Tem alguém ai em Cima?

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Brรกulia Ribeiro


tem alguém aí em cima? Categoria: Apologética / Evangelização / Vida cristã

Copyright © 2013, Bráulia Ribeiro Primeira edição: Julho de 2013 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Revisão: Lícia Rosalee Santana Diagramação: Bruno Menezes Capa: Ana Cláudia Nunes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ribeiro, Bráulia Tem alguém aí em cima? / Bráulia Ribeiro. — 1. ed. — Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2013. ISBN 978-85-7779-094-4 1. Apologética 2. Crença e dúvida 3. Deus - Amor 4. Fé I. Título. CDD-239

13-06596 Índices para catálogo sistemático: 1. Defesa da fé : Apologética : Cristianismo

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2. Fé : Defesa : Apologética : Cristianismo

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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


Sumário

Introdução

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PARTE UM – O QUE É FÉ?

1. Se eu pergunto muito é porque não acredito em nada? 2. A dúvida está no coração e não na cabeça

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PARTE DOIS – POR QUE TER FÉ?

3. Se Deus não existe tudo é permitido

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4. A minha verdade não é a sua

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PARTE TRÊS – EM QUEM POSSO TER FÉ?

5. O Deus que se parece com meu pai

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6. O Deus que me atribui valor

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PARTE QUATRO – COMO VIVER A FÉ E A VERDADE?

7. A religião é mesmo uma droga?

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8. A verdade é o próprio Deus

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9. A verdade nos motiva a ser diferentes 10. Somos feitos para amar 11. O livro mais importante de todos

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Notas

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Introdução Tive vontade de escrever este livro quando descobri que minha foto está colada na geladeira de Deus

Trabalho numa espécie de máquina de consertar pessoas e destinos. Você já viu o livrinho do Dr. Seuss, que mostra os bonequinhos verdes entrando na máquina e ganhando estrelas na barriga? Primeiro passei pela máquina e depois me apaixonei por ela. Percebi que poderia fazer com que minha vida fosse útil para muito mais pessoas além de mim mesma. Durante quase trinta anos de trabalho acompanhei centenas de vidas. De indígenas do interior do Amazonas, até garotos ricos daqui e de fora do país. A história de transformação é sempre a mesma.


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As pessoas chegam sofrendo de uma compulsão de desamor. Sofreram rejeições dos mais diversos tipos e, então, se viciaram no sofrimento. O coração virou um buraco sem fundo, carente de um amor que nunca chega, e a pessoa vai buscando preenchê-lo com artificialidades que a deixam mais e mais rejeitada e solitária. Até que se deparam com um amor incondicional que não conheciam e finalmente se encontram. Sabendo-se amada, a pessoa tem força para existir novamente. Eu mesma vivi neste círculo vicioso de desamor durante os anos de minha adolescência. Meu pai era um gênio da literatura mineira, mas que, de tão excêntrico, nunca conseguiu ter sucesso financeiro. Além disto, como todo típico escritor brasileiro da sua época, ele era alcoolista. Minha mãe era artista plástica, também com chance de sucesso, porém renunciou a carreira para cuidar dos sete filhos e trabalhar no serviço público para ajudar nas despesas domésticas. Os dois começaram a vida juntos como hippies subvertendo os valores que receberam de suas famílias tradicionais e bem estruturadas. Nunca ligaram para dinheiro; perseguiam a arte e a justiça social acima de tudo, em tempos de ditadura, e tinham a casa aberta para os pobres na favela onde construíram seu lar. Não tivemos TV nem telefone por muitos anos, para que não nos contaminássemos com o lixo da mídia e aprendêssemos a pensar. Agradeço muito a eles por todo o sacrifício que fizeram para nos criar tão bem, mas não posso deixar de reconhecer as dores que esta infância me fez sofrer. Foi só aos dezessete anos, quando passei pelo que chamo de “máquina de destinos”, que aprendi que minha vida tem valor em si mesma. De alguma forma, enquanto eu crescia havia assimilado a ideia de que meu valor dependia de algum jeito de performance. Tinha


