UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE ESCOLA DE TEATRO E DANÇA CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM TEATRO
KAUAN AMORA NUNES
Os trânsitos do armário: Um estudo cartográfico de um teatro queer da cidade de Belém do Pará
BELÉM – PARÁ 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE ESCOLA DE TEATRO E DANÇA CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM TEATRO
KAUAN AMORA NUNES
Os trânsitos do armário: Um estudo cartográfico do teatro queer da cidade de Belém do Pará
Monografia apresentada à Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado Pleno em Teatro. Orientadora: Profª Drª Wladilene de Sousa Lima
BELÉM – PARÁ 2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca do ICA/UFPA, Belém-PA
Nunes, Kauan Amora Os trânsitos do armário: um estudo cartográfico do teatro queer da cidade de Belém do Pará / Kauan Amora Nunes; orientadora Profª Drª Wladilene de Sousa Lima. 2013. Monografia de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Dança) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências da Arte, Escola de Teatro e Dança, Curso Licenciatura Plena em Dança, 2013. 1. Teatro - Belém (PA). 2. Teatro Queer. 3. Cartografia do Teatro Paraense. 4. Performance. I. Título. CDD - 22. ed. 793.3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE ESCOLA DE TEATRO E DANÇA CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM TEATRO
KAUAN AMORA NUNES
OS TRÂNSITOS DO ARMÁRIO: Um estudo cartográfico de um teatro queer em Belém do Pará
Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de “Licenciado Pleno em Teatro”, e aprovada em sua forma final pela Universidade Federal do Pará.
Data: __/__/__ Conceito: ___________
Profª Drª Wladilene de Sousa Lima Orientadora - Escola de Teatro e Dança - ICA/UFPA
Profª Drº José Afonso Medeiros Souza Examinador Convidado - ICA/UFPA
Profª Drº Agenor Sarraf Pacheco Examinador Convidado – ICA/UFPA
BELÉM 2013
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Monografia por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde que mantida a referência autoral. As imagens contidas nesta
Monografia, por serem
pertencentes a acervo privado, só poderão ser reproduzidas com expressa autorização dos detentores do direito de reprodução. Assinatura: ________________________________________ Belém (PA), _______________________________________
Para minha m茫e e meu pai Meus her贸is.
AGRADECIMENTOS
- À Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA). - À Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA), minha segunda casa. - A todo o Corpo Docente da ETDUFPA por todo apoio, por todos os ensinamentos e livros emprestados desde o momento em que me tornei aluno desta Escola. - Aos meus amigos de turma, por compartilhar durante esses quatro anos tantas vivências e experiências teatrais e pessoais. - Aos atores do elenco do espetáculo Ao vosso Ventre. - Aos meus queridos amigos. - À Ana Gama Santos, tão querida profissional da ETDUFPA por toda dedicação. - Ao Professor Max, pela ajuda e revisão na realização do ABSTRACT. - À minha orientadora, professora, diretora e amiga Wlad Lima, por toda atenção e generosidade, por sempre ouvir atentamente a todas as minhas dúvidas artísticas e pessoais. - Aos professores Afonso Medeiros e Agenor Sarraf pela disponibilidade e generosidade em fazer parte de minha banca examinadora. - Aos meus tão queridos e amados pais, por me ensinarem o que é certo e errado e por me amarem tanto. - Ao meu cachorro Freddie, tão fiel, por estar sempre do meu lado, dormindo com a cabeça em meu pescoço.
RESUMO Esta monografia apresenta uma cartografia do armário, onde cinco espetáculos teatrais são analisados sob a ótica de diversas áreas do conhecimento, espetáculos que a partir da década de 1980 transformaram a homossexualidade em discussão cênica na cidade de Belém, em busca de uma cena crítica e política, promovendo um diálogo com a cidade e seus sujeitos. O objetivo deste estudo cartográfico é identificar o processo pelo qual a homossexualidade é discutida no teatro paraense, compreendendo sua trajetória, seu trânsito, podendo-se configurar assim, a existência de um teatro queer paraense, que busca discutir a existência de corpos e identidades marginalizadas pela sociedade. Além de estudiosos queer, como Judith Butler, outros principais referenciais teóricos desta pesquisa são os pensamentos filosóficos dos franceses Deleuze e Guattari, mais especificamente o conceito de rizoma e transversalidade. Esta pesquisa pode ser considerada o primeiro passo em busca das dobras do teatro queer paraense. Palavras-chave: Teoria Queer. Teatro Paraense. Teatro Queer.
ABSTRACT
This monograph presents a closet mapping where five theater performances are analyzed from the perspective of various areas of knowledge. Those shows, since the 1980s, changed homosexuality into a scenic debate in the city of Bethlehem in search of a critical and political scene, thus promoting a dialogue with the city and its subjects. The purpose of this map-making study is to identify the process whereby homosexuality is discussed in Paraense theater including its history and transit that can lead to the configuration of a Paraense queer theater which tries to discuss the existence of bodies and identities marginalized by society. Besides queer scholars like Judith Butler, other major theoretical frameworks of this research are the philosophical thoughts of the Frenchmen Deleuze and Guattari, more specifically concerned to the concept of rhizome and transversality. This research can be considered the first step in search of queer theater folds of Parรก.
Keywords: Queer Theory. Theatre Paraense. Queer Theatre.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES P. Figura 1 – Cartazes da Trilogia Marginal .............................................................................. 37 Figura 2 – Cena de Jogos Masculinos de Ternura e Dor ....................................................... 42 Figura 3 – Cena da mulher-mãe em Jogos Masculinos de Ternura e Dor ............................. 44 Figura 4 – Cena do homem-filho em Jogos Masculinos de Ternura e Dor ........................... 44 Figura 5 – Os músicos de Maravilhosa Orlando .................................................................... 46 Figura 6 – Cristo de Paixão Barata e Madalenas ................................................................... 48 Figura 7 – Elenco em cena de Paixão Barata e Madalenas ................................................... 51 Figura 8 – Cena de Ao Vosso Ventre e Pietá .......................................................................... 53 Figura 9 – Mãe, pai e filho em Ao Vosso Ventre .................................................................... 55 Figura 10 – Mãe imobilizada e A coluna quebrada ................................................................ 55 Figura 11 – A revelação do filho em Ao Vosso Ventre ........................................................... 56 Figura 12 – O Gráfico transversal ........................................................................................... 58
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 07 2. O TRAJETO QUE ORIGINOU OS ESTUDOS QUEER NO SÉCULO XX............... 14 2.1. ESTUDOS QUE ABREM ALAS À TEORIA QUEER............................................... 14 2.1.1 Dos Estudos Culturais........................................................................................... 14 2.1.2 Dos Estudos Pós-Coloniais................................................................................... 19 2.1.3 Da Teoria Queer.................................................................................................... 24 2.2. A TEORIA QUEER E OS ESTUDOS TEATRAIS.................................................... 32
3. COISAS QUE VOCÊ PODE DIZER SÓ DE OLHAR PARA ELES: A LEITURA DAS ENCENAÇÕES QUEER ............................................................................................. 35 3.1. REALIDADE ARTÍSTICA DA CIDADE DE BELÉM NOS ANOS 80.................... 35 3.2. ABRINDO AS PORTAS: TEATRO NOS TEMPOS DE BARATA.......................... 36 3.3. ABRINDO UMA GAVETA: JOGOS MASCULINOS DE TERNURA E DOR....... 41 3.4. NA PRATELEIRA: MARAVILHOSA ORLANDO................................................... 45 3.5. UM MALEIRO DE LEMBRANÇAS: PAIXÃO BARATA E MADALENAS......... 48 3.6. O CABIDEIRO DE ROUPAS DA FAMÍLIA: AO VOSSO VENTRE...................... 53
4. OS TRÂNSITOS DO ARMÁRIO: UM PROCESSO INACABADO .......................... 57 4.1. O PENSAMENTO RIZOMÁTICO DE DELEUZE E GUATTARI........................... 57 4.2.
OS
ESPETÁCULOS
TEATRAIS
QUEER
E
SEUS
RESPECTIVOS
ENCENADORES................................................................................................................ 60 4.3. COMO A HOMOSSEXUALIDADE VEM SENDO DISCUTIDA AO LONGO DOS ANOS NA CENA TEATRAL PARAENSE?..................................................................... 61 4.3.1 A Cartografia como Ponto de Ruptura: Suas Semelhanças com a Abordagem Genealógica de Foucault e sua Relevância nas Pesquisas em Artes em Belém do Pará............................................................................................................................... 63 4.3.2 O que deve ter de tão queer no Teatro Queer?................................................... 64
5. ASPECTOS CONCLUSIVOS.......................................................................................... 67
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 69
1. INTRODUÇÃO
Agora, vivo entretido com as teorias a explicarem meu gosto por odores específicos, certa distribuição de pelos nas pernas alheias, os cabelos na nuca e no peito sem seios, ainda que aprecie certas glândulas mamárias de moços e rapazes com aquela dose saudabilíssima aos meus olhos de hipertrofia. (Ricardo Domeneck)
É muito difícil olhar para trás e tentar relembrar de forma organizada e cronológica todos os passos que dei e as decisões que tive de tomar para realizar esta pesquisa, já que a desenvolvo há algum tempo, com extrema paixão e dedicação. Então, ao longo deste texto, reviveremos, eu e você leitor, que ao se defrontar com minhas palavras terá também a chance de conhecer minha trajetória – algumas de minhas experiências de amor para com esta monografia. O primeiro contato que tive com pesquisas acadêmicas foi na disciplina de Metodologia de Pesquisa em Artes, ofertada pelo curso de Licenciatura Plena em Teatro da UFPA, ministrada pela Profª Drª Wladilene de Sousa Lima1, em 2010. Tínhamos que escolher um objeto de pesquisa para desenvolver um pré-projeto de TCC. Meu tema escolhido foi a homossexualidade na cena teatral paraense. Desde então, a pesquisa sofreu as alterações necessárias para seu aperfeiçoamento, mas seu cerne, sua intenção, continua exatamente a mesma. 1
Wladilene de Sousa Lima, artisticamente conhecida como Wlad Lima, é artista-pesquisadora, atriz, diretora e cenógrafa de teatro na cidade de Belém do Pará. Possui graduação em Ciências Sociais pela UNAMA - União das Escolas Superiores do Pará, mestrado e doutorado em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia PPGAC/UFBA. Atualmente, na Universidade Federal do Pará, é professora no curso técnico de formação de ator, na graduaçao em dança e em teatro, na especialização em Estudos Contemporâneos do Corpo e no mestrado em Artes e Cultura do Programa de Pós-graduação em Artes PPGArtes - do Instituto de Ci6encias da Arte ICA. Coordenadora do Projeto de Extensão Rede Teatro d@ Floresta da Etdufpa. Administradora da Rede Teatro d@ Floresta, disponível na internet pelo link http://redeteatrodafloresta.ning.com/ Coordenadora do Projeto de Pesquisa Uma Cartografia Epistemológica da produção científica do PPGArtes\ICA\UFPA pelo Grupo de Pesquisa PACA Pesquisadores em Artes Cênicas na Amazônia. Na categoria artística atua como presidente d`A TRAMA Associação de Teatro e Dança da Amazônia, diretora artística da Dramática Cia., criadora e administradora do Teatro Porão Puta Merda, artistaarticuladora do Fórum Permanente de Teatro do Estado do Pará e membro do Colegiado Setorial de Teatro do MinC (2010/2012) representando a Região Norte. Tem experiência na área de Formação de Ator, com ênfase na concepção de Ator-criador e Encenação e Memória com ênfase na formação de Jovens encenadores e construção de Netcenas (Diários de Bordo Virtuais e Wikis), atuando principalmente sobre os seguintes temas: matrizes de encenação, processos de criação, cartografias poéticas, dramaturgia pessoal do ator, histórias de vida em cena e DrãoTerapia - A Dimensão Libertária do Teatro.
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A partir desta primeira ação, venho realizando trabalhos artísticos relacionados com a sexualidade e meus amigos e colegas de cena, sempre curiosos, me questionam o motivo pelo qual meus trabalhos são todos voltados para esta temática. Mas o fato é que eu descobri que posso trabalhar o teatro como ferramenta para discutir a homossexualidade, tornando ambos mais presentes e acessíveis para a comunidade de Belém e assim legitimar o discurso das diferenças e provocar transformações, mesmo que pequenas, na forma de pensar do coletivo. A minha intenção nesta monografia não é de acabar com a homofobia, tão pouco de “sair do armário” para quem quer que seja, mas apenas de discursar sobre um tema que me comove tanto e de provocar reflexões. Esta monografia tem ordem quase terapêutica, nela contém muito amor, mas muita raiva também. É um momento de sublimação e transformação de meus impulsos. A Teoria Queer foi um momento de ruptura nos estudos de gênero e sexualidade contemporâneos, como veremos na seção seguinte, penso que como tal, minha escrita assumirá essa ruptura para si. Nela, eu quebro algumas convenções, assim como alguns estudiosos queer o fazem – como Judith Butler – assumindo as críticas e questionamentos que possam se seguir. Levo em consideração que ainda não sou um intelectual no nível de Butler, mas assumo esta proposta de que um dia possa me tornar, portanto correrei esses riscos. Sou brasileiro, nascido no Estado do Pará, tenho 22 anos, aluno do curso de Teatro e sou homossexual. Os amigos mais próximos têm ciência de minha orientação sexual, mas minha família, especialmente meu pai e minha mãe, ainda não sabem ou não querem saber. Quando comecei a frequentar cursos e oficinas de teatro a partir dos meus 14 anos, ouvi de alguns amigos e até mesmo de pessoas da minha família, o comum comentário preconceituoso que se estendem a todos aqueles que estudam teatro: “Todo menino que faz teatro é gay”. Sendo assim, esta pesquisa pode até reafirmar este pensamento homofóbico, mas nela, precisa ficar claro que, por trás de toda essa marginalização dos artistas pela sociedade, existem pessoas politicamente engajadas que dedicam suas vidas na tentativa de tornar a população mais consciente e de fazer com que elas vejam que existe um movimento que fala sobre o que ninguém mais ousa falar. Portanto, esta pesquisa quer se tornar uma forma de conscientizá-los dessa realidade, ajudando-os a “sair do armário”. Recorro a este jargão popular “sair do armário” para definir o status da minha orientação sexual nesta pesquisa, bem como, adotá-lo como traço determinante de minha metodologia de pesquisa – a cartografia – tornando assim uma cartografia do armário, baseado no artigo Proposições e pistas cartográficas nos estudos de gêneros e das 8
sexualidades (2010), de Daniel Kerry dos Santos2. Este autor constrói o que ele chama de método de Cartografias do Armário. Seu estudo consiste em analisar o processo pelo qual homens homossexuais regulam sua sexualidade em frente à homofobia presente na cidade interiorana Assis – SP. Para melhor filiar-me a este método explico o conceito de armário e logo em seguida o de cartografia, para assim compreender como os dois poderão me ajudar para o desenvolvimento de minha pesquisa. “Armário” é um termo popular emblemático e metafórico para traduzir a realidade dos homossexuais na sociedade contemporânea. Ou você vive fora do “armário” (homossexuais assumidos) ou você vive dentro dele (homossexuais não assumidos). Como é possível perceber, o “armário” opera em binarismos: privado-público; dentro-fora; segredo-revelação. O homossexual pode ter livre trânsito neste “armário”, acredito que ele apesar de ter lados opostos tão bem definidos entre o que é público e o que é privado, ainda é bem flexível dando liberdade de acesso conforme a vontade e necessidade do sujeito, sendo que transitar entre o “ser ou não ser” nem sempre é uma experiência confortável, já que este trânsito nem sempre acontece por caprichos, ele se dá por muitas vezes pela opressão que os homossexuais sofrem em negar seu comportamento sexual. Mesmo num nível individual, até entre as pessoas assumidamente gays há pouquíssimas que não estejam no armário com alguém que seja pessoal, econômica ou institucionalmente importante para elas. [...] Cada encontro com uma nova turma de estudantes, para não falar de um novo chefe, assistente social, gerente de banco, senhorio, médico, constrói novos armários cujas leis características de ótica e física exigem, pelo menos da parte de pessoas gays, novos levantamentos, novos cálculos, novos esquemas e demandas de sigilo ou exposição. (SEDGWICK, 1993, p. 46)
O “Armário” é um dispositivo de regulação da vida sexual humana, tanto para heterossexuais quanto (principalmente) para homossexuais. As pessoas são moldadas dentro desses discursos rígidos e contraditórios para serem consideradas “normais”, e aqueles que fogem disto ganham a alcunha de “anormais”, portanto destinados a viverem trancados dentro
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Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Área: Práticas Sociais e Constituição do Sujeito / Linha: Gênero, Gerações e Diversidades. Mestre pela mesma universidade e Psicólogo (CRP-12/11122), Bacharel e Licenciado em Psicologia pela Unesp - Universidade Estadual Paulista. Membro dos núcleos de pesquisa Margens - Modos de vida, Família e Relações de Gênero (UFSC) e GEPS - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidades (Unesp/Assis). Tem experiência na área de Psicologia, onde desenvolve trabalhos principalmente na área de Psicologia Social. Interessa-se pelos seguintes temas: corpo, subjetivação, constituição do sujeito, práticas sociais, modos de vida, homossexualidades, homofobia, estéticas da existência, envelhecimento, prostituição, Estudos de Gênero, Teorias Feministas, Estudos Queer e Dispositivos Clínicos.
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deste “armário” que segrega e mata. Assim, o “armário” também é uma forma de manutenção da homofobia. O termo “Armário” foi apropriado pelos estudos queer e principalmente pela poetisa e crítica literária Eve Sedgwick3 no seu livro A Epistemologia do Armário, que segundo ela, essa epistemologia “também tem sido produtora incansável da cultura e história do ocidente como um todo” (Idem, p. 47). Pensar “cartografia” como metodologia é suspender noções clássicas a respeito de método e epistemologia da ciência, de acordo com Santos e Filho (2010, p.1). Segundo as correntes indutivistas e experimentais existe uma dicotomia entre sujeito e objeto, onde este sujeito – considerado kantiano – apropria-se de regras e técnicas de produção do conhecimento, para então aplicá-las em sua pesquisa e revelar assim uma verdade rígida e imutável sobre tal objeto. Nas correntes relativistas, o foco é relativizar o sujeito e suas verdades, buscando certa reforma na ciência, de modo que a verdade ainda exerça sua posição privilegiada na produção do saber. Enquanto isso, as correntes perspectivistas representam uma absoluta ruptura e “não tentam substituir uma verdade por outra ‘melhor’ ou ‘mais objetiva’, mas colocam-se no jogo do discurso como visada histórica possível entre outras” (PRADO-FILHO, 2006, p. 29). Foucault e Nietzsche, segundo Prado-Filho, lançaram um pensamento contra epistemológico tradicional que visava problematizar regimes rígidos de verdade e relações de poder em pesquisas científicas. Segundo Santos e Filho, é nesta linha com olhar perspectivista que podemos situar a cartografia, um dos princípios que constituem o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari. Na metodologia, a cartografia mais do que separar sujeito de objeto, ela considera os dois como categorias transcendentais, como afirmam Santos e Filho (2010, p. 2), sendo assim ela tira o sujeito do centro da pesquisa, o desierarquiza, como propõem Passos e Benevides (2009, p. 17), “a diretriz cartográfica se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do processo do pesquisador sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados”. Ou seja, podemos considerar que em uma pesquisa cartográfica sobre sexualidades e subjetividades é muito mais interessante acompanhar os processos pelos quais subjetividades são construídas em sujeitos do que procurar resultados sobre elas.
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Foi uma teórica norte-americana cujo suas obras foram de fundamental importância para os estudos de gênero, Teoria Queer e Teoria Crítica. Sua obra Epistemologia do Armário é conhecida internacionalmente como uma das obras de mais influências para os estudos e estudiosos queer.
