InTrance

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ANO 01 - ED ESPECIAL

PORQUE UM FESTIVAL DE TRANCE NÃO É UMA FESTA RAVE


ANO 01 - ED ESPECIAL

INTRANCE nasce no memento em que nossa cena mostra-se em grande acensão novos produtores surgindo, novos coletivos, novos artistas, a todo momento são lançados V.A, tudo isso graças ao avanço e o fácil acesso a informação, mas ainda faltava um meio de comunicação que documente este momento que estamos vivendo, então eis que surge a ideia de criar-se a INTRANCE. Uma revista que abrange o trance em todos os seus aspectos, seja como movimento de resistência, seja como parte de uma sonoridade, seja como mercado, onde abordamos pontos como organização, produtores, produção, artistas, mas principalmente o público. Fazendo desta revista um elemento indispensável tanto para aqueles que conhecem e vivem dentro dentro do trance, e mais ainda para aqueles que ainda desconhecem, e desejam descobrir este mundo novo. Nesta revista serão apresentados novos artistas, e outros já conhecidos pelo grande público, coletivos, gravadoras, além de entrevistas, artigos, calendário de eventos nacionais e internacionais, playlist indispensáveis, e muito mais, ou seja, INTRANCE se torna uma caixinha de surpresas para todos que querem conhecer a cultura trance na sua essência. Para iniciarmos nossos trabalhos, teremos em nossa primeira edição um pouco da história do trance, como tudo começou, e como chegou ao nosso pais, e você poderá conhecer os responsáveis Por essa jornada. As primeiras festas, e como o movimento Acid House influenciou a cena psy trance, entender de forma simples porque uma festa rave não pode ser chamada de festival, compreender os elementos que compõe um festival de trance, além de muitos outros tópicos. Depois de ler esta revista você vai enxergar a cultura trance com outros olhos. SEJAM TODOS BEM VINDOS E BOA LEITURA



Origin Festival Fonte: originfestival.com

O movimento do Trance Psicadélico gira à volta de uma ligação estreita à cultura oriental e às religiões budista e hinduísta. Tal não é de estranhar, visto que já no seu gênese esta contracultura deriva da migração do movimento “hippie” para o Oriente. É natural também que, por se relacionar com rituais xamânicos, o ambiente criado à volta das festas e festivais leve os participantes a iniciar-se em experiências com substâncias alucinogêneas, algo que “ajuda” a viagem ambicionada e fundada nas bases de Goa. Toda a decoração das festas e as próprias roupas de grande parte dos indivíduos que nelas participam

têm como principal objectivo promover a experiência psicadélica, potenciá-la além do som na pista de dança. Normalmente, as festas estruturam-se da seguinte forma: o som começa ao anoitecer, iniciando-se com um “Full On Hi-Tech” e passando rapidamente para o noturno. Atualmente e cada vez mais, as festas tendem a “chamar” mais projetos de “Dark Trance”, pois a noite é parte fulcral de toda a experiência e essa sonoridade é a que demonstra maior potencialidade para a experiência psicadélica. Ao amanhecer, as sonoridades variam entre o “Full On Nocturno” e o “Hi-Tech”, passando rapidamente para o “Morning” e, caso a festa tenha uma maior


duração, o Trance Progressivo ao entardecer. Paralelamente

a tudo isto, é usual encontrarse um palco onde a música ambiente ou “Chill Out”

“acolhe” as pessoas mais

cansadas ou que necessitam de uma pausa da “viagem” da noite. Caso seja um festival e não uma festa com a duração de um dia, existem, comummente, outros palcos com sonoridades alternativas, que variam desde o “Techno Minimal” ao “Breakbeat”, passando por sonoridades mais Tribais e por vezes, até ligadas ao Dub e à música mais diversificada e

Pulsar Festival Brasil Foto: photopaes

específica do país da banda em questão. Quanto à sua localização, tendem a ser maioritariamente ao ar livre, muitas delas transmitidas por sítios na internet ou mesmo via oral. Esta escolha no local é muito importante, visto que um melhor local é, em si, uma maior ligação à natureza transmite um misticismo à experiência. Claro que, as organizações com menos posses econômicas ou nos países em que as legislação assim o obriga, organizam festas em bares, nunca esquecendo a decoração com cores fluorescentes e um espetáculo de luzes que pode

variar entre algumas luzes negras a um conjunto enorme de iluminação, com lasers e luzes estroboscópicas. O que começou por ser um fenômeno local, transformouse lentamente num movimento global, cada vez maior, de países que organizam festivais anualmente, muitas vezes dois ou mais em simultâneo, conferindo uma opção nos cartazes de artistas de apresentam.


