Capelania Hospitalar e a Ética do Cuidado.

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Maria Luiza Rückert


Capelania hospitalar e ética do cuidado Categoria: Aconselhamento / Ética / Liderança Copyright © 2016 Maria Luiza Rückert

Primeira edição: Novembro de 2016 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Preparação e revisão: Equipe de revisão Ultimato Diagramação: Bruno Menezes Capa: Angela Bacon As citações bíblicas foram retiradas da Bíblia do Peregrino, da Editora Paulus.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rückert, Maria Luiza, 1949 . Capelania hospitalar e ética do cuidado / Maria Luiza Rückert. — Viçosa, MG : Ultimato, 2016. Bibliografia. ISBN 978-85-7779-158-3 1. Capelães de hospitais 2. Ética 3. Experiências de vida 4. Hospital Evangélico de Vila Velha (Vila Velha, ES) 5. Hospitalidade 6. Humanização dos serviços de saúde 7. Orientação pastoral 8. Teologia pastoral I. Título. 16-08148

CDD-259.4

Índices para catálogo sistemático: 1. Capelania hospitalar : Teologia pastoral

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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 www.ultimato.com.br


Sumário

Prefácio

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Introdução

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Parte 1 || A arte do encontro em um hospital 1. O protagonismo dos sujeitos

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2. Pessoas cuidando de pessoas

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Parte 2 || Cuidado e sofrimento 3. O cuidado e a essência do ser humano

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4. O sofrimento e a finitude do ser humano

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5. Esperança em meio às crises

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Parte 3 || Afirmação da vida e da esperança 6. Cuidado, misericórdia, esperança e consolação

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7. A graça que transforma mal em bem

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8. Cuidadores feridos

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Parte 4 || Companheiros de jugo Há um tempo para tudo, também para a crise

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Luzes para tempos de crise

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Orientações para visitadores

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A “carta de Cristo”

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Também eu precisei ser cuidada Epílogo

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Notas 133 Referências 139


O que é, então, um ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é. É o ser que inventou as câmaras de gás em Auschwitz. Mas ele é também o ser que entrou naquelas câmaras de cabeça erguida, tendo nos lábios o Pai-Nosso ou o Shemá Yisrael. — Viktor Frankl



Prefácio

Provavelmente mais pessoas passam por hospitais do que por templos. Hospitais acolhem pessoas com e sem religião; templos custodiam o sagrado em suas múltiplas formas culturais. É sabido que a maioria das instituições de saúde historicamente tiveram relação com fundações religiosas, e as práticas de cura eram primordialmente elaborações rituais mediadas por sacerdotes, xamãs, homens santos – pioneiros das artes de cura. Isso revela uma inegável contribuição das religiões, do cristianismo em particular, para as culturas e a saúde coletiva. Dos santuários de cura da antiguidade, chegamos aos sofisticados centros médicos da atualidade. A instituição hospitalar, em sua longa história, passou e passa por renovadas conceituações e reestruturações, sendo também o lugar privilegiado de capacitação de profissionais da saúde. São inegáveis os benefícios que o desenvolvimento técnico e científico aplicado no campo da saúde tem possibilitado às populações. A possibilidade de cura de inúmeras doenças antes definitivas tem aumentado, assim como a expectativa de vida


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Capelania hospitalar e ética do cuidado

