O que você quer?

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O que

você

quer?



Jen Pollock Michel

O que

você

quer?

Desejo, ambição e fé cristã

Tradução

Valéria Lamim Delgado Fernandes


O que você quer? Categoria: Espiritualidade / Ética / Vida cristã

Copyright © 2014 Jen Pollock Michel Publicado originalmente por Inter-Varsity Press, Downers Grove, IL, Estados Unidos Título original em inglês: Teach Us to Want Primeira edição: Julho de 2016 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes Revisão: Claudete Agua de Melo Diagramação: Bruno Menezes Capa: Douglas Lucas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Michel, Jen Pollock, 1974- . O que você quer? : desejo, ambição e fé cristã / Jen Pollock Michel ; tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes. — Viçosa, MG : Ultimato, 2016. Título original: Teach us to want Bibliografia. ISBN 978-85-7779-150-7 1. Desejo - Aspectos religiosos - Cristianismo 2. Desejo de Deus 3. Emoções - Aspectos religiosos Cristianismo I. Título.

16-04141 Índices para catálogo sistemático: 1. Seres humanos : Desejos : Aspectos religiosos : Cristianismo

CDD-233.5 233.5

Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br


Para meu pai, Michael Kent Pollock (1944–1993) “Ultimamente não tenho tido tempo para me sentar e escrever”, começa sua carta. Eu tenho tido, pai. Graças a você.



Há duas tragédias na vida: Uma é perder o que seu coração deseja, a outra é consegui-lo. — George Bernard Shaw, Homem e Super-Homem

Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento [...] Mas quem está capacitado para tanto? — 2 Coríntios 2.14, 16



Sumário

Prefácio

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1. Medo de querer

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Medo

2. Abrindo o coração

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Coragem

3. O precipício da esperança

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Graça

4. O projeto do reino

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Boa notícia

5. Sonhando com doces

93

A Escritura

6. A questão do santo

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Oração

7. Pão com manteiga Petição

8. Se a carapuça servir

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Confissão

9. Seja o meu próximo

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Comunidade

10. Sapatinhos vermelhos

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Compromisso

Agradecimentos

207

Guia para discussão

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Notas

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Prefácio

De todos os temas que uma escritora cristã poderia abordar numa terra

de fartura poderíamos pensar que a última coisa que o público dela precisa é de um livro que promova o desejo. As manchetes escandalosas de hoje – sobre escândalos sexuais de primeiros-ministros, esquemas de corrupção na política ou os efeitos mais comuns do materialismo e da gula – sugerem que o que nossa sociedade mais precisa é de autocontrole, e não de permissão para dar ouvidos aos nossos anseios. Tão logo os seres humanos propensos ao pecado pronunciem as palavras “eu quero”, parece que abrimos uma porta pela qual passam apenas danos pessoais e sociais. Mas e se as palavras “eu quero” saírem da nossa boca com a mesma facilidade com que respiramos? E se, apesar de todas as maneiras pelas quais o desejo tem sido pervertido e corroído ao longo da história humana, Deus realmente nos fez para senti-lo? Nos círculos teológicos, o desejo vem desfrutando de certo renascimento. Com seu livro publicado em 2009, Desiring the Kingdom – Worship, worldview, and cultural formation [Desejando o reino – Adoração, visão de


