A BÍBLIA TODA, O ANO TODO
Dedicado a Whitehead, que em 9 de abril de 2006 completou cinquenta anos como minha competente e fiel secretária.
Todos os direitos deste livro foram irrevogavelmente cedidos ao Langham Literature (antigo Evangelical Literature Trust), um programa da Langham Partnership International (LPI). O Langham Literature distribui livros evangélicos a pastores, estudantes de teologia e bibliotecas de seminários ao redor do mundo e facilita a publicação de literatura cristã em línguas regionais. Para mais informações sobre o Langham Literature e sobre outros programas da LPI, acesse www.langhampartnership.org Nos Estados Unidos, o John Stott Ministries é membro da Langham Partnership International. Todas as solicitações devem ser feitas pelo site www.johnstott.org
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A BÍBLIA TODA, O ANO TODO
Meditações Diárias de Gênesis a Apocalipse
Tradução Jorge Camargo
A BÍBLIA TODA, O ANO TODO Categoria: Estudo bíblico / Inspiração / Devocional
Copyright © 2006 John Stott Publicado originalmente em inglês sob o título Through the Bible, Through the Year, por Lion Hudson plc, Oxford, England. Copyright © Lion Hudson plc/ Tim Dowley e Peter Wyart (Three’s Company)
Primeira edição: Dezembro de 2007 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Jorge Camargo Revisão: Ângela Mara Leite Drumond Heloisa Wey Neves Lima Capa: Douglas Lucas Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação e Classificação da Biblioteca Central da UFV S888b 2007
Stott, John 1921A Bíblia toda, o ano todo : meditações diárias de Gênesis a Apocalipse / John Stott ; tradução: Jorge Camargo. – Viçosa, MG : Ultimato, 2007. 432p. ; 23cm. ISBN 978-85-7779-017-3 Título original: Through the Bible, through the year 1. Bíblia - Uso devocional. 2. Devoções diárias. I. Título. CDD 22.ed. 242.3 ABREVIAÇÕES ARA – Almeida Revista e Atualizada ARC – Almeida Revista e Corrigida ARF – Almeida Revista e Fiel NTLH – Nova Tradução na Linguagem de Hoje Os textos bíblicos foram retirados da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional, salvo quando há indicação específica.
todos os direitos DESTA EDIÇÃO reservados À Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 — 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 — Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br
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5ª impressão
S umário 7
Seguindo o calendário cristão: uma explicação
10
Agradecimentos
Parte 1: Da Criação a Cristo: Um Panorama do Antigo Testamento (o povo de Israel) Setembro a Dezembro Semana 1
Criação
13
Semana 2
A Instituição do Trabalho e do Casamento
21
Semana 3
A Queda
29
Semana 4
A Deterioração Social
37
Semana 5
Os Patriarcas
45
Semana 6 Moisés e o Êxodo
53
Semana 7
61
Os Dez Mandamentos
Semana 8
Josué e os Juízes
69
Semana 9
A Monarquia
77
Semana 10
A Literatura da Sabedoria
85
Semana 11
O Livro de Salmos
93
Semana 12
O Profeta Isaías
101
Semana 13
O Profeta Jeremias
109
Semana 14
Os Profetas do Exílio
117
Semana 15 Retorno e Restauração
125
Semana 16
Imagens do Messias
133
Semana 17
A Natividade
141
Parte 2: Do Natal ao Pentecostes: Um Panorama dos Evangelhos (A Vida de Cristo) Janeiro a Abril Semana 18 Respostas ao Natal
151
Semana 19
O Evangelho Quádruplo de Cristo
159
Semana 20
Os Anos de Preparação
167
Semana 21
O Ministério Público
175
Semana 22 Ensinando em Parábolas
183
Semana 23
191
O Sermão do Monte
Semana 24
A Oração do Senhor
199
Semana 25
O Divisor de Águas
207
Semana 26
As Controvérsias de Jesus
215
Semana 27
A Semana Final
223
Semana 28
O Cenáculo
231
Semana 29
Começa a Provação
239
Semana 30
O Fim
247
Semana 31
As Sete Palavras na Cruz
255
Semana 32
O Significado da Cruz
263
Semana 33
As Aparições da Ressurreição
271
Semana 34
A Importância da Ressurreição
279
Parte 3: Do Pentecostes à Parusia: Um Panorama do Livro de Atos, das Cartas e do Apocalipse (A Vida no Espírito) Maio a Agosto Semana 35
A Preparação para o Pentecostes
289
Semana 36
O Primeiro Sermão Cristão
297
Semana 37
A Igreja em Jerusalém
305
Semana 38
