O Teste da Fé

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RUTH BANCEWICZ [ORG.]

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O TESTE DA FE ´

O s c i e n t i s ta s ta m b e m c r e e m

tradução guilherme carvalho


O TESTE DA FÉ – OS CIENTISTAS TAMBÉM CREEM Categoria: Apologética / Ética / Vida cristã

Copyright © 2009, Ruth Bancewicz [org.] Publicado originalmente por Authentic Media, Milton Keynes, Reino Unido. Primeira edição: Maio de 2013 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Guilherme Carvalho Preparação e revisão: Fernanda Moreira Leilane Morais Diagramação: Bruno Menezes Capa: Julio Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) O teste da fé : os cientistas também creem / [editora] Ruth Bancewicz ; [tradução Guilherme Carvalho] . – Viçosa, MG : Editora Ultimato, 2013. Título original: Test of faith : spiritual journeys with scientists. Vários autores. ISBN 978-85-7779-090-6 1. Apologética 2. Cientistas - Entrevistas 3. Cristianismo 4. Fé e razão 5. Religião e ciência I. Bancewicz, Ruth. 13-05080

CDD-215

Índices para catálogo sistemático: 1. Ciência e fé

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Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


Sumário

Prefácio Agradecimentos começa a jornada

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Ruth Bancewicz Instituto Faraday para a Ciência e a Religião, St. Edmund’s College, Cambridge

1. Aprendendo a linguagem de Deus

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Francis Collins Ex-diretor do Projeto Genoma Humano

2. Ser humano: mais que um cérebro

33

Reverendo doutor Alasdair Coles Professor sênior de neuroimunologia clínica, Universidade de Cambridge

3. Explorando o universo de Deus

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Jennifer Wiseman Astrofísica, Centro Goddard de Voos Espaciais, NASA

4. Biologia, crenças e valores John Bryant Professor emérito de biologia celular e molecular, Universidade de Exeter

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5. Vida no laboratório

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Bill Newsome Professor de neurobiologia, Escola de Medicina da Universidade de Stanford

6. Pensando tecnologia

89

Rosalind Picard Professora de artes e ciências midiáticas, MIT

7. Uma lógica mais profunda

103

Ard Louis Centro Rudolf Peierls de física teórica, Universidade de Oxford

8. A fé de um físico

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Reverendo e doutor John Polkinghorne KBE FRS Ex-professor de física matemática, Universidade de Cambridge

9. Coração e mente: compreendendo a ciência e a fé

131

Deborah B. Haarsma Professora associada de física e astronomia, Calvin College, Michigan

10. Deus: a solução?

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Alister McGrath Professor de teologia histórica, Harris Manchester College, Oxford

Epílogo Notas

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Prefácio

Se eu não fosse tão inepto (“mão-mole”, para usar uma expressão característica dos meus pais) em relação às coisas práticas – especificamente quanto a certos experimentos chamados de Análise Elementar – eu poderia ter sido um cientista. Certamente, meu professor de química esforçou-se muito para me convencer de escolher ciências em vez de grego enquanto eu escolhia as disciplinas no segundo grau. Mas eu sofria de algum tipo de desconexão entre olhos, mãos e cérebro: com penosa regularidade, eu falhava em ver o que os outros viam que deveria ser feito e nunca fazia corretamente o que me era explicado. Assim como C. S. Lewis nunca conseguiu dirigir um automóvel, eu era uma causa perdida em todas as habilidades de bancada ou de laboratório e isso já estava claro para mim aos 13 anos, quando chegou o momento da escolha fatídica. Então fui para o grego, já que essa era a opção disponível. E, hoje, eu não sei quase nada dos pormenores das ciências.