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Sendo assim, esta pesquisa utiliza como metodologia a Cartografia do “Armário” e busca se concentrar no trajeto do teatro que discute homossexualidade, na cidade de Belém a partir da década de 80. Ouso chamá-lo de teatro queer paraense. Segundo o autor Antônio Raimundo dos Santos em seu livro Metodologia Científica: a construção do conhecimento existem três critérios para identificar a metodologia das etapas das pesquisas, para maior e melhor compreensão na leitura feita por terceiros. São eles: segundo os objetivos, segundo as fontes utilizadas nas coletas de dados e segundo os procedimentos de coleta. Esta pesquisa, segundo o objetivo, pode ser considerada como pesquisa analítica “já que visa aprofundar o conhecimento da realidade para além das primeiras aparências. E, por natureza, envolve o pesquisador num nível também mais elevado de responsabilidade com resultados obtidos” (SANTOS, 2007, p. 29). Enquanto que, segundo as fontes de dados, a pesquisa pode ser considerada pesquisa de campo, já que o eu-pesquisador se preocupa em obter as informações necessárias acerca do teatro que discute homossexualidade a partir da década de 80 na cidade de Belém diretamente com as pessoas que participaram dele e fizeram ou ainda fazem-no acontecer. Por último, segundo os procedimentos de coletas de dados, a pesquisa é de levantamento, que é dividida em três etapas, de acordo com Antônio Raimundo dos Santos: “seleciona-se uma amostra significativa, aplicam-se questionários ou formulários, ou entrevistam-se diretamente os indivíduos; os dados são então tabulados e analisados quantitativamente” (2007, p. 31). A entrevista se revela um importante e necessário instrumento para a realização da pesquisa, já que “é o procedimento mais usual no trabalho de campo” (ROCHA; DAHER; SANT’ANNA, 2004, p. 164). Os diversos gêneros e contextos de entrevistas não são constantemente teorizados e conceitualizados, o que gera uma não-problematização da utilidade da própria dentro de pesquisas acadêmicas: Desde já fica claro que a diversidade de funções e de objetivos perseguidos por cada modalidade de entrevista – divertir, informar, entreter o público, avaliar – impede-nos de buscar algum tipo de identidade estável que funcione como ponto de interseção de suas diferentes manifestações. Por essa razão, entendemos como necessário refletir sobre o modo singular como a entrevista se atualiza em um contexto particular: o contexto da pesquisa acadêmica. (ROCHA; DAHER; SANT’ANNA, 2004, p. 163).
Nesta pesquisa, compreendo as entrevistas como dispositivos necessários para a coleta das informações e opiniões sobre meu objeto de estudo. Na entrevista: 11
... o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista (...). A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. (LAKATOS; MARCONI, 1994, p. 195).
Logo considero o tipo de entrevista desta pesquisa como entrevista semi-estruturada. Sobre isso podemos afirmar que: Combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. (BONI; QUARESMA, 2005, p. 75)
Ao longo dos anos o fazer teatral sobre este tema, ainda tão delicado, tem sido tratado pelos grupos da cidade, com correspondência do público (artístico e não artístico), como uma espécie de processo de saída do “armário” deste fazer artístico. Minha preocupação e foco nesta pesquisa estão mais no processo artístico e histórico pelo qual os espetáculos queer caminharam e caminham até hoje na cidade de Belém do que nos resultados dessas apresentações desses espetáculos teatrais, embora eu não anule a relevância da análise dos discursos levantados por seus encenadores. Daí, a necessidade de se trabalhar com o princípio da cartografia, entendendo o tema como rizomático, isto é, conectado com vários aspectos responsáveis pela subjetivação de cada pessoa, articulando diferentes matérias, inventando singularidades. Os questionamentos que tento sanar com esta pesquisa são: como a homossexualidade vem sendo discutida ao longo dos anos na cena teatral paraense? Qual é essa trajetória? Uma hipótese a ser investigada é a quantidade considerável de obras cênicas que abordam a questão, podendo-se configurar assim, a existência de um teatro-queer paraense. Uma das diferenças da Teoria Queer para os estudos sociológicos de gays e lésbicas é que ela se propõe a ser muito mais do que do que um estudo sobre gays e lésbicas. Seu foco também é na heterossexualidade e como ela tem o poder de marginalizar as práticas sexuais não hegemônicas. É correto dizer que a Teoria Queer não estuda somente os homossexuais,
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mas a forma como nós (re) estruturamos a sociedade contemporânea, “ameaçando” assim a heterossexualidade como sexualidade reinante e universal e suas normas para a legitimação. É obedecendo este pensamento que me permito denominar os espetáculos cuja esta pesquisa se debruça a estudar, como advindos de um teatro-queer, já que eles seguem a mesma ideologia deste pensamento queer. Caracterizá-los dentro de um subgênero como o “gay drama” que se permite discutir homossexualidade somente para homossexuais, seria enquadrá-los dentro de um segmento extremamente minorizante e reducionista. A intenção dessa cartografia não é apenas concluir se hoje é mais permitido falar sobre homossexualidade do que há algumas décadas atrás, mas também perceber como esse fazer artístico específico se alterou ao longo dos anos, de acordo com diferentes grupos teatrais, encenadores e contextos sociais. Finalizo esta introdução, após esta breve enunciação teórica, apresentando a estrutura do meu texto e como as próximas seções comportam a investigação. A seção dois é dedicada ao percurso da Teoria queer. Desde os Estudos Culturais na década de 1950, passando pelos Estudos Pós-Coloniais e Saberes Subalternos, resguardando o fato de que existe uma linha tênue que separa essas teorias e que por vezes ela desaparece, fazendo surgir uma miscelânea de estudos, tento mostrar de que forma todas estas teorias influenciaram direta ou indiretamente na existência do que conhecemos hoje como estudos queer. A seção três é responsável pela reflexão teórica de cinco espetáculos escolhidos. Farei uma análise da encenação de cada espetáculo aliada a uma área do saber. Esses espetáculos são: A trilogia do amor (Posição pela carne, Genet – O Palhaço de Deus e Em nome do amor), Jogos Masculinos de Ternura e Dor, Maravilhosa Orlando, Paixão Barata e Madalenas e Ao Vosso Ventre. Esse breve panorama foi construído através de entrevistas com encenadores que trabalharam diretamente com o tema. Na seção quatro busco responder os questionamentos levantados por esta pesquisa, através de um gráfico que apresenta todos os 16 espetáculos mapeados como espetáculos queer, dialogando com o que Guattari chama de transversalidade, conceito criado pelo filósofo ainda na década de 1960. A partir de agora subverterei o significado e abrirei as portas deste armário que se quer tão transgressor e problematizador, e revelarei cada compartimento detalhadamente para que possamos juntos nos conscientizar de uma realidade artística e sexual.
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2. O TRAJETO QUE ORIGINOU OS ESTUDOS QUEER NO SÉCULO XX Nesta seção discorrerei acerca das matrizes de estudos do século XX que de certa forma influenciaram na origem da Teoria Queer. Levando em conta seu estudo complexo e sua posição crítica em relação a sociedade hegemônica, os estudos queer nasceram a partir de várias áreas do conhecimento, por vários estudiosos ao redor do mundo e seria mais complexo ainda estuda-la (como pretendo fazer nesta seção) sem compreender os fatores existentes anteriores a ela. De acordo com Richard Miskolci4: “originados, de uma forma ou de outra, a partir dos Estudos Culturais, a Teoria Queer e os Estudos Pós-Coloniais, são parte de um conjunto que podemos chamar de Teorias Subalternas.” (MISKOLCI, 2009, p. 8, grifos meus) A partir deste trecho extraído do texto A Teoria Queer e a questão das diferenças: por uma analítica da normalização, de Richard Miskolci, temos a citação de pelo menos três teorias de estudos que direta ou indiretamente influenciaram na existência do que conhecemos hoje como estudos queer. Ao longo do texto, analisarei cada uma por ordem cronológica, para perceber a importância que essas teorias têm dentro dos estudos de sexualidade e gêneros modernos. Para então, seguir o trajeto da Teoria Queer em estudos teatrais realizados no Brasil. 2.1 – ESTUDOS QUE ABREM ALAS À TEORIA QUEER 2.1.1 – Dos Estudos Culturais Os Estudos Culturais se originaram a partir da fundação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, por Richard Hoggart5, na Inglaterra, no ano de 1964. Esses estudos contemporâneos focavam suas pesquisas na análise de culturas urbanas, especialmente as “subculturas”. Seu objetivo era de problematizar os estudos elitizados de desigualdades sociais tradicionalmente conhecidos e desierarquizá-los, usando para isso as formas, instituições e práticas culturais de grupos estigmatizados pela sociedade hegemônica. Essa necessidade de estudar as identidades subalternizadas surgiu a partir do momento em que o sujeito dessas identidades começou a se modificar e se desdobrar de uma maneira tão 4
Professor Associado do Departamento de Sociologia da UFSCar. Coordena o grupo de pesquisa Corpo, Identidades e Subjetivações (www.ufscar.br/cis) e orienta estudos sobre sexualidade, gênero e Teoria Queer. 5 Pai dos Estudos Culturais. Nasceu em 1918. Sua obra mais importante The Uses of Literacy ainda não foi traduzida para o Brasil.
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grande que se tornou inviável continuar ignorando a existência e importância dessas formas, práticas e grupos culturais subalternizados. Existem três concepções diferentes da identidade desses sujeitos que ajudam a compreender a sua trajetória de mudança ao longo dos tempos. Desde o sujeito do Iluminismo, dotado de um poder racional, que era consciente e pensador. Esse sujeito possuía apenas um centro interior que se desenvolvia com ele ao longo de sua vida e permanecia o mesmo até o momento de sua morte. A ideia de um sujeito imutável. Enquanto que o sujeito sociológico serve como uma passagem para o sujeito pós-moderno. O sujeito sociológico era visto sem autossuficiência, para compreendê-lo era necessário analisar suas relações, já que individualmente este se tornava inútil. As pessoas e a cultura ao redor dele é que vão significa-lo. Como já citado, o sujeito na pós-modernidade é possuidor não só de uma identidade, mas de várias, sendo elas contraditórias e não resolvidas, por vezes. Ele assume várias identidades em diferentes momentos de sua vida. É o sujeito cindido e fragmentado que cria relações que se dissolvem na pós-modernidade. Tudo está em estado de ebulição. Como afirma Stuart Hall6: “O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificadora e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas” (HALL, 2006, p. 12). Sobre a origem dos Estudos Culturais. Mattelart e Neveu, citados por Miskolci, argumentam: Sua origem remonta às mudanças profundas de meados do século XX, quando problemáticas surgidas fora da academia e, muitas vezes, em confronto com a dinâmica institucional que passara a reger as disciplinas, foram reconhecidas pelos Estudos Culturais britânicos com sua refutação das distinções hierárquicas que distinguiam cultura erudita e popular e ênfase na experiência dos grupos sociais historicamente subalternizados e explorados. (2004, p. 8)
Hoggart, Williams e Thompson – considerados os pais dos estudos culturais – escreveram três textos que discorriam sobre a situação dos grupos considerados populares, portanto inferiores na sociedade, as “subculturas”, sempre de modo a fazer pensar que elas tinham um importante caráter histórico e revolucionário. Esses textos são o marco da origem dos estudos culturais na Inglaterra. Hoggart escreve The Uses of Literacy (1957), Williams escreve Culture and Society (1958) e Thompson com The Making of The English MakingClass (1963). Já citada a importância desses três estudiosos no início de período, é preciso 6
Importante teórico cultural jamaicano. Suas obras contribuem para os estudos da cultura, meio de comunicação e a produção do debate politico.
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salientar a importância dos estudos e iniciativas do teórico jamaicano Stuart Hall, que com suas pesquisas contribuiu para os estudos de culturas e de meios de comunicação. De acordo com Escosteguy7, Stuart Hall: Incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de resistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identificando seu papel central na direção da sociedade; exerceu uma função de "aglutinador" em momentos de intensas distensões teóricas e, sobretudo, destravou debates teóricopolíticos, tornando-se um "catalizador" de inúmeros projetos coletivos. (ESCOSTEGUY, 2006, p. 3)
É visível esse caráter revolucionário dos Estudos Culturais acerca do discurso social, mas ele também possui outras características, como o caráter multidisciplinar: Os Estudos Culturais caracterizam-se por sua dimensão multidisciplinar, a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas nos departamentos e nas universidades. Esse é para mim um aspecto altamente positivo no processo de renovação das ciências sociais. (ORTIZ, 2004, p. 121)
Para Renato Ortiz (2004), o fato de que os estudos culturais possam ser vistos e estudados profundamente através de vários ângulos, de várias áreas do conhecimento é muito positivo, já que vai contra com o que ele chamava de fordismo intelectual, “no qual as especialidades, as subdivisões disciplinares e temáticas, [...] implicaram a preponderância de um saber fragmentado em relação a uma visão mais globalizadora”. (ORTIZ, 2004. p. 121) Por ter esse caráter renovador acerca das culturas urbanas contemporâneas, e esse olhar multidisciplinar e multiangular que quebra barreiras e tradicionalismos acerca de vários assuntos inerentes a sociedade “os Estudos Culturais não configuram uma "disciplina", mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 6). Esse tipo de estudo foi crescendo cada vez mais com o tempo e evoluindo sem precedentes, gerando um impacto gigante na área intelectual, haja vista que os estudos culturais geraram outras categorias de trabalho: a história dos estudos culturais, gênero e sexualidade, nacionalidade e identidade nacional, colonialismo e pós-colonialismo, raça, cultura popular, discurso e outros. Foi através dele que tudo começou, portanto a tendência é que esta área continue evoluindo. O fato de a cultura popular ser introduzida no meio acadêmico em meados do século XX coloca em xeque a relação de poder entre o que é erudito e o que é popular, a partir disso 7
Ana Carolina Escosteguy é professora da PUC-RS. Tem desenvolvido e orientado projetos na área de Comunicação e Cultura da Mídia, com ênfase em Estudos Culturais, especialmente sobre identidades culturais, com destaque para as construções de gênero, de geração, entre outras.
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propiciando uma reestruturação nos estudos acerca da sociedade. “No momento em que os Estudos Culturais prestam atenção a formas de expressão culturais não tradicionais se descentra a legitimidade cultural”. (ESCOSTEGUY, 2006, p. 4). Em consequência, a cultura popular alcança legitimidade, transformando-se num lugar de atividade crítica e de intervenção. Dessa forma, a consideração sobre a pertinência de analisar práticas que tinham sido vistas fora da esfera da cultura inspirou a geração que desenvolveu os Estudos Culturais, principalmente, a partir dos anos 60. Logo, os Estudos Culturais construíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior, entre outras binariedades. (ESCOSTEGUY, 2006, p. 5)
O que Escosteguy chama de “descentramento”, Laclau8 chama de deslocamento da sociedade moderna, quando a sociedade deixa de ter o sujeito centrado e unificado do Iluminismo para se descobrir um sujeito pós-moderno, que não tem apenas uma identidade, mas inúmeras, sendo elas por vezes, contraditórias entre si, esse sujeito é “conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial e permanente” (HALL, 2006, p. 12). De acordo com Hall, esse deslocamento nada mais é do que a substituição de um centro de poder, não por outro único, mas por outros, uma pluralidade de centros. Essas mudanças ocorridas não acontecem de dentro para fora, elas não são inerentes a sociedade, mas ocorrem por uma força exterior, fora de si, como afirma Hall: “Ela está sendo constantemente descentrada ou deslocada por forças fora de si.” (2006, p. 17). O fato de essa nova concepção identitária ser mais perturbadora e complexa não deveria ser desencorajador: “Entretanto, argumenta Laclau, isso não deveria nos desencorajar: o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades e a produção de novos sujeitos.” (HALL, 2006, p. 16). De acordo com Hall, cinco foram os deslocamentos que causaram a ruptura do sujeito cartesiano e sociológico para o sujeito pós-moderno na segunda metade do século XX. Foram eles: o pensamento marxista, a descoberta do inconsciente para Freud, Saussure e os significados inerentes à língua, Foucault e o poder disciplinar e finalmente, o feminismo, que serviu como pontapé inicial para a discussão acadêmica sobre a questão da família, mulher, gênero e sexualidade. 8
Ernesto Laclau é um teórico político argentino, considerado pós-marxista, cujos estudos constantemente provocam diálogos e estranhamentos com os estudos de Judith Butler
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Uma das grandes vertentes dos Estudos Culturais aconteceu na década de 70, a erupção do movimento feminista, que tinha como slogan: “O pessoal é político” e que mudaria para sempre o curso da história da emancipação da mulher e também a vida intelectual do CCCS (Center for Contemporary Cultures Studies). A sociedade havia mudado, suas necessidades e formas de pensar haviam mudado então esse movimento surge a partir dessa necessidade de mudança. Assim como os Estudos Culturais surgiram na década de 50 para suprir as necessidades da sociedade que tinha outras visões que eram diferentes das visões tradicionais de ver as desigualdades, o movimento feminista surge a partir dos Estudos Culturais para suprir essa necessidade e acaba chamando toda a atenção e provocando mudanças no pensar dos Estudos Culturais. Escosteguy usa uma metáfora de Hall (1996a: 269) para classificar o poder de reestruturação dos Estudos Culturais a partir do Feminismo: “Não se sabe, de uma maneira geral, onde e como o feminismo arrombou a casa. [...] Como um ladrão no meio da noite ele entrou, perturbou, fez um ruído inconveniente, tomou a vez […]”. Para ele, o feminismo foi pioneiro, no sentido de estudo intelectual e contestação política e abriu portas para estudos acerca da família, sexualidade, gênero, etc. Esses estudos feministas foram mais tarde contestados por alguns pesquisadores da Teoria Queer, como Judith Butler. A filósofa afirmava que as feministas não entendiam que biologia é destino. Os gêneros “masculino” e “feminino” são construções sociais em cima de corpos macho e fêmea. Outras coisas que os estudos Butlerianos afirmavam é que a crítica feminista deveria fazer análises de como a categoria “mulher” é limitada e inferiorizada pelas estruturas de poder e não esperar que essas mesmas estruturas provoquem agenciamentos. É por isso que para falar dos estudos queer é de extrema importância conhecer feminismo e estudos culturais, haja vista que entre eles existe um fio íntimo de conectividade. Uma coisa vai levando a outra. Retornando a questão dos estudos culturais, o que aconteceu a partir da década de 1980 foi a descentralização do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, algo repentino e não planejado, esses estudos ultrapassaram as fronteiras inglesas e alcançaram outros lugares do mundo, inclusive a América Latina, sofrendo grandes transformações conforme a necessidade. Devido ao período de globalização, a sociedade muda, novas práticas e formas culturais surgem e as tradicionais entram em desequilíbrio, essa reestruturação da sociedade mundial passa a ser o foco dos estudos. Agora “trata-se de uma ênfase à dimensão subjetiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos – ‘New Times’. Assim a agenda original foi se transformando” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 10). 18
Já que os estudos culturais se descentralizaram das fronteiras da Inglaterra para um nível global, cada lugar tinha sua característica própria do modo de ver a política e cultura. Em um período específico do pensamento sociológico (no sentido amplo do termo), a discussão predominante e hegemônica era a discussão política, sobre Estado, governo, partido e etc., a questão da cultura ficava apenas a espreita, na margem, esperando do lado de fora. Na América Latina, essa realidade era diferente, cultura e política eram assuntos intrinsecamente ligados: Por isso temas como Estado, governo, partidos, sindicatos e movimentos sociais tornaram-se hegemônicos entre os cientistas sociais. A cultura ficava um tanto à margem disso tudo. Novamente, diante desse quadro, a América Latina pode ser vista de forma distinta, mas é importante dimensionar as coisas para não cairmos em mal-entendidos. O dilema de identidade nacional levou a intelectualidade latino-americana a compreender o universo cultural (cultura nacional, cultura popular, imperialismo e colonialismo cultural) como algo intrinsecamente vinculado às questões políticas. Discutir “cultura” de certa forma era discutir política. (ORTIZ, 2004, p. 125).
Com o tempo, devido a determinados fatores, como o surgimento de uma indústria cultural, especialmente no Brasil, e a especialização das disciplinas dentro das ciências sociais, fez acontecer a desagregação entre discutir política e discutir cultura. Primeiro, a emergência de uma indústria cultural, particularmente num país como o Brasil, redefiniu a noção de cultura popular despolitizando a discussão anterior [...]. Segundo, o Estado-nação era o pressuposto básico da argumentação desenvolvida. Terceiro, o movimento de institucionalização das ciências sociais, mesmo restringido com a especialização das disciplinas, incentivou a separação entre compreensão da realidade e atuação política. (ORTIZ, 2004, p. 125).