XXXPERIENCE FESTIVAL Foto: Cauê Diniz


m Trancoso, sul da Bahia, reduto hippie dos anos 1960 e 1970, o trance psicodélico apareceu no final da década de 1980, logo após seu desenvolvimento em Goa, com a vinda de estrangeiros. Já na década seguinte, apareciam as primeiras raves no estado de São Paulo. No final dos anos 1990 e início do século XXI, no Brasil o estilo se tornou popular com diversos festivais e festas reunindo mais de vinte mil pessoas ocorrendo ao longo do ano e em diversas metrópoles do país, e cada vez mais ganhando aceitação do público em geral. Em 1995, o até então dentista Paulo Ricardo Correia Amaral conheceu o Psytrance junto com Luiz Sala (a.k.a. DJ Feio), surfista profissional na época. A partir dessa amizade saía de cena o dentista Paulo Ricardo e surgia o DJ Rica Amaral, um nome que está intimamente ligado com o desenvolvimento do Psytrance brasileiro. Em 1996 o Psytrance ainda era totalmente desconhecido no Brasil. Não havia redes sociais, não havia nem celulares ou internet. Rica e DJ Feio resolveram fazer uma festa de música eletrônica em São Paulo. A festa foi batizada de “Rave XXXPerience”, em pouco tempo se tornaria um dos maiores eventos de música eletrônica do Brasil com público ultrapassando facilmente a marca de 20 mil pessoas e trazendo em seu lineup todos os maiores

Universo Paralello Foto: Marina Ribeiro

artistas de Psytrance do mundo. Até hoje a XXX é considerada a mais antiga festa open air de música eletrônica ainda em atividade no país. Desde 2010 a XXX já não pertence mais à Rica e DJ Feio Outro grande festival brasileiro é o Universo Paralello. Destino certo de ano novo para quase 20mil pessoas, o Universo Paralello acontece a cada dois anos na praia de Pratigi na Bahia. São 7 dias de muita música, arte e cultura alternativa em uma praia paradisíaca, sem luxo, e convivendo com pessoas das mais variadas culturas e crenças. Universo Paralello, 2009 Atingindo grande popularidade em 2007, o termo psy trance (do mesmo modo que acontecia em relação ao techno, no passado) é erroneamente usado para se referir a todos os estilos de música eletrônica mais dançantes ou animados. Muitas músicas chamadas de psy trance pela mídia e fãs em geral, na verdade são house ou rock trance, por exemplo.


É um dos mais populares estilos de música eletrônica nos últimos anos, e vem sendo tocado desde raves específicas para este estilo até clubes mais comerciais. É bastante psicodélico, tendo como característica principal a ideia de transe em que o ouvinte entra, embalado pelas linhas de sintetizador repetidas ao longo das batidas da música, que consiste num ritmo 4/4. Desde o seu surgimento, o trance já passou por várias mudanças. De acordo com os detalhes em sua estrutura, podem ser dos estilos Progressive, Dark e Psychedelic, entre outros. Cada vertente tornou-se independente, formando uma escola para os artistas envolvidos. Sendo assim, é possível acompanhar a evolução da cena psicodélica em particular. Dentro da cena atual, a produção de música eletrônica é abundante e rica em qualidade, dividindo-se nitidamente em três fortes correntes principais: Full On, Progressive e Dark.

Foto: Vinicius Senna


DJ Rosa Ventura Foto: Presskit da Arstista

Full on é a vertente mais melódica do Psychedelic Trance. O estilo foi originado em Israel evoluido em ibiza no final da década de 1990 por GMS pioneiros e precursores do Full on, O Full on tem varios estilos diferentes, o Full on morning (caracteristica mais melódico em que se destacam varios artistas como Vibe Tribe, Spade, Meskah, Myrah, Natural Harmony e etc), Full on Hi-tech (caracteristica agressivo, mais agitado onde se destacam Mystical Complex, Dapanji), o Full on Groove (caracteristica agressivo e muitos elementos psicodélicos) e entre outros estilos. O “Full On” é o estilo mais variado dentro do Trance Psicadélico, com uma tremenda evolução desde o seu aparecimento por volta de 2001.

