A CIÊNCIA DE DEUS
Alister McGrath
A CIÊNCIA DE DEUS
Uma introdução à teologia científica
tradução
Thaís Semionato
A CIÊNCIA DE DEUS Categoria: Apologética / Ética / Vida cristã Copyright © 2004 Alister E. McGrath Titulo original em inglês: The Science of God Publicado originalmente por Bloomsbury Publishing Plc., Londres, Reino Unido
Primeira edição: Março de 2016 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Thaís Semionato Revisão técnica: Luiz Adriano Gonçalves Borges Roberto J. M. Covolan Revisão geral: Marcelo Meireles Braga Cabral Raquel H. C. Bastos Diagramação: Bruno Menezes Capa: Douglas Lucas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) McGrath, Alister E., 1953A ciência de Deus : uma introdução à teologia científica / Alister E. McGrath ; tradução Thaís Semionato. — Viçosa, MG : Ultimato, 2016. — (Coleção ciência e fé cristã) Título original: The science of God. ISBN 978-85-7779-144-6 1. Ciência e religião 2. Religião e ciência I. Título. II. Série. 16-00883
CDD-215
Índices para catálogo sistemático: 1. Ciência e religião 2. Religião e ciência
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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br
As últimas décadas testemunharam um florescimento mundial sem precedentes do diálogo entre a religião e as ciências, particularmente entre a teologia cristã e o campo científico. Atualmente várias associações internacionais, instituições acadêmicas, igrejas e missões cristãs contribuem para um esforço conjunto de construção de pontes entre a fé cristã e a ciência contemporânea. No Brasil, tanto as pressões laicizantes dentro e fora das igrejas quanto o próprio amadurecimento intelectual e cultural dos cristãos vêm aprofundando e expandindo o debate sobre fé e ciência, fazendo dele um imperativo espiritual e testemunhal para nossa geração. Para ajudar a comunidade cristã e a comunidade científica na compreensão da importância e do caráter desse diálogo global, e visando uma comunicação rica e significativa entre esses campos, apresentamos a série “Ciência e Fé Cristã”. Apresentará perspectivas cristãs sobre campos diversos, como a teologia natural ou teologia da natureza, filosofia da tecnologia, biologia e teoria evolucionária, história da ciência, temas de filosofia da ciência, neurociências, física e cosmologia, e a relação entre a Bíblia e a ciência.
A amostragem de obras incluídas nesta série privilegia contribuições substanciais a esse diálogo contemporâneo realizadas a partir da tradição cristã evangélica ou compatíveis com essa tradição de fé. Com isso, a série procura fertilizar a reflexão avançada sobre tais temas no contexto evangelical brasileiro e entre aqueles interessados no diálogo, com vistas a uma participação mais rica e independente na conversação pública dos evangélicos com outras tradições religiosas ou seculares. Esperamos, ainda, promover uma contribuição amadurecida para o universo acadêmico brasileiro. A série “Ciência e Fé Cristã” é, enfim, um convite a todos aqueles que queiram mergulhar nesse fantástico universo de debates, conhecimentos e questões que tocam a nossa existência. Afinal, tanto o Livro da Criação quanto o Livro da Revelação merecem lugar em nossas cabeceiras. Soli Deo Gloria. Guilherme de Carvalho e Roberto Covolan Editores Marcelo Cabral Editor assistente
Esta publicação contou com o apoio e financiamento da Templeton World Charity Foundation, Inc. As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente aquelas da TWCF.
