Incesto: Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes

Page 1

UNIVERSIDADE DE ITAÚNA FACULDADE DE DIREITO

INCESTO: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

KARINA SANTOS CAMARGOS

Itaúna/MG 2015


KARINA SANTOS CAMARGOS

INCESTO: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Penal. 10º Período Noturno. Orientador: Chequer.

Itaúna/MG 2015

Prof.

Faiçal

David

Freire


Karina Santos Camargos

INCESTO: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Penal. 10º Período Noturno.

DATA DA APROVAÇÃO: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________________________ Prof. Faiçal David Freire Chequer. (Orientador de Conteúdo) - Nota

___________________________________________________________________ Profª. Glória Maria de Pádua Moreira. (Orientadora de Metodologia) - Nota


AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me capacitar, a minha mãe pelo apoio e incentivo e a minha filha Bianca pela compreensão na ausência.


RESUMO

O objetivo primordial do presente trabalho é demonstrar a triste realidade de crianças e adolescentes que sofrem com o abuso sexual no seio familiar, denominado de incesto. Para uma análise mais profunda será estudado os tipos penais em que a relação sexual incestuosa é enquadrada. Por ser realizado intrafamiliar, praticado por pais ou parentes próximos consanguíneos ou não, o incesto é difícil de ser punido pela deficiência das denúncias, então será demonstrado porque tal prática é tratada como um segredo de pacto familiar. O enfoque geral é analisar os aspectos jurídicos e sociológicos que trás o abuso sexual de crianças e adolescentes sofridos dentro de casa. Os enfoques específicos são: estudar o tipo penal 217-A do Código Penal brasileiro, o vulnerável, condutas típicas, função objetiva do tipo, a alteração do artigo 217 do Código Penal brasileiro, natureza da ação pública, direito comparado com ênfase nas legislações penais da francesa, alemã e italiana etc. Para fundamentar o trabalho exposto foram buscados doutrinadores que se dedicaram de forma profunda na análise do tema e expuseram de forma coerente suas teorias por eles adotadas, na qual se destacam Maria Berenice Dias, Cezar Roberto Bitencourt, Guilherme de Souza Nucci dentre outros. Dessa forma pretende-se demonstrar uma melhor interpretação do tema, uma vez que, há uma dificuldade de denunciar as agressões por parte da vítima.

Palavras-chave: Incesto. Vulnerável. Estupro.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................06

2 2.1

A INOVAÇÃO LEGISLATIVA NOS CRIMES SEXUAIS ..............................08 Definições trazidas pela Lei nº. 12.015/09 ................................................11

3 3.1 3.2 3.3

O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL NA LEI Nº. 12.015/09 ............13 A denominação “vulnerável” contida na Lei nº. 12.015/09 .....................17 Condutas típicas e sujeito ativo e passivo ...............................................18 A causa para alteração do artigo 217-A do Código Penal.......................19

4 4.1

A FIGURA DO GARANTIDOR E SUA RESPONSABILIDADE PENAL ......21 Omissão de socorro impróprio ou crime comissivo por omissão .........22

5 5.1 5.2 5.2.1 5.2.2 5.2.3 5.3 5.4

INCESTO ......................................................................................................26 A busca da verdade real.............................................................................26 Direito comparado ......................................................................................28 Legislação francesa ......................................................................................28 Legislação italiana ........................................................................................29 Legislação alemã ..........................................................................................29 Incesto no Brasil e legislação brasileira ...................................................30 Dificuldade de punição do agressor de incesto no ambiente familiar ...33

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................39

REFERÊNCIAS .....................................................................................................41


6

1 INTRODUÇÃO

Os crimes contra a dignidade sexual estão previstos no Código Penal, através de seu artigo 213 e seguintes (BRASIL, 1940), sendo que esta criminalização ocorreu em face da recente Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009). Por sinal, por muito tempo a sociedade mereceu novas normas jurídicas, pois o Código Penal (BRASIL, 1940), que continha o título de crimes contra os costumes, se prestava para a década de quarenta, ou seja, século passado, estando totalmente desatualizado pela esfera criminal atual. Por sua vez, para uma análise mais profunda, serão analisados os tipos penais em que a relação sexual incestuosa é enquadrada. Isto se deve ao incesto, que pode ser praticada intrafamiliar, ou seja, por pais ou parentes próximos consanguíneos ou não. Em outras palavras, existem condutas que são difíceis de descobrir, até porque estão acobertadas dentro do próprio lar. Dentre essas condutas denomina-se o incesto, que é o abuso sexual cometido por entes familiares contra crianças e adolescentes. (NUCCI, 2009). De tal forma, o presente estudo focará este tipo de crime, explicando o que é e como ocorre o incesto no seio familiar, expondo inclusive as consequências às vítimas. Destarte, o enfoque geral deste estudo será analisar os aspectos jurídicos e sociológicos que trás o abuso sexual de crianças e adolescentes sofridos dentro de casa. Lado outro, vários crimes e penas foram alterados com a Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), entre elas o estupro, sendo que o tipo penal de estupro era “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, enquanto o de atentado violento ao pudor era “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. A pena, para os dois crimes, era de reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. O novo tipo penal ao qual foi atribuído o nome estupro incrimina a ação de “[...] constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.


7

(BRASIL, 2009, p. 132). Outras normas penais foram incrementadas, como nos crimes contra a liberdade sexual praticados mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, o crime de assédio sexual, estupro de vulnerável, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, dentre outros. O presente Trabalho tem por analisar essa nova esfera penal dos crimes contra a dignidade sexual, em especial o estupro de vulnerável e o incesto, uma vez que as alterações inseridas vieram não somente para punir o agressor, mas também para combater este mal, que a cada dia vem aumentando na sociedade. No primeiro capítulo serão apresentadas as inovações trazidas pela legislação nos crimes sexuais, analisando as definições trazidas pela Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009). No segundo capítulo, será estudado o crime de estupro contido na Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), fazendo o paralelo das atuais formas de punição ao agressor. No terceiro capítulo haverá um enfoque na figura do garantidor, que é o responsável pelo menor, e sua responsabilidade penal nos crimes sexuais que o mesmo venha a praticar. E por fim, será dissertado sobre o incesto, apresentando legislações de outros países sobre o tema, e ainda, como é este tipo de crime na legislação brasileira, onde será visto também a dificuldade de punição ao agressor. Portanto, os enfoques específicos serão o tipo penal 217-A do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940, p. 109), o vulnerável, condutas típicas e sujeitos e a alteração do artigo 217 do Código Penal brasileiro (BRASIL, 1940, p. 110). O objetivo primordial do presente Trabalho será, contudo, demonstrar a triste realidade de crianças e adolescentes que sofrem com o abuso sexual no seio familiar. Desta forma, pretende-se demonstrar uma melhor interpretação do tema, uma vez que, há uma dificuldade de denunciar as agressões por parte da vítima.


8

2 A INOVAÇÃO LEGISLATIVA NOS CRIMES SEXUAIS

O direito foi criado como a ciência que regula as relações sociais, por este motivo é necessário acompanhar a trajetória evolutiva da sociedade, que se encontra em constante processo de transformação e evolução. (CUNHA; GOMES, 2010). Tendo em vista a que a sociedade esta em constante processo de evolução, as leis acabam se estagnando no tempo e acabam perdendo a sua eficácia diante dos fatos que vão ocorrendo. As normas elaboradas com base em valores ultrapassados tornam-se injustas e é por isso que se mostra necessário proceder à atualização legislativa. (CUNHA; GOMES, 2010). E tendo em vista as grandes mudanças que ocorreram na sociedade é necessária a realização de algumas mudanças na legislação em vigor para que se adapte a sociedade atual, e por este motivo, foram realizadas algumas mudanças no Código Penal (BRASIL, 1940) brasileiro, tornando as leis mais enérgicas. É o que decorre das inovações introduzidas nos crimes contra a dignidade sexual, que modificou o Título VI da Parte Especial do Código Penal (BRASIL, 1940), com a Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), que passou a vigorar a partir de 10 de agosto de 2009. A alteração da lei repercutiu muito em relação aos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, sendo que após a alteração da Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009) esses delitos foram unificados em uma única capitulação penal, passando a integrar crime único de múltiplas ações. Vale mencionar que o crime de atentado violento não teve seu conteúdo revogado, pois foi realizada uma unificação no artigo 213 do Código Penal (BRASIL 1940, p. 109), e essa alteração trazida para o Código Penal (BRASIL, 1940) podem ter vários reflexos no que diz respeito ao concurso de crimes. Nesse passo, a definição de Fernando Capez (2011, p. 114) para existir concurso de crimes é: “[...] necessário dois ou mais delitos, ou seja, é condição sine qua nom que sejam praticados tipos penais diversos, podendo, no entanto ser praticados em uma ou mais ações”. Logo, conclui-se que o crime de atentado violento ao pudor e estupro passam a ser um crime tipificado no mesmo artigo, bastando a ocorrência de um dos atos


