ROOKMAAKER
laurel gasque
ROOKMAAKER arte e mente cristã
tradução fernando guarany jr.
rookmaaker – arte e mente cristã Categoria: Biografia / História / Vida Cristã
Copyright © 2003, Laurel Gasque
Publicado originalmente por Piquant Editions, Carlisle, Inglaterra Título original em inglês: Art and the Christian Mind Primeira edição: Novembro de 2012 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Fernando Guarany Jr. Preparação e revisão: Mariana Furst Colaboração: Fernanda Moreira Diagramação: Bruno Menezes Capa: Julio Carvalho
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gasque, Laurel Rookmaaker: arte e mente cristã / Laurel Gasque; [tradução Fernando Guarany Junior]. — Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2012. Título original: Art and the christian mind ISBN 978-85-7779-081-4 1. Pensadores cristãos - Biografia 2. Rookmaaker, H. R., 1922-1977 I. Título. 12-13371 Índices para catálogo sistemático: 1. Pensadores cristãos: Biografia
CDD-284.2092
284.2092
Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br
A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.
Sumário
Prefácio
7
1. Impacto
13
2. Infância
31
3. Juventude
41
4. Conversão e chamado
51
5. Família e carreira
61
6. Amizades
95
7. Paixões
121
8. Legado
137
Apêndice 1 – Linha do tempo
183
Apêndice 2 – Fontes
189
Agradecimentos
203
Prefácio
N
a primavera de 1977, eu estava morando em Edimburgo. O sol brilhava lindamente por entre as janelas do meu pequeno apartamento na rua Rosa quando atendi o telefone no dia 14 de março, uma segunda-feira. A alegria com o dia e também por ouvir a voz de Marleen Rookmaaker logo desapareceram em uma nuvem escura de choque e tristeza quando ela me informou que seu pai havia falecido no início da noite anterior. Não parecia possível que ele tivesse nos deixado tão repentinamente. A dor diminuiu quando ouvi a maravilhosa cantata de Bach, Gottes Zeit is die allerbeste Zeit (BWV 106): “O tempo de Deus é o melhor tempo... Nele morremos no tempo certo, conforme sua vontade”. Então, vieram as lembranças.
8
ROOKMAAKER
Meu esposo, Ward, e eu tínhamos nossa amizade com Hans em alta estima. Passamos muitos momentos agradáveis e memoráveis com ele, Anky e sua família. Tivemos oportunidade de vê-lo em todos os tipos de ambiente: na intimidade da nossa casa, em Vancouver, em prolongadas visitas como nosso hóspede no L’Abri holandês e suíço – bem como em ambientes ingleses, americanos, austríacos. Publica e pessoalmente, profissionalmente e em particular, jamais havia contradição. Hans era completamente ele mesmo. Não tentava fazer com que gostassem dele com conversa fiada ou bate-papo despropositado. Porém, tinha um grande senso de humor. Acho que Ward é a única pessoa que conheço que conseguia fazê-lo rir de si mesmo. Amávamos o fato de ele não se levar a sério o tempo inteiro. Certa vez quase morremos ao tentarmos controlar o riso ao ver Hans buscando ser o mais discreto possível ao dar sua opinião sobre uma obra de arte na qual um dos nossos colegas tinha investido – com a total desaprovação de sua esposa – uma soma considerável de dinheiro. Certamente ele estava em busca da aprovação de Hans para justificar o dinheiro gasto e confirmar o seu bom gosto. Vendo que Hans não apresentava uma resposta direta, nosso amigo perguntou: “O que acha?”. Houve um significativo intervalo de silêncio. Lá estávamos nós, nosso colega, sua esposa e filhos, esperando ansiosos pela opinião de Hans. Brincando com seu cachimbo, ele finalmente virou-se e olhou para nós. Em seguida, olhou para a pintura e disse: “Bem, essa obra realmente tem um título apropriado: ‘Túnel do Amor. Seria melhor que a colocasse debaixo de sua cama’”. Escrever a biografia de um mentor e amigo não é simplesmente registrar reminiscências pessoais agradáveis. Ao escrever esta breve biografia, tive que me fazer muitas perguntas sobre o que significa dar conta da vida de alguém de maneira textual
PREFÁCIO