O contra-ataque de Satanás
313
Semana 39
Fundamentos da Missão Mundial
321
Semana 40
As Viagens Missionárias de Paulo
327
Semana 41
A Longa Jornada até Roma
327
Semana 42
As Cartas aos Gálatas e aos Tessalonicenses
345
Semana 43
A Carta de Paulo aos Romanos
353
Semana 44
As Duas Cartas aos Coríntios
361
Semana 45
As Três Cartas da Prisão
369
Semana 46
As Cartas Pastorais
377
Semana 47
A Carta aos Hebreus
385
Semana 48
As Cartas Gerais
393
Semana 49
Cartas de Cristo às Sete Igrejas
401
Semana 50
A Sala do Trono Celestial
409
Semana 51
O Justo Juízo de Deus
417
Semana 52
O Novo Céu e a Nova Terra
425
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S eguindo o calendário cristão Uma explicação
Em 1963 um Grupo Litúrgico Unido foi constituído na Grã-Bretanha, representando oito igrejas. O relatório não-oficial deste encontro foi intitulado O Calendário e Lecionário: Uma Reconsideração. A proposta era um calendário em que o período do Advento (dezembro) estivesse focado na primeira vinda de Cristo, sem a pretensão de tentar celebrar, de forma simultânea, suas duas vindas. Esse calendário se estenderia também a um período anterior, até os domingos seguintes ao Pentecostes. Dessa forma, o ciclo anual da igreja estaria mais ou menos completo. Desde então, houve várias tentativas no sentido de dar à igreja um calendário e um lecionário que fossem consensuais, particularmente no que diz respeito à adoração comunitária aos domingos. Isso nos daria condições de, pertencendo ou não a uma igreja chamada litúrgica, nos lembrarmos a cada ano de toda a história bíblica, desde a criação, no livro de Gênesis, até a consumação, em Apocalipse 22. Além disso, quando o ano eclesiástico é concebido dessa maneira, ele se divide naturalmente em três períodos iguais de quatro meses cada. O primeiro período vai do início de setembro (quando começa o ano da Igreja Ortodoxa Oriental e quando as igrejas europeias realizam suas festas da colheita) até o Natal. Este período nos permite reviver a história do Antigo Testamento desde a criação até o nascimento de Cristo. O segundo período vai do início de janeiro até o final de abril, culminando no Whitsun, ou Pentecostes. Ele nos permite reviver a história de Jesus nos Evangelhos, desde o seu nascimento, passando pelo seu ministério, até sua morte, ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo. 7
O terceiro período vai do início de maio até o final de agosto e é formado pelas semanas que seguem o Pentecostes. Este período nos dá a oportunidade de reviver a história dos Atos dos Apóstolos e nos lembrarmos de que o Espírito Santo é o poder de Cristo para ser vivido agora, bem como a sua garantia da nossa herança final, quando da volta de Cristo. Neste período, refletimos sobre a vida cristã e sobre a esperança cristã como apresentada nas Cartas e no Apocalipse. Assim como o calendário da igreja se desdobra em três períodos, a Bíblia se divide em três seções e o Deus Todo-Poderoso é visto como tendo se revelado em três pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo. Além disso, estes três três podem impor-se uns aos outros em uma estrutura trinitária saudável. Ela cobre toda a história da Bíblia. No primeiro período (setembro a dezembro) refletimos sobre a obra de Deus Pai, e sobre como ele prepara o seu povo, a partir do Antigo Testamento, para a chegada do Messias. No segundo período (janeiro a abril), refletimos sobre a obra de Deus Filho, e sobre o seu ministério salvador, como descrito nos Evangelhos. No terceiro período (maio a agosto), refletimos sobre a obra do Espírito Santo, e sobre sua atuação como registrada no livro de Atos, nas Cartas e no Apocalipse. Lembrar, reviver e celebrar anualmente esta história divina pode nos conduzir a uma fé abrangente e equilibrada na Trindade e aumentar a nossa familiaridade com a estrutura e o conteúdo da Bíblia. Ajuda-nos também a firmar nossa confiança no Deus da história, que trabalhou e continua trabalhando por seu propósito antes, durante e depois da vida encarnada de nosso Senhor Jesus Cristo até que ele venha em poder e glória.
