DAVID BURNETT
UMA ABORDAGEM CRISTÃ SOBRE O PENSAMENTO BUDISTA
Tradução: VALÉRIA LAMIM DELGADO FERNANDES
BUDISMO – UMA ABORDAGEM CRISTÃ SOBRE O PENSAMENTO BUDISTA Categoria: Apologética / Evangelismo / Missões Copyright © David Burnett 1996, 2003. Publicado originalmente por Lion Hudson IP Ltd, Oxford, Inglaterra Copyright desta edição © 2003 Lion Hudson IP Ltd Título original em inglês: The Spirit of Buddhism Primeira edição: Maio de 2018 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes Revisão: Lilian Rodrigues Diagramação: Bruno Menezes Capa: Rick Szuecs
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Burnett, David, 1943Budismo : uma abordagem cristã sobre o pensamento budista / David Burnett ; tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes. — Viçosa, MG : Ultimato, 2018. Título original: The Spirit of Buddhism Bibliografia. ISBN 978-85-7779-176-7 1. Budismo 2. Budismo - Relações - Cristianismo 3. Cristianismo e outras religiões - Budismo I. Título. 18-15465 Índices para catálogo sistemático: 1. Budismo : Religião 294.3
PUBLICADO NO BRASIL COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS POR: EDITORA ULTIMATO LTDA Rua A, no 4 - Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 www.ultimato.com.br
CDD-294.3
SUMÁRIO Lista de figuras Prefácio à edição brasileira
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Prefácio à segunda edição
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1. Buda
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2. O Caminho do Meio
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3. A comunidade dos renunciadores
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4. Concílios e controvérsias
61
5. Asoka e a expansão do budismo
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6. A tradição theravada no sudeste da Ásia
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7. O cultivo da sabedoria: meditação
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8. O surgimento do budismo mahayana
121
9. O silêncio de Buda
139
10. O budismo na China
153
1 1. Expressões chinesas do budismo
169
12. O budismo no Japão
183
13. A história da tradição tibetana
201
14. Entrando na mandala
219
15. O impacto missionário cristão
237
16. A descoberta do budismo pelo Ocidente
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1 7. O ressurgimento budista Glossário Notas Bibliografia
273 291 297 309
LISTA DE FIGURAS 1.1 Mapa da bacia do Ganges na época de Buda
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1.2 Mapa do subcontinente indiano por volta do século 5º antes de Cristo
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2.1 A Roda da Vida, ilustrando a fórmula da origem dependente
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2.2 Os Oito Caminhos Nobres
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3.1 A literatura páli
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4.1 Principais seitas budistas na Índia, 500 a.C. – 1 d.C.
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4.2 A classificação dos Dharmas pela Sarvastivada
72
5.1 O império do rei Asoka
79
5.2 A estupa em Sanchi
84
6.1 A propagação do budismo theravada por todo o sudeste da Ásia
97
7.1 Estados desenvolvidos com o uso da meditação Calma
113
8.1 Boddhisattva Avalokitesvara
135
10.1 Cronologia do budismo na China
165
11.1 Principais escolas do budismo chinês
171
13.1 O Tibete e áreas da Ásia central influenciados pelo budismo tibetano
205
14.1 A Roda da Vida tibetana, ilustrando a cadeia da origem dependente. Mara, a personificação da morte, tem tudo em suas mãos
225
14.2 A mandala Vajradhatu
231
15.1 “Os três refúgios cristãos”, do doutor Karl Reichelt
251
16.1 Budistas e grupos budistas em meados da década de 1990
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PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
NÃO ACREDITO EM COINCIDÊNCIA. Assim que me sentei para escrever este texto, mirei para a parede da cafeteria e numa bela tipografia li: “A lei da mente é implacável, o que você acredita, torna-se realidade” (Buda). A influência do budismo está mais próxima de nós do que nunca. Desde que voltei ao Brasil, após um tempo servindo nos países budistas na Ásia, tenho recebido perguntas sobre como cristãos brasileiros devem se posicionar diante do budismo, religião que tem crescido no Ocidente e ressurgido no Oriente. Nas livrarias nacionais há livros ensinando mindfulness, meditação e outros princípios budistas para brasileiros. Os escritos de Dalai Lama e mestres budistas estão disponíveis em português. Grandes empresas disputam um lugar na agenda da monja Coen para palestras motivacionais. As universidades abrem cada vez mais espaço para o estudo do budismo. Cristãos percebem esse movimento e ficam confusos: “O budismo é uma filosofia ou uma religião?”, “Os ensinos são parecidos com os nossos?”, “Como falar de Jesus para budistas?”, “Cristãos podem fazer ioga?”. Vivi entre budistas na Ásia e percebi que pouco sabia sobre eles. Onde estava o grupo meditando todos os dias? Aprendendo sobre paz ou amor nos templos? Não foi isso que encontrei. Vi diferentes budistas e budismos: Altares xamânicos feitos por monges, na Mongólia; monges que não podiam falar comigo por eu ser mulher, na Tailândia; imagens de Confúcio e divindades