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mundo e formação cultural], o filósofo James K. A. Smith desafiou uma cultura cristã que apresenta o discipulado como uma questão deprimente que consiste em ter pensamentos corretos e agir de acordo com eles. Pelo contrário, diz Smith, os seres humanos são “agentes do desejo”, guiados na vida não pelo que acreditamos, mas pelo que amamos. Então, a questão de seguir a Cristo tem a ver com reorientar nossos amores e desejos na direção do seu reino. Não precisamos apenas nos convencer de Cristo. Precisamos ser cativados por ele. Tudo de acordo, e certamente alinhado com o teólogo mais fundamental do pensamento ocidental, Agostinho de Hipona. Suas Confissões começam com a declaração de um retumbante desejo santo: “Tu nos fizeste para ti, ó Senhor, e nosso espírito estará inquieto enquanto não descansar em ti”. C. S. Lewis chegou a ponto de dizer (no seu ensaio Peso de Glória) que, mais precisamente, nossos desejos não são fortes demais, mas fracos demais, e que o que Deus realmente quer nos dar é alegria infinita, um “dia de férias no mar”, seu próprio ser. Sério? Deus quer nos dar alegria? Deus deseja satisfazer os aspectos mais profundos e elementares da nossa alma sedenta? Quando os pecados e sofrimentos da nossa vida nos fazem sentir dor e desânimo, como nos enchermos de coragem para acreditar nisso? Com este livro que está diante de você, Jen Pollock Michel propõe uma teologia prática do desejo, uma análise ricamente narrativa do anseio. De maneira corajosa, ela registra momentos da sua vida e da vida de outras mulheres em que as palavras “eu quero” parecem algo perigoso de ser dito diante de Deus. E ela cultiva leitores na rica tradição da Oração do Senhor, que nos permite dar nome aos nossos desejos e deixar que eles sejam reorientados pelo amor e santidade de Cristo. Apenas de modo providencial é oportuno que eu esteja escrevendo o prefácio deste livro. A primeira vez que Jen e eu nos encontramos pessoalmente foi no verão de 2012, quando ela estava visitando a família num bairro residencial de Chicago. Jen estava escrevendo para um site na Internet que eu estava editando, e, na época, o desejo era um tema recente em meu coração e minha mente. Em algumas horas durante o café da manhã, detalhei como um sonho pessoal recente havia passado despercebido e me deixado arrasada. Por engano, imaginei que uma


PREFÁCIO

escritora bonita e competente, criando cinco filhos que falam francês, não saberia dessas coisas. Acontece que viver neste mundo significa saber que há desejos frustrados. Se você está lendo este livro, é provável que saiba disso também. Talvez você deseje algo cujo nome tem medo de dizer porque isso pode levá-lo a sentir-se mais decepcionado. Talvez você não possa dar nome ao seu desejo porque ele parece egoísta. (As mulheres cristãs, em particular, podem ser vítimas da crença de que perguntar “O que eu quero?” seja negligenciar as responsabilidades sagradas da família e do ministério.) Talvez você nunca tenha pensado que Deus intencionou que seus seguidores tivessem desejos, ou que ele deseja você. Em meio a esses medos e hesitações, caro leitor, espero que com o livro O Que Você Quer? Jen tenha sido para você um exemplo da coragem que se deve ter para dar nome aos próprios desejos e para expressá-los. Para permitir que Deus molde esses desejos e volte a jogá-los nas chamas de seu amor e bons propósitos para você. Para saber que muitos outros andam no vale entre o que se deseja e o que se concretiza. Para dizer, com Cristo: “Seja feita a tua vontade” com confiança, convicção e, por fim, com alegria. Katelyn Beaty Editora geral, Christianity Today

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1. Medo de querer Medo

Era a voz de Deus que eu estava ouvindo. Ele, que tinha dado nome à luz

e ao céu, ao sol e à lua, ao homem e à mulher, o mesmo Deus de Abraão, Isaque e Jacó, sussurrou meu nome num dia quente de julho enquanto eu contemplava um lago no norte de Ohio. Jen. Eu tinha 16 anos... E Deus está tão perto quanto esta história. A história de uma pródiga Há mais de vinte anos Deus disse meu nome, e presumi ter reconhecido sua voz. Ele me fez três perguntas, das quais me lembro como curiosidades insistentes movendo-se como ondas e quebrando suavemente na minha vida pródiga. Pensando que estranho era ser questionada por Deus, eu descobriria mais tarde que é assim que ele age. Ele vem ao nosso encontro e nos desmascara com perguntas.