Uma observação sobre a Páscoa A Bíblia Toda, o Ano Todo foi organizado de uma forma que o leitor possa iniciar a leitura por qualquer uma de suas três partes. É natural, por exemplo, começar com a “Criação”, na semana 1 (em setembro), e seguir a história bíblica desde o seu início até o fim. Mas alguns leitores podem preferir esperar os meses de dezembro e janeiro para começar com “A Natividade”, na semana 17. Uma terceira opção é começar com a Páscoa, nos meses de março e abril. Uma vez que a data da Páscoa está compreendida em uma das cinco semanas entre 22 de março e 25 de abril, não é possível fixá-la ou fixar as outras grandes festividades vinculadas ao domingo de Páscoa. 8
A melhor forma de manter-se conectado com o calendário cristão é remarcar a data da Páscoa no ano em que estiver usando o livro. Então, durante as duas semanas que a precedem (Semana da Paixão e Semana Santa), podemos ler as meditações inseridas nos conteúdos da semana 31 (As Sete Palavras da Cruz) e da semana 32 (O Significado da Cruz). No dia da Páscoa propriamente dito, bem como durante os outros dias da Semana da Páscoa, pode-se também ler as meditações inseridas no conteúdo da semana 33 (As Aparições da Ressurreição) e durante a semana seguinte às contidas na semana 34 (A Importância da Ressurreição). Isto vai garantir que durante as semanas centrais antes e depois da Páscoa sejam lidos textos e reflexões apropriados. Também é possível ajustar conteúdos de outras semanas mais ou menos desconexos nos intervalos restantes e observar o Dia da Ascensão (quarenta dias depois da Páscoa) e o Domingo de Pentecostes (dez dias mais tarde). O Domingo da Trindade é o clímax e cai sempre no domingo seguinte ao Pentecostes.
9
12
Da Criação a Cristo
Domingo
A iniciativa do Criador No princípio Deus criou os céus e a terra. Gênesis 1.1
As primeiras três palavras da Bíblia (“No princípio Deus”) formam uma
introdução indispensável para todo o resto. Elas revelam que nunca podemos nos antecipar a Deus ou surpreendê-lo, pois ele está sempre lá, “no princípio”. A iniciativa de toda ação é sempre de Deus. Isto é particularmente verdadeiro sobre a criação. Os cristãos creem que, quando Deus deu início à sua obra criativa, nada existia além dele mesmo. Só ele estava lá, no início de tudo. Só ele é eterno. A centralidade de Deus em Gênesis 1 é proeminente em toda a narrativa. Deus é o sujeito de quase todos os verbos. “Deus disse” aparece dez vezes no texto e “Deus viu que era [muito] bom”, sete vezes. Nós não temos que optar entre Gênesis 1 e a cosmologia ou astrofísica contemporânea. Deus nunca teve a intenção de que a Bíblia fosse um texto científico. Na verdade, deveria ser evidente para os leitores que o texto de Gênesis 1 é um poema altamente estilizado e belo. Ambas as abordagens da criação (a científica e a poética) são verdadeiras, porém partem de perspectivas diferentes e se complementam. Quando o Credo dos Apóstolos afirma nossa crença em “Deus Pai TodoPoderoso”, está se referindo não apenas à sua onipotência, mas também ao seu poder de controle sobre toda a criação. O que ele criou, ele também sustenta. Sua presença é imanente neste mundo; ele está continuamente sustentando, revigorando e colocando em ordem todas as coisas. O fôlego de todos os seres viventes está em suas mãos. É ele quem faz o sol brilhar e a chuva cair. Ele alimenta os pássaros e protege as flores. Isto pode ser poético, mas é também verdadeiro. Daí a sabedoria das igrejas que mantêm um culto anual para ação de graças e dos cristãos que dão graças antes das refeições. Estas atitudes não apenas são corretas como nos ajudam a relembrar que nossas vidas e todas as coisas dependem de nosso fiel Criador e Mantenedor. Para saber mais: Mateus 5.43-45; 6.25-34
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Da Criação a Cristo
Segunda
Colaborando com Deus Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo. Gênesis 2.15
“Sofro da síndrome das manhãs de segunda-feira”, é o que muitos de nós
