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Do remanso ao banzeiro da água Projeto Balsa de Buriti Uma publicação da Fundação Casa da Cultura de Marabá e Banzeiro Comunicação Conselho Editorial Noé von Atzingen Bruno Scherer Marlon Prado Redação e edição Ulisses Pompeu Projeto gráfico Cildo Rodrigues Capa Delman Santos Editoração eletrônica Cildo Rodrigues Fotografias e entrevistas Ulisses Pompeu Helder Messiahs Breno Pompeu Jordão Nunes Revisão Mariuza Giacomin e Luciana Marshall Apoio Vale Unimed Sul do Pará Sinacom Prefeitura de Marabá
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ntre a água do Rio Tocantins e o banzeiro que ela forma, acabando com a monotonia do remanso, o projeto gráfico do livro “Balsa de Buriti – Cartografia de uma viagem” faz seu traçado rasgando as páginas. O contraponto da viagem vem em ondas textuais, tipografia que sugere ainda os altos e baixos do Rio Tocantins e suas curvas na geografia dos três estados: Tocantins, Maranhão e Pará. A disposição do olho (texto de abertura) em cada página mantém a mesma concepção de banzeiro, mas ao mesmo tempo causa sensação de vertigem proposital, como ocorrem com quem está no rio há muitos dias e vê tudo ondulado. A tipografia também relembra galhos e remete a uma escrita irregular na areia das praias com seus
seixos e histórias de gente apaixonada pelo rio. A simplicidade é complexa. O minimalismo deixa ao observador aquilo que resta: E não é pouco: é branco, é molhado, por que não dizer, é encharcado. Existe beleza também. Vários testemunhos de pessoas que foram ouvidas ao longo do trajeto da balsa de buriti nos 360 quilômetros da viagem estão dispostos em forma de gota d’água mantendo um diálogo com o leitor. É o resgate de histórias que ficaram no passado e marcam a régua da memória das águas. Tudo isso serviu de razão para essa narrativa visual que ecoa através deste rio imenso que se transforma em dois, em três…recriado de papel e tinta. (Ulisses Pompeu)
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A magia da construCão ' da
balsa O
livro de Raimundo Floriano intitulado “De Balsa para o Mundo”, editado em 2010, traz um capítulo sobre as balsas de buriti que navegavam nos Rios Balsas e Parnaíba, na divisa do Maranhão com o Piauí. A obra diz o seguinte: “as balsas estão, hoje, no rol das coisas que o tempo levou, e falar sobre elas é, sem dúvida, um modo de reverenciá-las e trazê-las ao presente, prestando, também, singela e sincera homenagem àqueles que a utilizaram por tantas décadas, muitos dos quais começaram a vida tendo-as como opção única para a realização de seus negócios. Para que se tenha ideia do que seja uma balsa, é necessário que se saiba como eram construídas, sua finalidade, o material utilizado, as pessoas envolvidas, as mercadorias que transportavam, seus condutores, pas-
sageiros e, principalmente, como era a viagem, sempre inesquecível para quem a fez pelo menos uma vez na vida. As mercadorias mais usualmente transportadas eram arroz, feijão, milho, coco babaçu, algodão descaroçado, couros de bovinos, peles de caças silvestres e também animais vivos, preferencialmente galináceos e suínos. Qualquer pessoa poderia transformar-se em comerciante balseiro. Bastava ter disposição e capital suficiente para comprar a mercadoria e os talos de buriti, contratar o mestre e contramestre, pagar os impostos na Coletoria Estadual e viajar com sua carga a vender. Esses talos eram adquiridos ao longo do tempo, até que formassem o acervo necessário à construção da balsa. Os mestres e contramestres eram pessoas simples, que aprenderam a arte de navegar e conhecer o rio, como as palmas das próprias mãos, com os pais ou parentes a quem serviam como auxiliares até se tornarem aptos para o ofício. Tinham a dupla tarefa de construírem a embarcação e de conduzirem-na do porto de origem ao porto de destino”.
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Talo de buriti: uma matéria-prima indispensável
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principal matéria-prima utilizada na feitura de uma balsa era o talo de buriti. Nada se utilizava que não viesse diretamente do mato. As embiras com que se faziam as cordas para servirem de amarras; as varas com que se trancafiavam talos e a armação do teto; as palhas de piaçaba ou de babaçu, para a cobertura; e, por fim, as vogas – espécies de leme -, enormes remos presos a suportes enfiados nas extremidades da balsa, com os quais o mestre e o contramestre a manobravam para um lado ou para o outro, em busca do canal mais profundo do rio. Quando o buritizeiro é novo, os talos que sustentam suas grandes palmas chegam a medir até três metros de comprimento e cerca de oito centímetros de diâmetro. Tirados no brejo, os talos são postos a secar ao sol e, com pouco tempo, atingem peso reduzidíssimo, equivalendo, hoje, ao
espaguete de isopor, imprescindível nas aulas de hidroterapia. Foi com boias feitas desses talos que os meninos de outrora aprenderam a nadar, não sem antes engolirem uma piaba viva, para ficarem rápidos e espertos. As embiras eram extraídas do “olho” do buritizeiro novo. Adquiriam-se os talos de pequenos agricultores que moravam nos chamados “gerais” - longínquas terras acima da cidade e próximas das cabeceiras do rio - e que conduziam suas produções em pequenas balsas, vulgarmente denominadas “macacos”. Os talos eram vendidos aos milheiros e estocados em estaleiros. Vez em quando, a meninada surrupiava um talo para nadar ou então levar para casa, onde com ele fabricava caminhões e barcos de brinquedo, muito mais queridos pelos donos que os hoje industrializados.
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De talo em talo Bruno Scherer, espeleólogo da Fundação Casa da Cultura de Marabá, acompanhou cada etapa da construção da balsa, desde a retirada de talos de buriti até a montagem da embarcação. Inicialmente, foram cortados 600 talos em Goiatins, mas o material não foi suficiente. Depois, uma segunda remessa foi retirada a 40 km do centro da cidade de Estreito. Contribuíram também na confecção os ex-balseiros Cleocy, Ireno e Domingos, todos de Goiatins.
Arranja mais
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e tanto ouvir moradores antigos de Marabá falarem de uma embarcação rudimentar que vinha da cidade maranhense de Carolina, o biólogo Noé von Atzingen, presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá, começou a projetar a reconstituição dessa viagem em uma balsa de buriti e conhecer todo o percurso. A embarcação teria de ter as mesmas características da balsa original, construída do mesmo modo artesanal com talos de buriti, igualzinha àquela do início do século passado. A equipe da Casa da Cultura visitou várias cidades do Maranhão atrás de talos de buriti e pessoas capacitadas para construir a balsa apenas com cipós, sem nenhum prego. O mais difícil foi encontrar buritizais que tivessem mil talos. “Tivemos momentos difíceis quanto ao material para a construção da balsa, já que os buritizais foram sendo destruídos e quase ficamos sem matéria-prima. Outra grande dificuldade foi a confecção do barco. Como é um modelo antigo, que não se constrói hoje, tivemos que procurar os antigos construtores de embarcações para nos
400 talos ajudar, relembrar e dar dicas na etapa de construção”, explica o biólogo. A intenção inicial era construir uma balsa com 15 metros de largura por 18 metros de comprimento, com capacidade para conduzir vinte pessoas com segurança. Mas a escassez de buritis reduziu as dimensões e os planos. Graças à indicação de um morador antigo de Carolina, Joaquim Falcão, conseguiu-se localizar um grande buritizal próximo a Goiatins, cujo proprietário, Edgar Porto, se colocou à disposição para doar a quantidade de buritis necessária à construção da balsa. Através de um caminhão, os talos de buritis foram transportados até a jusante da barragem do Estreito, onde Suleza comandou a construção juntamente com outros três homens. Inicialmente, a ideia era começar a viagem da balsa em Carolina, de onde exatamente partiam todas as viagens com destino a Marabá na primeira metade do século passado. Como não havia condição de fazer o transbordo da embarcação na barragem do Estreito, por causa da segurança da balsa, o ponto de partida teve de ser Estreito.
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Uma casa
flutuante rio abaixo
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ronta a balsa, armada a casa, com fogão quase ao rés do piso - caixilho de madeira medindo mais ou menos um metro de comprimento por sessenta centímetros de largura, cheio de barro amassado e provido de trempes de pedra -, iniciava-se o embarque das mercadorias. As que conduziam arroz beneficiado eram as melhores para os passageiros se deitarem sobre a carga, diferente das balsas de espichados - couros de bois sem curtir - que exalavam cheiro característico e muito desagradável. Com tudo pronto, era chegado o momento do embarque dos passageiros. Não podia haver viagem mais tranquila e, ao mesmo tempo, mais monótona, com despedidas demoradas, tristes e chorosas. Fazia-se o embarque numa só passada, uma vez que a balsa ficava rente à margem, sem necessidade de prancha, como os outros tipos de embarcação. Desatada a corda de embira que a prendia à terra, a balsa começava a deslizar lentamente para o meio do rio, arrastada pela correnteza, dando início à grande viagem ao sabor das águas. Era a hora dos acenos de lenços e mãos, que duravam até que a balsa alcançasse a primeira volta do rio. Providenciava-se, então, a armação das redes, e a tranquilidade pas-
sava a ali reinar, quebrando-se o silêncio apenas pelo remar das vogas e o marulhar das águas. O fogão a lenha era aceso e o contramestre providenciava o primeiro cafezinho a bordo. A fumaça saída da casa dava um toque romântico à cena da balsa descendo vagarosamente o rio. Quando não havia mulheres a bordo que se dispusessem a cozinhar, o contramestre, que manejava a voga na retaguarda da balsa, assumia a incumbência do preparo da comida. Aproximando-se o final de um dia de viagem, realizava-se manobra diferente, a mais difícil de todas, que é a atracação. Era necessário que a balsa fosse aos poucos conduzida para a margem, muito antes de atingir o ponto desejado para aportar, de modo que passasse tão perto do barranco que o contramestre pudesse saltar com a comprida corda na mão e amarrá-la, de qualquer modo, na primeira árvore, pedra ou toco, com firmeza suficiente para fazer parar aquela casa flutuante. À noite, após apetitoso jantar - a fome é a melhor cozinheira -, geralmente maria-isabel, acompanhada de linguiça de porco e ovos estrelados, servidos em pratos esmaltados, iniciava-se o serão, com jogos de baralho, contos de causos e bate papos, até que o sono vencesse a todos, dando-se por fim o dia de viagem.
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Elogios de lá, elogios de cá Rogério Freitas, presidente da Câmara Municipal de Carolina, elogiou a comitiva de Marabá e disse que é um orgulho para ele receber os visitantes, a quem considerou “ilustres”, por terem vindo agradecer pelo início da história do agora “rico município de Marabá”, que tem uma ligação umbilical com Carolina. A presidente da Câmara de Marabá, vereadora Júlia Rosa, cumprimentou as autoridades locais e destacou a importância da Fundação Casa da Cultura de Marabá em resgatar a história do município. Ela se disse emocionada em participar daquela cerimônia tão singela, mas ao mesmo tempo bastante representativa. “Meu pai veio daqui do sertão maranhense, desceu na década de 1940 para Marabá usando o Rio Tocantins, que até hoje une, indiretamente, os dois municípios”. Ela também relembrou a luta de Marabá e região pela cria-
ção do Estado do Carajás, destacando que este é o mesmo sentimento do povo de Carolina e demais municípios do sul do Maranhão, que sonham com um novo estado. “Temos mais que um rio que nos une. O sentimento de desenvolvimento é o grande sonho de todos nós”, finalizou. O vice-prefeito Luiz Carlos Pies reconheceu a importância, não apenas das balsas, mas do município de Carolina e seu povo para a fundação de Marabá e destacou que a cultura da cidade agora centenária deve muito à comunidade carolinense. O prefeito de Carolina, Ubiratan Jucá, agradeceu o reconhecimento que Marabá está dando ao município-mãe e revelou que, atualmente, centenas de marabaenses fazem o caminho de volta todos os meses para desfrutar dos balneários naturais existentes em Carolina, como Pedra Caída.
Carolina eu preciso de você A
paráfrase do título acima lembra a música “Carolina”, de Seu Jorge. Ela também nos remete à cidade-mãe de Marabá: Carolina-MA. Foi de lá que saíram centenas de pessoas que ajudaram a construir a vila e depois o município que se tornaria o maior e mais influente do sul e sudeste do Pará. De lá vieram Carlos Leitão, Francisco Coelho, Antônio Maia, Parsondas de Carvalho, Anastácio de Queiroz, o médico Demósthenes Azevedo, entre outros personagens. Famílias inteiras partiam de Carolina com seus pertences, galinhas, cães, porcos e desciam ao sabor das águas do Tocantins, impulsionadas e direcionadas apenas por algumas varas até atingir o destino principal, que era Marabá. O prefeito de Carolina, Ubiratan Jucá, recebeu uma comiti-
va de Marabá composta pelo vice-prefeito Luiz Carlos Pies, a presidente da Câmara, Júlia Rosa, o presidente da Fundação Casa da Cultura, Noé von Atzingen, entre outros convidados. Estudantes, idosos e vários outros moradores de Carolina visitaram a exposição sobre a história da balsa de buriti levada pela FCCM e acompanharam a cerimônia simbólica de partida da balsa do centenário, que foi realizada no cais da cidade. Noé von Atzingen classificou Carolina como a mãe de Marabá e disse que a segunda cidade não seria o que é hoje sem a primeira. Ele enalteceu o poeta Joaquim Falcão, de Carolina, que ajudou a tornar realidade a produção da balsa de buriti para descer o Rio Tocantins até Marabá. “Como quase ninguém fabrica mais balsas, atualmente, o trabalho tornou-se uma reconstituição arqueológica de uma peça do passado”, explicou Noé.