As discussões dos Estudos Culturais se tornaram tão bem sucedidas ao redor do mundo que deram origem a outras vertentes que discutiam criticamente a forma canônica de como a sociedade via as desigualdades e relações sociais, além dos Estudos Feministas surgiram os Estudos Pós-Coloniais e a Teoria Queer. Assim para concluir, parcialmente, é visível que para ser discutido o movimento feminista na década de 70 foi necessário a existência dos estudos culturais na década de 50, e para a existência dos estudos queer, tanto o feminismo e estudos culturais tiveram fundamental importância. São estudos diferentes, que existiram em diferentes momentos históricos e que de certa forma abriram portas para novas discussões acerca das estigmatizações sociais e para revelar que “no âmbito popular não existe apenas submissão, 19
mas também resistência” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 2), formando essa enorme rede de discussão social.
2.1.2 – Dos Estudos Pós-Coloniais Gostaria de estabelecer relações entre os Estudos Culturais e os Estudos PósColoniais. Os Estudos Culturais surgiram na tentativa de investigar e levar para a academia as culturas populares e usá-las como ferramenta para a desierarquização dos estudos de culturas eruditas. Enquanto que, os Estudos Pós-Coloniais surgem com o objetivo de dar continuidade a esse enfrentamento tentando dar voz e representatividade a esses grupos subalternizados, e ainda, na tentativa de refletir sobre a experiência de colonização dos Estados ex - colonizados. Um das tentativas dos Estudos Pós-Coloniais é a recuperação cultural e literária dos países colonizados, livre de quaisquer influências de seus colonizadores, abrindo as portas para o multiculturalismo. O discurso é inerente a todas as práticas e instituições culturais e é repleto de poder. A teoria e crítica pós-colonial surgem a partir das relações de discurso e poder, sendo que o discurso pode tanto reforçar quanto subverter a questão do poder. É com essa intenção de subversão do poder e do discurso dos colonizadores europeus que surge o pós-colonialismo. A princípio, é muito mais complexo designar pensamentos mais rígidos e certeiros em relação aos estudos pós-coloniais do que dos estudos culturais, devido ao fato de eles serem controversos, recentes e instáveis. No início de seu livro A identidade cultural na PósModernidade, Hall justifica que “consequentemente, as formulações desse livro são provisórias e abertas à contestação. A opinião dentro da comunidade sociológica está ainda profundamente dividida quanto a esses assuntos.” (2006, p. 8). Hoje em dia, alguns defendem a existência de uma “Teoria Pós-Colonial”, mas há aqueles que são críticos em relação a este tipo de postura e preferem denominar como “Estudos Pós-Coloniais”. As controvérsias continuam e alguns estudiosos defendem que o pós-colonialismo possui três ênfases: a) aqueles que defendem como uma teoria; b) aqueles que definem que o pós-colonialismo é o estado contemporâneo a nível global; c) e aqueles que dizem que é a situação atual dos Estados após a experiência do colonialismo. Portanto, apresento esta revisão teórica a respeito do pós-colonialismo, não tendo uma visão categórica a respeito de sua existência e objetivos, mas uma visão abrangente, passível de várias
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interpretações, já que acredito que o pensamento cartesiano e metódico não mais cabe a este tipo de estudo. Como uma vertente originada a partir dos Estudos Culturais, os Estudos Pós-Coloniais ainda preservam algumas características do seu antecessor, como o caráter multidisciplinar, já que perpassa a literatura, psicanálise, história, antropologia, a filosofia, etc; e o objetivo de discutir acerca de grupos, práticas e formas culturais estigmatizadas e inferiorizadas pela sociedade. Porém, os Estudos Pós-Coloniais se diferenciam dos Estudos Culturais a partir do momento em que resolvem fazer uma reflexão crítica acerca da experiência de colonização dessas sociedades e culturas. Eles não têm uma data de criação rígida e fechada, sabe-se apenas que alguns estudos foram denominados “pós-coloniais” no período do fim da década de 80 para o início da década de 90 do século XX. A obra considerada fundadora foi Orientalismo, de Edward Said9. “O ‘pós-colonial’ seria um discurso epistêmico e cronológico, que não se trata apenas de posterior, mas de ir além do colonial.” (HALL, 2003, p. 118) Os Estudos Pós-Coloniais têm como principal foco a reflexão sobre os efeitos históricos, antropológicos, filosóficos, psicológicos e entre outros, deixados pelo colonialismo nos países colonizados. Eles têm como objetivo dar voz àqueles que são silenciados pela sociedade hegemônica, criando discursos sobre etnias, raças, sexualidade, gênero, entre outros. Como afirma Shirley Carreira10: Academicamente, o termo “pós-colonialismo” se reporta a uma série de estudos centrados nos efeitos da colonização sobre as culturas e sociedades colonizadas, que podem ser interpretados como parte da teoria pósmodernista, que busca trazer à baila as vozes das culturas e dos segmentos sociais periféricos. Essa busca de “descentramento”, segundo os teóricos do pós-modernismo, é uma tentativa de “ouvir” as “margens”, incluindo-se aí, todas as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais. (CARREIRA, 2003, p. 1)
Os Estudos Pós-Coloniais vêm para questionar as verdades absolutas anteriores a eles, que designavam determinação e poder, assim como os estudos queer que vêm para desautorizar os estudos anteriores de minoria de gênero e sexualidade, considerados pretensiosos e desvalorizadores. Algo que deve ser considerado é que os estudos pós-coloniais se diferem dos estudos subalternos e que este surge como uma forte posição crítica em relação ao pós-colonialismo,
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Crítico literário e ativista de causas palestinas foi o autor da obra Orientalismo, publicada em 1978, já traduzida para mais de 36 línguas. 10 Professora doutora em Literatura Comparada, pela UFRJ, atualmente é professora da UNIGRANRIO.
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pois ele surgia com suas teorias apoiadas na filosofia, na ciência política e também na literatura, gerando assim um discurso intelectual. Os estudos subalternos, dessa forma, começaram no início dos anos de 1980, com o indiano Ranajit Guha, como uma intervenção na historiografia sulasiática, enquanto se tornava um modelo para o subcontinente e, rapidamente, possibilitaria uma séria crítica ao pós-colonialismo. Alguns pensadores, como Ranajit Guha e Gayatry Spivak, utilizam o termo “subalterno” para se referir a grupos marginalizados; grupos esses que não possuem voz ou representatividade, em decorrência de seu status social. (FIGUEIREDO, 2010, p. 84)
Outra diferença entre um e outro é que a Teoria do Subalterno (FIGUEIREDO, 2010, p. 84) começa a ser citada na Índia em meados dos anos 70, mas seus estudos frequentes começam em 1980, pelo pesquisador e professor indiano Ranajit Guha11 e, além disso, o fato de vir do subcontinente sul-asiático faz com que se diferencie ainda mais dos Estudos PósColoniais, no modo como se relaciona com as desigualdades, devido suas diferentes experiências e realidades, com características muito específicas ligadas as necessidades do país, ao passo que o pós-colonialismo tem um estudo mais abrangente no ocidente. Mesmo ganhando certa profundidade e importância na Índia dos anos 1980, Gramsci já estudava as classes subalternas na década de 1950, mais especificamente o proletariado, mas com o tempo seus estudos se tornaram comuns dentro e fora da academia, ganhando novos contornos e novas interpretações. A questão da subalternidade para Gramsci na década de 50, que foi quem criou o conceito de classes subalternas, é completamente diferente dos subalternos de Spivak12 na década de 70. Enquanto ele focava nas classes proletárias e defendia que elas deveriam se tornar dirigentes e se converter em classes hegemônicas, muitos anos depois Spivak defendia o proletário como classe oprimida, mas não subalternizada, as mulheres tinham uma questão mais agravada e para a estudiosa, eram duplamente subalternizadas. Para Spivak, os saberes subalternos estavam focados na dimensão feminista. Os Estudos Subalternos se assemelham aos Estudos Pós-Coloniais no sentido de que os dois emergem com o objetivo de representar e valorizar as pessoas e culturas marginalizadas pelo poder hegemônico, que outrora foram colonizadas por grandes povos. De acordo com a Teoria do Subalterno, segundo Figueiredo, para Spivak, “A condição de subalternidade é a condição do silêncio, [...] o subalterno carece necessariamente de um representante por sua própria condição de silenciado.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 85). Portanto, para um subalterno ser considerado como tal, ele não pode ter voz por ele próprio, e precisa 11 12
Importante historiador e professor indiano para os saberes subalternos. Crítica e teórica indiana, autora do livro Pode o subalterno falar?, publicado no Brasil pela UFMG.
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de um representante que o defenda e que o dê representatividade: “subalterno é sempre aquele que não pode falar, pois, se o fizer, já não o é” (SPIVAK, 2010, p. 275). Spivak ainda diz que o subalterno é aquele que não participa ou participa de forma muito limitada do circuito do Imperialismo cultural. A partir dessas noções de conhecimento acerca da existência dos inferiorizados (me refiro a palavra “inferiorizados”, de forma que esta realidade lhes é imposta, independente de vontades e quereres, é maior do que eles) é que nasce o título do livro Pode o subalterno falar?. Além da importância do conteúdo do livro, o título revela uma ideia-chave para a compreensão das intenções de Spivak. Um jogo de palavras que talvez seja mais perceptível no inglês e quando traduzido para o português isso pode se perder. O verbo “poder” conota certa ambiguidade, questiona se de fato o subalterno tem capacidade ou competência para falar ou se tem a permissão ou autorização para falar. É em cima desse e de outros questionamentos que Spivak desenvolve seu estudo. Ele perde sua condição de subalternidade a partir do momento que consegue falar/se expressar? Eles realmente conseguiriam fazer isso? Essa permissão ou capacidade de falar se daria em cima de quais condições? O que mudaria? Seria melhor ele se expressar ou não? A luta pelo direito de expressão e valorização não seria apenas uma tentativa de se identificar com os discursos dominantes e hegemônicos, se tornando tão marginalizadores quanto eles? No livro essas questões são discutidas. De acordo com Sciberras13, Spivak crítica o discurso elitizado e academicista de alguns estudiosos dos estudos pós-coloniais, já que estes discursos são falhos quando se trata de provocar mudanças sociais: De modo mais abrangente, e em relação ao que pode ser denominado como teoria pós-colonialista, a originalidade da argumentação de Spivak em Pode o Subalterno Falar? Refere-se à crítica aos relatos de representação do oprimido que, por trás de um verniz libertário, acabam por ajudar na manutenção de práticas essencialistas e imperialistas que resultam em violência epistêmica cotidiana. (SCIBERRAS, 2011, p. 67)
Voltando a questão da representatividade. De acordo com a estudiosa indiana existem dois sentidos para a palavra “representação”. Cito uma passagem do seu livro traduzida por Carlos Antônio Araújo de Figueiredo em seu texto Estudos Subalternos: uma Introdução, parte integrante da sua dissertação de mestrado: [...] representação estão correndo juntos: representação como “falar por”, como na política e representação como “re-presentar” como na arte ou 13
Professor do departamento de Ciências Políticas da UFRJ. Coordenador do Núcleo de Estudos de Teoria Política (NUTEP-IFCS).
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filosofia. Uma vez que a teoria também é apenas ação, o teórico não representa o (falar por) dos grupos oprimidos. […] Estes dois sentidos de representação dentro do estado de formação e da lei, por um lado, e a predição do sujeito por outro lado, estão relacionados, mas irredutivelmente descontínuas. (2010, p.85)
A partir da citação do significado desses dois sentidos, digo que para Spivak, os subalternizados pela sociedade global e excludente precisam de alguém que os represente, no sentido de falar e agir por eles, já que a figura da daquele que estuda e teoriza, não pode fazêlo. As obras de Gayatri Spivak são conhecidas por sua dificuldade de entendimento devido ao grande nível intelectual das palavras e dos pensamentos da estudiosa – não é a toa que escreveu o prefácio em inglês do livro “Da Gramatologia”, escrito por Jacques Derrida – e seu grande poder crítico. Além do que, no Brasil, poucas obras suas foram traduzidas, a mais conhecida é seu livro em questão nesse texto, que foi traduzido pela UMFG. O discurso de Spivak é considerado uma forte crítica ao pós-colonialismo, seu alvo são alguns pensamentos de Edward Said. De acordo com Bruno Sciberras (2011), a escritora critica os estudos baseados na soberania do sujeito, dentre eles estão Foucault e Deleuze. A Teoria Queer preserva algumas características dos estudos culturais da década de 1950, mas tem semelhanças com os estudos pós-coloniais, já que vem para desautorizar alguns estudos sociológicos de minorias sexuais, ela pode ser considerada um saber subalterno, já que parte de uma tentativa de luta e resistência de grupos sexuais estigmatizados pela sociedade heterossexista. A partir do exposto sobre Estudos Culturais, Estudos Pós-Coloniais, Estudos Subalternos e todas as suas relações, o objetivo é esclarecer e compreender mais a existência e objetivos dos estudos queer, que nascem impregnados de influências dessas outras matrizes de estudos. 2.1.3 – Da Teoria Queer Os estudos Queer nasceram no final da década de 1980, a partir de um encontro entre os Estudos Culturais americanos e o pós-estruturalismo francês, e tem como objetivo pesquisar todas as espécies de relações sexuais humanas e também a forma como essas sexualidades estruturam a ordem social contemporânea. De acordo com Seidman14: 14
Sociólogo americano. Importante teórico para a Teoria Queer.
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O queer é um estudo daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a sociedade como um todo, sexualizando – heterossexualizando ou homossexualizando – corpos, desejos, atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e conhecimentos sociais. (SEIDMAN, 1996, p. 13).
Inicialmente, a Teoria Queer nasceu em departamentos desassociados ao sistema de investigações sociais, como a filosofia e a crítica literária. Sendo assim, entre a Teoria Queer e a sociologia existem tensões de estranhamento e afinidade, já que possuem perspectivas e procedimentos metodológicos muito diferentes. No período que antecede a criação do discurso Queer, existiam os estudos sociológicos de minorias sexuais, mas que serviam apenas para propagar as normas heterossexuais da sociedade já que agrupavam todas as relações amorosas e sexuais não hegemônicas dentro de um rótulo de inferiorização e de estigmas. A corrente Queer surge de forma crítica e transgressora para desautorizar essas espécies de pensamentos, embora, com boas intenções, os estudos sociológicos de minorias sexuais de forma muito superficial terminavam por naturalizar a norma heterossexual, algo que era inadmissível para os estudiosos queer. Porém, não existem apenas pontos de estranhamento entre a forma como a Teoria Queer vê as sexualidades e a forma como as ciências sociais as estudam, ambas enxergam a sexualidade como uma construção histórica e cultural. O termo Queer Theory foi usado pela primeira vez em uma conferência na Califórnia, em fevereiro de 1990, por Teresa de Lauretis15, na tentativa de diferenciar os estudos de sexualidade da sociologia do empreendimento queer. Em inglês, o termo queer é usado de forma pejorativa como um insulto, ofensa e agressão verbal, já que faz alusão ao que é estranho e anormal. Porém, a tentativa de se autodenominar com um termo agressivo faz parte de uma política de normalização, como afirma Miskolci: “A escolha do termo “queer” para se autodenominar, ou seja, um xingamento que denotava anormalidade, perversão e desvio, servia para destacar o compromisso em desenvolver uma analítica de normalização que, naquele momento era focada na sexualidade”. (MISKOLCI, 2009, p. 151). As preferências dos estudos queer abarcam travestis, transexuais e transgêneros de um modo geral, sempre focando na perspectiva das sexualidades hegemônicas, e no modo como elas estabelecem subalternizações nas outras sexualidades, e principalmente nas suas relações com elas. A teoria queer não coloca como protagonistas os sujeitos estigmatizados justamente
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Escritora e professora de História da Consciência na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.
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para não reforçar seu caráter de subversão outrora criado, ela se vale dessa estratégia metodológica para que assim possa desierarquizar a hegemonia. O interesse queer por travestis, transexuais e pessoas intersex se deve ao compromisso científico de crítica dos apanágios identitários e concepções de sujeitos unitários e estáveis. A Teoria Queer busca romper as lógicas binárias que resultam no estabelecimento de hierarquias e subalternizações, mas não apela à crença humanista, ainda que bem intencionada, nem na “defesa” de sujeitos estigmatizados, pois isto congelaria lugares enunciatórios como subversivos e ignoraria o caráter contingente da agência. (MISKOLCI, 2009, p. 175)
Mesmo não tendo atuado diretamente com os teóricos queer, Foucault possui uma grande influência na origem desse campo teórico, junto com Derrida. As obras A História da Sexualidade I: A Vontade do Saber (1976), de Foucault e Gramatologia (1967), de Derrida serviram de grande influência filosófica. A obra de Foucault rompe com a hipótese repressiva. De acordo com o filósofo francês, a partir do século XVIII, a sociedade passou a viver uma era de repressão sexual, devido a ascensão da burguesia e a origem dos estudos do capitalismo. Portanto, todas as sexualidades que não tinham fins reprodutivos, eram vistas como ilegítimas e anormais, sendo assim marginalizadas. Porém, havia exceções, elas eram alocadas para lugares onde poderiam gerar lucros, como casas de prostituições e hospitais psiquiátricos. Foucault chamou isso de hipótese repressiva, e a desaprovou completamente no livro supracitado. Ele compreendia a sexualidade como um dispositivo histórico de poder que se desenvolveu nas sociedades ocidentais modernas desde o fim do século XVIII. Entender a sexualidade como dispositivo histórico é entender que ela faz parte de uma prática discursiva heterogênea e hierarquizada. A contribuição de Derrida para a Teoria Queer consiste no conceito de suplementaridade e o método desconstrutivo: “Desconstruir é explicitar o jogo entre presença e ausência, e a suplementaridade é o efeito da interpretação” (MISKOLCI, 2009, p. 154). De acordo com a suplementaridade o sujeito precisa inferiorizar o outro para se conhecer, sem o outro, o self não consegue se definir. Daí surge a necessidade íntima do sujeito heterossexual de subalternizar o sujeito homossexual, que é colocado em uma posição inferior para que assim a heterossexualidade possa emergir e predominar como hegemônica: O objetivo era explicitar os processos que criam sujeitos normais, adaptados, em suma, hegemônicos, apenas construindo também sujeitos ilegítimos, rotulados como anormais e alocados na margem do social. Em outras palavras, foi essencial para o desenvolvimento da Teoria Queer, conceito de suplementaridade por Derrida. Segundo ele [Derrida], nossa linguagem opera em binarismos, de forma que o hegemônico só se constrói em uma 26
oposição necessária a algo inferiorizado e subordinado. Assim, em um exemplo caro aos queer, a heterossexualidade só existe em oposição à homossexualidade, compreendida como seu negativo inferior e abjeto. (MISKOLCI, 2009, p. 3)
De outra forma Miguel Vale de Almeida também defende a ideia de suplementaridade de Derrida: O sujeito só pode conhecer-se através de Outro, mas no processo de se reconhecer a si mesmo e de se constituir tem que superar ou aniquilar o Outro, sob pena de colocar a sua existência em risco. O self e o Outro não estão apenas intimamente relacionados, eles são Um e o Outro, e é através do mútuo reconhecimento que cada um passa a existir. (ALMEIDA, 2008, p. 3)
Aos poucos, os teóricos queer começaram a perceber que a sexualidade se encontrava no centro do poder de estruturação social na contemporaneidade, mas de forma a padronizar a heterossexualidade como orientação aceitável e legítima e marginalizar os sujeitos não heterossexuais. Eve Kosofsky Sedgwick foi quem deu o primeiro passo para essa compreensão, no seu livro Between Men: English Literature and Male Homosocial Desire (1985). A heterossexualidade é tão naturalizada que se torna compulsória, criando o termo de heterossexualidade compulsória que foi empregado pela primeira vez pela feminista norteamericana Adrienne Rich16 em um ensaio de 1980, chamado Heterossexualidade Compulsória e a Existência Lésbica. Porém, em 1991, Michael Warner17 cria o conceito de heteronormatividade, dividindo assim a heterossexualidade como modelo social que todos devem adotar, em dois diferentes momentos. Inicialmente, no último terço do século XIX até meados do século seguinte, a heterossexualidade era compulsória já que ela se utilizava de meios de opressão e violência para que os homo orientados se tornassem heterossexuais, para tanto a homossexualidade era considerada doença e por muitas vezes, crime, tendo seus sujeitos presos e com tratamento psiquiátrico. No entanto, a partir de 1974, quando ela foi descriminalizada e despatologizada a sociedade começa a viver de acordo com as leis heterossexuais, que Warner chama de heteronormatividade. De acordo, com a heteronormatividade, os sujeitos abjetos não mais são obrigados a se relacionar com sujeitos do sexo oposto, mas são obrigados a viver como eles, do contrário serão marginalizados pela sociedade. Precisam viver de acordo com as normas heterossexuais, que são representadas muitas vezes dentro das relações homossexuais, como a 16
Foi feminista, poetisa, professora e escritora americana. Ganhou o National Medal for the Arts, em 1997, maior prêmio dado a artistas, mas acabou recusando. 17 Professor, crítico literário e teórico social, seus estudos são importantes influências para os estudos queer.