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Porém, li este livro com grande interesse. Esses cientistas, como outros que conheço bem, parecem-me excelentes no amor à verdade, na humildade honesta e em manter os pés no chão como um hábito da mente. Um deles chega a verbalizar uma crença que tenho carregado em silêncio por mais de sessenta anos e que considerava ser uma peculiaridade minha – a crença de que, quando algumas pessoas atacam o cristianismo com sarcasmo e selvageria em nome da ciência, não é porque elas tenham argumentos avassaladores para apresentar, mas porque, de algum modo, foram feridas por pessoas que professavam uma identidade cristã. E por isso estão agora profundamente aprisionadas, talvez mais profundamente do que são capazes de discernir, por uma paixão conhecida pelo nome de vingança. Seja como for, em termos abrangentes, parece-me que o nível de integração entre a percepção humana e a avaliação científica é alto nestes capítulos e eles deixaram este simples teólogo com a impressão de que teria imenso prazer em gastar algum tempo com seus autores. Espero que outros leitores desfrutem tanto desses testemunhos quanto eu mesmo o fiz. J. I. Packer Vancouver, Canadá. Páscoa de 2009


Agradecimentos

Meus agradecimentos se estendem a todos os dez cientistas que se dispuseram a compartilhar suas histórias. Foi um privilégio realizar essas entrevistas e editar as transcrições no formato que se vê agora. Meu assistente de pesquisa James Crocker prestou uma ajuda imensa durante cada fase do projeto. Diversas pessoas leram o manuscrito em vários estágios e eu sou muito grata a cada uma delas: Denis Alexander, Connie Bertka, Andrew Bowie, Mark Brickman, James Crocker, Jim Moulton e John Urquhart. Muitos outros também se envolveram fornecendo informações, conselhos e palavras de encorajamento – sempre necessários na produção de um livro. Agradeço ainda ao editor Alison Hull e a Robin Parry, juntamente com a equipe da Paternoster, por facilitar tanto o processo de produção de um livro. Ruth Bancewicz



Começa a jornada Ruth Bancewicz Instituto Faraday para a Ciência e a Religião, St. Edmund’s College, Cambridge

A ciência e a fé podem ser mantidas em compartimentos separados? Sob certos aspectos, as verdades do cristianismo permanecem à parte da ciência, mas a ciência afeta a teologia e o modo como vivemos nossas vidas: como usar a tecnologia em favor do pobre? E o que dizer quando seu médico oferece um teste genético? E algumas das grandes questões da vida exigem respostas que nem a fé, nem a ciência podem responder sozinhas: como chegamos aqui? Como deveríamos usar os recursos da terra? Como lidar com o fato de que as novas tecnologias podem ser usadas tanto para causar grandes danos, quanto para um grande bem? Há milhares de pessoas que se sentem em casa tanto na igreja quanto no laboratório; e elas têm histórias fascinantes para contar sobre suas próprias descobertas ligadas à fé e à ciência.


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Ser cristão NA ciência

Como estudante de PhD em um laboratório de genética da Universidade de Edimburgo, eu costumava me sentir mais segura quando olhava para a lista de cientistas seniores que faziam parte das orientações de membresia da associação Christians in Science.1 Não porque me sentisse de alguma forma pressionada como cristã que trabalha com ciência, mas porque às vezes eu me perguntava sobre como minha carreira se encaixaria com a minha fé. Era bom saber que outras pessoas tomaram esse caminho antes de mim e o fizeram de forma tão excelente. Depois de concluir os estudos, trabalhei como pesquisadora por vários meses. O plano era gastar seis meses aprendendo novas técnicas antes de trabalhar nos Estados Unidos, mas percebi que a pesquisa não era o meu nicho. Eu encontrei a mim mesma gravitando para fora da bancada do laboratório em direção à minha escrivaninha e ao campo da escrita, reflexão e comunicação científicas. A oportunidade de fazer tudo isso, com exceção dos experimentos, veio com a posição de secretária de desenvolvimento da Christians in Science (CiS) e eu a agarrei com as duas mãos. Por três anos, eu estive na feliz posição de ser paga para interagir com outros cientistas que eram cristãos. Meu trabalho com a CiS envolvia viagens ao redor do Reino Unido, visitando universidades, igrejas, conferências, grupos cristãos e o crescente número de filiais locais da Christians in Science. Falei com uma enorme quantidade de pessoas sobre ciência e fé e ouvi as mais diversas perspectivas, especialmente sobre criação, que parece ser o tema mais quente do momento. Isso me ajudou a compreender melhor meu próprio conhecimento científico e cristão, mais do que eu jamais pude fazer sozinha. Algumas pessoas vinham às discussões sobre ciência e fé com a imagem mental de cristãos afundando em um oceano


