Engolidos Pela Cultura Pop

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cultura

POP



STEVE TURNER

engolidos pela

cultura

POP

arte, mídia e consumo: uma abordagem cristã

Tradução Paula Mazzini Mendes


ENGOLIDOS PELA CULTURA POP Categoria: Apologética / Ética / Vida cristã

Copyright © Steve Turner, 2013

Publicado originalmente por InterVarsity Press, Downers Grove, IL, Estados Unidos Título original em inglês: Popcultured

Primeira edição: Junho de 2014 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Paula Mazzini Mendes Preparação e revisão: Natália Superbi Paula Nara Jacobini Raquel H. C. Bastos Diagramação: Bruno Menezes Capa: Rick Szuecs

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Turner, Steve, 1949– . Engolidos pela cultura pop : arte, mídia e consumo : uma abordagem cristã / Steve Turner; traduzido por Paula Mazzini Mendes. — Viçosa, MG : Ultimato, 2014. Título original: Popcultured : thinking Christianly about style, media and entertainment. ISBN 978-85-7779-107-1 1. Cultura popular - Aspectos religiosos - Cristianismo I. Título.

14-04030

Índices para catálogo sistemático: 1. Cultura popular : Aspectos religiosos : Cristianismo

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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.

CDD–261


sumário

Introdução

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Agora somos pop 1. Em busca do lazer

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Por que se importar 2. Cultura popular

29

Definindo o termo 3. Encontrando a solução

43

Alguns parâmetros bíblicos 4. Arte cinematográfica

61

A história das histórias 5. Jornalismo

83

Lendo nas entrelinhas 6. A cultura da celebridade

99

O jogo da fama 7. Moda

115

A linguagem das roupas 8. Emoções ainda maiores

133

A busca por sensações 9. Comédia Risadas, mentiras e verdade

147


10. Propaganda

163

O persuasor oculto 11. Tecnologia

179

Reinventando o nosso mundo 12. Fotografia

197

E nossos olhos se abrem 13. Televisão e filmes

215

O retrato da fé 14. O que DEVO fazer?

233

Consumir, criticar, criar Notas

245

Perguntas e respostas com Steve Turner

259

Índice de nomes

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INTRODUÇÃO

Agora somos pop

M

inha igreja mantém um programa para novos membros da comunidade chamado “O Cristianismo Explorado”. O propósito do curso é edificá-los na fé. Os encontros começam com um lanche, seguido de discussões em grupo e conversa. Aqueles que se graduam geralmente ingressam em um curso de continuação, chamado “O Discipulado Explorado”, que os direciona para um estudo mais profundo da Bíblia. Tive o privilégio de liderar discussões em grupo nos dois cursos e achei bastante desafiador preparar-me para novas perguntas de novas pessoas, muitas delas sem quase nenhuma base teológica cristã. Interesso-me há anos pela cultura popular e, depois de participar dos cursos que mencionei, perguntava-me inutilmente como seria um curso chamado “Explorando a Cultura Popular”. O questionamento surgiu porque acho que é na família, com os amigos, no trabalho e na cultura popular (ou atividades de lazer em geral) que os braços da nossa teologia alcançam nossas vidas comuns. As lições aprendidas a partir da teologia


