SERGIO LYRA
BETEL BRASILEIRO 2013 JOテグ PESSOA - PB
CIDADES DO INTERIOR Sergio Lyra Primeira edição: julho de 2013 Betel Brasileiro Publicado em coedição com Editora Ultimato Coordenação editorial e de produção: Cláudia Mércia Eller Miranda Revisão de linguagem: Judson Canto Capa: Daniel Tito Lyra Diagramação: Alfstudio Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional, publicada pela Editora Vida.
Dados internacionais de catalogação-na-publicação Josélia Maria Oliveira da Silva CRB15/113
L992c
Lyra, Sérgio Paulo Ribeiro. Cidades do interior : uma proposta missionária / Sérgio Lyra. – João Pessoa : Betel Brasileiro, 2013. 320 p. ISBN 978-85-61785-16-1 1. Missiologia urbana do interior. 2. Métodos de evangelização. 3. Sociabilidade e religiosidade do interior. 4. Estratégias missionárias. I. Título. CDU: 266.1
Classificação Decimal Universal (CDU) Edição-Padrão Internacional em Língua Portuguesa, 1997.
BETEL BRASILEIRO, BETEL PUBLICAÇÕES Rua Raul de Souza Costa, 790, Alto do Mateus CEP 58090-070 – João Pessoa – PB Tel.: (83) 3041 8134 www.betelpublicacoes.com.br
EDITORA ULTIMATO Caixa Postal 43 CEP 36570-000 – Viçosa – MG Tel.: (31) 3611 8500 www.ultimato.com.br
É PRECISO AGRADECER
O
trabalho para a confecção deste livro exigiu muito esforço, anos de estudos, viagens, pesquisas e horas a fio em frente de um computador digitando apenas com dois dedos, em face das minhas limitações físicas. Todavia, em todo esse percurso não tenho como deixar de reconhecer a graça maravilhosa do Senhor Jesus Cristo, pois ficou patente que é nas nossas fraquezas que somos aperfeiçoados e vemos o poder de Deus. Não posso deixar de registrar que toda a nossa força vem de Deus. Assim, é meu ato de adoração e agradecimento declarar que o Senhor é bom e a sua misericórdia dura para sempre! Durante a minha caminhada, tive a incomensurável bênção de ter sempre comigo a ajuda de minha bela e preciosa esposa, Jamile. Ela tornou-se mais do que a minha metade, pois, por muitas e muitas vezes, anulou-se a si mesma para me servir, ajudar, apoiar e incentivar. Agradeço a essa mulher virtuosa por cada segundo dedicado, seja empurrando uma cadeira de rodas nas ruas de São Paulo, nas ruas irregulares das cidades do interior, seja preparando refeições, seja encorajando, seja me advertindo para melhor aproveitar o tempo ou simplesmente parando para ouvir pacientemente os resultados das pesquisas. Deus é bondoso e eu sou um homem muito abençoado pela esposa que ele me deu. 5
Agradeço ainda ao meu filho Daniel Tito, que empreendeu parte de minhas pesquisas, à missionária Verônica dos Santos Farias e ao presbítero Edelry Leite, cujos esforços e compaixão pelo povo do interior fez brotar em mim a semente da inquietação pela evangelização das pequenas cidades longe da capital. Agradeço ainda ao Conselho da Primeira Igreja Presbiteriana de Casa Caiada, o qual incentivou e viabilizou este trabalho. Agradeço também a cada membro que, mesmo sem verbalizar, orou e nos apoiou.
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Sobre o autor Sérgio Lyra é casado com Jamile, pai de André, Sérgio, Daniel e Filipe e avô de quatro netos: Malu, Samuel, Manoel e Levi. É pastor presbiteriano desde 1980 e pastor titular da 1ª IP de Casa Caiada, Olinda (PE), desde 1994.
Vida acadêmica É doutor em Ministérios pelo Reformed Theological Semanary; mestre em Missiologia pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper; bacharel em Teologia pelo Seminário Batista do Norte e bacharel em Ciência da Computação pela UFPE. É coordenador do Departamento de Missiologia do Seminário Presbiteriano do Norte; professor da pós-graduação do Betel Brasileiro.
