Jornal da ABI 379

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IVAN LESSA Em silêncio para sempre uma das vozes mais críticas da nossa imprensa

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

J UNHO 2012

MUNIR AHMED

DIREITOS HUMANOS

Mais de 40 criadores da música popular brasileira, desde Adoniran Barbosa e até Wilson Batista, morto décadas antes, foram proibidos pela implacável censura da ditadura militar. PÁGINA 3

Caso Herzog: o Governo mente em resposta à OEA EDITORIAL NA PÁGINA 2

ACONTECEU NA ABI

Uma homenagem tardia a Gutemberg Monteiro PÁGINA 15

IMPRENSA

O Diário Carioca, um renovador do jornalismo PÁGINA 32

HISTÓRIA

O design gráfico e suas fantásticas criações PÁGINA 36

VIDAS CARLOS REICHENBACH • CLÁUDIO DE SOUZA • NEIVA MOREIRA


DESTAQUES

REPRODUCAO

EDITORIAL

CASO HERZOG: GOL CONTRA DO GOVERNO E DO ITAMARATY MAURÍCIO AZÊDO OS SETORES DEMOCRÁTICOS DO PAÍS receberam com indignação a decisão do Ministério das Relações Exteriores de comunicar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos-OEA, que o Governo do Brasil não procederá a qualquer investigação sobre a morte do jornalista Vladmir Herzog, assassinado nos porões do Doi-Codi de São Paulo em 25 de outubro de 1975, como determinara esse organismo. A APURAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA MORTE de Herzog fora solicitada à Organização dos Estados Americanos pela família do jornalista e por numeroso elenco de instituições de defesa dos direitos humanos, como o Centro pela Justiça e o Direito Internacional-Cejil, a Fundação Interamericana de Direitos Humanos, o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, intérpretes de uma aspiração de quantos se preocupam com o respeito à dignidade da pessoa humana entre nós. NUM DOCUMENTO DE 47 PÁGINAS, o Itamaraty alegou que o Governo do Brasil não pode investigar esse episódio tenebroso da vida nacional porque a Lei da Anistia vedou a possibilidade de apuração do crime de que ele foi vítima, ao eximir de responsabilidade penal as pessoas que cometeram crimes políticos durante a ditadura. Talvez por vergonha, o Ministério das Relações Exteriores deu caráter sigiloso à sua

O OLHAR DE A ROEIRA

manifestação, impedindo que a sociedade tomasse conhecimento da fundamentação da recusa do Estado nacional de cumprir a obrigação que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos impôs ao País. ESTAMOS DIANTE DE UM INADMISSÍVEL gol contra do Itamaraty, assim como do Governo que lhe ditou o comportamento adotado, o qual constitui um atropelamento de um dever indeclinável, sobretudo depois que, como recentemente se viu, o responsável pelo laudo da morte de Herzog, o médico legista Harry Shibata, confessou que expendeu seu parecer sem sequer ver o corpo de tão infortunada vítima das torturas. A verdade histórica deste caso nada tem a ver com a Lei da Anistia: a ditadura promoveu a edição de um atestado de óbito falso, que deu a morte de Herzog como causada por enforcamento, quando todas as evidências e os depoimentos colhidos desde a época indicam que o alegado suicídio resultou de grosseira simulação. Também recentemente, o fotógrafo que fez a foto de Herzog no Doi-Codi, Silvaldo Leung Vieira, que desde 1979 mora em Los Angeles, Califórnia, relatou como fez esse registro documental, que comprova o que realmente aconteceu: Herzog sofreu espancamento, choques elétricos e afogamento, que lhe causaram a morte por asfixia.

ÚLTIMA FOTO OFICIAL DE DALTON TREVISAN, DE 1972. PÁGINA 22

03 ESPECIAL - As músicas que a ditadura proibiu ○

13 TORTURA - Somos nossa memória, por Rodolfo Konder ○

17 DEPOIMENTO - Um ilustre desenhista brasileiro ○

20 INTERNET - O combustível que faltava à Petrobras ○

21 DATA - Os jornalistas e a data mais celebrada do País ○

22 LITERATURA - Luzes para o vampiro de Curitiba ○

31 LANÇAMENTO - A fantástica e assustadora literatura do real ○

32 IMPRENSA - Diário Carioca, o jornal que fez História ○

35 QUADRINHOS - Bastien Vivès chegou, afinal ○

36 DESIGN - O rosto impresso de um país ○

LIVRO CONTA A TRAJETÓRIA DO DIÁRIO CARIOCA. PÁGINA 32

COM TAL RESPOSTA À COMISSÃO da OEA, o Itamaraty e o Governo repetem e sacramentam a impostura da ditadura militar.

Publicado no O Sul, de Porto Alegre, em 20 de junho.

SEÇÕES 12 CARTAS DOS LEITORES ○

A CONTECEU NA ABI 14 Os desafios à liberdade de expressão nas Américas ○

15 O artista brasileiro que conquistou Nova York ○

26 L IBERDADE DE I MPRENSA Bando de agiotas executou Décio Sá ○

D IREITOS H UMANOS 28 O Estado do Rio pede desculpas a presos políticos ○

29 “O passado não passou” ○

30 Jovens protestam contra o suposto torturador de Mário Alves ○

V IDAS 41 Carlos Reichenbach: Marginal, sim, com muito orgulho ○

42 Ivan, O terrível ○

46 Cláudio de Souza, o homem da Abril ○

47 Neiva Moreira, cidadão do mundo ○

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UMA DAS CRIAÇÕES DE IVAN LESSA: GIP GIP-NHECO NECO. PÁGINA 42


ESPECIAL

MUNIR AHMED

AS MÚSICAS QUE A DITADURA PROIBIU As criações de variados gêneros que não chegaram ao grande público porque o regime militar as considerava subversivas. POR ARCÍRIO B. GOUVÊA NETO censura sempre existiu na História brasileira e Portugal era implacável quando se tratava de proibir tudo o que se relacionasse à produção intelectual no Brasil Colônia; mais tarde, em boa parte do Brasil Império. Não era permitida impressão de livros ou jornais e revistas sob qualquer hipótese. Por isso, Hipólito da Costa foi editar em Londres aquele que é considerado o primeiro jornal brasileiro: o Correio Braziliense ou Armazém Literário, que circulou de 1° de junho de 1808 a dezembro de 1822. Ressaltando ainda a implicância que a Coroa Portuguesa tinha contra os poetas que formavam a Arcádia Mineira ou Arcádia Ultramarina, fundada em 1768, em Ouro Preto, com três dos seus membros, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Basílio da Gama, envolvidos na chamada Inconfidência Mineira, presos, julgados e condenados como traidores. A perseguição e a punição de quem se atrevia a desobedecer às ordens reais eram terríveis e mui-

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tas vezes terminavam com a pena de morte. O Brasil foi a última nação da América a ter uma faculdade, no século 19, quando ela já existia no Peru desde 1551. No início do século 20, dois exemplos de censura conhecidos são os relacionados com o poeta Olavo Bilac, encarcerado por quatro vezes pelo Governo Floriano Peixoto, descritos no poema Em Custódia: “Quatro prisões, quatro inter rogatórios interrogatórios Há três anos que as solas dos sapatos Gasto, a correr de Herodes a Pilatos Como Cristo, por todos os pretórios!... Para tanta prisão, uma vida é pouca!” O outro exemplo é o do Barão de Itararé (Apparício Torelly). Em 1932, após mais de cinco anos de implacáveis sátiras à sociedade e à política em geral, Torelly é seqüestrado e espancado por policiais da Marinha, nunca identificados. O episódio não o fez abandonar seu ofício. Mantendo o espírito satírico, afixou este aviso na porta de seu escritório: “Entre sem bater”.

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ESPECIAL AS MÚSICAS QUE A DITADURA PROIBIU

as décadas seguintes, na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, a Censura continuou cortando e podando a produção cultural do País sob o comando do famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda-Dip, até culminar com a total dilaceração de toda e qualquer obra que não se ajustasse às normas político/ideológicas e de costumes a partir do golpe militar de 1º de abril de 1964. Ironicamente, quando o golpe foi deflagrado, o Brasil tinha na época as ações de bases político-sociais mais organizadas da sua História. Sindicatos, movimento estudantil, movimentos de trabalhadores do campo, movimentos dos militares de esquerda dentro das Forças Armadas, todos estavam engajados e articulados em entidades como a Une (União Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando-Geral dos Trabalhadores), o Pua (Pacto da Unidade e Ação), etc, que tinham grande representatividade. Com a implantação da ditadura, todas essas entidades foram asfixiadas, extintas ou caíram na clandestinidade. Em 1968, os estudantes continuavam a ser os maiores inimigos do regime militar. Reprimidos em suas entidades, passaram a ter voz através da música. A música popular brasileira atinge as grandes massas, ousando falar o que não era permitido à sociedade. Diante da força dos festivais da mpb, no final da década de 1960, o regime militar vê-se ameaçado. Movimentos como a Tropicália, com a sua irreverência mais de teor sócio-cultural do que político-engajado, começam a incomodar os militares. A censura passa a ser então a melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho ideológico que pudessem extrapolar o moral da sociedade dominante e amiga do regime e mostrar o que estava ocorrendo. Com a promulgação do Ato Institucional nº 5, o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, a censura à arte institucionalizou-se. A mpb sofreu amputações de versos em inúmeras canções, quando estas não eram totalmente mutiladas. Para censurar a arte e as suas vertentes, foi criada a Divisão de Censura de Diversões Públicas-DCDP, pela qual deveriam previamente passar todas as canções antes de executadas nos meios públicos. Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério; os censores poderiam vetar tanto por motivos políticos ou de proteção à moral vigente, como por simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo. Além de cerceadora, a censura era de uma imbecilidade jamais repetida na História cultural do País. Todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta previamente aprovada e sujeita a inspeção local por agentes da ditadura. Obviamente, incontáveis materiais foram censurados. As equipes envolvidas, impossibilitadas de publicar esclarecimentos aos leitores sobre o que estava ocorrendo, tomavam medidas diversas. Algumas publicações impressas simplesmente deixavam trechos inteiros em branco. Outras,como no c aso dos diários do Grupo O Estado de S.

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Paulo, publicavam receitas culinárias estranhas, que nunca resultavam no alimento proposto por elas. Além de protestar contra a falta de liberdade de imprensa, tentava-se fazer com que a população passasse a desconfiar das torturas e mortes por motivos políticos, desconhecidas da maioria. A violência do Estado era notada nos confrontos policiais e em conhecidos que desapareciam, mas não era possível a muitos imaginar as proporções reais de tudo isso. Aparentemente, o silêncio imposto em relação às torturas era para que menos pessoas se revoltassem e a situação se tornasse então incontrolável. Além de censurar as torturas, muitos outros fatos também não poderiam ser veiculados. Em 15 de setembro de 1972, o seguinte telegrama exemplificador foi recebido pelo diretor da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo: “De ordem do senhor ministro da Justiça fica expressamente proibida a publicação de: notícias, comentários, entrevistas ou critérios de qualquer natureza, abertura política ou democratização ou assuntos correlatos, anistia a cassados ou revisão parcial de seus processos, críticas ou comentários ou editoriais desfavoráveis sobre a situação econômico-financeira, ou problema sucessório e suas implicações. As ordens acima transmitidas atingem quaisquer pessoas, inclusive as que já foram ministros de Estado ou ocuparam altas posições ou funções em quaisquer atividades públicas. Fica igualmente proibida pelo senhor ministro da Justiça a entrevista de Roberto Campos”. Dessa forma, a imagem de uma estabilidade política e de uma nação que prosperava era mantida.

A TROPICÁLIA PASSA A INCOMODAR Como a arte em todas as suas formas é um poderoso veículo para atingir a consciência das massas (Napoleão dizia ter mais medo de um jornal do que de mil exércitos), logo a música passou a ser usada como uma grande arma de contestação ao regime, o que aguçou os ardis da censura. Artistas como Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Taiguara, Chico Buarque, Gilberto Gil, Geraldo Azevedo, Paulo César Pinheiro, Sérgio Ricardo e Milton Nascimento passaram a ser vistos como “ovelhas-negras” que deveriam ser isoladas do resto do “rebanho”. Na verdade, os integrantes da Tropicália, especialmente Caetano Veloso, incomodavam mais no sentido da contracultura do que de contestação ao regime militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Porém os militares não sabiam identificar essa diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam.

Gilberto Gil: um dos artistas mais perseguidos pela ditadura por causa de sua irreverência.

No entanto, eles não eram “santinhos”. Estavam mais para “diabinhos”, principalmente depois que Caetano Veloso resolveu cantar na antevéspera do Natal de 1968 Noite Feliz no programa Divino Maravilhoso na TV Tupi de São Paulo, apontando uma arma para sua cabeça. Claro que a Censura, que os observava há tempos, não iria deixar passar essa provocação em branco. Até porque já estava com ele e Gilberto Gil atravessados na garganta depois que eles interpretaram o Hino Nacional, na Boate Sucata, no Rio de Janeiro, nos moldes irreverentes do tropicalismo, sem contar uma ação que estava sendo movida contra os dois por um grupo de católicos fervorosos, ofendidos pela gravação do Hino do Senhor do Bonfim no álbum Tropicália ou Panis et Circenses, também em 1968. O resultado de toda essa “afronta sonora” foi a prisão de ambos, em dezembro do mesmo ano. Obrigados no início de 1969 a se exilar em Londres, onde ficaram até 1972, após libertados tiveram que sair do País em 24 horas.

Não satisfeitos, os censores ainda vetaram do lp Tropicália ou Panis et Circenses a música Geléia Geral (Gilberto Gil e Torquato Neto), por ser considerada de conteúdo político/contestatório, além de fazer um retrato equivocado da situação pela qual passava o País. A via-crucis de Caetano e Gil não terminou com o exílio em Londres. Um ano depois da volta ao Brasil Caetano Veloso teve a sua canção Deus e o Diabo vetada por causa do último verso “Dos bofes do meu Brasil”. A gravadora Philips entrou com um recurso e um censor então sugeriu substituir a palavra “bofes”. Quando o caso já estava resolvido, apareceu um censor que cismou com os versos “o carnaval é invenção do diabo que Deus abençoou”, como ofensivos às tradições religiosas. Como os imbróglios de Caetano com a censura eram constantes, em 1975 é censurado o álbum Jóia, em que ele, sua mulher, Dedé, e o filho Moreno aparecem completamente nus, com apenas umas pombas a cobrir-lhes a genitália. O jeito então foi deixarem-se apenas as pombas. A par da resistência ora camuflada, ora explícita da imprensa, artistas vinculados à produção musical encontraram como forma de protesto e denúncia compor obras que possuíssem duplo sentido, tentando alertar os mais desatentos para o que estava acontecendo e tentando despistar a atenção dos militares, que geralmente descobriam que a música se tratava de uma crítica a eles apenas após a aprovação e sucesso entre o público. Um dos exemplos mais marcantes do jogo lingüístico e musical presentes do período é a música Cálice, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil. Além de o título da composição foneticamente soar como a expressão “Cale-se” (do verbo “calar”), refletindo o autoritarismo e prepotência dos militares, seus versos poderiam ser confundidos com uma divagação religiosa, tal como no trecho a seguir: “Pai, afasta de mim esse cálice, Pai, fasta de mim esse cálice, Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta.”


ARQUIVO/AGÊNCIA O GLOBO

VANDRÉ: O INIMIGO NÚMERO UM DOS MILITARES Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do regime militar. A sua canção Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores), que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional da Canção da TV Globo, tornou-se um hino contra a ditadura militar, cantado por toda a juventude engajada do Brasil de 1968. A canção, afirmam alguns analistas, teria sido uma das responsáveis pela edição do AI-5. Proibida de ser cantada e executada em todo o País, só voltaria a ser ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora Simone a cantou em um show no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira interrompida pela censura da ditadura militar. Calava-se uma expressiva voz emprestada ao combate à ditadura. Ainda com relação à música de Geraldo Vandré, o crítico e pesquisador musical José Ramos Tinhorão, conta um episódio curioso: “Um dia, há dois anos, eu estava em Lisboa e do hotel comecei a escutar algo que me pareceu ser uma manifestação de rua. Desci e como todo jornalista bisbilhoteiro fui ver o que era. Quando cheguei próximo, a manifestação era na Praça Marquês de Pombal, um lugar imenso, fiquei olhando um tanto de longe, jovens gritando os bordões que já conhecemos contra o aumento disso e daquilo, carros de som, confusão, polícia e todos os ingredientes que não podem faltar numa hora dessas. De repente, emocionado, começo a ouvir a música do Vandré Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores. Foi lindo escutar toda a praça cantando, enquanto a música se aproximava em outro carro de som e ela representava ali uma luta de enfren-

Um momento memorável dos festivais da canção: o público canta com Vandré Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores).

tamento e coragem que havia atravessado o tempo. Ela pode ser comparada à Marselhesa, sim, pode. Tem a mesma força, o mesmo vigor e brandura. É um hino histórico.” Numa entrevista ao site Clicmusic, Geraldo Vandré (77 anos), na verdade Geraldo Dias (ele explica que o Vandré morreu há décadas) diz não querer mais falar sobre o passado. Prefere morar recluso em seu apartamento em São Paulo: “Há 30 anos”. E afirma que vive em outro mundo: “Tenho apenas um televisor em casa em preto e branco”. E faz uma revelação: “Caminhando não era uma canção política. Era um aviso aos militares: ‘Olha, gente, desse jeito não dá mais’. Não a fiz pensando numa atitude político/ideológica, mas preocupado apenas em expressar minha opinião naquele momento”. Parecendo querer mudar um pouco os acontecimentos, Vandré compôs a música Fabiana, em homenagem à Força Aérea Brasileira-Fab. De certa forma, aproximou-se das Forças Armadas. Contrariando até fatos históricos ele revela: “Eles (os militares) nunca tocaram um dedo em mim”. E até se contradiz, depois de ter feito Disparada, Canção da Despedida e Caminhando: “Nunca fui um compositor de protesto. Sou um músico de formação erudita. Ouço Vila-Lobos, Wagner...” Muitos o consideram louco. Certamente, ele não segue certas convenções sociais. Luiz Nassif chamou-o de “solitário e desconexo; triste, como a própria solidão na qual se meteu”. Para os censores qualquer coisa era motivo para proibir uma música: Papai me Empresta o Carro, de Rita Lee e Roberto de Carvalho foi vetada, entre outros, por causa da “linguagem desrespeitosa”. Chuva, Suor e Cerveja, de Caetano Veloso, foi “liberada pela chefia”.

GERALDO AZEVEDO E AS TORTURAS HUMILHANTES Geraldo Azevedo, o parceiro de Vandré em Caminhando, conta as agruras que viveu depois de compor a música: “Fui preso e torturado duas vezes. Fui preso no Governo Costa e Silva, durante 41 dias. Fui muito torturado. Eu e minha esposa, mãe da Gabriela, minha primeira filha. A segunda vez já foi no Governo Geisel, em que fiquei menos tempo em cárcere. Inclusive tenho alguns traumas físicos causados pelas torturas. Fui preso no dia 7 de setembro, imagina. Minha filha tinha uns três anos. Eu vinha de um passeio com minha filha Gabriela e um amigo da mesma idade dela, no Rio de Janeiro. De repente, algumas pessoas me cercaram. Fui dominado no meio da rua, as crianças correndo na frente. A sorte é que já estávamos próximos da vila onde eu morava. Mas eles me pegaram e me encapuzaram, me colocaram dentro de um Fusca e foram pisando em cima de mim. Quando vi, eu estava em um lugar escuro e eles começaram com as torturas antes mesmo de perguntar qualquer coisa. Na cela ao lado estava o cunhado do Henfil, que eu vim a conhecer depois. E, em uma outra, um cara chamado Armando Frutuoso, que veio a falecer em decorrência das torturas sofridas. Fui testemunha auditiva da morte do Armando. Nessas duas prisões não houve processo. Era apenas uma violência gratuita. Na segunda prisão, fui confundido com outra pessoa. Até eu provar que não era um tal de Valério, sofri muita violência. Eu tinha até vergonha de contar. Além da tortura, a gente passa por muita humilhação. No período em que fiquei preso, eles descobriram quem eu realmente era. Eu estava com uma música na novela

Gabriela, da TV Globo, uma composição minha com o Alceu Valença. Na hora da novela, eles pediam para eu cantar a música, com o capuz na cabeça e pelado, e depois dançar também. Fiquei 19 dias na solitária. Até que um dia resolveram me dar um violão para ver se eu realmente tocava. Aí mudou a minha vida. Eles ficaram muito encantados, me pediram para cantar Yesterday, dos Beatles. Chamaram os outros oficiais e o que era interrogatório virou quase um show. Depois, voltei para a solitária, mas no dia seguinte já estava em uma cela comum. No entanto, vieram me pedir para eu cantar no aniversário do comandante e eu me neguei. Disse que só cantaria se estivesse livre. Enfim, o bom é que o comandante fez a festa na casa dele e eu não precisei cantar pra ninguém. Que é isso, companheiro, me prendem injustamente e ainda querem que eu faça show pra eles? Depois fui solto. Mas foi um período bem complicado. Tinha pensamentos ruins. É muita humilhação que a gente passa em uma situação dessas”. Outro que mais se rebelou contra a ditadura militar foi o cantor e compositor Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da mpb e que pagou preço muito alto por essa oposição. Perseguição e censura passaram a ser suas companhias constantes durante esse período. Sua primeira apresentação à Censura aconteceu em 1971, no álbum Carne e Osso. Em 1973, teve mais 11 músicas proibidas. Na tentativa de ludibriar a Censura, que vivia grudada no seu pé, Taiguara decidiu que sua esposa, Ge Chalar da Silva, passasse a assinar as composições feitas por ele. Mas a estratégia não surtiu efeito e o cantor teve que se exilar em Londres, onde gravou o álbum Let the Children Hear The Music, todo em inglês. Mas nem isso adiantou: o disco foi proibido de ser lançado no Brasil pela gravadora EMI, por decisão da Polícia Federal. Somente foi liberado em 1982, após Taiguara ter recorrido ao Conselho Superior de Censura. JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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SÉRGIO RICARDO, O MALDITO PARA O REGIME Tendo completado 80 anos, em 18 de junho, o cantor e compositor Sérgio Ricardo, paulista de Marília, tornou-se uma espécie de compositor maldito da música brasileira pela censura do regime militar. Especialmente depois de ter jogado seu violão na platéia, em 1967, após sua música Beto Bom de Bola levar estrondosa vaia no II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Ele fez parte do primeiro núcleo da Bossa Nova e participou do famoso concerto da Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova York, em 1962. Sérgio Ricardo também ficou famoso por criar músicas com forte temática social e de protesto, caso de Zelão, e compor a trilha musical de peças teatrais e filmes, como para Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna; e Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro e Terra em Transe, todos de Gláuber Rocha. Como boa parte dos compositores e cantores da música brasileira, Sérgio Ricardo não escapou da truculenta censura federal. Em recente entrevista ao site Rede Brasil Atual ele conta por quê: “A minha relação com ela foi sempre a pior possível. Eu vivia sendo chamado para explicar letra de música e prestar depoimento, como se isso fosse transformar alguma coisa ou fazer uma guerra. Levei uma pobre produtora de disco quase à falência, porque retiraram das bancas o meu disco Aleluia, do qual ela tinha feito uma grande tiragem. Foi um projeto que eu fiz em homenagem ao (Che) Guevara, um grande herói internacional que acabou assassinado. Ninguém sabe que música é essa. Até hoje não existe forma de poder botá-la no ar, também porque o assunto envelheceu. A História se incumbiu de fazer esquecimentos por aí”, lamenta. Resistindo de todas as maneiras, Sérgio Ricardo ficou 20 anos sem gravar, entre 1980 e 2000. Seu trabalho mais recente é Ponto de Partida, registrado entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008, e lançado pela gravadora Biscoito Fino. “A principal herança que me deixaram foi o esquecimento. Foi aquela coisa de me proibirem de tocar no rádio e na televisão e de aparecer nos meios de comunicação. Acabaram me transformando num desconhecido. Eu não estou aqui à procura de sucesso nem de glória. Mas acho que foi injusto o que aconteceu comigo.” Ele acrescenta: “Não interessa a injustiça feita comigo. O que importa é o Brasil no setor cultural, tanto no teatro como no cinema, na televisão e no rádio. Uma coisa cruel, que se desenvolveu durante a ditadura, foi o jabá. A cultura brasileira só acontece através do jabá. Se pagou, você é tocado no rádio e aparece na televisão. Essa distorção dos valores aniquilou com 6

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Ao receber uma estrondosa vaia durante o II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, Sérgio Ricardo jogou seu violão na platéia e, com essa atitude, tornou-se um compositor maldito.

dos no Governo do Lula, um pouco mais a alma brasileira. Você não ouve mais tarde. Mas os outros continuam existinchoro, serenata e um canto de amor. Só do. A cultura, que é meu terreno pessoal, ouve um rock desesperado e agônico e um é o setor mais abandonado neste momenfunk intragável. O próprio samba, que era to. Parece que se quer descer ao nível da tudo o que poderíamos ter de tradição a miséria do povo brasileiro. Ela chegou a um ser conservada, está sendo esfacelado. Aos momento em que não se tem mais pers80 anos, ver uma realidade brasileira pectivas de melhora. Já se instaurou uma dessa natureza dá uma tristeza enorme debandada dos princípios e das raízes braem quem faz arte neste País”. sileiras. A forma com que se produzia Sérgio Ricardo acredita que ainda há cultura no Brasil acabou reflexos do regime militar por completo. Hoje o que no Brasil: existe é lixo. Até mesmo as “Eu acho que os fantasrádios, as que sobraram, na mas ainda existem. Não sua maioria só executam foram superados inteiramúsicas evangélicas, que é mente e talvez tenha sido Adoniran Barbosa Aldir Blanc outro retrocesso na nossa essa a razão da interrupção Belchior cultura, que está com isso do processo anterior, porCaetano Veloso entrando num abismo sem que, no momento em que Carlos Lyra saída. Eu não fico com tanse constatou que já estava Chico Buarque Dom e Ravel ta radicalidade de que checonquistada a desesperanFernando Brant gamos no fim, mas a falta de ça de uma mudança, a forFrancis Hime reivindicação da própria ça resolveu ceder lugar aos Geraldo Azevedo classe cultural já demonsnovos dirigentes do País. Geraldo Vandré Gilberto Gil tra que esse medo deixado Eu percebo que ficou insGonzaguinha pela ditadura permanece na taurado um medo no povo Gretchen nossa realidade. E que se brasileiro de uma tentatiJards Macalé não chegamos no fim estava de transformação. FiKleiton e Kledir Leoni (Conjunto Kid Abelha) mos próximos dele.” cou mesmo estabelecido Luiz Melodia Sempre polêmico e ferique o perigo está à volta. Márcio Borges (MG) namente realista, Sérgio Então todos passaram a ter Mário de Andrade Marku Ribas Ricardo prossegue com sua medo de uma reviravolta e Mílton Nascimento análise: das reivindicações que o Mu (parceiro de Rita Lee) “Acabou a censura, porBrasil precisava ter utilizaOdair José que não há mais o que cendo para transformar a reaPaula Toller Paulinho da Viola surar. Não se está fazendo lidade e que não foram lePaulo César Pinheiro nada que, pelo menos, invadas a efeito.” Paulo Coelho dique a necessidade de uma Sérgio deixa transpareRaul Seixas censura, porque a nossa cer sua desesperança e não Ruy Guerra Sérgio Bittencourt realidade ficou amorfa. acredita mais na volta do Sérgio Ricardo Ninguém luta por nada. Eu vigor dos anos de 1960 e 70: Sueli Costa não gostaria de generalizar, “O País teve uma série Rita Lee porque há muitos setores de problemas, como a falSidney Magal Taiguara que estão se movimentanta de atitudes políticas e Torquato Neto do, mas num nível muito reivindicatórias de classe, Toquinho modesto. Não ao nível de e a cultura brasileira nauUltraje a Rigor uma verdadeira reivindicafragou. Naturalmente, alWaldick Soriano Wilson Batista ção transformadora, mas, guns deles foram resolvi-

OS CRIADORES CENSURADOS

sim, de uma queixa. O que existe são queixas e poucos líderes transformando as coisas. Lideranças com consciência de classe. A classe cultural, por exemplo, está abandonada. Não se vêem reuniões da classe querendo transformar alguma coisa. Só se vê todo mundo tentando se ajustar aos moldes que foram lançados como participação do Governo na produção cultural, que é uma coisa que está inteiramente furada.” Em um esboço contundente do panorama mundial em toda a sua dimensão e que serve como um depoimento fiel do tempo que vivemos, Sérgio Ricardo dispara: “A produção cultural no País, neste momento, é falha e completamente desvinculada da alma brasileira. Na música, virou uma coisa americana e inglesa. Virou cópia de outros países. O sistema de comunicação está escravo de um sistema inteiramente apodrecido e em decadência no mundo inteiro. O mundo não está podendo mais suportar o declínio desse capitalismo selvagem que está por aí e já está perdendo todas as vestimentas. Não se cobre mais nada. O corpo está difuso e só falta dar o tiro de misericórdia. É o que está faltando para que a gente mude o sistema no mundo inteiro. Em decorrência, principalmente no Brasil, de um amedrontamento que foi solto no ar pela própria tradição da ditadura. Está difícil de a gente conciliar os interesses gerais numa luta reivindicatória que possa transformar alguma coisa. Como uma espécie de profeta de Deus e o Diabo, Sérgio Ricardo considera que o medo ronda a sociedade brasileira, tanto entre os bons como entre os maus: “Há um medo que você percebe na nova geração de uma coisa que não existe mais, tanto faz se o cara é honesto ou desonesto. Parece que existe uma repressão à espera de alguma rebeldia qualquer para poder torturar, prender, matar, transferir para outro país, fazer o diabo. Ou seja, esse tipo de coisa que ficou na memória do povo brasileiro, dessa tristeza que foram os anos de chumbo, da ditadura, virou algo da cultura brasileira, de repente. É algo que precisa ser destruído imediatamente”. Ao terminar, observa que “estamos vivendo uma farsa e nossa realidade é falsa”: “Assisti durante toda a ditadura à decadência e destruição dos valores brasileiros, lentamente. Os melhores professores foram embora daqui. O pensamento brasileiro, a transformação que estava na cabeça de todos e a revolução que se estava fazendo no sentido de salvar o País foi por água abaixo. Isso eu fui verificando durante todo o momento da ditadura, em todos os compartimentos dela. A cultura, principalmente, que é a alma do povo, ficou prejudicada da forma mais escrachada possível. Tudo o que se faz no Brasil está sem a alma que deveria estar presente e é falso. Estamos vivendo uma farsa de um país desenvolvido, que, na verdade, não tem desenvolvimento algum. É algo etéreo, mentiroso, com muitas coisas fantasiadas pela imprensa, pelo sistema de comunicação e pela chamada intelligentsia, que não tem mais quase nada e vive a decadência”.


DIVULGAÇÃO/WILSONSANTOS/CPDOCJB

CHICO BUARQUE, O MAIS PERSEGUIDO E PROIBIDO Depois dessa explosão ricardiana, entra em cena, então, o mais novo inimigo número um do regime militar: Chico Buarque de Hollanda, com seus olhos verdes, seu jeito de criança e suas letras de guerrilheiro com o alcance de tiros de canhão. No período em que duraram a censura e o regime militar, Chico Buarque foi o compositor e cantor mais censurado. E isso ocorreu em toda a sua obra, nada escapou. É bem possível que se ele tivesse composto músicas clássicas ou hinos religiosos estes seriam censurados. Quem sabe até uma ode aos militares, pois os censores poderiam imaginar que poderia haver uma mensagem subliminar escondida nas letras. Os problemas de Chico Buarque com a Censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música Tamandaré, incluída no repertório do show Meu Refrão, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da Marinha. Era o começo de um longo namoro entre a Censura e a obra de Chico Buarque. Recém-chegado do exílio na Itália, em 1970, ele enviou a música Apesar de Você para a aprovação da censura, tendo a certeza de que a música seria vetada. Curiosamente a canção foi aprovada; gravada imediatamente em compacto, tornou-se um sucesso instantâneo. Já se tinham vendido mais de 100 mil cópias quando o inesperado aconteceu: um jornal noticiou que a música se referia ao Presidente Garrastazu Médici,o ditador de plantão. Revelado o ardil, o Exército invadiu a fábrica da Philips, apreendeu todos os discos e os destruiu. Na confusão, e dentro da perspectiva bizarra em que muitas vezes agiam, esqueceram-se de destruir a matriz. No entanto, o ápice aconteceria no ano de 1973. Nele, Chico sofreria todas as censuras possíveis. A peça Calabar, ou o Elogio da Traição, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As conseqüências da proibição viriam no seu álbum, Calabar, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra Calabar pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título. O disco trazia o registro das canções da peça vetada, por isso teve várias músicas (todas elas em parceria com Ruy Guerra) presas nas garras da Censura. Vence na Vida Quem Diz Sim teve a letra totalmente censurada e foi gravada em disco numa versão instrumental. Ana de Amsterdam teve vários trechos censurados. Não Existe Pecado ao Sul do Equador, que fazia parte deste disco, alcançaria grande sucesso após gravada por Ney

Chico Buarque foi censurado desde o início de sua carreira: A música Tamandaré, incluída no show Meu Refrão, com Odete Lara e MPB-4, foi proibida.

Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura da novela da TV Globo Pecado Rasgado. Na versão original da música o verso “Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor”, foi substituído por “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”. Fado Tropical teve proibida parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue brasileiro. Bárbara, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um REPRODUÇÃO

O álbum Calabar, de Chico Buarque, foi considerado “subversivo” por causa do nome pichado no muro. Já Índia, de Gal Costa, teve problemas com a Censura por trazer um close frontal da cantora vestida com uma tanga.

relacionamento homossexual entre elas. Tanto Ana de Amsterdam quanto Bárbara, já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum Caetano e Chico Juntos Ao Vivo, com trechos ali substituídos por palmas. Ainda no registro do encontro de Chico Buarque e Caetano Veloso, além da censura às duas canções citadas, Partido Alto (Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso, sofreu alterações na letra, com a substituição das palavras “brasileiro” por “batuqueiro” e “pouca titica” por “pobre coisica”. Diante de tantas mutilações da censura, o álbum Calabar com capa branca foi um fracasso de vendas. Após o fiasco comercial , a Philips decidiu recolher o disco com capa branca e o relançou semanas depois, com uma nova capa, trazendo apenas uma fotografia do artista, de perfil, com o título Chico Canta. Ainda no ano de 1973, Gilberto Gil desafiou a Censura e cantou a música Cálice, já mencionada no início do texto, em um show para os universitários, na Politécnica, em homenagem ao estudante de Geologia da Usp Alexandre Vanucchi Leme, o Minhoca, assassinado pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento Phono 73, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar Cálice, por decisão da própria produção do show, que quis evitar problemas com a ditadura. Inconformado com tantas mutilações e cerceamento à sua obra, Chico Buarque, praticamente impedido de gravar a si próprio, lança em 1974 o disco Sinal Fechado, com composições de outros autores. E resolve ir mais além: cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. E a estratégia, a princípio, funciona. Sob o esconderijo de Julinho da Adelaide ele ludibria a Censura, que deixa passar canções de críticas inteligentes e mordazes contra a ditadura, lidas nas entrelinhas. Jorge Maravilha é um desses exemplos, quando ele diz: “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, referindo-se ao Presidente Ernesto Geisel,

cuja filha, Amália Lucy, declarara em uma entrevista ser admiradora das músicas de Chico Buarque. Outra canção liberada nesse mesmo esquema foi Acorda, Amor, que contava a história de uma casa que estava sendo assaltada e seu proprietário chama o ladrão. Era uma referência clara aos órgãos de repressão, que iam buscar cidadãos tidos como subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura e desaparecendo com eles. Outro clássico da mpb que sofreu uma censura moralista foi Atrás da Porta (Chico Buarque e Francis Hime), cujo verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”: a Censura considerara a palavra “pêlos” de caráter indecente. Outra canção vetada de Chico Buarque foi Tanto Mar, uma homenagem do artista à Revolução dos Cravos em Portugal. Por ter sido uma revolução considerada socialista, a canção foi proibida. Seria gravada no álbum Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo (1975), numa versão instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com outra letra. Curiosamente, a versão original, sem cortes e cantada de Tanto Mar consta no mesmo álbum Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo, lançado em Portugal. Nesse ano sombrio da música brasileira (1973) Chico Buarque não foi o único autor da mpb a sofrer mutilações na sua obra. O endurecimento deve-se à volta das manifestações estudantis, nos anos precedentes bruscamente combalidas, resultado das perseguições aos líderes do movimento, que estavam em sua maioria presos, exilados ou desaparecidos. Outro disco mutilado pela censura naquele ano foi Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento, lançado em lp e compacto simples. Do álbum seriam vetadas as canções Hoje é Dia d’El Rey (Márcio Borges e Milton Nascimento), Os Escravos de Jó (Milton Nascimento e Fernando Brant) e Cadê (Milton Nascimento e Ruy GuerJORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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ra). Uma das faixas proibidas teria a participação de Dorival Caymmi; com a sua proibição, não aconteceu esta participação. Diálogo Entre Pai e Filho teve apenas duas palavras que não foram proibidas: “Meu Filho”. Em virtude da censura, Milton Nascimento gravou somente as melodias das canções vetadas. Também nesse fatídico ano de 1973 Gal Costa teve censurada a capa do disco Índia, por trazer um close frontal da cantora vestida com uma tanga minúscula, e na contracapa fotografias suas de seios nus, vestida de índia. A gravadora Philips comercializou o álbum coberto por um envelope opaco, de plástico azul. Do mesmo lp, a música Presente Cotidiano, de Luiz Melodia, foi proibida de execução em rádios e locais públicos. Ainda naquele tenso ano de 1973, uma reportagem da revista Veja dava conta de que 15 músicas haviam sido censuradas do álbum de Gonzaguinha, Luiz Gonzaga JR. Nesse ano, Raul Seixas teria nada menos que 18 composições vetadas pela censura. Luiz Melodia, além de ter Presente Cotidiano proibida de ser executada nas rádios, teve várias palavras excluídas ou alteradas das canções do seu disco de estréia; muitas músicas foram vetadas na íntegra. Em 1972 Jards Macalé teria que reescrever sete vezes a letra de Revendo Amigos” (Jards Macalé e Waly Salomão), do álbum Movimento dos Barcos. O jornalista Sérgio Bittencourt, filho de Jacob do Bandolim, teve em 1970 a sua música Acorda, Alice, proibida pela censura da ditadura militar por causa dos versos “Acorda, Alice/ Que o país das maravilhas acabou”. A canção seria gravada por Waleska já na época da abertura política. A irreverência de Rita Lee também não escapou das garras da censura. Ela teve censuradas as músicas Moleque Sacana (Rita Lee e Mu) e Gente Fina (Rita Lee). A primeira, por causa da palavra “sacana”, considerada obscena; a segunda, porque poderia ferir os bons costumes da época. Carlinhos Lyra, um dos criadores da inofensiva Bossa Nova, foi outro que sentiu o gosto da Censura com a sua música Herói do Medo, proibida por causa dos versos “odeio a mãe por ter parido” e “o passatempo estéril dos covardes”. Carlos Lyra não alterou o conteúdo da letra; preferiu sair do País. Algumas canções eram censuradas apenas por não condizer com os valores morais da época, como é o caso de Como eu Quero, de Paula Toller e Leoni, do grupo Kid Abelha, cuja personagem principal exige de seu namorado que “tire essa bermuda”. Também é famoso o caso de censura à canção Tortura de Amor de Waldick Soriano, lançada no auge da repressão. O motivo óbvio está no título. Outro caso conhecido de censura por razões não políticas foi a imposta a Adoniran Barbosa, que compunha de acordo com o dialeto do Bexiga, bairro da capital paulista, obrigado a corrigir as letras de suas canções de acordo com a “boa gramática”, caso quisesse gravá-las. Aborrecido com isso, Adoniran preferiu esperar pelo fim da censura prévia para voltar a gravar.

das mais temidas censoras era a Chefe do DCDP, Solange Hernandes, que passou para a História como a dona da tesoura mais afiada do regime militar. Os técnicos que atuavam no órgão podem ser distribuídos em dois grupos: os que foram recrutados pelos integrantes das Forças Armadas para desempenhar o papel de censores antes da década de 1970 e os que entraram na Polícia Federal por concurso público. Todos, entretanto, sofreram fortes pressões dos militares para agir de acordo com suas determinações. A matéria do Correio Braziliense, além de expor os Ativista, Zé Kéti era filiado ao Partido Comunista Brasileiro e foi um dos fundadores do memorável Grupo Opinião. arquivos da Censura, descortina histórias de resistência até então obscuras. Mostrou as tensões no interior da administração militar e como a máquina de vetos resistiu ao período de abertura política e, nos anos 1980, perseguiu a geração mais popular do rock brasileiro. Funcionários da PF vetaram canSegundo reportagem publicada em ções, autorizaram a apreensão de discos 2010 pelo Correio Braziliense, os documene proibiram a radiodifusão de sucessos tos referentes à censura de letras musicomo a música Inútil, do conjunto Ultraje Os nomes se sucedem e para o leitor cais, guardados na coordenação regional a Rigor, e ainda a canção A Verdadeira desavisado alguns podem parecer inverído Arquivo Nacional, em Brasília, equiHistória de Adão e Eva, escrita para um dicos, como é o caso de Zé Kéti (José Flovalem a 597 metros de papéis enfileirados. programa infantil. Revelou também os res de Jesus), um dos maiores compositoOs documentos foram abertos pela Políúltimos embates entre a repressão e as res da música popular brasileira. Filiado ao cia Federal em 1989 e transportados da gravadoras, confrontos que se arrastaram Partido Comunista Brasileiro e falecido em sede da corporação até o Arquivo Nacioaté pouco antes da Constituição de 1988. novembro de 1999, Zé Kéti foi um dos nal naquele mesmo ano. Atualmente esEm entrevistas, músicos como Léo fundadores do Grupo Opinião, criado no tão à disposição do público tanto na sede Jaime, Nando Reis, Roger Moreira e Rio de Janeiro logo após o golpe militar de de Brasília quanto na do Arquivo NacioMarcelo Nova recordam as ameaças que 1964, no qual artistas e intelectuais se nal, no Centro do Rio. Todos também sofreram em um período pouco lembrareuniam para formar um núcleo de resisestão disponíveis na internet, com grando pelos relatos históricos. Compositores tência ao regime. O Grupo Opinião prode parte do material já digitalizada. da MPB como Marku Ribas e a dupla duziu o espetáculo musical Opinião, em 11 É esse um rico acervo que ainda necesKleiton & Kledir contam por que foram dezembro de 1964, com Zé Kéti, João do sita ser pesquisado e estudado. Porém, obrigados, por motivos políticos, a alteVale e Nara Leão. Um dos momentos cullogo fica evidente um fato: enquanto rar versos de canções. Outros, como os minantes do show dirigido por Augusto músicos, atores, jornalistas, escritores e irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, Lobão Boal no Teatro de Arena de São Paulo era cantores mostraram a cara e se expusee os Titãs, combateram a vigilância nas a música Opinião, de Zé Kéti, cuja letra ram com atitudes que desagradaram aos entrelinhas das suas poesias. E revelou que trazia um grito de protesto contra o conintegrantes da ditadura militar, o policimuitos músicos de Brasília, alguns deles turbado cenário político da época: “ Podem me bater al e, especialmente, os censores atuavam ainda em atividade, chegaram a discutir Podem me prender em silêncio, pagos pelo Estado para cenpessoalmente os motivos da proibição de -me sem comer Podem até deixar surar letras de canções ou qualquer espedeixar-me suas obras com os responsáveis pela tesouQue eu não mudo de opinião.” táculo ou movimento que contrariasse o ra oficial. pensamento inquisitorial do regime miO Grupo Opinião acreditava na posO texto cita passagens muito intereslitar. Ao longo dos últimos 48 anos, apesibilidade de transformar o mundo pela santes e reveladoras de como funcionaarte e abriu espaço para compositores nas uma parte dessa história tem sido va o esquema, como estas: populares oriundos das escolas de samba contada, justamente a que coube aos ar“Consegui indicar nomes de civis para e dos morros do Rio de Janeiro. Assemtistas. A outra, a dos censores, ficou estodos os cargos da pasta (censura), menos bléias, reuniões de protesto contra o recondida, muito por conta deles mesmos, o da Polícia Federal, justamente quem gime eram realizadas no Teatro Opinião, que evitaram falar sobre atos tomados comandava a Divisão de Censura” (Ferque acabou se transformando em um durante o regime militar. nando Lyra, Ministro da Justiça entre reduto de combate à ditadura militar, Ao se analisar correspondências con1985 e 1986); atraindo com isso a ira dos militares que fidenciais trocadas entre chefes da Divi“Senhor Chefe, opino para que seja por diversas vezes invadiram o Teatro, são de Censura de Diversões Públicasmantida a interdição da letra musical de prenderam quem estava lá dentro e tiraDCDP com unidades de repressão, como Ninguém Segura Este País, por considerar ram de cartaz vários espetáculos. a Divisão de Ordem Política e Social, o uma irreverência a citação do nome do sr. Um dos maiores sucessos de Zé Kéti foi Dops, percebem-se o autoritarismo e arPresidente da República em um sambaA Voz do Morro, de 1955, interpretado por rogância. Em uma das cartas, o então chefe enredo.” (Trecho do parecer da Técnica de Jorge Goulart, que faz parte da trilha muda DCDP pedia que Sérgio Ricardo fosse Censura Hellé Carvalhedo, assinado em sical do filme Rio 40 Graus, de Nélson Pereira fichado pela ditadura – situação desconhejaneiro de 1971, durante o Governo dos Santos, em cuja produção Zé Kéti tamcida pelo próprio compositor, e sem um Médici, sobre o samba-enredo da Acadêbém trabalhou, como assistente de câmera. motivo consistente que a justificasse. Uma micos da Asa Norte, de Brasília).

ZÉ KÉTI E A RESISTÊNCIA DO TEATRO OPINIÃO

O DCDP, A MÁQUINA DE CORTAR LETRAS


ALCYR CAVALCANTI

“ A CENSURA ERA PREPOTENTE, BURRA E BIZARRA” O produtor radiofônico Cirilo Reis disseca a atuação da Censura em relação à música popular durante a ditadura e mostra seu discricionarismo e a preocupação permanente de agradar os militares encastelados no poder. os companheiros e acabaram sendo esquecidos ou colocados em segundo plano, como foram os casos de Jair Rodrigues, Wilson Simonal e Dom e Ravel. O Simonal, com Meu Limão, Meu Limoeiro, lá pelos anos de 1967 ou 1968, regeu com esta música um coro de milhares de fãs no Maracanãzinho, mas tanto ele quanto Jair Rodrigues acabaram apontados como dedos-duros, X-9, agindo em conluio com o regime militar e entregando colegas que questionavam os militares, embora isso ainda tenha que ser melhor explicado.

Um dia a Censura cismou com a música Rosa de Hiroshima, dos Secos & Molhados, mas não pelos explosivos e ferinos versos do doce Vinícius de Moraes e sim pelo rebolado malicioso e andrógino de Ney Matogrosso. Citei esse exemplo para mostrar que eles não sabiam nada. Assim como na política, 1968 também foi um ano que não acabou para a música popular brasileira, o Tropicalismo pôs em polvorosa o poderio militar que acabou proibindo Gilberto Gil e Caetano Veloso, seus líderes, de cantarem Tropicália e Geléia ARQUIVO/AGÊNCIA O GLOBO

O comunicador Cirilo Reis, que há 35 anos comanda o programa Musishow na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, aos sábados, das 21 às 23 horas, com músicas da Jovem Guarda e dos movimentos que marcaram época nas décadas de 1960 e 1970, como os festivais internacionais e a Tropicália, apresentou recentemente um programa sobre as músicas que foram censuradas pelo regime militar, num trabalho de produção e pesquisa de Carlos Alberto Silva. Nesta entrevista Cirilo Reis revela muita coisa do que testemunhou nos bastidores das rádios onde trabalhou, como a Tupi e a Globo naquele tempo, e um pouco do que apresentou em seu programa sobre o trabalho coercitivo da censura. “Antes, é preciso dizer que a Censura agiu com relação às obras musicais de uma forma prepotente, burra e, por que não dizer, bizarra. Pois não havia muito critério. Eles próprios não sabiam bem o que censurar, e não conseguiam alcançar a essência da criação, da letra com duplo sentido de um Chico Buarque à irreverência de um Raul Seixas, de um Caetano Veloso. Então, na dúvida causada pelo obscurantismo das consciências, censuravam tudo. As pessoas não imaginam a via-crucis que era pra ter uma música liberada pela Censura. Uma frase, uma única palavra, um efeito alegórico, na maioria dos casos, sem nenhuma conotação política ou ideológica, era vetado. No entanto, e acho que a sociologia ou a psicologia poderiam explicar melhor, foi justamente essa uma das fases mais ricas e fecundas da música popular brasileira. O proibir por proibir gerou uma imensa ação criativa, talvez em protesto ou simplesmente pelo ato de compositores e cantores transgredirem mesmo, afrontarem o sistema, mostrarem que era preciso se superar para continuar existindo e criando. Um dos mais perseguidos pela censura foi Caetano Veloso, principalmente depois de compor Alegria, Alegria, em 1968, seu primeiro grande sucesso, uma ode aos movimentos revolucionários de esquerda, especialmente por ele falar no jornal O Sol nas bancas de revista, um jornal de claro enfrentamento à ditadura militar. Se olharmos por um outro ângulo, houve também os que acabaram malvistos pelos própri-

Caetano foi perseguido desde seu primeiro sucesso, Alegria, Alegria, e acabou sendo exilado.

Geral, além de obrigá-los a exilar-se em Londres e deixar de, digamos, ‘encher o saco’. Um dos que levaram a pior com a censura e por tabela com o regime militar foi, sem dúvida Geraldo Vandré. Com seu temperamento revolucionário e contundente, Vandré peitou a ditadura, mostrou a cara e acabou literalmente apanhando na cara. Os militares odiaram Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores. O comportamento de Geraldo Vandré, como na música, caminhando e cantando no Festival Internacional da Canção, foi explosivamente fantástico. A música fazia pensar e questionar e isso não era permitido naquele momento. Até porque levou junto o público de milhares de jovens estudantes. De forma nenhuma, logicamente, o Governo militar iria permitir aquela ousadia, aquele acinte, e o jeito foi tirá-lo de circulação. Algo parecido quando o cara que está acabando com o jogo leva uma cipoada e sai de campo. O Brasil somente pôde ouvir de novo essa canção ao vivo 11 anos depois, em 1979, num show da Simone, no Canecão, Rio de Janeiro, e ao som de um coro de sobreviventes do golpe militar com muita saudade do Vandré, num espetáculo emocionante. E o proibir por proibir não se restringia apenas às obras compostas durante o regime militar. Os censores, não satisfeitos com as atrocidades cometidas à sua época, ainda voltavam no tempo. Estes versos: ‘Eu insulto o burguês/ o burguês níquel, o burguês-burguês, a digestão bem feita de São Paulo/o homemcurva, o homem-nádegas, o homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco...’ foram censurados. Estes versos foram escritos pelo poeta Mário de Andrade, que os declamou na Semana de Arte Moderna de 1922. O poema chama-se Ode ao Burguês. Porém, sem sentido foi a censura proibi-lo quase meio século depois, em 1970, quando foi publicado para marcar os 25 anos da morte do autor. Certamente, algum censor desavisado e sem o conhecimento cultural necessário talvez nem soubesse quem era Mário de Andrade e nem a Semana de Arte Moderna de 1922 leu e decretou: ‘Mas que cara abusado, vou calar a boca desse comunista’. Tanta ignorância levou a censura a proibir Paulinho da Viola, imagina, de cantar Chico Brito, samba que Wilson Batista havia composto 22 anos antes, em 1948, por causa de um verso que dizia: ‘Fuma uma erva do Norte’. E também a proibir o lp Carne e Osso, de Taiguara, inclusive a faixa-título, e não se precisa dizer por quê. O que era pra ser visto eles não viam e viam fantasmas onde não havia. O veneno da letra de Chico Buarque, recém-chegado do exílio na Itália, em Apesar de Você é óbvio logo à primeira vista. É claro que ele estava se referindo ao regime militar. Quando a ficha caiu já era tarde, os militares então ficaram possessos: empastelaram a gravadora Philips e proibiram a execução pública da música, além de recolherem todos os disJORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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JOSÉ SANTOS/AGÊNCIA O GLOBO

Gonzaguinha teve 15 canções censuradas no ano de 1975. Já Raul Seixas (à direita) e Paulo Coelho tiveram que reescrever a letra de Como Vovó já Dizia.

cos, mas, burramente, não destruíram a matriz, que virou hino nacional de resistência à ditadura. Vejam só, a censura calou Caetano Veloso e o mandou para Londres, mas aqui no Brasil um rei o manteve vivo na memória do povo, pois em 1971 Roberto Carlos lançou um lp com uma música de Caetano, Como Dois e Dois, e outra chamada Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, que ele e Erasmo Carlos fizeram em homenagem ao filho exilado de Dona Canô. E essas duas canções mostraram um fato incrível e curioso: a todo-poderosa e arrogante ditadura militar não teve coragem e nem de longe ousou censurar o rei Roberto Carlos. Roberto foi o único cantor e compositor que não teve nenhuma canção censurada pela ditadura, mesmo com relação àquelas letras a que me referi, quando os censores cismavam com uma vírgula, um ponto, vendo fantasmas onde eles não existiam. Nada, ele passou incólume por todo esse período, inclusive com relação a Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. Essa letra tinha tudo pra ser censurada; no mínimo possuía um duplo sentido, como tantas outras do Roberto, mas passou ilesa. O que mostra o fenômeno que ele é em nossa música popular. Hino dos guerrilheiros Vou citar uns versos para depois apontar outro compositor também muito visado pela ditadura: ‘Você corta um verso, eu escrevo outro/ você me prende vivo, eu escapo morto/ de repente, olha eu de novo, perturbando a paz, exigindo troco/ vamos por aí, eu e meu cachorro, olha um verso, olha outro, olha o velho, olha o moço chegando/ que medo você tem de nós, olha aí’. Sabem de quem é? De Paulo César Pinheiro, em parceria com Maurício Tapajós, da música Pesadelo, gravada pelo MPB4 e protagonizando em 1972 a maior bobeira da Censura, mostrando que eles não tinham nenhum critério e não conseguiam enxergar um palmo além do nariz. Está claro que essa música, de uma intrepidez corajosa, baixava o pau na censura militar e ainda afagava os companheiros 10

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mortos na luta contra o regime e acabou liberada e virando o hino de luta dos guerrilheiros do Araguaia. Querem saber como ela passou? Uma grande estratégia: Pinheiro pôs Pesadelo na pasta das letras do disco de Aguinaldo Timóteo, um cantor que não incomodava a Censura e, portanto, não estava em sua mira. E a letra com esse estratagema passou de passagem e foi embora. Quem não levou a mesma sorte do MPB-4 foi o Gonzaguinha, que em 1975 teve 15 canções censuradas, entre elas Comportamento Geral. O mais incrível aconteceu com Tiro ao Árvaro, que Adoniran Barbosa só gravou com Elis Regina depois de trocar para Tiro ao Álvaro. E a razão é bem simples: os censores viam apenas erros de português na letra da música e não a forma de falar do Bexiga, bairro da capital paulista, onde se misturavam sotaques italianos aos nossos. Adoniran, em virtude da ênfase dada a essa maneira de falar, sempre se viu às voltas com a censura. Nessa música, é interessante ouvir o sussurro de Adoniran, perguntando a Elis: ‘Vai sair bom?’. Ainda em 1974, Paulo Coelho e Raul Seixas se viram forçados a refazer a letra de Como Vovó já Dizia, gravada por Raul e incluída na trilha sonora da novela O Rebu, da Rede Globo. Em 1976, Rita Lee, grávida de três meses, foi presa pelos militares (pasmem) oito anos após a censura ter proibido, em 1968, a música Gente Fina é Outra Coisa. Belchior é outro que durante muito tempo foi considerado autor marginal. Ele teve censurada a música Os Doze Pares de França, composta com Toquinho, porque para os censores os autores vangloriavam a França, fazendo dela um país melhor para se viver do que o nosso. Também a canção Pequeno Mapa do Tempo, de 1977, foi amputada, pois trazia uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos “eu tenho medo e medo está por fora” e “eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião”. Os censores concluíram que a música trazia mensagem de protesto político e uma alusão ao exílio. Falando de Chico, talvez o compositor

mais censurado pela ditadura, em 1978 ele teve a trilha sonora do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, em parceria com Francis Hime, integralmente censurada. Trazia Simone numa rara versão completa de O Que Será, Que Será, na qual ele, já de saco cheio de tanta perseguição, esbraveja “o que não tem censura nem nunca terá”. Além da abertura, o filme incluía À Flor da Terra e À Flor da Pele. As letras das duas composições diziam, destemidamente, que no Brasil não havia governo e nem vergonha. Enganam-se aqueles que pensam que a Censura pegava no pé somente das figurinhas marcadas. Nos anos 1970, até Odair José, um cantor comprovadamente brega, com temas de suas músicas tão distantes da política quanto o Sol da Lua, se viu emaranhado pelas teias dos censores com a música Eu Vou Tirar Você Desse Lugar, em que ele pregava a redenção de uma prostituta de sua vida errante por meio do casamento. Ele gostava desses temas e acabou irritando a Censura por conta disso. Em 1973, Odair mexeu no vespeiro da época ao falar sobre o controle da natalidade, ao pedir à parceira que parasse de tomar a pílula na composição Pare de Tomar a Pílula. Em 1974, mais problemas. Ao fazer a apologia do fim da virgindade feminina logo na Primeira Noite, que teve o título mudado para Noite de Desejos. Porém, num lampejo de luz, vindo provavelmente de uma dimensão mais iluminada, os censores não atenderam aos apelos, através de um abaixo-assinado, das mães-de-família ricas nordestinas e preocupadas com os bons costumes, exigindo a proibição da música Severina Xique-Xique, interpretada por Genival Lacerda. Os censores não viram nada demais na letra (exceto uma leve malícia, bem-humorada) e liberaram a butique da Severina para todo o País. Querem mais? Ao contrário do que muita gente pensa, o cantor e compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a ditadura militar. A sua música Quem Eu Devo é Que Deve Morrer tem como tema uma dívida pessoal que só será paga ‘se Deus quiser’. Tam-

bém a dívida externa brasileira encontrava-se nessas condições. Assim, Luiz Ayrão faz um samba provocativo. Diante da afirmação do verso ‘quem eu devo é que deve morrer’, a canção é vetada, sendo a proibição justificada pela Censura porque a letra era um incentivo ao homicídio, trazendo uma mensagem de caráter negativo. Vou citar outro exemplo de burrice. Sueli Costa deu a canção Cordilheira, que ela fez com Paulo César Pinheiro, para Erasmo Carlos gravar. Feito o registro, a canção jamais saiu; foi proibida. Os autores chegaram a ir a Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontram o silêncio dos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: ‘Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas’. Cordilheira é uma das mais belas canções de teor contestatório já feitas no Brasil. Quando ela foi finalmente liberada, em 1979, seria gravada por Simone, no álbum Pedaços. O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de cds comemorativos da carreira do cantor. Outra canção censurada de Sueli Costa foi Altos e Baixos, em parceria com Aldir Blanc, que contava a história de um casamento desgastado. A música falava de uísque, Dietil, Diempax e foi justamente por ter citado o nome do ansiolítico Diempax que a canção foi censurada. Elis Regina conseguiria a liberação da música, gravando-a no seu álbum Essa Mulher (1979). Dentro dessa corrente popularesca de que estamos falando, a censura não poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970 se tornara a menina dos olhos da repressão, com uma música que exaltava a Nação, tornando-se o hino da ditadura: Eu Te Amo, Meu Brasil. O motivo que levou o regime a interrogar Dom e Ravel foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção A Árvore. Os censores desconfiaram do trecho ‘venha, vamos penetrar ’. Além de imaginar que o tema que falava de árvores seria supostamente sobre a canabis sativa, a planta da maconha, eles disseram que ‘penetrar’ tinha apelo sexual e não era adequado para uma canção. A música foi proibida; apesar de ter sido gravada tempos depois pela banda Os Incríveis, nunca foi lançada. A esta altura, a incoerência da Censura já dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou razão. Para terminar, vamos ao cúmulo da palermice, pois Sidney Magal e Gretchen também sofreram com a censura. Querem saber o motivo? Não houve nenhuma relação com as letras e nem poderia, já que Conga-Conga, Sandra Rosa Madalena ou Meu Sangue Ferve Por Você realmente eram inofensivas e distantes de qualquer comprometimento ideológico/político. O que incomodava os censores eram os trejeitos, o apelo sensual e sexy dos dois, o rebolado e a indução disfarçada ao sexo, algo parecido com o que sofreu Elvis Presley nos anos 1950. Assim, foi enviada uma ordem às emissoras de televisão, avisando que não poderia ser dado nenhum close no bumbum rebolativo da vedete e nem na cintura apelativa do cigano.


RIO+20

MENSAGEM

“Se não fosse a imprensa, o Brasil continuaria colônia e ainda manteria a senzala”, diz a ABI no Dia da Imprensa A saudação da Casa à comunidade Jornalística pela passagem do 1º de junho.

Ecochatos e ecocidas P OR P AULO R AMOS D ERENGOSKI

Diante da destruição irracional do meio ambiente a que estamos assistindo em todo o planeta, é bem possível que os jovens venham a culpar a atual geração por tal prática – capitulando-nos no crime Ecocídio. Com a violência com que hoje se agride a Mãe-Natureza – destróem matas, empestam rios, sujam campos, se degrada a atmosfera, poluem oceanos, envenenam alimentos –, é certo que os habitantes do futuro serão obrigados a se autocontrolar em necessidades vitais, tais como lazer, higiene, alimentação, viagens, consumo, natalidade, etc. Mas como o destino do ser humano é tentar sobreviver, a consciência histórica das gerações vindouras, sob o ponto de vista do meio ambiente, será agressiva. E se a catástrofe ecológica está sendo provocada pelos seres humanos de hoje, é lógico que venha a ser colocada uma série de acusações. As crianças que vão crescer serão produtos acabados de uma época de grandes preocupações ecológicas e o medo – terrível – da destruição completa da Natureza e do advento dos apocalípticos Mundos-Mortos se localizará na estrutura dos futuros núcleos neuróticos. A continuar a atual crise ambiental e o delírio do consumo desvairado – que faz, por exemplo, que se destrua a exuberante mata amazônica para plantar pastagem –, a falta de alimentos fará as novas gerações se defrontarem com o novo e brutal conceito do mundo – a sensação do Finito: a prova de que o espaço terrestre tem limites. O Finito – real ou imaginado – provoca a emergência das atitudes agressivas, provou-o Josué de Castro. E o adolescente que no futuro despertar para terríveis

problemas ecológicos cairá numa situação psicologicamente explicável: ao perceber que a Mãe-Terra já não é mais capaz de saciar todos os seus filhos. As gerações idosas – e alguns jovens embolorecidos precocemente pelas velhas paixões políticas radicais – sempre tentaram explicar que a falta de alimentos seria resultado de uma culpa invisível do “Sistema” ou da má distribuição de riquezas. Mas as futuras gerações poderão verificar – e esse é dado novo – que ela também é fruto da destruição sistemática da Natureza, do uso e abuso de adubos químicos, do desmatamento indiscriminado, da erosão incontrolável, da poluição das águas, etc. E quando alguém se dá conta de sua fragilidade biológica não apenas individual, mas como Espécie, passa a saber que a morte não é algo particular, mas fenômeno coletivo. É então que ressurgem com força a Vingança e a Retaliação. Sempre existiu no homem o impulso natural de deixar para os filhos algo de bom, seja um pedacinho de terra, uma casinha, uma situação econômica melhor. Esse é um impulso autêntico de amor, que no entanto parece desmoronar diante de atual destruição – quando Thanatos começa a vencer Eros. Se a nós outros coube sobreviver nesta sociedade industrial recente que está sujando e empestando a Mãe-Terra, aos nossos filhos caberá viver numa sociedade encarregada de fazer a limpeza! O primeiro passo para a limpeza se chama: Manejo Sustentável. Florestamento e Reflorestamento, seqüestro de carbono. Paulo Ramos Derengoski, jornalista e escritor, sócio da ABI, é radicado em Lages, Santa Catarina.

A ABI dirigiu em l° de junho uma saudação à comunidade jornalística e aos meios de comunicação em geral pela passagem do Dia da Imprensa, que então transcorria. A data deve ser comemorada, disse a ABI, porque a imprensa vem exercendo papel decisivo na vida nacional desde a criação do Correio Braziliense, fundado em Londres em 1° de junho de 1808 por Hipólito da Costa para a defesa da idéia de autonomia da nação então submetida ao jugo colonizador de Portugal. “Desde então e sobretudo nas lutas pela Independência, na segunda década do século 19, a imprensa tem uma atuação fundamental para o progresso econômico e espiritual do Brasil e de seu povo”, disse a ABI, salientando que sem jornalistas e jornais o Brasil continuaria a ser uma colônia e ainda manteria o trabalho escravo. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “Nesta sexta-feira, 1°de junho, a Associação Brasileira de Imprensa dirige uma saudação calorosa à comunidade jornalística e aos órgãos de comunicação do País pela passagem do Dia da Imprensa, que hoje transcorre e que deve ser comemorado pela notável contribuição que ao longo de mais de dois séculos, desde a criação do Correio Braziliense em Londres, em 1808, por Hipólito da Costa, os jornalistas e os veículos para os quais trabalham têm uma atuação fundamental para o progresso econômico e espiritual do Brasil e de seu povo. Na senda aberta por Hipólito e alargada ainda na segunda década do século 19, com a presença destacada de jornalistas nas lutas pela Independência, como Evaristo da Veiga, a imprensa assumiu um papel decisivo na definição dos rumos da vida nacional, defendendo princípios e idéias que modelaram o Brasil contemporâneo. Ora através dos veículos estabelecidos pelas classes possuidoras, ora pela pregação de modestas publicações, muitas delas editadas na clandestinidade ou semiclandestinidade, os jornalistas sustentaram causas como a já citada Independência, a abolição do trabalho escravo, a instauração da república, a eliminação dos costumes políticos viciados, a ampliação e democratização do direito de voto, a progressiva e ainda incompleta libertação da mulher, a proteção do trabalho, a emancipação econômica do Brasil, de que foi grande expressão a campanha “O petróleo é nosso”, sustentada por veículos alternativos, entre os quais o Jornal de Debates, criado no final dos anos 1940 por Matos Pimenta. Sem a imprensa, o Brasil seria até hoje uma imensa senzala, refém do atraso social e do obscurantismo cultural. A ABI considera que essa herança de sucessivas gerações de jornalistas impõe pesadas responsabilidades aos que hoje militam nos meios de comunicação, aos quais cabe um papel de ponta na defesa da ética na administração pública, do aprimoramento das instituições democráticas, da apuração dos crimes cometidos pela ditadura militar 19641985 e seus agentes, da afirmação dos direitos humanos no País e no mundo, do avanço das conquistas sociais entre nós e onde quer que a criatura humana esteja aviltada. Criada em 7 de abril de 1908 por pequeno grupo de idealistas reunidos pelo repórter Gustavo de Lacerda, a ABI busca honrar os ideais sustentados por seus maiores e entende que as lições por eles deixadas constituem um inarredável compromisso dos jornalistas de nosso tempo. Rio de Janeiro, 1° de junho de 2012. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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CARTAS DOS LEITORES

ESCREVA PARA O JORNAL DA ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71 - 7° andar. Rio de Janeiro, RJ. Cep 20.030-012 | E-mail: abi.presidencia@gmail.com

CUMPRIMENTOS

CIRCULANDO

• Prezado Senhor Maurício Azêdo, Presidente da ABI, No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Conselho Municipal de Educação (CME) de São Paulo tem a honra de cumprimentar a Associação Brasileira de Imprensa-ABI pela luta em prol da liberdade de expressão, independência e pluralismo, princípios estes essenciais para a democracia e a preservação dos direitos humanos. Conselheiro João Gualberto de Carvalho Menezes, Presidente do CME/SP

• Prezado Ucha, Os exemplares do Jornal da ABI que tenho recebido faço circular entre os amigos e amigos dos amigos. E o retorno da matéria publicada na Edição 378 tem sido excelente, como comprovam algumas mensagens que recebemos e que lhe envio abaixo para o conhecimento da equipe do jornal. Continuem assim. Cultura e conhecimento nunca é pouco. José Duayer e Lourdes

O LIVRO CENSURADO • Meus caros Ucha e Paulo Chico, Não posso deixar de felicitá-los pela excelente concepção e realização da matéria O Livro Censurado, na mais recente edição do nosso Jornal da ABI. Vai ser referência sobre um dos delitos menos lembrados e conhecidos no vasto prontuário criminal da ditadura. Parabéns, com os fraternais abraços do (a) Arthur Poerner.

EDIÇÃO 378 • Belíssima edição! Parabéns à equipe. Abraços (a) Vladimir Sacchetta

PÁGINA 2 • Ficou lindo demais. Eu, minha esposa Luzia e toda a equipe do Yahoo! Brasil agradecemos imensamente pela honra de estarmos ali na página 2, compartilhando com o País, o meu singelo trabalho com charges. Obrigado de coração. Eu e Luzia lemos toda a revista, na madrugada, na cama, no notebook dela, e apreciamos todas as matérias. Três delas nos fizeram quase ver o sol saindo, de tanto que conversamos sobre os temas. São as mesmas: José Duayer, Malditas Escritoras e Uma Viagem nas Ondas do Rádio.

Jornal da ABI ÓRGÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha presidencia@abi.org.br / franciscoucha@gmail.com

Amigo, obrigado pela oportunidade, pela literatura de alta qualidade e, acima de tudo, pela gentileza dispensada a este capixaba. Abraço do (a) Alpino.

HONDURAS • Francisco, es muy dificil agradecerle a alguien a quien no conocemos, pero que en un detalle te hacen sentir que la lucha por la vida tiene sentido, en momentos en que los amigos los he podido contar con los dedos de la mano y aun asi me sobran dedos. Quiero decirte que tu publicacion a sido para mi fundamenteal ya que CIDH estaba dudando de mis declaraciones las que he tenido que sustentar con el informe presentado a la relatora mas las denuncias que acredito debidamente presentadas ante todas las instancias y varias publicaciones entre ellas la tuya, estos son los requisitos que he tenido que presentar para que la Corte me premie con la solicitud de mis medidas de seguridad ante el Gobierno de Honduras. Mira que es triste, la vida, querido amigo, increiblemente tiene sus privilegios, por eso hay que luchar por ella. Ahora entiendo alos migrantes, los que viven en el exilio, los de asilo politico, los que buscan salvarla aun apesare de todo. (a) Itsmania Pineda Platero

Meu prezado Duayer, querida Lurdinha, Vocês têm razão de estarem curtindo a matéria. O texto está ótimo, os cartuns potentíssimos e as fotos maravilhosas. Com certeza, a repercussão vai ser muito positiva. Abraço e beijo. (a) Álvaro Abreu Duayer e Lourdes, A qualidade é a marca registrada do trabalho de vocês. Tenho orgulho de tê-los como mestres e inspiradores. Parabéns à ABI pelo belo jornal. Abraços, Att. (a) Alex Passos Oi Lourdes! Oi Duayer! Parabéns pelos belos frutos dos seus trabalhos! A reportagem e o jornal estão excelentes! Manda mais... Abcs (a) Ronaldo

QUINTETO VIOLADO • Olá, Francisco Ontem li sua matéria sobre o Quinteto Violado e fiquei supercontente com o resultado de nossa conversa. Parabéns e obrigado pela oportunidade de poder contar um pouco da história de 40 anos do Quinteto Violado. (a) Dudu Alves

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DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer.

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges.

CONSELHO FISCAL 2011-2012 Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e Manolo Epelbaum.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: José Pereira da Silva (Pereirinha)

Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br

Conselheiros Efetivos 2012-2015 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Suely Alvarez Campos, Henrique Miranda Sá Neto, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Vítor Iório.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br

Conselheiros Efetivos 2011-2014 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Dácio Malta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS Diretor: José Eustáquio de Oliveira

Conselheiros Efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Impressão: Gráfica Lance! Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ

Conselheiros Suplentes 2012-2015 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro

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Blog do Aguinaldo Mais uma vez Aguinaldo Silva cita o Jornal da ABI em seu blog ao comentar a sua participação na matéria O Livro Censurado, publicada na edição 378, onde afirma, “há várias preciosidades”. O texto reproduzimos abaixo:

A CENSURA É UMA MERDA

A convite da revista Veja e do Jornal da ABI produzi recentemente os dois textos abaixo, que já foram publicados e, de certa forma, estão interligados. O primeiro, parte de uma reportagem de capa da revista sobre abuso sexual contra crianças, dá minha visão pessoal sobre esse ato de violência nefando que eu mesmo sofri na adolescência; o segundo, por conta da proibição em 1975 de Dez Histórias Imorais, um dos meus livros, aborda a questão da censura nos anos de chumbo da ditadura, mas transcende essa época para chegar aos dias atuais e falar da nova forma de censura, tão odiosa quanto a daqueles tempos, a do politicamente correto. Tanto a Veja como o Jornal da ABI foram além de onde a vista alcançava na abordagem dos dois temas e assim produziram dois documentos primorosos. No caso do jornal, há na matéria várias preciosidades, entre elas o fac-simile parecer do censor que aconselhou a proibição do meu livro.

Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Continentino Porto, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Jordam Amora, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Rogério Marques Gomes e e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros Suplentes 2011-2014 Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães. Conselheiros Suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Carlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Presidente, Mário Augusto Jakobskind; Secretário, Arcírio Gouvêa Neto; Alcyr Cavalcânti, Antônio Carlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna, Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria Cecília Ribas Carneiro, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Sérgio Caldieri e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAIS José Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),Carla Kreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José Bento Teixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz e Rogério Faria Tavares.

JORNAL DA ABI • JUNHO 2012 O J379 ORNAL DA DE ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO A CORDO O RTOGRÁFICO DOS P AÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA , COMO ADMITE O DECRETO N º 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.