No entanto, embora existam diversos subestilos como o “Groove”, o “Morning”, o “Hi-Tech” e o “Night”, a construção de base é muito semelhante. As músicas escolhidas para analisar foram: “Always” de Alternative Control da compilação “Full Moon Festival” (2005), “The Fourth Kind” de Conscious Chaos vs Frozen Ghost do álbum “Divine Justice” (2010), “Remember the First Time” de Alien Project do álbum “Don’t Worry Be Groovy!” (2004) e “Even Flow” de Hydraglyph do álbum “Euphonics” (2005). Seguidamente enumera-se as características específicas deste estilo, extraídas através da análise das músicas: Tempo de 143 a 149 batidas por minuto;


Capital Monkey Foto: Presskit do Artista | DM7

Vertente mais calma, lenta e extremamente lisérgica do Psy Trance, construída geralmente (mas nem sempre) entre 130 e 140 bpm. A oscilação é deixada de lado, o som é mais constante, retilíneo e crescente. Os sintetizadores são mais sutis, sendo a batida e a linha de baixo o que mais interessam ao trance. É uma música introspectiva, que busca equalizar as ondas do cérebro, e assim, chegar a um estado meditativo da dança. É o som típico de fim de tarde no qual, depois do Dark e do Full On, é muito aceita para descansar o corpo e a mente. Tem um kick bem leve e um baixo bem grooveado, passando por diversos tons que empolgam seu ritmo dançante. Exemplos são os produtores do Liquid Soul, Beat Bizarre, Zion in Mad, Metapher, Bitmonx, Ace Ventura, Analog Drink, Ticon,TimeSphere, Soulscape e Atmos. O “prog” mescla várias vertentes e sub-vertentes da música eletrônica podendo caminhar entre o prog house, prog psy e prog dark, estando todos englobados no mesmo estilo (não há como classificar ou ter-se-ia nomenclaturas enormes do tipo minimal-progressiveelectro-breaks). Ele pode ter um bassline com bastante groove, assim como nenhum groove. O Trance Progressivo é o estilo com mais ligações ao “House” e “Techno”, o qual lhe confere um cariz mais comercial. Foi dos estilos que menos evoluiu ao longo

do tempo, e também o estilo mais antigo dentro do Trance Psicadélico. Foram seleccionadas as seguintes músicas para análise: “Sunglider” de Freq, pertencente à compilação “Kodama” (2006), “2nd Fynn” de Vaishiyas da compilação “Psychedelic Circus” (2008), “Isolation” de Vibrasphere, incluída no álbum “Exploring The Tributaries” (2007) e, por último, “In Between (Captain Hook Remix)” de Gaudium & Ace Ventura, do “EP” “In Between” (2011). As seguintes características derivam da análise executada: Tempo mais lento, entre 130 e 139 batidas por minuto;


Baphomet Engine Foto: Presskit do Artista

Todas essas vertentes se completam, cada uma com seu momento dentro do ritual. A celebração psicodélica precisa tanto dos momentos de euforia e dança que o Full On proporciona no auge da festa, assim como do som barulhento e sinistro do Dark, além dos insights meditativos do Progressive após a energia ser trabalhada. Tudo no seu tempo e com harmonia. O “Dark Trance” foi o estilo que se estabeleceu mais tarde e tem evoluído continuamente desde o seu aparecimento por volta de 2003 (em 2001 já existiam alguns “LPs” com sonoridade semelhante). É bastante diverso e difícil de categorizar. Tem uma sonoridade mais sombria e grande influências de estilos menos electrónicos como o “Industrial”, “Hardcore”, “Death Metal”, entre outros. Denota-se que ao longo do tempo tem ficado mais extremo e rápido, com um tempo cada vez mais acelerado e sons mais dissonantes. As músicas seleccionadas para análise foram: “Amazon Travel” de Parasense, pertence ao álbum “Past Present Future” (2003), “Inverter” de Penta, do álbum “Funraiser” (2005), “Ritm Corr” de Kindzadza, música incluída na

compilação “Project Eleusis: The Bible of Psychedelic” (2006) e, como última escolha, “Strange Blue Crystal” de Terranoise, do seu último álbum “Cross-Dimensional Feedback” (2009). A lista de características seguintes advém da análise das 4 músicas. Tempo muito rápido, acima das 149 batidas por minutos (existem casos de faixas a chegarem perto das 170 batidas por minuto);


Intervenção Artistica / Festival Mundo de OZ 2015 Foto: FMOZ / Todos direiros reservados


