha rastros verdes e amarelos. Tive a convicção de encontrar uma incomparável história para desenvolver um roteiro de documentário.” Seis anos e meio depois desse dia, Paulo Roscio lançou em setembro passado no Rio de Janeiro o documentário Rádio Nacional, O Filme, e depois em outubro em São Paulo, produzido por sua empresa, a Business Television. Nele Roscio conta a espetacular trajetória de sucesso da emissora, desde sua fundação em setembro de 1936 até sofrer a intervenção e as agruras do golpe militar de 1964. Na verdade, o filme termina no primeiro dia do golpe, 1º de abril: “Hoje tenho a satisfação e realização profissional de assistir ao Rádio Nacional, O Filme em telonas e telinhas, mesmo com uma ponta de frustração por ter contado tão pouco, pelas amarras dos 80 minutos, da história do nosso maior veículo de comunicação de massa de todos os tempos”, completa Roscio. “É uma história de glórias e traumas da emissora que ao longo dos anos 1940 e 1950 foi o maior veículo de comunicação de massa do País. Roberto Carlos, Sérgio Cabral, Luis Carlos Saroldi, Chico Anysio, Boni, Cauby Peixoto, Marlene, Luiz Mendes, Teixeira Heizer, Gracindo Júnior, José Messias, Gerdal dos Santos, são alguns dos 39 artistas, radialistas, jornalistas e pesquisadores que revelam fatos dos bastidores e realçam o amplo significado da emissora. O conjunto de testemunhos e relatos reunidos evidencia o papel da Rádio Nacional na consolidação da música e da dramaturgia popular brasileira, do humor de nossa gente, das transmissões esportivas, da plástica sonora, do radiojornalismo, da linguagem e do ritmo radiofônico. Como ressalta Luiz Carlos Saroldi, “a PRE-8 explorou todas as possibilidades do veículo, não se detendo em um único segmento por mais atraente que ele se apresentasse”. “O filme oferece significativa contribuição para a compreensão dos motivos que consagram a Rádio Nacional como matriz do rádio popular no Brasil”, diz Cristiano Ottoni de Menezes, Gerente Regional do Rio de Janeiro da Empresa Brasil de Comunicação.
Depois de terminar a pesquisa sobre a Rádio Nacional, Paulo Roscio teve que enfrentar a via crucis de todo produtor de cinema no Brasil: a obtenção de patrocínio. E quase desistiu.
Na concepção do documentário, Paulo tinham muita imagem de arquivo. Tentei Roscio se utiliza de fotos, um rádio valvuvários lugares, inclusive o Copacabana lado e um relógio antigo para criar o amPalace, que estava em obras. Um dia eu fui biente vintage no qual a atriz Fernanda levar o meu filho para ver a Rádio Maluca Ávila, de 82 anos, estaria se encantando na Rádio Nacional e eles estavam inaugucom as ondas da Nacional e os depoimenrando o espólio, aquelas imagens de tantos de nomes tão queridos para ela. Além tas recordações e importância para a culdo documentário Rádio Nacional, O Filme, tura sonora brasileira; são aqueles painéis que tem como pano de fundo a música espalhados pelos corredores, com aquele Minha Tia, de Roberto Carlos, Roscio propessoal que fez História e a alegria de todo duziu e dirigiu vários documentários e o Brasil durante quase duas décadas. shows, destacando-se Orquestra Tabajara, Quando me deparei com aquela preciHeróis de uma Nação, Geração de Prata, A osidade e vi o auditório, falei: ‘É aqui’. Por Elegância do Samba, De Mãos Dadas e Zico coincidência o Cristiano (Cristiano Otna Rede, que foi eleito um dos oito melhotoni de Menezes) também estava lá com res documentários ibero-americanos de sua filha. Então falei com ele sobre o do2009 em Huelva, na Espanha. cumentário e ele disse ‘Vamos fazer aqui Paulo Roscio dedicou o filme aos 36 no auditório’. Em função disso comecei funcionários da emissora a freqüentar a Rádio, passar demitidos depois do golpe por aqueles corredores, pa“Bastava uma militar de 1964. Nesta enpara ver as fotos. Nessas apresentação na rar trevista exclusiva ele fala horas mil coisas me passaRádio Nacional vam pela cabeça, parecia até sobre episódios significativos e preciosos da História para deslanchar a que via o César de Alencar, brasileira recente. Fatos ainCauby, Emilinha, Paulo Gracarreira de da pouco estudados, mas que cindo, Jacob do Bandolim, são de fundamental imporpassarem por mim apressaqualquer um.” tância para se entender a dos com dezenas de fãs atrás. tomada do poder pelos militares em 1964 Logo em seguida (e as coisas vão acone ainda por que a Rádio Nacional perdeu, tecendo e você não sabe por quê), foi lanapós o suicídio de Getúlio Vargas e a ascençado o livro do Saroldi (Luiz Carlos Sarolsão do Presidente Juscelino Kubitschek, a di) sobre a Rádio Nacional e eu já acomprimazia e o prestígio que havia consolipanhava o Saroldi desde a Rádio JB. Comdado ao longo de 30 anos de existência. É prei o livro, me apaixonei pela leitura e disso que Roscio fala a seguir. não consegui mais parar; acho que li o li“Em 2004 eu estive na Rádio Nacional vro em dois dias. Gostei tanto que compara fazer um documentário sobre a Orprei outros 10 sobre a Rádio, porque a liquestra Tabajara e houve necessidade de a teratura sobre ela é muito extensa. Foi gente gravar um show, porque eles não quando surgiu a idéia do projeto: ‘Vou
DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO
Os principais artistas da época abrilhantavam a programação da Rádio Nacional: nomes como Carlos Galhardo, Paulo Gracindo, Emilinha Borba e Marlene garantiam grande audiência.
DIVULGAÇÃO
fazer um documentário sobre a Rádio Veja a importância fantástica da Rádio Nacional’. Nacional, que chegou a transmitir, no Procurei novamente o Cristiano, falei início da década de 1940 do século passado projeto e ele abraçou a idéia na hora e do, em inglês, espanhol, francês, alemão, me disse: ‘Há muita coisa escrita sobre a italiano. Uma proeza sem limites. Hoje Rádio Nacional, mas não tem nada visuisso seria inimaginável no mundo radioal, nenhum documentário, nenhum filfônico. Suas ondas atingiam a América do me’. Comecei então a fase da pesquisa. Fui Sul, os Estados Unidos, a Europa, a Ásia e no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacia África. Gravei com o seu Djalma, o funonal, no acervo do jornal A Noite, no cionário mais antigo da rádio, e ele me disse Museu da Imagem e do Som, no próprio que cansou de ver o Roberto Carlos nos departamento de arquivo da Rádio e, por corredores da rádio e que ele havia, incluincrível que pareça, muita coisa eu consesive, composto uma música em que falava gui com os fãs, que guardam até hoje aquele na Rádio Nacional, intitulada Minha Tia. material com muito carinho. Há declarações que eu Tive acesso ainda ao ar“Todos os lugares nem cheguei a gravar do quivo do Paulinho Tapajós, do Gil, garantindo que eu ia e dizia Caetano, da neta do Lauro Borges, com que o pessoal da Tropicália, que era para a o Silvino Neto, Gerdal dos no início da carreira, ou seja, Santos. Levei dois anos nes- Rádio Nacional as final dos anos 1950 e início sa pesquisa e quando disse: 1960, não só ouvia a portas se abriam.” dos ‘Pronto, já chega’, começou a Rádio Nacional como tamvia crucis de todo produtor de cinema nesbém queria se apresentar lá. E por quê: te País: a obtenção de patrocínio. Ia daqui porque bastava uma apresentação na Rápra ali, de lá pra cá e nada. Chegou uma hora dio Nacional para deslanchar a carreira de em que eu já estava quase desistindo, foi qualquer um. Era o estalo, a largada para quando encontrei novamente o Cristiano uma carreira vitoriosa. na Rua Álvaro Alvim, no Centro do Rio Eu precisava gravar um depoimento do José Messias e não conseguia de jeito (parece que o destino dá uma mãozinha, nenhum. Um dia viajando pra São Paulo, não é?), e falei da dificuldade em conseguir quem senta ao meu lado no avião? José patrocínio, das promessas de verba que Messias. Você veja que as coisas nesse não se cumpriam, aquela coisa, e ele me documentário andaram assim, meio espianimou, ‘O que é isso? Parar nada, leva o rituais. Parece que o sobrenatural queria projeto adiante assim mesmo’. que se fizesse mesmo um documento para Isso me deu uma sacudida, e iniciei a posteridade sobre a Rádio. Escuta essa: então a fase das gravações. Gravei com quando o Seu Djalma me falou sobre o o Saroldi e com o Sérgio Cabral, que foRoberto Carlos, eu pensei ‘Preciso entreram os dois primeiros. O Sérgio me deu vistar o cara’. Mas sempre postergava, informações preciosas. Revelou que o soafinal, imaginava que seria a entrevista nho de todo mundo era cantar na Rádio mais difícil. Um dia descubro que o nosNacional, inclusive do pessoal da Bossa so advogado da Business Television traNova, entre eles Tom Jobim, Vinícius de balhava na Sony. Conversando com ele a Moraes, Nara Leão, e o sonho ia de extrerespeito, ele me diz ‘Deixa comigo, vou mo a extremo, porque a turma da Jovem falar com fulana, talvez ela resolva’. Guarda nutria o mesmo desejo. Sou viPor incrível que pareça, no dia seguinzinho do Roberto Menescal e ele me conte a produtora do Roberto me liga e fala firmou que isso era verdade. Quando ‘Olha, o Roberto disse que os dois minugravei com o Jerry Adriani e o Roberto tos que você pediu ele não tem, ele tem Carlos, eles também disseram a mesma todo o tempo do mundo para falar sobre coisa. Então, pelo menos ali na Rádio a a Rádio Nacional’. Fui muito bem recebiconvivência entre a elite musical da Zona do, fiquei com ele o tempo que precisei. Sul, representada pela Bossa Nova, e o Ele liberou a música para o filme, tranqüipessoal do subúrbio ligado à Jovem Guarlamente. Impressionante, mas em todos da, era pacífica.
José Messias: Um encontro no avião selou sua participação no documentário.
os lugares que eu ia e dizia que era para a Rádio Nacional as portas se abriam, automaticamente. Em 1950 é inaugurada a TV Tupi em São Paulo e em 1951 a do Rio, ambas do Assis Chateaubriand, que já tinha a Rádio Tupi. A Tupi era a segunda na preferência do público, lógico que primeiro era a Nacional, só que a Nacional era distante da Tupi no dial, uma ficava longe da outra, mas o Chateaubriand fazia de tudo para aproximar as duas, tentando pegar uma casquinha dos ouvintes. Pois bem, com a inauguração da TV Tupi, a Rádio Nacional apressou a inauguração também de sua tv. Já havia até comprado toda a aparelhagem que estava em um galpão ali no Cais do Porto, o que desagradou sobremaneira Chateaubriand e o seu desejo meio paranóico de ser sempre o único, o primeiro. O tempo passou e em 1955, já no Governo Juscelino Kubitschek, a possibilidade da entrada no ar da TV Nacional incomodava Chateaubriand. Ele tinha informação de que Juscelino estava prestes a assinar a concessão para o início das operações da TV Nacional. Seria o Canal 3,
em Brasília, e o Canal 4, no Rio. É então que, numa viagem de avião, Chateaubriand, ardilosamente, se aproxima de Juscelino, que estava no mesmo vôo, certamente dando um jeito de sentar ao lado dele, e é incisivo: ‘Se você botar no ar a TV Nacional eu retiro o apoio que venho dando ao seu Governo e ainda mais: vou fazer uma carga cerrada contra você em todos os Diários Associados’. É claro que Juscelino voltou atrás, não poderia brigar com um homem tão influente e poderoso como aquele. Baseado em todas as minhas pesquisas, posso garantir que ali a Rádio Nacional selou o seu destino. O sucesso do passado nunca mais voltaria, o sol havia se posto e pode parecer meio poético mas dali pra frente somente existiriam as sombras dos dias alegres de glória. O fim da Rádio Nacional nesse momento provou que foram caprichos políticos, medo de cair na desgraça junto ao eleitor, covardia em enfrentar o poderio dos Diários Associados e a figura petulante de Assis Chateaubriand que a fizeram balançar nesse primeiro golpe, porque o segundo, mortal, viria com o golpe de 1964. Outro dado muito importante e significativo que contribuiu para a queda de audiência da Rádio Nacional e que não pode ser desprezado é que até 1955 todos os artistas que se apresentavam na Rádio Nacional eram contratados com exclusividade, não podiam se apresentar em outro lugar. Mas com a inauguração nesse ano da TV Rio, o Diretor da Rádio Nacional, Moacir Areas, ignorou essa medida e liberou vários artistas do cast exclusivo da rádio para a televisão. Ou seja, provocou um imenso esvaziamento na emissora. É óbvio que o público iria preferir a televisão, um veículo que permitia ver o artista, do que ouvi-lo pelo rádio, embora nesse primeiro momento a televisão existisse em poucas residências. Mas mesmo assim, para provar o imenso poder do rádio, como meio de comunicação de massa, primazia que detém até hoje, é que com a renúncia do Jânio Quadros, em 1961, a Rádio Piratini, de Porto Alegre, uma das que lideraram a campanha contra ele, teve uma audiência maciça, muito acima da televisão que já existia há Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
11
HISTÓRIA O DIA EM QUE O TERROR ASSALTOU A RÁDIO NACIONAL DIVULGAÇÃO
FRANCISCO UCHA
FRANCISCO UCHA
12 anos. Mas antes de se chegar a 1964 precisamos falar de outro episódio fundamental: o suicídio de Getúlio Vargas. A Rádio Nacional tinha uma sala dentro do Palácio do Catete, e no momento em que soube do suicídio, Vítor Costa, que era um dos Diretores da Rádio, telefonou para a Redação, o Heron Domingues atendeu e o Vítor, muito nervoso, contou a tragédia. O Heron, por sua vez, mais nervoso ainda e atônito, não teve o sangue-frio necessário para abrir o microfone, interromper a programação e dar a notícia. Nisso, a Tupi entrou no ar e transmitiu em primeira mão o suicídio. Mas o Vítor Costa teve acesso à Carta-Testamento, copiou-a com muita coragem e espírito jornalístico, colocou-a num envelope e mandou entregá-lo ao Heron Domingues, na Redação da Nacional. Dessa vez, já passado o trauma inicial e mais calmo, HeTeixeira Heizer, Ségio Cabral e Chico Anysio deram depoimentos emocionados no documentário Rádio Nacional, O Filme. ron, com seu vozeirão, leu a Carta no ar. Entretanto, o tiro saiu pela culatra, porque os militares não queriam que a Carta viesse a público. Posso garantir que talvez nina Rádio Nacional. Ou seja, passar ao povo guém ficasse sabendo da sua existência por a idéia de que eles eram muito fortes, formuitas décadas ou talvez nunca mais, pois tes o bastante até para tirar a Rádio Nacertamente eles dariam cional do ar, como realum fim nela. “Para provar que o mente tiraram. Depoimentos sobre a emissora no documentário de Roscio. Aí, então, entra um fato E tiraram logo no prigolpe era para valer meiro dia do golpe, mas só espetacular e surpreendenCARMINHA MASCARENHAS Antônio Cordeiro, que era o locutor e que eles não te: eu, o Saroldi, o Cristiano que quando a notícia cheQuando me perguntaram se eu esportivo da Nacional. e mais alguns pesquisadogou ao Comandante da 1ª estavam ali para queria cantar na Rádio Nacional, nem res que trabalhamos com Região Leste, ele disse: ‘Vobrincadeira, foi sei como explicar a emoção que eu CAUBY PEIXOTO tanta documentação dacês estão loucos? Querem senti. Seria como cantar na TV Globo, Quando eu cheguei à Rádio Nacional crucial mexer com a jogar o povo contra a genquela época achamos que, sendo que a Globo jamais será uma ela era o maior veículo artístico do em função da publicação Rádio Nacional. Ou te? Eu mandei invadir a Rádio Nacional. Era uma emissora de Brasil. Eu cresci ali, no programa do da Carta, o golpe militar de Rádio, prender quem prerádio que comandava o País. César de Alencar, no programa do seja, passar ao povo 1964 foi postergado por cisava ser preso, apenas Paulo Gracindo. Os programas de mais dez anos. E por quê? a idéia de que eles isso. Botem novamente a SÉRGIO CABRAL auditório eram ótimos, eu adorava Porque o fato de a Carta ter rádio no ar’. E aqui é preQuando eu ouço gravações antigas, aquilo. eram muito fortes, sido publicada, com todo o ciso passar por um depoieu ouço com grande emoção todas conteúdo emotivo, social, fortes o bastante até mento triste e deprimenas vozes. Aliás, falando em vozes, OSMAR FRAZÃO político e humano que conte, confirmado por Gerdal quando o Paulo Gracindo me Vocês podem achar que eu estou para tirar a Rádio tinha, causou uma comoção dos Santos, de que o coapresentou ao Saint-Clair Lopes e ele exagerando, mas ela foi a maior me apertou a mão e falou: “Muito emissora da América Latina. Disso nacional. Uma comoção Nacional do ar, como municador mais expressiprazer!”, eu poucas vezes tive uma ninguém tem dúvida. Basta pegar os realmente tiraram.” vo e popular da Rádio nacional que era tudo o que emoção tão forte quanto aquela. livros e você vai ver. os militares que articulaNacional, César de Alenvam por debaixo dos panos contra Getúlio car, entregou muita gente aos militares, JERRY ADRIANI TEIXEIRA HEIZER e para a tomada do poder não queriam. inclusive ele, Gerdal dos Santos, que era Quando eu era menino, ouvia os Eu sou da beira da Estrada Rio-Bahia, Por que o movimento voltou em 1962, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, o programas da Rádio Nacional sou um perfeito caipira. No nosso culminando com a tomada do poder em Partidão. Eu não coloquei esse depoimenjuntamente com meu pai. E o Brasil rancho havia um rádio capelinha em 1964? Porque nesse momento a situação to no documentário porque o filme inteiro também ouvia a Rádio que se ouvia um pouco de som e um de comoção nacional estava a favor deles. abrange justamente o período que vai do Nacional. Viajando pelo País inteiro, bombardeio de ruído, mas era nele Foi feita inteligente e astutamente uma início da fundação da Rádio até o dia do vejo que a Rádio continua com um que eu ouvia Saint-Clair Lopes, Celso campanha orquestrada contra os ‘comugolpe. E esses são episódios posteriores. prestígio muito grande. Guimarães, César Ladeira... Enfim, nistas que comiam criancinhas e queriam Muita gente me pergunta por que raessas grandes figuras. fazer do Brasil uma social democracia zão não fiz essas denúncias no filme. Por MARLENE anárquica e entreguista’ e o povo acredium motivo muito simples: não foi somenA Rádio Nacional foi uma das coisas ZIRALDO tou, embarcou nela, culminando nas chate ele. Com relação ao César de Alencar, mais importantes da minha vida. Eu A Rádio Nacional faz parte da madas Marchas pela Liberdade. E tudo o está documentado, existem provas. Mas tenho muito carinho pela Rádio, mas formação da minha vida, da formação mais ficou incontrolável e foi apenas os outros? Hoje, sabe-se que não foi ele é muito carinho. Pena que está tão intelectual da minha vida. A uma questão de tempo e oportunidade o único a dedurar os colegas. E como não abandonada, porque o Brasil não tem descoberta do mundo. memória. para que os militares tomassem o poder se tem provas não se pode citar nomes, BONI dez anos depois. embora muita gente saiba de outros noJOSÉ MESSIAS A Rádio Nacional foi mais importante Outra conclusão a que chegamos, cormes. O próprio Gerdal, se você perguntar Se eu não ficasse doente, tinha que a TV Globo porque ela foi roborada também pelo Gerdal dos Santos a ele ‘em off ’, vai lhe dizer alguns. vontade de dar um tiro no ouvido, pioneira na comunicação nacional. De e o Sérgio Cabral, é que um dos objetivos Eu não creio que um fosse um único mas no estúdio em que o Cesar de alguma forma a Rede Globo seguiu do golpe militar foi acabar com a Rádio Nadedo-duro responsável pela demissão de Alencar falava, que o Paulo Roberto os passos ensinados pela Rádio cional. Porque a Rádio Nacional era uma 66 pessoas e prisão de várias, entre elas o falava, que o Paulo Gracindo falava. Nacional. força muito grande e incomodava. Eles Dias Gomes, o Paulo Gracindo, o Mário Era ali que eu queria morrer. ainda se ressentiam do temor e surpresa Lago, sem contar o Gerdal dos Santos, de CHICO ANYSIO que causara a leitura da Carta-Testamenque falei anteriormente. Porém, houve LUIZ MENDES A Rádio Nacional foi um marco na to, veiculada pela Rádio dez anos antes. É mais prisões, muito mais. Outro fato graA minha formação radiofônica foi arte brasileira. Um marco. Sempre fundamental e importantíssimo o que vou ve, foram demitidas 66 pessoas sem defecomo ouvinte. Ouvindo eu aprendi a ouvi a Nacional quando pequeno e o dizer: para provar que o golpe era de versa, sumariamente, sem direito a nenhum ser locutor. Eu ouvia todas as tardes o primeiro programa de rádio de que dade, era para valer e que eles não estavam benefício trabalhista. O Gerdal só voltou No Mundo da Bola, apresentado pelo participei foi o Papel Carbono. à rádio 20 anos depois.” ali para brincadeira, foi crucial mexer com
Lembranças que ficaram da Nacional
12 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
LEMBRANÇA
Leon Hirszman, uma vida na resistência POR RODOLFO KONDER se, certa vez, “é a intolerância”. Glauber Rocha o definiu, anos atrás, como “a cabeça política do Cinema Novo”. Na verdade, Leon era bem mais do que isso. Era uma das principais cabeças políticas deste Brasil angustiado, em busca de uma saída, de um caminho para a modernidade. Ao longo dos seus quase cinqüenta anos de vida, nunca descansou. Estava sempre onde está a ação social, para registrá-la e interpretá-la. Jamais se ausentou nas lutas contra a ditadura, o autoritarismo, a censura. Mas não se restringia a condenar a escuridão: buscava a luz, ajudava a organizar as pessoas, ajudava-as a se organizarem. Morreu de aids, mesmo sem fazer parte de qualquer um dos chamados “grupos de risco”. Isso significa simplesmente que foi uma vitima do atraso deste País que tanto amava. Vítima de uma nação sem saúde, sem defesas, sem recursos. Freqüentemente, sem vergonha na cara. No Cemitério Comunal Israelita do Caju, onde Leon foi enterrado, choravam os amigos, a mãe, Dona Sara, as ex-mulheres, os três filhos (duas moças e um rapaz), a namorada, Cláudia Fares. Na véspera, o cineasta, falando com dificuldade, dissera à Cláudia, pelo telefone: “Gatinha, vou embora hoje à noite”. Resistiu um dia mais, porque até nisso foi um resistente. ELIANE SOARES
H
á homens que unem e homens que desunem. Há os que criam e os que apenas copiam. Os que fazem e os que simplesmente observam. Leon Hirszman, que morreu na madrugada de 16 de setembro de 1987, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, era uma criatura rara: unia, criava e fazia. Entre os cineastas, destacava-se por sua permanente lucidez política e sua ilimitada generosidade humana. Mas não era um norte apenas para o pessoal do cinema. No quadro cultural brasileiro, ninguém poderia escrever nossa História recente sem mencionar Leon. Sua obra cinematográfica é relativamente pequena, mas de qualidade extraordinária. Em Cinco Vezes Favela, assinou o memorável episódio Pedreira de São Diogo. Em 1964, dirigiu o curta-metragem Maioria Absoluta, um documentário em que mostra o mundo marginal dos analfabetos. Depois, partiu para seu primeiro longa-metragem de ficção, A Falecida, em que leva à tela o universo denso e peculiar de Nélson Rodrigues. Filmou então Garota de Ipanema, Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia e Nélson Cavaquinho, antes de enfrentar importante desafio, levando Graciliano Ramos ao cinema, com São Bernardo, em1972. Realizou alguns curtas, como Ecologia, para voltar ao longa em 1981 com o premiado Eles Não Usam Black-tie. Sucesso nacional e internacional para um cineasta que vivia pressionado pela falta de dinheiro e pelas garras da censura.
Acima de tudo, era uma cabeça independente, sempre disposta à reflexão. Inimigo dos dogmas, da intransigência, do preconceito. Um artista comprometido com o diálogo, com a liberdade de criação e de expressão. “A única coisa intolerável”, dis-
RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
13
Aconteceu na ABI
O centenário de Edmundo Moniz, pensador e intelectual múltiplo Ato programado pelo Movimento de Defesa da Economia Nacional-Modecon e pela ABI exalta a vida e a obra do autor do ensaio A Originalidade das Revoluções.