Livros e artigos editados Cidades para a Glória de Deus (Visão Mundial) Conhecendo as verdades da Fé Cristã (IP C. Caiada) Ministério pastoral transformador (Ed. Descoberta) A liderança de Calvino em Genebra (Ed. Descoberta) Anunciai entre as nações a Sua Glória (Ed. Esperança)
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SUMÁRIO
PREFÁCIO INTRODUÇÃO: UM CENÁRIO PREOCUPANTE
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O NORDESTE DE HOJE: ASPECTOS DE ONTEM 1.1 – Colonização: o processo escravagista 1.2 – O catolicismo: exclusivismos e sincretismo 1.3 – Do escravo ao assalariado: o círculo de pobreza 1.4 – O momento primevo do protestantismo no Nordeste
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A EVANGELIZAÇÃO DAS CIDADES DO INTERIOR 2.1 – História da evangelização do interior de Pernambuco 2.2 – A estratégia de evangelização a partir das cidades-polo 2.3 – A ação evangelizadora dos “bandeirantes pentecostais” 2.4 – Estratégias e consequências da formação teológica
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ASPECTOS SOCIOMISSIOLÓGICOS DAS CIDADES DO INTERIOR 3.1 – As pequenas cidades do interior pernambucano 3.2 – A Região Metropolitana do Recife e as igrejas presbiterianas 3.3 – Igrejas ou agências missionárias: responsabilidades e ações 3.4 – A importância dos leigos na tarefa missionária
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UMA PROPOSTA MISSIONÁRIA PARA O INTERIOR 4.1 – A questão ética da miséria na capital e no interior 4.2 – Remodelação na formação teológica e missional 4.3 – Redefinição do perfil missionário da igreja local 4.4 – A proposta de uma estratégia missionária 4.5 – Sementes das igrejas da capital no interior pernambucano
CONCLUSÃO, IMPLICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS E APÊNDICE
PREFÁCIO
MISSÃO NO “INTERIOR” NORDESTINO1
Prefaciar um livro é um empreendimento sério. Está em risco a reputação do prefaciado e do prefaciador. Alguém pode prefaciar uma obra motivado pelo conteúdo e relevância do texto, pela repercussão do autor, pela amizade que tem com o escritor, ou simplesmente pela oportunidade de tornar “seu” nome conhecido ou aliado à erudição do prefaciado. A razão pela qual eu aceitei o convite para prefaciar o livro Cidades do interior: uma proposta missionária, do Dr. Sérgio Lyra, tem a ver com o conteúdo e relevância da obra bem como com a contribuição que esta traz para a edificação e revitalização da Igreja do Senhor Jesus Cristo e a salvação dos perdidos. Afinal, o objetivo último de todo ministério cristão é glorificar, honrar, exaltar a Pessoa, a Palavra e a Obra de Deus Pai, Filho e Espírito Santo,mediante o conhecimento, a obediência e a propagação das Escrituras Sagradas, através da qual o povo santo de Deus (a Igreja) será edificado e os perdidos abençoados com a Salvação em Cristo.2 Não tenham dúvida, entretanto, quanto à minha amizade pessoal com o autor desta obra. Conheço-o desde os idos dos anos 1970, quando trabalhamos juntos no Acampamento Palavra da Vida, no Nordeste do Brasil. Uma amizade de mais de trinta e cinco anos; entretanto, não prefaciaria 1
Geralmente não se coloca título num prefácio. Mas, enquanto considerava o texto a prefaciar, lembrei-me da agência missionária estabelecida por Hudson Taylor, no século XIX — China Inland Mission (Missão do Interior da China). A visão e o trabalho do Dr. Sérgio Lyra me fizeram lembrar o interesse, a paixão e o trabalho do médico “missionário” Dr. Hudson Taylor (1832-1905).
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Estudem João 17; 1Coríntios 9—11:1 e outros.
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uma obra simplesmente por causa da amizade. Tenho acompanhado o ministério profícuo do meu amigo ao longo dos anos. Acompanhei de perto a pesquisa séria, o trabalho acadêmico esmeroso e a imersão experiencial do meu colega nesta área da evangelização rural e urbana. Aos leitores — que espero incluam todos os membros da Igreja de Cristo, interessados na obra do Reino de Deus —, aqui seguem algumas das razões que me motivaram a prefaciar e recomendar tal trabalho. Primeiro, este trabalho é fruto de uma intensa, minuciosa e bem elaborada pesquisa bíblica, bibliográfica, sociológica e prática. Todo o processo servirá de modelo para aqueles que estão interessados em pesquisar e publicar seus trabalhos. Aliás, Deus tem abençoado o Dr. Sérgio com capacidade mental e intelectual para observar, questionar, levantar hipóteses, testá-las, levantar dados, analisá-los e reportar suas descobertas, conclusões e apropriadas recomendações. Tal erudição, entretanto, não destitui o trabalho do sabor de ler. Não é tedioso, enfadonho nem irritante. Absolutamente, não! Sérgio escreveu para ser lido, entendido e posto em prática. Talvez alguém que esteja lendo este prefácio possa criticar o prefaciador por não ter expressado a mesma dinâmica que o autor do livro conseguiu comunicar. Minha resposta é simples: estava me referindo à dinâmica cativante do livro e não à deficiência literária do prefaciador. Aliás, tive o privilégio e o prazer de participar da banca examinadora, quando o texto base foi apresentado como uma tese de doutorado, como também tive a alegria de ouvir uma apresentação clara, cativante e “missional” do autor, com o feedback de outros doutorandos presentes. Mas o Dr. Sérgio não se limita a escrever sobre o que foi dito no passado, nem sobre o que deixou de ser feito ou o que deveria ser feito. Compartilha o que já está fazendo há muitos anos. Ele não age farisaicamente como quem diz: “faça o que digo.” Ele tem estado literalmente envolvido no fazer. Este trabalho conta com teoria, prática, avaliações e exemplos. Portanto, uma das primeiras razões que me motivaram a recomendar este livro de todo o coração tem a ver, repito, com o nível de sua pesquisa e da experiência prática e constante do seu autor. O leitor cuidadoso perceberá, em cada capítulo, a mente, o coração e a peregrinação evangelística de uma pessoa que ama as cidades do interior. 12
