JORNAL ANO X – Nº 81 AGOSTO 2016
Convidados discutem a elaboração da Política de Segurança da UFG, que está sendo construída com o apoio da comunidade universitária. p. 6 e 7
Primeira mulher em circunstância transexual conclui mestrado na UFG p. 4
Grupos em redes sociais ajudam estudantes e disseminam solidariedade p. 5
Projeto de extensão da Regional Jataí orienta população sobre cobras p. 13
Foto: Carlos Siqueira
Como garantir a segurança na Universidade?
JORNAL
EDITORIAL
A opinião de quem nos interessa Michele Martins*
A
ntes de começar a falar dos destaques desta edição, quero compartilhar com todos a intensa satisfação que a equipe do Jornal UFG sentiu com a repercussão que as matérias da edição passada alcançaram. Diversos leitores nos retornaram para comentar suas impressões, em sua maioria positivas, sobre os textos e a diagramação. Principalmente em relação à matéria Amizade entre elas. Esse retorno crítico é cada vez mais importante para que o Jornal UFG se consolide, de fato, como referencial de leitura e divulgação da produção acadêmica e do engajamento da UFG, nas diversas instância do ensino, da pesquisa e da extensão. Nesse mês, o assunto de maior destaque desta edição é a segurança na UFG. Apesar das ocorrências identificadas em uma ampla pesquisa produzida pelo Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) apontarem que a Universidade ainda está em situação mais segura em relação a muitas cidades de Goiás, o sentimento de insegurança tem sido constante entre as pessoas que passam pelos câmpus diariamente. No entanto, essa mesma comunidade que reclama por melhorias nas ações de segurança promovidas pela instituição, não participa dos fóruns e audiências nos quais o assunto é discutido. Iniciadas há mais de um ano, as etapas de construção da Política de Segurança da UFG estão chegando à fase final com o registro de uma baixa participação da comunidade nos debates promovidos internamente. Essa foi a principal questão explorada pelas equipes da Ascom, Rádio Universitária e TV UFG que produziram a mesa-redonda desta edição. Reflexões importantes que merecem ser conferidas, especialmente para que possamos ainda contribuir na condução do processo de criação da Política de Segurança da UFG. Àqueles que se interessam por novas tecnologias, trouxemos nessa edição a entrevista com o pesquisador Aron Quigley, da Escola de Ciências da Computação da Universidade de St. Andrews,
na Escócia. Ele aborda o atual desafio da interação humana e as tecnologias digitais de encarar a superação da grande distância que atualmente existe entre os mecanismos operacionais das máquinas e a percepção dos nossos sentidos. Segundo ele, há uma aposta quanto às possibilidades de ampliação das relações humanas por meio das tecnologias de informação e comunicação. Entretanto, como bem destaca o pesquisador, ainda temos muito a avançar em nossa postura de cobrar dos governos a democratização ao acesso às novas tecnologias.
Nessa mesma temática, trouxemos uma matéria na qual evidenciamos a problematização do modelo de escola adotado no Brasil em contraponto à evolução das mídias digitais. Essa é uma das preocupações dos integrantes do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação, Inclusão e Novas Tecnologias (LabIN), da Faculdade de Educação. Na matéria Os desafios da escola na era tecnológica, é possível conferir alguns dos principais erros e acertos que surgem no cotidiano pedagógico na tentativa de atualizar a linguagem e a educação brasileira em relação à utilização de mídias digitais. Profissionais dessa área alertam para o desafio que é enfrentar as deficiências na infraestrutura das escolas e na formação dos professores.
Tratamos ainda sobre integridade acadêmica. Você sabe o que é isso? A integridade acadêmica envolve diferentes assuntos, como o incentivo à transparência, o combate ao plágio e a falsificação de dados. Em uma série de artigos para essa coluna, os membros do Comitê de Integridade da UFG (CIA/UFG) abordarão, nesta e nas próximas edições do Jornal UFG, alguns desses assuntos com o objetivo de fomentar o debate sobre integridade acadêmica na comunidade da UFG. Nesta edição, confira o artigo sobre o viés de confirmação. Boa leitura! * Coordenadora de Imprensa da Ascom
COMUNIDADE PERGUNTA Fotos: Arquivo Pesssoal
Universidade
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Jéssica Sayuri Sumizono Rafael, Bacharela em Direito
Quais as mudanças no processo de vagas remanescentes da UFG? As vagas remanescentes são as vagas não preenchidas após a realização da última chamada para matrícula dos candidados selecionados por meio dos processos seletivos somadas às vagas resultantes da inativação de registro acadêmico. No início de 2016 a resolução que trata do tema foi alterada. Os candidatos interessados em realizar mudança de curso, reingresso, transferência facultativa ou ingressar na UFG como portador de diploma, devem estar atentos às principais modificações. A principal delas é que a seleção será feita com base na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e não mais por um processo
seletivo específico. Além disso, não há limitação do número de vagas disponibilizadas para Portador de Diploma (antes apenas 20% do total de vagas disponíveis eram destinadas a essa modalidade). Outras mudanças são: para mudar de curso ou solicitar transferência facultativa, o estudante deve ter concluído pelo menos um semestre letivo e ter vínculo com o curso de origem; e para reingresso em curso/ habilitação, o curso não pode estar em processo de extinção e o estudante não pode ter sido excluído por esgotamento de prazo para integralização do currículo. Para mais informações veja a resolução 1394/2016 do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepec/ UFG). O próximo aviso de edital será publicado no dia 5 de agosto. Fiquem atentos!
Professora Valquíria Rocha é Diretora do Centro de Gestão Acadêmica da UFG
Publicação da Assessoria de Comunicação Universidade Federal de Goiás ANO X – Nº 81 – AGOSTO DE 2016 – Universidade – Reitor: Orlando Afonso Valle do Amaral; Vice-reitor: Manoel Rodrigues Chaves; Pró-reitor de Graduação: Luiz Mello de Almeida Neto; Pró-reitor de Pós-Graduação: José Alexandre Felizola Diniz Filho; Pró-reitora de Pesquisa e Inovação: Maria Clorinda Soares Fioravanti; Pró-reitora de Extensão e Cultura: Giselle Ferreira Ottoni Cândido; Pró-reitor de Administração e Finanças: Carlito Lariucci; Pró-reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos: Geci José Pereira da Silva; Pró-reitor de Assuntos da Comunidade Universitária: Elson Ferreira de Morais. – Jornal UFG – Coordenadora de Imprensa: Michele Martins; Editora: Kharen Stecca; Editora-assistente: Angélica Queiroz; Conselho editorial: Angelita Pereira de Lima, Cleomar Rocha, Estael de Lima Gonçalves (Jataí), Luís Maurício Bini, Pablo Fabião Lisboa, Reinaldo Gonçalves Nogueira, Silvana Coleta Santos Pereira, Thiago Jabur (Catalão) e Weberson Dias (Cidade de Goiás); Suplente: Mariana Pires de Campos Telles; Projeto gráfico e editoração: Reuben Lago; Fotografia: Carlos Siqueira; Reportagem: Angélica Queiroz, Camila Godoy, Giovanna Beltrão e Luiz Felipe Fernandes; Revisão: Fabiene Batista e Bruna Tavares; Bolsistas: Adriana Silva e Ana Fortunato (Fotografia), Natália Esteves (Jornalismo); Impressão: Centro Editorial e Gráfico (Cegraf ) da UFG; Tiragem: 7.000 exemplares ASCOM Reitoria da UFG – Câmpus Samambaia Caixa Postal: 131 – CEP 74001-970 Goiânia – GO Tel.: (62) 3521-1310 /3521-1311 www.ufg.br – www.ascom.ufg.br jornalismo.ascom@ufg.br @ufg_oficial
Entrevista Aaron Quigley
Ana Fortunato
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Desafios da interação homem-máquina
mas sociais de envolvimento interpessoal como forma de reduzir o nível de prioridade dos pixels em nossas vidas.
Em geral, estamos utilizando a interação com a tecnologia para nos limitar ou estamos dando o nosso melhor?
soas e os sistemas uns dos outros. O que O uso da tecnologia define a sociedade humana. pode ser feito para minimizar esse pro- Em qualquer lugar que você olhe, da produção aron Quigley é especialista no estudo da blema e aproximar essas ilhas? de alimentos à medicina ou da arquitetura à
Angélica Queiroz
A
interação humana com diferentes interfaces e professor da Escola de Ciências da Computação da Universidade de St. Andrews, na Escócia. Ele também é co-fundador e diretor do grupo de pesquisa St. Andrews Computer Human Interaction (Sachi), que atua na investigação da interação homem-computador. O professor esteve na UFG para o Simpósio Internacional de Inovação em Mídias Interativas (SIIMI), realizado pelo Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Mídias Interativas (Media Lab), quando conversou com o Jornal UFG.
Não é mais aceitável que nos mantenham presos em ilhas de interação Quais são os principais desafios da interação humana com diferentes interfaces? Nosso principal desafio é superar o fosso digital-físico, aproveitando toda a gama de sentidos humanos. Hoje a computação permanece presa a dispositivos para fins especiais, ao invés de ser vista como uma parte natural no nosso mundo físico e material. É essa proliferação de dispositivos com diferentes formas de interação que dá origem a muitos dos desafios que vemos hoje. Cada dispositivo ou aplicativo nos oferece muito, mas quando tentamos combiná-los de um jeito reservado e pessoal, eles começam a falhar, como se tropeçássemos entre os diferentes paradigmas de interação, como se falhássemos em conectá-los facilmente ou como se fôssemos derrotados por regras de acesso a dados. A mudança mais importante é que cada usuário das tecnologias digitais comece a demandar mais, o que forçará novas pesquisas e desenvolvimentos em âmbito global. A manutenção do status quo irá limitar futuras capacidades humanas.
Segundo suas pesquisas, vivemos em ilhas de interação que separam as pes-
As ilhas de interação vêm de diferentes paradigmas computacionais, setores industriais e provedores de tecnologia. Hoje, muitas vezes faltam condutores socioeconômicos claros para uma melhor integração dessas ilhas. Há também uma explosão combinatória de possíveis tecnologias, aplicações, serviços e experiências. Nosso atual modelo de dispositivo físico, sistema operacional e aplicativo está quebrado. Os dispositivos não estão cientes de outros dispositivos relevantes que estão sendo usados por perto. Dispositivos com diferentes sistemas operacionais não podem facilmente compartilhar dados, mesmo quando esses dados sejam nossos ou se refiram a nós. Os interesses comerciais podem, muitas vezes, manter esses sistemas separados, mesmo quando desejamos ter uma visão integrada e holística do que é importante. Podemos superar essas barreiras demandando mais de nossos provedores de tecnologia, nossos engenheiros de software, nossos projetistas de sistemas e até mesmo de nossos governos quando tratamos da legislação para dados abertos e a ausência de fronteiras para a integração homem-máquina. Não é mais aceitável que nos mantenham presos em ilhas de interação.
agricultura, verá que tecnologia é parte da nossa existência. É nossa capacidade de usar apropriadamente e gerenciar novas tecnologias que mostra a real força delas em nossas vidas. Por isso, é um processo constante de adoção, adaptação e mudança, onde nossos comportamentos e expectativas mudam. Não devemos olhar a tecnologia como limitadora de nossa interação social, mas sim estender seu alcance e ampliar seu impacto. Casar isso com nossos estreitos laços sociais é um desafio para cada um de nós e para a sociedade como um todo.