Sumário
Prefácio
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Introdução
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Parte 1 • Prolegômenos 1. A legitimidade de uma teologia científica
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2. A abordagem adotada
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Parte 2 • Natureza 3. A construção da natureza
49
4. A doutrina cristã da criação
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5. Implicações de uma doutrina cristã da criação
73
6. O propósito e o lugar de uma teologia natural
85
Parte 3 • Realidade 7. Racionalidade e conhecimento na teologia e nas ciências naturais
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8. A teologia natural e a racionalidade transtradicional da tradição cristã
119
9. As bases do Realismo nas ciências naturais
139
10. Realismo crítico: lidando com uma realidade estratificada
153
11. O encontro com a realidade: o esboço de uma teologia científica
167
Parte 4 • Teoria 12. A legitimidade da teoria numa teologia científica
185
13. A representação da realidade numa teologia científica
207
14. O lugar da explicação numa teologia científica
221
15. O lugar da metafísica numa teologia científica
247
Conclusão
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Notas
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Índice
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Prefácio
A publicação dos três volumes de A Scientific Theology
[Uma Teologia Científica] (2001–2003) gerou muito interesse por seus temas e por sua abordagem diferenciada. A obra foi qualificada como “uma das melhores teologias sistemáticas dos últimos anos”. Os três volumes – cujos títulos são respectivamente Natureza, Realidade e Teoria – abordam a teologia, respeitando sua singularidade ao mesmo tempo que utilizam as perspectivas das ciências naturais em um processo de diálogo respeitoso e pautado em princípios. Este projeto representa a tentativa mais embasada e extensa já empreendida por um único autor de “explorar a interface entre a teologia cristã e as ciências naturais, pressupondo que tal diálogo é necessário, adequado, legítimo e produtivo” (1: xviii).1 Embora possa ser lido tanto como um tratado sobre a relação entre a teologia cristã e as ciências naturais, quanto como uma obra completa sobre a metodologia teológica, talvez o mais adequado seja classificá-la
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como uma defesa do próprio empreendimento teológico. Afirma-se que a teologia cristã consiste numa disciplina intelectual legítima e distinta, com seu próprio senso de identidade e propósito, ligada a um reconhecimento de suas próprias limitações e ênfases especiais, na busca humana pela sabedoria como um todo. A ideia de que se possa erguer o véu e revelar algo imenso, belíssimo e verdadeiro é fortemente atrativa e desperta nossa imaginação. Ela esteve sempre por trás deste projeto. Creio que a abordagem que utilizo é viável e oferece à teologia cristã uma forma de reconstruir suas prioridades e tarefas, considerando os fracassos de alguns dos rumos tomados nas últimas décadas e levando-a a redescobrir seu propósito e lugar. Conforme ficará claro, a trilogia da “teologia científica” se dedica quase que exclusivamente às questões pertinentes ao método teológico. O filósofo de ética da Universidade de Princeton, Jeffrey Stout, afirmou certa vez que escrever sobre método assemelha-se ao processo de limpar sua garganta antes de começar uma palestra – depois de pouco tempo, o público começa a ficar inquieto. Contudo, acredito que não seja necessário pedir desculpas por este pequeno contratempo. É simplesmente impossível que uma teologia sistemática seja feita sem primeiramente abordar questões relativas ao método. Portanto, antes de lidar com os temas clássicos da dogmática cristã, é muito importante garantir ao público que a teologia cristã é intelectualmente viável e que é uma parte legítima na longa busca humana por sabedoria e esclarecimento. O objetivo deste livro é introduzir os diversos temas e ênfases desta teologia científica a um público mais amplo, não especializado. Tal introdução é necessária por quatro razões, cada uma apoiando-se em uma das características dos três volumes originais, modificados aqui para atender ao propósito pretendido. 1. Seu nível. Por trás dos três volumes de A Scientific Theology encontra-se o pressuposto de que seus leitores estão familiarizados com as questões teológicas, filosóficas e científicas neles tratadas. Isso os torna capazes de compreender
PREFÁCIO
a importância da abordagem detalhada que elas recebem. Entretanto, creio que muitos deles apreciariam uma introdução do contexto no qual o trabalho foi escrito, bem como uma explicação sobre a abordagem específica adotada. Por exemplo, uma das premissas implícitas ao longo da obra é a de que o projeto iluminista fracassou; não há, porém, uma explicação sobre o que era esse projeto, porque se crê que ele tenha fracassado e quais seriam suas implicações para os envolvidos com teologia no século 21. A Ciência de Deus busca oferecer esse tipo de base suplementar em forma de introdução. 