A ABI e o Movimento de Defesa da Economia Nacional–Modecon associaram-se para festejar em 12 de dezembro, em ato na Sala Belisário de Souza da Casa, o centenário de nascimento do jornalista, escritor, historiador, teatrólogo e poeta Edmundo Moniz, que recebeu homenagens de platéia numerosa e de uma mesa de honra formada pelo Presidente do Modecon, Professor Lincoln de Abreu Penna, pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo jornalista e escritor Murilo Melo Filho, membro da Academia Brasileira de Letras, pelos atores Thaís Portinho, sobrinha do homenageado, e Joel Barcelos, e pelo jornalista Sérgio Caldieri, Primeiro Secretário do Conselho Deliberativo da ABI, autor do livro Eternas Lutas de Edmundo Moniz, lançado durante o evento. Lincoln Penna abriu a solenidade saudando a platéia e convidados e aplaudindo a trajetória de Edmundo Moniz. Em seguida, passou a palavra a Sérgio Caldieri, que traçou um perfil objetivo de Moniz, lembrando que ele nasceu na Bahia em 2 de novembro de 1911 e teve grande atuação no Rio de Janeiro. “Ele veio da Bahia aos 20 anos para estudar Direito e passou a vida toda no Rio, onde foi professor do Colégio Pedro II e começou a trabalhar em jornal. Em 1935, ao lado de Jorge Amado, Carlos Lacerda e Ivan Pedro de Martins, organizou o I Congresso da Juventude Operária-Estudantil. Logo depois surgiram a União Nacional dos Estudantes-Une e outros movimentos. Edmundo foi precursor dessas ações no Rio. Dei ao livro que estou lançando o título Eternas Lutas de Edmundo Moniz porque em todas as dedicatórias para os amigos ele costumava escrever ‘ao companheiro e amigo das eternas lutas’”. Na sequência, o acadêmico Murilo Melo Filho enalteceu a trajetória de Edmundo Moniz na imprensa e na História do País: “Trata-se de um poeta, um novelista, um ensaísta, um biógrafo, um teatrólogo e intelectual, que naquele tempo se chamava de esquerda. Tive a honra e a felicidade de pessoalmente conhecer Edmundo Moniz e de ser seu amigo e como jornalista nos tempos gloriosos do seu Correio da Manhã, quando foi um bravo lutador contra os militares ditatoriais do golpe de 1964, ao lado de Paulo Bittencourt, Barbosa Lima Sobrinho, Costa Rego, Álvaro Lins, Márcio Moreira Alves, Antônio Callado, Carlos Heitor Cony, além de outros companheiros, entre os quais Cícero Sandroni e Ana Maria Machado. Eles eram tão unidos entre si que ainda hoje restam versões e dúvidas sobre quem foi o autor, ou os
14 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
autores, daqueles famota, enquanto Moniz era um sos editoriais do Correio bom trotskista, mas mesmo da Manhã sob os títulos assim eles se respeitavam Fora! e Basta! estampamutuamente. Em sua saudados na primeira página ção a Prestes, Edmundo Modo jornal. Edmundo foi niz proferiu então uma frase Conselheiro desta Assoque correspondia a um enalciação Brasileira de Imtecimento extraordinário de prensa e pertenceu ao Prestes. Quando alguns menInstituto Histórico e Gecionavam a idade de Prestes ográfico Brasileiro. Foi de 85 anos como, talvez, um professor de História e fator negativo, Edmundo MoFilosofia e Secretário de niz disse que a idade de PresCultura do Governador tes era a idade de suas idéias, Leonel Brizola. Era um que permaneciam jovens por homem limpo, coerente, serem idéias de transformação honesto, correto e fiel às e de progresso social”. suas convicções ideológi“Neste momento em que cas, pelas quais pagou um se comemora o centenário de preço caríssimo, e que Edmundo Moniz, por iniciadeixou grandes e imorretiva de nosso companheiro douras saudades”. Sérgio Caldieri e dos compaEm seguida, o ator Joel nheiros do Modecon, à frenBarcelos falou sobre a te o Professor Lincoln Penna, convivência com o jora ABI associa-se a esta homenalista, escritor e teatrónagem porque está certa de logo: “Minha relação que os aqui presentes estão com Edmundo Moniz foi cultuando um homem que no Serviço Nacional do merece o nosso respeito e o Teatro, quando eu ainda nosso carinho pela sua devoera um menino, mais esção à idéia de progresso socipecificamente na inaual e de liberdade’. guração do Teatro NacioAntes de encerrar a ceriEdmundo Moniz: Jornalista e intelectual de cultura enciclopédica, nal de Comédia-TNC, mônia, Lincoln Penna falou desde moço ele abraçou as idéias e as causas da revolução social. hoje Teatro Glauce Rosobre a tradição do Modecon cha. Encenamos o texto em celebrar a vida e a obra de petrado contra o Presidente João Goulart Boca de Ouro, de Nélson Rodrigues, além grandes personalidades brasileiras: teria o objetivo de restabelecer uma legade uma temporada em 1961. Edmundo “Com esta homenagem ao jornalista lidade que eles supunham ameaçada pelo Moniz é para mim um ídolo eterno”. Edmundo Moniz – disse o Professor Linprojeto reformista do Presidente.” coln Penna –, completamos neste ano Maurício assinalou o papel de EdmunMoniz e Prestes, companheiros um ciclo de celebração a personalidades do Moniz no cenário político nacional: Em prosseguimento, Lincoln Penna pasque continuam vivas em nossa memória “Este era o Edmundo Moniz que nós adsou a palavra ao Presidente da ABI, que e em nossos corações, como o Brigadeimirávamos à distância, no meu caso. saudou os integrantes da mesa, “especialro Francisco Teixeira, aqui representado Conhecíamos a sua trajetória de luta, de mente este querido companheiro, acadêpor Iracema Teixeira, sua esposa e commilitante político com forte vínculo idemico Murilo Melo Filho; o ator Joel Barpanheira, o jornalista Raul Ryff, o histoológico com o qual nem todos nós concorcelos, que muito nos impressionou pela riador Nélson Werneck Sodré, o ator e dávamos por sua adesão ao trotskismo e sua trajetória artística no Brasil e no escritor Mário Lago e o grande combaa sua adoração por Mário Pedrosa, que era exterior, inclusive afirmando-se no cinetente Carlos Marighella. Em nome do um dos símbolos do trotskismo no Brasil. ma italiano como um dos atores prefeModecon e dos brasileiros que ainda acreNo decorrer das décadas seguintes ao ridos de Bernardo Bertolucci, Sérgio Calditam na transformação como verdadeigolpe, Edmundo firmou-se como o liberdieri e Thaís Portinho”. Ele acrescentou: ro caminho para a sociedade brasileira, tário que era desde a juventude e passou “Ao contrário de Murilo e Caldieri, não eu gostaria de dizer que com o pouco que a ter uma atuação muito vigorosa, firme tive o privilégio de conviver com o Proconheci de Edmundo Moniz, na Rua Jane até pedagógica junto ao Governador fessor Edmundo Moniz, como nós o tragadeiros, em conversas com ele e com Leonel Brizola, que o respeitava demais, távamos respeitosamente, não por apreMoniz Bandeira, surgiram perspectivas e aos seus companheiros do PDT. ço à idade dele, mas pelo que ele represenna minha vida. Eu ainda era estudante O posicionamento ideológico de Edtava em termos de cultura. Ele era uma nesta época. Lembro que após o golpe Edmundo Moniz, destacou Maurício, não enciclopédia ambulante, sempre pronto mundo Moniz disse uma frase que nunreduziu a relevância de sua trajetória a prestar informações e dar ensinamenca mais esqueci: “O pior não é a derrota política: “Tive oportunidade de assistir na tos a quantos recorriam à sua sabedoria. política, mas sim que ela se transforme ABI a um ato em homenagem aos 85 anos Edmundo Moniz afirmou-se no nosso na derrota das nossas idéias”. É imporde Luís Carlos Prestes em que um dos meio profissional com essa equipe extratante lembramos sempre do exemplo classe mencionada por Murilo, a do Cororadores principais foi Edmundo Moniz. destas pessoas para que nossas idéias Entre Prestes e Edmundo Moniz havia reio da Manhã dos anos 1960, e naquele nunca morram e para que possamos uma abismo de referências ideológicas fatídico 31 de março de 1964, em que teve construir uma sociedade mais fraterna atuação na suposição de que o golpe perdiferentes. Prestes era um bom stalinise igualitária.” PAOLA BONELLI
POR CLÁUDIA SOUZA
ARQUIVO ABI
“Jamais deslumbrou-se com o poder” Colaborador de Moniz, Caldieri o define como um homem discreto, simples, com ambição somente em relação ao teatro. Após o evento, dezenas de pessoas prestigiaram a tarde-noite de autógrafos do jornalista Sérgio Caldieri, que contou como surgiu a idéia de escrever o livro: “Fui assessor de imprensa de Edmundo Moniz. Ele gostava de contar muitas histórias sobre vários assuntos. Sempre pensei em gravá-las para um dia publicar seus pensamentos e suas idéias. Depois que ele morreu, comecei a juntar seus trabalhos e lembrar das suas histórias, pois ele foi uma pessoa importante tanto na política como na cultura brasileira. Há três anos lembrei que o centenário de seu nascimento seria comemorado em 2 de novembro de 2011. Comecei a escrever juntando alguns trabalhos dele e de outras pessoas que escreveram sobre Edmundo, como também suas entrevistas e depoimentos.” Caldieri lembra que uma parte do material para a pesquisa já estava arquivada: “Reuni algumas resenhas dos seus 16 livros publicados, entrevistas, depoimentos, catálogos das peças teatrais da época em que ele dirigiu o Serviço Nacional de Teatro-SNT, entre 1959 e 1961. Mas a maior pesquisa foi quando comecei a caçar os bandeirantes nos 15 volumes do Dicionário Delta Larousse nas 7.178 páginas e
achei mais de 250 bandeirantes e sertanistas. Era para contar por que os paulistas odeiam Getúlio Vargas, pois no Estado não existe o nome do ex-Presidente, mas suas rodovias estão todas homenageadas pelos bandeirantes assassinos de índios: Rodovias Raposo Tavares, Anhangüera, Pedro Taques, Fernão Dias e dos Bandeirantes. Não tive dificuldades, pois já estava guardando há anos. Tentei na Biblioteca Nacional ver os artigos que ele escrevia todos os domingos no Correio da Manhã. Segundo seu sobrinho Luiz Alberto Moniz Bandeira, Edmundo escreveu uma seqüência de artigos contra a candidatura do General Juarez Távora, em 1955, que foram arrasadores e eram fundamentados em fatos incontestáveis. Diante da burocracia da Biblioteca, acabei desistindo”. Para conhecer detalhes importantes sobre a trajetória de Edmundo Moniz, Caldieiri recorreu a escritores, jornalistas e intelectuais: “Eu tinha artigos de Arthur Poerner, Hélio Fernandes, Mário Augusto Jakobskind, Nélson Werneck Sodré, Paulo Francis, Cursino Raposo, José Louzeiro, Carlos Heitor Cony e Raquel de Queirós. Consegui depoimentos de Murilo Melo Filho, Sérgio Paulo Rouanet, Wilson Fadul,
Após voltar do exílio, Moniz teve atuação destacada na ABI como membro do Conselho Deliberativo. Aqui, num dia de eleição, com Hélio Fernandes e Barbosa Lima Sobrinho.
Eduardo Chuay, Miguel Borges, Vanja Orico, Ivan Cavalcânti Proença, Alaíde Pereira Nunes e Rose Marie Muraro. Entre uma infinidade de adjetivos, a postura discreta e o amor ao teatro eram características marcantes da personalidade de Edmundo Moniz, recorda Caldieri: “Edmundo é descendente das famílias mais tradicionais da Bahia: Moniz, Ferrão, Sodré, Bulcão, Bandeira, Vianna e Pires de Albuquerque. Seu pai, Antônio Moniz, foi deputado e Governador da Bahia, em 1910. Com toda esta tradição, Edmundo Moniz era uma pessoa muito simples, discreta, educadíssima, que ao chegar na Secretaria de Cultura cumprimentava todos os funcionários. Nunca foi um deslumbrado com o poder. Tanto que, quando foi Presidente, Juscelino Kubitschek lhe ofereceu um alto cargo na Embaixada do Brasil que ele escolhesse: Roma, Londres, Paris, Lisboa, Berlim. Edmundo preferiu ficar no Rio de Janeiro dirigindo o SNT, que é o que ele mais gostava de fazer”.
Edmundo Moniz deixou como grande legado para a sociedade brasileira seus valores e sua obra, especialmente para os jovens que optarem pela carreira na imprensa, analisa Caldieri: “As novas gerações de jornalistas deveriam seguir o exemplo de Edmundo Moniz, que passava as tardes até altas horas da madrugada lendo e pesquisando na sua biblioteca de 25 mil volumes. O líder comunista Luís Carlos Prestes me disse o seguinte certa vez: ‘Edmundo Moniz é o maior teórico marxista da América Latina’. Edmundo comprou um apartamento em Copacabana para guardar seus livros. Ele deixa um grande exemplo de dignidade, credibilidade e profissionalismo ao jornalismo brasileiro. Para se conhecer a História do País são fundamentais os seus livros sobre a Guerra de Canudos, A Originalidade das Revoluções e O Espírito das Épocas, como também as peças teatrais encenadas quando dirigiu o Serviço Nacional do Teatro, nos Governos Juscelino Kubitschek e João Goulart.
“Edmundo continua a viver na minha recordação” Sem condições de vir ao Rio de Janeiro, o jornalista, escritor e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira enviou de St. Leon, Alemanha, no dia 11 de dezembro, amoroso texto de homenagem à memória de Edmundo Moniz, seu tio. Suas comovidas palavras: “Devido à distância entre a Alemanha, onde moro, e o Brasil, e à precariedade de minha saúde, não posso estar presente, em pessoa, a esta homenagem a Edmundo Moniz no ano do seu centenário. Cá estou, porém, representado pelo jornalista Sérgio Caldieri, que foi amigo e assessor de imprensa de Edmundo, na Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, e por minha prima querida, a atriz Thaís Moniz Portinho, filha de minha tia Norma Moniz de Aragão, irmã de Edmundo, uma notável mulher que sempre estimei e admirei pela sua inteligência e combatividade política, sendo uma das precursoras do feminismo no Brasil, nos anos 1930, quando estudava na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Edmundo foi para mim como um segundo pai, meu pai intelectual, meu mestre, que tomei como exemplo a seguir, desde minha adolescência, e ele muito contribuiu para
a minha formação cultural, política, filosófica e ideológica. Li aos 15 anos de idade, logo que publicada sua primeira edição, O Espírito das Épocas, no qual Edmundo tratou de demonstrar que as obras dos notáveis poetas e escritores, de Dante a Anatole France, sempre refletiram o desenvolvimento econômico e social da Humanidade, o espírito universal das épocas em que viveram. Esse livro, que ele me levou para a Bahia, muito me influenciou e influiu na minha formação cultural e literária. Assim, ainda adolescente, tornei-me seu discípulo. E, desde então, Edmundo foi, para mim, como um “praeceptor”. Quando voltei da Europa, em 1978, ao dar-me um exemplar de sua importante obra – A Guerra Social de Canudos – ele escreveu, na dedicatória que era uma “recordação de tantos anos de convívio e de amizade, com a mesma afinidade de idéias.” Sim, convivi com Edmundo durante quase toda a minha existência, e tínhamos real e forte afinidade de idéias, pois muito do que aprendi foi ele que me ensinou, levando-me a ler Freud, Marx, Trotsky, Hegel, Kirkegaard, Anatole France e muitos outros autores, na minha juventude.
Também com Edmundo aprendi a arte da esgrima na polêmica. Sua seqüência de artigos, no Correio da Manhã, contra a candidatura do General Juarez Távora, antagonista de Juscelino Kubitschek, na campanha presidencial de 1955, foram arrasadores, porque fundamentados em fatos incontestáveis. Sim, Edmundo sempre ressaltou, para mim, que “as palavras não mudam a realidade dos fatos”. Os fatos valem mais do que quaisquer palavras, do que quaisquer adjetivos, convencem mais do que qualquer retórica. Eu o vi pela última vez em março de 1996, antes de embarcar para a Alemanha, aonde vinha morar, depois de aposentado como professor titular da Universidade de Brasília. E ele, enfermo, no leito de seu apartamento, me disse, com lágrimas nos olhos: “Luiz Alberto, minha vida está chegando ao fim”. Chorei, mas retruquei: “Não, Edmundo, você ainda vai viver muito”. Ele era um homem que amava a vida, sempre a combater em suas “eternas lutas” pela democracia e o socialismo, contra o stalinismo, contra todo e qualquer totalitarismo, contra todo e qualquer fundamentalismo político ou religioso. Edmun-
do era, sobretudo, um humanista, pluralista e a tolerância e a bondade foram marcas essenciais de sua personalidade. Edmundo faleceu em janeiro em 1997. Eu estava na Alemanha e não contive os prantos, quando soube. Fui seu discípulo, do que muito me orgulho e me honro, e estava a perder um pai, que partiu para “the undiscover'd country from whose bourn no traveller returns” (Shakespeare, Hamlet, Act 3, Scene 1), i.e., para o país não descoberto, do qual nenhum viajante retorna. Porém, Edmundo continua a viver na minha recordação, recordação que guardo acesa e não se apaga, e a ele, meu tio, meu pai intelectual, meu mestre e meu amigo, tributo, com fortes dores da saudade, a mais profunda gratidão e toda a minha reverência à sua memória, à memória do grande homem que foi, como filósofo, jornalista, professor, escritor, homem com vasta e sólida cultura, enorme poder intelectual, de caráter íntegro, com a maior pureza moral e dignidade humana. Que Edmundo sempre viva na lembrança de todos nós e tenha seu nome gravado no Pantheon dos grandes intelectuais brasileiros.” Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
15
Aconteceu na ABI
O jornalista no meio do tiroteio Reflexões de fotógrafos, repórteres e professores sobre a insegurança que gerou a morte do cinegrafista Gelson Domingos. FERNANDO QUEVEDO/AGÊNCIA O GLOBO
P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES O encontro tinha como principal objetivo reunir profissionais da mídia (editores, repórteres e fotojornalistas) para debater sobre os rumos da cobertura policial, que na opinião de membros da categoria está cada vez mais perigosa. Mas no decorrer do debate “O jornalista no meio do tiroteio: a necessidade, o risco e os limites das testemunhas oculares” foram discutidos também a ética no Jornalismo e fatores de violência e miséria nas favelas. Com uma platéia formada por jornalistas, estudantes de Jornalismo e líderes comunitários, o debate foi realizado na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do edifício-sede da ABI, no Centro do Rio. A mesa que conduziu os trabalhos foi formada por Jorge Antônio Barros (O Globo), Alcyr Cavalcânti (ABI/Arfoc), Guillermo Planel (documentarista), Edna Del Pomo (NUESC/UFF) e Leonel Aguiar (Puc-Rio), com mediação da Diretora de Jornalismo da ABI, Sylvia Moretzsohn (ABI/UFF). O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, também esteve presente ao evento, que foi promovido pela entidade, em parceria com a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro (Arfoc). Antes da apresentação de cada um dos palestrantes, Alcyr Cavalcânti, que é fotojornalista e antropólogo, mostrou um estudo sobre a cobertura fotográfica nos morros cariocas desde a década de 1970. O trabalho reúne farto material fotográfico sobre violência e miséria em morros e favelas do Rio, como Maré, Rocinha e Parque Alegria, entre outras, registradas entre os anos1970 e 1990, além da “ocupação desses territórios” pelo Exército nos anos de 2002 e 2006. Disse Alcyr que existe reportagem policial porque o seu conteúdo, de imagem ou texto, é uma realidade que deve ser mostrada: “O nosso papel (do jornalista) é mostrar o que existe de bom e de ruim para que a sociedade reflita e tome as suas providências”, afirmou Alcyr, membro do Conselho Deliberativo da ABI. Com a experiência de quem já trabalhou em quase todos os jornais do Rio e de São Paulo, além de em algumas revistas e agências do exterior, Alcyr Cavalcânti considera que existe uma diferença grande entre a cobertura jornalística desde a época em que ele começou, há 40 anos, e a de hoje. Em sua opinião houve um fator que desequilibrou muito a questão das chamadas áreas segregadas ou favelas: a entrada maciça da cocaína a partir de 1984, que resultou na necessidade de proteção de território. Na visão dos criminosos, disse, esses territórios precisam ter uma proteção bélica para enfrentar invasões policiais ou de outros grupos criminosos. Por isso, a atuação do jornalista nessas áreas é sempre extremamente difícil: “Algumas ações da Polícia têm sido combinadas previamente, para que não haja confronto, para que não haja mortes. No Morro do Alemão, cobertura de que não participei, parece que se deu possibi-
16 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
lidade de fuga pros chamados gerentes ou chefes do morro. Vários deles fugiram. Na Rocinha, o chefe não teve a mesma felicidade e acabou preso de forma inusitada. O grande dilema é esse: na favela de Antares, onde, parece-me, houve uma invasão combinada, mas com muitos riscos, houve um grande confronto que acabou provocando a morte do cinegrafista Gelson Domingos.” Alcyr Cavalcânti lembrou a tese da ensaísta e escritora norte-americana Susan Sontag, que compara a câmera a uma arma de fogo, sempre apontada e carregada para o objetivo. Susan vê a câmera de uma forma negativa ou pessimista, a exemplo de vários outros autores, segundo Alcyr: “Achando que a fotografia viola, porque ela mostra as pessoas como as Flagrante da operação da Polícia na favela do Antares, em Santa Cruz: o cinegrafista está sem colete. pessoas não querem que sejam vistas, ou seja, a foto é tremendamente invasiva. Susan tem um Alcyr concorda com a análise de Mie infelizmente o PM e o Gelson posicionapouco de razão. No jargão do fotojornalischael Foucault, que diz que o fotógrafo em dos em plena luz do dia. Foucault diz que mo, fotografar muito e muito rápido chaárea de risco tem que dominar a situação e a visibilidade é uma armadilha, porque ma-se metralhar. O filme e hoje o cartão de preferencialmente ver tudo o que ele quer quem tem que estar visível, e esse é um dos memória são chamados de munição e o fotografar, mas sem que seja visto: “Essa seria princípios da fotografia, é o objeto. Ou seja, botão que se aperta e aciona todo o mecauma das condições básicas para que um o bandido. Mas no caso Gelson, infeliznismo, esse então é uma analogia direta: fotógrafo em área de risco possa fotografar mente, foi diferente. O criminoso, cujo chama-se disparador. A ensaísta é extremae sair vivo. No caso Gelson, que é bastante rosto mal se percebe, estava com a visão mente feliz quando faz essa analogia enespecífico, pelo pouco que eu vi, o bandido perfeita tanto dos policiais quanto do cinetre a arma de fogo e a câmera”. estava muito bem protegido, nas sombras, grafista, que eram alvos faceis”.
“A sociedade precisa do testemunho da fotografia” O advogado mais barato que a comunidade tem é o jornalista, diz o fotógrafo e documentarista Guillermo Planel. O fotógrafo e documentarista Guillermo Planel falou sobre a mudança ocorrida no fotojornalismo nas últimas décadas, e disse que a sua opinião é de que a sociedade depende de uma testemunha ocular dos problemas gerados pela violência nas favelas. “É importante fazermos uma reflexão com mais calma sobre o que está acontecendo, antes de tirarmos conclusões simplesmente banais sobre a cobertura fotográfica em situações de conflito”, declarou. Planel é fotógrafo desde 1978, formouse em Jornalismo em 1986, mas nunca exerceu a profissão de jornalista em Redação. Fez pós-graduação em imagem na Puc e ali criou um projeto chamado “Abaixando a máquina”, que deveria ser um projeto de registro do fotojornalismo, sobre a questão do que o fotógrafo sentia pelo lado ético, pelo lado da profissão, qual era o sentimento. Com base nos depoimentos que colheu, Planel acabou realizando um filme, e a partir disso foi desenvolvendo uma série de trabalhos ligados à fotografia como o documentário A Imagem do Jongo, e mais recentemente o filme ViVendo um Outro Olhar.
No documentário Abaixando a Máquina, Planel trata da questão da ética, da aproximação, de como é feita a cobertura jornalística nas situações de conflito dentro dos morros e das favelas. Foi uma forma que encontrou de mostrar como a favela vê a si mesma, como os fotógrafos dessas comunidades vêem a sociedade formal, como eles olham a grande mídia, a imprensa que os retrata. Na opinião de Planel, está acontecendo uma mudança no fotojornalismo de uma forma que talvez pouca gente esteja percebendo: “No meu entendimento, é uma necessidade urgente, básica, de se fazer essa cobertura, a sociedade precisa e depende de uma testemunha e a testemunha ocular é o fotojornalista e o cinegrafista, que estão trabalhando no dia-a-dia pra poder mostrar, bem como defender a população das comunidades atingidas. Como diz o fotógrafo Nilton Claudino no Abaixando a Máquina, o advogado mais barato que a comunidade tem é o jornalista, porque está ali sempre também pra defender a comunidade.”
Diz Planel que desde a morte do Gelson Domingos muita coisa tem sido dita em relação a essa questão: “Mas eu acho que é importante fazer uma reflexão com um pouco mais de calma do que simplesmente banir a profissão, ou a atuação da fotografia de conflito armado, porque é uma questão de testemunha. Eu acho que ninguém pode esquecer que se a Guerra do Vietnã acabou naquele momento, foi por causa de uma fotografia, foi a partir daquela imagem da menina com o corpo em chamas que o mundo percebeu a gravidade do que estava acontecendo. Inclusive os Estados Unidos perceberam a partir da imagem daquela menina toda queimada de Napalm de que realmente do outro lado do mundo estavam acontecendo algumas atrocidades”. No caso do Rio de Janeiro, ele vê o desenvolvimento de um processo positivo: a abolição das armas de guerra. Mas levantou uma questão importante ao comentar a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora-UPPs nos morros da Zona Sul: “Estáse criando um cinturão de segurança que a grande mídia está apoiando, mas com uma
postura editorial que dá as costas ao que está acontecendo na Zona Oeste, por exemplo”, ponderou Planel. “Abandonar o resto é o mesmo que abandonar a sociedade. Não nos esqueçamos também de que é preciso melhorar as condições de trabalho e remuneração dos profissionais”, defendeu. Planel criticou uma proposta lançada no meio dos setores de segurança, sobre o uso de helicópteros para fazer a captura das imagens, em substituição aos fotógrafos. Segundo ele, o papel da mídia é preservar e denunciar com critérios tudo o que está acontecendo: “Cada fotojornalista que do-cumenta os problemas de segurança pública está cumprindo um papel importante para a sociedade de maneira geral”, afirmou. Planel apresentou um trecho do documentário de sua autoria chamado Abaixando a Máquina – Ética e Dor no Jornalismo Carioca, que reúne imagens fortes e depoimentos de vários repórteres-fotográficos sobre a cobertura policial diária da imprensa carioca. Entre os entrevistados estão Marcos Tristão, Custódio Coimbra, Wilton Jr. e Domingos Peixoto. Nilton Claudino também é um dos depoentes: ele que teve que abandonar a família e foi obrigado a viver na clandestinidade por causa de uma reportagem para o jornal O Dia sobre milicianos na favela do Batã, na Zona Oeste, onde estava infiltrado, juntamente com uma repórter e um motorista do jornal. A equipe foi descoberta, torturada e sofreu ameaças de morte dos criminosos.