TORTURA

Somos nossa memória O Canadian Center for Investigation and Prevention of Tortura (Centro Canadense para Investigação e Combate à Tortura), em Toronto, e o Rehabilitation Center for Torture Victims (Centro de Reabilitação das Vítimas da Tortura), em Copenhague, são instituições que se dedicam à questão da tortura e suas seqüelas, como objeto precípuo de suas atividades. A organização canadense funciona desde 1984; a dinamarquesa, desde 1982. Em ambos os casos, há estudos mencionando casos perturbadores, conclusões chocantes, que envolvem inclusive a configuração de uma "síndrome do torturado". A vítima carrega pesada carga do passado, sofre uma espécie de inversão moral (vê nas outras pessoas propósitos perversos, intuitos cruéis e posturas mentirosas), convive com um atormentador sentimento de culpa, sofre de depressões freqüentes, sente-se perdida, desorientada, perde o sono ou tem insistentes pesadelos. Sua crença mais profunda no ser humano lhe foi retirada, ou, no mínimo, rudemente golpeada. Relatório recente da Anistia Internacional revela que a tortura ainda é praticada com regularidade em "mais de noventa países". Em 1975, nos subterrâneos da ditadura militar, conheci a tortura – talvez a pior das fraturas da alma humana. Naqueles tempos, multiplicavam-se os regimes autoritários na América Latina. Hoje, felizmente, conquistamos a democracia e vivemos em liberdade. Embora a prática da tortura persista em muitos países, crescem as pressões da opinião pública mundial em defesa dos direitos humanos, como parte de uma nova cultura planetária que talvez esteja surgindo. ELIANE SOARES

U

ma convenção, aprovada por consenso pela Assembléia-Geral da Onu em 10 de dezembro de 1984, consagra o princípio da jurisdição universal obrigatória sobre os torturadores. Isso quer dizer que um torturador, a menos que seja extraditado para enfrentar a Justiça de outro país, será processado em qualquer nação onde se encontre. Além disso, a convenção impede o repatriamento forçado ou a extradição de pessoas que corram o risco de serem torturadas. Mais: exclui a "obediência a ordens superiores" como defesa contra uma acusação de tortura. Obriga ainda os Estados a investigar quaisquer informações sobre a prática de tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. E cria um Comitê contra a tortura, que examina informes, investiga denúncias, busca esclarecimentos, acolhe informações. Para as inúmeras vítimas de tortura, que vivem num campo minado pela memória de horrores muitas vezes indescritíveis, a convenção representa um certo alívio. Digo "certo alívio" porque há aqui outra questão envolvida. Há cura para a tortura? Podemos, e devemos, punir duramente os torturadores. Mas, e os torturados? No mundo inteiro, jornalistas como eu têm sido detidos e torturados por defenderem pacificamente suas opiniões. Eles são vítimas da opressão oficial, como milhares de dissidentes políticos, artistas, intelectuais, menores e mulheres. Na Turquia, nas Filipinas, em El Salvador, na Síria, na Índia, na Etiópia, no Marrocos, temos inúmeros registros de mulheres torturadas, sexualmente humilhadas pelos agentes da lei e da ordem. Mesmo enfrentando graves dificuldades para denunciar as violações dos seus direitos, enfermeiras, professoras, advogadas, juízas, assistentes

POR RODOLFO KONDER

sociais, estudantes, jornalistas, religiosas, militantes e parentes de pessoas perseguidas têm revelado os abusos estarrecedores cometidos contra elas pelas autoridades. Os governos – cumpre lembrar – são responsáveis pelo respeito às normas internacionais de proteção aos direitos humanos. São os governos, portanto, que as vêm estuprando, em dezenas de países. Diante do torturador, olhamo-nos num implacável espelho. Nossa própria imagem se parte, fragmenta-se em mil pedaços. Isso não nos deixa mais espaço, por exemplo, para qualquer crença ingênua na bondade intrínseca dos seres humanos. A experiência da tortura torna as pessoas mais solitárias, deixa seqüelas quase insuperáveis. Sugere inclusive uma "síndrome do torturado", semelhante à "síndrome do prisioneiro da guerra".

RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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ACONTECEU NA ABI

Os desafios à liberdade de expressão nas Américas Membro de Relatoria da Corte Interamericana de Direitos Humanos expõe na ABI uma visão da liberdade de informação no Continente.

Um integrante da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados AmericanosOEA, o norte-americano Michael Camilleri, fez em 29 de maio uma exposição no Conselho Deliberativo da ABI em sua reunião ordinária de maio. O convite a Camilleri partiu da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI. Sua presença foi saudada pelo Presidente do Conselho, Pery Cotta, que afirmou que a sua visita era “uma forma de reconhecimento do trabalho que está sendo mantido pela ABI junto à sociedade brasileira”. Em resposta, Camilleri disse que encarava com grande prazer o convite e aproveitou para explicar o trabalho da Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da OEA, que foi criada exatamente para atender à classe jornalística: “Os jornalistas são o nosso principal público. Estar aqui com pessoas tão destacadas no jornalismo para mim é uma oportunidade muito importante. Estou muito agradecido pelo espaço que me está sendo concedido para falar sobre o trabalho da Relatoria”. Ele explicou que a Relatoria de Liberdade de Expressão foi criada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 1997 e tem várias Relatorias especializadas em temas distintos, como direitos das mulheres, das crianças, dos povos indígenas, entre outros. A Relatoria para Liberdade de Expressão tem certo grau de independência e foi criada para se dedicar especialmente ao tema. O fato de só existir uma Relatoria Especial é porque a Comissão entendeu que defender a liberdade de expressão seria uma maneira de “defender todas as gerações dos direitos humanos”, disse Camilleri: “Se garantimos a liberdade de expressão podemos prevenir a tortura, o racismo e a pobreza e de alguma maneira respaldar as sociedades democráticas, para não voltarmos ao passado e aos abusos que todos conhecemos e ocorreram na História recente nos países da América Latina”, disse Camilleri. Informou ele que desde a sua criação a Relatoria vem desenvolvendo um trabalho em vários campos. Ela acompanha os casos que estão tramitando na Comissão da Corte Interamericana sobre liberdade de expressão, acesso à informação, difamação, prisão e assassinatos de jornalistas, além das restrições indiretas aos veículos, como as que têm sido impostas aos jornais que apresentam opiniões críticas a determinados Governos. 14

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

DIVULGAÇÃO

P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

Michael Camilleri: Os jornalistas são o nosso principal público.

Camilleri falou sobre a publicação de um relatório anual sobre o que acontece no Continente. Os relatores visitam país por país da região, para reportar os avanços e os desafios enfrentados em matéria de liberdade de expressão: “Falamos sobre a aprovação de leis importantes, como as que determinam acesso à informação. Relatamos as ameaças, os assassinatos de jornalistas, processos judiciais movidos contra os profissionais e os ataques aos meios de comunicação”, disse. O relatório registra, também, informações sobre autoridades públicas que fazem discursos que põem em perigo a liberdade da imprensa. O documento registra os monopólios que impedem a pluralidade dos meios de comunicação e o debate democrático. Camilleri mencionou cinco temas que são encarados como os grandes desafios à liberdade de expressão na América Latina. O principal deles é a violência. Ele lembrou que no ano passado foram assassinados 28 jornalistas nas Américas e que a maioria dos casos permanece sem solução: “Os responsáveis nunca são encontrados. Quando se chega a uma condenação, o réu é o autor material e não o autor intelectual do crime”, afirmou. México e Honduras são países onde os jornalistas vivem atormentados pela onda de violência generalizada. Por isso, a Relatoria está trabalhando junto às autoridades locais e entidades de classe para que sejam criados programas de proteção a jornalistas e para que as investigações dos crimes contra a categoria se tornem eficazes. O relator da OEA assinalou que outro problema que precisa ser enfrentado é o uso do Direito Penal para calar autores de matérias críticas, por meio de processos de difamação, calúnia, desacato e injúria que

são movidos contra jornalistas ou defensores dos direitos humanos, que se atrevem a criticar aqueles que exercem o poder. “Há casos julgados na área cível com penas desproporcionais, que têm um efeito silenciador muito forte”, disse Camilleri. O terceiro desafio apontado por Camilleri são restrições usadas como censura indireta, embora os casos de censura direta sejam muito comuns na América Latina. Porém, os Governos passaram a usar, “com inteligência”, os mecanismos de censura indireta, fazendo uso da publicidade oficial para premiar veículos simpáticos ao regime e castigar aqueles que os criticam, a exemplo do que acontece na Argentina e na Venezuela. Segundo Camilleri, esse é um processo que pode ser desencadeado de várias maneiras. Uma delas é fazer uso de canais de radiodifusão para interferir na linha editorial dos veículos de comunicação: “Essa censura poderá ocorrer, também, por meio de um discurso público, que de algum modo, em situações muito polarizadas ou de conflito armado, cria um ambiente muito difícil para se criticar ou questionar o Governo em condições de segurança. Estes são exemplos de restrições diretas ao trabalho da imprensa”, afirmou o relator. O acesso à informação pública é apontado pela Relatoria como uma questão crucial. Camilleri disse que esse tema apresenta avanços importantes: mais da metade dos países das Américas contam com esse tipo de legislação; o Brasil foi o último país sul-americano a criar uma lei desse gênero. Para Michael Camilleri o quinto desafio da liberdade de expressão é a promoção de um debate plural e diversificado. Ele destacou que há uma enorme concentração de meios de controle e propriedade dos veículos de comunicação na América Latina e no Caribe: “Os Estados têm que ser proativos para tratar dessas questões, como a aplicação de leis antimonopólios e a criação de políticas públicas para legalizar e respaldar rádios comunitárias, que muitas vezes refletem as vozes de populações marginalizadas e praticamente destruídas”, declarou. O representante da OEA disse que os países podem criar uma série de medidas para que os povos tenham acesso a um número maior de pontos de vista sobre determinados assuntos: “É sobre esses cinco temas que estamos trabalhando muito, monitorando todos os fatos que estão ocorrendo nas Américas. Dependemos muito da informação que possamos receber de pessoas como vocês, para podermos fazer representações na OEA e agir adequadamente nas situações de

emergência e assim encontrar soluções para os casos que necessitam de atenção”, afirmou Camilleri. Diálogo

O Conselheiro Arcírio Gouvêa Neto quis saber de Camilleri qual a posição do Brasil no ranking de liberdade de expressão e avanço em legislação para proteção aos jornalistas. O relator novamente fez questão de ressaltar que não falava em nome da OEA, mas disse que em relação aos cinco desafios que apresentou há poucos países que não apresentam problemas. Camilleri disse que o Uruguai é o país da América Latina que mais avançou em relação à legislação de proteção aos profissionais da mídia. Atualmente, disse, os jornalistas uruguaios não sofrem qualquer tipo de coerção e desacato das autoridades locais no exercício da profissão. O Uruguai foi citado como exemplo interessante de um país que avançou. Segundo o relator, é importante verificar como alguns Estados conseguiram esses avanços, sobretudo aqueles que passaram por períodos autoritários: “Esse é um bom legado, um legado cultural que deve ser analisado país a país, pois cada um tem que seguir o seu processo. Vemos que o Brasil, com o fim da Lei de Imprensa e a instituição da Lei de Acesso à Informação Pública, tomou decisões importantes”, declarou. O Conselheiro Carlos Felipe Meiga Santiago perguntou ao relator sobre o caso da condenação do Brasil pela Corte Interamericana por não ter punido os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos ocorridos na Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1974. Camilleri ponderou que a sua visita ao Brasil tinha como propósito apenas difundir o trabalho da Relatoria sobre a liberdade de expressão; por essa razão não poderia se pronunciar oficialmente sobre essa questão, mas disse que a posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA é de que as graves violações de direitos humanos têm que ser punidas. Ele disse também que “as anistias não são compatíveis com as obrigações que os Estados assumem voluntariamente quando ratificam a Convenção Americana sobre direitos humanos”: “Esse é o princípio geral que se aplicou no caso do Araguaia. Qualquer ação ou omissão de um Estado que vai contra a obrigação assumida não vai ser aceita por parte da Corte Interamericana, que está supervisionando o cumprimento da sentença sobre o caso do Araguaia”, afirmou. Camilleri falou ainda sobre a posição da Relatoria sobre as leis que restringem a liberdade de expressão na internet. Ele disse que o trabalho sobre esse tema está apenas começando, e citou um projeto de lei que tramitava nos Estados Unidos, para proteger a propriedade intelectual e que restringia a liberdade de expressão na rede: “Junto com um relator da Organização das Nações Unidas foi feito um pronunciamento público propondo punições para os países que pretendem insistir com essa matéria. Por causa da pressão de organizações civis e empresas, como o Google, Yahoo e Wikipédia, o projeto de lei foi retirado. “Foi um movimento importante para respaldar a liberdade de expressão na internet”, afirmou.


O artista brasileiro que conquistou Nova York FRANCISCO UCHA

P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

Gutemberg Monteiro Farias Lemos é um baixinho modesto que, aos 16 anos de idade, saiu de Carangola, Minas Gerais, para tentar a sorte no Rio, trazendo na bagagem o dom para o desenho que o transformou em um gigante das histórias em quadrinhos. Quando jovem, queria mesmo era ser jogador de futebol. Quem o viu jogar diz que, apesar do pequeno porte – ele tem menos de um metro e meio –, jogava bem e poderia ter sido um craque com a bola nos pés. Porém, a dificuldade para conquistar uma vaga no time juvenil do Flamengo, devido à sua estatura, mudou a sua trajetória. O futebol, então, passou a ser apenas um hobby na vida de Gutemberg – ou Mr. Goott, como era chamado carinhosamente nos Estados Unidos –, que diz se sentir realizado com a escolha que fez pela carreira de desenhista. E graças ao talento para o uso do lápis e do pincel ele, literalmente, trocou os pés pelas mãos e transformou-se em um ícone da arte brasileira, com prestígio internacional. Em 4 de dezembro deste ano Gutemberg completará 96 anos de idade. Com mais de 60 anos de atividade – começou como ilustrador na década de 1940 –, o artista conquistou o reconhecimento devido ao estilo peculiar que criou para desenhar personagens famosos das histórias em quadrinhos, como Tom e Jerry. O fato de ter se tornado um artista famoso não tirou Gutemberg do conforto da sua simplicidade. Avesso à badalação, depois que retornou dos Estados Unidos – onde morou durante 40 anos, trabalhando para publicações, agências de publicidade e estúdios como os da Hanna-Barbera e Harvey – vive quietinho com a família em uma casa num subúrbio do Rio. Apesar da mineirice, se o assunto é desenho e futebol Gutemberg se sente à vontade e não dispensa “um dedo de prosa”. E foi assim, num clima de bom humor que ele se encontrou em 6 de junho com parentes, amigos, cartunistas e jornalistas na sede da ABI, no Centro do Rio,

tas Benício, Nilton Ramalho, José Menezes e Walmir Amaral, o evento contou com a participação do Presidente da ABI, Maurício Azêdo, do ex-Ministro e ex-Senador Bernardo Cabral, sócio da Casa e membro do seu Conselho Deliberativo, e dos Conselheiros Cecília Costa Junqueira, Alcyr Cavalcanti, Fichel Davit Chargel e sua esposa, Beatriz Santa Cruz Lima Chargel, também jornalista e sócia da ABI, e Sérgio Caldieri. O associado Francisco Ucha, idealizador da homenagem, disse que a motivação para essa iniciativa foi o fato de Gutemberg ser a inspiração de toda uma geração de desenhistas no Brasil. Goott, disse, é uma espécie de “pai dos desenhistas de quadrinhos brasileiros de sua geração”, desde o tempo em que iniciou sua carreira no Suplemento Juvenil, de Adolfo Aizen. “Foram quase 20 anos trabalhando e formando desenhistas e um dos primeiros a fazer parte da equipe de O Globo Juvenil. Ele é a base dessa turma toda. E por isso temos que prestar essa homenagem a ele, em vida, e aos seus contemporâneos, como Benício, Nilton Ramalho, Walmir Amaral e outros integrantes dessa turma”, disse Ucha, que é um dos editores do Jornal da ABI e foi o curador da exposição. “Gutemberg abriu o caminho para muitos dos desenhistas da sua época e também para os que vieram depois dele”, observa Ucha, destacando que o mais interessante é que ele, com quase 50 anos, decidiu se mudar para os Estados Unidos, sem conhecer uma palavra em inglês, para trabalhar nos maiores estúdios norteamericanos. Fez desde então obras memoráveis por cerca de 40 anos. “Isso não é para qualquer um. É uma história de vida fantástica”, salientou Ucha. Um artista realizado

Contemporâneos da época de Rio Gráfica, Benicio, Walmir Amaral, José Medeiros e Nilton Ramalho vieram prestigiar Gutemberg, que ganhou um desenho de Chico Ertyuipo, artista de Petrópolis.

onde falou sobre a sua trajetória. O encontro foi uma homenagem adornada por uma exposição de alguns dos seus mais importantes trabalhos, seguida de um bate-papo informal com os convidados

no Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI. Além da presença de antigos companheiros de Gutemberg, como os desenhis-

Há muito tempo os desenhos de Gutemberg não eram exibidos, publicamente, em uma mostra no Brasil. Na ABI, a última vez que o artista expôs seus trabalhos foi em 2001, a convite do então Diretor de Assistência Social, Domingos Meirelles. Em 2007, o artista foi agraciado com uma mostra especial pelo Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, que reuniu ilustrações, além de caricaturas, pinturas em óleo e desenhos dos heróis dos quadrinhos. Recentemente, no final de março, alguns trabalhos seus foram expostos na mostra coletiva Quadrinhos’51, que homenageou desenhistas de quadrinhos de sua geração. Depois que se consagrou como um dos

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FOTOS FRANCISCO UCHA

ACONTECEU NA ABI principais desenhistas da Rio Gráfica Editora, Gutemberg foi convidado para trabalhar nos Estados Unidos, para onde se transferiu em 1966. Em pouco tempo conquistou Nova York, onde foi muito requisitado para desenhar personagens famosos de histórias em quadrinhos. Só não ficou rico porque, como diz seu amigo Ziraldo, “é humildemente humilde” e não soube se impôr ao capitalismo norte-americano. Como ele próprio contou na ABI, Gutemberg passou bom tempo desenhando para grandes estúdios, que lhe davam um salário aquém do seu talento e do valor de mercado que se pagava na época pela ilustração de uma página. “Não sou ambicioso, devo aos amigos as exposições que faço dos meus desenhos e pinturas. Mas dei sorte, porque o que me projetou nos Estados Unidos foi exatamente uma técnica própria, bem brasileira, de desenhar e pintar que ninguém lá fora conseguiu até hoje imitar ”, disse, recordando o período que morou em Nova York. Tanta coisa boa aconteceu em sua vida no tempo em que morou em Nova York, que, segundo ele, “seria difícil enumerálas”. Mas lembrou da época em que passou desenhando caricaturas de políticos norte-americanos e foi convidado pela então primeira-dama Barbara Bush para visitar a Casa Branca, em Washington. “São coisas como estas que me deixam maravilhosamente feliz. Outra grande satisfação que tenho vem do tempo em que eu era professor de cartum numa escola nos Estados Unidos e recebi um convite para me transferir para outra instituição. Os alunos ficaram sabendo e me enviaram diversas cartas pedindo para que eu não fosse embora”, contou. Gutemberg se sente seguro em afirmar que está realizado profissionalmente. “Fiz a escolha certa. Deus fez de mim tudo o que Ele quis, eu é que acho que não fui suficientemente inteligente para ir além do ponto a que eu cheguei. Mas me dei muito bem e me sinto realizado profissionalmente e artisticamente. É maravilhoso! Eu não esperava que isso acontecesse na minha vida.”

O Presidente da ABI Maurício Azêdo recebeu o ex-Senador Bernardo Cabral. Também estiveram presentes desenhistas do grupo Caricatura Solidária, como José Roberto Lopes, Marcelo Magon e Liliana Graciela Ostrovsky (abaixo, à esquerda). O cartunista Adail e o jornalista Iarly Goulart, amigo de infância de Gutemberg, falaram durante a homenagem.

O mestre de uma geração

“O Goott é uma espécie de instituição para todos nós desenhistas e cartunistas que começamos a aparecer nos anos 1940. Ele é um ponto de referência que direcionou toda uma geração de artistas”, diz o cartunista Adail, que não chegou a trabalhar com Gutemberg, mas é grande admirador dos seus desenhos. No segmento artístico Gutemberg é considerado um desenhista completo, cujo traço ultrapassa qualquer convenção de estilística, justamente porque teve que desenhar todos os estilos nos estúdios em que trabalhou, desde os super-heróis até personagens infantis como Gasparzinho, Bolota, Brasinha, Tininha, entre outros. “Trata-se de um trabalho que extrapola essa questão do estilo, pois além de fazer o seu próprio trabalho ele fez com maestria o dos outros. Isso é

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O desenho feito por Walmir na década de 1960 para comemorar o aniversário de 48 anos de Gutemberg estava na exposição que homenageou o artista na ABI.

fantástico”, diz o cartunista José Roberto Leite, o Graúna. “O Gutemberg é uma pessoa fantástica que passou por muitas épocas e continua vivo para que a gente possa apreciá-lo. É uma honra conhecer uma pessoa como ele”, disse o cartunista Ota, que também esteve na ABI para prestigiar o veterano artista. O repórter-fotográfico e cinematográfico Iarly Goulart, amigo de Gutemberg desde os tempos de juventude, lamentou o fato de Goott, o desenhista, só vir a ser conhecido no Brasil a partir dos anos 1990. “No Brasil ninguém conhecia Gutemberg Monteiro, apesar de nos Estados Unidos ele ser um artista famoso. Mas isso se deve à sua simplicidade. Se ele fosse uma figura que gostasse de aparecer e badalar seria uma personalidade famosa dentro do seu próprio País”. O desenhista José Menezes, que veio de Petrópolis exclusivamente para cumprimentar o antigo companheiro, com quem trabalhou na Rio Gráfica e Editora, fez questão de ressaltar o lado humano do homenageado. “Eu só tenho a dizer que Gutemberg foi amigo, companheiro e orientador de todos os desenhistas que

chegavam para trabalhar na Rio Gráfica. Ele nunca se negou a nos ajudar, a dar suas sugestões nos desenhos que fazíamos”, disse Menezes. Ao se referir à Rio Gráfica, Menezes afirmou que ela mereceria um registro na história do universo artístico no Brasil. “É possível que se escrevam livros falando sobre outras editoras, mas sem dúvida alguma a Rio Gráfica foi o grande celeiro de desenhistas. O prédio onde estava instalada deveria contemplar duas de suas colunas com as figuras do Gutemberg e do Lutz, pois esses dois lançaram a semente que veio gerar, nos anos 1950, a Rio Gráfica e Editora”, disse. Menezes falou de sua felicidade por ter tido a oportunidade de reencontrar-se com Gutemberg na ABI juntamente com os ilustradores Walmir Amaral, Benício e Nilton Ramalho. “O que mais nos enaltece é ver ainda o nosso companheiro firme, recebendo essa nova homenagem que nós estamos agora vivendo e prestando a ele”. Benício, o grande criador de cartazes de filmes brasileiros, também foi um dos desenhistas que começaram a carreira na Rio Gráfica e tiveram a oportunidade de trabalhar com Gutemberg, que foi quem lhe deu os primeiros ensinamentos sobre ilustração. Não era um ensinamento didático, lembrou, mas uma orientação que se desenvolvia pela presença, pela conversa e pelo exemplo. Ele agradeceu ao amigo os ensinamentos que recebeu ao afirmar que “muito mais do que lhe escutar a gente tem gravado no nosso coração a nossa mocidade”: “Tudo o que nós pudemos absorver do seu conhecimento naquele tempo absorvemos. Estamos aqui hoje, desenhistas semi-consagrados e superfelizes, homenageando-o nesta festa bonita que você tanto merece”. A visão sobre o espírito de colaboração de Gutemberg é compartilhada também por Nilton Ramalho: “Ele foi um exemplo, porque, além de ser um grande artista, é um grande companheiro, amigo. Por isso, eu parabenizo a ABI por esta homenagem ao nosso grande Goott”. Walmir Amaral disse que aprendeu a desenhar com dois grandes mestres: um deles é Flávio Colin; o outro, Gutemberg Monteiro, a quem ele agradece por tê-lo incluído no círculo das histórias em quadrinhos e hoje ter seu nome relacionado ao lado dos mais respeitados artistas do ramo. Os ensinamentos ficam

No final do encontro, Gutemberg também ouviu palavras elogiosas do caricaturista baiano Jeff Bonfim, do Grupo Caricaturas Solidárias, que se declarou honrado com a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Os ensinamentos que Goott passou para toda uma geração, disse Bonfim, vão perdurar. “Nós passaremos, mas o seu ensinamento continuará, porque houve uma atitude, um querer, um amor à arte”, afirmou o caricaturista. “A sua grandiosidade, luminosidade e brilho são coisas que lhe pertencem, e a cada um de vocês (referindo-se aos outros desenhistas presentes). Eu quero deixar o meu agradecimento e dizer que me sinto muito honrado de fazer parte dessa nova geração que admira desenhistas como o senhor ”, declarou Bonfim.


DEPOIMENTO

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FRANCISCO UCHA

erdadeira lenda da ilustração, Gutemberg Monteiro é um dos maiores desenhistas brasileiros vivos. Mineiro de Faria Lemos, nasceu em 4 de dezembro de 1916 e estreou em 1934 nas páginas do Suplemento Juvenil, de Adolfo Aizen, mas logo transferiu-se para a publicação concorrente, O Globo Juvenil, de Roberto Marinho, na qual trabalhou por mais de 20 anos fazendo ilustrações para capas de diversas revistas e histórias em quadrinhos. Depois de recusar inúmeros convites para trabalhar nos Estados Unidos, principalmente porque não sabia falar inglês, Gutemberg finalmente acabou cedendo: aos 48 anos, com uma sólida carreira no Brasil, deu uma guinada surpreendente em sua vida. Em 1966 mudou-se para Nova York e começou a fazer trabalhos para um estúdio norte-americano responsável por diversos projetos de quadrinhos e livros infantis de famosos personagens, tais como Superboy, Capitão América, Batman, Dick Tracy e Bonanza. Na terra do Tio Sam, Goott – como ficou conhecido – começou a chamar a atenção de outros grandes editores e passou a fazer diversos trabalhos para a Archie Comics, Marvel, Charlton e Western Publishing. Depois migrou para a publicidade, onde ficou algum tempo trabalhando nessa área. Mas depois de poucos anos retornou para os quadrinhos, onde produziu para os estúdios Harvey e Hanna-Barbera. Dentre os personagens que estiveram sob sua responsabilidade nesse período destacam-se Gasparzinho, Brasinha, Bolota, Riquinho, entre muitos outros. Ele desenhou durante mais de 15 anos a página dominical e as tiras de jornal de Tom & Jerry. De volta ao Rio de Janeiro há cerca de um ano, Gutemberg não desenha mais e está prestes a voltar para os Estados Unidos. Não sem antes receber o Jornal da ABI para uma conversa descontraída. Bem-humorado, falou sobre sua carreira e sua vida nos Estados Unidos. E nos confidenciou, do alto dos seus 95 anos: “Estou ficando velho. Acho que vou ter de comprar óculos!”

Desenho que Benicio fez e presenteou Gutemberg antes de sua mudança para os Estados Unidos. Na foto ao lado, o mestre do traço emocionado ao ouvir as homenagens que recebeu dos amigos na ABI.

Um ilustre desenhista brasileiro Um dos grandes desenhistas do País, Gutemberg Monteiro começou sua atividade na década de 1930 e fez sólida carreira no Brasil e nos Estados Unidos, onde trabalhou durante 40 anos para as maiores empresas de quadrinhos. POR FRANCISCO UCHA

Jornal da ABI – O senhor nasceu em Carangola? Gutemberg Monteiro – Eu nasci em Faria Lemos, na fazenda do meu pai, que ficava em Cumbuca, um arraialzinho da região. Ele era filho de portugueses e só gostava de negras; todas as mulheres do meu pai foram negras. Ele saiu de Cumbuca e foi para São João do Soca, onde não havia escola. Então ele me levou para Carangola e me deixou na casa de um primo dele para que eu pudesse estudar. Mas esse primo não gostava de negros. E eu era meio branco, meio negro. Jornal da ABI – E sofreu muito preconceito na infância? Gutemberg – Sim. Mas, de qualquer maneira, eu era filho da casa. Ali eu fiz o grupo escolar, depois de quatro anos eu tirei o diploma com distinção e o Prefeito da cidade me colocou no ginásio para estudar. Jornal da ABI – Como descobriu o dom do desenho?

Gutemberg – Desde criança. Comecei a desenhar com 14 anos. Eu fazia desenhos para os colegas na escola; como fazia muito bem feito, eles pediam para eu fazer. Fiz amizade com o Prefeito de Carangola por causa dos desenhos. Numa festa do colégio, tive de desenhar a caricatura do Getúlio Vargas e do Olegário Maciel, que era o Governador de Minas. Os velhos que estavam me criando morreram e, ao invés de ser filho da casa, eu passei a ser empregado; o dono da fazenda cismou que eu não podia continuar estudando, pois os empregados não podiam estudar e eu peguei um dinheiro e fugi para o Rio. Estava com 16 para 17 anos. Eu não podia comprar passagem em Carangola porque era garoto ainda, tinha que ter alguém comigo. Então um camarada se apresentou e ficou com o meu dinheiro. Cheguei no Rio de Janeiro sem um tostão. Estava sentado na estação da Leopoldina, e um guarda me perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu contei a história, e ele

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No Brasil, Gutemberg fez capas de revistas e histórias em quadrinhos, entre elas, várias sobre a campanha da FEB para a Revista do Expedicionário.

me levou para a casa dele, em Maria da Graça. Passei lá uns dias e ele me levou para uma sapataria na Rua Fonseca Teles, que foi o meu primeiro emprego no Rio. Cheguei a fazer calçados femininos, que eram costurados a mão. Isso foi em 1932. Fui morar então na casa de um amigo, perto do campo do Vasco, e a Cinédia era ali do lado. Quando descobriram que eu desenhava, me colocaram na Cinédia para ajudar a desenhar cartazes. Foi quando apareceu o meu irmão mais velho, que já estava no Rio há muito tempo. Jornal da ABI – Como foi esse encontro? Gutemberg – Meu irmão trabalhava no Suplemento Juvenil, do Adolfo Aizen, e foi à Cinédia entregar trabalho lá e me viu e falou assim: “Escuta, você não é o Deca?” Deca era o meu apelido de infância. E eu disse: “Sou”. E ele: “Eu sou o seu irmão, rapaz! Eu sou Arlindo!” Jornal da ABI – Por que você não o procurou logo que chegou ao Rio? Gutemberg – Eu não sabia onde ele estava. Sabia que ele tinha saído de Carangola, mas não sabia para onde tinha ido. Então o meu irmão me levou para a casa dele e me colocou numa litografia. Foi ali que eu comecei a desenhar mesmo. Fazia cartaz, aquela coisa toda. Jornal da ABI – O que o seu irmão fazia? Gutemberg – Ele era chofer, fazia as entregas para o Senhor Aizen (Adolfo Aizen). Trabalhei nessa litografia durante três ou quatro anos, e em 1937... ou 38, – ele me levou para o Suplemento Juvenil. Foi aí que aprendi a desenhar histórias em quadrinhos! Em 1942 eu fui para O Globo Juvenil. Passei a desenhar as capas do Gibi, do Globo Juvenil, Biriba, X-9. Aí foi crescendo e O Globo Juvenil passou a se chamar Rio Gráfica e Editora e foram surgindo mais e mais revistas. Nós fomosparaumedifíciodequatroandares e aquilo foi crescendo e construíram um edifício de cinco andares. Foi quando apareceu uma meninada* que começou a trabalhar comigo. Jornal da ABI – Quantos desenhistas existiam na empresa antes de a RGE ser criada? E depois como ficou? Gutemberg – No início eram poucos, apenas três desenhistas. Mas quando foi criada a Rio Gráfica começou aumentando. Eu sei que quando fui para os Estados Unidos já eram 12 ou 13 desenhistas. Jornal da ABI – O Aizen ficou chateado com o senhor por ter saído do Suplemento Juvenil? *Gutemberg se refere aos desenhistas Benício, Walmir Amaral, José Menezes, e tantos outros que começaram suas brilhantes carreiras na RGE.

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Gutemberg – Não ficou, não. Ele me tratava muito bem, sempre contente. Eu também estava sempre alegre, nunca tive cara amarrada. Jornal da ABI – Como foi essa época no Globo Juvenil? Gutemberg – Eu o Roberto Marinho festejávamos juntos os nossos aniversários. Ele era do dia 6 e eu, do dia 4 de dezembro. Ele era onze anos mais velho do que eu. Foi no Globo que começou a minha vida mesmo, desenhando capas do Globo Juvenil e do Gibi. Quatro, cinco anos depois, comecei a trabalhar também para a Embaixada Americana, em São Paulo. Eles ficaram encantados com o meu trabalho e já queriam me levar para a América, mas eu não podia deixar o Brasil porque tinha família aqui, não sabia falar inglês, não tinha nada, então fiquei enrolando eles. Jornal da ABI – Como foi a chegada do Walmir, do Benício, dessa “garotada” na Rio Gráfica? Gutemberg – Walmir chegou garoto, com 16 anos. Benício também. Todo mundo aprendeu comigo. Tinha uma porção de letristas, pois as letras eram feitas a mão. O Menezes era o chefe da seção. Jornal da ABI – E o Primaggio? Gutemberg – O Primaggio tinha aparecido algumas vezes, mas ainda não trabalhava lá. Depois ele foi contratado. Jornal da ABI – E como você decide aceitar a proposta para trabalhar nos Estados Unidos?

Gutemberg – Um amigo levou trabalhos meus para a América e os mostrou a uma empresa. Então eles mandaram um contrato para mim. O pessoal da Rio Gráfica viu o contrato e me aconselhou a ir, prometendo que quando eu voltasse seria chefe da seção de desenho. Então aceitei. Mas quando eu vim ao Brasil dois ou três anos depois, a Rio Gráfica tinha me colocado no Ministério do Trabalho como abandono de emprego, e eu perdi 25 anos de direitos trabalhistas. Jornal da ABI – Então foi uma jogada para não pagar os seus direitos? Gutemberg – Disseram para o Roberto Marinho que eu tinha abandonado a empresa. Ele não sabia que eu havia ido para a América. A direção da Rio Gráfica foi se modificando de uma maneira que foi um caso muito sério. Não tinha mais amigos ali dentro. Até o Djalma Sampaio, que tinha um cargo alto e era muito meu amigo, ficou diferente comigo. Muitos anos depois, eu voltei ao Brasil e fui no Globo visitar um amigo lá, e encontrei o Roberto Marinho. E ele me perguntou por que eu tinha abandonado a empresa. Eu falei qie não tinha abandonado e contei a história para ele. E ele quis me trazer de volta para o Brasil, mas eu tinha um contrato nos Estados Unidos e teria que esperar terminar. Jornal da ABI – Em qual empresa você começou a trabalhar nos Estados Unidos? Gutemberg – Era o Jason Studio (Jason Comic Art Studio). Eu fazia ca-

pas para publicações infantis. Foi lá que comecei a aprender inglês. Também ajudei a desenhar o Batman e o Capitão América. Eles faziam o esboço e eu fazia a arte- final. Depois veio Superman jovem, o Superboy. Éramos em quatro desenhistas quando eu entrei. Quando estava lá, me chamaram em Washington: a Embaixada Americana queria que eu fosse funcionário público, mas eu não podia quebrar o contrato com o estúdio, que foi crescendo, e quando eu saí tinha onze desenhistas. Eu deixei o Jason para ganhar dez dólares a mais por semana em uma empresa de propaganda e aquele estúdio durou mais dois ou três anos e fechou. Fui trabalhar numa empresa de propaganda em Nova York, que fazia cartazes e desenhos para revistas. Ficava no 15º andar. Éramos sete desenhistas lá. Cresceu de uma maneira que ela foi obrigada a alugar meio andar para poder continuar. Eu saí e fui para uma outra empresa para ganhar um pouco mais. Depois que eu saí, a empresa durou uns onze meses e fechou. Trabalhei 11 meses e depois saí e fui para Nova Jersey e comecei a trabalhar lá, mas ganhava uma miséria. Jornal da ABI – Mas você não foi para ganhar mais? Gutemberg – Sim, mas ainda era pouco para o desenhista que eu era. Mas isso eu só fui descobrir muitos anos depois, quando um desenhista daqui de São Paulo foi para lá e me chamou para ajudá-lo. Ele me deu três ou quatro páginas de quadrinhos para fazer. Eu ganhava U$ 150, U$ 120 por página, e ele me pagou

U$ 700. Eu fiquei olhando assim e falei: “Puxa, setecentos dólares?” E ele disse: “Vale mil dólares cada página”. Jornal da ABI – Quanto tempo você ficou na área de propaganda? Gutemberg – Eu fiquei uns três ou quatro anos. Então deixei a propaganda e voltei para os quadrinhos. Fui para a agência da Harvey Comics, em Nova York, que fazia Riquinho, Brasinha, Bolota, tudo isso. Fiquei três anos ali. Quase que eu morri, porque o estúdio era fechado e os camaradas que trabalhavam lá dentro fumavam charuto. Ficava tudo enfumaçado e isso começou a me fazer mal. Mas minha sorte era tão grande que a Harvey começou a crescer e foi para o edifício Paramount, onde alugou um quarto do segundo andar. Fiquei cinco anos na Harvey. Daí fui convidado pelo estúdio Hanna-Barbera para desenhar o Tom e Jerry. O desenhista que trabalhava comigo, que fazia esboços, pegou o Tom e Jerry para fazer, mas ele não conseguia desenhar conforme eles queriam, então passou para mim. Eles pagavam U$ 120 a 150 por página, eu fazia tudo, só não escrevia. Jornal da ABI – Não era pouco? Gutemberg – Era, mas eu ainda não sabia e achava que estava tudo bem. Fazia o Tom e Jerry em casa, páginas e tiras. Era facílimo de desenhar, fazia uma página por semana, ficava pronta em dois dias e sobrava tempo para fazer outras coisas. Desenhei Tom e Jerry durante dezesseis anos; assinava minhas páginas como Goott. Às vezes eles pediam que eu entrasse na história do Tom e Jerry, mas o camarada que escrevia só me fazia apanhar dos personagens. (risos) Recebi convites para ir para a


Gutemberg chegou a aparecer nas histórias do Tom & Jerry (na página ao lado), personagem que ele mais gostou de desenhar. Abaixo, arte para a capa da revista Lotta (Bolota, no Brasil). Ao lado, um desenho do Fantasma para a RGE, que Gutemberg deu de presente para o amigo José Menezes.