INTRODUÇÃO

valor quando tirava a melhor nota da escola, quando fazia um trabalho digno de elogio do professor, quando ajudava minha mãe com meus irmãos menores. Claro que meus pais, os professores ou as pessoas que me cercavam na infância não sabiam que suas ações iam escrevendo este tipo de consciência em mim. Os valores assimilados por nós nesta época raramente nos são explicados. Adquirimos e vivemos os valores de nossos pais e da comunidade ao nosso redor, bons e maus, sem nem perceber. Só quando nos confrontamos com os resultados corrosivos dos valores negativos em nossa alma é que finalmente podemos contradizê-los para nós mesmos e temos oportunidade de nos reinventar com novos valores. Eu comecei com dezessete anos a trabalhar na Amazônia em serviço social. Percorria os rios e as vilas conhecendo colônias, seringueiros e povos indígenas. Mas todo Natal voltava para a casa de meus pais, feliz em estar com eles, meus irmãos menores, primos, primas, tios e tias. Contudo, havia uma diferença. Trabalhando na máquina de consertar destinos, eu era uma Bráulia diferente. A Bráulia reinventada. E toda vez que voltava para casa ressurgia a mesma garotinha que cresceu ali e sofreu tantas feridas. Meu comportamento mudava. Eu me tornava uma pessoa que às vezes nem eu conhecia mais, irada, sem paciência, que magoava meus pais e meus irmãos. Eu me perguntava por que não conseguia ter a mesma disposição que tinha na Amazônia quando estava em casa. Um dia, terrivelmente frustrada comigo mesma, descia o quintal íngreme na frente da casa de meus pais. A rua ficava embaixo e tínhamos que descer muitos degraus, além de uma rampa. Eu ia me despedir de minhas tias que haviam nos visitado num dia especialmente tenso. Tudo dava errado: meu pai não parava de beber, minha mãe estava sofrendo e eu não sabia nem ajudar

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nem me comunicar com ela, meus irmãos e irmãs pequenos no meio daquilo. Naquele dia senti como se os degraus até a rua fossem os degraus do inferno. Se eu pudesse me jogar num buraco e nunca mais voltar eu o faria. Por que tudo tem que ser tão difícil? Por que eu não conseguia “consertá-los”, como fazia com os ribeirinhos? Por que eu não conseguia me consertar também? Minhas tias partiram e eu fiquei no barro da rua olhando para o nada, pensando se conseguiria voltar para cima. Foi aí que alguém me abraçou. Não foi um abraço humano, porque não tinha ninguém comigo. Era um abraço quente envolvente, estranho, mas absolutamente real. Senti o arrepio nas costas que se sente quando se está diante de algo sobrenatural, meio inexplicável, uma mistura de medo com reverência. Até então eu havia crido na ideia da existência de Deus. Cria no conceito, até conversava com ele. Entretanto, alguma dúvida ainda permanecia em mim. Eu agia com o Senhor do mesmo jeito que agia com meu pai quando era uma garotinha. Não era eu mesma. Eu era a garota que sabia que tinha que agradar meu pai. Falava das coisas de que ele gostava, tentava ser engraçadinha para que ele me amasse. Desde pequena internalizei, de alguma forma, que amor é algo que recebemos condicionalmente. Seremos amados se... Se tivermos a performance adequada, se tivermos a aparência adequada, se suprirmos a expectativa das pessoas ao nosso redor, se, se, se... Com Deus, eu tentava ser espiritualmente “engraçadinha”; me vestia de heroína amazônica, capaz de renunciar a tudo por causa do evangelho. Mas quando estava em casa, voltava a ser a Bráulia normal, cheia de frustrações, irritações e demandas. Ali, em família, eu não conseguia “merecer” o amor de Deus. Foi naquele momento, num dia de extremo confronto com a minha própria incapacidade, que entendi que o amor de Deus


