Todd D. Hunter
Encontrando novo significado nas prรกticas espirituais
Traduzido por WILLIAM LANE
dê outra chance à igreja — ENCONTRANDO NOVO SIGNIFICADO NAS PRÁTICAS ESPIRITUAIS Categoria: Espiritualidade / Igreja / Liderança
Copyright © 2012, Todd D. Hunter Publicado originalmente por InterVarsity Press, Downers Grove, IL, Estados Unidos. Título original em inglês: Giving Church Another Chance Primeira edição: Junho de 2012 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: William Lane Preparação e revisão: Mariana Furst e Daniela Cabral Diagramação: Bruno Menezes Capa: Ana Cláudia Nunes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hunter, Todd D. Dê outra chance à Igreja : encontrando novo significado nas práticas espirituais / Todd D. Hunter ; [tradução William Lane] . — Viçosa : Ultimato, 2012. Título original: Giving church another chance : finding new meaning in spiritual practices. ISBN 978-85-7779-064-7 1. Vida espiritual – Cristianismo I. Título. CDD-248.4
12-06028 Índices para catálogo sistemático: 1. Vida espiritual : Cristianismo
248.4
Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br
A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.
A Richard Foster, Dallas Willard e Eugene Peterson. Mestres e guias no caminho de Jesus, eles nunca abandonaram as prรกticas espirituais da igreja. Andamos na luz da sabedoria e humildade deles.
Sumário
Apresentação à edição brasileira
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Prefácio de Scot McKnight
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Prefácio do autor: de igrejados para desigrejados a reigrejados
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Agradecimentos
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Introdução: exercitando a fé para o bem dos outros
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1. Frequentando a igreja: enviados como embaixadores do reino 2. Prelúdio silencioso: uma vida centrada na paz 3. Cantando a doxologia: radiando a glória de Deus 4. Leitura das Escrituras: encarnando a história 5. Ouvindo sermões: um fardo leve para a vida em obediência 6. Seguindo a liturgia: um estilo de vida do trabalho das pessoas 7. Dando oferta: simplicidade de vida 8. Participando da Ceia: uma vida de gratidão 9. Recebendo a bênção: abençoando aos outros
43 61 73 85 99 111 121 131 143
Conclusão: aplicando as práticas espirituais da igreja
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Questões para reflexão e discussão
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Notas 175
Apresentação à edição brasileira
C
resce no Brasil o número de evangélicos não filiados a nenhuma igreja. No último censo, o IBGE já tinha constatado que mais pessoas se identificam como evangélicas do que há membros das denominações evangélicas. Ainda mais curiosos são os dados que mostram que de 2003 a 2009 o número de evangélicos sem igreja passou de 4% para 14%. Estes não são aqueles evangélicos que abandonaram suas igrejas, ainda que preservassem a doutrina evangélica. Antes, são aqueles que aceitam a doutrina ou o estilo evangélico, mas não estão filiados a nenhuma denominação. Se tal constatação estiver correta, ela mostra como a adesão à fé evangélica não está no nível da ação, mas da afinidade com a visão religiosa, os ideais, os costumes e as formas de culto.
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Ainda que esses dados revelem, simplesmente, que o movimento evangélico brasileiro passa de sua fase pioneira de implantação e expansão para uma fase de consolidação e até mesmo estagnação, nos perguntamos o que leva as pessoas a deixarem de frequentar ou de se filiar a uma igreja, sem, contudo, deixar a sua lealdade à fé evangélica. Será que a forma de igreja que temos praticado está se esgotando? Talvez os números ainda sejam muito tímidos para nos colocar em estado de alerta. Porém, já são suficientes para um início de conversa sobre o assunto. Livros, cursos e conferências já vêm tratando da crise e relevância da igreja para essa realidade urbana pós-moderna. Em busca de respostas, pelo menos duas grandes correntes têm surgido em nosso meio. Uma é a do movimento de formação espiritual. Esse movimento tem crescido no Brasil como extensão de movimentos norte-americanos — representados, principalmente, por Richard Foster, Eugene Peterson, Dallas Willard, James Houston, entre outros —, trazidos para nós por Ricardo Barbosa, Paul Freston, Osmar Ludovico, Eduardo Rosa Pereira (Badu) e outros. O movimento de formação espiritual busca resgatar a espiritualidade dos clássicos, dos chamados “Pais do deserto”, assim como de outros líderes contemporâneos, particularmente, na forma de uma espiritualidade contemplativa, que valorize a quietude. Reflete uma espiritualidade muito mais centrada na Palavra, através da lectio divina, do que no culto público, e que envolva a mística da relação com o Deus Trino. Essa espiritualidade, ainda que possa ser praticada individualmente, não é necessariamente individualista, sectária nem alienista. Antes, ela pode ser promovida em pequenos grupos e visa ao engajamento com o próximo. No entanto, ela é intimista, busca a força interior, busca levar o ser a se encontrar com o único Ser que pode sustentá-lo e lhe dar sentido à vida.