Muitas histórias para contar Waldir Azevedo Braga, de 85 anos, é sobrinho do médico Demóstenes de Azevedo, que fez o caminho de Carolina-MA para Marabá na década de 1920. Durante a expedição da balsa de buriti, contou que viajou muito em
balsas entre as duas cidades, porém jamais imaginou que um dia alguém fosse refazer a viagem da mesma forma. “Vivi muitas histórias viajando em balsas e gastaria muitos dias contando para vocês”.
Waldir Braga: “Vivi muitas histórias viajando em balsas”
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Trocando o volante pela
voga
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“ A
cidade de Estreito-MA foi o lugar escolhido pela coordenação do projeto Balsa de Buriti para a construção da embarcação que iria refazer o caminho dos pioneiros de Marabá. Apesar de as viagens nas primeiras décadas do século XX iniciarem em Carolina, a Hidrelétrica de Estreito não permitiria a passagem da balsa e, portanto, inviabilizaria a viagem. Após a cerimônia na cidade de Carolina, os representantes do governo municipal de Marabá partiram para Estreito, onde no dia 18 de abril de 2013 ocorreu outra cerimônia, marcada pela presença do prefeito Cícero Neco Moraes, quatro vereadores, educadores e dezenas de moradores daquele município. Eles fizeram uma bela festa para celebrar a partida da Balsa de Buriti. O vice-prefeito de Marabá, Luiz Carlos Pies, e a presidente da Câmara, Júlia Rosa, participaram de uma cerimônia na saída da balsa do porto de Estreito. A embarcação partiu a 200 metros da ponte sobre o Rio Tocantins.
Queremos celebrar, juntos, uma nova etapa, em que os municípios banhados pelo Rio Tocantins precisam se unir para lutar pela hidrovia Araguaia Tocantins e por hidrelétricas apenas com a construção de eclusas”, disse Júlia Rosa.
Cícero elogiou a iniciativa da Fundação Casa da Cultura de Marabá e revelou que nunca tinha ouvido falar em Balsa de Buriti antes. “Nosso município foi fundado em 1983 e confesso que isso é novo, mas agora vamos resgatar também a memória fluvial de Estreito”, disse Moraes. Júlia Rosa, Luiz Carlos Pies e Noé von Atzingen também usaram a palavra e todos ressaltaram que a viagem na Balsa de Buriti havia criado uma expectativa muito grande na comunidade marabaense. “Queremos celebrar, juntos, uma nova etapa, em que os municípios banhados pelo Rio Tocantins precisam se unir para lutar pela hidrovia Araguaia Tocantins”, disse Júlia Rosa. O prefeito de Estreito disponibilizou um funcionário da prefeitura daquele município para ajudar na viagem da balsa. Lucrécio Almeida passou a ministrar palestras de educação ambiental por todas as comunidades por onde a balsa passasse, com foco na preservação do Rio Tocantins.
Prefeito de Estreito entrega a bandeiro do município para compor a expedição Balsa de Buriti
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Os
15 viajantes
da balsa
histórica
> Anderson Santos - Filho do cantor Aurélio Santos, trabalhou na balsa como vogueiro (remador).
> Bruno Scherer, – Espeleólogo da Fundação Casa da Cultura. Atuou na expedição como cartógrafo, além de trabalhar diretamente na construção da balsa > Gabriel Silva Souza, – Estudante do em Estreito e orientar o projeto de base. ensino médio. Atuou na balsa como vogueiro.
> Helder Messias – Cinegrafista e fotógrafo. Captou imagens e entrevistas ao longo do trajeto para elaboração de um documentário sobre a expedição pela Vídeo V Produtora.
> Jairo Carlos Brito Silva - Residente em Itaguatins. Piloto do barco que acompanhou a balsa. Conhece cada ponto do rio, as corredeiras e os canais para passar com a balsa.
> João Carlos Brito Silva - Irmão de Jairo, piloto experiente no Rio Tocantins. Viajou sempre na balsa e era responsável por indicar os locais seguros por onde a balsa teria de passar, principalmente nas corredeiras.
> João Souza Silva - Joãozinho do Sesi, 66 anos. Piloto e mecânico de barco, com mais de 30 anos de experiência no Rio Tocantins. Ajudou no direcionamento da balsa.
> Joelson Wanderley Lima – Estudante do ensino médio, atuou na balsa como vogueiro.
> José Ribamar Apinajés – Professor que insistiu bastante para participar da expedição. Foi ao encontro da balsa em Itaguatins-TO para ter o prazer de viajar alguns trechos a bordo da embarcação histórica.
> Lucrécio Filho de Oliveira – Educador ambiental e representante do município de Estreito-MA na expedição.
> Maria Betânia Fonseca Furtado Acadêmica de Ciências Naturais da UFPA, atua no setor de Zoologia da Fundação Casa da Cultura de Marabá. Na expedição, trabalhou como assistente de cozinheira.
> Maria Francisca Maia, a Tia Lica – Baiana que mora há 32 anos em Marabá. Na expedição, foi a “mãezona de todos”. Atuou como cozinheira.
> Noé von Atzingen - Biólogo, idealizador e comandante da expedição balsa de buriti. Um paulista apaixonado pela cultura da região.
> Pablo Vinícius Souza - Acadêmico de Biologia e na expedição atua como vogueiro.
>Ulisses Pompeu – Jornalista e fotógrafo do Jornal CORREIO DO TOCANTINS. Produziu o diário de bordo e enviava reportagens diariamente para a Redação e jornais das cidades por onde a expedição passou.
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A direcão certa com uso do
GPS
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nível do Rio Tocantins não é o mesmo desde Estreito-MA e Marabá, cuja distância é de 370 km. A cada etapa da viagem, Bruno Scherer, espeleólogo da Fundação Casa da Cultura de Marabá e que atuou como administrador da viagem histórica realizada em abril de 2013, também se preocupou em analisar o roteiro da viagem com um GPS. Bruno fazia análise da altitude periodicamente, analisava a velocidade da balsa a cada trecho e calculava quanto tempo a embarcação faria entre as cidades. E seus cálculos sempre estavam certos. Com a ajuda do GPS, ele sabia, com precisão e de forma antecipada, a ocorrência de cada volta do Rio Tocantins, as bifurcações e ilhas existentes. A nascente do rio localiza-se no estado de Goiás, ao norte de Brasília. Os formadores do Tocantins são os rios Paraná e Maranhão.
O Tocantins compõe a paisagem do Planalto Central do Brasil. A vegetação de cerrado recobre 76% da sub-bacia. A área correspondente ao curso inferior do Tocantins, assim como a bacia do Itacaiúnas, é coberta pela floresta amazônica. O Rio Tocantins nasce no Escudo Brasileiro e flui na direção norte por cerca de 2.500 km até desaguar junto ao Delta do Amazonas, na Baía de Marajó, nas proximidades de Belém. O trajeto de 370 Km percorrido pela balsa de buriti, em dez dias, corresponde a apenas 17% de toda a extensão do Rio Tocantins. Se a embarcação fosse viajar todo o Tocantins, desde a nascente até a foz, seriam necessários cerca de 60 dias. O relevo do Rio Tocantins é considerado monótono, com altitudes variando entre 90m e 500m, exceto nas nascentes, onde chega a mais de 1.000m. Na região de Tucuruí, as altitudes são inferiores a 100m.
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Aí vamos nós,
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or volta de 16h30 de quinta-feira, 18 de abril, a expedição Balsa de Buriti do Centenário de Marabá completou seu primeiro percurso, aportando no município de Tocantinópolis-TO. Foram exatos 40 km marcados no GPS no primeiro dia, viajando a uma média de 5 km por hora. Com fogos de artifício, a comunidade recebeu a balsa de buriti e dezenas de pessoas foram ver de perto a embarcação que chegava ao porto, movimentada por quatro grandes remos e com uma cobertura de palha de coco. Todos se impressionaram e fizeram várias perguntas à equipe que estava a bordo. Noé von Atzingen explicou o objetivo da viagem e convidou a todos para visitarem uma exposição que foi montada à beira do rio contando a história das balsas de buritis que desciam o Rio Tocantins nas primeiras décadas do século XX. Várias pessoas da terceira idade se aproximaram e começaram a contar, naturalmente, histórias que viram e viveram há mais de 40 anos. Um deles foi o aposentado Carlos
Tocan tinó polis!
Dias Medeiros, 71. Emocionado, disse que a imagem de uma balsa tinha ficado perdida em sua memória e cria que nunca mais iria avistar uma descendo o Rio Tocantins, onde ele aprendeu a nadar e a ganhar a vida pescando. “O povo de hoje não quer mais saber dessas coisas e nem ouvir a gente contar as histórias. Outros, não acreditam, acham que a gente está mentindo. Agora, vão ver como tudo que eu falava era verdade, está passando aqui na nossa cidade”, disse Medeiros, sorrindo. A dona de casa Edna Vasconcelos, 69, também se entusiasmou ao reencontrar uma balsa no porto de sua cidade. Segundo ela, antigamente (na década de 1960) ficava guardando dinheiro em casa para comprar produtos que os balseiros vendiam quando passavam por Tocantinópolis. “Eles vendiam uma rapadura que vinha do sertão que era muito gostosa. Fumo e tantas outras coisas eram mais baratas se a gente comprasse direto com eles”.
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Uma balsa pra lá,
outra pra cá
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oi uma coincidência. No momento em que a balsa de buriti do centenário de Marabá se aproximava de Tocantinópolis-TO, ao mesmo tempo chegava ao porto da cidade uma balsa de aço da companhia Pipes transportando veículos e algumas pessoas a bordo. Ela vinha da cidade vizinha, Porto Franco-MA, situada em frente. As duas comunidades são separadas apenas pelo Rio Tocantins e até hoje os governos não construíram uma ponte para encurtar a distância e aposentar a velha balsa. O interessante é que, historicamente, as duas têm origem na mesma cidade. Nas primeiras décadas do século XX, as balsas de buriti eram construídas em Carolina-MA e de lá vinham muitas famílias em busca de riqueza em Marabá. As balsas de aço também são originárias de Carolina e estão espalhadas em diversos rios de cidades amazônicas onde não há ponte e o fluxo de veículos é intenso.
O nome Pipes é uma referência às iniciais do proprietário da companhia – Pedro Paulo do Espírito Santo - que nasceu em Carolina. No momento do encontro, tanto passageiros quanto tripulantes da balsa a motor – embora mais moderna e empurrada por um rebocador potente – ficaram admirando, absortos, a balsa construída apenas com materiais da floresta, sem nenhum prego, movida a remos gigantes e à força da correnteza. Este cenário se repetiu também em Imperatriz-MA, onde a balsa de buriti cruzou novamente com a de aço e a admiração foi a mesma. Também em Imperatriz, lanchas, motos aquáticas, rabetas e outras embarcações mais modernas fizeram uma espécie de cortejo para acompanhar a balsa desde a ponte sobre o Rio Tocantins até o porto onde ela ficou ancorada por cerca de 40 horas.
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Desabafo dos pescadores: cadê o
peixe
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que tava aqui?
~ dos AlegacÕes ' construtores
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urante a estadia da comitiva da balsa de buriti na cidade de Tocantinópolis, no dia 18 de abril, alguns membros da expedição pediram um peixe frito em um quiosque tradicional, na orla do Rio Tocantins. A dona informou que a única espécie disponível (há dias) era tambaqui, um peixe engordado em criatórios particulares. Diante da aparente contradição, o grupo quis saber por que não havia tucunaré ou outra espécie tão comum no Rio Tocantins, ali em frente. Raimunda Diamante Pires, 52, explicou que o peixe está escasso e os poucos que os pescadores da cidade conseguiam fisgar estavam sendo comercializados por preço muito alto. Ela sugeriu uma conversa com o presidente da Colônia de Pescadores Z-7, João Haroldo Gomes de Almeida, para dar detalhes sobre uma mortandade de peixes que atinge toda a região. Almeida disse que sua entidade congrega 520 pesca-
dores, os quais estão sofrendo, desde 2010, com uma avalanche de morte de peixes em vários pontos do rio, desde a construção da Hidrelétrica do Estreito. Ainda segundo ele, os pescadores estão revoltados e vários estão deixando a profissão porque encontrar peixe no rio está sendo um trabalho de “mágico”. O presidente revelou que a categoria já procurou o Ministério Público Federal, que está analisando a situação e já acionou judicialmente os empreendedores responsáveis pela hidrelétrica de Estreito, o Ceste (Consórcio Estreito Energia). João Haroldo diz que os pescadores estão tendo grandes prejuízos nos últimos anos. “Fizemos um investimento em rede, canoa e motor que hoje está tudo parado. Na parte de cima da barragem os peixes são pequenos demais e na parte de baixo não tem mais peixe”, reclama Luiz.