É nossa capacidade de usar apropriadamente e gerenciar novas tecnologias que mostra a real força delas em nossas vidas
A tecnologia afasta ou aproxima as pessoas? Estimula ou prejudica as relações sociais? Todos os dias surgem produtos com inovações e tecnologias mais avançadas. O Com a tecnologia há inúmeros desafios sociais, in- que pode ser feito para democratizar o cluindo a manutenção da privacidade, a aceitação, acesso, já que a maioria desses produtos a participação, a exclusão e o engajamento social. são caros e, por isso, inacessíveis à granHoje, o discurso cívico é impactado pelo isolamen- de parte da população? to que a tecnologia propicia às pessoas. Por exemplo, o “filtro bolha” decorre da personalização nos resultados da pesquisa apresentados para cada pessoa. Essas bolhas podem isolar socialmente uma pessoa de outra, dentro de seus próprios grupos econômicos, políticos, culturais e, consequentemente, ideológicos. Com os novos dispositivos podemos incentivar ainda mais as pessoas a “interagirem em bolhas”, o que pode isolá-las mais e desencorajar a interação interpessoal. Será que essas tecnologias exacerbam a estratificação social digital que já estamos testemunhando? Se os computadores se tornam entrelaçados em nossas vidas, talvez nossos dispositivos e telas fiquem menos no foco. Devemos esperar novos mecanismos e nor-
As tecnologias digitais costumam ser de grande interesse da imprensa popular. As mudanças pessoais, íntimas e imediatas que estas tecnologias trazem, fornecem imagens tentadoras de um futuro que são inatingíveis hoje. Muitas tecnologias caras estão simplesmente testando o mercado e, caso se tornem populares e mesmo necessárias, a força do mercado deve torná-las mais acessíveis. No Brasil, tenho visto muitas tecnologias digitais a preços exorbitantes. O que as pessoas precisam fazer é forçar o governo a mudar sua visão sobre os impostos para garantir a liberação natural dessas tecnologias para todos, não apenas para os ricos.
Inclusão
4 UFG está aberta e valoriza a inserção e inclusão social. “Tentamos constantemente apoiar os alunos que lutam contra preconceitos”, afirma.
Adriana Silva
Preconceito
Primeira estudante em circunstância transexual defende mestrado Ester Sales Matos é a primeira mulher em circunstância transexual a concluir uma pós-graduação strictu sensu em Goiás Angélica Queiroz
A
sociedade brasileira ainda tem pouco conhecimento sobre a população travesti, transgênera, intersexual e transexual (TTIT). Esse desconhecimento e o preconceito que vem com ele, historicamente, excluem essa população da escola e, consequentemente, da academia. No entanto, essa realidade está começando a mudar. Na UFG, 2016 é um ano histórico para essa luta. Ester Sales Matos, 32 anos, é a primeira estudante em situação transexual a concluir um mestrado em uma instituição goiana.
Seu estudo “A Operacionalização do Método de ἐποχή (Epoché) e Redução na Fenomenologia de Edmund Husserl pelas Vias Cartesiana e Psicológica”, apresentado no início do mês de junho, foi desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFG. A estudante, que é membro fundadora do Coletivo Interacadêmico Universitário de Mulheres e Homens em Circunstância Transexual e Intersexual, Pessoas Transgêneras e Travestis, Familiares e Apoiadores da Causa Trans na UFG (TransAção), já está se preparando para participar de processos seletivos para doutorado, no qual pretende relacionar seu trabalho sobre consciência (subjetividade) com o tema “sexualidade”. Para Ester Sales, sua conquista é importante para toda a população TTIT, porque abre portas. “Estamos em 2016 e eu sou a primeira em circunstância transexual a fazer um mestrado em Goiás. Demorou muito, mas que bom que esse momento chegou para dizer que qualquer outra pessoa, seja mulher ou homem em circunstância transexual, transgênero, intersexual ou travesti têm capacida-
de de fazer o mesmo, de não só ser fenômeno de pesquisa de algum pesquisador, mas também de pesquisar, de gerar conhecimento oficialmente”, afirma. Segundo a mestre, isso quebra uma série de paradigmas. “Passamos a fazer pesquisa porque somos tão capazes quanto qualquer outra pessoa”, destaca. Ester Sales lembra que outra estudante transgênera já ingressou no mestrado na UFG, também na Filosofia. “Eu penso que, como a Filosofia gera outras ciências, essa coincidência histórica é muito positiva”, afirma. Para a mestre em Filosofia, outros estudantes TTIT logo devem ingressar nos programas de mestrado e doutorado da UFG, porque já há vários deles em diversos cursos de graduação da instituição. Atualmente, 15 estudantes usam nome social na Universidade, segundo a Coordenadoria de Inclusão e Permanência. “Daqui a pouco esse pessoal também vai se inquietar e ir para a pós-graduação. Essa comunidade vai cada vez mais avançar. Estamos aos poucos entrando na universidade e é isso que importa”, comemora.
UFG foi espaço libertador
A estudante, que já havia concluído um programa de especialização latu sensu, nasceu no Rio Grande do Norte, foi criada no Pará e veio para a UFG fazer seu mestrado. Começou frequentando grupos de estudo, depois cursou uma disciplina como aluna especial e foi aprovada para o mestrado em 2013. Ester relata que a UFG foi um espaço libertador para ela, porque sua transição física também ocorreu no mesmo período em que esteve na Universidade, após ter ingressado no Projeto TX, do Hospital
das Clínicas. “Fui mudando as roupas aos poucos, quando fui percebendo que meu corpo também mudava, de forma muito pedagógica, até ser natural e não causar estranheza”, relata.
Ester Sales e outros integrantes do Coletivo TransAção fazem parte do grupo de pessoas que lutaram pela implantação do nome social na UFG por meio da Resolução 14/2014 do Conselho Universitário que, segundo ela, está entre as melhores do país. “Nossa política abrange todos os grupos e, por conta disso, estudantes TTIT de todo o país estão procurando a UFG”, comenta. Para Ester Sales, grande parte de seus professores a respeitaram, mesmo antes da legislação, mas enfrentou problemas com alguns docentes. “Eu sofri preconceito na Universidade, sim. Foi um espaço de libertação para mim, mas foi um espaço conquistado com diálogo, com uma postura de seriedade, de trabalho e humanização, junto com outras pessoas que se abriram para conhecer a realidade como ela é e aprenderam a respeitar o ser humano”, lembra.
Passamos a fazer pesquisa porque somos tão capazes quanto qualquer outra pessoa Para a Coordenadora de Ações Afirmativas da UFG, Luciene Dias, esta defesa é a consolidação de um longo projeto de construção de espaços plurais. “Temos que estar atentas para a necessidade, inclusive, de garantir o avanço das conquistas. Realmente é motivo de orgulho para nós!”, afirma. O Coordenador de Inclusão e Permanência da UFG, Jean Baptista, afirma que a conquista de Ester representa uma conquista possível para estudantes trans de todo o país. “Todas as universidades devem ter o mesmo comprometimento com esta população, construindo, assim, um futuro mais justo”. O pró-reitor de pós-graduação da UFG, José Alexandre Diniz, parabeniza a estudante e destaca que a defesa mostra que a
A principal dificuldade que Ester Sales teve na universidade foi lidar com a ignorância, fator que, para ela, é gerador do preconceito que faz a população TTIT desistir da escola. Ela acredita que a escola é excludente porque os professores não estão preparados para lidar com a diversidade, principalmente no âmbito sexual. “Eles não estudam sobre isso, geralmente apenas reproduzem os preconceitos que aprenderam socialmente. E acabam violentando seus alunos”, completa. Quando a exclusão não acontece na infância, comumente ocorre no Ensino Médio, quando começa o despertar sexual e a população TTIT começa a se assumir diante do mundo por meio do corpo e de suas roupas. “Dependendo desse comportamento e de como é aquela comunidade escolar, a pessoa é excluída rapidamente, uma exclusão muito forte; e procura subempregos para sobreviver, vivendo à margem da sociedade, o que faz com que não chegue à universidade, sobretudo uma pública”, ressalta.
Ester Sales lembra que, mesmo os que chegam ao ensino superior, param na graduação. “Conheço casos de alunos que tiveram que sair porque professores não sabiam lidar com eles. Por isso o nome social, como primeira política pública conquistada, é uma vitória tão grande”, comemora. Ela também explica que, com o nome social, a pessoa se sente protegida porque não precisa mais ser exposta e os professores são obrigados a respeitar seu nome de autoidentificação, não ficam nem sabendo o nome civil. “Se ele não tem o bom senso e a educação de saber lidar e respeitar o próximo, tem uma lei que o obriga, o papel garante”.
O caminho para superar o preconceito, segundo Ester Sales, é a educação. “Se a pessoa se abre para aprender, vai se tornando um ser humano melhor, que respeita mais as diferenças. A convivência transforma as pessoas. É um processo. Nosso papel é pedagógico. Respeitar o próximo e saber lidar com o outro é educação. E isso não tem diploma. Isso é humanidade”, completa.
Para que a Universidade comece a caminhar nesse sentido, o Coletivo TransAção luta para a inserção de uma disciplina de sexualidade humana nos currículos dos cursos de graduação, especialmente na área da saúde e nas licenciaturas. “Vivemos em uma sociedade ignorante, que transforma a sexualidade em um tabu, trata as questões como assunto vulgar. A disciplina é fundamental hoje e espero que cursos se movimentem. Muita gente aceita esse sistema e aprendemos que não devemos aceitar, que temos que nos movimentar e construir mudança”, conclui.
5 Comportamento
Estudantes em rede Grupos criados na internet por acadêmicos da UFG promovem interação e disseminam solidariedade Luiz Felipe Fernandes
E
m uma breve publicação no Facebook, uma estudante de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Goiás (UFG) pede carona até o Câmpus Samambaia às segundas-feiras de manhã. Não demora muito e ela recebe a resposta de outro estudante oferecendo a corrida semanal. No Instagram, um acadêmico de Odontologia publica a foto de uma carteira da Biblioteca encontrada próximo ao Centro de Aulas D, na Praça Universitária. Logo uma amiga identifica a dona do documento e a marca na publicação. Carteirinha recuperada! É evidente que uma instituição de ensino superior possui canais oficiais de comunicação, mas as redes sociais na internet possibilitam uma interação entre os integrantes da comunidade universitária com objetivos específicos e para necessidades que surgem no decorrer da vida acadêmica. São várias as comunidades virtuais criadas por estudantes da UFG, mas algumas delas se destacam por criar uma rede de solidariedade que tem ajudado muita gente.