“Não mando meu repórter pra cobrir tiroteio porque lá não tem notícia” Para a professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense e Diretora de Jornalismo da ABI, Sylvia Moretzsohn, o filme de Planel é um documento muito útil para que seja feita uma reflexão sobre o exercício do fotojornalismo. Ela contou que na Uff foi promovida uma discussão praticamente logo depois do episódio que vitimou o cinegrafista da Bandeirantes Gelson Domingos, a qual coincidiu com uma semana acadêmica em que houve a organização de um seminário voltado para a prática do jornalismo, chamado Controversas: “Um dos painéis foi justamente sobre jornalismo policial e um dos participantes da mesa, que está agora na chefia do Extra, declarou o seguinte: “Eu não mando meu repórter pra cobrir tiroteio porque lá não tem notícia”. Eu fiquei impressionada com aquela declaração porque na verdade há dois aspectos que me parecem contraditórios aí nessa frase. De fato não tem notícia ali se você pensar a notícia no estilo Datena, no estilo Wagner Montes, ou seja, o tiroteio pelo tiroteio, o espetáculo, a idéia que você está ali pra cobrir aquele monte de tiros, e imagens impactantes”, afirmou Silvia Moretzsohn, esclarecendo que discor-
dou do colega porque acha que inevitavelmente esse tipo de cobertura dá notícia na medida em que, se há um tiroteio, pode haver vítimas e a prática de abusos. Lembrou que nesse tipo de cobertura jornalística existe uma série de aspectos de ultrapassagens de determinados limites, a necessidade do risco e os limites da testemunha ocular (o jornalista), que é necessária: “Agora como é que ela vai trabalhar? Então eu queria abordar essa discussão como uma proposta. Há ou não há notícia nesse tipo de cobertura, é ou não necessário o jornalista estar presente; se for necessário, de que maneira ele pode atuar? A questão que está conjugada com esta que é estarmos discutindo como é a cobertura, o que o repórter pode fazer, que tipo de recursos ele deve usar como defesa, que elementos podem ser utilizados para evitar vítimas, não deixar o profissional se expor excessivamente a tudo, que inevitavelmente entra por essa questão dos coletes também e a utilização de determinados equipamentos de defesa. A questão é propriamente a seguinte: o que é fazer cobertura de segurança pública no Rio de Janeiro hoje? A Diretora de Jornalismo da ABI concluiu chamando a atenção para dois as-
pectos “que se conjugam e que se conflitam”. Ela citou as UPPs que surgem como uma espécie de solução mágica dos conflitos e conjugada com a permanência da política de confronto, que lhe parece estar associada à noção de que para um certo circuito da cidade, que seria o circuito olímpico, existem as UPPs, mas para o resto da cidade continua a manutenção do confronto: “Certamente se não fosse o Gelson a vítima principal, se não fosse ele a notícia, um cinegrafista, um de nós, seria mais ou menos como o que aconteceu na favela da Coréia há alguns anos, aquilo a que nós assistimos: um helicóptero atirando do alto, dois caras fugindo e logo após sendo atingidos. Imediatamente depois veio a declaração do Secretário de Segurança Pública dizendo que uma coisa é um tiroteio na Coréia, outra coisa é um tiroteio em Copacabana. Acho que é importante marcar que se trata do mesmo Governador e do mesmo Secretário de Segurança que faziam essa política de confronto, e agora criam a UPP como a solução, embora os confrontos continuem acontecendo, como ocorreu recentemente lá em Antares, onde o Gelson acabou sendo a vítima.”
A morte de Tim Lopes foi um divisor de águas na cobertura Dedicado desde 1981 à cobertura policial, Jorge Antônio Barros aponta as mudanças desde João do Rio, há 100 anos. Editor-Adjunto da Editoria Rio de O Globo, Jorge Antônio Barros contou que acompanha o tema há 30 anos, desde 1981, e as suas impressões e opiniões sobre a segurança do jornalista na cobertura de conflitos. Através do seu blog Repórter de Crime, lançado em 2005, ele procura analisar a questão da segurança pública e da criminalidade do Rio. “Em 1988, fui o primeiro repórter, talvez do Brasil, juntamente com o Alcyr Cavalcânti, a morar numa favela. Mas em 1911, portanto há 100 anos, João do Rio, grande cronista carioca, foi talvez um dos primeiros a lançar um olhar sobre a favela, o Morro de Santo Antônio, que depois foi destruído. O Brasil tem 500 anos; portanto, há 100 anos apenas a imprensa lançou um olhar sobre a favela, que é uma situação absolutamente nova, para a imagem que se faz dela.” Jorge Antônio lembrou um trabalho da socióloga Lícia Valadares onde ela diz que a imagem que se tem da favela é totalmente inventada, é recriada: “A favela como nós a vemos na mídia, no jornal ou na literatura, é outra favela. Ela não é uma realidade única, como muitas vezes a gente que mora no asfalto imagina. Hoje em dia, em pleno Rio de Janeiro, século 21, tem gente que acha que a maioria dos moradores da favela é bandido; se não é bandido é conivente com bandido. “Ah, por que eles estão ali? Por que eles não denunciam? Eles deixaram isso acontecer, ficar desse jeito?” Mas se alguns dos que pensam dessa maneira forem morar na favela vão verificar que a realidade é outra. O buraco é mais embaixo”, disse. Jorge Antônio salientou que há uma outra questão que também é importante:
o olhar que a imprensa sempre lançou sobre a favela como sendo o local do refúgio do bandido; um local à margem, onde a imprensa ia apenas para cobrir eventuais operações policiais, muitas delas clandestinas, que sequer eram registradas. “Eram operações feitas por policiais que iam lá extorquir dinheiro dos traficantes, acabavam entrando em confronto com eles, e chamavam a imprensa que ia cobrir e não sabia obviamente de todos esses detalhes. Mas estava ali a serviço desse aparelho policial corrupto para mostrar essa realidade e isso tudo foi construindo, no nosso imaginário, a necessidade de a favela ser exterminada ou combatida, e daí surge toda uma nomenclatura da guerra”, afirmou. Ele destacou que a cobertura deste tema usa palavras de guerra, do combate ao crime, da invasão, da ocupação, mas não é uma grande teoria conspiratória, intencional. Essa linguagem é conseqüência de todo esse imaginário que é construído pela sociedade sobre a favela, e a imprensa nada mais é do que um espelho da sociedade. Jorge Antônio diz que seria leviano afirmar que a imprensa é culpada de tudo, mas ela reflete pensamentos da sociedade, sobretudo os pensamentos dos formadores de opinião mais influentes, dos que têm mais poder, dos que têm acesso à informação, dos que têm acesso de se comunicar com essa imprensa e retroalimentá-la: “Daí é que se cria uma bola de neve, que vai crescendo sem fim. Nesse processo de violência das favelas, uma coisa que é muito importante ressaltar é que os moradores sempre ficaram ali como um marisco, entre o mar e as pedras, sem muita
condição, sem acesso à informação, às Redações, à mídia formal. Agora com o advento da internet, já surgem algumas experiências interessantes que podem mostrar outra realidade, não é uma realidade única e absoluta, mas é uma imagem diferente. Um novo olhar que nos mostra a favela como um local de convivência comunitária e de muita produção cultural. Tudo isso começou a vir à tona a partir desse processo”, lembrou. Jorge Antônio disse que se atualmente fosse repórter de rua não teria coragem de ir morar em favela alguma, como fez em 1988. Mesmo em uma dessas comunidades pacificadas: “Eu não teria coragem. Naquela época, eu não sei o que deu na nossa cabeça (na dele e do Alcyr). Nós fomos pra Rocinha depois de cobrir diariamente a morte da líder comunitária Maria Helena Pereira da Silva. Como a gente ia todo dia pra Rocinha, então resolvemos acabar morando lá. Perguntei ao meu chefe no JB, que era o Manuel Francisco Britto, ele concordou, chamou uma subeditora pra conversar comigo, que me deu algumas idéias de pauta e tal. Lá fomos nós: não existia telefone celular, não tinha nenhuma forma de controle. Ninguém ficava preocupado, mandando a gente ligar para a Redação”. No penúltimo dia dos repórteres na Rocinha o carro deles foi alvejado por vários disparos de traficantes. Eles confundiram o carro do JB, que não tinha letreiro, com o veículo de uns policiais que trabalhavam para a contravenção, que estava em guerra com os traficantes: “Meteram bala direto, levei três segundos para perceber que o carro era o alvo, uma bala atingiu o
automóvel, nós paramos desesperados, eu pelo menos tremi muito, não me lembro o Alcyr – , você tremeu Alcyr? – (risos). Eu sei que o motorista ficou desesperado também. Nós conseguimos com isso chegar até o chefe do tráfico, que na época era um bandido chamado Sérgio bolado, que aí estava mais preocupado em mostrar o estrago que o jogo do bicho estava fazendo na comunidade.” A reportagem rendeu um caderno especial do Jornal do Brasil, com seis páginas, uma delas inteira com uma entrevista com o traficante, que só aceitou posar para foto se fosse sem arma: “O cara já tinha uma noção da imagem pública, que era importante se apresentar bem”, contou Jorge Antônio, observando que da década de 1990 para cá foi aumentando cada vez mais a quantidade de armamento nas mãos dos bandidos, e a cobertura também continuou sendo feita sem nenhuma linha objetiva, até que ocorreu o grande divisor de águas dessa história, que foi a morte de Tim Lopes, em junho de 2002. “O Tim Lopes foi seqüestrado e morto daquela forma cruel, bárbara, nós realmente ficamos chocados com aquilo. Eu fiquei indignado na época. Participamos da criação da Comissão Tim Lopes e até hoje se contam mil histórias sobre o que houve com ele, que vai virar lenda, porque ninguém vai conseguir esclarecer exatamente o que aconteceu. Foi um acidente de trabalho terrível, pois ele de fato estava fazendo um pouco mais do que a gente tem que fazer na reportagem, porque se a infiltração é uma atividade perigosa até mesmo para a Polícia, imagine para o repórter”, disse Jorge Antônio. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
17
Aconteceu na ABI Na Colômbia, entre 1987 e 2011, foram assassinados 126 jornalistas citado com 38 jornalistas assassinados e um desaparecido, ao longo desses anos. Nessa aproximação que a Puc fez com a Sip, uma das propostas que a entidade fez para as diversas universidades das três Américas foi propor uma conferência universitária do Hemisfério para tratar basicamente dessa questão, que eles chamam de políticas públicas para combater a impunidade nos crimes contra os jornalistas”, disse. Leonel lembrou que o caso do cinegrafista Gelson Domingos foi o primeiro assassinato de jornalista em uma troca de tiros entre Polícia e traficantes, mas ressaltou que as mortes de jornalistas vêm acontecendo há muito tempo. Segundo ele, a Federação Nacional dos JornalistasFenaj tem uma visão um pouco mais ampliada dessa questão da violência contra os jornalistas do que a da Sip, que foca nos aspectos como assassinato e desaparecimento. A Fenaj, disse, trabalha com a questão da agressão a jornalistas, não só dos assassinatos, que correspondem a 8% dos casos de violência contra a categoria, mas também as agressões verbais e físicas que no ano passado foram 42% do total de casos registrados: “A Fenaj faz um mapeamento também sobre censura e processos judiciais, que são outro grande e grave problema que o jornalista sofre. São os processos judiciais com ações milionárias, além de outras questões que não aparecem no relatório mas que a Fenaj considera como uma agressão à nossa atividade profissional, a precarização das relações de trabalho, a censura empresarial e até mesmo a autocensura”, afirmou. Ao encerrar a sua intervenção, Leonel disse que a ABI tem o papel fundamental de fazer a união dessas forças e atuar em conjunto com o Sindicato dos Jornalistas e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji, que trabalha com esse ponto que é a segurança do trabalho: “Nós jornalistas estamos atrasados nesse processo. Precisamos pensar nos mecanismos de segurança”.
“Estamos assistindo a um Estado penal no Brasil, e não a um Estado social” Para a socióloga Edna Del Pomo, vivese atualmente em relação à violência no Rio de Janeiro uma fase que é a continuidade de uma história antiga: “Começou há muitos anos, na época do Prefeito Pereira Passos, com a história de limpar a cidade. Vamos tirar a sujeira da frente. E quem é que vai se limpar? Quem é a sujeira? A sujeira é o pobre. Pobre sempre é sujo, aquela idéia absurda de que a pessoa é suja porque é pobre”. De acordo com a socióloga, esse processo foi-se agravando. E de 1990 para cá nós estamos assistindo a um Estado penal no Brasil, no lugar de um Estado social. “E isso está completamente em desacordo com o Estado Democrático de Direito. Nós estamos vendo um Estado de exceção, um Estado absoluto onde os direitos humanos são deixados de lado em prol de
18 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
uma pseudo-segurança. Eu acho que a mídia tem um papel muito importante nesse processo, muito mais do que nós, intelectuais e pesquisadores, porque vocês, jornalistas, chegam até a população”, afirmou. Edna Del Pomo elogiou o debate na ABI sobre a violência nas favelas e sobre a questão da segurança dos jornalistas: “Isso tudo é muito sério, porque é uma forma de impedir o acesso da sociedade às informações. Essa história de helicóptero para fotografar que eu ouvi aqui, isso é mais uma maneira de a sociedade ficar impedida de saber o que realmente está acontecendo”. Colaborou Renan Castro, estudante de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com habilitação em Jornalismo, e estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.
A imprensa do interior pede passagem I Congresso de Diários do Interior do Brasil reafirma o alcance e a importância dessas publicações para a democratização da informação no País. P OR PAULO CHICO
Há um gigante editorial no interior do Brasil. O País tem hoje 380 jornais diários fora das capitais. Reunidos, eles somam a circulação diária média de 4 milhões de exemplares, alcançando 20 milhões de leitores. Ao contrário da grande imprensa das capitais, o setor cresce a taxas superiores a 10% ao ano, nos mais variados aspectos, como circulação e retorno publicitário. No entanto, faltam organização e representação política a essas publicações. E justamente este ponto foi um dos temas do I Congresso dos Diários do Interior do Brasil, realizado nos dias 6 e 7 de dezembro em Brasília. “A partir deste Congresso, buscamos criar uma marca de conteúdo para esses jornais, que possa ser identificada do Amapá ao Rio Grande do Sul. Promover uma integração editorial. Somos hoje a grande imprensa do interior. É preciso entender que os diários do interior já são reconhecidos e respeitados por seus leitores há muito tempo. E há alguns anos também o mercado publicitário, assim como alguns Governos de Estado, o Governo Federal e entidades organizadas da sociedade, como o Conselho Federal de Medicina, passaram a utilizar esses jornais como o melhor veículo para se comunicar com os brasileiros das mais distantes regiões. O interior do Brasil é um país dentro do Brasil: são 143 milhões de habitantes, em 5.538 municípios”, diz Fernando Bond, Diretor Editorial do evento. Mais de 250 diretores, editores e profissionais da área da Comunicação participaram do Congresso na capital federal, aberto pela Ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, representando a Presidente Dilma Rousseff. No seu discurso, ela destacou o fato de que “durante muitos anos, no nosso País, o Governo preferiu centralizar a informação, privilegiando apenas os veículos dos grandes centros. Existia uma relação de exclusividade entre o poder público e a chamada ‘grande imprensa’. Foi a partir do primeiro mandato do Presidente Lula que isso mudou. O Governo optou por descentralizar a distribuição da informação e passou a tratar os profissionais do interior com o mesmo respeito que antes era prestado apenas aos grandes centros”. Com 37 anos de carreira e passagens por veículos como a TV Globo, Record e SBT, além do Jornal do Brasil, Fernando Bond criou, há cerca de oito anos, a Bond&Bond Inovando Jornais, que já fez o reposicionamento de 15 jornais, a maioria deles justamente diários do interior. Foi coordenador da equipe que em 2005 criou a Central de Notícias Regionais-CNR, a mais bem-sucedida agência de notícias de Integração Editorial de Diários do Interior. É ele quem explica quais ações concretas podem ser
DIVULGAÇÃO
O Professor Leonel Aguiar disse que, quando foi convidado para participar do debate, resolveu se aprofundar mais um pouco na questão. Essa reflexão o levou à própria História da Imprensa, que sob o ponto de vista de alguns autores tem uma abordagem interessante que é a questão da História do testemunho. “Ela aparece no século 19 com a figura até então inovadora do repórter. A relação entre o risco da profissão e essa nova função da atividade do repórter já nascem juntas, porque os primeiros jornais, principalmente os da chamada Penny Press, os jornais sensacionalistas do Pulitzer, já enviavam tropas de repórteres para cobrir a Guerra Civil americana. O World chegou a mandar 60 correspondentes para cobrir a guerra do Norte contra o Sul, já trabalhando com o jornalismo de disfarce”, afirmou. Referindo-se aos dados da Sociedade Interamericana de Imprensa–Sip sobre a violência que atinge os profissionais da mídia no exercício da profissão, Leonel defendeu que seja feita uma avaliação sobre quais são os limites e os riscos da função jornalística entre as entidades que defendem os interesses da categoria: “Os limites e os riscos eu acho que são inerentes a essa própria função da nossa profissão, nós temos que tomar uma atitude em relação a isso. Por mais resistência que a gente tenha em relação ao papel às vezes conservador e de direita que a Sociedade Interamericana de Imprensa tem, ela defende uma questão que é bastante importante para a ABI, para o Sindicato dos Jornalistas e outras instituições, que é sobre a proteção da vida do jornalista”, disse. Leonel citou números do mapeamento que a Sip vem fazendo desde 1987 e chegou à conclusão de que os dados “são alarmantes”: “A Colômbia, por exemplo, aparece na estatística com um total de 126 jornalistas assassinados de 1987 a 2011, se bem que o mapeamento de 2011 pára em agosto. Depois é o México, com 82 mortos e 19 desaparecidos. O Brasil é
MERCADO
Fernando Bond: Primeiro passo é a adesão à integração editorial.
tomadas para o fortalecimento dessas publicações. “A primeira delas é a sua identificação perante os leitores de todo o País, como uma grande instituição: os diários do interior. Isso se dará através de entrevistas quinzenais feitas com uma pauta compartilhada, da qual participam jornalistas de publicações de vários Estados. Será editada uma coluna semanal a partir de Brasília, mas com foco em cada Estado. Nos próprios Estados, as entidades aglutinadoras dos diários do interior terão uma coluna diária, regional, a partir da capital. O que ficou decidido é que o primeiro passo é a adesão à integração editorial”, diz Fernando Bond, autor do livro Eu, Você e os Outros, editado pela Sextante. Ele prossegue em sua análise. “Gestores e editores-chefes vão oficializar esta adesão ao longo do mês de janeiro, para que, já a partir de fevereiro, passem a ser produzidas as pautas integradas – a partir de um calendário anual para as entrevistas quinzenais e da formatação das colunas, tanto a nacional com foco estadual, como também a estadual com foco regional”, explica Bond, reafirmando a necessidade de contínuo desenvolvimento e qualificação do setor, para o cumprimento do dever de informar as sociedades regionais sobre os temas latentes que envolvem seus cotidianos. “A partir de agora vamos executar de forma prática, profissional e organizada aquilo que propusemos aqui: a integração editorial. Nossos jornais, mais de 300 diários espalhados por todo o País, vão ampliar a estrutura hoje existente para captação de notícias exclusivas em Brasília, sempre com o foco voltado para os anseios das regiões e cidades do interior. Além disso, será consolidada uma rede de troca de notícias e pautas entre os Estados. E a integração pelo conteúdo passa a ser marca registrada dos nossos diários, que assim serão reconhecidos em todo o País”, garantiu no encerramento do evento o presidente da ADI Santa Catarina – Associação dos Diários do Interior/SC e Presidente eleito da ADI Brasil, Ámer Felix Ribeiro.
Cai o público jovem do jornal impresso Em uma década, baixou de 20% para 11% seu total de leitores com até 22 anos de idade. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES
MUNIR AHMED
De acordo com a pesquisa Hábitos de Mídia do Datafolha, o principal meio de informação atualmente dos jovens das classes A, B e C é a internet. O índice de leitores juvenis que preferem acessar notícias pela rede é de 39%; a tv aberta aparece como o segundo veículo de audiência dos jovens, com 35%; e o jornal impresso ficou com apenas 6% desse segmento de leitores. Pelo levantamento da Folha, o Perfil do Leitor, apurado em 2011, revela que 11% dos leitores do jornal têm até 22 anos de idade – há dez anos esse público era de 20%. Essa nova avaliação do perfil do leitor juvenil vai de encontro aos dados de uma pesquisa da Agência de Notícias dos Direitos da Infância-Andi, realizada em 2007, que apontava que o crescimento do público jovem dos principais jornais brasileiros era uma contribuição dos cadernos juvenis. A pesquisa da Andi mostrava que o percentual da pauta juvenil no final dos anos 1990 era de 24,2%. Na época em que foi realizado, o relatório da Agência já mostrava um salto para 65% de incidência de notícias de interesse dos jovens no noticiário dos grandes jornais, relacionados a temas de relevância social. A recente pesquisa do Datafolha fez a Folha de S.Paulo mudar o seu projeto editorial dedicado ao público juvenil, sacramentado com o fim do suplemento Folhateen, caderno dedicado aos adolescentes, que a partir de agora terão que acompanhar os assuntos do seu interesse em uma
página semanal no caderno Ilustrada. Segundo a Ombudsman da Folha, Suzana Singer, a causa mortis do suplemento não foi revelada, mas a Secretaria de Redação do jornal fez apenas este comentário: “cadernos jornalísticos têm vida útil”. Criado em 1991, o Folhateen experimentou longo período de sucesso editorial, mas, diz a Chefia de Redação da Folha, foi lançado “em outro contexto, para outro público e num Brasil diferente do de hoje”. Muitos suplementos importantes para a História da Folha tiveram começo e fim, como o Mais!. Suzana Singer disse em sua coluna na edição de 20 de novembro que a morte do Folhateen significa que “a Folha de S. Paulo não acredita mais na fórmula de suplemento para atrair jovens ao meio jornal”. Considera Suzana Singer que a internet furou uma grande parcela da pauta do Folhateen. Há duas décadas, observa, o jovem procurava o jornal para se atualizar sobre a música produzida no mundo e até mesmo para tirar suas dúvidas sobre sexo; hoje todas essas informações estão disponíveis na rede. “É claro que nem todas são de boa qualidade, mas o fato é que elas estão acessíveis por meio de apenas um clique do mouse”, diz ela. Foi esse contexto que levou a direção da Folha a encerrar a carreira do suplemento e levar a prosa dedicada aos adolescentes para dentro da mais adulta Ilustrada. “O Perfil do Leitor nos mostrou que os interesses do jovem estão mudando. Carreiras e investimentos, por exemplo, são mais importantes do que há uma década”, é a conclusão da Secretaria de Redação. Já a Ombudsman Suzana acha que o fim do suplemento teen vai exigir da Folha encontrar rapidamente uma alternativa editorial que atraia os jovens, já que o conteúdo da notícia na plataforma digital, devido à imposição da velocidade exigida do jornalismo online, carece de profundidade. “A extinção do Folhateen não pode significar resignar-se com o envelhecimento do
leitor. A Folha – e todos os jornais do mundo – precisam encontrar novas formas de convencer a atual geração de que o ‘noticiário miojo’ da internet ainda não é suficiente. Ninguém está bem nutrido com toneladas de informações instantâneas e insossas. O desafio é abrir o apetite desses comensais”, comentou Suzana Singer. Não é novidade Priscila Carvalho, Editora do caderno Kzuka, do Grupo RBS, diz que a mudança no perfil do leitor jovem já vem acontecendo há algum tempo: “Não é de hoje e está ligada à evolução do jovem em si, ao tal perfil multitarefa, geração Y, geração Z, entre outros. Estamos preparados e habituados a essa transição contínua, ela faz parte do nosso planejamento diário, do nosso cronograma básico, a cada reunião de pauta essas mudanças são discutidas de maneira natural e incorporadas à nossa maneira de trabalhar. O Kzuka também foi afetado pelas novas exigências e opções de leitura do público juvenil. Diz Priscila que a equipe do caderno trabalha com essas novas exigências diariamente: “Elas fazem parte da nossa rotina. Acredito que a liberdade dada pelo Marcelo Rech, Diretor-Geral de Produto do Grupo RBS, é um grande diferencial. Não precisamos de grandes burocracias para mudar, para mexer, o conteúdo não é estático. Se uma coluna ou seção não funciona, temos total liberdade para matá-la na edição seguinte. Sem falar que temos conseguido inovar, comparado ao que acontece nas Redações tradicionais, com muita rapidez, fazendo com que as interatividades em todas as redes sociais e no nosso site sejam parte da rotina dos próprios repórteres, editores e – principalmente – estagiários”. Priscila não revela se existe algum plano de mudanças editoriais para melhorar o relacionamento com o público leitor jovem, mas disse que o suplemento está sempre atento às exigências e tendências de
Folhateen em abril de 2009: visual gráfico de primeira e matérias densas.
comportamento dos jovens leitores do jornal: “Para isso, a nossa participação no diaa-dia nas escolas e nos ambientes onde eles circulam é fundamental e é isso que nos deixa muito tranqüilos quanto ao que deve e o que não deve ser feito nos cadernos e nas revistas gratuitas. Temos os nossos leitores fiéis e continuamos angariando novos leitores a cada dia. Por incrível que pareça, nossos maiores esforços estão, hoje, em sermos relevantes na web, em realmente fazer a diferença por lá. Obviamente, a integração entre os meios é a melhor forma de trazer novos leitores e fidelizar os atuais, em qualquer uma das mídias. Sobre a decisão de O Globo de optar pela versão online do seu suplemento juvenil, disse Priscila Carvalho: “Estávamos há quase um ano com conteúdo Kzuka no Megazine. Acompanhei e entendi que a atitude deles de mudar a plataforma foi bastante pensada e embasada. Foi realmente uma estratégia. De qualquer maneira, mesmo terminando com a versão em papel, é uma maneira de manter a ligação da marca O Globo, da marca Megazine, com o público jovem. Pelo que estou acompanhando, eles têm mantido a mesma qualidade e despendido a mesma energia que era gasta na versão impressa. Não conheço os resultados dessa mudança, mas acredito que esteja cumprindo seu objetivo” O Megazine só online Um e-mail enviado aos editores do Megazine solicitando uma entrevista não teve resposta, mas o ABI Online apurou que O Globo já fez alterações na edição do suplemento juvenil, que agora só é publicado na versão online. Lançado em 2000, no formato revista, o Megazine é fruto da junção do caderno Planeta Globo, que circulava aos domingos e era mais voltado para o público préadolescente, e o suplemento Vestibular, que era publicado às terças-feiras, no último semestre de cada ano, dirigido, obviamente, aos vestibulandos.
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
19
GASTANÇA
“Há um delírio de projetos de utilidade social questionável” Esses empreendimentos farão a fortuna de empresários, administradores e aproveitadores de todo jaez, adverte o Presidente da ABI em palestra para conselheiros e funcionários dos Tribunais de Contas da Bahia.