Sobre a denúncia de mortandade de peixes no Rio Tocantins, às proximidades da Hidrelétrica do Estreito, a Assessoria de Imprensa do Consórcio que construiu a usina informou que interrompeu os testes de “comissionamento da primeira turbina, tão logo verificou um episódio de morte de peixes próximo à casa de máquinas”. Segundo o consórcio, o fato foi comunicado no mesmo dia ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). “O Consórcio Estreito Energia desenvolve de forma permanente, no âmbito do Projeto Básico Ambiental aprovado pelo IBAMA, o monitoramento da ictiofauna, através de consultores especializados. O Ceste reitera que vem cumprindo todos os compromissos por si assumidos no processo de licenciamento ambiental conduzido pelo IBAMA, bem como com as obrigações decorrentes de sua posição como responsável pela implantação deste empreendimento, sejam de ordem social ou ambiental”.
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Itaguatins dá boas vindas com
cachoeira
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segundo dia de viagem da balsa de buriti, em 19 de abril, no trecho entre Estreito e Marabá, foi marcado pela passagem na cachoeira de Santo Antônio, temida por pilotos experientes e que causou muita apreensão aos membros da expedição. De repente, as águas calmas da região do Descarrêto se transformaram em fúria com ondas de até um metro de altura. Mesmo com o rio cheio, muitas pedras apareciam quase do nada e a tensão tomou conta de toda a tripulação. O prático da balsa, Joãozinho, um senhor muito sério, dava as ordens, os vogueiros com esforço supremo desviavam a embarcação das pedras. Uma voadeira que acompanhava a balsa e dava suporte, apagou no meio da cachoeira. E para piorar, ao mesmo tempo, o impacto da correnteza fazia a balsa se mexer como uma cobra e a cobertura de palha começou a cair. Noé e os demais membros da equipe tiveram de segurá-la enquanto a cachoeira era vencida. Para aumentar ainda mais o medo dos viajantes, todos ficaram atônitos quando a embarcação parou de repente, como se tivesse sendo puxada para baixo. Demorou cerca de dois minutos para os vogueiros perceberem que o anzol de um pescador, com linha bastante resistente, havia “fisgado” a balsa. O problema só foi solucionado quando alguém teve a ideia de cortar a linha com um facão. Passado o susto, a embarcação seguiu em direção ao porto de Itaguatins, onde um grupo de moradores aguardava para conhecer a nova (velha) balsa. Eram pescadores, comerciantes e ex-castanheiros que moraram em Marabá nas décadas de 1950 a 1970. Um sentimento de nostalgia marcou o reencontro com o passado. Depois de conversar com os nativos, Noé von Atzingen reuniu a comitiva de viajantes e disse que considerava que a balsa estava aprovada depois de passar pelo “teste de fogo na água” e disse entender agora como elas conseguiam transpor os grandes desafios do Rio Tocantins carregadas de mantimentos várias décadas atrás. “Essa foi a maior emoção da minha vida. Pensei que já tinha vivido de tudo, com muitas viagens por rios e floresta”.
O que é esse tal de Descarrêto? Ao chegar a Itaguatins, uma das palavras que mais se ouvia era “Descarrêto”. Foi preciso ouvir os antigos para entender do que se tratava. É que o processo de colonização de Itaguatins teve início no final do Império, com a chegada do Coronel Augusto Cezar de Magalhães Bastos, vindo da cidade de Imperatriz, no Maranhão, que em uma de suas viagens, impelido pelas circunstâncias, foi obrigado a ancorar seu barco pelo lado de baixo da cachoeira de Santo Antônio. Em diálogo com um pescador, o Coronel observou que toda embarcação fluvial, subindo ou descendo o Rio Tocantins, era obrigado a parar a viagem, retirar parte da mercadoria constante da carga transportada e conduzi-la por terra até a ultrapassagem do trecho ocupado pela cachoeira. Devido a esse movimento, o local passou a chamar-se Descarrêto, nome pelo qual é hoje conhecido o bairro localizado acima da cachoeira. O coronel Augusto Bastos construiu uma casa confortável, suficientemente capaz de acomodar residência e também armazenar toda e qualquer mercadoria oriunda no Norte e Sul, respectivamente, para comercializar nas praças adjacentes, inclusive Boa Vista, hoje Tocantinópolis. Iniciou a criação de gado bovino, trazido em balsas do interior do Maranhão (Grajaú e Carolina), estendendo seu rebanho por várias fazendas da região, inclusive Boa Vista.
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Narrativas de uma
mulher que sonhava
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molejo da balsa de buriti ao passar pelas cachoeiras do Rio Tocantins fez a tripulação criar um concurso interno para escolher um nome para a embarcação. “Ela (a balsa) parece dançar levemente sobre a água, transmite segurança e faz lembrar uma dançarina”, avaliou Noé von Atzingen, presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá e coordenador da expedição. Após votação, “Dona Eudóxia” foi o nome escolhido pela tripulação para batizar a balsa de buriti. Eudóxia Morbach é uma senhora baixinha
de 106 anos de idade, que reside em Itaguatins-TO. Ela morou em Marabá na sua juventude e gostava bastante de dançar nas festas aonde ia. O que ela sonhava, acontecia. E em certo dia, encravado no ano de 1922, não tinha quem a fizesse embarcar na lancha Boas Novas, a mesma que alguns anos antes havia trazido a notícia de que o governo do Estado sancionou a Lei 1.278 que criou o município de Marabá. Dona Eudoxia Morbach soube da passagem da Balsa de Buriti por Itaguatins e conversou com a tripula-
ção. Lúcida, sorridente e com gestos quase frenéticos com as mãos, ela relembrou um fato marcante na história de Marabá que não está registrado em livro. Dona Eudóxia é viúva de José Morbach, irmão de Augusto Morbach, pai de Pedro Morbach, o mestre que popularizou a arte do nanquim em Marabá. Ela conta que viajaria da cidade para Imperatriz na lancha Boas Novas, enquanto o marido permaneceria no município paraense alguns dias extraindo castanha-do-pará das matas e seu marido chegou a colocar, na noite anterior, a bagagem de Eudoxia na embarcação. “Mas de vez em quando eu sonhava, e tudo que tinha em meus sonhos acontecia. E naquela noite eu sonhei que a lancha iria naufragar e quando o dia amanheceu eu mandei tirar tudo que era meu lá de dentro. Meu marido ficou zangado, perguntou por que, mas eu não respondi e ele ficou amuado”, conta, em tom melancólico. No final daquele dia, quando o casal subia o Rio Tocantins para pescar, um homem desceu em outro barco e trouxe a notícia que confirmou a premonição de dona Eudoxia: a lancha Boas Novas havia naufragado em uma cachoeira na região da Terra Indígena Mãe Maria. O acidente matou quase todos os passageiros. Eudóxia casou-se com José Morbach antes de completar 20 anos de idade e com ele viveu cerca de um ano em Marabá. Depois, o casal foi morar em Itaguatins, de onde nunca mais saiu.
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A balsa, o Archimedes e a memória resgatada
A
expedição Balsa de Buriti me permitiu, entre muitas coisas interessantes, resgatar a memória de minha família. Sou filho de Francisco Pompeu, o Chico Pompeu, que nasceu em Marabá em 1940 e cresceu subindo e descendo o Rio Itacaiúnas, trazendo castanha-do-pará, peles de onça e gato maracajá para vender em um mercado que já era proibido naquela época. Recordo o tempo em que, com menos de dez anos de idade, subia com papai o rio em um barco penta com um motor de popa Archimedes de 12 HP movido a gasolina. Como ele, muitos barqueiros que subiam e desciam o Itacaiúnas trazendo castanha usavam um Archimedes, que parou de ser fabricado na década de 1970, depois de perder espaço nas águas para os motores de centro, movidos a óleo diesel, combustível sempre mais barato. Há mais de dez anos procuro um Archimedes para comprar, pilotar e remontar um pouco a viagem que Chico fazia subindo o Itacaiúnas a vida inteira, mas não conseguia encontrar um motor como aquele, já em extinção. Na escala que fizemos em Itaguatins, uma das cidades que melhor recepcionaram a lenta expedição da balsa de buriti, encontrei o senhor Ednon Souza, que havia morado em Marabá nas décadas de 1960 e 1970. Conversamos sentados em um banco na orla da cidade, e eu não teria conseguido imaginar um ambiente mais adequado para aquele diálogo de duas horas, senão em frente a uma cachoeira de som afável e melancólico no Rio Tocantins. Descobri que Ednon, de 77 anos de idade, possuía um
Archimedes e o mantinha como lembrança de um tempo em que o rio era a rua de todas as pessoas desta região. O que me causou espanto naquela nostálgica conversa foi a descoberta de que aquele motor, guardado há três anos em um galinheiro no fundo do seu quintal, tinha pertencido ao meu pai, Chico Pompeu. “Comprei do Trisca,”, revelou-me, sem saber que o motor do Trisca tinha sido um presente do velho Chico. Não foram apenas as lágrimas que desceram naquele instante revelador, mas infundiu em mim a certeza de que aquela viagem estava sendo realmente um marco, a reinvenção de um tempo perdido na década de 1970 e uma oportunidade de manter viva a história de meu pai, cego de um olho, mas que enfrentava as cachoeiras perigosas do Itacaiúnas durante o dia ou à noite. Ele concordou em vender o motor tão somente porque tinha certeza que “estaria em boas mãos”, como me disse. Seu Ednon, assim como eu, chorou bastante naquele momento, mas a cachoeira em frente a casa permitiu que os soluços não fossem ouvidos por quem estava sentado nos bancos ali perto. Trouxe o motor para Marabá, onde mandei fazer uma reforma para usá-lo e poder registrar, com vídeo e fotografias, um penta singrando novamente as águas do Itacaiúnas. Depois, vou entregá-lo à Fundação Casa da Cultura de Marabá, onde ficará em exposição no museu da memória fluvial de Marabá e região, conforme já combinado com Noé von Atzingen, presidente da FCCM, para manter viva a história de meu pai, falecido em 1992. (Ulisses Pompeu)
A forca dos ' Archimedes Os motores Archimedes tinham, nas décadas de 1940 a 1970, a popularidade que as rabetas possuem atualmente. Movidos a gasolina, esses motores de popa eram possantes capazes de arrastar um barco de 15 metros com 3.000 quilos de castanha. Eles entraram em decadência com a chegada dos motores a diesel.
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Poesia e repente para a balsa em Imperatriz
E
nquanto passava, pachorrenta, em frente à Orla da cidade de Imperatriz-MA, a balsa de buriti era observada por quem estava em frente ao rio e também por várias pessoas que navegavam por ali em barcos, lanchas, moto aquática, rabetas e até na balsa de aço que insiste em transportar veículos de um lado a outro do Tocantins, apesar da existência de uma ponte, construída recentemente ali perto. Naquela cidade, mais de 300 pessoas visitaram – durante as 24 horas em que ela esteve na beira rio da cidade – a exposição e a embarcação incomum que descia o Rio Tocantins. O secretário municipal de Cultura de Imperatriz, Lucena Filho, e uma comitiva da Academia Imperatrizense de Letras também estiveram na balsa, liderados pelo escritor e jornalista Domingos César. Aliás, César também levou parte da comitiva à sede da academia, onde os dois grupos trocaram livros e discutiram sobre a produção literária da região tocantina. Além deles, uma dupla de repentistas também celebrou a chegada da balsa com música e viola. Na base do improviso, eles saudaram a comitiva de viajantes, relembraram os tempos gloriosos da navegação sem motor e falaram da importância da preservação do Rio Tocantins. Imperatriz foi a quarta cidade a receber a comitiva de Marabá e o secretário de Cultura entregou a bandeira do município para Noé von Atzingen em nome do prefeito Sebastião Madeira, que estava em viagem. “Em nome do nosso prefeito, desejo sucesso à equipe da balsa e saudamos todos os moradores de Marabá pelo centenário do município que tem tantas ligações com Imperatriz”, disse Lucena Filho.
Na mesma cidade, Noé concedeu várias entrevistas para órgãos de Imprensa, contando sobre de onde surgiu a ideia de refazer a viagem dos pioneiros e a finalidade de descer o Rio Tocantins durante 10 dias a bordo de uma embarcação tão rudimentar. Em visita à orla da cidade no final da tarde de domingo, o administrador de empresas Jorge Elias Vasconcelos tomou tempo para visitar a balsa que estava ancorada ali. Depois de observar bastante, começou a fazer perguntas, que foram respondidas uma a uma pela tripulação. Natural de São Luis-MA, Jorge residia em Imperatriz há 30 anos e confessou que nunca tinha ouvido falar em balsa produzida com talos de buriti e que ela tenha sido tão útil para as comunidades ribeirinhas no século passado. “A história guarda muitos segredos que a gente nem imagina”, disse, elogiando a iniciativa de resgate da memória fluvial do Rio Tocantins.