Para manter a organização e a segurança, apenas pessoas com vínculo com a UFG podem ingressar no grupo. As publicações na página começam com as palavras “procuro” ou “ofereço”, com descrição do trajeto e pontos de referência. Também foram criados dois grupos no WhatsApp – o Carona UFG Integral, para os que estudam no período matutino e/ou vespertino; e o Carona UFG Noturno. A colaboração com o combustível é combinada entre caroneiro e motorista, embora não seja obrigatória.
Moradora de Goianira, a estudante de Ciências Contábeis Aryadne Rodrigues Moreira, conta que o tempo gasto para chegar à faculdade cai pela metade com a carona que ela recebe a partir do Setor Universitário. Ela recorreu ao grupo por causa de uma conta que não fechava: saía do trabalho às 18h e tinha uma aula às 18h05min. De ônibus, obviamente, não conseguia chegar a tempo. Tiago Hermano, acadêmico de Sistemas de Informação, também pega carona há mais de um ano, evitando assim os dois ônibus que seriam necessários para chegar
Página achadoseperdidosufg tem 812 seguidores até o Câmpus Samambaia. Além do tempo, ele cita o maior conforto em relação ao transporte público.
Já o estudante de Engenharia de Software, Igor Cavalcante, passou de caroneiro a motorista. “Depois que comprei o carro comecei a dar carona, porque sei que ajuda muita gente”. Foi o mesmo que aconteceu com o outro Ygor, criador do grupo. Hoje ele tem carro e oferece caronas a outros estudantes. O próximo passo, segundo ele, é criar um aplicativo de celular para facilitar o contato entre os usuários.
ACHADOS E PERDIDOS
Carlos Siqueira
Instagram e Facebook 812 seguidores e 271 curtidas
Conscientes da importância da ajuda, quem adquire um carro passa a oferecer carona aos colegas
CARONA UFG
Facebook e WhatsApp 4.458 membros no Facebook
O grupo surgiu em 2012, quando o estudante de Sistemas de Informação Ygor Alberto Terra, observou durante as mais de duas horas de espera pelo ônibus da linha 302, a grande quantidade de carros só com o motorista. De lá para cá, a comunidade cresceu e promove caronas para as unidades da UFG, para eventos ligados direta ou indiretamente à Universidade e até para outras cidades.
A publicação de itens achados e perdidos é comum em grupos criados por estudantes da UFG na internet. A acadêmica de Ciências Biológicas, Joyce Mamede, achou que seria uma boa ideia criar um grupo específico para esta finalidade. E foi! “Já fiz mais de cem posts sobre objetos achados e perdidos e vi muita gen-
Do real ao virtual As redes sociais estabeleceram novas formas de relação entre as pessoas. O professor da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG), Daniel Christino, explica que elas funcionam como dispositivos que fornecem alguma estruturação para as interações sociais. “A questão é que estas relações, quando se dão apenas dentro do dispositivo, tendem a ser superficiais, intensas e de curta duração. Assim, quando um determinado assunto mobiliza a opinião dos indivíduos, eles rapidamente usam as ferramentas do Facebook para gerar identidade e sectarização. Não há muito espaço para a reflexão porque, no limite, não há tempo para que as opiniões se cristalizem e sofram críticas na própria cabeça dos estudantes”, considera. O resultado, segundo o professor, é uma precipitação da ação sem a necessária reflexão. Daniel Christino ressalta, porém, que estes dispositivos podem permitir a solidariedade e a disseminação de práticas solidárias, a exemplo dos grupos criados na internet por estudantes da UFG em busca de ajuda mútua. A diferença, nesses casos, é que há uma dimensão real que orienta a ação.
te se beneficiando da página. É uma ajuda pequena, mas não me dá trabalho e eu fico feliz em poder colaborar”, conta a estudante.
Tem de tudo nas publicações do Achados e Perdidos: documento de identidade, carteira da biblioteca, pen drive, telefone celular, óculos, caderno, blusa de frio, entre vários outros itens. Como as redes sociais permitem marcar os amigos nas publicações, muita gente acaba recebendo o alerta de outras pessoas conhecidas e recuperam o objeto.
NÚCLEOS LIVRES Facebook 4.357 membros
Todo começo de semestre letivo a UFG divulga a lista de disciplinas do Núcleo Livre. O objetivo é garantir ao estudante liberdade para ampliar sua formação. As disciplinas eletivas são escolhidas pelo aluno, dentre todas oferecidas nessa categoria pelas diferentes unidades acadêmicas, de acordo com os pré-requisitos exigidos. Diante da possibilidade de escolher uma área de conhecimento diferente do curso no qual está se graduando, nada melhor que trocar experiências sobre o conteúdo das disciplinas, professores e vagas disponíveis.
Foi esse o objetivo da estudante de Psicologia Thais Martins Sousa ao criar o grupo Núcleos Livres UFG, aproveitando a experiência que teve em uma comunidade virtual semelhante na Universidade de Brasília (UnB). A página ajuda alunos de cursos que exigem uma alta carga horária de disciplinas de Núcleo Livre – na Psicologia, por exemplo, são sete de 64 horas. Além das informações sobre as disciplinas, os integrantes do grupo compartilham eventos, cursos, oportunidades de estágio, entre outras informações.
Mesa-redonda
6
Por uma
Universidade
mais segura Ascom, TV UFG e Rádio Universitária
Há dois anos o tema segurança mobiliza esforços conjuntos na UFG. Nesse tempo vem sendo construída uma política para garantir a qualidade dos serviços de segurança nas cinco regionais por meio da realização de audiências públicas e debates em todos os câmpus da instituição. A política também tem como base levantamento encomendado pela Reitoria da Universidade e produzido pelo Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) da Faculdade de Ciências Sociais. O objetivo é elaborar um documento composto por princípios e ações de curto, médio e longo prazos, construídos com o apoio da comunidade universitária para a segurança na UFG.
Para falar sobre esse assunto convidamos o presidente da Comissão de Segurança do Conselho Universitário da UFG, Marco Antônio Oliveira; o professor Francisco Tavares, da Faculdade de Ciências Sociais e participante da pesquisa do Necrivi, e a estudante do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e representante dos estudantes, a integrante da Coletiva Feminista da UFG, Elismênnia Oliveira.
Você pode participar das próximas mesas-redondas enviando sugestões de temas e convidados pelo telefone: 3521-1311 ou jornalismo.ascom@ufg.br
Confira os vídeos do Programa Conexões no QR Code ao lado.
As etapas de construção da Política de Segurança da UFG estão chegando à fase final. E a participação da comunidade tem sido baixa nos debates. Por que as pessoas pedem segurança, mas não participam das discussões propostas pela Universidade? Marco Antônio – Fizemos audiências públicas desde o ano passado e esse ano fizemos debates em todas as regionais. É claro que o chamamento foi feito e a participação não foi tão expressiva como esperávamos, mas o diálogo direto com a comunidade foi importante. Isso contribuiu bastante para estabelecer esse documento preliminar que elaboramos.
Francisco Tavares – A comunidade universitária se envolve com a questão da segurança de distintas maneiras na Universidade. Há quem pretenda se engajar em audiências públicas, levar propostas e discutir formalmente, mas há, por outro lado, com igual ou maior legitimidade, quem pretende reivindicar, protestar, se mobilizar e seguir, portanto, uma outra estratégia política. Há aqueles e aquelas que pretendem debater o tema informalmente, mas contribuindo para uma opinião pública que seja ativa, que seja fervorosa e que, portanto, informe as pessoas sobre o tema. O que não dá para negar é que o assunto segurança, mais do que criminalidade, em todas as suas esferas, requer respeito à diferença, o combate à homofobia, ao machismo, ao assédio e requer combate também à criminalidade patrimonial. De fato, a presença nas audiências públicas, nos espaços formais constituídos pela administração, não foi a mais massiva possível, mas isso não significa que o tema não esteja na agenda. Cabe, portanto, à própria administração, tentar atrair as pessoas para esses fóruns e, além disso, ficar atentos ao que circula em forma de opinião e protesto fora desses espaços.
Elismênnia Oliveira – A organização dos fóruns e a forma como eles são feitos, repelem as pessoas, pela cultura que temos de achar que a segurança é terceirizada e entregue a pessoas que vão cuidar de segmentos específicos. A organização amplia a discussão com campanhas ou tentativas de conscientização, mas as pessoas não querem participar, porque acham que aquilo ali não é sobre elas. Os eventos sobre racismo ou LGBTfobia, por exemplo, muitas vezes não são vistos pelos estudantes como pauta da segurança porque não são colocados como tal. São coisas tratadas de forma diferente, mas que falam sobre o mesmo tema.
É preciso pensar além da segurança patrimonial?
Elismênnia Oliveira – Sempre temos que pensar em mais, tanto é que as discussões da ocupação feminista realizada em junho foram por uma pauta de segurança das mulheres, que abarcava abusos sexuais, físicos, de violência e racismo – e falava, também, da segurança patrimonial, de outras formas de violência que não são combatidas, não são vistas, nem tratadas, mas é esperado que sejam, porque são as que, em geral, afetam as pessoas.
Francisco Tavares – Quando a própria Reitoria encomendou uma pesquisa para tentar entender como se dá o problema da violência e da segurança no câmpus, havia representantes de sindicatos e do movimento estudantil. A primeira questão na qual essa campanha se pautou foi que violência e segurança não se restringem ao crime patrimonial. A pesquisa fez uma série de perguntas, grupos focais e levantamento de dados, justamente para entender qual é o problema da violência, que se dá muitas vezes em sala de aula ou contra funcionários(as) das empresas terceirizadas que, muito frequentemente, não são entendidos(as) sequer como integrantes da comunidade acadê-
mica. A pesquisa científica tentou inventariar, mapear e diagnosticar a realidade da Universidade para que, a partir daí, naturalmente a própria comunidade formulasse uma política. De fato, não faz muito sentido pensar que o problema da violência e da segurança se limita a um automóvel eventualmente arrombado ou um furto de um microcomputador. Esse é um problema, do ponto de vista estatístico, até menos presente no ambiente universitário do que em outros espaços da sociedade. A questão tem de ser pensada em toda a sua multidimensionalidade e, muitas vezes, as próprias relações de trabalho e de poder que ocorrem dentro da Universidade encerram em si um grau de violência que também tem que ser tematizado.
Francisco Tavares
Gente, iluminação e presença tendem a melhorar o ambiente do câmpus de uma maneira que nenhuma medida coercitiva seria capaz de fazer
Marco Antônio – Estão contempladas no documento da política de segurança, que é bem amplo e detalhado, seis eixos estratégicos. É claro que não é a política de segurança que vai detalhar todos esses aspectos mas, nesse primeiro momento, foi feita uma exposição e gostaríamos de receber as críticas e sugestões para que pudéssemos colher todas as preocupações de grupos e coletivos. É um trabalho que vem sendo feito há algum tempo e foram convidadas entidades dos trabalhadores, dos docentes e representantes dos estudantes como membros dessa comissão.