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não deveriam ficar (mas ficam) no campo da teoria. Elas deveriam ser vistas na forma como tratamos nossos amigos e vizinhos, como ganhamos nosso dinheiro, vemos filmes, lemos livros e ouvimos música. Durante boa parte da minha vida eu não apenas absorvi a cultura popular, mas também dei minha contribuição, entrevistei muitas pessoas pertencentes ao mundo da música, cinema, comédia, moda, televisão, arte, poesia e literatura. Ao mesmo tempo, tentei fazer com que tudo isso fizesse sentido a partir do entendimento cristão. Karl Barth, teólogo suíço do século 20, teria dito aos seus alunos: “Pegue sua Bíblia, pegue seu jornal, e leia ambos. Mas interprete os jornais a partir da Bíblia”. Isso resume bem o que tenho tentado fazer em meu trabalho. Este livro é outra parte dessa jornada. Embora eu o tenha escrito para ajudar outros, ele também me ajudou, porque fui forçado a observar atentamente os diferentes aspectos da cultura popular, ler muito e explorar as Escrituras em busca de preciosas verdades que talvez eu tenha deixado escapar. Em vez de começar com uma ideia fixa (diferente da ideia de que Deus tem algo a dizer sobre cada área da vida), descobri coisas novas à medida que percorria esse caminho. O título é uma brincadeira que reflete o que acho que aconteceu conosco. Talvez não sejamos tão audaciosos em dizer que fomos aculturados, mas muitos de nós, de uma forma ou de outra, absorvemos a cultura pop. A cultura popular, ou “cultura pop”, como geralmente é chamada, permeia nossas vidas. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, foi uma prova de como nos identificamos com a cultura popular que criamos e consumimos. Em 1948, a cerimônia de abertura dos jogos de verão em Londres contou apenas com bandas militares. A atração foram a saudação com 21 tiros e os 7 mil pombos que foram soltos. Em 2012, 42 milhões de dólares foram gastos em uma cerimônia de 3 horas realizada em conjunto por diferentes formas de rock e planejada para impressionar o mundo. Em uma era de cultura pop faz sentido ter o evento projetado por um diretor de cinema, Danny Boyle, e exibir o trabalho de atores, dançarinos, artistas de performance, escultores, palhaços, contadores de histórias, comediantes, músicos e Djs. Houve referências à elevada cultura de Shakespeare e Elgar, mas a ênfase era a cultura pop: James


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Bond e Harry Potter, os Beatles e Sex Pistols, Carruagens de Fogo e o inventor da World Wide Web, Tim Berners-Lee. Este foi o primeiro livro que escrevi cujos capítulos enviei para revisão antes de terminar o manuscrito. Fiz isso porque estou ciente de que não sou especialista em muitas das áreas mencionadas e precisava me assegurar de que não estava equivocado. Isso não significa que meus mentores aprovaram todo o conteúdo destas páginas. Todas as opiniões e, consequentemente, todos os erros são meus. Minha grande amiga Bobette Buster, uma guru das histórias em Hollywood, consultora de script, palestrante e roteirista, leu todo o livro e passou um tempo discutindo-o comigo, página por página, pelo Skype. Foi valioso o tempo que ela dedicou a este projeto. Jeremy Begbie, Thomas A. Langford, professor pesquisador de teologia na Duke Divinity School e renomado especialista em arte e teologia, leu os três primeiros capítulos e fez gentis e consideráveis comentários. Rebecca Ver Straten-McSparran, diretora da L.A. Film Studies Center, leu o capítulo sobre filmes e conversamos sobre ele durante uma refeição e depois por e-mail. Eu praticamente reescrevi o capítulo, como resultado de seus sábios e esclarecidos comentários. Nev Pierce, editor-chefe da revista Empire, também leu o capítulo e me enviou um e-mail com sugestões úteis. Meu amigo Mark Joseph, autor e CEO da MJM Entertainment Group, e Robert A. Case, diretor fundador do World Journalism Institute em Nova York, leram o capítulo sobre jornalismo. Ainda não encontrei Bob Case pessoalmente, mas ele foi gentil o suficiente para dizer que meu livro Cristianismo Criativo? estava na lista de leitura de seu instituto e que achava que meu capítulo era bom, pois concordava com ele. Cliff Richard, uma das estrelas pop mais duradouras da Grã-Bretanha, aprovou o capítulo sobre a cultura da celebridade, assim como Patty Heaton, estrela das séries Raymond e Companhia e Uma Família Perdida no Meio do Nada. Patty também compartilhou comigo algumas de suas experiências de lidar com a fama como cristã. Rosie McConkey, da Siren Design, Angela Buttolph, editora-chefe da revista Grazzia, e Ali Hewson, cofundador da EDUN Clothing e NUDE Skincare, leram o capítulo sobre moda. Mostrei o capítulo sobre sensação numa conversa