apresentação
Talvez o grande benefício dessa prática espiritual é que, uma vez que se conheçam os caminhos dessa espiritualidade, não há necessidade de mediadores. É uma prática que pode ser realizada de maneira pessoal e individual. Porém, é justamente essa qualidade que pode ser entendida como uma prática independente e desconectada da igreja. Certamente, essa não é a intenção daqueles que a promovem. Aliás, todos os líderes desse movimento são pessoas fortemente engajadas em comunidades evangélicas tradicionais e que acreditam na igreja como agente do reino de Deus na vida das pessoas e da sociedade. Entretanto, a prática desse movimento de espiritualidade não se enquadra em um programa, atividade ou ação da igreja de maneira coletiva e comunitária. Geralmente, se dá em pequenos grupos e a forma de adesão é voluntária. A outra grande corrente de renovação da igreja é o movimento de plantação e revitalização da igreja. É também influenciado por movimentos norte-americanos trazidos para o Brasil por meio de organizações, congressos, publicações e cursos, e tem adotado princípios de uma igreja missional, com propósito bem estabelecido com engajamento evangelístico arrojado. De acordo com essa proposta, a chave para toda ação, programação, linguagem e comunicação da igreja é o indivíduo sem igreja, aquele que está buscando encontrar Deus ou alguma forma de espiritualidade. Nesse movimento, a reestruturação de uma igreja já estabelecida é essencial para o objetivo de alcançar outras pessoas para o evangelho de Jesus, e a plantação de uma nova igreja precisa ter esse alvo bem definido. Esse movimento contribui de forma significativa para que nossas igrejas sejam mais contextualizadas à realidade urbana e falem a linguagem não dos introduzidos, mas daqueles que de fato precisam ouvir o evangelho — o homem e a mulher sem Deus e sem religiosidade. Embora o foco seja a restauração do indivíduo, ela é mediada pela igreja; portanto, o grande esforço do movimento é centrado na eficácia da igreja como instrumento de proclamação do evangelho e promotora do crescimento do indivíduo.
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Ambos os movimentos são respostas francas e contextuais de viabilidade e significância do evangelho do reino no contexto pós-moderno urbano global. Muitas vezes, eles caminham juntos. Algumas vezes, são concorrentes. Um valorizando o indivíduo; o outro, a igreja. Por tudo isso, a proposta de Todd Hunter é singular. Ele representa, de um lado, o movimento de formação espiritual e, de outro, a institucionalização da igreja, tendo passado também por movimentos de igrejas emergentes e alternativas. Mas ele procura conjugá-los e buscar na igreja, nos ritos, no ambiente do culto, justamente o potencial para a renovação espiritual. Ele mescla a prática espiritual com a “prática da igreja”, ou seja, a espiritualidade com a liturgia tradicional da igreja evangélica. A meu ver, ele consegue conciliar, de uma maneira primorosa, o movimento de formação espiritual com o movimento de revitalização de igreja. Se você está saturado da igreja e acha que ela já deu o que tinha de dar em termos de alimento espiritual, se você está buscando outras formas externas à igreja de pastorear a sua alma, você precisa ler este livro e dar outra chance à igreja! Você vai perceber a força das práticas da igreja na sua formação espiritual. William Lane Pastor presbiteriano, doutor em Antigo Testamento, professor da Faculdade Teológica Sul-Americana
Prefácio
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ós dobramos duas esquinas. A primeira esquina é a da fase desconstrutiva de criticar a igreja (ou igrejas, denominações, instituições eclesiásticas ou a Igreja) por diversão, que já passou. Seguimos adiante. Tenho visto cada vez mais inúmeros cristãos emergentes que — apesar de reconhecerem que a fase desconstrutivista foi importante para levá-los de volta a Jesus e à essência da fé cristã — sabem que a igreja é onde Deus age, e um número crescente deles querem vê-la ainda melhor. A idade da inocência já passou; mas sabemos que a obra de Deus na igreja não está terminada e, por isso, somos chamados a participar da missão dele no mundo. Em vez de considerar a igreja perfeita e depois apontar as suas falhas, um número crescente de cristãos reconhece os próprios erros e percebe que o problema está em “mim” e em “nós”, não na igreja.