20 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
ação de quadrilhas enquistadas na máquina pública que se especializaram em numeroso elenco de práticas desonestas, criminosas. Testemunhamos agora aquilo que há cerca de vinte anos o cineasta Cacá Diegues colocou nos lábios do personagem vivido pelo ator José Wilker em seu filme Bye Bye Brazil: entre nós a sacanagem é bem administrada. É ela tão bem gerida que em pouco teremos cursos de pós-graduação ministrados por eméritos doutores nessas práticas. A cidadania assiste indefesa e sem poder de articulação na proteção dos dinheiros coletivos ao delírio a que se entregam administradores públicos na enunciação de projetos de utilidade social questionável, como o da implantação do chamado trem-bala entre São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, obra orçada em R$ 21 bilhões, segundo uns, ou em R$ 32 bilhões, segundo outros, e a empreendimentos que farão a fortuna de empresários, administradores e aproveitadores de todo jaez, como as obras de reforma, construção ou reconstrução de estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014, a maioria fadados a subutilização prolongada após o certame, em razão de insuficiente público esportivo na maioria dessas praças. Sem contar os reajustes que certamente virão, no habitual jogo de aprovação de aditivos e refazimento de licitações, serão R$ 5.563,7 milhões em reformas, construção ou reconstrução de estádios, e isso graças à atribuição do custo da reforma do Estádio Beira-Rio (R$ 290 milhões) ao Sport Clube Internacional de Porto Alegre, seu proprietário, e da responsabilidade de construção do Itaquerão ao Sport Clube Corinthians (R$ 920 milhões), ainda que com generoso empréstimo de um órgão público, o BNDES. Para a formação do sentimento de indignação que a esse respeito domina atualmente a sociedade tem sido fundamental a atuação das instituições do Sistema Tribunais de Contas, da imprensa, de diferentes órgãos do Poder, como a Polícia Federal, o Ministério Público da União e dos Estados, a Corregedoria-Geral da União e de parlamentares, sem distinção de partidos, comprometidos com a defesa da ética na vida pública. Diga-se que não é simples o encargo que cabe nesse particular aos Tribunais de Contas, que desenvolvem atividades que escapam à percepção leiga do cidadão comum. Pela dicção dos artigos 70 e 71 da Constituição da República, o Sistema Tribunais de Contas tem um papel funda-
DIVULGAÇÃO
Convidado pelo Fórum Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, comemorativo dos 40 anos da criação dessa Corte de Contas, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, declarou em palestra proferida em 24 de novembro passado que “a cidadania assiste indefesa e sem poder de articulação na proteção dos dinheiros públicos ao delírio a que se entregam administradores públicos na enunciação de projetos de utilidade social questionável”. Entre esses projetos citou o Presidente da ABI o da implantação do chamado trem-bala entre São Paulo, Campinas e o Rio de Janeiro e “empreendimentos que farão a fortuna de empresários, administradores e aproveitadores de todo jaez, como as obras de reforma, construção ou reconstrução de estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014”. A palestra integrou a programação do primeiro dia do Fórum, que contou com a presença de membros do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, de prefeitos e parlamentares e do Governador Jaques Wagner. A intervenção de Maurício teve o seguinte teor: “Tal como fizeram oradores da sessão da manhã, quero saudar o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia pela oportuna iniciativa de organizar o presente Fórum, que vem oferecer uma contribuição inestimável ao conhecimento dos temas constantes de seu temário. Promove assim este TCM uma comemoração digna dos 40 anos de relevantes serviços que tem prestado aos Municípios do Estado, os quais justificam o prestígio que esta Corte alcançou no Sistema Tribunais de Contas do País. Saliente-se desde logo que o tema que me coube – A Comunicação dos Tribunais de Contas com a Sociedade – abrange um aspecto que adquiriu extrema atualidade e caráter agudo nos últimos tempos – diríamos nos últimos anos – em razão da aspiração e preocupação do conjunto da cidadania de saber como estão sendo utilizados os crescentes recursos colocados à disposição do Poder Público nos diferentes níveis da Federação, sobretudo em face da freqüência com que são anunciados desvios de toda natureza nessas aplicações. Nunca ocorreram entre nós, como agora, tantas fraudes e tantos assaltos aos cofres públicos; tanta manipulação de licitações; tanta aposição de sobrepreços aos bens e serviços adquiridos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal – campeão em diferentes modalidades de corrupção – e pelos Estados, através da
"Nunca houve tantas fraudes como agora", disse Maurício na palestra em Salvador.
mental no auxílio ao Congresso Nacional em sua atribuição de promover a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das suas entidades da administração direta e indireta. Essa fiscalização envolve o exame da legalidade, da legitimidade, da economicidade, da aplicação das subvenções e da renúncia de receitas, aspectos que se situam muito acima da capacitação dos cidadãos comuns, por mais interessados que sejam pelos destinos da coisa pública. A intermediação entre esse direito e interesse da cidadania e a realidade da gestão dos negócios públicos é um dos encargos do Sistema Tribunais de Contas, que nos últimos anos tem avançado no processo de aperfeiçoamento de sua comunicação com o conjunto da sociedade, seja pela intensificação da difusão de informações a respeito de suas atividades, seja pela adoção de formas criativas de fazer que essas informações cheguem aos cidadãos comuns, como poderão relatar representantes dos órgãos de Contas que promoveram iniciativas dessa natureza. É estimulante registrar que a preocupação com a informação à cidadania já há algum tempo alcançou dimensão institucional no Sistema, através de realizações de caráter continuado, como o Programa de Modernização do Controle Externo-Promoex, que incluiu a comunicação entre os aspectos de que o Sistema cuidaria. Ocuparam-se também da questão iniciativas isoladas como o III Seminário de Comunicação dos Tribunais de Contas do Brasil, promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil-Atricon, Instituto Rui Barbosa, Tribunal de Contas do Município do Rio de Janei-
ro e Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, no âmbito da pesquisa Desafios da Transparência e do Acesso à Informação, que submeteu 40 quesitos a 33 Tribunais de Contas. Os números dessa pesquisa nos foram proporcionados pelo Conselheiro Fernando Augusto Melo Guimarães, Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, a quem agradecemos a atenção, a diligência e a presteza com que atendeu à solicitação que fizemos a respeito. As informações assim obtidas permitem-nos uma avaliação global do tratamento que o Sistema dá à matéria, que conta com 32 unidades responsáveis, nas quais atuam 275 servidores, dos quais 147 com formação na área de comunicação, e têm vinculação hierárquica (94%) diretamente com a Presidência do respectivo Tribunal. Um contingente expressivo (73%) dos órgãos consultados reconheceu que é insuficiente a estrutura com que contam, apesar da importância (muita, 12%; normal, 18%) que é conferida à comunicação no planejamento estratégico do Tribunal, do qual participam 30 dos 33 órgãos pesquisados. Mais da metade dos Tribunais (18) revelaram que não contam com um plano de comunicação, enquanto 64% deram conta de que não mantêm encontros regulares com a imprensa e a mídia e 61% não contam com consultoria na área de comunicação. Quanto à difusão das informações, revelaram os Tribunais que o principal instrumento com que contam para isso é o site do órgão, mas tem também peso significativo o noticiário encaminhado às emissoras de rádio (64% dos órgãos), à televisão (18%) e a sites ou blogs especializados (18%), afora as informações constantes de cartilhas, revistas e outras publicações (55% ). O aproveitamento das informações conta com um índice alto: 97% em jornais, 97% em televisão, 91% em rádio, 82% em sites ou blogs. A quase totalidade (97%) das decisões plenárias dos Tribunais são informadas aos meios de comunicação, na maior parte dos casos por release (84%) ou por divulgação no portal do órgão (66%). São raros os casos de divulgação por áudio (6 órgãos, ou 19%) e vídeo (8 órgãos, ou 25%). É com reflexões sobre esses dados que o Sistema poderá avançar ainda mais para alcançar o objetivo comum a todos os seus órgãos: levar à sociedade informações que lhe permitam valorizar os mecanismos de controle dos gastos públicos e de preservação da ética na administração e na vida social.”
TV GLOBO/ZÉ PAULO CARDEAL
TELEVISÃO
A notícia há 15 anos no ar
TV GLOBO/DIVULGAÇÃO
A Globo News festeja o sucesso de público, reconhece sua influência sobre o jornalismo das tvs abertas e se prepara para vencer o principal desafio de seu tempo: informar com rapidez, ampliando os canais de interatividade e participação do público. POR P AULO C HICO
DIVULGAÇÃO TV GLOBO/DARIO ZALIS
André Trigueiro em Nova York, durante gravação de programa que lembrou o atentado terrorista de 11 de setembro dez anos depois. Acima, William Waack entrevista a Gerente-Geral do FMI Christine Lagarde. Abaixo, Geneton Moraes Neto entrevista Jimmy Carter e Bispo Tutu.
TV GLOBO/RAFAEL FRANCA
Ao completar 15 anos no ar, a Globo News adotou um slogan que faz entender, em apenas duas palavras, a extensão da sua missão: ‘Nunca desliga’. Embora não de forma explícita, esse compromisso de levar a notícia ao público a qualquer hora do dia ou da noite já estava presente mesmo na data da primeira transmissão do canal, realizada na noite de 15 de outubro de 1996. Transformar o telespectador em testemunha dos fatos sempre pareceu ser o seu principal objetivo. Em 2011, a primeira emissora de jornalismo 24 horas por dia do Brasil celebrou seu aniversário embalada pela sensação do dever cumprido. A função de conceber a Globo News ficou nas mãos da jornalista Alice-Maria, que já tinha ajudado a criar o Jornal Nacional em 1969, programa no qual chegou a ocupar o cargo de Editora-Chefe. O convite para fazer o novo canal veio numa ligação justo no dia de seu aniversário. Na época, ela negociava uma posição de destaque no SBT, mas preferiu retornar à antiga empresa. O modelo de referência usado para a Globo News foi a CNN, inaugurada 16 anos antes, em 1980. Para o trabalho, Alice-Maria contou com a ajuda da amiga Letícia Muhana, que também foi responsável pela criação dos canais da Globosat em 1991. “Ficamos no ar, em circuito fechado, durante alguns dias”, recorda Alice, que colocou sua equipe para treinar de forma aplicada antes da estréia. “Fui convidada a liderar o projeto de implantação do primeiro canal de notícias do Brasil pelo Evandro Carlos de Andrade, Diretor da Central Globo de Jornalismo, no dia 31 de janeiro de 1996. Em meados de fevereiro, voltei à Globo como a funcionária número 1 do canal, que ainda não tinha nome. Sete meses depois, no dia 15 de outubro, a Globo News entrava no ar. Para se tornar realidade, o projeto contou com a experiência e o entusiasmo de profissionais da Engenharia, Informática, Recursos Humanos, enfim, dos mais diversos setores da TV Globo. O Evandro se preocupou em envolver todo o Jornalismo. O Boni acompanhou tudo de perto. E o Roberto Irineu foi Alice-Maria: funcionária número 1 da Globo News. um dos que mais vibraram com a criação da nossa central de notícias”, contou Alice-Maria em entrevista ao Jornal da ABI. Aquela experiência fez o canal a cabo revelar nomes que hoje ocupam posições de destaque na rede aberta, como Renata Vasconcelos e Christiane Pelajo, atualmente nas bancadas do Bom Dia Brasil e do Jornal da Globo, respectivamente. Como diferencial, a Globo News investiu num jeito mais informal, porém analítico, de transmitir a no-
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
21
tícia. “Mostramos que é possível ser natural com credibilidade”, avalia Maria Beltrão, apresentadora do Estúdio i e profissional que faz parte da equipe que fundou o canal. “A time que botou o canal no ar era formado por jornalistas muito experientes e por jovens profissionais recémsaídos da universidade. Hoje, 15 anos depois, vejo com alegria que a idéia de juntar os ‘olds’ com os ‘news’, como eram chamados, deu muito certo. O entusiasmo, que tomava conta da equipe, era enorme. Quando a primeira imagem apareceu no ar pra valer, pensei: ‘A Globo News está entrando no ar agora e não vai sair nunca mais’. Era uma terça-feira, oito e meia da noite. De lá para cá, enfrentando e vencendo desafios, lançando talentos, aprofundando os assuntos, ela conquistou a confiança do telespectador já nos primeiros tempos, e se tornou o principal canal de notícias do Brasil. O projeto deu certo”, comemora Alice-Maria. O primeiro grande desafio
22 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
grande rede como ponto de partida, mas sava a ser a capital mais famosa do que precisam dela para seguir em frente.” planeta”, relembra a jornalista, que estende sua análise sobre a emissoDestaques do aniversário ra. “Acho que a Globo News saiu Para comemorar seus 15 anos, a Glomelhor do que a encomenda. Debo News exibiu uma programação espemoramos algum tempo até enconcial ao longo de outubro, com reportatrar o formato e a linguagem cergens feitas por nomes como Rodrigo Cartos. Mas acho que, principalmenvalho e Silio Boccanera. O Jornal das te desde os atentados de 11 de seDez, entre 11 e 15 de outubro, exibiu tembro, justamente quando comcinco reportagens especiais com temas pletávamos cinco anos, descobriescolhidos pelos próprios assinantes mos nossa vocação: em coberturas entre as coberturas que gostariam de importantes somos imbatíveis. Terever. As mais votadas foram a crise do nho muito orgulho de fazer parte mensalão; as tragédias causadas pelas dessa equipe. Ganhamos leveza fortes chuvas no Rio de Janeiro em 2010 sem perder a seriedade. A informae 2011; a crise financeira mundial de ção bem-humorada não deixa de 2008; as eleições presidenciais brasileiras ser notícia. Repare que esse modelo Eugenia Moreyra: O consumidor tem que ter acesso à de 1998, 2002 e 2006; e os acidentes aéde jornalismo na ‘sala de visitas’ notícia em todas as plataformas e em qualquer lugar. reos no Brasil do Fokker 100 da Tam, do está sendo copiado em vários proBoeing da Gol e do Airbus da Tam. “Quem gramas da tv aberta. O que eu perBrasil, em sua primeira eleição. Debaixo assiste ao canal quer informação, saber os sigo agora é que sejamos cada vez mais de chuva, acompanhamos ao vivo o resporquês e os desdobramentos dos fatos interativos. Quero que o internauta se gate dos mortos no deslizamento do mais importantes”, acredita Alice-Maimagine sentadinho do meu lado, parMorro do Bumba, em Niterói, pedindo ria, hoje Diretora de Desenvolvimento e ticipando da conversa.” explicações ao prefeito da cidade, que Programas Especiais da TV Globo. Especialmente para o Jornal da ABI, estava em nosso estúdio. Acompanhei No dia 18 de outubro, a Globo News André Trigueiro recorda seu início na pela Globo News duas Copas do Mundo, implantou sua nova identidade visual. Globo News. “Meses antes de o canal uma Olimpíada, a Cop-15, as eleições Os programas da emissora ganharam iniciar as transmissões, em outubro de americanas... São muitas histórias, todas novos cenários. O leiaute do site ofici1996, fui convidado pela Alice-Maria emocionantes e marcantes.” al foi renovado. Além do slogan citado para participar do projeto. Aceitei o deTrigueiro considera que a combinação no início desta matéria, também foram safio e sou grato a ela até hoje por tudo entre juventude e maturidade, observada refeitas as vinhetas musicais e as trilhas o que vem acontecendo nestes quinze no perfil da equipe de profissionais, pode sonoras, assim como o estilo de locução anos”, aponta ele, que faz a diferenciação ser um dos segredos do sucesso do canal na voz de Pedro Franco. O jornalista Céentre o jornalismo praticado pelo canal que, alerta, não pode se descuidar dos sar Seabra foi Diretor do canal de 2009 a cabo daquele executado pelas emissoavanços tecnológicos no campo da comua setembro de 2011. Eugenia Moreyra ras abertas. “Somos uma agência de nonicação. “A maioria absoluta da equipe, assumiu recentemente a direção da Glotícias 24 horas no ar. Temos mais tempo, que trabalha nos bastidores, é de alto bo News, um canal já ‘maduro’ e consomais improvisos, mais comentários, nível. Combinamos sangue novo com lidado do ponto de vista de audiência e mais entrevistas, estamos mais sujeitos experiência em proporções que parecem comercial. Durante as transmissões das ao risco e tudo isso é muito bom e estimuito adequadas para as altas doses de grandes coberturas, a emissora sempre mulante. É um canal feito sob medida adrenalina que correm nas nossas veias. fica em primeiro lugar em aparelhos para quem deseja estar bem informado, O desafio que se apresenta para os canais sintonizados no ranking da tv por assiquer saber primeiro e com mais detalhes. a cabo é saber usar a internet como fernatura. Posse de Dilma Rousseff, visita Essa é a razão de ser da Globo News.” ramenta de apoio, que interage e complede Obama ao Brasil, casamento real, na Trigueiro acha um equívoco o rótulo menta os conteúdos. Esse é um desafio Inglaterra, tragédia na Região Serrana de ‘elitizado’, por vezes aplicado à Globo comum a todas as mídias que não têm a do Rio de Janeiro, morte do Bin Laden, News devido ao fato de tratar-se de um tsunami no Japão, entre oucanal pago. “No mundo inteiro a tv por tros, são alguns dos exemplos assinatura começou alcançando um segdessa liderança. Qual seria, mento mais restrito da população, que então, o principal desafio a ser tem renda para comprar o sinal. Depois enfrentado pela Globo News esse serviço se torna mais barato e acesnos próximos 15 anos? sível a outros segmentos. Isso também “São muitos. O canal preciestá acontecendo no Brasil. E é importansa sempre se atualizar e evoluir. te ressaltar que o sucesso dos canais de Estar adaptado ao contexto das notícias inspira mudanças também na novas mídias. Hoje todos são grade das emissoras abertas. Vivemos produtores de conteúdo e, com num mundo onde a demanda por infora convergência de diferentes mações cresce exponencialmente e de plataformas, é preciso garantir forma cada vez mais rápida. O tempo uma estrutura ágil e independos telejornais , locais ou de rede, nas tvs dente, mas com qualidade suabertas aumentou e surgem novas oporficiente para estar sempre em tunidades de trabalho para um contincima do fato, da notícia. O congente cada vez mais numeroso de cosumidor tem que ter acesso à mentaristas. Quando começamos, há 15 notícia em todas as plataformas anos, o formato dos telejornais na maie em qualquer lugar”, definiu oria absoluta das emissoras abertas era Eugenia em entrevista ao Jorbem diferente. Hoje, há mais semelhannal da ABI. ças”, ressalta. Do ponto de vista prático, a Perguntado sobre sua passagem mais intenção é trabalhar ainda importante no canal, André Trigueiro mais a informação ao vivo, em lista uma seqüência delas. “Demos o acitempo real – o que exigirá a dente fatal com a Princesa Diana, em atualização de equipamentos Paris, na frente da CNN num sábado em para ganhar ainda mais agilidaque eu estava de plantão. Virou notícia. Também demos na frente a confirmação Mônica Waldvogel apresenta o programa de entrevistas de. Outro foco, que em breve Entre Aspas na Globo News e o Saia Justa no GNT. poderá ser verificado na prode que Lula seria o novo presidente do TV GLOBO/BOB PAULINO
Nenhum teste foi melhor do que as exigências da prática após a estréia. O canal tinha apenas 16 dias no ar quando enfrentou sua primeira cobertura especial: a queda do avião Fokker 100, da Tam, durante o vôo 402 de 31 de outubro de 1996, que saiu de São Paulo com destino ao Rio, mas se chocou contra residências apenas 24 segundos depois de decolar de Congonhas. “Maria Beltrão e Márcio Gomes ficaram horas no ar e, depois, foram substituídos por outros apresentadores. Cobrimos o assunto o dia todo e, à noite, exibimos um especial”, lembra Alice-Maria, que considera ter sido em 1997 o momento em que o canal foi realmente descoberto pelo público. “Quando a Princesa Diana sofreu o acidente, era sábado e a equipe, como sempre acontece nos finais de semana, era menor. Cobrimos o assunto, ao vivo, durante horas. Os profissionais que estavam de folga foram chegando e, naquele dia, as pessoas viram que podiam confiar na Globo News”, gaba-se. O compromisso de informar o público 24 horas por dia acaba exigindo um pouco mais de seus jornalistas. “Os âncoras da Globo News devem estar preparados para comentar, aprofundar, acrescentar dados, contextualizar informações sobre fatos que, de uma hora para outra, justificam a interrupção da programação para uma cobertura que pode durar horas seguidas sem pausa”, exemplifica André Trigueiro, que comanda, do Rio de Janeiro, o Jornal das Dez, considerado o “carro-chefe” do canal. O desafio citado por Trigueiro, que é também apresentador do programa Cidades e Soluções, pode ser exemplificado pelo dia 11 de setembro de 2001. Nesse dia Maria Beltrão passou 10 horas ininterruptas na bancada da Globo News, noticiando as últimas informações sobre a queda das duas torres do World Trade Center em Nova York e – até então – as suspeitas da autoria da Al Qaeda nos atentados: “De uma hora para outra, o Afeganistão entrava na minha vida e Cabul pas-
DIVULGAÇÃO TV GLOBO/ZÉ PAULO CARDEAL
TELEVISÃO A NOTÍCIA HÁ 15 ANOS NO AR
TV GLOBO/FABRÍCIO MOTA
Maria Beltrão foi uma das jornalistas que estiveram presentes no primeiro grande teste da Globo News, duas semanas após sua inauguração: Ela ficou horas no ar reportando o acidente com o Fokker 100, da Tam. Abaixo, George Vidor ao lado do empresário Eike Batista, logo após uma entrevista para o programa Conta Corrente. TVGLOBO/ALEX CARVALHO
gramação, é a utilização aprofundada e constante do rico acervo do canal, em produções mais documentais. “Hoje, com muita rapidez a notícia nos alcança a qualquer momento: no computador, no rádio, na tv, no celular. Em um canal de notícias, o jornalismo precisa predominar na grade. A notícia não tem hora, por isso o telejornal na tv por assinatura não precisa ter tempo pré-determinado para cada matéria. Ao contrário, precisa abordar todos os ângulos da notícia, todas as camadas. Sempre ao vivo, na rua, com muito dinamismo, com uma linguagem universal e clara.” Este ano, a Globo News foi indicada ao prêmio Caboré do Meio & Mensagem. Concorreu na categoria Veículo de Comunicação - Mídia Eletrônica, numa disputa com portal Terra e Google Brasil. Este último acabou saindo vencedor da premiação, cujo resultado foi divulgado no dia 5 de dezembro. Contudo, apenas o reconhecimento da indicação foi motivo de celebração para a emissora. “A indicação ao Caboré consagra o esforço do canal para se posicionar frente aos novos desafios do mercado de mídia. Um trabalho feito a partir do fim de 2009, quando a Globo News iniciou um projeto de branding para aprofundar sua vocação. O projeto, contínuo, representa uma evolução na cultura do canal, no sentido de ajustar o foco cada vez mais na notícia viva e dinâmica. Posicionamento expresso tanto na forma quanto no conteúdo e traduzido em cada frame que produzimos: literalmente, a Globo News nunca desliga e faz isso com paixão e da forma precisa que o exercício responsável do jornalismo exige”, diz Eugenia Moreyra. Novo espaço para profissionais experientes
Profissionais dos mais respeitados do País encontraram um novo espaço para sua produção exatamente na grade do canal. É o caso de Geneton Moraes Neto, que afirmou em entrevista ao Jornal da ABI, em julho de 2010. “Saí da TV Globo em 1998, para ser correspondente de O Globo. E logo voltei, para ser EditorChefe do Fantástico, onde fiquei até 2006. Depois, pedi para sair da chefia e fiquei só na reportagem – o que não deu muito certo, pois fazia as matérias e elas não iam para o ar, por mil motivos. Até que pedi para ir para a Globo News. Lá tenho mais espaço. Em função da disputa louca de audiência, o leque de assuntos da televisão aberta acabou se estreitando. A pauta ficou pobre, e o tipo de matéria que eu gosto de fazer acabou ficando sem espaço. Isso deveria até ser alvo de estudos. A dívida que a tv aberta brasileira está acumulando com a cultura do País”, afirmou Geneton, freqüentemente premiado por suas reportagens – como a série Dossiê. Outro profissional experiente e de destaque nos quadros da emissora é George Vidor, referência na área do jornalismo econômico. “Minha participação na Globo News foi ainda no mês de estréia, em outubro de 1996. O canal estava há apenas duas semanas no ar. Tenho muito orgulho de ter compartilhado com
meus colegas essa fase pioneira, pois o Brasil não tinha passado pela experiência de um canal de televisão, mesmo fechado, 24 horas no ar, dedicado ao jornalismo, entrevistas, reportagens, debates e informações culturais.” Antes da criação do canal a cabo, semanalmente Vidor costumava participar de um programa à noite na TV Educativa. Em 1985 e 1986 também ancorou uma atração semanal sobre mercado financeiro na TV Bandeirantes. “Tudo isso me ajudou, um pouquinho, a me adaptar à proposta da Globo News. O Brasil, em meados da década de 1990, estava às
voltas com mudanças econômicas importantes. O real continuava sendo uma novidade, e o País teve de passar pelas crises econômicas de 1997, da Rússia, e de 1998, da Ásia. Então, os comentários sobre economia se tornaram freqüentes nos jornais da Globo News. Até que fui convidado pela Alice-Maria e pelo Luís Erlanger. A Sonia Pompeu, que era uma das Editoras-Executivas do Jornal das Dez, me telefonou e transmitiu o convite. Era para começar no dia seguinte... Foi melhor assim, pois sob pressão os jornalistas costumam funcionar melhor ”, diverte-se George Vidor.
Resposta a uma iniciativa frustrada
A criação da Globo News, em 1996, foi também, na verdade, uma resposta a uma iniciativa primeira das Organizações Globo de lançar um canal a cabo de notícias. Criado em 1991, inicialmente com o nome de Globosat News Television, o GNT seria, originalmente, uma emissora que transmitiria notícias. No entanto, em setembro de 2003, um novo posicionamento orientou seu foco para os assuntos de interesse do universo feminino, com uma programação que passou a oferecer entretenimento e informação, tratando de temas como comportamento, gastronomia, moda e sexo, explorados em séries, programas de debates, documentários e filmes. Saia Justa, comandado por Mônica Waldvogel – jornalista que também faz parte da equipe da Globo News, onde apresenta o Entre Aspas –, é apenas um exemplo de atração do GNT que faz grande sucesso junto às mulheres. Como prova de seu compromisso inicial com o Jornalismo, basta citar que o GNT chegou a cobrir, em 20 de janeiro de 1993, a posse do primeiro mandato de Bill Clinton nos Estados Unidos. Em março do mesmo ano, estreava no canal o Manhattan Connection, programa capitaneado por Lucas Mendes, Paulo Francis, Caio Blinder e Nelson Motta. A atração permaneceu no ar pelo GNT, com diferentes formações, até 2010. Em 2011, foi transferida e reestreou na Globo News. Afinal, percebeu-se que a mesa internacional comandada pelo experiente Lucas Mendes tem mesmo o perfil jornalístico tradicional para homens, tratando de política e negócios – sendo muito pouco sedutor aos olhos do público predominantemente feminino do GNT. “A tv aberta tem uma programação mais rígida, e o jornalismo tem horários pré-estabelecidos para ir ao ar. Na tv fechada existe uma programação que pode ser alterada a todo momento, ao sabor dos acontecimentos. Já tive de fazer muitos comentários por telefone, falando dos lugares mais inusitados como, uma vez, da principal estação do metrô de Tóquio. Me lembro ainda que certa vez, já indo para a Globo News, tive que parar o carro para entrar ao vivo, pelo celular ”, diverte-se George Vidor, que não vê a internet como ameaça aos canais de notícias: “Pela própria dinâmica de um canal 24 horas voltado para o jornalismo, o grau de descontração e improviso é necessariamente maior nas nossas atrações. O ritmo dos noticiários das tvs abertas, o tom das reportagens, as intervenções dos apresentadores estão hoje bem mais descontraídas – e acredito que as tvs fechadas, como a Globo News, contribuíram para essa mudança. Apresentamos uma pauta focada na notícia, mas sempre procurando levar algo mais ao telespectador, seja com os comentários de especialistas, ou com a inserção do fato em contexto mais amplo e analítico. A internet é, sem dúvida, uma concorrente forte. Mas em termos de geração de conteúdo creio que os canais por assinatura continuarão imbatíveis ainda por muito tempo.” Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
23
Direitos humanos
Justiça para a Juíza Patrícia Assassinada em agosto por policiais criminosos cuja prisão ela decretara, a antiga titular da Vara Criminal de São Gonçalo foi homenageada com o Prêmio Direitos Humanos 2011 na categoria Enfrentamento à Violência.