Inúmeros adeptos da música eletrônica no Brasil não sabem ou não têm conhecimento suficiente para distinguir a diferença entre Festivais de Música Trance e as famosas Festas Raves. Apesar dessas festas serem da mesma “família”, há uma tremenda diferença entre esses dois tipos de celebração, é como se as Festas Raves fossem primo de terceiro grau dos Festivais de Trance. São diversos detalhes que fazem a maior diferença. Um verdadeiro Festival de Trance é uma celebração que vai além de apenas ótimas músicas e bons dj’s, envolve diversas atividades como arte, cultura, sustentabilidade, educação e principalmente espiritualidade. Esses Festivais duram cerca de três dias no minímo. Podemos dizer que o Trance é família, respeito, união e aceitação, talvez não haveriam palavras melhores para denifi-lo. Esses ambientes são transformadores, tanto para a mente, quanto para alma. Os frequentadores de Festivais de Trance são de todas as idades e gêneros, desde bebês até idosos, e essas pessoas têm ampla consciência em relação ao universo e a sociedade, geralmente são educadas e livres de paradigmas impostos pela mídia, e visam em primeiro lugar respeitar ao próximo e ao ambiente que frequentam, procurando sempre manter limpo o chão onde pisam e dançam. Quem já foi em Festa Rave sabe como as pistas de algumas dessas festas ficam sujas, né? Esses festivais não se limitam apenas a pista e bar, existem inúmeras áreas que compõem o festival, sejam pra relaxar, conversar, praticar atividades artísticas, aprender coisas novas, entre outras coisas que podem nos ajudar na evolução como ser humano. Além desses

Um olhar sobre Festivais de PsyTrance Foto: Vinicius Senna


inúmeros pontos positivos que só o Trance oferece, é fácil perceber como esses festivais são feitos com muito amor e dedicação, além de sempre procurarem manter preços justos em relação a portaria, bar e serviços prestados, diferente das Festas Raves que costumam ter preços exorbitantes que chegam a ser surreais. E o que mais vale ressaltar neste artigo, são os lugares onde esses Festivais são celebrados, 90% de todos são sempre em lugares paradisíacos que somente a Natureza poderia nos prover, alguns exemplos são os festivais Universo Paralello, Terra em Transe e Respect Lost que são celebrados em praias, e o Festival Mundo de Oz e Pulsar que são celebrados em incríveis fazendas que possuem cachoeiras mágicas. Resumindo, o Trance é pé no chão, poeira subindo, união entre os seres, paz, respeito, liberdade, expansão da consciência, cultura, amor, desapego, lama, conexão com a natureza, arte e principalmente, o despertar de um novo olhar para o mundo e para o próximo.

Artigo: Fotografia Alternativa

https://fotografiaecia.com/2015/09/11/porque-um-festival-detrance-nao-e-festa-rave/

Um olhar sobre Festivais de PsyTrance Foto: Vinicius Senna



As Raves explodiram em 1988, (as primeiras raves acontecem em Manchester, na Inglaterra, em fins de 1987 e início de 88). Logo após, o fenômeno se espalha pela Alemanha, principalmente Berlim. Nos EUA (New York), as festas raves chegam em 1991/92. Mas toda a cena da Inglaterra no final dos anos 80 era chamada de acid house party, a terminologia “rave” não existia. O conceito rave, nascido no final dos anos 80 e advindo da produção da música eletrônica, foi formatado em festas em espaços abertos fora do perímetro urbano das cidades ou em galpões abandonados da periferia, ao som da música eletrônica. A primeira festa Rave no Brasil aconteceu em 1992 e foi batizada com o nome de Jeneration. A festa foi amplamente encampada pela mídia e pelo patrocinador (uma marca de jeans). A festa aconteceu no estádio do Pacaembu em São Paulo. Quando se busca a cronologia da cena eletrônica no Brasil, mais precisamente as datas das primeiras festas raves (indoor e outdoor), os locais, estilo e duração, podemos dizer que… “Houston, we’ve got a problem”. Há quem diga que o primeiro projeto para uma rave no Brasil aconteceu em 1995 em São Paulo, trazido pelas mãos do DJ Dmitri. Com ele o ambiente psicodélico, a música repetitiva e a influência das festas que aconteciam não só na Europa, mas também nos EUA e, principalmente, em Goa, na Índia, começavam a ganhar um pouco mais de notoriedade à medida que atraíam novos adeptos e seguidores. A LM Music, considerada a primeira rave Urbana, aconteceu em 1992, passando pelas cidades de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No line-up, além das primeiras iniciativas de decoração com laser, DJs como Moby, Altern8, Mau Mau, Alex S e Mark Kamins marcaram a história da cena de música eletrônica no Brasil. Depois de um tempo na Europa, em seguida uma temporada de quatro meses em Goa, André Meyer pode ser considerado um dos precursores da cena trance no Brasil. Durante 1994 e 1995, juntos com amigos e curiosos, André dava início ao que seria atualmente mais do que um estilo de música, um estilo de vida.