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de fatos científicos, incapazes de escapar da inevitável morte da religião. Essa visão muitas vezes vem de cristãos com medo ou com suspeitas em relação à ciência ou, ainda, de um ateísta que pensa que a ciência matou Deus. Na realidade (e espero que isso não seja uma surpresa), há uma enorme quantidade de cientistas que também são cristãos e centenas de livros têm sido escritos explicando como a fé e a ciência se encaixam. Pesquisas sobre o nível de fé entre cientistas têm produzido resultados interessantes. As pesquisas mais completas foram realizadas nos Estados Unidos.2 Em 1916, o eminente psicólogo norte-americano James H. Leuba registrou que apenas 42% dos pesquisadores seniores acreditavam em um Deus que responde à oração. Ele predisse que a religião estava em uma espiral descendente e que gradualmente desapareceria, pois a ciência estava “matando Deus”.3 O público sentiu-se chocado ao considerar que o conhecimento científico poderia ter um efeito tão sério sobre a sociedade. Em 1997, uma segunda pesquisa foi publicada, a qual chocou as pessoas de uma forma diferente. O advogado e historiador Edward Larson e o escritor e jornalista Larry Witham repetiram a pesquisa de Leuba, usando exatamente as mesmas questões e descobriram que aproximadamente 39% dos cientistas acreditavam em um Deus que responde à oração. Assim, essa pequena redução em 81 anos mostrou que a predição da espiral descendente jamais se concretizou. Isso demonstra que o número de religiosos trabalhando na ciência simplesmente reflete a sociedade como um todo,4 em vez de qualquer relacionamento específico entre a ciência e a fé. Tal fato é revelado pela composição de qualquer laboratório ao redor do mundo hoje: você encontrará cristãos, muçulmanos, hindus, judeus, ateístas, agnósticos e outros trabalhando em todos os campos da ciência. Eles usam os mesmos métodos experimentais e apresentam seus resultados da mesma maneira.

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Curiosamente, o número de religiosos entre os cientistas norte-americanos de alto nível (membros da Academia Nacional de Ciências5 e aqueles pertencentes às universidades de elite6) é de apenas 7%. Os contribuintes deste livro são um testemunho ao fato de que isso é provavelmente o resultado de tendências sociais e de políticas das instituições dos Estados Unidos, incluindo a separação da educação superior em domínios seculares e religiosos, e não um sinal de que a corrupção espiritual se instala quando um cientista sobe ao topo. Descobrindo o cristianismo e a ciência

O meu foco, neste livro, é discutir como a fé e a ciência se encaixam atualmente na prática. Antes de tudo, como os cientistas encontram a fé? Os cientistas que eu encontro diariamente vieram à fé de formas diferentes. Alguns eram ateístas ou agnósticos que reconsideraram a evidência da existência de Deus, na vida adulta, e mudaram de opinião. O doutor Francis Collins, antigo chefe do Projeto Genoma Humano nos Estados Unidos, e o cientista que se tornou teólogo, professor Alister McGrath, foram ambos ateístas que se puseram a investigar o cristianismo a fim de destruí-lo. Mas eles descobriram algo que mudou suas vidas de um modo completamente inesperado. Outros foram introduzidos no cristianismo ainda na tenra idade e chegaram a um momento, muitas vezes na universidade, em que decidiram continuar seus caminhos ou retornar a ele. Um exemplo é o professor Ghillean Prance, ex-diretor do Kew Gardens e também do Institute for Economic Botany no New York Botanical Gardens, que era levado à igreja desde criança, mas decidiu se tornar cristão na primeira semana de universidade. Ambos os tipos de pessoas descobriram o cristianismo por si mesmas, enquanto estavam no meio de seus estudos científicos,