da população. Contudo, as próprias instituições de tratamento também padecem de doenças, notadamente no Brasil: o descaso de governos, o mercantilismo no plano privado, pressões administrativas e financeiras sobre médicos e enfermeiros mal pagos e o tecnicismo. Um desafio extra para os que acompanham os doentes. O hospital se tornou o lugar onde bebês nascem e a vida dá seus primeiros passos – tempo de alegria e festa –, mas cumpre sua função maior ao receber e tratar dos que estão ameaçados em sua integridade e existência. Pessoas de todas as idades. O enfermar, sendo inerente à condição humana, é um significante da nossa finitude, um acontecimento no qual somos colocados diante de questões sobre o significado da vida. A intensidade do impacto sobre a pessoa doente dependerá em parte do suporte cultural e da cosmovisão ou estrutura de sentido que ela possui, entre eles a fé cristã, como demonstrada neste livro. Maria Luiza Rückert, terapeuta e capelã, apresenta-nos o universo das relações entre cuidadores, enfermos e familiares. O que acontece tanto nos corredores, enfermarias e quartos de um hospital quanto no interior da pessoa que precisa de cuidados – seja alguém atingido por algum acidente traumático, que sofre a degeneração de um quadro clínico, sofreu amputação ou perdeu uma filha – é aqui objeto de reflexão, contribuindo para a construção de uma adequada teoria da ajuda. Rückert também trata dos cuidadores, sejam profissionais ou familiares, todos sujeitos a crises e adoecimento decorrentes da carga emocional e física envolvida. A partir de uma hermenêutica que contempla a misericórdia, a autora trabalha com insights advindos de sua experiência como terapeuta, dialogando e aplicando a contribuição de conceituados teóricos – experts científicos, clínicos, teólogos e psicoterapeutas – que tratam do binômio saúde-enfermidade e o cuidado ético das pessoas.


prefácio

Capelania Hospitalar e Ética do Cuidado é um valioso recurso para a formação de sacerdotes e profissionais da saúde, contribuindo para a humanização ética do cuidado aos doentes e seus familiares. Ageu Heringer Lisboa Psicólogo clínico e terapeuta familiar

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Introdução

Tendo em vista a minha atuação em capelania hospitalar e o significado que o meu envolvimento nesse serviço representa na minha vida, propus-me a escrever este livro sobre o tema Capelania Hospitalar e Ética do Cuidado. Ele é, na verdade, resultante da minha monografia de pós-graduação em ética, subjetividade e cidadania na Escola Superior de Teologia. Pude contar com a dedicação e a competência da doutora Karin Hellen Kepler Wondracek, que orientou a pesquisa e a recomendou para publicação. Ética e cuidado devem ser considerados pilares de um serviço de capelania hospitalar e, também, de uma instituição hospitalar. O zelo ético deve fluir, naturalmente, nas atividades do cotidiano de um capelão hospitalar, como deve também marcar presença constante em todos os processos de gestão institucional. Pareceu-me muito apropriado aprofundar o estudo sobre o tema, pois seria uma oportunidade para pesquisar e pensar mais sobre questões referentes ao mundo da saúde, principalmente assuntos concernentes à humanização hospitalar, ao cuidado e


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Capelania hospitalar e ética do cuidado

à ética. Seria, também, uma ocasião propícia para me capacitar mais e melhor para o ministério da capelania hospitalar, a partir da leitura e reflexão de textos pertinentes e da minha prática de capelã. Não foi fácil escrever este livro, considerando a amplitude dos dois temas que foram entrelaçados: capelania hospitalar e ética do cuidado. Aceitei o desafio de fazê-lo, apesar da abrangência requerida para um estudo mais aprofundado de dois temas tão complexos. Portanto, resolvi aliar o estudo de diversos textos de autores das mais diversas áreas – como medicina, teologia, psicologia, ética, capelania hospitalar – com as experiências coletadas ao longo de vinte anos de trabalho em capelania hospitalar no Hospital Evangélico de Vila Velha, ES. Esforcei-me em abordar questões essenciais no que diz respeito à relevância e à contribuição da capelania hospitalar para um cotidiano institucional marcado pela ética do cuidado, pelo cultivo da arte do encontro, pelo respeito diante da dor, pela misericórdia, alegria, justiça, afirmação da vida e da esperança. As Sagradas Escrituras têm sido um farol importante ao longo deste trabalho. A parte 1 tem como título “A arte do encontro em um hospital” e reflete sobre a humanização hospitalar, o protagonismo dos sujeitos, os vínculos solidários. Aborda o problema de uma tecnologia fantástica, mas destituída de cuidado, ética, respeito. Leva-nos a pensar sobre a relação profissional da saúde–paciente e sobre o processo de humanização dos próprios profissionais e dos relacionamentos dos integrantes da equipe entre si. Traz uma reflexão inspiradora sobre a medicina da pessoa, desenvolvida, em Genebra, pelo doutor Paul Tournier. Ele combinava conhecimento médico, compreensão e religião, estabelecendo com os seus pacientes um relacionamento de sujeito para sujeito, num mundo e num tempo em que o ser humano se tornara um objeto. A parte 1 também anuncia estarmos vivendo um


