G ÍNIA C ésar b ONTEMPO ,
ORG.
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU Categoria: Ética / Vida cristã / Igreja
Copyright © Gínia César Bontempo, 2011 Primeira edição: Agosto de 2011 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Preparação e revisão: Mariana Furst e Paula Mendes Diagramação: Bruno Menezes Capa: Ale Gustavo (Edição de imagem sobre foto de Laurie Noble / Getty Images)
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação e Classificação da Biblioteca Central da UFV A848 2011
Assim na terra como no céu : experiências socioambientais na igreja local / Gínia César Bontempo, org. - Viçosa, MG: Ultimato, 2011. 152p. : il. ; 21cm. ISBN 978-85-7779-050-0 1. Igreja - Aspectos sociais. 2. Igreja e trabalho. 3. Meio ambiente. I. Bontempo, Gínia César, 1966CDD 22. ed. 211.83
P ublicado
no
Brasil
com autorização e com todos os direitos reservados
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A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.
Saiu o semeador a semear. Semeou o dia todo e a noite o apanhou ainda com as mãos cheias de sementes. Ele semeava tranquilo sem pensar na colheita porque muito tinha colhido do que outros semearam.
Cora Coralina Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal, pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!
Mateus 6.9-13
Sumário
Prefácio Apresentação 1. De Marabá para o mundo
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Elias da Silva Albuquerque, Patrícia Marques Almeida e Carlos Eduardo da Silva
2. Uma empresa e muitas comunidades
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João Carlos de Souza Matos e Ulisses Matiolli Sabará
3. O evangelho em ação no Sertão
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Wostenes Luiz L. dos Santos
4. Curando a nossa terra
47
Hernani Ramos e Maria Eugênia Barrientos
5. A igreja do lixão
57
Siméa Meldrum
6. Semeando a consciência ecológica por meio da arte
69
Carlinhos Veiga
7. Plantando boas sementes Elisa Ribeiro da Cunha
77
8. Jardineiros de Deus, amigos do parque
87
Éser Pacheco
9. Acampando na natureza
97
Marcelo Renan Santos
10. Reconciliando-se com a criação
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Larissa Tiemi Nakano
11. Cuidado com a criação
119
Bebeto Araújo
12. O futuro está no passado
129
Claudio Oliver
13. Pequenas sementes, grandes ações
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Andrea Ramos Santos e Raquel Arouca
Notas
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prefácio
Dupla cidadania
Podemos dizer, sem medo de cometer injustiças, que a visão teológica da maioria das igrejas cristãs no Brasil é focada quase que exclusivamente na relação espiritual do ser humano com Deus, pois a visão das igrejas não foge à regra cultural dos demais segmentos da sociedade. A comunidade cristã se situa em um contexto histórico e é permeável às influências de seu tempo e espaço. Por decorrência, a evangelização também se desenrola com um foco mais estreito do que seria adequado, voltado ao resgate apenas de homens e mulheres em lugar de uma abordagem integral de restauração de toda a criação. Os mandatos de Deus, na Palavra cuja escritura ele inspirou, são muito mais complexos do que a nossa cultura teológica e bíblica tem enfatizado por meio de seus agentes de transmissão, como as comunidades eclesiásticas e as academias que formam os evangelizadores.