Abatida a tiros numa tocaia armada por policiais criminosos cuja prisão ela decretara, a Juíza Patrícia Acioli, antiga titular da Vara Criminal de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Estado do Rio, foi homenageada na categoria Enfrentamento à Violência na cerimônia da 17ª edição do Prêmio Direitos Humanos 2011, realizada no dia 9, no Palácio do Planalto, em comemoração ao Dia Internacional dos Direitos Humanos. A distinção, que inclui um certificado assinado pela Presidente da República e um troféu concebido pelo artista plástico João Paulo Sirimarco Batista, foi entregue a uma das filhas de Patrícia, que compareceu ao ato com uma irmã dela. A Presidente Dilma Rousseff e a Ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entregaram a premiação, que contempla 21 categorias e representa a mais alta condecoração do Governo brasileiro a pessoas e instituições que se destacam na defesa, na promoção e no enfrentamento e combate às violações dos direitos Humanos no País. O Presidente do Senado, José Sarney, também participou do evento. O Prêmio busca contemplar a universalidade dos direitos humanos em suas diversas frentes. Neste ano, foram incluídas três novas categorias: Centros de Referência em Direitos Humanos; Garantia dos Direitos da População em Situação de Rua; e Diversidade Religiosa. A Comissão de Julgamento foi presidida pela Ministra Maria do Rosário e constituída por personalidades nacionais ou militantes com notórios serviços prestados à causa no Brasil.
Em seu discurso na solenidade, a Presidente Dilma afirmou ser a primeira vez que fazia a entrega do Prêmio e destacou o seu significado: “A premiação é relevante, não só pela importância que os direitos humanos tiveram na história da Humanidade, mas sobretudo pelo espírito de justiça, força moral e sentido ético que norteiam essa questão. Esse é um tema essencial para a construção de uma nação que respeite os princípios fundamentais da civilização”. Dilma ressaltou que o respeito aos direitos humanos é condição para o desenvolvimento do Brasil e citou as marcas deixadas pelos regimes de arbítrio: “A escravidão no Brasil tem uma contribuição muito maléfica. Permitiu que ao longo da nossa História a inclusão social e a distribuição de renda fossem tratadas como uma questão menor do desenvolvimento. Hoje nós temos a clareza de que não é possível um país de 190 milhões de habitantes crescer apenas para alguns. O Brasil devorou, digeriu esses artifícios autoritários e conseguiu construir uma democracia. Somos um país em que divergir não é mais sinônimo de exceção. Prefiro o barulho às vezes dolorido da imprensa livre que o silêncio das ditaduras.” A Presidente assinalou que a premiação é um reconhecimento do Estado brasileiro aos que lutam em defesa da Declaração dos Direitos Humanos: “Quero reconhecer o quanto o Brasil precisa da atuação de vocês, cidadãos corajosos, obstinados, protagonistas da luta contra a violência, a injustiça e a desigualdade. A militância é decisiva para fortalecer a cada dia o projeto de desenvolvimento”.
FOTOS: WILSONDIAS/ABR
POR CLÁUDIA SOUZA
Dilma Rousseff entrega o troféu à irmã da Juíza Patrícia Acioli, Simone, e à filha, Ana Clara.
Os destaques do ano em direitos humanos CATEGORIA DOROTHY STANG GERALDA MAGELA DA FONSECA – IRMÃ GERALDINHA Conhecida como Irmã Geraldinha, a freira da Congregação Romana de São Domingos implantou a Pastoral da Criança junto às Irmãs Dominicanas de Belo Horizonte. Seus projetos sócio-religiosos foram associados ao conhecimento de direitos trabalhistas em Salto da Divisa (MG) e ao combate à violência doméstica. Irmã Geraldinha vive no acampamento Dom Luciano, sem água, luz ou esgoto, com mais de cem pessoas e dedica-se, sobretudo, à promoção de maiores avanços na realidade fundiária da região. Em razão de sua luta, é perseguida pelos grandes latifundiários que ainda se mantém como um palco de conflito na luta pela terra e pela dignidade de centenas de famílias.
CATEGORIA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS RITA GOMES DO NASCIMENTO Clarice Herzog recebe o troféu na categoria Direito à Memória e à Verdade dado ao Instituto Vladimir Herzog.
Indígena do grupo Potyguara de Crateús, CE, iniciou sua militância na Diocese de Crateús na década de 1980, atuando nas Pastorais da Criança, da Juventude, da Saúde, Indígena e dos movimentos de organização de bairros. Atualmente, é conselheira da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Dedica-se especialmente às temáticas de Educação Indígena e Educação Quilombola e atua como relatora das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, documento que tem por objetivo orientar o sistema de ensino para a inserção da temática nos currículos da Educação Básica e Educação Superior.
CATEGORIA MÍDIA E DIREITOS HUMANOS AGÊNCIA DA BOA NOTÍCIA GUAJUVIRAS É uma agência de notícias criada através de projeto fomentado pelo Ministério da Justiça e
26 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
executado pela Prefeitura de Canoas, no Bairro Guajuviras, no Rio Grande do Sul. O bairro convivia com altos índices estaduais de violência e desemprego, mas foi-se transformando a partir de várias ações públicas. Uma delas foi a criação da Agência da Boa Notícia Guajuviras, que deu oportunidade a jovens de 11 a 24 anos de retratarem sua comunidade de forma positiva através do aprendizado técnico em oficinas de fotografia, televisão, rádio, jornal, prática e produção jornalística, além de direitos humanos, comunicação cidadã, vídeo social e seus respectivos suportes na internet.
CATEGORIA CENTROS DE REFERÊNCIA EM DIREITOS HUMANOS CENTRO DE DEFESA DA CIDADANIA E DOS DIREITOS HUMANOS MARÇAL DE SOUZA TUPÃ-I Situado em Campo Grande, MS, o Centro de Defesa é composto por pessoas de diferentes ramos profissionais e sociais, com a missão comum de promover os direitos humanos. Com 20 anos de existência, a entidade realiza oficinas, cursos, seminários, projetos e atuação junto a fóruns, conselhos e redes de direitos humanos; elabora informes e relatórios semestrais e anuais e promove o acompanhamento jurídico dos casos de violação em Direitos Humanos.
CATEGORIA ENFRENTAMENTO À POBREZA PADRE JOÃO BATISTA FROTA Padre João é criador de obras sociais, de projetos e de organizações não-governamentais, como o Centro de Profissionalização Padre Ibiapina, que trabalha na preparação da população mais carente para o mercado de trabalho, além de ter fundado entidades como Construtores da Paz e Semeadores da Paz. Seu trabalho mais conhecido, o Projeto Cabra Nossa
de Cada Dia, consiste na distribuição de caprinos para o sustento de famílias carentes. Referência em todo o Brasil, o projeto já salvou milhares de vidas de crianças, além de contribuir para a erradicação da pobreza no semi-árido sobralense.
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ANDERSON LOPES MIRANDA Líder do Movimento Nacional da População de Rua, Anderson percorre o País organizando as bases do movimento, na luta pelo fim do assistencialismo e pela reivindicação de políticas públicas efetivas de moradia e dignidade às pessoas que vivem nas ruas. Órfão de pai e mãe, viveu em orfanatos até os 14 anos, quando saiu para morar em uma pensão e trabalhar como office boy. Após um assalto em que perdeu todos os seus pertences, foi morar na rua, onde “aprendeu a não dormir, só cochilar”. Atualmente Anderson Miranda tem família, casa e emprego.
CATEGORIA ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA PATRÍCIA LOURIVAL ACIOLI In memoriam A juíza Patrícia Lourival Acioli notabilizou-se pela defesa do maior dos direitos humanos: a vida. Graças a sua atuação na Comarca de São Gonçalo, combatendo vigorosamente toda e qualquer prática de extermínio, muitas vidas foram poupadas, inclusive as de testemunhas ameaçadas. Dona de um sorriso raro, que só não era maior do que a sua coragem, Patrícia provou que ainda há espaço, nos dias de hoje, para o idealismo e o desejo ardente de melhorar o mundo. Defensora pública nos primeiros anos de carreira, demonstrava especial preocupação e carinho em relação aos mais carentes, alvo principal dos crimes que ela tentava conter. Martirizada pelos mesmos algozes, até na hora da morte Patrícia se solidarizou com as vítimas do extermínio. Nas palavras de uma senhora simples de São Gonçalo, ao saber da tragédia, “mataram a juíza do povo”. Na defesa da vida, Patrícia Acioli ofereceu a própria vida. Não será em vão. (Texto elaborado pelo Defensor Público José Augusto Garcia de Sousa, amigo de Patrícia Lourival Acioli e de sua família).
CATEGORIA SEGURANÇA PÚBLICA RICARDO BRISOLLA BALESTRERI O Professor Balestreri dedica-se à segurança pública e aos Direitos Humanos há mais de 25 anos, tempo em que as duas temáticas operavam em lados opostos e antagônicos. Desde então, sua atuação tem sido determinante tanto para as transformações das instituições e dos profissionais de segurança quanto para a mudança do olhar que a comunidade de direitos humanos tem em relação a essas instituições e profissionais. Ocupou o cargo de Secretário Nacional de Segurança Pública na permanente condição de militante de direitos humanos, promovendo uma notável transformação na qualidade do sistema, através da educação de policiais, bombeiros e guardas municipais, por meio de diversos programas.
CATEGORIA ENFRENTAMENTO À TORTURA FÓRUM DA LUTA ANTIMANICOMIAL DE SOROCABA-FLAMAS Teve início com a reunião de profissionais de diversas áreas e instituições para a discussão da situação da saúde mental na região de Sorocaba, SP, maior pólo manicomial do Brasil, com aproximadamente 2.800 leitos psiquiátricos. Realiza várias atividades que envolvem a discussão e a proposta de mudanças no modelo de atenção à saúde mental na região. O trabalho do Flamas é reconhecido pelo Comitê Nacional de Combate à Tortura como fundamental para denunciar os maus tratos sofridos pelos pacientes internados nos manicômios que ainda existem na região de Sorocaba, funcionando de forma ilegal e imoral.
CATEGORIA DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE INSTITUTO VLADIMIR HERZOG O Instituto tem a missão de contribuir para a produção de informação que garanta o direito à justiça e o direito à vida, desenvolvendo sua atuação sobre três pilares: preservar, construir e compartilhar. A preservação da História do Brasil, com foco especial a partir do golpe de 1964, tem como centro de referência a própria história do jornalista Vladimir Herzog. A construção reflete-se na promoção, orientação e premiação de trabalhos de comunicação que abordem temas pertinentes às questões que afetam o direito da sociedade à vida e à justiça, a exemplo do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. O desenvolvimento de palestras, debates, cursos e treinamentos nos assuntos das áreas correlatas à Comunicação traduzem a função de compartilhar.
Anderson Lopes Miranda (acima) recebeu seu troféu na categoria Garantia dos Direitos da População em Situação de Rua e o Padre João Batista Frota na categoria Enfrentamento à Pobreza.
CATEGORIA DIVERSIDADE RELIGIOSA FLÁVIA DA SILVA PINTO Flávia dedica-se a mutirões de orientação para legalização jurídica dos terreiros, atua como sacerdotisa da umbanda na Casa do Perdão e como agente religiosa em presídios. Realiza o Festival Casa do Perdão, para dar visibilidade aos trabalhos sociais dos terreiros, e desenvolve a metodologia de cartografia social participativa através do Mapeamento de Terreiros de Matriz Africana do Rio de Janeiro. Fundadora da ong Brasil Responsável, é coordenadora da área de Intolerância Religiosa da Superintendência dos Direitos Difusos e Coletivos da Secretaria de Direitos Humanos e Assistência Social do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
CATEGORIA IGUALDADE RACIAL CREUZA MARIA OLIVEIRA Creuza deixou a roça aos 10 anos, no sertão da Bahia. Por cinco anos cumpriu uma jornada de mais de 12 horas de trabalho diários sem receber salário, cuidando de crianças, cozinhando, limpando em troca de comida e roupas usadas. Apenas aos 15 anos recebeu sua primeira – e irrisória – remuneração. Em 1983, ingressou na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas. Participou da fundação da Associação Profissional das Domésticas em 1986 e foi umas das criadoras do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, em 1990. Atualmente exerce a função de Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, além de ser membro do Conselho Nacional da Promoção da Igualdade.
CATEGORIA IGUALDADE DE GÊNERO BERENICE BENTO Berenice Bento é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Diversidade Sexual, Gêneros e Direitos Humanos. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Sociologia pela Universidade de Brasília, doutorado em Sociologia pela UnB e Universidade de Barcelona, pós-doutorado pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB. Foi Secretária Executiva da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura.
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO DE LGBT CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO Entre os anos de 2008 e 2011, o Ministro Carlos Ayres Britto foi o relator no Supremo Tribunal Federal da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132/RJ e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277, ambas reclamando “o reconhecimento no Brasil da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendam-se aos
humanos de crianças e adolescentes, Wanderlino Nogueira tem produzido vasto material bibliográfico para subsidiar as ações dos profissionais atuantes nessa área, na qual é reconhecido como um dos principais teóricos brasileiros. Sua influência foi decisiva para a implementação da Resolução Regulamentadora do Sistema de Garantias de Direitos Humanos das Crianças e Adolescentes. Através de sua participação nas redes nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, tem contribuído para pautar o tema de forma inovadora.
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA MARIA LUÍZA TEIXEIRA Assistente Social, pesquisou e planejou, entre 2008 e 2010, o Projeto “Transporte Urbano e População Idosa: construindo uma nova relação”, que contribui para a sensibilização de motoristas e cobradores com relação à violência cometida contra o idoso usuário do transporte coletivo urbano, explicando, informando e debatendo sobre o Estatuto do Idoso. Atualmente, desenvolve o projeto em todas as empresas de ônibus de Natal, RN, através de atividades lúdicas em um ônibus cenário, onde desenvolvem uma simulação que possibilita aos operadores colocarem-se no lugar da pessoa idosa e pensar em soluções para as mais diversas dificuldades e preconceitos que vivenciam.
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ESCOLA DE GENTE COMUNICAÇÃO EM INCLUSÃO companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo”. Através desse reconhecimento, inúmeros direitos fundamentais da população LGBT passaram a ter status constitucional.
CATEGORIA SANTA QUITÉRIA DO MARANHÃO DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ A Defensoria Pública do Pará, com o Programa Balcão de Direitos, percorre todo o Pará, levando atendimento gratuito à população mais carente do Estado, ultrapassando a meta de 8.631 atendimentos em 12 Municípios, prevista em seu Plano Plurianual 2008/2011, realizando 25.530 atendimentos em 67 Municípios paraenses. Ressalta-se a atuação de quatro ações em área indígena, nas quais ocorreram dois casamentos comunitários, beneficiando um total de 160 casais indígenas no Município de Oriximiná e Xingu; o atendimento à população quilombola (Oiximiná, Castelo dos Sonhos e Abaetetuba), além do atendimento em área de garimpo (Comunidade da Assurini – Município de Altamira; Comunidade Garimpo Ressaca, Garimpo do Galo, Garimpo Ilha da Fazenda – Município Senador José Porfírio).
CATEGORIA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO ANTONIO JOSÉ FERREIRA LIMA FILHO Antônio Filho atua no atendimento das vítimas de trabalho escravo, prestando acompanhamento e monitoramento de ações judiciais contra os escravistas contemporâneos, na busca pela reparação do dano moral individual. Seus trabalhos contribuíram significativamente para o avanço das ações de combate ao trabalho escravo no Brasil, culminando no lançamento do Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e posteriormente o Plano de Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão, sendo este o primeiro plano estadual lançado no País. É membro titular da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (Coetrae) e coordenador do Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Escravo no Maranhão (Forem).
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE WANDERLINO NOGUEIRA NETO Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público da Bahia e ativista pelos direitos
A ong Escola de Gente – Comunicação em Inclusão coloca a comunicação a serviço da inclusão de grupos em situação de vulnerabilidade, especialmente com deficiência e vivendo na pobreza. Já sensibilizou 400 mil pessoas de todas as regiões do Brasil e de 16 países da África, Europa, América do Norte e do Sul com sua missão de “trabalhar para que políticas públicas sejam inclusivas”, ou seja: busquem soluções para a desigualdade social, ratifiquem a diversidade como um valor e garantam direitos humanos para pessoas com e sem deficiência desde a infância.
CATEGORIA GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS COMUNIDADE INDIGENA KAINGANG FÁN NHIN Situada no Bairro Lomba do Pinheiro, espaço urbano de Porto Alegre, RS, a Comunidade indígena Fán Nhin, da etnia Kaingang, é constituída por 25 famílias, totalizando cerca de 150 pessoas. Trabalham pelo aumento da autoestima da comunidade com participação em eventos externos sobre direitos à saúde, assistência social, segurança alimentar, juventude, entre outros. O projeto Conviver para Viver Melhor, criado em 2009, estimula a comunidade, principalmente mulheres e crianças, a valorizar e preservar sua cultura através de almoços comunitários que resgatam a tradição alimentar de seus antepassados.
CATEGORIA LIVRE ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE O Professor Cançado Trindade contribuiu decisivamente para a formulação de uma política de direitos humanos no Brasil, ainda no período de redemocratização do País. Nessa época, colaborou para que o Estado brasileiro aderisse aos principais instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, nos níveis global e regional. Foi eleito presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tornando-se o primeiro brasileiro na História a presidir um tribunal internacional. Sua luta pelo acesso direto das supostas vítimas aos tribunais internacionais e a consolidação da capacidade processual internacional dos indivíduos é um de seus principais legados. Obteve a maior votação em toda a História das eleições para juiz da Corte Internacional de Justiça.
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
27
Liberdade de imprensa Recorde de prisões de profissionais em 2011: 179
Ameaças e restrições a jornalistas no Piauí, Maranhão e São Paulo
Neste ano de 2011, nada menos de 179 profissionais de imprensa foram presos no mundo todo e especialmente nas regiões do Oriente Médio e no Norte da África. Levantamento do Comitê de Proteção dos Jornalistas, divulgado nos Estados Unidos, revela que esse é o maior número de prisões de jornalistas realizadas nos últimos 15 anos e representa um aumento de 20% em relação às ocorrências do gênero no ano passado, quando se registraram 134 prisões. Pelo segundo ano consecutivo, o Irã é o país que mais aprisionou jornalistas em 2011. Desde 2009, 65 jornalistas fugiram do Irã. No ranking de prisões aparecem à frente estes países: E RITRÉIA C HINA M IANMAR V IETNÃ
28 27 12 9
Informa o Comitê de Proteção dos Jornalistas que a maioria das prisões é motivada pela atitude crítica em relação a Governos e descumprimento de limites de censura por estes imposta. A maioria dos detidos é formada por redatores, redatores-chefes e fotógrafos, muitos deles com atuação na internet e boa parte independentes, que atuam como free-lancers. O Comitê considera que são estes os que mais sofrem com a violência das prisões, pois não contam com apoio institucional para resistir às pressões dos Governos.
Rússia prende 6 Na Rússia, o Comitê de Proteção aos Jornalistas condenou a prisão de pelo menos seis jornalistas que cobriam as manifestações de apoio às denúncias de fraudes nas eleições parlamentares realizadas em novembro e que deram a vitória ao partido Rússia Unida, do Primeiro-Ministro Vladimir Putin. Foram detidas a correspondente do Novaya Gazeta, Yelena Kostyuchenko; a colunista do site de notícias independente Gazeta, Bozhena Rynska; Aleksandr Chernyh, correspondente do diário econômico Kommersant; Ilya Vasyumin, repórter do canal de televisão online Dozhd; a blogueira Ilya Variamov, e Aleksei Kamensky, editor online da edição russa da revista norteamericana Forbes
28 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
A Polícia Militar do Piauí prendeu no dia 3 de dezembro no Município de Parnaíba um suspeito de ameaçar de morte o jornalista Daniel Santos, da TV Costa Norte, como represália à cobertura que este fez, junto com um cinegrafista, de sua prisão por porte de maconha e de notas falsificadas. O suspeito, Marcelo Alves Filho, teria ido à TV Delta, onde supunha que Daniel trabalhasse, e só por esse erro não consumou a violência que pretendia. Apesar da comprovação da ameaça, as autoridades policiais de Parnaíba não adotaram qualquer procedimento contra Marcelo Alves Filho. Em São Luís, Maranhão, o fotógrafo Diaman Prado, do jornal O Estado do Maranhão, foi intimidado por policiais quando cobria em 1ª de dezembro na Assembléia Legislativa do Estado um evento do movimento grevista na Polícia Militar do Estado. Alegaram os po-
liciais que Prado havia manipulado as fotografias das manifestações. Quando estava deixando a Assembléia, Prado foi ameaçado por um major da PM, contra o qual ele apresentou queixa numa delegacia de São Luís. Em Catanduva, interior de São Paulo, uma equipe do jornal O Regional que acompanhava o Vereador Francisco Batista de Souza (PDT) foi impedida de entrar na Escola Municipal Professor Carlos Alberto Spina para apurar denúncia feita por mães de alunos. Informada de que Souza é vereador da Câmara Municipal de Catanduva, a diretora permitiu que ele entrasse, mas continuou barrando a presença dos repórteres. O parlamentar fora levantar informações sobre a procedência da reclamação de mães de alunos, segundo as quais a Escola ficou alagada pela chuva e suspendeu as aulas.
AMEAÇAS NO PERU
Pistoleiros abatem a tiros jornalista em Honduras
Quatro jornalistas do Grupo Panorama. da cidade de Cajamarca, no Norte do Peru, estão sendo ameaçados após a publicação de artigo sobre a construção de uma mina, o Projeto Minas Conga, que tem gerado polêmica na região, principalmente pela participação norte-americana no empreendimento. Os ameaçados, em carta deixada na administração do jornal, foram o Diretor Armando Loli, o Editor Jaime Abanto Padilla e os repórteres Pedro Aliaga e Alberto Moreno. A gerência do Grupo Panorama decidiu dar férias a alguns de seus jornalistas, para assegurar sua integridade e segurança, como informou o jornal num comunicado que publicou. Também no Peru, foi condenado a dois anos de prisão e a uma multa de 55 mil dólares o colunista Luís Torre Montero, responsabilizado por um texto no jornal La Primera em que satirizava o ex-Ministro da Defesa, Rafael Rey. Montero informou que vai recorrer da sentença.
VENEZUELA: PELO TWITTER Na Venezuela, o jornalista Luís Carlos Díaz, crítico do Governo Hugo Chávez, passou a receber ameaças por meios tecnologicamente avançados: pelo Twitter e pelo celular. Coordenador de Comunicação do Centro Gumilla, instituição de investigação e ação social de Caracas, Díaz recebeu no seu Twitter mensagens advertindo que ele “está marcado” e indagando “gostou da surpresinha?”. Os tuítes vieram da conta VTV Periodistas, supostamente ligada a um grupo de jornalistas da televsião estatal e que foi desativada após denúncias de spam feitas por usuários da rede social. Díaz foi ameaçado também pelo celular, mas neste as agressões ficaram só nos insultos.
O Governo não garante o exercício da profissão, denuncia o Comitê Pela Livre Expressão. Pistoleiros em motocicletas fuzilaram em 6 de dezembro num subúrbio de Tegucigalpa, capital de Honduras, no carro que a conduzia, a jornalista Luz Marina Paz, da Cadeia Hondurenha de Notícias, e um mecânico que a acompanhava, informou o porta-voz do Ministério da Segurança, Héctor Mejia. O Presidente do Comitê Pela Liberdade de Expressão de Honduras, jornalista Osmán López, informou que ocorrem no país crimes motivados por problemas pessoais ou praticados pelo crime organizado, os quais não são investigados. “Há impunidade. O Estado não garante o exercício da profissão e as liberdades democráticas”, disse López. Na madrugada da véspera do assassinato de Luz Marina, a sede do jornal La Tribuna foi alvo de um atentado, em que foi ferido um segurança, como represália às denúncias publicadas pelo jornal no mesmo dia, de que policiais ameaçaram promotores que investigam o assassinato de estudantes universitários. Comissário de Direitos Humanos, Ramón Custodio disse que há no país “um aparato de poder que busca aterrorizar os jornalistas e todos aqueles que defendem a liberdade de expressão e lutam contra a corrupção e a impunidade”. A fonte das matérias publicadas nesta seção é o Tambor da Aldeia, ano VI, nª 49, 12 de dezembro de 2011, editado pelo jornalista gaúcho Vilson Romero, e-mail vilsonromero@yahoo.com.br
LEGISLAÇÃO
A PEC DO DIPLOMA ESTÁ ANDANDO Proposta passa no Senado em primeiro turno com esmagadora maioria: 65 votos a 7. Passou por sua primeira etapa a Proposta de Emenda Constitucional-Pec que institui a volta da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista: a proposição, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), foi aprovada em primeiro turno no Senado em 30 de novembro, com 65 votos a favor e sete contra. A Emenda será votada de novo no Senado em segundo turno, em data a ser definida, para depois ser votada na Câmara dos Deputados, também em dois turnos. Os jornalistas sem diploma que trabalham na área poderão continuar a exercer a profissão, mediante comprovação de que trabalhavam antes da aprovação da Pec. A obrigatoriedade não valerá também para colaboradores e especialistas, sem vínculo empregatício, que realizam trabalhos relacionados somente às suas áreas de atuação. Entre os senadores que votaram contra a aprovação da Pec do diploma estão o ex-Presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Aloísio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Demóstenes Torres (Dem-GO), Kátia Abreu (PSDTO) e Renan Calheiros (PMDB-AL). A proposta contrapõe-se à decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal que derrubou a exigência do diploma por oito votos a um. O Senador Ignácio Arruda (PCdoB –CE), relator da matéria no Senado, argumentou: “Argüir que a profissão de jornalista criaria embaraço para a liberdade de expressão e do pensamento é um verdadeiro escárnio. O que cria embaraço para a expressão da liberdade de pensamento é o monopólio da mídia”. Pró e contra Em seu site, a Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj comemorou o resultado da votação no Senado. Para o Presidente da entidade, Celso Schröder, a votação “representou o desejo do Senado de corrigir um erro histórico do STF contra a categoria profissional dos jornalistas”. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão-Abert manifestou-se contrária ao resultado, alegando que a proposta “fere a liberdade de expressão ao limitar o exercício da profissão de jornalista”. Foi a Abert, através de sua seção de São Paulo, que suscitou o pronunciamento contra a exigência de diploma para o exercício da atividade profissional.