Os números levantados pela pesquisa do Necrivi mostram que os crimes ocorridos no câmpus são menores do que os números da violência nas cidades. Mesmo assim, a população universitária considera os câmpus lugares inseguros. Por quê?
Francisco Tavares – A pesquisa teve um aspecto muito positivo, que foi a descoberta do que chamamos de conclusões contraintuitivas, ou seja, percebemos que a realidade não era exatamente como imaginávamos antes de fazer a pesquisa. Uma primeira conclusão, muito diferente das nossas intuições é a de que, quando há policiamento militar ostensivo nas unidades universitárias, não há necessariamente maior segurança, em geral há um clima de maior instabilidade nos processos de natureza política, acadêmica e científica nas universidades, mas nem por isso essas instituições são mais seguras. Outra conclusão contraintuitiva que se chegou é que, em geral, as pessoas estão mais preocupadas com políticas simples, que re-
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Temos um processo de violência contra as mulheres que ocorre na sociedade como um todo e isso ocorre igualmente dentro dos câmpus...
Elismênnia Oliveira – Eu e mais pessoas temos essa sensação de insegurança nos câmpus da UFG, inclusive as meninas que ocuparam a Reitoria, porque essa relação de segurança está atrelada a pautas mais amplas, vai desde o processo de não conseguir fazer falas em sala de aula porque há colegas ou professores que vão te coagir, até o fato de você sair pelos corredores e as pessoas olharem as roupas que você está vestindo. Temos um processo de violência contra as mulheres que ocorre na sociedade como um todo e isso ocorre igualmente dentro dos câmpus, tanto é que os assédios sexuais, morais e abusos começam em sala de aula e continuam nas ruas, no bosque, nas festas e calouradas. Existe um processo de insegurança que não tem a ver com uma empresa terceirizada que vai prestar um serviço, não tem a ver com mais câmera ou menos câmera e que não necessariamente, muitas vezes, tem a ver com iluminação. Tem a ver com um pressuposto de sexismo, LGBTfobia e racismo que matam, que levam a um pressuposto de violência que agride as pessoas fisicamente, mas começa em sala de aula, com uma risada. A UFG precisa se atentar a essas campanhas porque é graças a elas que, enquanto movimento social, estamos conseguindo algumas mudanças e muitas coisas estão deixando de ser silenciadas. A pauta principal é pensar a segurança como coletiva. Todos tem a ver com processos de abuso ou de assédio moral que acontecem. Ter essa consciência de mudança e reconhecer que todos tem sua participação nisso faz total diferença.
Como enxergam a presença da polícia no Câmpus?
Elismênnia Oliveira – De forma muito negativa, porque a militarização não vai trazer nada além de mais violência. O Brasil tem caminhado para um processo em que acreditamos que a desmilitarização é, mais do que nunca, necessária, e na universidade não seria diferente. Acreditamos que não é a polícia que traz segurança e essa crença de achar que a segurança é garantida por armamento e por pessoas específicas faz com que não nos mobilizemos e cuidemos das pessoas coletivamente, aumentando todo o processo de precarização e de violência com as pessoas. A saída que estamos conversando coletivamente seria ouvir os grupos que estudam sobre isso, a pesquisa do Necrivi e os movimentos sociais, a ocupação dos lugares e, principalmente, uma campanha de conscientização sobre sexismo e assédio moral e sexual, porque acreditamos que uma campanha faria com que as pessoas pensassem em saídas para esse problema. O armamento individualizado, tal como a polícia o usa hoje, não é escolha coletiva e não vai fazer com que um potencial estuprador ou uma pessoa que violenta não cometa um crime. Precisamos de leis, de regulações específicas que barrem as pessoas e barrem os processos de violência, seja entre professores, estudantes ou pessoas que vêm de fora da UFG. Outras universidades adotam medidas de controle de entrada, como ter que apresentar um documento provando que você pertence àquele lugar ou para onde está indo. Existem várias saídas que a UFG poderia adotar e que não envolvem a militarização. A militarização não tem sido uma escolha para o país, que só encarcera e mata a população negra e periférica, e menos ainda para uma universidade onde esse problema vem de um problema maior. É importante lembrar que as pessoas devem utilizar seus espaços de fala, sejam eles o Conselho Universitário (Consuni) ou a Ouvidoria. O fato de as pessoas falarem das vivências que elas passam faz total diferença. Vejam como a Ouvidoria funciona, façam denúncias, isso é um diferencial! Francisco Tavares – Na verdade, seja no âmbito de grandes estudos sobre segurança e criminalidade, no que tange às grandes cidades ou ao país, seja nessa pesquisa que conduzimos, especificamente, comparando diferentes câmpus de diferentes universidades públicas, há uma ideia muito parecida e que é quase o contrário do que intuitivamente as pessoas costumam imaginar. Eu sempre brinco que parece com o sol: todos os dias vemos o sol nascendo num lugar e se pondo em outro e pensamos que ele, portanto, circula ao redor da terra, mas é o contrário que acontece. No que tange à segurança e criminalidade, é exatamente assim: medidas punitivas, supressão de direito de defesa e de devido processo legal, criminalização desenfreada, aumento de coerção, é algo que se correlaciona positivamente com violência, com discriminação, com desigualdade, e não negativamente. Por exemplo, há uma grande discussão no âmbito do serviço público quanto a não extinção da carreira dos vigilantes
e dos vigilantes universitários, porque seriam pessoas concursadas, teria um bom salário, passariam todo o dia aqui e poderiam ser permanentemente submetidas a cursos de formação para a paridade de gênero, para o combate ao racismo, para o respeito à população LGBT. Se apostamos na precarização do serviço contratando a cada semana uma empresa com uma pessoa que vai passar uma semana trabalhando aqui com um salário muito ruim, é claro que isso não impacta positivamente sobre a segurança. Portanto, o que mantém o ambiente mais seguro é uma política de formação, de campanha, de educação. E a Universidade tem os meios para isso, só precisa implementar. Quando eu entro aqui como docente, eu me submeto a um curso de formação para docência. Um curso desse tipo teria de educar, explicar e ensinar cada trabalhador a respeitar a paridade de gênero, a orientação sexual das pessoas, a não aceitar o racismo e o assédio. Da mesma maneira devem acontecer políticas de inclusão e de ocupação de espaços cotidianamente e aqueles e aquelas profissionais voltados(as) á vigilância devem ser servidores públicos efetivos. Precarização de trabalho, subtração de direito de defesa e de devido processo legal só geram mais violência, não são solução para nada.
Fotos: Carlos Siqueira
Elismênnia Oliveira
Marco Antônio – Quando falamos de segurança na Universidade, temos que considerar que o Câmpus Samambaia tem uma tipologia diferente do Câmpus Colemar Natal e Silva, que é diferente de Catalão, de Goiás ou Jataí. O Câmpus Samambaia tem edifícios isolados uns dos outros, por isso precisamos investir mais em iluminação, ocupar e urbanizar os espaços vazios, o que exige um investimento muito grande em contratação de segurança. Hoje temos uma infraestrutura razoável, com passarelas cobertas e iluminadas ligando os edifícios, sendo possível ir de um extremo a outro, exceto quando há algum problema pontual. O custo da contratação de segurança terceirizada é muito alto, chegando a quase 20% dos recursos de custeio da Universidade.
Mesa-redonda
solvam efetivamente a sua sensação de segurança, em prejuízo de grandes questões estruturais, ou seja, espaços ocupados, como hoje não ocorre com o nosso bosque, iluminação, vias de circulação que estimulem, por exemplo, pedestres e ciclistas. As pessoas entrevistadas apontavam para esse tipo de solução em um primeiro momento e só depois pediam mais coerção, polícia, militarização, esse tipo de situação. Foram conclusões que indicam que resolver o problema da segurança em uma instituição universitária passa menos por uma cultura estritamente coercitiva, militarizada, e mais por políticas que, por um lado, sejam inclusivas quanto às diversidades ocorrentes na universidade e, fundamentalmente, que ocupem espaços. Gente, iluminação e presença tendem a melhorar o ambiente do câmpus de uma maneira que nenhuma medida coercitiva seria capaz de fazer.
Marco Antônio
Está muito claro que a segurança que a comunidade quer na Universidade não é papel da polícia, é um papel que a própria Universidade deve exercer e que também é responsabilidade de todos dentro dela
Marco Antônio – O que vimos nas audiências públicas e nos debates é que não queremos uma polícia ostensiva dentro da Universidade, pelo contrário, precisamos estabelecer protocolos para que, havendo a necessidade de polícia federal, civil ou militar, a segurança da universidade as acione, e que seja claro o papel da polícia aqui dentro. Está muito claro que a segurança que a comunidade quer na Universidade não é papel da polícia, é um papel que a própria Universidade deve exercer e que também é responsabilidade de todos dentro dela. Acreditamos nas ações formativas, as educativas, essencialmente. Acreditamos, por exemplo, em ferramentas como um aplicativo que estamos propondo para que, principalmente os estudantes, possam nos ajudar a mapear os locais com problemas, para que a nossa equipe de segurança possa se deslocar até lá. Acreditamos que esses são aspectos mais eficazes do que ter grande policiamento dentro dos Câmpus da Universidade.
Regional Goiás recebe 2ª turma de Direito do Pronera/Incra
Fotos: Weberson Dias
Universidade
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Curso é especialmente voltado para beneficiários da Reforma Agrária e agricultores familiares Weberson Dias
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o mês de junho, a Regional Goiás recebeu os estudantes da 2ª Turma Especial de Direito voltada para beneficiários da Reforma Agrária e Agricultores Familiares, por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). A primeira turma especial de Direito recebeu o nome do professor Evandro Lins e Silva e iniciou em 2007. Em 2012, a Regional formou um total de 57 bacharéis de 19 estados brasileiros. Em 2015 foi realizado o processo seletivo para a segunda turma, que ofertou 60 vagas e no qual ingressaram, este ano, estudantes de 12 estados brasileiros na faixa etária de 16 a 54 anos. A diretora da Regional Goiás, Maria Meire de Carvalho, vê com bons olhos a chegada da nova turma, ela acredita ser uma conquista dos movimentos sociais e também da Regional Goiás. “É um presente, um aprendizado. Ficamos felizes ao ver que a Regional está cumprindo seu papel de inclusão social”. Atual responsável pela turma, a professora Erika Macedo Moreira também comemora a chegada dos novos estudantes que considera representarem a continuidade e a consolidação de um projeto. “A Regional Goiás tem se consolidado como um projeto de educação superior voltado para a reflexão sobre a realidade do campo. A educação e o ensino superior contribuem nesse processo de transformação das condições de vida desse povo”, afirma.
A coordenadora estadual do Pronera/Incra, Marília Barreto, destaca a importância da parceria e assegura que a formação é um pilar para o desenvolvimento sustentável das comunidades: “Os egressos podem atuar após formados nos conflitos que ocorrem nos assentamentos, naqueles vivenciados pelas famílias em relação ao estado e auxiliando as cooperativas com apoio jurídico, entre outros”.
