a miss達o invertida
Paul Bendor-Samuel
a missão invertida
A IGREJA LOCAL E AS IDAS E VINDAS DOS MISSIONÁRIOS
Tradução Paula Mazzini Mendes
A MISSÃO INVERTIDA Categoria: Igreja / Liderança / Missões
Copyright © Paul Bendor-Samuel, 2014
Primeira edição: Maio de 2014 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Paula Mazzini Mendes Preparação e revisão: Claudete Agua de Melo Colaboração: Natália Superbi Diagramação: Bruno Menezes Capa: Rick Szuecs
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bendor-Samuel, Paul, 1958-
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A missão invertida : a igreja local e as idas e vindas dos missionários / Paul Bendor-Samuel ; tradução Paula Mazzini Mendes. — Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2014. Título original: Mission at the crossroads ISBN 978-85-7779-106-4 1. Comunidade e etnia 2. Discipulado (Cristianismo) 3. Missão da Igreja 4. Missões 5. Obreiros 6. Parceria I. Título. CDD-266.001
14-02881 Índices para catálogo sistemático: 1. Teologia da missão: Cristianismo 266.001
Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br
A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.
Sumário
Prefácio
Introdução
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Parte 1 – Trabalhar com a igreja 1. Da ordem para IR ao convite para VIR
2. Reflexão e ação: trabalhando com a igreja
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Parte 2 – Discipulado 3. Discipulado: o centro da missão
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4. A grande ideia de Deus: base bíblica para a missão integral
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5. Reflexão e ação: discipulado
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Parte 3 – Vivendo como comunidade: unidade na diversidade 6. Comunidade e etnicidade
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7. Comunidade e gênero
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8. Comunidade e discipulado
119
9. Reflexão e ação: comunidade
131
Parte 4 – Parceria 10. Parceria: vivendo como uma comunidade aberta
139
11. Reflexão e ação: parceria
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Epílogo – Mantendo Cristo no centro
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Notas 169
prefácio
A
Missão Invertida é um livro para ler e guardar. Por quê? Porque nos ajuda a acertar um alvo em movimento. Explico. O autor nos ajuda a entender que, ao participarmos do que Deus está fazendo no mundo e pelo mundo, estamos nos empenhando num projeto de dimensões imensas. A missão de Deus é imensa porque atravessa a história toda com todos os seus entrelaces e complexidades. É imensa também porque alcança o mundo inteiro em todas as suas milhares de dimensões culturais. É grande! E o mundo não para. Tendências, valores, preocupações e desafios estão em constante movimento. Isso significa que, ao mesmo tempo que há dimensões da missão de Deus que permanecem constantes, há outras que mudam. Participamos da missão de Deus como fizeram Paulo, Pedro, Patrício, William Carey e mesmo a última geração em muitos aspectos. Ao mesmo tempo, a estrutura das organizações missionárias, as estratégias, metodologias e prioridades missionárias, e, acima de tudo, a participação missionária global, tudo passa por grandes mudanças. E tudo isto acontece, às vezes, em
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um período relativamente curto, como duas ou três décadas. Eis o valor de A Missão Invertida. Bendor-Samuel nos ajuda a considerar, bíblica e teologicamente, as implicações dessas mudanças, mesmo insistindo na permanência de algumas constantes. E é notável que ele faça isso com simplicidade, clareza e profundidade. Uma das constantes que atravessam todo o livro é a insistência no modelo do discipulado, que, por sua vez, depende da obediência à ordenança de fazer discípulos. Talvez haja pouca novidade aqui – o que é o ponto do autor. Se bem que a conexão entre o discipulado individual e comunitário em si e a incumbência de fazer discípulos de todas as nações, por mais simples e óbvia que pareça, raramente é ressaltada. Porém a contribuição maior do autor está na sua explanação desse modelo tão patente nos Evangelhos, mas quase inexistente no restante do Novo Testamento. Se o autor reconhece algumas constantes – e são muitas –, ele consegue nos desafiar mais ainda com as variáveis. Para ele – e dou-lhe toda razão – as variáveis decorrem tanto de mudanças históricas e culturais, isto é, tendências mundiais, quanto de mudanças na constituição da força missionária atual – especialmente destas. Sem exagero, estamos nestes últimos anos passando por algumas das maiores mudanças na história da criação, na história da humanidade e