dizemos, em um tom melancólico. Trata-se de uma experiência humana bastante comum. Entretanto, após desfrutarmos do descanso restaurador e dos momentos de adoração no domingo, deveríamos estar ansiosos para começar mais uma semana de trabalho. Deveríamos estar prontos a declarar as mesmas palavras usadas por Mark Greene no título de seu famoso livro Thank God It’s Monday! [Graças a Deus é segunda-feira!]. Precisamos adquirir uma autêntica filosofia cristã do trabalho. Muitos cristãos encaram sua atividade profissional apenas como algo necessário e doloroso, uma vez que temos de garantir o nosso sustento de algum modo. Em comparação, gosto de imaginar Adão (evidentemente um agricultor do período neolítico) indo para o trabalho todos os dias no jardim do Éden, cheio de energia e entusiasmo. Afinal, Deus colocou o homem que ele havia criado para cuidar do jardim que ele havia plantado (v. 15). Por iniciativa própria Deus se humilhou a fim de precisar da cooperação de Adão. É claro que ele poderia fazer todo o trabalho sozinho, afinal, ele havia plantado o jardim, o que nos leva a presumir que ele daria conta disso também! Mas ele preferiu que não fosse assim. Gosto da história do jardineiro cockney1 que estava mostrando ao pastor seu magnífico jardim, repleto de flores e botões. O pastor, admirado, desandou a louvar a Deus, até que o jardineiro, cansado por não ter recebido crédito algum, disse: “O senhor precisava ter visto esse jardim antes, quando Deus cuidava dele sozinho!”. Sua teologia estava inteiramente correta. Sem o trabalho do homem, o jardim teria se tornado em deserto. Devemos fazer aqui uma importante distinção entre natureza e cultura. Natureza é tudo aquilo que Deus nos dá; cultura é o que nós fazemos com isso (agricultura, horticultura etc.). A natureza fornece a matéria-prima; a cultura a transforma em mercadoria. A natureza é uma criação divina; a cultura é fruto do cultivo humano. Deus nos convida a partilharmos de seu trabalho. De fato, nosso trabalho passa a ser um privilégio quando entendemos que estamos colaborando com Deus.
Para saber mais: Gênesis 2.7-9, 15 1. Dialeto de um bairro do extremo leste de Londres. (N.T.)
Semana 2
a instituição do trabalho e do casamento
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Terça
Cuidando da criação Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem [...]. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão”. Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”. Gênesis 1.26, 28
Em março de 2005 foi publicado o relatório final de uma análise científica
rigorosa, Avaliação do Ecossistema do Milênio, visando avaliar as condições do planeta em relação ao bem-estar da humanidade. A conclusão a que se chegou é que estamos vivendo além dos recursos de que dispomos, consumindo rapidamente, esgotando, poluindo e destruindo os “recursos naturais” dos quais depende a nossa própria sobrevivência. Os cristãos deveriam estar na vanguarda do movimento pela conservação do planeta, pois cremos que Deus nos chamou para cuidar da sua criação. Algumas pessoas nos acusam não só por não resolvermos a crise ecológica, mas por na verdade provocá-la. Um crítico em particular atacou o que ele chamou de as “três linhas horrorosas” de Gênesis 1, com seu “texto horrível e catastrófico”.1 Ele estava se referindo à declaração de que Deus dera ao homem a responsabilidade de “dominar” e “subjugar” a terra. É bem verdade que o primeiro desses dois verbos em hebraico pode significar “pisar sobre” e que o segundo foi usado para expressar pessoas sob jugo. Estaria então Ian McHarg certo em sua acusação? Não, ela não procede. De acordo com um princípio elementar de interpretação bíblica, o contexto deve ser levado em conta para determinar o sentido do texto. Desta forma, podemos observar que esse “domínio” que Deus concedeu ao homem se refere a uma administração delegada e responsável. Seria ridículo supor que, depois de ter criado a terra, Deus a entregaria a nós para que a destruíssemos. Fomos chamados para cuidar da criação, e não para explorá-la. Para saber mais: Gênesis 1.26-31