2. O estilo do trabalho original. A Scientific Theology escrita num estilo acadêmico, proibitivo a grande parte da população. Um livro introdutório requer um estilo mais acessível. Portanto, A Ciência de Deus é mais do que uma versão resumida dos três volumes originais, pois inclui novas seções que foram escritas tendo em mente este público diferenciado. Embora este livro permaneça fiel às ideias e à abordagem dos volumes originais, ele procura alcançar uma maior clareza nas explicações. 3. A extensão do trabalho original. Em conjunto, os três volumes de A Scientific Theology contêm mil páginas, com uma fonte de tamanho reduzido. Os capítulos muitas vezes são longos – alguns com mais de cem páginas. É interessante que este livro introdutório seja consideravelmente menor. Ele ajudará os leitores a compreenderem os argumentos sustentados sem a necessidade de longas notas de rodapé acadêmicas ou de extensas discussões sobre seus detalhes. 4. O amplo uso de estudos de caso retirados da história da ciência ou da teologia histórica. Os volumes originais incluem diversos desses “estudos de caso” que são fundamentais à abordagem adotada, pois têm o objetivo de esclarecer ou justificar argumentos importantes. Contudo, para alguns, eles apenas reforçam o argumento. Embora sejam importantes para os leitores do projeto como um todo, não há motivo para que sejam detalhadamente discutidos em um momento inicial. Aqui, alguns desses estudos de caso serão brevemente
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mencionados, e sua importância será explicada, mas não serão desenvolvidos. Espera-se que os leitores de A Ciência de Deus sejam motivados a explorá-los num estágio posterior, uma vez esclarecidos seus objetivos. Este livro se inicia com o exame do contexto por trás do projeto de “teologia científica”. O capítulo de abertura explica como essa abordagem distinta foi elaborada num período de mais ou menos vinte anos (1976–1996), situando-a ao longo de minha carreira como teólogo e em meus diversos projetos literários e explicando o que eu pretendia alcançar com ele. Os capítulos seguintes lidam com cada uma das principais subdivisões da obra, conforme descrito abaixo: Volume 1 – Natureza Parte 1 – Prolegômenos 1. A legitimidade de uma teologia científica 2. A abordagem adotada Parte 2 – Natureza 3. A construção da natureza 4. A doutrina cristã da criação 5. Implicações de uma doutrina cristã da criação 6. O propósito e o lugar de uma teologia natural Volume 2 – Realidade Parte 3 – Realidade 7. Racionalidade e conhecimento na teologia e nas ciências naturais 8. A teologia natural e a racionalidade transtradicional da tradição cristã 9. As bases do Realismo nas ciências naturais 10. Realismo crítico: lidando com uma realidade estratificada 11. O encontro com a realidade: o esboço de uma teologia científica Volume 3 – Teoria Parte 4 – Teoria 12. A legitimidade da teoria numa teologia científica
PREFÁCIO
13. A representação da realidade numa teologia científica 14. O lugar da explicação numa teologia científica 15. O lugar da metafísica numa teologia científica Com uma numeração contínua dos capítulos, essa estrutura objetiva ressaltar que o volume 2 não pode ser lido de forma independente do volume 1, tampouco o volume 3 de forma independente dos volumes 1 e 2. O argumento em favor de uma teologia científica é elaborado de forma linear e cumulativo ao longo de todo o trabalho, sendo que seções anteriores apresentam as bases para argumentos de seções posteriores. Assim sendo, nenhum de seus muitos aspectos é independente, sendo que todos devem ser analisados com base na trajetória geral da visão coerente que estabelece para a teologia cristã. Não há espaço suficiente para resumir todos os aspectos do debate; em alguns momentos, apenas relatos breves de uma dada discussão serão fornecidos. Contudo, foi feito um grande esforço para garantir que as seções mais importantes do trabalho fossem descritas da forma mais completa possível. As limitações de tal introdução ficarão evidentes, sendo a principal delas o fato de que uma introdução tão breve nunca será capaz de defender os princípios básicos de tal abordagem. Isso requereria a extensão dos três volumes originais, que permite uma discussão mais detalhada do contexto intelectual e suas alternativas. Na melhor das hipóteses, este livro introdutório seria um esforço de síntese dos mesmos. Estudiosos que pretendam interagir com minhas ideias devem fazê-lo com base na discussão completa contida nos três volumes originais, e não no resumo truncado e simplificado oferecido neste exemplar. Contudo, tais resumos têm seu valor, a despeito de suas evidentes desvantagens. Finalizar a trilogia provou-se tanto um alívio quanto uma fonte de frustração. O desdobramento do que parecia ser uma boa ideia em 1976 resultou ser muito mais difícil do que eu imaginara – e colocá-la em prática, menos satisfatório do que o esperado. A princípio, parecia-me que os três volumes seriam mais do que
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suficientes para lidar com as questões que eu deveria abordar na elaboração de uma visão coerente e plausível de uma “teologia científica”. Minha frustração se deve, em parte, ao fato de que essa expectativa não se concretizou. O que eu concebera como profundas discussões sobre questões metodológicas fundamentais resultou em algo superficial; o que eu esperava que fosse uma leitura completa de textos inspiradores acabou resultando em pouco mais do que discussões rasas. Utilizando uma figura de expressão familiar aos leitores de textos espirituais da Espanha do século 16, explorei os pés do Monte Carmelo, mas ainda não o escalei. Espero que essa introdução seja útil no processo de compreensão e avaliação de uma teologia científica e – assim espero! – que ela também nos ajude a avançar rumo aos desafios maiores que se impõem à teologia. Alister McGrath Oxford, setembro de 2003