e fiel às evidências documentais remanescentes, assim como às lembranças altamente pessoais (inclusive as minhas). Por várias vezes, fui desafiada, humilhada e surpreendida pela vida de uma pessoa que, pelos padrões do mundo, não era nem famosa nem desconhecida. Eis alguém que viveu uma vida relativamente ordinária de influência em meados do século 20. O interesse por biografias hoje anda muitas vezes de mãos dadas com a curiosidade pelas celebridades e a fome do público por conhecer os pontos fracos da vida de uma pessoa famosa. Poucas destas pessoas, em qualquer época, poderiam ser alguém típico de seu tempo. No entanto, desejamos profundamente conhecer as suas vidas e ansiamos por pessoas que representem sua época. Talvez a principal razão de a Bíblia ainda ser um best-seller mundial e de darmos nomes aos nossos filhos com base em seus personagens é por ela ser um livro de biografias que dá conta majestosamente da vida nua e crua de pessoas que fizeram a diferença para o bem ou para o mal. As biografias nos ajudam a encontrar nosso lugar moral na história a medida que nos identificamos com os personagens sobre os quais lemos ou deles nos distanciamos. Elas também superam as distinções arbitrárias e divisões artificiais que fazemos ao pensar ou escrever sobre a história. Na melhor das hipóteses, quando bem feitas, conseguem sintetizar uma perspectiva pessoal com uma visão mais ampla dos acontecimentos de um período, o que nos inspira a tentar entender outros tempos ou a viver bem no presente. Não é fácil alcançar uma narrativa dinâmica e, ao mesmo tempo, permanecer fiel à evidência escrita e às lembranças pessoais. O escritor de biografias é fortemente tentado a criar uma forma mais próxima da ficção a descrever uma vida baseada apenas no que possa ser averiguado.
9
10
ROOKMAAKER
Com o desejo sincero de que o nome de Hans Rookmaaker não caísse no esquecimento, a falecida Linette Martin fez uma importante primeira tentativa de divulgar a vida de Hans assim que ele faleceu, publicando uma biografia em 1979. Por isso, qualquer pessoa que valorize a vida e obra de Rookmaaker deve ser grato a ela. Apesar de certa inconsistência na cronologia, algumas imprecisões históricas e elementos inventados na narrativa, qualquer pessoa que escreva uma biografia com base no trabalho de Martin tem-lhe uma dívida de gratidão. Na última parte de seu livro, ela captou brilhantemente o tom coloquial de Rookmaaker na página de um texto escrito – e não o escutamos da mesma maneira nas gravações de suas palestras ou nas suas cartas. Trata-se de algo tão autêntico que podemos apenas ser gratos a ela por seu dom de dramaturga e perdoá-la por seus erros fatuais. O propósito de escrever outra biografia é relacionar Rookmaaker às suas obras e à sua persistente influência, assim como corrigir uma série de imprecisões. Há também uma tentativa de descrever a importante influência de algumas pessoas e perspectivas, as quais haviam sido ignoradas anteriormente, na formação de sua vida e visão de mundo. A vida e o pensamento de J. P. A. Mekkes, o mais importante mentor de Rookmaaker e indispensável pensador reformado holandês do pós-guerra, ainda precisam ser disponibilizados em inglês. Também seriam úteis outras reflexões sobre a relação de Hans Rookmaaker com Francis Schaeffer em sua dinâmica missionária junto à geração hippie. Seria benéfico ainda para um historiador do cristianismo explorar a ponte entre a vida e o pensamento de Rookmaaker (página 302) e a atual geração de pessoas influenciadas por ele em sua arte, pensamento ou obra escrita. Estou consciente de muitos nomes que faltam ao meu relato da vida e influência de Hans Rookmaaker e que poderiam ter
PREFÁCIO
sido mencionados. Nenhuma biografia consegue abranger toda uma vida. Talvez o próximo biógrafo possa incluir mais dados e informações, já que agora todas as obras de Rookmaaker estão disponíveis e acessíveis. Lembro-me das brincadeiras de Hans. Caminhando por uma calçada com sua família e com a nossa, ele corria à frente de todos nós e dizia: “Três passos para frente e dois para trás!” e fazia com que todos o acompanhassem na brincadeira, enquanto as pessoas na rua olhavam para nós como se fôssemos loucos. Que lição de vida e esperança! Há retrocessos, mas anime-se, pois também estamos, pela graça de Deus, avançando. Em muitos momentos, ao longo do caminho da vida e do trabalho, e ao escrever esta biografia, lembrei-me dos “três passos para frente e dois para trás”; não por admoestação abstrata, mas pela recordação do ato real de ir para frente e para trás em uma rua comum de um bairro qualquer. Três passos para frente e dois para trás. Nenhuma biografia consegue acertar tudo. O objetivo desta é simplesmente dizer que uma vida “comum” pode fazer uma diferença incrível.