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o que mostra como a fé e a ciência andam juntas de forma bem natural. A ciência envolve pessoas em um enorme espectro de carreiras: ensino, indústria, escrita, medicina, agricultura... Eu gastei boa parte do meu tempo, na Christians in Science, interagindo com cientistas no contexto da universidade. Tem sido interessante perguntar o que atraiu as pessoas para a pesquisa em primeiro lugar. As razões principais parecem ser a sede pelo conhecimento e o desejo de tornar o mundo melhor: a maioria dos cientistas compartilha ambas as motivações, embora em extensões diferentes. Completei meu PhD em genética na Universidade de Edimburgo, na Unidade de Genética Humana do Conselho de Pesquisa Médica (financiado pelo governo). A instituição era baseada em um hospital, o que sempre nos lembrava da razão pela qual estávamos ali. Quando eu andava pelo corredor de acesso, o cheiro de hospital me atingia e eu via pessoas sendo transportadas ao longo do corredor. Isso era chocante em alguns momentos, pois lembrava que o que eu fazia ainda estava longe de contribuir concretamente com a cura de alguma coisa. A escolha do meu tema de PhD deveu-se, em partes, ao meu pensamento de que ele poderia gerar um impacto nas pessoas e não apenas nos ricos ocidentais. Eu pesquisava poluentes ambientais e sua influência em crianças não-nascidas. Um embrião que carrega um gene doente pode ser perfeitamente sadio até que um distúrbio ambiental, como um agente químico tóxico, dispare o processo de uma doença (genética). Eu procurava um “mecanismo de disparo” biológico específico, o qual era considerado importante em níveis muito baixos de exposição a perigos ambientais. Encontramos evidências de que esse mecanismo tinha certo efeito em peixes7 e, agora que deixei a pesquisa, caberá a outros verificar se isso também acontece em seres humanos.

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Cientistas motivados por uma sede pelo conhecimento muitas vezes se veem realizando pesquisas que, por muitos anos, não terão impacto algum sobre as pessoas. Às vezes, eles se sentem culpados por não alimentarem os famintos diretamente, curarem os doentes ou praticarem “serviço cristão em tempo integral”. Uma nota repetida, nas histórias de muitas pessoas, é o sentimento sutil de culpa por ter um trabalho tão interessante. Os cientistas sentem às vezes que deveriam ter uma carreira mais “espiritual”. Ghillean Prance, por exemplo, foi aceito para ordenação na Igreja Anglicana antes de seu futuro sogro encorajá-lo a continuar empregando seus talentos científicos. E ele acabou compreendendo que a ciência pode ser um chamado tão importante quanto trabalhar na igreja. Deveríamos nos alegrar com sua escolha, pois ele foi um dos primeiros a apontar os problemas causados pelo desmatamento de vastas áreas da floresta Amazônica. Muitos dos cientistas com os quais me encontro precisaram passar por um processo de aprendizado até ver o seu trabalho como vocação ou como chamado e, assim, encontrar o seu nicho na ciência, podendo adorar a Deus diariamente por meio do que fazem. Fazer pesquisa quando os desdobramentos são de certo modo desconhecidos é, às vezes, mais difícil do que trabalhar em uma profissão que afetará as pessoas de forma mais direta. De fato, é muito difícil prever os benefícios que a pesquisa básica poderá trazer à humanidade em longo prazo. Porém, não é algo de menos valor e eventualmente pode afetar um número maior de pessoas ao longo do tempo. Como, então, um cristão que também é cientista deve viver além do laboratório? As pessoas têm, muitas vezes, a imagem de cientistas solitários que lutam com suas pesquisas durante todas as horas do dia e da noite. A parte de todas as horas é algumas vezes verdadeira, mas na realidade muitos laboratórios