A segunda razão que me leva a recomendar este livro tem a ver com sua perspectiva socio-histórica. O pesquisador não ignorou, como alguns o fazem, os precedentes históricos. Construiu sobre os ombros dos outros, mas não de uma maneira cega, indiscriminada, acrítica. Foi crítico no momento certo, mas não deixou de reconhecer a contribuição daqueles que, no passado, já consideravam o assunto em pauta. Em outras palavras, o autor conhece a literatura — a estrutura teorética relacionada ao assunto. Ressalto, portanto, a dimensão socio-histórica do seu trabalho. Uma lida cuidadosa através do texto, um exame comparativo das notas de rodapé informarão o leitor o valor socio-histórico deste documento. Ele realiza todo este trabalho sem desconsiderar o que outros já observaram e escreveram sobre o assunto. A terceira razão tem a ver com o caráter missional desta obra. O termo “missional” tornou-se de uso frequente na literatura das igrejas chamadas “emergentes”.3 Eu pessoalmente utilizo o termo missional com certas reservas. Ele reflete uma “nova” terminologia no contexto missiológico americano. Tal termo apenas expressa uma ênfase que já está nas Escrituras e as Escrituras usam palavras que expressam uma profundidade teológica e missiológica bem mais acentuadas. Quando uso a palavra missional, portanto, estou simplesmente me referindo ao compromisso visível do Dr. Sérgio com a obra redentora e redentiva do Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.4 O leitor perceberá o compromisso e as perspectivas bíblicas, teológicas e missiológicas do escritor com a doutrina do Reino de Deus, a qual está intimamente relacionada com a propagação e com a manifestação da glória, do domínio e do governo de Deus na salva3
Há muitos artigos, livros, ensaios, blogs, audios, até youtube videos sobre “emerging churches.” Muitos escritores têm limitado suas observações há apenas uma das tendências deste movimento. Esquecem-se, por falta de uma pesquisas mais acurada, que hoje há mais de um tipo de igrejas “emergentes,” especialmente nos Estados Unidos. Há um grupo emergente comprometido com a teologia reformada (Mark Driscoll, Matt Chandler e outros), um grupo emergente comprometendo-se com a teologia liberal (Bryan Mcleran), e um outro grupo representado dentro de denominações históricas (Tim Keller).
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Teólogos e missiólogos tanto dentro do contexto ecumênico como evangélico têm utilizado a expressão missio Dei. Sem dúvida, o entendimento do conceito da missio Dei dentro da missiologia reformada e evangélica difere em “grau e número” das definições e implicaçoes apresentadas dentro dos grupos liberais, tais como o Concílio Mundial de Igrejas. Interessados podem consultar o artigo excelente de um dos meus colegas, Dr. John MacIntosh, no Intenational Dictionary of World Mission, veja s. v. Missio Dei.
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ção dos pecadores, na revitalização das igrejas locais, tanto nos grandes centros urbanos como nos pequenos vilarejos do interior, bem como na transformação das cidades.5 A quarta motivação tem a ver com o compromisso do escritor com a autoridade das Escrituras Sagradas. Ele faz uso das ciências sociais, sem comprometer sua posição inequívoca com relação ao texto e à autoridade infalível, inerrante, inspirada, eficiente e suficiente das Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos. É notável o espaço dedicado ao contexto socio-economico-histórico de algumas cidades pernambucanas (usadas, até certo ponto, como casos de estudo), mas, em circunstância nenhuma, Dr. Sérgio mostrou indiferença nem subjugou a autoridade das Escrituras nem a hermenêutica reformada a princípios ou teorias socio-culturais que contradizem o Texto Divino. Aliás, numa época em que metodologias e teorias das ciências sociais (especialmente antropologia cultural, sociologia e história) são assumidas como determinantes hermenêuticos para interpretarmos a Bíblia, o autor deste livro, consciente e cuidadosamente, utiliza e aplica tais estudos e metodologias à medida que estes apontam a graça comum em consonância, não em contraste, com os ensinos dos patriarcas, profetas e apóstolos. Os reformadores criticamente utilizaram escritos e ensinamentos de alguns dos seus contemporâneos, os quais teriam respaldo na crença bíblica de que Deus é único e verdadeiro e de que toda verdade é verdade de Deus, como o teólogo e político reformado Abraham Kuyper (1837-1920) afirmou: “Não existe sequer uma polegada quadrada em todo domínio de nossa existência humana sobre a qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não diga de alto e bom som: ‘é Meu!’”6 Não é este o ensinamento que encontramos no livro de Jó e nos Salmos de Davi?
5
Em vez de transformação urbana, Calvino e os Puritanos provavelmente falariam sobre a “reforma” das cidades.