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Visitantes no meio da
chuva
N
o meio da viagem entre Imperatriz-MA e a Vila Jatobá, a comitiva da balsa de buriti do centenário de Marabá foi surpreendida por uma forte chuva que durou mais de uma hora. Junto com ela, apareceram, ao longe, duas canoinhas que insistiam em parmanecer embaixo do temporal rodopiando. Em pouco tempo as duas canoas surgiam perto da balsa. Eram dois grupos de jovens que paralisaram a pescaria por causa da chuva e acabaram brincando de tibungar (pular de pontinha dentro do rio). A brincadeira foi suspensa momentaneamente para matar a curiosidade e ver de perto aquela embarcação tão diferente que descia o
rio, indiferente à chuva que caía. Admirados, os seis rapazes deram duas voltas em torno da balsa, sorriram muito entre si e passaram a fazer perguntas, que foram respondidas uma a uma pelo educador ambiental Lucrécio Filho, que também fez suas indagações sobre o que faziam os rapazes no meio do rio embaixo de uma forte chuva. Os piaus reunidos em cambos que estavam dentro da canoa comprovavam a história dos meninos, que ainda tomaram tempo para posar para fotografia junto com a equipe da balsa. Depois, foram se distanciando e voltaram a brincar tirando pontinhas no rio.
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Uma parada tosca em
Jatobal D epois da tempestade, vem a bonança, diz o provérbio popular. E a calmaria veio na Vila Jatobal, após uma forte chuva que se abateu sobre a balsa de buriti uma hora após a saída de Imperatriz-MA. Ali, houve uma experiência de troca. Os balseiros contaram histórias sobre a balsa de buriti para os moradores, que logo sentiram uma forte empatia pela comitiva de visitantes. Eles permitiram que o grupo liderado por Noé von Atzingen entrasse em suas terras e retirasse talos de buriti para reforçar a estrutura da balsa. No buritizal, o vogueiro Gabriel foi atacado por sanguessugas. A coleta de talos de buritis teve de ser suspensa, por alguns minutos, a fim de que o rapaz fosse atendido. Algumas sanguessugas foram retiradas dos pés de Gabriel. Depois, a coleta de talos continuou. Além disso, uma família da comunidade presenteou o grupo de aventureiros com um cacho de bananas. Muitos moradores da comunidade vieram ao rio para ver a balsa e ler os banners da exposição que estavam no local. Noé von Atzingen e Bruno Scherer foram à escola da vila para convidar os alunos a conhecerem a balsa. Professores ficaram entusiasmados com a novidade e motivaram os estudantes a conhecerem a embarcação. Adilson Luiz Abreu, 64 anos, disse que a comunidade de Jatobal é relativamente nova, mas que ele tinha sido criado no “beiradão” do Rio Tocantins, entre Imperatriz e Itaguatins. “Vi muitas balsas descerem carregadas de mercadorias. A gente ficava besta de ver o tanto de coisas que elas levavam. Até boi algumas transportavam e a gente ia de canoa até o meio do rio pra comprar alguma coisa”, conta Adilson, tirando o chapéu da cabeça para refrescar a memória de uma história que ficou presa no tempo.
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A curiosidade chega à
Praia Norte
S
ão 16h40 do dia 23 de abril de 2013. Numa tarde de sol forte, a balsa de buriti do centenário de Marabá chega à tranquila cidade de Praia Norte. Os foguetes anunciavam a chegada de uma comitiva importante e o povo que ouviu o barulho sabia que alguma coisa diferente estava quebrando a monotonia da comunidade. O barulho vinha do rio e foi para lá que muitos moradores correram. De fato, a balsa rústica continuou atraindo a atenção dos moradores de Praia Alta à medida que ela se aproximava do cais, num ritmo fora do comum para outras embarcações. No momento em que ela aportou, já havia na beira mais de 50 pessoas, a maioria crianças, que queriam ver de perto, tocar e entender o sentido daquela casa flutuante. E foi para dentro da balsa que se passou o adolescente Cristian Moreira, 13,
que não fez cerimônia e nem pediu autorização. Pisou firme no assoalho, foi logo para o fundo da embarcação e queria saber se as galinhas que estavam sendo transportadas estavam vivas. “Nunca tinha visto uma coisa dessas. Achei bacana, acho que dá até para morar e ficar o dia todo tomando banho”, disse Cristian, como se o tempo de vida fosse apenas para a diversão. A professora Lindinalva Cruz não teve a mesma pressa para entrar na balsa, mas não deixou de matar sua curiosidade. Para ela, as histórias de balsa de buriti eram contadas apenas pelos mais velhos e não parecia uma embarcação capaz de ser reconstituída na atual geração. “Agora, fica mais fácil pra gente falar sobre isso na sala de aula, para os alunos. Espero que a memória da nossa região continue sendo resgatada através de projetos como este”, disse.
À prova de
chuva
D
urante dez dias de viagem entre Estreito-MA até Marabá-PA, a balsa de buriti enfrentou seis chuvas, três delas fortes e com muito vento. Surpreendentemente, em todas, a cobertura com palhas de coco babaçu provou ser capaz de impedir que a chuva molhasse as pessoas e as bagagens. Era a prova de que o trabalho dos construtores tinha sido bem feito e a comprovação de que as balsas do passado resistiam às intempéries da natureza na longa viagem entre os dois estados.
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A delícia de
C
om cerca de 5 mil habitantes, a tranquila Sampaio-TO está encravada na região conhecida como Bico do Pagapaio, entre os estados do Tocantins, Maranhão e Pará. Uma bela praia em frente à cidade atrai turistas de vários municípios vizinhos no período do veraneio amazônico, assim como acontece em Marabá. Na noite em que os viajantes da balsa de buriti dormiram em Sampaio, no dia 24 de abril de 2013, a lua estava cheia, formando um cenário propício para uma longa conversa entre os visitantes e os moradores da cidade, que cederam espaços para acomodar os tripulantes da balsa.
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amanhecer
Pela manhã, quem acordou cedo viu um espetáculo quase indescritível da natureza, com um sol que nascia por trás da praia, espargia luz na balsa e completava o cenário com lavadeiras de roupas que madrugavam na beira do rio para colocar a roupa no quaradouro logo cedo. A cidade de Sampaio fica 30 minutos abaixo de Praia Norte e serviu de abrigo para o pernoite da expedição. No trecho entre Praia Norte e Sampaio, os balseiros aproveitaram para assar carne de sol, dividir testemunhos da experiência vivida no interior de um meio de transporte construído a partir de talos de buriti e atualizar diários.
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em Sampaio
Em Sampaio, vários jovens vieram à beira rio conhecer a balsa e questionar sobre o trabalho desenvolvido pela Fundação Casa da Cultura de Marabá. A curiosidade, nesta cidade, diferente das demais, era maior entre os jovens porque o fato de o município ser novo – foi criado em 1988 – fazia com que os adultos que residem ali não tivessem uma grande relação com o rio antes disso. Elias Carvalho, 18, foi um desses jovens que fizeram várias perguntas. Quis saber sobre o trabalho dos vogueiros, o que se comia e onde se fazia necessidades fisioló-
gicas na balsa, como se trocava roupa e como a equipe de viajantes vencia o tédio. O jovem Elias ficou tão entusiasmado que pediu “carona” na balsa até Marabá. Queria ter a experiência de viajar na embarcação diferente, mas também queria desbravar o rio que ele só conhecia até a cidade vizinha, Praia Norte. Elias não ganhou a carona porque a lotação da balsa estava completa e a experiência precisou ser adiada. Que este e outros Elias tenham a coragem de desbravar o rio, não apenas para conhecê-lo, mas para ajudar a protegê-lo.
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Metade de
o ã i t s a b e S o ã S foi ver a balsa no porto feita pela Secretaria Municipal de Educação, que mobilizou a comunidade, estimulou estudantes a partiparem e até um sistema de som foi instalado para dar suporte à programação que se desenrolaria. A cerimônia foi preparada com dramatizações, depoimentos emocionados de pessoas idosas que não viam uma balsa há mais de 50 anos e estudantes declamando poesias. Um grupo de educadores, representando o prefeito, entregou à comitiva da balsa uma bandeira do município. Dentre os educadores estava Docil-
O
dia 25 de abril de 2013 ficou marcado na cartografia da viagem da balsa de buriti como um momento único, com a chegada triunfante da expedição coordenada por Noé von Atzingen à cidade de São Sebastião do Tocantins, com uma população estimada em 4.000 habitantes. A embarcação chegou no final da tarde de uma quarta-feira de sol ao município mais setentrional do Estado do
Tocantins, juntamente com Esperantina. O alvoroço promovido pela população emocionou todos os integrantes da balsa. Foguetório, faixas, gritos, aplausos, e até manifestações culturais aguardavam os expedicionários. Foram cerca de 2,5 pessoas amontoadas na orla da cidade e que fizeram questão de conhecer a balsa. A organização do evento foi
da Santos Ferreira Silva, que escreveu um livro sobre a história de São Sebastião intitulado “Raízes da Cidade de São Sebastião”, em que descreve em alguns trecho a passagem de balsas de buriti por aquela região tocantina. “As novas gerações precisam saber de onde vieram para poder traçar o futuro para onde vão. Não existe um povo forte sem memória de seus antepassados”, advertiu a educadora, que entregou cópias da segunda edição de sua obra para compor o acervo bibliográfico da Fundação Casa da Cultura de Marabá.
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Os balseiros e a lenda da
Praia da Chica
S
ão Sebastião do Tocantins abriu seu leque de manifestações culturais ao recepcionar – de forma incomum - os integrantes da comitiva do projeto Balsa de Buriti. A professora Docilda Santos Ferreira, que se dedica a resgatar a história do lugar, já escreveu livro e é considerada na pequena cidade uma referência na pesquisa e produção cultural. Estudantes dramatizaram lendas que são narradas em seu livro e outros apresentaram poemas escritos pela educadora – um deles ilustra esta publicação. Ali, entre outras lendas, está a da Praia da Chica, que relatamos abaixo: “Diz a lenda que às margens do Rio Tocantins, cujas praias mostravam-se planas e aconchegantes, onde muitas aves pernaltas e gaivotas faziam seus pousos cotidianos, animais selvagens desfilavam sobre as areias em busca de saciar sua sede, alguns viajantes de balsas e igarités encostavam suas embarcações para o pernoite. Num determinado dia, uma balsa de toros com homens e mulheres que se dirigiam rumo a Marabá, onde iriam trabalhar na coleta de castanha-do-pará e látex, descia lenta e calmamente o rio. Como já estava anoitecendo, o local escolhido para atracar a embarcação foi a praia, assim escolhendo o ponto certo. Muitas pessoas desceram, banharam-se e fizeram uma fogueira. Assavam peixes e carnes e solviam “grog”, cantavam, dançavam ao som de uma sanfoninha dedilhada por um velho.
O comandante da embarcação avisou que não se afastassem muito do local, pois havia muitos animais ferozes por perto. Porém, nem todos ouviam. Uma mulata que viajava e fazia os trabalhos da cozinha e que se chamava Chica, desceu e se colocou entre os “grogueiros”. Cantava, sorria e dançava, enquanto eles batiam palmas. Ela era muito alegre, além de ser muito bonita, de pele bronzeada, cabelos lisos e negros como as asas da graúna; corpo bem feito, se mostrava graciosa. Tarde da noite, todos cansados, procuravam fazer sua cama na areia. Chica não se conformou em dormir junto com os amigos e se afastou um pouco, dizendo que iria fazer sua cama mais confortável. Como todos já estavam meio embriagados, esqueceram-se dela e ainda ouvia-se o som da pequena sanfona meio desengonçada. Todos dormiram, porém, chegado quase ao amanhecer, o guia falou para se prepararem para a viagem e chamaram Chica para fazer o café. - Chica, Chica, Chica, está na hora do café. Mas ela não apareceu. Então resolveram procurá-la. Encontraram, não muito distante de sua cama, sangue no local. Seguindo mais adiante, encontraram apenas uma perna dela, pedaços de sua roupa e rastro de onça. Fizeram uma cova ali mesmo, enterraram o resto da mulata e retornaram para a balsa de buriti. Seguiram viagem deixando apenas a lembrança do acontecido. É por isso que esse local até hoje se chama Praia da Chica”.
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~ Impressões que ficaram de
“
Nossa viagem está sendo coroada de todos os êxitos possíveis, com certeza a gente ultrapassou tudo que imaginávamos. Não só a balsa resistiu bravamente as cachoeiras, as distâncias, as corredeiras. Mas as pessoas que trabalhavam na balsa, os vogueiros, os pilotos, enfim, a equipe inteira se comportou maravilhosamente bem. Foi um grupo muito unido que trabalhou junto, mas mais do que isso foi a importância que a balsa foi adquirindo ao longo do trajeto com a chegada nas pequenas localidades, nas cidades havia um alvoroço da comunidade. Você chegar em uma pequena cidade como São Sebastião e ver 2.500 pessoas no porto esperando a balsa, foi uma coisa altamente gratificante, superou todas as nossas expectativas. Eu acredito que esse projeto vai fazer reviver não só a história de Marabá, mas para todas essas comunidades, cidades ribeirinhas que depois desse projeto passam a olhar o rio, a olhar sua história de maneira diferente”. Noé Von Atzingen
o ã i t s a b e S o Sã “ O momento que mais me marcou em toda a viagem foi a chegada a São Sebastião, a preparação das atividades, a recepção das pessoas, os fogos. Aquela programação deixou toda a equipe da balsa estimulada. A gente ficou realmente muito emocionado porque foi ali que recebemos pela primeira vez um cartaz com a frase: “Sejam bem-vindos”. Pessoas querendo entrar na balsa, crianças curiosas para saber como era a embarcação do passado”. Bruno dos Santos Scherer, cartografista da viagem.