1. Ian McHarg, Dunning Trust Lectures, citado em Ontario Naturalist. mar. 1973.
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Da Criação a de Cristo
Quarta
Noé e o dilúvio Eis que vou trazer águas sobre a terra, o dilúvio, para destruir debaixo do céu toda criatura que tem fôlego de vida. Gênesis 6.17
N
oé se destacava em meio à depravação generalizada como uma flor perfumada sobre um monte de esterco. “A Noé, porém, o Senhor mostrou benevolência” (v. 8). Noé, assim como Enoque, “andava com Deus” (v. 9) e desfrutava da sua presença em meio à perversidade reinante. Quando Deus advertiu Noé sobre o dilúvio iminente e lhe disse para construir uma arca, ele creu na palavra de Deus e foi obediente, seguindo as instruções relacionadas ao material, às medidas e à construção do barco. Seus contemporâneos devem ter achado tudo uma grande piada, afinal Noé passou vários meses construindo um barco enorme, no quintal de sua casa, sob um céu azul e límpido. “Pela fé Noé, quando avisado a respeito de coisas que ainda não se viam, movido por santo temor, construiu uma arca para salvar sua família” (Hb 11.7). Teria sido o dilúvio um acontecimento histórico e universal? Histórico certamente, pois o próprio Jesus mencionou o dilúvio. Além disso, histórias envolvendo dilúvios são bastante comuns nas sagas de muitos povos antigos. Mas universal? Alguns cristãos defendem a ideia de que a terra toda foi inundada. Isso não só é altamente improvável, como a narrativa bíblica não exige que creiamos assim. De fato, o narrador afirma que “foram cobertas todas as altas montanhas debaixo do céu” (Gn 7.19). Porém, as Escrituras muitas vezes usam uma linguagem universal (por exemplo, “todas”, no sentido de cada uma, e “toda”, em sua totalidade) não no sentido absoluto, mas conforme a visão e a perspectiva dos autores. Assim, lemos que “de toda a terra vinha gente ao Egito para comprar trigo de José, porquanto a fome se agravava em toda parte” (41.57). É evidente que “toda a terra” é uma referência aos países próximos ao Egito. Assim, o dilúvio foi realmente um acontecimento universal na visão do escritor de Gênesis, e cobriu boa parte do Oriente Médio, mas não o mundo inteiro. Mais importante que a extensão do dilúvio, no entanto, é o que Jesus nos ensina através dele: “Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda do Filho do homem” (Mt 24.37). Quando Jesus vier para julgar o mundo, muitos não estarão preparados para recebê-lo. Para saber mais: Mateus 24.37-39
Semana 4
a deterioração social
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Quinta
Isaque e a fidelidade de Deus Isaque orou ao Senhor em favor de sua mulher, porque era estéril. O Senhor respondeu à sua oração. Gênesis 25.21
Isaque começou bem. Seus pais provavelmente lhe contaram sobre as
circunstâncias de seu nascimento, a razão para ele ter recebido o nome de Isaque (“Riso”) e o significado de sua circuncisão. Ainda adolescente, ele passou por uma experiência traumática no monte Moriá, que ficou gravada em sua memória para sempre. Como ele poderia esquecer do horror que sentiu ao perceber que seu pai pretendia sacrificá-lo, e do alívio quando foi libertado? Isaque devia duplamente sua vida à fidelidade de Deus: em seu nascimento sobrenatural e no livramento da morte sacrifical. Mais tarde, Abraão decidiu que Isaque deveria se casar, porém não com uma mulher dos cananeus, no meio dos quais ele vivia, mas com alguém de sua parentela. Não se trata aqui de uma decisão étnica, mas religiosa, com o propósito de preservar a linhagem da aliança. No capítulo 24 de Gênesis encontramos o relato de como Rebeca veio a se tornar esposa de Isaque, graças às orações e ao bom senso do servo de Abraão. Como disse seu irmão Labão, “isso vem do Senhor” (v. 50). Rebeca, no entanto, não conseguiu engravidar nos vinte anos que se seguiram. Porém, quando Isaque orou por ela, ela engravidou de gêmeos. Este certamente é mais um exemplo da fidelidade de Deus à sua aliança. Mas, com a gravidez de Rebeca, as coisas mudaram. Ciente de que teria gêmeos, ela consultou o Senhor acerca do futuro de seus filhos, e ele lhe disse: “Duas nações estão em seu ventre, [...] mas o mais velho servirá ao mais novo”. Aquela era uma revelação inequívoca da vontade de Deus. A promessa feita a Abraão e Isaque não se cumpriria através do primogênito, Esaú, mas através do mais novo, Jacó. Entretanto, Isaque não se submeteu à vontade de Deus e decidiu abençoar o primogênito, Esaú. Mas o mais incrível nessa história é que apesar do procedimento confuso de Isaque, Deus continuou chamando a si mesmo de “o Deus de Abraão, Isaque e Jacó”.