6
Declaração de Abraão Kuyper, durante a dedicação da Universidade Livre de Amsterdam, na Holanda: “There is not a square inch in the whole domain of our human existence over which Christ, who is Sovereign over all, does not cry: ‘Mine!’”, in: James D. Bratt (Ed.), Abraham Kuyper: A centennial reader (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1998), p. 488.
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Quem primeiro deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois o que está debaixo de todos os céus é meu. (Jó 41:11) Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam. (Salmo 24:1) Finalmente, recomendo este livro do Dr. Sérgio Lyra porque a leitura, estudo, discussão e a implementação apropriada dos princípios deste estudo contribuirão para a expansão do Reino de Deus através de plantação de igrejas, com o propósito de alcançar todas as pessoas com o evangelho do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em todas as cidades, em todas as dimensões da existência humana. SOLI DEO GLORIA.
Dr. Elias dos Santos Medeiros Harriet Barbour Professor of Mission and Evangelism Reformed Theological Seminary Jackson, MS, USA Dr. Elias Medeiros foi missionário da Igreja Presbiteriana do Brasil na transamazônica, por vários anos, antes de assumir o ministério acadêmico.
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INTRODUÇÃO
UM CENÁRIO PREOCUPANTE
A
ordem de Jesus de ir e pregar o Evangelho a toda criatura e em todos os lugares, não trazia consigo apenas a responsabilidade de divulgação da salvação para a alma do indivíduo, embora, em alguns períodos posteriores da história, esta tenha sido a ênfase.1 A tarefa missionária traz consigo não apenas o anúncio de salvação, mas também a implantação dos valores do Reino de Deus pela igreja,2 pois foi assim que o Senhor Jesus mostrou os impactos do seu Reino. Doentes, coxos e cegos foram curados, demônios foram expulsos e humilhados, pobres e ricos, dominados e os dominadores tiveram acesso a sua pregação e atenção. Pecadores encontraram perdão, amor e oferta de salvação. Séculos de história do avanço e disseminação dessa mensagem se passaram, até que a verdade bíblica desse evangelho chegasse ao solo nordestino. Infelizmente, os primeiros contatos com a fé cristã reformada no Nordeste se deram mediante uma iniciativa do colonialismo militarista holandês. Segundo o historiador cristão Francisco Leonardo, praticamente nada daquela influência de fé reformada ficou nem se propagou.3 Como um reflexo das missões que afloravam devido ao impacto produzido pelo 1
Um exemplo clássico foi o movimento pietista alemão do século XVII, em especial o caso de Zinzendorf, em Hernhurt. Ver Stephen Neill, História das Missões (São Paulo: Vida Nova, 1989), p. 233-244.
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Carlos Del Pino. “A importância da igreja local”, in: Charles Timóteo Carriker (Ed.), Missão e igreja brasileira – perspectivas teológicas (São Paulo: Mundo Cristão, 1992), p. 68.
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Frans Leonard Schalkwijk. “Índios evangélicos no Brasil holandês”, in: C. Timóteo Carriker (Org.), Missões e igreja brasileira – perspectivas históricas (São Paulo: Mundo Cristão, 1993).
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gigantesco movimento missionário do século XIX, o Nordeste brasileiro, em particular o estado de Pernambuco, passou também a ser um alvo a ser atingido. À semelhança do Sul-Sudeste,4 missionários estrangeiros foram os primeiros a escolher o Nordeste como um campo a ser evangelizado, tendo sido os batistas os primeiros a chegarem à Bahia e os congregacionais ao Recife.5 Assim, as capitais das províncias, cidades mais prósperas e mais populosas, foram escolhidas como focos missionários primários. Lamentavelmente, este foco não se ampliou adequadamente na busca de alcançar as cidades do interior. Não seria absurdo supor que aqueles pioneiros adotassem a estratégia de primeiro atingir as cidades-capitais, o que em si não seria uma estratégia equivocada. Muito pelo contrário, de certa forma ela reflete a mesma postura adotada pelo apóstolo Paulo de atingir as cidades-chave do Império Romano e aquelas menores que estavam nas rotas das vias romanas.6 Algo a mais merece registro. O interior pobre do Nordeste passou despercebido aos missionários por muito tempo, diferentemente do que ocorria no interior paulista e no interior mineiro. Nestes, a produção de riqueza atraiu fazendeiros e empresários cristãos protestantes. Sendo assim, levavam consigo o evangelho.7 Um bom exemplo dessas ações foi a iniciativa do engenheiro João Pedro Dias, presbiteriano que levou para Cuiabá (MT) luz elétrica e telefone e, junto com a tecnologia, a mensagem do evangelho. Quando cheguei ali para pastorear a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, em 1984, tive o imenso privilégio de visitar e conversar com a irmã Edvirgem, uma senhora baixinha de 103 anos que fora lavadeira do engenheiro João Dias e se convertera com a sua pregação. Para não ser injusto ou mesmo ser 4
Júlio Andrade Ferreira. Religião no Brasil (São Paulo: Luz para o Caminho Publicações, 1992), p. 96.