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daoístas ao lado das de Buda nos templos de Taiwan; e em Mianmar um genocídio de muçulmanos incitados por monges budistas. Ao voltar ao Brasil em 2013, para um tempo de aperfeiçoamento, eu estava cheia de perguntas. Procurei capacitação missionária sobre o assunto, mas nada encontrei. Queria me aprofundar no testemunho de Cristo entre budistas. A convite do Centro de Reflexão Missiológica Martureo e do Seminário Teológico Servo de Cristo, entendemos que era hora de abrir o caminho para que a Igreja Brasileira fosse capacitada sobre missões entre budistas. Após quase duzentos anos de missões protestantes entre budistas, incomodou-nos o tímido crescimento da Igreja de Cristo entre eles, com exceção da Coreia do Sul e China. Parece-me que estamos nos esquecendo de fazer perguntas cruciais: O que é o budismo? Quem são os budistas? Como comunicar uma mensagem ao outro, se nem ao menos sabemos quem ele é ou o que ele pensa? Como resultado, continuamos a falar: “Deus te ama!” em contextos nos quais não existe a crença em Deus nem se deseja o amor. Ronaldo Lidório afirma no livro Comunicação e Cultura: “Esta limitação da compreensão do outro, do modo como ele vê e interpreta o universo que o cerca, não fomenta o respeito cultural, não aproxima as partes nem constrói bons canais de comunicação”. E o pesquisador evangélico tailandês Mejudohon desafiou missionários a mudarem sua atitude e a acharem pontes de contato com a cultura local, estudando o budismo a fim de perceber as expressões populares e o impacto que elas têm no dia a dia dos budistas. O livro Budismo – Uma abordagem cristã sobre o pensamento budista representa essa nova fase da missiologia, no Brasil. Temos pela primeira vez, em português, a oportunidade de estudar o que é o budismo, sua origem, expansão e diversas expressões, apresentadas detalhadamente por um antropólogo inglês que saiu do gabinete acadêmico e foi morar na Ásia entre os budistas. David Burnett faz uma análise histórica do budismo – citando fontes de sites budistas –, valoriza o pensamento do “outro” e faz uma honesta autocrítica às abordagens cristãs. Ao final de cada capítulo, o leitor encontra perguntas que estimulam o diálogo sobre as diferenças entre o budismo e o cristianismo. Faço parte da segunda geração de missionários brasileiros entre budistas. Somos a geração com mais acesso à informação, mas ainda tateando o paradigma pós-colonialista. É com grande expectativa do que o Senhor fará tanto no Brasil, quanto nos países budistas que recomendo a leitura deste livro. Ludmila Gomides Centro de Reflexão Missiológica Martureo
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
OS PROFESSORES sempre aprendem muito com os alunos. As mudanças feitas nesta segunda edição de Budismo são resultado, em grande parte, das perguntas e comentários dos alunos dos quais fui professor nos últimos anos. Eu gostaria de agradecer-lhes por todos os comentários valiosos que fizeram. Esta segunda edição é diferente em vários sentidos. Primeiro, foi incluído um material novo e atualizado. O budismo é uma religião viva que continua a crescer e a se desenvolver. Isso pode ser visto especialmente nas novas expressões do budismo que têm surgido no Ocidente. Muitos livros foram escritos por acadêmicos e praticantes, e procurei incluir algumas das ideias mais recentes, especialmente com relação ao budismo no estado de Gandara, à discussão sobre os protetores do Dharma e aos chamados Sutras de Jesus do cristianismo primitivo na China. Segundo, elaborei o material mais ao estilo de um livro acadêmico, começando cada capítulo com claros objetivos didáticos para examinar e extrair os principais aspectos do capítulo em particular. Há também uma bibliografia, um glossário e um índice ampliados e atualizados. Terceiro, ao final de cada capítulo há um tópico que pode ser usado em discussões inter-religiosas. Seu objetivo não é fazer com que os cristãos simplesmente tenham vantagem sobre os budistas, mas oferecer discussões sérias que permitam tanto a budistas como a cristãos ter uma compreensão maior da verdade.