Europa, trabalhar na Espanha, na França, na Itália, na Alemanha, onde eu iria trabalhar com um português. Jornal da ABI – E por que o senhor não aceitou ir para a Europa? Gutemberg – Medo. E eu estava muito bem nos Estados Unidos. Inclusive na música, como compositor. Tenho quatro músicas gravadas por cantores americanos. Jornal da ABI – O senhor escrevia as letras? Gutemberg – Tudo, a melodia e os versos, tudo em inglês. Eu estudei música quando criança. Quando meu pai foi para São João do Soca, lá no meio da mata, um farmacêutico abriu uma escola de música lá e o pai me colocou na escola para aprender flauta. Mas eu era muito franzino, muito fraquinho, conforme ia tocando a flauta eu ficava tonto. Então me passaram para o sax. Jornal da ABI – E como as suas músicas chegaram aos cantores americanos? Gutemberg – Eu tive de cantar as músicas para que o pianista fizesse as partituras para registrar. Não sei quem foi que as descobriu, mas me pediram uma delas e eu mandei para uma agência de músicas. Jornal da ABI – Quando apareceu aquele desenhista que lhe pagou U$ 700 por página? Gutemberg – Um ano ou dois antes de terminar com o Tom e Jerry. Foi quando a Hanna-Barbera me ofereceu um contrato para trabalhar em Orlando e fazer desenhos animados para a televisão e o cinema. O interesse deles era grande porque eu fazia o trabalho barato. Mas eu não podia ir para Orlando, porque ainda tinha um contrato em Nova York. O serviço foi para um argentino, que não quis seguir o meu estilo e acabou com o Tom e Jerry. Porque, depois disso, eu nunca mais vi revistas do Tom e Jerry, nem tiras no jornal. Então, passei a trabalhar só em casa. Os políticos estavam

no meu calcanhar nessa época, porque eu fazia caricaturas para eles. Aí me convidaram para dar aulas de cartum para crianças na escola pública.

Gutemberg – Cheguei. Era um serviço extra que eu fazia em casa. Fiz o Ursinho Puff, Bambi, para as revistas. Jornal da ABI – E a série Recordes Mundiales, como foi? Gutemberg – É o que queriam que eu fosse desenhar na Europa. Desenhei dos Estados Unidos durante uns quatro ou cinco anos.

Jornal da ABI – Quando você começou e quanto tempo ficou dando aulas? Gutemberg – Em 1984. Fiquei uns três anos. Jornal da ABI – As crianças gostavam? Gutemberg – Eu ainda tenho cartas e cartas das crianças se despedindo de mim. Porque eles me tiravam de uma escola e passavam para outra, e as crianças da escola me escreviam cartas pedindo que eu continuasse, que me amavam. Eles me chamavam de ‘Uncle Goott’. Jornal da ABI – Como foi a sua adaptação nos Estados Unidos, sem saber falar inglês? Gutemberg – Tinha desenhistas hispanos em Nova York e eles traduziam para mim. Eu levei uns três anos para entender a língua, tive de estudar, tirei diploma e tudo. Inglês e espanhol, tive de aprender os dois. Aí tudo ficou mais fácil para mim, foi uma delícia. Quando eu trabalhava em Nova Jersey, comecei a me aborrecer porque eles contratavam desenhistas hispanos que não sabiam falar inglês e pagavam uma miséria para o camarada. Jornal da ABI – O senhor sentiu algum tipo de preconceito por ser latino? Gutemberg – Não. O brasileiro não é malquisto lá não. A única coisa nos Estados Unidos de que se queixam é do político brasileiro; que só tem ladrão. Jornal da ABI – Eles falavam isso na década de 1980? Gutemberg – Não, atualmente. Depois que eu comecei a ter contato com os políticos é que eu escutei isso.

Jornal da ABI – Você desenhava para os Syndicates nos Estados Unidos? Gutemberg – Sim, trabalhei para a King Features por um ou dois anos. Fiz uma porção de trabalhos.

Se eu tivesse entrado no meio político teria me dado bem. Mas foi justamente na época em que eu tinha contratos com os estúdios. Jornal da ABI – A gente pode dizer que o resumo da sua vida é felicidade e sucesso? Gutemberg – Ah, é. A única coisa é que estou ficando velho e ficando confuso. Hoje, quando eu vou escrever uma história, misturo tudo. E daqui a pouco acho que vou começar a ter que usar óculos. Jornal da ABI – O senhor ainda desenha? Gutemberg – Não desenho já tem uns três anos, desde que eu deixei a escola. Jornal da ABI – Mas que história é essa de jogar pelo Flamengo quando o senhor era jovem? Gutemberg – Isso foi quando eu vim de Minas. Eu estava com meus 18 anos quando me levaram para jogar no juvenil do Flamengo. Cara de garoto, procedimento de garoto, e como eu jogava muito bem o futebol, me colocaram no juvenil. Mas eu fazia muita besteira e acabei deixando. Eu ainda tenho a camisa do Flamengo e as chuteiras daquele tempo guardadas comigo. Joguei uns dois ou três jogos, mas não foi no campeonato. Lá nos Estados Unidos também joguei muito, não profissionalmente, claro! Jornal da ABI – O senhor acompanhou a trajetória do Pelé no Cosmos? Gutemberg – Ah! O meu filho caçula, que está nos Estados Unidos... era para ele substituir o Pelé no Cosmos, porque o cartaz dele era muito grande nas escolas. Eles queriam que ele substituísse o Pelé quando se aposentou e saiu. Mas meu filho não podia deixar a escola, ele estava estudando.

Jornal da ABI – Como foi esse período? Gutemberg – Eu coloquei o Pelé numa das minhas músicas de Carnaval que eu fiz na América. Certa vez eu estive no escritório dele e vi que as mulheres que trabalhavam lá eram todas apaixonadas pelo Pelé. Cheguei a jogar com o filho dele, o Edinho, antes de ele ir para o gol. Eu tenho uma fotografia do meu jogo de despedida do futebol, recebendo um troféu. Jornal da ABI – Como foi esse problema no joelho? Gutemberg – Foi jogando pelo time da minha igreja. Fomos jogar contra o time da igreja do Bronx, que tinha mais americanos do que hispanos e brasileiros. Foi justamente um americano que estourou o meu joelho. Ele chutou, errou a bola e pegou a rótula do meu joelho. Já fiz três operações. Depois me disseram que o camarada que chutou meu joelho parou de jogar. Americano não aprende a jogar bola de jeito nenhum. Na época em que eu estava dando aula de cartum para as crianças, me convidaram para ensinar as crianças a jogar bola e ganhar U$ 50 por hora. Quem estava ensinando as crianças eram alguns europeus que muito mal sabiam chutar e cabecear a bola, não sabiam fazer mais nada. Se eu estivesse com o joelho bom, estaria ganhando bem. Várias escolas me queriam. Jornal da ABI – Qual personagem o senhor mais gostou de fazer? Gutemberg – Tom e Jerry. Jornal da ABI – E na época da Rio Gráfica? Gutemberg – Depois que eu passei a fazer as capas de X-9, Meia Noite, Cinderela, passei a gostar mais delas. Jornal da ABI – Chegou a fazer coisas para a Disney?

Jornal da ABI – Você concorda que as histórias sejam publicadas sem o crédito dos autores? Gutemberg – Eu não sei o motivo, mas em muitos lugares eles não permitem que o artista assine mesmo. Às vezes são dois ou três desenhistas para fazer o mesmo desenho. De muita coisa eu só fazia a arte-final. Jornal da ABI – O senhor sentia saudades do Brasil? Gutemberg – Não, porque estava sempre ocupado. Tinha muita coisa para distrair. Jornal da ABI – Então o senhor se adaptou muito bem nos Estados Unidos... Gutemberg – Porque eu era muito bem tratado. Jornal da ABI – O senhor tem alguma mágoa do tempo que trabalhou aqui no Brasil? Gutemberg – Não. A única mágoa que eu tenho é da Rio Gráfica ter me roubado todos aqueles anos. Mas aqui me dei bem em todo lugar em que trabalhei, como lá na América também. Jornal da ABI – Mesmo perdendo esse dinheiro, não foi melhor ter ido para os Estados Unidos do que ter seguido carreira no Brasil? Gutemberg – Eu estava bem na Rio Gráfica, e na América também fiquei muito bem, para mim foi tudo muito bom! Jornal da ABI – Há quanto tempo voltou para o Brasil? Gutemberg – Já tem um ano que estou aqui. Jornal da ABI – Por quê o senhor voltou? Gutemberg – A minha intenção era justamente realizar o meu sonho de uma exposição, porque esse material que eu tenho não quero guardar para o resto da vida. O que for possível vender, vendo. O que sobrar eu dou para as crianças.QueriadoarparaoCriançaEsperança, mas pelo telefone a gente só fala com uma máquina. Estive lá na Rede Globo duas vezes e não me deixaram passar da portaria. JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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INTERNET

Foi na edição 342 do Jornal da ABI, de junho de 2009, que este repórter assinou matéria sobre uma iniciativa pioneira da Petrobras que, no dia 4 daquele mês, lançara um site no qual publicava perguntas da imprensa e as suas respostas oficiais, por vezes antes mesmo de elas serem divulgadas pela mídia. Na ocasião, a estratégia de comunicação da empresa gerou polêmica. Pois bem. Três anos se passaram e agora o blog Fatos e Dados volta à pauta com algumas novidades, modificações e, acima de tudo, amadurecido. “O blog cumpriu a sua missão inicialmente programada. Foi criado para dar transparência aos posicionamentos da empresa frente aos desafios apresentados pela CPI da Petrobras, naquele ano de 2009, dando acesso a toda a sociedade aos dois pontos de vista em evidência: o posicionamento da Companhia versus a abordagem da imprensa com relação a estes mesmos pontos de vista. A iniciativa permitiu que a estatal apresentasse os esclarecimentos com relação a todos os pontos levantados pela CPI e desse transparência à forma como se deu o seu diálogo com os jornalistas”, recorda a Gerência de Imprensa da empresa, em resposta à pauta enviada pelo Jornal da ABI. De início, parte da imprensa sentiu-se ameaçada, intimidada ou apenas incomodada com a presença de um blog oficial da Petrobras, que se propunha a complementar as notícias veiculadas na mídia. Na verdade, quando começou a postar as perguntas feitas pelos jornalistas de diferentes veículos juntamente com as respostas, a empresa o fez antecipando-se à publicação oficial da matéria. A medida gerou controvérsia, e a imprensa queixou-se de que a estatal estaria ‘furando’ os veículos ao divulgar as informações antecipadamente às reportagens. Mas, dessa rejeição inicial, como será que, ao longo dos últimos três anos, se estabeleceu a relação entre a assessoria da Petrobras e os veículos de rádio, televisão, jornais e mesmo internet? Será que, hoje, ainda persistem conflitos? “Aquelas queixas iniciais motivaram a revisão do timing do blog e a Petrobras passou a publicar os conteúdos somente à meia-noite, ou seja, à zero hora do dia em que a matéria supostamente seria publicada pelo veículo, cuja data era informada pelo jornalista responsável. A estratégia de pronta resposta da Gerência de Imprensa a ataques e ilações de alguns veículos e sua publicação no blog mostrou-se bem sucedida para a imagem da companhia e para reforçar o seu posicionamento junto aos veículos e à opinião pública. Apesar de toda a polêmica inicial, à medida que o blog passou a ser mais e mais utilizado como referência para a imprensa e a ter crescente credibilidade, passou a assumir também o papel de ‘fonte oficial’ da empresa. Em alguns momentos, a imprensa chega a utilizá-lo para confrontar a própria Petrobras”, explica a Gerência. O grande desafio da construção do blog foi garantir o respeito à opinião dos leitores, dada a interatividade que é um dos pilares dessa ferramenta. Para tanto, decidiu-se que todos os comentários seriam publicados, desde que vinculados ao 20

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

O combustível que faltava à Petrobras Ao completar três anos no ar, o blog Fatos e Dados firma-se como instrumento de comunicação da estatal, garantindo transparência na relação entre a empresa e a mídia e estreitando os laços entre a Petrobras e seus consumidores. P OR P AULO C HICO

tema da postagem e que não tivessem ofensas a pessoas. Essa postura permitiu um crescimento da credibilidade do blog. Hoje, o espaço cumpre papel importante sob o ponto de vista de gestão de crise e como canal de comunicação interativo e dinâmico. Em situações extremas, o blog tem a possibilidade de divulgar todas as informações pertinentes ao caso de maneira rápida e precisa. Esse binômio encontra ambiente favorável na internet, graças à sua facilidade e velocidade de atualização. Dessa forma, a Petrobras tem conseguido se comunicar diretamente com a sociedade, minimizando interferências decorrentes das interpretações dos fatos pela mídia. “Após a crise da CPI, o blog reposicionou-se para além de ferramenta de comunicação estratégica em situações de crise e se consolidou como canal de comunicação interativo e dinâmico, aproximandose dos leitores através dos assuntos relevantes para a companhia. Além da introdução de uma ‘agenda positiva’ – com postagens sobre assuntos relativos ao nosso universo de atividade –, passamos a ser cada vez mais utilizados como instrumento de comunicação rejuvenescedor da marca, através de inovações, como as entrevistas participativas, e de postagens mais informais sobre temas variados, como patrocínios culturais e ambientais, repercussão de matérias sobre a estatal na imprensa nacional e internacional, concursos culturais, entre outros”, aponta o setor de imprensa. Transparência informativa

Tal estratégia parece já somar bons resultados. O Fatos e Dados recebeu os prêmios Gold Quill Awards 2010, na categoria Excellence; Golden World Awards (International Public Relations Association – IPRA); Aberje/RJ-SP e foi finalista do Top 10 Who Are Changing the World of Internet and Politics. No momento em que o País aprova uma Lei de Acesso à Informação, a iniciativa da estatal chegou a ser citada pelas entidades Politics Online e World e-Democracy como um dos experimentos mais importantes de transparência informativa realizados nos últimos anos no Brasil. De acordo com o site Politics Online, o blog oferecia “real liberdade democrática, que era impossível com as mídias tradicionais, como jornais e emissoras de tv”. A Petrobras foi, recentemente, uma das

principais ganhadoras do prêmio “Empresas que Melhor se Comunicam com Jornalistas”, promovido pela revista Negócios da Comunicação. E parece fazer seguidores não somente nas redes sociais, mas também no campo da comunicação institucional online. Recentemente, os Correios e o Ministério do Trabalho lançaram blogs com livre inspiração no Fatos e Dados. Talvez não por acaso, pelo terceiro ano consecutivo, a Petrobras ficou em primeiro lugar no ranking de marca mais valiosa do Brasil, promovido pela Consultoria BrandAnalytics e pelo Instituto inglês Millward Brown. Também conquistou a liderança no ranking ‘50 Marcas Mais Valiosas da América Latina’. Com valor de R$ 19,7 bilhões, a companhia superou marcas como a mexicana Telcel, além das brasileiras Bradesco, Itaú, Skol e Banco do Brasil. Tal feito se deve, sobretudo, à excelência da companhia em seu ramo de atividades. Mas quem há de negar que, nesse reconhecimento de mercado, exista ao menos uma pontinha de contribuição do setor de comunicação? “O Fatos e Dados abriu uma nova fronteira no relacionamento da Petrobras com a sociedade. Seu principal mérito foi ter quebrado paradigmas e motivado uma ampla discussão sobre o formato clássico de relacionamento entre as fontes de

informação empresariais e a imprensa. Formadores de opinião, como jornalistas, acadêmicos e comunicadores se manifestaram, nos primeiros momentos de existência do blog, a respeito da inovação, muitos dos quais destacando o papel do veículo como um marco no processo de construção de uma nova correlação de pesos mais democrática, na qual a possibilidade de acesso ao que é dito e ao que é publicado é total, permitindo que o leitor construa a própria opinião, de forma isenta de interferências ou erros”, conceitua a Gerência de imprensa. E a escolha dos assuntos a serem tratados no blog também ocorre de forma transparente, garante o setor. “Durante a CPI, o blog era gerido por uma equipe multidisciplinar composta por diversos representantes da Comunicação Institucional. Hoje a dinâmica da equipe para elaboração de pautas consiste na leitura do clipping sobre a empresa e identificação dos principais assuntos da ‘pauta do dia’, ronda por blogs e redes sociais, consulta à Agência Petrobras de Notícias, além de alinhamento à estratégia de comunicação da casa e atendimento às demandas oriundas de suas diversas áreas”. Todas as postagens publicadas são abertas a comentários, o que favorece a aproximação com o público. Além de se manifestarem, os leitores encontram um canal para esclarecer dúvidas sobre temas pertinentes – um diálogo que continua nas redes sociais. O blog facilita o compartilhamento de conteúdo relacionado à Petrobras nas redes sociais por meio de botões disponíveis em cada publicação, iniciando conversas e trazendo informações para discussões que estão acontecendo. O perfil de Twitter @blogpetrobras é um canal de disseminação de informações, troca de mensagens, esclarecimentos e relacionamento. Às vezes, o que está em pauta nas redes sociais acaba se tornando pauta do blog. No Facebook, a conversa segue a mesma dinâmica, alimentando pautas, gerando conversas e trazendo insights para novos projetos. No final de 2010, uma pesquisa apontou que a audiência do blog está concentrada no Sudeste, com maior destaque para o Estado do Rio de Janeiro, onde está a sede da Petrobras. A maior parte dos leitores (77%) são homens, cerca de um terço do público faz parte da força de trabalho da empresa, 35% têm mestrado/ pós-graduação/doutorado e a média de idade está entre 45 e 54 anos. Hoje, o espaço acumula mais de 11 milhões de visitas. E, ao completar três anos no ar, aponta para o futuro. Um novo leiaute foi inaugurado neste aniversário, uma ocasião oportuna para rejuvenescer a marca e alinhar a identidade do Fatos e Dados à presença digital da empresa. Foi dado maior destaque às atualizações do @blogpetrobras, ao canal do Youtube e a trabalhos acadêmicos sobre o blog. Outras pequenas modificações serão feitas, gradualmente, para tornar o conteúdo cada vez mais acessível.


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DATA

Os jornalistas e a data mais celebrada do País Pelo menos seis dias distintos celebram ao longo de cada ano no Brasil a profissão de quem trabalha nas Redações. P OR G ONÇALO J ÚNIOR

Se há algo que as assessorias de imprensa brasileiras não deixam passar em branco são as datas para comemorar o dia do jornalista no País. Sim, porque são mais de uma. Seis, para ser preciso: 24 de janeiro, 29 de janeiro, 16 de fevereiro, 3 de maio, 1º de junho e, desde 1992, no Estado de Mato Grosso, foi estabelecido o 31 de outubro como Dia do Repórter Político – aniversário do jornalista e deputado Augusto Mário Vieira, cassado pela ditadura na década de 1960. Nos Estados Unidos o dia é comemorado em 8 de agosto. Na China, em 8 de novembro. O normal seria uma apenas durante ano, como acontece com qualquer profissão – médico, dentista, advogado, secretária, empregada doméstica etc. Tantas ocasiões implicam mandar votos por e-mail e outras redes sociais, além de presentinhos para agradar quem trabalha nas Redações. O que quem lida com jornalismo não sabe, em sua maioria, é por que esses dias foram escolhidos e jamais unificados. Certo é que em todos os casos ocorreram fatos importantes que justificam a escolha. No 24 de janeiro, por exemplo, é festejado o dia do santo francês São Francisco de Sales (1567-1622), bispo e doutor da Igreja Católica, patrono dos escritores e dos jornalistas. Nascido de família rica de barões, primeiro de treze filhos, Sales se tornou famoso por, sozinho, ter reconvertido 8 mil calvinistas ao catolicismo e pela quantidade impressionante de escritos que legou à Humanidade – aos católicos, ao menos. Seus textos em defesa da fé, publicados com o título ‘Controvérsias e Defesa do Estandarte da Santa Cruz, tornaram-no reverenciado em seu tempo. Assim como a reunião de suas cartas e pregações, lançadas nos tomos Introdução à Vida Devota ou Filotéia e Tratado do Amor de Deus, considerados clássicos espirituais. A popularidade e o valor destes escritos fizeram com que São Francisco de Sales fosse considerado padroeiro dos escritores católicos. Em 1923, o Papa Pio XI o colocou como patrono da imprensa católica. Justo, não? Mas nem todo jornalista é católico. Talvez, por isso, o 29 de janeiro é o mais lembrado como seu, embora seja o dia que menos tem referências históricas sobre a sua criação. A mais provável: trata-se de

uma homenagem ao jornalista e abolicionista carioca José (Carlos) do Patrocínio (1853-1905), que teria falecido, nesta data, em 1905. Ele bem merece a reverência, pela história de vida e luta que travou nas páginas dos jornais – e lhe rendeu o título de o maior jornalista da Abolição dos escravos no Brasil. Farmacêutico, jornalista, escritor, orador e ativista político, entre outros feitos, Patrocínio iniciou a carreira ao fundar o quinzenário satírico Os Ferrões, em 1875. Mas foi como redator da Gazeta de Notícias, na coluna Semana Parlamentar, que assinava com o pseudônimo de Prudhome, que Patrocínio começou a campanha pelo fim da escravatura no Brasil. Em torno dele se formou um grupo de jornalistas e de oradores importantes, como Joaquim Nabuco e Teodoro Sampaio. Entrou para a política e fundou vários jornais. Merecido, hein? Mas há quem prefira agrupar todos os jornalistas no tal Dia do Repórter, em 16 de fevereiro. Sabe por quê? Não está muito claro, mas parece que está ligado ao primeiro modelo de reportagem, que só foi possível por causa da invenção da tipografia, em 1440. Ao que parece, foi nesse dia, há mais de cinco séculos, que Johannes Gutemberg (1398-1468) imprimiu a primeira reportagem, pelo sistema de impressão criado por ele, através de tipos móveis, compostos por metal, que levavam as letras do alfabeto em alto relevo. De quem escreveu o texto ou do que se tratava não há registros acessíveis. Difícil é entender por que exatamente esse termo, uma vez que repórter não é sinônimo de jornalista, mas apenas mais uma das muitas funções que os jornalistas podem exercer. E os cargos de editor, revisor, diretor de Redação também não merecem homenagens? Pois bem. A ABI preferiu outra data. Em 1931, estabeleceu-se o 7 de abril como o dia do jornalista, em homenagem a João Batista Líbero Badaró (1798-1830), médico e jornalista de origem italiana, que morreu assassinado por inimigos políticos, em São Paulo, em 22 de novembro de 1830. O movimento popular gerado por sua morte levou à abdicação de Dom Pedro I, no dia 7 de abril do ano seguinte. Um século depois, em 1931, em homenagem a esse acontecimento, instituiu-se o “Dia do Jornalista”. Ajudou nessa escolha o fato de ele ter sido um liberalista, ou seja, um homem de princípios políticos

em busca da liberdade dos cidadãos. Em 1828, dois anos depois de chegar ao Brasil, Badaró se radicou na cidade de São Paulo, onde clinicava, dava aulas gratuitas de Matemática e fundou e redigiu o jornal O Observador Constitucional, em 1829, de linha liberal moderada. Mesmo assim, passou a incomodar e pagou preço alto por isso. Nada mal um mártir para marcar o dia do jornalista, não é verdade? Não é fácil explicar também porque o 3 de maio tem sido considerado o Dia do Jornalista. Está relacionado à data que

As datas da comunicação no Brasil Nem só dos muitos dias dedicados ao jornalista no calendário brasileiro se comemoram as profissões relacionadas à comunicação. No total, nada menos que 18 datas têm alguma relação direta com profissionais de jornalismo. Motivos de datas para comemorar o ofício, portanto, existem de sobra. 8 DE JANEIRO DIA DO FOTÓGRAFO 16 DE FEVEREIRO DIA DO REPÓRTER 28 DE MARÇO DIA DO REVISOR E DIA DO DIAGRAMADOR 7 DE ABRIL DIA DO JORNALISTA 3 DE MAIO DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA 5 DE MAIO DIA NACIONAL DAS COMUNICAÇÕES 23 DE MAIO DIA INTERNACIONAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS 1º DE JUNHO DIA DA IMPRENSA 7 DE JUNHO DIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA 11 DE AGOSTO DIA DA TELEVISÃO 19 DE AGOSTO DIA MUNDIAL DA FOTOGRAFIA 2 DE SETEMBRO DIA DO REPÓRTER FOTOGRÁFICO 21 DE SETEMBRO DIA DO RADIALISTA 25 DE SETEMBRO DIA DA RADIODIFUSÃO 21 DE OUTUBRO DIA DO CONTATO PUBLICITÁRIO 8 DE DEZEMBRO DIA DO CRONISTA ESPORTIVO 15 DE DEZEMBRO DIA DO JORNALEIRO

celebra a liberdade de imprensa no mundo. Oficialmente, foi declarado Dia Mundial da Liberdade de Imprensa pela Decisão 48/432, de 20 de dezembro de 1993, aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas. Essa data foi escolhida por se tratar do aniversário da Declaração de Windhoek, aprovada durante um seminário organizado pela Unesco sobre a Promoção da Independência e do Pluralismo da Imprensa Africana, que se realizou em Windhoek, Namíbia, de 29 de abril a 3 de maio de 1991. O documento aprovado no encerramento do evento considera a liberdade, a independência e o pluralismo dos meios de comunicação como princípios essenciais para a democracia e os direitos humanos em todo o planeta. O Dia do jornalista que mais parece apropriado é mesmo 1° de junho, porque faz referência à fundação, há 204 anos, do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, escrito, montado e impresso em Londres pelo bravo e incansável Hipólito José da Costa, mas voltado para distribuição no Brasil, até então desprovido de máquinas que pudessem imprimir uma publicação assim. Também conhecida como Armazém Literário, a publicação circulou de 1º de junho de 1808 a 1º de dezembro de 1822. Foram 175 números, agrupados em 29 volumes, editados regularmente durante 14 anos e 7 meses, sem interrupção ou atraso. Um feito e tanto para a precariedade das gráficas. Hipólito da Costa defendia idéias liberais, como a de uma monarquia constitucional, e o fim da escravidão; deu ampla cobertura à Revolução Pernambucana de 1817 e aos acontecimentos de 1821 e de 1822, que conduziriam à Independência do Brasil. Era, enfim, um jornalista engajado, combativo, corajoso, idealista, qualidades que honram e dignificam a profissão. E, por isso, parece perfeito para ser lembrado como o Dia do Jornalista. De acordo? JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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LITERATURA

P OR G ONÇALO J ÚNIOR

T

odo repórter ligado à área cultural sonha um dia em dar um furo nacional com uma simples entrevista, por menor que seja, com pelo menos um dos dois maiores ermitões da literatura nacional: Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Curiosamente, eles têm a mesma idade, longevos 87 anos e ainda em plena atividade. Ambos são mestres da narrativa curta, o conto. E consagrados por isso. Trevisan é o que interessa aqui. Ele acaba de ganhar – em 21 de maio – o mais importante prêmio da língua portuguesa, o Camões, de Portugal, pelo conjunto da sua obra. Foi eleito por unanimidade na 24ª edição do evento. A boa notícia vem logo depois do lançamento, no final de 2011, da coletânea de contos O Anão e a Ninfeta, pela Editora Record. Trevisan vai receber 100 mil euros pela distinção, cerca de R$ 300 mil. Outros nomes da literatura brasileira também já foram agraciados e a lista mostra o grau de exigência e de excelência dos escolhidos: João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Ferreira Gullar e Lygia Fagundes Telles. O que Trevisan tem a dizer sobre o reconhecimento nunca se saberá? Desta vez, não. No dia seguinte à divulgação da notícia, ele escreveu à comissão do prêmio para agradecer a honraria e pedir desculpa pela ausência. Em carta enviada por fax ao Governo de Portugal, através de seu editor, em Lisboa, explicou que “os muitos anos, ai de mim, já me impedem, de receber pessoalmente o prêmio”. Observou que “jamais” pensou “merecer tamanha e generosa distinção”. E acrescentou: “A consciência de minhas limitações como escritor me proibiu sonhos mais altos. E agora, sem aviso, o Prêmio Camões. O prêmio dos prêmios de Literatura”.

Desculpa gentil No dia em que foi conhecida a escolha de Trevisan, vários dos jurados presentes na sessão falaram da dificuldade de contatar o escritor, apelidado de “O Vampiro de Curitiba”, por causa da vida reclusa e, por isso, pelo título de seu mais famoso livro, lançado em 1965. Trevisan, claro, foi gentil na desculpa, pois jamais apareceu em qualquer homenagem ou entrega de prêmio e vive tão isolado que, segundo Silviano Santiago, quando precisa, usa o telefone ou o telefax de uma livraria que fica perto de sua casa. Nem mesmo apareceu em 2003, para dividir com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário nacional – na primeira edição do Portugal Telecom de Literatura Brasileira –, pelo livro Pico na Veia. 22

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O cobiçado Prêmio Camões mostra a vitalidade do escritor brasileiro Dalton Trevisan, mestre nas narrativas curtas e minimalistas, que escolheu viver recluso no Paraná e não se deixa fotografar.

Luzes para o vampiro de Curitiba

Embora haja quem acredite que o autor curitibano criou para si um antimarketing que funciona com eficiência às avessas, parece não restar dúvidas que essa aversão pública é (quase) natural de sua personalidade. Nem sempre agiu assim. Trabalhou durante sua juventude na fábrica de vidros de sua família e chegou a advogar por sete anos, o que exigiu contatos públicos. Como jornalista, teve de se relacionar com muitas pessoas, pois ocupou postos de repórter policial e crítico de cinema. Não foi a opção de se isolar, óbvio, que trouxe reconhecimento como um dos grandes contistas da língua portuguesa. Mas o fato inquestionável de ter uma prosa peculiar, minimalista, quase experimental. Entre suas obras mais conhecidas, destacam-se A Guerra Conjugal, A Polaquinha, Arara Bêbada, Ah, é? e 111 Ais, entre outras. Trevisan não teve um começo fácil. Entre as primeiras experiências literári-

as e a publicação do primeiro livro, foram mais de dez anos de trabalho duro e empenho. Quando estudava Direito, lançou seus primeiros contos em modestos folhetos, que lembram o formato dos cordéis rimados tão comuns no Nordeste. Nessa época, criou o grupo literário que publicou, entre 1946 e 1948, a revista Joaquim, depois considerada marco de sua geração – deu-se ao luxo de trazer ensaios assinados por expoentes e consagrados como Antônio Cândido, Mário de Andrade e Otto Maria Carpeaux, além de poemas inéditos, como O Caso do Vestido, de Carlos Drummond de Andrade. Segundo escreveu ele num dos editoriais da revista, “o movimento de renovação inventado por Joaquim não tem ambições modernistas: tem ambições modernas”. Isso explicaria por que, nos seus contos, escritos ao longo de seis décadas, o menos deveria ser sempre mais. Afinal, ele se destaca pela obsessiva con-

cisão, que o aproxima de um quase haicai narrativo – forma métrica milenar do poema japonês, que explora ao limite a capacidade de se expressar pelo menor número de palavras. Para o crítico João Cezar de Castro Rocha, Dalton Trevisan é autor de uma das obras mais originais da literatura nacional. “Com sabor de paradoxo, essa originalidade foi conquistada através da recorrência obsessiva de temas, de personagens, de situações e de uma fidelidade quase perfeita à forma do conto”. Autor de um único romance, A Polaquinha (1985), o escritor, na opinião de Castro Rocha, tem uma habilidade incomum para ampliar os efeitos lingüísticos de seus textos, a partir da redução aparentemente contraditória do universo das palavras, além do emprego deliberado de chavões.: “O resultado é uma estética da contenção; aliás, no duplo sentido da palavra: conciso e agônico. O vampiro de


HOMENAGEM DIVULGAÇÃO TV GLOBO/ ESTEVAM AVELLAR

Curitiba é um jogador de xadrez que sempre lança mão de idêntica abertura de jogo e adota um único sistema defensivo, porém nunca repete o xeque-mate! Detalhe relevante, porque ele costuma vencer suas partidas”. Para os fãs, porém, esse mistério que cerca o contista faz parte do pacote, do charme que cerca o desconhecimento de sua vida e que se reflete na escolha temática de seus contos. Não significa que mudou de rumo entre os primeiros textos e a sua consolidação como escritor. Começo Dalton Trevisan estreou nacionalmente em 1959, quando lançou o ainda muito lido Novelas Nada Exemplares, seleção rigorosa do que havia produzido nas duas décadas anteriores. Impressionou tanto as críticas do Rio e São Paulo, que recebeu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro – que realizou naquele ano sua primeira edição. Tanto essa quanto outras obras importantes suas vieram de inspiração da própria cidade onde passou toda a vida. Soube, porém, estabelecer para seus personagens situações e contextos de significado universal em que, dizem os críticos, as tramas psicológicas e os costumes são recriados a partir de uma linguagem popular, que valoriza o cotidiano sofrido e angustiante de tipos marginais ou em situações próximas disso. Para Castro Rocha, O Vampiro de Curitiba apresenta um personagem-síntese das obsessões do autor: ‘Nelsinho, o Delicado’, definido com poucas mas definitivas pinceladas: ‘Pobre rapaz na danação dos vinte anos.’ “O nome do personagem não deixa de trazer à baila o universo de Nélson Rodrigues. Ademais, o conto alude à linguagem bíblica, à obra de Machado de Assis, à poesia de Carlos Drummond de Andrade”. O escritor lançou 43 livros, a maioria hoje no catálogo da Record. Os volumes trazem capas uniformes, criadas pelo artista gráfico Victor Burton na década de 1970, a partir de fotos proibidas de nus do começo do século 20. Enquanto isso, sobrevivem histórias e lendas que fazem dele um personagem (ir)real singular, com toques de comicidade. Nos anos de 1970, por exemplo, ele publicou uma crítica na curitibana Gazeta do Povo com iniciais J.P. intitulada Quem tem medo do vampiro?, em que desancava a própria obra: “Quem leu um conto, já viu todos”. E mais: “Seu pobre vocabulário não tem mais de oitenta palavras.” Mais adiante acrescentou: “Um talento não se lhe pode negar – o da promoção delirante. Com falsa modéstia, não quer retrato no jornal – e o jornal sempre a publicá-lo. Nunca deu entrevistas – e quantas já foram divulgadas com foto e tudo? Ora, negar o retrato ao jornal não é uma forma de vaidade, a outra face diabólica do cabotino?” Que mistérios se escondem por trás do propósito de um texto assim? Seria ele mesmo um vampiro? Que sobreviva a lenda. Ele merece.

O filho de Tim Lopes, Bruno Quintella, em frente à placa inaugurada na Redação da Rede Globo, lembrou o pai com um verso: “Aquele que escreve é também aquele que é escrito.”

Globo inaugura placa em homenagem a Tim Lopes Uma placa em memória do jornalista Tim Lopes, morto há dez anos, foi inaugurada na Redação da Rede Globo de Televisão no Rio de Janeiro no dia 4 de junho: ela foi afixada próximo da mesa em que ele trabalhava. A placa tem uma imagem do rosto do jornalista e uma mensagem: “Sua voz será ouvida cada vez mais alta em cada reportagem que nós, jornalistas do Brasil, fizermos”. A frase foi extraída da homenagem prestada a Tim, em 2002, quando sua morte foi anunciada. O ato contou com a presença do irmão de Tim, Miro Lopes; da irmã, Tânia Lopes; do filho, Bruno Quintella; do Presidente da ABI, Maurício Azêdo; do VicePresidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Municípío do Rio de Janeiro, Rogério Marques, e de funcionários e diretores do jornalismo da TV Globo. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, disse que ali estava para, em nome da entidade, prestar “homenagem a Tim e a todos aqueles que tiveram, como nós, o privilégio de conviver com a pessoa tão adorável e tão fraterna como Tim Lopes”. A homenagem teve início com a exibição de um vídeo produzido pelo Memória Globo, que mostra momentos da vida profissional de Tim, depoimentos de colegas de trabalho e uma retrospectiva do assassinato; da punição dos bandidos que executaram o

repórter; e da ocupação pela Polícia do conjunto de favelas do Alemão. Tânia Lopes disse que a família de Tim considera uma missão “dar continuidade àquilo que ele fazia, que é cuidar do próximo, atender e olhar a questão social”. Bruno Quintella prestou sua homenagem ao pai lembrando um verso do poeta Ericson Pires: “Eu lembro um verso de um poeta chamado Ericson Pires, que diz que aquele que escreve é também aquele que é escrito. Acho que é a frase que eu diria para ele agora”. Na antevéspera desse ato, em 2 de junho, dia em que o assassinato de Tim completou dez anos, parentes e amigos do jornalista lhe prestaram uma homenagem no Complexo do Alemão. Com a participação de moradores do conjunto de favelas que compõem o Complexo, foram realizadas atividades culturais e um ato simbólico com 3.653 lenços brancos – o número de dias desde sua morte – amarrados em varais. A iniciativa dessa atividade partiu de Tânia Lopes para celebrar “a paz, a liberdade e a vida digna dada à população daqui. Tim não morreu em vão”. Tim Lopes era repórter da Rede Globo e foi seqüestrado, torturado e executado por traficantes no Complexo do Alemão, por usar uma câmera escondida para fazer imagens para uma reportagem sobre a prática de crimes num baile funk. Os bandidos foram julgados e presos.

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LIBERDADE DE IMPRENSA

Bando de agiotas executou Décio Sá O matador do jornalista foi contratado a mando de um consórcio de agiotas que agiam no Maranhão e em outros Estados. P OR C LÁUDIA S OUZA

A Polícia do Maranhão identificou e prendeu os matadores do jornalista Décio Sá, que foi executado em 23 de abril passado por um bando de agiotas, do qual participavam dois empresários, colaboradores deles e um oficial da Polícia Militar do Estado, que empreitaram um pistoleiro profissional, Jonathan Sousa Silva, de 24 anos, para a consumação do crime. O grupo decidiu pela eliminação de Décio para impedi-lo de continuar denunciando a prática de agiotagem no Maranhão, como ele vinha fazendo. O esclarecimento do assassinato de Décio Sá foi anunciado em 13 de junho, em entrevista coletiva, pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, que apresentou sete dos oito suspeitos de autoria do crime: o empresário Gláucio Alencar Pontes Carvalho, de 34 anos, seu pai, José de Alencar Miranda Carvalho, de 72, que seriam os mandantes da execução; o empresário Raimundo Sales Charles Jr, de 32 anos, e seus colaboradores Fábio Aurélio do Lago e Silva, de 32 anos, e Airton Martins Monroe, de 24 anos, que teriam agenciado o executor do crime. A arma usada na execução do crime teria sido emprestada pelo subcomandante da Polícia Militar, Fábio Aurélio Saraiva Silva. Um dos envolvidos continua foragido. Parentes do jornalista estiveram presentes na coletiva.