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A segunda esquina é a do individualismo. Diz-se que a modernidade intensificou o ego humano, depois colocou o indivíduo no centro da história. De algum modo, às vezes positivamente, mas de vez em quando ingenuamente, o individualismo afetou a maneira como compreendemos a fé cristã. Alguns amigos descrevem o que acontece na igreja como um consumismo. Os cristãos vão à igreja para “obter” algo e, quando não o encontram, procuram outra igreja que ofereça o que eles desejam. Às vezes, o próprio movimento de formação espiritual é afetado por esse individualismo e consumismo: oramos, praticamos a solitude, jejuamos e meditamos para engrandecer a nossa condição espiritual. Acredito que há um caminho melhor. Neste livro, Todd Hunter incorpora elegantemente a passagem para além da crítica desconstrutiva da igreja, do individualismo e do consumismo. Enquanto a desconstrução critica a igreja, Todd ilustra a beleza do corpo de Cristo. Enquanto o individualismo torna a igreja opcional, as disciplinas espirituais algo destinado apenas ao crescimento individual e a igreja um lugar onde vamos para obter algo, Todd mostra que o que a igreja local realiza rotineira e ordenadamente toda semana pode transformar quem somos e potencializar igrejas para encarnar o evangelho. Em Dê Outra Chance à Igreja, o rotineiro recebe um novo significado. Este livro oferece algo que há muito eu aguardava: em vez de imaginar as disciplinas espirituais como algo que fazemos individualmente, Todd sugere que há disciplinas “eclesiais”, comunitárias ou coletivas, que são dádivas de Deus à igreja. Uma passagem que me vem com frequência à mente enquanto leio este livro é a de Paulo, em Efésios 2, que descreve a comunhão na qual o Espírito de Deus age, como discute Todd: Portanto, vocês já não são estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo
prefácio
Jesus Cristo como pedra angular, no qual todo o edifício é ajustado e cresce para tornar-se um santuário santo no Senhor. Nele vocês também estão sendo edificados juntos, para se tornarem morada de Deus por seu Espírito (v.19-22, NVI).
“Nós” somos essa morada, juntos, mas só somos morada porque “nós” estamos em Cristo e porque o Espírito de Deus habita em “nós”. Scot McKnight Professor de ciências da religião da cadeira Prof. Karl A. Olsson North Park University
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Prefácio do autor
De igrejados para desigrejados a reigrejados [As práticas] são essenciais para encontrar o caminho. As práticas não são para os que sabem tudo. As práticas são para aqueles que sentem necessidade de mudança, crescimento, desenvolvimento e aprendizado. As práticas são para os discípulos. Brain Mc Laren
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ste livro é destinado a todos aqueles que frequentaram a igreja e sentiram que ela deixou a desejar. Contudo, em algum lugar em seus corações, anseiam por uma vida espiritual ao modo de Jesus. Eu os entendo, pois foi isso que aconteceu comigo. Em 1991, depois de 25 anos caminhando com Cristo, me vi lutando para relacionar a igreja às práticas da minha vida diária. Foi a primeira vez na minha vida em que perdi o ânimo de congregar. Minha fé em Jesus e na proposta do reino continuavam firme. Porém, eu estava perturbado com a vida na igreja.