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definição do papel de ativo/passivo nas relações gays, que nada mais é do que uma concepção heterossexista para hierarquizar posições sexuais. Além disso, existe a questão da união civil entre pessoas do mesmo sexo, ou o casamento gay. Para Miskolci, um grande teórico queer brasileiro, a questão do casamento gay levanta importantes questionamentos, partindo do pressuposto de que o casamento é uma norma heterossexual, pertence a relação de pessoas do sexo oposto, a união civil entre pessoas do mesmo sexo serviria apenas como uma ferramenta de regulação social, ou seja, uma forma de legitimar as relações candidatas à parceria e de marginalizar ainda mais aqueles que o casamento não se encontra como opção, tornando-os duplamente ilegítimos e marginalizados. Assim, o casamento serviria como uma forma de enquadramento. O fato é que o sexo tem um fim reprodutivo, para assim construir família e eternizar a espécie, e todas aquelas relações sexuais que não têm caráter reprodutivo serão imediatamente ilegitimadas pela sociedade, no entanto se os sujeitos dessas mesmas relações estiverem dispostos a se enquadrar em uma norma heterossexual, como o casamento e houver a possibilidade, mesmo que remota, de uma construção de família, eles serão aceitos novamente. O que Miskolci problematiza é até que ponto a união entre pessoas do mesmo sexo seria benéfica: Na luta pela parceria civil, prevalece a ideia de que a sexualidade de gays e lésbicas só pode ser reconhecida como questão privada. Deixa-se para trás quatro décadas de afirmação de que o pessoal é político e se ignora o destino daqueles para os quais o casamento não representará avanço, nem proteção, pois é na esfera pública que sofrem as sanções sociais, onde são insultados, agredidos e até assassinados. Percebe-se o lado sombrio da privatização das vidas, ou seja, sua despolitização. Ela caminha com a aceitação da avaliação moral hegemônica que distingue os dignos dos indignos da legitimação legal. Por fim, mas não por menos, ao assumir que a intimidade gay é igual à hetero nos deparamos com a heterossexualidade compulsória em sua segunda geração. Se indivíduos homo orientados não podem mesmo se tornar heterossexuais, então, a ordem social encontrou um meio de fazê-los viver como se fossem. (MISKOLCI, 2007, p. 123).
Esses são alguns dos questionamentos que Miskolci coloca em seu artigo Pânicos Morais e controle social – Reflexões sobre o casamento gay, e que não representa a verdade imutável e completa dos estudos queer acerca do casamento, haja vista que o casamento gay e a adoção de filhos por casais homo afetivos representam um enorme avanço nas lutas dos movimentos homossexuais ao redor mundo, algo que há alguns anos atrás seria impensável. Isso, de forma alguma representa uma ameaça a instituição familiar, já que os casais homo afetivos são tão legítimos quanto qualquer outro tipo de casal. 28
Todo esse discurso inicial a respeito do casamento gay é apenas uma das esferas de discussões que a Teoria Queer vem para explorar e cada estudioso queer aprofunda de acordo com sua área de conhecimento, seja ela a psicanálise ou a antropologia, filosofia ou educação. Voltando a questão das tensões entre a Teoria Queer e a Sociologia, falarei de forma breve sobre a história da Sociologia da Sexualidade, que teve como seu marco inicial a publicação da obra de mesmo nome do pesquisador francês Michael Ozon. É correto afirmar que esse estudo não se institucionalizou na França, se institucionalizando no Brasil. Apesar de se originar na sociologia, mais tarde foi agrupado pela antropologia social, ainda colocando as relações sexuais não hegemônicas dentro de uma ótica inferiorizada. A disciplinarização que ocorreu tanto na Antropologia Social quanto na Sociologia dos estudos de minorias sexuais ajudou na incorporação das contribuições da Teoria do Subalterno, já que a sociologia não se mostrava bem receptiva aos Estudos Culturais, PósColoniais e Queer, normalmente essa incorporação não aconteceria, mas os estudos estavam se abrangendo. Ainda assim, como falei acima, esses estudos colocavam as relações homossexuais dentro de estigmas, mesmo que involuntariamente, sempre os associando com a prostituição, promiscuidade, desvio e perversão. Sob o ponto de vista do sujeito homossexual, a sociologia da sexualidade e os estudos queer têm modelos humanos bem diferentes. Enquanto, os estudos sociológicos falavam de um sujeito sem voz, nem representatividade, que observava calado e passivamente sua situação e que era massacrado pelo preconceito da sociedade hegemônica, o sujeito queer é ativo, ciente de sua realidade, tem uma personalidade de resistência e que luta por agenciamento, transformações sociais e que tem alma de transgressão. Tendo já falado dos estudos que Richard Miskolci desenvolve no Brasil sobre a dinâmica da sexualidade contemporânea, é de extrema importância que eu exponha os estudos de Judith Butler, que vêm influenciando a Teoria Queer desde sua origem. Judith Butler é uma filósofa norte-americana que escreveu Problemas de gênero: Feminismo e Subversão da Identidade e Bodies That Matter, consideradas hoje algumas de suas principais obras e que representam o principal objetivo de seus estudos: compreender a formação da identidade e da subjetividade. Judith Butler rompe com o movimento feminista de primeira vaga, na década de 1970 para 1980, pois as feministas afirmavam a existência de uma categoria de Mulher ou mulheres, categoria esta que era rígida e imutável, ao passo que Butler propunha um “sujeitoem-processo” que é construído por sua performatividade e pelo discurso, lembrando que 29
discurso é “um modo institucionalizado de pensar, uma fronteira social que define o que pode ser dito sobre um determinado tópico ou, nas palavras de Butler, os limites do aceitável quando se fala de algo” (ALMEIDA, 2008, p. 4). Porém, a preocupação dos estudos feministas é que essa contingência do sujeito moderno pudesse inviabilizar suas lutas de cunho político. Butler não acredita que sexo, gênero e sexualidade têm obrigatoriamente de ser concordantes, ela afirma que eles não existem em relação uns com os outros. Por exemplo, na sociedade heteronormativa em que vivemos, espera-se que um bebê biologicamente macho, cresça com traços masculinos (papel social de gênero) e mais tarde passe a desejar meninas e vice versa, é para isso que somos educados. Gênero faz parte de um constructo social, ou seja, é construído cultural e socialmente, a partir de uma sequência de atos que o individuo realiza durante a vida (como, por exemplo, o modo de se vestir, o modo de falar, agir, pensar, andar, tom de voz...), o que Butler chamou de “performatividade”. Essa performatividade se torna subversiva quando ocorre o rompimento da performatividade heterossexual na sociedade. De acordo com Hioka, “quando há a citação da norma, mas com algumas modificações que a subvertem.” (2008, p. 98). Hioka cita alguns exemplos de performatividade subversiva: Exemplo de performatividade subversiva são os indivíduos transgêneros: eles subvertem a norma quando rompem com o sistema sexo / gênero, mas ao mesmo tempo se parecem, agem, e muitas vezes são confundidos com mulheres ou homens legítimos. Eles usufruem o imperativo da estética feminina ou masculina para a subversão. Mais um exemplo, cuja discussão é um tanto atual não só no Brasil, mas como no mundo, é o casamento gay. O casamento tradicional é institucionalizado e considerado um ícone da heteronormatividade, em que o casal é reconhecido como legítimo pela sociedade e pela lei judicial. Já quando o casamento se dá entre parceiros do mesmo sexo, há ao mesmo tempo a performatividade da norma, mas de maneira subversiva. (HIOKA, 2008, p. 99)
No artigo A subversão da heteronormatividade no filme O Segredo de Brokeback Mountain, de Luciana Hioka, há uma descrição interessante sobre o que vem a ser a subversão na tríade sexo/gênero/desejo sexual (“desejo sexual”, de acordo com Judith Butler.). O filme traz personagens masculinos (com genitálias masculinas), com identidade de gênero masculina, mas que têm desejo sexual por homens. Eis a subversão da performatividade. A necessidade de se definir imediatamente o sexo acaba por vezes agindo de modo a privilegiar essa heteronormatividade, pois a partir daí acaba se criando um discurso repetitivo e constante da norma heterossexual que vai seguir para o resto da vida desse individuo e 30
aqueles sujeitos que não trilharem o caminho das leis heterossexuais, serão considerados seres abjetos, de acordo com Butler. O que se conclui, a partir dos estudos Butlerianos é a predominância do gênero em relação ao sexo, a predominância do construtivismo social em relação a biologia. Durante a leitura do livro Transexualismo, de Henry Frignet, me deparei com a pesquisa do antropólogo canadense Bernard Saladin D’Anglure sobre os “Inuítes” (também chamados de “Inuit”), são índios esquimós que habitam a região ártica do Canadá, Alasca, e da Groelândia. Os Inuits possuem uma forma muito peculiar de criar suas crianças, quando elas nascem, imediatamente recebem os nomes de seus ancestrais mortos, seja homem ou mulher, independente do sexo da criança. Dessa forma, ela adquire todos os seus hábitos e passa a viver como seu ancestral, ela carrega essa responsabilidade até a puberdade, e todas as pessoas no seu círculo aceitam e passam a viver de acordo com essa condição deste individuo. Na puberdade, ele terá livre arbítrio para escolher viver o resto de sua vida de acordo com seu sexo biológico ou não. Além de romper a dicotomia entre sexo e gênero, e afirmar que ele faz parte de uma construção histórico/social/cultural, Butler ainda afirma que todos os gêneros são paródias, imitações. Butler não pressupõe uma mulher ou um homem legítimo, o que ela quer dizer é que não existe uma forma original de gênero. Todos os gêneros tentam imitar essa forma original de gênero, que não existe. Porém, os únicos que parecem estar cientes dessa situação, são aqueles marginalizados, os travestis, que assumem a posição crítica de cópias de outras cópias, eles sabem o que estão imitando. Pensando assim, uma mulher que expõe sua feminilidade é tão legítima quanto um homem que expõe essa mesma feminilidade. O que torna complexa, por vezes, a leitura das obras de Butler é que elas vêm amparadas em pesquisas de outros interlocutores. Durante toda sua reflexão seus estudos andam de mãos dadas com psicanalistas, antropólogos, literatos e filósofos, tornando necessária a compreensão dessas pesquisas que cruzam seus estudos, para que assim possamos compreender o seu discurso. Todos esses cruzamentos de pesquisas acadêmicas se tornam úteis para que assim a filósofa possa argumentar na defesa de uma nova concepção de gênero, poder, sexualidade, subjetividade, desestabilização da heterossexualidade e etc, mesmo que para isso tenha que discordar deles. Por exemplo, Butler procura compreender melhor onde as disposições sexuais do sujeito, referidas por Freud, se localizam no processo de identificação, e chega a conclusão de
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que elas não são inatas, como defendia o psicanalista, e que essas disposições são o efeito das identificações do sujeito, e não a causa. Elas são mais consequenciais do que causais. Butler interessa-se pelas “disposições” referidas por Freud, mas em vez de aceitá-las como inatas, ela quer saber como é que as disposições “masculina” e “feminina” podem ser localizadas numa identificação. Para ela as disposições são o efeito de identificações com o pai do mesmo ou diferente sexo e não as causas dessas identificações. Ou seja, o desejo não vem primeiro. (ALMEIDA, 2008, p. 6)
Butler vai mais longe. Freud afirma que a formação do ego do individuo se dá de forma melancólica18, já que a criança é obrigada a desistir do investimento amoroso para com os seus pais na preocupação do tabu do incesto, já Butler afirma que essa preocupação do tabu do incesto é antecedida pela preocupação do tabu da homossexualidade. Por exemplo, se uma criança do sexo masculino é proibida de investir desejos amorosos para sua mãe, imediatamente ela pode internalizar seu objeto amoroso no seu ego através do processo de identificação, e passar a desejar o que esse objeto deseja, criando assim um desejo homossexual. No entanto, depois dessa proibição a criança pode se identificar com o pai do sexo oposto e se “tornar” ele. Sendo assim, Butler afirma que a identidade de gênero heterossexual se constrói a partir da perda do seu objeto amoroso e de forma melancólica, logo a heterossexualidade é melancólica. Butler concorda com Freud em um ponto, no fato de que as identidades de sexo e gênero são construídas através de leis e tabus. Mas também diz que são essas próprias leis que criam as identidades que mais tarde vão ser reprimidas, para assim manter a estabilidade das identidades legítimas. Almeida diz: “A lei que proíbe as uniões incestuosas e homossexuais simultaneamente inventa-as e convida-as. A heterossexualidade requer a homossexualidade de forma a poder definir-se e a manter a sua estabilidade.” (2008, p. 7). O objetivo de Butler não é desautorizar os estudos anteriores a ela, mas relacioná-los com suas reflexões para preencher lacunas existentes nos estudos de gênero modernos, e assim alcançar níveis mais aprofundados e complexos no que se tange a sexualidade contemporânea, mesmo que para isso ela tenha que discordar deles. Nesta seção, em primeiro lugar, abordei os fatores que influenciaram direta e indiretamente na origem da complexa Teoria Queer, sua discussão é bem recente, portanto 18
De acordo com Sara Salih em seu livro Judith Butler e a Teoria Queer, Freud distinguia luto, que é a reação a uma perda real, de melancolia. “Uma vez que o melancólico nem sempre sabe o que perdeu e, na verdade, às vezes nem sequer sabe que perdeu alguma coisa, Freud considera essa uma condição patológica que se assemelha à depressão. Ele argumenta que, em vez de “superar” e aceitar a perda, a resposta melancólica consiste em internalizar o objeto perdido no ego, identificando-se com ele” (SALIH, 2012, p. 775-76).
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ainda é bastante instável. A intenção é de discutir sobre os principais teóricos que ajudaram e ajudam no seu desenvolvimento, mas sempre com foco nas pesquisas de Richard Miskolci e Judith Butler principalmente, por eles serem o norte teórico da mesma. Sem nunca ignorar os importantes trabalhos de outros pesquisadores fundamentais para o conhecimento, como Guacira Lopes Louro na área da educação, ou da historiadora Joan Scott no desenvolvimento da concepção de gênero, ou ainda de Berenice Bento na área da despatologização da transexualidade, Larissa Pelúcio na discussão da realidade das travestis brasileiras e ainda da filósofa Beatriz Preciado na Teoria de Gênero. Em segundo lugar, abordarei a forma como a homossexualidade é discutida na arte contemporânea, discutindo de forma breve desde a pintura, fotografia, até as artes visuais, focando sempre no teatro homossexual, ou o teatro queer, foco desta pesquisa. 2.2 – A TEORIA QUEER E OS ESTUDOS TEATRAIS A homossexualidade é um tema bastante recorrente nas diversas formas de arte, sejam elas, a pintura, a fotografia, cinema ou o teatro. O discurso da homossexualidade como o eixo central do fazer artístico é uma prática secular, estando presente em obras universalmente conhecidas, seja de forma sutil e quase imperceptível, ou seja, de forma chocante e polêmica. A obra Eduardo II, escrita por Christopher Marlowe, é considerada a obra precursora não só dos dramas ingleses de Shakespeare, mas também da discussão do amor homossexual na literatura dramática. A história conta o suposto caso de amor do Rei Eduardo II, que deixa de lado sua esposa Isabel de França, por causa de seu amante Piers Gaveston, deixando também de lado seus deveres como Rei. A obra é considerada uma das mais ricas e complexas de Marlowe. As adaptações dessas peças para o teatro sempre foram envoltas por muito medo e/ou aplausos, como a peça The Children’s Hour, de Lillian Hellman, que fez um estrondoso sucesso na Broadway, mas foi proibida em cidades Boston, Chicago e Londres. Nomes
como
Jean-Paul
Sartre
e
Tennessee
Williams
já
exploraram
a
homossexualidade feminina e masculina, respectivamente, em Entre Quatro Paredes e Gata em Teto de Zinco Quente, de uma forma bem sútil. A peça de Williams, foi adaptada para o cinema com Elizabeth Taylor e Paul Newman, gerando bastante comentários. No Brasil, um grande nome que discute a sexualidade frequentemente é Nelson Rodrigues, em Álbum de Família, que explora a homossexualidade feminina. A peça deu a ele o título de dramaturgo maldito, gerando polêmica nacional, e tendo sua primeira adaptação 33
para os palcos apenas mais de 20 anos após a sua publicação. Outra obra sua que explora o amor homossexual foi Um beijo no asfalto, uma tragédia rodrigueana que discute a fragilidade e a solidão humana. Existem diversas formas de transformar a homossexualidade em discurso, dentro do que é denominado como queer art, que é um movimento artístico não oficializado que ganhou forças nos Estados Unidos e na Europa dos anos 80, e tornou-se popular por discutir o queer nas diversas formas de expressão artísticas: como artes plásticas, cinema, teatro, pintura, fotografia, e etc., existem duas vertentes, principalmente nas artes plásticas: os trabalhos politicamente engajados e os trabalhos homoeróticos. Os trabalhos politicamente engajados tem como definição a luta contra a discriminação e a homofobia, ao passo que os trabalhos homoeróticos despertam a erotização em quem os vê usando uma sensualidade nada sútil. No teatro, apesar de discutido com menos frequência do que no cinema ou nas artes plásticas, pode-se também compreender essas duas vertentes na forma como a encenação se concretiza. Ele é usado como ferramenta cênica para a discussão da homossexualidade e, seja no Brasil ou no mundo, independente da forma ou do objetivo, sempre com intenção de reflexão e compreensão das diversas formas de relacionamentos humanos. Não só o teatro, mas as diversas outras formas de arte servem como veículo que ajudam na propagação desse discurso que procura atingir e provocar agenciamentos em uma sociedade que se encontra confusa e desconhecida, porém sempre alerta e vigilante para aqueles que ousarem viver além das margens da legitimidade: Questões como as de gênero, sexo, armário, vigilância, poder, postas como categorias de análise, dão legitimidade à existência de novos discursos, de um novo poder, por sua inflexão epistemológica, como apontam Foucault, Derrida, Butler, Phelan, inspirados em Nietzsche, passando-o a limpo, porque interrompem e interrogam os dispositivos de poder que estão em operação e que constituem as bases do saber legitimado do mundo em curso. (BITTENCOURT, 2008, p. 73)
É verdade que vivemos em uma sociedade de vigilância, seja ela eletrônica (advinda da revolução tecnológica) ou não, que tem como maior e principal objetivo homogeneizar os comportamentos a fim de prevenir qualquer tipo de contravenção às normas heterossexuais vigentes. Para o filósofo Deleuze, vivemos em uma sociedade de controle, que se inicia no período pós Segunda Guerra Mundial: “Estamos entrando nas sociedades de controle, que não funcionam mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea” (1992, p. 216). Ou seja, nas estruturas da sociedade disciplinar, descrita por Foucault, o sujeito que fugia às regras era isolado a fim de ser marginalizado, já na sociedade de controle 34
o sujeito é “incluído” para que participe, mas sob vigilância ininterrupta. O que acontece quando a homossexualidade é levada para as diversas formas de arte é que essa vigilância continua, porém se torna mais atenta e por vezes mais reflexiva, fazendo com que os sujeitos “dóceis e úteis” a vejam com maior compreensão e respeito. Nem sempre a ideologia heteronormativa se altera, haja vista que já se cristalizou no imaginário coletivo, mas o discurso artístico da homossexualidade, através da reiteração, faz valer a pena o esforço. Na próxima seção, desenvolverei uma reflexão sobre a homossexualidade nos palcos paraenses - suas principais obras, criadores e seus contextos históricos. Meu objetivo é investigar a possibilidade e trajetória de um teatro queer no Pará, mais especificamente, em Belém, a partir da década de 80.