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Aonde você vai? O que você quer? Você seguirá? O tipo de libertinagem que, para a maioria, exige a melhor parte de uma década ou, pelo menos, uma experiência universitária de quatro anos, eu alcancei entre os 14 e 16 anos de idade. Mais de uma vez fui parar bêbada em lugares estranhos e braços desconhecidos. Mais de uma vez passei tropeçando pela porta da frente, bem depois do horário estipulado para voltar para casa, e me deparei com a cara fechada do meu pai. Jovem demais para comprar cigarros, eu tinha desculpas gratuitas. Aonde você vai? Cresci num banco de igreja. Quando era Jovem demais para menina, eu ficava imaginando quando minhas comprar cigarros, pernas, balançando no ar, esticariam o suficiente eu tinha desculpas para tocar o chão. Eu tinha 6 anos quando aprendi gratuitas a cantar com o hinário, 7 quando me ajoelhei com minha mãe ao lado da minha cama e oramos a Jesus pedindo para que ele fosse meu Salvador. Aquelas palavras foram ditas com seriedade. Anos depois fui batizada. Porém, aos 13 anos, quando nossa família se mudou para outro estado, deixei de lado os sermões e os hinos, os bancos de igreja e os papéis amassados da escola dominical – assim como uma menina que ultrapassa a idade de usar sapatos com lacinhos. O que você quer? Planejei meu regresso como pródiga para muito mais tarde – aos 30 talvez, quando a soma total das obrigações da vida adulta me submeteria às condições de uma vida santa. Recebi o arrependimento com alegria, como se fosse um navio no horizonte do futuro, e acreditei que poderia soberanamente determinar quando ele ancoraria. Mas o regresso da pródiga veio mais cedo do que o previsto – aos 16 anos num acampamento de verão. Parece um grande clichê, mas não acredito que algum de nós decide quando será nosso momento de ir a Jesus. Não planejamos nossas conversões na estrada para Damasco. Você seguirá? Sim.


Medo de querer

Eu disse sim a Jesus – fui salva, se você preferir – pelos bons padrões batistas, imaginando, claro, que aquela oração que eu havia feito ao lado da cabeceira da minha cama não tinha adiantado. Foi uma conversão bem impressionante de acordo com os padrões do ensino médio, especialmente quando deixei de dormir com meu namorado. Meus amigos logo começaram a me chamar de “Santarrona”, e eu mesma fiquei espantada com as mudanças que aconteceram no meu interior. Jesus estava palpavelmente próximo, e a oração era honesta e real. Essas eram as novas realidades que me consolavam. Ainda assim, eu não conseguia me livrar de um medo que me sufocava. Eu deixaria isso para lá e cairia longe do resgate da graça. Os pesadelos começaram. Se as feras da tentação podiam ser domadas à luz do dia (meu namorado e eu conseguimos namorar mais um ano sem mais intimidade Não planejamos nossas do que um beijo), era à noite que elas perseconversões na estrada guiam meu subconsciente, enquanto cenas para Damasco escabrosas se passavam atrás dos meus olhos. O inferno estava assustado comigo. E sem querer arriscar minhas chances de recaída, aprendi rapidamente a fazer o que fosse preciso para impedir que Jesus, meu Príncipe Encantado, desaparecesse. Promessas. Fiz promessas no sentido de silenciar qualquer coisa que estivesse fora dos limites das categorias que cuidadosamente defini como o que é bom, bem como de desconfiar de tudo que eu achava que não era. Tirei do meu vocabulário a linguagem do desejo. Em primeiro lugar ela era, é claro, o que eu tinha para culpar por todos os problemas em que tinha me metido. Vai-te para um convento.

Desventura missionária Na faculdade, cinco de nós viajamos em grupo numa missão de oito semanas para o extremo sul do Saara, onde a estrada, literalmente, terminava. Não estávamos muito longe da lendária Timbuktu, uma cidade que todos sabíamos significar o fim da civilização. Na casa de blocos de concreto onde passaríamos o verão, os dias eram engolidos pelo