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Minhas raízes eclesiásticas Cresci em uma igreja típica do estilo liberal do Sul da Califórnia dos anos 1960, a United Methodist Church (Igreja Metodista Unida). Passei minha infância em uma comunidade de cristãos leigos que seguiam com sinceridade o princípio do um ao outro do Novo Testamento (amor, serviço e paciência um com o outro etc). Entretanto, estávamos rodeados de líderes que seguiam as ideias mais recentes dos pensadores cristãos progressistas. Apesar de não ter ouvido muito do evangelho, como posteriormente vim a conhecê-lo, tenho boas lembranças de meus anos desde a pré-escola até o ensino médio. Lembro-me das melhores amigas de minha mãe. A igreja era formada de várias gerações. Assim, algumas das amigas de minha mãe eram da idade dela; outras tinham idade para ser mãe dela. Tenho profundas lembranças do senso de comunidade que dominava a congregação. Porém, minha infância foi teologicamente básica — nada que me prendesse — mas, do ponto de vista relacional, acalorada. Boa parte da discussão atual sobre comunidade entre as igrejas emergentes seria considerada antiquada para as pessoas amáveis e consagradas dos anos 1960 com as quais cresci. Em 1976, aos 19 anos e no primeiro ano de faculdade, tendo resistido por muitos anos ao esforço evangelístico do Movimento de Jesus,* finalmente “entreguei minha vida a Cristo” ou “fui salvo” por intermédio do ministério de Greg Laurie, da igreja Calvary Chapel, em Riverside, Califórnia — atualmente chamada Harvest Christian Fellowship. Eu simplesmente amava a Calvary Chapel. Gostava tanto que, na verdade, enchia-me de orgulho por ter deixado de ser um daqueles metodistas desviados! Na Calvary minha espiritualidade foi inundada por Jesus, a Bíblia e o evangelismo. Em retrospectiva, vejo que meu tempo em várias * Ou Jesus People (Povo de Jesus), movimento evangelístico de contracultura que surgiu na Califórnia no final dos anos 1960, voltado principalmente para o alcance de jovens e adolescentes. (N.T.)
prefácio do autor
das igrejas da Calvary Chapel foi uma forma de fundamentalismo contemporâneo. Digo isso principalmente de maneira positiva. Algumas das conversas sobre “os finais dos tempos” eram um pouco exageradas, mas conseguíamos nos manter firmes e expressar o essencial do ensino bíblico de maneira relevante. Passados mais de trinta anos, quando vejo as pessoas tendo dificuldades em acreditar em alguma coisa, percebo o quanto meus anos na Calvary parecem maravilhosamente ingênuos. Quando frequentava a escola bíblica da Calvary Chapel, conheci John Wimber, então pastor da Calvary Chapel de Yorba Linda. Anos depois, John, juntamente com Kenn Gulliksen, tornou-se o fundador das igrejas Vineyard. Eu tinha vinte e poucos anos quando conheci John e fiz um estágio de plantação de igreja com ele entre 1978 e 1979. Eu e ele, juntamente com nossas famílias, nos tornamos eternos amigos. Quando John se associou ao Kenn para dar início ao movimento Vineyard, eu os acompanhei por lealdade pessoal, não por ter qualquer reclamação contra a Calvary. Posteriormente, em 1994, tornei-me o coordenador nacional e, logo em seguida, o presidente da Vineyard Churches USA. Refletindo sobre o tempo que passei na Vineyard, fico imensa e sinceramente grato por ter aprendido com John o evangelho do reino de Deus, a vida de interação com o Espírito, a adoração e a liderança. Contudo, mais uma vez, eu me enchia de orgulho e meu coração pecaminoso tinha uma atitude do tipo nós somos demais, vocês não; nós estamos fazendo as coisas certas, vocês não.
