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N OV E M B R O – D EZ E M B R O 2 01 1 • A N O X L I V • N º 3 3 3
ORGULHO O caminho mais curto para o tombo ALDERI SOUZA DE MATOs O mal que existe em nós
PAUL FRESTON
Como será a igreja evangélica de 2040?
RUBEM AMORESE O PROCESSO DO MILAGRE I ULTIMATO
Novembro-Dezembro, 2011
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ULTIMATO
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Martin Boulanger
S umário
CAPA 32 34 38 39 42 46
49 52 54 58 48 59 64 66
O caminho do coração
Tornar-se criança Ricardo Barbosa de Sousa
22 Orgulho 22 O dono da glória 23 Humildade: uma virtude para Deus ver e não para o homem ver
Da linha de frente
O evangelho da gentileza Bráulia Ribeiro
23 Humildade absolutamente sem medo 24 Depois de um longo tratamento de
Cotidiano
O leitor pergunta, Ed René Kivitz
25 Provérbios de Salomão: o caminho
Casamento e família
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Missão integral
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choque
A vergonha de estar nu, Carlos “Catito” Grzybowski e Dagmar Fuchs Grzybowski A opção galileia de Jesus, René Padilla
Entrevista
Rolando de Nassau Toda música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra
Ética
Como será a igreja evangélica brasileira de 2040 ?, Paul Freston
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Reflexão
Desafios do evangelicalismo progressista Robinson Cavalcanti
História
O mal que existe em nós Alderi Souza de Matos
Redescobrindo a Palavra de Deus
Então Jesus entrou numa casa Valdir Steuernagel
Especial
Missão integral e discipulado — como se misturam?, Samuel Sheffler Heresia: uma palavra que não combina com N. T. Wright, Timóteo Carriker O aberto horizonte das missões
Ponto final
O processo do milagre, Rubem Amorese
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mais curto para o tombo é a soberba Está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carne É hora de abandonar a vaidade e deixar a liderança, se necessário Está na hora de fugir da nossa própria vaidade Percepções de si mesmo, Tais Machado O casamento do sucesso com a humildade Estamos todos embriagados! Soberba e secularização
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AS21 - Almeida Século 21; BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BP - A Bíblia do Peregrino; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CT - Novo Testamento (Comunidade de Taizé); EP - Edição Pastoral; EPC Edição Pastoral - Catequética; HR – Tradução de Huberto Rohden; KJ - King James (Nova Tradução Atualizada dos Quatro Evangelhos); NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.
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ORGULHO
Martin Boulanger
O caminho mais curto para o tombo
O dono da glória
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m todos os tempos e em todos os lugares, os cristãos têm declarado solenemente a Deus: “Teu é o reino, e o poder, e a glória para sempre” (Mt 6.13). A rigor, essas palavras finais da oração do Pai-Nosso tornam imprópria qualquer autoglorificação. Uma passagem do Antigo Testamento reforça esse comportamento: “Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte na sua força, nem o rico na sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me [...]. Pois é dessas coisas que me agrado” (Jr 9.23-24). Os cristãos precisam levar a oração dominical e o oráculo de Jeremias a sério, tanto na teologia como na prática diária. 22
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Ainda mais que há outro oráculo taxativo: “Não darei a minha glória a nenhum outro” (Is 48.11, NVI). Outras versões preferem dizer: “Eu não reparto a minha glória” (NBV) ou “Não cedo a minha glória” (BP). Nabucodonozor, por 43 anos rei da Babilônia (de 605 a 562 a.C.), não se saiu bem ao perder as estribeiras e se autoelogiar: “Como é grande a cidade de Babilônia! Com o meu grande poder eu a construí para ser a capital do meu reino, a fim de mostrar a todos a minha grandeza e a minha glória” (Dn 4.30). Ele ainda estava falando quando veio uma voz do céu que disse: “Sua autoridade real lhe foi tirada [e] você será expulso do meio dos homens,
Muitos nomes e muitos rostos A soberba tem muitos nomes — altivez, arrogância, exibicionismo, jactância, orgulho, ostentação, pedantismo, pernosticidade, presunção, vaidade, vanglória. A soberba tem muitos rostos — existe o orgulho do berço nobre, o orgulho do sobrenome famoso, o orgulho da beleza corporal, o orgulho social, o orgulho religioso, o orgulho da ortodoxia, o orgulho pentecostal, o orgulho carismático e até o “orgulho gay”, o “orgulho hétero” e o “orgulho bissexual”. O mais nocivo de todos é o orgulho da humildade. A vaidade é um dos ingredientes mais indesejados e poderosos da pecaminosidade latente. O ser humano nasce e cresce com essa propensão e lida com ela a vida inteira. Pois a cultura secular estimula e favorece a soberba do berço ao túmulo — no lar, na escola, na igreja e na sociedade.