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calor do sol africano e pelo trabalho sem-fim de buscar água. Ficamos hospedados na casa de um médico africano e sua esposa, ambos ganenses bem instruídos. Eles haviam renunciado à carreira, deixando para trás até mesmo os filhos pequenos para assumirem sua obra missionária na área médica em Mali. Eram heróis. Todas as manhãs, nós nos reuníamos no quintal. Sentados em bancos de madeira, à sombra de uma cobertura de palha, nos amontoávamos em torno do médico missionário, que ajeitava os óculos no nariz e abria a Bíblia. Todas as manhãs, dia após dia, ouvíamos a Bíblia sendo pregada de uma forma ou de outra: Sofro por amor a Jesus. Assimilávamos aquelas palavras de modo tão profundo na nossa psique que, uma noite, quando eu estava acordada na cama ao lado da minha companheira de equipe, agitada em seu sono, eu a ouvi murmurar no ar úmido da noite: “Sofro por amor a Jesus, sofro por amor a Jesus”. Eu estava começando a acreditar piamente que a única maneira de discernir o que Deus queria que eu fizesse era, em todo caso, encontrar o caminho que parecia menos desejável e mais difícil. Lá e somente lá eu poderia ter a certeza de que encontraria a vontade de Deus. A entrega sempre seria difícil; a obediência sempre pareceria exaustiva. Não foi Jesus quem disse claramente aos seus discípulos: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23)? Era fácil concluir que o desejo era um impedimento para a fé, um desvio de santidade. A armadilha do interesse pessoal. Cenas improvisadas Ainda não são seis horas, e estou conferindo minhas listas, lembrando o que não posso me esquecer de fazer, imaginando como vou fazer tudo. Acrescento maionese à lista do supermercado que tenho na cabeça e sinto no pescoço o sopro forte e quente da vida. Sou a mãe de cinco crianças que passou os últimos doze anos enfrentando a vida com uma boa dose de coragem e eficiência, construindo para mim mesma a reputação impenetrável de realizar coisas. Cinco bebês, apoio para o marido na faculdade, uma curta temporada de ensino domiciliar, tudo ao mesmo tempo em que me apego desenfreadamente ao desejo de escrever: as responsabilidades amontoam-se como pilhas de roupa suja e pesam sobre meu peito enquanto o sol dorme.


Medo de querer

São todos seus? Depois que os gêmeos se somaram à nossa família há seis anos, estranhos começaram a nos parar para fazer essa pergunta. Mesmo agora, eles contam o desfile irregular de crianças: um, dois, três, quatro, CINCO? Seus olhos arregalam-se. Quantos anos você tem? Sem a devida apresentação, esses estranhos ficam me examinando, como se eu tivesse dado a eles 2 dólares numa feira para adivinharem minha idade. Começo a apontar para os meus cabelos brancos e a dar tapinhas nas partes flácidas do meu corpo, assegurando-lhes que, na verdade, tenho quase 40 anos. Foi planejado? Essa é outra história, uma que normalmente não conto enquanto estou na fila para pagar minhas compras. Somos a família que doou o berço, a cadeirinha para bebê do carro e todos os nossos talheres para crianças. Com entusiasmo, estamos tirando da nossa casa as últimas coisas que restam da primeira infância. Nossos três filhos pequenos, de 6, 4 e 3 anos, estão cumprindo suas etapas: o caçula está aprendendo a usar o vaso sanitário, o mais velho acabou de sair do jardim de infância. Nesse verão, fizemos nossa primeira viagem em família à Disney World. Planejo voltar para a faculdade no outono. Mas a fadiga e as náuseas que restaram da Disney persistem nas semanas após nosso retorno. Eu deveria ter suspeitado de algo além do calor insuportável da Flórida quando comecei a recusar minha xícara ritual de café pelas manhãs. Eu poderia ter me perguntado por que, na Disney, todas as tardes eu rotineiramente desmoronava na cama com as crianças no nosso quarto do hotel, dormindo com elas até quase a hora do jantar. Em julho descubro que estou grávida. E recebo a notícia sem comemorações, sem gritos de alegria, sem os gritos eufóricos de felicitação. Fico chateada e em silêncio. Durante várias semanas, passo por minha Bíblia pela manhã e, em vez dela, acabo pegando o jornal. Não consigo orar. Não estou agradecida. Desdenho o fato de ter sido tratada como uma ficha num tabuleiro de Banco Imobiliário. Não passe adiante. Não junte 200 dólares. Como admitir – para qualquer pessoa – a esmagadora decepção que essa gravidez é para mim? Como conciliar a depressão inerte que sinto