9

para ser considerado como crime. Veja-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que trata do assunto: Registrou-se, inicialmente, que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, havia fértil discussão acerca da possibilidade de reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito (praeludia coiti), ou de determinar se tal situação configuraria concurso material sob o fundamento de que seriam crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. A Turma concedeu a ordem ao fundamento de que, com a inovação do Código Penal introduzida pela Lei n. 12.015/2009 no título referente aos hoje denominados “crimes contra a dignidade sexual”, especificamente em relação à redação conferida ao art. 213 do referido diploma legal, tal discussão perdeu o sentido. Assim, diante dessa constatação, a Turma assentou que, caso o agente pratique estupro e atentado violento ao pudor no mesmo contexto e contra a mesma vítima, esse fato constitui um crime único, em virtude de que a figura do atentado violento ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui estupro. Observou-se que houve ampliação do sujeito passivo do mencionado crime, haja vista que a redação anterior do dispositivo legal aludia expressamente a mulher e, atualmente, com a redação dada pela referida lei, fala-se em alguém. Ressaltou-se ainda que, não obstante o fato de a Lei nº. 12.015/2009 ter propiciado, em alguns pontos, o recrudescimento de penas e criação de novos tipos penais, o fato é que, com relação a ponto específico relativo ao art. 213 do CP, está-se diante de norma penal mais benéfica (novatio legis in mellius). Assim, sua aplicação, em consonância com o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais favorável, há de alcançar os delitos cometidos antes da Lei n. 12.015/2009, e, via de consequência, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Todavia, registrou-se também que a prática de outro ato libidinoso não restará impune, mesmo que praticado nas mesmas circunstâncias e contra a mesma pessoa, uma vez que caberá ao julgador distinguir, quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP para fixação da pena-base, uma situação da outra, punindo mais severamente aquele que pratique mais de uma ação integrante do tipo, pois haverá maior reprovabilidade da conduta (juízo da culpabilidade) quando o agente constranger a vítima à conjugação carnal e, também, ao coito anal ou qualquer outro ato reputado libidinoso. Por fim, determinou-se que a nova dosimetria da pena há de ser feita pelo juiz da execução penal, visto que houve o trânsito em julgado da condenação, a teor do que dispõe o art. 66 da Lei n. 7.210/1984. (STJ. HC 144.870-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/2/2010.) (BRASIL, 2010, p. 422).

As modificações que foram realizadas na lei foram necessárias, pois, as sanções que eram anteriormente previstas não mais correspondiam à evolução da sociedade, sendo necessárias, portanto, realizar a reformulações das leis que devem adequar a sociedade, observando sempre os costumes e as famílias que se encontram em constante evolução, assim as normas penais irão também atender a demanda da sociedade. Destarte, antes das alterações que foram introduzidas pela Lei nº. 12.015/09


10

(BRASIL, 2009), os crimes eram punidos de acordo com as regras estabelecidas de acordo com as regras sociais das décadas de 40 a 90. Acerca deste assunto, Nelson Hungria (1956, p. 103) conceitua costumes no âmbito dos crimes sexuais como sendo: Hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada a conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais.

É notório que antes das modificações na Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), tinha como principio para punição do infrator os costumes, e com as modificações que foram realizadas na lei passou a ter como base a proteção da liberdade sexual do indivíduo, preservando, assim, a dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, o ilustre Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 214) faz menção sobre o tema abordado: [...] o legislador deve policiar é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que porventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente sem qualquer constrangimento e sem ofender o direito alheio, ainda que para alguns seja imorais ou inadequados.

E em decorrência dessa reformulação que ocorreu no ano de 2009 com a Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), foi levado em consideração as transformações que ocorrem na sociedade, sendo impossível que uma lei que foi criada no ano de 1940 atender as necessidades da sociedade em tempo atual, por isso, se fez a necessária reforma do Título VI, do Código Penal (BRASIL 1940) brasileiro. Em outras palavras, levando em consideração as transformações que ocorreram na sociedade em relação aos costumes e valores, com o tardar da burocrática pretensão política e democrática, as alterações das leis se fazem necessárias para adequar o cotidiano da sociedade pós-moderna. Assim, as alterações surgem e inúmeras outras deverão vir para acompanhar a evolução da sociedade, inovando o meio de se adequar os crimes e as penas nos moldes da sociedade atual. Portanto, o que ocorreu nos crimes sexuais foi inovação legislativa para transformar alguns tipos de atos como crime, e neste caso se tem a possibilidade de tipificação da pena de incesto, que será posteriormente discorrido no trabalho.


11

2.1 Definições trazidas pela Lei nº. 12.015/09

De acordo com a Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), os crimes contra a dignidade sexual passou a ser definida da seguinte forma (CAPEZ, 2011): a) crimes contra a liberdade sexual: que possui como tipo penal o estupro, a violação sexual mediante fraude e o assédio sexual; b) lenocínio e o tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual: que possui como tipo penal o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, o rufianismo, o tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, o tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, o estupro de vulnerável, a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente e o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 112) enumera alguns pontos principais quanto às modificações realizadas pela Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), visando combater crimes ligados a dignidade sexual: a) mudou o nome dos títulos dos crimes de natureza sexual para „Crimes Contra a Dignidade Sexual‟ em vez de „Crimes Contra os Costumes‟; b) tipificou o estupro de vulnerável, como sendo qualquer ato libidinoso contra menores de 14 anos ou pessoas com deficiência mental, com pena que varia de 8 a 15 anos de reclusão; c) definiu objetivamente que a relação sexual com menor de 14 anos é estupro, acabando com a discussão sobre se a presunção de violência (artigo 224 do CPB), se esta seria relativa ou absoluta; d) todas os casos de presunção de violência do artigo 224 foram revogados; e) se houver participação de quem tenha o dever de cuidar ou proteger a vítima, o tempo de condenação será aumentado em 50%. O autor de estupro contra maiores de 14 e menores de 18 anos será punido com oito a 12 anos de prisão, sendo que antes era de 6 a 10 anos; f) para qualquer crime sexual que gere gravidez, a pena aumentará em 50%. Se, no ato, a vítima contrair alguma doença sexualmente transmissível, haverá acréscimo de 1/6 à metade do tempo de condenação. Se o estupro resultar em morte, a pena máxima, que era (até então) é de 25 anos de prisão, passa para 30 anos; g) o autor de assédio sexual a menores de 18 anos, que era (até então) apenado entre 1 e 2 anos de reclusão, terá a pena aumentada de 1 ano e 4 meses a 2 anos e 8 meses; h) estabeleceu que tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas de crimes contra a liberdade e o desenvolvimento sexual: deixa de existir o crime de atentado violento ao pudor, mas homens podem ser vítimas de estupro. Dessa forma, acaba a possibilidade de negar continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor, como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vinha negando, mas pendente de análise pelo pleno do Supremo Tribunal Federal;


12

i) para o tráfico de pessoas no país a pena será de 2 a 6 anos de reclusão, enquanto a modalidade internacional será apenada com 3 a 8 anos, sendo aumentada em 50% no caso de a vítima ser menor de 18 anos; j) mudou a redação do delito de manter casa de prostituição; k) todas as ações penais de natureza sexual passaram a ser públicas condicionadas e não mais privadas; l) serão públicas incondicionadas se a vítima tiver menos de até 18 anos ou seja deficiente (vulnerável), independentemente da situação financeira e relação familiar, tais processos correrão em segredo de justiça.

Todos os crimes tipificados no Título IV, do Código Penal (BRASIL, 1940), denominado “Crimes Contra a Dignidade Sexual”, estão dispostos a partir do artigo 213, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109), e entre eles é o estupro de vulnerável, que será analisada no capítulo a seguir.


13

3 O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL NA LEI Nº. 12.015/09

O crime de estupro de vulnerável encontra-se previsto no Capítulo II, “Dos crimes Contra Vulnerável”, do Código Penal (BRASIL, 1940). Tendo em vista a alteração da Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), quem praticar sexo com menor de 14 (quatorze) anos responderá pelo delito previsto no artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109), sendo que a pena contida neste crime é bem maior do que a pena que era atribuída ao estupro comum em sua forma simples, ficando afastada, assim, a incidência do artigo 213, do Código Penal (BRASIL, 1940). (NUCCI, 2009). Como ensina Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 37): “Não existe previsão legal para o delito de estupro de vulnerável na modalidade culposa”. Assim prevê o artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109): Art. 217- A: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º (VETADO) § 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Ademais, como salienta Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 41): “[...] independente do consentimento da vítima menor de 14 (quatorze) anos de idade, o infrator responderá pelo crime específico de estupro de vulnerável para os casos de ato libidinoso, independente se a conduta for forçada ou não”. E ainda, segundo Rogério Greco (2010, p. 510), são consideradas pessoas vulneráveis: [...] aqueles menores de quatorze anos ou que por enfermidade ou deficiência mental não conseguirem oferecer residência a prática do ato. Considera-se que a pessoa que ainda não completou quatorze anos não tem maturidade suficiente para manter um relacionamento sexual, por este fato é considerado como ato libidinoso, não sendo desconsiderado o delito se o menor der consentimento. Deve-se lembrar, contudo, que o principal objetivo do dispositivo é proteger a dignidade sexual da vítima menor de quatorze anos por ser imatura para a vida sexual.