INTRODUÇÃO

para nós não é condicionado a nada. Eu era um traste incapaz e ele ainda assim me amava. Eu cometia muitos pecados e ele ainda assim me amava. Estava muito distante da perfeição e ele ainda assim me amava. E não só me amava conceitualmente, como estava presente fisicamente. Abraçava-me com o carinho de um pai que entende as dores da filha. Aquela presença sobrenatural encheu meu coração de uma certeza: ele me amaria, não importa onde eu estivesse ou como estivesse. Experimentar o amor sobrenatural de Deus no momento em que eu me sentia mais longe dele revolucionou a minha fé. Se antes fé e performance religiosa para mim eram a mesma coisa, naquele momento, numa simples experiência, elas se divorciaram para sempre. Escrevi este livro para guiar aqueles que de coração aberto procuram uma fé racional e, ao mesmo tempo, experimental no Criador. Vou tentar escrever o livro que eu gostaria de ter lido quando, na adolescência, tentava montar o quebra-cabeças da minha vida. Samuel, João Victor e Sofia, este livro é para vocês e para meus sobrinhos, e para todos os jovens a quem dedico minha vida. Espero que o que eu não consegui passar a vocês com meu exemplo, e até com os erros que cometi tentando educá-los e demonstrar-lhes amor, sejam explicados aqui. O mundo em que vocês vão viver sua vida adulta é bem mais complexo do que aquele em que eu vivi há apenas uma geração. Mas o entendimento de quem é o Criador vai ajudá-los a enfrentar os desafios da vida da mesma maneira que me ajudou e a tantos antes de mim. Vi uma vez este poeminha na internet, que beira à breguice (ou para alguns é a breguice total), mas foi o que me trouxe inspiração para escrever este livro. A simplicidade da narrativa cotidiana me mostrou a necessidade de uma linguagem diferente

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para falar do amor de Deus. O linguajar da religião afasta nosso entendimento da verdade sobre Deus. Ele não é um ser obscuro e indiferente que só pode ser entendido por sacerdotes e pastores. O amor de Deus está em todas as coisas. É um amor teimoso e constante. Amor piegas, brega muitas vezes, mas que é necessário para nossa felicidade como o ar que respiramos. Ele é o Deus que pôs seu nome num imã na geladeira dele. Se Deus tivesse uma geladeira, ela teria um imã com seu nome nele. Se ele tivesse uma carteira, sua foto estaria nela. Se ele usasse um caderno escolar, seu rosto seria a capa. Ele te envia flores todas as primaveras e faz com que o sol nasça pra você todas as manhãs. Ele poderia viver em qualquer lugar do universo, mas escolheu seu coração. Ele mandou pra você o melhor presente de Natal de todos naquela noite em Belém da Judeia, e te presenteou especialmente naquela sexta-feira, no Calvário. Encare a realidade, ele é louco por você...


PARTE UM

O QUE É FÉ?



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Se eu pergunto muito é porque não acredito em nada?

Muita gente pensa que a fé é uma espécie de certeza cega, absoluta, e que não há espaço para dúvida alguma, medo algum. Não é verdade. Qualquer questionamento pode ser aproveitado para aumentar e até se chegar à fé. Tem gente que sente culpa por ter perguntas. Tem até gente de fé que diz que não devemos perguntar muito, que fé é uma espécie de salto no escuro. Bobagem. Fé verdadeira é um passo num clarão muito claro, se me perdoarem a redundância. Talvez você já tenha uma convicção qualquer sobre Deus. Talvez você seja ateu, porque meio que está na moda, ou pense que existem muitas verdade e que qualquer uma serve.


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Tudo é uma questão de fé, e, se você é ateu, acredita que Deus não existe do mesmo jeito que um crente tem fé na existência dele. Não importa qual seja sua convicção – se você tem algum espaço para dúvida, se ainda tem uma pergunta qualquer na mente, este livro vai ajudá-lo. Contudo, tão ruim quanto se sentir sem fé só porque se tem dúvidas é pensar que sua convicção é tão sólida que nunca poderá ser questionada. Existem pessoas que se aferram às suas convicções não por causa da certeza, mas por causa do medo. O medo de perder algum tipo de segurança que aquela convicção lhe dá. Nossa alma é, afinal, muito mais complexa do que pensamos. Por que a dúvida é necessária?