11
1.
impacto
A
vida de Hans Rookmaaker durou apenas 55 anos (1922–1977). Esses anos situaram-se simetricamente no meio do século 20. Ele completou a primeira metade de sua vida entre os anos de 1949 e 1950. De maneira incandescente, ele se foi em 1977. Desde sua morte, a cena artística entre os cristãos de quase todas as tradições e denominações na Europa e América do Norte mudou significativamente. Em Nova York, a Sociedade Bíblica agora possui uma respeitável galeria de arte. A National Gallery de Londres marcou o ano 2000 com uma extraordinária exposição de imagens de Cristo patrocinada por dois grandes trusts dispostos a apoiar um evento artístico como aquele,
14
ROOKMAAKER
apesar do constrangimento que alguns historiadores da arte ainda parecem ter sobre questões cristãs. Nos últimos trinta anos, o rock cristão amadureceu consideravelmente em termos líricos e musicais. Christians in the Visual Arts (CIVA) (Cristãos nas Artes Visuais) é uma organização criada para conectar e apoiar de maneira criativa uma ampla rede de artistas cristãos em todos os campos das artes visuais. O Journal of the Arts & Religion [Jornal das artes e religião] serve como um farol de esperança para muitos escritores e artistas, pois fala com credibilidade a partir de uma perspectiva de compromisso de fé a uma cultura mais ampla, além dos limites das instituições religiosas. Na Escócia, foi fundada a Leith School of Art (Escola de Arte Leith) e, na Holanda, uma academia de arte cristã foi estabelecida como resultado dos esforços de Rookmaaker. Uma geração atrás, esse tipo de desenvolvimento e recursos que agora são comuns simplesmente não existiam. Na América do Norte, a marginalização e a minimização das artes não eram apenas uma condição da igreja, mas também de uma cultura pragmática, que as via como luxo e não como necessidade. Na Europa a situação era diferente. A cultura geral valorizava a arte e investia nela proporcionalmente mais do que os norte-americanos. Para muitos europeus cultos, a arte cheia de beleza e grandeza das conquistas passadas do ser humano era um substituto à religião. Para uma minoria influente e altamente intelectual, a arte tornou-se um palco de fúria e descontentamento, especialmente após o fracasso da Segunda Guerra Mundial e o colapso da confiança em uma ordem moral duradoura. Em ambos os lados do Atlântico, a igreja, desafiada por uma nova sociedade e não totalmente confiante em sua identidade, muitas vezes fechou os olhos e ouvidos à cultura, ignorando as tendências ou ficando na defensiva. Com abertura e simpatia humana extraordinárias, além da profunda fé, Hans Rookmaaker enfrentou corajosamente essas
IMPACTO
condições culturais. Muitos dos desenvolvimentos das artes mencionados acima não existiam uma geração atrás e nem eram totalmente imagináveis. O impacto dinâmico da vida e obra de Rookmaaker tornou-os mais plausíveis. Fora de toda proporção em relação à quantidade de dias que viveu, Rookmaaker influenciou qualitativamente indivíduos-chave e grupos que viriam a ter um efeito notável na mudança de atitudes em relação às artes na igreja e em muitas outras instituições. Em 1961, no auge da Guerra Fria e da grande corrida espacial entre soviéticos e americanos, Rookmaaker – que ainda não tinha licença plena para lecionar, mas que ensinava na Universidade de Leiden – fez sua primeira grande viagem à América do Norte. Ele não viajou patrocinado ou convidado por igrejas, mas com uma bolsa custeada pelo governo holandês; apesar de que amigos de tradição reformada o acolheram e amistosamente o hospedaram. O propósito da viagem era fazer um estudo sobre o ensino da história da arte nos Estados Unidos. Ele aproveitou a viagem ao máximo. Enquanto esteve nos Estados Unidos, visitou praticamente todos os grandes centros de estudo histórico-artísticos ao leste de St Louis, Missouri, bem como cada uma das principais coleções de arte da costa nordeste até o centro-oeste. Compareceu ao encontro da College Art Association em Nova York, onde conheceu historiadores da arte proeminentes. Além disso, aproveitou a oportunidade única para dedicar-se à sua paixão pela música e cultura afro-americanas. Nessa época ele já era perito neste campo e havia recentemente publicado um livro sobre jazz, blues e spirituals. Seu diário de viagem é marcado por contatos com grandes figuras negras, como Thomas A. Dorsey, Mahalia Jackson e Langston Hughes. Além destes, conheceu uma grande quantidade de pessoas ligadas à Igreja, desde batistas negros e holandeses reformados até evangélicos ligados a instituições como o Calvin College e o Wheaton College ou organizações como a Christianity Today.