Descobrindo a necessidade de novas práticas Durante os primeiros dez anos de existência, a Vineyard funcionou sob um conjunto de valores que eu admirava e com os quais concordava integralmente. Dizíamos que tínhamos uma atitude normal quanto à obra do Espírito Santo. Éramos “naturalmente sobrenaturais”, sem assumir um ar de religiosidade, superioridade
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ou algo parecido. Queríamos ser humildes e singelos. Assumimos o compromisso de nunca manipular ninguém, antes, reconheceríamos a dignidade de todas as pessoas. Firmamos o compromisso de nunca exagerar a obra de Deus, assim como tantos outros valores maravilhosos, tão numerosos para citá-los aqui. Se me recordo bem, John e Carol Wimber trouxeram essas atitudes para com a obra do Espírito naturalmente de sua herança Quaker (John e Carol) e Católica (Carol). Eu gostava muito disso. Esses valores permitiam que eu buscasse a pessoa e a obra do Espírito Santo sem me tornar fanático. Eles eliminaram o receio de passar dos limites com posturas que prejudicassem a nós ou aos outros. Esses valores solidamente éticos desprenderam a fé e a liberdade de correr riscos. Cerca de dez anos depois da fundação da Vineyard, enquanto servia como braço direito de John na Vineyard de Anaheim, novos valores e práticas foram introduzidos por grupos externos. Nessa altura eu me fechei, por sentir-me confuso e com medo. É neste momento que me considero o maior culpado. Às vezes, eu até tentava soar o alarme, mas, no fundo, eu também recuava. Reunia-me com pessoas que já eram de casa na época e pensava, tal pessoa é mais inteligente que eu. Ela ora mais do que eu. Deus aparece para aquele camarada regularmente. Ele é meu chefe, e assim por diante. Com o tempo, meu duplo comportamento — ora expressando-me, ora retraindo-me — levou-me a uma perda de meu próprio sentido de pessoa. Eu não estava gostando nem da transformação da Vineyard nem da pessoa que estava me tornando. Durante os doze anos anteriores, minha vida ministerial foi marcada por alegria e aventura. Sem dúvida houve tempos difíceis, mas eles não foram provocados por nós mesmos, como esse o foi. Para mim, as maiores dificuldades não estavam nas questões públicas que enfrentávamos, mas nos problemas de bastidores. O resultado foi uma crise de confiança na igreja. Não guardei
prefácio do autor
ressentimento contra os principais envolvidos. Muita coisa boa aconteceu naquela época — justamente por isso foi extremamente perturbador! Deixei meu cargo na Vineyard de Anaheim e mudei-me para Virginia Beach, no estado da Virginia, para pastorear uma igreja Vineyard naquela cidade. Porém, esse era apenas o motivo formal. Na verdade — e eu disse isso na ocasião — eu precisava sair da cidade! Precisava caminhar “sozinho” outra vez, como um moço saindo de casa. Não sei como descobri isso, mas no fundo reconhecia que precisava achar um jeito de me responsabilizar pelo meu envolvimento e as minhas reações quanto ao que estava acontecendo na Vineyard de Anaheim. Então, quando cheguei em Virginia Beach, matriculei-me imediatamente em um seminário teológico. Achava que, se eu tivesse ao menos um pequeno conhecimento da história da igreja e um pouco mais de teologia, poderia estar mais presente, mais autodiferenciado e mais confiante naquelas reuniões da Vineyard. Também busquei aconselhamento para entender por que estava tendo tanta dificuldade de “ter firmeza interior”, como expliquei ao meu conselheiro no nosso primeiro encontro. Por melhor que tenham sido esses dois processos, as coisas mais impressionantes começaram a acontecer comigo quando, na tentativa de resgatar algumas práticas cristãs básicas, peguei o livro de Richard Foster Celebração da Disciplina. A partir de Foster descobri Dallas Willard, Eugene Peterson e muitos outros autores antigos e contemporâneos que ensinam e treinam os outros nas práticas associadas à fé cristã. Naquele tempo, comecei a ler as primeiras edições da Bíblia A Mensagem, e esta passagem me tocou de maneira particular: Paulo pôs-se em pé no Areópago e discursou [...]. Começando do nada, ele fez toda a raça humana [...], com muito espaço e tempo para uma vida em que pudéssemos buscar Deus e que, em vez de ficar tateando na escuridão, pudéssemos de
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fato encontrá-lo. Ele não brinca de esconde-esconde conosco. Ele não está num lugar remoto: está bem próximo. Vivemos e nos movemos nele [...]. O desconhecido é agora conhecido e está pedindo uma mudança radical de vida. Atos 17.22, 26-28, 30
Ao meditar frequentemente nesta porção das Escrituras, comecei a gostar da impressão visual que formei de Paulo assumindo uma posição. Eu sabia que eu também precisava encontrar um jeito de assumir a minha posição. Comecei a apreciar a ideia de que nós temos bastante espaço para buscar a Deus. Para mim, esse espaço representava a graça e a paciência de Deus associadas ao fato de eu não ter de ser perfeito, mas ser capaz de ir mais devagar e não ser levado pelo meu ímpeto neurótico de realizar coisas. Fui tomado pela ideia de que Deus estava me chamando para uma mudança radical de vida. Sabia que era exatamente isso que eu queria, mas estava apenas começando a enxergar de onde isso vinha.