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com Dave Carlson, diretor executivo da Opera-Matic em Chicago (“levando arte visual em movimento para as ruas”), e para Willie Williams, designer de palco e iluminação do U2 nos últimos trinta anos (e de David Bowie, Stones, Lady Gaga, REM e outros). Ambos fizeram considerações valiosas. Tive um ótimo retorno quanto ao capítulo sobre comédia por parte do britânico Milton Jones, renomado no gênero stand-up, da escritora e atriz americana Susan E. Isaacs, e do produtor e autor de televisão Dean Batali (Que Loucura de Família e Buffy, a Caça-vampiros). Alguns comentários foram tão pertinentes que acabei por adicioná-los ao capítulo revisado. Mostrei o capítulo sobre propaganda a Tony Neeves, um homem que renegou o mundo dos comerciais para trabalhar para instituições de caridade e hoje é vice-presidente de desenvolvimento internacional da Compassion Internacional. Também mostrei-o a Adrian Reith, produtor de jingles para rádio e dono do The Jungle Group Ltd. Kevin Kelly, cofundador da revista Wired, autor de Para Onde nos Leva a Tecnologia (Bookman) e membro fundador da WELL, examinou o capítulo sobre tecnologia eletrônica e assegurou que eu estava no caminho (ou pelo menos me deu a certeza de não estar fora do caminho). Os fotógrafos Chris Dyball, da Califórnia, e Donata Wenders, de Berlim, revisaram o capítulo sobre fotografia e foram bastante encorajadores nos comentários. Steve Taylor, músico e diretor de cinema (Um Novo Caminho), avaliou o capítulo sobre a maneira como os cristãos são retratados nos filmes e na TV. Ao final de cada capítulo, listei algumas perguntas para reflexão e discussão, além de livros e sites relevantes e algumas sugestões de ação. Nem todos os livros e sites citados representam meu ponto de vista, mas eles abordam o mesmo assunto discutido em cada capítulo e talvez seja útil examiná-los. Às vezes foi difícil sugerir um plano de ação, pois eu tinha consciência de que meus leitores seriam variados – desde estudantes até importantes profissionais das artes discutidas. Howard e Roberta Ahmanson me ajudaram a conseguir espaço na Fieldstead and Company, o que resultou em um valioso tempo de pesquisa e redação. Houve generosidade semelhante quando eu estava


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escrevendo Cristianismo Criativo?, e aprecio sua generosidade e fé nas artes e na cultura. Eles nunca me pediram para ver um manuscrito antes da publicação nem questionaram nada sobre a redação do livro. Meu desejo é que Engolidos pela Cultura Pop ajude aqueles que estão tentando navegar, com o toque da verdade cristã, pelas águas às vezes turbulentas da cultura popular. Ele não é a última palavra sobre o assunto, mas espero que estimule o estudo, a discussão e a sincera reflexão. Acima de tudo, espero que promova entendimento e apreciação quanto às áreas mencionadas e que os leitores se sintam estimulados em seu potencial tanto como consumidores quanto como criadores de cultura.

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1.

Em busca do lazer Por que se importar

Existem muitos livros disponíveis que ensinam às pessoas as bases da vida cristã. Existem recursos que explicam quem Deus é àqueles que estão apenas curiosos em relação ao cristianismo. Existem cursos sobre como ler a Bíblia, como orar, como explicar o evangelho aos outros, como resistir à tentação e como seguir Jesus. Existem classes que instruem as pessoas em “coisas profundas” como jejum, meditação, espera em Deus e disciplinas espirituais. Este livro é diferente. Talvez haja referências às ideias e práticas mencionadas, mas essencialmente se trata de como podemos ser cristãos fiéis ao mesmo tempo em que participamos da cultura popular e talvez até a produzimos. É famosa a pergunta que Tertuliano, Pai da Igreja do terceiro século, fez: “O que de fato Atenas tem a ver com Jerusalém?”. O que ele perguntava era o que a fé bíblica tem a ver com a aprendizagem secular, ou o que o evangelho tem a ver com a filosofia. Hoje podemos perguntar: o que Hollywood, Vale do Silício, avenida Madison,