introdução

momento de transição, em que o paradigma cartesiano está cedendo lugar a um novo paradigma que já começa a despontar e que haverá de considerar aspectos importantes da condição do ser humano, principalmente aqueles ligados à subjetividade não racional. É preciso que o mundo da saúde seja um mundo de pessoas cuidando de pessoas. Nas partes 2 e 3, entrelaço reflexões sobre textos lidos e citados com relatos de experiências vivenciadas no âmbito da capelania hospitalar, com pacientes e familiares bem como com profissionais da saúde. O leitor perceberá que, a partir de seus princípios fundantes, valores e atitudes que o permeiam, certamente, o serviço de capelania hospitalar tem contribuições significativas para o processo de humanização hospitalar e para uma gestão institucional marcada pela ética e pelo cuidado. A parte 2, intitulada “Cuidado e sofrimento”, trata, de maneira especial, de temas como cuidado, cuidadores, ética do cuidado, incluindo uma reflexão dos dois modos básicos de ser-nomundo: o modo-de-ser-no-mundo pelo trabalho e o modo-deser-no-mundo a partir do cuidado, que faz emergir a dimensão da alteridade, da reciprocidade, da complementariedade, do respeito. Falo de ética e cuidado nos processos de gestão institucional, sugerindo que sejam gerenciados sob a ótica da escuta sensível, da compaixão. É a partir dessa mesma ótica e de perspectivas que envolvem misericórdia, ética e cuidado que, na parte 2, reflito, também, sobre o sofrimento como um dos significantes da finitude do ser humano, como oportunidade de descobertas e crescimento, e sobre as nossas crises existenciais, em meio às quais é imprescindível confiarmos em quem pode nos sustentar e fortalecer, em meio às quais é essencial mantermos a esperança em Deus. A parte 3, que fala da capelania hospitalar como ministério de cuidado, misericórdia e consolação, afirmação da vida e esperança, reflete, também, sobre a capelania como sendo

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Capelania hospitalar e ética do cuidado

um espaço para um companheirismo de jugo e para a graça recicladora de Deus, que transforma mal em bem. No capítulo 8, que aborda a capelania hospitalar como um ponto de encontro sob a cruz de Cristo, onde cuidadores feridos podem tornar-se instrumentos de Deus na vida do outro, reflito sobre o cuidador ferido, ou seja, sobre o ministro ferido, que é, simultaneamente, o ministro que cura. Em relação a esse tema, falo sobre a hospitalidade, que precisa ser resgatada na vida das instituições hospitalares, e cabe à capelania um papel fundamental nesse resgate, pois cada pessoa precisa ser acolhida e cuidada como alguém à imagem e semelhança de Deus, como sendo o próprio Cristo. Na parte 4, “Companheiros de jugo”, apresento algumas das orientações transmitidas a visitadores durante vinte anos de prática na capelania hospitalar. Visto que também eu precisei de cuidados, compartilho ainda o relato pessoal Também eu precisei ser cuidada. É um alerta para todos os cuidadores. É meu desejo sincero que estas páginas possam nos tornar mais solidários com as pessoas que se defrontam com crises existenciais.