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Assim na terra como no céu
Porém Deus se revela também na história. E na história da civilização é cada vez mais evidente que é chegada a hora de ampliar a visão da igreja sobre os temas bíblicos. É chegada a hora de tomar consciência de mais dimensões das nossas responsabilidades como cristãos. A percepção de tais responsabilidades precisa ser alargada tanto no que diz respeito a nossa cidadania quanto a nossa forma de interagir com os bens que Deus criou para dar suporte à vida no planeta. Em relação à cidadania, precisamos enxergá-la em sua duplicidade. Temos uma sociedade humana no planeta terra, com suas instituições de todas as naturezas, com sua organização sociológica, política e econômica, que precisam ser mantidas pelo esforço e deveres de todos. E somos também cidadãos da Nova Jerusalém, que se submetem a um código de direitos — as promessas de Deus — e deveres emanados de nosso livro sagrado. Em relação ao nosso modo de vida, de guardar e cultivar o jardim (Gn 2.15), alguns segmentos cristãos no Brasil têm acumulado reflexões e, felizmente como este livro demonstra, desenvolvido experiências de cunho socioambiental com base nos ensinamentos bíblicos. Aqui se demonstra o envolvimento de cristãos com experiências que estão partindo do princípio de que tudo deve ser resgatado, não apenas os seres humanos, mas a criação como um todo (Rm 8.20-21). Afinal uma fé que não dá frutos é morta — nessa perspectiva do resgate da terra, deve ter frutos também. Justamente no espaço onde a vida se reproduz biologicamente, temos que dar frutos literais e espirituais. Há ainda algo muito belo a registrar sobre as experiências socioambientais narradas aqui. Tais práticas são a expressão de uma compreensão nova e instigante no mundo cristão, pois mais que uma preleção ou uma abordagem teórica sobre como fazer a mordomia do resgate, elas são atitudes efetivas em um “dar frutos” para além do simbólico. São uma variante pungente de
Prefácio
louvor e um tipo de oração em que as palavras são substituídas por um conjunto de gestos, cuja realização demanda o tempo e a própria vida dos praticantes, em honra a Deus. Espero que o leitor sinta que está em contato com algo mais do que alguns esforços concretos e perceba que repousa sobre eles o amoroso plasma da oração, da beleza e do louvor. Muitas vezes doamos generosamente nossa emoção em face de retóricas que têm somente estética, mas sem suporte de atitude e de vida para sustentar seu conteúdo. Aqui se apresenta uma oportunidade de nos emocionarmos com a palavra em forma de atitude, porém mais do que isso, também na forma de vidas abençoadas e abençoadoras de tudo quanto respira e louva ao Senhor (Sl 150.6). Marina Silva Ex-senadora pelo Acre
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Apresentação
Assim na Terra como no Céu nasceu em setembro de 2009, numa reunião de planejamento da equipe do Programa de Educação Ambiental da ONG A Rocha Brasil (ARB), quando do preparo da proposta trienal a ser submetida à ONG internacional Tearfund. Na ocasião, a equipe construiu a “árvore de problemas”, o que possibilitou o diagnóstico do reduzido envolvimento das igrejas evangélicas na questão socioambiental no Brasil. Parte desta realidade deve-se à escassez de publicações de autores brasileiros sobre a temática. ARB percebeu que esse seria um desafio a ser enfrentado e procurou a Editora Ultimato para uma parceria. Dois anos se passaram e é com alegria e gratidão que apresentamos Assim na Terra como no Céu – experiências socioambientais na igreja local. Trata-se de um livro escrito por muitas mãos. Algumas mãos mais jovens e outras mais maduras. Algumas da região Norte, outras do Nordeste, outras do Centro-Oeste e ainda outras do Sudeste e do Sul.
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Assim na terra como no céu
O objetivo deste livro é despertar e motivar o leitor para a importância da ação coletiva da igreja na implantação do reino do céu — evangelho integral — aqui na terra já! São apresentadas experiências concretas da ação socioambiental da igreja nas diferentes regiões e contextos do Brasil em que os princípios e práticas têm origem na verdade divina (“como no céu”). Cada capítulo narra uma experiência fruto da iniciativa de membros de uma igreja local e que pode ser replicada pelas muitas igrejas espalhadas pelo país em seus próprios contextos. Você vai conhecer a iniciativa de um grupo de jovens de Marabá, PA, que, incomodados com o descaso do governo local com uma obra que comprometeu o saneamento e a qualidade de vida de uma comunidade, levantou a voz em defesa dos pobres e oprimidos (capítulo 2). Na cidade de São Paulo, outro grupo de jovens, inspirados pelo texto de 2 Coríntios 5.17-20, criou o projeto Reação, cuja missão é viver e levar a reconciliação de todas as coisas em Cristo de forma integral ao dia-a-dia das pessoas por meio de uma mudança de valores e a partir da compreensão da Palavra de Deus (capítulo 10). Os capítulos 1 e 4 narram a experiência de empreendedores cristãos do Norte e do Nordeste que têm praticado o evangelho de Jesus por meio de ações social e ambientalmente sustentáveis, e levado a vida às pessoas e ao ambiente. Assim como o Brasil, o livro apresenta uma diversidade de estilos e contextos. Por meio de histórias pessoais, o leitor conhecerá a “Igreja do lixão”, em Recife, PE (capítulo 5), as canções de um compositor do Cerrado, Goiânia, GO, que tem sua inspiração nas maravilhas da criação (capítulo 6), e a história de uma comunidade de Curitiba, PR, que decidiu deixar o conforto de um bairro de classe média e se mudar para um espaço no meio de um dos bairros populares da cidade (capítulo 12). O livro traz ainda o relato de duas organizações que decidiram “ir aonde ninguém quer ir”: ACEV Social, no sertão