Introdução
O contexto de uma teologia científica
Este capítulo começa a estabelecer as bases para uma teologia científica. Ele se inicia com uma explicação sobre como desenvolvi essa abordagem, desde suas origens, em 1976, até a última cristalização de seus temas, em 1998. Em seguida, há um ensaio sobre a visão por trás desse projeto, no qual apresento algumas das possibilidades que ele oferece. Um grande número delas já foi abordado ao longo da obra original; as outras são projetos futuros. Finalmente, a estrutura dos três volumes é apresentada e explicada, antes de se prosseguir a um resumo mais detalhado de seus temas. As origens históricas do projeto
Minha formação ocorreu no contexto das ciências naturais. O mundo natural sempre me fascinou. Quando eu tinha dez anos, construí
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uma pequena luneta com algumas lentes antigas, para que pudesse começar a explorar os céus. Aprendi o nome das constelações e das estrelas mais brilhantes, observei as luas de Júpiter e estudei as montanhas e mares da lua. Um novo mundo se abriu para mim. Lembro-me da empolgação que senti quando, numa noite fria de inverno, pude ver os anéis de Saturno pela primeira vez. Contudo, meu interesse pelas ciências não se limitava à astronomia. Na mesma época, um antigo microscópio, que pertencera a um tio-avô que trabalhara como patologista no Hospital Royal Victoria, em Belfast, permitiu-me começar meus estudos em biologia. Frequentemente, eu coletava água dos laguinhos locais e ficava intrigado pela estrutura microscópica de sua vida vegetal e animal. Parecia evidente que um dia eu seguiria uma carreira científica, provavelmente ligada à medicina. Durante minha estadia na Methodist College, em Belfast (1966–1971), mergulhei no estudo das ciências naturais, especializando-me em matemática, física e química. Embora gostasse de todas elas, a última exercia sobre mim um fascínio especial. Desenvolvi um interesse particular por alguns aspectos da química inorgânica, especialmente pela análise teórica dos chamados “ligantes inorgânicos”. Um dos meus livros preferidos em meus últimos anos ali era o Inorganic Chemistry [Química inorgânica], de C.S.G. Philips e R.J.P. Williams. Quando descobri que Williams era professor de química na Wadham College, em Oxford, uma ideia surgiu em minha mente. Eu queria estudar química em Oxford e ser seu aluno. No início de dezembro de 1971, fui para essa cidade para uma entrevista. Eu nunca estivera ali antes e me perdi completamente no caminho entre a estação de trem e a Wadham College. Minhas primeiras impressões não me deixaram muito animado. Oxford ficara imersa em uma neblina durante quase todo o tempo que passei lá, e apagões de energia deixavam a faculdade no escuro por horas consecutivas. Preparei-me para a entrevista com os três professores de química: J.R. Knowles, C.J.S.M. Simpson e Williams. No fim das contas, este último foi quem fez a maior
introdução
sabatina, com vinte minutos de perguntas relativas à base teórica do efeito nefelauxético – um aspecto especialmente interessante da química inorgânica que examina o impacto de vários ligantes no comportamento de íons inorgânicos nas soluções. Saí da entrevista convencido de que não havia dado respostas muito boas. Ao que parece, não foi isso que eles acharam. Alguns dias mais tarde, Knowles me enviou um bilhete escrito à mão no qual me informava que eu receberia uma excelente bolsa na faculdade e esperava que eu a aceitasse. Assim, em outubro de 1971, mudei-me de Belfast para Oxford, viajando de navio ao porto de Liverpool, e depois de trem até a cidade. Foi então que se sucederam acontecimentos inesperados. Na época da escola, eu não tinha o menor interesse por religião, muito menos pela teologia cristã. Na verdade, eu via o cristianismo e as ciências naturais como mutuamente incompatíveis, com a teimosa certeza dos adolescentes. Assim como muitas pessoas na década de 1960, eu havia aceitado fortemente as ideias de Marx. Estava, assim, completamente convencido de que o futuro jazia no ateísmo e de que a religião morreria após esgotar seus recursos ou seria eliminada por uma humanidade ressentida ainda em minha geração. Eu lera obras populares como Language, Truth and Logic [Linguagem, verdade e lógica], de A.J. Ayer, e havia me persuadido de que o ateísmo era a única cosmovisão que possuía alguma integridade intelectual. No entanto, nos meus últimos meses na escola quando estudei a história e a filosofia da ciência, algumas dúvidas começaram a surgir em minha mente. Percebi que a escola de pensamento segundo a qual “a ciência prova as coisas, e a religião exige uma obediência cega” não tinha nenhum embasamento. Porém, consegui suprimir essas dúvidas sem muita dificuldade. No meu primeiro semestre na Universidade de Oxford, no final de 1971, comecei a descobrir que a religião cristã era muito mais interessante do que eu pensava. Percebi que embora tivesse sido muito crítico em relação ao cristianismo quando mais novo, eu nunca havia submetido o ateísmo à mesma avaliação, tendendo a presumi-lo como uma verdade autoevidente. Em outubro