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Por fim, cada capítulo agora tem uma seção de recursos baseados na internet chamada webwise. Esses recursos oferecem ao leitor detalhes de parte da grande quantidade de materiais atualmente disponíveis na internet. Ao clicar nos links, você poderá ler algumas das escrituras budistas e examinar os sites oficiais de várias escolas budistas para ver como apresentam sua história e ensino.
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) BUDA
O QUE VOCÊ APRENDERÁ NESTE CAPÍTULO: • O contexto histórico na época de Buda • A descrição da vida de Buda • As maneiras pelas quais a história de Buda foi expressa em diferentes tradições budistas
COM DOIS MONGES BUDISTAS, saí da estrada principal e entrei em uma trilha estreita que adentrava na região florestal da parte central do Sri Lanka. Eles me levavam para visitar um ex-professor universitário cingalês que havia renunciado ao seu antigo estilo de vida e se tornado um monge da floresta. No fim da trilha, saímos do carro e começamos a subir os degraus que levavam à caverna. Paredes e uma porta haviam sido construídas para dar certa privacidade, e uma pedra lisa oferecia um lugar para dormir. O venerável monge nos recebeu de modo caloroso e nos convidou a sentar nos pequenos tapetes de junco que cobriam o chão. Ofereceu-nos um suco de fruta, e conversamos entusiasticamente sobre as suas crenças e a prática de meditação. Gentilmente, ele me deu exemplares de livretos que havia escrito sobre o budismo. Quando estávamos para sair, ele disse: “Antes de irem, eu gostaria de passar para vocês o endereço do meu website”. Ao perceber que comecei a olhar para os lados à procura de algum sinal de eletricidade, ele explicou que algumas pessoas de Cingapura que o sustentavam haviam feito o website para ele. Sorrindo para mim, ele disse: “Meu laptop é minha
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caneta e papel, e tenho que confiar no correio tradicional”. O ensino antigo tem se adaptado ao mundo moderno. *** A palavra buda é usada em várias tradições religiosas, na Índia, para descrever os que tiveram uma descoberta transformadora sobre a natureza da realidade. Não se trata de um nome próprio, mas de um título para uma pessoa que alcançou o nível mais alto de consciência. A palavra páli original, budh, significa “despertar”, “entender” ou “perceber”. É inevitável que o estudo da tradição budista comece com a vida da pessoa que passou a ser conhecida como “Buda”. Ninguém questiona a existência real de uma figura tão histórica porque não poderia ter havido tamanha explosão de criatividade religiosa sem um fundador mais dinâmico. Diz Lamotte, estudioso budista: “Não poderíamos explicar o budismo se ele não estivesse baseado em uma personalidade bastante forte para dar-lhe o ímpeto necessário e tê-lo marcado com suas características essenciais que persistirão ao longo de toda a história”.1 O CONTEXTO INDIANO
Buda viveu e ensinou na região da bacia do Ganges, no nordeste da Índia, o qual era habitado por pessoas que falavam uma forma antiga de sânscrito. Essa língua foi levada ao subcontinente indiano por volta de 1500 antes de Cristo, quando o povo nômade da região do norte do Irã migrou para o que hoje conhecemos como Paquistão. Era provável que os dialetos locais fossem mutuamente compreensíveis, permitindo, assim, a comunicação por toda a região. O influxo desses migrantes pôs fim à sofisticada civilização em cidades do vale do Indo, mas iniciou uma nova civilização ariana.2 Os arianos foram se estabelecendo aos poucos no vale arborizado do Ganges e formaram pequenas cidades-Estado reivindicadas por grupos tribais que eram governados por monarcas ou por uma assembleia das principais famílias. Essas cidades tornaram-se sociedades complexas de governantes, homens de negócios, comerciantes, sacerdotes, músicos e prostitutas. Alguns enriqueceram e adotaram um estilo de vida extravagante. Comerciantes viajavam de cidade em cidade com mercadorias e notícias locais. A sociedade estava baseada na agricultura com o crescimento de arroz, painço, trigo, bananas, mangas e tâmaras. A despeito das colonizações, ainda havia vastas áreas florestais com tigres, elefantes e macacos.