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com o que sei que é, essencialmente, verdadeiro sobre filhos: que eles são uma bênção? Fico lastimando a rapidez com que meu corpo começa a mudar. – Deve ter dois aí dentro! –, digo para meu marido na sétima ou oitava semana, observando com espanto e horror enquanto minha barriga estica quase de imediato após a notícia surpreendente de que estou grávida. – Deve ter dois aí dentro – digo para ao meu médico na primeira consulta, mas ele, de modo paternal, dá tapinhas no meu braço, dando-me a notícia meio óbvia de que este é meu quarto bebê. – Você vai ficar maior mais cedo – assegura ele, embora não antes de concordar em agendar um ultrassom para acalmar meus nervos em pânico. No dia do exame, deixo meus filhos na casa de uma amiga e chego ao hospital irritadiça e com a bexiga cheia. Finalmente, sou chamada para ir a uma sala escura, e, uma vez lá dentro, obedientemente me ajeito sobre a mesa. (Já havia feito isso antes.) Assim que as primeiras imagens são captadas, a técnica abre um sorriso largo. – Esse é seu primeiro ultrassom? – pergunta, com a imagem na tela visível somente para ela. – Uh-huh – murmuro sem entusiasmo. – Você tem outros filhos? – Três, na verdade. Acontece que o exame rápido e rotineiro que eu tinha imaginado não foi nem rápido nem rotineiro. A técnica continua lentamente o que está fazendo, como se fosse uma criança distraída por borboletas e um monte de formigas. Ela tira medidas lenta e meticulosamente, movendo o aparelho para frente e para trás, passeando pelo meu abdômen esticado e parando de vez em quando para aplicar pressão, o que inevitavelmente aumenta meu desconforto e necessidade de urinar. Seu exame minucioso não é nem um pouco apreciado. Ela não para de sorrir nem por um instante. Fico curiosa, observando. Ela também compartilha das alegrias secretas da criação embrionária? Ela atravessou a superfície do comum para encontrar uma mina escondida de milagres? De maneira solidária, quero entender que uma maravilha não pode ser apressada, mas sou tomada pela desconfiança de que ela está, desnecessariamente, medindo não apenas o bebê, mas todos os meus órgãos internos. Depressa, grito em silêncio.


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– Só mais uns minutinhos – me tranquiliza. – E já você vai poder ver seus bebês. Bebês? Já... bebês. Já... bebê? Não planejamos ter cinco filhos. Na verdade, houve muitos momentos pecaminosos desses últimos doze anos em que desejei uma vida mais tranquila, na qual eu seria estudiosa e minha casa ficaria em ordem depois do café da manhã. Meu amadurecimento como mãe nem sempre foi fácil e tranquilo como a transição suave que muitas das minhas amigas pareciam ter tido. É também verdade que o livro que li e mais apreciei na infância foi um pequeno livro dourado intitulado My Little Mommy [Minha mãezinha]. A garota de cabelos dourados dá café da manhã para suas bonecas, limpa as marcas das mãos nos batentes da porta e organiza chás no quintal. Seu marido chama-se Bobby e vai todas as manhãs para o trabalho dirigindo um carro azul brilhante. Li esse livro milhares de vezes, imaginando ser aquela garota de cabelos dourados que colocava seus bebês na cama todas as noites. Esta é a minha casa, e eu sou a mamãe. Minhas filhas são Annabelle, Betsy e Bonnie. Prazeres com o jogo de palavras Com exceção do meu rápido flerte com a arqueologia, eu sempre quis ser escritora. Quando pequena, eu me deixava envolver por perguntas e me apegava às palavras, devendo meu caso de amor com as palavras primeiro ao meu pai, o poeta, dramaturgo e professor que me ensinou a amar a diversão que há no jogo de palavras. Para ele, diversão era compor discursos improvisados com palavras que pedia aos filhos. – Diga uma palavra, qualquer uma. Eu vou falar sobre ela por dois minutos. Um dia, depois de pensar muito, o que eu normalmente não fazia, procurei uma palavra para desafiar meu pai. – Manteiga. Quem imaginaria que dois minutos seriam tão facilmente preenchidos com as qualidades essenciais da manteiga? Amante das palavras, eu sempre apreciei os livros. Os livros têm sido meus companheiros durante toda a vida. Quando criança, todo livro que