14

E conforme entendimento de Rogério Greco (2010, p. 512): “[...] não é mais possível excluir qualquer pessoa menor de quatorze anos da proteção estabelecida no artigo em tela, considerando haver uma escolha objetiva do legislador baseada no critério etário”. Já nos dizeres de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 37): [...] se o parceiro for enganado no que diz respeito à idade da vítima e esta for maior de doze anos deverá ser analisado o caso concreto, dizendo que atualmente pode-se relativizar a vulnerabilidade em alguns casos especiais em se tratando de vítima maior de doze anos (considerada adolescente nos termos do ECA – Lei nº 8.069/1990).

No mesmo aspecto, Rogério Greco (2010, p. 514) descreve um exemplo: Assim, imagine-se a hipótese onde o agente, durante uma festa, conheça uma menina que aparentava ter mais de 18 anos, devido à sua compleição física, bem como pelo modo como se vestia e se portava, fazendo uso de bebidas alcoólicas etc., quando, na verdade, ainda não havia completado os 14 (quatorze) anos. O agente, envolvido pela própria vítima, resolve, com o seu consentimento, levá-la para um Motel, onde com ela mantém conjunção carnal. Nesse caso, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, tendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça. No caso das pessoas que possuem alguma enfermidade ou deficiência mental, devem também restar demonstrado que não tem o necessário discernimento para a prática do ato sexual.

Isso quer dizer que o legislador adotou, no caso, um critério biopsicológico, segundo bem explica Cleber Masson (2011, p. 55): Consagrou-se, portanto, o sistema biopsicológico: para aferição da vulnerabilidade não basta à causa biológica (enfermidade ou deficiência mental), pois também se exige a afetação psicológica do ofendido (ausência de discernimento para o ato sexual).

Partindo desta premissa, não serão proibidas as relações sexuais com pessoas portadoras de patologias mentais, se estas tiverem discernimento suficiente para consentir com tal prática. Por este motivo, segundo Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 209): “[...] a perícia é imprescindível para definir a vulnerabilidade no presente caso, tanto para avaliar a enfermidade ou deficiência mental quanto à capacidade de discernimento”. E quando a pessoa não puder oferecer resistência será considerada como vulnerável, mesmo que esta seja maior de quatorze anos e não possua qualquer


15

enfermidade ou deficiência mental. (NUCCI, 2009). Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 40) menciona que: [...] esta capacidade pode ser relativa ou absoluta. Somente no caso de incapacidade absoluta é que deverá ser considerada vulnerável a vítima. Acaso haja incapacidade relativa, o fato poderá ser enquadrado nos termos do art. 215 do CP (violação sexual mediante fraude).

São dados pelas doutrinas os seguintes exemplos de impossibilidade de oferecer resistência, conforme Cleber Masson (2011, p. 56): São exemplos de vulneráveis, com fundamento no art. 217-A, § 1º, in fine, do Código penal, as pessoas em coma, em sono profundo, anestesiadas ou sedadas (exemplo: médico que pratica com o paciente atos libidinosos durante o estado de inconsciência resultante da anestesia geral), bem como as pessoas portadoras de deficiências físicas que, embora conscientes, não têm como se defender da agressão sexual (exemplo: sujeito que covardemente esfrega seu órgão genital no corpo de um tetraplégico).

Observa-se que incapacidade de resistência pode ser provocada ou não pelo agente, como ocorre nos casos de embriaguez parcial. Tendo a vítima possibilidade de resistência, não terá incidência do artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940). Defende Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 40) que: “[...] mesmo em casos de embriaguez total, se a vítima voluntariamente se colocou em tal estado para depois ser submetida a práticas sexuais, não haverá a incidência do dispositivo em comento”. No tocante as condutas previstas no caput do artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940) são: a) ter conjunção carnal com menor de catorze anos; b) praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos. Os verbos ter e praticar estão sendo utilizados no sentido de manter conjunção carnal, conforme ensina Cleber Masson (2011, p. 61): “Na verdade, os verbos „ter‟ e „praticar‟ possuem igual sentido”. O verbo praticar abrange o sentido de tomar em parte, sendo assim, será considerado neste tipo qualquer ato libidinoso praticado com o menor de quatorze anos, conforme ensina Rogério Sanches Cunha e Luiz Flávio Gomes (2010, p. 257): “A conduta de praticar com menor atos libidinosos abrange tanto o ato sexual tendo a vítima um comportamento passivo (permitindo que com ela se pratiquem os atos) ou ativo (praticando os atos de libidinagem no agente)”.


16

E conforme bem pontua Rogério Greco (2010, p. 523): No entanto, poderá o delito ser praticado através do emprego de violência física ou mesmo da grave ameaça, como ocorre com o estupro tipificado no art. 213 do Código Penal. Nesse caso, pergunta-se, poderia se falar em concurso de crimes? A resposta só pode ser positiva. Não sendo um elemento constante do tipo do estupro de vulnerável, será possível o reconhecimento do concurso material entre o delito de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima), ou a ameaça, com o tipo do art. 217-A do Código Penal.

Sendo assim, tratando-se de vitimas vulneráveis mesmo que não seja um pré-requisito do artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940). A incidência será neste artigo em especial, apesar do artigo 213, do Código Penal (BRASIL, 1940) trazer em seu texto a conduta de violência ou grave ameaça, não se aplicando nos casos de vítima vulnerável. É possível a tentativa no delito de estupro de vulnerável, pois o simples fato do início da conduta libidinosa deixa clara a vontade do agente em manter relações sexuais com o menor, sendo que não o fez por circunstâncias alheias, e a consumação se da através da conjunção carnal e do contato físico quando se tratar de ato libidinoso. (NUCCI, 2009). É importante assinalar que alguns Tribunais, destacando-se os Superiores na década de 80, questionavam a presunção de violência disposto no revogado artigo 224, “a”, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 115). Conforme disserta Rogério Greco (2010, p. 568): Os Tribunais Superiores passou a entender, em muitos casos, como relativa, ao argumento de que a sociedade do final do século XX e início do século XXI havia se modificado significativamente, e que os menores de 14 anos não exigiam a mesma proteção que aqueles que viveram quando da edição do Código penal, em 1940. Doutrina e jurisprudência se desentendiam quanto a esse ponto, discutindo se a aludida presunção se era de natureza relativa (iuris tantum), que cederia diante da situação apresentada no caso concreto, ou de natureza absoluta (iuris et de iure), não podendo ser questionada. Sempre defendemos a posição de que tal presunção era de natureza absoluta, pois, para nós, não existe dado mais objetivo do que a idade. Não se justificavam as decisões dos Tribunais que queriam destruir a natureza desse dado objetivo, a fim de criar outro, subjetivo, deixavam de lado a política criminal adotada pela legislação penal, e criavam suas próprias políticas.

Destarte, não há o que se discutir sobre a presunção de violência ser relativa ou absoluta em se tratando de crimes sexuais contra crianças, pois, a personalidade


17

e o discernimento ainda estão em formação ficando mais sujeitos aos abusos e por consequência sofrem maiores efeitos causados pelo delito.

3.1 A denominação “vulnerável” contida na Lei nº. 12.015/09

De acordo com Rogério Greco (2010, p. 528): “[...] a Lei nº. 12.015/09 convencionou denominar de estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de vulnerabilidade em que se encontra a vítima”. Sendo assim, vulnerável, de acordo com a Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), será qualquer pessoa em que se encontre em situação de fragilidade, sendo um conceito novo e que possui abrangência e leva em conta a necessidade de proteção do Estado. De acordo com Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 204): “Todos nós em determinadas situações e certas circunstâncias também somos mais ou menos vulneráveis. Mas não é dessa vulnerabilidade eventual, puramente circunstancial, que este dispositivo penal trata”. Ao observar as questões propostas como situação de vulnerabilidade pode-se concluir

que

o

legislador

inseriu

nessa

denominação

pessoas

que

são

absolutamente inimputáveis (embora não todas), quais sejam, menor de 14 anos, ou alguém, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para prática do ato, ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (BITENCOURT, 2010). Circunstâncias legais, previstas no artigo 217-A do Código Penal (BRASIL, 1940), em que consiste a vulnerabilidade: a) vítima com idade inferior a 14 anos: o menor de idade, pela imaturidade, não pode validamente consentir na prática dos atos sexuais. Verifique-se, por derradeiro, que o legislador incorreu em grave equívoco, na medida em que se o crime for praticado contra vítima no dia do seu 14º aniversário, não haverá o delito do art. 217-A, nem a qualificadora do artigo 213 do Código Penal (BRASIL, 1940). Configurar-se-á o crime de estupro na forma simples (CAPEZ, 2011); b) vítima que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência: trata-se da hipótese que já constava do artigo 224, alínea „c‟, do Código Penal (BRASIL,


18

1940). Algumas vezes a vítima não é menor de 14 anos ou não possui enfermidade ou deficiência mental, mas por motivos outros está impossibilitada de oferecer resistência, como por exemplo, embriaguez completa, narcotização, etc. (CAPEZ, 2011); c) entendimento do Direito Penal: durante a infância, período de vida fixado até determinada idade, a criança encontra-se num processo de formação, seja no plano biológico, seja no plano psicológico e moral. Dessa forma, se o agente mantém relação sexual ou pratica qualquer ato libidinoso com alguém menor de 14 anos, o bem jurídico penalmente protegido é considerado indisponível de pleno direito. (LEAL; LEAL, 2009).