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Histórias do meu pai Ouço meu pai contar como era no passado O grande rio Tocantins porém mais valorizado Em grandes embarcações percorriam diversos estados Tinham uma balsa igual a essa com remos adaptados Em grandes correntezas com remansos por todo lado De São Sebastião a Marabá Eita tempo abençoado Era usada somente rio abaixo a deriva da correnteza do rio O leme se constituía de duas vogas E atravessava cachoeiras Era uma balsa resistente para muitos, como um navio.
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prosa e verso
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“Se navego teus rios, ouço vozes afogadas de crianças e o canto deslembrado de pássaros; vejo encantarias apanhadas em tarrafas e garimpeiros presos ao farracho de sonhos cravejado de diamante e turmalinas; ouço adiante o canto sombrio da aldeã ilhada em balsa de buritis a descer sem timoneiro a voraz correnteza da memória, e o estrondo infindo de um avião a retorcer-se em chamas, facho imenso aceso sobre águas negras, farândola insana para um deus insano.”
Exaltada em
Poema Balsa Pioneira
Ademir Braz – Ao Largo
Esta é a conduç ão Doada da nature primitiva za Nos conduzia so bre o rio Levada pela corr en Com toda sua hu teza mildade Comprova sua pr esteza Celeiro de paciên ci E economia tam a bém Com sua utilidade Nos ajudou mui to Na exportação do bem s Vindos de muito produtos além
Do alto do Tocant in Vindo de lá para s cá Trazia os mantim entos E gente pra Mar abá Para a terra que Chico Coelho Queria ver prospe rar Hoje é chegado o di De poder comem a orar O sonho já desb ravado Na história de M ar Com ajuda dess abá as balsas No transporte po pular E nos pilotos aven tu Das ancestrais co reiros nduções Que provarão se r gu Desbravando a re erreiros gi Seus nomes ficar ão ão gravados Sobre nossa rela ção Provando que a humildade Tem valor nesta nação Joaquim Falcão – Carolina-MA
O
trabalho da Fundação Casa da Cultura de Marabá em promover uma viagem para relembrar o tempo da navegação em balsa de buriti despertou, também, inspiração de escritores e poetas, que elaboraram textos e poesias para exaltar a iniciativa pioneira da FCCM. Essa inpiração começou logo em Carolina-MA, onde o poeta Joaquim Falcão expôs um poema em homenagem à balsa de buriti. Poeta popular com trânsito entre as cidades do sul do Maranhão e Marabá, ele conhece como poucos a história da viagem das balsas e seu trabalho faz referência também ao centenário de Marabá. Em Imperatriz, os balseiros foram saudados pela poesia de repentistas que manifestaram a alegria pela chegada da embarcação e em São Sebastião-TO, crianças
apresentaram poemas de poetas da cidade que também reconheciam a importância da embarcação primitiva como elemento de desenvolvimento da região tocantina. Por fim, é importante ressaltar a contribuição do decano dos poetas marabaenses, Ademir Braz, que também fez referência à balsa de buriti em seu poema Ao Largo. Nele, há um tom de crítica ao colocar no mesmo cofo alguns ciclos da economia do município que foram apagados com as pegadas do homem. Dentro da balsa, o biólogo Noé von Atzingen e o educador ambiental Lucrécio Filho de Oliveira escreveram textos em prosa sobre todo o percurso da balsa, anotando suas impressões e os impactos que ela causou nas pessoas: crianças, jovens, adultos e idosos.
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e m o c e s e u q O O
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o x i a b a rio
s 15 tripulantes da balsa de buriti não tiveram do que reclamar durante os dez dias de viagem desde Estreito-MA até Marabá. E olha que foram mais de 350 quilos de alimentos comprados no início da viagem, sem contar os mantimentos que foram sendo adquiridos em cidades ou vilas. Os peixes também fizeram parte do cardápio dos viajantes. Antes mesmo de a viagem começar, o jovem Pablo Vinícius Souza fisgou um jaú de quatro quilos no porto de Estreito-MA. Houve festa entre os viajantes e o peixe serviu para duas refeições: um jantar e um almoço. Ao longo da viagem, os vogueiros também pescaram alguns peixes e aproveitaram para testar o fogão de barro que foi construído na balsa. Porém, o que conseguiram foram apenas alguns exemplares de Mapará, um peixe que vem se multiplicando ao longo da bacia do Rio To-
cantins, mas que não era comum por aqui até antes da construção da Hidrelétrica de Tucuruí. Por sinal, o Mapará é considerado peixe de “terceira” pelo cheiro não tão agradável e também por não ter escama. O fogo foi aceso e não decepcionou os vogueiros. Com um abano, as chamas aumentaram e a brasa foi suficiente para assar quatro peixes fisgados. Mas não foi só de peixe que os balseiros viveram durante a viagem. Galinhas caipiras compradas ao longo do “beiradão” também deram sustança aos viajantes e Tia Lica (Maria Francisca Maia) sabia muito bem variar os pratos servidos a bordo. Pela manhã, cuscuz não faltava na mesa improvisada com café e leite. Arroz e feijão faziam parte do cardápio diário no almoço e o jantar era reforçado com sopa ou com um delicioso Maria-Izabel (arroz misturado com carne de sol).
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~ Impressoes da velha e da nova
geracão '
~ As licões do professor Apinajés ' Quem também atuou como professor rio abaixo foi o educador José Ribamar Apinajés, que insistiu bastante para participar da expedição. Ele atua em escola da zona rural de Marabá e foi ao encontro da balsa em Itaguatins-TO para ter o prazer de viajar alguns trechos a bordo da embarcação histórica de um passado que ele teve o prazer de ver e, agora, contar. Sim, contar. Em cada parada da balsa, o paciente professor gastava tempo explicando a jovens e pessoas de meia idade sobre os objetivos da viagem, além de dis-
~ As licões ' longe do rio
S
egurando a voga, João Souza Silva, 66, trinta anos como piloto de barco no Rio Tocantins, conversa com o jovem Carlos Felipe Dias, 16, no remanso em que a balsa de buriti ficou ancorada na vila de Jatobal. Ele conta ao visitante e morador da comunidade um pouco sobre a história das balsas e o objetivo da viagem histórica. O adolescente faz perguntas básicas e recebe uma aula grátis de quem viveu a época da navegação das balsas como veículo de transporte de cargas rio abaixo e de mudança de centenas de família do Maranhão e Tocantins para o Pará, principalmente Marabá.
Respondidas as perguntas, Felipe entra no interior da balsa, observa a carne seca, os sacos de arroz, o cacho de bananas, as abóboras, azeite de coco babaçu, o galinheiro e rompe o silêncio de novo com outra pergunta: “Viaja todo mundo aqui dentro?” A resposta, logicamente, foi não. Mas o jovem Felipe reconheceu que aprendeu mais sobre navegação no Rio Tocantins nos poucos minutos em que pôs os pés na balsa do que nas aulas de História que tivera no 9º ano do ensino médio na escola de sua comunidade. “Aqui a gente tá vendo tudo de verdade. Não é só fotografia que está num livro. Acho que tudo era muito difícil naquele tempo”, opina.
As gerações separadas por mais de quatro, cinco décadas se reencontraram em outros momentos, até mesmo mais distantes do velho Rio Tocantins (e também Araguaia). Ao final da viagem da balsa, o projeto idealizado pela Fundação Casa da Cultura não estancou. A balsa ficou exporta alguns dias no Porto da Colônia de Pescadores Z 30 para apreciação pública. Depois, a FCCM realizou dezenas de exposições itinerantes, como a a promovida no Shopping Pátio Marabá, inclusive com instalação da própria balsa. Na zona rural, as principais vilas do município receberam a exposição e seus moradores tomaram conhecimento sobre a viagem recente que apontava para um passado histórico, o qual deu sustentação ao crescimento de Marabá.
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correr sobre a importância da preservação ambiental ao longo do rio. “Cada comunidade tem sua parcela de responsabilidade e contribuição. Grande ou pequena”, dizia Apinajés. O próprio Noé von Atzingen, presidente da Fundação Casa da Cultura, cuidava de ministrar palestras em escolas por todas as comunidades por onde a balsa passava. As informações sobre uma balsa diferente atraíram a curiosidade de milhares de estudantes, que acabavam indo conhecer a embarcação na beira do rio.
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l a c o C 1 no
As histórias colhidas
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ara identificar aquela comunidade encravada entre a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e o Rio Tocantins, é preciso chamá-la de 1º Cocal. Sim, porque naquela região existem o 2º e 3º Cocal. Trata-se de uma comunidade nascida há mais de 50 anos às margens do Rio Tocantins e onde já viveram comuindades indígenas. É uma vila de pescadores, mas que experimenta também a agricultura de subsistência. Ao chegar ao local, no final da tarde do dia 26 de abril de 2013, a comitiva da Balsa de Buriti precisou gastar a sola e fazer um esforço extra para subir a ladeira íngreme com mais de 200 metros de extensão. A direção da escola da comunidade manteve um bom diálogo com a equipe chefiada pelo biólogo Noé von Atzingen e marcou para levar os estudantes na manhã seguinte para conhecer a balsa. E a promessa foi cumprida. Como em todos os lugares, os estudantes – sempre curiosos – queriam ver a balsa de perto, embora
estivessem acostumados, no dia a dia, a ver tantas embarcações. “Parece uma casa que fica andando de um lado para o outro em cima do rio. Que viaja aí dentro fica só de boa, deitado, sem se preocupar com nada”, opinou o estudante David Dias, 9 anos. O garoto de imaginação fértil disse que morar em Cocal era bom, mas que ele gostaria de conhecer cidades grandes, como vê na televisão. Para ele, expressões como remar, pegar jacumã e pescar fazem parte do dia a dia. Mas reconheceu que pegar remar com a voga ele não conseguiria porque “esse remo é muito pesado”. Embora seja uma comunidade ribeirinha, Cocal tem acesso à sede do município, São Pedro da Água Branca, através de uma estrada de chão batido que cruza a Estrada de Ferro Carajás. Para facilitar o acesso dos moradores da vila até Marabá e São Luís, há uma estação para que o trem de passageiros possa transportar quem chega e quem sai da comunidade.
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Um bilhete guardado há 45 anos Por ocasião da passagem da equipe da balsa de Buriti pelo 1º Cocal, Cosme Vieira, residente naquela comunidade, contou histórias de balsas nas quais viajara nas décadas de 1960 e 1970 e também exibiu um bilhete de passagem do Barco-motor Santo Afonso, de propriedade de João Martins Craveiro, de Marabá. O documento, já amarelecido pelo tempo, data de 26 de maio de 1970 e consta que Cosme pagou a quantia de cinco cruzeiros para viajar entre São Sebastião ao 1º Cocal. O barco, segundo ele, vinha de Imperatriz e viajava muito rápido. “Guardo essa passagem comigo porque gosto de lembrar das viagens daquele tempo, que não volta mais. Quando vi essa balsa, viajei no tempo e fui buscar esse bilhete para mostrar para vocês”, contou Cosme Vieira.
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"ataiar"
Vieram a balsa no Cocal
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o amanhecer do dia 26 de abril de 2013, quando a equipe da Balsa de Buriti se preparava para tomar o café da manhã e partir rumo a São João do Araguaia, o jovem empresário Thiago Roque, da Sinacom, de Marabá, surgiu no povoado de 1º Cocal em companhia da amiga Andreia Rodrigues Moura, coordenadora da Obra Kolping do Brasil, juntamente com seus filhos.
Eles não esconderam o desejo de conhecer a embarcação rústica e que tanto sucesso fazia em Marabá antes mesmo de sua chegada. Os dois tomaram café com os componentes da balsa e ainda, de quebra, comeram bolo “cacetinho” e cusuz ainda quentinhos. Thiago, que apesar de jovens já fez várias viagens in-
ternacionais, ficou encantado com a balsa pesada e que flutuava no rio, atraindo milhares de pessoas. Ele cumprimentou Noé von Atzingen e sua comitiva e aproveitou para parabenizar os idealizadores da expedição. O jovem empresário também ajudou a entregar livros sobre Marabá para a diretora da escola da comunidade, para que os
alunos tivessem oportunidade de conhecer melhor a maior cidade do sudeste do Pará. Andreia, que cresceu em Marabá, também ficou encantada com a embarcação, onde viajou sentada embaixo da proteção na companhia dos filhos até São João do Araguaia. Conversou bastante com Noé, de quem é amiga de longas datas.