Apresentação
paraibano (capítulo 3), e Monte Horebe, no Vale do Ribeira, mais especificamente em Itaperuçu, município com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do estado do Paraná (capítulo 11). O capítulo 7 narra a experiência da Igreja Presbiteriana Nacional em Brasília, DF, que decidiu se dedicar ao ensino da mordomia da criação e, entre as muitas ações resultantes dos estudos bíblicos, abraçou o trabalho de reflorestamento do Recanto Canaã. No capítulo 8 você vai conhecer a história de um grupo cristão que procurou ser jardineiro de Deus por meio da mobilização para a defesa de um parque ecológico em Belo Horizonte, MG. Logo a seguir, você conhecerá a experiência do Instituto Marcos Daniel, de Vitória, ES, no planejamento e na execução de acampamentos para adolescentes em áreas naturais (capítulo 9). Finalmente, o capítulo 13 traz uma série de relatos de iniciativas de organizações cristãs que vêm se mobilizando na questão socioambiental em parceria com a ONG A Rocha Brasil: APA dos Morros Garapenses e Associação Bacelarense de Proteção ao Meio Ambiente (ABAMA); Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB); Aliança de Líderes Evangélicos de Felipe Camarão (ALEF); Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral (CADI); Editora Ultimato; Jovens com uma Missão (JOCUM); e Mocidade para Cristo (MPC Brasil). Esperamos que este livro possa contribuir de modo prático para o cumprimento da vocação a que todos fomos chamados: espalhar o reino de Deus assim na terra como no céu! Gínia César Bontempo
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capítulo
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De Marabá para o mundo Elias da Silva Albuquerque Patrícia Marques Almeida Carlos Eduardo da Silva Fernandes
Começa a jornada pela “cura substancial”. O projeto de restauração da Grota Criminosa foi divulgado pela primeira vez em 2005, no curso de férias da ABU-Marabá. Contudo, a ideia nasceu um ano antes, quando os estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) sentiram o desejo de lutar para restaurar o pequeno rio localizado próximo à universidade, conhecido como Grota Criminosa. O espírito de luta gerou uma série de ações impactantes na universidade e na cidade de Marabá. Nos anos seguintes à divulgação do projeto, os estudantes realizaram um trabalho de pesquisa que incluía o levantamento de dados sociológicos e ambientais sobre a Grota Criminosa. Na história do córrego percebeu-se que a urbanização intensificada após a década de 70 trouxe vários problemas. A Vale S.A. se destacou como um dos principais agentes antropizadores na localidade. A construção da Estrada de Ferro Carajás, com
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Assim na terra como no céu
a finalidade de transportar o minério, foi responsável pelo aterramento e degradação de parte da mata ciliar do córrego, localizado na Rodovia Transamazônica, quilômetro sete, no bairro Nova Marabá. Diante da inexistência de planejamento habitacional para a instalação das famílias que chegavam à procura de emprego, toda a infraestrutura da área foi comprometida. Casas foram construídas nas proximidades e o esgoto passou a ser eliminado em toda a extensão da grota; os ecossistemas locais deram lugar ao lixo e, consequentemente, ao desequilíbrio ambiental. O histórico do rio levou o presidente da ABU, Elias Albuquerque, na época estudante de agronomia, a propor aos membros da ABU-Marabá o estudo do problema por meio de visitas e entrevistas nas comunidades. Elias assumiu a responsabilidade de elaborar seu trabalho de conclusão de curso sobre a situação, aprofundando a pesquisa e levando em conta as leis ambientais. O objetivo era alcançar a restauração, nas palavras de Francis Schaeffer, uma “cura substancial” da Grota Criminosa, em resposta à poluição e à contaminação do corpo hídrico. Compreendemos que todos são responsáveis por uma parte da restauração substancial, pois cada indivíduo é agente de transformação no meio em que vive, cabendo a cada um definir seu modo de interagir com ele. Durante o período de levantamento dos dados pudemos verificar que, entre os moradores, existiam opiniões distintas com relação à grota:
De marabá para o mundo
moradores grota
Antigos
Recentes
Perfil
Utilidade
Gestão Pública
Legislação
Lugar onde existia água limpa, animais e espécies de peixes variadas. Além da vegetação às margens.