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e novembro de 1971, comecei a perceber que os argumentos intelectuais a favor do ateísmo eram bastante frágeis. O cristianismo, por outro lado, parecia muito mais interessante. Conversando com meus amigos, minhas dúvidas quanto à credibilidade do ateísmo começaram a se consolidar; vi que ele era um sistema de crenças, não uma afirmação factual sobre a realidade. Também descobri que eu conhecia o cristianismo muito menos do que pensava. Ficava cada vez mais claro para mim que o que eu havia rejeitado era um estereótipo religioso. Eu tinha muito a repensar. No final de novembro de 1971, eu havia tomado minha decisão. Abandonei minha fé de garoto para abraçar outra: deixei o ateísmo de lado e me comprometi com a fé cristã.1 Para a surpresa dos meus pais, no recesso de Natal em 1971, levei para casa alguns livros com aspectos da teologia cristã. Com a descoberta de que o cristianismo era certamente mais robusto e intrinsecamente profundo do que eu imaginava, comecei a me perguntar sobre o próximo passo. Será que eu deveria abandonar meus estudos de química e migrar para a teologia? A conclusão a que cheguei foi bastante simples. Eu terminaria meus estudos em química. Na verdade, faria mais do que isso: eu pesquisaria sobre alguns aspectos das ciências naturais e, após isso, faria uma transição para a teologia, procurando conectar as duas. Então, após terminar meus estudos de graduação em 1975, e tendo me especializado em aspectos da teoria quântica, comecei um programa de pesquisa em biofísica molecular, o qual me permitiria desenvolver novas técnicas físicas para medição de taxas de difusão em membranas biológicas e seus modelos – em outras palavras, para medir a rapidez com que os componentes de membranas naturais ou artificiais se moviam. Era um assunto fascinante, que me permitia explorar alguns aspectos do vasto campo da biologia molecular além de manter-me a par da literatura físico-química. Contudo, eu não queria esperar para dar início a meus estudos formais de teologia. Embora poucos estudassem essa disciplina no Wadham College na década de 1970, a biblioteca da faculdade era bem provida de livros sobre o assunto. Passei a estudá-los,
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tomando notas que algum dia poderiam ser úteis, embora nunca o tenham sido. Tornei-me um teólogo. Naquele ponto, mais pelo meu entusiasmo do que pelo conhecimento em si. Entretanto, aquele entusiasmo me movia. Eu sabia que não ficaria satisfeito enquanto não tivesse confrontado as questões clássicas da teologia. Expliquei minha situação a J.R. Knowles, meu professor de química na época e, posteriormente, reitor da Faculdade de Artes e Ciências de Harvard. Ele me recomendou que eu controlasse a chama intelectual que ardia em mim, mas questionei-me se conseguiria manter meu interesse pela ciência ao mesmo tempo que empreendia um estudo sério em teologia. Havia um limite àquilo que eu era capaz de aprender sozinho. Eu precisaria de ajuda. Na época, eu estava profundamente envolvido em minha pesquisa de doutorado no departamento de bioquímica de Oxford, enfocando aspectos de biofísica molecular, especialmente as propriedades biofísicas de membranas biológicas e seus modelos. Uma grande preocupação era a forma pela qual se poderiam criar modelos artificiais de membranas complexas e como eles poderiam ser elaborados, validados e empregados. Em decorrência de um artigo de pesquisa elaborado no último ano de minha graduação, recebi uma bolsa de estudos da E.P.A. Cephalosporin que permitiu que eu conduzisse esse trabalho. Embora meu trabalho consistisse grandemente em pesquisa empírica, eu também trabalhava paulatinamente nos aspectos da história e da filosofia das ciências naturais. A pesquisa ia bem e trouxe bons resultados. Recebi recursos da Organização Europeia de Biologia Molecular para trabalhar por vários meses na Universidade de Utrecht, na Holanda, bem como uma bolsa no Merton College, em Oxford. Depois de um tempo, enquanto eu trabalhava em Utrecht no longo e seco verão de 1976, veio-me uma ideia. Essa ideia despertaria minha imaginação e traria um redirecionamento à minha vida. Enquanto trabalhava em minha pesquisa, tive tempo para refletir sobre as questões filosóficas e teológicas levantadas pela biofísica molecular em geral. Conforme escrevi em A Scientific Theology (1:xi):
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Não consigo lembrar como surgiu essa ideia em minha mente. Foi como se um raio mental surgisse em minha consciência, ofuscando meus pensamentos sobre a melhor forma de aplicar a transformada de Fourier para estudar a anisotropia no domínio do tempo de uma amostra fluorescente que eu havia desenvolvido para pesquisar a viscosidade lipídica em membranas biológicas e seus modelos. A ideia que surgiu como um raio em minha mente era simples: explorar a relação entre a teologia cristã e as ciências naturais, utilizando a filosofia e a história como parceiras neste diálogo. O trabalho seria embasado na tradição cristã e fiel a ela, embora aberta a ideias trazidas pela ciência. Isso seria mais do que a mera exploração de um relacionamento existente; seria a proposta de uma sinergia, um trabalho em conjunto, uma fertilização cruzada de ideias e abordagens – em suma, uma teologia científica.