3.2 Condutas típicas e sujeitos ativo e passivo

A conduta típica consiste em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Transcreve o § 1º do art. 217-A do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109) que incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. De acordo com Fernando Capez (2011, p. 113): “[...] conjunção carnal é a cópula vagínica, ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher”. Para a realização objetiva deste novo crime, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. (CAPEZ, 2011). Analisando-se ética e politicamente esta norma repressiva obtém-se a ideia de proteção integral do ser humano ainda criança, cuja integridade sexual precisa ser penalmente garantida contra qualquer ato de natureza sexual. (CAPEZ, 2011). Em relação aos sujeitos, o ativo será qualquer pessoa que pode ser sujeito ativo do crime de estupro de vulnerável, sem distinção, homem ou mulher, contra inclusive, pessoa do mesmo sexo, mudança trazida pela Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009), uma vez que, não se observa somente a prática da conjunção carnal, mas também a prática de qualquer outro ato libidinoso.


19

Na forma da conduta de conjunção carnal, somente não pode ser autor pessoa do mesmo sexo do menor, porque nesse caso não pode haver coito normal. Na prática de outro ato libidinoso, não há impedimento de que o autor e vítima sejam pessoas do mesmo sexo. (MIRABETE; FABRINI, 2006). Já o sujeito passivo é qualquer pessoa que esteja na condição especial de vulnerabilidade exigida pelo tipo penal, seja pela menor idade de 14 anos, tanto do sexo feminino ou masculino, seja em razão de tratar-se de alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (BITTENCOURT, 2010).

3.3 A causa para alteração do artigo 217-A do Código Penal

A alteração da lei foi necessária tendo em vista que antes da Lei nº. 12.015/09 (BRASIL, 2009) existiam dois delitos, denominado estupro, no artigo 213 (BRASIL, 2009, p. 109), e o de atentado violento ao pudor, no art. 214 (BRASIL, 2009, p. 109), destarte, em ambos, o meio de execução era a violência ou grave ameaça. Mas quanto o ato era praticado contra menor de 14 (quatorze) anos, pessoas “alienadas” ou “débeis mentais” ou por quem não podia oferecer resistência, presumia-se que houve o ato de violência em virtude da idade da vitima, mais deixava vários questionamentos em aberto, tais como: e se a vitima fosse prostituta, se namorasse, se teve consentimento, sendo assim, com a alteração da Lei não cabe mais estes questionamentos. (CAPEZ, 2011). A nova redação da Lei 12.015/09 (BRASIL, 2009) extingue toda e qualquer presunção acima descrita, pois, o objetivo agora é a idade, se a vitima for menor de 14 (quatorze) anos, seja ela do sexo masculino ou feminino, ocorrerá o crime. Nesse sentido, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: 1. O cerne da controvérsia cinge-se a saber se a conduta do recorrido - que praticou conjunção carnal com menor que contava com 12 anos de idade subsume-se ao tipo previsto no art. 217-A do Código Penal, denominado estupro de vulnerável, mesmo diante de eventual consentimento e experiência sexual da vítima. 2. Para a configuração do delito de estupro de vulnerável, são irrelevantes a experiência sexual ou o consentimento da


20

vítima menor de 14 anos. Precedentes. 3. Para a realização objetiva do tipo do art. 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, o que efetivamente se verificou in casu. 4. Recurso especial provido para condenar o recorrido em relação à prática do tipo penal previsto no art. 217-A, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, e determinar a cassação do acórdão a quo, com o restabelecimento do decisum condenatório de primeiro grau, nos termos do voto. (STJ. REsp 1371163/ DF. Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior. Data de julgamento: 25 jun. 2013). (BRASIL, 2013, p. 14).

A objetividade jurídica do art. 217-A do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109) é a tutela da dignidade sexual, o desenvolvimento sexual sadio, a liberdade psíquica e física e também a incapacidade por qualquer outra situação a resistência do estupro ou ato libidinoso dos que a lei descreve como sendo vulneráveis. Da nova redação constante do Título VI do Código Penal (BRASIL, 1940) brasileiro pode-se apontar como bens juridicamente protegidos pelo artigo 217 (BRASIL, 1940, p. 109), tanto a liberdade quanto à dignidade sexual, também o desenvolvimento sexual. (GRECO, 2010). Uma das principais causas da mudança trazida pela Lei 12.015/09 (BRASIL, 2009) foi a maior proteção ao menor de 14 anos e ao adolescente punindo-se de forma mais rigorosa comportamentos que atinjam tais vítimas. Vale ressaltar que menor de 14 anos é exatamente o infanto-juvenil ou criança/adolescente protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), que merece atendimento especial do Estado e da lei e que, agora, finalmente, o legislador penal reconhece sua vulnerabilidade. (BITENCOURT, 2010).


21

3 A FIGURA DO GARANTIDOR E SUA RESPONSABILIDADE PENAL

Da redação das alíneas do § 2º do artigo 13 do Código Penal (BRASIL, 1940), encontram-se situações que impõem ao agente a posição de garantidor da evitabilidade do resultado. O garante tem o dever de agir para tentar impedir o resultado. As situações que impõem ao agente a posição de garantidor são as seguintes (MIRABETI, 1998): a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. De acordo com Júlio Fabbrini Mirabeti (2006, p. 314): A primeira delas é a chamada obrigação legal. Como o próprio nome sugere, é aquela obrigação derivada da lei, como a obrigação dos pais para com seus filhos. A alínea b do §2º do art. 13 do CP traz-nos uma outra situação em que surge o dever de agir: quando o agente, de outra forma, assume a responsabilidade de impedir o resultado. Aqui residia, há tempos atrás, a chamada responsabilidade contratual. Hoje em dia, não mais se exige a existência ou mesmo a vigência de um contrato, bastando que o agente tenha assumido, por conta própria e mesmo sem qualquer retribuição, esse encargo, como é o caso do pai que, no exemplo de Juarez Tavares, querendo mergulhar no mar, solicita a alguém que olhe o seu filho por alguns minutos. Se esta pessoa anui ao pedido, naquele instante se coloca na posição de garantidora. Finalmente, de acordo com a alínea c do §2º do art. 13 do CP, coloca-se na posição de garantidor aquele que com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Podemos citar como exemplo aquele que, num acampamento, após acender o fogo pra fazer sua comida, não o apaga posteriormente, permitindo que se inicie um incêndio.

O § 2º, do artigo 13, do Código Penal (BRASIL, 1940) revela a posição de garante, ou seja, daquela pessoa que, por força de um dever jurídico, assumiu a responsabilidade de garantir a não ocorrência do resultado danoso. Flávio Augusto Monteiro de Barros (1999, p. 654) diz que: ”Trata-se não de uma simples atividade exigida, e sim de uma obrigação imposta pelo Direito ao agente de atuar com o fito de impedir o surgimento de um dano concreto ou potencial”. O código estabelece três situações onde podem se verificar a posição de garantidor (BARROS, 1999): a) quando o agente tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Esta hipótese se verifica no caso da mãe que não alimenta seu bebê, levando-o à


22

morte. A genitora viola, por meio de sua omissão em alimentar a criança, dever este imposto por lei, a norma proibitiva do artigo 121, que trata do homicídio; b) quando o agente de outra forma, que não a legal, embora juridicamente permitida, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado. É o caso de uma enfermeira que contratualmente se obrigou a cuidar de um enfermo. Omitindo-se do dever, responderá por possíveis lesões ao paciente; c) quando o agente, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Aquele que produz uma situação perigosa para terceiros, independentemente da natureza dolosa ou culposa de seu comportamento, tem o dever de impedir que o dano se consume. Destarte, quem, por negligência, deixa torneira aberta provocando inundação de seu apartamento, tem como obrigação de impedir que a água invada a casa do vizinho. Se não evitá-la, será responsabilizado pelo dano causado. Por último, conforme afirma Júlio Fabbrini Mirabeti (2006, p. 314): [...] o garante, para ser responsabilizado por sua conduta, tem que ter tido a possibilidade física de agir para impedir o resultado. Necessita-se concomitantemente da existência do dever de impedir o resultado e do poder agir para impedi-lo. Não se pode, por exemplo, cogitar a punição de um pai por sua omissão em salvar seu filho que se afogava se ele não estava no local. Outrossim, tem-se que restar de todo verificado o nexo causal entre a conduta omissiva do garantidor e o resultado danoso por ela produzido. Sem a relação de causalidade, impossível se tornará a imputação do resultado ao garante (caput do artigo 13 do Código Penal).