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A religião dos arianos baseava-se em um conjunto de hinos e ensinos orais conhecido como Vedas. As pessoas adoravam uma infinidade de deuses conhecidos como devas que eram, essencialmente, divindades da natureza expressando princípios ativos da natureza e da vida humana. O rito central da religião ariana era aquele em que o sacerdote cantava os louvores do deva em particular e oferecia sacrifícios ao colocá-los no fogo sagrado. Os primeiros sacrifícios eram de grãos e leite, porém, mais tarde, foram incluídos sacrifícios animais. O papel dos sacerdotes enquanto enunciavam os versos sacrificiais sagrados, conhecidos como mantras, colocavam-no no topo do que era tido como uma hierarquia social divinamente ordenada. Abaixo dos sacerdotes brâmanes estavam os líderes guerreiros da sociedade (ksatriya), depois os tradicionais criadores de gado e agricultores (vaisya) e, por fim, os servos (sudra). O lugar do indivíduo nesse sistema social era visto como algo determinado pelo nascimento. Mais tarde, a hierarquia social incluiu milhares de grupos sociais inferiores para formar o que se conhece como o sistema de castas. Na época de Buda, os sacerdotes brâmanes dominavam a vida religiosa com seu conhecimento dos antigos hinos védicos e dos rituais complexos. No entanto, para a maioria dos arianos, o bramanismo incluía crenças em espíritos (devas) e aparições, e a prática de adivinhação e magia de proteção. Embora criticasse essas crenças populares, Buda não as condenava. Por essa razão, desde o início até o presente, o budismo coexiste harmoniosamente com crenças populares, como se pode ver em países budistas hoje. A Índia no século 6º antes de Cristo era, no entanto, um país de condições sociais inconstantes, onde as pequenas comunidades baseadas no parentesco estavam sendo levadas a expandir as cidades-Estado. Várias dessas cidades se transformaram em grandes centros de comércio e administração baseados em uma economia monetária. Novas riquezas, para alguns, resultaram em novos problemas sociais para todos. A concentração da população estimulou doenças, e alguns indivíduos decidiram abandonar esses assentamentos para encontrar uma nova base para a vida, em um mundo inseguro. Esses ascetas errantes, conhecidos como sramana, tinham, de certa forma, parentesco com os primeiros filósofos e místicos gregos. Os sramanas rejeitavam a tradição védica e se desvencilhavam de laços familiares para que pudessem pensar, debater e investigar. Do ensino dos mais ortodoxos entre esses sramanas foram compilados os Upanixades. Como resultado das complexas especulações filosóficas dos Upanixades, surgiram três suposições importantes e relacionadas. Essas suposições são importantes para uma compreensão do surgimento do ensinamento de Buda.