A primeira festa que organizamos rolou no ano 1994, em Atibaia, São Paulo, e lembro que tivemos muita dificuldade para trazer o equipamento de som. A gente tirava cópias do flyer para fazer a divulgação e fazia um rateio para bancar a gasolina do gerador”, comenta André. Ele explica que naquela época não era tão simples arranjar a locação de aparelhagem como hoje. Não havia moldes, sequer estrutura; o combustível era a própria vontade de se criar um ambiente diferente e propiciar uma sensação inusitada à galera que comparecesse. E deu certo! Basta acompanhar a cena e as multidões que se formam para prestigiar festas como o festival Universo Parallelo e XXXperience, só para citar algumas. André Meyer, além de trabalhar como body piercer também toca informalmente como DJ e foi co-fundador do club Klatu Barada Nikto; com a mesma proposta até hoje e aberto todas às quintas na noite paulistana. Iniciativas como o projeto WTF (World Trance Family) também contribuíram bastante para a evolução dos estilos dentro da cena, em meados da década de 90. Wagner J. que é integrante do projeto, em entrevista ao portal Terra, comenta que a essência foi, sim, trocada pela oportunidade de se ganhar dinheiro. Esclarece que a comercialização é inevitável, e em contrapartida isso de forma alguma anula o movimento underground, pulsante nas grandes metrópoles. Em entrevista ao Psyte, o grego Pan Papason, considerado pioneiro do movimento e da música psicodélica no Brasil e no mundo, nos conta como foi essa experiência e suas impressões: “No final da década de 80, estrangeiros vieram de Goa para o Brasil. Alemães, Italianos, Suíços, gente do mundo todo que morou em Goa durante um tempo e veio parar no sul da Bahia, em Trancoso, por volta de 1986/87. Com eles chegaram também as primeiras fitas DAT, algumas lâmpadas ultravioleta, além dos tecidos psicodélicos com Deuses indianos pintados. Ninguém conhecia aquelas cores, o trance, tudo era novidade”. Pan foi parar em Londres em 1992, deixando assim sua terra natal para começar a discotecar em pequenas festas after-hour. Em 1993, já em Goa, ele continuou a tocar na cena noturna e em 1994, durante sua a viajem ao Chile, ajudou a organizar a primeira festa rave no local.


“Eu e alguns amigos estávamos espalhando a cultura psicodélica pela América do Sul, realizando festas no Peru e no Chile. Inclusive foi no Chile, que organizamos a primeira festa trance durante um eclipse solar. Do Chile viemos parar no Brasil, onde chegamos até o Arraial D´ ajuda para encontrar algumas pessoas que também conheciam o trance”. No reveillon de 1994 para 95, Pan e seu grupo organizaram o primeiro festival, se é que podemos chamar assim, rolando durante dois dias, com cerca de 400 pessoas presentes dançando ininterruptamente. Tudo muito roots, a divulgação era feita com flyers escritos a mão, xerocados. “Mandamos até para nossos amigos na Europa, que vieram para o reveillon”, comenta Pan. Mas qual seria o motivo capaz de fazer um grupo de pessoas, centenas, milhares, talvez, se reunirem em torno de caixas de som para curtir muitas e muitas horas ao som de uma música repetitiva, bastante alta e um tanto quanto esquisita, numa época em que nada disso era divulgado? “O trance para alguns é um modo de vida. Se você morar na Índia por seis meses, já começa a agregar toda aquela cultura. Tem um determinado dia no ano, que os indianos saem na rua jogando tinta colorida uns nos outros. São muitas pessoas coloridas correndo, cantando e dançando. As cores das festas raves vieram desta cultura, os Deuses coloridos, sem contar a espiritualidade do povo e a própria música indiana. Tudo foi transferido para o trance”. Segundo Pan, isso justifica muita coisa. Em São Paulo, as festas começaram em 94/95 e eram bem pequenas, algumas até indoor. Quando no final dos anos 90 surgiu o club Klatu, explica o DJ e produtor. Tão importante quanto a cena rave e sua configuração atual, a cena acid house surge na Inglaterra como a primeira concepção de festas regadas a música eletrônica e LSD (Ácido Lisérgico). Não diferente do que acontece hoje, o principal catalisador do movimento foi a cobertura sensacionalista dos meios de comunicação, que ao invés de afastar o público, causava um efeito oposto. Multidões de até 15 mil pessoas reuniam-se nos campos ingleses para curtir a novidade e descobrir por si o que realmente se tratava. Após “bombar” de tal forma, várias festas começaram a pipocar por toda parte, chamando assim a atenção das autoridades britânicas que imediatamente criaram uma legislação específica para vetar festas fora da cidade, com a inserção de “música repetitiva”.