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Burbank ou a Times Square têm a ver com Jerusalém? Em outras palavras, o que a cultura popular tem a ver com a fé cristã? Acho que esta é uma pergunta importante a se fazer por dez razões. A mente dividida

A primeira é que muitos cristãos ainda respondem à pergunta com a certeza de que “eles não têm nada a ver um com o outro” (o que, acidentalmente, era o que Tertuliano esperava ouvir). Talvez eles digam isso porque acreditam na separação, que os cristãos devem ficar longe de tudo o que é “mundano”. Certamente há muitos versículos na Bíblia que nos recomendam evitar más companhias, resistir ao mal e manter uma diferença cristã. A questão é: como aplicamos essas ordenanças com relação à cultura popular? Muitos cristãos no decorrer dos anos chegaram à conclusão de que a forma mais efetiva é abster-se. Eles ignoraram a moda, se recusaram a ver filmes, mantiveram suas casas livres da televisão e alguns até baniram romances e jornais. Ou talvez eles digam isso porque têm a mente dividida. A mente dividida tem um lado espiritual e um lado terreno. O lado espiritual está comprometido aos domingos e durante momentos de leitura da Bíblia e oração. O lado terreno está ativo quando se buscam atividades de lazer. Há cristãos hoje cujo consumo de cultura popular não difere em nada do consumo de seus contemporâneos não cristãos e, o mais preocupante, a opinião sobre o que viram, ouviram ou leram também não difere em nada. Eles avaliam uma banda, um jogo de computador ou um filme como “bom” ou “ruim” usando os mesmos critérios que seus colegas não religiosos usam. O cristão com a mente dividida e o cristão que acredita que “saiam do meio deles e separem-se” (2Co 6.17) significa evitar a cultura popular geralmente são grupos teologicamente separados – assim como um fazendeiro amish da Pensilvânia e um adorador de uma igreja emergente da Califórnia –, mas ambos resultam do mesmo processo, evitar a discriminação. O separatista geralmente lida com a cultura popular aplicando a mesma regra a tudo; o cristão dividido, aplicando a regra de aceitar tudo. Ambos evitam a difícil tarefa de ser ao mesmo tempo crítico e espiritualmente engajado.


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É para não levar a sério?

A segunda razão para se fazer a pergunta é que as pessoas geralmente fazem cultura popular com o intuito de alterar as percepções. Ouço pessoas justificando o consumo acrítico a partir da ideia de que o que estão assistindo, lendo, jogando ou ouvindo é apenas “para relaxar” ou “não deve ser levado a sério”. Elas acham que avaliar o que estão consumindo envolve muito esforço e vai contra o espírito do entretenimento. Dizem que não querem ser sérias demais ou muito “rígidas”. Algumas pessoas acreditam que a cultura popular é mais assimilada quando a mente está desligada. Elas assistem a filmes como se as imagens em movimento tivessem tanto conteúdo moral e poder quanto ondas quebrando ou folhas caindo. Essa atitude subestima seriamente a inteligência e a motivação daqueles que produzem a cultura popular. Esses profissionais não são crianças brincando com giz de cera. Predominantemente, são pessoas treinadas com um profundo conhecimento de sua forma de arte e de sua história. Eles tendem a ser pessoas bastante inflexíveis com relação à visão de mundo que querem expressar. Há algo relacionado ao status quo que os irrita e eles querem reparar isso. Às vezes são pessoas que gostam de subversão – atrair as pessoas com um belo entretenimento e então bombardeá-las com uma mensagem que contraria as expectativas. Alguns diretores, produtores e roteiristas são bastante sinceros sobre como querem que seus filmes ou programas de TV mudem atitudes. Eles percebem, por exemplo, que filmes e novelas são mais efetivos como transformadores de mente do que documentários, porque os expectadores se envolvem nos conflitos internos dos personagens que aprenderam a amar. Eles reconhecem que o público é mais efetivamente influenciado pelas emoções do que pelo intelecto. Organizações militantes geralmente persuadem os autores de novelas a incluir suas questões nas histórias a fim de que sua mensagem atinja um público maior. O ator Michael Cashman, da novela inglesa East Enders, introduziu o primeiro beijo gay no horário nobre da TV britânica em 1987, o que resultou em uma onda de protestos. “O gosto público precisa ser desenvolvido” – foi sua explicação. “A opinião pública precisa ser direcionada. E a televisão e a mídia são essenciais para isso.”1