Humildade: uma virtude para Deus ver e não para o homem ver
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ão é uma questão de aparência. A soberba mais grave é aquela que se esconde por trás de uma falsa humildade. A humildade é uma virtude para Deus ver e não para o homem ver. Não é a negação pura e simples de dons, capacitação e virtudes pessoais, mas o sentimento constante da necessidade de Deus para se ter uma vida espiritual saudável, de vitória sobre o pecado e as provações, e cheia de frutos verdadeiros. Não é a mera rejeição de palmas, prêmios e coroas, mas a transferência destes para quem de direito (Ap 4.9-11) ou a prática verdadeira do soli Deo gloria (glória somente a Deus). Não é a autodesclassificação, a renúncia da inteligência, da sabedoria, experiência, força de vontade, trabalho árduo, mas a associação dessas coisas com os recursos que provém de Deus. Não é a inatividade, o cruzar dos braços, mas a atividade comandada e alimentada pela sabedoria e providência de Deus.
Humildade absolutamente sem medo
M viverá com os animais selvagens e comerá capim como os bois”. A sentença sobre Nabucodonozor cumpriuse imediatamente: o homem dos jardins suspensos da Babilônia (uma das sete maravilhas do mundo) começou a comer capim como os bois, a dormir no relento, a deixar cabelos e unhas crescerem. Essa tremenda humilhação durou sete anos. Então, sua mente voltou a funcionar como mente de homem e ele fez uma notável profissão de fé: “Agora, eu, Nabucodonozor, louvo, exalto e glorifico o rei dos céus porque […] tem poder para humilhar aqueles que vivem com arrogância” (Dn 4.31-37).
uitos têm medo da humildade. Acreditam que ela não leva a nada, não produz resultado algum, é perda de tempo, é nadar contra a correnteza, é expor-se à maldade alheia. O medo decorre da lei do mais forte, que prevalece desde a queda do homem e cada vez mais se amplia. A cultura mundana valoriza a soberba e não a humildade. Dá mais valor à roupa, ao nome, aos títulos, aos diplomas, aos anéis, ao dinheiro, ao status social, à pose, ao poder, e não reconhece o valor da piedade, da religiosidade, da santidade de vida e da modéstia cristã. Daí o medo de ser esmagado pela multidão ao tentar sair dela e ser diferente. Embora até certo ponto razoável, o medo da humildade desaparece quando o cristão se conscientiza de que na difícil e corajosa prática da humildade ele pode contar com a proteção de Deus. A exortação de Pedro é animadora: “Sejam humildes debaixo da poderosa mão de Deus” (1Pe 5.6). Deus coloca as mãos em forma de concha sobre a cabeça da pessoa humilde, protegendo-a de algum aproveitamento da parte de outros. É como se fossem a armadura, a couraça, o escudo e o capacete da salvação (Ef 6.10-17). Novembro-Dezembro, 2011
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Depois de um longo tratamento de choque, o Egito tornou-se o mais humilde dos reinos
Certo ou errado? Thiago R. Rocha
Este mundo está mesmo transtornado. Pelo avesso ele já virou decerto. O que era certo, agora está errado. O que era errado, agora virou certo. Quem é honesto é tido por quadrado. E o desonesto é homem bem esperto. O que respeita a lei é atrasado. Quem não respeita é tido como certo. Quem deseja fazer tudo certinho, irá sentir que ficará sozinho na lisura de todos os atos seus. Mas prossegue, com toda paciência, porque respeita a sua consciência e procura agradar somente a Deus. Thiago R. Rocha, 85 anos, é pastor emérito da Igreja Presbiteriana do Riachuelo, no Rio de Janeiro, e autor de Vida Positiva e Convém que Ele Cresça.