Porém, como eu poderia colocar essa visão em prática quando nem sequer havia iniciado meu estudo formal de teologia? Ao retornar a Oxford no final daquele verão, parecia que seria muito difícil alcançar os objetivos que eu havia proposto. Transferi o que tinha para meus novos aposentos em Merton College no fim de agosto e preparei-me para desfrutar do tempo que passaria nessa antiga faculdade, que havia me concedido uma bolsa. Em setembro, resolvi verificar com detalhe as suas regras – e foi ali que encontrei minha resposta. Além de garantir minha moradia, apoio financeiro e alimentação na faculdade, descobri que a bolsa permitia ao contemplado realizar ou uma pesquisa avançada, ou um segundo curso de graduação. Todos os custos seriam cobertos durante o período da bolsa – por dois anos. Tendo lidado com a teologia de uma forma muito amadora por cerca de cinco anos, decidi que havia chegado o tempo de tratar o assunto com a seriedade que merecia. Assim, pedi permissão para continuar minha pesquisa em biologia molecular, ao passo que, simultaneamente, iniciaria o estudo formal de teologia em Oxford. Isso implicaria realizar um curso de graduação de três anos num período de dois anos, uma possibilidade aberta pela Universidade de Oxford aos seus graduandos, os quais, presumia-se, seriam capazes de lidar com a pressão adicional que isso causaria. Meu
introdução
pedido gerou certa comoção e estranhamento entre os membros da faculdade, principalmente porque o Merton College não escolhia seus graduandos para que estudassem teologia. Entretanto, acabei recebendo a permissão de que precisava e, a partir de outubro de 1976, meus dias se dividiram entre o trabalho no Departamento de Bioquímica de Oxford e a teologia cristã básica. Beneficiei-me enormemente do compromisso de Oxford com o sistema tutorial, pelo qual pude estudar com os maiores acadêmicos dessa área. Também me deparei com as ideias de Karl Barth, as quais permanecem um grande estímulo para o meu próprio pensamento, por mais que discorde dele em alguns aspectos. Em 1978, recebi o título de doutor em biologia molecular, ao mesmo tempo que recebi uma menção honrosa por ser o primeiro da classe em meu curso de teologia e ganhei o Prêmio Denyer e Johnson em teologia pelo melhor desempenho nas avaliações daquele ano. Como resultado, pouco tempo depois fui convidado para almoçar com um editor-chefe da Universidade de Oxford, que me sugeriu escrever um livro com o tema do cristianismo e as ciências naturais, visando especialmente oferecer uma resposta a O Gene Egoísta, de Richard Dawkins. Considerei essa proposta seriamente. Contudo, conclui que seria necessária uma imersão em estudos mais avançados de religião, especialmente da história da teologia cristã, antes de poder realizar uma contribuição efetiva e informativa neste campo. Depois disso, transferi-me para a Universidade de Cambridge, após ganhar a bolsa de estudos Naden em divindade, para o St. John’s College, durante os anos de 1978 a 1980, prêmio que fora criado no século 18 para estimular o estudo de uma teologia séria. Fui imensamente beneficiado por esse novo ambiente intelectual. Minha expectativa inicial era estudar a controvérsia copernicana como uma forma de abertura para as interações entre a teologia cristã e as ciências naturais, por meio de um estudo de caso. Contudo, em lugar disso, fui convencido a estudar sobre Lutero, o que me levou a um estudo detalhado da teologia histórica, focando em três temáticas inter-relacionadas: a teologia de um indivíduo
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(Martinho Lutero), o desenvolvimento teológico geral de um período específico (a Reforma do século 16) e o desenvolvimento histórico de uma doutrina específica (a doutrina da justificação, que era de suma importância para Lutero em particular e para a Reforma em geral).2 Minha pesquisa continuou nessa linha, focalizando as complexidades do desenrolar da doutrina cristã e as especificidades de grandes indivíduos e controvérsias, as quais eu via como muito importantes para o desenvolvimento de uma teologia científica. Três marcos podiam ser notados no percurso da elaboração de uma teologia científica. O primeiro, A Gênese da Doutrina (1990),3 lidava com as pressões que levavam à formulação original das doutrinas cristãs e os fatores responsáveis por pelo menos alguns aspectos de seu desenvolvimento subsequente. Isso me permitiu dar início a um diálogo crítico com as teorias de George Lindbeck, o qual foi consolidado no segundo volume de A Scientific Theology. O segundo, Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião (1998),4 sinalizava minha prontidão em começar a publicar sobre temas relativos à teologia científica. Esse trabalho foi a versão