O professor do curso de Direito para beneficiários da Reforma Agrária e Agricultores Familiares, José do Carmo, lembra que, ainda como uma extensão da Regional Goiânia, a unidade de Goiás estava prestes a fechar, e a decisão de continuar o curso foi devido a um movimento que mobilizou a Regional. “Engajei-me nesta luta com a visão de que a educação é um direito de acesso universal, sem restrição, garantido na Constituição Federal. Essa semente foi bem plantada, bem cuidada pela equipe diretiva da UFG com todos os parceiros e está dando bons frutos, demonstrando que foi fundamental ter essa oportunidade de formação em educação superior aqui em Goiás”, detalha o professor, acrescentando que este é o sexto curso nesse modelo em todo o país e que esta foi a primeira vez que houve concurso público para dez professores do curso.
Planos para o retorno à comunidade
O jovem William Clementino, natural de Wanderlândia (TO), deixou a família em outro estado para se dedicar aos estudos em Goiás: “Nosso grande desafio é somar vivência com o conhecimento acadêmico-científico e, a partir desse conhecimento e sob a perspectiva do Direito, influenciarmos na transformação da vida dos agricultores familiares e camponeses”. Demonstrando ansiedade e expectativa, William declara que o ingresso da turma na universidade, além de contribuir para a Regional, fortalece a estratégia dos movimentos sociais. “Apesar de sermos constantemente violentados em relação aos nossos direitos, queremos o tratamento que merecemos, queremos ser sujeitos de nossa própria transformação e, consequentemente, da sociedade”, observa. Natural do município de Santa Maria da Boa Vista (PE), Ananda Natyelle Nunes veio de um acampamento com cerca de 50 famílias.
Para recepcionar os novos estudantes foi realizado o Seminário “Tempo de Chegada” “O curso representa a universidade nos aceitando, dialogando com nosso movimento e reconhecendo a nossa luta pela reforma agrária como algo importante e necessário para o Brasil”, comemora a pernambucana. O colega Antônio Marcos Bandeira veio do assentamento Padre Josimo, município de Nova Rosalândia (TO), e relata que houve uma preparação para chegar à UFG. “Fizemos um processo anterior de escolha política na comunidade para saber quem viria fazer o processo seletivo, o curso e retornar para contribuir na luta popular por meio do acompanhamento, defesa e atendimento às causas jurídicas”, relata ele, assegurando tratar-se de um compromisso coletivo, uma vez
que há falta de profissionais com o conhecimento específico para atender a demanda em sua região, palco de grandes conflitos agrários.
O educador popular da Escola Nacional de Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Antenor Lima, ministrou uma disciplina na primeira semana de curso da turma com o objetivo de discutir o processo de formação de consciência crítica dos indivíduos a partir da compreensão da realidade social na qual ele vive. “A formação dessa consciência é fundamental para a luta social e representa melhoria na organização, entendimento, mobilização e resistência”, destaca ele.
Reitor participa da mesa de abertura dos trabalhos do seminário realizado com a 2ª turma
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Fotos: Divulgação
A estudante de Engenharia de Minas, Jhéssika Leonel, participa do grupo desde sua fundação. “Eu sempre fui ligada à ações de caridade, já coordenei o ministério da caridade do grupo
Nem só de números vive a Engenharia Alunos dos cursos de Engenharia da Regional Catalão promovem ações sociais para ajudar famílias e entidades filantrópicas Natália Esteves
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uando a inteligência e a bondade ou afeto são usados em conjunto, todos os atos humanos passam a ser construtivos”. A frase é do monge e líder espiritual do budismo tibetano, Dalai Lama. Em Catalão, mesmo sem conhecer ou seguir a doutrina, alguns estudantes da UFG estão colocando em prática as palavras do líder que servem de incentivo e perpassam gerações.
Ajudar famílias carentes, visitar creches ou lares de idosos nem sempre estão entre as opções preferidas de jovens universitários quando ingressam na vida acadêmica, mas para os estudates dos cursos de cursos de Engenharia Civil, de Minas e de Produção
da Regional Catalão da UFG, ações sociais agora fazem parte da rotina, com o projeto Engenheiros do Bem.
O projeto surgiu com a criação da Liga das Engenharias UFG Catalão. A iniciativa foi do aluno Gilvan de Sousa Amorim Júnior, do curso de Engenharia de Minas. “Elegemos quatro representantes de cada curso que se identificavam com o desenvolvimento de ações sociais. Com o crescimento do grupo, houve o desmembramento da Liga das Engenharias, e hoje atuam cerca de 50 pessoas”, detalha o estudante. Segundo Gilvan Júnior, as atividades do grupo, criado em 2015, estão completando um ano, entre elas visitas a creches, Associação Pestalozzi –
de jovens que eu participava e sempre gostei. Quando vi que os meninos estavam montando esse projeto, me interessei na hora e decidi participar”. A iniciativa recebe o auxílio da Universidade na liberação de espaços físicos para realização de eventos e tem também o apoio da direção da Regional Catalão, de professores que auxiliam no projeto e do Setor de Assuntos da Comunidade Universitária (Secom).
Extensão
que atende crianças com necessidades especiais – distribuição de cestas básicas, arrecadação e doação de alimentos e roupas e a adoção de cartas de Natal nos Correios.
Extensão
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Projeto Cavalo Carroceiro
Cuidado com os cavalos que trabalham Projeto oferece atendimento veterinário gratuito para ajudar animais e proprietários que não podem pagar pelo serviço
Angélica Queiroz
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pesar de não ser recomendado o uso de cavalos para puxar carroças de cargas ou pessoas, isso ainda é uma prática comum nas grandes cidades e, muitas vezes, por falta de recursos ou de informação dos proprietários, os equinos acabam doentes. Visando minimizar o sofrimento desses animais e orientar os que precisam deles como meio de vida, professores e alunos do curso de Medicina Veterinária da UFG desenvolvem, no Hospital Veterinário, o projeto de extensão Cavalo Carroceiro, que oferece atendimento veterinário gratuito aos animais daqueles que não têm condições de pagar por esse tipo de serviço.
Apesar do nome, o projeto social não atende apenas cavalos carroceiros, mas também os animais da EVZ e aqueles que são utilizados para serviços como equoterapia, desde que os proprietários realmente não tenham condições financeiras de arcar com consultas, exames e medicamentos. Qualquer trabalhador que preencha esse requisito pode agendar uma consulta pessoalmente ou pelo telefone do projeto. Eventualmente, quando há disponibilidade de transporte da Universidade para a equipe, podem ser feitos atendimentos em outros locais, mas o ideal é que os proprietários tragam os animais ao Hospital Veterinário.
Um dos estudantes responsáveis pelo Cavalo Carroceiro, Artur Amorim, destaca que, com o empenho de toda equipe envolvida, o projeto vem ganhando força e atenção tanto do público-alvo, os carroceiros, quanto de empresas e indústrias, que já têm procurado a EVZ para parcerias, doando medicamentos e outros produtos. “Acho que falo por todos da equipe, quando digo do prazer e a gratidão de fazermos parte do projeto Cavalo Carroceiro”, se orgulha.
O mais curioso desse trabalho, segundo o estudante, é a relação de alguns proprietários com seus animais que, em muitos casos, é uma relação de amor, ao contrário do que muitos pensam. “Eles amam, choram e realmente se preocupam com eles. O que muitos enxergam como maus-tratos, muitas vezes, não são resultados de atos cru-
éis, mas sim, da falta de informação, educação e poder aquisitivo para proporcionar saúde e bem-estar a esses cavalos. Sinto-me feliz ao promover essa mudança na vida do proprietário e do seu animal”, afirma o estudante.
Doações
Ainda em fase de estruturação, o Cavalo Carroceiro precisa de doações. Segundo Artur Amorim, fechar parcerias com empresas é um desafio que aumenta no atual cenário econômico, mas à medida que a visibilidade do projeto cresce, ele ganha mais apoio. Além de empresas, qualquer pessoa pode fazer uma doação para o projeto, que será revertida em compra de medicamentos, alimentos e material de trabalho. Hospital Veterinário da UFG Rua R-2, Câmpus Samambaia, Goiânia - Goiás Telefone: (62) 3521-1649 E-mail: cavalocarroceiroevzufg@ gmail.com
Empenho no trabalho
Cerca de dez alunos do curso de Medicina Veterinária participam diretamente do projeto, de forma voluntária. Mas, segundo a professora responsável, outros professores e
Fotos: Carlos Siqueira
A professora da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG (EVZ), Luciana Brandstetter, é a idealizadora do projeto, que já funciona na UFG há seis anos. Apaixonada por cavalos desde a infância, a professora conta que a ideia surgiu do amor pelos animais e da vontade de ajudar as pessoas que precisam deles para trabalhar e não têm condições financeiras ou conhecimento para lidar com as necessidades dos cavalos. “O projeto não visa julgar o proprietá-
rio, visa orientar dentro das possibilidades de cada um e minimizar o sofrimento do animal. A intenção é a de que eles se sintam à vontade para nos procurar porque queremos ajudar os cavalos”, explica.
alunos que fazem treinamento no Hospital Veterinário também contribuem bastante para os atendimentos. Luciana Brandstetter destaca, no entanto, que os animais não são cobaias. “Os estudantes são o carro-chefe do projeto, mas os animais são atendidos por uma equipe profissional do Hospital, a mesma que realiza os atendimentos pagos”, elucida.
Alunos voluntários do curso de Medicina Veterinária participam do projeto
Algumas dicas simples podem evitar problemas com cavalos que precisam trabalhar. Confira algumas das orientações do Projeto Cavalo Carroceiro para o cuidado com esses animais: • Água fresca e limpa à vontade; • Evitar grandes jornadas de trabalho; • Alimentação balanceada, com capim de boa qualidade ou ração; e • Usar ferraduras adequadas para os animais que trabalham no asfalto. Estudantes que fazem treinamento no Hospital Veterinário também auxiliam no cuidado com os cavalos
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Moda na escola
Fotos: Carlos Siqueira
Projeto de extensão da FAV realiza oficinas de moda para alunos de escolas municipais de Goiânia e Aparecida de Goiânia
A estudante Amanda Vasconcelos ministra oficina de estamparia Giovanna Beltrão
O
setor de vestuário é um elemento importante da indústria moderna, além de ter grande relevância socioeconômica e cultural no Estado de Goiás. Pensando nisso, a professora Lavínnia Seabra criou o projeto de extensão e cultura Moda na Escola, onde acadêmicos do curso de Design de Moda, da Faculdade de Artes Visuais (FAV), realizam oficinas criativas para alunos de escolas municipais e estaduais de Goiânia e Aparecida de Goiânia.
Objetivos O Moda na Escola promove a troca de experiências entre a Universidade, a indústria e a escola, possibilitando a construção de outros métodos de ensino, tendo como mote a economia criativa. Cada parte tem seu papel definido e esses papéis são complementares: a escola oferece novas experiências ao aluno primário, a Universidade faz uso de seu know how e dos futuros profissionais para o desenvolvimento de práticas da economia criativa adap-
Para Lavínnia, “o trabalho colaborativo entre vários atores promove a troca de saberes dentro de uma metodologia de trabalho que é construída de forma experimental, mas eficaz”. O projeto já promoveu a realização de 12 atividades, entre elas: estampas, desenho para estamparia, reaproveitamento de resíduo têxtil para desenvolvimento de acessórios, stêncil e costura. As escolas são convidadas a participarem e os materiais usados durante as oficinas provêm de doações feitas por confecções.