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primeira comitiva
a ir ao encontro da balsa
Patrick Roberto falou da mobilização que a viagem da balsa estava causando em Marabá com o diário de bordo que estava sendo publicado em cada edição do jornal e como as pessoas estavam se preparando para ir recepcionar a embarcação rústica e sua comitiva na Orla da cidade no dia seguinte. “Muitos grupos de pessoas falam todos os dias sobre a viagem de vocês e esse projeto tem sensibilizado muita gente para a importância de se preservar a memória fluvial de nossa região”, disse Patrick.
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diretor geral do Jornal Correio, João Chamon Neto, e ainda o diretor de Redação Patrick Roberto Carvalho, foram ao encontro da balsa de buriti antes mesmo de ela chegar a São João do Araguaia. Eles partiram de Marabá na manhã do dia 26 de abril em uma lancha, passaram por São João do Araguaia e entraram cerca de 10 km pelo Rio Tocantins até encontrarem a expedição. Os dois foram recebidos por Noé von Atzingen e demais membros da equipe que descia o rio desde o dia 18 de abril, em Estreito-MA. Chamon e Patrick distribuíram exemplares do Jornal com reportagens sobre a viagem da balsa que estavam sendo publicadas em todas as edições do trissemanário desde o início da expedição. Chamon Neto exaltou a iniciativa da Fundação Casa da Cultura e o esforço de Noé e sua equipe em desenvolver
um projeto que exigiu muita dedicação e esforço dos 15 viajantes mais pessoal de apoio que acompanhava a embarcação por terra, em várias cidades. “Isso é mais que uma viagem ou aventura, mas o resgate da história de nosso povo, de nossos pais, que aqui chegaram a bordo de balsas como esta. Este é um dos melhores presentes para Marabá ao completar 100 anos de existência enquanto município”, disse João Chamon. Ele também destacou a importância que a diretoria do Jornal Correio deu à expedição Balsa de Buriti que escalou seu principal jornalista para acompanhar todo o trajeto como um dos balseiros e ainda correspondente diário sobre as ações que se desenvolviam ao longo da viagem. “O Ulisses Pompeu esteve com vocês por mais de dez dias e isso é uma demonstração de que o Jornal reconhece a importância do projeto”, destacou.
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Os dois visitantes ainda tomaram tempo para “pilotar a balsa” remando com a vogas. E ficaram surpresos com as dimensões e peso dos remos incomuns. Ao final da visita, Chamon e Patrick entregaram a Noé von Atzingen uma placa de homenagem pela viagem e o resgate de parte da história de Marabá.
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Por que não dá para
“
fechar os olhos?
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ribanceira vai caindo e levando terra para o leito do rio, que vai ficando cada ano mais raso e as praias vão “crescendo” no Rio Tocantins. E não apenas as ribanceiras, mas também as árvores que deveriam servir de reforço para não permitir que a terra fosse parar no leito do rio com as enxurradas das chuvas vão caindo uma a uma. O cenário descrito acima é o que os membros da expedição Balsa de Buriti presenciaram no trecho entre Cocal e São João do Araguaia, mas representa, de uma forma global, o cenário de vários outros locais ao longo dos 370 Km entre Estreito-MA e Marabá. Imperatriz-MA, assim como em Marabá, os esgotos jogados nos riachos e grotas que desembocam no Rio Tocantins são uma ameaça à qualidade da água e os sinais de poluição
são visíveis. A grande quantidade de materiais orgânicos, sem tratamento, acaba atraindo as espécies de pescado. “As pessoas pegam esses peixes não sabendo dos riscos. E, até por uma necessidade de alimentação, de lazer, acabam consumindo”, analisa o professor José Alencar, de Imperatriz, que foi conhecer a balsa de perto e tentou justificar por que o esgoto da cidade vai parar no rio. Os balseiros encontraram, em dezenas de pontos do Rio Tocantins, resíduos sólidos que desciam no ritmo da correnteza, descartados por pessoas de várias cidades e comunidades ribeirinhas. Se fossem coletados em sacos de fibra de 60 quilos, várias unidades ficariam cheias. A campeã era a lata de cerveja, mas também não faltavam sacolas plásticas enganchadas nos cipós.
Uma licão sobre a mata ciliar A mata ciliar funciona como um obstáculo contra o assoreamento dos rios, ou seja, segura a terra das margens para que ela não caia dentro deles. Quando chove, ela também impede que uma quantidade muito grande de água caia de uma vez só no rio, e assim evita as enchentes. Além disso, é capaz de filtrar resíduos
agroquímicos evitando a poluição dos cursos d’água, forma corredores para a biodiversidade, auxilia no controle biológico de pragas, conserva os solos, melhora a qualidade do ar, da água e do solo, recupera a biodiversidade nos rios e áreas ciliares, equilibra o clima, mantém a harmonia da paisagem, além de melhorar a qualidade de vida.
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“No começo, no inicio da descida da balsa, nós estávamos preocupados com essa degradação da mata ciliar, que era o que a gente estava vendo bastante. Ela representa os cílios que estão na ribanceira e em vários trechos da viagem presenciamos este cenário, que aponta para a devastação e degradação. Mas, de maneira geral, a gente estava triste achando que lá estava ruim, mas quando a gente chega aqui, abaixo de São Sebastião, como o declive do rio muda, nós nos deparamos com uma situação totalmente nova em que o rio fica praticamente sem ribanceira nessa época do ano. O rio está raso e não existe mata ciliar do lado da esquerda e nem à direita. Esquerda Estado do Tocantins e direita Maranhão. E a gente vê que isso foi causado por uma ação antrópica, ou seja, pela ação do homem, o que nos deixa muito triste, indignados porque as pessoas estão fazendo uma coisa inconsciente. Nós estamos no século XXI, fazendo uma coisa que se praticava quatro séculos A.C. Por que ainda existe essa cultura de estar desmatando, plantando e queimando sem consciência ambiental? Eu vejo que essas pessoas que nós entrevistamos em várias localidades não têm noção do que estão fazendo com o rio”. Lucrécio Filho de Oliveira, residente em educador ambiental integrante da expedição Balsa de Buriti
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As boas vindas de
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a i a u g a r A o d o ã o J São
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e longe dava para ouvir os fogos de artifícios e a multidão que aguardada na orla de São João do Araguaia era o cartão postal da vizinha e pacata cidade, que transformou a tarde de sexta-feira num evento de celebração. Exatamente às 15h25 daquele dia a balsa de buriti aportou em São João do Araguaia, última escala da expedição que saiu de Estreito, no Maranhão, dia 18 de abril e chegaria no dia seguinte a Marabá. E não foram apenas moradores da cidade que se dirigiram à orla da cidade para aguardar e saudar a comitiva da balsa. Ribeirinhos e até mesmo residentes na vila de Apinajés – que ouviram a notícia por intermédio do rádio, foram dar uma “espiadinha” na embarcação. Logo após a chegada, houve uma cerimônia na beira do rio para homenagens das autoridades locais, que entregaram a bandeira de São João do Araguaia para o comandante da expe-
dição, Noé von Atzingen. Jean Resplandes Sobral, secretário de Cultura do município; Isailene Labres de Sousa, vice-prefeita; José Roberto Dutra, vereador; e Emiliano Soares de Souza Filho, secretário de Administração, fizeram as honras da casa. Isailene Labres não poupou elogios para a comitiva e à iniciativa de resgatar a história do município de Marabá, que segundo ela se confundiu, em algumas épocas, com a de São João do Araguaia, que já fez parte do município de Marabá e vice-versa. “Prova disso é que muitas pessoas estão aqui na orla, acompanhando essa viagem de vocês. Os mais velhos de nossa cidade acompanharam muitas balsas passarem por aqui rumo a Marabá. E todos nós acreditamos que essa nova viagem ficará marcada na história pela ousadia e espírito de aventura num tempo em que os meios de transportes mudaram do rio para as estradas em nossa região”, testemunhou Isailene.
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"Aquelas viagens foram as
s a m l a c mais
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ícero Ribeiro da Silva chegou ao porto principal de São João do Araguaia vinte minutos depois de a balsa de buriti aportar ali. Abordo de uma rabeta e segurando a mão da companheira de longas datas, ele pegou uma carona com um sobrinho para ver a balsa; ou melhor, reencontrar um exemplar da embarcação. Ao 75 anos de idade, o aposentado contou que fez mui-
tas e longas viagens em balsa de buriti desde o Maranhão até Marabá e que considerava o trajeto tranquilo, apesar da passagem pela cachoeira de São Sebastião, a mais temida do percurso, e ainda na atual reserva de Mãe Maria, quase chegando a Marabá. Mais do que transitar em balsas, Cícero também ajudou a construir várias embarcações em Carolina-MA, onde ele e
" a d i v a h n i m de
alguns amigos levavam até 20 dias para coletar talos de buritis e outros acessórios, todos retirados da mata. Depois, começava a construção da balsa. E elas tinham entre 20 metros de comprimento e dez de largura, mas reconhece que outras pessoas mais ousadas fabricavam balsas maiores para transporte de gado. “No início, quase não se criava gado em Marabá e muita gente enjoava comer carne de caça das matas”, conta. O agora aposentado Cícero diz que o passado das viagens “gostosas” revivem sua mente o tempo todo e conta que os produtos que as balsas traziam eram vendidos em cidades e, em alguns lugares, onde não moravam muitas pessoas, os próprios moradores pegavam canoas e iam ao encontro da balsa no meio do rio. Ali, os negócios eram feitos e os clientes retornavam nas canoas para suas vilas. Cícero demorou na orla de São João para ver a balsa, analisar detalhes de sua construção e fazer comparações: sempre inevitáveis para pessoas que, como ele, viveram em um tempo em que a balsa trazia tantas novidades a Marabá quanto os circos a partir da década de 1970.
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e s u o m r o f s n a r t a s l a B a m u n
a i l p ó n pa
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rimeiramente, você sabe o que é Panóplia? Esta palavra é originária do Grego e quer dizer “todas as armas”. Naquela época representava toda a armadura de um soldado. Como aqui no Brasil chamamos a Bandeira Nacional como uma das “armas nacionais”, por conseguinte o conjunto de bandeiras (coletivo) que normalmente é colocada para dispor bandeiras em um evento ou local aberto chama-se panóplia. E foi exatamente numa panóplia que se transformou a Balsa de Buriti do Centenário de Marabá depois que recebeu a nona bandeira em São João do Araguaia. Semanas antes de realizar a expedição, a direção da Fundação Casa da Cultura de Marabá entrou em contato com as prefeitura de todos os dez municípios por onde a balsa iria passar e solicitou que a doação de uma bandeira quando a embarcação aportasse na cidade. Noé von Atzingen, presidente da Fundação Casa da Cultura, explica que a a ideia era que cada município entre Carolina-MA e Marabá estivesse representado na balsa com sua bandeira porque, de alguma forma, no passado essas comunidades também tiveram relação comercial com Marabá. Curiosamente, como todos os municípios fazem parte da Amazônia Legal, o verde é a cor predominante entre todos os municípios, assim como a própria Marabá. A segunda cor mais utilizada é o amarelo e depois o branco. E as bandeiras permaneceram sobre o teto da balsa de buriti até a exposição realizada no Shopping Pátio Marabá, em 2013, com apoio institucional da Vale. Agora, que a embarcação está abrigada na área externa da Fundação Casa da Cultura, elas foram retiradas porque a baixa está sob um teto de lona para protegê-la do sol e da chuva, o que inviabiliza a permanência das bandeiras.
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Passageiros para o
último trecho
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orge Bichara Neto, Roque ???????, Bosco Jadão e João Brasil Monteiro chegaram de mansinho a São João do Araguaia na manhã do dia 26 de abril de 2013 para participar do último trecho da viagem da balsa de buriti. Os quatro ganharam camisetas do projeto e trataram logo de se aventurar nas vogas, como acontece com todo mundo que experimentou andar por um pequeno trecho na embarcação. Jorge Bichara, um marabaense nato, contou histórias de balsas que ele viu chegar a Marabá carregadas de produtos para serem comercializados no antigo Mercado Municipal. A memória privilegiada de Bosco Jadão, que foi prefeito de Marabá na década de 1980, também tem espaço para causos relacionados à balsa de buriti que aqui aportaram até o final da década de 1960. “Foram muitas e de todos os tamanhos. O comércio de Marabá era abastecido, em grande parte, pelos alimentos que chegavam do sertão nordestino por intermédio das balsas, que eram desmanchadas quando chegavam aqui. As pessoas compravam os talos de buriti
para fazer cerca em suas casas”, relembra Bosco Jadão. Da voz grave e taciturna de João Brasil – que tem mais de 80 anos de idade – os relatos foram idênticos, com o incremento de que este último atuou também como comandante de barco durante muitos anos. “As balsas foram muito importantes antes da chegada dos barcos a motor. Eu fiz muitas viagens de barco, enfrentei cachoeiras, mas sei que na época das balsas tudo era mais difícil”, reconheceu Joao Brasil. A ideia da elaboração do livro sobre a viagem da balsa de buriti saiu exatamente naquele trecho, em conversa entre Jorge Brasil, Roque e Noé von Atzingen, presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá. Foram os próprios empresários que sugeriram a elaboração de um livro para deixar registrado para futuras gerações não apenas a viagem em si, da balsa, mas a contribuição dela para o crescimento de Marabá no século passado e ainda alertar para as condições desfavoráveis do Rio Tocantins na atualidade para a navegação.