Lavagem de roupa, pescaria, água para consumo.
Gestores anteriores se preocupavam com a limpeza.
Desconhecem
Água suja causadora de inundações e doenças.
Despejo de esgoto. Para alguns não tem serventia.
Gestores mais recentes fazem a limpeza; os antigos não faziam.
Conhecem. Outros apenas ouviram falar.
Segundo alguns entrevistados, a própria prefeitura de Marabá contribuiu para a compactação do solo, quando aterrou algumas partes da grota. Com o aterro, as margens foram diminuídas, assim como a aeração do solo. A mobilização, sustentada pela oração e pelo compromisso com a missão integral, repercutiu nos estudantes e gerou diversos frutos. Em 2007, Carlos Eduardo e Elias viajaram à Fazenda Rio Grande, PR, para um treinamento no Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral (CADI). Levando o aprendizado para casa, montaram o projeto “Coram Deo”, com o objetivo de promover atividades de desenvolvimento comunitário em Marabá. Conseguiram formar uma equipe de oito pessoas, que contava com o apoio de lideranças das igrejas Assembleia de Deus, Cristã Evangélica e Batista Bíblica.
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Assim na terra como no céu
Surge um novo aliado No final de 2007, Carlos Eduardo ouviu falar da Rede FALE — que promovia a campanha “FALE por Saneamento Ambiental no Brasil” — e apresentou no encontro nacional da rede, em novembro do mesmo ano, a proposta para que a campanha abrangesse uma etapa local. Desde então, a batalha, que era local, se tornou nacional: “FALE por Saneamento Ambiental em Marabá”. Motivados pela boa repercussão da campanha no município, em março de 2008, o grupo da ABU e a Rede FALE em Marabá resolveram encabeçar as Conferências Livres de Juventude — evento cujo objetivo é discutir, fomentar e propor a criação de políticas públicas voltadas para a juventude — com o objetivo de levar a igreja à discussão das questões ambientais e sociais. Foram convidados como palestrantes o secretário municipal de meio ambiente, Antônio Rosa de Macêdo Rodrigues (mesa de meio ambiente), a vereadora Júlia Rosa (mesa de política) e o coordenador da organização Portas Abertas — que trabalha com a recuperação de crianças em situação de risco —, Ebenézer Barros (mesa de programas sociais). Os integrantes do grupo FALE–Marabá divulgaram o evento em várias igrejas. Algumas os receberam com alegria; outras, com desconfiança; e uma não os recebeu — nesta, os integrantes ouviram do diácono com quem conversaram à porta do templo: “Irmãos, o mundo vai acabar em fogo, temos que nos preocupar em salvar as almas”. O evento, não alcançou o seu objetivo. Apesar da conferência ter sido sediada em uma igreja, a comunidade evangélica não compareceu, frustrando a expectativa do grupo e deixando os próprios palestrantes surpresos com o fato. Entretanto, depois do suposto fracasso, o grupo não desistiu das igrejas locais.