Na manhã do dia da entrevista, a Polícia cumpriu oito mandados de prisão e 14 de busca e apreensão na operação Detonando, em São Luís, Santa Inês e Zé Doca e em Municípios do Pará. Da operação participaram 12 delegados, 70 policiais civis e agentes do Grupo Tático Aéreo-GTA. “Foi um crime extremamente complexo e quem acompanha o dia-a-dia das investigações sabe que não é de fácil elucidação. Felizmente, chegamos a este desfecho com a prisão da grande maioria do consórcio montado para matar o jornalista”, disse o Secretário de Segurança Pública do Maranhão, Aluísio Mendes. Apurou a Polícia que o jornalista foi assassinado a mando dos agiotas Gláucio Pontes e seu pai, José de Alencar Miranda, que também teriam ordenado a execução, em abril, em Teresina, Piauí, do também agiota Fábio Brasil. De acordo com as investigações, Décio entrou na mira de Gláucio Pontes quando começou a denunciar em seu blog as ações de agiotas no Maranhão. Como fachada para seus negócios de empréstimos, Gláucio mantinha empresas de fornecimento de material escolar e medicamentos, o que lhe garantia proteção de políticos e até de membros da polícia e do Poder Judiciário. Ressaltou o Secretário Aluísio Mendes que os empresários presos são suspeitos de crimes de agiotagem e extorsão contra vários gestores públicos no Maranhão e em outros Estados. “É importan-

te salientar que esta investigação está apenas começando. O ponto inicial está esclarecido com a confissão do Jonathan. Em virtude disso, foi descoberta uma organização criminosa que representa um câncer para a sociedade maranhense, atuando no desvio de recursos públicos, agiotagens e extorsões. Alguns desses crimes não são de nossa alçada e com certeza encaminharemos estas informações para a Polícia Federal. Em poder do grupo foram encontrados talonários e notas de empenhos de Prefeituras”, disse o Secretário. Mendes revelou que um irmão de Décio Sá quase foi executado em seu lugar: “As semelhanças físicas entre os dois chegaram a confundir o autor dos disparos, dois dias antes de o crime ser cometido. Décio Sá foi monitorado pelo pistoleiro Jonathan Sousa Silva por pelo menos três ou quatro dias antes de 23 de abril, quando ocorreu a execução. Nesse período ele teria tentado, ao menos uma vez, assassinar o jornalista em sua residência. Ele só não cometeu o crime, na casa de Décio, porque notou que um irmão era mais alto e forte do que o outro”. A Delegada-Geral da Polícia Civil do Maranhão, Cristina Meneses, disse que as prisões constituem uma vitória: “Essas pessoas furtavam o dinheiro público e praticavam crimes contra toda a população ao desviar esses recursos. Nós continuaremos a investigar e chegaremos onde

quer que seja preciso. Essa é a maior vitória da sociedade maranhense”. No Disque-Denúncia

Décio Sá, do jornal O Estado do Maranhão, foi assassinado com cinco tiros em um bar da Avenida Litorânea, em São Luís. No mesmo dia, as investigações foram iniciadas e uma recompensa de R$ 100 mil foi oferecida pelo Disque-Denúncia por pistas sobre o assassino. Logo no início das investigações, os agentes descobriram o pente da arma usada no crime, que caiu no chão durante a fuga do assassino. Testemunhas começaram a ser inquiridas sobre o fato. Contudo, três depoimentos vazaram na internet. A Polícia decidiu então manter sigilo absoluto sobre as investigações, para não prejudicá-las. Quase 40 dias após o crime, a Polícia divulgou o retrato-falado do suspeito de assassinar o jornalista. Com a veiculação da imagem, o Disque-Denúncia recebeu em 24 horas 60 ligações que indicariam o paradeiro do executor. Outro assassinado

No dia 12 de junho foi encontrado morto um dos suspeitos de participar do assassinato do jornalista, Valdênio José da Silva, que chegou a ser preso, mas por falta de provas teve de ser libertado. Ele foi assassinado com cinco tiros dentro de casa, na Vila Talita, em São Luís. (Fontes: Blog do Décio, G1 MA, O Estado do Maranhão)

A ABI condena censura ao Novojornal A decisão, inconstitucional, foi imposta ao site por um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que parece não ter lido a Constituição de 5 de outubro de 1988. P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

A ABI classificou como inconstitucional a decisão do Desembargador Antônio de Pádua, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de proibir que o site jornalístico Novojornal publique informações sobre a denúncia de que o também Desembargador José do Carmo Veiga exerce fora da magistratura atividade vedada pela Lei Orgânica da Magistratura. “A decisão atropelou a Constituição”, disse o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lembrando que a Constituição de 5 de outubro de 1989 contém, em seu artigo 220, disposição clara e incisiva de proibição de qualquer tipo de censura política, ideológica ou artística. Em mensagem de solidariedade enviada ao Diretor responsável pelo Novojornal, Marco Aurélio Flores Carone, o Presidente da ABI diz que ao impor censura prévia ao veículo o Desembargador Antônio de Pádua está violando a Constituição e contra essa decisão os responsáveis pelo site deveriam ingressar com 26

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recurso junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “Se este coonestar a decisão, o recurso deverá ser encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Façam isto logo, para derrubar de pronto essa manifestação de totalitarismo”, recomendou a ABI em mensagem à direção do site. Marco Aurélio Flores Carone contou à ABI que as dificuldades para o exercício da atividade jornalística no Estado de Minas Gerais se tornam cada vez maiores, “com flagrantes violações constitucionais que, em nosso entender, poderão ferir a liberdade de imprensa no Brasil como um todo”. Disse o jornalista que o site www. novojornal.com tem pautado a sua atividade profissional por um padrão inamovível de compromisso com a ética, a transparência e a verdade, sem qualquer vínculo com interesses pessoais ou grupais: “Exercemos a nossa função jornalística observando apenas o critério de não faltar às provas que evidenciam as verdades das notícias que não são nossas, porém

um patrimônio democrático do povo brasileiro”, disse Carone. Matérias proibidas

No dia 31 de maio, o Novojornal recebeu a notificação da decisão do Desembargador Antônio de Pádua, atendendo ao pedido do seu colega Desembargador José do Carmo Veiga, determinando a retirada do portal jornalístico das matérias TJMG: A vida secreta do desembargador José do Carmo Veiga e Desembargador mineiro é pego atuando em outras atividades. Ambas as reportagens – uma delas já tinha sido publicada no portal Congresso em Foco – relatam as atividades exercidas pelo Desembargador José do Carmo Veiga, vedadas pela Lei Orgânica da Magistratura e que já estão sendo analisadas pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ. Além de determinar a retirada das duas matérias, o Desembargador Pádua proibiu que o Novojornal publique novos fatos sobre o reclamante e estabelece que novas publicações fiquem condicionadas à indicação das fontes. “É uma deci-

são que entra em confronto direto com os preceitos da Constituição, excluindo igualmente qualquer comentário”, reclama Carone. O Desembargador José do Carmo Veiga já havia recorrido e perdido em primeira instância. O juiz que julgou o mérito de sua petição argumentou tratar-se de “censura prévia, algo vedado pela Constituição”. OAB informada

O caso da censura prévia imposta ao Novojornal foi informado também ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. “Recorremos também à OAB porque a instituição, a exemplo da Associação Brasileira de Imprensa, está inscrita na História do Brasil por suas lutas a favor da liberdade, inclusive com o martírio, ao tempo dos anos de chumbo, da Senhora Lida Monteiro, vitimada por uma carta-bomba enviada por pessoas contrárias à redemocratização do País, visando atingir o então Presidente de seu Conselho Federal, Eduardo Seabra Fagundes”, disse Carone.


Governo do Equador não fala mais a veículos privados

O Brasil apóia plano da Unesco para dar segurança a jornalistas

“Por que vamos encher o bolso de seis famílias que dominam os meios de comunicação?”, questiona o Presidente Rafael Correa. MARCELLO CASAL JR./ABR

POR C LÁUDIA SOUZA

O Secretário de Comunicação do Equador, Fernando Alvarado, confirmou a determinação do Presidente Rafael Correa de proibir que funcionários do Governo concedam entrevistas para meios de comunicação privados. Os funcionários estatais só poderão falar com meios públicos e comunitários ou com os privados que o Executivo não considerar como oligarquias midiáticas que distorcem a realidade informativa, com viés mercantilista. O Governo escolherá quais veículos terão acesso a seus porta-vozes, disse Alvarado. Rafael Correa já moveu diversas ações contra jornalistas e veículos de comunicação. As sentenças não chegaram a ser cumpridas porque o Presidente decidiu “perdoar os acusados”. Em virtude dos constantes ataques de Rafael Correa à imprensa, a Associação Equatoriana de Editores de Jornais-Aedep exigiu “o fim da campanha contra a mídia”. A organização não-governamental Fundamedios informou que as agressões a jornalistas no Equador aumentaram 150% nos últimos quatro anos, a maioria delas provocadas por funcionários públicos. A agência espanhola Efe informou que em apenas 15 dias quatro emissoras de rádio e dois canais de tv foram fechados no Equador. A ong Fundamedios disse que os veículos fechados foram as emissoras de televisão Telesangay e Lidervisión e as rádios El Dorado, Líder, Panter e Net. Dados da Superintendência de Telecomunicações (Supertel) informam que desde o início de 2012 foram fechados 16 veículos de comunicação no país. As autoridades alegam que os fechamentos são motivados por “violações da Lei de Rádio e TV e problemas técnicos”. A ong Repórteres Sem Fronteiras mani-

Rafael Correa: Sem conversa com “oligarquias midiáticas que distorcem a realidade”.

festou preocupação com o caso e afirmou que os representantes dos veículos de comunicação afetados consideram que a medida constitui represália por questões políticas. No dia 11 de junho foi fechada a Rádio Cosmopolita de Quito. Nesse dia, o Superintendente da Supertel, Fabian Jamarillo, anunciou que outras 20 emissoras provavelmente serão fechadas por atraso de pagamento de multas, entre outras razões. ‘Por que temos que dar entrevistas? Por que nossos ministros têm que dar entrevistas na Ecuavisa, na Teleamazonas, ao El Universo, se são negócios privados? Com isso não estamos contribuindo para encher o bolso de seis famílias que dominam os meios em nível nacional?”, questionou Correa no dia 9, quando anunciou a idéia de proibir entrevistas para alguns veículos. Um dia após esse discurso, o Ministro do Interior, José Serrano, cancelou uma entrevista com o canal Ecuavisa. A Ministra da Política, Betty Tola, também afirmou que não concederá entrevistas a meios privados de comunicação.

Radialista de Caicó, RN, sofre atentado O radialista Luís Jurandir de Medeiros, apresentador do programa “Bola na Rede”, na Rádio Caicó-AM, do Rio Grande do Norte, sofreu um atentado a tiros em frente à sua residência. Levado a um hospital da região, teve de passar por cirurgia para retirada dos projéteis, mas não correu risco de morte. Medeiros relata que não viu os responsáveis pelo atentado e que não sabe dizer quem poderia ter tentado matá-lo.

ligados à construção civil em greve por reajuste salarial. Participavam também do protesto trabalhadores da indústria gráfica. Uma apresentadora do canal de tv do Grupo DN afirma ter sido agredida pelos participantes da manifestação. A Associação Nacional de Jornais-ANJ condenou o ato e afirmou esperar que as autoridades tomem “providências para garantir a liberdade de expressão e a identificação dos responsáveis”.

JORNAL APEDREJADO O prédio do jornal Diário do Nordeste, de Fortaleza, Ceará, foi apedrejado na manhã de 30 de maio por manifestantes

PREFEITO AGRIDE E MENTE A repórter Elissa Neves, da TV Independência, afiliada da

Rede Record, foi agredida pelo Prefeito de Barra dos Bugres, Mato Grosso, Wilson Francelino, em 24 de maio. Elissa o abordara para ouvi-lo sobre um evento que estava sendo realizado num estádio da cidade, mas o Prefeito não apenas se negou a falar como, ao ser questionado, segurou a jornalista pelo pescoço e disse algo em seu ouvido. Num vídeo postado no Youtube com a cena gravada, a jornalista parece dizer em seguida para o Prefeito que ele a machucou. Em resposta, Francelino teria perguntado, sorrindo: “Eu? É verdade?”. A repórter registrou um boletim de ocorrência.

Após fazer objeções ao texto proposto, o Brasil vai apoiar o Plano de Ação da Onu pela Segurança de Jornalistas e o Tema da Impunidade, anunciou a Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, da representação permanente do Brasil junto às Nações Unidas, que em 31 de maio enviou uma carta ao Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), comunicando essa posição. Viotti informou que o “Brasil apóia esforços da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco para aprofundar seu trabalho nessa questão {do Plano} e reitera apoio do país à proteção de jornalistas. Entre outras medidas, o Plano prevê: 1. reforçar a autoridades dos relatores especiais sobre Liberdade de Expressão; 2. incentivar a ampliação do âmbito da Resolução do Conselho de Segurança da Onu 1738, que condena os ataques contra jornalistas em áreas de

conflito, para incluir a proteção de jornalistas em áreas sem conflito. 3. ajudar países-membros a aprovar leis pra julgar suspeitos de assassinatos de jornalistas; 4.desenvolver um guia descrevendo respostas de emergência e as disposições de segurança para jornalistas no campo; 5. estabelecer um mecanismo interagências das Nações Unidas para avaliar a segurança dos jornalistas. Durante a 28ª sessão bienal da Unesco, realizada no fim de março de 2012, em Paris, o Brasil, Cuba, a Venezuela, a Índia e o Paquistão não apoiaram o plano. Parte do Conselho do Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação (Ipdc), decidiu não aderir ao rascunho do Plano de Ação da Onu. Informou a Folha de S. Paulo que o Brasil foi favorável ao Plano, mas fez restrições a trechos do documento.

Israel processa jornalista que fez denúncia O jornalista Uri Blau, do jornal Haaretz, será julgado por ter tido acesso a documentos secretos, recebidos de um ex-soldado que se encontra preso sob a acusação de espionagem. Blau utilizou as informações dos documentos secretos para escrever uma matéria publicada em 2008. Os arquivos foram usados para que o jornalista argumentasse sobre a afirmação de que soldados israelenses receberam ordens de promover execuções extrajudiciais de supostos militantes palestinos. Mais tarde, Blau devolveu os documentos secretos. Se for condenado, ele poderá cumprir até sete anos de prisão.

semanal de trabalho, em 26 de maio. O Presidente também rasgou um exemplar do jornal La Hora dizendo: “Para se queixarem como quiserem, onde quiserem”.

BIEBER, AGRESSOR O cantor adolescente Justin Bieber se irritou e brigou com um fotógrafo em Los Angeles, em 27 de maio. O paparazzi acusou-o de agressão, ligou para a emergência e se queixou para o xerife local de dores no peito. Bieber deixou o local antes que a Polícia chegasse e agora deve ser chamado para depor sobre o incidente.

AMEAÇA NA ARGENTINA O radialista Gustavo Tinetti, do programa Despertate, da Rádio Cadena Nueve, foi ameaçado de morte por um desconhecido armado em 29 de maio, quando entrava no estúdio da emissora, no bairro 9 de Julio, em Buenos Aires. Tinetti disse que ficou surpreso por “não ter recebido qualquer ameaça anterior.”

HONDURENHOS MARCHAM Profissionais de mídia de Honduras realizaram em 25 de maio, Dia do Jornalista, uma marcha para protestar contra a impunidade e exigir a garantia do direito à liberdade de expressão. Indignado com os 22 assassinatos de jornalistas registrados desde janeiro de 2010, o Colegio de Periodistas de Honduras convocou a marcha, realizada em seis cidades do país: San Pedro Sula, La Ceiba, Choluteca, Comayagua, El Paraíso e Tegucigalpa, todas com registros de assassinato ou ameaças contra jornalistas.

CORREA BOICOTA O Presidente do Equador, Rafael Correa, fez um chamado aos cidadãos para boicotarem a imprensa, em mais uma tentativa de silenciar os meios de comunicação do país. ”Temos como nos defender deixando de comprar essas porcarias chamadas jornais, deixando de ver esses canais que fazem politicagem em vez de informar”, disse Correa durante seu relatório

Espectadora de novela reclama por dano moral A Rede Globo de Televisão está sendo processada por uma telespectadora de Santos, São Paulo, que pleiteia indenização de R$ 200 mil por danos morais após seu ex-marido aparecer confessando, durante um dos blocos da novela Viver a Vida, ter sido traído por ela durante o casamento. A mulher, casada por seis anos, alegou ter se surpreendido com o depoimento, mesmo decidida a separação consensual do casal. Ela afirmou ter ficado constrangida dentro do seu grupo social e exige a condenação do ex-marido e da emissora. A TV Globo contestou alegando que não veiculou depoimento ofensivo e que agiu amparada pela liberdade de expressão.

RECORD CONDENADA A Rede Record de Televisão terá de indenizar em R$ 30 mil o Major Gutemberg de Lima, da Polícia Militar do Estado da Paraíba, num processo em que o juiz da 11ª Vara Civil da capital, Rodrigo Lima, entendeu que a emissora exibiu, sem qualquer prova documental, uma imagem do oficial com a acusação de participação em um grupo de extermínio.

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DIREITOS HUMANOS

O Estado do Rio pede desculpas a presos políticos FOTOS ALCYR CAVALCANTI

P OR M ÁRIO A UGUSTO J AKOBSKIND

Cento e vinte ex-presos políticos receberam o pedido oficial de desculpas por parte do Estado do Rio de Janeiro, em cerimônia realizada no ginásio de esportes do Estádio Caio Martins, em Niterói, transformado em presídio político, em abril de 1964, logo após a derrubada do Presidente constitucional João Goulart, ao qual foram recolhidos cerca de 1.200 presos políticos. Dentre os que receberam a reparação encontram-se quatro jornalistas: Elias Fajardo da Fonseca, Marcos de Castro, Maurílio Cândido Ferreira e Lúcio Marrero, este último já falecido. Uma placa descerrada na cerimônia e que ficará exposta como memória de obscurantismo lembra que o Estádio foi o primeiro conjunto esportivo transformado em um verdadeiro campo de concentração, que serviu de modelo em outros Estados brasileiros e mesmo em países que atravessaram período ditatorial, como o Chile, onde, em 1973, após a derrubada do Presidente Salvador Allende por um golope militar, o Estádio Nacional de Santiago serviu também de prisão de oposicionistas, inclusive de brasileiros exilados no país. O Presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih Damous, revelou que na parte da manhã a entidade recebera a ameaça de bomba, fato comunicado às autoridades da área de segurança do Estado. Disse Damous que a ameaça o fez recordar o que aconteceu em 20 de agosto de 1980, quando grupos de extrema direita enviaram uma bomba que matou a secretária Lida Monteiro da Silva ao abrir uma correspondência destinada ao então Presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes. Na época, uma investigação da Polícia Federal apontou o civil Ronald James Watters como responsável pelo atentado, mas ele acabou absolvido pela Justiça. Na cerimônia, Damous exortou os brasileiros “a ficarem atentos aos trabalhos da Comissão da Verdade, que pode ter chegado tarde, mas antes tarde do que nunca”. Ele elogiou a “justa reparação” que o Governo do Estado do Rio estava proporcionando aos 120 presos políticos, mas admitiu que a medida não é total. “A reparação será total – disse – quando a Justiça julgar acusados de assassinatos e torturas com amplo direito de defesa e punilos como qualquer cidadão no Estado de direito”. 28

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Presidência da República, foi representada na cerimônia pelo seu Chefe de Gabinete, Bruno Monteiro, que defendeu a abertura da “caixa (arquivos) para saber o que aconteceu nos anos de arbítrio”. Frisou Monteiro que o pedido de perdão por parte do Estado brasileiro ainda é pouco e é preciso muito mais, inclusive para se saber onde se encontram os restos mortais de desaparecidos políticos, para que suas famílias possam enterrá-los. Foram lembrados no ato expresos políticos já mortos, entre os quais Degenildo da Silva Pinto, que esteve no Caio Martins O Estádio Caio Martins, transformado em imenso presídio em 1964, recebeu centenas de em abril de 1964, como contou vítimas da repressão (foto acima). Na manhã do ato, Damous, da OAB, foi ameaçado. sua filha, Marilia Duque Estrada. Além de Degenildo foram homeDamous defendeu a cripresos políticos e se formou o Doi-Codi, a nageados o jornalista Lúcio Marreiro e ação de um Centro de MeCisa (Central de Informações da AeronáuLaudelino Gomes, ambos já mortos. mória no Caio Martins e tica) e outros organismos da repressão da em outros locais que serviditadura”, disse Rodrigo Neves. A ABI PRESENTE Informou o Secretário que no máximo ram de centros de repressão A ABI esteve representada na cerimôaté o primeiro semestre de 2013 todos os contra brasileiros. nia pelos Conselheiros Alcyr Cavalcanti pedidos de reparação serão resolvidos. e Mário Augusto Jakobskind, integrantes A Ministra Maria do Rosário, da SeA MORTE da Comissão de Defesa da Liberdade de cretaria Especial de Direitos Humanos da CHEGOU ANTES Imprensa e Direitos Humanos da Casa. A ex-presa política Ana Miranda, representando os 120 homenageados, fez duras críticas ao Governador do Estado, Sergio Cabral, que até agora não conElson de Souza Prado Ailton Benedito de Souza Maria de Lourdes Siqueira cedeu audiência, solicitada várias veEufrasiano Nunes Galvão Ailton Coutinho da Silva Maria Irony Bezerra Cardoso Eurípedes Veiga Costa Alberto Henrique Becker Maria Luíza Araújo de Santana zes, para debater a reparação: dos 1.114 Evelyn Eisenstein Alfredo Alves Barbosa Maria Magalhães Monteiro pedidos no Estado do Rio, foram defeFrancisco de Assis Allan Kardec I. dos Reis Mariano Moreira Bittencourt ridos 894. Getúlio de Oliveira Cabral Almir de Souza Marilita G. de Camargo Braga Gilberto Carvalho Molina Almir Magalhães Matos Mário Gorgonha Ela lembrou que 20% dos que pediram Hilário Neves de Moraes Álvaro da Costa Ventura Filho Mauricio Paredes Saraiva reparação a partir de 2004 já morreram Iracy Rodrigues de Andrade Amarantho Jorge R. Moreira Maurílio Cândido Ferreira Isolda da Costa Pinto Amaurilio Felipe Santiago Melquíades de S. Couto sem ter recebido qualquer tipo de reparaJair da Silva Ana de Miranda Batista Miguel Rattes ção a que teriam direito, exatamente pelo Jamir Ribeiro André Avelino V. Filho Miriam Danoswsk descaso com que o Governo do Estado se Jarbas Dourado Carvalho Anestor Lúcio de Magalhàes Murilo Pinto Silva Jeová Gomes Maciel Anita Moraes Slade Neuza Maria de Souza Netto Ladeira comportou ao recusar receber os repreJesus Parede Soto Antônio dos Santos Nicanor Prezidio Brandt sentantes de presos políticos. João Cabral Antônio Pereira Matos Nilton Carraro Machado João Passos Ariovaldo Domingues Arneiro Odair Lopes de Faria Além da reparação moral, os ex-preJoão Pedro de Oliveira Armando de Almeida Oséas Martins de Aguiar sos políticos receberam indenização de João Soares de Almeida Arnaldo Galeno Torricelli Filho Paulo César Azevedo Ribeiro R$ 20 mil, valor admitido como irrisório Joaquim Antônio Carlos Augusto C. Rodrigues Paulo Cézar M. Bezerra Joel Rufino dos Santos Cecília de Barros C. V. de Castro Paulo Rubens de Campos pelo Secretário de Direitos Humanos do José Carlos Cabral Célia de Oliveira Braga Pedro Guimarães Filho Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Neves, José Emiliano Celso Simões Bredariol Pedro Valentim Dantas José Eudes Freitas Ceres Castor Caparellie Primo Alfredo Brandimiller que em seu discurso reconheceu a imporJosé Fabiano da Silva Claudionor D. de Sá Barreto Raimundo Nonato Barbosa tância da luta dos que resistiram ao EstaJosé Maria de Amorim Cleto Ferreira de Souza Ramires Maranhão do Valle do ditatorial. “Graças aos senhores e seJosé Maria Galhassi Oliveira Cleto José Praia Fiúza Ricardo Soares Paniago José Ribamar Ferreira Dalila Cenira da Costa Romeu Bianchi nhoras aqui presentes vivemos hoje em Josué Cabral de Lima Décio da Silva Tavares Rômulo Quinhões Pereira um Estado Democrático”, disse e destaLavínia Teixeira Borges Degenildo da Silva Pinto Saul Alves Quadros Linda Tayah de Melo Dejamir Afonso Pereira Sérgio Teixeira Rolins cou: “O que seria de nosso país se não fosse Lourdes Maria W. Pontes Délio Fernandes da Rocha Silvério Aguiar a resistência dos senhores e senhoras?”

Os 120 que receberam, afinal, a reparação moral

O COMEÇO DO DOI-CODI

“Não podemos e não devemos esquecer que aqui no conjunto esportivo do Caio Martins, transformado em campo de concentração, infligiram-se maus tratos a

Dilcéia da Rocha Quintela Dilma Vana Rousseff Domingos Fernandes Durval Ribeiro Edir Inácio da Silva Edmilson Juvino Pontes Elias Barbosa Netto Elias Fajardo da Fonseca

Lucas Pamplona Amorim Luiz Antônio B. da Silva Luiz Sérgio Dias Manoel João da Silva Marcius de Carvalho Pereira Marcos Alexandre Mello M. de Castro Maria Cristina de Castro Maria de Lourdes C. Rodrigues

Sônia Lacerda Macedo Tânia Regina Fayal de Lyra Valdemir Ferreira de Mello Valdir Reis Costa Waltayr Dantas Wilson Salermo Wladimir de Quadros Zenaide Machado de Oliveira


“O passado não passou” Entidades e instituições democráticas de seis Estados mencionam uma prova: a impunidade reafirmada pela decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de Anistia de 1979, que “serve até hoje para proteger torturadores”. Em documento dirigido à Cúpula dos Povos 2012, um dos eventos paralelos da Rio+20, 26 instituições e entidades do País, entre as quais a ABI, apresentaram o que denominaram de documento-base para a realização de debates sobre o tema Memória, Verdade e Justiça na América Latina, que na segunda metade do século 20 “vivenciou uma série de golpes de Estado, nos quais governos autoritários implementaram seu modelo político-econômico de sociedade e praticaram perseguições, prisões arbitrárias,torturas, banimentos (exílios), execuções sumárias e desaparecimentos forçados”, como diz o primeiro parágrafo da declaração. Além da ABI, firmaram a declaração a Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Estado do Rio de Janeiro, o Instituto de Estudos da Religião-Iser, sindicatos, Comitês pela Verdade Memória e Justiça constituídos em cidades de seis Estados e dois Conselhos Regionais de Psicologia (Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul). O texto da declaração é o seguinte: “A América Latina, na segunda metade do século 20, vivenciou uma série de golpes de Estado, nos quais governos autoritários e violentos implementaram seu modelo político-econômico de sociedade e praticaram perseguições, prisões arbitrárias, torturas, banimentos (e exílios), execuções sumárias e desaparecimentos forçados como forma de implantar seu projeto e de combater/eliminar os movimentos de resistência, popular e democrático. Em nosso país as mais variadas instituições foram profundamente atingidas por esta nova ordem de gestão do Estado, que se impôs a ferro e fogo com apoio da mídia e de outros setores privados para golpear a efervescência política que emergia dos movimentos por reformas e transformações sociais. Esse projeto de sociedade, que foi desenvolvido ao longo de mais de vinte anos, também foi marcado por metas desenvolvimentistas que depredavam o meio ambiente e exploravam e sacrificaram a vida de trabalhadores da cidade e do campo e a dizimação dos povos indígenas. Foram anos de forte repressão política, de implantação de mecanismos eficazes de dominação, que repercutiram no conjunto da vida social, atingindo as mais variadas formas de vida em sociedade: os modos de agir, de pensar, de perceber o mundo. Estabeleceu-se, assim, no Brasil e na América Latina, um projeto excludente, injusto e autoritário. No caso brasileiro, as violações de direitos humanos que marcaram a ditadura civil-militar (de 1964 a 1985) compuseram um trágico quadro: quase 500 mortos e desaparecidos políticos; centenas de camponeses (mais de 400) assassinados, que ainda não são considerados vítimas oficiais do regime; inúmeros militantes assassinados e enterrados como indigentes com nome falso; 50.000 pessoas detidas apenas nos primeiros meses da ditadura; milhares de torturados e de trabalhadores demitidos/cassados (entre esses 6.600 militares punidos); centenas de familiares e amigos de militantes pre-

sos; centenas de estudantes expulsos da universidade; centenas de sindicatos fechados; populações indígenas dizimadas (waimiri-atroari, entre outras). E toda a violência foi acompanhada por uma estratégia oficial de silenciamento em torno de todas as violações durante décadas. O cerceamento à liberdade de imprensa, de expressão e organização impedia ou dificultava a divulgação e difusão dos fatos referentes às arbitrariedades (prisões, mortes, torturas) que estavam acontecendo no País. Há pouco mais de um mês, o País ficou estarrecido com a denúncia de incineramento na usina de cana-de-açúcar Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, de militantes políticos mortos pela ditadura militar em São Paulo e no Rio de Janeiro. A coletânea de depoimentos do exdelegado de Polícia Civil do Espírito Santo Cláudio Guerra revela como a ditadura militar se articulou com representantes do setor agrário conservador, neste caso com o ex-governador do Rio de Janeiro e dono da usina Cambahyba, utilizando a estrutura de poder e coerção para reprimir movimentos camponeses na sua região e fazer desaparecerem os corpos dos militantes mortos nos porões do Doi-Codi. Tudo isso ainda repercute, hoje, numa sociedade violenta e criminalizadora dos movimentos sociais. Pesquisas e fatos comprovadamente revelados pela imprensa brasileira evidenciam: a estrutura repressiva constituída durante a ditadura militar no Brasil não foi desmontada, ao contrário, sofreu processo de aperfeiçoamento sendo aplicada para reprimir e criminalizar a população das comunidades pobres brasileiras. Da mesma forma, a desigualdade estrutural e projetos e metas político-econômicas ainda submetem a vida da população empobrecida e o meio ambiente a interesses do grande capital. Sendo assim, estas também são questões do presente: a violência de Estado se mantém como uma prática institucionalizada e atinge amplos segmentos da população brasileira, com a perpetuação de violações dos mesmos di-

reitos. São estas práticas admissíveis em uma sociedade democrática? Um instrumento definido internacionalmente, conhecido como Justiça de Transição, aponta medidas de reordenação social política e jurídica para fazer frente aos efeitos daquele nefasto período, com o objetivo de romper com os modos que predominaram ao longo dos períodos das ditaduras. Dentre elas a necessidade da construção de MEMÓRIA sobre o período, de VERDADE para o esclarecimento público do que ocorreu e de JUSTIÇA para identificação de responsabilidades nos crimes contra a Humanidade. Temos um passado que não passou. Um passado que não rompeu com a lógica da impunidade instalada e reafirmada re-

centemente pela decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei de Anistia de 1979, que serve até hoje para proteger torturadores. Um passado que tem no presente a chaga da multiplicação de ações violentas por parte de agentes de Estado. Como fazer frente a esta lógica? Para que se avance no processo de democratização, é responsabilidade do Estado brasileiro esclarecer os crimes contra a Humanidade e fazer justiça, para que a sociedade possa ter a expectativa de outro futuro. A Comissão Nacional da Verdade, como uma etapa importante da luta contra a violência de Estado, poderá vir a ser um instrumento relevante para estes esclarecimentos, desde que possa acolher demandas de participação da sociedade civil.

QUESTÕES A SEREM LEVANTADAS A – Sobre a cultura da violência de Estado: 1) Se aquelas violações de Estado tivessem sido esclarecidas; 2) Se seus autores tivessem sido identificados, investigados e responsabilizados; 3) Se as vítimas e seus familiares tivessem sido integralmente reparados; 4) Se políticas garantidoras da não-repetição dessas violações tivessem sido adotadas (exemplos: construção de Museus e Memoriais sobre as lutas de resistência) teríamos hoje – ainda – uma sociedade marcada pela violência de Estado? B – O que nossos vizinhos latino-americanos estão fazendo para lidar com essas questões? C – O que tiveram em comum as construções da Rodovia Transamazônica, da Rodovia Manaus-Boa Vista e da Ponte Rio-Niterói? Ou qual a relação de metas de produção petrolífera daquele período, por exemplo, e os grandes projetos de produção de energia e gás de hoje? D – O que ocorre hoje na Usina de Cambahyba (Campos de Goytacazes), Região Norte do Estado do RJ? O que permanece daquele tempo?”

OS SIGNATÁRIOS Assinaram a declaração dirigentes ou representantes das seguintes entidades e instituições: Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça Comitê Santamariense de Direito à Memória e à Verdade (RS) Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-RJ Associação Nacional dos Aposentados Políticos e Pensionistas – Anapap Associação dos Amigos do Memorial da Anistia Política (MG) Casa da América Latina Centro de Defesa dos Direitos Humanos – CDDH (Petrópolis, RJ) Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRP-RJ Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul – CRP-RS Equipe Clínico Política (RJ) Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro Instituto de Estudos da Religião-Iser Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida – Nepp-DH UFRJ Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro Sinpro-Sindicato dos Professores do Município do RJ e Região Umna – Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia

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DIREITOS HUMANOS

Jovens protestam contra o suposto torturador de Mário Alves FOTOS ALCYR CAVALCANTI

Em manifestação paralela à Rio+20, estudantes e integrantes de organizações populares expressaram seu repúdio a antigo oficial do Doi-Codi, onde o jornalista foi morto em 1970 após sevícias brutais. Representantes da Articulação Nacional Pela Memória, Verdade e Justiça e de movimentos sociais presentes na Cúpula dos Povos, entre os quais a Via Campesina e o Levante Popular da Juventude, realizaram na manhã de 19 de junho uma manifestação em frente à residência de Dulene Aleixo Garcez dos Reis, em Botafogo, Zona Sul do Rio, a qual reuniu mais de 2 mil pessoas e se constituiu no maior dos “esculachos” já realizados no País,como os jovens denominam seus atos de repúdio aos torturadores do regime militar. Dulene, que ocupou o posto de capitão de infantaria do Exército em 1970, é acusado de participação na sessão de tortura do jornalista Mário Alves (Mário Alves de Souza Vieira) no dia 17 de janeiro de 1970, nas dependências do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca, onde funcionava o Doi-Codi do Rio de Janeiro. Mário Alves, que foi Diretor do semanário comunista Novos Rumos, fechado após o golpe militar de 1º de abril de 1964, e se tornou Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

(PCBR), formado por dissidentes do PCB, sofreu torturas bárbaras, como esfolamento da pele com escova de arame e empalamento com um cassetete de madeira com estrias de ferro, que lhe causou perfuração do intestino, hemorragia interna e óbito. Em 21 de outubro de 1981, a Juíza Tânia de Melo Heine, da Primeira Vara da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, responsabilizou a União pelo seqüestro, tortura, morte e ocultação do cadáver do jornalista. “Mário Alves de Souza Vieira faleceu em conseqüência de maus tratos sofridos nas dependências do Doi-Codi”, declarou a Juíza em sua sentença. Foi esse o primeiro caso de reconhecimento na Justiça da prisão e morte de um desaparecido político. Os herdeiros de Mário Alves continuam buscando os restos mortais do jornalista. Em dezembro de 1987, o Tribunal Federal de Recursos confirmou a sentença da Juíza Tânia Heine e reafirmou a responsabilidade da União pelo assassinato de Mário Alves nas dependências do Doi-Codi. Centenas de pessoas participaram da manifestação de repúdio ao ex-capitão

Família pede auxílio para Bartô Brito Depois de sofrer um avc e com uma aposentadoria de 600 reais, ele depende da ajuda dos companheiros para suportar este momento difícil. Com o apoio da ABI, a família do jornalista Bartolomeu Brito, conhecido como Bartô no meio profissional, está renovando apelo a seus companheiros para que o ajudem no momento difícil que ele está vivendo desde um acidente vascular cerebral que o mantém numa cadeira de rodas, doada pelo jornalista Maurício Menezes. Destacado repórter do Jornal do Brasil e de O Dia, que o dispensou após o avc, Bartô sobrevive com uma aposentadoria de R$ 600,00 do INSS, insuficiente para as despesas da assistência especial de que carece. Sua família tem de pagar a uma pessoa para ajudá-lo a tomar banho, já que sua esposa, Rose, não tem força para fazer isso sozinha, por ser ele muito pesa-

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do; precisa de fraldas e de alimentação especial, dada na boca por alguém, porque ele está sem autonomia de movimentos, além de assistência psicológica. O primeiro apelo à solidariedade com Bartolomeu Brito foi feito no princípio de fevereiro passado pelo jornalista Maurício Menezes, seu companheiro no JB, em mensagem do seguinte teor divulgada pelo ABI Online: “Caso Bartô: uma vergonha para a imprensa brasileira! Bartolomeu Brito foi um dos maiores repórteres da imprensa brasileira. Trabalhou anos no Jornal do Brasil, lado a lado com alguns dos mais importantes nomes do jornalismo, como Villas-Boas Corrêa,

Dulene, que interrompeu parcialmente o trânsito nas imediações do edifício onde mora, no bairro da Urca. “Esse é apenas mais um. Vamos continuar denunciando os torturadores e lutando por Justiça até que sejam todos eles julgados. Não temeremos isso, pois quem deve ter medo da verdade são os assassinos dos nossos heróis, assassinos da nossa História”, ressaltou a organização durante o protesto, no qual os manifestantes entoaram os versos “Eu só quero ser feliz,/podendo co-

nhecer a História do País,/e poder me orgulhar/ de acabar com a impunidade do regime militar”, parodiando o rap Eu só Quero É Ser Feliz, de Cidinho e Doca. Em 5 de julho de 2004, por iniciativa do então Ministro Paulo Vanucchi, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República inaugurou no nono andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI, o Memorial Mário Alves,que relata o sacrifício do jornalista e celebra sua atuação nas lutas democráticas no País.