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Balsa também é palco de diversão
Até mesmo o visitante ilustre João Brasil Monteiro, que fez o percurso entre São João do Araguaia e Marabá, não perdeu a oportunidade de se refrescar tomando banho ao redor da balsa, enquanto ela descia. Aos 80 anos de idade, ele mostrou que ainda tem vigor físico e até ensaiou umas “cangadas”, denominação usada para ponta-pés na água.
Mas os viajantes da Balsa de Buriti também tinham outras diversões a bordo. Além das remadas com as vogas, nas horas vagas se divertiam contando anedotas, muitas delas envolvendo as famosas histórias de pescador e cantando canções populares. A maioria preferia ficar no ambiente interno, embaixo da palhoça que protegia do sol.
Não era só de remadas que viveram os balseiros da expedição do centenário de Marabá. Eles também se divertiram pra valer enquanto a balsa descia em ritmo lento no meio do Rio Tocantins, entre uma cidade e outra. E um dos passatempos favoritos era tomar banho tirando pontinha e se refrescando do calor amazônico.
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Escoltada até chegar em casa também do rio que nos dá alimento”, disse Júlia. A partir da ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins, a escolta transformou-se em cortejo, pela grande quantidade de embarcações. Por isso, o Corpo de Bombeiro foi acionado porque lanchas, jet-ki, rabetas e barcos eram tantos e chegando cada vez mais próximo da balsa, que havia perigo de colisão e acidente. Uma lancha dos bombeiros ajudou a organizar o restante da viagem, mantendo as demais embarcações numa distância de segurança para todos. Carlos Roberto Celestino Aguiar, que aguardava a balsa com uma rabeta ancorada em um dos pilares da ponte, disse que estava ali há uma hora e meia espe-
E
m todos os lugares por onde passava, a balsa de buriti transformou-se, momentaneamente, num espetáculo aquático para a comunidade. Todavia, a partir de São João do Araguaia, ela passou a ser acompanhada remada a remada por outras embarcações. De Marabá, o servidor público Wilson Barros preparou-se para chegar a São João bem cedinho, trazendo consigo dois caiaques, a filha e o genro. Preparados com alimentos, roupas apropriadas e filtros solares, eles enfrentaram o sol e os 40 quilômetros que separam as duas cidades. Wilson Barros, que é natural de Marabá, filho do ex-vereador João Maria Barros, viu, ainda na infância, várias balsas chegarem a Marabá trazendo gente e alimentos do sertão nordestino. E, para ele, que pratica remo com caiaque há vá-
rios anos, acompanhar a balsa de buriti do centenário de sua cidade não foi nenhum esforço demasiado. “Foi com muito prazer e satisfação que remei ao lado da balsa. É uma lembrança quase apagada da minha infância aqui em Marabá”, disse. A vereadora Júlia Rosa e outros parentes alcançaram a balsa em uma lancha à altura da Vila Espírito Santo. Ela tinha acompanhado a expedição em Carolina e Estreito, quando a balsa iniciou sua viagem pelo Rio Tocantins. “Eu queria chegar em Marabá dentro da balsa, como meus patriarcas fizeram décadas atrás. Foi uma emoção muito grande podermos resgatar a nossa história em um ano tão representativo quanto o do centenário. Que as novas gerações contribuam para a preservação não apenas de nossa história, mas
rando a balsa passar. Disse que seu pai, que já faleceu, lhe contou várias histórias sobre as viagens em balsas de buriti e ele ficavam imaginando na mente como seria, de fato uma embarcação daquelas. “Meu pai veio do Maranhão de carona numa balsa porque não tinha dinheiro para pagar passagem. Criou todos nós – oito filhos – com peixes tirados do Rio Tocantins. Hoje eu sou pescador, moro no São Félix e me orgulho da profissão que herdei do velho Celestino Aguiar”, diz Carlos Roberto.
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~ Enfim, as celebracões ' da
chegada
balsa, parabenizou os participantes da expedição do Centenário e frisou a importância da preservação da história de Marabá e região. “Uma cidade que não honra seu passado, não tem estrutura para avançar para o futuro. É importante que a população compreenda a dificuldade do início da cidade, a fragilidade das embarcações nas quais os pioneiros chegavam aqui e que, apesar dos dilemas que enfrentaram, não desistiram. Precisamos honrar nossa cidade e nosso passado”, disse o gestor. Entre os políticos presentes, o então deputado federal Asdrubal Bentes, a estadual Bernadete ten Caten, vereadores, secretários municipais, entre outros.
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poteótica. Assim pode ser considerada a chegada da balsa de buriti à escadaria da Colônia de Pescadores Z-30, em Marabá, por volta de 16 horas do dia 27 de abril de 2013. A festa durou mais de três horas e entrou pela noite. Era a concretização de um projeto que visava refazer o caminho dos pioneiros em uma embarcação com as mesmas características da balsa original, construída do mesmo modo artesanal que aquela do início do século passado.
O biólogo Noé von Atzingen foi o mais aclamado pelo público, que reconheceu o trabalho que nasceu na mente do presidente da Fundação Casa da Cultura de Marabá. Com a balsa devidamente amarrada na escadaria, foi preciso conter a multidão que queria entrar e tocar nas partes da balsa. Políticos, empresários, parentes e amigos dos 15 tripulantes da expedição estavam ávidos por pôr um pé nos talos de buriti que compõem o assoalho da embarcação. O prefeito João Salame, que acompanhou a chegada da
Uma cidade que não honra seu passado, não tem estrutura para avançar para o futuro. É importante que a população compreenda a dificuldade de transporte no início deste município, a fragilidade das embarcações nas quais os pioneiros chegavam aqui e que, apesar dos dilemas que enfrentaram, não desistiram. Precisamos honrar nossa cidade e nosso passado”. João Salame Neto, prefeito de Marabá.
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a t l o v e d a s l a b A para o
o r u t fu
Os componentes da Balsa de Buriti do Centenário de Marabá tiveram a sensação de que já tinham visto aquela cena antes. E não era a dos municípios por onde já tinham passado. Milhares de pessoas na orla da cidade acenando. As saudações recebidas nas outras cidades foram apenas o ensaio do que Marabá guardava para seus balseiros.
Mas, entre a euforia das saudações e a chegada à orla propriamente dita, ainda tinha um trecho de cerca de 300 metros que precisava ser vencido até aportar. Isso porque a forte correnteza do Rio Tocantins no período da cheia era um desafio muito grande para os quatro vogueiros. A balsa deveria aportar exatamente na escadaria da Colônia de Pescadores Z-30, que estava logo ali à frente. E deu certo.
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Curtindo
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a balsa do comeco ao fim '
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urtir, compartilhar e comentar. Os três verbos ligados às redes sociais da Internet foram um tempero que ajudou a difundir em várias cidades a viagem histórica da balsa de buriti. Apenas na fanpage da Fundação Casa da Cultura no Facebook foram mais de 100 mil curtidas de várias partes do Pará Em Marabá, o Jornal Correio do Tocantins e o Blog do Hiroshi divulgavam notícias diárias durante todo o percurso da balsa e os comentários e curtidas passaram de 10 mil. Entre os mais entusiastas da viagem da balsa estava a família Reis, com as irmãs Ludimila, Conceição e Diodésia dos Reis à frente, as quais comentavam e compartilhavam fotos e vídeos que eram postados na internet diariamente. Pela “tietagem” com os balseiros, as irmãs chegaram mesmo a ganhar camisetas do Projeto Balsa de Buriti e estavam vestidas com elas no dia de receber a expedição na orla do Tocantins. Numa peneira rápida pela Internet, foi possível encontrar notícias da viagem da balsa por 35 sites diferentes, sem contar blogs pessoais e postagens em redes sociais. Abaixo, acompanhe alguns comentários de internautas que estavam ligados no percurso:
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Lá vem a balsa descendo rio abaixo. Lamento não poder voltar no tempo, subir no teto de palha e pular na água de pontinha, como fazíamos todos, na época em que Marabá, também, era uma criança em fase de crescimento. Sds. marabaenses!” João Dias.
“
Boa noite, fiquei facinada por esse projeto. Sou professora de informática da PMM e da educação infantil. Estou desenvolvendo um projeto “Marabá e suas raizes fluviais”. Muito me chamou a atenção e se precisar de ideias de barqueiros, castanheiros e até mesmo uma entrevista, meu velho pai, o senhor José Gomes (Zezão), hoje tem 82 anos, pernambucano que veio para Marabá com 19 anos e até a presente data reside e se considera marabaense nato, estamos à disposição para contribuir com esses relatos”. Alyce Gomes
É muito importante se resgatar a nossa história e cultura, pois faz parte de nossa vida. Digo isso porque nasci e fui criada na Marabá Pioneira e até hoje resido na Velha Marabá, no centro da cidade aonde se iniciou a história. Morei na Rua Benjamim Constant durante minha infância e a minha adolescência na Travessa 13 de Maio. A fase adulta na Travessa Carlos Leitão e, atualmente, moro na Rua Magalhães Barata. Minha vida profissional foi nas escolas José
Mendonça Vergolino Plínio Pinheiro, Judith Gomes Leitão, onde também estudei. É sempre bom poder fazer uma retrospectiva de nossa história e observar o quanto a nossa cidade evoluiu e irá acompanhar a história contemporânea porque somente com empreendimento dos representantes políticos e conscientização de responsabilidade social da população podemos sonhar com uma Marabá de primeiro mundo, realizada e feliz”. Maria Jadilza Casaes dos Santos
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Danca e dramatizacão ' em homenagem' à
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nquanto a balsa de buriti passava por vários municípios dos estados do Maranhão e Tocantins, em Marabá, grupos culturais preparavam carinhosamente uma programação festiva para recepcionar a expedição e homenagear os 15 tripulantes da embarcação rudimentar. As apresentações iniciaram por volta de 16h30 e terminaram às 20 horas, relembrando os ciclos econômicos do município em um palco popular no Largo da Orla, no Bairro Santa Rosa. Os grupos retrataram a história do início de Marabá, por meio de danças e encenações, relembrando personagens tradicionais como castanheiros, pescadores e lavadeiras. Com as apresentações, estamos valorizando a cultura, a tradição e as pessoas que fizeram parte da história e não
são lembradas”, disse Lara Borges, ativista cultural no Bairro Liberdade. Trinta pessoas se envolveram na recepção da Balsa de Buriti. Os grupos que fizeram apresentações foram: “Amigos do Santa Rosa”, Biblioteca “Hozana Lopes de Abreu”, Indeva (Instituto Nacional de Defesa Ecológica e Vigilância Ambiental), Grupo de Dança “Furacão Mirim”, Companhia Teatral “Asas Liberdade”, Studio de Dança “Flávio Fernandes” e Escola “Irmã Theodora”, do Bairro Liberdade. Ariele Cristina Pereira, do Grupo “Amigos do Santa Rosa”, levou um grupo de crianças para participar da recepção e aprender sobre a história da navegação no Rio Tocantins . A ONG Indeva (Instituto Nacional de Defesa Ecológica e Vigilância Ambiental) enfocou a questão ambiental. Maria
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o ã c i d e p ex '
Helena Paiva Rocha, presidente da entidade, avaliou que nas primeiras décadas do Século XX, as pessoas trabalhavam muito mais que atualmente. O grupo “Amigos do Santa Rosa” foi feliz ao dramatizar o tempo dos batelões - barcos antigos que não tinham motor e eram manobrados por vogas - varas com gancho na frente e forquilha, que eram contemporâneos das balsas de buriti. Ademar Gomes, coordenador do grupo, disse que para realizar o trabalho das encenações, anteriormente eles pesquisaram e ouviram quatro pilotos antigos, entre os quais Manoel Dias e Raimundinho, que ainda hoje exercem a função. Manoel Dias desce com comboio de oito balsas rio afora, com aproximadamente 800 toneladas cada balsa, e Rai-
mundinho ainda faz a passagem dos pedrais. “O Manoel pilota a maior embarcação que há em Marabá. São pessoas que decidimos homenagear na chegada da balsa de buriti”, disse Ademar. E, de fato, a encenação foi muito parecida com o original. Ao chegar ao porto, o dono do barracão analisava a qualidade do produto e negociava com o “arriador” da castanha, sempre tentando desqualificar a amêndoa, baixando o preço para ganhar mais na negociação. Depois de negociado o valor, a castanha era lavada em paneiros no rio, colocada no ombro e levada para o barracão, onde ficava aguardando novo embarque em barcos grandes para seguir viagem para Belém e, de lá, para o resto do País e Europa.