5
Ibid.
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Segundo Barro, o apóstolo Paulo é um modelo a ser estudado e copiado. Ele elaborou uma estratégia evangelística urbana, utilizou as cidades-chave e rotas comerciais do Império Romano e enviou várias cartas, característica de comunicação de população urbana da época. Para Paulo, a igreja era de total relevância missionária (celeiro missionário, apoio missionário, agência missionária etc.) Ver Jorge Henrique Barro, Ações pastorais da igreja com a cidade (Londrina: Descoberta, 2000).
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Um exemplo desta opção sulista pode ser verificada com a obra missionária presbiteriana. Ver Júlio Andrade Ferreira, História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol II (São Paulo: CEP, 1992), p. 74-78.
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tentado a desfocalizar a nossa pesquisa na realidade missionária ocorrida no Nordeste, merece referência o trabalho de pesquisa do professor Edijéce Martins, no seu livro A Bíblia e o bisturi.8 Esse trabalho oferece narrativas impactantes do trabalho missionário do pastor e médico Dr. George W. Buttler, que, mesmo tendo sido ordenado sem um curso teológico, ajudou à implantação da Primeira Igreja Presbiteriana no Recife; fez um excelente trabalho missionário nas cidades de Garanhuns e Canhotinho e muito ajudou outros trabalhos missionários no agreste de Pernambuco, na década de 1890. De Garanhuns surgiram obras sociais, escolas seculares e teológicas, tais como: o atual Seminário Presbiteriano do Norte, hoje em Recife, o Instituto Bíblico do Norte e o Colégio XVI de Novembro, sendo também o berço de diversos pregadores e pastores de renome no Nordeste. Olhando para o lado do ramo pentecostal, as Assembleias de Deus marcaram consideravelmente as cidades interioranas do nordeste a partir da década de 1920, embora quase nada tenha sido feito por elas na área social.9 Todavia, o trabalho desses irmãos que tanto valorizam o obreiro leigo não pode ficar escanteado. Como professor de missiologia, em diversos seminários do Nordeste desde 1998, percebi que a proposta educacional curricular apresenta despreocupação pela formação missionária para plantar igrejas. Inclusive há desinformação dos futuros pastores, sobre a realidade e necessidades das cidades do interior. Creio e defendo que o conteúdo teológico oferecido nos seminários não deve ser diminuído. Uma avaliação na área da teologia prática, mesmo sujeita à crítica de ser uma avaliação superficial, podendo até ser acusada de tendenciosa, não seria injusta se levantasse pelo menos duas questões para reflexão. Primeira, por que os seminários dão tanta ênfase à área pastoral focalizada na capacitação para pregar e pastorear igrejas já estabelecidas? Segunda, por que existe o vazio na capacitação missiológica teórico-prática, visando a produzir ministros para plantar igrejas, particularmente em locais pobres do interior, onde a realidade difere grandemente das grandes cidades? Para se ter uma ideia, só no Grande Recife, há cerca de trinta seminários teológicos, sendo quatro deles de teologia 8
Edijéce Martins Ferreira, A Bíblia e o bisturi (Recife: Astra, 1974).
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Paulo D. Siepierski, Evangelização no Brasil: um perfil do protestantismo brasileiro – o caso Pernambuco (São Paulo: SEPAL, 1987), p. 80.
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reformada, e apenas um, dentre esses quatro, pode ser identificado dentre os que oferecem capacitações missionárias e pastorais voltadas para as cidades do interior. A missão da igreja possui também a face social. Ao voltarmos nossa atenção para o social do interior, verificamos a realidade de uma miséria e pobreza centenárias que abriram suas tendas praticamente em todo o Nordeste.10 As desgraças sociais nordestinas nunca foram ameaçadas de extinção nem pela igreja nem mesmo pelo governo civil. Desde sua colonização, esse interior tem sido uma terra de milhões de miseráveis, trabalhadores explorados e sem terra, vivendo sob um clima agressivo.11 Este quadro triste, ainda hoje, é o filme, ao vivo e em cores, de 76% da população que atualmente habita o interior do Nordeste brasileiro.12 Em um contraste humilhante, tem-se perpetuado a classe dos privilegiados e oportunistas, inclusive aqueles que mercadejam a Palavra, que da pobreza de muitos extraem suas riquezas.13 É fato também que a estratégia de evangelização das igrejas históricas tem claramente optado pelas “boas e grandes cidades”.14 Esta estratégia não estaria errada se apontasse as grandes cidades como uma “cabeça de ponte inicial”, e nunca como um porto final de chegada. Assim, igrejas proliferam nos grandes centros urbanos e se abstêm de prosseguir para as cidades pobres do interior. Dados do IBGE, de 2000, apontavam mais de 300 cidades pobres do interior nordestino com até 1% de evangélicos,15 e os dados do 10 Gilberto Freire afirma que, ao contrário das outras regiões, o Nordeste perpetuou duas classes: o português rico, proprietário e empreendedor, e os negros, índios e mestiços, que apenas trabalham a terra que não possuem. Ver Gilberto Freire, Nordeste (São Paulo: Ed. Record, 1989). 11 O historiador Correia de Andrade considera que o problema da má distribuição de riqueza e extrema pobreza do nordestino remonta ao período da colonização. A região Nordeste praticamente manteve o grande latifúndio, o coronelismo autobeneficente e a manutenção de uma população rural paupérrima, geradora de mão de obra equivalente aos custos da compra e manutenção de escravos. Ver Silvio Maranhão (Ed.), A questão Nordeste (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984). 12 Dados do censo realizado pelo IBGE em 2010. 13 Leonildo Silveira Campos denuncia a exploração da pobreza por “pastores” neopentecostais. Ver A Igreja Universal do Reino de Deus: um empreendimento religioso atual e seus modos de expansão (Brasil, África e Europa), UMESP-SP. Disponível em: http://www.lusotopie. sciencespobordeaux.fr/campos99.rtf. Acesso em: 22 mar. 2011. 14 Siepierski, Evangelização no Brasil, p. 102. 15 Para mais informações http://www.infobrasil.org/brasil/municipios.htm. Dados obtidos em junho de 2010.