Oficinas
A equipe do Moda na Escola é formada por um grupo de 15 a 20 estudantes. A proposta é que esse grupo mude a cada ano, com a entrada de novos integrantes. Segundo Felipe Ribeiro de Rezende, que este ano é responsável pelo gerenciamento da parte de comunicação do projeto, uma das prioridades para esse período é trabalhar a conscientização ambiental e a sustentabilidade. “A moda é um setor que gera muito resíduo e poluição. Por isso, a primeira matéria do projeto [no blog, esse ano] foi sobre sustentabilidade”. Felipe é aluno do 7º período de Design de Moda e destaca, também, a característica interdisciplinar do Moda na Escola: “A visão que o projeto está tomando agora é de criar um ambiente para discutir esses assuntos relevantes em sala de aula, com os professores e alunos, porque é uma questão de conscientização. Tem um cunho social importante”, comenta. Esse ano, as ações do projeto foram iniciadas com uma oficina de estamparia criada pela estudante Amanda Vasconcelos Silva, do 7º período. Realizada no final do mês de junho, na FAV, a atividade teve a participação de alunos do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae) e abordou o processo de criação
de estampas. Sobre a experiência de ministrar a oficina, Amanda destaca: “Eu nunca tinha realizado uma oficina, então isso me acrescenta muito na experiência acadêmica. É importante participar de projetos fora da faculdade, que não estão na nossa grade curricular, porque temos contato com outras pessoas que às vezes não conhecem nada de moda”.
Cerca de 30 crianças se envolveram na atividade, que teve apoio da professora Lavínnia Seabra e da estudante Daniela Cândido Ribeiro, que também integra o projeto, além de professoras do Cepae. “Hoje o ensino busca muito isso, a integração e o conhecimento para ser utilizado no dia a dia, não o conhecimento pelo conhecimento. Foi muito interessante para as crianças. São atividades que enriquecem muito o aprendizado delas e realmente ampliam a visão de mundo”, comentou Sílvia Maria Gama Lyra, que compõe a coordenação da primeira fase do Ensino Fundamental do Cepae e acompanhou a oficina.
Online e impresso
O projeto Moda na Escola tem também uma atuação online. O grupo de estudantes mantém um blog (modanaescolaufg.wordpress.com), uma página no Facebook (Moda na Escola UFG) e um perfil no Instagram (@modanaescolaufg), onde compartilham conteúdo sobre as atividades realizadas. O espaço digital atua como uma extensão da troca de saberes desenvolvida nas oficinas e conta com a participação dos alunos de Design de Moda, dos estudantes das escolas participantes e da comunidade.
Além das atividades presenciais e online, o Moda na Escola tem uma proposta didática que levará as experiências desenvolvidas nas oficinas ao formato de livro. Organizada pelos professores Lavínnia Seabra, Elisa Soares Rocha e Ravi Passos, a publicação trata, basicamente, de novas oficinas criativas para serem trabalhadas dentro da sala de aula. A previsão é que o livro seja lançado até o final do ano.
Segundo a professora, que também coordena a ação, o Moda na Escola é fruto de inquietações advindas do cotidiano de trabalho dentro de uma sala de aula universitária. “Há algum tempo é possível observar a vontade de alguns alunos em aplicar os conhecimentos adquiridos no curso de Design de Moda, sendo, também, docentes em outros cursos”, explica Lavínnia Seabra. As oficinas ocorrem em salas de aula – nas escolas – e nos laboratórios de costura, modelagem e design de superfície da FAV. “A ideia é iniciar a prática docente dos alunos do Design de Moda, levando em consideração uma realidade que proporciona novas experiências e dinâmicas de trabalho tanto a esse aluno quanto ao profissional da educação primária, que diariamente enfrenta uma realidade complexa e com poucos recursos”, complementa a professora.
Professora Lavínnia Seabra faz demonstração do processo de prensagem da estampa no tecido
Extensão
tadas ao ambiente da escola primária, e a indústria de confecção da cidade fornece seus resíduos têxteis para a produção de novos materiais através do design de superfície.
Arquivo
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Estudantes da Embaixada Universitária Paulista em visita a Goiânia, em 1938
Fotos: Cidarq UFG
Acervo recuperado
Monumento aos Bandeirante no ano de sua inauguração, em 1942
Resgate do passado UFG disponibiliza acesso digital a mais de 500 documentos sobre o Monumento aos Bandeirantes
Luiz Felipe Fernandes
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ncorporada à paisagem do Centro de Goiânia, a escultura de 3,5 m de altura, talhada em bronze, pode passar despercebida para quem percorre a região no ritmo de duas das principais avenidas da capital – Anhanguera e Goiás. Exposto no cruzamento há mais de sete décadas, o monumento que acompanhou o crescimento da cidade hoje não só divide o espaço com ônibus e carros. Fincado em um minúsculo canteiro inacessível a pedestres, o Bandeirante foi isolado tanto fisicamente quanto da memória da população. Apesar de já ter sido descrita tanto como ato heroico como de exploração e dominação, a participação dos expedicionários que adentraram o sertão brasileiro no período colonial foi determinante para a formação do que hoje é o Estado de Goiás. O Monumento aos Bandeirantes – nome oficial da obra – remete, à história regional. Recentemente, toda a documentação relativa à sua concepção, construção e inauguração recebeu tratamento arquivístico do Centro de Informação, Documentação e Arquivo da Universidade Federal de Goiás (Cidarq/UFG). O acervo está disponível para consulta pública digital.
Os documentos foram doados para a Universidade em 1987 por Edy Bittencourt Cunha Bueno e Dora Sylvia Cunha Bueno, respectivamente viúva e filha de Antônio Sylvio Cunha Bueno. No fim da década de 1930, Bueno encabeçou a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes de Goiânia. Na época ele era presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP),
e teve a ideia da campanha depois de visitar a recém-criada capital de Goiás com um grupo de estudantes da Embaixada Universitária Paulista, que reunia acadêmicos das escolas superiores de São Paulo. A visita foi feita a convite do interventor federal em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira.
Entre os documentos doados pela família de Bueno estão telegramas, cartas, decretos-lei, recortes de jornais, entre outros, que retratam toda a movimentação para que o monumento fosse erguido. São 468 documentos textuais e 35 iconográficos. Foram realizados higienização, acondicionamento, classificação, descrição e digitalização do acervo. O trabalho foi coordenado pelo arquivista do Cidarq, João Luiz Menezes, e executado com o auxílio de uma equipe de estagiários. A classificação e a descrição do acervo foram realizadas com base na Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade), para garantir e facilitar o acesso e o intercâmbio de informações em âmbito nacional e internacional. O acervo mostra que a campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes mobilizou os governos de Goiás e São Paulo, que entraram com o apoio financeiro. A empresa Coimbra Bueno, responsável pela construção de Goiânia, custeou propagandas feitas em todo o país e as conferências realizadas em São Paulo. Outra iniciativa revelada pelos documentos é o Baile da Chita, promovido pela Federação dos Estudantes de Campinas, com renda revertida para a campanha. Todo o esforço resultou na inauguração, no dia 9 de novembro de 1942, do Monumento aos Bandeirantes, com projeto do escultor Armando Zago.
Apesar da reconhecida importância da documentação relativa ao Monumento aos Bandeirantes, o acervo havia tomado destino incerto depois de ter sido doado pela família de Antônio Sylvio Cunha Bueno à Universidade, em 1987. A recuperação foi possível pela iniciativa de Armando Honório da Silva, arquivista da UFG. Ele lembra que em 2009 recebeu do então vice-reitor Benedito Ferreira Marques a incumbência de encontrar os documentos. “Procurei todos os professores da área de História que eu conhecia. Todos falavam que não estavam com os documentos”, conta. A investigação foi se aprofundando até que Armando encontrou o material. Estava na casa de uma professora. A professora do Programa de Pós-Graduação em História da UFG, Cristina de Cássia Pereira Moraes, destaca a importância da recuperação desses documentos para a historiografia. “A memória coletiva é uma das maiores garantias de nossa identidade cultural e por este motivo devemos estar centrados em um trabalho permanente voltado para o resgate desse mosaico documental que enformam e caracterizam nossa sociedade e a história cultural do estado de Goiás”, considera.
como guarda-mor das minas.
Cristina de Cássia ressalta que registros históricos, objetos e produtos concretos de períodos como esse constituem os bens culturais que, associados a saberes, afazeres, comportamentos e experiências acumulados na memória formam o patrimônio cultural de uma sociedade ou nação. “Na verdade, o patrimônio cultural se constitui dos ‘restos’ ou ‘traços’ daqueles elementos quando, passada a utilização que motivou a razão de ser de sua criação, são preservados por essa mesma sociedade”.
A professora destaca a importância do trabalho de pesquisadores “incansáveis e corajosos”, como foi o caso da investigação do arquivista da UFG Armando Honório da Silva que resultou na recuperação dos documentos relativos ao Monumento aos Bandeirantes. “Graças a eles é que nossa memória está sempre preservada para permitir múltiplas construções históricas do futuro, o que certamente aumentará nossa responsabilidade de pesquisadores do presente”, conclui.
Rumo ao interior do Brasil
A professora Cristina de Cássia Pereira Moraes explica que as bandeiras tinham fins comerciais e militares. Consistiam em desbravar o sertão, povoar o interior do Brasil e descobrir novas jazidas de ouro e diamante. Cada um dos participantes entrava com uma parcela de capital e, principalmente, com um numerário de escravos. “Nos documentos pesquisados por nós, encontramos os termos entrada, jornada, viagem, companhia, descobrimento e guerra com o mesmo sentido de bandeiras”, acrescenta. Cada uma era individualizada com o nome do organizador da expedição ou lugar de destino – entrada de Bartolomeu Bueno da Silva, entrada do Rio do Sono, por exemplo.
O registro da descoberta de ouro na região de Goiás está em uma carta enviada em 1725 pelo governador da capitania de São Paulo, Dom Rodrigo César de Meneses, ao rei Dom João V. Nela, o governador informa sobre o sucesso da expedição de Bartolomeu Bueno da Silva à região dos índios Goiá, depois de três anos e dois meses de andança. Um ano depois, Bartolomeu Bueno da Silva volta ao local. Logo as primeiras amostras de ouro foram enviadas a Portugal, consolidando o Anhanguera
Jornal Correio Popular noticiava o Baile da Chita, que teria a renda revertida para a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes
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Fotos: Divulgação
Desenhos ao longo de toda a pele do animal parecidos com a letra “U” invertida.
Crianças visitam o estande na Feira Agropecuária de Jataí
CASCAVEL
Presença do chocalho ou guizo na ponta da cauda.