Não creio que a fé seja irracional, como é mais ou menos o conceito comum.1 Mas a fé também não depende de uma certeza racional absoluta. A razão é um componente importante da fé cristã. A Bíblia é cheia de chamados à argumentação racional. E, como tudo que diz respeito à razão humana, implica dúvida. Não há racionalidade sem espaço para dúvida. Entretanto, a explicação unicamente racional da fé nos conduz ao engano de pensar que todas as perguntas possíveis serão respondíveis no nível da razão. Caímos no abismo das certezas dogmáticas. Em se tratando de seres humanos, todas as certezas são perigosas, e a certeza racional pode ser a pior delas. A fé bíblica é tanto racional quanto é experiencial e emocional. A fé bíblica é também um compromisso relacional com uma aliança estabelecida entre Deus e os homens. Se você tem fé, se confia e vive o pacto feito entre você e a pessoa divina, você não tem uma fé do saber apenas, mas a fé do se comprometer com aquilo que sabe. Confiar em alguém requer


Se eu pergunto muito é porque não acredito em nada?

ir além das evidências racionais para abraçar a emoção e o risco da confiança. Isto não quer dizer que você confia contra as evidências. As evidências racionais informam a sua fé, porém não constituem a essência dela. As dúvidas criam uma espécie de insegurança emocional necessária para o crescimento do cristão. É porque tenho dúvidas que busco mais revelação, mais informações, mais conhecimento bíblico. Quero emprestar alguns pontos do livro de Gregory Body The Benefit of the Doubt [O benefício da dúvida]2 e mostrar o quanto a dúvida é boa para a fé. O modelo que busca as certezas absolutas e exclui as incertezas é hipócrita

Se você é cristão... Sempre me perturbou o fato de que muitos cristãos tendem a criticar outros modelos religiosos com uma certeza categórica imperturbável. Ensinam-se nos seminários teológicos evangélicos matérias sobre as falsas religiões. São semanas e meses gastos treinando futuros pastores em adquirir a falsa certeza sobre o que creem. Mas é uma certeza excludente: só o que eu creio é correto. Existem até ministérios especializados em “distinguir” o certo do errado dentre as muitas versões da religião cristã. No Brasil, criou-se um instituto com ares acadêmicos para denunciar aqueles que, entre os grupos evangélicos, estão dentro da sã doutrina ou não. É óbvio para nós que quando uma pessoa resiste fortemente contra algum tipo de verdade cristã ela está se fechando para o Espírito de Deus com uma arrogância que não deveria ser própria aos humanos. Você já tentou pregar o evangelho para

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alguma das bem preparadas Testemunhas de Jeová? O diálogo é vão. Elas são capazes de argumentação racional contra tudo o que possa lhes trazer qualquer dúvida sobre suas verdades bem estabelecidas. A menos que haja algum espaço para dúvida, não há como mudar de ideia. Sabemos que Deus se revela àquele que busca. A busca, portanto, seria uma condição essencial para se obter entendimento. Busca é dúvida. Você busca porque quer saber. Não está satisfeito, está aberto ao diálogo. Pergunto: em que as certezas dogmáticas de um muçulmano, Testemunha de Jeová ou Mórmon são diferentes das nossas? Quando evangelizamos, esperamos que as pessoas com quem falamos, qualquer que seja a sua religião, admitam que desejam mais. Precisamos que elas se abram para a “busca” que vai lhes trazer a revelação do Senhor. Por que pensamos que eles teriam o dever de duvidar para abrir o espaço ao diálogo, buscar para ceder à revelação do Espírito e nós não? Não podemos exigir de outros uma atitude que não temos. O mesmo se aplica às pessoas que não praticam a fé. Você duvida de seu ateísmo? Se você quer que seus amigos cristãos questionem sua fé, você questiona a sua falta de fé? Você é capaz de lançar a este Deus, que dizem existir, um desafio? Qualquer demanda a abrir espaços para a dúvida que você faz a outros, você tem que estar disposto a fazer para suas próprias crenças, senão a sua busca é um mero exercício de hipocrisia. Se você ainda não é cristão, me deve o ônus da prova

Quem deve provar a existência de Deus não são os que têm fé, mas os que propõem a não existência de Deus. Se você não é cristão, infelizmente o ônus da prova da não existência um ser supremo que nos cria e dá significado à nossa