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O grande poeta T. S. Eliot acreditava que a cultura que consumimos apenas por diversão, sem envolvimento algum com teses complicadas, é a que tem mais efeito em nós. Ele acreditava que isso era verdade principalmente por causa do elemento diversão. Quando pensamos que algo é relativamente frívolo desarmamos nossos sistemas de alarme crítico e permitimos que as influências entrem despercebidas. George Orwell tinha uma opinião parecida. Em seu artigo Boys’ Weeklies, no qual analisa os quadrinhos britânicos, ele faz a seguinte pergunta: “Até que ponto as pessoas baseiam suas ideias na ficção?”. Sua resposta foi: “Pessoalmente, acredito que a maioria das pessoas é mais influenciada por novelas, séries, filmes etc. do que conseguiria admitir, e que, a partir desse ponto de vista, os piores livros geralmente são os mais importantes, porque geralmente são os que são lidos primeiro”.2 O novelista Graham Greene acreditava que somos profundamente afetados pelos livros que lemos quando crianças: “As primeiras leituras têm mais influência na conduta do que qualquer ensino religioso”.3 Os comediantes reconhecem que o riso pode baixar a resistência de uma audiência e fazer como que seja mais fácil aceitar opiniões que as pessoas normalmente rejeitariam ou com as quais se sentiriam ofendidas. George Carlin disse: “Uma vez que consiga fazer com que as pessoas riam, elas estarão lhe dando ouvidos, e então você poderá dizer quase tudo a elas”. Ele desenvolveu essa ideia em uma entrevista em 1998: Na maioria das vezes, quando você fala com as pessoas sobre, digamos, “questões”, elas armam suas defesas. Elas defenderão seu ponto de vista, aquilo com o qual estão acostumadas, as ideias que cultivam com carinho, e geralmente você terá de enfrentar um longo e lógico trajeto para chegar até elas... Mas quando você faz comédia ou humor as pessoas estão abertas e, quando surge o momento do riso, a guarda está baixa; então, naquele momento, novos dados podem ser introduzidos de forma mais fácil.4

Essa percepção não traz em si a crença de que toda cultura facilmente disponível é insidiosa; apenas que ela tem o hábito de transpassar nosso escrutínio porque nos traz bons sentimentos. Quando suspeitamos que a cultura possui uma agenda, ficamos naturalmente mais desconfiados. Quando pensamos que ela está ali apenas para nos


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fazer cócegas, nos entregamos ao riso. A Bíblia insiste na vigilância pressupondo que ficamos vulneráveis à corrupção espiritual quando não estamos alertas. O dom da cultura