Picado por cobra? E agora? Projeto de extensão da UFG orienta população sobre como reconhecer cobras peçonhentas, socorrer a vítima e prevenir picadas Camila Godoy
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m algumas pessoas, elas causam arrepios só de olhar. E não é para menos! A picada de uma serpente peçonhenta pode causar hemorragia, dor intensa, necrose e até mesmo a morte por sufocação. O terror dessa situação é tão evidente, que acidentes desse tipo já foram retratados diversas vezes em filmes e novelas. Assim como na ficção, eles são uma realidade bastante comum em todo o planeta. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde, essa é a causa de 57 mil mortes todos os anos. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, o número de acidentes ofídicos chega a 27 mil anualmente.
fazer a diferença numa comunidade. Mas, se prestarmos atenção aos detalhes, é possível perceber o impacto e potencialidades de um projeto de extensão. No nosso caso, os jovens em idade escolar levam para suas famílias as informações que aprendem e atuam como dispersores do conhecimento sobre o tema”, afirmou Mirian Machado Mendes. O projeto deu tão certo que a equipe começará a ministrar palestras em fazendas, mediante convite de produtores.
Anéis vermelhos, brancos e pretos em toda a extensão do corpo (ventre e dorso).
Mitos
Ainda assim, mesmo com a frequência, muitos não sabem o que fazer diante de uma situação dessas. Nesses casos, o desconhecimento pode ser ainda mais perigoso que o próprio “veneno”. A constatação é da professora da Regional Jataí da UFG, Mirian Machado Mendes, que idealizou o projeto de extensão Picado por cobra? E agora?. Por meio do projeto, ela e um grupo de estudantes orientam a população sobre como reconhecer cobras peçonhentas, socorrer a vítima e prevenir picadas.
Durante as ações do Picado por cobra? E agora?, a equipe tem contato com diversas histórias recheadas de crendices e práticas erradas. Segundo os participantes, ainda existe quem acredita que as cobras tomam leite de mulheres em amamentação, outros que o uso de garrote e torniquete segura o “veneno” e há aqueles que furam o local próximo à picada para sugar a peçonha. “Conheci um senhor que, como parte de um ritual de cura, permaneceu com a perna enterrada no solo por mais de duas horas, acreditando que a terra extrairia a peçonha”, relatou a Profa. Mirian.
“Muitas vezes, como parte da academia, não percebemos como podemos
Segundo a docente, não há muito segredo. O ideal é que a pessoa procure um serviço médico o mais rápido possível, lave o local da picada com água e sabão e tente identificar o gênero da serpente. Ela explica ainda que, apesar de existirem mais de 3.500 espécies de cobras divididas em 23 famílias em Goiás, são encontrados apenas três gêneros de serpentes peçonhentas: Cascavel, Jararaca e Coral. Sendo que, cerca de 90% dos acidentes ofídicos envolvem Jararacas.
As orientações começaram na Exposição Agropecuária de Jataí, em 2013, com o propósito de informar produtores rurais sobre o assunto. Banners, folders e cobras taxidermizadas e preservadas em formol ilustravam a fala da equipe. Porém, muito além do público-alvo, a “novidade” chamou a atenção das crianças e dos jovens que passavam pelo local, fazendo com que a professora decidisse levar a proposta para escolas de ensino médio da região.
CORAL
Primeiros socorros
Prevenção • Use botas de cano longo ou perneiras ao andar pelo campo; • Use luvas para manipular folhas, entulho ou lenha; • Evite caminhar à noite pelo mato; • Feche frestas de portas e janelas em fazendas e ranchos; • Feche as entradas de barracas e portas de carros no campo; • Mantenha os quintais limpos; e • Não mate os principais predadores das serpentes, como emas, gambás e gaviões.
Extensão
Saiba como reconhecer as principais serpentes peçonhentas em Goiás
Os desafios da escola na era tecnológica A utilização de mídias digitais na educação brasileira ainda é um desafio e enfrenta deficiências da infraestrutura nas escolas e na formação dos professores
Camila Godoy
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ue as mídias digitais chegaram para ficar todos já perceberam. O que muitos ainda não compreendem é que elas podem ser grandes aliadas do ensino. A forma como essa junção pode ocorrer, no entanto, ainda é uma incógnita, visto que o modelo de escola adotado pelo Brasil se atualiza em um ritmo muito inferior às aceleradas mudanças tecnológicas de informação e comunicação ocorridas nas últimas décadas e que transformaram a relação das pessoas com o aprendizado. Um verdadeiro desafio para as escolas, universidades e docentes. Um estudo promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil em 2013, revelou que 99% das escolas públicas brasileiras possuem computadores e que 76% delas disponibilizam os equipamentos para o uso com alunos. No entanto, de acordo
com o professor da Faculdade de Educação da UFG, Frederico Ramos Oliveira, esse dado, apesar de bastante satisfatório, não significa inclusão digital. “A simples compra de equipamentos não resolve, depende do nível de fluência na linguagem midiática de quem as utiliza, da compreensão dos impactos sociais de tais usos, das características intrínsecas de cada meio e das possibilidades efetivas de utilização”, afirma. Segundo o professor, o país enfrenta dificuldades estruturais nas escolas, que não comportam condições de uso dos equipamentos, além da deficiência na formação dos professores, que muitas vezes não são preparados para utilizar tais recursos. “Existem muitos formandos em algumas licenciaturas da UFG que não sabem utilizar um computador. Como esse profissional poderá fazer uso dessa mídia em sala de aula?”, questiona.
Iniciativa da UFG Foi diante dessa constatação que as professoras da UFG, Cleide Rodrigues e Maria de Fátima Barreto, criaram, há três anos, o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação, Inclusão e Novas Tecnologias (LabIN), vinculado à Faculdade de Educação. Desde então, nesse espaço são promovidas atividades de extensão para aproximar alunos e professores, inclusive de outras instituições de ensino, aos aparatos tecnológicos e para promover uma reflexão crítica sobre o uso das tecnologias.
“O LabIN oferece cursos de diversas natureza: há formação para pessoal em fase bem inicial com tecnologias, que apresentam dificuldades em ligar a máquina, digitar e formatar textos;
Fim da linha para as escolas tradicionais? Os erros e acertos na tentativa de atualizar a linguagem e a educação brasileira são discutidos por diversos educadores. No livro Educando para Inovação, o professor emérito da Universidade Federal de Santa Maria, Ronaldo Mota, em co-autoria de David Scott, defende que o modelo de escola atual será completamente extinto. Para ele, a figura clássica do professor que entra na sala de aula e apresenta o conteúdo para os alunos como se eles não soubessem nada é uma instituição falida, visto que não percebeu o fato de que os alunos já podem estudar em casa da forma e no momento que quiserem. O professor da Faculdade de Educação da UFG, Frederico Ramos Oliveira, também questiona uma educação meramente instrucional: “Se queremos meramente compreender o funcionamento de algo, basta acessar o YouTube, assistir um vídeo ‘faça você mesmo’ e pronto. O que é essencial, no entanto, é desenvolver a capacidade de compreender que tipo de informação é necessária, onde encontrála, avaliá-la reflexivamente, bem como utilizá-la de forma ética e efetiva”. Este processo, segundo ele, compreendido como letramento informacional, deve ser desenvolvido principalmente na escola, tornando assim, papel do docente estimular tais habilidades.
Experiência nas salas de aula Adepta às novas tecnologias, a professora da rede municipal de Aparecida de Goiânia, Grasiela Mariano Silva, utiliza as mídias digitais nas suas aulas sempre que pode. Ela acredita que assim pode aumentar o interesse, envolvimento, participação e produtividade dos estudantes. “Os alunos de hoje são muito visuais. É quase impossível explorar de maneira significativa conteúdos de ciências somente em imagens de livros. Meu sonho é ter datashow e internet em período integral para explorar situações reais e dados recentes. As salas de aula devem funcionar como
Ilustrações: Freepik
Pesquisa
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há cursos nos quais as pessoas aprendem a lidar com ferramentas para criar seus materiais pedagógicos; outros para compartilhar levantamento de vídeos e softwares pedagógicos e pensar possibilidades de uso para a aprendizagem de conceitos próprios do currículo escolar”, explica a professora Maria de Fátima Barreto. Segundo a docente, os professores que participam das atividades se entusiasmam com a possibilidade de usar tecnologias para ampliar capacidades de aprendizagem, no entanto, ela destaca que é bastante comum que eles não consigam aplicar esse conhecimento em seu ambiente de trabalho. “Não há infraestrutura, nem abertura na proposta pedagógica e na rotina da escola para que as tecnologias façam parte da vivência da sala de aula”, afirma.
laboratórios de pesquisa e não como reprodutoras de conhecimentos”.
Em um caminho contrário está a professora Sueines Porto, que não utiliza praticamente nenhum recurso midiático em suas aulas. Ela não sabe manusear essas tecnologias e acredita que as aulas tradicionais podem suprir o aprendizado dos alunos. “Eles já ficam o dia todo com aparelhos eletrônicos e nas quatro horas que passam conosco é preciso priorizar outras formas de socialização. As mídias digitais são apenas um meio. O fim é o que importa. Até hoje não tive nenhuma reclamação. O desempenho dos meus alunos é bastante satisfatório”, defende.
15 CAMINHOS DA PESQUISA
Carlos Siqueira
Viés de confirmação e publicação científica Luis Mauricio Bini, professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFG
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viés de confirmação é um fenômeno generalizado que afeta, com intensidade variável, qualquer ser humano (inclusive, é claro, cientistas). Esse viés ocorre quando escolhemos ou supervalorizamos evidências que apoiam nossas opiniões, expectativas e hipóteses. Simultaneamente, depreciamos ou ignoramos evidências que apontam para direções diferentes.
Marcus Cianciaruso*
Melhorando a qualidade da Pós-Graduação na UFG
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novo Regulamento dos Programas de Pós-Graduação (Resolução CEPEC n˚ 1403) traz avanços positivos para a formação de mestres e doutores na UFG, enfatizando que a avaliação dos alunos é um processo contínuo que tem início no projeto de pesquisa, passando pelo exame de qualificação e terminando na defesa do produto final. Há maior liberdade para cada Programa de Pós-Graduação (PPG) definir o formato de suas avaliações e inserir requisitos de produção científica discente. Esses avanços estão de acordo com uma série de reportagens publicadas na Nature (20/04/2011, 02/12/2015 e 07/07/2016) que discutem a necessidade de reformular os cursos de doutorado. Sinal de que estamos no caminho certo, mas ainda há uma longa estrada a percorrer. A defesa, um formato criado na Idade Média e de eficácia duvidosa, ainda determina a conclusão do curso. Reprovar um doutorando é um evento raro aqui e em outros países. A defesa é ineficiente, pois temos que dividir nosso tempo entre aulas, publicações, revisões e orientações. Quantos de nós só lê a tese na véspera da defesa? Reprovar alguém em sessão pública é um ato constrangedor para o estudante e seu orientador. Frequentemente o orientador é amigo, colega de trabalho ou potencial colaborador científico do avaliador. E é cada vez mais comum que os estudantes já tenham parte da tese aceita ou publicada. Tudo isso pode explicar os baixos níveis de reprovação.