Parte 1

A arte do encontro em um hospital



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O protagonismo dos sujeitos

A humanização hospitalar se inicia com a humanização

da própria equipe de saúde. Estruturas precisam ser renovadas com pessoas transformadas. Para renová-las, é preciso mudar a mentalidade, o comportamento e a atitude daqueles que dão vida às próprias estruturas das instituições. É fundamental uma equipe de saúde humanizada para que se atinja, com êxito, o atendimento e o cuidado do paciente como pessoa, finalidade primordial de uma instituição hospitalar. O termo “enfermo” procede do vocábulo latino infirmus, que significa “não firme”. Quando falta ao enfermo a firmeza, a segurança, é importante que ele possa contar com o carinho e o compromisso de uma equipe preparada para acolhê-lo, acompanhá-lo e levar-lhe o amor incondicional de Deus. A doença é uma das múltiplas expressões da fragilidade do ser humano. Ela nos confronta, cotidianamente, com a nossa vulnerabilidade e com a finitude de nossa existência. Seremos suficientemente sábios para extrair consequências éticas e construir políticas práticas a partir dessa nossa condição existencial comum?


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Capelania hospitalar e ética do cuidado

Em 2000, o então ministro da saúde, José Serra, implantou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). Esse programa visava criar estratégias para a melhoria da comunicação e do contato humano entre os profissionais da equipe de saúde, os usuários e a comunidade, para a consolidação de uma assistência em saúde mais humanizada e acolhedora.1 O PNHAH abriu espaço para o surgimento de uma política de humanização transversal do Sistema Único de Saúde (SUS), objetivando a tríplice inclusão: gestores, trabalhadores da saúde e usuários. Em 2003, o então ministro da saúde, Humberto Costa, criou a Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde (PNH), conhecida como HumanizaSUS, cujos principais valores são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, os vínculos solidários e a participação coletiva no processo da gestão institucional.2 Visões e sonhos precisam da dimensão comunitária para serem concretizados. Em geral, os profissionais da saúde agem isolada e independentemente, em prejuízo do paciente, que, tantas vezes, sofre intervenções fracionárias e dispersivas. O trabalho conjunto de uma equipe multidisciplinar de profissionais da saúde unidos em torno de uma mesma meta, do companheirismo e do respeito mútuo favorece diagnósticos mais precisos, tratamentos de dimensão holística e a possibilidade de repartir o peso de decisões difíceis. Proporciona, além disso, o crescimento recíproco e a ampliação dos próprios horizontes. Conscientes das nossas próprias limitações e da nossa própria fragilidade diante da complexidade das situações humanas, é preciso que aprendamos a nos abrir à colaboração e ao apoio dos outros. A história nos ensina que a mais fantástica tecnologia, sem ética, sem delicadeza, não produz conforto. A tecnologia


O protagonismo dos sujeitos

não pode nem deve suplantar os valores humanos. Não há complexo tecnológico que possa substituir a capacidade humana de formar aquele outro complexo, o de pessoas, cada uma com as suas próprias características individuais, todas elas se ajudando, completando-se, tratando-se como pessoas, afetiva e emocionalmente equilibradas. Se a equipe não conseguir conviver e atuar em conjunto num clima harmonioso, como haverá de transmitir ao paciente o afeto, o cuidado e a segurança que ele espera e de que necessita? Entre as expressões usadas para representar a relação de ajuda e solidariedade, uma das mais eloquentes é esta: caminhar juntos. A proposta de caminhar junto com o paciente deve ser concretizada por toda a equipe de saúde. É preciso tentar realmente ouvir e perceber quem é o paciente, descobrir onde ele está, procurar encontrar-se com o paciente exatamente no lugar onde ele está e, a partir daí, caminhar com ele, lado a lado. Na obra Sintomas de uma Época – Quando o ser humano se torna um objeto, o médico Luiz Roberto Londres cita, entre os sintomas da nossa época, desencontros, inversão do sentido dos vetores, inversão entre meios e fins, numerização de valores, aparências em vez de essências.3 Ao falar do sintoma desencontros, Londres nos leva a perceber que estamos, ao mesmo tempo, tão próximos e distantes como nunca. A proximidade virtual e a proximidade física contrastam com o abismo anímico entre países, classes, profissões, familiares e tudo aquilo que diz respeito às pessoas. Ao discorrer sobre a inversão do sentido dos vetores, Londres conclui que as missões das atividades de cunho social, como a medicina, a imprensa, a educação, a política e o direito, foram desconsideradas. Em seu lugar, surgiu o aproveitamento indigno que tantos profissionais fazem daqueles a quem deveriam servir: “Não mais o médico para o paciente, mas o paciente para o médico ou, pior ainda, para laboratórios e hospitais e, ainda