Carlos Drummond de Andrade, Sandro Moreira e OldemárioTouguinhó.Com o fim do JB, Bartô foi para o jornal O Dia. Há dois anos Bartô sofreu um avc e foi dispensado pelo jornal e abandonado pelos amigos. Hoje mora de favor num quarto em Éden, na Baixada Fluminense. Bartô não anda e não fala direito, embora esteja lúcido. Recebe R$ 600 de aposentadoria do INSS e gasta R$ 480 de medicamentos. Sua mulher, Rose, conseguiu num programa do governo uma cesta-básica mensal. Eu tenho ajudado, na medida do possível. Agora mesmo mandei levar uma cadeira de rodas na casa dele. De vez em quando mando algum dinheiro para comprar remédios ou evitar que o telefone seja cortado. Mas é inaceitável que nós, jornalistas, deixemos Bartô viver nesse calvário. Em 1977, quando eu estava numa situação de

alto risco, trancado numa unidade militar, Bartô ligou para quem era possível ligar, num momento como aquele, para evitar que eu sofresse maus-tratos. Fez isso com muita gente. Nunca deixou de ajudar ninguém. Para quem puder ajudar ou para quem tiver alguma idéia , mando informações sobre o Bartô: Ele está morando na Rua Piracajuba, 399, em Éden. O telefone é 2650-8257. O nome da mulher dele é Rose. O nome completo dele é Bartolomeu Brito de Souza. As contribuições em favor dele podem ser feitas através de depósito identificado para a seguinte conta: BARTOLOMEU BRITO DE SOUZA Banco Itaú Agência 7889 Conta nº 05865-2 CPF nº 128.086.607-15. (a) Maurício Menezes.” REPRODUÇÃO

SOLIDARIEDADE

A manifestação em frente à residência de Dulene Aleixo Garcez dos Reis foi o maior “esculacho” realizado e reuniu cerca de 2 mil pessoas em Botafogo, no Rio de Janeiro, durante a Rio+20.


LANÇAMENTO

A fantástica e assustadora literatura do real Lançado em comemoração aos 40 anos da organização Médicos Sem Fronteira, Dignidade! envolveu nove grandes escritores na difícil tarefa de denunciar algumas das maiores tragédias humanas da atualidade. P OR M ARCOS S TEFANO

“O realismo é fantástico”, já dizia o jornalista e escritor Gay Talese, um dos ícones do New Journalism, no prefácio de Fama & Anonimato. Em Dignidade!, livro que comemora os 40 anos da organização Médicos Sem Fronteiras-MSF e que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Leya, percebe-se que o realismo também pode ser assustador. Não se trata apenas de impressão. Quando a organização humanitária escolheu nove escritores de diferentes nacionalidades para conhecer alguns de seus projetos espalhados pelo Mundo e depois relatar suas experiências, tinha como objetivo denunciar uma realidade muitas vezes esquecida ou ignorada. Assim, algumas das maiores tragédias sociais da atualidade, sejam os estupros no Congo, a doença-de-chagas na Bolívia, a tuberculose e o hiv na África do Sul, a leishmaniose em Bangladesh ou o aprisionamento de imigrantes ilegais na Grécia deixam de ser apenas números e informação para ganhar rostos, cores, identidade e emoções. Dignidade! foi apresentado ao público brasileiro em um debate realizado no dia 18 de junho, em São Paulo, no auditório da tradicional Livraria Cultura. Um lugar emblemático, já que fica na Avenida Paulista, o coração financeiro do País. Mediado por Petria Chaves, da rádio CBN, o bate-papo teve a presença de Mauro Neves, Presidente do Conselho de Médicos Sem Fronteiras no Brasil, e a jornalista Eliane Brum, uma das autoras que participou do seleto time que produziu o livro. Em pouco mais de uma hora, eles falaram sobre os projetos da organização, seu trabalho e várias das situações-limite experimentadas nas zonas de crises humanitárias visitadas. A convite de MSF, Eliane Brum esteve em março de 2011 na zona rural de Narciso Campero, província localizada no Sul de Cochabamba, na Bolívia, onde mais de 70% da população têm a doençade-chagas. Como os demais autores, ao receber o convite a jornalista tinha a opção de fazer ficção, reportagem ou misturar as duas. Pensou em escrever um conto, mas chegando lá mudou de idéia. “Uma das histórias que conto em meu texto é a da família de Sonia Cotrina Veizaga, uma menina que, na época, tinha apenas 11 anos, mas com olhos que revelavam uma velhice de alma. Velhice provocada pela falta de esperança e de perspectivas. Que também fizeram com que agarrasse meus braços e implorasse: ‘Não me

ACERVO PESSOAL

Eliane Brum, em Narciso Campero, abraça Sonia Cotrina Veizaga e sua irmã menor: relato emocionante de uma região na Bolívia onde mais de 70% da população têm a doença-de-chagas.

deixe morrer!’. A partir daí ficou claro que precisava fazer o melhor jornalismo e dar voz a essas pessoas”, conta Eliane. Fã assumida de histórias de terror, ela escolheu um título provocativo para seu capítulo: Os Vampiros da Realidade Só Matam Pobres. Os tais vampiros, nesse caso, nada têm de sobrenatural ou romântico, apesar de literalmente sugarem o sangue de suas vítimas. A referência é à vinchuca, inseto que no Brasil é mais conhecido como barbeiro, o vetor da doença. “Estudei e me preparei bastante, mas não o suficiente para o que encontrei lá. Comunidades extremamente pobres que não conseguem tapar os buracos de suas casas e colocar vidros nas janelas. É por esses espaços que as vinchucas entram e, às centenas e aos milhares, caem todas as noites sobre as pessoas que dormem.” Os dramas humanos se sucedem e impressionam. Quem sobrevive e chega à idade adulta para ter uma morte repentina, trabalhando no campo, é até bemaventurado. Quem não tem tal “sorte” pode morrer qualquer noite, como tantas crianças e bebês asfixiados por vinchucas que entram em suas bocas e ficam presas nas gargantas. Já de volta ao Brasil, Eliane Brum passou duas semanas sem conseguir escrever nada, mesmo com o prazo apertado. Na época, emagreceu sete quilos. Mesmo num mundo repleto de tragédias, compartilhar certos pesadelos é bem complicado. Até para tarimbados profissionais.

Estupros e esperanças Dignidade! surgiu de um projeto homônimo empreendido pela seção italiana de Médicos Sem Fronteiras há alguns anos. Em sua versão internacional, o time foi formado pela entidade com nomes de peso da literatura contemporânea. Além da jornalista brasileira Eliane Brum, estão Mario Vargas Llosa, Paolo Giordano, Catherine Dunne, Alicia Gimenez Bartlett, James A. Levine, Esmahan Aykol, Tishani Doshi e Wilfried N’Sondé. Em seus textos, a força narrativa não está em números ou estatísticas, mas no drama humano. Seja da voluntária assustada e confusa que luta contra a epidemia de leishmaniose em Bangladesh e encontra alento em uma couve-flor, seja da mulher espancada na Cidade do Cabo por ser portadora do vírus hiv. Mesmo o Nobel de Literatura Vargas Llosa preferiu um tom mais jornalístico para denunciar os horrores da guerra civil no Congo. “O problema número um são os estupros. Matam mais mulheres que a cólera, a febre amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, quando encontra uma mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco, dez, quantos sejam. Uma mulher de 87 anos, violada por dez homens, sobreviveu. Outra, de 69, estuprada por três militares, tinha na vagina um pedaço de sabre. Está sendo cuidada há dois meses e suas feridas ainda não cicatrizaram”, conta Llosa, abrindo o texto escrito em primeira pessoa.

Apesar do objetivo de Médicos Sem Fronteira, de dar relevância a tragédias que se repetem há décadas, mas não encontram lugar no hardnews da grande mídia, a sensação após cada história contada é a mesma: impotência. “Acho que travei porque percebi em determinado momento que apenas contar aquilo não era suficiente. O Mundo não estava nem aí para o drama. O Governo não se preocupava em investir mais na região. A indústria farmacêutica não se esforçaria por gastar mais na procura de cura ou produção de remédios para uma doença que anda junto com a miséria”, analisa Eliane Brum. Um dos poucos alívios é justamente a atuação da organização humanitária. “A mesma sensação invade cada um dos nossos voluntários. Por isso, precisamos entender a importância de fazer o que estiver ao nosso alcance. Talvez não salve aquela vida. Mas divulgando o testemunho ao mundo, dará esperanças a muitas outras pessoas”, acredita Mauro Neves. Foi justamente esse sentimento que levou um grupo de médicos e de jornalistas a se aliar e fundar, há quatro décadas, a Médicos Sem Fronteiras. Hoje, a organização conta com 28 mil profissionais de diferentes áreas, espalhados por 65 países e aliando socorro médico de emergência com a sensibilização da opinião pública em favor das populações em risco. Trabalho que, garante Neves, é muito diferente do mero assistencialismo: “Atuamos nessas nações sempre exigindo uma contrapartida dos Governos locais”, explica. Para deixar mais claro, ele conta como a entidade vem atuando na Bolívia no combate aos vampiros locais: “Temos trabalhado no sentido de oferecer condições dignas de moradia para a população carente; eliminar ou, pelo menos, reduzir o vetor; garantir o saneamento básico; combater a desnutrição crônica, para reduzir o impacto da doença; promover diagnósticos precoces e complementares, já que apenas um exame é insuficiente para descobrir a situação de um paciente; e fazer que os dois medicamentos que combatem a doença-de-chagas – fabricados somente no Brasil – estejam à disposição daquelas pessoas”. Como escreve Eliane Brum ao final de seu capítulo: “Por enquanto, todos os personagens dessa história continuam vivos”. Apesar da tarefa de salvá-los parecer por demais assustadora em certos momentos, a mensagem básica de Dignidade! é de esperança. A obra mina o conformismo e mobiliza a opinião pública a tomar uma posição. E, de quebra, ainda joga por terra um dos mitos do jornalismo moderno: a imparcialidade. Nos campos de refugiados ou nas aldeias pobres do Mundo, é impossível a um observador distante captar a essência do que acontece ali. É preciso se envolver. Para transformar, antes é preciso ser transformado. Essa, talvez, seja a grande lição da literatura do real. JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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IMPRENSA

DIÁRIO CARIOCA, O JORNAL QUE FEZ HISTÓRIA P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES

Diário Carioca – O Jornal que Mudou a Imprensa Brasileira é o título do novo livro da jornalista e escritora Cecília Costa Junqueira, ex-editora do caderno Prosa & Verso de O Globo, lançado no Auditório Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional no dia 18 de maio. Estiveram presentes ao evento o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; os acadêmicos Ivan Junqueira, casado com a autora, Alberto da Costa e Silva e Cícero Sandroni, ex-Presidente da Academia Brasileira de LetrasABL, e Othilia de Souza, viúva do Senador Pompeu de Souza. Na abertura do evento, o Presidente da FBN, Galeno Amorim, disse que Cecília Costa merecia uma saudação especial pela realização do livro, porque fez um trabalho de pesquisa exaustivo que resultou na publicação da história do Diário Carioca, “cujo papel e simbolismo tiveram grande impacto na sociedade brasileira”. Cecília agradeceu os elogios e disse que o livro “é um presente enorme que a Fundação Biblioteca Nacional está me dando pelos meus 60 anos”. O impulso para escrever sobre o Diário Carioca nasceu a partir da pesquisa que Cecília Costa teve que fazer para seu primeiro livro, que foi uma pequena obra sobre o perfil do seu tio jornalista, cronista e poeta maranhense Odylo Costa, filho. Na época, o crítico Wilson Coutinho editava a coleção Perfis do Rio para a RioArte e pediu ao jornalista Luiz Garcia, colunista de O Globo, que escrevesse sobre a vida de Odylo. Como estava muito ocupado, Garcia sugeriu a Wilson que falasse com Cecília, que nessa época já tinha se transferido da Editoria de Economia de O Globo, para assumir a função de editora do caderno Prosa & Verso do jornal. Cecília conta que ao receber o convite ficou em dúvida porque, apesar de jornalista experiente, com bom texto, via com temor a hipótese de escrever um livro: “Eu nasci numa família de jornalistas, meu pai foi um deles, mas para escrever um livro eu tinha que enfrentar a aura e o carisma do meu tio Odylo. Era um grande desafio, porque eu teria que mexer com o patriarca da família. Mas como era para fazer uma pequena biografia, achei que era ele quem estava me concedendo essa oportunidade. De certa forma ele estava me abrindo essa porta”, disse Cecília. 32

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

Em 28 de maio de 1950, o Diário Carioca iniciou sua nova fase: tentativa de adaptar o jornal “ao padrão dos mais modernos órgãos da imprensa mundial”.

Ela tinha consciência de que, depois das centenas de matérias que produziu ao longo da sua atividade jornalística, como repórter de economia e de arte literária, em grandes jornais como o Jornal do Brasil e O Globo, escrever um livro seria uma tarefa completamente diferente. Parte de sua angústia era a certeza de que as matérias jornalísticas, mesmo as especiais com até quatro páginas de texto, exigem um fôlego completamente diferente daquele um livro com cem ou duzentas páginas: “Quando comecei a escrever eu não tinha certeza se iria conseguir. Cheguei a consultar o Paulo Roberto Pires, na época meu colega no Prosa, já que ele escrevera o perfil de Hélio Pellegrino. O con-

selho dele foi: ‘Escreva; depois você pensa na formatação’. Assim eu fiz e o livro sobre Odylo, e acabou sendo concluído.” Classificando-se como uma pessoa que acredita no espiritismo, Cecília disse que se um autor é chamado para falar de um personagem “é porque o personagem o está convocando”. Segundo ela, é só começar a fazer a pesquisa que “as coisas vão aparecendo e chegando às nossas mãos, porque aquele espírito quer que você escreva sobre ele”. Sob a influência de Odylo, acredita, não foi por mera coincidência que ela descobriu um depoimento dele para o Centro de Memória da ABI, realizado em 1979, coincidentemente o ano da sua

morte, aos 65 anos: “Nessa gravação ele conta que não teria feito nada no JB, cuja reforma foi iniciada por ele, se não fosse a experiência que teve no Diário Carioca e na Tribuna da Imprensa, considerados por ele celeiros de bons jornalistas”. Até ouvir a entrevista de Odylo para a ABI, Cecília só conhecia a história da Tribuna e do “jornalismo pouco ético praticado pelo Lacerda, o Corvo”. Não tinha informação alguma sobre o Diário Carioca: “Depois de ouvir o depoimento do meu tio eu ficava me perguntando: que jornal seria esse tal Diário Carioca? Foi aí que despertou a minha curiosidade de apurar a história desse veículo tão elogiado, mas do qual eu nunca tinha ouvido falar. Eu conto no prólogo que o meu pai falava muito do Luiz Paulistano, que tinha sido um dos grandes nomes do DC, mas não tinha outras referências sobre o jornal”. Kleber, um colaborador Kleber, filho de Luiz Paulistano, também compareceu ao lançamento. Ele foi um dos grandes colaboradores de Cecília Costa e a ajudou muito a encontrar os personagens das suas entrevistas: “Esse livro foi uma idéia que surgiu primeiro na cabeça da Cecília e segundo na minha. Eu já pensava nisso há muito tempo, pois o Diário Carioca foi um jornal que revolucionou a imprensa, o modo de fazer imprensa no final dos anos 1940 e início da década de 1950. Era uma história que estava esquecida na cabeça das pessoas”, disse Kleber Paulistano. Conta Kleber que Cecília, ao completar o livro que escreveu sobre Odylo e o JB, verificou que o jornalismo que se praticava desde então tinha raízes no Diário Carioca e que ela pretendia escrever sobre isso: “Eu disse a ela que pensava a mesma coisa desde a morte do meu pai, que realmente era uma pessoa devotada ao trabalho dele como jornalista, e que muitas vezes sacrificou o convívio familiar em função da atividade jornalística”, lembrou Kleber. “O livro diz isso de maneira muito bonita, o encontro de quatro homens e um destino (título de um dos capítulos do livro), que eram o meu pai (Luiz Paulistano), Danton Jobim, Pompeu de Souza e o Prudente de Morais, neto”, disse Kleber em tom emocionado. Antes do início da sessão de autógrafos, ocorreu um debate, transmitido via Embratel para todo o País, cuja mesa teve a participação de Ana Arruda Callado, Gilson Campos, Ferreira Gullar e Murilo Melo Filho, além de Cecília. Foram duas horas de lembranças bem humoradas e relatos de episódios marcantes da trajetória do jornal. “Jornalistas de verdade” Ao abrir o debate, Ferreira Gullar confirmou a regra de que uma boa história depende do perfil e da atuação dos seus personagens. Segundo ele, foi exatamente nesse ponto que o Diário Carioca se destacou dos demais jornais da sua época, como um dos mais importantes veículos de imprensa do Brasil. O diferencial do Diário Carioca, disse Gullar, era ser um


jornal cuja Redação era formada por “jornalistas de verdade”: “Esse livro vai ficar na História da Imprensa brasileira. A partir de agora é preciso lê-lo para se saber o que se fez na imprensa no Brasil. O meu papel é pequeno diante dos jornalistas de verdade que trabalhavam na Redação do DC”. Os “jornalistas de verdade” a quem Ferreira Gullar se referia são Luiz Paulistano, Pompeu de Souza, Jânio de Freitas, Prudente de Morais, neto e Danton Jobim, cujo mérito jornalístico foi reconhecido por todos os integrantes da mesa. Eles foram citados como os principais mentores das mais importantes inovações introduzidas na imprensa brasileira. “Foi no Diário Carioca que eu conheci o lide e o sublide, como fazer notícia”, revelou Gullar, que trabalhou dois anos na Redação do DC, na época em que o diretor de Redação era o jornalista Prudente de Morais, neto. Uma das lembranças que ele traz desse período é o ambiente, a maneira cordial e bem humorada com que o jornalismo era praticado pelo antigo diário. “Vigorava um espírito de brincadeiras que era muito legal”, disse. Gullar considera que as duas coisas mais importantes relacionadas com o Diário Carioca foram a introdução do lide e a criação do sublide, que no Brasil daquela época ainda não se usavam. Os textos jornalísticos eram redigidos com o chamado nariz-de-cera, uma introdução à narração do fato principal. “Essas mudanças foram trazidas dos Estados Unidos para o Brasil pelo Diário Carioca. Depois, o grupo que desenvolveu essas inovações transferiu-se para o Jornal do Brasil e a coisa se espalhou para todos os veículos de imprensa”, recordou o poeta. Outro aspecto que Gullar fez questão de mencionar foi o espírito de humor que havia na Redação do DC, que, disse, transparecia no texto da notícia como uma maneira divertida de relatar os assuntos que muitas vezes eram explorados propositalmente com essa intenção. “Ao mesmo tempo, o jornal conseguia manter a objetividade da notícia”, afirmou. Outro mérito do Diário Carioca lembrado por Gullar foi o de ter sido o pioneiro das reformas editoriais e gráficas que marcaram uma época da imprensa do País, como a ocorrida no Jornal do Brasil, nos anos 1950-1960: “O livro da Cecília atribui muito bem à história do Diário Carioca essa mudança do JB, que não teria tido a renovação que teve se não tivesse importado as idéias e os profissionais do DC, como Jânio de Freitas e José Ramos Tinhorão”. Um jornal diferente Sem sombra de dúvida a Redação do DC era diferenciada. Nela passaram Paulo Mendes Campos, Francisco Pereira da Silva, Carlos Castello Branco, Jacinto de Thormes, Sábato Magaldi, Antônio Bento e Nélson Pereira dos Santos e colaboradores como Carlos Drummond de Andrade e Thiago de Melo. O jornal lançou seções importantes e dedicava duas páginas ao cinema, que era uma das pai-

Tonelero –, onde diz que aprendeu, dexões do seu fundador, José Eduardo de crever um livro sobre o Diário Carioca. Ele pois de cursar Jornalismo na antiga FaculMacedo Soares: “O Diário Carioca tinha está, atualmente, com 81 anos e esse era dade Nacional de Filosofia, o verdadeiro uma base de grandes colunistas, entre os o sonho da vida dele. Num apartamento na exercício da profissão: “Comecei fazenquais Nélson Rodrigues, Sérgio Porto, Tijuca, na Zona Norte do Rio, ele mantém do pautas que me obrigavam a subir morum arquivo pessoal com 300 exemplares Hélio Fernandes, que lá começou escrero. Fiz muita reportagem de polícia, e do DC, dos dez anos em que lá trabalhou, vendo sobre futebol. Enfim, foi um diáacabei subindo de posição. Sempre tive além de outros jornais que já não circulam rio que, pelo pouco que eu conhecia, logo boas chances e as aproveitei”. mais, como o Correio da Manhã”. se apresentou para mim como um jornal Conforme foi avançando nas pesquidiferente”, afirmou Cecília. O inventor da sigla JK sas, Cecília percebeu que o Diário CarioO primeiro objetivo de Cecília era O jornalista e acadêmico Murilo ca tinha sido “um jornal diferente dos conhecer a coleção do jornal em papel, e Melo Filho não trabalhou no Diário Cademais que circulavam na mesma época”. na Fundação Biblioteca Nacional só porioca, mas acompanhou a trajetória do A mesma opinião é compartilhada por deria fazer consulta nas edições microfiljornal, que em sua visão “revolucionou o Gílson Campos, para quem o Diário Camadas. Um dia recebeu a informação de jornalismo de então”: “Um jornal de elirioca foi a renovação do jornalismo no que o Pompeu de Souza tinha levado a te e de grande influência, como afirma Brasil: “Muito se deve a Danton Jobim e coleção original do jornal, que pertenceu Benicio Medeiros, que em sua Redação a Pompeu de Souza na renovação do jorà D. Lily de Carvalho Marinho, para a reuniu alguns dos melhores jornalistas nalismo brasileiro. O Diário Carioca mobiblioteca do Senado: “O Mauro Salles brasileiros, como José Eduardo de Macedificou o sentido da imprensa, que era um ficou sabendo do meu interesse em condo Soares, Danton Jobim, Pedro Dantas pouco afrancesada e seguia um modelo sultar essa coleção. Então decidiu entrar (pseudônimo de Prudente de Morais, ligado a outro tipo de publicação. Quanno projeto. Pagou a minha ida a Brasília, neto), Pompeu de Souza, Luiz Paulistano, do o DC passou a ser dirigido por Danton acompanhada da fotógrafa Lara Velho, Carlos Castello Branco, José para que pudéssemos fotografar Ramos Tinhorão, Armando as páginas do DC que se enconNogueira, entre outros, todos travam na biblioteca do Senaeles profissionais éticos e íntedo Federal. Fomos lá três vezes, gros”, disse. eu e Lara”, contou. Murilo Melo Filho recordou Cecília tinha feito contato que o DC foi o primeiro jornal com Gilson Campos, que fora a adotar um manual de redação fotógrafo do DC e mantinha em e a “enterrar o famoso nariz-desua casa, no Rio, 300 exemplares cera”. Falou sobre os panfletáde edições do jornal entre 1952 rios editoriais na primeira págie 1962. Gilson prometera emna assinados por José Eduardo prestar esses jornais, futurade Macedo Soares, “vítima na mente. Por isso, em Brasília, época de um covarde atentado”. Cecília deu prioridade aos jorSegundo Murilo, foi o Diário nais até a década de 1950. No Carioca, com suas inovações, início, ela folheava os jornais e que adotou a forma JK para depedia a Lara que fotografasse as nominar o Presidente Juscelipáginas da coleção, ainda sem no Kubitscheck. “Jânio Quasaber muito bem o que queria. dros virou JQ, João Goulart Só sabia que o DC tinha comeviu-se tratado por Jango e o çado a circular em 1928 e fechapróprio Diário Carioca assinara as portas em 1965. va-se apenas DC”, disse refeComeçaram então a fazer os rindo-se às mudanças de trataregistros fotográficos da cammento de autoridades lançadas panha do jornal contra Wapelo jornal. shington Luís; toda a cobertuNa opinião de Murilo, com ra sobre a Revolução de 1930 e o Diário Carioca começou a soa morte de João Pessoa; o Estaprar na imprensa brasileira do Novo (1937-1945); as edi“uma aragem de juventude e de ções de 1938, do pré-guerra;, das O Imparcial foi o primeiro jornal de José Eduardo de Macedo Soares. Na edição de 31 de outubro de 1914, uma crítica a Hermes da Fonseca. mocidade”, com páginas mais edições censuradas pelo Dip leves e mais bonitas e de bom (Departamento de Imprensa e e Pompeu, tomou outro rumo e modificou gosto, com o destaque do ponto de vista Propaganda); o golpe militar de 29 de a imprensa nacional”. estético das nossas revistas e jornais: “Ele outubro de 1945, que pôs fim à ditadura Gílson Campos revelou que até hoje foi realmente o que se denominava de um do Estado Novo; as matérias que pressiouve colegas remanescentes daquele pegrande jornal. Não pelo número de págionavam pela queda do Getúlio: “Quando ríodo, e que depois que o DC foi extinnas, que até nem eram muitas, mas sim eu cheguei na década de 1950, a Lara me pela essência de ser um jornal inteligento foram trabalhar em outros jornais imdisse que não poderia mais fotografar. te, de bom humor, moderno, ousado, coportantes, dizerem que iniciaram suas Nesse momento tínhamos cerca de rajoso, talentoso e permanente hóspede carreiras no Jornal do Brasil, ou em O 1.300 fotos do diário, que narravam toda da oposição”, afirmou. Globo: “A verdade é que o Diário Carioca uma história interessantíssima”. Murilo Melo Filho lembrou, também, foi o lugar de onde saíram os melhores jorque o Diário Carioca testemunhou várinalistas de uma época. Tive a oportuniA coleção de Gílson os episódios importantes da História do dade de participar desse primeiro time. A O livro começou a ser rascunhado em Brasil, entre os quais a Revolução de 1930 partir do DC me destaquei profissional2004, quando Cecília saiu de O Globo e e o atentado a Carlos Lacerda, em 1954, mente, me tornei chefe e depois percorpercebeu que lhe sobrava tempo para de que resultou na morte do Major Ruri vários outros jornais, a maioria dos encarar essa empreitada. Quando iniciou bens Vaz e acabou provocando a morte de quais já fechou, menos O Estado de suas pesquisas, contou com a ajuda de Getúlio: “O jornal viu-se empastelado S.Paulo, cuja sucursal do Rio eu chefiei”. Kleber Paulistano, que lhe passou as pripela Revolução Constitucionalista de Ele fala com muito orgulho da sua meiras indicações de fontes que ela deve1932, lutou contra o fascismo, o Dip e o passagem pelo Diário Carioca – foi o auria entrevistar: “A primeira pessoa com tor da foto histórica do atentado a Carlos Estado Novo, de 1937. Atravessou os diquem eu falei foi o Gílson Campos, um Lacerda, em 5 de agosto de 1954, na Rua fíceis anos da Segunda Grande Guerra fotógrafo reconhecido, que sonhava esJORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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IMPRENSA DIÁRIO CARIOCA, O JORNAL QUE FEZ HISTÓRIA

(1939-1945) e recusou-se a conviver com os 21 anos dos Governos dos generais (1964-1985)”, recordou Murilo. O começo, antes de 1930 O jornal pertencia aos Macedo Soares, uma família muito influente, dona de muita terra no interior do antigo Estado do Rio: “ O tio do José Eduardo de Macedo Soares, Antônio Joaquim de Macedo Soares, foi amigo de Joaquim Nabuco e de José do Patrocínio. Ele era um abolicionista muito influente, que desde o tempo de estudante na Faculdade de Direito, em São Paulo, tinha se tornado uma liderança política. Ele ajudou Rui Barbosa na Constituição de 1891”, afirma Cecília. Antes de fundar o DC, José Eduardo de Macedo Soares lançou O Imparcial (1912 a 1922), jornal que foi fechado na transição de Epitácio Pessoa para Arthur Bernardes: “O José Eduardo participou do movimento dos 18 do Forte. Foi preso três vezes e depois ficou refugiado na Europa. O irmão dele agia em São Paulo. Os dois deixaram o Brasil. Quando eles voltaram ao País, fundaram o Diário Carioca para derrubar Washington Luiz e a política café com leite”, diz . Para Cecília, com a sua vocação política e revolucionária o Diário Carioca nasceu com o compromisso de “fazer a Revolução de 1930”. Ele era liberal, seus donos eram latifundiários, não pertenciam à base industrial. A riqueza deles vinha da terra: “Mas o auge da intervenção dos irmãos Macedo Soares na política é quando ocorreu a morte de João Pessoa, porque por mais que tivessem ficado tristes com o assassinato do então Presidente da Paraíba eles puderam fazer edições maravilhosas”. Razões da influência Como o DC conseguia se destacar no meio dos cerca de 30 jornais que circulavam no Rio de Janeiro naquele período? A esta pergunta Cecília responde sem hesitar: “É porque tinha como fundador José Eduardo de Macedo Soares”. Ela aproveita para apontar os momentos importantes na trajetória do DC, entre as décadas de 1930 e 1950: “Em 1930, o jornal realmente ajuda a derrubar Washington Luís e a colocar Getúlio no poder. No ano de 1932, apóia a Constituinte, Getúlio não a convoca e o jornal passa a enxovalhar o Presidente, que manda empastelar o jornal. Em 1937, José Carlos de Macedo Soares, irmão de José Eduardo e então Ministro da Justiça de Vargas, fez a famosa ‘macedada’, que tirou os comunistas da prisão. Com o Estado Novo, eles se afastam de Getúlio e ficam agindo nos bastidores até 1945". Nesse último ano, segundo Cecília, o DC faz uma campanha que ajuda a derrubar Getúlio da Presidência. Isso aconteceu no final da Segunda Guerra, com inúmeras campanhas promovidas pelo jornal contra o então Presidente da República, e um declarado apoio ao General Eurico Dutra, seu Ministro da Guerra. “Em 1950, é realizada uma reforma no DC com idéias trazidas por Pompeu de 34

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Souza, depois de uma viagem aos Estados Unidos. O jornal começa a inovar nos títulos como o famoso ‘Sai Dutra, entra Góis’, falando da candidatura do Dutra à Presidência, quando ele foi obrigado a se afastar do cargo de Ministro da Guerra. Nunca tinha acontecido na imprensa no Brasil nada igual a esse título. Ou seja, foi o início de uma nova linguagem no jornalismo brasileiro lançada pelo DC”, disse Cecília. Essa novidade na imprensa nasceu com Pompeu de Souza, e Luiz Paulistano, que, apoiados por Danton Jobim e Prudente de Morais, começaram a mudar o texto e o visual do jornal. Cecília conta que com o apoio financeiro de Dutra a idéia era transformar o Diário Carioca num jornal de circulação nacional. Em suas páginas, o jornal passaria a falar de assuntos para a mulher, criança, operários, funcionalismo público, intelectuais: “Para todo tipo de leitores, do Oiapoque ao Chuí. Aliás, essa expressão foi criada pelo José Eduardo de Macedo Soares na coluna dele”. Com muito dinheiro em caixa, foi feita a mudança da sede para um prédio novo, na Avenida Presidente Vargas, 1.988, no Centro do Rio: “Compraram uma máquina impressora que imprimia a quatro cores, e com base nesse novo equipamento lançaram um ‘novo jornal’, em 28 de maio de 1950, com 72 páginas, na edição dominical”, conta Cecília. Durante a semana o jornal circulava com 12 páginas. No domingo, saía imenso, com cinco cadernos, como o Carioquinha, a Revista do DC e uma seção literária chamada Letras & Artes, que tinha a colaboração de Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira e Clarice Lispector: “Foi uma atitude ousada do DC, a de se transformar num novo jornal, visando ao público brasileiro. Só que eles fizeram uma aposta política errada. Como os Macedo Soares apoiavam Eduardo Gomes desde o 5 de julho de 1922 e em 1945 haviam se tornado ardorosos udenistas, com a volta de Getúlio ao poder, em 1951, quase que eles perdem tudo”. Os Macedo Soares foram então obrigados a passar o prédio novo e a impressora do jornal para o Samuel Wainer, numa “transação misteriosa”, segundo Cecília, sobre a qual não existem documentos que comprovem a pressão do novo Presidente para que a operação fosse feita. “Provavelmente sob a ameaça de uma encampação, como vinha ocorrendo na Argentina”, especula Cecília. Foi então que os Macedo Soares compraram a sede que ficava na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua São Bento, local onde passou a funcionar a nova Redação, pela qual passaram Ferreira Gullar, Armando Nogueira, Ana Arruda Callado e José Augusto Ribeiro. A hora da decadência Ana Arruda Callado contou que chegou ao Diário Carioca quando o jornal já estava entrando em decadência. Era uma tentativa de renová-lo com Prudente de

Morais reassumindo a sua antiga função: “Ele chamou o Zuenir Ventura para chefiar a Redação e os dois mandaram me chamar. Fizeram um grande marketing comigo, anunciando ‘a primeira mulher Chefe de Reportagem do Brasil’.” Lembra Ana que essa fama acabou lhe rendendo uma historinha engraçada: “Nós costumávamos almoçar em um restaurante na Rua São Bento, nº 9. Um dia eu estava lá almoçando com um grupo quando entrou o Nahum Sirotsky, que era chefe de Redação da Manchete. Quando ele me viu gritou: “Ana Arruda, levanta! Levanta porque eu nunca dei um beijo em um chefe de Reportagem”(risos). Ana Arruda disse que no seu entendimento a dupla Danton Jobim e Pompeu de Souza foi importante no Diário Carioca, mas as pessoas minimizam o papel do Danton. Para ela, coube a Danton a organização dos cursos de Jornalismo, cujo primeiro programa foi feito por ele na Faculdade Nacional de Filosofia.Desde 1948, lembrou, Danton já chamava a atenção em livros e conferências sobre a linguagem concisa, clara e do lide: “É claro que o Pompeu foi quem fez o primeiro manual de redação, e além disso era muito simpático com os jornalistas. Por isso ele ficou com as glórias, porque é melhor a gente exaltar Pompeu, que era de esquerda, do que o Danton Jobim, que era empoado e se transformou em um chato reacionário (risos). Porém, é importante juntar esses dois quando se fala na reforma no jornalismo”. Uma lição de Paulistano No final do encontro, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, parabenizou Cecília Costa por proporcionar a todos “uma tarde-noite tão rica de ensinamentos, por protagonistas e momentos significativos não apenas do Diário Carioca e do Jornal do Brasil, mas da imprensa brasileira em geral”. Maurício revelou que ficou muito confortado em ouvir as referências a Luiz Paulistano, personagem que, “acompanhando os méritos de Danton Jobim e de Pompeu de Souza, foi o grande articulador da forma de escrever na imprensa brasileira”. Disse o Presidente da ABI que não trabalhou com Paulistano no Diário Carioca. O encontro profissional dos dois aconteceu no Jornal do Commercio, pelo qual ele foi contratado para exercer a função de noticiarista da editoria Internacional, então chefiada pelo jornalista Erik Sacks. Quando surgiu uma vaga na Reportagem, ele foi transferido para esse setor. Na nova função, uma de suas primeiras reportagens foi cobrir o primeiro sorteio do concurso ‘Seus Talões Valem Milhões’, em 31 de dezembro de 1958. Ele recorda que o primeiro prêmio teve dois ganhadores: uma funcionária da Confeitaria Colombo e um juiz de Direito, que morava na Ilha do Governador. Quando retornou à Redação, Maurício redigiu o texto da matéria no estilo tradicional, formal, seco, direto: “A Prefeitura do Distrito Federal realizou, ontem, o primeiro sorteio do concurso ‘Seus


QUADRINHOS

REPRODUÇÃO

Bastien Vivès chegou, afinal Sua premiada novela gráfica chega ao Brasil com quatro anos de atraso. P OR C ESAR S ILVA

Luiz Paulistano: O grande articulador da forma de escrever na imprensa brasileira.