De marabá para o mundo
De Marabá para o mundo Em janeiro de 2009, o Encontro Nacional da Rede FALE aconteceu em Marabá e em Belém. Em Marabá foram lançados os cartões “FALE por Saneamento Ambiental em Marabá-PA”. Eles tinham caráter de abaixo-assinado e traziam informações sobre o problema socioambiental da região. Grupos da Rede FALE de diferentes estados (SP, RJ, ES, CE, RN, PR e PA) distribuíram os cartões para as pessoas que moravam ao longo da margem da Grota Criminosa. Foram momentos muito bons em que os moradores contaram suas experiências de vida e demonstraram contentamento por morar às margens da grota. Os mais antigos fizeram depoimentos poéticos narrando o passado do rio. O alvo da campanha era o presidente da VALE S.A. O cartão solicitava o apoio da empresa para ações de restauração da grota e de educação ambiental envolvendo os moradores. Além de mobilizar moradores e igrejas locais, as ações conquistaram o apoio dos setores públicos. A vereadora Júlia Rosa, presidente da Câmara dos Vereadores, e Liliam Carvalho de Oliveira, representante da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, manifestaram publicamente seu apoio à ação da rede no município. Membros da Rede FALE Marabá e Belém foram à capital paraense e conseguiram o apoio do senador Flexa Ribeiro. Em Belém, aconteceu um dos momentos mais importantes da campanha. O grupo da Rede FALE participou do Fórum Social Mundial dirigindo três mesas de debate. Em uma delas, sobre saneamento ambiental e direitos humanos, discutiu-se o caso de Marabá. Assim, o mundo tomou conhecimento do problema do município e também do fato de que Deus se importa com ele. Nesse dia, Elias relatou: “Senti a presença de Deus de forma especial naquele lugar, me deu vontade de gritar ‘glória a Deus’ bem alto”.
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Assim na terra como no céu
Depois do evento, assim que retornou para Marabá, Elias convidou os membros da ABU e da Rede FALE para criarem uma ONG. Então nasceu a ELITES — Equipe Líder em Trabalhos Ecológicos e Sociais — formada por estudantes e profissionais de diferentes áreas de formação: Ciências Sociais, pedagogia, geologia, literatura, agronomia, tecnologia agroindustrial e recursos humanos. O objetivo principal da ELITES é resgatar conceitos a partir de relacionamentos por meio da elaboração e execução de projetos socioambientais. A organização substitui o projeto “Coram Deo”. Quando falamos de regaste de conceitos nos referimos a necessidade de recuperação do significado real e prático de palavras desgastadas pelo uso. Como exemplo, temos preservar, do latim praeservare, livrar de algum mal, manter livre de corrupção, perigo ou dano, conservar, livrar e defender; defender, do latim defendere, prestar socorro ou auxílio a, proteger, amparar. Depois de dois anos de campanha, a VALE S.A. não se posicionou sobre os cartões recebidos nem se manifestou sobre a campanha, apesar dos contatos via e-mail e telefone. Deste modo, o grupo FALE, incluindo Marabá, resolveu organizar um ato público, em dezembro de 2010, em frente ao prédio da VALE S.A., no Rio de Janeiro, com o objetivo de ser ouvido pela comunidade e pela empresa. Antes do ato, houve o primeiro retorno da empresa. O Coordenador de relações da VALE S.A., Antônio Venâncio, contatou o grupo FALE–Marabá e o convocou para uma reunião juntamente com a ELITES, a fim de discutir possíveis soluções para o problema da Grota Criminosa. FALE e ELITES apresentariam à prefeitura uma proposta de projeto para a grota, o qual seria intermediado pela VALE S.A.. Essa foi uma das maiores conquistas do grupo. A Rede FALE e a ELITES caminham juntas pela restauração da grota. O que antes era apenas uma campanha de sensibilização e
De marabá para o mundo
mobilização agora se consolida como projeto não apenas ambiental, mas principalmente de desenvolvimento comunitário. Hoje, os grupos desenvolvem, em parceria com a Universidade Federal do Pará, um projeto de inclusão social denominado CIPLI (Curso Instrumental Profissionalizante de Língua Inglesa), que oferece aulas de inglês a pessoas de baixa renda. As aulas são ministradas nas dependências da universidade por membros da ELITES e da Rede FALE. Em resposta à VALE S.A. e à Prefeitura Municipal de Marabá, demos início à elaboração do projeto socioambiental que envolve a grota e a comunidade residente às suas margens, dividindo os integrantes em duas equipes, sociológica e ambiental. A equipe sociológica é responsável por buscar um relacionamento mais direto com a comunidade às margens da grota, desenvolver atividades de educação ambiental e elaborar um levantamento incluindo novos moradores, os quais devido à invasão, ocuparam áreas próximas às nascentes ao córrego, que foi aterrado para a instalação de um trilho ferroviário. A equipe ambiental é responsável por analisar, avaliar e coletar dados sobre a situação do córrego quanto ao seu estado físico, percurso e vazão da água, bem como pela caracterização do solo, levantamento das espécies vegetais e animais, além de captar coordenadas ao longo de todo o comprimento do córrego para posterior processamento dos dados. Pretendemos finalizar o projeto em 2011 e submetê-lo à apreciação da gestão pública e da comunidade em audiência pública na Câmara Municipal de Marabá.