Ademais, manter o sistema de bancas custa caro. Segundo a Pró-reitoria de Pós-Graduação da UFG, anualmente cerca de 900 membros externos avaliam os trabalhos dos nossos PPG. Façam as contas. Um sistema de avaliação continuada não precisa extinguir a apresentação pública da tese. A conclusão de cada turma de doutorado poderia ocorrer em uma conferência com várias apresentações, integrando os cursos de PPG com a graduação. Pareceristas externos e internos poderiam participar de uma pré-banca (avaliando o trabalho à distância por escrito). Os pareceres, junto com os demais itens de avaliação feitos ao longo do curso, determinariam
se o estudante estaria apto a apresentar seu trabalho e, portanto, receber o diploma.
Enquanto a visão tradicional existir, um acompanhamento benfeito deve maximizar o sucesso das defesas. Na Ecologia e Evolução, por exemplo, os estudantes entregam relatórios anuais com metas claras para cada momento do curso. Além disso, os ingressantes apresentam seus projetos em sessão pública, onde recebem sugestões e críticas. Percebemos que o mais importante é criar um ambiente onde a produção de conhecimento seja uma consequência natural ao longo do curso. Isso passa pela qualificação do corpo docente, daí a importância de critérios coerentes de credenciamento e recredenciamento. Apesar de não condicionarmos nossas defesas ao aceite ou submissão de manuscritos, nossa produção discente é bastante alta, inclusive com artigos exclusivamente de discentes em revistas de impacto internacional. Esse é um ótimo exemplo de independência acadêmica que deveria ser considerado no processo de avaliação dos estudantes. Outro problema nos currículos de doutorado, que por tradição são muito específicos, é a falta de interação entre áreas. Uma solução simples seria utilizar melhor a carga horária em atividades complementares. Outra possibilidade é a oferta simultânea de uma disciplina em mais de um PPG. Isso é ainda mais fácil se essas disciplinas forem condensadas. Incentivar o trânsito de alunos e docentes entre os PPG enriquecerá a qualidade dos doutores que formamos. Provavelmente isso não ocorre, ou ocorre com pouca frequência, porque não nos conhecemos e raramente trocamos informações sobre como fazemos as coisas, sobre nossos erros e acertos. Talvez, se a Câmara de Pós-Graduação não for suficiente, possamos interagir na mesa do bar. Fica o convite. * Coordenador do PPG em Ecologia e Evolução do ICB O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.
A grande dominância de artigos científicos com resultados positivos, quando comparada com a frequência de artigos que apresentam resultados “não significativos” ou na direção contrária àquela esperada, é uma forte evidência sobre a ocorrência do viés de confirmação. Esse viés ocorre porque temos a percepção (equivocada) de que apenas resultados positivos são úteis ou interessantes. Assim, cientistas, diante de resultados negativos, podem perder o interesse de publicar esses resultados. Na literatura especializada, esse comportamento é conhecido como efeito do arquivo na gaveta. Antes da popularização dos computadores, os dados eram anotados em papel e, quando não significativos, eram simplesmente jogados numa gaveta qualquer.
No entanto, outra atitude diante de resultados não significativos pode ser ainda mais perniciosa, o que consiste na tortura dos dados até que eles confessem. Essa prática pode ocorrer de diferentes formas. Quiçá a mais comum é aquela na qual diferentes métodos estatísticos são utilizados, ignorando, inconsciente ou conscientemente, seus pressupostos até que um método (independentemente se correto ou não) demonstre que existe uma relação “estatisticamente significativa” entre as variáveis A e B. A remoção secreta de valores discrepantes (i.e., valores da variável de interesse que diferem muito da média), mas que não decorrem de problemas metodológicos (por exemplo, o reagente utilizado numa determinada análise estava vencido), também é uma forma execrável de tortura de dados. Assim, nessa prática, alguns dados são removidos do conjunto até que, por exemplo, a relação entre as variáveis de interesse fique tal qual um “exemplo de livro”. A escolha de cerejas ocorre quando diferentes variáveis respostas (ou dependentes) são mensuradas e somente aquela variável que responde significativamente ao tratamento é escolhida para publicação. Essa má conduta está relacionada com o que é conhecido na literatura como post-hoc storytelling (basicamente transvestir uma análise exploratória numa confirmatória) e pode ser explicada considerando o conto do atirador texano: suponha que um atirador, com olhos vendados e sem nenhuma testemunha, atira a esmo numa parede; posteriormente, esse atirador desenha um alvo no local da parede com maior concentração de perfurações – qualquer juiz de competição de tiro avaliará que o nosso texano “tem” uma pontaria invejável. Finalmente, a reformulação da hipótese inicial do trabalho científico, depois que os resultados são conhecidos, também tem sido apontada com uma forma de má conduta científica.
Todos reconhecem a dificuldade de divulgar resultados negativos (qual foi o último artigo que você leu com o título “O não efeito disso sobre aquilo”?). No entanto, o avanço científico também depende de saber sobre o que não funciona. O engajamento de autores, editores e revisores é essencial para a mudança de percepção de que apenas resultados estatisticamente significativos são válidos, interessantes e importantes.
Universidade
ARTIGO
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A ciência pelos olhos das crianças
Fotos: TV UFG
Em novo quadro do programa Viver Ciência, o Casulo de Ideias, TV UFG explora visão particular que os pequenos têm do mundo
Angélica Queiroz
“A
s crianças têm uma visão muito particular do mundo à sua volta. Elas viajam, inventam e adaptam a realidade conforme suas próprias regras. Essa é a matéria-prima do novo quadro do Viver Ciência: o Casulo de Ideias”. Foi assim que o apresentador do Viver Ciência, Divino Rufino, descreveu o quadro em seu primeiro episódio. Estrategicamente importante para a TV UFG, o Casulo de Ideias é uma produção própria que contempla um nicho do público até então inexplorado pela emissora: o infantil.
Produtora do Viver Ciência, Aline Leão explica que o programa está em sua 4ª temporada e a cada ano passa por reformulações, sempre com o foco de divulgar pesquisas da Universidade. A ideia do quadro Casulo de Ideias surgiu a partir de uma reformulação feita no fim da 3ª temporada, juntamente com os pró-reitores de Pesquisa e Inovação e de Pós-Graduação da UFG. “Já que o intuito do programa é mostrar que a ciência está ao alcance de todos, precisávamos atingir de alguma forma o público infantil ou pré-adolescente. Assim, o quadro surgiu para mostrar o que as crianças pensam a respeito do tema, com animações e uma trilha sonora divertida”, explica a produtora.
Todos aprendem algo novo As crianças entrevistadas têm entre cinco e nove anos, com a intenção de que o quadro fique com um ar ingênuo e infantil. “Nem todas as crianças vão saber explicar o que é o tema e gostamos de deixar a imaginação fluir”, detalha Aline Leão. Para a entrevista com as crianças, são abordados aspectos mais leves dos temas tratados. “Se o episódio é sobre sistema prisional, abordamos o castigo; se é sobre reuso da água, abordamos a economia de água”, exemplifica Aline Leão. Na sequência do programa, após a exibição do quadro, os pesquisadores convidados refutam ou corroboram de forma simples o que as crianças disseram. “Fazemos isso de forma descontraída e, o mais importante, educativa”, complementa Divino Rufino. Como o programa Viver Ciência tem 32 episódios por temporada, serão 32 quadros do Casulo de Ideias em 2016. As entrevistas são gravadas em locais onde a criança se sinta à vontade para conversar e a produção costuma buscar por aquelas mais extrovertidas, criativas e falantes. Para o apresentador do Viver Ciência, as conversas com as crianças têm sido maravilhosas. “Eu gosto muito de conversar com crianças e
O Casulo é um quadro que faz rir, por isso o mais marcante, na minha opinião, foi o que por um instante provocou efeito contrário no episódio sobre Musicoterapia. Nós fomos gravar com o Kaique, 10 anos, que há seis meses estava internado travando uma batalha contra o câncer. Quando perguntei a ele qual era o som que ele mais gostava, ele respondeu que era o barulho das panelas quando a mãe fazia almoço. Essa simples resposta resumiu a saudade que ele sentia de casa e, por isso, foi comovente Divino Rufino, apresentador do Casulo de Ideias
fazer perguntas mirabolantes; dar um nozinho na cabeça delas e ficar na expectativa das respostas. Agora estou tendo a oportunidade de fazer isso na TV, com várias crianças e falando sobre ciência, que é um assunto riquíssimo. Acredito que todos estão se divertindo: eu, as crianças e o pessoal de casa”, relata. Divino Rufino destaca que os adultos têm muito o que aprender com as crianças e que as respostas dos pequenos costumam ser surpreendentes, ora pela ingenuidade, ora pela esperteza. “Perguntei para Júlia, de cinco anos, quantos dentes ela tinha na boca e ela respondeu: ‘todos’. Eu buscava um número, mas ela foi mais esperta”, se diverte o apresentador que lembra ainda que, muitas vezes, as dúvidas das crianças são as mesmas dos adultos e, no estúdio, especialistas assistem ao quadro e esclarecem as questões. “No fim, todos aprendem algo novo, esse é o grande barato do Casulo”.
O apresentador destaca ainda que, além das crianças, a edição é a responsável pelo sucesso do Casulo de Ideias. “As editoras de vídeo Wanessa Costa e Dayenn Bennett dão vida às ideias das crianças por meio de animações que tornam o bate-papo ainda mais engraçado”, detalha. A produtora do programa acrescenta: “é um quadro que necessita de animação, feita de forma mais lúdica, para que as crianças possam entender e se divertir com a tradução literal da fala, trazendo em forma de imagem o universo infantil”.
Faz de conta
A coordenadora pedagógica do Departamento de Educação Infantil do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada a Educação (DEI/Cepae/ UFG), Ana Rogéria Aguiar, destaca a importância do faz de conta nessa faixa etária escolhida para o Casulo de Ideias. “As atividades de faz de conta possibilitam a interpretação de papéis e a elaboração que a criança faz sobre a realidade”, explica. Segundo a pedagoga, por meio destas atividades a criança aprende a resolver conflitos do cotidiano e, ao mesmo tempo, planeja e organiza ações utilizando instrumentos mediadores. “Na perspectiva pedagógica consideramos fundamental o faz de conta, que se diferencia da fantasia. O imaginário infantil é repleto de elementos que se constituem a partir da relação da criança”, completa. Ana Rogéria concorda com o apresentador do Casulo sobre termos muito a aprender com as crianças. “Vejam o mundo com os olhos das crianças”, aconselha. Sobre a melhor forma de atingir o público infantil, a pedagoga afirma que a produção do programa acerta ao pensar em algo atrativo e destaca que a linguagem utilizada é fundamental. “Sem ‘infantilizar e sem adultizar’. Para atingir esse público é preciso lembrar sempre que o sujeito é uma criança, real e concreta”.