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censo de 2010 apontam, em Pernambuco, 33 cidades interioranas com menos de 3% de evangélicos, e mais de 90, na Paraíba. Já no lado do serviço social, não passam despercebidas as ações emergenciais das igrejas quando as calamidades das secas são anunciadas e espalhadas pela mídia. Quem não tem o coração comovido diante de imagens que apresentam crianças cadavéricas como resultado da inanição? Quem não sente o desejo de fazer algo quando se toma conhecimento de famílias que não comem há dois ou três dias?16 Quem não tem vivos na lembrança as reportagens e artigos sobre milhares de famílias famintas e miseráveis do sertão nordestino, penalizadas pela última grande seca no final da década de 1990? Mas, analisemos com sinceridade: não age também assim todo o resto do Brasil evangélico ou não? Que fazem os crentes de modo diferente? Nas duas últimas décadas do século XX, foi possível identificar um esboço intensificador de ações missionárias em prol das cidades do interior nordestino. Surgiram agências missionárias interdenominacionais, tais como o Betel Brasileiro e a Juvep, na Paraíba, Diaconia, Escola de Missões do Nordeste, Ação Missionária para Áreas Inóspitas-AMAI, em Pernambuco, e outras iniciativas, como os projetos presbiterianos Rumo ao Interior e Consórcio para Plantação de Igrejas no Interior, ambos no Recife, e o forte projeto Avanço Missionário, com sede na cidade de Mossoró (RN), que já plantou mais de 30 igrejas. Apesar disso, é lamentável que exista uma verdadeira alienação das igrejas das grandes cidades, em particular das igrejas reformadas quanto ao grito dos moradores do interior. Pensar um pouco mais longe significaria não apenas ser uma igreja capaz de identificar as carências urbanas de sua cidade,17 mas também ver as igrejas urbanas como celeiros missionários, “passando à Macedônia do interior” e ajudando a evangelizar as pessoas dessas cidades. Diante dessa realidade, nos sentimos direcionados a levantar questões que não poderiam ficar sem resposta ou respondidas apenas com o silêncio. Isto seria o mesmo que concordar com a inexistência de soluções. Como ponto de partida para instigar a reflexão, levanto cinco perguntas: 16 Castro oferece uma excelente análise da questão da fome. Ver Josué de Castro, A geopolítica da fome (São Paulo: Brasilense, 1968). 17 Oneide Bobsin propõe que a igreja urbana necessita ser uma avaliadora das necessidades da cidade. Ver Desafios urbanos à igreja – estudos de casos (Sinodal, 1995).