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A primeira foi uma suposição monástica na qual um elemento, conhecido como brâman, foi concebido como algo que fundamenta todo o cosmos. Isso contrastava notavelmente com o monoteísmo do Oriente Médio no qual se acreditava que um Deus eterno e autossuficiente havia criado o universo do nada. A segunda suposição dizia que, uma vez que a alma humana (atman) fazia parte do brâman, ela também deve ser eterna. Em contrapartida, a tradição judaico-cristã considera a vida de um único ser como um fenômeno singular, que começa no nascimento e termina na morte. A terceira suposição era a da reencarnação, que oferecia uma explicação da natureza eterna do atman. Na tradição indiana, um determinado ser passa eternamente de uma existência para outra, assumindo diferentes formas a cada vez. Associada a essa ideia estava a noção de que a qualidade do karma, ou “ação”, de uma pessoa determina a natureza de sua futura reencarnação. A consequência era que o principal objetivo na vida era encontrar uma maneira de se libertar desse ciclo eterno de nascimento e morte. Durante esse período da história indiana, parece que muitas pessoas começaram a descobrir o caminho da libertação, e Buda deve ser visto, a princípio, como uma dessas muitas pessoas que buscavam tal caminho. Em torno de notáveis mestres reuniam-se grupos de discípulos. Um dos principais grupos de sramanas, na mesma época de Buda, era o dos jainistas chamados, em textos budistas, de nigantha. O movimento foi fundado por Vardhamana, o Mahavira, ou “Grande Herói”. Ele ensinava que todas as coisas, mesmo as pedras, estavam vivas e tinham um princípio de vida (jiva). O objetivo do jainismo era libertar o jiva do ciclo de renascimentos ao libertá-lo de sua escravidão do karma. Alcançava-se isso quando se esgotavam os resultados do karma anterior por meio de severas austeridades, tais como autonegação, jejum e não se lavar. Para evitar que um novo karma fosse criado, defendia-se a abdicação total de violência (ainsa) contra qualquer forma de vida, ao ponto de evitar a morte de um inseto. Embora o ensinamento de Buda tenha muito em comum com o dos jainistas, ele se opôs ao ascetismo deles como algo muito extremo e propôs um “Caminho do Meio”. Buda viveu em um tempo de mudança social, e, como comenta Karen Armstrong, isso torna sua vida e mensagem significativas para muitos hoje. A história de Gautama [Buda] tem particular relevância para nosso próprio período. Nós também vivemos em um período de transição e mudança, como aconteceu na Índia do Norte durante os séculos 6º e 5º Antes da Era Comum. Como o povo da Índia do Norte, estamos percebendo que os meios tradicionais para conhecer o sagrado e descobrir um sentido maior em nossa
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vida são difíceis ou impossíveis. Consequentemente, um vazio tem sido uma parte essencial da experiência moderna.3
A VIDA DO BUDA SAKYAMUNI
A história completa da vida de Buda levou alguns séculos para se desenvolver, e os estudiosos discutiram muito a questão da época em que uma narrativa contínua foi composta pela primeira vez. A maioria dos estudiosos segue Lamotte ao sugerir três fases.4 Primeiro, foram encontrados fragmentos biográficos em textos canônicos que apresentavam episódios da vida de Buda. Segundo, havia relatos mais completos escritos em sânscrito ou páli, tais como os “Atos de Buda” (Buddhacarita). Por fim, há muitas biografias recentes compostas em várias partes da Ásia na língua local. Algumas dessas biografias são simples narrativas, mas são, em sua maioria, versões enfeitadas que mostram expressões locais particulares. Desses relatos pode-se extrair uma versão básica da vida do homem que passou a ser conhecido como Buda. A sociedade indiana não estava preocupada com o registro de datas exatas como estavam as sociedades greco-romana e chinesa. As datas dos eventos na vida de Buda estão, portanto, sujeitas a certa especulação. A escola theravada do budismo aceita a data do nascimento de Buda como sendo 624 antes de Cristo. A maioria dos estudiosos ocidentais trabalha a partir do rei Asoka que, de acordo com fontes helenísticas, ascendeu ao trono de Mágada em 268 antes de Cristo. Escritos budistas afirmam que Buda morreu 218 ou 100 anos antes da consagração de Asoka. Uma vez que todas as fontes concordam que ele morreu aos 80 anos de idade, ele teria vivido em 566–486 antes de Cristo ou 448–368 antes de Cristo. No passado, os estudiosos ocidentais aceitaram a primeira data, mas hoje alguns não julgam suficiente a evidência para ela e, por isso, preferem a segunda. Portanto, ainda resta certa incerteza sobre a data exata do nascimento de Buda. Hoje, a maioria dos estudiosos ainda não sabe ao certo, mas afirmaria que a data da morte de Buda está muito mais próxima de 400 antes de Cristo do que de 500 antes de Cristo.5 Diz-se que ele teve como pai um nobre guerreiro chamado Sudodana, e sua mãe se chamava Maia.6 Eles eram membros de um povo altivo e independente chamado sakyas que, ao que tudo indica, já estava ligado economicamente aos estados maiores da bacia do Ganges (veja figura 1.1). Alguns relatos falam de seu pai como sendo o rei, mas se sabe agora que os sakyas eram governados por um concílio de anciãos. Talvez o pai de Buda fosse membro desse concílio de governantes e provavelmente fosse da classe xátria.