*** Entre os principais entraves à restauração da grota estão as disputas políticas, a “especulação eleitoral” e o desinteresse das igrejas locais. Os políticos sempre prometem “resolver o problema”, mas as propostas de solução vão de encontro às leis
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ambientais vigentes, um exemplo é o direcionamento do esgoto dos moradores para o córrego, o que pode comprometer a qualidade da água e das espécies aquáticas que ainda sobrevivem à contaminação e à poluição do corpo hídrico. Além disso, as secretarias municipais de meio ambiente e de obras não trabalham em conjunto e não há estudos além do levantamento do impacto das obras executadas nas margens da grota pelos grupos FALE e ABU–Marabá. Quem mais sofre é a população menos favorecida que mora nas partes “invisíveis” e remotas do córrego. Crianças adoecem, famílias perdem os bens em enchentes e a assistência aos moradores é feita de modo precário. O projeto de restauração da grota acontece em diferentes fases. Na primeira, o grupo ABU–Marabá mapeou e diagnosticou o problema. Em seguida, foi elaborado um plano de ação de educação e desenvolvimento comunitário na região, que ainda não foi executado. A Rede FALE iniciou a terceira fase com uma campanha nacional que deu visibilidade e chamou as autoridades à sua responsabilidade em relação à população e ao meio ambiente. Estamos na quarta fase do projeto. A ONG ELITES, a ABU–Marabá e a Rede FALE somam esforços em diversas frentes com um propósito em comum: a restauração ambiental de forma substancial. Descobrimos que o maior recurso que um projeto pode ter são as pessoas. Além disso, por mais qualificada e experiente que a equipe seja, o sucesso do projeto depende da participação da comunidade.
*** A Rede FALE, a ELITES e a ABU acreditam em políticas públicas horizontais, isto é, participativas. O Estado e a comunidade devem construir propostas e elaborar ações. A comunidade ainda não se sente parte dos projetos de políticas públicas ou do plano diretor pelo fato de não conhecer a fundo
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os trabalhos propostos. Não há também uma conscientização de que comunidade e Estado podem trabalhar juntos na construção das políticas. Essa é a razão de a comunidade não se envolver de forma direta com as ações locais realizadas. É importante que a comunidade conheça o e participe da construção tanto de projetos sugeridos pelo governo e direcionados a ela quanto dos que ela propõe. Que haja uma relação de parceria e contribuição de ambas as partes para a construção de uma sociedade mais participativa nos trabalhos desenvolvidos para gerar o crescimento comunitário e restauração ambiental de forma substancial. Elias da Silva Albuquerque, nascido em Marabá, PA, é engenheiro agrônomo, fundador e presidente da ELITES — Equipe Líder em Trabalhos Ecológicos e Sociais e coordenador de campanha de saneamento ambiental em Marabá da Rede FALE em Marabá. Patrícia Marques Almeida, nascida em Marabá, PA, é acadêmica em ciências sociais, vice-presidente da ELITES, vice-presidente da ABU-Marabá e articuladora regional da Rede FALE em Marabá. Carlos Eduardo da Silva Fernandes, nascido em Belém, PA, é graduado em tecnologia agroindustrial, servidor público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente no Pará e coordenador de campanha de saneamento ambiental em Marabá da Rede FALE em Marabá.
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