A terceira razão é que a cultura popular é uma grande dádiva para nós e por isso devemos levá-la a sério. É impossível imaginar a sociedade humana sem cultura. Ela é uma expressão significativa de nossa humanidade, que nos distingue dos animais. Poderíamos facilmente usar uma jarra de barro lisa, mas nosso instinto é moldá-la e enfeitá-la com cor e forma. Muito do que dizemos ser cultura é esse ato de moldar e enfeitar. Transformamos narrativas de eventos em histórias, sons em música. Decoramos paredes lisas com murais e fazemos nosso cabelo tomar formas que a natureza nunca sonhou. Os teólogos falam da instrução de Deus a Adão para reproduzir-se, cuidar da terra e dar nomes aos animais como “mandato cultural”. De fato, a palavra cultivar, que é mais comumente associada com lavrar, capinar, podar e colher, tem a mesma raiz da palavra cultura. Nossa cultura, na melhor das hipóteses, é outra forma de lavrar, plantar, produzir e colher. Rompemos o duro solo de nossas mentes racionais, plantamos belas ideias, fazemos crescer a imaginação e colhemos seres humanos mais completos. A cultura deve engrandecer nossas vidas. Muitas vezes ela serve para nos confortar diante da fria e difícil realidade que temos de encarar em nossas vidas agitadas e nos levar para um mundo de fantasia, mito e sonho. “A arte lava da alma a poeira da vida cotidiana” – disse Picasso.5 Poesias, peças e pinturas podem nos mostrar ligações entre coisas que nunca descobriríamos por meio da lógica impiedosa. Canções e músicas ajudam a unir pessoas e nos deixam conscientes da magnitude do significado de ser humano. A cultura popular é também um saudável tópico para debate. Novos estilos de vida são explorados, novas filosofias surgem e novas atitudes são provadas. Foi principalmente por meio da música popular – em especial o rock – que as visões alternativas dos anos 60 foram articuladas e exploradas. As músicas e opiniões dos músicos foram analisadas,

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postas à prova e criticadas em outras mídias. De fato, é difícil discutir a revolta juvenil da época sem se referir a artistas como Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Jimi Hendrix e The Who. O Senhor de toda a vida

A quarta razão é que a visão cristã é que Cristo é o Senhor de toda a vida. Essa é a definição de discipulado. Ele quer nosso coração, mente, alma e força – o pacote todo. Isso significa que não há nada que vivamos que Cristo não reivindique ou sobre o qual não tenha algo a dizer. Ainda assim, às vezes o tratamos como se ele não entendesse realmente algumas áreas de nossas vidas modernas, como a cultura popular. Como o Ancião de Dias poderia acompanhar? Sem querer, o tratamos como um velho surdo e parcialmente cego que está tão por fora da cultura contemporânea que pensamos fazer-lhe um favor ao não pedir sua opinião. O fato é que, se Cristo é o Senhor de toda a nossa vida, então deve haver uma forma cristã de desfrutar e fazer cultura popular. Nunca conheceremos a mente de Cristo em sua totalidade, mas parte da aventura do discipulado está em tentar descobrir o máximo que pudermos sobre isso. Eu adoraria sentar com Cristo e perguntar o que ele pensa sobre a música dos Beatles, os filmes de John Ford e a arte de Picasso. Os Beatles fizeram Revolver, mas Deus fez Jonh Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Picasso pintou Guernica, mas Deus moldou Picasso. Penso que Deus pode ficar ofendido ou encantado com a arte, mas nunca surpreso. A Bíblia contém muitas instruções para se glorificar a Deus em todos os aspectos da vida. Paulo escreveu: “Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Comer e beber são dois dos mais básicos requisitos para a sobrevivência. Com exceção das prescrições de dieta, de se evitar a glutonaria, do auxílio aos famintos e do partilhar do pão e do vinho na Eucaristia, parece não haver uma relação clara entre refeições e a religião. Ainda assim, Paulo entendia que o consumo de alimentos e bebidas poderia ser feito de uma forma que glorificasse a Deus, e, assim, devemos deduzir que ele pode acontecer de uma forma que não o glorifica. Se “façam qualquer outra


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coisa” é amplo o suficiente para incluir alimentos e bebidas, certamente é amplo o suficiente para incluir a cultura popular. A influência universal