A igreja emergente Recapitulando a linha do tempo, morei em Virginia Beach de 1991 a 1994. Em 1994, voltei para Anaheim para ser coordenador nacional e, posteriormente, presidente da Vineyard Church USA. À medida que passava o ano de 1998 fui melhorando a minha atitude de autodiferenciação, mas continuava lutando para encontrar um jeito confiante de colocar a igreja em prática. Em 2001 eu já tinha deixado minhas funções na Vineyard, e, no âmbito profissional (pastor, mestre, mentor), concentrei-me em pesquisar a natureza da igreja. Minha família tentou todo tipo de coisa: igrejas locais de diversos tipos, igrejas nos lares, encontros nos lares sem a formalidade de igrejas nos lares. Percebendo os primeiros sinais de milhões de pessoas que tinham dificuldades com a igreja, comecei a fazer experiências com o que era chamado de formas “alternativas” ou “emergentes”
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de igreja. Minha motivação era encontrar maneiras de ser igreja que fizessem sentido para os Estados Unidos pós-moderno e pós-cristão. Ainda que os valores de diálogo, comunidade e criatividade do movimento das igrejas emergentes fossem dignos, e embora eu tivesse imensa simpatia pelo que elas estavam fazendo, descobri que sua teologia estava se tornando vaga e sua evangelização, minguada. Também percebi que as novas expressões de igreja podiam estar inadvertidamente promovendo o consumismo religioso na mesma medida que os melhores e mais poderosos “comerciantes de bens e serviços religiosos”!1 Com pouco ou nenhum envolvimento com a evangelização, e ainda lutando contra o consumismo, tornei-me cada vez mais perplexo e ansioso, talvez até um pouco deprimido com a igreja. Estava ficando desesperado para encontrar um jeito de colocar em prática a igreja que de fato possibilitava a vida no reino de Deus, conforme foi ensinada por Jesus. Procurava uma igreja que fosse menos mecanicista, menos dirigida pelos números, menos hierárquica e menos esquisita. Em dois lugares diferentes — Condado de Orange, Califórnia e Eagle, Idaho — trabalhei com grupos formados principalmente por jovens que tinham sido machucados e afastados da igreja. Esses amigos faltavam pouco para abandonar Deus. Conseguimos corrigir até certo ponto as coisas que nos incomodavam sobre a igreja, mas criamos nossos próprios problemas, que eram tão ruins ou piores que os que havíamos deixado para trás! Assumo minha responsabilidade nisso. Afinal, eu era o líder procurando a trilha certa a seguir, mas que persistia em encontrar empecilhos ao longo do caminho.
Um holismo positivo Cada um dos lugares onde encontrei com Deus no passado — a United Methodist Church, a Calvary Chapel, a Vineyard, as igrejas emergentes e meu lar atual, a Igreja Anglicana — se
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tornou a sementeira de uma nova maneira de enxergar as práticas espirituais da igreja. Estou procurando unir o melhor de todas elas — a Palavra, o Espírito, a liturgia (com calendário e ofícios) e as disciplinas espirituais — para tornar relevante este novo trabalho. Nunca desejei nada dessa história. Tão pouco premeditei qualquer acontecimento dela. Ela simplesmente se desenrolou à minha frente. Porém, de modo algum, sinto-me vítima do processo. Não tenho queixas, não guardo mágoas e — até onde sei — não tenho nenhum ressentimento. A essa altura de minha vida, tenho principalmente lembranças boas e apreço por tudo que cada tradição e cada grupo me ofereceu. Não quero passar a ideia de que tudo e todas as pessoas do meu passado estavam erradas e de que agora encontrei a verdadeira igreja: a Igreja Anglicana. Não entendo assim. A mensagem que quero deixar é esta: encontrar um modo de resgatar a prática da fé, sob qualquer cor denominacional, diz respeito, principalmente, a nós mesmos. A ênfase está na nossa capacidade de nos envolver com as práticas espirituais da igreja. Primeiramente, para nossa própria transformação espiritual e, logo em seguida, de modo secundário, com o propósito de sermos embaixadores de Cristo em favor de outros. Considero-me uma pessoa melhor hoje por causa de todas as pessoas e acontecimentos de cada