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3. COISAS QUE VOCÊ PODE DIZER SÓ DE OLHAR PARA ELES: A LEITURA DAS ENCENAÇÕES QUEER
No primeiro momento desta seção, procuro fazer um breve panorama da cidade de Belém nos anos 1980, principalmente no que tange a realidade dos grupos e artistas de teatro da cidade, que trabalharam contracorrente e discutiram assuntos que até então eram vistos como tabus, como a homossexualidade. Em um segundo momento, eu utilizo entrevistas realizadas durante a pesquisa para recuperar com os grupos de teatro da cidade que já trouxeram à tona, de uma forma ou de outra, essa discussão a partir desse período. Descobrir quais eram seus objetivos quando resolveram tornar pública a homossexualidade enquanto discurso teatral. “E aqui convém relembrar o que entendemos por discurso: um modo institucionalizado de pensar, uma fronteira social que define o que pode ser dito sobre um determinado tópico ou, nas palavras de Butler, os limites do aceitável quando se fala de algo” (ALMEIDA, 2008, p. 4). Como havia dito na introdução desta pesquisa, adoto o método de Cartografias do Armário para fazer uma investigação da trajetória do teatro paraense que discute homossexualidade, aliada a minha própria trajetória enquanto artista paraense e homossexual que se vê obrigado todos os dias a regular sua própria sexualidade para não desapontar aqueles que tanto me amam, meus pais. Então, não só esta pesquisa, mas também o espetáculo Ao Vosso Ventre se tornam um libelo de amor e admiração àqueles que dedicaram suas vidas a mim desde o primeiro minuto em que estive nesse mundo. Portanto, assim como aquele filho do espetáculo em questão, também me considero um sujeito Hegeliano, levando em conta que hoje sou o resultado de todas as paixões que vivi e todos os lugares que estive e de todas as pessoas que amei.
3.1 – REALIDADE ARTÍSTICA DA CIDADE DE BELÉM NOS ANOS 80 O recorte que utilizo para minha pesquisa é o teatro da cidade de Belém a partir do início da década de 1980 até o presente momento. Escolho o período da década de 80 por ser uma época fundamental para o teatro na cidade. Depois de duas décadas extremamente difíceis sob o regime militar, a cidade teve que se reerguer, e a cultura foi extremamente importante nesse quesito. Época em que todos os artistas da cidade estavam engajados em uma espécie de teatro crítico e político e que se livrasse das amarras provincianas da 36
burguesia. Junto com a década de 80, os novos tempos de libertação e respiração artística chegaram. Novos artistas se formavam, novos grupos teatrais experimentais foram criados para colocar em xeque as verdades absolutas de uma pequena população canônica. Era uma época chamada de “década perdida” no Brasil, por causa da inflação e congelamento de preços, foi uma época que gerou preocupações gerais, mas de longe a cultura na cidade das mangueiras parecia estar em crise, em grande produtividade, o teatro mostrou sua força mais do que nunca: Os anos 80 formaram a base da cultura paraense contemporânea. Os principais nomes do cenário cultural de hoje, o ethos de valorização da cultura local, a absorção de diversas influências no campo da arte, a vanguarda. Tudo isso se deu nos anos 80, conta o jornalista, poeta e dramaturgo Edyr Proença. Os oitenta foram os anos formadores de Edyr, que formou o Grupo Cuíra, inspirado nas experimentações de Luiz Otávio Barata, líder do grupo “Cena Aberta”, que propunha um teatro político e engajado. (Diário do Pará, 22/08/2010)
Novos grupos teatrais, novas tribos urbanas, bandas, apoios e editais de fomento à cultura, salas de cinema e teatro ajudaram a dar um ar rejuvenescido para a cidade. No teatro, temas como homossexualidade, objeto de interesse desta pesquisa, religião, política e outros assuntos eram constantemente discutidos.
3.2 – ABRINDO AS PORTAS: TEATRO NOS TEMPOS DE BARATA Sinto-me com grande responsabilidade em discutir sobre o teatro de Luís Otávio Barata, sendo este peça fundamental do teatro paraense contemporâneo e sendo que sua influência reverbera na cidade de Belém até os dias de hoje. Barata foi figura complexa, extensa e importante no cenário do teatro da década de 80, tanto pelo seu modo de fazer teatro quanto por suas ardorosas lutas políticas pela classe teatral de Belém. Portanto, tentar resumir sua importância e sua pessoa em poucas palavras se torna uma experiência difícil, haja vista que somos todos filhos de seu fazer teatral. Hoje, tendo mergulhado tanto em sua vida e sua história e conhecido mesmo que minimamente sua importância para toda pessoa que faça teatro em cada centímetro dessa cidade das mangueiras, não hesito em me sentir comovido por tanta admiração e respeito que ainda temos por ele. Barata despertou e ainda desperta a curiosidade e paixão de muitos fazedores de teatro na cidade, até mesmo daqueles que não conviveram com ele. Sobre Barata, Michele Campos
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de Miranda19, em sua dissertação de mestrado Performance da Plenitude e Performance da Ausência: Vida/Obra de Luís Otávio Barata na cena de Belém, descreve: “Seu” Luís Barata foi o encenador, diretor, dramaturgo, cenógrafo, figurinista, jornalista e artista plástico paraense, que abalou a cena provinciana da cidade de Belém durante três décadas, 1970 a 1990. Influenciado por distintos artistas, poetas, cenógrafos e filósofos, apropriando-se do trabalho e de escritos de Antonin Artaud, Jean Genet, Friedrich Nietzsche, Roland Barthes, Jean Paul Sartre, Santo Agostinho, Flávio Império e de textos bíblicos para compor suas cenas, feitas por colagens e imagens caóticas criadas a partir da leitura destes mestres. Arte e vida trazidas para o palco em sua diversidade humana e seus aspectos políticos perseguem a trajetória do artista, que por fim recriou a própria vida morrendo para o mundo artístico de Belém e sobrevivendo como um anônimo personagem perdido na fuligem sampaulina num último ritual de imolação. Só que não foi enterrado em uma cova rasa como seus colegas anônimos de rua, seu corpo foi sepultado e sua verdadeira identidade revelada: Luiz Octávio Castello Branco Barata, RG número 36.293.286-4, 66 anos, solteiro, natural de Belém, pardo, homossexual, nascido a 25 de abril de 1940, morto por parada cardíaca a 24 de julho de 2006, às 20 horas, no Hospital Santa Helena, cidade de São Paulo. Não deixa filhos. Não deixa bens. Não deixa testamento. (MIRANDA, 2010, p.19)
Um dos fundadores e diretor do Grupo de Teatro Cena Aberta20, grupo responsável por diversas conquistas artísticas na cidade, como a ocupação do anfiteatro da Praça da República e depois de anos de luta, a fundação do Teatro Experimental Waldemar Henrique, também a organização da classe teatral belenense na FESAT (Federação Estadual dos Atores, Autores e Técnicos de Teatro), além da criação de políticas culturais de incentivo a arte. Barata também foi o ponto de partida, na década de 1970, do teatro experimental. Talvez as obras mais contundentes do Grupo Cena Aberta e que “com certeza de maior dedicação, entrega e paixão de Luís Otávio, realizados entre 1987 e 1990” (MIRANDA, 2010, p. 21), pertençam à trilogia marginal, os espetáculos: Genet – O Palhaço de Deus (1987), Posição pela Carne (1989) e Em nome do amor (1990).
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Atriz-performer paraense, com Mestrado em Artes Cênicas pela UNIRIO (2010), na Linha de Estudos da Performance. Técnica em Ator pela Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará - ETDUFPA (2002). Graduada em Comunicação Social pela Universidade da Amazônia (2001). Pesquisadora vinculada ao Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias - NEPAA. Fundadora e atriz da Companhia de Teatro Madalenas desde 2002. 20 O Grupo de Teatro Cena Aberta foi fundado no final da década de 1970 e dirigido por muitos anos pelo próprio Luís Otávio Barata que se preocupava em realizar um teatro político e engajado.
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FOTO 1: Posição pela Carne, Genet – O Palhaço de Deus e Em nome do amor.
Apaixonado pela filosofia, os espetáculos de Barata tinham a influência de pessoas que o mesmo adorava, como Nietzsche, Barthes, Genet, Artaud, Santo Agostinho e até mesmo trechos de épicos bíblicos. A relação do corpo com a cidade, a sociedade, o desejo, a religião e a cultura eram marcas de seu teatro. Durante o processo criativo, ele pesquisava diversas teorias a fim de ajudar na encenação, ele organizava todas as crenças e teorias para depois desorganizar e assim desestabilizar, trazendo a tona verdades e coisas que feriam antigos conceitos. No entanto, uma das grandes características de Barata como encenador era trazer à tona a discussão da realidade dos marginais, dos seres abjetos, sujeitos que possuem corpos paradoxais, que de acordo com Hioka são “aqueles que estão fora da heteronormatividade, que são uma matriz exclusionária. Para Butler, o imperativo heterossexual possibilita apenas algumas identificações sexuais e rejeita ou desautoriza outras” (2008, p. 98). Em seus espetáculos, era comum o desempenho de não atores, homens e mulheres que vivem na margem, como gays, prostitutas e travestis: “Ele começa a colocar a margem, tudo que estava na margem, dentro do foco, da luz. Ele é totalmente transgressor nesse sentido. Ele sendo homossexual, um homem articulador e político, de uma família nobre, rompe com tudo isso. [...] Ele trabalha com atores e não atores, com o povo da Zona, pessoal da praça. Ele é muito inteligente. [...] Ele chama o pessoal que tinha essa vida de margem. Ele era jornalista, então ele sabia tudo que rolava no espaço dele, então ele trazia essa galera intelectual para dentro da cena para ver a margem, para ver a prostituta, o michê, dentro do palco iluminado dando o texto” (MIRANDA, 2012).
É interessante de perceber o engajamento político de Barata ao trazer as pessoas que vivem à margem para dentro dos teatros, como atores. Ao fazer isso, Barata exerce a tarefa de 39
“criar espaços por meio dos quais o sujeito subalterno possa falar para que, quando ele ou ela o faça, possa ser ouvido (a). Para ela [Spivak], não se pode falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar ‘contra’ a subalternidade, criando espaços nos quais o subalterno possa se articular e, como consequência, possa também ser ouvido (a)”. (ALMEIDA, 2010, p. 14) Enquanto Butler denomina os sujeitos marginalizados como seres abjetos, Spivak os chama de subalternos. No entanto, Spivak não considera todo sujeito marginalizado como subalterno. Para ela, subalternos são “as camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante”. (SPIVAK, 2010, p. 12) Tem uma cena que ele põe que é muito forte, que eu vi e li ela, que estavam querendo destruir o banheiro público do Bar do Parque naquela época. Era um lugar, com certeza, de encontro, deveria rolar com certeza muita transa, sei lá como que era. Eu sei que ele botava na cena dele essa coisa da destruição, ele botava todo mundo vestido de mulher, todo mundo “montado” (os homens) e fazia o protesto contra a derrubada do banheiro público. Ele levava o diálogo que ele criava, no meio do espetáculo ele levantava isso. O público todo via uma questão que nunca saia nos jornais e que ele contava dentro da peça dele, como forma de todo mundo saber disso e as pessoas começaram a se manifestar. Ele era muito inteligente. ‘Eu vou pegar a própria pessoa que é da margem, que não tem voz nenhuma e nunca vai ter e vou botar para eles falarem dentro do meu palco, porque aqui é lugar de defesa, ninguém consegue falar nada, porque o palco é o lugar da minha fala’. O povo falava o que ele queria, mas era a realidade deles. (MIRANDA, 2012).
Ao discutir frequentemente a existência ininteligível dos marginais homossexuais, Barata fez um teatro que falava sobre amor, sexo e religião, mas sem nunca levantar bandeiras: O Luís Otávio não levantava bandeira. Não levantava bandeira. Não era o tema principal, ele falava do ser humano e do amor, ele falava disso em todos os espetáculos dele. Fico até arrepiada. Na trilogia principalmente, que eu chamo de trilogia marginal no meu trabalho [...] Isso ele colocava como maneira mesmo de provocar a cidade, mas para ela acordar o homem enquanto ser humano, como amor possível, como uma fala, uma questão importante para a cidade, como algo realmente que é colocado para fora, mas não como tema principal, isso fazia parte. Ele era homossexual, ele tinha um amor que estava no grupo e os espetáculos dele falavam desse amor. Eram diários os espetáculos dele, ele queria falar desse amor. Mas nunca em espetáculo gay, ‘eu quero levantar bandeira’. Não que seja ruim, mas eu perguntei muito para as pessoas e todos disseram isso: ‘Não, não era o tema principal. O tema era o amor, mas ele era homossexual então o amor homossexual está dentro de alguns momentos. (MIRANDA, 2012). 40
Sobre o espetáculo Genet – O Palhaço de Deus, integrante da trilogia marginal. Barata afirma: Eu sempre disse, ainda que a homossexualidade seja um tema recorrente, eu acho que o que o “Genet...” debate fundamentalmente é a questão do desejo. Ainda que usando essa questão da homossexualidade. Eu acho que o desejo é uma coisa muito mais ampla. Não tem essa coisa: o desejo do veado é diferente do hetero, nada disso. Acho que o desejo é uma coisa muito mais violenta, e eu sempre defendi isto. Ainda que você lesse no “Genet...” aquele lance, aquele cheiro de pica e cu o tempo inteiro, eu acho que, na verdade, o que o “Genet...” propunha era essa desobjetivação do desejo (BARATA, Luís, 1998).
Belém, cidade das mangueiras, considerada a Europa na Amazônia, onde predominava um ar clássico, burguês, moralista e, sobretudo cristão. A engrenagem da máquina Belém trabalhava tranquilamente até que a peça Luís Otávio Barata resolveu sair do lugar e provocar a desestabilização, o estranhamento e uma grande pane aconteceu, mas ao contrário do que podem pensar, essa pane se revelou necessária, política, engajada e nada silenciosa. Falar em Barata é falar em resistência e principalmente em ruptura. Ruptura com os moldes tradicionais, burgueses (já que Barata vinha de uma família burguesa e influente) e cristãos. Seu teatro mexia, provocava o desequilíbrio, a sua forma de discursar sobre sexualidade, amor, sociedade, Deus, poder e tantos outros assuntos, incomodava. Foi exatamente por isso que seu primeiro grande espetáculo Theastai Theatron (1983), que antecede a trilogia marginal, foi censurado: Tinha uma censura dos espetáculos, que era a Mirthes, que era uma mulher muito conhecida entre eles da época, que ela entrava, ela ia para os espetáculos assistir e ela era tão burra, a criatura, que tinha duplo sentido na fala, mas eles não conseguiam alcançar isso, o que alterava eles era o nu e o palavrão. Então, tudo que tinha o nu eles queriam cortar do Luís Otávio, então ele começou a driblar [...] Ele pega o Theastai Theatron que é uma palavra grega da origem do teatro: “de onde se vê”. Ele pega essa brincadeira da palavra e ele vai falar sobre o teatro, daí põe exercícios teatrais, jogos teatrais dentro, todo mundo nu o tempo todo [...] Aí, a Mirthes vai assistir e proíbe. “Nu não pode!” Ele falava e criticava coisas da cidade, mas eles não alcançavam, o que era criticado não era a palavra, era o nu. Proibido o espetáculo, ele volta com o Thontea Staithea, ele põe ao contrário a ordem da palavra, o mesmo espetáculo, só que agora ele vai falar dessa proibição. Ele põe a Wlad imitando a Mirthes, dando ordens o espetáculo inteiro: “Não! Não”. Era a ditadura, era a repressão e ele espalha televisores [...] passando o espetáculo proibido que era o Theastai Theatron. “Já que foi proibido ao vivo, pela televisão não é”. O público fica assistindo àqueles televisores e ao mesmo tempo fica rolando uma cena de crítica e de censura em cima daquilo que tá acontecendo e criticando essa pessoa que vai e não entende nada [...] Eles não proibiram nada. (MIRANDA, 2012) 41
A censura moralista nunca representou a voz do povo e parece que Barata era o único que tinha consciência disso: No Theastai Theatron para poder voltar com o espetáculo, ele ainda tenta voltar com o espetáculo, só pode voltar se tiver tapa-sexo. Depois de umas três semanas que a Mirthes para de ir, os atores começam a perguntar para o público: “Vocês querem assistir o final do espetáculo com o tapa-sexo ou sem o tapa-sexo? Vocês quem decidem o final!” [...] O público queria assistir nu e eles continuavam o final do espetáculo sem o tapa-sexo. (MIRANDA, 2012)
Por fim, acredito que a censura (ou pelo menos a tentativa de censurar) não vinha da classe popular, do povo, que, aparentemente, sempre assistiu aos espetáculos com certa curiosidade, mas vinha da elite, das autoridades. O medo tinha sangue azul. Barata era um artista acima de seu tempo e exatamente o tipo de articulador que a cidade de Belém precisava nesta época, para que pudesse se livrar dos grilhões da ditadura. Seu teatro influência até hoje e vai continuar influenciando muitas outras gerações de artistas paraenses.
3.3 – ABRINDO UMA GAVETA: JOGOS MASCULINOS DE TERNURA E DOR
Jogos Masculinos de Ternura e Dor é um espetáculo teatral resultante da turma de 1997 do Curso de Formação em Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). Dirigido pelo Prof. Dr. Marton Maués21, o espetáculo contou com cinco atores e uma atriz. Em constantes discussões sobre o espetáculo, há aqueles que defendam ser um espetáculo com temática homossexual e há aqueles que não acreditem nesta tese, dentre eles o próprio diretor Marton Maués. Escolho Jogos Masculinos de Ternura e Dor para fazer parte desta pesquisa justamente por este motivo, esta ambiguidade no discurso e acredito que é justamente este o foco dos pilares de sustentação dos estudos queer. A Teoria Queer não quer se limitar a discutir homossexualidade. Seus estudiosos, que vêm de diversos campos disciplinares, querem analisar também a construção de subjetividades, e acredito ser exatamente este o alicerce deste espetáculo. O espetáculo tem uma grande força política e de homenagem, já que relembra a forma de fazer teatro do Grupo Cena Aberta: “O espetáculo surgiu como uma tentativa de retomar e até de fazer certa homenagem a um espetáculo que há muitos anos atrás, no início da década 21
Marton Maués é professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Fundador do Grupo de Palhaços Trovadores.
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de 1980, eu participei junto ao Grupo Cena Aberta que é o espetáculo Theasthai Theatron.” (MAUES, 2010). Jogos Masculinos de Ternura e Dor é um espetáculo que resgata o movimento do corpo, que foge do texto como centro de tudo, portanto nenhum dos atores pronuncia nenhuma palavra. Indicações foram dadas pelo diretor, histórias foram contadas e que depois viraram cenas, “a gente não queria reproduzir a vida de ninguém” (MAUÉS, 2010). A intenção era descobrir: Como os homens se relacionam de um modo em que a ternura e a dor estão próximas, sabe? Quando eu te bato, às vezes eu estou querendo de tocar, na verdade. Então, o toque masculino, às vezes, ele vem disfarçado ou num simulacro de violência, mas na verdade ele está contendo uma vontade muito grande de te tocar, então o espetáculo trabalha o tempo inteiro com isso. Ao mesmo tempo em que eles se batiam... Tinham cenas em que eles davam uma tapa na cara do outro e depois corriam se abraçavam e se beijavam. Então, ele é todo dentro dessa dicotomia. (MAUÉS, 2010).
Existe apenas uma única personagem feminina no espetáculo e que “acabou tendo uma imagem da grande mãe, de uma mãe” (MAUÉS, 2010) e isso era ainda mais reforçado pelo fato da atriz estar no final da gravidez na época das apresentações. O espetáculo trabalhava com torturas cotidianas, como em uma determinada cena em que a figura mulher-mãe dá mingau na boca do ator que odeia mingau. Isso no início causava pequenos risos na plateia até criar uma atmosfera tensa, através do uso da técnica da repetição.
FOTO 2: Atriz dando o mingau na boca do ator. FOTO: Marton Maués.