na história do povo de Deus. (Como posso não ser acusado de “exagero” depois de uma declaração como esta?) Quanto à criação, não é preciso citar fonte alguma para sustentar a afirmação de que a terra que Deus nos deu para habitar passa por desafios inéditos. É realmente necessário enumerá-los? De modo semelhante, pela primeira vez na história a população humana consegue prever a sua própria estabilização, possivelmente dentro das próximas três ou cinco décadas. Contudo, para chegar lá ela aumentará cerca de 50%. E isto é apenas uma consideração demográfica. E as mudanças políticas, culturais e econômicas? São mudanças imensas. Finalmente, tanto a igreja quanto a força missionária global já mudaram. (Não se fala mais de mudanças ainda por
prefácio
acontecer.) A igreja cristã é de maioria africana, asiática e latino-americana; não é mais predominantemente europeia e norte-americana. A mesma transição está ocorrendo na composição do pessoal missionário global. E estas três mudanças significam mudanças na maneira como a igreja no mundo inteiro participa da missão de Deus. Para Bendor-Samuel, estas mudanças significam que temos de repensar alguns valores antigos, como a etnicidade, a inclusão de gêneros, a unidade, a comunidade e a ideia de parceria no desafio missionário. Para cada um destes valores, o autor dedica um capítulo inteiro repleto de reflexões bíblicas substanciais para alimentar suas considerações. Por fim, ele termina como só pode terminar, com um forte apelo para que mantenhamos Cristo no centro tanto da nossa reflexão sobre missões quanto da nossa participação na missão de Deus. Timóteo Carriker Março de 2014
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introdução
“N
ão jogue fora o bebê junto com a água do banho.” Que frase interessante! Você já se perguntou por que alguém faria algo tão insano quanto jogar fora o bebê junto com a água do banho? Por que fazer esse tipo de alerta a alguém se é tão fácil ver a diferença? É como se na vida real fosse fácil separar o importante do trivial, o permanente do passageiro, o que tem valor do que não tem. Presos a uma época de rápidas mudanças, é muito fácil perder de vista o que tem valor eterno e rejeitar tudo isso no desejo de acompanhar a época. Certa vez, numa palestra, ouvi Samuel Escobar dizer: “A única novidade que o século 20 nos trouxe foi a velocidade”. A velocidade é agora mais profundamente vivenciada do que nunca, o que afetou também o mundo das missões internacionais. Mudanças nos contextos, com o surgimento de instabilidade política e hostilidade para com aqueles que levam o evangelho. Mudanças nos padrões de serviço, com um foco na mobilização em massa e prazos mais curtos. Mudanças nos recursos, com a crise econômica mundial ameaçando antigos modos de trabalho.
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Mudanças nos participantes, já que cada vez mais pessoas e recursos vêm das igrejas de países em desenvolvimento da África, da Ásia e da América Latina* para fazer sua parte. E a maior mudança de todas: as alterações demográficas da igreja mundial, progredindo nesses países e regredindo nos antigos contextos de envio de missionários. Tudo isso está acontecendo de maneira muito rápida e fazendo com que as agências repensem o propósito de sua existência. Isso é bom. Mas as agências missionárias fazem parte da água do banho? São um recurso temporário para uma época específica? Ou fazem parte do bebê, uma maneira importante e duradoura de alcançar os propósitos de Deus em missão? Num certo nível, a agência missionária é simplesmente um arranjo organizacional que representa uma forma popular na qual a sociedade civil se organizou. Essa forma de organização permanece bastante popular nos dias atuais em todo o mundo. Mas a agência missionária talvez seja também uma expressão de uma dinâmica muito mais significativa que Deus tem usado por mais de 2 mil anos. Em 1974 Ralph Winter ressaltou que, nos tempos de Jesus, o judaísmo tinha duas expressões organizacionais reconhecidas:1 a sinagoga, uma estrutura com base na comunidade, e o chevra, um grupo especial com interesses translocais. Jesus esteve muito envolvido com a sinagoga, tendo pregado lá regularmente, mas ele também formou seu próprio chevra, o grupo de discípulos. Não é de admirar, então, que a igreja primitiva, baseando-se em Jesus, tenha desenvolvido a mesma dinâmica entre a igreja local e os grupos missionários apostólicos. Uma análise da história da igreja sugere que ambas as estruturas são necessárias para que possa haver uma expansão efetiva do reino de Deus. Mesmo que as agências de missões talvez
* O que o autor chama de Sul Global, referindo-se ao que antes era chamado de países do “Terceiro mundo”. (N.R.)