De acordo com a pesquisadora inglesa, Sarah Thornton, o efeito gerado pelo pânico moral sugere um conflito entre cultura jovem e mídia. Isso porque a juventude rejeita a aceitação de sua cultura pela imprensa justamente por se tratar de uma cultura rebelde e, portanto, não deve ser simplesmente aprovada pela mídia. Por outro lado, segundo Thornton, os estudos culturais tendem a posicionar a cultura jovem como inocentes vítimas das versões negativas da mídia, quando a mesma retrata a cultura jovem como qualquer outro produto de mercado, vendável. O sociólogo espanhol Manoel Castells explica no primeiro volume da trilogia, “Sociedade em Rede – A era da informação: Economia, Sociedade e Cultura”, que as redes interativas de comunicação estruturam uma nova geografia de conexões e sistemas culturais e sociais. Traduzindo, esse fenômeno dentro do contexto atual gera além de fórum de discussões sobre os mais variados estilos música, também, comunidades, grupo e subgrupos de outras tribos cada vez mais desterritorializadas e amorfas. Delas resulta o mundo “virtual” que hoje chamamos de cibercultura. Sendo assim, criando a possibilidade de formatar festas ou PVT’s (festas para um número menor de pessoas) em qualquer espaço com qualquer estilo de música eletrônica. O acesso à música, equipamentos de som e divulgação é perfeitamente viável usando uma ferramenta simples como e-mail, sites e comunidades virtuais. Fonte: https://www.psynation.com/historia-das-raves


Festival Mundo de OZ Foto: FMOZ / Todos os direitos reservados


Para um efeito didático, cabe distinguir um Festival Trance de outros tipos de festa: vamos denominar de rave as festas de caráter mais urbano e que comportam distintas tribos das cidades em encontros de um dia para o outro e contendo muitas vertentes da música eletrônica. Os Festivais Trance considerados neste artigo apenas aqueles englobando:

são

Unicamente as diversas vertentes do trance, que embora tenha múltiplas influências de ritmos de diferentes nacionalidades e abrangências, tem por característica marcante uma base sonora fundada em cima de vibrações repetitivas constantes e que se manifestam como mantras milimetricamente definidos e manifestados pelo alto poder de precisão possível dentro da tecnologia eletrônica; Inserção dentro de um contexto de natureza abundante, envolvente e totalmente isolada do contexto urbano cotidiano, incluindo aí inclusive a ausência de sinais de linhas celulares, permitindo um aspecto de imersão profunda e desligamento das questões corriqueiras, principalmente dos problemas do dia-a-dia; Imersão em decorrência de apresentar-se dentro desse quadro acima descrito ao longo de ao menos três dias consecutivos, abrangendo em suas manifestações mais sublimes um número de dias em torno de até uma semana, dentro dos quais três ou quatro são mais plenamente intensos em todos os aspectos e os demais dedicados ao recebimento e à despedida das pessoas, incluindo aí todos os seus procedimentos pessoais de deslocamento, montagem e desmontagem de acampamentos, bem como de ambientação e acomodação ao ambiente e à estrutura previamente montada; Dentro desse contexto há de se considerar ainda que a programação musical e cultural desses eventos é definida de modo a contemplar um movimento harmônico de aquecimento, ápice e desaquecimento, de modo a que as pessoas possam se re-adequar novamente ao ritmo energético inicial dentro do qual chegaram ao evento; Intermitência do som pelo maior período possível, chegando a 24 horas do dia nos dias ápices do evento; Criação da “cidade” do evento, contemplando inclusive funcionamento 24 horas, envolvendo:

PISTA DE DANÇA CHILL OUT PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO COMÉRCIO, SERVIÇOS E ÁREAS ESPECIAIS DE ARTES E CONFERÊNCIAS ÁREA DE CAMPING BANHEIROS ECOLÓGICOS ESTACIONAMENTO NATUREZA INTENSA E INSERIDA DECORAÇÃO TEMÁTICA

A criação prévia da infraestrutura de recebimento das pessoas, inclusive com processos bem definidos de pré e pós festa envolve todo um planejamento não apenas da estrutura do evento em si, mas também do estudo de impacto e conservação ambiental.