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eu lia, era como se eu o tivesse intencionalmente escolhido para ser meu companheiro. Os livros sempre foram minha certeza, e as palavras, a maneira instintiva pela qual eu decifrava o mundo. Eles são as ferramentas que levo para meus mistérios, como se, por meio deles, eu pudesse esculpir quem sou e onde me encontro neste imenso mundo. Quero escrever. Também sou um ponto fixo na minha esfera giratória de domesticidade. Tenho almoços para empacotar, jantares para planejar, meias para separar. Tenho obrigações na carona compartilhada e lições de clarinete. Minhas responsabilidades urgentes como esposa e mãe não serão ignoradas. Nem, no entanto, a petulância de escrever será eternamente adiada. Como Madeleine L’Engle, que reflete em Circle of Quiet [Círculo do silêncio] sobre o inevitável cabo de guerra entre sua vida artística e a doméstica, eu me sinto fragmentada entre duas vidas, dividida por uma autocrítica involuntária quando quero, e até mesmo preciso, criar um espaço para o trabalho silencioso de ler e escrever. “Tive espasmos de culpa por passar tanto tempo escrevendo” – escreve L’Engle –, “por não ser uma boa dona de casa e mãe da Nova Inglaterra. Quando eu esfregava o chão da cozinha, a família aplaudia. Não conseguia fazer uma massa de torta decente. Sempre conseguia misturar algo vermelho às peças de roupa branca na máquina de lavar, por isso todos usavam roupas íntimas manchadas de rosa.”1 Um ano atrás nossa família havia alugado um apartamento em Montreal durante o mês de julho para praticarmos nosso francês. Eu também havia inscrito as crianças num acampamento diurno durante as duas primeiras semanas da nossa estadia lá a fim de ter um tempo intensivo para trabalhar neste livro, que, na época, só existia na forma de uma proposta. Todos os dias, depois de deixar as crianças lá (o caçula soluçando sem parar), eu chegava cedo ao Blanc de Blanc, a lavanderia-café do bairro. Escrevia durante horas, interrompendo o foco concentrado apenas para pedir o almoço: “Pizza à la sauce Provençale avec oignons et épinards” (pizza ao molho provençal com cebolas e espinafre). Ao fim de duas semanas, eu estava com a maior parte da proposta do livro concluída e isso deu-me uma sensação extraordinária de realização – silenciada, no entanto, todas as vezes que minha mãe ligava para perguntar se as crianças estavam gostando da “creche”.


Medo de querer

Hesitações sagradas Uma mãe com o desejo de escrever, sou atormentada pela insegurança. Esse trabalho que faço é uma carreira? É um passatempo? É um chamado? Sou levada a definir o que estou fazendo na tentativa de classificá-lo, rotulá-lo, localizá-lo no mapa das coisas boas e más, altruístas e egoístas. Mas percebi que meus esforços satisfazem e desafiam essa teologia do desejo à qual estou presa desde meus primeiros dias como cristã, e não consigo parar de perguntar: “Estou mesmo errada em escrever porque quero?”. É verdade que a escolha mais difícil e menos desejável é a mais claramente santa? É verdade que nunca devemos confiar no desejo pessoal? Tenho razão ao culpar imediatamente a ambição? Sou uma mulher que há muito luta contra o medo exagerado do seu próprio egoísmo, uma mulher que quer um grau de segurança para encontrar e seguir a vontade de Deus. Preciso de uma certeza maior de que, se ceder aos meus desejos, não estarei de fato caindo de um penhasco. Muitos, como eu, imaginam desejo e fé num ringue de boxe, enfrentando-se como rivais. Não imaginamos a possibilidade de os dois serem aplaudidos ao mesmo tempo. Ao final do dia, um sairá vitorioso. O outro sucumbirá. Rejeitamos facilmente o desejo, alegando que o objetivo da vida cristã é a obediência. Por que promover o desejo? Isso não nos coloca necessariamente no caminho da possível infidelidade? Como observou minha amiga quando lhe contei que estava escrevendo um livro sobre a teologia do desejo, somos propensos a perguntar: “Teologia do desejo? Mas isso não é uma contradição?”. Vinte anos atrás, como uma adolescente de 16 anos recém-regenerada que havia Rejeitamos facilmente o passado a noite do baile brincando de desejo, alegando que o casinha, eu tinha razões para não confiar no objetivo da vida cristã é desejo. Mas a gravidez na adolescência não a obediência era minha única razão para deixar o desejo bem longe. O desejo não afasta os cristãos do necessário sacrifício radical para seguir Jesus? Os missionários e o seu compromisso com a renúncia total não foram um exemplo que todos devemos seguir? Do meu tempo como estudante universitária na África, eu achava que quanto mais difícil e livre de desejos a vida fosse, mais ela seria eternamente útil e valiosa.

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