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existência está sob sua responsabilidade. Por quê? Porque todas as sociedades do mundo creem num Deus, de uma maneira ou de outra. Porque 98% das culturas humanas, em línguas sem relação alguma uma com a outra, contêm o “mito” de que a humanidade foi criada por um ser superior e que não se encontra presente na terra. Porque na maior parte destas narrativas o “mito” se parece incrivelmente com a criação descrita na Bíblia. Porque, mesmo sem a ideia de um criador, a ideia do sobrenatural, dos espíritos, do bem e do mal estão presentes em todas as culturas humanas. Portanto, parece que o crer é algo natural ao ser humano, faz parte de nossa natureza. A fé é nossa segunda pele. Durante a experiência soviética, em que o governo totalitário requeria o ateísmo para poder impor suas demandas totalitárias, a fé teve de ser coibida pela violência. Sem esta imposição hostil, ela floreceria, porque é parte de nossa humanidade. Pessoas procurariam o cristianismo, algum tipo de ocultismo, ou de crença que lhes fizesse enxergar esperança além do que viam. Se é assim, e o mais comum para o homem é a crença, provar a não existência de Deus é da responsabilidade daqueles que a questionam. Nós, os cristãos, não deveríamos estar muito preocupados em provar a existência dele porque ele mesmo não está. A Bíblia, que é nosso livro sagrado, em nenhum momento tem a necessidade de discutir a existência ou não de Deus, pois isto é ponto pacífico. Como eu, enquanto escrevo isto, não duvido da minha existência, Deus não duvida da sua. A civilização pós-moderna, com sua aspiração à tolerância absoluta com todas as cosmovisões culturais, presumidamente submete todos os dogmas ao escrutínio, a não ser o dogma da relativização total das certezas. Como é que posso saber com certeza absoluta que Deus não existe? Se não posso ter certeza

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de sua existência, tenho que igualmente manter minhas dúvidas quanto à sua não existência. A honestidade intelectual requer este compromisso. A mesma ideologia pluralista que me ensinou a duvidar da fé cristã deveria ter me ensinado a duvidar da minha dúvida. Se tenho a obrigação de duvidar da fé, tenho que duvidar da dúvida também. Mas, não, a intolerância contra a fé cristã hoje é maior do que a intolerância da fé cristã contra a falta dela. Para ser ateu, é preciso crer na ausência de Deus do mesmo jeito que um cristão tem que entender o Senhor pela fé. Meu conselho a você é: duvide de sua certeza negativa. O ateísmo é a religião da fé num universo do qual Deus se ausenta. Reconhecer que, afinal de contas, você é apenas humano e pode estar errado sobre suas certeza é saudável. Você não tem como me provar que o Deus que vejo é fruto de minha imaginação, assim como eu não tenho como provar para você que ele é real. Agora, convenhamos que as implicações de um universo sem Deus para a vida humana são bem piores do que se pensarmos que ele realmente existe e que está envolvido em nossa existência, como a Bíblia afirma. Se Deus não existe, o universo é vazio de sentido e a vida humana uma sucessão de sofrimentos e injustiças. Se Deus não existe, você como indivíduo é fruto de mero acaso, não tem valor em si mesmo e não tem razão para viver. Leia este trecho do livro A Náusea, de Jean Paul Sartre,3 e entenda o que estou dizendo: Meu pensamento sou eu: eis por que não posso parar. Existo porque penso... e não posso me impedir de pensar. Nesse exato momento – é terrível – se existo é porque tenho horror a existir. Sou eu, sou que me extraio do nada a que aspiro: o ódio, a repugnância de existir são outras maneiras de me fazer existir, de me embrenhar na existência. Os pensamentos nascem por


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trás de mim como uma vertigem, sinto-os nascer atrás de minha cabeça... se cedo, virão para a frente, aqui entre meus olhos – e sempre cedo, o pensamento cresce, cresce e fica imenso, me enchendo por inteiro e renovando a minha existência [...].

Sem um Deus que nos atribui valor, a existência não passa de um apanhado de experiências, umas dolorosas, outra boas, todas temporárias e sem significado.

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