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1. Por que todas as cidades financeiramente boas do interior foram e são atingidas pelas denominações, enquanto a grande maioria das cidades pobres possui menos de 5% de evangélicos e praticamente nenhuma igreja reformada? 2. Que tem sido feito pelas grandes igrejas urbanas da região metropolitana em prol da evangelização e da ação social nas cidades do interior? 3. Que estratégias missionárias podem ser identificadas no passado para plantação de novas igrejas e quais as que são adotadas atualmente? 4. Qual a contribuição da educação teológica para a contextualização de ações missionárias e estratégias para evangelizar o interior do Nordeste? 5. Que ações missionárias das igrejas das grandes cidades produziriam mudanças efetivas em face das necessidades de fome de pão e sede de salvação, sem desassociá-las? Pensando sobre essas questões que incomodam, descobrimos um verdadeiro vácuo literário teológico e missiológico, no que se refere a autores evangélicos e missiólogos. Para nossa surpresa, há autores não evangélicos que têm produzido considerável reflexão sobre a realidade socioeconômica e política das cidades do interior, levando até em consideração o aspecto religioso. É fato verificável por qualquer viajante do interior que aquelas cidades pequenas e pobres claramente sofrem uma inaceitável alienação missionária. Juntando-se a isto a realidade de que o evangelho chegou ao interior do Brasil há séculos e ainda existe a necessidade de uma ação que viabilize um despertamento das igrejas de maior porte para com o clamor do povo do interior, quer seja a maioria urbana quer seja a população rural, nos propomos proceder a quatros etapas de ações: 1. Pesquisar e analisar o que aconteceu e ainda acontece no contexto sócio-missiológico nas cidades do interior, tomando como foco de pesquisa cidades do Nordeste, em particular o meu estado de Pernambuco. 2. Analisar, fundamentar biblicamente e propor alternativas missionárias contextualizadas e teologicamente sadias. 22
3. Pesquisar o porquê da visível ausência de pastores plantadores de igrejas no interior, questionando as propostas de capacitação missiológico-pastoral adotadas nos cursos ministrados pelos seminários. 4. Refletir, elaborar e propor uma ação missionária que viabilize as igrejas brasileiras quebrarem os muros da desinformação que, via de regra, geram alienação, fazendo-as ouvir a voz dos que clamam no Nordeste por salvação e por uma oportunidade de produzir o seu próprio pão, em vez de recebê-lo esporadicamente, sempre em ações emergenciais de curta duração e sem efeito permanente. Para tal, teremos como base os princípios e trilhos oferecidos pelas Sagradas Escrituras. Não nos omitimos lançar mão das ferramentas missiológicas e de pesquisas sociais, sempre respeitando a supremacia das verdades bíblicas. Considerando a amplitude do Nordeste, nos limitaremos a avaliar a realidade evangélica do estado de Pernambuco quanto às ações históricas e as estratégias utilizadas no passado pelas igrejas. Para tal, o estado de Pernambuco se tornou o sítio das pesquisas, de onde faremos ampliações mediante uma extrapolação. No processo de coleta de informações da amostra de cidades, escolhi cidades do interior de Pernambuco com menos de 5% de evangélicos. Pesquisamos os dados estatísticos disponíveis nas respectivas secretarias e no censo 2000 e 2010, do IBGE, dados que oferecem, pela primeira vez, a estratificação de religiões com nomenclatura religiosa. Para aprofundar as informações, implementamos pesquisas de campo, selecionando cidades da Zona da Mata, do Agreste e do Sertão.18 Tal pesquisa buscou identificar subsídios para uma proposta pertinente da realidade do interior quanto à ação missionária evangélica passada e atual. Uma segunda pesquisa de campo foi aplicada com quarenta e cinco igrejas presbiterianas do Brasil, localizadas na Região Metropolitana do Recife, representando 91% da amostra universal dessa denominação na região. O objetivo principal da pesquisa foi o de levantar dados mis18 O Anexo 4 contém a delimitação dessas áreas e mapas dos seus respectivos municípios.
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siológicos sobre a comunidade reformada, identificar metodologias e avaliar o grau de envolvimento da membresia no processo missionário de plantação de igrejas.19 Definição dos termos O bom entendimento de nossa argumentação exige que algumas definições sejam oferecidas. Em se tratando de teologia, sociologia, economia e disciplinas afins, a concepção errônea de um termo pode gerar interpretações danosas ou, no mínimo, incoerentes com a intenção do autor. Por esta razão, apresentamos a conceituação de termos e expressões que nos são particularmente importantes. Missão Missio Dei — Esta é uma expressão O Mundo latina, que significa missão de Deus. AtraIgreja vés da revelação bíblica, Deus é conhecido Espírito Santo como autor de obras acabadas. Tudo o que Cristo Ele determinou aconteceu ou acontecerá. Deus Isto é uma verdade que permeia toda a Pai Bíblia. Quando percebemos que a missão Providencia tem sua origem em Deus, descobrimos Capacita que o chamado, a capacitação e a motivaExecuta ção missionários têm suas fontes no próOuve e recebe prio Deus (Jo 17:18). No gráfico ilustrativo (ao lado) expomos o desenrolar missionário que parte de Deus. Se a missão é missio Dei, pelo menos cinco implicações surgem de imediato:
• Não pode ser abortada — Trata-se do plano divino traçado na eternidade e trazido à execução no tempo pleromático. • É Deus quem chama e capacita — Todo plano redentivo surgiu do coração de Deus. Tendo Ele enviado seu Filho ao mundo, através de sua obra, escolheu homens e mulheres que a Ele vêm através do chamado eficaz. Então, são justificados, regenerados, convertidos e santificados para receber parte na missão e gozar eternamente do Reino. 19 Formulário de coleta de dados no Anexo 3.