Talões Valem Milhões’, que teve como ganhadores a comerciária Léa Fonseca, caixa da Confeitaria Colombo, e o juiz de Direito Pedro Paulo de tal..., morador na Ilha do Governador. Cada um recebeu 1 milhão de cruzeiros...”. Quando leu a abertura da matéria, contou Maurício, Paulistano sentou-se à máquina e ditou como fazer a notícia. Assim: “A comer-

Cecília e suas obras O volume Diário Carioca – O Jornal que Mudou a Imprensa Brasileira (Coleção Cadernos da FBN, 2012) é o quinto livro de Cecília Costa Junqueira, jornalista e escritora, ex-editora do caderno Prosa & Verso de O Globo, casada com o poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Ivan Junqueira e integrante do Conselho Deliberativo da ABI. O primeiro foi Odylo, Um Homem Com Uma Casa no Coração (Relume Dumará, 1999). Depois lançou os romances Damas de Copas e Julia e o Mago, ambos pela Record, em 2003 e 2009, respectivamente. Escreveu também José do Patrocínio (Coleção Série Essencial, FBN, 2010).

ciária Léa Fonseca, caixa da Confeitaria Colombo, da Rua do Ouvidor, foi uma das duas ganhadoras do primeiro prêmio do concurso Seus Talões Valem Milhões, realizado ontem pela Prefeitura do Distrito Federal. Ela ganhou 1 milhão de cruzeiros ...”. Em seguida, o texto fazia menção ao juiz de Direito, contou Maurício: “Essa foi a lição mais rica e forte que eu recebi do Diário Carioca e do Paulistano, que era realmente um mestre extraordinário. Acho que todos nós jornalistas das gerações da época e das posteriores devemos um agradecimento muito grande ao Paulistano, porque ele humanizou o noticiário jornalístico e nos deu a possibilidade de encontrar no fato corriqueiro da cobertura cotidiana uma riqueza que a princípio a gente não consegue identificar”. Maurício compara esse traço da personalidade de Paulistano com o do diretor de cinema italiano Luchino Visconti, que numa entrevista disse que em seu filme Os Deuses Malditos colocou todos os personagens do nazismo como figuras detestáveis, monstruosas, porque o nazismo foi essencialmente um grande mal para a Humanidade: “Num determinado ponto ele dizia: ‘Nos meus filmes evito não deixar de colocar sempre a criatura humana num plano em que possa ser distinguida pelo espectador ’. Paulistano, muito antes de Visconti, que era um gênio do cinema, teve a primazia nessa percepção da importância do humano no jornalismo”.

Bastien Vivès é um bem sucedido autor de bande dessinée, como é chamada na França a arte das histórias em quadrinhos. Nascido em 1984, este jovem artista conquistou reconhecimento em tempo recorde, e um dos motivos desse sucesso certamente é a influência artística que recebeu desde cedo de sua família. Seu pai, Jean-Marie Vivès, é pintor, ilustrador e fotógrafo, que trabalhou com os cineastas Jean-Pierre Jeunet e Jean-Marie Poiret, e sua mãe também atua na indústria do cinema francês. Interessado pelo mundo da contação de histórias, Bastien estudou artes e cinema de animação, mas optou pelos quadrinhos para dar forma às suas criações. Sua estréia ocorreu em 2006 pela editora Danger Public, com o álbum Poungi la Racaille, ainda assinando como Bastien Chanmax. Daí em diante não falhou um ano sem publicar pelo menos um título inédito, como Elle(s), em 2007, e Hollywood Jan, em 2008. Nesse mesmo ano Bastien Vivès lançou seu primeiro grande sucesso, O Gosto do Cloro (Le Goût du Chlore) que recebeu o Prêmio Revelação do importante Festival de Angoulême e agora, quatro anos depois, finalmente é lançado no Brasil pela Leya. O Gosto do Cloro fala sobre as aventuras emocionais de um jovem tímido que precisa praticar natação para tratar de uma escoliose. A cada semana, o rapaz literalmente mergulha no microuniverso social de uma piscina pública.

A arte de Vivès é de uma delicadeza técnica incomparável. Seus traços são limpos e econômicos; contudo suas imagens são expressivas, bem definidas. Cada personagem tem fisionomia bem identificada e uma expressão física particular que também define seu estado de espírito. E as cores são um caso à parte. Frias e tranqüilas, enfatizando tons neutros e um verde predominante, são indispensáveis na construção gráfica da história. A lâmina de água, praticamente sem movimento, é fronteira bem definida entre o mundo real e a dimensão submersa, onde as coisas realmente belas e importantes acontecem. A solução gráfica encontrada para definir os dois mundos é um dos pontos altos do trabalho que, dessa forma, extrapola a narrativa e invade o ambiente das artes plásticas como uma série de litografias. A edição brasileira foi tratada com grande dignidade, com um belo trabalho de impressão em papel ofsete 90g encadernado em capas de Triplex 250g com laminação fosca e um pequeno detalhe em verniz. O texto também é minimalista, com tradução de Maria Clara Carneiro, de forma que se lêem suas 144 páginas em poucos minutos, num efeito cinematográfico impactante repleto de angulações criativas e tomadas vertiginosas, valorizando o despersonalizado ambiente de uma piscina, similar em qualquer parte do mundo. Da mesma forma que identifica o intervalo de silêncio e contemplação na vida do protagonista, O Gosto do Cloro induz também o leitor a um momento de reflexão, uma viagem para alguns dos muitos mundos submersos em nossas memórias, que estão sempre ansiosos para vir à tona. JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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DESIGN

Livro sobre história do design gráfico brasileiro é obra de referência para jornalistas e interessados na trajetória das nossas artes gráficas em dois séculos. P OR G ONÇALO J UNIOR

A idéia de cronologia que traz o título do livro Linha do Tempo do Design Gráfico Brasileiro (Cosac Naify) pode passar uma impressão de superficialidade sobre o real alcance e importância de seu conteúdo. Mas não é nada disso. Pelo contrário. Organizado pelo designer e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Usp, Chico Homem de Mello, e pela Diretora de Arte da Cosac Naify Elaine Ramos, em primeiro lugar esse impressionante volume de 750 páginas, capa dura e sobrecapa, chama a atenção – e encanta – até mesmo o mais leigo dos leitores, numa breve folheada, pela riqueza visual de capas de revistas, jornais, livros, selos postais e discos publicados ou lançados no decorrer dos dois últimos séculos no Brasil. Reproduzidas em cores e em papel fosco, as imagens formam, de modo pioneiro, um conjunto sólido, abrangente e completo de como as mídias impressas – e isso inclui as capas de discos, claro – ajudaram a moldar a história visual e a dar uma cara de identidade ao Brasil como pátria e nação. Cada época, cada era, tudo é facilmente identificável e representado pelo que houve de mais imprescindível, numa pesquisa completa e irretocável. Daí o caráter meramente nostálgico que faz a alegria de quem se interessa pelo tema – do curioso aos muitos tipos de profissionais ligados à área de escrita ou visual. Para os jornalistas, publicitários, designers e comunicadores de modo geral, o livro é um deleite que permite horas e horas de prazer ao apenas olhar pacientemente cada ilustração e observar como elas surgiram, estabeleceram e modificaram nossa imprensa e cultura. Num segundo nível de leitura, porém, vem o aprendizado, com eficiente combinação de imagem e texto, onde tudo é explicado de modo claro, objetivo e também revelador. Sim, porque é este o mérito maior da obra: seu caráter de ineditismo por trazer muita informação histórica que estava perdida em revistas e livros hoje praticamente esquecidos em arquivos e que os autores tiveram o zelo – e ousadia – de lhe dar a devida importância, 36

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TODAS AS IMAGENS SÃO REPRODUÇÕES DO LIVRO LINHA DO TEMPO DO DESIGN GRÁFICO BRASILEIRO (COSAC NAIFY). 1953 - O CANGACEIRO (C ARYBÉ). 1970 - MILTON (KÉLIO RODRIGUES). 1976 - O HOMEM QUE VIROU BODE P ORQUE PROFANOU FREI DAMIÃO (CIRO FERNANDES). CERCA DE 1979 - DIÁRIO DO PARANÁ, EDGAR ALLAN POE (MIRAN).

ao deixar de lado convencionalismos rigorosos ou excessivos e conceitos previamente estabelecidos e até impostos. Chico e Elaine foram corajosos ao estabelecer, eles mesmos, o que realmente se produziu de relevante no design gráfico brasileiro, graças ao conhecimento e a um incomum faro para pesquisar fontes primárias, em vasculhar acervos públicos e privados na busca de “novidades”, de tudo o que consideravam de valor para o estudo e que era praticamente desconhecido. Chico é autor de obras como Os Desafios do Designer (Rosari, 2003), Signofobia (Rosari, 2005), O Design Gráfico Brasileiro – Anos 60 (Cosac Naify, 2006), e O Design Como Ele É (Ateliê Editorial, 2007). Em


entrevista ao Jornal da ABI, em seu confortável escritório no bairro de Sumaré, na capital paulista, onde trabalha cercado por uma impressionante quantidade de estantes repletas, ele conta que percorre sebos e feiras em busca de livros, revistas e discos sistematicamente há seis anos, aos sábados e domingos. Além dos sebos, passa regularmente por três feirinhas famosas na cidade – Masp, Benedito Calixto e Bexiga – em busca de obras que, acredita, têm algum valor ou relevância em suas pesquisas sobre design gráfico. Nessas buscas, observa, precisa combinar interesse com a parte financeira, pois os preços muitas vezes são exagerados. “Não encontrei facilidade no acesso a instituições e empresas (editoras) para fazer a Linha do Tempo. É tudo muito burocratizado”, acrescenta. “Como os itens que precisava não são tão caros, prefiro fazer assim, eu mesmo comprar. Sem contar que evito pegar material danificado”, observa. Ele se refere aos famigerados e questionados encadernamentos de revistas, livros e jornais, que são sempre mutilados com costuras, colagens e refilamentos. Reproduzir obras assim se torna algo precário porque as bordas foram cortadas ou coladas. “Minha procura é para obter a cópia completa, na sua materialidade original. Se não é possível, procuro um encadernador especializado e peço para desencadernar com o máximo de cuidado”. Chico ressalta que não existe a cultura de se preservar exemplares da imprensa. “A dificuldade de conservar vem, em primeiro lugar, da efemeridade, pois jornais e revistas sempre foram pensados para serem consumidos e descartados logo, para durar pouco; quase não se guarda. Mesmo os livros, menos efêmeros, que têm instituições para preservá-los, são difíceis de achar”, observa o pesquisador, que se define como “garimpeiro incansável”. A internet também permite algumas compras, apesar dos preços quase sempre abusivos. No caso dos leilões, Chico costuma olhar antes os produtos expostos, identificar raridades e anotar os títulos para procurar mais em conta em outros lugares. Assim conseguiu reunir boa parte das reproduções que formam o novo livro. No caso de Linha do Tempo, o resultado disso foram mais de 16 mil imagens coletadas e fotografadas, reduzidas para 4,5 mil numa segunda seleção e, por fim, para as 1,6 mil que fazem parte do livro. O trabalho consumiu três anos de elaboração e mais de 50 reuniões dos dois autores, até que se chegasse a um modelo ideal para formatar uma obra tão desafiadora. Ouvir de Chico como tudo isso aconteceu é, no mínimo, empolgante. O livro nasceu de forma despretensiosa, explica. A Cosac Naify pretendia publicar a tradução do clássico História do Design Gráfico, de Philip B. Meggs e Alston W. Purvis, sobre a história do design mundial, considerada a mais importante já realizada sobre o tema.

limitar-se a apenas à informação visual. “Por princípio, não houve preocupação com rigores conceituais ou metodológicos. Aliás, nem sequer o termo ‘design’ é discutido”, prosseguem, na introdução. De acordo com eles, foi assumido que, desde 1808, quando a Impressão Régia iniciou suas atividades no Rio de Janeiro, o que se produziu no Brasil foi design gráfico, tivesse ou não esse nome – não tinha, claro. “Mesmo as diretrizes mais gerais adotadas foram flexibilizadas com freqüência”. Um exemplo disso foram as embalagens, não incluídas. No entanto, no capítulo dedicado ao século 19, os autores reuniram um pequeno conjunto de rótulos, “em virtude da relevância que tiveram naquele período no tocante à exploração da cor e dos novos recursos oferecidos pela litografia.” Aprendizado e descobertas

1843 - SÉRIE O LHO DE BOI (SELO; CARLOS CUSTÓDIO DE AZEVEDO, QUINTINO JOSÉ DE FARIA). 1969 - VAZANTE (JAYME CORTEZ). 1976 - P ASQUIM N° 374 (CARLOS PROSPERI, DIREÇÃO DE ARTE E ILUSTRAÇÃO DE ZIRALDO). 1977 - MORTE E VIDA SEVERINA (MELLO MENEZES )

Elaine Ramos, responsável pela edição, ficou incomodada porque nada trazia de Brasil. Ela, então, pediu a Chico um caderno de 16 páginas para anexar ao volume, mas a idéia de ter algo mais completo não lhe saiu da cabeça. E cresceu. Chico havia escrito um livro sobre o design brasileiro nos anos 1960 e topou o desafio. O que seria um livreto de 60 páginas passou para 120 e não parou de aumentar. Mesmo sem o patrocínio buscado pela editora, o título saiu com 750 páginas. Optou-se que tudo fosse fotografado ao invés de escaneado, porque desse modo se capta melhor as nuanças de cada imagem. Na obra, observa Chico, apenas meia dúzia de ilustrações, no máximo, não veio de fontes originais, mas da reprodução de obras pesquisadas. Ele consultou principalmente cinco arquivos importantes para completar o mapeamento: as coleções do empresário José Mindlin, da professora

Ana Maria Camargo, da Biblioteca Nacional, da Casa de Rui Barbosa e do Instituto de Estudos Brasileiros-Ieb, da Usp. “Há belezas de toda ordem, surpresas várias e algumas perplexidades”, escrevem os autores, na introdução de Linha do Tempo do Design Gráfico Brasileiro. Eles mesmos reconhecem: “O conjunto (de imagens) é de tirar o fôlego, exibe uma vitalidade insuspeita e permite examinar a cultura gráfica brasileira a partir de novos pontos de vista”. Os comentários que acompanham cada estampa têm o intuito, explicam, de fornecer ao leitor uma contextualização sumária, capaz de contribuir para que elas possam ser mais bem apreciadas. Chico e Elaine foram pelo caminho oposto à idéia predominante de se pensar no design apenas visual, sem considerar a matéria, o objeto tridimensional, o formato de cada peça. A regra tem sido, afirma ele,

Chico conta que a surpresa de sua pesquisa foi o aprendizado de ter descoberto tanta coisa que não conhecia. “Chamou minha atenção a diversidade em todos os períodos. A gente tem muito forte a idéia do estilo de cada época, mas descobri que vai muito além disso. Os caras estavam antenados no que havia de novo, de contemporâneo em todo o mundo, e isso logo chegava aqui.” Ele cita como modelo disso a revista São Paulo, publicada na capital paulista a partir de 1936, explicitamente influenciada pelo artista soviético Alexander Rodchenko (1891-1956) em todo o seu projeto gráfico, embora ele tivesse começado a se destacar apenas quatro anos antes e se tornaria um ícone de seu tempo. O pesquisador ficou tão impressionado que dedicou à publicação quatro páginas. São Paulo era editada pelo jornalista e poeta Menotti del Picchia (1892-1988), um dos expoentes do modernismo brasileiro. “Veja só essa paginação, isso é a Rússia em português”, afirma ele, ao mostrar algumas das páginas da revista que reproduziu. À exceção da parte introdutória, em que apresenta um apanhado sobre o design gráfico do século 19, quando a reprodução de imagens ainda era precária, o resto do livro é dividido em capítulos e décadas, assim organizados: sinais (logotipos), selos dos Correios, cédulas de dinheiro, discos, cartazes, livros, revistas e jornais. “Assim como aprendi muito, cheguei à conclusão de que não conheço com profundidade mesmo os territórios mais mapeados por mim e por outros pesquisadores”, insiste Chico, que cita entre os nomes que o impressionaram o de (Emiliano) Di Cavalcânti (1897-1976), há décadas celebrado artista plástico do modernismo brasileiro, mas que teve importante passagem pela imprensa nas décadas de 1920 a 1940 como ilustrador de revistas e suplementos culturais de jornais. “Não encontrei nada dele que não fosse relevante”, garante. Considera Chico que, embora os cursos acadêmicos não sejam muitos, o Brasil não está tão atrasado no estudo de sua produção de design. E a bibliografia existente já é expressiva. Alguns países do chamado Primeiro Mundo, por exemplo, estão atrás. “Nos Estados Unidos, até pouco tempo, havia grandes designers sem livros sobre suas obras. O interesse é relativamente recente, mas estamos construindo essa história.”

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DESIGN O ROSTO IMPRESSO DE UM PAÍS

1808 - GAZETA DO RIO DE JANEIRO, N°1. 1876 REVISTA ILLUSTRADA, N°1 (ÂNGELO AGOSTINI). 1889 - LARANGINHA (RÓTULO DE MEDICAMENTO). 1921 GUARANÁ (LOGOTIPO). 1922 - KLAXON, N°1; SEMANA DE ARTE MODERNA (PROGRAMA, DI CAVALCANTI). 1927 - PARA T ODOS, N°431 (J.CARLOS). 1928 - O CRUZEIRO, N°1 (MANUEL MÓRA). 1936 - S.PAULO N°2 (REVISTA).

1940 - A TRAGÉDIA DE STARVEL (CAPA ATRIBUÍDA A EDGAR KOETZ). 1941 - ABC DE CASTRO ALVES (SANTA ROSA). DÉCADA DE 1940 DISCOS COPACABANA; CAÇADAS DE PEDRINHO (AUGUSTUS). 1950 - TV TUPI (MÁRIO FANUCCHI). 1953 - LAMPIÃO (SANTA ROSA). CERCA DE 1955 - NOEL ROSA (DI CAVALCANTI). 1956 - GRANDE SERTÃO: VEREDAS (POTY). 1958 - A MOÇA DOS OLHOS VERDES (NILS). 1959 - LOLITA (EUGÊNIO HIRSCH); MÓDULO N°13 (ARTUR LÍCIO PONTUAL, COM FOTO DE MARCEL GAUTHEROT); NOVELAS NADA EXEMPLARES (POTY); SENHOR N°1 (CARLOS SCLIAR).

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1953 - ÚLTIMA HORA (ILUSTRAÇÃO DE EDGAR KOETZ). 1958 SUPLEMENTO LITERÁRIO (O ESTADO DE S.PAULO, ILUSTRAÇÃO DE RENINA KATZ). 1963 - MAYSA (CÉSAR VILLELA, COM FOTO DE FRANCISCO PEREIRA). 1967 ORFEU DA CONCEIÇÃO (GLAUCO RODRIGUES, COM ILUSTRAÇÃO DE CARLOS SCLIAR). A PARTIR DE 1968 COLEÇÃO DEBATES (MOYSES BAUMSTEIN ). 1968 - TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS (RUBENS GERCHMAN, COM FOTO DE OLIVER PERROY); VEJA N°12 (GEORGE B.J. DUQUE ESTRADA). 1969 FLICTS (ZIRALDO); CABRAL: ANTOLOGIA POÉTICA (ZIRALDO).

1961 - GATO PRETO EM CAMPO DE NEVE (EUGÊNIO HIRSCH). 1962 - O HOMEM NU (BEA FEITLER); V ISÃO N°26 (ODILÉIA TOSCANO). 1964 - PIF PAF N°1 (EUGÊNIO H IRSCH). 1965 - OS LOBOS (VICENTE DO GRADO). 1976 - MOVIMENTO (ELIFAS ANDREATO); JORNAL DA TARDE.

1975 - REDE GLOBO (HANS DONNER). 1977 CARTOLA: VERDE QUE TE QUERO ROSA (NEY TAVORA, COM FOTO DE IVAN K LINGEN). 1982 ISTOÉ N°283 (H ÉLIO DE ALMEIDA). AS AVENTURAS DA BLITZ (LUIZ STEIN, GRINGO CARDIA, COM FOTO DE CAFI). 1985 FOLHETIM, FOLHA DE S.PAULO (SAMUEL RIBEIRO JR.). 1992 - MAIS!, FOLHA DE S.PAULO (FOTO DE ANTÔNIO AUGUSTO FONTES). 1997 - NOTÍCIAS POPULARES.

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DESIGN O ROSTO IMPRESSO DE UM PAÍS

1964 - DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (ROGÉRIO DUARTE). 1969 - QUATRO RODAS N°107 (FRANCESC PETIT). 1970 - O PROFETA DA FOME (BENICIO).1973 OPINIÃO (ELIFAS ANDREATO, COM DESENHO DE CÁSSIO LOREDANO). 1976 - MEMÓRIAS CANTANDO (ELIFAS ANDREATO). 1987 - CADERNO 2, O ESTADO DE S.PAULO.

A explicação para isso estaria no fato de que a comunicação de massa ainda sofre certo desprezo por parte da universidade. “No meio acadêmico, felizmente, isso é menor hoje, mas as artes aplicadas, a ilustração, são tidas como algo de relevância inferior ”, afirma. Chico conta que participou da montagem do curso de desenho na Fau e pensou em sugerir uma disciplina sobre ilustração, mas acabou por desistir antes de propor. “Senti que teria muita resistência, até cogitei mudar o nome para desenho, mas não fui adiante”. Nesse contexto, ainda é relevante a discussão até mesmo sobre o conceito de designer gráfico. Esse profissional é quem faz ilustrações e concebe todo o objeto a partir de regras e conceitos – como diagramar revistas e fazer capas – ou necessariamente precisa ser alguém que cria um estilo, uma marca própria? Chico entende o termo como uma expressão cultural em que o artista está inserido. Nesse sentido, tem a ver com criação. “Uma das coisas que senti é que uma das conseqüências do uso do computador para a criação gráfica é que os profissionais que trabalham com a máquina deixaram de ser produtores de imagens para serem operadores, manipuladores. Conseqüentemente, tem-se certo empobrecimento cultural, agudiza o que chamo de processo de pasteurização, fica tudo mais ou menos igual, sem ousadia.” Assim, passa a impressão de que o computador pensou antes do designer, no sentido da linguagem, uma vez que o programa usado já embute um programa que conduz o usuário por determinado caminho. “Enfim, cada programa vem com uma maneira de pensar, uma linguagem”. Os mais relevantes

A experiência de fazer Linha do Tempo lhe permitiu chegar com segurança a algumas conclusões importantes. Como destacar os nomes mais relevantes do design nacional em todos os tempos? Ele mostra entusiasmo ao falar desses artistas. Em especial, J. Carlos (1884-1950), senhor absoluto na primeira metade do século 20 – curiosamente, sua carreira percorre todo esse período; começou em 1902 e terminou em 1950, ano em que faleceu, aos 66 anos. “J. Carlos era uma criatura onipresente na vida cultural brasileira”, ressalta Chico. Soma-se a isso a imensa produção que teve em praticamente todas as revistas brasileiras de 40

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destaque do seu tempo – O Malho, Careta, O Tico-Tico, Carioca, Vamos Ler! etc. Foi o artista que mais me impressionou, pela sua versatilidade, o que fez dele um designer na acepção plena do termo, pois pensava o produto para o público daquele periódico que lhe encomendara a ilustração, projetava uma identidade para esse leitor específico. Podia usar ou não o amplo manancial de recursos que tinha”. A lista de autores destacáveis na segunda metade do século 20 é maior e inclui pelo menos quatro nomes: Eugenio Hirsch, Benício, Ziraldo e Elifas Andreato, artistas que marcaram uma época, com estilos peculiares. “Benício é ilustrador e designer, o eixo de sua obra é a ilustração, mas não é exclusivamente”, diz ele, que lamenta a necessidade ainda de se dar mais atenção ao trabalho que esse artista tão conhecido fez em livros de literatura popular, cartazes de cinema e publicidade – toda a concepção

das três primeiras edições do festival Rock’n in Rio, por exemplo, foi feita por esse gaúcho que vive no Rio de Janeiro. “Sou fã do trabalho de Elifas Andreato”, prossegue Chico, ao justificar suas escolhas. “Elifas é de grande importância, atuou em diversas frentes, desde a musical, na militância de esquerda, livros, imprensa alternativa, sempre com competência, força e originalidade. Personalíssimo, era o que chamaria de designer da dramaticidade durante a ditadura. Os seus cartazes de teatro são maravilhosos. Com profunda dicção pessoal, ele construiu uma obra que não é parecida com nenhuma outra coisa”. Na opinião dele, Elifas e Benício são vistos com reservas, um preconceito que vem do modernismo e de sua visão de mundo. O

austríaco Eugênio Hirsch (1923-2001) que morou muitos anos na Argentina por causa de perseguição dos nazistas e migrou para o Brasil na década de 1950, revolucionou o mercado de livros à frente da Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, entre 1959 e 1964, quando deixou o País, pressionado pelo regime militar, após fazer o jornal Pif-Paf, com Millôr Fernandes – retornaria ao Rio em 1972. “Hirsch foi o furacão que passou por aqui, ele virou de ponta-cabeça o modo de fazer capas de livros. E atuou justamente num segmento que tinha a maior tradição e com mais aversão a mudanças. Foi uma conquista ele ter feito isso”. Chico faz ressalvas, entretanto, a Ziraldo, de quem se diz fã. Para ele, o artista mineiro é muito potente em qualquer coisa que faz. Tem um traço muito característico e, como J.Carlos, pensa a melhor forma de fazer em cada contexto, com um léxico de linguagem maior. “À medida que ficou famoso, ele reduziu o leque de recursos gráficos. Seu traço passou a ser a solução dos problemas em seu processo de criação. Antes, buscava outras soluções mais criativas.” Linha do Tempo destaca ainda outros artistas importantes que esperam reconhecimento. Um deles, em especial, acabou por cair no limbo por preconceito ideológico, acusado de ser alinhado com a ditadura militar. “Essa foi a época do design modernista, tivemos grandes artistas corporativos como Aloisio de Magalhães (1927-1982), um cara controverso, artista brilhante, nosso mais inventivo modernista”. Embora tivesse trabalhado nos Governos de Juscelino Kubitschek (19551961) e Jânio Quadros (1961-1961), Magalhães não seria perdoado por ter dado uma “cara” aos Governos militares. Uma relação que começou por um concurso de cédulas da moeda Cruzeiro em 1970, vencido por ele. Desde então, passou a fazer trabalhos para o Governo e ficou estigmatizado pela esquerda. Magalhães criou os logotipos da Petrobrás, Furnas, Itaipu, Banco Central e campanhas ufanistas, como a do sesquicentenário da Independência do Brasil, de 1972. Acabou por se tornar o primeiro Ministro da Cultura do País, ainda no regime militar. “A ditadura patrocinou, de certa forma, a modernização do nosso designer ”, acredita Chico. No caso de Magalhães, poucos países tiveram uma cédula tão inovadora quanto a dele. No momento, Chico Homem de Mello trabalha na História do design nacional na década de 1970, que deve ser concluída no próximo ano – ainda sem previsão de lançamento. E assim ele vai, com empenho, mapeando a memória visual do País. Ganham o leitor, o pesquisador, a academia, pois ele planta – em parceria com Elaine Ramos – um roteiro completo para qualquer pesquisa, dissertação ou tese que se queira fazer sobre o tema. Como se trilhassem um caminho a ser seguido. Ou, simplesmente, presenteiam a todos com livros que parecem álbuns de retratos de um Brasil que se gosta de relembrar.


P OR C ELSO S ABADIN

N

ão me lembro de ter presenciado uma comoção tão forte no meio cinematográfico como a ocorrida no dia 14 de junho. Pelas redes sociais fiquei sabendo, no final da tarde, início da noite, da morte do cineasta Carlos Reichenbach, conhecido entre os cineastas como Carlão. A notícia caiu como uma bomba no mercado audiovisual, e em questão de minutos o Facebook foi-se inchando de depoimentos, fotos e trechos de vídeos postados por amigos, colegas, conhecidos, alunos e/ou simplesmente fãs do roteirista e diretor gaúcho de nascimento e paulista por adoção. Carlão morria exatamente no dia de seu aniversário de 67 anos. Como se diz por aí, depois que morre, todo mundo vira santo. Este não é, mesmo, o caso de Carlão. Sua figura alta, imponente, de longas barbas solenes e vozeirão grave,era idolatrada por todos os que tivessem qualquer ligação com o cinema e por qualquer um que tivesse tido, nem que fosse por alguns minutos, a felicidade de trocar algumas palavras com o cineasta. Tudo o que Carlão falava vinha acompanhado de um entusiasmo tão grande que era impossível não se “contaminar” com sua paixão pelo cinema. Tampouco era necessário ser “alguém” para se aproximar dele e começar a conversar: por um bom papo, Carlão tratava com o mesmo carinho, simpatia e atenção do Presidente da República ao garçom. Não havia a menor distinção. A notícia de sua morte foi chocante. Anos atrás, ele já havia tido problemas de coração, colocado pontes de safena e passado por tratamentos delicados. Mas ultimamente tudo parecia superado, e Carlão se concentrava muito mais em resolver um problema de visão que as já bastante grossas lentes de seus óculos teimavam em não solucionar. O coração,

JULIOCORDEIRO/AGÊNCIARBS/FOLHAPRESS

VIDAS

que parecia bem, pregou-lhe uma peça e parou repentinamente de funcionar. Testemunhos, depoimentos e repercussões vindas de todos os lados começaram a pipocar pela imprensa. Em várias delas, marcava presença uma palavra que sempre caminhou lado a lado com o cineasta: generosidade. Uma profunda generosidade que poderia se transformar em ira incontida em questão de segundos. Bastava para isso que alguém defendesse o cinema como indústria, o filme como produto comercial, a atividade cinematográfica como lucro. Carlão era radicalmente contrário a qualquer conceito que descaracterizasse o seu amado cinema como arte. Quando se falava em “indústria cinematográfica”, Carlão empinava os ombros, colocava o dedo em riste, argumentava que filme não é sabão em pó, e seu vozeirão, sempre trovejante, preconizava violentas chuvas e tempestades. Para o cineasta, cinema era arte, única e exclusivamente. Profundamente apaixonado pelo cinema, um de seus hábitos favoritos era mergulhar fundo na internet à caça de filmes raros, desconhecidos, marginais e, sempre, radicais. Encontrados os tesouros, sua infindável generosidade (impossível não repetir a palavra, quando o assunto é Carlão) fazia que imediatamente ele passasse a dividir suas descobertas com qualquer pessoa que tivesse interesse no tema. Fossem estas pessoas velhas amigas, fossem ilustres desconhecidos. Mesmo porque Reichenbach tratava a ambos (os antigos amigos e os ilustres desconhecidos) exatamente da mesma maneira. Qualquer um que se sentasse à mesa com Carlão, fosse num Festival ou num evento qualquer relacionado a cinema, imediatamente se tornava um “amigo de infância” do cineasta. As palavras jorravam com extrema facilidade e lucidez, as referências cinematográficas dos mais obscuros cineastas formavam

uma teia de conhecimento que levava às mais diversas reflexões. E engana-se quem pensa que Carlos Reichenbach só venerava cineastas pouco conhecidos: se a cena fosse boa, ele elogiava, sem preconceitos, fosse ela de um filme cult de algum país de nome impronunciável, fosse ela de uma comediazinha descerebrada. O importante era falar de cinema. Esta paixão por cenas bem construídas fizeram que o cineasta criasse, por conta própria, o “Prêmio Panda”, troféu simbólico que era distribuído em festivais de cinema pelo Brasil. Ganhava a premiação o filme que apresentasse o “melhor plano” entre todos os concorrentes de um determinado evento. Entendendo-se por plano a imagem cinematográfica existente entre dois cortes. E por que Panda? Porque os simpáticos bichinhos chineses, assim como um bom plano cinematográfico, também estavam em extinção, e deveriam ser preservados. Coisas de Carlão. Assim como eram tipicamente “coisa de Carlão” as Sessões do Comodoro, que ele comandava na capital paulista, onde exibia e debatia filmes raros em companhia de platéias apaixonadas pelo cinema alternativo. E por mais que o cinema fosse a vida de Carlos Reichenbach, ele estava longe, muito longe de ser um daqueles chatos que só sabem falar de um único tema. Nada disso. Dono de cultura gigantesca, Carlão também discorria habilmente sobre música (em várias oportunidades ele também compôs as trilhas de seus filmes), teatro, artes e ótimas cantinas para se comer uma boa massa ou uma boa pizza na capital paulista. Para quem não teve a felicidade de conhecê-lo pessoalmente, ficam seus filmes: 15 longas, 5 curtas e 4 episódios, todos carregando suas marcas autorais de um cinema sempre inquieto e experimental, jamais acomodado. Nome fortíssimo daquilo que se convencionou

chamar de Cinema Marginal Brasileiro e Cinema da Boca do Lixo, Carlão prescrutou o universo de personagens tipicamente brasileiros, marginais ou à beira da marginalidade. Sempre com muita poesia e coração aberto.Na época da ditadura, escondia sob títulos falsamente pornochanchadescos (Amor, Palavra Prostituta; A Ilha dos Prazeres Proibidos; Sede de Amar; Lilian M: Relatório Confidencial) tramas de forte apelo político e social que os censores mal compreendiam e, portanto, mal censuravam. Já em tempos de liberdade, mantevese fiel aos seus ideais de análise social com viés político e olhar poético. Mesmo sem estourar bilheterias (o que nunca foi seu objetivo), conquistou prêmios, elogios, corações e mentes com filmes como Anjos do Arrabalde, Dois Córregos, Garotas do ABC e Bens Confiscados. Em 2007 faz seu último filme, Falsa Loura. Sua morte engaveta para sempre o projeto O Anjo Desarticulado, que jamais começaria a rodar. Mesmo após seu coração parar de bater, Reichenbach provocou polêmica. Inadvertidamente. Horas após a sua morte, Ana de Holanda, Ministra da Cultura, solta na imprensa uma desastrada e infeliz nota de pesar, onde afirma que Carlão “foi taxado como autor de filme marginal e da Boca do Lixo. No entanto, apaixonado pelo cinema em si, foi autor de obras-primas”. Imediatamente a classe cinematográfica se levantou em uníssono contra o texto preconceituoso da Ministra, que denotou uma profunda ignorância em relação à nomenclatura “Cinema Marginal” e “Boca do Lixo”, que ela ou algum assessor mal informado considerou como deméritos. Além do que, neste caso, a grafia correta deveria ser “tachado”. Reichenbach era casado com Lygia Reichenbach e deixa três filhos, uma neta e um grande vazio. JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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VIDAS

REPRODUÇÃO

IVAN O TERRÍVEL Radicado em Londres desde 1978, ele foi um dos fundadores do Pasquim, no qual publicava comentários mesclados de graça, ironia e contundência.

Apontado pelo jornalista Sérgio Augusto em entrevista à Rede Globo de Televisão como dono do “humor mais corrosivo” que conheceu, o jornalista e escritor Ivan Lessa confidenciou à sua mulher, Elizabeth Fiúza, dias antes de morrrer, que estava cansado de viver, por não suportar mais os padecimentos derivados de um enfisema pulmonar que continuava sem controle, apesar da pletora de equipamentos que ele instalara em casa para poder respirar sem a dificuldade que a doença impunha. Lessa, que vivia em Londres desde 1978, estava com 77 anos e morreu no dia 8 de junho. Seu corpo não veio para o Brasil: em cumprimento à sua vontade, foi cremado na capital inglesa no dia 11 seguinte. Ele e Elizabeth eram casados há 39 anos e tiveram uma filha, Juliana, hoje com 36 anos. Filho do escritor e publicitário Orígenes Lessa, autor de um livo famoso, O Feijão e o Sonho, e da escritora e jornalista Elsie Lessa, que durante anos manteve uma crônica na terceira página de O Globo, Ivan Pinheiro Themudo Lessa nasceu em São Paulo, em 9 de maio de 1935, mas foi criado no Rio de Janeiro. Ele trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo, Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil e foi colaborador das revistas Senhor, Veja e Playboy. Com Millôr Fernandes, Tarso de Castro, Jaguar, Ziraldo e Sérgio Cabral, foi um dos fundadores, em 1969, do jornal O Pasquim, no qual criou, em parceria com o cartunista Jaguar, o ratinho Sig, símbolo da publicação, inspirado em Sigmund Freud. O “humor corrosivo” de que falou o jornalista Sérgio Augusto foi exercitado por Lessa na seção de cartas do Pasquim, intitulada Gip Gip Nheco Nheco, na qual ele entremeava comentários ácidos sobre a vida política e os costumes do País com graça, ironia e contundência. E não escapavam nem mesmo os leitores cujas cartas ele comentava. Lessa também trabalhou como publicitário e tradutor e publicou os livros Garotos da Fuzarca (1986), Ivan Vê o Mundo (1999) e O Luar e a Rainha (2005). Participou da obra Eles Foram Para Petrópolis(2009), compilação da sua troca de correspondência com o jornalista Mario Sérgio Conti, atualmente Editor da revista Piauí. 42

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A morte de Lessa motivou uma manifestação de pesar da Presidente Dilma Rousseff, que divuklgou declaração em que afirma que ele “foi um escritor irônico, mordaz, provocador, iconoclasta e surpreendentemente lírico, acima de tudo brilhante no trato com as palavras”.