RETROSPECTIVA
2011 ILUSTRADO
O
nze desenhistas mostram, nesta retrospectiva de charges publicadas em alguns dos mais destacados veículos do País, os principais fatos que foram notícia no Brasil e no mundo em 2011. Amarildo, Angeli, Aroeira, J.Bosco, Jean, João Montanaro, Marco Jacobsen, Nani, Orlandeli, Rico e Simanca são jornalistas do olhar e do traço e retratam os acontecimentos com uma visão fora do comum, criativa. Por vezes criticam, satirizam; outras, simplesmente homenageiam ao transformarem dor em poesia visual. Como no caso das tragédias da Serra Fluminense, do tsunami que arrasou o Japão e da escola em Realengo, Zona Norte do Rio. Entre os temas preferidos pelos críticos do desenho estão os Ministros flagrados em atividades ilícitas e que perderam vergonhosamente o cargo (mas não foram processados pelos crimes
que cometeram). Eles são alvos relativamente fáceis desses artistas que não perdoam atitudes imorais. Ao mesmo tempo, saúdam com carinho ídolos e personalidades que se foram. Ou simplesmente fazem caricaturas de figurinhas que deram o que falar. Nestas oito páginas são lembrados também, entre muitos eventos, a posse de Dilma e sua presença na Onu, a Primavera Árabe, a visita de Obama ao Brasil, a Copa de 2014, a crise nos Estados Unidos e na Europa, o código florestal, as mobilizações contra Belo Monte e contra a corrupção, os protestos na Usp e em Wall Street, as ameaças à liberdade de imprensa e a criação da Comissão da Verdade. Nestas oito páginas, 2011 passa voando! E, a partir do próximo mês, estes mesmos artistas começam a contar a história de 2012, o ano em que o mundo pode até acabar. Mas eles, certamente, saberão contar tudo sem perder a graça. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
29
RETROSPECTIVA 2011 ILUSTRADO
30 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
O desenho que João Montanaro fez a partir da gravura clássica A Grande Onda foi mal interpretada por muitos leitores e a Folha de S.Paulo recebeu diversas cartas censurando o artista. Na realidade, a obra é uma clara reverência ao sofrimento do povo japonês. Ao lado, Aroeira também presta uma homenagem a um pequeno grande herói brasileiro: Renato Lucas, de apenas 11 anos, destaque entre os voluntários da Cruz Vermelha que trabalharam separando doações para a Região Serrana do Rio.
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
31
32 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
33
34 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
35
RETROSPECTIVA 2011 ILUSTRADO
QUEM DESENHOU E ONDE PUBLICOU AMARILDO - A Gazeta, de Vitória, ES. amarildocharge.wordpress.com ANGELI - Folha de S.Paulo AROEIRA - O Dia, do Rio de Janeiro. J.BOSCO - O Liberal, de Belém, PA. jboscocaricaturas.blogspot.com JEAN - Folha de S.Paulo jeangalvao.blogspot.com JOÃO MONT ANARO - Folha de S.Paulo ONTANARO joaomontanaro.blogspot.com MARCO JACOB SEN - Folha de Londrina COBSEN marcojacobsen.zip.net NANI - nanihumor.com ORLANDELI - Diário da Região, São José do Rio Preto, SP. orlandeli.com.br RICO - O Vale, de São José dos Campos, SP. ricocartum.blogspot.com SIMANC A - A Tarde, de Salvador, BA. IMANCA osmanisimanca.com
36 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
MODA
REPRODUÇÃO
Criado por um engenheiro mecânico francês em 1946, o maiô sumário ainda hoje é objeto de uma disputa acerca da paternidade da invenção. POR F ERNANDO M OURA PEIXOTO BIQUÍNI – substantivo masculino. “Maiô de duas peças, de dimensões bastante reduzidas”, vocábulo do século 20. Do francês Bikini, derivado do topônimo Bikini, na Oceania. (Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, 1982, Editora Nova Fronteira) BIQUÍNI – substantivo masculino (de Bikini, nome próprio). Maiô feminino de duas peças, de diversos modelos e formatos. (Minidicionário Larousse da Língua Portuguesa, 2005, Larousse do Brasil) BIQUÍNI – (bi-quí-ni) substantivo masculino. 1- Traje de banho de duas peças, geralmente pequeno. 2- Tipo de calcinha. Origem: do topônimo Bikini, atol no Pacífico. (Minidicionário da Língua Portuguesa, de Evanildo Bechara, 2009, Editora Nova Fronteira)
Desenhista de moda, Alceu Penna escreveu em uma revista O Cruzeiro, na década de 1950: “No início do século 20, as mulheres começaram a freqüentar as praias... E os trajes de banho cobriam o mais possível as formas das senhoras.... Depois o conforto dói dando suas ordens e os maiôs encurtando.... As pernas foram ficando inteiramente descobertas e surgiram os decotes nos ombros, colo e costas... Mas o encurtamento prosseguiu e veio o duas-peças e depois o toque ousado com o biquíni. Parece que este modelo foi tirado do Teatro de Revista. Agora, perguntamos: O que faltará às mulheres que desejarem se exibir? A sua radiografia?” Uma verdadeira revolução feminina mundial aconteceu com o biquíni, que, na visão irônica e irreverente do humorista Leon Eliachar, “é um pedaço de pano cercado de mulher por todos os lados”. E o libertário traje de banho, que literalmente detonou os costumes, a cultura e a moral vigente por entre os tempos, completou 65 anos de existência em 2011. O nome “biquíni” tomara-se emprestado do local de dois explosivos testes de bombas atômicas realizados pela Marinha norte-americana em julho de 1946, no atol de Bikini, arquipélago Marshall, situado no Oceano Pacífico Sul, na região da Micronésia Oeste da Oceania. Na verdade, seu inventor, o engenheiro mecânico francês Louis Réard – um desempregado que cuidava do ateliê da mãe, em Paris –, aproveitou-se de uma idéia do estilista Jacques Heim, que cri-
ara um pequeno maiô de duas peças denominado “átomo”, e confeccionou um tipo ainda menor, escandalizando a sociedade. A briga pela paternidade da diminuta indumentária rende até hoje. Fabricado em tecido de algodão com estamparias de manchetes de jornais, o biquíni de Louis Réard era tão pequeno e ousado que não houve manequim parisiense que aceitasse desfilar com ele. A solução encontrada foi apelar para Micheline Bernardini, dançarina do Casino de Paris, que se apresentava nua em espetáculos musicais noturnos. Em julho de 1946, às margens do Rio Sena, tendo em uma das mãos a caixinha em que se comercializava o biquíni, ela posou com o modelito cavado e despudorado de Réard, desbancando o recente lançamento do compatriota e rival Heim. A audácia trouxe-lhe notoriedade e fama. Polêmico e desarrojado, logo proibido em diversos países e condenado pelo Vaticano, o biquíni revelava quase tudo, para o delírio masculino. E Réard elaborou ainda estratégica propaganda de vendas, com o slogan: “Se não puder ser passado através de um anel de casamento, não é o autêntico biquíni”. Despindo mais do que vestindo, o novo produto percorreu mundo afora, quebrando tabus, ditando modismos e preparando o terreno para o surgimento da pílula anticoncepcional e a eclosão da liberdade sexual feminina. Seguiu-se mais de um decênio. A música pop da juventude inquieta e a telona mágica da Sétima Arte contribuíram para a po-
Elvira Pagã: a primeira na América do Sul.
pularização do biquíni, recheado pela sensualidade de atrizes como Janis Page, Brigitte Bardot, Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Mylene Demongeot, Pascale Petit, Marisa Allasio e Rossana Podestá. E depois, Ursula Andress e Raquel Welch, dentre tantas. Na América do Sul, a primazia de usar o biquíni na orla marítima coube à brasileira Elvira Pagã, vedete paulista nascida em Itararé e radicada no Rio de Janeiro. Mito erótico nacional de então, ela rasgou e adaptou o modelo de duas peças utilizado no teatro rebolado. E, no início de 1950, na praia de Copacabana, desnudou o escultural corpo moreno pontuado de oxigenada penugem loura. Poucas atreveram-se a imitá-la. Quando o faziam, eram também vedetes ou artistas. Entre nós, o biquíni pegaria mesmo durante os anos 1960, em pleno regime de exceção, no rigor da ditadura militar instaurada no País em abril de 1964. Vinte e seis anos depois de Louis Réard, na década de 1970, a modelo Rose di Primo, aficionada por frescobol e considerada o maior símbolo sexual brasileiro da época, reinventaria o biquíni em Ipanema. Na base da improvisação, meio sem querer, ela cortou aqui a acolá, criando a “tanga”: em forma de V, uma estreitíssima faixa de pano abaixo da cintura. Exportada para Saint Tropez, a tanga conquistou o planeta, freqüentando as capas de grandes revistas internacionais. “Estamos a caminho do nada”, sentenciou um jornal de São Paulo. Impedidas de praticar o topless por proibição estatuída e repressão policial, as ipanemenses lançaram uma verdadeira tanga: dois exíguos quadriláteros de tecido atados ao corpo por fitas e cordões,
na altura dos quadris. Complementadas com cintos, aros, cordinhas, correntinhas, bordados e imaginativas amarrações, sucederam-se outras variedades: o biquíni de crochê, o enroladinho, o cortininha, o ET (“entra todo”), o cavadão, o asa-delta e o fio-dental. Na Europa, em 1995, o estilista alemão Karl Lagerfeld desenhou o biquíni Chanel e o reduzidíssimo “eye patch” – este, mais propício às magras e longilíneas “top models”, descobre as curvas da mulher nos mínimos detalhes. Nos anos 1980, vencendo a hipocrisia e o falso puritanismo, brasileiras audazes puderam finalmente mostrar os seios nas praias, empolgando uma legião de curiosos. Timidamente o topless foi chegando, mas ainda controverso e mal visto, mesmo no final do século XX. E, em áreas – poucas – reservadas aos amantes do naturismo, veio o bottom-less, o nada já antecipado na imprensa paulista. O que grandes estilistas, designers e produtores de moda pretendem arquitetar para as vestes femininas das musas praianas e divas das passarelas internacionais até o fim deste terceiro milênio? Talvez um longo retorno aos moldes tradicionalistas e comportados do passado. Ou, quem sabe, um modelito genômico – um traje de banho leve, voluptuoso e diáfano, elaborado cientificamente de acordo com o mapeamento genético da usuária. Há ainda mais alguma coisa a se esconder? Jornalista colaborador desde 1982, associado da ABI a partir de 1992, Fernando Moura Peixoto nasceu no Rio de Janeiro em julho de 1946. Escreveu também, dentre tantos: Frescobol, Um Esporte Como Outro Qualquer, A Verdadeira História do Futevôlei, Altamiro Braga, o Introdutor do Vôlei na Praia e A Visita do Rei Alberto ao Brasil em 1920.
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
37
“A Europa não tem força para resistir ao mercado” Ignácio Ramonet, Diretor de Le Monde Diplomatique, considera que a classe política européia está cedendo o domínio dos governos ao poder financeiro. De passagem pelo Rio de Janeiro em eventos relacionados com comunicação sindical, o jornalista espanhol Ignacio Ramonet analisou a crise européia e afirmou que vivemos a ascensão de um fascismo financeiro, pois os tecnocratas do mercado estão dominando o cenário político. Ramonet alerta para possíveis golpes militares num futuro próximo, caso a inquietação social não seja resolvida pelas novas lideranças na região. Para ele, a América Latina pode ser uma alternativa ao modelo hegemônico e a
mídia tem ocultado a realidade ao tornar invisíveis os diversos processos de resistência à globalização no mundo. Ramonet é diretor de Le Monde Diplomatique, da França, colabora para o jornal espanhol El País e é consultor da Telesur, rede de televisão latino-americana criada em 2005 na Venezuela. Exaluno do filósofo Roland Barthes, é doutor em semiologia pela École dês Hautes Etudes em Siences Sociales de Paris e lecionou em diversas universidades da Europa e da América Latina. É autor de vários livros sobre geopolítica e crítica da comunicação mundial.
QUAL É A PRINCIPAL CAUSA DA CRISE ATUAL? Hoje em dia o traço fundamental do que está ocorrendo no mundo é a globalização neoliberal, e os seus atores principais são o poder financeiro e os grandes grupos industriais. Mas eles não poderiam conseguir a adesão da população mundial à lógica da globalização se não tivessem também como aliados os grandes grupos midiáticos. Esses grandes grupos são o aparato ideológico da globalização para convencer os cidadãos de que esse é o melhor modelo. Os grupos midiáticos es-
tão articulados aos grandes grupos industriais, aos grandes fundos de pensão e poderes financeiros, e não são só ideológicos, mas também grandes grupos empresariais como atores da globalização. Uma democracia moderna funciona com quatro Poderes, mas tradicionalmente só funciona com três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Desde que se criaram os meios de comunicação de massa, no final do século XIX, surgiu um ator novo muito importante para o funcionamento das democracias, que é a
E NTREVISTA A EDUARDO SÁ
38 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
opinião pública. Com isso, esse quarto Poder teria como missão contestar os abusos dos outros três Poderes. A imprensa é quem acusa os seus equívocos, e conseqüentemente a sociedade funciona de maneira mais democrática com o quarto Poder graças à opinião pública por ele construída. Ocorre que hoje o quarto Poder não está funcionando, porque ele não é um contrapoder senão mais um poder que aliena os cidadãos. Os grandes grupos midiáticos hoje são cúmplices dos poderes dominantes e tradicionais. Nos países onde existem agora governos progressistas se trata não só de lutar contra as inércias dos Poderes tradicionais, o poder econômico e oligárquico, mas também de combater esse quarto Poder que está convertido no poder que mais se opõe às reformas dos governos democráticos e progressistas. O caso da América Latina é exemplar em escala internacional. É POSSÍVEL VISLUMBRAR O QUE PODE ACONTECER NOS PRÓXIMOS ANOS NA EUROPA PÓS-CRISE? O que está acontecendo na Europa é muito importante, na medida em que neste momento não sabemos se a União Européia e o euro vão se manter. O que sabemos é que a classe política européia não
MUNIR AHMED
ANÁLISE
tem suficiente vontade política para resistir aos mercados. Isto está claro e é uma enorme revelação para as sociedades européias. Está ocorrendo diante dos povos e cidadãos europeus que o poder financeiro está derrubando o poder político. Assistimos nesta semana a dois golpes de Estado financeiros, contra a Itália e a Grécia. Eles dizem que os mercados têm preferido derrubar o Governo e substituílo sem eleições a um técnico economista, Papademos, que não foi eleito e não era deputado, senador ou ministro. É unicamente antigo técnico do Goldman Sachs e do Banco Central europeu. Vão colocar o novo primeiro-ministro numa união nacional que o povo não votou. A união nacional é composta por sociaisdemocratas, conservadores e a extrema direita. É evidentemente um choque democrático para toda a Europa, na medida em que a crise hoje permite golpes de Estado tecnocráticos e financeiros contra a vontade dos cidadãos. E agora, em certa medida, na Itália, que é uma grande democracia fundadora da União Européia, está acontecendo o mesmo destino. Estamos de acordo que podemos criticar o Berlusconi, mas a questão é que seu Governo foi bem eleito e, portanto, democrático. Foi substituído por Mario Conti, também puramente um técnico posto no poder. Vemos agora na Europa que não só não há vontade política como também existe um dos mais ambiciosos objetivos financeiros, que é colocar na cabeça dos países puros técnicos econômicos que vão levar a cabo uma política neoliberal. Um ajuste estrutural, como era chamado quando se aplicava na América Latina ou na África. E não há nenhuma racionalidade econômica, porque todo mundo sabe que uma política restri-
DIVULGAÇÃO
tiva impede o crescimento. Se não há crescimento não se pode pagar a dívida, e assim as taxas da dívida aumentam e a situação se agrava. Desde que a Grécia está aplicando o plano de austeridade imposto pela UE temos visto sua dívida aumentar. Quando na realidade no princípio a dívida da Grécia era muito pequena. Pensavam que a Grécia tinha uma dívida que representava de 2 a 5% do PIB da zona do Euro, não da Europa. A UE tem 27 países que têm o euro como moeda. Era um problema fácil de pagar, mas a Alemanha preferiu que se castigasse a Grécia. A pergunta que nos fazemos hoje é: esse é um objetivo oficial da globalização, de ir derrubando governos democráticos por puros tecnocratas? O que podemos constatar é que até os meios conservadores da Europa pensavam que a democracia existia. Governada pela direita ou pelas leis neoliberais. E os próprios meios conservadores hoje estão surpreendidos pela radicalidade das soluções ultraliberais que estão levando a cabo, sem se dar conta de que estão assassinando a democracia. Amanhã isso pode ocorrer na Espanha, porque a situação é muito parecida, como a de Portugal, Bélgica e França, e está se agravando. Então eu creio que no cenário internacional isso é algo novo. Nunca o capital, desde a crise de 1929, havia ousado dizer que a democracia é uma solução momentânea que, em situações bastante dramáticas, não serve e é preciso tomar diretamente o poder. A democracia era a máscara mais aceitável do poder financeiro. Agora ele assume diretamente, sem nenhum tipo de precaução, o poder político. E com a cumplicidade de muitos cidadãos europeus, que pensam que os técnicos são melhor que os políticos. QUAL O PAPEL DA AMÉRICA LATINA NESSE CENÁRIO INTERNACIONAL? É muito importante. Desgraçadamente os meios de comunicação da Espanha não percebem suficientemente a singularidade da América Latina contemporânea. Não só porque ela é a área geopolítica mais progressista e democrática do mundo em termos quantitativos. É interessante que esses governos surgiram das urnas e são também resultado das experiências ultraliberais, experiências de dívidas externas, que vocês conheceram aqui. Lula estava recentemente em Paris e disse que há 20 anos era sindicalista e vivia no Brasil o problema da dívida externa, e os técnicos franceses, europeus, americanos, o FMI, Banco Mundial, diziam exatamente o que eles deveriam fazer: privatizar, reduzir o número de funcionários, os fundos dos trabalhadores, etc. Ele dizia que lutavam contra essas soluções e quando soube que na Europa havia uma crise em 2008 achava que em três dias os europeus resolveriam a crise, porque eles são experientes e espertos em crises. Mas depois de três anos vemos que não foi resolvida. Lula dizia antes dos golpes de Estado: essa crise não tem solução técnica, só política. Mas o que acabamos de ver na Europa é que os políticos
exemplo, não é traduzida em mudanças importantes na política porque a UE não admite outra política. Então essas resistências podem dar lugar a uma repressão, e se a resistência aumenta não sabemos a que situação em termos de controle da sociedade podemos chegar. Atualmente temos um controle tecnocrático-financeiro, mas amanhã pode ser que as finanças tenham que recorrer a um tecnocrata da repressão, a um general. Não é seguro, mas é possível. Hoje a situação européia é de dimensões absolutamente superiores às da crise de 1929. Ignacio Ramonet diz que não há como prever o que acontecerá nos próximos anos: “A Europa nesse momento está dirigida exclusivamente pela Alemanha. Não há União Européia.”
foram demitidos e não há confiança na democracia e nos povos. Por isso, vemos os indignados na Grécia, na Espanha, Inglaterra, como um sintoma, a expressão de um mal-estar extremamente profundo. Agora golpes de Estado militares na Europa parecem impensáveis, mas se os tecnocratas que não têm legitimidade popular não conseguirem acalmar os protestos se apoiarão cada vez mais nas forças de repressão. É possível que haja um golpe de Estado na Grécia se ela sair da UE, ou em Portugal, na Espanha, etc. Estamos num momento absolutamente delicado e os grandes grupos midiáticos decidiram apostar nessa solução, mesmo que ela tenha que sacrificar a democracia. OS PRÓXIMOS ANOS SÃO DE INCERTEZAS E INSEGURANÇAS? Hoje poucos especialistas podem dizer o que acontecerá nos próximos três anos. A Europa nesse momento está dirigida exclusivamente pela Alemanha. Não há União Européia. Mas ela não pode dirigir a Europa sozinha, porque por razões históricas a França tem um papel político de liderança dos países do Sul. Só a Alemanha tem os critérios ortodoxos que, segundo ela, são os adequados. Nesse momento o elemento determinante é se a França entra nesse processo, como em Portugal e na Espanha. A questão atual é saber por que a UE não funciona financeiramente. Tem um Banco Central (BC) que não é europeu, na medida em que não é prestador único do Estado. Ele não cria moeda e não pode emprestar para os Estados. E a única forma de solucionar a crise hoje é o BC assumir as divídas, e os alemães não querem. Se os mercados dos Estados Unidos e União Européia, por exemplo, não consomem produtos chineses, a China não fabrica e não importa. Com isso, todos os países latino-americanos, que em parte dependem do crescimento chinês, podem desencadear uma grande depressão no conjunto internacional. E não há perspectiva positiva, não há alternativa. É INEVITÁVEL QUE A CRISE SIGA SE AGRAVANDO? A criação do consenso dos países da UE supõe que quando eles aderem ao euro o BC europeu fica independente dos governos. E o BC não tem mais que uma missão:
vigiar que não haja inflação. Com essa iniciativa os países se despossuíram voluntariamente de uma dimensão fundamental da soberania: a moeda, o escudo nacional, que tem historicamente a cara dos seus presidentes. Ainda aceitaram a idéia de que o BC europeu não tem a missão de ajudar no crescimento, e nesse sentido é muito diferente da Reserva Federal Americana (Fed), que tem como objetivo ajudar no crescimento e emitir os bônus para os Estados norte-americanos. Observem que as agências de classificação têm desqualificado os EUA até um mês e meio, mas o dólar tem aumentado. Para os aduladores do mundo o dólar segue sendo a moeda refúgio, e na medida em que o euro deixa de ser uma moeda refúgio, o dólar é mais refúgio que nunca. Outros países têm tomado medidas para que sua moeda não cresça, como o Brasil. O franco Suíço também aumentou, e o banco suíço decidiu comprar a moeda. Mas o banco europeu não pode fazer isso, e aí ele é uma cópia do Banco Central alemão. Essa é a situação em que estamos atualmente. O real está governado pelo Governo do Brasil, que é eleito pelos cidadãos. Mas o euro está governardo por um banco e não há nenhum Governo que apóie isso. Porque não há nenhuma governabilidade, leis, critérios, disposições. Digamos que os 27 países do euro pilotem o euro, isso não existe. Os mercados sabem que se há dificuldade há um problema político para resolver, e que os Governos não vão resolver essa dificuldade. Uma soma relativamente pequena de 20 bilhões de euros podia ajudar a Grécia, cada parlamento dos 27 países teria que se reunir e votar. Isso levou seis meses e a dívida cresceu exponencialmente. Há uma enorme combatividade na Europa contra essas medidas de austeridade. Não só no sentido do enfrentamento com a Polícia e as tropas de choque, mas uma campanha ampla de rechaço ao pagamento dos impostos, por exemplo, quando o objetivo de toda a UE é fazer os gregos pagarem os impostos. Há grandes resistências na Espanha e Portugal, muita combatividade nas fábricas e setores do trabalho em toda a UE. Atualmente são mais de 25 milhões de desempregados, e 5 milhões só na Espanha. Isso supõe uma grande combatividade, mas na Grécia, por
POR QUE VOCÊ AFIRMA QUE OS INDIGNADOS SÃO UM SINTOMA?
Os indignados não são uma organização política de mudar a sociedade, são a expressão de um protesto. Mas ela tem tomado características semelhantes no mundo inteiro, são protestos com o mesmo caráter mas com objetivos diferentes. No mundo árabe, que cronologicamente são as primeiras, na Tunísia e no Egito, depois na Espanha e outros países da Europa, e em Israel com um enorme protesto social organizado da mesma maneira com as redes sociais. E temos tido esse fênomeno na América Latina, no Chile, na Colômbia, na República Dominicana. Apesar das diferenças, é seguro que são sempre os jovens que protestam porque eles sentem que o modelo atual não lhes permite vislumbrar um futuro. É uma geração sem futuro, e isto é uma preocupação geral no novo sistema mundial em que estamos. E COMO É A PRODUÇÃO MIDIÁTICA , DO PON TO DE VISTA DIDÁTICO , EM RELAÇÃO A ESSES PROTESTOS ? É complicada a questão didática porque de uma parte há o uso das redes sociais por parte dos indignados, e os meios dominantes que num primeiro momento vêem esse fenômeno com uma curiosidade simpatizante porque são jovens, porque não estão politizados. Mas num segundo tempo, quando esses mesmos jovens se politizam, como no caso do Chile, os meios os atacam dizendo que são grupos infiltrados, comunistas, anarquistas, subversivos, etc. A idéia é deslegitimar o protesto desses jovens. Temos conhecido, portanto, três fases: redes sociais para organizar os protestos, depois a simpatia de grupos não violentos e em seguida o descrédito, discriminação e ataques contra os grupos porque se politizam. COMO SE DÁ CONCRETAMENTE UMA ALTERNATIVA COMUNICACIONAL HOJE? Na America Latina as proposições que existem hoje são para que haja um serviço público de informação. Cerca de 75% dos meios na América Latina são privados. E a idéia é que se vá criando uma alternativa, e que haja meios públicos como a Telesur, as rádios e tv’s públicas como no Equador, Bolívia e Argentina, por exemplo. É necessário que haja uma lei de meios para prever maior equilíbrio entre privado, que era monopólio absoluto, e público. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
39
LITERATURA
40 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
Uma das mais respeitadas escritoras do País, Nélida Piñon surpreende ao aderir ao Twitter como forma de publicar suas reflexões e até mesmo fatos simples do seu cotidiano. Isso apenas confirma o quanto a autora está atenta ao mundo. Dada à experimentação, ela encontrou na internet um veículo a mais para dar vazão à sua vasta e fluente produção.