área da minha vida. Ao olhar para trás, todos os prós e contras foram simplesmente oportunidades de aprender a andar com Deus como líder em favor de outros. Falhei muitas vezes. Conto a história apenas para mostrar o contexto do qual surgiu minha necessidade de colocar a igreja em prática novamente. Você precisa conhecer o meu contexto e as minhas tendências para que possamos trabalhar juntos por meio desse livro. Apesar de eu ser sincero ao escrever, você precisa estar atento para qualquer visão tendenciosa que eu possa cegamente expressar. Como Rob Bell gosta de dizer: “Deus falou; o restante é tudo comentário — certo?”.2
prefácio do autor
No período em que deixei de frequentar regularmente a igreja, percebi que um importante ingrediente de minha busca por uma fé prática novamente não vinha de coisas externas a mim, como as épocas de minha vida, os seguimentos da igreja ou das denominações. Antes, ele vinha de coisas internas a mim — fatias do meu coração, porções da minha alma. Porém, de alguma forma, durante minha “noite escura da igreja”, percebi que não podia simplesmente ficar fora da igreja. Descobri que não havia nenhum potencial construtivo em ficar fora da igreja. O que eu precisava era de uma maneira afirmativa de me engajar novamente com as práticas espirituais da igreja. Convido você a me acompanhar. Vou lhe mostrar o que quero dizer.
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Agradecimentos
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odo livro que se baseia em situações reais da vida reflete o esforço de colaborador de diversas pessoas. Este livro não é diferente. Começando pela minha família, gostaria de agradecer àqueles que mais contribuíram para dar forma à minha escrita. Minha esposa, Debbie, esteve ao meu lado durante todo o tempo de minha caminhada por uma “nova prática de igreja”. Ouvir a respeito das suas genuínas lutas e percepções litúrgicas mais recentes ajudou-me consideravelmente a dar forma aos meus pensamentos e convicções. Meus filhos, Jonathan e Carol, não puderam evitar as reviravoltas da caminhada de seus pais. Embora, certamente, eles tenham seus próprios altos e baixos em relação à nossa história familiar, eles preservaram, pelo menos, uma visão correta e franca
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em relação à igreja. As conversas com os pais sempre foram bem abertas, conforme eles desejavam; sem restrições, sem perguntas ingênuas ou declarações hostis. Também preciso agradecer aos primeiros membros da minha recém plantada igreja, a minha comunidade de fé — a Igreja Anglicana Holy Trinity, de Costa Mesa, Califórnia. Todos estamos animados e comprometidos com a ideia de praticar nossa fé litúrgica e compartilhada de tal modo que promova transformação espiritual e nos impulsione a um engajamento missional com os que nos conectamos por meio de nossos compassos e rotinas de vida nos diversos lugares onde temos uma comunidade orgânica: trabalho, vizinhança e lazer. Desejo mencionar a Anglican Mission in America. Especialmente o arcebispo Emmanuel Kolini, superintendente, e o bispo Chuck Murphy, moderador da Anglican Mission, por acreditarem em mim. Sou grato aos novos colegas da Mission, que têm sido imensamente pacientes com meus inúmeros questionamentos sobre tudo o que se refere à liturgia. Sou grato à minha agente, Kathy Helmers, que auxiliou no nascimento dos dois primeiros livros publicados pela InterVarsity Press. Falando sobre a InterVarsity, minha agente editorial, Cindy Bunch, é minha heroína. Ela une de modo maravilhoso solidez intelectual, habilidade editorial e uma amizade calorosa. Sou um autor estressado. Entretanto, Cindy sempre consegue me fazer terminar o trabalho sem afetar a sua paciência e a minha pequena fé. Seus companheiros de trabalho da InterVarsity também compartilham de sua disposição para servir. Sou grato a todos vocês. Sou especialmente grato a J. I. Packer pelos dois dias inteiros de aprendizado sobre a história e a teologia anglicanas. Jim não deve ser responsabilizado por nenhuma de minhas reflexões imaturas. Todavia, toda ideia mais aprimorada deste livro deve ser atribuída à sua instrução.