PROFUNDIDADE E QUALIDADE DE CONVIVÊNCIA A profundidade da convivência, com contato humano de qualidade, é uma das características mais marcantes e presentes dentro dos festivais trance. É relevante citar que esses contatos ocorrem abrangendo uma diversidade de situações e vivências, dentro de momentos pessoais bons e momentos difíceis dentro da estória isolada de cada pessoa. Esse contexto permite que as pessoas se conheçam em profundidade, pois terão a chance de observar seus companheiros mais próximos reagindo às situações mais diversas. O contexto do festival trance permite que se possa observar uma pessoa em profundidade, sendo o que ela é, sem máscaras e sem distorções. Uma pessoa atenta e desperta não encontrará obstáculos para ter sucesso numa tarefa dessa natureza. O contato humano de qualidade ainda envolve um outro prisma muito importante: há necessidades humanas para as quais apenas o contato humano profundo e de qualidade traz em si a possibilidade de cura. São exemplos dessas necessidades: poder saber que existe e vivenciar o Deus interior; entregar-se à humanidade imperfeita e encontrar segurança nessa humanidade; se permitir cometer um erro e, mesmo assim sentir-se seguro(a) (ao fazer isso, pode-se reconhecer o caráter divino que existe dentro dos outros…).


Numa festa bem organizada, a qualquer momento a pessoa poderá ter a opção de estar em ambientes com os mais distintos cenários, de acordo com sua livre escolha, abrangendo opções com natureza, isolamento /relacionamento, agitação (pista de dança) ou descanso (barraca, chill out), dentre muitas outras. Inclusive, a cultura trance traz uma forma totalmente nova de se manifestar e se colocar frente às situações, sempre permitindo a expansão de consciência e a tomada de uma posição e uma postura, inclusive física, que sejam harmônicas com a própria pessoa. Por exemplo, descansar é algo que é possível dentro de um festival mesmo na pista de dança, não há aquela necessidade, como por exemplo numa boate, de se manter de pé, ereto, acordado, vigilante, “na luta”… É comum nos festivais as pessoas sentarem-se na pista de dança,

no chão, na areia, sem se preocuparem em sujar suas roupas. Pode-se até deitar. Pequenas estações entre amigos são montadas com uma pequena área de infra-estrutura própria, com cadeiras de praia, cangas, estoque de garrafas d´água etc. É bom enfatizar que essa livre opção está disponível de dia e de noite, permitindo a quebra de freqüência, especialmente a ligada a compromissos com horários mecânicos (de relógio), permitindo um gigante exercício de manifestação do livre arbítrio. Essa super disponibilidade, associada a outros fatores, pode levar a pessoa a se sentir até incomodada, por falta de costume, com tanta liberdade pessoal, o que será melhor desdobrado adiante na questão ligada ao festival como instrumento para dissolução da defesa de personalidade “Invadida”.


A EXPERIÊNCIA DE SUCESSO (OU DE FRACASSO) DE TODO EVENTO É COMPOSTA POR TRÊS ELEMENTOS DISTINTOS:

A estrutura do evento como um todo, compreendendo a localização, facilidade de acesso, infra-estrutura, adequação à quantidade de público etc; Clima Geral, que já começa a ser formado desde os primeiros sonhos, intenções e encaminhamentos dos organizadores, passando pela somatória das experiências individuais durante o evento; Vivência pessoal dentro do evento – por exemplo: uma Festa pode ter os outros dois aspectos muito bons, mas suponha-se que determinada pessoa acabe um namoro contra sua vontade ou tenha pertences roubados durante o evento. Para esta pessoa, a Festa não será tão boa, ou até mesmo ruim, dependendo de como ela seja afetada por essas ocorrências.

Há um aprendizado interiorizado por toda a “Família Trance”: o de que uma festa para ser boa, assim como nossa vivência aqui no Planeta Terra, depende de todos, cada um dando o melhor de si. Não basta que haja uma mega infra-estrutura, muito som e bons dj. Se não houver público, ou se este estiver apático ou dado a manifestações desarmônicas (como falta de cuidado e observação do meio, de sua manutenção, inter-relacionamento respeitoso etc), a festa não será boa.

Desta forma, há um entendimento implícito e geral de que cada um busca e procura estar mais harmônico o possível consigo, com o meio e com o ambiente, de modo que essa sua própria postura possa se reverter em benefício de si próprio, gerando um clima geral capaz de suportar experiências prazerosas e enriquecedoras, o que tem sido uma constante relatada pelo público dos Festivais.