Nélida por inteiro, em menos de 140 caracteres P OR P AULO C HICO
me interessa. Até programas de culinária...”, conta. Logo de imediato, Nélida quis livrar-se apenas da parte operacional. “Decidi que não queria ter o trabalho ferramental, de colocar os meus pensamentos no ar. Passo tudo pra Carmen, minha secretária, e ela providencia a publicação para mim”. O Twitter de Nélida Piñon está no ar desde 10 de outubro deste ano. Desde então, o padrão é de uma tuitada por dia. Os seguidores já ultrapassam os 500. O retorno dos leitores tem sido bom. Em geral, os tuites têm sido retuitados por outras pessoas e lançados na grande rede. Há
aproximadamente dez novos seguidores por dia. E, pelo menos, um inconveniente. Há um Twitter falso – ou ‘fake’ como preferem dizer os internautas – chamado Twitter/nelidapinon_, com underline no final. Em tempo: o oficial é Twitter/nelidapinon. Simples assim. As primeiras experiências com o mundo digital
No campo das publicações virtuais, o contato inicial da escritora foi com os blogs. “Eles não me interessaram muito. Não me atraíram, pois dão muito trabalho. Os textos são longos, e exigem o
compromisso de dar respostas. Ao não fazê-lo eu iria fraudar os leitores. Para não fazer bem feito, preferi não fazer. Não queria o benefício só para mim, mas também para o leitor. Ele é o nosso objetivo maior. Outro ponto no qual tive dificuldades iniciais foi com o Facebook. Todo mundo me perguntava: quer ser meu amigo? Absolutamente, não! Nunca respondi! Eu desconhecia aquilo... E temia ser explorada, no pior sentido, para me popularizar ”, revela. “Convivo com pessoas do mundo todo. Correspondo-me com elas. Essa parte do computador eu já domino bem,
DIVULGAÇÃO
‘N
ão há restrição virtual capaz de impor limites ao pensamento humano’. E aí? Contou? A sentença que abre esta matéria tem exatos 71 caracteres, contando os espaços. Está, portanto, pouco além do meio do caminho imposto como limite máximo pelo Twitter. Como todo o texto que se segue, o lide curto, simples e direto é de minha autoria. E justifica, com precisão, a recente decisão, no mínimo inusitada, de uma das mais respeitadas escritoras brasileiras. Aos 74 anos, Nélida Piñon resolveu aderir ao Twitter, rede social digital de comunicação instantânea, marcada pela publicação de mensagens curtas. Aparentemente, para qualquer escritor de romances e contos, curtas até demais. “Um belo dia a Editora Record começou a me falar do Twitter. Comecei a sondar do que se tratava. Até que cheguei à conclusão de que, na verdade, ele representa os aforismos. Os gregos – e todos sabem da minha paixão pelos gregos! – já faziam isso. As frases-síntese, as sentenças cintilantes, que procuram dizer tudo numa linha e meia. Ah, a beleza dos pensamentos curtos! Grandes poetas, escritores e filósofos já os fizeram. Aliás, as pessoas em geral fazem isso com os grandes textos. Destacam frases que têm uma certa autonomia e sentido representativo, dentro da obra maior. E vou te contar uma coisa: sempre tive uma tendência a entender que o meu texto tinha que apresentar frases curtas. Eu me lembro bem, por exemplo, do meu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras”, explica Nélida. Nascida no dia 3 de maio de 1937, no bairro de Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, a escritora é filha de Olivia Carmen Cuiñas Piñon, brasileira filha de galegos, e Lino Piñon Muiños, comerciante, natural de Borela, na Galícia. “Sou brasileira recente. Ponto”. Foi assim que Nélida iniciou seu discurso de posse na ABL, ocorrida em 1990. “Eu acho que as frases têm que ser marcantes. E, a partir daquele impacto, você segue em frente...”, defende a autora, que, de tão brasileira, nunca requereu o passaporte espanhol, apesar de ter direito ao documento. Nélida assina obras fundamentais, como A Casa da Paixão, A República dos Sonhos, Fundador, Vozes do Deserto e Até Amanhã, Outra Vez. É dona de prêmios como o Golfinho de Ouro, o Jabuti e o concedido pela Associação Paulista de Críticos de Artes-APCA, só para citar alguns. Nem por isso sente-se encerrada em si mesma. Completa. Concluída. Acabada. Pelo contrário. “Quando eu percebi o que era o tal do Twitter, me interessei. Ele é aquele que precisa, que explica de uma forma concisa, rápida. O que não quer dizer que aquela idéia não possa ter um desdobramento numa esfera ensaística, ou num mundo narrativo. Pensei: vou tentar! E logo me assustei. ‘Meu Deus! Que coisa complicada deve ser escrever em até 140 caracteres!’. Pois bem... Querido, saiba você que em um só dia eu fiz mais de 30 tuitadas. Eu não estou ‘seca’. Eu sou uma autora que ainda tem imensa capacidade de pensar. Eu me deixo impregnar pelo saber. Eu estou atenta ao universo. Uma mulher inquieta em relação ao conhecimento. Tudo
faz tempo. Eu entrei no mundo da internet em 1999, e logo comecei a ver como ela abre fronteiras. Eu batia à máquina os meus textos, e a primeira vantagem foi como passei a corrigi-los. Posso mexer à vontade. Aliás, sempre mexi, reescrevi. Mesmo no tempo da máquina. Mas, com o computador, isso dá muito menos trabalho”, recorda. Nélida compreende que sua decisão de aderir ao Twitter provoque estranheza. “Tudo isso pode ser visto como algo surpreendente, sobretudo para uma mulher com minha formação. Não sou ‘populista’, e nem de fazer concessões baratas a modismos. Mas, ao mesmo tempo, sinto atração pelo que o mundo está fazendo. A imprensa e alguns escritores ficaram muito impressionados com a minha decisão. E eu fiquei surpresa com o espanto deles. Pois quem me conhece sabe que sou dada a essas descobertas. Viajo para o exterior, às vezes para locais distantes, de difícil acesso, só para assistir a espetáculos. Você precisa, o tanto quanto possível, e sem violentar a sua consciência, caminhar junto ao processo da vida.” Alguns colegas de ABL comentaram o fato, segundo Nélida, sempre com tom muito respeitoso. “Eu sou uma mulher muito respeitada. Sou muito séria, você não acha?”, brincou ela, enquadrando o repórter, para, logo em seguida, soltar uma gargalhada. “O nosso presidente, Marcos Vinicios Vilaça, é um homem muito avançado. Sintonizado com o universo
das comunicações. O que acontece é que nem todo mundo se adapta, ou tem facilidade para circular pelas mais diversas esferas, como eu”, diz ela, justificando a notória resistência de alguns acadêmicos e intelectuais às ferramentas digitais. Em sintonia, a contista lê revistas, jornais e acompanha o debate sobre a substituição do livro impresso pelas plataformas digitais. Por sinal, não considera essa uma questão perturbadora. Instigante, por certo. “Tenho interesse e me preparo pra lançar algumas de minhas obras em formatos digitais. Tive contato com eles, mas não me entusiasmei. Não é por preconceito, não. Apenas prefiro o livro no papel. Mas o tablet é muito bom. Num avião, leria com muito prazer. Eu tenho Ipad. O Blackberry é muito moderno. Acompanho toda hora as mensagens que chegam. Adoro responder a tudo digitando nessas letrinhas pequenas! Adoro
Nélida e seu cão Gravetinho na foto do Twitter.
fazer isso, ó! E faço rápido”, demonstra ela, que dispara a digitar mensagens em seu aparelho. Um livro em papel a partir do Twitter?
Essa idéia foi apresentada pelo repórter a Nélida, que logo se interessou pela ousada proposta. Que tal fazer o caminho inverso, isto é, trazer as publicações virtuais para o papel? “Um livro de tuitadas? De repente, pode ser. Poderíamos publicar as tuitadas desdobradas com narrativas, comentários aprofundados ou até imaginando quais pessoas leram aquilo, como reagiram... Tudo é possível no campo inesgotável da criação”, estusiasmou-se. Nélida acredita que as frases curtas do Twitter podem ser o trampolim a partir do qual o leitor salta para o céu, para o firmamento ou para o abismo das coisas mais profundas. “Há um tipo de narrativa racional de ação que, de certo modo, é muito interessante, mas nem sempre visita a sua alma. E há frases que são tão potentes e significativas que traduzem tudo o que vai ser dito ao longo de trinta ou quarenta páginas. Minhas tuitadas têm uma dimensão humana. Outro dia falei sobre o que era a esperança. E vou percebendo que, como a maioria das pessoas, posso também contar coisas do meu cotidiano, o que antes eu achava que não devia fazer. Digo desde que fui a Lisboa, ao cemitério levar flores até o túmulo de uma amiga que havia morrido, recomendo leituras...”, lista a premiada autora. Na foto que ilustra seu Twitter oficial, Nélida afaga Gravetinho, cão de estimação e sua maior paixão. Nos temas abordados na página, uma prova do quanto é vasto seu universo particular, agora ao alcance do público. “Não aspiro acumular sonhos com a mesma cobiça com que outros entesouram moedas e papéis. O ouro conforta, mas o riso e o amor salvam”. “Sempre se perde alguma coisa quando se revela um pouco”. “O Brasil discrimina até as vacas ao classificar a carne de segunda. Pobre do acém, do músculo, do chã-de-dentro, perfeitas para assar”. “Há cinco anos Gravetinho brilha no meu horizonte. É dono da casa. Ao olhá-lo, admito que não estava preparada para tanto amor”. “Importa-me conhecer quem sou.
Surpreender a combinação de acertos e desastres que na sua inteireza expressam minha humanidade”. Essas são algumas das tuitadas da escritora. Nélida recebeu o Jornal da ABI em seu apartamento na Lagoa, Zona Sul do Rio de Janeiro, ainda empolgada com a notícia de que acabara de emprestar seu nome a mais duas bibliotecas. Uma na capital fluminense, mais precisamente no Colégio Santo Amaro, onde estudou, e outra no Instituto Cervantes, na cidade de Salvador, na Bahia. Mostrou-se surpresa ao ser informada sobre conflitos recentes no Twitter, como o da cantora Gal Costa, que, em janeiro deste ano, encerrou sua página depois de sofrer agressões virtuais, após afirmar que os baianos eram ‘preguiçosos’. “É mesmo? Isso aconteceu? Gente, ela própria é baiana, a mais baiana das cantoras. Uma grande artista, com disco dedicado à obra de Dorival Caymmi, e sempre presente nas adaptações feitas sobre os livros do Jorge Amado. Certamente, isso foi uma brincadeira. E ela deve ter ficado muito magoada com as agressões. Deve ter se sentido incompreendida”, avalia Nélida que, no entanto, garante não se preocupar com esse tipo de resposta do público. E tampouco com alguma meta de ‘seguidores’ a ser atingida. “Se tivesse um problema como o da Gal, eu tentaria me justificar. Teria que enfrentar a situação. Mas, acredite, o maior risco é publicar um livro. Já tive retornos e críticas negativas. Nem sempre elas são leais e justas. Às vezes, você toca no outro em fibras ressentidas. Esse assunto ‘crítica’ eu não debato. Discuto é minha perseverança, meu amor à literatura e à língua portuguesa. Quanto ao número de seguidores, acredite, isso não me interessa! Não estou nem aí! Você está trazendo uma problemática que não me interessa! Eu imagino que quem atraia um milhão de seguidores seja, sei lá, um roqueiro, um apresentador de televisão. Alguém do universo pop. Claro, se eu tiver um milhão deles vou achar ótimo. Mas não sou ‘regente’, não quero reger o universo de ninguém. Espero apenas contribuir para ampliar o universo de quem seja. Ou, pelo menos, que eu não o estreite”. Publicações também de caráter jornalístico
Membro e integrante do Conselho do Foro Ibero-América desde sua fundação no ano 2000, Nélida exercitou, na edição deste ano do evento, realizado em novembro no Rio de Janeiro, seu lado de jornalista. “Estou prestes a publicar minhas impressões sobre o encontro. Vou tecer comentários sobre as falas do Armínio Fraga, do Marcos Azambuja... Deixar fluir meu lado de repórter. Não faltei a uma sessão nos três dias do evento. Acompanhei tudo, sempre interessadíssima. Eu sou também uma mulher que relata as coisas do seu tempo, uma jornalista do cotidiano. Sou uma legítima mulher do meu tempo, mas não caio nas suas armadilhas. Ninguém pode ser contemporâneo se não for arcaico. Sem formação sólida. Como entender o mundo sem Shakespeare, por exemplo? Restariam apenas falsas interpretações da vida.”
Nélida revela orgulho de suas experiências no campo do Jornalismo, embora sempre tenha preservado a consciência de que a carreira de escritora seria, de fato, a sua escolha. A sua prioridade. “Desde os sete anos de idade dizia para meu pai que eu já era escritora. Depois, gostava do Jornalismo, mas sabia que não iria abraçar as duas profissões. Sabia que meu destino era a literatura”. Ela lembra de duas passagens de sua vida em Redações. “Tive ótimos professores em O Globo. E na revista Cadernos Brasileiros atuei como editora assistente, fazendo toda a parte cultural”, aponta ela, que ainda colaborou com artigos e ensaios para diversas publicações do País. “Não podemos abolir a memória. A beleza do jornalismo e da literatura está, também, no fato de produzir memória. Veja bem neste momento o desespero dos gregos. A ameaça sobre a Itália. A crise portuguesa. A União Européia sendo colocada em xeque. Ela terá que ser repensada. Eu sinto que posso fazer perguntas sobre todos esses temas. Instigar reflexões. Por exemplo: ‘A Itália renascentista e o grotesco Berlusconi? Como ficamos?’. Olha aí! É um bela Tuitada”, provoca. Nélida tem plena consciência de que as redes sociais podem ser ferramentas fundamentais para a divulgação de suas obras. E, mais do que isso, um caminho para atrair leitores das novas gerações, em grande maioria mais afeitos ao universo digital do que ao mundo táctil da celulose. “Dizem que o Twitter pode vir a funcionar, um dia, como veículo de divulgação dos meus livros. É o que dizem, né? É bem capaz. O que sei, por enquanto, é que estou gostando da experiência. E não acho ruim que as pessoas que nunca tenham lido livros meus descubram mais esta autora brasileira. Posso, sim, de repente, ser descoberta por essas pessoas na internet. O que há de mau nisso? E fique certo de que no dia em que eu achar que não está dando prazer ou satisfação, que não está enriquecendo nem a mim e nem ao outro, eu digo ‘tchau, foi um prazer. Adeus’. E ‘adeus’ você pode dar muito bem em menos de 140 caracteres”, brinca. No final da entrevista, já numa conversa informal, temperada com café e doce de coco trazido da Bahia, Nélida afirma ter pastas e mais pastas de textos inéditos. “Produzo muito. A Record me cobra o livro novo, que está pronto. Mas há três semanas não consigo fazer a leitura final. Viajo bastante e escrevo frases ao longo dessas viagens. O Twitter veio, agora, se juntar a tudo isso. E, de verdade, não estou cerceada, nem limitada por ele. Disponho de romances, discursos, da fala, das entrevistas... Estou aqui com você agora, frente a frente nesta entrevista. O importante é preservar intacta a liberdade de manifestação. A privação da liberdade, por si só, é uma tragédia”. O encerramento, assim como a abertura desta matéria, ocorre em formato de reverência às extensas possibilidades de comunicação das mensagens curtas. Diga aí, querida Nélida. Como descreveria, no Twitter, nosso encontro e esta entrevista? “Sob o beneplácito da palavra, ambos nos infiltramos pela vida.” E ponto final. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
41
RESGATE
A História recontada Editado pelo Instituto Vladimir Herzog, livro conta a História da imprensa que resistiu à ditadura através das capas de algumas das mais combativas publicações do período. P OR M ARCOS STEFANO A revista PifPaf teve uma vida efêmera e uma tiragem pequena. Circulou apenas quatro meses, imprimindo 20 mil exemplares a cada edição. Mas foi tempo e páginas mais do que suficientes para inaugurar um novo tempo na imprensa brasileira. Lançada por Millôr Fernandes no Rio de Janeiro, em maio de 1964, poucas semanas depois do golpe militar, teve em sua equipe de colaboradores pessoas como Jaguar, Claudius, Ziraldo, Fortuna e Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Usando o humor corrosivo como arma, aliada a um projeto gráfico bastante moderno, foi a primeira a desafiar o novo regime nas bancas de jornal. Nem o General Castelo Branco, recém-empossado Presidente do regime linha-dura, escapou de se tornar piada. Com ela também começaram os atos de violência. Claudius foi preso pelos militares por causa de uma charge e Millôr, chamado várias vezes para depor. Sem arrefecer, o tablóide trouxe a seguinte advertência na última página da edição oito: “Se o governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia”. Uma ousadia que fez que todos os exemplares fossem apreendidos e que a revista não voltasse mais a circular. Pouco adiantou para a repressão. Estava aberto o tempo em que, junto com informar, os veículos verdadeiramente noticiosos tinham a missão de resistir. Esquecidas por tempos, devido a tantas ameaças de duas décadas de ditadura, histórias como essa começam a ser resgatadas por iniciativa do Instituto Vladimir Herzog, que lançou recentemente o projeto Resistir é Preciso. Na luta por resgatar a memória da imprensa alternativa, clandestina e no exílio nesse período, que vai do golpe à anistia, o primeiro produto lançado foi a coleção de 12 dvds Os Protagonistas desta História, com entrevistas com 60 profissionais que tiveram papel marcante na imprensa do período. Agora, chega ao público um pouco daquilo que foi produzido por esses
42 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
DESENHO QUE ILUSTRA A CAPA DO BOLETIM FBI DE AGOSTO DE 1972.
jornalistas, desenhistas e artífices de jornais e revistas. Em quase 200 páginas, As Capas desta História continua contando a história por meio de 340 capas de relevantes publicações como Movimento, Opinião, Pasquim, Amanhã, O Sol, Unidade, A Voz Operária, A Classe Operária e tantas outras. Para reunir tudo numa única obra, foram necessários 90 dias de intenso trabalho e detalhada seleção iconográfica. “É um livro diferenciado, eu diria até pioneiro. Conseguimos reunir jóias raras, exemplos de ousadia e criatividade. Ao lançar uma publicação alternativa, de oposição, no exílio ou mesmo clandestina, o jornalista criava também um caldo de cultura fundamental para entender a História recente do Brasil, sem os filtros da análise tradicional. Essa é a História que buscamos contar ”, explica o jornalista Ricardo Carvalho, editor de As Capas desta História e um dos Coordenadores do Resistir é Preciso. Nesse processo, Carvalho comandou uma equipe que contou também com outros três editores, o de Contexto José Luiz Del Roio; o de Pesquisa, Vladimir Sacchetta; o de Texto, José Mauricio de Oliveira, além do jornalista Carlos Azevedo, como consultor, e do apoio da
Em suas mais de 180 páginas, o livro apresenta centenas de capas da imprensa alternativa, da clandestina e de publicações editadas no exílio, como o boletim Frente Brasileira de Informação (acima), conhecido também como FBI.
historiadora Juliana Sartori e da jornalista Paula Sacchetta. O resultado pode ser conferido num livro em tamanho maior, que notadamente privilegia a imagem. O que foi cuidadosamente planejado, já que o objetivo é deixar que as capas falem por si mesmas e permitir ao leitor conferir detalhes e ler as chamadas de cada uma. Em termos de textos explicativos, a obra traz uma introdução a cada capítulo e breves descrições de cada jornal e revista. As histórias são tão ricas que, em diversos momentos, a sensação que dá é uma falta de mais explicações. Quer dizer, fica ainda faltando outra obra que possa dar conta dessa sentida lacuna, que não é preenchida aqui, apenas parcialmente nos dvds.
A total prioridade às capas também dá justo destaque a ilustrações, caricaturas e desenhos. Uma arte que serviu de base para combater de um modo não tradicional a arrogância de quem estava no poder. O destaque é dado a publicações consideradas historicamente importantes. Elas são colocadas nas páginas da direita. Nas páginas pares ficam as capas de outros jornais e revistas que ajudam a compor um caleidoscópio que possa explicar aquela fração de realidade do ponto de vista jornalístico. Selecionar apenas pouco mais de 300 capas dentre milhares realmente não é tarefa das mais gratas. A equipe do Resistir é Preciso diz que utilizou critérios de rigor histórico e liberdade jornalística. Mas, assim como esses dois a princípio
soam como contraditórios, as críticas não demoraram a surgir. Há quem não tenha gostado da seleção por conta daquilo que ficou de fora. Especialmente, obras da imprensa trabalhista e sindical. Uma vez mais a culpa é da falta de espaço, mas nada que um portal na internet não seja capaz de resolver no futuro. O começo, com Hipólito Uma boa surpresa é o primeiro capítulo, que traz algumas das publicações precursoras daquelas que lutaram contra a ditadura militar. “Inicialmente, não estava previsto. Mas como ignorar jornais e jornalistas que construíram uma trajetória de resistência, expressa desde o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, editado em 1808, em Londres, por Hipólito José da Costa?”, questiona Vladimir Sacchetta. É com o Correio, misto de almanaque e jornal, com edições que variavam entre 96 e 150 páginas e notícias internacionais publicadas ao lado de temas de interesse da sociedade provinciana, que começa a ser mostrada a trajetória de resistência da imprensa brasileira. Apesar de ser curto, há espaço para pérolas do jornalismo nacional: uma edição da Sentinela da Liberdade, de Cypriano Barata, de 1832; a Revista Ilustrada, de Angelo Agostini, de 1888; e A Plebe, o mais importante jornal anarco-sindicalista do começo do século passado, editado em julho de 1917. Reproduzi-los em fac-símile é uma façanha, mas certamente não tão grande quanto conseguir esses exemplares. Marcadas pelas prisões e ameaças contra seus editores, essas publicações eram marcadas também por coragem, força, desapego e “maldição”, no sentido de o simples fato de tê-las em casa representar a possibilidade de sérias complicações para seus leitores detentores. Conseguir esses jornais e revistas e viabilizar o Resistir é Preciso só se tornou possível com parcerias entre o Instituto Vladimir Herzog e várias outras entidades, como o Centro de Documentação e Memória-Cedem, da Universidade Estadual Paulista-Unesp, o Arquivo Público do Estado de São Paulo, o Acervo Iconographia, reunido por Sacchetta desde o fim dos anos 1970, e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, o maior acervo sobre a imprensa alternativa do Brasil, com cerca de 800 títulos e coleções completas ou parciais. Dentre as preciosidades do período está o Jornal do Subiroff. Original e misterioso, foi publicado em 1920 por Nereu Rangel Pestana, filho de Nestor Pestana, Diretor de Redação de O Estado de S.Paulo. Ele aproveitou a boataria sobre a Revolução Russa de 1917, inventou um persona-
gem – Ivan Subiroff –, criou o jornal e deixou a Polícia e a burguesia aterrorizadas com a presença de um tal delegado russo. Filho da burguesia, Nereu conseguiu a proeza de fazer um jornal relevante e com artigos sérios. As obras modernistas são outro destaque, puxados pelo Klaxon, o “polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado e feliz mensário” escrito por intelectuais e que representou o sentimento da Semana de Arte Moderna de 1922. O segundo e terceiro capítulos apresentam as imprensas alternativa e clandestina do Brasil governado pelos militares. Na série de dvds, seus criadores apresentaram relatos sobre o trabalho que faziam, os riscos que corriam, as muitas gráficas precárias, quando não totalmente improvisadas, a dureza da clandestinidade e a implacável perseguição das forças de repressão. Agora, parte daquilo que fizeram pode ser conferido. A edição 105 do debochado O Pasquim, jornal criado em 1969 e que reuniu parte do time de PifPaf, traz a enorme chamada: “Todo paulista é bicha”, em letras garrafais. Numa fonte bem menor, o complemento no meio da frase explica: “que não gosta de mulher”. A caretice conservadora que legitimava a ditadura era exposta às brincadeiras e, junto com ela, a intolerância governamental. Em novembro de 1970, agentes do Doi-Codi invadiram a Redação do jornal e prenderam a equipe inteira, em pleno fechamento. A edição saiu assim mesmo, capitaneada por Millôr Fernandes, que escapara da prisão, auxiliado por jornalistas, escritores e artistas, à frente a jornalista Marta Alencar. Na confusão, a data, no cabeçalho da publicação, saiu errada. Mas o recado estava dado com a ilustração na capa. Nela, um lobo olhava de forma intimidadora para um cordeiro e dizia: “Enfim um Pasquim inteiramente automático. Sem o Ziraldo, sem o Jaguar, sem o Tarso, sem o Francis, sem o Millôr, sem o Flávio, sem o Sérgio, sem o Fortuna, sem o Garcez, sem a redação, sem a contabilidade, sem gerência e sem caixa”. Muitos dos jornais e revistas que são apresentados não tinham o hábito de ouvir o outro lado. Se o tentassem fazer, era quase certo que seus profissionais sairiam direto das entrevistas para os centros de tortura. Entretanto, foram os primeiros a denunciar as torturas, as violações dos direitos humanos, criticar o modelo econômico e expor o inerente fracasso do “milagre” brasileiro e revelar ao País novos personagens, como bóiasfrias, líderes dos movimentos populares, trabalhistas e estudantis. Movimento
que não se limitava ao espaço entre o Oiapoque e o Chuí. No capítulo Imprensa no Exílio estão as publicações feitas pelos brasileiros no exílio. Com sua rede de contatos, eles correram o mundo denunciando a situação que havia por aqui. Tática de guerrilha Boa parte das capas hoje publicadas no livro só existe ainda por causa do trabalho de gente como o Editor de Contexto José Luiz Del Roio. Tanto que, no final, a obra traz pela primeira vez parte do depoimento dele, contando como salvou e conseguiu preservar esse material nos últimos 40 anos. Um relato com ingredientes de mistério e aventura, que lembra muito operações clandestinas e táticas de guerrilha adotadas na luta contra a ditadura. Militante comunista e responsável pelo departamento de imprensa do Partidão na década de 1960, Del Roio participou ativamente da criação da Ação Libertadora Nacional-ALN, a organização guerrilheira criada por Carlos Marighella. Já exilado, colaborou com a imprensa no Peru, no Chile e, finalmente, na Itália, onde foi radialista por duas décadas e chegou a ser senador. “Como atuei fazendo a ponte no exterior para muitas organizações da esquerda brasileira, era natural que recebesse suas publicações. Não jogava nada fora e fui colecionando”, conta. A partir de 1972, com o recrudescimento da ditadura, passou a ser preciso preservar esse material e os arquivos do PCB, compostos por materiais guardados pelo histórico Astrojildo Pereira. Com a ajuda do amigo Maurício Martins de Melo e outros contatos no Brasil, Del Roio começou a levar todo o material secretamente para o exterior. Mais
especificamente a Milão, onde funciona a Fundação Giangiacomo Feltrinelli, que passou a guardar o material. Os dois criaram o Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro e enriqueceram-no com outras coleções, como a do também militante comunista Roberto Morena. Tarefa feita, literalmente, via Varig. Principal companhia brasileira a operar vôos internacionais na época, era o meio pelo qual conseguiam transportar boa parte dos impressos. “Fazia amizade com funcionários da companhia na Itália e eles me indicavam pilotos que tinham inclinações políticas mais à esquerda e que topassem nos ajudar a coletar os materiais”, lembra Del Roio. Em 1979, veio a anistia, mas Del Roio resolveu ficar mais tempo no Velho Mundo. Soltou cartas circulares e começou a fazer campanhas públicas para que exilados e outras pessoas que tivessem documentos, cartazes e publicações brasileiras ou feitas por brasileiros no exterior pudessem doá-las. Dois anos depois, microfilmou tudo e guardou uma cópia num cofre forte. Em 1994, um acordo com o Cedem da Unesp permitiu que o precioso acervo voltasse ao Brasil. Agora, a universidade, que se tornou depositária do material, conta com o patrocínio do Governo Federal para realizar um minucioso processo de restauração, catalogação, digitalização, nova microfilmagem. A idéia é disponibilizar tudo para consulta de pesquisadores. São mais de 2 mil títulos de publicações “oprimidas”. As Capas desta História traz apenas uma pequena parte de tamanha riqueza. O Instituto Vladimir Herzog pretende dar continuidade ao projeto Resistir é Preciso com outros produtos. Primeiro, uma série de documentários, patrocinados pela Ancine e que serão exibidos na TV Brasil e na TV Cultura, de São Paulo. Em seguida, com o lançamento de dois novos livros que têm como títulos provisórios Os Cartazes desta História e As Crônicas desta História. Finalmente, com uma exposição de parte do acervo e que já está acertada para acontecer em Centros Culturais do Banco do Brasil em quatro capitais brasileiras. “Com todo esse trabalho, temos a sensação de que parte de nosso dever está cumprido. Começamos com o recorte dos jornalistas, personagens centrais dos anos mais difíceis da repressão. Agora, mostramos o trabalho que realizaram, a imprensa alternativa e clandestina, e o que denunciavam. Essa é uma contribuição necessária e fundamental à verdade”, defende Ivo Herzog, Diretor do Instituto Vladimir Herzog. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
43
LIVROS
O mundo de uma garota chique A desenhista Chiquinha apresenta as histórias de uma personagem que tem tudo para decolar: a Elefoa Cor-de-Rosa. P OR FRANCISCO UCHA
Na noite do dia 17 de março de 2009, Jaguar chegara cedo ao Centro Cultural Justiça Federal, localizado na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio. Era a noite de abertura da exposição Traços Impertinentes, que encerrava com chave de ouro as comemorações do centenário da ABI, ocorrido em 7 de abril de 2008. Ele estava ansioso para ver os trabalhos expostos naquela mostra que apresentava as homenagens de 55 artistas à Casa do Jornalista. O curioso é que o grande chargista não se sentia à vontade com o trabalho que cedera à ABI para esse evento: “Não gostei! O desenho está ruim”, falava antes de ver o seu trabalho exposto. Claro que isso era uma crítica exagerada. A ótima charge tinha todas as características do traço e do humor genuinamente carioca do cartunista. Mas, passeando pelos corredores da exposição, de repente, Jaguar pára na frente de um dos desenhos expostos e fala extasiado: “Que maravilha de traço! Que simplicidade e beleza! Quem é esse artista?” Não era “esse” artista. Era a charge de uma moça atrevida que começava a despontar: a nossa Chiquinha, que nasceu Fabiane Bento, em Porto Alegre, no ano da graça de 1984. A moça, que iria fazer 25 anos 30 dias depois, invadia um espaço pouco ocupado pelas mulheres – o dos cartunistas e desenhistas de quadrinhos – com traços simples e temas bem contemporâneos. Nem o Jornal da ABI a deixou de lado. Em junho daquele ano, quando o diploma de jornalismo foi cassado pelo STF, o número 342 estampou na capa um desenho da artista recém-formada. Agora, dois anos e vários meses depois, a moça volta a atacar com o livro Uma
Patada Com Carinho, publicado pela Barba Negra em parceria com a Leya, que finalmente revela para o mundo mais detalhes de uma personagem cativante: a Elefoa Cor-de-Rosa. “Foi a partir do convite para lançar esse livro que comecei a desenvolver melhor a personagem. Antes, eu só fazia algumas brincadeiras com ela”, revela Chiquinha, que teve em sua vida profissional um empurrão e tanto, graças à sua ousadia. “Enviei, através de um amigo comum, uma história em quadrinhos desenhada num guardanapo para o Ota e ele me respondeu”, disse rindo. É o próprio Ota, desenhista e editor de quadrinhos, que conta essa história no posfácio do livro: “O bilhete era uma hq feita num guardanapo. O que me chamou atenção foi que o desenho parecia um pouco com o meu, mas tinha sua personalidade. Entusiasmado, respondi de volta com outro bilhete, dizendo que ela tinha talento e deveria continuar.” Isso foi apenas o começo da carreira casual da cartunista. Segundo Chiquinha, tudo aconteceu “sem querer”, e logo ela estava publicando seus trabalhos no Jornal do Brasil e na revista Mad, graças ao Ota, que explica: “Depois ela conseguiu seu próprio espaço no Folhateen, onde foi consolidando o seu estilo, além de manter uma presença constante na internet.” Chiquinha se formou em jornalismo, queria seguir a carreira de fotojornalista
Uma página com a Elefoa Cor-de-Rosa em ação, e suas amigas Gisbelle, a girafa loura natural, e Janete, a ursa que prefere estar mal acompanhada do que só. Abaixo, a capa do Jornal da ABI ilustrada pela Chiquinha.