REPRODUÇÃO

P OR C LÁUDIA S OUZA

O EXILADO POR ALBERTO DINES Os jovens estão cada vez mais desamparados, os mais velhos, mais solitários. Acostumados pela praga das ditaduras a considerar todos os desterrados como refugiados políticos, eliminamos uma categoria inteira, especialíssima, a dos autobanidos, os exilados voluntários. Tropa de elite sofrida, exigente, inconformada, inovadora. Ivan Lessa foi um deles. E está em excelente companhia: Ovídio, Sêneca, Dante, Camões, Rousseau, Heine, Victor Hugo, Joyce, Nabokov, Stefan Zweig*. Empurrado para fora do País pela estupidez fardada, Ivan não se animou a retornar depois da redemocratização simplesmente porque para ele a tal abertura não eliminou a poderosa, arraigada e descomunal burrice entrementes institucionalizada – o “Bananão”. Foi um nostálgico à sua maneira: queria de volta o magnífico Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960. Tempo e espaço, intactos e inteiros. Colecionava informações, vivências, mapas, filmografias, bibliografias, iconografias, músicas, jingles, times de futebol, pessoas, rostos, parentescos, alcunhas, dados históricos, atmosferas, modismos, passadismos. Sabia de cor o itinerário de todas as linhas de ônibus e bondes de Copacabana para o Centro – mesmo duas décadas depois de deixar o País. Mas o que perseguia com empenho, incansável, era a inteligência, a verve, talento. Não conseguiu recuperá-los nem reencontrá-los. Dizia que o tempo tem sido implacável com o Brasil, as novas gerações canibalizam, sequer ruminam, não digerem nem devolvem. Os cortes no Brasil são drásticos, brutais. O clima de Fla-Flu não permite transfusões, heranças, sinergias, pontes, devoções. Jamais conseguiremos montar um Panteão Nacional. Cada juventude nasce velha, ranzinza, empenhada em derrubar ou esquecer – dá no mesmo – os heróis das anteriores, este é o esporte nacional. E come-

ça tudo outra vez. Como Portugal não viveu o Renascimento e o nosso Iluminismo foi noir, na base do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, vivemos aos arrancos, soluçando. Em Londres, Ivan Lessa ao menos desfrutava das benesses da cultura cosmopolita, sempre oxigenada. Elitista? E por que não? Sem elites exigentes, severas, não se processam renovações. Quando a exigência é espirituosa, engraçada, sarcástica, duplamente bem-vinda. Ivan Lessa era irresistível, sobretudo quando resmungava tentando ser mal-humorado. Não deixou uma obra extensa, mas distribuiu generosamente o seu engenho, suas percepções e seu carinho a algumas gerações de jornalistas-escritores como ele. Não se considerava jornalista, era mais do que isso: crítico intransigente, cultor do esmero, carrasco do descaso e da ignorância. Alma-gêmea de Paulo Francis – se imitavam mutuamente, até mesmo no timbre de voz abaritonada, quase de baixo, musical. Estava longe, mas não ausente. Mário Sérgio Conti, diretor da Piauí, conseguiu trazê-lo ao Brasil há alguns anos (em 2006) para uma brevíssima temporada; ele voltou correndo para a pérfida Albion mais decepcionado com o que viu do que imaginava. Sofreu muito: no último ano foi obrigado a passar 15 horas diárias numa campana para respirar. Emagreceu, não sentia mais sabores. O pior: percebia que estava sendo esquecido, isso incomoda mais do que a falta de ar. É mortal. O exilado, forçado ou voluntário, espera sempre uma retribuição. Oxalá saibam trazer Ivan Lessa de volta. Vai adorar. *Com os agradecimentos a Maria José Queiroz pelo seu belo Os Males da Ausência, ou a Literatura do Exílio (Topbooks, 1998) Versão original publicada no Observatório da Imprensa em 5 de junho.


“Livro, livro, livro” POR F RANCISCO U CHA

Amigos de longa data, Alberto Dines e Ivan Lessa trocavam e-mails com certa freqüência. Na última mensagem que Dines recebeu, reproduzida abaixo, Ivan elogia a entrevista publicada no Jornal da ABI em homenagem aos 80 anos do criador do Observatório da Imprensa e cobra deste um livro com a “História do jornalismo na segunda metade do século 20”, sentenciando logo adiante: “Pare com a rotativa de sua mente privilegiada e taque ficha como tacou de forma a me deixar boquiaberto quase que de linha em linha.” Só depois de tomar conhecimento dessas palavras é que entendi por que Dines estava reticente em ceder, para publicação no Jornal da ABI, o texto do último e-mail enviado pelo amigo. Soube da existência dessa mensagem pelo próprio Dines, dias depois da festa de comemoração de seus 80 anos, no início de março, em São Paulo. Ele me confidenciou que Ivan Lessa havia lhe enviado um e-mail elogiando o Jornal da ABI. Por isso, ao decidirmos publicar esta homenagem, perguntei a Dines se ele poderia liberar a última mensagem enviada pelo amigo. Ele disse que ia pensar, devido ao seu conteúdo pessoal. Mas uma semana depois concordou com sua publicação e nos enviou cópia do e-mail com observações que Dines fez questão de esclarecer: ‘Coloquei em colchetes algumas informações complementares. Aqui vão outras: Elsie Lessa tinha uma coluna no Globo, foi casada com o escritor e jornalista Orígenes Lessa, pai do Ivan. Mais tarde casou com o escritor Ivan Pedro de Martins. A viúva do Ivan é Elizabeth Fiúza, antiga funcionária da embaixada brasileira em Londres.’ Mais do que um elogio à nossa publicação, o texto do brilhante jornalista que foi a alma do Pasquim na década de 1970 discorre sobre a importância da atuação de Dines na imprensa brasileira. E lhe cobra a publicação de um livro de memórias com que o Jornal da ABI passa a fazer coro a partir de agora: Livro,livro, livro! Dines, comece hoje!

A ÚLTIMA MENSAGEM DE LESSA A DINES “Dines, meu querido: só ontem quando dei, com um dia de atraso, minha xeretada no OI é que fiquei sabendo de seu aniversário, que, como se dizia, tem direito a niver também. Aqui de longe mando um abraço grande e saudoso e, como aquele mineiro da piada, acrescento meu “Parabéns por tudo!”. A edição [do Jornal da ABI] está formidável mas o que li fascinado do começo ao fim, relendo em trechos estratégicos, foi a entrevista feita com esse, para mim, desconhecido, Francisco Ucha. Dado a circunstâncias que mais abaixo explico, a cada linha, felizmente muitas, eu me gutemberguia mais e dizia com meus botões (pois é, velho tem mesmo dessas coisas) e para a gata do lado. “Isso tem que ser livro”. Mesmo. História do jornalismo na segunda metade do século 20? Você aí é que sabe. Estender acrescentando paca, muita ilustração, fotos, o cazzo a quatro. Mais que separata ou monografia.

Livro mesmo. Pare com a rotativa de sua mente privilegiada e taque ficha como tacou de forma a me deixar boquiaberto (outra coisa de velho) quase que de linha em linha. Eu, que nunca fui jornalista, fui me lembrando de nomes que lia, de gente com quem convivi, fiquei sabendo de mil coisas, que, até onde sei, não estão registradas nos dós de peitos e nas modulações que você domina. Repito, insisto, vos chateio: livro, livro, livrão se possível. 19 de fevereiro (conferi na pouco confiável Wikipédia) também é aniversário de uma antiga (velha também, a bem, ou mal, dizer). Eu também aniversario semana que vem: 1 ano de prisão domiciliar na semana que vem. Você deve estar sabendo, acho que contei, ao menos por alto. Em fevereiro do ano passado minha condição cardíaca e meus pulmões, empombados com o enfisema que me curte há anos, cansaram e eu

fiquei 10 horas caído, consciente, no chão da sala. Elizabeth, na embaixada, cumprindo dever de ir ver orquestra brasileira. Chegou, chamou ambulância, meia-noite lá fui eu para o hospital. Dias internado, dei azar com o NHS, principalmente as enfermeiras, e voltei para casa. De lá para cá, fisioterapia e um tubo de oxigênio enfiado no nariz. Sou obrigado a ficar curtindo uma cânula 15 horas por dia desde março de 2011. Elizabeth me traz comidas microondáveis e tudo que é necessário. O resto é livro, tv, dvd e computador. Felizmente, depois de 34 anos, a BBC aceita minhas 3 crônicas por semana escritas em casa. Perdi o Playboy, para onde escrevia há 5 anos tolices inimagináveis mas era pago razoavelmente (1500 dólares por 3500 caractéres) e sempre em dia. Não houve Cascais em 2011 pela primeira vez desde 1986. Tive de vender o apartamento da Elsie [a jornalista Elsie Lessa, mãe de Ivan] a preço de banana. Fiquei muito surpreso comigo mesmo, sempre achara que eu não era homem de agüentar os 18 quilos que perdi, o apetite que se foi, o paladar que perdi, a voz que rachou. Vou levando ou sendo levado. A gente se acostuma a tudo. Não tenho amigos aqui mas já me acostumei. Penso na alternativa. Vamos me esquecer, o que interessa é você estar bem e com a mente mais aguda do que nunca. Peço agora, e o país inteiro berra comigo, até o Eike Batista, “Livro, livro, livro!”. Comece hoje. Outro abraço enorme e saudoso. Beijinho respeitável em Norma. Ivan, coitado.” JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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VIDAS

DEPOIMENTOS IVAN FERNANDES

“A maior revolução de Ivan Lessa no Pasquim foi a seção Carta dos Leitores: Ele passou a esculhambar os leitores!”

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PAULO GARCEZ

“Falar de Ivan (o outro, como ele assinava os e-mails que me endereçava), neste momento, imagine, me é extremamente difícil. Conheci Ivan em janeiro de 1969, quando eu acabara de completar (Ah, Deus!) quinze anos. Ele, um “ancião” de 35. Eu fazia um “curso” de Inglês em Cambridge. Ele, correspondente da BBC. Primeiro período (o segundo começou em 1978). O meu curso era na cidade de Cambridge, não na Faculdade. Cidade universitária que em janeiro, período de férias escolares era morta. Enquanto isso, Londres, em 1969, era a “Swinging London”. Para que eu escapasse de Cambridge nos fins-de-semana, precisava de um “parente” que me autorizasse passar os tais fins-de-semana em Londres. Quem era o parente? Sim. Ivan Lessa. Que me apresentou tanto a BBC, por dentro, rádio, televisão, cantina e demais departamentos, como me levou a tirar a famosa foto turística, com direito a pombos na cabeça e a conhecer o Soho, o verdadeiro Soho. O Londrino. Bas-fond, equivalente ao Pigalle Parisiense aonde proliferavam shows de strip-tease. Tudo isso entremeado com almoços em um restaurante italiano, barato e honesto chamado nada mais nada menos do que Topo-Giggio. O ratinho, sensação mundial que nos Estados Unidos fazia par com Ed Sullivan, apresentador de televisão que introduziu os Beatles na América e, aqui no Brasil e na Globo, dividia um quadro com Agildo Ribeiro. Ivan permaneceu na Inglaterra até o ano de 1972. Voltou de lá e foi trabalhar, presencialmente, na Redação do Pasquim. Período áureo da Redação do Pasquim. Não conviveu com Paulo Francis pois este se mudou para os Estados Unidos exatamente no mesmo ano, 1972. Neste período, a Redação do Pasquim contava com

Ivan Lessa e Sérgio Augusto no Pasquim, mostram que o buraco é mais embaixo.

os seguintes freqüentadores (repare que estou usando a palavra “freqüentadores” e não, “colaboradores”): Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Henfil, Ivan Lessa, Sérgio Augusto, Fortuna, Miguel Paiva, Caulos, Ivan Fernandes. Além da equipe de apoio: Haroldo Zager, Toninho, Eufra, Luiz Rosa, Glauco (revisor) e um motorista cujo nome não lembro, mas que era tão lento, tão lento que foi apelidado pelo Ivan Lessa de “Flecha-Ligeira”. Importância de Ivan no Pasquim Falou-se muito da seção Gip-Gip-Nheco-Nheco, na verdade uma espécie de história em quadrinhos para adultos que contou com vários ilustradores sendo que o definitivo e melhor foi o Caulos, mas que nem de longe foi a principal criação de Ivan no Pasquim. Antes houve outra história em quadrinhos muito mais importante chamada Os Chopnics em colaboração com o Jaguar, em que Ivan escrevia o roteiro e Jaguar ilustrava. Baseada em personagens reais da “intelectualidade” da Ipanema da época.

O mais famoso, Hugo Bidet. Em uma das “tiras” – era assim chamada –, o Paulo Francis aparece como personagem no bar e, enquanto os outros vão para a praia, ele, Francis, permanece no bar e se sai com a frase que se tornou, mais tarde, um “moto” de Francis: “Intelectual não vai à praia. Intelectual bebe”. Dessa tira surgiram também dois outros personagens famosos. A Tânia da fossa, que nunca deu as caras, pois vivia enterrada em uma verdadeira fossa e era motivo de milhares de especulações sobre quem seria a verdadeira “Tânia” e, posteriormente, a Anta de Tênis. Uma anta. Animal mesmo. Que dizia as maiores asneiras, ou não, dependendo da opinião do leitor, e que usava dois pares de tênis por ser um quadrúpede. Dessa tira foi que surgiu o ratinho Sig, que veio a se tornar o “símbolo” do Pasquim. O único rato do mundo a ter patas de elefante. Na minha modesta e tacanha opinião A maior revolução provocada por Ivan Lessa no Pasquim: A seção Carta dos

Leitores. O Pasquim recebia neste período (1972 -1974) uma média de 30 a 50 cartas de leitores por semana. A seção, como toda seção de Carta de Leitores, era um saco (não me lembro quem foi o antecessor; acho que eram vários ou, no melhor estilo Pasquim, quem estivesse disponível no momento e na hora, respondia...). Não lembro como essa tarefa foi delegada ao Ivan, que, como não podia deixar de ser, revolucionou (e este termo não é absolutamente um exagero) o estilo da seção. Ele passou a esculhambar os leitores. E a seção, sem qualquer aumento de tiragem do jornal, saltou de uma correspondência de 30 a 50 cartas semanais para 300 a 400 cartas semanais. As pessoas escreviam para serem esculhambadas por ele. Ivan chegou a criar um “alter ego” chamado Eldésio Tavares, com uma “Patroa” que o traia escancaradamente (isto te faz lembrar alguém atual?) grosso, intratável, que mandava os leitores, entre dezenas de expressões que criou, como por exemplo “irem se roçar nas ostras” ou “procurar ver as aranhas brigarem”. A seção passou a ter um dos maiores índices de leitura do jornal. Sucesso absoluto. Algo sem qualquer parâmetro na imprensa brasileira até então e até agora. Criou a máxima: “Leitor não escreve. Leitor lê...” Novamente: Ivan e Eu ou Eu e Ivan. Eu e o Outro ou O Outro e Eu Troquei e-mails com Ivan, regularmente, de 1998 até dois mil e pouco. Perdi praticamente tudo. Maravilhas do computador. Não fazemos back-up. Pior, não imprimimos. Há certas coisas que devem ser impressas. A dor dessa perda, agora, me é imensa. Mas na vida há um fenômeno que Jung chamava de “sincronicidade”. E, logo depois de ser convidado para escrever este depoimento, descobri dois ou três e-mails datados de 1999, que troquei com Ivan. Impressos. Veja só. Vou reproduzir o final de um deles que considero puro Ivan Lessa. E acho que não estarei invadindo qualquer privacidade. Me é significativamente especial, pois tem a ver com ele e com meu pai, ao mesmo tempo. Que coisa! Veja só o recado que ele me enviou: ‘Ivan, não complique, não deixe Millor te levar para o mau caminho. A gente é educado com quem a gente mal conhece para manter distância; trata aos pontapés, se a pessoa não tiver a boa educação para perceber que queremos distância; e tratamos o melhor possível as pessoas que nós queremos bem. Só isso. Grande abraço. Não suma. Ivan (ainda mais outro que o outro).’ O Ivan (ainda mais outro que o outro) para mim era isso.”


PAULO GARCEZ

CLÁUDIO KAHNS

Ivan escreve o depoimento que faltou no filme Eu, Eu, Eu, José Lewgoy segundo filme, 1950, Maior Que o Ódio (minha parte, os primeiros 20 minutos estão no YouTube (Thomas tacou lá; veja) e nos fizemos amigos sem viadagens. Eu lia muito, encontrava com ele zanzando nas ruas da av. Copacabana de noite em busca de quem pagasse o cafezinho e sempre papeamos. Escritores americanos. Lembro-me que emprestei para ele um livro de crônicas do Robert Benchley em 56 e 57, quando lá morei uns tempos. Fiz voz de multidão revoltada em S.O.S. Noronha, fui apresentado ao [Georges] Rouquier uma noite no Champs Elysées. Ele duro e se aproveitando de mim. Morava na rue Saint Didier, número 12, travessa de Kleber. Cinema o JOSÉ LEWGOY E tempo todo. Bistrôs TÔNIA CARRERO EM PERDIDA baratos, que ainda os PELA PAIXÃO. havia. Tempo passa, ele volta para o Brasil e eu era um dos “privilegiados” pela companhia dele. Um monstro de egoísmo. E mantinha os amigos separados. Detestava que um se desse com o outro. Sim, claro, como no seu filme, eu, eu, eu, eu. Brigamos horrendamente várias vezes. Eu que levei ele para o Pasquim, batizei a sessão de PSSS, para ele pegar uns cobres. Quando me mandei para Londres, em janeiro de 78, ele ainda herdou de mim roupa, trocados e o que mais podia. Não saía de casa. Sempre aparecia nas horas das refeições. Ficou muito amigo da Elsie. Quando era engraçado, era muito. Mas o egoísmo atrapalhava. Sempre. Não o peguei nas horas das vacas gordas. Passou por Londres a caminho das aventuras em Jerusalém, uma ou outra vez, acho que só de farra. Vi o filme já duas vezes. Entendo o sumiço do Anselmo no documentário. Ele deve ter começado a enveredar por uma péssima. Outro safado gozado. Juro que foi isso. Mas o objetivo, e estou me delongando é dizer como gostei de revê-lo. Pena não ter mencionado O Peru de Feydeau, antes de eu partir e que foi um sucesso de crítica, só que um dia ele gelou e não apareceu. Daí foi para o raio da TV Globo onde o trataram bem, mas as novelas acabaram com ele artisticamente. Mais de uma vez vi o segmento do Herzog, que me leva sempre às lágrimas. Herzog me parece inteligente, justo, boa pessoa, sacou tudo nele. Claro que essa parte do homem Lewgoy não me passou adiante. Herzog, um homem bom. Já te enchi o bastante, fico por aqui, mais do que grato por ter me trazido o bom sacana desse filho da puta aqui para minha casa, estalando de vida, escrota, mas vida. De novo, obrigado, grande abraço, fique bem. Ivan’.” DIVULGAÇÃO

“Fiquei fã incondicional do Ivan, ainda adolescente, lendo O Pasquim. Fui completamente aficcionado de seu humor irreverente e surreal, assim como do Millôr. Ivan e Millôr foram meus dois ídolos, e isso para um garoto meio inconformado procurando caminhos e, não acreditando em muitas coisas, não era pouca coisa. Muitos anos depois, fiquei amigo de José Lewgoy e um de seus melhores amigos era Ivan, a quem visitava sempre que passava por Londres; isso quando não ia especialmente para encontrá-lo, assim como sua mãe, Elsie. Passam-se mais alguns anos e nosso amigo Lewgoy se vai, justamente quando iniciávamos um filme sobre sua vida. Realizando o documentário, queria um depoimento do Ivan. Acredito que ele estava num momento delicado de saúde mas, depois de muito insistir, finalmente topou. Fui especialmente a Londres para entrevistá-lo, mas um problema técnico, no meio da filmagem, fez com que nos expulsasse gentilmente de sua casa… Ironicamente, no final do ano passado, através de uma amiga comum, o Thomas Pappon, jornalista da BBC e colega de Ivan, me procurou a pedido de Ivan, porque ele gostaria de ver o filme sobre… José Lewgoy! Claro que eu imediatamente lhe entreguei um dvd. Depois de vê-lo, Ivan me escreveu. Confesso que agora, escrevendo estas lembranças, fiquei duplamente triste: além de ele não estar no filme, Ivan não estava mais por aqui, escrevendo em seu estilo inconfundível. Mas ficou seu email: ‘Kahns, meu caro: gentileza sua e do bom Thomas a remessa do dvd do Levigói, pois eu era desse time. Único filme brasileiro que me despertara a atenção aqui em Londres. Fui apresentado ao bruto na ferroviária de Porto Alegre quando, escoltado pela Luiza Barreto Leite, nós íamos para a estância do Luzardo, em Uruguaiana, para as filmagens de Caminhos do Sul. Outubro de 1948. Eu participava pq. era adaptado de romance de meu padrasto, Ivan Pedro de Martins. Dois meses inesquecíveis para um guri de 13 anos. Ou mesmo que mais tivesse. Curtição. Amizade que seguiu em frente com Claudio Nonelli, Sady Cabral (tremendo viadão e grande compositor, pense em Mulher), Tônia que para nós, eu, meu pai, Elsie, sempre foi a Mariinha, Fernando de Barros, Maria “Estou cansada de ser bela” Della Costa e tudo mais. Época muito marcante para mim. Depois fui vê-lo no meu

Ivan Lessa e Jaguar recriaram a intelectualidade de Ipanema em Os Chopnics.

S ÉRGIO C ABRAL “Uma coisa que nunca entendi no Ivan Lessa foi a contradição entre o seu grande amor pelo Rio de Janeiro e a disposição de viver em Londres. Temo que tal amor tenha ido apenas até os anos 1950, década que marcou definitivamente a sua memória carioca. São daquele período as músicas, os jingles e os programas do rádio, as gírias, os personagens como o faquir Silki e os cantores, dos quais falava como se fossem atuais. Cantores como Lúcio Alves, Neusa Maria e Heleninha Costa eram citados como se a Rádio Nacional ainda fosse o maior veículo de comunicação do Brasil. Este é um lado das minhas lembranças de Ivan Lessa. O outro é o que está todo mundo falando: que sujeito inteligente! Que redator criativo e original! Trabalhei com ele no Pasquim, mas gostaria de tê-lo acompanhado quando atuava na TV Globo como redator de programas humorísticos. Como teria conciliado o seu humor tão pessoal com a necessidade da emissora de agradar todo mundo para não perder pontos no Ibope? Uma pena que não convivi com ele o tempo suficiente para conhecê-lo mais. Que é um cara que fará muita falta, isto fará.”

CAULOS “O Pasquim modificou a maneira de se escrever na imprensa brasileira, isto foi lá nos anos 1970, quando o jornal era ainda jovem e um sucesso nas bancas e nas Redações dos outros jornais. A imprensa era outra e lutava unida contra a censura. O humor ajudava a ludibriar os censores (quase sempre pessoas de poucas letras – vale o trocadilho) e permitia aos leitores, pelo menos, rirem daquela tragédia. O Ivan Lessa teve um papel muito importante na criação da linguagem do jornal; muitas das expressões que viraram lugar-comum na nossa maneira de escrever foram inventadas por ele. Perguntei um dia como alguém vivendo distante de Ipanema (ele escrevia de Londres no início do jornal)

podia ser tão criativo e tão carioca? Ele me disse que, quando se vive lá fora, ouvindo e falando outra língua, temos uma perspectiva mais realista do nosso idioma. Realista, original e muito engraçada – o Ivan era original e muito engraçado.”

LAN “Ivan Lessa era brilhante. Tinha um estilo próprio, assim como seus textos, que sempre foram originais, com personalidade forte e marcante. Eram escritos que não imitavam ninguém. Não se pode nem dizer que ele se inspirou em algum jornalista ou escritor. Ivan Lessa se inspirou nele mesmo.”

R EINALDO FIGUEIREDO “Ivan Lessa era um caso à parte. Era um dos melhores textos do Brasil, e eu tive a sorte de conviver com ele na Redação do Pasquim, quando eu era só cartunista, nos anos 1970. Ele era editor do famoso hebdomadário e eu o via chegar lá todo dia para fazer mil coisas: seus artigos, suas fotonovelas, dicas, idéias para capa, as frases da seção Gip-Gip Nheco-Nheco, a página das cartas de leitores, com as incríveis e escrachadas respostas do seu alterego Edélsio Tavares... Para mim isso foi uma escola de humor. No fundo, ele era um escritor que não ligava para o livro em si. Praticamente todos os livros do Ivan foram organizados por outras pessoas. Mas para seus admiradores vários de seus textos, mesmo curtos, mesmo miniaturas, espalhados por centenas de edições do Pasquim, valem mais do que muito romance publicado por aí... Ele também adorava música, tinha um ótimo ouvido e era uma enciclopédia viva, um Google falante, principalmente se o assunto era música popular, brasileira ou americana. Sabia imitar com perfeição alguns cantores, e um deles em especial, seu ídolo, o Billy Eckstine. O texto do Ivan era tão bom também por causa disso: tinha muito som e muito ritmo.” JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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REPRODUÇÃO

VIDAS

Cláudio de Souza, o homem da Abril Criador de várias revistas da fase de consolidação da editora paulista, editor morreu de câncer aos 86 anos. P OR G ONÇALO J ÚNIOR

No decorrer da década de 1950, quando a paulistana Abril era apenas uma microeditora quase desconhecida no mercado brasileiro, o nome do empresário norte-americano Victor Civita (19071990) não aparecia no expediente de suas publicações. Ele editava, então, apenas duas revistas em quadrinhos – O Pato Donald e Mickey – e dois títulos de fotonovelas – Capricho e Noturno. Foi assim por dez anos. Civita era estrangeiro e, nessa condição, não podia ser dono de uma empresa de comunicação, segundo a Constituição em vigor. Somente em 1960, quando lançou Quatro Rodas, já naturalizado, assinou seu primeiro editorial. Oficialmente, o responsável pela empresa na primeira década se chamava Gordiano Rossi, ex-gerente de banco que Civita transformou em seu braço direito. Mas havia outros empregados nessa condição. Cerca de uma dúzia, em todos os departamentos. Todos estavam na editora desde o começo e ele os apelidou de “homensAbril”, expressão que significava gratidão e confiança. Cláudio de Souza, sétima pessoa a ter sua carteira assinada na empresa, em 1951, estava entre eles. Souza morreu no dia 7 de junho, aos 86 anos, de câncer, mesma doença que matou sua esposa, Teresa, seis anos antes. Vivia sozinho, com seu inconfundível bigode à la Barão do Rio Branco e jeito de lorde inglês, cercado de livros e com um projeto que jamais se concretizou: escrever um livro sobre a história da literatura policial no Brasil, gênero que era a sua maior paixão. Passou a maior parte da vida como uma figura anônima fora da Redação da Abril e jamais foi citado na história oficial da editora. Até que em 2005,

publiquei sua biografia, O homem-Abril – Cláudio de Souza e a história da maior editora brasileira de revistas (Opera Graphica), volume que escrevi ao longo de cinco anos e muitas entrevistas, regadas a broa de milho que Dona Teresinha sabia fazer como ninguém. Diante de tantos elogios, havia sempre um prato quentinho a cada conversa, com café. Desde o começo, concluí que ele merecia um registro histórico assim, tamanha a sua importância nos 25 primeiros anos da Abril, quando deixou de ser uma editora de gibis como muitas que havia no centro de São Paulo para se transformar numa corporação editorial periódica, a maior do País. Não foi uma história fácil de ser contada. Souza estava longe de ser uma unanimidade dentro da empresa. Tinha uma dedicação tamanha a Civita – veneravao como um pai –, que em vários momentos aceitou fazer as tarefas das mais desagradáveis e antipáticas dentro de qualquer negócio, como averiguar suspeitas de irregularidades – na distribuidora de revistas – e demitir funcionários. Num episódio pouco conhecido, ele montou uma Redação inteira para fazer o número zero da revista Realidade. Em seguida, teve de dispensar todos porque era apenas um teste; disse depois desconhecer a intenção da empresa. Para escrever a publicação, a editora pretendia chamar outro grupo. Ele saiu muito arranhado do episódio. Medidas assim fizeram-no acumular um número razoável de desafetos dentro e fora da Abril. Graças também ao modo enérgico – para muitos, autoritário –, sofreria o isolamento e acabaria demitido depois de um “golpe de estado” orquestrado por subalternos, em 1975. Sereno e muito formal, Cláudio de Souza não gostava de entrar em detalhes sobre

a história de sua saída e nem apontou qualquer crítica à condução da Abril por parte de Civita e de seus filhos. A única exceção de sua postura condescendente ao falar da editora aconteceu quando analisou de modo mais crítico a grave crise por que passava o departamento de histórias em quadrinhos no primeiro ano do novo milênio – quando foram feitas as entrevistas para a sua biografia. Portanto, equilibrar a visão heróica que ele tinha sobre os Civita com a versão mais próxima do real se tornou o principal desafio para a realização do livro. Que Souza ajudou a Abril a crescer é inegável e seria ratificada por todos os seus contemporâneos. Exemplos? Por oito anos, ele trabalhou como assessor pessoal de Civita – ajudou-o a falar corretamente o português, a inspecionar as bancas, organizou a distribuidora Dinap e fez o que

Na Editora Abril Cláudio de Souza foi o responsável pelo sucesso de diversas publicações com personagens Disney e outras de apelo infantil, mas não conseguiu o mesmo resultado depois que fundou a Idéia Editorial, onde lançou produtos de pouca penetração no mercado brasileiro da década de 1970.

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sabia melhor que ninguém: criou incontáveis revistas. Apaixonado por quadrinhos, lançou gibis que existem ainda há 40, 50, 60 anos, como Mickey, Zé Carioca, Disney Especial, A Turma da Mônica, Cebolinha e muitos outros. Entre 1971 e 1974, à frente do Departamento de Publicações Infanto-Juvenis, praticamente triplicou a tiragem mensal, que pulou de 1,4 milhão para 4 milhões de exemplares. Fundou ainda o Centro de Criação, para formar desenhistas e roteiristas. Entre suas outras realizações na área de publicações, destacaram-se os “manuais” Disney, cuja edição de Escoteiros Mirins vendeu 500 mil exemplares em um ano. Antes disso, ajudou a criar Capricho, Cláudia e InTerValo. Depois da Abril, Souza se juntou a Luís Carta e Domingos Alzugaray para fundar, ainda em 1975, a Idéia Editorial, especializada em quadrinhos, mas que teve vida breve – em menos de um ano foi desativada, para voltar em 1979, já sem Souza, quando passou a lançar revistas masculinas adultas. Ele juntou ex-funcionários da Abril para lançar gibis inéditos no Brasil, como Mister Magoo, Capitão Bigbom, Dom Piloto, Um passo além etc. Em 1978, foi morar na Inglaterra, onde trabalhou na rádio BBC – retomou a profissão que havia adotado no início da carreira de jornalista, quando estudava Direito na Usp. Ao voltar, no decorrer dos 30 anos seguintes, viveu como free-lancer e desenvolveu vários projetos para a Abril, nas áreas infantil e de fascículos. Até se aposentar definitivamente, em 2006. Até o fim, honrou a memória de Civita e fez jus ao apelido que ganhou de homem-Abril.


Neiva Moreira, cidadão do mundo Jornalista panfletário em São Luís, onde sua popularidade lhe assegurou sucessivos mandatos em eleições legislativas, ele foi cassado pelo golpe militar de 1964, teve de se exilar, mas não se rendeu à adversidade. No exílio, criou uma publicação de repercussão internacional, o Cadernos do Terceiro Mundo.

REVISTA DIÁLOGOS DO SUL

P OR J OÃO F RANCISCO B ATALHA

O maranhense José Guimarães Neiva Moreira, que faleceu em São Luís em 10 de maio passado, foi um dos grandes pregadores do socialismo libertário. Viveu intensamente a luta pelas liberdades no Brasil e no Mundo. Jornalista brilhante e político combativo, nasceu no Município de Nova Iorque, em 1917, mas consolidou sua carreira jornalística no Rio de Janeiro. Seu primeiro mandato eletivo foi de Deputado estadual, conquistado em 1950, com consagradora votação obtida em São Luís, onde fundou, dirigiu e editou o Jornal do Povo, guardião da democracia no Maranhão e porta-voz vibrante da oposição. Através dos seus artigos incendiários denunciava a situação vigente, combatia o atraso do Estado e era inflexível contra a política dominante do então Senador Vitorino Freire. Nas eleições de 1954 e 1958 elegeu-se deputado federal pelas Oposições Coligadas e pelo PSP de Ademar de Barros. Um dos fundadores e líder da Frente Parlamentar Nacionalista e seu Secretário-geral, Neiva apoiou em 1959 a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro. No Governo Juscelino Kubitschek, foi Presidente da Comissão para Transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Vi-o pela primeira vez, em Arari, em setembro de 1962, acompanhado de João do Vale, Benito Neiva, Antônio Dino, Bandeira Tribuzi, Vera Cruz Marques e outros componentes da caravana do Caminhão do Povo. Tinha como slogan naquela campanha: “Reeleja Deputado Federal em 62 o Governador de 65”. Distribuiu manifesto ao povo de Arari e fez comício em frente à Igreja Matriz. João do Vale apresentou-se no palanque do Caminhão do Povo e empolgou os presentes cantando o Mambo da Cantareira, com letra alusiva à campanha de Neiva, que se reelegeu para um terceiro mandato de Deputado federal. Dois anos depois, em 10 de abril de 1964, Neiva integrava a primeira lista de parlamentares cassados pelo golpe militar de lº de abril, baseado no Ato Institucional nº I, do dia anterior, por protestar contra a deposição do Presidente João Goulart. Preso por alguns meses em fortalezas e quartéis do Rio de Janeiro e de Brasília, aproveitou-se de um descuido dos militares e exilou-se na Bolívia. Depois, no Uruguai, na Argenti-

beiro, Gregorinho Prazeres e Georgina Sá e Silva Santiago. A seu pedido e em meu carro particular, passeamos pelos subúrbios de São Luís. Queria rever os bairros do Cavaco, Matadouro (Fátima e Liberdade), João Paulo, Monte Castelo e Anil, além do Centro. E assim o fizemos. Nos dias seguintes levei os ararienses Marcelino Everton, então Delegado de Polícia da capital, e Tonico Santos, ex-Prefeito de Arari, antigo aliado de Neiva no PSP, para visitá-lo. Integrante da esquerda nacionalista, Neiva ajudou Brizola a fundar o PDT. Em 1992, Neiva foi eleito para ocupar uma Cadeira na Academia Maranhense de Letras e tomou posse em 1993, ano em que reconquista o mandato de Deputado federal pelo PDT, na condição de suplente. Retornou posteriormente ao Congresso, com entradas e saídas até 2007. Foi Presidente Nacional do PDT, líder, por duas vezes, na Câmara Federal e Presidente da Comissão de Relações Exteriores. Em 1998, Neiva, Deputado federal, enviame correspondência parabenizando pela edição do jornal O Combate Arariense afirmando que “Arari tem uma tradição de vida cultural e política que honra o Maranhão e é importante que tenha órgãos de imprensa empenhados na defesa dos interesses e das aspirações do seu povo”. Figura expressiva da política nacional, homem do povo, cidadão do mundo e defensor da liberdade; amigo de Leonel Brizola, com quem lançou as raízes do trabalhismo no Brasil, editou a revista Cadernos do Terceiro Mundo, publicação de resistência contra regimes ditatoriais da América Latina, África e Ásia, editada em português, espanhol e inglês e circulante em 70 países, entre os anos de 1974 e 1984. Divulgava as lutas sociais na América Latina e no Mundo. Neiva conhecia como poucos o dia-a-dia dos embates sociais nos países do Terceiro Mundo. Em seus momentos finais, quando internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital UDI, em São Luís, fiz-lhe a última visita, no dia 4 de abril e cumprimentei seus familiares na ante-sala da UTI, entre os quais os filhos Antônio Luís e Micaela. Com o primeiro o assunto girou sobre sua trajetória política e o elo que o ligara a Arari desde a década de 1950. Político rebelde, ativo parlamentar, destemido cronista, aguerrido e inquieto defensor das causas sociais, dos menos favorecidos e dos interesses do País, protagonizou e testemunhou muitas histórias. Neiva morou no Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Brasília, além dos países já citados, e recebeu diversas comendas, entre as quais a de Cidadão Honorário dos Estados do Piauí e Paraíba e de dezenas de cidades maranhenses. Foi também, pela sua luta e peregrinação política, além de libertário latino-americano, Cidadão do Mundo.

na, no Peru e no Chile, sempre fugindo dos golpes militares. Sua saga se repetiria sempre na luta contra a opressão e a injustiça social. Na Bolívia iniciou nova trincheira de luta através do jornal O Clarin. No Uruguai, na Argentina e no Peru, nos jornais Sur, Izquierda, El Oriental, El Debate, Ahora e El Comércio. Por coerência e solidariedade a Brizola, não fez parte da Frente Ampla que, no Uruguai, reuniu Juscelino Kubitschek, João Goulart, Carlos Lacerda, Renato Archer e Jânio Quadros e contra a qual, juntamente com Brizola, distribuiu à imprensa nota contestatória, reagindo contra a presença de Lacerda, enquanto Arraes se absteve de integrar ou contestar a Frente. Neiva, no entanto, não a condenou. Integrante da Ação Popular, da Frente Popular de Libertação e colaborador de Brizola no Comando Central do Movimento Nacional Revolucionário, coube a Neiva Moreira, como seu missionário, ir a Cuba negociar com Fidel Castro auxílio para o Comando Central de Montevidéu, para resistência armada à ditadura no Brasil. Asilou-se no mundo e abrigou-se na Argélia, Moçambique, Angola, Arábia Saudita, Timor Leste, Líbia, Palestina, China, México, Portugal, Cuba e Leste Europeu. Avistou-se com Che Guevara no Uruguai, entrevistou-se com

Yasser Arafat na Faixa de Gaza; em Bagdá com Saddam Hussein; em Trípoli com Kadafi e em Portugal diversas vezes com Mário Soares. Em Cuba, ficara hospedado em El Vedado, onde recebeu visitas de Fidel Castro para tratar de acertos sobre os movimentos revolucionários. Freqüentou cursos de guerrilha em Piñar Del Mar e vestiu-se de soldado cubano para participar de manobras militares em Cuba. Trocava de nome e viajou de Madri para Paris, Praga, Murmansk, Groelândia e Terra Nova com documentos falsos, e de Havana para Montevidéu, carregando metralhadoras em sua bagagem. Em 26 de outubro de 1979, garantido pela anistia concedida pelo Presidente Figueiredo, Neiva retorna ao País. No Maranhão, chega acompanhado de Francisco Julião de Paula Arruda, ex-deputado por Pernambuco e líder das Ligas Camponesas. Fui recepcioná-los no aeroporto do Tirirical. À noite, com Francisco Julião, jornalista Sebastião Nery e políticos do MDB, fez comício na Praça da Alegria, quando foi saudado por uma grande manifestação popular. No dia seguinte, fiz uma visita a Neiva Moreira, na residência do seu tio Cícero Neiva, na Rua das Hortas. Relembrou nomes da política arariense, entre os quais Padre Brandt, Teodoro Batalha, Nezico Ribeiro, Tonico Santos, Maria Ri-

JORNAL DA ABI 379 • JUNHO DE 2012

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