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estão lotados de gente como latas de sardinhas: cada um tem o seu assento num espaço de sessenta centímetros. Compartilhar equipamentos caros e organizar os turnos de limpeza é parte do empreendimento. E é possível encontrar todo tipo de gente na pesquisa – classificadores, pessoas de ideias, pessoas visuais, perfeccionistas, amantes da tecnologia, matemáticos, filósofos, solitários, socialites e assim por diante. As pessoas precisam ser curiosas, criativas, capazes de se comunicar e, acima de tudo, persistentes. Muitos cientistas têm algo de anarquista em si: estão sempre buscando meios de desafiar antigas ideias, de refutar a teoria preferida de alguém (ou deles mesmos) e de construir alternativas novas. O cientista típico não apenas faz experimentos e produz artigos. Ele também gasta tempo preparando palestras, escrevendo propostas de financiamento, ensinando estudantes, participando de conferências e socializando com seus colegas. Geralmente, há rituais e tradições que compensam todas as noites e todos os finais de semana passados no laboratório: disparar rolhas de champanhe o mais longe possível no corredor, dar boas-vindas a novos estudantes com pizzas, representar peças cômicas na festa de Natal do departamento e fazer as essenciais celebrações quando artigos são publicados, financiamentos são recebidos ou estudantes são aprovados em seus PhDs. Há aqueles que, no laboratório, encontram dificuldades em enxergar além da série diária de experimentos, tentando escrever seu próximo paper ou manter seu financiamento. Alguns podem estar convencidos de que a religião é irracional e de que Deus é uma figura distante ou inexistente sobre a qual não podemos reivindicar conhecimento algum. Mas o laboratório também pode ser um lugar surpreendentemente frutífero em termos espirituais, onde alguém se encontra cercado de pensadores originais que se deparam diariamente com a beleza e a complexidade da criação.

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Os cristãos com os quais converso dizem frequentemente que sua fé se desenvolve à medida que seu conhecimento científico aumenta. Nos capítulos seguintes, você encontrará uma coleção de histórias que descrevem como o estudo do mundo natural pode revelar mais do poder criativo de Deus e despertar um senso de maravilhamento, de adoração e de reverência. O teste da fé

Fui pega de surpresa por diversas coisas quando comecei a trabalhar para a Christians in Science. Uma delas foi o entusiasmo absoluto das pessoas com as quais eu tinha contato diariamente. Elas estavam ansiosas por aproveitar qualquer oportunidade de escrever ou falar sobre o que faziam e explicar que, como cristãos trabalhando na ciência, sentiam-se inteiras e não divididas entre a fé e a ciência. Outra coisa foi a sua serena graciosidade quando outros cristãos discordavam deles sobre algum ponto. As coisas podem ficar quentes quando a sua ideia ou seu trabalho preferido são debatidos. Essas pessoas, no entanto, me mostraram como colocar meu ego de lado e como me aproximar das questões de forma racional e compassiva. Eu participei de uma conferência na qual senti que precisaria reconsiderar um tema sobre o qual já tinha me posicionado, o que foi um processo doloroso. Lendo mais tarde a obra de John Stott Ouça o Espírito, Ouça o Mundo – como ser um cristão contemporâneo, me dei conta de que estava seguindo o seu modo: Tenho tentado seguir a regra de nunca me engajar em um debate intelectual sem primeiro ouvir a pessoa ou ler o que ela escreve, ou preferivelmente as duas coisas... Não estou afirmando que essa disciplina seja fácil. Longe disso. Ouvir com integridade paciente ambos os lados de um argumento pode provocar uma dor mental aguda. Pois envolve a interiorização do debate até que alguém não apenas capte


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o sentido, mas sinta a força de ambas as posições (STOTT, 1995, ênfase acrescentada).8

As conversas realmente interessantes acontecem quando os cristãos e os outros aprendem a fazer isso. E o mais interessante é que podemos, a partir daí, nos mover para além das diferenças, focando os elementos que temos em comum. A pergunta seria então: o que estamos fazendo aqui e o que podemos fazer em relação a esses temas sobre os quais alcançamos compreensão? Quando isso acontecer, nós faremos progressos reais como cientistas no laboratório, plenamente apoiados pela comunidade cristã, e como pessoas que desejam se engajar em questões e oportunidades levantadas pela ciência e pela fé. Ao longo do meu trabalho, também descobri que pastores, professores e outros necessitavam grandemente de uma explicação clara e acessível sobre a interação entre a ciência e a fé, para as “pessoas no banco” da igreja e também para aquelas que estão fora da comunidade cristã. Normalmente, é mais fácil para acadêmicos escrever publicações eruditas do que se comunicar de forma imaginativa com o público geral. No Instituto Faraday, eu finalmente me encontrei na posição de ter todo o tempo e todos os recursos de que precisava para focalizar a produção de material para as pessoas que necessitassem disso e ainda pude reunir uma equipe de pessoas talentosas e criativas para fazer isso acontecer. Esta coleção de histórias de vida e o DVD que a acompanha são resultados do nosso trabalho. Mas por que “O Teste da Fé”? O desafio levantado recentemente é, muitas vezes, o de que Deus é uma ilusão e que a ciência removeu a necessidade da fé em qualquer coisa que seja. Como os cientistas cristãos respondem a isso? Todos eles foram treinados para pensar e testar ideias até o limite. Se tanto a sua fé, quanto a sua ciência forem buscas genuínas pela verdade, precisamos ouvir o que eles têm a dizer.