Portanto, o primeiro passo é descobrir se o garante tinha o dever de impedir o resultado. Caso sim, poderá responder criminalmente em caso de acobertar algum crime contra a criança ou adolescente. Nesta seara enquadra-se o crime de abuso sexual, pois, seu dever legal seria impedir o resultado, ao invés de omitir. Tal denominação jurídica pode ser definida como omissão de socorro impróprio ou crime comissivo por omissão. É que se verá no tópico a seguir.

3.1 Omissão de socorro impróprio ou crime comissivo por omissão

Os crimes omissivos impróprios são indiscutivelmente crimes de evento, haja vista que a lei pune o não agir com o fim de evitar o resultado descrito no tipo pena


23

correspondente, seja ele qual for. (ZAFARONI, 1980). Para Raul Zafaroni (1980, p. 459): [...] os delitos impróprios trazem requisitos próprios, sobretudo quando envolve a posição de garantidor. Ou seja, nos delitos impróprios de omissão o autor encontra-se em posição jurídica de cuidador, vigilante, conservador, evitador de perigos para o bem jurídico, quer dizer, garante este bem jurídico em sua integridade.

Majoritariamente exige-se para a responsabilização do agente que o sujeito esteja constituído em garante da não produção do resultado, como alude Sheila Bierrenbach (2001, p. 7.411): [...] há dois grandes grupos de garantes: de um lado encontramos aqueles que devem cumprir uma função protetora de determinados bens jurídicos. São os chamados garantes de cuidado ou proteção, por exemplo, os pais. Num segundo grupo identificamos aqueles que têm como função vigiar determinadas fontes de perigo. São os denominados garantes de segurança, por exemplo, policiais e bombeiros.

A omissão imprópria no Brasil aparece no artigo 13, § 2º do Código Penal (BRASIL, 1940), que enumera como relevante a omissão daquele que tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: a) aquele que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; b) ou aquele que com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Abaixo o artigo 13, do Código Penal (BRASIL, 1940) transcrito abaixo: Art. 13 O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Na primeira alínea apontam-se os pais, os bombeiros, policiais. Os primeiros têm o seu dever derivado nas normas de direito privado, sobretudo, das regras de direito de família. Já os demais, ensina Sheila Bierrenbach (2001, p. 7.415):


24

[...] têm o seu dever oriundo do artigo 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que trata de segurança pública. Independente da origem do dever temos que o garante tem a responsabilidade acerca da atuação de terceiras pessoas, o que lhe impõe o dever de dominar os perigos provenientes daquele a quem tem o dever de vigiar. Na alínea “b” aparecem aqueles que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado. Tratase da denominada assunção voluntária de custódia com ou sem contrato, exemplo cotidiano é a babá em relação as crianças que lhe são confiadas. Deve-se frisar, que é desnecessário um contrato formal para fazer nascer a posição de garantia, mas é imprescindível que o garante assuma efetivamente a referida custódia para que se possa responder pela omissão. Por fim, a alínea “c” trata daquele que com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Esta alínea revela um atuar precedente, em que o agente com a sua conduta anterior cria o risco para um bem jurídico tido como relevante. Ao criar esse risco o sujeito está obrigado a agir para impedir que o perigo se converta em dano, sob pena de ao se omitir, acabar por responder pelo resultado típico, ou seja, como se tivesse causado à lesão ao bem jurídico por via comissiva.

Continua a mesma autora supra determinando o critério seguro para se apontar o que seria atuar prévio: Para alguns autores seria um atuar imprudente, antijurídico, objetivamente injusto. Mas em verdade não temos o limite exato para a criação do risco. Orientação que se impõe, no entanto, é que a conduta precedente só gerará posição de garantia ser for objetivamente antijurídica e se o perigo criado pelo ingerente for avaliado como idôneo à produção do resultado típico. Entretanto há respeitável opinião minoritária que admita a criação de perigo conforme o direito, porque para os autores ações nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido não excluiriam o dever de segurança. Para que seja punível a omissão imprópria é preciso uma combinação do tipo penal que descreve o resultado que se busca evitar e uma das alíneas do artigo 13, § 2º do Código Penal. Trata-se de uma dupla adequação típica. Neste sentido, a consciência deve abranger os seguintes elementos: situação típica, o poder agir e a posição de garante. É possível, ainda, falar em omissão imprópria culposa, que não coincide com nenhuma das hipóteses acima, que surgirão necessariamente de um esquecimento puro. (BIERRENBACH, 2001, p. 7.417).

Como os pressupostos fáticos que configuram a posição de garantidor são elementos constitutivos do tipo, devem ser abrangidos pelo dolo. Disso decorre ser imprescindível que o agente saiba de sua condição de garantidor da não ocorrência do resultado. Para Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 300): “[...] o erro sobre esse pressuposto fático constitui erro de tipo e o erro sobre o dever de impedir o resultado constitui erro de proibição”. Importante, o entendimento do liame que une as alíneas do artigo 13, § 2º, do Código Penal (BRASIL, 1940). Neste aspecto cumpre a transcrição da obra de Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 310): “O denominador comum de todas as hipóteses é a circunstância de que o sujeito, ou introduziu um perigo na vida social,


25

ou está designado para impedir que deste perigo derivem, em geral, danos”. Resta claro, que o denominador comum das alienas é a obrigação imposta pela lei em proteger ou salvaguardar alguém. Assim, visto quem possui o dever legal de se responsabilizar pela criança e adolescente, passa-se para a questão meritória deste trabalho, que é o incesto, conforme se verá no capítulo a seguir.


26

5 INCESTO

Ao se falar do incesto logo vem o pensamento de algo proibido. Para entender melhor esse tabu da sociedade vale apena ressaltar a ideia de Claude Lévi-Strauss (1982, p. 49), que ensina que incesto: “[...] vem do latim in- não cestuscasto, ou seja, não casto, ato impuro”. Ainda segundo Claude Lévi-Strauss (1982, p. 49): “A proibição do incesto está ao mesmo tempo no limiar da cultura, na cultura, e em certo sentido, é a própria cultura. Por enquanto, basta notar a dualidade de caracteres a que deve seu caráter ambíguo e equívoco”. Nesta seara observa-se formas de proibição do incesto ligadas a crendice da população em várias sociedades e locais no mundo. Para Claude Lévi Strauss (1982, p. 49): “[...] a proibição do incesto tem efeito tanto no senso natural como no social”. O incesto é proibido com o objetivo de proibição de casamentos consanguíneos e as consequências que ele traz. Na era paleolítica o ser humano utilizou-se da reprodução endogâmica, ou seja, as relações são entre indivíduos aparentados, com o objetivo de alcançar um maior grau de perfeição entre as espécies. (LÉVI-STRAUSS, 1982).

5.1 A busca da verdade real

A violência representa uma das maiores ameaças á humanidade, fazendo-se presente em todas as fases da História da civilização humana. Pode-se dizer que, conforme demonstra Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 410): [...] a violência é parte significativa do cotidiano, retratando a trajetória humana através dos tempos, e que é intrínseca á existência da própria civilização. Como parte desse fenômeno, e inserida num contexto históricosocial e com raízes culturais, encontra-se a violência familiar (abuso sexual intra-familiar), que é um fenômeno complexo e multifacetado, atingindo todas as classes sociais e todos os níveis socioeducativos: apresenta diversas formas como, por exemplo, maus tratos físicos, psicológicos, abuso sexual, abandono e negligência na educação e formação de crianças


27

e adolescentes.

O abuso sexual contra crianças é em especial uma das mais graves formas de violência, pois causa lesão nos direitos fundamentais da criança, causando contornos de habitualidade e durabilidade. Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 419) ensina sobre o processo de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes: [...] pode ser entendido por vitimização primária, na medida em que no âmbito procedimental-investigatório constata-se outro tipo de vitimização, em que a violência é causada pelo sistema de justiça que viola outros direitos, vitimizando novamente a criança. Essa revitimização denomina-se vitimização secundária, que outra coisa não é senão a violência institucional do sistema processual penal, fazendo das vítimas infanto-juvenis novas vítimas, agora do estigma processual-investigatório; pode dificultar o processo de superação do trauma, provocando ainda uma sensação de frustração, impotência e desamparo com o sistema de controle social.

Trata-se de um dos temas mais sensíveis da realidade social e criminal nos tempos atuais, e as consequências trazidas são perenes, elevando a risco o equilíbrio psíquico da criança para o resto de sua vida. Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 419) apresenta também os aspectos mais complexos do ponto de vista jurídico criminológico: [...] é relativo á posição dessa vítima criança/adolescente como testemunha no processo penal. É comum, tanto no Brasil como no exterior, que crianças e adolescentes sejam chamadas a depor em processos judiciais criminais para falar sobre situações de violência que sofreram. Essa fala das crianças e dos adolescentes no momento da audiência integra o acervo probatório processual. Ocorre, porém, que, em razão da forma tradicional de inquirição das vítimas e testemunhas de crime sexual, quando crianças e adolescentes, pode ampliar a violência por aquelas experimentadas. Esse aspecto levou a elaboração do Projeto de Lei nº. 4.126/04 (BRASIL, 2004), que propõe a alteração do estatuto da Criança e do Adolescente, recomendando o modelo alternativo de inquirição conforme o projeto depoimento sem dano.