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Locais de peregrinação
AS MONTANHAS DO HIMALAIA
N
1 Nascimento 2 Iluminação 3 Primeiro sermão
1-Lumbini
4 Parinirvana
4-Cussínara Vesali
3-Isipatana KOSALAS
Pataliputra
MÁGADAS
Rajgir
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2-Buddhgaya
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Delta e mar territórios aproximados de Bimbisara, de Mágada (século 6º a.C.). territórios aproximados de Pasenadi, de Kosala (século 6º a.C.). extensão aproximada de Mágada no século 5º antes de Cristo.
Figura 1.1 Mapa da bacia do Ganges na época de Buda
Os primeiros anos de vida de Buda
A história contada por budistas normalmente começa com o sonho da mãe de Buda em que um grande elefante branco com seis presas entra em seu ventre. Isso normalmente é considerado um símbolo auspicioso de soberania. O local tradicional do nascimento de Buda é a aldeia (ou parque) de Lumbini, hoje dentro das fronteiras do sul do Nepal. Os comentários em páli explicam que sua mãe queria que a criança fosse concebida na casa de sua família, mas ela nasceu em Lumbini, no meio do caminho entre as duas cidades. Cinco dias após seu nascimento, um velho astrólogo brâmane chamado Asita veio à casa deles. Asita notou no corpo do bebê as 32 marcas físicas características de um futuro buda.7 Na sola dos pés havia rodas, e os dedos de seus pés e mãos eram ligados por tecidos. Asita previu que duas grandes carreiras se abriam para ele. Ele se tornaria um monarca universal ou o supremo Buda do mundo. Para isso, ele deveria começar a pensar no sofrimento e na causa dele. Seu pai, portanto, procurou protegê-lo de todas as realidades duras da vida. Sua mãe morreu logo depois de seu nascimento, e o pai tomou as duas irmãs dela como esposas. O menino recebeu o nome pessoal de Sidarta (páli: Siddhartha, que significa “meta alcançada” ou “desejo concedido”) do clã Gautama (páli: Gotama). Foi criado por sua tia materna, Mahaprajapati
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Gotami, educado segundo a ética e tradições da tribo e instruído na doutrina bramânica. Não há evidência de que soubesse ler ou escrever, mas, como era comum na época, provavelmente memorizou grande parte do ensinamento. Aos 16 anos, Gautama se casou com uma bela princesa de um clã vizinho chamada Yasodhara. Diz a lenda que Yasodhara era a mais bela das mulheres, que vestia os melhores tecidos. O pai de Gautama construiu para eles três palácios – um para a estação chuvosa, outro para o inverno e o terceiro para o calor do verão. Cada palácio estava repleto de todo tipo de divertimento para os cinco sentidos, de acordo com a estação do ano. Yasodhara, por fim, deu ao marido um filho, a quem chamou Radula (que significa “impedimento”), um nome que sugere a insatisfação cada vez maior de Gautama. Então, um dia, quando tinha 29 anos, ele saiu para passear pelo parque com o cocheiro. No caminho, Gautama, de repente, observou um velho de cabelo grisalho cujas costas estavam bem curvadas para frente. Uma vez que só havia visto jovens saudáveis, Gautama ficou horrorizado com a visão. Perguntou ao cocheiro qual era o problema do homem, e ele lhe disse que isso era a velhice. A cena deixou o jovem príncipe pensativo e pesaroso. No outro dia, Gautama saiu novamente com seu cocheiro e teve a chamada “segunda visão”, que foi a de um homem desesperadamente doente. Pela primeira vez, Gautama percebeu que o sofrimento físico acomete a vida humana como um todo. Mais tarde, o príncipe se deparou com a “terceira visão”, quando, de acordo com a lenda, viu um grupo de pessoas erguendo uma pira funerária. Dessa vez, ele descobriu que todos os seres humanos estão sujeitos à morte. Essas três visões deixaram Gautama triste e deprimido. Seu pai tentou