15
16
ROOKMAAKER
Também viajou para o Canadá. Na sequência, se correspondeu com um número impressionante de pessoas que havia conhecido em suas viagens. Rookmaaker continuou a aprofundar o seu pensamento e a nutrir suas amizades. Em 1968 ele havia se tornado professor e tinha formado o departamento de história da arte da Universidade Livre de Amsterdam. Ele estava em um ritmo muito veloz. Esses anos o prepararam para uma cultura cada vez mais caótica. Esse período é visto muitas vezes de maneira nostálgica, como um tempo mais suave, de paz e amor, que fluía com crianças floridas, hippies felizes, uma época em que a maconha enchia o ar; algumas questões sociais, tais como os direitos civis básicos para os negros nos Estados Unidos, começavam a ser resolvidas. Os movimentos de protestos estudantis, que ganhavam força tanto na Europa quanto na América do Norte, nunca ficaram claros. O massacre dos 500 civis da aldeia vietnamita de My Lai – que não demonstraram qualquer sinal de resistência – por uma tropa de combate dos Estados Unidos, liderada pelo tenente William Calley, inflamou o ódio, como também o fez o restante da guerra. A tentativa de assassinato de Rudi Dutsche, um conhecido estudante anarquista e ativista, causou turbulentos protestos de solidariedade em Viena, Paris, Roma e Londres. Protestos estudantis fecharam a Universidade de Paris na primavera de 1968 e transformaram as ruas da cidade em uma zona de combate, colocando o governo em risco. A Alemanha Ocidental foi lançada em uma década de tumultuosos conflitos internos, quando radicais unidos à gangue Baader-Meinhof tentaram iniciar uma revolução por meio da violência e do terrorismo. Durante esses anos tumultuosos de agitação estudantil, no final dos anos 1960 e início de 1970, poucos pensadores e líderes estavam preparados para as duras realidades sociais, políticas e filosóficas da época. Muitas carreiras acadêmicas e administrativas foram destruídas em universidades no mundo inteiro.
IMPACTO
Rookmaaker não estava imune às pressões contra e dentro de sua própria instituição ou sobre si mesmo como administrador e professor. Porém, curiosamente, ele estava preparado espiritual e intelectualmente para o desafio fundamental da busca radical daquela geração de jovens, bem como para a turbulência dos tempos que eles ajudaram a criar, posto que há anos vinha se esforçando sinceramente para promover a compreensão cristã de todas as questões da vida. Ele causou grande impacto na vida de estudantes em diversos países. À primeira vista, parecia improvável que ele tivesse algo relevante a dizer a uma geração radical e rebelde. A carteira de motorista que obteve em 1961 durante suas longas viagens aos Estados Unidos descreve-o como tendo cabelo e olhos castanhos, pesando 70 e poucos quilos e com uma altura de 1 metro e 72 centímetros. Fisicamente não era um homem grande ou imponente. Usando um terno inglês de lã de três peças e fumando seu cachimbo, parecia um típico burocrata bem posicionado ou um professor. Ele mais se assemelhava a um gerente de banco do que a um historiador da arte. Não havia sequer um traço de boemia em seu estilo. Superficialmente, não era difícil considerá-lo um pouco fora de sintonia em relação às tendências atuais ou à cultura contemporânea. Contudo, quando veio o clamor, ele estava pronto. Muitas vezes, enfrentou plateias hostis de estudantes da arte, que ficaram surpresos ao ouvir um professor de aparência comum falar com paixão e inteligência sobre questões e tendências contemporâneas em uma perspectiva cristã. Sua coragem ao enfrentar e discutir questões relacionadas à arte e à moral na sociedade, áreas raramente abordadas publicamente pelos cristãos conservadores, motivou muitos estudantes cristãos relutantes, os quais mantinham suas vidas compartimentadas e não relacionavam de maneira profunda e aberta a sua fé a sua vida e aos estudos como um todo.