estendida de uma aula que ministrei na Faculdade de Teologia da Universidade de Utrecht em janeiro de 1997, sobre a “relação entre as ciências naturais e a teologia cristã”, e colocava – embora de uma forma preliminar – alguns dos temas que seriam desenvolvidos de forma mais profunda e robusta nos três volumes de A Scientific Theology. Foi especialmente prazeroso retornar à Universidade de Utrecht para falar sobre este tema, vinte anos após ter concebido o projeto naquele lugar, e ainda melhor poder retornar ali em abril de 2003, após o ter finalizado. O terceiro marco representa meu crescente interesse pelo trabalho de Thomas F. Torrance, cuja obra de 1969 Theological Science [Ciência teológica] parecia-me ter aberto uma nova via para se abordar a apropriação teológica dos métodos das ciências naturais. Investigando suas ideias, descobri-me curioso quanto ao ser humano por trás delas, o que levou-me à publicação de sua biografia em
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1999.5 Os diálogos cautelosos e perspicazes de Torrance com as ideias de Barth sobre teologia natural pareciam-me um enorme avanço. Também concordei, tanto por motivos teológicos quanto científicos, com sua ênfase num diálogo entre a teologia científica e a realidade que considerasse sua natureza específica. Abordo Torrance bastante no primeiro e segundo volumes de A Scientific Theology (de fato, o primeiro volume é até mesmo dedicado a ele). Portanto, qual seria a visão por trás de uma teologia científica? A seguir, estabelecerei os principais pontos relativos ao meu trabalho neste campo. A visão de uma teologia científica
A questão mais crítica a se avaliar é que uma teologia científica consiste em um sistema, não em uma única ideia ou em um conjunto de ideias. Para esclarecer o que pretendo provar aqui, utilizo uma analogia tecnológica. No século 15, Johann Gutenberg desenvolveu a prensa móvel, de forma que passou a ser possível produzir e comercializar livros impressos em larga escala. A sugestão de que o grande progresso de Gutenberg tenha sido a invenção dos tipos móveis não é a mais correta para descrever o que ocorreu. Essa nova invenção foi inserida em um sistema de componentes, cada um concebido para a criação de uma nova forma de se produzir livros. Diversas tecnologias existentes foram combinadas, mas com uma grande inovação (tipos metálicos que podiam ser mudados de lugar) permitindo o surgimento de uma nova tecnologia, maior do que a soma de suas partes. Unidas, elas compunham um sistema coeso, no qual tais progressos se integravam. Cada passo que se sucedia no processo dependia do estágio imediatamente anterior. O sistema de prensa de Gutenberg incluía os seguintes componentes: 1. Uma espécie de prensa de madeira utilizada tradicionalmente para esmagar uvas na produção de vinho ou óleo ou para comprimir fardos de tecido. Já utilizava-se algo parecido
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para extrair água do papel recém-produzido. Aparentemente, Gutenberg percebeu que o processo no qual se removia a água do papel também poderia ser utilizado para imprimir-lhe tinta. Uma ideia existente foi, assim, adaptada para um novo propósito. 2. Um novo tipo de tinta, feita a partir de negro de fumo (fuligem depositada pela chama de uma vela em superfícies frias) e verniz. A antiga tecnologia de impressão utilizava uma tinta marrom solúvel em água que se apagava com o passar do tempo; o novo processo utilizava uma forte tinta preta, permanente. 3. Tipos móveis – isto é, letras que poderiam ser reutilizadas após a impressão de um livro. A questão-chave aqui é que Gutenberg reuniu esses elementos de forma a integrá-los num sistema capaz de obter resultados que transcendiam as capacidades de quaisquer dos elementos isoladamente. Da mesma maneira, uma teologia científica deve ser vista como um sistema integrado, o qual une uma série de ideias importantes de forma funcional, com algumas delas sendo aplicadas teologicamente pela primeira vez. A importância cumulativa delas é maior do que qualquer contribuição de cunho individual. Esses elementos interligados incluem uma série de ideias complexas a serem elucidadas ao longo deste volume introdutório. Eles são mencionados aqui sem qualquer comentário explicativo, simplesmente para indicar o amplo escopo dessa abordagem sistêmica. 1. O desenvolvimento e o exame minucioso do conceito relativo a seus métodos e premissas como um apoio e uma base de comparação para a teologia cristã. 2. A ênfase de que a ortodoxia cristã possui, em si, recursos intelectuais suficientes para uma interação direta e frutífera com as ciências naturais. 3. A identificação das consequências científicas e teológicas da desconstrução pós-moderna da natureza.