animá-lo com prazeres maiores, mas Gautama sofreu uma mudança radical. A “quarta visão” mostrou a Gautama uma maneira de sair de sua aflição. Enquanto ele e o cocheiro passeavam pelo parque, um mendigo de cabeça raspada, usando uma túnica amarela, apareceu diante dele. As histórias budistas muitas vezes descrevem com detalhes carinhosos a luta solitária que o príncipe travou para tomar a decisão de renunciar a todos os luxos da vida no palácio. Seu pai ordenou que houvesse divertimentos mais sensuais para satisfazer todos os desejos do filho, mas as necessidades de Gautama não podiam ser supridas. Por fim, uma noite, Gautama silenciosamente olhou para a esposa e o filho que dormiam ao seu lado e se despediu deles em silêncio. Saiu do palácio e foi para o parque. Ali cortou o cabelo e a barba, trocou suas vestes reais pelas de um mendigo e começou sua jornada para encontrar o sentido da vida.
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A busca da iluminação
A grande lenda de Buda conta como ele viajou da terra de Sakya para Rajgir, a capital do reino vizinho de Mágada que se estendia pelo vale do Ganges (veja figura 1.2). Gautama viajava de um lugar para outro à procura de um guia espiritual. As escrituras budistas citam dois mestres: Alara Kalama e Uddaka Ramaputta. Com o primeiro, ele aprendeu a alcançar os níveis avançados de meditação. Quando aprendeu tudo o que pôde com esse guru, viajou para se encontrar com o outro, mas não conseguiu encontrar a libertação completa que procurava. Convenceu-se de que a verdadeira iluminação não seria encontrada dentro do bramanismo. Como resultado dessa busca, também recebeu o título de Sakyamuni (páli: Sakyamuni, que significa “sábio dos shakyas”). Gautama, portanto, voltou-se para o extremo ascetismo corporal defendido por alguns gurus, como se via entre os jainistas. De acordo com os textos em páli, passou seis anos como asceta, praticando graus cada vez mais elevados de austeridades. Sentava-se em uma cama de espinhos, recusava-se a lavar o corpo e reduziu sua dieta a apenas um ou dois grãos de feijão por dia. Seu corpo ficou tão magro que os braços e as pernas pareciam varas. É possível que alguns adeptos sofram alucinações causadas por tais privações. No entanto, Gautama não encontrou a resposta para sua busca espiritual, e, quando quase morreu de exaustão, convenceu-se de que o ascetismo não era o caminho. Portanto, começou a se alimentar novamente. Descontentes, cinco ascetas que haviam se reunido em torno dele na esperança de compartilhar sua iluminação abandonaram-no. Uma vez que a força lhe foi restaurada, Gautama recomeçou sua busca. Sentado debaixo de uma grande figueira, que mais tarde passou a ser chamada de árvore bodhi (que significa “iluminação”), resolveu não se mover até que atingisse a iluminação suprema. Veio a noite! Ele entrou em um processo de meditação que o fez passar pelos vários níveis de contemplação. Os vários relatos daquela noite falam sobre muitas experiências significativas, incluindo a grande tentação de Mara, o maligno. Mara enviou suas três filhas, Descontentamento, Deleite e Desejo, para seduzir o futuro Buda. Em uma tentação, Mara veio como a morte para atacá-lo com uma grande tormenta, mas o sábio permaneceu imóvel. Finalmente, Gautama se deu conta da suprema verdade. Nesse estado de liberdade veio à tona a consciência de que o renascimento havia sido destruído e a vida mais elevada, alcançada. Quando amanheceu, um supremo Buda estava sentado debaixo da árvore. A partir desse momento,
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o título “o Buda” pode perfeitamente ser usado para se referir a Gautama. A maioria dos budistas acredita que o despertar ocorreu em uma única noite da lua cheia do mês lunar de Vesakha (abril – maio).