e já trabalhava no Jornal do Comércio de Porto Alegre. “Não pensava em ser desenhista; adorava fotografar, mas sempre gostei muito de desenhar”. Desde muito criança Chiquinha lia as revistas em quadrinhos dos irmãos mais velhos. Sua formação veio com a leitura de publicações editadas por Angeli e por Ota, não por acaso dois artistas que são seus “maiores ícones”, como definiu. “Mas gosto muito dos desenhistas de traços simples e redondos, como o Nássara e o Luiz Sá. E também do Wolinsky.” Hoje ela não se vê fazendo outra coisa. “Não acho que conseguiria voltar ao dia-a-dia desgastante de uma Redação de jornal. Prefiro trabalhar com mais tranqüilidade. Gosto de escrever e de desenhar, mas acho que quando só escrevo,
falta alguma coisa. Preciso do desenho para me expressar completamente”. Mesmo assim – e até por isso mesmo – suas histórias em quadrinhos são repletas de textos. A escrita e o desenho peculiar de suas letras nos balões são uma marca registrada da artista. “Começo a desenhar uma história pelos balões. Faço questão de desenhar as letras. Não uso fontes digitais, porque acho que as letras desenhadas expressam melhor o conteúdo. A letra digital não fica humana.” Por isso, os balões da Chiquinha parecem quase um personagem à parte contracenando com o personagem principal da história. As cores, seu traço simples, suas histórias contemporâneas, fazem da artista um novo ícone no mercado cada vez menos masculino dos quadrinhos. E ela já está pensando no segundo livro da Elefoa Cor-de-Rosa! O título provisório? É um provocativo “Dá pra Mim”. Ninguém segura essa mulher!
A Rádio Mayrink Veiga, relembrada com amor A obra Pelas Ondas da Mayrink, de Norma Hauer, relembra os detalhes e fatos mais importantes da história da Rádio Mayrink Veiga, uma das emissoras mais importantes do Rio de Janeiro e do Brasil. A obra, com rigor de minúcias, celebra grandes personagens da História do rádio brasileiro, entre cantores, radialistas e compositores, desde a fundação da emissora em 1926, até o seu fechamento, em 1965. A autora relata na introdução do livro como a idéia de escrever sobre a Mayrink Veiga nasceu após terminar de produzir a biografia de Carlos Galhardo, um dos maiores cantores da Época de Ouro do rádio. Norma destaca também o valor afetivo que a Mayrink Veiga possui para ela: “Vivi a época áurea daquela emissora, desde criança, nos anos 30. Minha irmã mais velha ouvia a PRA-9, forma como tam-
44 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
bém era conhecida a Mayrink Veiga, o dia inteiro e nós a acompanhávamos.” No prefácio do livro, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, elogia o trabalho da autora: “Com rigor de exatidão, Norma expõe um inventário de participantes da Mayrink Veiga com um nível de pormenorização que faz desta obra uma espécie de livro multidão, tantas são as pessoas que foram por ela arroladas nesta obra que tem grande preocupação de síntese e consegue alcançá-la, mencionando apenas o principal relativo a cada personagem. A publicação destaca momentos como o Programa Casé, que alavancou a audiência da rádio no início dos anos 1930, e o auge da Mayrink Veiga a partir da chegada de César Ladeira em 1933, quando ele assumiu a direção artística da PRA-9. Ali começava o processo de profissionaliza-
ção no rádio, que deu maior credibilidade e qualidade à emissora. Norma revisita o período de decadência da rádio, a partir de 1948, quando César Ladeira, Mário Lago, Carlos Galhardo e outros artistas deixaram a emissora. A autora aponta a chegada da televisão ao Brasil, no início da década de 1950, como um dos fatores que ajudaram a diminuir a popularidade do rádio e, conseqüentemente, a audiência da Mayrink Veiga. Pelas Ondas da Mayrink conta ainda detalhes dos momentos finais da rádio na década de 1960, quando apoiou a “Cadeia da Legalidade”, liderada pelo então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e por este motivo passou a ser vista como inimiga da ditadura instalada no Brasil após o golpe militar de 1º de abril de 1964. Por fim, em 1965, a May-
rink Veiga foi fechada após decreto do Governo militar. Norma Hauer, nascida em Curitiba em 1925, mora no Rio de Janeiro desde 1927. Sua paixão pelo rádio vem da época em que o pai comprou o primeiro receptor, nos anos 1930. Obrigada a ouvir o que a irmã mais velha queria, fascinouse pelo aparelho e pela PRA-9, emissora preferida da irmã. Norma aliou sua paixão à profissão e escreveu sempre sobre assuntos ligados ao rádio em jornais, como o Correio da Manhã, Democracia e Jornal do Brasil, e revistas Diretrizes e A Cena Muda. Atualmente participa do jornal virtual Montbläat. Antes de lançar Pelas Ondas da Mayrink, publicou em 1988 a biografia de Carlos Galhardo, intitulada Carlos Galhardo – Uma Voz Que É um Poema.
P OR CESAR SILVA
Foi-se o tempo em que os personagens de quadrinhos balançavam pela selva, navegavam pelo espaço sideral, trocavam tiros com malfeitores e voavam mais rápido que uma bala. Aventura e fantasia estão cada vez mais distantes dos quadrinhos modernos. No final dos anos 1980, alguns trabalhos apontavam esse novo rumo, como os dramas urbanos Um Contrato com Deus e O Edifício, de Will Eisner, as tragédias da guerra Maus, de Art Spigelmann e Gen, Pés Descalços, de Keiji Nakazawa, e o regionalismo de Crônicas de Palomar, de Gilbert Hernandez. Mais recentemente, o drama político existencial de Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi, e a narrativa jornalística de Joe Sacco, em Palestina. Até os super-heróis ficaram perdidos neste admirável mundo novo. Cada vez mais sombrio e violento, o mocinho confunde-se com o vilão. No Brasil, a moda começou primeiro nos fanzines, com histórias de realismo pósmoderno que, algumas vezes, eram pouco mais que um poema ilustrado. Foram chamadas por seus próprios autores como ‘quadrinhos filosóficos’ e repercutiam uma profunda inquietação existencial de uma geração sem ideologia. As histórias eram desfocadas, imprevisíveis, feitas de dor e desilusão. Desse caldo original emergiu o talento de Lourenço Mutarelli em O Dobro de Cinco e dos irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon no fanzine Dez Pãezinhos. Quem viu esse material em estado bruto não podia imaginar até onde poderiam
QUADRINHOS QUE DÓEM Histórias dramáticas dão o tom de alguns bons lançamentos no final de 2011. chegar, mas já estava claro que seus leitores não seriam os mesmos adolescentes ansiosos pelas aventuras dos quadrinhos nas décadas passadas. A onda dos dramas trágicos nos quadrinhos amadureceu e a colheita atual é farta. Parte da safra chegou este ano às livrarias brasileiras pela Editora Leya, através do selo Barba Negra. O principal volume é, sem dúvida, Lucille, do francês Ludovic Debeurme, trabalho que recebeu os Prêmios René Goscinny e da La Nouvelle Republique, além de destaque no Festival de Angoulême, em 2006. O romance tem nada menos que 544 páginas e não apresenta os tradicionais requadros separando os desenhos em preto e branco, que são simples, claros e lineares, sem áreas escuras e sombras fortes. A história gira em torno de dois jovens de uma pequena aldeia de pescadores no litoral da França. A garota Lucille é uma adolescente anoréxica, que não consegue se relacionar com ninguém, nem mesmo com a mãe. Traumatizada com uma infância rechonchudinha, ela deseja ardentemente ser tão magra e bonita quanto sua boneca de pano, mesmo que isso signifique a sua morte. Entre internações no hospital e o isolamento em seu quarto, Lucille sobrevive sem amigos e, principalmente, sem comida, até o dia em que conhece Arthur, filho de um pescador alcoólatra, que carrega uma trágica herança familiar. Depois do suicídio do pai, ele tenta assumir a família com um emprego de entregador e acaba conhecendo Lucille ao levar um pacote de medicamentos à sua casa. Entre eles surge um relacionamento estranho, misto de atração e piedade. Angustiados com as vidas infelizes que levam, fogem para uma viagem pela Europa. Vão para Paris e de lá para a Itália, onde
descobrem o amor e o sexo, não necessariamente nessa ordem. Mas antes que tenham a oportunidade de descobrirem-se a si mesmos, acabam envolvidos nos problemas de uma rica família de vinicultores que muda radicalmente o rumo de suas vidas. Outro título surpreendente da Barba Negra é Koko Be Good, romance gráfico que é o primeiro trabalho solo da ilustradora americana Jen Wang, com personagens anteriormente publicados na internet. Conta a história de Jon e Koko, jovens de Los Angeles que estão no fio da navalha. Jon prepara os últimos detalhes para ir viver no Peru com a namorada, que pretende trabalhar como voluntária num orfanato. Koko é intensa e independente, vive arrumando confusão e ganha a vida com trapaças e pequenos golpes. Eles literalmente se trombam numa festa e acabam tornando-se amigos e confidentes. Koko se maravilha com a bondade da namorada desconhecida de Jon e decide ser tão boa quanto ela – o que vai descobrir não ser nada fácil – enquanto Jon questiona se está sendo honesto consigo mesmo seguindo um sonho que não é o dele. As ilustrações de Jen Wang têm um movimento expressivo que remete aos desenhos animados, fluidos e elegantes, colorizados com tons neutros que vão do sépia ao amarelo, como se tivessem sido pintados com café aguado. O formato do volume assume o talento romanceiro, com 304 páginas em papel encorpado e no mesmo tamanho
dos livros tradicionais. Quem o vê numa estante nem imagina que se trata de uma história em quadrinhos. Mas nem tudo é dor: ainda resta algum espaço para a fantasia. Pequeno Pirata é uma dark fantasy infantil, de autoria do cartunista francês David B., baseado no conto Le Roi Rose, de Pierre Mac Orlan, inédito no Brasil. É o trabalho mais leve do pacote, no formato tradicional dos álbuns europeus, com 48 páginas coloridas em papel couchê e uma história bastante aventureira. O que lhe confere contornos modernos é o trabalho de arte de David B., com uma interpretação agressiva e robusta, porém delicada, lembrando o estilo das xilogravuras. Peixes multicoloridos emolduram a história da tripulação fantasma do Holandês Voador, amaldiçoada com uma vida eterna de violência e saques que, depois, ela atira ao mar. Cansados de séculos dessa existência inútil, os tripulantes degradados buscam pela morte definitiva que lhes é negada. O que recebem, contudo, é a guarda de um bebê, sobrevivente de um de seus muitos ataques. Os mortos-vivos decidem sustentar o menino até que fique adulto para, então, matá-lo. Mas acabam afeiçoando-se, e ele se torna o Rei Rosa, único tripulante vivo do Holandês Voador que, por sua vez, sonha tornar-se, ele mesmo, um morto-vivo como os seus companheiros. Pequeno Pirata foi indicado ao Eisner Awards em 2011 na categoria melhor livro estrangeiro. Os quadrinhos da Barba Negra demonstram que os novos autores estão reivindicando para os quadrinhos gêneros que antes estavam restritos à literatura e ao cinema, imprimindo para isso a qualidade e a magia que se espera de uma obra de arte seqüencial. O céu é o limite. Ou o inferno; depende do ponto de vista. Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
45
Vidas
FOTOS: DIVULGAÇÃO/BOITEMPO EDITORIAL
A
morte de um jogador de futebol normalmente é notícia apenas para as editorias de esporte. Normalmente. Não foi o que aconteceu no dia 4 de dezembro, quando o falecimento de Sócrates ganhou páginas e páginas das mais diversas editorias, dos mais diversos veículos, inclusive no exterior. Não que ele tivesse jogado melhor que Pelé, não que ele tivesse sido campeão mundial, não que ele tivesse sido um recordista de gols. “Ele não era o melhor jogador do Mundo, nem sequer o melhor jogador da história do Corinthians, mas foi o jogador mais original da História do futebol brasileiro”, afirmou o jornalista esportivo Juca Kfoury. Formado em Medicina, Sócrates ganhou o merecido e respeitado apelido de “Doutor ”. Na Copa do Mundo de 1982, quando o Brasil foi jogar com a Nova Zelândia, apenas ele e o técnico Telê Santana souberam apontar, no mapa, onde ficava o país a ser enfrentado pela nossa Seleção. Mais que isso, o paraense Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira ganhou destaque também “fora das quatro linhas”, para usar o jargão futebolístico, pela sua atuação como cidadão. Tudo começou em 1982, com o término do oitavo (!) mandato do lendário e folclórico Vicente Mateus na presidência do Sport Club Corinthians Paulista. Assume então o clube uma nova diretoria presidida pelo empresário Valdemar Pires, tendo o sociólogo Adilson Monteiro Alves como Diretor de Futebol. Como se já não fosse estranho o suficiente para o futebol brasileiro ter um sociólogo como diretor, Adilson começou a ganhar a admiração de alguns jogadores por sua capacidade de ouvir e respeitar as opiniões dos atletas. Desse relacionamento surgiu o movimento que o publicitário Washington Olivetto, então dirigindo o marketing do clube, batizou como “Democracia Corintiana”, uma iniciativa inédita no esporte nacional, na qual as principais decisões do clube eram tomadas em conjunto. De contratações a demissões, do local da concentração à escalação do time, praticamente tudo era decidido na base do voto, onde os pesos da comissão técnica, da diretoria, dos funcionários e dos jogadores eram equivalentes. Entre os atletas, um pequeno grupo, mais politizado, chamou a atenção pela desenvoltura e atuação: Vladimir, Casagrande, Zenon e Sócrates. Vários outros, pouco afeitos aos ideais democráticos, que na época eram confundidos com comunistas, eram contra a idéia, e não faltaram conflitos internos. A própria imprensa esportiva, “sempre reacionária”, no dizer de Juca Kfouri, também torceu o nariz para a idéia. Mesmo assim, a Democracia Corintiana rapidamente extravasou os limites do Parque São Jorge e incendiou o País que há 18 anos era sufocado pela ditadura militar. O Corinthians entrava em campo com suas camisas ostentando frases como “Diretas Já” e “Eu Quero Votar para Presidente”, causando total constrangimento nas emissoras de tv que não conseguiam evitar as imagens. O time chegou a entrar em campo carregando uma faixa com os dizeres “Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia”. O então Brigadeiro Jerônimo Bastos, representando o desconforto
46 Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
Sócrates, um brasileiro Morte prematura do “Doutor” reacende debate sobre a Democracia Corintiana com livro e filme. POR C ELSO S ABADIN
militar, chegou a intervir, pedindo moderação ao clube. Esta repercussão, por si só, já teria sido suficiente para inserir o movimento na História da política recente do Brasil. Mas, além disso, a Democracia Corintiana mostrou também seu poder dentro de campo: o time foi campeão paulista em 1982 e 1983 e ainda chegou às semifinais do Campeonato Brasileiro. Entre os objetivos de Olivetto na diretoria de marketing do Corinthians estava o de aproximar a imagem do clube às classes mais ricas da sociedade brasileira, visando assim obter patrocínios e apoios mais vantajosos. O publicitário chamou para participar do projeto profissionais da envergadura de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Thomaz Souto Correa e Glória Kalil, entre outros. Deu certo: o clube não apenas quitou as dívidas deixadas pelas administrações anteriores, como também passou a operar no azul. Em plena ditadura militar, um dos times mais populares do Brasil provava que Democracia funciona. E Sócrates, sempre combativo e polêmico, tornou-se um dos principais ícones deste movimento. Se não o principal.
O sonho começou a desmoronar em 25 de abril de 1984, data em que a emenda das Diretas Já foi rejeitada. Sócrates, que havia prometido publicamente deixar o País caso a emenda não fosse aprovada, cumpre sua promessa e se transfere para o futebol italiano. No ano seguinte, a Democracia Corintiana é definitivamente sepultada com a eleição do oposicionista Roberto Pasqua para presidente do Corinthians. “Que Deus o tenha em mau lugar”, chega a afirmar Kfouri. Triste coincidência
Como num roteiro hollywoodiano, quase 30 anos depois a realidade da vida aprontou mais uma de suas inesperadas surpresas. Na madrugada de 4 de dezembro de 2011, um domingo, falecia prematuramente o ícone. No mesmo dia, poucas horas depois, o Corinthians ganharia o seu quinto título brasileiro. Sócrates morreu a apenas quatro dias do lançamento do curta-metragem (25 minutos) Ser Campeão é Detalhe: Democracia Corintiana, de Gustavo Leitão e Caetano Biasi. O filme, que está disponível gratuitamente no site sercampeaoedetalhe.com.br, traz depoimentos de personalidades e joga-
dores que participaram do projeto, como Wladimir, Zenon, Biro-Biro, Washington Olivetto, Juca Kfouri, Adilson Monteiro Alves, Waldemar Pires, Sérgio Scarpelli, Mário Travaglini e, claro, Sócrates, a quem o curta é dedicado. Na trilha das homenagens, dez dias após a morte do ex-jogador, a Boitempo Editorial relançou o livro de 2002, Democracia Corintiana: A Utopia em Jogo, escrito a quatro mãos pelo jornalista Ricardo Gozzi e pelo próprio Sócrates. Nele, os autores realizam um completo registro da iniciativa, incluindo um histórico levantamento de fotos em cores e em preto e branco tanto de Sócrates como de outros participantes daquele modelo democrático de gestão do futebol. Um modelo que, infelizmente, marcou época mas não vingou. Entristecido, Juca Kfouri admite que “nada” sobrou da Democracia Corinthiana. E vai mais longe: afirma que se algo fosse feito, nos mesmos moldes, nos dias de hoje, a imprensa esportiva provavelmente teria reações tão negativas quanto as que teve naquele momento de ditadura. Como se percebe, a tristeza pela morte de Sócrates é dupla.
SÓCRATES NA PLACAR A edição especial 1361-E da revista Placar, lançada em dezembro, prestou uma homenagem ao jogador que esteve presente em mais de 50 capas da publicação, principalmente durante a década de 1980. A primeira foi o número 435, de 25 de agosto de 1978 (acima à direita). Mas Sócrates apareceu também em algumas das principais capas da história de Placar, como a 606, de 31 de dezembro de 1981, desenhada por José Figuerola, sobre a geração de ouro. Ou ainda a que mostra o time campeão paulista de 1982 em plena era da Democracia Corintiana. Nesse ano, ele chegou a publicar um diário da Copa na revista. Uma outra capa que causou sensação foi aquela em que Sócrates está vestido como D. Pedro I e ameaça sair do País se a emenda das Diretas não fosse aprovada. Resultado: ele vai para a Itália mas acaba não se adaptando e retorna ao Brasil, desta vez para o Flamengo.
Sócrates em campo corre de mãos dadas com o jovem Casagrande: dois grandes representantes da Democracia Corintiana.
Um comentarista consciente Sócrates também emprestou seu talento à imprensa esportiva. P OR PAULA SACCHETTA E PAULO CHICO
Um craque dentro e fora dos campos. Sócrates deixou impressa sua marca não somente nos gramados, mas também nas páginas das publicações nas quais atuou como comentarista esportivo. Emprestou seu talento e capacidade de análise crítica à televisão. Na TV Cultura passou pelo programa Cartão Verde, onde dividia desde 2008 os comentários com os jornalistas Xico Sá e Vitor Birner. Juca Kfouri, convidado do primeiro programa levado ao ar após a morte de Sócrates, afirmou que aquele time do Cartão Verde havia conseguido reerguer a atração, que vinha perdendo visibilidade nos últimos tempos. “Eu não tinha o hábito de ver o programa, que era exibido em um horário complicado para mim. Mas assisti aos últimos, por coincidência, e ali era um dos raros momentos em que eu via o Sócrates sorrindo”, afirma Juca, revelando que o ex-jogador já dava evidentes sinais de cansaço e insatisfação com a longa batalha travada em defesa da sua saúde. E com o que teria ainda que enfrentar pela frente. Sócrates passou a colaborar com a revista Carta Capital em 1999, revezando em artigos semanais com Juca. A partir de 2001, assumiu sozinho as quatro colunas mensais. Segundo repórteres da revista, ele escrevia toda semana, religiosamente, e nunca deixou de mandar uma só coluna. Na última delas, publicada em 3 de dezembro, um dia antes de sua morte, com o título 2014 verde, trazia a público preocupações acerca da Copa do Mundo que acontecerá no Brasil. Questionava, entre outros aspectos, o que faremos com
o aumento do tráfego de veículos, da produção de lixo e gás carbônico. E mais: perguntava, em alto e bom som, como faríamos, enquanto nação anfitriã, para garantir o suprimento de energia e água. Este último artigo revela a veia crítica aguçada do ‘Magro’, expressa nas preocupações de um cidadão brasileiro às vésperas de seu País sediar um evento desse porte: “Lixo! Será que algum dos que possuem poder de decisão para o Mundial pensou em como tratar e manipular o lixo produzido? Acredito que não”. Tamanha veemência fazia que, por vezes, Sócrates desferisse duros golpes ao próprio meio em que atuava. “A mídia não tem compromisso com nada. E falar de futebol é a coisa mais fácil do mundo”, declarou em entrevista à revista Caros Amigos. “Ele sempre se sentiu à vontade para fazer essas críticas porque sempre foi brilhante nas observações, conhecia do assunto e nunca teve o rabo preso em lugar algum”, explica o amigo Juca Kfouri. No Canal Brasil, Sócrates estreou o programa Brasil+Brasileiro, uma série de 13 entrevistas que fez com figuras ilustres como Zeca Baleiro, Mino Carta, Ugo Giorgetti e Elifas Andreato. O craque do Corinthians também foi blogueiro do Terra durante a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. E passou pela RedeTV!, no programa Bola na Rede, mesa-redonda de domingo, comentando os jogos da rodada, mais uma vez com Juca. “Sempre foi um prazer trabalhar com o Sócrates. Ele não era carismático e nem midiático, com aquela voz rouca e monocórdia. Mas ‘segurava o tranco’ na frente das câmeras. A inteligência dele bastava”, conclui Kfouri.
24 DE NOVEMBRO DE 1978
31 DE DEZEMBRO DE 1981
18 DE JUNHO DE 1982
5 DE NOVEMBRO DE 1982
27 DE ABRIL DE 1984
20 DE SETEMBRO DE 1985
Jornal da ABI 373 Dezembro de 2011
47