introdução
4. A retomada da doutrina cristã da criação como forma de revalidar a interação com o mundo natural. 5. A recuperação e reconstrução de uma teologia natural cristã responsável e autêntica. 6. A reafirmação do realismo teológico, especialmente num contexto não fundacionalista. 7. O importante conceito de uma racionalidade “mediada pela tradição”, elaborada em resposta tanto aos fracassos do projeto iluminista quanto a suas alternativas antiteticamente concebidas na pós-modernidade. 8. A aplicação teológica do “realismo crítico” de Roy Bhaskar, especialmente no tocante à importante noção de “estratificação da realidade”. Isso representa a primeira aplicação teológica deste importante conceito filosófico. 9. A reafirmação da legitimidade do lugar e do propósito da doutrina na vida cristã. 10. A elaboração de novos modelos de desenvolvimento teológico. 11. A revalidação das noções tradicionais de “heresia” e “ortodoxia”. 12. A reafirmação da legitimidade da metafísica na teologia cristã. Esses elementos de uma teologia científica não são ideias díspares e desconexas que se unem apenas em nível verbal. Pelo contrário, são completamente integrados que formam uma visão coesa do empreendimento teológico, bem como uma justificativa de sua existência e de seus métodos, face às críticas e à ansiedade moderna e pós-moderna. A característica distintiva de uma teologia científica é a utilização crítica e positiva das ciências naturais tanto como um comparativo, quanto como um auxiliar à atividade teológica, vista numa perspectiva da interação intelectual com a realidade como um todo. Embora uma teologia científica se posicione nas fronteiras delicadas e nebulosas entre um tratado sobre a relação da teologia cristã com as ciências naturais e uma obra completa sobre a metodologia teológica, há uma terceira via na qual meus três volumes podem ser enquadrados (talvez da forma mais adequada, embora não fosse o
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A CIÊNCIA DE DEUS
que eu tivesse em mente enquanto escrevia): como uma apologética do empreendimento teológico como um todo. A teologia cristã é concebida e apresentada como uma disciplina intelectual legítima e coerente, com sua própria identidade, posição e propósito. Uma compreensão unitária da realidade, como a exigida por uma doutrina cristã da criação, não requer que cada disciplina intelectual humana adote métodos idênticos para suas atividades, mas que eles sejam adaptados às características distintivas dos aspectos da realidade que cada uma busca representar e demonstrar. Isso leva a um dos grandes temas da visão subjacente a uma teologia científica: meu grande desejo de elaborar uma teologia pública, capaz de interagir com outras disciplinas de forma autônoma, ou seja, capaz de se situar de forma independente ao participar de um diálogo com outras disciplinas. Tenho muitas apreensões em relação a abordagens insulares à teologia, presentes em alguns meios teológicos, as quais impedem que a teologia dialogue, debata ou se beneficie de qualquer aprendizado. O projeto teológico estabelecido por John Milbank e outros da “ortodoxia radical”6 parece-me simplesmente conduzir a teologia cristã a um isolamento autoimposto e estéril, que se recusa a dialogar com qualquer um sob o risco de macular sua pureza teológica. A abordagem que proponho, embora situando o empreendimento teológico numa base sólida, incentiva o debate e o diálogo públicos. As raízes de uma teologia científica são completamente evangélicas, repousando sobre a convicção profunda e apaixonada de que a “teologia deve ser nutrida e governada em todos os seus aspectos pelas Santas Escrituras, buscando fornecer um relato fiel e coerente do que nelas encontram”.7 Essa tarefa de relatar as Escrituras de forma fiel é melhor empreendida, a meu ver, por meio de um diálogo com a “grande tradição” da teologia cristã e em resposta aos desafios da fé cristã levantados por outras disciplinas – como as ciências naturais. Contudo, conheço diversos teólogos cristãos que não se identificam como “evangélicos”, mas que receberão de bom grado muito do que está em A Scientific Theology. De fato, o retorno que tive após a publicação dos volumes indica que esses têm sido
introdução
lidos nos principais círculos teológicos, tanto protestantes quanto católicos, bem como entre cientistas naturais. Ao escrever esses volumes, eu tinha em mente uma preocupação específica quanto ao evangelicalismo, o qual foi melhor explorado em 1994 pelo historiador Mark Noll. Em seu livro Scandal of the Evangelical Mind [O escândalo da mentalidade evangélica],8 Noll defendeu que o evangelicalismo, embora tenha desenvolvido uma robusta base teológica desde a Segunda Guerra Mundial, ainda precisava estabelecer conexões entre sua visão teológica e outros aspectos da atividade intelectual e cultural humana. O desenvolvimento teológico do evangelicalismo havia se despojado de sua capacidade e ímpeto para realizar aplicações intelectuais adequadas. Ao desenvolver o projeto da teologia científica, eu tinha essa preocupação em mente. Apesar de Noll ter evidenciado esse problema de forma clara, ele já existia antes de ser identificado. Uma teologia científica busca estimular um progresso para além disso, a partir do estabelecimento de uma base que incentive a interação acadêmica e a formação de conexões intelectuais. A abordagem que adoto ao longo dos três volumes foi concebida de forma a resguardar a posição distinta e o espaço da teologia cristã, ao mesmo tempo que acentua sua capacidade intrínseca de interligar-se a outras disciplinas. A teologia é concebida como uma disciplina intelectualmente robusta, oferecendo aos cristãos uma visão privilegiada, a partir da qual eles podem explorar e interagir com o mundo ao seu redor, compreendendo aquilo que observam e oferecendo pontos de contato para diálogos e interações importantes. Timidez intelectual, modéstia ou mera preguiça devem ser deixadas de lado para elevar a perspectiva cristã no enfoque das muitas facetas da condição humana. Embora minha abordagem enfatize as ciências naturais, ela é capaz de se relacionar com diversas outras disciplinas. Apesar de sua orientação ostensivamente evangélica, suspeito que grande parte dos cristãos ortodoxos serão capazes de se identificar com muito daquilo que proponho, mesmo que sintam a necessidade de desenvolver outras direções para o alcance de seus próprios fins.
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