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Missão comprida, mas cumprida
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equipe que viajou a bordo da balsa de buriti por dez dias não mediu esforços para cumprir a programação que havia sido planejada e chegar a cada cidade de acordo com o cronograma. Até Marabá, a última cidade, a chegada ocorreu dentro do horário previsto e sem intercorrência. A família de guias que foi contratada em Itaguatins: Jairo Brito, João Brito e João Souza Silva retornaram para sua cidade de origem na mesma noite. Os demais, todos de Marabá, permaneceram no local até o fim da programação cultural na orla. Maria Francisca Maia, a Tia Lica, cozinheira, disse que
aquela foi a viagem mais marcante de toda a sua vida. A baiana radicada em Marabá há várias décadas, se sentiu emocionada e disse que iria guardar com muito carinho um caderno em que escreveu relatos da viagem e pegou depoimentos de vários colegas viajantes no último dia da expedição. Noé Von Atzingen, comandante da expedição, concedeu várias entrevistas aos veículos de Imprensa que foram acompanhar a chegada da balsa. “Tenho certeza que todos que participamos dessa viagem estamos com a sensação de dever cumprido, de que chegamos ao porto depois de nove
dias de viagem, de lutas e dificuldades. Aqui chegamos para mostrar às pessoas como era a vida há 100 anos e nas primeiras décadas do Século XX. Lucrécio Filho de Oliveira considerou o momento mais marcante a passagem da balsa pela cachoeira de Santo Antônio. “A balsa começou a se contorcer toda e a casa começou a cair. Noé segurou de um lado, juntamente com o Gabriel e tivemos que cortar uma corda, amarrar e puxar, tudo muito rápido”, observou. Bruno dos Santos Scherer, analisou que desde o processo de levantamento de dados, o que mais o emocionou foi a aceitação do projeto Balsa de Buriti por parte das pessoas
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em várias cidades. “Você faz uma coisa como essa de preservação da memória, construindo uma réplica de como era a balsa no passado, é algo que toca os mais velhos, porque eles vivenciaram tudo isso e alguns deles nos ajudaram a construir tudo o que fizemos”, reconheceu.
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Aquela viagem virou uma
grande epopeia
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esde que aqui cheguei em 1976, volta e meia escutava que se falava das antigas balsas de buriti. O assunto era sempre visto com certo mistério e sempre o que eu ouvia eram pequenos relatos de uma atividade antiga e que se perdia nas brumas do tempo. Eu nunca havia visto uma balsa de buriti. A única imagem que conhecia era um desenho de 1983 de Pedro Morbach, que inclusive ilustra a capa do meu livro: Vocabulário Regional de Marabá, editado em 2004. Em 2011, com a proximidade da programação do centenário de Marabá, voltei a ler mais atentamente a nossa história e de novo me deparei com pequenas citações sobre a tão famosa quanto desconhecida balsa. Tentei encontrar algo mais sobre o assunto, mas quase nada achei, a não ser uma pequena passagem no magistral livro O Sertão (1924), de Carlota Carvalho e outro trecho poétivo no livro “Marabá”, organizado por Bosco Jadão e publicado em 1984. Ali, há uma página do autor João Maria Barros que trata da balsa. Sua descrição é um deleite. Mesmo com este material reunido, não havia elementos que mostrassem a construção e condução de uma balsa de Buriti. Então, inicialmente, falei com meu grande amigo Bosco Jadão que, prontamente, me informou de tudo o que se lembrava sobre a tão famosa
Mesmo assim, reuni mais alguns bons colaboradores da e quase esquecida balsa de buriti, a grande precursora da Fundação Casa da Cultura de Marabá e decidimos executar navegação da nossa região, vinda do vasto sertão compreo projeto. Tínhamos então três grandes problemas para reendido pelos estados do Maranhão, Goiás (antigo) e Piauí. solver: quem ainda sabia fazer uma balsa? Haveria material É bastante curioso que a balsa de buriti fosse uma conssuficiente para a construção? Haveria quem soubesse matrução singular e ao que parece originário desta região do nejar a balsa pelos 370 km do EsSertão, compreendido entre o Rio Totreito até Marabá? cantins (desde Pedro Afonso já próÉ claro que havia também o proximo de Palmas,) tendo o Rio Balsas blema financeiro, mas este inacrepelo meio e o Rio Parnaíba a Leste. ditavelmente foi o mais fácil de ser A balsa que singrava o Tocantins resolvido porque o projeto ¬¬¬¬enfazia um trajeto curto se comparando tusiasmava a todos. Decidimos que com as que desciam o Rio Balsas e o devíamos ir para a região onde as Rio Parnaíba, chegando ao mar. Pelo Mas eu não imaginava que balsas eram feitas: Carolina no Mamenos há um rio batizado com seu a Balsa de Buriti nos traria ranhão. Lá, o nosso amigo Falcão, nome e ainda uma importante cidade da Academia de Letras do Sul e Sudo Maranhão, batizada de Balsas. tantos outros capítulos após deste do Pará, foi de grande ajuda, Por volta de julho de 2011, surgiu a aquela viagem de dez dias pois nos colocou em contato com ideia “maluca” de construir uma balsa pelo Rio Tocantins, passando antigos balseiros e barqueiros e para comemorar o centenário de Maassim começamos a procurar lorabá com pompa e circunstância, tenpor três estados. Dezenas cais onde haveria buritizais para a tando pelo menos fazer uma parte do de exposições, palestras retirada dos talos. Também enconantigo trajeto dos pioneiros que aqui e até um prêmio nacional tramos em Goiatins, no Estado do aportaram. Tocantins, o senhor Suleza, que saFalei sobre a ideia do projeto para pelo Iphan foi outorgado à bia como construir uma balsa. várias pessoas e todas, de um modo geFundação Casa da Cultura Daí para frente, acredito que já ral, se mostraram céticas. O único que de Marabá”. há muitos relatos desta epopeia realmente se entusiasmou foi o jornaque tão cedo não vamos esquelista Ulisses Pompeu. Na verdade, o cecer. Quero finalizar lembrando da ticismo de quase todos fez com que eu cara de espanto das pessoas ribeirinhas ao ver a balsa, “esquecesse” a ideia. Até que Ulisses me procurou no segundo dos gritos de alegria e das lágrimas derramadas por resemestre de 2012 e perguntou se íamos fazer a balsa. lembrar um passado tão glorioso, distante e que dificilFiquei meio aturdido com a pergunta pois sabia que seria mente se repetirá! uma empreitada arriscada, perigosa. A própria bibliografia não esclareceu muitos aspectos da construção da balsa... Noé von Atzingen Enfim, era um tiro quase no escuro.
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Balsa permaneceu
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epois da euforia da chegada a Marabá e recepção artística, a balsa de buriti do centenário ainda permaneceu ancorada na Colônia de Pescadores Z-30 até o dia 6 de maio para visitação. Homens da Guarda Municipal se revezaram noite e dia para garantir a integridade da embarcação. E, de fato, muitas pessoas ainda foram à orla para conhecer a balsa, tanto de dia, quanto de noite. Depois, ela levada para a Fundação Casa da Cultura de Marabá para reparos e exposição permanente.
na orla
E os agentes da Guarda testemunharam essa verdade. Embora houvesse momentos de ociosidade, havia horas, no início do dia, final da tarde e à noite, que as pessoas chegavam aos montes para ver a balsa. No início, alguns entravam na embarcação, mas começavam a tirar dela partes de sua estrutura para levar de lembrança, o que tornou proibida a entrada. A partir de então, foi colocado um cordão de isolamento para que os visitantes se mantivesse a uma distância mínima de um metro da embarcação.
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por mais 9 dias
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Shopping "vira rio"
para receber a balsa
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uma parceria com a Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM) o Shopping Pátio Marabá abriu sua Praça de Eventos para receber a exposição do Centenário, que contou com apoio da Vale. Do dia 6 a 21 de setembro de 2013, milhares de pessoas que foram visitar o shopping visitaram a exposição. A mostra fazia parte da fase itinerante do projeto, que posteriormente foi levado também para a zona rural de Marabá. A iniciativa tinha por objetivo homenagear Mara-
bá e resgatar a sua história ao longo dos seus 100 anos de fundação. Vinte e dois painéis com fotos e narrativas destacam os momentos mais importantes da história de Marabá: a formação da cidade e de sua gente, seus ciclos econômicos e sua cultura. Toda a pesquisa da mostra histórico-cultural é baseada no acervo bibliográfico da Fundação Casa da Cultura. E a balsa foi completa para o shopping, contando com as
bandeiras dos municípios por onde percorreu, os alimentos consumidos e transportados à época, que compunham o cenário da embarcação e ainda as quatro grandes vogas usadas para remar e mudar a direção da embarcação. Ainda no cenário montado no shopping, a equipe responsável pela exposição utilizou plástico na cor cinza para dar a impressão de que a balsa estava, realmente, flutuando na água. A fase itinerante da exposição percorreu diversas escolas e locais do município. Há também uma mostra permanente, instalada na sede da FCCM. Na contabilidade da própria Casa da Cultura, desde o seu lançamento, em abril de 2013, até o momento, apro-
ximadamente 120 mil pessoas visitaram a exposição, incluindo as duas etapas do projeto. A exposição itinerante passou por 102 escolas do município, sendo 64 da zona urbana e 38 escolas da zona rural. Durante o período de exposição no Shopping, os visitantes também puderam conferir a réplica da Balsa de Buriti, símbolo do início da colonização da região, quando as pessoas utilizavam a embarcação como meio de transporte. A réplica, idealizada pela FCCM, foi reconstruída para o centenário da cidade e, no mês de abril de 2013, navegou por cerca de 360 quilômetros de Estreito (MA) até Marabá, passando, ao todo, por nove municípios.
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Exposicão vai às ' cidades e à
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ducar através da cultura tem sido um dos focos da Fundação Casa da Cultura de Marabá. Uma prática comum sempre foi a ministração de palestras dos mais variados temas, mas em 2013 e 2014 foi diferente. O conceito foi reformulado com o projeto de interiorização que iniciou em 2013 e alcançou milhares de estudantes de 38 escolas da zona rural do município, além de moradores das cidades por onde a balsa de buriti passou. Neste último caso, a Fundação Casa da Cultura levou a exposição preparada com banners e o documentário preparado pela Video V para exibição em cada cidade. As comunidades se reuniram em ginásios e escolas para acompanhar assistir ao vídeo e também analisar a exposição com fotos e histórias da viagem. A iniciativa se estendeu também à zona rural do município, onde alguns estudantes nunca tiveram a oportunidade de ir à zona urbana e, muito menos, ter contato com atividades culturais desenvolvidas na cidade. Com isso, a exposição do Projeto Balsa de Buriti foi levada em banners às vilas que compõem o município. A exposição circulou por pontos estratégicos da região e proporcionou o contato direto com a cultura e a história da cidade que muitos ainda desconhecem. A exposição contou com cerca de 30 banners que eram trocados semanalmente de vila. Ela era exposta em escolas, sendo a outra face do projeto que ainda ocorreu paralelamente em escolas da zona urbana e possuía as mesmas características.
zona rural
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Balsa
em DVD, revistas, jornais e livro
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e as histórias sobre a balsa de buriti ficaram adormecidas apenas na memória de pessoas com mais de 60 anos de idade, agora elas estão disponíveis também em materiais diversos e acessíveis para o grande público. Durante a viagem de dez dias, desde Carolina-MA até Marabá, uma equipe da Vídeo V Produtora colheu uma grande diversidade de imagens para elaborar um documentário sobre a viagem. No trajeto, o cinegrafista e fotógrafo Helder Messiahs coletou também depoimentos espontâneos de diversas pessoas que viveram a saga dos aventureiros no tempo da navegação das balsas pelo Rio Tocantins e que ficaram surpresas quando viram uma nova embarcação parecida com as do Século XX. No DVD da Vídeo V, as condições ambientais ao longo dos 360 quilômetros percorridos não foram deixados de lado. Em forma de denúncia, o documentário mostrou a mortandade de peixes por causa da Hidrelétrica de Estreito; o lixo que os moradores das grandes cidades jogam no rio; indústrias que despejam seus resíduos diretamente do Tocantins e, ainda, o assoreamento crescente. Mas a balsa foi alvo de publicação de revistas, jornais impressos, um prêmio nacional, reportagem de emissoras de televisão e, agora, um livro também.
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e t n e n a perm
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Agora, em exposicão ' Uma casa na Casa. É assim que a balsa de buriti do centenário de Marabá está. Ela ganhou uma casa na Fundação Casa da Cultura de Marabá, com direito a uma tenda enorme doada pela Unimed Sul do Pará.
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A intenção da direção da Fundação Casa da Cultura de Marabá é manter a balsa o maior tempo possível no local, trocando talos de buritis e madeira quando necessário. Os alimentos também são trocados ocasionalmente.
Junto com a balsa, a exposição que foi ao Shopping Pátio Marabá é suficiente para esclarecer aos visitantes o que foi o projeto e os impactos que ele causou pelas dez cidades por onde passou em três estados.
Por ano, estima-se que cerca de 100 mil pessoas visitam a Casa da Cultura para pesquisas e outras atividades. E não há como não ver a balsa, que fica em uma área verde logo na entrada, à esquerda. Quem passa de carro particular ou de ônibus, nas duas pistas, também avista a embarcação rústica.
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APOIO:
Sul do Pará
Sinalização e Comunicação Visual Ltda.
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