Vale ressaltar a título de conhecimento que, segundo Cezar Roberto Bitencourt Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 311): [...] ocorreu em 2003 a experiência pioneira no Brasil, o projeto depoimento sem dano, que foi implantado com o objetivo de promover a proteção psicológica das vítimas e testemunhas com a realização de instrução criminal mais apurada tecnologicamente. A entrevista é realizada por técnicos – psicólogos ou assistentes sociais – com o objetivo de facilitar a interlocução entre vítimas e operadores de direito.


28

No atual processo penal, a vítima é ouvida mais de uma vez e, em cada depoimento, revive os fatos, sofrendo nova violência. É revitimizada cada vez que precisa relatar perante estranhos o que aconteceu. É ouvida por pessoas não capacitadas para este tipo de escuta. No fim, cansada de repetir a mesma história, de ser sempre perguntada sobre o que quer esquecer, acaba caindo em contradições, o que geralmente enseja um juízo de absolvição por ausência de prova. (DIAS, 2009).

5.2 Direito comparado

Em alguns países como na França o incesto não é considerado crime, sendo que ele é tratado como uma agravante nos crimes sexuais. Na Itália e na Alemanha, o incesto é tratado como crime autônomo. Nos tópicos a seguir, serão demonstrados apenas superficialmente a relação do incesto com seus respectivos Códigos Penais, para efeito de exemplo, não tendo por objetivo dizer que tais ordenamentos jurídicos poderiam ser usados no Brasil. Assim, a seguir será apresentando a legislação estrangeira para título de informação quanto ao conceito de incesto.

5.2.1 Legislação francesa

No artigo 222-23 da legislação francesa tem-se: “Qualquer ato de penetração sexual, de qualquer natureza, cometidos com violência, coação, ameaça ou surpresa é uma violação. A violação será punida com pena de prisão de quinze anos”. (TAVARES, 2009). Já no artigo 222-24, diz que: “Haverá aumento de pena quando o agressor for ascendente ou pessoa que exerça alguma autoridade sobre a vítima”. Como se pode observar, na França o incesto é tratado como aumento de pena nos crimes sexuais, sendo punido apenas de forma mais severa. (TAVARES, 2009).


29

5.2.2 Legislação italiana

Na legislação italiana, na tipificação de seu Código Penal, o incesto é especificado conforme descreve o artigo 564, que foi transcrita e traduzida por Bueno Costanze (2009, p. 43): Qualquer pessoa, dando assim origem a escândalo público, ele comete incesto com um baixo ou para cima, ou com um cognato em linha reta, ou um irmã ou um irmão é punido com pena de reclusão de dois a oito anos, no caso de relação incestuosa. Nos casos previstos nos termos das disposições acima, se o incesto é cometido por uma pessoa de menor de dezoito anos de idade, a punição é aumentada até o adulto. A sentença pronunciada contra o pai se preocupa com perda de autoridade dos pais ou tutor legal.

Observa-se que existe um crime de incesto na legislação italiana quando uma pessoa da família comete o ato sexual, e desde que se origine um escândalo público. Caso não exista este escândalo público, presume-se que não há que se falar em crime.

5.2.3 Legislação alemã

A legislação alemã também trata o incesto como crime autônomo, descrito em seu artigo 173 do Código Penal. (TAVARES, 2009). Importante

ressaltar

que

no

caso

de

relação

com

descendentes

consanguíneos, a penalidade é de prisão e a pena máxima é de três anos ou multa. Nas outras relações entre ascendentes, a penalidade é também de prisão com pena máxima de dois anos ou multa. (TAVARES, 2009). Acerca de o fato ocorrer entre irmãos e irmãs não serão punidas se ao tempo não tiverem 18 anos de idade. (TAVARES, 2009). Pode-se concluir ao estudar as legislações italiana, francesa e alemã que cada um deles aplica diferentes formas a punição para o incesto, já que na Alemanha e Itália a legislação trata o incesto como tipo penal próprio, mas com penas diferentes.


30

5.3 Incesto no Brasil e legislação brasileira

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece em seu artigo 226 (BRASIL, 1988, p. 227), que a família tem proteção especial do Estado. Ainda em seu artigo 227 (BRASIL, 1988, p. 184) tutela: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

De acordo com o artigo do Código Penal (BRASIL, 1940) supracitado, a relação incestuosa com crianças se enquadra no artigo 217-A, e é também causa de aumento de pena. Por pertinente, deve-se salientar que no Código Penal (BRASIL, 1940) existe o tipo penal da mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem É o que prevê o artigo 218, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 225): Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Parágrafo único.

O dispositivo em referência induz a vitima a satisfazer o desejo sexual de outra pessoa, praticando com ela ato de libidinagem, sendo que a vitima pode ser do sexo masculino ou feminino, mas somente para os menores de 14 anos de idade. Existem duas correntes sobre o ponto de quem pratica o ato, pois quem induz responderá pelo artigo em tela, sendo o texto claro quando menciona com finalidade de satisfazer a lascívia de outrem. (GREGO, 2010). A primeira corrente primeira que compartilham da mesma ideia tem os doutrinadores Rogério Greco (2010), Cleber Masson (2011), Rogério Sanches Cunha (2010) e Fernando Capez (2011), valendo mencionar que essa é reconhecida como majoritária no meio jurídico, sendo o entendimento deles é de que se o beneficiário praticar atos libidinosos com a vítima (conjunção carnal, sexo anal, sexo oral etc.), devem responder por estupro de vulnerável, tanto ele quanto quem induziu


31

o menor de 14 anos para o ato. Para a segunda corrente, que tem como partidários Guilherme de Souza Nucci (2009) e José Henrique Pierangeli (2010), adotam o artigo 218, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 108), uma exceção pluralística, sendo que o induzidor deverá responder por tal crime mesmo que o beneficiário pratique com a vítima atos libidinosos (conjunção carnal, sexo anal, sexo oral etc.), sendo que apenas este último deverá responder por estupro de vulnerável. Cometida essa conduta, o agente causador poderá ser punido com uma pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. E ainda, existe na tipificação penal a figura da satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente. No caso especifico do artigo 218-A, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 108), o menor de quatorze anos não participa do ato libidinoso, mais presencia o ato para satisfazer a lascívia própria ou de outrem ou pratica o ato libidinoso na presença do menor de 14 (quatorze) anos, conforme redação da norma penal abaixo transcrita: Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

O ato de praticar o ato libidinoso na presença do menor de 14 (quatorze) anos não necessariamente precisa de um parceiro, pois o simples fato de se masturbar já caracteriza o tipo, conforme explica Cleber Masson (2011, p. 73): Nesse caso, o sujeito não induziu o menor de 14 anos a presenciar a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Mas ele sabia que sua relação sexual era assistida pela criança ou adolescente, e ainda assim prosseguiu. E mais: permitiu a presença do menor, como forma de atender sua própria lascívia ou de terceiro.

Tendo em vista a tecnologia avançada dos tempos atuais, não é necessária a presença física do menor, sendo que o simples fato de assistir por meios tecnológicos é suficiente para caracterizar o delito, conforme relata Rogério Greco (2010, p. 540): Com o avanço da tecnologia, principalmente a da internet, nada impede que alguém induza um menor a assistir, via webcam, um casal que se relaciona sexualmente. O casal, a seu turno, também pratica o ato sexual


32

visualizando o menor através do seu computador. Assim, embora à distância, o delito poderia ser perfeitamente praticado.

Nota-se que a execução do delito é caracterizada pelo fato do agente agir com a intenção de satisfazer a lasciva mediante presença do menor de 14 (quatorze) anos. Cometida essa conduta, o agente causador poderá ser punido com uma pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Já em relação à conduta típica do incesto na legislação brasileira, não há nenhuma referência. Entende-se, então, que a eficácia da proibição do incesto dependerá não apenas da força das normas e dos castigos, mas de sua interiorização plena, inconsciente. Por este motivo, segundo Marilena Chauí (2012, p. 13): [...] os estudiosos falam no tabu do incesto, isto é, na transformação do incesto em falta cuja gravidade não pode ser reparada de modo algum, senão pela morte do infrator, porque seu ato põe em risco a vida de um grupo inteiro, de uma sociedade inteira. A peculiaridade do pavor gerado pelo tabu está em que a morte do infrator, na maioria dos casos, não precisa da intervenção física ou direta do grupo, pois o transgressor morre de culpa, medo, isolamento ou loucura.

Assim, sob o ponto de vista jurídico, o incesto não é conduta típica no Brasil, ou seja, um filho manter relações sexuais com sua mãe, ou um pai com sua filha, não constitui crime, se estes envolvidos forem maiores de idade. Marilena Chauí (2012, p. 14) relata e critica ainda a ausência de lei do incesto no Brasil: A atitude do incesto é repugnante e moralmente „nojenta‟, porém nosso legislador silenciou-se a este respeito. Tendo em vista, o princípio de que, se algo não é proibido é permitido, vislumbra-se que o incesto pode ser praticado no Brasil sem reprimenda penal alguma. Considero um absurdo, pois nem o projeto no novo Código Penal que está em tramitação no Congresso Nacional, criminaliza o incesto. Convém lembrar que a justiça existe em função do bem-estar da sociedade e o incesto constitui-se, na realidade, em algo que traz mal-estar a esta mesma sociedade.