INTRODUÇÃO
precisem de mudanças, parece que alguma forma de estrutura missionária junto à igreja local cria uma dinâmica que o Espírito Santo se satisfaz em usar. A agência missionária talvez seja mais do que a água do banho! É preciso discernimento para distinguir entre o bebê e a água, e felizmente sabemos onde encontrá-lo, não é? (Tg 1.5). Sejam os participantes igrejas ou agências, a missão encontra-se num momento crucial. Enfrentamos desafios significativos e este livro pretende destacar alguns deles. O conteúdo apresentado aqui surgiu como recurso para ajudar uma agência, a Interserve,2 a continuar acompanhando o Espírito de Deus, o grande estrategista e capacitador da missão de Deus. A Interserve foi fundada há 160 anos por um grupo de mulheres britânicas vitorianas que tinham o desejo de alcançar as mulheres menos privilegiadas da Índia com o evangelho de Jesus por meio de educação, de saúde e da Palavra de Deus. A Interserve Brasil começou em 2003. Quer tenha 160 anos ou dez, o Corpo de Cristo ao redor do mundo passou por vários momentos cruciais em missão. Aqui analisamos alguns deles. A Missão Invertida focaliza principalmente a ligação entre a igreja e a missão, e por isso será útil esclarecer alguns termos. O termo “igreja” é geralmente entendido como uma referência a grupos locais de cristãos adoradores, a igreja reunida num lugar específico. O Novo Testamento utiliza o termo de vários modos, incluindo um encontro numa casa,3 agrupamentos maiores dessas congregações caseiras4 e o Corpo de Cristo ao redor do mundo.5 Aqui usaremos o termo para nos referir a essas três expressões (local, nacional e global). Além disso, consideramos que ao usar o termo “igreja” estamos falando tanto da comunidade reunida (igreja institucional) quanto do povo de Deus espalhado6 na sociedade como sal e luz (igreja integrada). A missão é de Deus. É a missio Dei. Basicamente, ela envolve todo o trabalho de Deus ao cumprir seu propósito último, conforme expresso em Efésios 1.10, de “fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos”. O senhorio de Jesus Cristo sobre
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todas as coisas é o propósito final de Deus e sua missão é o que concretiza isso. Quando falamos sobre participar da missão de Deus, estamos nos referindo à missão de ir além do atual campo do senhorio de Cristo na igreja para levar o senhorio transformador de Cristo para as pessoas, para a sociedade e para a ordem criada. Missão, então, é esse movimento para além dos limites da igreja por meio do evangelho, sejam estes limites étnicos, geográficos, socioeconômicos ou outros. A missão não implica necessariamente um movimento geográfico, embora isso possa ser necessário. Geralmente, a missão é transcultural porque os limites mundiais quase sempre são parte dos limites étnicos, geográficos e socioeconômicos aos quais a igreja se permite limitar seu alcance.
Parte 1
trabalhar com a igreja
1.
Da ordem para IR ao convite para VIR1
A maioria dos ministérios transculturais se
concentra na mobilização de obreiros chamados para ir de um lugar para outro pela causa do evangelho do reino. Nos últimos cinquenta anos, continuamos a usar a mesma linguagem com o objetivo de mobilizar pessoas para a missão, embora o contexto e as necessidades da missão transcultural tenham mudado drasticamente. Neste primeiro capítulo quero me concentrar no que parece ser uma aparente desconexão entre o que dizemos que a missão é e o que ela precisa ser na prática. Examinaremos a desconexão entre a linguagem, a motivação, a forma da missão e a realidade que vivenciamos em muitos lugares e faremos algumas sugestões sobre o que fazer em relação a isso.
Reflexão bíblica: a ordem para IR Muito do movimento de missão transcultural protestante nos últimos duzentos anos foi profundamente moldado por uma
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passagem da Escritura: Mateus 28.18-20. Em Enquiry into the Obligations of Christians to use Means for the Conversion of the Heathens [Análise das obrigações dos cristãos de usar estratégias para a conversão de ímpios], William Carey diz que essa passagem foi a base bíblica para o seu chamado para missão. As obrigações vinham diretamente da ordem do nosso Senhor Jesus: “Vão e façam discípulos”. Podemos corretamente argumentar que o primeiro verbo dessa frase não seria “Vão”, mas, melhor traduzido, “Indo”, ou “Ao ir”.2 A ordem nesse versículo na verdade é “discípulo”,3 com os particípios explanatórios “batizando e ensinando a eles tudo o que eu ordenei a vocês”. Contudo, para Carey, bem como para a maioria das gerações a partir de então, a ordem principal tem sido “vão”.* Isso é compreensível e, de fato, existem razões bíblicas e satisfatórias para apoiar essa ideia. Abraão foi chamado a deixar sua casa e ir para um lugar que Deus lhe mostraria. Aos 16 anos eu senti Deus colocar no meu coração o desejo de servi-lo transculturalmente como médico num país em que missionários geralmente não podiam trabalhar. Lembro-me de perguntar a Deus com frequência se meu desejo era simplesmente um reflexo do meu histórico familiar ou verdadeiramente seu chamado para a minha vida. Meu bisavô e meu avô foram missionários entre seu próprio povo, os judeus, e meu pai foi um grande missionário pioneiro e um estadista. Deus me libertou na juventude quando falou comigo por intermédio de Hebreus 11.8: “Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo”. Outros na Escritura ouviram o chamado para ir. Por exemplo, o profeta ouve a voz do Senhor dizendo: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” (Is 6.8). Jesus entende seu próprio ministério em termos de ter sido enviado pelo Pai. “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e concluir a sua obra” (Jo 4.34). * Ou “ide”, como aparece, por exemplo, nas versões ARA e ARC. (N.R.)