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Informação geográfica extraída de GM © 1994 Global Mapping Int’l Informação de língua extraída Language Mapping System © 1994 GMI and SIL
Figura 1.2 Mapa do subcontinente indiano por volta do século 5º antes de Cristo
O poema intitulado Dhammapada, que faz parte do cânone páli, consiste em versos que são, por tradição, considerados uma descrição dos sentimentos de Buda no momento da iluminação. Eu conquistei tudo; tudo conheço, e minha vida é pura. Abandonei tudo, e estou livre do desejo. Eu mesmo encontrei o caminho. A quem devo chamar de mestre? (Dhammapada verso 353)
Este verso expressa a posição especial de Buda, que encontrou a verdade por si mesmo sem confiar em nenhum guru. As quatro semanas seguintes foram passadas na região, em profunda meditação sobre as verdades que ele havia descoberto. De acordo com as lendas, ele decidiu que seria inútil anunciar as grandes verdades às pessoas
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BUDISMO
mergulhadas na ignorância. Entretanto, diz-se que um deus interveio e suplicou a Buda em favor dessas criaturas que tinham “apenas um pequeno cisco nos olhos” e que responderiam com gratidão à mensagem de Buda. Dizem que a essa súplica Buda, por compaixão de todas as criaturas, respondeu que proclamaria o grande ensinamento. Assim começou a missão de Buda. Buda decidiu, primeiro, procurar os cinco ascetas que o haviam abandonado e pregar para eles. Assim, começou pelo Parque dos Cervos, próximo à antiga cidade de Benares, a mais de 160 quilômetros de distância, onde viviam os ascetas. Eles ainda o consideravam um desastre no caminho dos ascetas e concordavam entre si que não lhe cumprimentariam com a reverência habitual. No entanto, quando ele chegou, seu comportamento foi tão imponente que eles, involuntariamente, se levantaram e prestaram-lhe a reverência devida a um mestre. Não se convenceram prontamente da iluminação de Buda, mas, um a um, perceberam a importância de seu ensinamento e receberam dele a ordenação. De acordo com registros antigos, foi a esses discípulos que Buda pregou seu primeiro sermão, o Dharmacakrapravartana Sutta, ou “Discurso que põe em movimento a roda do Dharma”. Acredita-se que consistia em uma breve declaração sobre o Caminho do Meio, as Quatro Nobres Verdades e Os Oito Caminhos Nobres. Outras conversões aconteceram, incluindo a de Yasa, um jovem rico de Benares; logo depois, 54 de seus amigos seguiram seu exemplo. Havia, então, sessenta seres iluminados no mundo, além do próprio Buda. Esses discípulos eram o centro do novo movimento e foram eles que espalharam o ensino por toda a região do vale do Ganges. A vida errante
A partir desse momento é difícil deixar mais clara a cronologia da vida de Buda. Diz-se que ele, a princípio, foi pregar na região de Uruvela, onde consta que converteu mil ascetas que adoravam o fogo. Foram contadas muitas histórias desse período, mas a maioria concordaria que houve certa tolerância com exageros. A conversão de grupos de outras seitas parece ter sido uma característica especial dos primeiros anos de seu ministério que quase desapareceu mais tarde. O ministério de ensino de Buda estendeu-se por 45 anos, do primeiro sermão no Parque dos Cervos, quando ele tinha 35 anos, à sua morte, aos 80 anos. Durante esse tempo, o conteúdo de seu ensinamento permaneceu