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• A Soberania Divina determina os resultados — Ao contrário do que muitos pensam, o resultado das missões não pode ser medido por números ou estratégias missionárias ou atribuídos apenas ao trabalho dos missionários. Se a missão é missio Dei, então o cristão planta a divina semente, mas é sempre Deus que a fará crescer e produzir frutos. • Implica a devoção e sacrifício — Isto nos leva ao paradoxo que existe entre a Soberania Divina e a responsabilidade humana. Parte da missão de Deus foi por Ele confiada aos seus servos e servas. Ao sermos por Ele capacitados e termos recebido o mandato missionário (Mt 28:18; At 1:8), dos eleitos é esperado fidelidade, presteza, dedicação, devoção e decisão de pagar o preço. Ser participante da missão de Deus é uma tarefa pela qual vale a pena viver e morrer. • A igreja é a sua agência — A estreita relação de ser igreja de Jesus e ser enviada por Jesus nos moldes de sua própria missão (Jo 17:18) é vista como indissolúvel. Missão da igreja — John Stott, na reunião de Lausanne, em 1974,20 defendeu ser a missão da igreja constituída de evangelização e ação social, definição que abre consideravelmente o leque de opções missionárias do povo de Deus. Entretanto, opto por uma posição distinta, definindo missões da igreja conforme os argumentos propostos por David Bosh. Assim, assumimos missão ou missões da igreja como o povo de Deus intencionalmente cruzando barreiras da igreja para a não igreja, da fé para a não fé e proclamando, pela palavra e atos, o evangelho e a vinda do Reino de Cristo.21 Essa tarefa é atingida através da participação da igreja na missio Dei, missão que reconcilia as pessoas com Ele, consigo mesmas, umas com as outras e com o mundo, reunindo-as na igreja mediante o arrependimento e fé em Cristo, através do trabalho do Espírito Santo, com uma visão de transformar o mundo como sinal do Reino de Deus que já foi iniciado aqui entre nós por Jesus. 20 John Stott comenta o Pacto de Lausanne (São Paulo: ABU, 1983), p. 23-30. 21 David J. Bosch, Witness to the world (Atlanta: John Knox Press, 1980), p. 22.
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Missiologia — Em nosso tempo atual, vários teólogos têm produzido abundante literatura acerca da missiologia, tanto definindo-a como submissa à teologia, quanto interligando-a com diversas outras disciplinas, principalmente com as ciências sociais. Charles van Engen enfoca, muito apropriadamente, a necessidade de uma compreensão sadia da teologia de missões e a necessidade imperiosa de se ter como ponto de partida a missão de Deus. Esta não é uma ideia nova. Os puritanos John Eliot, missionário entre os índios americanos do século XVII, e o teólogo Richard Baxter afirmaram nos seus escritos que há três elementos de missões: (1) Deus é o soberano Senhor de missões; (2) Ele se utiliza de meios para atingir a redenção do homem; (3) O homem é responsável por aceitar ou rejeitar o evangelho.22 Mas é Charles van Engen que apresenta a missiologia como uma disciplina que tem o seu foco em Cristo e na sua missão, na soberania de Deus e, portanto, está intimamente ligado à teologia.23 A missiologia tem uma importante característica que não pode ficar sem registro. Ela possui uma forte postura interdisciplinar, mas o processo missiológico tem, inegociavelmente, o seu fundamento no texto bíblico. Através da leitura adequada e com a busca da compreensão da intenção autoral, associada a uma interpretação consistente, podem-se oferecer princípios à comunidade missionária, que é a igreja, e com ela, sob a orientação do Espírito Santo, planejar as ações missionárias. Tal fato deixa bem claro que a tarefa de todo cristão não pode deixar de ter seu fundamento nas Escrituras. Entretanto, é igualmente evidente que, mesmo partindo das Escrituras, mas sem possuir uma teologia sadia, ela significa se abrir para heresias e práticas missionárias condenáveis, sejam elas locais ou transculturais. Há uma imprescindível tarefa dos pastores e líderes das igrejas que é a de procurar ouvir a Deus, utilizar com sabedoria as suas ferramentas teológicas e ter conhecimentos de áreas afins, para poder planejar, agir e dar respostas doutrinariamente corretas e teologicamente contextualizadas. Entendemos ser missiologia este conjunto harmônico de ações. 22 Bosch, Witness to the world, p. 89ss. 23 Ibid.
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Teologia — Além da conceituação geralmente aceita acerca da teologia como credos, declarações conciliares e tratados doutrinários, estamos convicto de que a teologia diz respeito à identificação do agir de Deus através do estudo de sua Palavra revelada, sob a orientação do Espírito Santo (Rm 8:14; 1Co 2:13-16). É a partir deste conceito que podemos lançar mão dos pressupostos básicos e princípios orientadores, os quais dão direção às atividades da igreja orientadas pelas Escrituras e somente por elas. Assim agindo, a teologia sempre estará presente à missiologia, seja esta transcultural, rural ou urbana. Esta é a razão de Bosch afirmar: “nenhuma missiologia é possível sem teologia”.24 Porte de igreja — Quanto a porte de igreja, iremos apenas nos ater ao aspecto numérico. Desta forma, assume-se que uma igreja será considerada pequena quando até 200 pessoas são frequentadoras do seu culto principal; igreja média, entre 201 e 500; igreja grande, entre 501 e 1000; megaigrejas, aquelas que possuem mais de 1000 pessoas presentes aos cultos.
24 Bosh, Witness to the world, p. 22.
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