A quinta razão para fazermos a pergunta é porque a maioria de nós passa uma grande parte da vida tendo os pensamentos influenciados pela cultura popular. Durante o dia assistimos ao noticiário na TV, checamos as redes sociais, compramos roupas novas, lemos um jornal ou revista, vemos propagandas, lemos mensagens de texto ou tweet, ou jogamos jogos online. À noite vemos um filme, uma novela, um reality show ou um show de talentos na TV, passamos algum tempo na internet, lemos um livro ou ouvimos música. No fim de semana assistimos a um filme, vamos ao teatro, dançamos, andamos de skate ou vamos a um concerto. Qualquer orientação que tenhamos com relação a viver ou pensar como cristãos tem de levar em conta a cultura popular, porque passamos muito tempo sendo influenciados por ela. É difícil argumentar que a Bíblia é fonte de orientação sobre como lidar com finanças, casamento, família, relacionamentos, trabalho, adoração e oração, mas que não tem nada útil a dizer sobre cultura. O que chamamos de cultura popular é um resultado natural do aumento do tempo de lazer, de salários melhores e mais riqueza. O Escritório Nacional de Estatísticas da Grã-Bretanha relatou que, em 2010, os britânicos estavam gastando nove vezes mais tempo com diversão e cultura do que o faziam em 1970. Will Galgey, gerente de consultoria para tendências na The Futures Company, comentou: “Há uma grande mudança, dos bens materiais à experiência […] nosso consumismo tem a ver com a forma como melhoramos nossas experiências, mesmo no contexto de nossas próprias casas”.6 Essa mudança é confirmada em nossa experiência pessoal. Quando adolescente, meu avô trabalhava em uma fazenda e ia para a cama exausto à noite. Aos sábados, ele precisava fazer uma viagem de 38 quilômetros ida e volta para vender gado. Seu único entretenimento era uma caixa de música alemã que tocava discos de vinil, um acordeão tocado por seu pai e alguns jornais sensacionalistas baratos do fim da era vitoriana. Meus pais contavam com bandas, revistas, filmes, gramofones,

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quadrinhos e as primeiras versões do rádio. Eu tinha TV (apenas quando era adolescente), rádio, gravadores e livros brochura. Meus filhos têm computadores, internet, iPods, iPads, jogos de computador, TV por satélite, DVDs e iPhones. Em apenas um século o consumo de cultura popular por minha família cresceu dramaticamente. O cineasta Paul Schrader estima que, em média, uma pessoa de 30 anos de idade e com alguma experiência em mídia já viu cerca de 35 mil horas de “narrativa audiovisual”, incluindo de filmes e novelas até desenhos e clipes do YouTube. O pai dessa pessoa, com a mesma idade, teria visto apenas 20 mil horas; seu avô, 10 mil horas; e seu bisavô, 2.500 horas. “Somos bombardeados pela narrativa” – ele afirma sobre os dias de hoje. “Estamos nadando em narrativas”.7 Quando a Rolling Stone entrevistou seus leitores em 2010, descobriu que eles gastavam 11,5 horas por semana ouvindo música, 7,9 horas vendo TV, 4,4 horas em redes sociais, 3 horas lendo revistas e 2,8 horas jogando videogames. Isso significa pelo menos um dia por semana imerso em cultura popular. Quase 95% dos entrevistados disseram que a música era “extremamente ou muito importante” em suas vidas. Quando perguntados sobre que forma de entretenimento eles manteriam, se pudessem escolher apenas uma, 64,7% disseram “ouvir música” e 17,1 disseram “assistir TV”.8 Sinais dos tempos

A sexta razão é que a cultura popular pode ser um indicador útil do Zeitgeist.* Qualquer um que quiser ficar alerta com relação às mudanças de atitudes e tendências religiosas faz bem em ficar atento. É no âmbito da cultura popular que a sociedade expressa suas esperanças e incertezas. É onde as pessoas buscam influenciar outras em novas formas de pensamento. É onde rotas possíveis são testadas. O pioneiro em estudos culturais Stuart Hall disse que a cultura popular é um espaço onde “entendimentos sociais coletivos são criados”.9 O designer de moda Alexander

* Termo alemão que significa “espírito da época”, referindo-se ao conjunto do clima intelectual e cultural do mundo numa determinada época. (N.E.)



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