agradecimentos
Não consigo pensar nos últimos dez anos sem um profundo sentimento de dívida para com os jovens líderes dos Estados Unidos, os quais me contaram seus pensamentos mais profundos sobre a igreja e questionaram como, ou se, ela poderia funcionar em nossa cultura atual. À medida que esses brilhantes homens e mulheres desvendavam esperanças e temores, visões e indagações, recebi muito ensinamento, o qual flui por meio deste livro. Muito obrigado, queridos amigos! Ao refletir sobre esses jovens líderes, lembro-me de um de seus mestres mais queridos: Scot McKnight. A grande influência de Scot se estende para além de seu papel de mestre. Scot é um líder teológico e prático entre jovens ministros e entre seus colegas, como eu. Obrigado, Scot, por seu atencioso prefácio. Finalmente, sou grato sobretudo a Richard Foster, Dallas Willard, Eugene Peterson e suas amáveis esposas. Muitas vezes, na última década, em momentos de sincero desespero em relação à igreja, eu fechava meus olhos e imaginava cada um desses líderes contemporâneos da fé cristã andando humildemente, de mãos dadas com suas esposas, por igrejas relativamente desconhecidas, saudando seus amigos, assentando-se para o culto e envolvendo-se com as práticas da igreja. Depois, a próxima coisa que pensava a respeito desses casais era: se esses meus mentores, meus guias em seguir a Jesus, fazem da igreja sua prioridade, talvez nós, os mais jovens, pessimistas pretensiosos, tenhamos algo a aprender com eles. A fidelidade deles em praticar a igreja de acordo com suas várias tradições — Quaker, Vineyard, Batista, Presbiteriana, ou qualquer que seja — colocou-me a caminho de redescobrir novo sentido para a prática espiritual da igreja.
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Introdução
Exercitando a fé para o bem dos outros
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erta vez, sentado na sala de estar tomando café e refresco com amigos cristãos, a conversa passou para o assunto predileto: criticar a igreja. Quase todas as críticas contra a igreja — “A única coisa que faço é ver a parte de trás da cabeça dos outros”, “A música é desatualizada”, “A pregação é monótona”, “Os pastores são egoístas e manipuladores”, “Os líderes são incompetentes ou hipócritas” — supõem que igreja significa aquilo que acontece no domingo na hora do culto. Pense bem: alguma vez você já ouviu alguma crítica de como a igreja espalhada em toda parte pratica a sua fé, exceto quando há um grande escândalo moral de um cristão famoso? Parece-me que 98% da crítica contra a igreja está ligada ao que acontece em apenas uma hora da semana.
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dÊ outra chance à igreja
O que aconteceria se pudéssemos deixar de ver a igreja como cumprindo nossa responsabilidade de fim de semana e passássemos a ver os elementos históricos dela como práticas espirituais — como um lançamento para um modo, uma ordem, uma prática ou uma estrutura para a vida espiritual? O dever deste livro é justamente apontar caminhos para esse lançamento. Jesus sempre vislumbrou e expressou uma versão do cristianismo encarnada na vida real e colocada na prática. Ele estava em pleno jogo, não nas palestras que antecedem os jogos. A noção de que alguém é um cristão apenas porque crê em alguns pontos da doutrina sobre Jesus — em vez de fazer o jogo dele — é algo muito recente. Para Jesus, apenas ouvir e concordar com seus ensinamentos não eram suficientes; tão pouco era suficiente ficar impressionado com seus milagres. Seus ensinamentos e ações são sinais que apontam para a realidade para a qual somos convidados a viver. Você entende isso? Viver, e não apenas “acreditar que é verdadeira” ou “sentir-se acolhido”, como as lembranças de um Natal memorável. Estas palavras de Jesus, ditas no final de seu ensino mais famoso, deixam isso plenamente claro: As palavras que digo não são meros adendos ao seu estilo de vida, como a reforma de uma casa, que resulta em melhora de padrão. Elas são o próprio alicerce, a base de sua vida. Se vocês puserem essas palavras em prática, serão como pedreiros competentes, que constroem sua casa sobre a solidez da rocha. A chuva cai, o rio avança e o vento sopra forte, mas nada derruba aquela construção. Ela está fundamentada na rocha. Mas, se vocês usarem minhas palavras apenas para fazer estudo bíblico, sem nunca aplicá-las à própria vida, não passarão de pedreiros tolos, que constroem sua casa sobre a areia da praia. Quando for atingida pela tempestade e pelas ondas, ela irá desmoronar como um castelo de areia. Mateus 7.24-27