17
18
ROOKMAAKER
Todavia, não foram apenas os estudantes cristãos que responderam a ele. Tony Wales, que em meados dos anos 1960 atuou na equipe da British Inter-Varsity Fellowship (IVF), disse ter visto estudantes e outras pessoas chegarem à fé em Cristo por meio das palestras de Rookmaaker, como a “Três passos para a arte moderna”. Wales também viu Rookmaaker ser aplaudido de pé por centenas de estudantes da faculdade de arte de Londres, após uma palestra de duas horas analisando o rock e a música de protesto. Nessa ocasião não apenas os estudantes da geração de protesto mostraram seu respeito, mas, ao final da mesma palestra, o presidente do departamento de pintura da instituição reconheceu que pela primeira vez ele conseguia entender seu próprio filho. Wales também relata o evidente desapontamento de Rookmaaker em outra ocasião, quando uma palestra que ele daria na Royal Academy precisou ser transferida para um auditório maior, pois a sala Reynolds estava completamente lotada. Rookmaaker era um grande comunicador, tanto em inglês quanto em holandês. Quando ele começava a exibir imagens de grandes obras de arte do passado ou da impressionante arte do presente, e comentava a respeito delas, sua plateia ficava fascinada, quer concordasse ou não com ele. Seu modo de apresentar as palestras era bastante incomum para um professor continental, pois ele não seguia uma sequência escrita, mas, de forma extemporânea, envolvia completamente os ouvintes. Era uma forma de arte. Como um músico de jazz tocando inventivamente os temas, improvisava dentro de uma determinada estrutura (o tópico da palestra) com domínio e controle, habilidade e intensidade. Atraía e surpreendia, divertia e causava espanto. Grande parte do que ele fazia dependia dos exemplos visuais ou de áudio que utilizava. Quanto mais repetia uma palestra, mais rica ela se tornava. Seu material nunca se tornava obsoleto ou repetitivo, pois
IMPACTO
sempre havia algo novo, mesmo que apenas no tom provocativo ou na maneira como apresentava as ideias. À luz do dia, era igualmente convincente. Ir a uma galeria de arte com Rookmaaker era uma experiência de aprendizagem excepcional. Ele levava regularmente os seus alunos da Universidade Livre às muitas coleções de arte especiais na Holanda, bem como em excursões às coleções no exterior, especialmente na Itália. Além disso, também convidava frequentemente pequenos grupos ou indivíduos para ir com ele ao museu de arte, quando dava palestras em conferências. Ele não se sentia obrigado a observar cada pintura ou obra de arte quando entrava em uma galeria, mas dizia: “Observe aquela que o atrai a ela”. Ou, quando ele reunia um pequeno grupo diante de uma imagem, fazia primeiro a pergunta mais óbvia: “Para o que vocês estão olhando?”. Muitas vezes havia um agudo desconforto no grupo, pois essa questão elementar parecia evidente. Surgia uma suspeita de que houvesse alguma intenção oculta de expor a ignorância dos presentes. Rookmaaker, no entanto, jamais era dissimulado ou brincava com as pessoas desta forma. Era brincalhão e provocador por propósitos pedagógicos. Sempre foi um professor sincero. Rapidamente todos no grupo aprendiam que eles realmente precisavam ver em primeira mão aquilo que estavam observando. Depois, as observações de Rookmaaker sobre a imagem se tornavam ainda mais gratificantes, pois todos haviam começado primeiro por ver a obra pelos seus próprios olhos. Rookmaaker protegia o seu pequeno rebanho ao visitar uma galeria de arte. Ele não se dava bem com intrusos, com os quais não tinha uma conexão pessoal. Alguns de seus alunos relataram incidentes de quando um visitante curioso começava a seguir o grupo para ouvir as coisas interessantes que o distinto cavalheiro de baixa estatura dizia e ouviam diretamente de Rookmaaker algo não muito gentil: “Este é um curso de história da arte muito
19
20
ROOKMAAKER