Para saber mais: Gênesis 24.59-67
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Da Criação a Cristo
Sexta
As dádivas do monte Sinai Embora toda a terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. Êxodo 19.5-6
Os israelitas levaram três meses até chegarem ao monte Sinai para o encontro
com Javé, conforme ele mesmo havia proposto a Moisés. Uma vez acampados ao pé da montanha, eles permaneceram ali cerca de um ano. Foi nesse lugar que Deus concedeu ao seu povo redimido três preciosas dádivas: uma aliança renovada, uma lei moral e sacrifícios propiciatórios. A primeira veio com a renovação da aliança. Na época dos patriarcas, Deus declarou inúmeras vezes que ele era o Deus que havia feito uma aliança com Abraão, renovada posteriormente com Isaque e Jacó. O êxodo só ocorreu porque o Senhor se lembrou da aliança que havia feito com seu povo. Com o fim do exílio e a perspectiva da Terra Prometida diante deles, era chegada a hora da renovação da aliança. Assim Deus falou a Moisés que dissesse a Israel: “Vocês viram o que fiz ao Egito e como os transportei sobre asas de águias e os trouxe para junto de mim. Agora, se me obedecerem fielmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações” (19.4-5). A segunda dádiva veio na forma de uma lei moral. Caberia a Israel, como sua parte na aliança, a obediência. Sua essência se encontra nos Dez Mandamentos, elaborados e suplementados por outros estatutos. Abordaremos esse assunto mais detalhadamente na próxima semana. Por último, Deus fez generosa provisão para remediar quaisquer brechas em sua lei. Isso envolveu a construção do tabernáculo, a organização do sistema sacrifical e a instituição do sacerdócio para administrá-lo. O significado essencial de todo esse arranjo envolve um profundo paradoxo. De um lado, Deus afirmou que habitaria no meio do seu povo (25.8). Por outro lado, ninguém poderia atravessar o véu para entrar no Santo dos Santos do tabernáculo, exceto o sumo sacerdote no Dia da Expiação, levando consigo o sangue do sacrifício. Desta forma, o véu simbolizava a impossibilidade de acesso dos pecadores a Deus. Essa estranha contradição deixou de existir com o sacrifício de Cristo, quando o véu do templo rasgou-se de cima abaixo. Agora todos nós somos convidados a nos aproximar de Deus através de Cristo.
Para saber mais: Hebreus 10.19-25
Semana 6
moisés e o êxodo
59
Sábado
O oitavo e o décimo mandamentos Não furtarás. Êxodo 20.15
Não cobiçarás. Êxodo 20.17
Não furtarás. Essa proibição pressupõe o direito do cidadão à propriedade
privada e que é necessário estabelecer uma separação entre o que é de um e o que é do outro. Caso contrário, uma sociedade organizada, justa e estável seria impossível. Além do mais, esta proibição não se refere apenas ao roubo explícito de dinheiro ou propriedade; inclui todas as formas de desonestidade e de engano, sonegação de impostos e contrabando de mercadorias. Podemos incluir também: trabalhar menos horas que o combinado, cobrar além do que é devido ou pagar menos que o merecido. Não cobiçarás. O décimo mandamento é particularmente importante porque transforma o Decálogo de um código civil em uma lei moral. Ninguém pode ser processado por cobiçar alguma coisa, já que a cobiça não é uma ação, e sim um desejo do coração. Na verdade, a cobiça é para o roubo aquilo que a ira é para o assassinato e a lascívia para o adultério. A proibição da cobiça remete diretamente ao consumismo do mundo ocidental. Jesus mandou que nos guardássemos da cobiça e Paulo nos exorta a viver com simplicidade, contentamento e generosidade, pois assim como os israelitas no deserto, somos também peregrinos, caminhando em direção à Terra Prometida. E levar pouca bagagem é uma atitude sábia de nossa parte. Os Dez Mandamentos expressam de forma clara o significado de amar a Deus e ao próximo e, ao mesmo tempo, expõem e condenam o nosso pecado. Paulo confessou em uma de suas cartas que nunca teria conhecido o pecado se a lei não tivesse dito: “Não cobiçarás” (Rm 7.7). Semelhantemente, Lutero comparou a lei a um poderoso “martelo” esmagando a nossa justiça própria. Foi nesse sentido que Paulo se referiu à lei como nosso “tutor até Cristo” (Gl 3.24). Quando C. H. Spurgeon, o famoso pregador que viveu em Londres no século 19, era ainda adolescente, passou por uma experiência que o levou a um senso profundo de sua pecaminosidade. Não tanto ao sentir culpa por algum pecado específico, mas ao ser confrontado pela lei e condenado por ela, revelando-lhe sua necessidade de um Salvador.
Para saber mais: 1 Timóteo 6.6-10
68
Da Criação a Cristo