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Podemos considerar que a presença desta mulher no espetáculo representa então uma figura materna, que cuida, protege, mas ao mesmo tempo domina e reprime esses homensmeninos, que possam talvez representar seus filhos. Não pude evitar durante todo o tempo de pesquisa e de entrevistas de perceber a dimensão psicanalítica que este espetáculo representa para mim, apesar de não tê-lo visto. Todas as informações me chegaram através do elenco, diretor e de pessoas que assistiram o mesmo, e cada vez mais essa relação com a psicanálise se tornava inevitável. Lanço então aqui, uma breve tentativa de compreender, em mim, esta relação do espetáculo com a psicanálise Freudiana. Na psicanálise de Freud, existe a “disposição” sexual congênita no bebê, que representa a inclinação a desejar pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto a partir do nascimento. Segundo ele, este investimento amoroso a um objeto acontece com um de seus progenitores, ou seja, o bebê passa a desejar amorosamente um de seus pais. No caso do menino – que é o foco do espetáculo em questão – ele provavelmente passa a desejar sua própria mãe. Isso acontece devido ao fato de que no período de amamentação o leite que sai do seio materno lhe dá prazer e ele procura isso insaciavelmente mesmo estando satisfeito, fazendo com que a boca se torne uma área erógena. Durante o banho, o bebê tem seu corpo tocado e acariciado pela mãe e o desejo pelo seio materno se expande para um desejo pela própria mãe. Ela se torna o primeiro objeto de amor e esta relação vai influencialo pelo resto de sua vida. Freud não sabe com certeza o que determina a catexia objetal primitiva – isto é, porque a criança deseja um progenitor mais do que o outro -, mas ele contorna este problema atribuindo a direção do desejo do bebê ao que chama de disposições. Por “disposição” ele parece querer dizer o desejo inato do bebê por alguém do sexo oposto ou do mesmo sexo. (SALIH, 2012, p. 77).
A esta fase, Freud conceituou de Complexo de Édipo, inerente a todo e qualquer individuo, embora ele nunca tenha feito uma sistematização rigorosa sobre isto, este estudo permeia grande parte de suas pesquisas: Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é 44
superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de referência da psicopatologia. (LAPLANCHE E PONTALIS, 1992, p. 77).
Em um determinado momento, a figura masculina, o pai, aparece, formando uma triangulação. No início o filho enxerga o pai como aquele objeto que impede ele de manter o amor pela mãe, fazendo assim com que ele desenvolva sentimentos hostis e de ciúmes para com o pai, por medo de que este venha a afastá-lo de sua mãe. No espetáculo não existe a figura masculina que possa representar o pai, portanto acredito na ideia de que a própria mulher possa representar os dois, ao mesmo tempo em que ela hipnotiza os “filhos” ela também os afasta e assusta, “ela fazia o contraponto entre a mulher e o homem” (MAUÉS, 2010). Em um determinado momento: “Como ela estava grávida, tinha uma cena em que ela ficava toda nua e eles abriam o vestido dela, ela ficava em cima de uma cadeira, nua, com uma barriga enorme e eles beijavam a barriga dela.” (MAUÉS, 2010).
FOTO 3: Momento em que a mulher-mãe grávida fica nua. FOTO: Marton Maués.
Para mim, ela era a repressão. Sabe quando a mãe vai fazer o menino se arrumar? Que ela chama ele e bota cueca, bota roupa, ajeita, passa talco, passa talco na bunda, prende o cabelo? São coisas que, por exemplo, sempre incomodam o menino quando a mãe faz isso. No final ela ia embora, ele ia e tirava a roupa e ia olhar o pinto dele. Então, é muito essa relação, ela fazia esse contraponto entre a mulher e o homem. (MAUÉS, 2010). 45
FOTO 4: Cenas do espetáculo citadas acima. FOTO: Marton Maués.
Aqui, pelo fato de o espetáculo assumir uma postura ambígua, de não querer rotular-se e continuar sobrevoando os terrenos diversos do universo masculino não se torna necessário em identificar se este Complexo de Édipo será dissolvido ou não, revelando assim identidades de gênero, mas torna-se necessário apontar o jogo de subjetividades em construção. Arriscome a dizer que o uso da palavra “Jogos” no título do espetáculo foi bem oportuno. São jogos de criação de subjetividades masculinas que passeiam entre a ternura e a dor.
3.4 – NA PRATELEIRA: MARAVILHOSA ORLANDO
Maravilhosa Orlando foi um texto escrito pelo artista plástico Thomas Lee, que mais tarde viria a se chamar e ser conhecido na cidade de Belém pelo nome Antar Rohit22. Em 1999, o texto foi encenado pelas diretoras Wlad Lima e Karine Jansen 23, marcando o primeiro trabalho em dupla das encenadoras, a partir daí se seguiriam muitos outros como Macunaíma, Paixão Barata e Madalenas, Amor-Te-Mor, Tayo to Ame – Sol e Chuva e Quando a sorte te solta um Cisne na noite e outros. O nome verdadeiro do texto chama Hermes Afrodite, contava a história de uma “criatura” que nasceu hermafrodita, com os dois sexos, com pinto e com vagina, e toda a vida dele, a relação com a escola. Quer dizer, o Antar encontrou um jeito de discutir sobre sexualidade construindo o Hermes e Afrodite. Então, você via o Hermes desde o nascimento, os pais loucos, é menino/menina, a escola, a adolescência, a fase adulta, se tornou um artista 22
Arista plástico que nasceu em Los Angeles em 1960 e que se mudou para Belém do Pará aos cinco anos de idade, tendo vivido na cidade até sua morte. Durante toda a sua carreira desenvolveu a técnica de Pintura sobre Seda. Realizou diversas exposições no Brasil e no Exterior. 23 Atriz e diretora paraense. Karine Jansen também é Professora Doutora da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Uma das fundadoras do grupo Usina Contemporânea de Teatro.
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ligado à moda, as relações amorosas, ora com homem e ora com mulher, até o envelhecimento e morte. (LIMA, 2012).
Jorge Leite Jr.24, em sua tese de doutorado Nossos Corpos também mudam: Sexo, Gênero e a Invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico estuda a transformação que a imagem do hermafrodita sofre durante a história desde o período medieval até os tempos modernos, onde se constrói as categorias de travesti e transexual. Para Leite Jr. (2012, p. 15), os hermafroditas desde a antiguidade grega até o século XVIII exerciam papéis de monstros, eram criaturas cobertas de mistérios e misticismos, eram frutos da vontade dos deuses. Com o nascimento da modernidade, todo o avanço tecnológico e o nascimento do pensamento racionalista essa figura mágica e fantástica foi se dissipando no tempo até se associar a uma “simples” “anomalia fisiológica”, um “erro biológico”. Ovídio25, em seu livro Metamorfoses, narra o Mito do Deus Hermafrodito (ou Hermafrodite). Diz a lenda que Hermafrodito, filho de Hermes (mensageiro dos deuses) e Afrodite (deusa da beleza e do amor), teria herdado a força viril de seu pai e a graça e ternura de sua mãe e um dia foi banhar-se em um lago, quando a ninfa Salmákis o viu e se apaixonou de imediato, tendo a vontade de tê-lo para si, ela o abraçou tão forte que nunca mais se separaram. Dando origem a uma criatura com dois sexos, que possuía tanto características femininas quanto características masculinas. Toda essa aura misteriosa ou biológica é deixada de lado pela encenação, que aposta na comicidade das situações e no bom humor. O espetáculo foi montado pela turma de conclusão do ano de 1999 do Curso de Formação em Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA). Toda a trilha sonora foi composta por músicas do cantor Roberto Carlos, com uma banda que tocava ao vivo. De acordo com Wlad Lima o fato de o espetáculo ter músicas românticas do “Rei” dentro de um espetáculo cujo personagem principal é um hermafrodita não incomodou muito a plateia que assistiu “embalada de um romantismo. Não importa se tu estavas com tua namorada, teu namorado. Não importa. Importa que era uma relação de amor, a plateia gostava muito disso.” (LIMA, 2012). De fato, acredito que este ato possa ser considerado como uma proposta de subversão da performatividade. Para Hioka, “É a performatividade subversiva, que ocorre quando há a 24
Jorge Leite jr. é Professor Doutor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Seus estudos são de sociologia urbana, sexualidade, gênero, comunicação e arte. 25 Públio Ovidio Naso foi um poeta romano. Autor de obras como Heroides, Amores e Ars Amatoria, poesias eróticas.
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citação da norma, mas com algumas modificações que a subvertem” (2008, p. 98). Para tanto, faço a constatação de que as músicas cantadas e compostas pelo cantor Roberto Carlos prestam serviço a sociedade heteronormativa, ou seja, suas músicas são românticas e associadas, geralmente, à vida e ao amor de casais heterossexuais, como na música Mulher de 40: “Não quero saber/Da sua vida, sua história/Nem do seu passado/Mulher de Quarenta/Eu só quero ser/O seu namorado”. Servindo de trilha sonora em um espetáculo cujo personagem principal questiona as fronteiras entre o universo masculino e o feminino e que ama tanto homens quanto mulheres, essas músicas fazem acontecer a citação e a subversão da norma, respectivamente.
FOTO 5: Músicos tocando no espetáculo.
O espetáculo possui outra característica singular: a plateia era separada por sexo. Logo na entrada as pessoas eram separadas, havia a plateia feminina e a plateia masculina. A gente queria criar logo um estranhamento da plateia logo de início, sabe? Essa coisa do dia-a-dia que a gente separa homem e mulheres. Eu me lembrei de uma coisa que existia no Grupo Experiência, quando a gente viajava no Experiência, um bando de doidas, toda vez que a gente viajava, que o Experiência pedia hospedagem em colégio, colégio de freiras, colégio público ou quartel militar. E aí, as pessoas sempre diziam o seguinte: “Tá bom! A gente concorda, desde que o grupo concorde que homens durmam em um lugar e mulheres durmam em outro”, e o grupo adorava isso, que era só lésbica e gay [risos]. Todo mundo dormia com seu amor [risos]. Não tinha problema nenhum. Aí eu resolvi sacanear isso. Por quê? Porque os casais hetero seriam separados, mas os casais homossexuais não seriam separados. Aí eles comemoravam, assistiam o espetáculo abraçadinhos e os hetero do 48
lado: “Porra! A Wlad sacaneia comigo”. [Wlad respondia] “A vida inteira foi essa sacanagem e agora não?” [risos] (LIMA, 2012).
Durante toda a nossa existência social somos constantemente separados pelo sexo anatômico, como por exemplo, nos banheiros públicos, onde os homens são reconhecidos por placas que contém palavras como “cavalheiros” ou um pictograma com “chapéus masculinos”, enquanto que, mulheres são conhecidas como “damas” ou com um pictograma de um “vestido feminino”. Por trás dessas representações existe um poder, que nos antecede e que vai nos suceder, ele age em nome da segregação e da exclusão. Para Lucas Passos26, a autora Beatriz Preciado27 em seu artigo Basura y Gênero: Mear/Cagar (2002). Masculino/Feminino, aparentemente, argumenta que: O espaço público da sujeira corporal parece colocar-se a serviço de necessidades naturais mais básicas, quando, na verdade, sua própria organização opera silenciosamente como a mais discreta e efetiva das, no sentido encontrado em Teresa de Lauretis, tecnologias de gênero. Assim, os sanitários públicos, sustenta a autora, são cabines de vigilância de gênero, espaços públicos que avaliam a adequação de cada corpo nos códigos vigentes da masculinidade e da feminilidade, de forma que você se dirige ao banheiro e na porta deles existe a interpelação do gênero: masculino ou feminino? Mas não se enganem, conforme nos alerta Preciado, no banheiro não importa que necessidade fisiológica você fará, a única coisa que importa é o gênero, ele não é o lugar de desfazer da urina e da merda, mas antes, o lugar de refazer-se do seu gênero. (PASSOS, 2012).
Compreendo na fala da diretora Wlad Lima, que essa tentativa de segregar homens e mulheres, consequentemente separando os casais heterossexuais que vão ao teatro para se divertir e beneficiando os casais homossexuais que assistem o espetáculo “abraçadinhos”, como sendo também uma ação política, crítica e subversiva. Desta vez, a segregação, arma heterossexual utilizada por anos para manter os homossexuais afastados, é utilizada, com muito bom humor, de forma a brincar com a separação e “castigar” a heterossexualidade, mostrando que gostar e amar pessoas do mesmo sexo também tem seus privilégios.
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Lucas Passos é estudante do curso de Matemática da Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro do Grupo Dialogus - Estudos Interdisciplinares em Gênero, Cultura e Trabalho. Atualmente também escreve para o blog "Ensaios de Gênero" (http://ensaiosdegenero.wordpress.com/) 27 É uma filósofa feminista. Seu nome é uma das principais referências mundiais da Teoria Queer e filosofia de gênero. Estudiosa de Jacques Derrida e seu primeiro livro publicado foi O Manifesto Contra-Sexual (2002), inspirado nos pensamentos de Foucault sobre identidades e subjetividades.
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3.5 – UM MALEIRO DE LEMBRANÇAS: PAIXÃO BARATA E MADALENAS
FOTO 6: Ator Leonel Ferreira
Paixão Barata & Madalenas foi um espetáculo montado pelos alunos do Curso Técnico de Formação em Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA, em 2001. Dirigido pelas professoras Wlad Lima e Karine Jansen. É uma remontagem do polêmico espetáculo de Luís Otávio Barata que fecha sua trilogia marginal, Em nome do amor. Em nome do amor é, como o próprio título anuncia, um espetáculo sobre o amor, sendo Paixão Barata & Madalenas uma homenagem a esse amor, que Luís Otávio influenciou tanto e que nos dois espetáculos é citado no próprio título, tamanha a sua importância. Eu falo que o Paixão Barata é uma homenagem ao Em nome do amor, uma homenagem ao amor, a uma paixão, uma homenagem a você acreditar que amar alguém é... Estar apaixonado por alguém é uma das melhores coisas que tem na vida [...] Paixão Barata e Madalenas, ele é a história de amor, é a história de uma paixão. Ele trata das questões da sexualidade humana, do amor do homem, do desespero de uma mãe que perde um filho, de ciúmes, ele fala de desejos, ele fala de sexualidade, ele fala de todas essas coisas. Ele tem como inspiração – o Em Nome do Amor tinha – a imagem do homem Jesus e da mulher Maria, da mulher Madalena (JANSEN, 2012)
Na Teoria dos Atos da Linguagem de John Austin28, ele faz a distinção entre enunciados performativos e enunciados constatativos. Segundo ele, os enunciados performativos são aqueles atos de fala que provocam efetivamente alguma coisa, enquanto
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Foi um filósofo britânico que desenvolveu grande parte da atual Teoria dos Atos de Linguagem. Mais tarde, Jacques Derrida também desenvolveu um teoria de atos da linguagem baseada nos estudos Austinianos. Austin faz parte da Filosofia Analítica.
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que os enunciados constatativos “produzem certas consequências por dizer alguma coisa” (SALIH, 2012, p. 141). A partir de agora, peço licença a Austin e aos estudiosos da Teoria Austiniana para considerar como um ato de fala o trabalho de encenação do espetáculo Paixão Barata e Madalenas, pois este contém um discurso muito forte que vem não só da relação de suas encenadoras, Wlad Lima e Karine Jansen, mas também de outro grande encenador do teatro paraense já visto aqui, Luís Otávio Barata, este é o discurso do amor. Salvas as observações, podemos considerar que o espetáculo contém o que Austin chama de atos de falas ilocutórios, são aqueles enunciados capazes de provocar alguma mudança, como um padre ao dizer “Eu vos declaro marido e mulher” para um casal no altar, no entanto se ele disser a mesma coisa a dois ursinhos de pelúcia dentro do seu quarto, nada acontecerá já que não existe a possibilidade de casamento entre dois brinquedos, isso seria um ato de fala perlocutório: Austin, por outro lado, tenta distinguir enunciados que efetivamente fazem alguma coisa (sentenciam alguém à prisão perpétua, declaram um casal heterossexual marido e mulher, batizam um navio) e aqueles que produzem certas consequências por dizerem algo: ele chama os primeiros de atos de fala ilocutórios enquanto os últimos são atos de fala perlocutórios (SALIH, 2012, p. 141)
Poderíamos chamar de “encenação ilocutória” toda a encenação que realiza o que nomeia, muda, desestabiliza coisas. Como foi o caso de Paixão Barata e Madalenas – o amor não se limitava ao espaço do palco, mas excedia-o – e Em nome do amor, espetáculos capazes de provocar polêmicas e discussões sobre diversos assuntos. Austin considera que falas ilocutórias estão ligadas a seus efeitos e eles resultam do contexto e da convenção em que estão inseridos. O que separa os anos de 1990 e 2001? Dentre muitos acontecimentos, existe a queda do socialismo europeu, a Guerra Fria, a globalização, o surgimento da Internet, do telefone celular, do CD e várias mídias digitais, a tão esperada virada do milênio, a chegada do século XXI, a pós-modernidade e o ciberespaço. Mas, na verdade, o comportamento cultural das elites locais continua assustadoramente parecido. (MIRANDA, 2010, P. 144).
Podemos considerar que o que provocou tanto alarde na remontagem de Em nome do amor pode ter sido uma herança comportamental europeia na elite de Belém, que ainda se mostrava bastante tradicional e conservadora em certos pontos, embora Paixão Barata e
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Madalenas se mostrasse uma versão bem mais “subliminar e sutil da obra de Barata” (MIRANDA, 2010, p. 144). Como sabemos valores morais mudam de cultura para cultura de acordo com a época, Belém recebeu o espetáculo dessa forma mostrando um reflexo dos valores morais vigentes até então, só reforçando a ideia de Austin de que o “resultado de um enunciado performativo depende da convenção e do ritual” (SALIH, 2012, p. 143). Butler lança mais longe que Austin, ela acredita que “um ato de fala não se dá no momento exclusivo de sua enunciação, mas é a ‘condensação’ dos significados passados, dos significados presentes e até mesmo dos significados futuros, imprevisíveis” (SALIH, 2012, p. 143), ou seja, a fala constrói o sujeito e existe muito antes dele e continuará existindo até mesmo depois dele. Para Butler, nossas falas são construídas pelo discurso e ideologias existentes, tirando a noção de soberania do sujeito pelas suas falas, a soberania está no discurso que constrói elas, não livrando o sujeito das consequências e responsabilidades de suas falas e de seus atos. Para Butler, soberania e responsabilidade não são sinônimos. Se a linguagem é uma cadeia significante que se prolonga para trás e para além de quem enuncia, então seria um erro supor que quem enuncia é o produtor isolado de sua fala. Butler rejeita a noção da autonomia soberana na fala, e, embora insista que os falantes nunca estão no pleno controle do que dizem, ela também argumenta que os falantes são, em alguma medida, responsáveis por seus enunciados e, em certos casos deveriam ser processados por proferir palavras que ferem (SALIH, 2012, p. 143)
Butler parece querer culpar o discurso ao invés do sujeito que expressa sentimentos racistas, homofóbicos ou misóginos, mas na verdade ela só compreende o sujeito como ficção criada pela lei para ter a quem punir e corrigir, já que seria inviável punir o discurso ou a ideologia. Evidentemente, não seria prático nem possível processar o discurso ou a ideologia e, de acordo com Butler, é por essa razão que a lei atribui a um sujeito soberano que é fabricado para poder ser processado [...] Embora o sujeito não seja o produtor intencional de seu feito, isso não impede a lei de processar um sujeito que é construto eminentemente ficcional (SALIH, 2012, p. 146-147)
Em seu livro Judith Butler e a Teoria Queer¸ na seção A Lei, Sara Salih discute o discurso do ódio, e sobre como o sujeito que o expressa é punido. Levando em conta que Butler compartilha da mesma ideia que Nietzsche, de que “não existe ‘ser’ por trás do fazer, do atuar, do devir; ‘o agente’ é uma ficção acrescentada à ação – a ação é tudo” (1998, p. 36), pretendo mostrar a partir de agora, de acordo com minha visão, que assim como o sujeito que 52
expressa o discurso de ódio é punido e criticado o sujeito que expressa o discurso de amor também o é. O discurso de ódio pressupõe um sujeito criado pela lei para poder processá-lo, o discurso de amor também pressupõe um sujeito que poderá ser usado pela lei para ser processado e corrigido. “Assim como em 1990 Em nome do amor, causou grande polêmica junto às elites locais; é curioso notar que a remontagem realizada em 2001, sob o título de Paixão Barata e Madalenas, tenha causado o mesmo furor na mídia de Belém dez anos depois” (MIRANDA, 2010, p. 143). Esse furor causado pelo espetáculo levantou diversos discursos com opiniões convergentes, existem os defensores e os detratores, e eles estão em todas as partes, nos jornais, na classe artística e até mesmo na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. O Jornal Liberal, exibido pela filiada a Rede Globo no Estado do Pará divulgou: A peça apresenta cenas de nudismo, inclusive em cenas que retratam momentos da vida de Jesus Cristo. Isso tem causado polêmica. No início da semana, foi motivo de discussão entre os Deputados de Assembleia Legislativa do Estado do Pará. O desfile dos personagens nus no palco, durante o que seria a Paixão de Cristo desconstruída, foi o motivo que levou um grupo de Deputados paraenses a elaborar uma Nota de Repúdio ao espetáculo, que foi aprovada por maioria (JORNAL LIBERAL, 23 de fevereiro de 2001)
FOTO 7: Elenco nu durante uma cena do espetáculo.