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soberba é uma doença tão séria que exige medidas de caráter radical para acabar com ela. Em seu estágio mais avançado, a soberba danifica a mente de suas vítimas. É o caso do faraó Hofra, que governou o Egito por 19 anos, de 589 a 570 antes de Cristo, na época do profeta Ezequiel. Ele era tão vaidoso que dizia: “O rio Nilo é meu! Eu mesmo o criei para mim!” (Ez 29.3). Ora, de seus 6.671 quilômetros de extensão, apenas 1.508 (menos de 25% de toda a área) pertencem ao Egito. Além de se dizer dono do rio, Hofra apresenta-se como o seu criador! Os monumentos egípcios atestam a tradicional jactância do país. Para curar esse mal, a voz do Senhor vem a Ezequiel em janeiro de 587 e lhe diz: “Filho do homem, vire o seu rosto contra o faraó, rei do Egito, e profetize contra ele e contra todo o Egito” (Ez 29.2). O juízo de Deus sobre Hofra é muito pesado: Estou contra você, faraó, rei do Egito, contra você, grande monstro deitado em meio a seus riachos [o delta do Nilo] [...] Deixarei você no deserto, você e todos os peixes dos seus regatos [...] Você cairá em campo aberto e não será recolhido nem sepultado. Darei você como comida aos animais selvagens e às aves do céu [...] Tornarei o Egito uma desgraça e um deserto arrasado desde Migdol [ao norte] até Sevene [ao
sul], chegando até a fronteira com a Etiópia [...] Nenhum pé de homem ou pata de animal o atravessará: ninguém morará ali por quarenta anos [...] Espalharei os egípcios entre as nações e os dispersarei entre os povos [...] Então todos os que vivem no Egito saberão que eu sou o Senhor (Ez 29.1-12).
Essas medidas drásticas eram terapêuticas, visavam a cura de faraó e do Egito. E deram certo, pois Ao fim dos 40 anos [número certamente simbólico] ajuntarei os egípcios [Hofra já teria morrido e sido substituído] dentre as nações nas quais foram espalhados. Eu os trarei de volta do cativeiro e os farei voltar ao Alto Egito, à terra de seus antepassados. Ali serão um reino humilde. Será o mais humilde dos reinos e nunca se exultará sobre outras nações (Ez 29.13-15).
Jesus — um megalomaníaco? Os religiosos que querem aparecer e se autoprojetar devem se expor, viajar para onde estão os aglomerados humanos e participar de festas religiosas, celebrações de cultos e eventos especiais. Precisam chamar atenção por meio dos milagres espalhafatosos (como o de jogar-se do pináculo do templo) e de discursos inflamados. Esse de fato é o caminho mais curto e mais garantido para quem quer ser conhecido, atrair multidões e fascinar todo o mundo. 24
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Porque pensavam assim, os irmãos de Jesus disseram a ele nas vésperas da festa da Páscoa em Jerusalém: “Quem quer ter fama não faz nada às escondidas (Jo 7.3, EP), e em seguida completaram: “Vá aonde mais gente possa ver os seus milagres” (Jo 7.4, BV). A essa altura, Jesus já havia transformado 480 litros de água em vinho, colocado em pé o paralítico de Betesda, multiplicado pães e peixes e andado sobre as águas.