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muito pior, para os intermediários financeiros, seguros de saúde, medicinas de grupo e o próprio Sistema Único de Saúde (SUS).”4 É oportuno esclarecer que, quando falamos em medicina, não nos restringimos exclusivamente à classe médica. A intenção é abranger os profissionais da saúde em geral, entre os quais estão, também, os capelães hospitalares. Londres se refere com grande indignação ao sintoma inversão entre meios e fins, quando os princípios desaparecem e os meios se tornam finalidades. Na saúde, em algumas instituições, os seguros valem mais que pacientes e profissionais de saúde. Outro sintoma da nossa época, a numerização de valores, está tão presente e evidente que, em vez de valores humanos, como amor, confiança, retidão, pensamento social, lealdade, temos a valorização dos números, independentemente do que eles representam. Hospitais enormes, medical centers, aparelhos e mais aparelhos. Londres levanta questionamentos fortes: Quais de nós tomamos conhecimento de que, mesmo sem o saber, adotamos um modelo específico da prática médica que vai influenciar nossos saberes, nossa filosofia de atendimento, as linhas de ação de nossas condutas e nossas idiossincrasias com determinadas ideias? Quais de nós temos a mais leve noção de que essa linha por nós adotada pode estar sendo influenciada ou simplesmente formatada por interesses totalmente distantes da prática clínica? Por interesses industriais, comerciais ou simplesmente financeiros?5

É preciso mudar a postura dos hospitais frente ao seu principal objeto de trabalho – a vida e o sofrimento de um indivíduo fragilizado pela doença. A medicina deveria ser uma atividade de humanos em direção a humanos, tendo o encontro clínico como o seu ponto central, tanto no processo diagnóstico quanto no acompanhamento terapêutico. As demais coisas são simples ferramentas de trabalho de pessoas cuidando de pessoas.


O protagonismo dos sujeitos

A falta de reflexão em torno desse ponto central leva a desvios por vantagens corporativas ou pessoais, por descompromissos com a própria essência da atividade médica ou por deslumbramentos. Poucos são os que se dão conta de que, por trás dos fatos, existe uma teoria, um modelo, um sistema. Ao escreverem a obra A Doença como Caminho,6 o psicólogo Thorwald Dethlefsen e o médico Rüdiger Dahlke refletem sobre uma nova visão da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem e denunciam que, nas discussões relacionadas à medicina, quase nada se fala sobre a teoria, ou seja, sobre a filosofia que deveria norteá-la. Eis um pronunciamento ousado de Dahlke e Dethlefsen: É certo que a medicina vive em grande parte de medidas concretas e práticas; no entanto, cada intervenção expressa – consciente ou inconscientemente – a filosofia em que se baseia. A medicina moderna não falha exatamente em suas possibilidades de ação, mas na visão de vida em que as fundamenta, de forma muitas vezes silenciosa e irrefletida. A medicina naufraga devido à sua filosofia – ou, em palavras mais exatas, à carência de uma filosofia. Os procedimentos médicos, até agora, orientaram-se unicamente pela funcionalidade e pela eficácia: a falta de uma “alma interior” é que por fim acarretou-lhe a crítica de desumana.7

Toda ciência pressupõe uma visão do mundo e da vida, um modo de perceber a realidade, uma metafísica. E toda ciência humana pressupõe uma antropologia. Na obra O Lugar do Sagrado na Terapia,8 o psiquiatra cristão argentino Carlos José Hernández, cientista que coloca o seu trabalho psiquiátrico sobre o sólido fundamento de uma antropologia bíblica, afirma que o paciente não só procura ser curado como também salvo. A terapia de que ele necessita terá de ser intercalada com uma ciência que evite o psicologismo e que se abra para o mistério e para a graça de Deus.

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