E continua a mesmo autora: Será que a sociedade não condena as relações incestuosas ou tem dificuldade de explicitar o problema e lidar com ele, pois o incesto é tratado como segredo e mantido dentro da família? Não penso assim, e peço com urgência aos legisladores a criminalização do incesto como um delito


33

hediondo com penas de até 30 anos de cadeia para quem o praticar em nosso país. Precisamos acabar de vez com este tabu. (CHAUÍ, 2012, p. 15).

Destarte, observa-se que não há legislação própria do incesto no Brasil, mormente deve-se tentar tipificar através de outras normas penais este tipo de conduta, isto quando praticadas com menores, como por exemplo, estupro de vulnerável e satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente.

5.4 Dificuldade de punição do agressor de incesto no ambiente familiar

O incesto não é uma prerrogativa de famílias de baixa renda, sendo possível a sua ocorrência em todos os níveis e classes sociais, porém acontece que as vítimas denunciantes são justamente aquelas de baixa renda e com poucas oportunidades sociais. Como diz Maria Berenice Dias (2009, p. 26): “[...] nas famílias de classe social mais elevada, busca-se por meio de tratamento psicológico, por exemplo, a solução do problema, evitando o acontecimento novamente e seja denunciado”. Ainda continua Maria Berenice Dias (2009, p. 27): “[...] a relação incestuosa na ambiente familiar, é mais aceita por pai, mãe, os quais concordam com a situação, do que uma relação extraconjugal”. Assim, com o segredo, a relação incestuosa é guardada por toda a família, podendo se estender por um longo período de tempo até a denúncia ou a procura de tratamento terapêutico seja providenciado, o que possivelmente só acontecerá diante de uma situação de perigo, como por exemplo, tentativa de suicídio pela vítima. Segundo Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira Guerra (2007, p.42): [...] todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.

E ainda, quando se fala especificamente da violência de natureza incestuosa, conforme entende Cláudio Cohen (1993, p. 212): “[...] se entende também como o abuso sexual intrafamiliar, com ou sem violência explícita, é caracterizado pela


34

estimulação sexual intencional por parte de algum dos membros do grupo que possui um vínculo parental pelo qual lhe é proibido o matrimônio”. Portanto, as características do incesto são: o abuso sexual e o vínculo familiar. (COHEN, 1993). Cohen (1993, p. 213) classifica o incesto com duas modalidades: [...] incesto propriamente dito, quando é perpetrado por membros consanguíneos da família nuclear; parentesco ou incesto secundário quando é perpetrado por pessoas que passam a ter socialmente a função parental, por exemplo, 30padrasto, madrasta, namorado da mãe ou do pai e incesto polimorfo ou „equivalente incestuoso‟ que ocorre nas relações de trabalho ou nos consultórios médicos, onde a pessoa se aproveita do cargo ou função para manter um relacionamento sexual com o seu dependente quer seja criança ou adulto.

Para Dalka C. A. Ferrari (2002, p.56): “[...] as famílias incestuosas são aquelas marcadas pela ausência de limite e pela confusão de papéis familiares”. Continua o mesmo autor: [...] num ambiente onde a ocorrência do incesto faz-se presente, os papéis que são considerados pela sociedade como naturais, podem ser totalmente modificados. A criança, que sofre violência sexual, pode vir a assumir o papel da mãe, realizando os afazeres domésticos, cuidando das crianças menores e mantendo relações sexuais com o pai ou o padrasto.

Dalka C. A. Ferrari (2002, p.42) também explica sobre as confusões de papéis sexuais que trazem enormes prejuízos para a vítima: [...] o adulto que deveria ser sinônimo de proteção se torna fonte de perturbação e ameaça. Não tem com quem contar, não pode comentar o fato e ainda é mobilizada, pela complexidade da relação, a sentir-se culpada. O silêncio, portanto, pode estar associado ao sentimento de culpa, às ameaças feitas, ao vínculo estabelecido na relação.

Pode-se avaliar a ocorrência do incesto podendo ser praticado no silêncio do lar, sendo que o incesto é um crime que possui como característica o segredo, parecendo ser um fato sobre o qual ninguém pode falar, que não se deve discutir. É um fato que todos insistem em não ver, pois ninguém acredita que existe. O abusador normalmente é um bom cidadão, possui boas convicções religiosas, mantém bom relacionamento na sociedade do meio em que vive, tornando difícil de acreditar que praticou o abuso. Ademais, o incesto é um delito cujo início é marcado por uma relação de afeto, um vínculo de confiança. São práticas que começam com gestos gentis,


35

toques e carícias que a vítima recebe de uma pessoa que ela ama, que ela respeita e à qual deve obediência. (DIAS, 2009). Como diz Maria Berenice Dias (2009, p. 14): Todas as pessoas gostam de carinho, principalmente crianças, que não têm como imaginar a intenção de ordem sexual do abusador. A correspondência afetiva e até a excitação e o orgasmo, não podem ser chamados de prazer sexual, pois fruto de estimulação mecânica. Tais ocorrências não podem ser atribuídas à vítima como prova de conivência ou de concordância. Ao contrário, quando tal ocorre o grau de perturbação é ainda maior. Ela considera-se traída não só pelo abusador, mas também por seu próprio corpo. O abusador passa a cobrar o silêncio e a cumplicidade da vítima, colocando em suas mãos a mantença da estrutura da família e a sua própria liberdade. Leva-a a acreditar que a genitora vai ficar com ciúme, pois ele a ama mais do que à mãe, e ninguém vai entender esse amor „especial‟.

A criança, vivendo essa situação de silêncio, acaba sendo abalada tanto em seu lado social, quanto psicológico, gerando medo, aflição, inquietação e fragilidade, ao passo de ser difícil descobrir o que está acontecendo no seio familiar. E sobre a dificuldade de descobrir o crime de incesto, disserta Gita W. Goldenberg (1994, p. 101): Um dos aspectos mais relevantes e polêmicos envolvendo a violência sexual contra a criança consistindo em avaliar a viabilidade ou não da permanência ou do retorno do agressor ou da vítima para a moradia comum. Como avaliar corretamente a situação? Uma das medidas adequadas é ouvir cada membro familiar para saber se é possível e, sobretudo seguro a volta do menor para companhia do agressor bem como a ajuda especializada para a família, além da necessidade de se “pensar na recuperação dos agressores”, uma vez “que agressores de crianças e adolescentes foram quase sempre vítimas de agressão em sua própria infância. A denúncia é muito difícil, pois o crime não é praticado com o uso de violência, e, quando a vítima se dá conta de que se trata de uma prática erótica, simplesmente o crime já se consumou. A vítima é pega de surpresa e surge o questionamento de quando foi que tudo começou, vindo junto à vergonha de contar o que aconteceu, o sentimento de culpa de, quem sabe, ter sido conivente.

Tilman Furniss (1993, p. 31) também relata a respeito: O medo de ser castigada leva à criança ao silêncio e não revela o abuso sexual, que “permanece um segredo de família, até mesmo depois de uma clara revelação, e inclusive quando as ameaças legais e estatutárias há muito tempo já foram removidas; este é o resultado da negação, não da mentira; a mentira relaciona-se ao conceito legal de prova, a negação pertence ao conceito psicológico de crença e assunção da autoria.


36

E Maria Berenice Dias (2009, p. 17), expondo sobre esse problema, afirma que a vítima: [...] teme ser acusada de ter seduzido o agressor, ser questionada de por que não denunciou antes. Assim, cala por medo de ser considerada culpada. Surge, então, o medo de não ser acreditada. Afinal, o agressor é alguém que ela quer bem, que todos querem bem, que a mãe e toda a família amam e respeitam, pois geralmente é um homem honesto e trabalhador, sustenta a família, é benquisto na sociedade e respeitado por todos. Quem daria credibilidade à palavra da vítima?

Visando uma melhor explanação, aborda Heleieth Safiotti (2010, p. 32): O grande drama brasileiro no que tange ao crime, especialmente, aos sexuais, consiste na impunidade. Chega à polícia um percentual muito pequeno dos crimes cometidos contra mulheres e crianças, sobretudo os de natureza sexual. Só uma proporção ínfima destes alcançam os tribunais.

Maria Berenice Dias ainda complementa que (2009, p. 21): A possibilidade de uma relação sexual incestuosa, como é um problema que envolve toda a família, pode levar a sua desestruturação. Torna-se um tema tabu, criando-se uma série de mitos. A existência de um vínculo de convívio, a superioridade do homem, quer por sua maior força física, quer por sua autoridade, somados à cumplicidade da mulher e fragilidade emocional da vítima, são os ingredientes que levam a um pacto de silêncio difícil de se romper. O modo e a vergonha acabam impedindo o seu reconhecimento. A prática sexual incestuosa gera enorme aversão e é repudiada com horror.