Odara Festival 2018 Foto: Nara Lopes



Experiências freqüentes de estados espontâneos relatadas por pessoas dos mais variados e distintos perfis que freqüentam os Festivais Trance há mais de um ano:

BIGU (atingimento involuntário e não programado de estados temporalmente significativos de jejum, mas ainda assim mantendo um alto grau de energia interna, plenamente disponível); JEJUM DE SONO; EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA – SAIBA MAIS SOBRE EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA NO CONTEÚDO ESPECÍFICO; EXPERIÊNCIA DE UNICIDADE COM TODAS AS COISAS (O QUE É ALGO HOJE EM DIA CIENTIFICAMENTE EXPLICADO PELA FÍSICA QUÂNTICA); TRANSCENDÊNCIA DO TEMPO E DO ESPAÇO, SENSAÇÃO DE EMERGIR BEATIFICAMENTE NO ETERNO AGORA; VISUALIZAÇÃO DA LINGUAGEM; ESTADOS ESTASIÁTICOS; SENSAÇÃO DE PROFUNDA POSITIVIDADE FRENTE À VIDA; AUMENTO DO PODER DE INTUIÇÃO; INSIGHTS REVELADORES E VALIOSOS PARA O SOLUCIONAMENTO DE CONFLITOS INTERNOS; PERCEPÇÃO TELEPÁTICA; VIVÊNCIAS MÍSTICAS DE UMA FORMA EM GERAL.


A pista de dança é sagrada e como tal é respeitada e vivenciada por todos os participantes das festas. Nela não há distúrbios ou perturbações, a exceção de surtos de desconexão que tendem a serem dissolvidos á medida que a pessoa vai freqüentando mais os festivais (item comentado adiante dentro do tópico “Dissolução da defesa desconectada”). A constância ininterrupta do som e da dança manifesta-se como uma vigília de celebração ao longo de toda a festa. Há uma manifestação constante do aspecto ritual, tribal e de celebração de todas as possibilidades da existência e da manifestação do que é e do que representa cada um de nós. Todas as civilizações tiveram seus ritos de celebração da existência, menos a ocidental. Os cultos religiosos contemporâneos abstiveramse da celebração ligada aos planos físicos, focando basicamente a louvação intelectualizada. Os aspectos rituais e místicos dos Festivais Trance são tão profundamente marcantes que há um certo caráter iniciático envolvendo a experiência daqueles que vão a um tipo de evento desses pela primeira vez. Assim como em qualquer tipo de iniciação, uma primeira experiência ruim fatalmente tenderá a influir na pessoa uma visão ruim de todo o objeto daquilo no que se está sendo iniciado, no caso, de toda a cena trance. Normalmente, um tranceiro mais experiente que convida e leva um neófito a uma festa pela primeira vez tem todo um cuidado especial com seu convidado, não apenas o acolhendo no seu condomínio de acampamento, mas também lhe apresentando a diversas pessoas e aspectos múltiplos do festival, lhe dando dicas, carinho e proteção energética para que sua experiência possa ser o mais gratificante e reveladora o possível.

Ozora Festival Foto: Ozora Festival / Todos os direitos reservados

Os Festivais ainda incorporam em seu seio aspectos altamente gratificantes e edificadores do desenvolvimento humano, como as artes, os processos terapêuticos, os fóruns criativos de desenvolvimento de novas idéias, conhecimentos e tecnologias. Estão presente oficinas de biodança, yoga, contato e improvisação, artes, exposição de artesanatos diversos e artes circenses, contemplando ainda espaço para toda a linha de manifestação criativa do ser humano. Um Festival Trance é a própria manifestação do jogo de sinais e códigos citados no “Chamado Mítico”: O Festival Trance é um fenômeno de ocorrência e crescimento mundial, movendo e deslocando pessoas de várias localidades distintas para seu seio, quer seja de cidades, estados e até mesmo países distintos de onde ocorre. É uma das muitas manifestações do processo de entendimento e vivência da espécie humana como sendo pertencente toda ela ao planeta terra, independente de sua origem relacionada a país, raça, credo ou qualquer outro tipo de classificação. Há uma Festa muito especial, a Earth Dance, que acontece em vários países ao mesmo tempo, sendo que em determinado momento, por um arranjo previamente definido, em todos os lugares e países onde ela está ocorrendo, a mesma música é tocada, representando uma única manifestação do ser humano dentro do Planeta Terra.




Diversas pessoas declaram que dentro do fenômeno do Festival Trance foi que encontram a sua mais adequada manifestação religiosa, englobando e envolvendo todos os aspectos de seus seres. Uma nova religiosidade, centrada na interação harmônica de cada um consigo, com o meio e com o outro; multifocal, considerando todos os níveis e dimensões do ser; sem sacerdotes, na qual o maior mestre é o corpo.

Fonte :ictrance.blogspot.com/p/festivais.html


Odara Festival 2018 Foto: Nara Lopes



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