especial. Custa dois mil dólares. Por favor, vá embora!”. Atônito, o intruso se evadia. O pequeno grupo de estudantes se alegrava por ser considerado tão especial e exclusivo. Sob uma aparência externa despretensiosa, havia uma surpreendente personalidade, complexa e de imensa vitalidade. Rookmaaker integrava a sua própria humanidade e compreensão da humanidade a sua erudição de forma consciente. Algo incomum para os acadêmicos. Também procurava ajudar os estudantes a integrarem plenamente a humanidade deles ao aprendizado e estudos. Suas palavras descrevem bem o quanto é importante o elemento humano no processo de ensino e aprendizagem: Devemos julgar como seres humanos, não como homo aestheticus abstrato, não como historiadores da arte ou artistas, mas com o nosso ser humano por completo [...] . Entretanto, toda e qualquer pessoa pode julgar a arte. A diferença está entre um julgamento baseado na prática, fundamentado na experiência, e o julgamento de alguém que está apenas começando a olhar. Este ainda precisa aprender muito – em primeiro lugar, a enxergar. É esta a situação de nossos alunos. Precisamos ensiná-los a ver como seres humanos. Toda educação diz respeito à humanidade dos jovens. O ponto de partida é sua humanidade, sua jovem e inexperiente humanidade. Eles precisam desenvolver competência de julgamento, precisam ganhar experiência e discernimento. Precisam fazer isso por si sós. Tudo é muito sutil e ricamente multicolorido para que sejamos capazes de ensinar a eles da mesma forma que se ensina uma soma matemática. Porém, precisamos mostrar-lhes o caminho. Ajudá-los. Passar-lhes algo de nossa experiência e conhecimento que os proteja pelo menos dos mais óbvios equívocos e becos sem saída [...]. O estudante espera que você julgue como um ser humano, [...] uma pessoa com convicção, com um ponto de vista, com um coração aquecido, capaz de ter raiva e expressar o porquê de ficar comovido ou entusiasmado, de explicar a
IMPACTO
razão de uma obra de arte ter um impacto tão grande sobre você. Podemos falar sobre obras de arte, de preferência fisicamente perto das obras de arte, contanto que não seja um argumento por si só – tão interessante e tão cultural – desde que o compromisso real seja encontrar a verdade, dizer a coisa certa, a fim de fazer justiça ao artista, à obra em questão, aos alunos e a nós mesmos. Além do mais, podemos estar certos de que nosso trabalho jamais é perfeito. Contudo, certamente é significativo. É possível trabalhar e lidar com arte e com estudantes dessa maneira. Se fosse impossível, seria mais interessante jamais falar sobre arte, ou melhor, nem mais olhar para a arte novamente. Afinal, o trabalho revela-se humanamente impossível e realmente não exige a nossa reação ou a adição de nossa personalidade. Basicamente, essas coisas dizem respeito ao amor pelo próximo e pela verdade, pois só estes podem fazer-nos livres e tornar nosso trabalho significativo (CW 2:134-135)*.
Em 1970, Rookmaaker publicou seu best-seller, A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura. A maioria dos estudantes na Europa ou América do Norte não era considerada ou educada de maneira profundamente humana e pessoal. Em 4 de maio daquele ano, o mundo olhava com horror, enquanto estudantes – dos quais apenas alguns eram manifestantes contra o bombardeio do Camboja (decisão do presidente Nixon, que parecia prolongar a Guerra do Vietnã) – eram mortos a tiros pela Guarda Nacional no campus da Kent State University em Kent, Ohio. As palavras de abertura do livro de Rookmaaker captam perfeitamente o espírito da época: “Vivemos em uma época de grande mudança, de protesto e revolução. Estamos conscientes de que algo radical está acontecendo ao nosso redor, mas nem sempre é fácil enxergar exatamente o que é” (CW 5:5). * HENGELAAR-ROOKMAAKER, Marleen. The complete works of H. R. Rookmaaker. 6 v. Carlisle, Reino Unido: Piquant Editions, 2005. [CD-rom]
21