Como os abusos sexuais se tornam mais frequentes o agressor começa um processo de ameaça à vítima com medo de que ela o denuncie para as autoridades ou até mesmo para a própria família e nesse processo de ameaça o agressor valese de pressões psicológicas fazendo com que a vítima acredite ser culpada pelas agressões e se mantém em silêncio. Preleciona a renomada Maria Berenice Dias (2009, p. 39) que: Depois vem a fase da ameaça de que ela será levada para uma instituição, que a mãe irá culpá-la e abandoná-la, e ela será a única punida. Também surge a ameaça de que ele ai começar a abusar sexualmente dos irmãos mais moços. Normalmente a filha mais velha se sente responsável pelos irmãos e faz tudo para protegê-los, até porque, como a mãe não soube cuidar dela, não vai cuidar dos outros filhos.

Nota-se que a vítima se sente impotente e sem socorro, satisfazendo aos


37

desejos do agressor e com isso não o denuncia. Em se tratando em caso de aumento de pena para o incesto é apresentado no artigo 226, inciso II, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 184) em suas Disposições Gerais do Título VI, Capítulo I: Art. 226. A pena é aumentada: II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

Observa-se que não há diferenciação de grau de parentesco, todos são punidos de forma igual pelo abuso sexual que praticarem. Preceitua Rogério Greco (2010, p. 260) que: “[...] a relação de parentesco entre vítima e agressor “tem condão de fazer com que a pena seja especialmente aumentada”. Vale ressaltar a natureza hedionda do delito em tela, conforme Lei nº. 8.092/89 (BRASIL, 1989), no qual ocorreu a alteração da redação dos incisos V e VI do seu artigo 1º (BRASIL, 1989, p. 02). O inciso VI (BRASIL, 1989, p. 02) dispunha o atentado violento ao pudor, com a alteração, obtém-se a substituição pelo novo tipo penal estupro de vulnerável, seja e na sua forma simples ou qualificadas, deixando assim claro a existência do crime estupro de vulnerável como crime hediondo, uma vez que a lei o considera de forma expressa. A redação do artigo 217-A caput (BRASIL, 1941, p. 109) é objetiva ao tutelar como sujeito passivo do crime qualquer pessoa menor de 14 anos, sem a necessidade do consentimento ou que em seu “histórico de vida” conste frequente prática de ato sexual. O objetivo primordial do legislador é demonstrar a gravidade da questão, uma vez, que envolve a prática sexual com crianças e adolescentes que ainda estão em formação justificando a classificação na lei de crimes hediondos pela repulsa e indignação que é causada necessitando assim de uma punição com a severidade da própria lei. Nesse sentido leciona Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 35): Uniu-se no art. 217 – A o contexto dos atos sexuais, abrangendo tanto a conjunção carnal (cópula pênis-vagina), quanto outros atos libidinosos, nos mesmo moldes já realizados com o estupro (artigo 213). Elevou-se a pena


38

para reclusão, de oito a quinze anos. Nesse caso, resolve-se mais um problema, consistente na incidência do aumento determinado pelo artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, quando fosse aplicável o artigo 224 do Código Penal. A antiga discussão está superada. O estupro de vulnerável recebe pena autônoma e superior ao estupro comum.

Nesse entendimento, o Ministério Público oferecerá a denúncia nos termos do artigo 217-A do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 112) em se tratando de menor de 14 anos ou que por motivo não possuem o necessário discernimento para a prática do ato sexual. Compete ao Conselho Tutelar receber, qualquer caso que envolva ameaça ou violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, além dos casos de suspeita

ou

confirmação

de

maus-tratos

praticados

contra

a

sociedade,

necessitando urgência na criação e instalação, em todos os municípios, “para a efetivação da política de atendimento à criança e ao adolescente, tendo em vista assegurar-lhes os direitos básicos, em prol da formação de sua cidadania” (CARVALHO, 1992).


39

6 CONCLUSÃO

O incesto é definido como abuso sexual no seio familiar, existindo uma consanguinidade ou não entre vítima e o agressor, possuindo como principal característica o vínculo familiar existente. Importante ressaltar que a legislação brasileira enquadra tal conduta ao tipo penal do artigo 217-A do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 109). O estupro vulnerável nos crimes de pedofilia é também punido na forma do artigo 226, inciso II, do Código Penal (BRASIL, 1940, p. 112). Com efeito, vulneráveis são os menores de 14 anos ou alguém, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem devido discernimento para a prática da relação sexual, ou por qualquer outra causa não pode oferecer resistência. Na legislação alemã e italiana o abuso sexual de criança intrafamiliar caracteriza-se como tipo penal próprio. Na legislação francesa o incesto é somente caso de aumento de pena. O abuso sexual de crianças no seio familiar causa um imenso trauma aos envolvidos, vítima e familiares, ao passo que quando é denunciando, a família se desestrutura, pois o agressor caso seja condenado é preso, e a vítima dependendo da situação é levada para um abrigo. Nesse contexto, há uma dificuldade da vítima para denunciar o agressor, que é feito um pacto de silêncio. Esse pacto acontece pelo medo das ameaças feitas pelo agressor se concretizarem e muitas das vezes a vítima é desacreditada, e assim o agressor segue impune e os abusos continuam. Põe-se diante de um fato grave, pois agressor e vítima são do seio familiar existindo assim um vínculo afetivo entre eles, então a vítima tem dificuldade de se manifestar diante do abuso. Assim, se não fosse à dificuldade de se punir o agressor pela prática incestuosa, seria a vítima. A Constituição Federal (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) prelecionam a respeito da proteção da família e a inviabilidade da integridade física da criança e do adolescente. A violência sexual intrafamiliar é grave, merece uma devida atenção, pois,


40

põe em questão o conceito de família está prejudicado. A sociedade fica em perigo quando aceita com normalidade a prática de ato sexual contra crianças e adolescentes. A defesa a dignidade no âmbito sexual em relação a essas vítimas deve ser tratada de maneira especial pelo Estado. A legislação inovou acertadamente, mas nada adianta ter uma leis de primeiro mundo se na prática é de terceiro mundo.


41

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 2007. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. BIERRENBACH, Sheila. Crimes omissivos impróprios. Rio de janeiro: Del Rey, 2001. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. In: Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 abr. 2015. BRASIL. Decreto-lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940, que institui o Código Penal. In: Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 mar. 2015. BRASIL. Lei nº. 12.015, de 07 de agosto de 2009, que altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1º da Lei nº. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a Lei nº. 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. In: Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 abr. 2015. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 10 abr. 2015.

In:

STJ.

Disponível

em:

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011. CARVALHO, Rose Mary de. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 1992. CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual essa nossa (des)conhecida. In: Scribd. 2012. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/79324937/Marilena-Chaui-RepressaoSexual-essa-nossa-des-conhecida#scribd>. Acesso em: 24 abr. 2015. COHEN, Cláudio. O Incesto. Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. COSTANZE, Bueno. Código Penal Italiano. In: Bueno Costanze. 2009. Disponível em: <http://buenoecostanze.adv.br/index.php?option=com_remository&Itemid=69&func= startdow>. Acesso: 20 abr. 2015.


42

CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte especial. São Paulo: RT, 2010. v. III. DIAS, Maria Berenice. A Justiça e a invisibilidade do incesto. Brasília: Conteúdo Jurídico, 2009. DIAS, Maria Berenice. A Justiça e a invisibilidade do incesto. Brasília: Conteúdo Jurídico, 2009. FERRARI, Dalka C. A. O Fim do Silêncio na Violência Familiar: teoria e prática. São Paulo: Agora, 2002. FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar, manejo, terapia e intervenção legal integrada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. GOLDENBERG, Gita W. Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1994. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Niterói: Impetus, 2010. HUNGRIA, Nelson apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: 1956, v. III. LEAL, João José Leal; LEAL, Rodrigo. Novo tipo penal de estupro contra pessoa vulnerável. In: Jus Navegandi. 2009. Disponível em: <http//:jus.com.br/revista/texto/13480/novo-tipo-penal-de-estupro-contra-pessoavulnerávelávelixzz2NM8fjltg>. Acesso em: 24 abr. 2015. LÉVI-STRAUSS, Claude. As Estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982. MASSON, Cleber. Direito Penal: parte especial. São Paulo: Método, 2011. MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. São Paulo: RT, 2009. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. SAFIOTTI, Heleieth. Incesto e abuso incestuoso. São Paulo: Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude, 2010.


43

TAVARES, Juarez. Código Penal Alemão. In: Juarez Tavares. 2009. Disponível em: <http://www.juareztavares.com/textos/leis/cp_de_es.pdf>. Acesso em 20 abr. 2015. TAVARES, Juarez. Código Penal Francês. In: Juarez Tavares. 2009. Disponível em: <http://www.juareztavares.com/textos/leis/cp_de_es.pdf>. Acesso em 20 abr. 2015. ZAFARONI, Raul. Tratado de derecho penal. Buenos Aires: Ediar, 1980, v. III.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.