Ao todo, 2.441 pessoas assistiram ao espetáculo, mesmo com toda controvérsia entre deputados e autoridades religiosas criticando o mesmo. A maior parte do público se revelou satisfeito, e isso se reflete não só na quantidade de espectadores, mas na forma como eles apoiavam o trabalho das diretoras.
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Para a diretora [Karine Jansen] ficou claro o posicionamento favorável do público. Para a alegria de toda a classe de artistas, a reação da plateia foi sempre educada e calorosa. Karine entrava em cena no início do espetáculo para apresentar a montagem e, no final do texto, dizia: ‘Pai, perdoai-vos. Eles não sabem o que falam. ’ “A cena foi ganhando outra dimensão. Virou uma resposta aos comentários de quem não viu o espetáculo.”, disse Karine que muitas vezes era aplaudida em cena aberta. (JORNAL LIBERAL, 2 de março de 2001).
Durante a entrevista para o Jornal, Karine Jansen continua: “Não se trata de desinformação da população em geral. É a desinformação de pessoas que representam instituições e que, pelo menos teoricamente, tiveram todas as oportunidades para aprender a perceber a estética de uma obra. Ao contrário, são pessoas que não conseguem ler metáforas, não conseguem ler poesias”, desabafa. (JANSEN in JORNAL LIBERAL, 2 de março de 2001).
Apesar das constantes críticas feitas por autoridades que tentaram rechaçar o espetáculo, Wlad Lima ainda recebeu uma homenagem, a medalha Dulce Acioly, no Dia Internacional da Mulher, pelo seu trabalho realizado na cultura. A vereadora Marinor Brito disse que a indicação aconteceu porque Wlad tem um currículo extenso nas artes cênicas e tem prestado serviço ao teatro paraense, não somente pela quantidade de produções: a qualidade dos trabalhos dirigidos por ela também foi levada em consideração. “A crítica política feita sobre o espetáculo Paixão Barata e Madalenas foi desqualificada. Parte das pessoas que fizeram as críticas nem viu o espetáculo”, disse Marinor. Trata-se também de uma resposta dada ao posicionamento a maioria dos deputados estaduais que aprovaram uma nota de repúdio ao trabalho de Wlad Lima e Karine Jansen. “Enquanto uma casa de lei, como a Assembleia Legislativa, aprova uma nota de repudio, a Câmara Municipal da como resposta a valorização desta produtora”, disse. (JORNAL LIBERAL, 2 de março de 2001).
Entre Em nome do amor e Paixão Barata e Madalenas existe uma década que os separa e ao mesmo tempo um século, já que um foi feito no século XX e outro no início do século XXI, alguns pensamentos mudaram, a sociedade mudou, mas alguns valores, aparentemente, continuaram parados no tempo, o que se justifica uma recepção tão assustada por parte da elite e ainda uma tentativa de censura.
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3.6 – O CABIDEIRO DE ROUPAS DA FAMÍLIA: AO VOSSO VENTRE
Em 2012, tive a chance de dirigir o espetáculo Ao Vosso Ventre, pelo Grupo de Teatro Universitário (GTU), dentro do Programa Jovens Encenadores, que visa incentivar os jovens estudantes de teatro da cidade de Belém a encararem a experiência na área de direção teatral. O GTU é um projeto de extensão das professoras da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA), Olinda Charone29 e Wlad Lima. Os personagens do espetáculo são mães e filhos, que ao longo dessa trajetória inversa de vida – já que a história é contada de trás para frente – vão enfrentando seus medos e descobertas, que nem sempre se revelam fáceis. O espectador acompanha a trajetória desses sujeitos, desde o momento do nascimento até o momento da morte, com uma visão inversa dos fatos. A relação mãe e filho é mostrada sob uma ótica que podemos considerar psicanalítica, se considerarmos os estudos freudianos sobre como a relação materna no período da infância pode influenciar o individuo nas relações de investimento amoroso durante o resto de sua vida. Mas essa é apenas uma teoria que tenta justificar a causa da homossexualidade, o que não é meu objetivo nesta pesquisa, e muito menos no espetáculo, enquanto diretor.
FOTO 8: Diih Arero e Mariluza Barata (à esquerda). A Pietá de Michelangelo. FOTO: Inácio Borges.
Na obra Fenomenologia do Espírito (Phänomenologie des Geistes), o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, “registra o progresso de um espírito cada vez mais autoconsciente em direção ao saber absoluto” (SALIH, 2012, p. 34).
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Atriz e diretora paraense. Olinda Charone também é professora Doutora da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Coordenadora do Projeto de Extensão Grupo de Teatro Universitário. Professora das disciplinas de Prática de Ensino I e II e Teatro e outras Mídias do Curso de Licenciatura Plena em Teatro da UFPA.
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A palavra Geistes do título original alemão tem diversas interpretações, especificamente nove – segundo Michael Inwood, que escreveu Dicionário de Hegel – duas delas são: a mais comumente utilizada, espírito, e a outra, mente. Sarah Salih em sua obra de introdução aos estudos Butlerianos, chamada Judith Butler e Teoria Queer, defende que o espírito para Hegel equivale mais ou menos a definição de sujeito para Butler: O “Geist” de Hegel se parece com o protagonista das narrativas de ficção, nas quais o herói (em geral trata-se de um homem) progride gradualmente da ignorância ao esclarecimento e ao autoconhecimento, e, embora o Espírito não seja o exatamente o mesmo que o “sujeito” de Butler, ele está suficientemente próximo, de maneira que neste capítulo, os dois termos serão usados como mais ou menos equivalentes (SALIH, 2012, p. 34).
Compreendo tanto a concepção do Espírito Hegeliano quanto a concepção do sujeito Butleriano dentro do espetáculo Ao Vosso Ventre, na figura do filho. Imagem masculina que segue o progresso natural da vida, cometendo erros, por vezes, com uma sensação de não pertencimento e deslocamento em relação ao mundo em que está inserido, a caminho do saber absoluto, do completo autoconhecimento, mas “o Espírito de Hegel [...] não chega a lugar nenhum” (SALIH, 2012, p. 35). Durante o processo criativo eu levei aos atores uma obra literária como indutora, disparadora para a criação das cenas que fizeram parte do espetáculo, de onde se tirou a figura da mãe e a figura do filho. A obra literária foi Eu sempre vou te amar, do psicólogo Daniel Sampaio. Podemos compará-la a um Bildungsroman, que quer dizer, um “romance de formação” ou um “romance de educação”, “trata-se de um romance que documenta a formação ou a educação de seu protagonista” (SALIH, 2012, p. 35-36). Podemos concluir que esta progressão da educação do herói-sujeito “que vai da crença, passando pelo erro, pelo reconhecimento e pela fase de aquisição de experiência, chegando finalmente ao saber absoluto” (SALIH, 2012, p. 36-37) é um processo dialético. Onde compreendemos a presença da tese, da antítese e por fim, da síntese, esta por sua vez será o ponto de partida para uma nova tese, que fará surgir uma nova antítese e assim uma nova síntese, isso acontece em um processo infinito, além de relativo. Faço agora um exercício de tentar reconhecer dentro do espetáculo uma cena-tese, uma cena-antítese e uma cena-síntese, sempre levando em conta o fato de que estas não são separadas rigidamente, portanto, podem ser compreendidas diferentemente por alguém que tenha visto o espetáculo. 56
Acredito que podemos considerar uma cena-tese na dramaturgia do espetáculo, o momento em que o pai e a mãe flagram o filho dormindo e usando o vestido de casamento de sua mãe. É o momento em que fica claro aos dois que o filho não seguirá o caminho “normal” que os outros garotos costumam seguir e que é tão esperado pelos seus pais.
FOTO 9: Momento em que mãe e pai presenciam o filho usando o vestido de noiva. FOTO: Inácio Borges.
A cena-antítese do espetáculo – levando em conta que a antítese surge para questionar e se opor à tese – pode ser compreendida no momento em que a mãe, apreensiva, é tomada por questionamentos opressivos e perturbadores acerca da sexualidade do filho, ainda adolescente. A cena foi criada a partir de um exercício feito com obras da pintora mexicana Frida Kahlo.
FOTO 10: Rosáurea Nascimento, Bia Fonseca, Kayo Conká, Diih Arero e Mariluza Barata representam “A Coluna Partida” (1944), de Kahlo. FOTO: Aníbal Pacha.
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Por fim, a cena-síntese do espetáculo – a síntese carrega em si os elementos resultantes do embate entre a tese e a antítese – entendo o momento em que o filho tem a conversa definitiva com sua mãe sobre sua sexualidade.
FOTO 11: Larissa Souza e Victor Braun, como mãe e filho, respectivamente. FOTO: Aníbal Pacha.
Para concluir, podemos constatar que o entristecido herói de Ao Vosso Ventre não tinha alternativa senão se sentir deslocado do mundo, por final. Ele viveu toda a sua vida como uma folha que é jogada aos quatro cantos pelo vento e em cada canto se coisifica e se torna algo diferente, assim “o sujeito hegeliano não é um sujeito idêntico-a-si-mesmo que viaja satisfeito de um lugar ontológico para outro; ele é suas viagens, e é cada lugar no qual ele se encontra” (BUTLER, 1987, P. 8).
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4. OS TRÂNSITOS DO ARMÁRIO: UM PROCESSO INACABADO
Nesta última seção busco compreender esse teatro que se quer queer, tendo como base os diversos espetáculos da cidade de Belém que a partir da década de 1980 discutem a existência de grupos marginalizados pela sociedade heterossexual, machista, branca, católica e burguesa. Dentro desta pesquisa meu foco é o discurso cênico da homossexualidade e do amor homossexual. Para entender esse teatro que pode ser queer, dialogo com o referencial teórico e metodológico de grandes filósofos do século XX, os franceses Deleuze e Guattari, mais especificamente o conceito de transversalidade, criado na década de 1960 por Guattari. Acredito que essa vertente de teatro da cena paraense possa ser considerada rizomática, logo faço uma breve introdução ao pensamento rizomático destes dois grandes filósofos. É importante deixar claro como raciocino este teatro que discute a homossexualidade, portanto trabalho com um gráfico de todos os 16 espetáculos mapeados durante esta pesquisa e relaciono com algumas das diversas áreas do conhecimento que abraçaram a teoria queer desde o seu surgimento. Mesmo fazendo a análise de apenas cinco espetáculos, por motivo de extensão, haja vista que em um trabalho de conclusão de curso se tornaria inviável refletir sobre todos, decido revelar quais são esses outros espetáculos e seus encenadores, para entendermos que aqui, na cidade das mangueiras, esta prática de discussão de temas considerados tabu é bastante constante. Este gráfico revela-se importante por outro motivo, assim posso revelar os trânsitos que este teatro sofreu com o passar do tempo e finalmente responder meus questionamentos desta pesquisa, apresentados na introdução desta monografia. Esta resposta revelará uma linha oblíqua, que não é nem horizontal e vertical, dialogando assim com o conceito guattariano de transversalidade, e mostrando assim, um pensamento, um teatro que pode ser pensado como rizomático.
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FOTO 12: Gráfico do caminho transversal dos espetáculos queer
Este gráfico, aparentemente, pode soar caótico e sem sentido à primeira vista, para quem não conhece os espetáculos em questão e desconhece a discussões levantadas, mas é em meio a este caos e desorganização que esse caminho se faz transversal, nem horizontal e nem vertical, dialogando com diversas áreas do conhecimento. Nele, no gráfico, coloco apenas as áreas estudadas na seção anterior, sempre interligadas com os espetáculos que fizeram diálogos. Por exemplo, na seção anterior traço a dimensão psicanalítica que Jogos Masculinos de ternura e dor possui, por isso a ligação entre ele a psicologia, no gráfico acima. Faço a mesma coisa com Maravlhosa Orlando, que realizo uma análise sociológica do espetáculo. Já em Paixão Barata e Madalenas faço um contato com a linguística de John Austin e em Ao 60
Vosso Ventre faço uma análise com a filosofia, todos trânsitos estão delineados no gráfico. Os espetáculos cujas análise não foram realizadas, por motivo de extensão, estão presentes, mas não estão conectados a nenhuma área do conhecimento, deixando abertas futuras interpretações. É possível enxergar no gráfico uma miscelânea de caminhos entre um espetáculo e outro, é possível também perceber que alguns possuem mais conexões e acessos do que outros, é o caso da Trilogia Marginal de Luís Otávio Barata que está conectada a quase todos os espetáculos, seja de forma direta ou indireta. É possível perceber assim que o teatro que Barata realizou é o coração que bombeia sangue, vitalidade e imaginação para todos os outros espetáculos e seus encenadores desse corpo de Teatro Queer. Desta forma, esse gráfico, mapeia esses trânsitos transversais e mostra diversos acessos de entrada e saída, sendo que esses acessos não possuem ordem cronológica ou de entendimento, qualquer recorte feito produzirá novos rizomas, com novas linhas de fuga.
4.1 – O PENSAMENTO RIZOMÁTICO DE DELEUZE E GUATTARI
O conceito de rizoma foi criado por Deleuze e Guattari no final da década de 1970. Em primeiro lugar, o pensamento rizomático se contrapõe ao pensamento arborescente, que cria hierarquizações no saber. Os sistemas arborescentes são sistemas hierárquicos que comportam centros de significação e de subjetivação, autômatos centrais, assim como memórias organizadas. Os modelos correspondentes são aqueles em que um elemento não recebe suas informações senão de uma unidade superior, e uma afetação subjetiva, de ligações preestabelecidas. Isso fica claro nos problemas atuais da informática e das máquinas eletrônicas, que conservam ainda o mais velho pensamento, na medida em que confere o poder a uma memória ou a um órgão central. (DELEUZE; GUATTARI, 1980, p. 25).
Para nossos filósofos, “o pensamento não é arborescente, e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada” (DELEUZE; GUATTARI, 1980, p. 24). O conceito de rizoma é uma grande rede que interliga partículas de todas as naturezas, sem gerar verticalidade e hierarquizações. É a arte da multiplicidade, propondo inúmeras conexões, entradas e saídas. É uma rede aparentemente caótica, mas que no meio desse caos existe um sentido, ou melhor, inúmeros sentidos. O rizoma propõe novas formas de trânsitos. O pensamento rizomático consiste na ideia de partículas/raízes que formam uma imensa rede e mutuamente ajudam a criar um centro maior e único, mas ainda assim, múltiplo.
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De acordo com eles o rizoma é regido por seis princípios. São eles: O princípio da conexão, o princípio da heterogeneidade, o princípio da multiplicidade, o princípio de ruptura assignificante, o princípio de cartografia e o princípio de decalcomania. Faço agora uma análise de alguns princípios, considerados mais relevantes para esta pesquisa. O primeiro princípio é o da conexão. Enquanto no paradigma arbóreo as relações entre os pontos precisam ser categorizadas – entende-se que esses pontos são os galhos de uma arvore que não se encontram jamais – no pensamento rizomático, qualquer ponto do rizoma pode se conectar e interligar a outro. Entendo que, alguns dos espetáculos que analisei no capítulo anterior, de forma direta ou indireta, a maioria dos espetáculos possuía certa influencia do fazer teatral de Luís Otávio Barata, a partir de sua trilogia. Por exemplo, Jogos Masculinos de Ternura e Dor surgia como uma homenagem ao espetáculo Theastai Theatron. Apesar de Maravilhosa Orlando vir de um texto que Luís Otávio Barata achava “muito cafona” (LIMA, 2012), ele foi montado do mesmo jeito, nas palavras de Wlad Lima: “Eu vou montar, vou mostrar para ti que eu faço o que eu quero. [risos] Esse embate começava daí, ele se metia, ele falava mal, ele colocava apelido nos atores [risos]” (LIMA, 2012). Enquanto que, Paixão Barata e Madalenas surgia como uma releitura de um de seus maiores espetáculos, Em nome do amor. O segundo princípio é o da heterogeneidade. Cada um dos traços relacionados não precisa remeter somente a outros traços da mesma natureza. Por exemplo, quando comecei a pensar no projeto para dirigir o espetáculo Ao Vosso Ventre, parti do princípio de que tanto o trabalho dos atores quanto a dramaturgia seriam construídos a partir de indutores que viriam de diversas artes, como as esculturas de Camille Claudel, as pinturas de Frida Kahlo e as fotografias de Jan Saudek. Ao assistir o espetáculo é possível perceber, para quem conhece o trabalho destes artistas, a influência sofrida por eles, desde a cenografia, passando pelo figurino até a dramaturgia. Multiplicidade é o terceiro princípio. O rizoma é sempre multiplicidade que não pode ser reduzida à unidade; uma árvore é uma multiplicidade de elementos que pode ser “reduzida” ao ser completo e único árvore. O mesmo não acontece com o rizoma, que não possui uma unidade que sirva de pivô para uma objetivação/subjetivação: o rizoma não é sujeito nem objeto, mas múltiplo (GALLO, 2003, p. 93-94).
Cada espetáculo mapeado nesta pesquisa pode ser considerado um rizoma deste teatro que chamo de queer e as cenas destes espetáculos podem ser consideradas como novos rizomas e que, por sua vez, geram outros rizomas, sem nunca revelar hierarquias. 62
No espetáculo Ao Vosso Ventre, a história de mãe e filho é contada de trás para frente através de cenas fragmentadas, ou seja, a história não possui linearidade, uma cena não depende da outra para existir. No pensamento arbóreo, a multiplicidade de elementos pode ser resumida a um centro único, a árvore. No pensamento rizomático, o espetáculo Ao Vosso Ventre não pode ser resumido apenas em sua encenação ou em sua dramaturgia, assim como, sua dramaturgia não pode ser resumida em uma cena. Tudo está conectado e tudo é rizoma de tudo. O que nos leva ao quarto princípio do rizoma. A ruptura assignificante, também conhecido como o conceito de Devir. É o princípio que permite que o rizoma seja quebrado, rompido em qualquer lugar, fazendo surgir novos rizomas com novas linhas de fuga. Todo rizoma compreende linhas de segmentariedade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 18).
O espetáculo Ao Vosso Ventre ao longo de suas apresentações e de suas temporadas foi sofrendo algumas alterações em sua dramaturgia e encenação. Algumas cenas foram cortadas, substituídas e outras foram criadas, como em um processo de maturidade não só do espetáculo, mas todos nele envolvidos. Esse processo de repensar algumas coisas dentro do espetáculo, hoje, me faz acreditar que o teatro é sempre um jogo de devir, ele pode ser tudo ao mesmo tempo. Quebra-se com a ideia de um espetáculo que está feito e acabado, territorializado, ele pode (e deve) sempre se reterritorializar, provocar novas rupturas e encontrar novas linhas de fuga. “Como encenadora, vejo também o meu trabalho como um jogo do Devir. Através de inúmeros espetáculos me enxergo em núpcias com diferentes reinos, tanto quanto o ator. Na verdade, penso ser todo trabalho de criação artística, DEVIRES” (LIMA, 2008, p. 25). Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem se ajustar a um modelo, seja ele de justiça ou de verdade. Não há um termo de onde se parte, nem um ao qual se chega ou se deve chegar. Tampouco dois termos que se trocam. A questão ―o que você está se tornando?‖ é, particularmente, estúpida, pois à medida que alguém se torna, o que ele se torna muda tanto quanto ele próprio. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, núpcias entre dois reinos.(DELEUZE; PARNET; 1998, p. 10).