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O objetivo deste livro é compartilhar as experiências de alguns cientistas cristãos com pessoas que talvez exerçam a mesma atividade e com outras que desejam olhar esse mundo e ver como ele funciona. Imagino que muitas pessoas que terão acesso a este livro não são cientistas profissionais, mas se enveredaram pela questão da relação entre ciência e fé, mesmo que tenha sido apenas por meio da leitura de uma notícia ou de uma matéria sobre as últimas atividades dos “novos ateístas”.9 Aqui, cada cientista, além de contar sua história pessoal, escolheu um pequeno trecho de alguma passagem bíblica que o ajudou a ver sua fé e sua ciência unificadas de um modo mais aguçado. À medida que você ler as histórias de vida desses cientistas cristãos, espero que tanto a fé como o amor pela ciência que eles demonstram brilhem claramente diante dos seus olhos.


1.

Aprendendo a linguagem de Deus Francis Collins Ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, Institutos Nacionais de Saúde, Bethesda, Maryland

E se pudermos desvendar o conteúdo de todo o livro de instruções do DNA que existe em cada uma de nossas células e que controla o desenvolvimento e o funcionamento de nossos corpos? Essa é a pergunta que Francis Collins fez a si mesmo como diretor dos National Institutes of Health (NHI) no Projeto do Genoma Humano – um gigantesco esforço internacional que envolveu mais de 2 mil pesquisadores. Em 2000 e depois de dez anos de trabalho duro, o primeiro esboço do “genoma” de DNA foi concluído. A declaração oficial da Casa Branca foi: “Estamos cada vez mais admirados pela complexidade, beleza e maravilha do mais divino e sagrado dom de Deus”. Isso não foi jogada política para Collins, mas realmente refletia sua própria experiência.


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Eu cresci em uma pequena fazenda sem encanamento e fui educado em casa, por minha mãe e por meu pai, até os 10 anos. Recebi deles uma grande dádiva: o dom de aprender a amar o aprendizado e a descoberta de que novas experiências poderiam se incluir entre as coisas mais emocionantes a me acontecer. Isso me deu um senso de curiosidade que me conduziu, por meio da matemática, da química e da física, até a biologia e a medicina, e finalmente à exploração desse maravilhoso registro denominado de genoma do DNA humano. Meu pai era professor de drama e minha mãe era dramaturga. Vivíamos em um ambiente bastante rústico, cuidando de uma fazenda sem maquinário algum, o que rapidamente levou meus pais à conclusão de que não seria possível viver daquele jeito. O trabalho em tempo integral de meu pai era sua forma de colocar o pão na mesa. Meus pais eram totalmente imersos no universo teatral e claramente isso era o que se esperava de todos os seus quatro filhos. Com 4 anos, eu já estava no palco e amava cada minuto que passava ali. A ciência não era algo que realmente fazia parte da minha experiência familiar. Ela se tornou real para mim por meio das mãos de um carismático professor de química em uma escola pública da Virgínia. Ele conseguia escrever a mesma informação, no quadro-negro, com as duas mãos ao mesmo tempo! Mas, acima de tudo, ele nos ensinava as alegrias de ser capaz de empregar as ferramentas da ciência para descobrir coisas que ainda não sabíamos. Eu peguei essa febre e ainda sofro dela. Em casa, não se falava muito sobre a fé. Eu não fui educado com cosmovisão espiritual específica alguma. Meus pais não eram críticos da fé, mas também não a consideravam particularmente relevante ou importante. Eu não via qualquer sinal de inclinações, por parte deles, para essa área, embora meu pai finalmente tivesse se tornado cristão. Fui enviado para aprender música na Igreja


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