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Penso que esse teatro que venho chamando de queer também pode ser um teatro do devir, do brincar de ser. Um teatro que sempre se propõe rupturas para que surjam novas linhas de fugas. Em uma divagação minha, acredito que esse Teatro Queer também pode estar não só em dois lugares ao mesmo tempo, mas em inúmeros lugares. Ele pode ser rizomático e, consequentemente, de devir, também pode ser líquido (de acordo com o conceito do sociólogo Zygmunt Bauman), melancólico (de acordo com o conceito do pai da psicanálise, Sigmund Freud) e etc. Mas estas observações, em nível de suposições, podem ficar para uma pesquisa posterior, a serem confirmadas (ou não).
4.2 – OS ESPETÁCULOS TEATRAIS QUEER E SEUS RESPECTIVOS ENCENADORES
Listo agora todos os espetáculos mapeados: Trilogia Marginal (1987/89/90), de Luís Otávio Barata; A Dama da Noite (1990), de Wlad Lima; Hamlet (1992), de Wlad Lima; O Amor abandonado de Jennifer (1996), de Wlad Lima; Jogos Masculinos de Ternura e Dor (1997), de Marton Maués; Maravilhosa Orlando (1999), de Wlad Lima e Karine Jansen; Paixão Barata e Madalenas (2001), de Wlad Lima e Karine Jansen; Aguardente (2002), de Wlad Lima; Laquê (2007), de Wlad Lima e Claudio Barros; Quando a sorte te solta um cisne na noite (2008), Wlad Lima e Karine Jansen; Ópera Profano (2010), de Haroldo França e Gual Dídimo; Seis Meses Aqui (2010); de Maurício Franco; Aldeotas (2011), de Henrique da Paz; Ao Vosso Ventre (2012), de Kauan Amora. A escolha destes cinco espetáculos, analisados na seção anterior, foi feita de forma pessoal, priorizando-se a discussão levantada – pensando nas reflexões que tal discussão poderia provocar – e no tipo de poética abordada pelo encenador. Entendo que os cinco espetáculos escolhidos nesta pesquisa não se revelam de maior importância em relação aos outros não escolhidos, mas são frutos de um contexto no qual eu, pesquisador, estava inserido. A ideia é de que nenhum espetáculo pode ser considerado mais importante do que outro, já que são todos rizomas, formados por outros rizomas, e que formarão outros rizomas, e todos pertencem a essa rede maior que chamo de Teatro Queer. Outro critério existiu na escolha destes espetáculos: eu não vi nenhum deles, com exceção de Ao Vosso Ventre, espetáculo que dirigi. Tomei essa decisão para aproveitar de uma liberdade de interpretação e de análise. Entrevistei o(s) encenador (es) de cada espetáculo – em relação a Trilogia Marginal entrevistei Michele Campos de Miranda, pesquisadora de Luís Otávio Barata – obtendo-se um olhar terceirizado, por assim dizer, de cada espetáculo. 64
Assim como tive a chance de fabular, “isto é, pensamento que cria, inventa, destrói, reconstrói, conecta etc.” (LIMA, 2008, p. 20), você, leitor, também terá a chance de fazê-lo, gerando assim, novas interpretações e análises de cada espetáculo, de acordo com suas experiências e histórias de vida artística (ou não). Estas novas intepretações que serão construídas acerca de cada espetáculo poderão ser consideradas como rizomas. Rizomas de uma nova rede que se cria dentro deste Teatro Queer.
4.3 – COMO A HOMOSSEXUALIDADE VEM SENDO DISCUTIDA AO LONGO DOS ANOS NA CENA TEATRAL PARAENSE?
Como havia dito na introdução, meu principal objetivo não é apenas descobrir se as pessoas estão mais conservadoras hoje em relação à discussão da sexualidade na arte do teatro, mas revelar como os trânsitos deste teatro têm acontecido. Revelar sua trajetória, desde a década de 1980 até os dias de hoje. Acredito que o recorte temporal de pouco mais de três décadas que faço não é uma regra. Se em outra pesquisa outro recorte de tempo for selecionado, seja maior ou menor, o resultado ainda se apresentará o mesmo. Por isso, acredito que o conceito de transversalidade de Guattari se torna crucial, permitindo-nos diversos acessos de entrada e saída. A homossexualidade, como discussão cênica, vem sendo discutida de forma transversal. Transversalidade são os movimentos do rizoma, que seguem uma forma aparentemente caótica, sem prioridades de circulação, como em um labirinto. O conceito de transversalidade amplia a discussão de uma forma múltipla, ou seja, vai contra uma compartimentação ou engavetamento de discussão, não é disciplinar. Dentro deste Teatro Queer, o movimento transversal torna-se vital, já que ele permite uma maior gama de discussões. Não se fala ou protesta apenas sobre o homossexual, mas sobre sua existência marginalizada e policiada, o que leva a discussão da realidade que permeia os arredores da Praça da República, como Luís Otávio Barata costumava fazer, se fala sobre o amor visceral, se fala sobre o cotidiano das prostitutas da Zona do Meretrício, sobre a violência, sobre o sexo proibido, a condenação ao silêncio. Todos esses assuntos que traziam (ou trazem) a tona uma discussão muito maior, o descaso ou mesmo a agressão das autoridades políticas da cidade em relação a estes marginais. Quando Luís Otávio Barata colocava uma cena em seu espetáculo onde um banheiro era destruído no palco por seus atores, ele estava chamando a atenção e
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protestando contra a destruição dos banheiros do Bar do Parque. O fato é que os banheiros ainda estão lá, não posso afirmar se foi por sua causa, mas eles ainda estão lá. O Teatro Queer é usado de diversas formas, seja como contestação política e ideológica, ou como forma de sublimar os sentimentos. De acordo com Theodor Lipps (apud NUNES, 2006, P. 59) a projeção sentimental na arte é o: ... Fundamento da experiência estética, é a tendência dos sentimentos para se projetarem nos objetos, cuja representação afeta positiva ou negativamente o dinamismo da vida interior. Se a representação de um objeto favorece esse dinamismo, a vida interior, que é atividade da consciência, expande-se, e então sentimos prazer com o que captamos exteriormente. Em caso contrário, ele se retrai; fecha-se, por assim dizer, aos objetos que não a estimulam.
Esta projeção sentimental também pode ser considerada como ato de sublimação, conceito psicanalítico de Freud, para quando o homem se utiliza de toda sua energia sexual para realizar atividades humanas reconhecidas com maior valor moral, como atividades intelectuais ou artísticas.
4.3.1 – A cartografia como ponto de ruptura: suas semelhanças com a abordagem genealógica de Foucault e sua relevância nas pesquisas em Artes em Belém do Pará
O pensamento cartográfico representa uma ruptura na história do pensamento humano e é relativamente recente. Utilizar a cartografia, um dos princípios do rizoma, como metodologia de pesquisa, dentro de qualquer área, representa uma nova forma de organizar o pensamento e de problematizar verdades. A cartografia tem um caráter tão problematizador quanto a Teoria Queer, talvez por isso as duas tenham tanta afinidade e funcionem muito bem juntas, colocando os estudos de gênero e sexualidades que utilizam como metodologia a cartografia, em evidência. Uma dessas pesquisas é a intitulada Homofobia, processos de subjetivação e construções de identidades de gênero na cidade de Assis, realizada entre os anos de 2008 e 2009, por Daniel Kerry dos Santos e Fernando Silva Teixeira Filho. Outra pesquisa relevante ao caso é a dissertação de Taciano Valério Alves da Silva, intitulada Cartografia da sexualidade masculina em filmes e romances escritos de guerra, de 2008.
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Aqui, na cidade de Belém, esta pesquisa, Os trânsitos do Armário: Um estudo cartográfico de um teatro queer na cidade de Belém do Pará se revela uma destas pesquisas que unem a cartografia como metodologia dos estudos de gênero e sexualidades dentro do teatro. Mas, a cartografia também é usada por outros pesquisadores, dentro da área do teatro, para a discussão do trabalho do ator, como na dissertação de Wlad Lima, intitulada Dramaturgia Pessoal do Ator, na sua tese de doutorado intitulada O teatro ao alcance do tato e ainda na dissertação de Alberto Silva30, intitulada Memórias de um ator em construção: Reinvenção de processos criativos como fonte de aprendizado. Prado-Filho (apud SANTOS; TEIXEIRA FILHO, 2010, p. 2) aponta que Nietzsche e Foucault representam uma ruptura fundamental dentro da ciência, colocando em xeque relações de poder e de verdade, lançando o que ele chama de olhar perspectivista, que “não tenta substituir uma verdade por outra ‘melhor’ ou ‘mais objetiva’, mas coloca-se no jogo do discurso como visada histórica possível entre outras” (PRADO-FILHO, 2006, p. 29). Santos e Teixeira Filho ainda propõem que, nesta linha perspectivista, sejam compreendidos os princípios cartográficos de Deleuze e Guattari. Acredito que a importância do método da cartografia dentro das pesquisas em artes (sem deixar de contemplar também todas as outras áreas do saber) se deve ao fato dela “criar ferramentas de análise e problematização, sem a intenção de erigi-las em modelos baseados em regras e procedimentos pré-definidos, capazes de serem aplicados, replicados e generalizados”. (ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011, p. 454), dando uma maior liberdade ao pesquisador, visando a “ressignificação de modos de fazer pesquisa” (ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011, p. 455). Junto com a cartografia de Deleuze e Guattari, existe também o que Foucault chamava de genealogia, advindo de uma terminologia Nietzschiana, onde ele procurava investigar como os discursos políticos são construídos, os interesses que eles cumprem e formam sujeitos, que são na verdade, efeitos das instituições de poder. A abordagem genealógica em Foucault, adotada por Judith Butler nos estudos da teoria feminista, inaugura uma nova forma de saber, de investigar discursos e sistemas de poder que, assim como a abordagem cartográfica de Deleuze, estuda a razão como conhecimento, e põe em xeque a busca incessante por verdades rígidas e por objetividades. A utilização de uma abordagem que seja cartográfica, portanto rizomática, ou de uma abordagem que seja genealógica, no sentido foucaultiano, significa um expressivo ponto de
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Ator, pesquisador e diretor paraense. Alberto Silva também é professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Um dos fundadores do grupo Usina Contemporânea de Teatro.
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ruptura onde estes métodos não se apresentam pré-determinados e não possuem um conjunto de regras cristalizadas, são mais apostas de experimentação de produção do conhecimento. Passos, Kastrup e Escócia (2009 citados por ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011, p.455), na introdução do livro Pistas do método da cartografia, apontam a reversão da palavra metodologia, de METÁ-HÓDOS para HÓDOS-METÁ, ou seja, o caminho, o processo percorrido se torna mais interessante e profícuo do que as metas a serem alcançadas, o caminho não é mais pré-determinado e ajustado de acordo com as metas, ele se torna uma vivência de experimentação. Portanto,
nesta
pesquisa,
me
interessam
os
trânsitos
percorridos
pela
homossexualidade enquanto discussão cênica no teatro paraense, para depois compreender este Teatro Queer, ou sequer se ele existe. Compreendo que existe uma necessidade de se investigar esse teatro “estranho” a nível cirúrgico, mas isso requer uma pesquisa mais extensa e que exige mais tempo, e que pretendo dar continuidade em outros momentos.
4.3.2 – O que deve ter de tão queer no Teatro Queer?
Falar em Teatro Queer é inovador, até ousado, mas precisa-se compreender como andam os estudos queer ao redor do mundo hoje em dia. Nos últimos anos, os estudos e estudiosos queer vêm sendo acusados de estarem defasados e normalizados. Como explica Janet Jakobsen (apud O’ROURKE, 2006, p. 128): Se é verdade que, de início, as políticas queer prometiam uma alternativa à problemática da libertação gay, o facto também é que elas têm ficado demasiado aquém dessa expectativa, como de resto vem sendo constatado por uma série de estudiosos e de ativistas e como é deixado claro pelos organizadores deste número especial. Só muito raramente a resistência queer conseguiu dar corpo à possibilidade de conexões entre múltiplas identidades, que a passagem da abordagem gay para as posições queer acalentara a esperança de operar (JAKOBSEN, 2005, p. 287).
O’Rouke em seu artigo Que há de tão queer na Teoria Queer por vir? concorda com Jakobsen: Estou plenamente de acordo com a ideia de que os estudos queer (ao contrário do que sucede com os estudos de temática gay/lésbica) atingiram um estado de paralisia e que a eventual promessa de uma vida remoçada passa por um envolvimento com a política global e pela despromoção da sexualidade enquanto seu único objeto próprio de perquisição crítica e de indagação teórica. (O’ROURKE, 206, p. 128). 68
Convém aqui dizer que as origens da palavra queer traduzem um “revirar”, “retorcer”, “girar”, o que inicialmente foi absorvido (ou pelo menos prometido) pela política queer, mas que ultimamente tem sido inteiramente questionado. O queer deve ser constantemente remodelado de acordo com o que estar por vir: Se é para ser lugar de contestação coletiva, ponto de partida de uma série de reflexões históricas e de um imaginar futuro, o termo queer terá de continuar a ser aquilo que, presentemente, não é nunca plenamente assumido, mas antes sempre e apenas realinhado, distorcido, “queerado” a partir de um uso anterior e apontado a um objetivo político premente e em expansão. (BUTLER, 1993, p. 228)
Em frente ao questionamento “O que há de tão queer na Teoria Queer hoje?”, os autores David Eng, Judith Halberstam e José Esteban Muñoz chegam a exigir um estudo queer renovado, e de fato, “procuram, assim, cartografar para os estudos queer um terreno político prementemente novo, que se afigura como infiel ou traidor ao campo tal como ele é hoje imaginado” (O’ROURKE, 2006, p, 131). Sendo assim, pensar em um Teatro que é Queer é pensar em um terreno político novo, necessário, lugar de rasgar a pele, expor as vísceras e contestar a realidade. É um caminho (HÓDOS) para renovar, moldar, queerar, “de forma a acolher – sem com isso domesticar – a contestação democratizante que tem vindo e continuará a redesenhar os contornos do movimento de formas impossíveis de prever ou impedir” (BUTLER, 1993, p. 228). O Teatro Queer deve ser um teatro vadio. “Como afirma Derrida, o vadio é aquele que permanentemente despista, seduz, atrai, que nos ‘alicia a abandonar o caminho di-recto’ (o caminho ‘straight’)”. (O’ROURKE, 2006, p. 132). O Teatro Queer deve ser um “fora da lei”, marginal, que mora nas ruas, condenado ao silêncio, infame, correndo o risco constante de ser vigiado e punido. Um teatro como esse só poderia existir em uma cidade onde, reza a lenda, descansa sobre uma imensa cobra adormecida e que pode acordar a qualquer instante e nos penetrar como se fôssemos um imenso órgão genital.
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5. ASPECTOS CONCLUSIVOS: O ARMÁRIO DE PORTAS FECHADAS (OU ENCOSTADAS)
De volta ao início. A segunda seção desta pesquisa se revela como uma tentativa de organizar o pensamento para não só compreender o que é a Teoria Queer, mas para compreender quais foram e quais são os fatores que a influenciaram e continuam a influenciando em sua existência, compreender quais são suas matrizes que possibilitaram e possibilitam que ela exista hoje. A terceira seção apresentou uma livre análise de cinco espetáculos da cidade de Belém que dialogam com diferentes áreas do conhecimento que abraçaram, mesmo que de forma indireta, a Teoria Queer. A seção quatro objetivou a responder algumas questões iniciadas no início da pesquisa e se propôs a levantar outras para apontar futuras pesquisas, já que este terreno é muito fértil. Realizar este Trabalho de Conclusão de Curso me possibilitou experiências indescritíveis acerca deste terreno que venho pisando e preparando desde a disciplina de Metodologia de Pesquisa em Artes, como falei no início deste texto. Essas experiências me possibilitaram um grande amadurecimento artístico, acadêmico e até mesmo pessoal e sem querer soar exagerado, realizá-la é um grande passo na tentativa de compreender quem eu sou. O Armário desta cartografia não fica de portas trancadas e nem permanentemente abertas, suas portas revelam-se apenas fechadas/encostadas, permitindo acesso livre a ele, esta pesquisa se revelou apenas uma forma de entrada. Dentro dele, existiram e ainda existem diversas formas de expressões artísticas, que ficam escondidas e guardadas dentro de cada compartimento, por mínimo que seja, e que revelam um novo mundo, novas possibilidades, novas formas de expressão, sejam elas artísticas ou também emocionais. A análise de cinco dos 16 espetáculos mapeados durante esta pesquisa revela o teatro como um novo e forte terreno e ferramenta de discussão de temas com relevância política e social, sempre em interface com outras áreas do conhecimento, seja a sociologia, filosofia, psicologia, ou qualquer outra área abraçada pelos estudos queer. Além disso, o teatro utilizado como um novo terreno político para os estudos queer pode ajudar no tão clamado rejuvenescimento, na remodelagem da política queer, de acordo com um futuro que está por vir, resistindo a uma realidade normalizadora. A afinidade entre a arte, mais especificamente o teatro, e a política queer faz render bons frutos, sejam eles artísticos ou acadêmicos, revelando uma nova forma de pensar queer, pensar estranho e colocar em questão formas 70
tradicionais e rígidas de pensar. Ter utilizado como referencial teórico os pensamentos filosóficos de Deleuze e Guattari nesta pesquisa, aliando-se a proposta de um Teatro Queer só ajudou a compreender com mais clareza o fortuito terreno que está por vir e que merece ser ainda mais investigado, na cidade de Belém. A cidade de Belém e todo seu misticismo exercem um importante papel para a existência do Teatro Queer. Belém, talvez mais do que muitas cidades brasileiras, é muito vil, pulsante, sexual, marginal, levando em conta todo seu trajeto histórico, desde movimentos como a Cabanagem, ou até mesmo os mitos amazônicos, tem um povo que é coberto por uma aura mística, “perigosa”. Belém é um local que convive com prostitutas e viados que frequentam os mesmos lugares que filhos ricos de políticos e empresários da cidade. Todo seu povo é muito sexual. Sexualidade que transpira no batuque, no dançar do carimbó ou até mesmo no corpo sujo e suado que acompanha na corda, Nossa Senhora de Nazaré. Por isso o teatro daqui é queer, heterossexual, é bissexual, é negro, é branco, é judeu, é africano, é católico, é evangélico... Este armário, que percorreu caminhos e trânsitos transversais guattarianos, revelounos uma imensa quantidade de obras cênicas cuja existência de identidades marginais era a principal discussão cênica, apontando na cidade de Belém, a existência de um Teatro Queer, que precisa ainda ser muito investigado e revelado, a fim de provocar um diálogo com o homem que habita esta cidade. O Teatro Queer é uma nova vertente do teatro contemporâneo, uma realidade inegável, necessária, que surgiu na segunda metade do século XX. Aqui, na cidade de Belém, está inserido na ótica do teatro experimental que Luís Otávio Barata tanto inspirou e deixou de herança. Percebo que Luís Otávio Barata foi e continua sendo o grande nome artístico na história do teatro paraense, mesmo depois que saiu da cidade de Belém para nunca mais voltar, profundamente magoado e decepcionado e alguns anos depois ter morrido em São Paulo em 2006, seu nome e seu modo de fazer teatro ecoam entre as mangueiras e sua alma ainda parece vagar pela cidade. Grupos e artistas de teatro aprenderam com ele a fazer um teatro politicamente engajado, inspirado, um teatro cheio de amor. De todos os espetáculos estudados nesta pesquisa, a grande maioria teve a influência de um teatro que Barata ajudou a fazer, sendo homenagens ou até mesmo releituras. Na cena experimental ele deixou heranças, deixou pessoas, que seguem fazendo o mesmo tipo de teatro, com discursos e críticas ferrenhas, que ferem e que depois em um ato de perdão, fazem carinho. Não importam os 71
termos, seja um Teatro Queer ou um teatro homoafetivo ou até mesmo um teatro marginal, Barata fez teatro com amor, com paixão com sentimentos que transcendem os limites da compreensão. Fecho agora as portas deste armário, mas elas não ficam trancadas e nem permanentemente abertas, ficam encostadas, para que assim eu e novos pesquisadores nos sintamos instigados em uma forma de fazer teatral queer propondo sempre novas investigações nesse armário e podendo revirá-lo conforme a necessidade. O armário fica a espreita e a espera de ser descoberto novamente.
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