Porque ainda não criam na divindade dele, seus irmãos entendiam que o primogênito de Maria “queria aparecer”. Contudo, imediatamente depois da ressurreição de Jesus, eles se converteram e mudaram por completo o modo de pensar a respeito dele (At 1.14). Um deles, Tiago, provavelmente o mais velho, teve o privilégio de ser uma das poucas pessoas a ver, a sós, o ressuscitado (1Co 15.7).
Gustavo Doré
Provérbios de Salomão: o caminho mais curto para o tombo é a soberba
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alvez não haja outro livro da Bíblia tão contundente contra o pecado da soberba quanto os Provérbios. Ele associa a queda, o fracasso e o escândalo ao orgulho, como se pode ver em seguida.
A rainha de Sabá veio de longe para testar a sabedoria de Salomão e convenceu-se de que ele era um privilegiado de Deus
Deus zomba dos que zombam dele e ajuda os humildes (3.34, NTLH). Eu odeio o orgulho e a falta de modéstia (8.13, NTLH). Quando vem o orgulho, chega a desgraça, mas a sabedoria está com os humildes (11.2, NVI). Brigas e discussões são provocadas pelo orgulho, mas as pessoas humildes aceitam conselhos e se tornam sábias (13.10, NBV) O Senhor detesta todos os orgulhosos; eles não escaparão do castigo, de jeito nenhum (16.5, NTLH). A desgraça está a um passo do orgulho: logo depois da vaidade vem a queda (16.18, NBV).
Antes de sua queda o coração do homem se envaidece, mas a humildade antecede a honra (18.12, NVI). Os maus são dominados pelo orgulho e pela vaidade, e isso é pecado (21.4, NTLH). Você quer saber o que há no coração de um homem que vive zombando de tudo e de todos? Orgulho, convencimento, ódio e atrevimento (21.24, NBV). Para conseguir riqueza, respeito dos homens e uma vida feliz, você precisa ser humilde e temer o Senhor (22.4, NBV).
Mais vale ter um espírito humilde e estar junto dos oprimidos do que partilhar das riquezas dos orgulhosos (16.19, NBV).
Não se engrandeça na presença do rei, e não reivindique lugar entre os homens importantes; é melhor que o rei lhe diga: “Suba para cá!”, do que ter que humilhá-lo diante de uma autoridade (25.6-7, NVI).
Quem vive se gabando está correndo para a desgraça (17.19, NTLH).
O homem é derrotado pelo seu orgulho, mas o de espírito humilde será respeitado (29.23, NBV). Novembro-Dezembro, 2011
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Leif Ekström:
está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carne
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tendência ao orgulho e à presunção é, sem dúvida, uma das mais perniciosas tentações que o cristão enfrenta, principalmente se for pastor ou exercer outra liderança na igreja. Elogios, agradecimentos, homenagens e a frequente bajulação fazem surgir, facilmente, um sentimento de satisfação que pode levar ao orgulho e à presunção. É muito difícil lidar com este pecado chamado orgulho. Outras áreas, como a moral, a sexualidade ou a ganância, são mais facilmente detectáveis. O orgulho está dentro de nós e pode ser disfarçado com uma falsa humildade. Sinceramente, sinto que está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carne, para aprendermos que nada podemos com nossas próprias forças, capacidades e dons. Só seremos fortes quando formos fracos. Será que temos coragem de orar: “Senhor, manda mais espinhos à tua igreja e aos seus pastores”? (Fonte: Jornal Luz nas Trevas, 8/2011, p. 4)
Berdnik Oleksander
Leif Ekström é pastor da Igreja Korskyrkan, na Suécia.
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Guilherme Ávilla Gimenez: é hora de abandonar a vaidade e deixar a liderança, se necessário
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vaidade é um problema social. Muitas pessoas, em nome da vaidade, já fizeram verdadeiras loucuras apenas para manter a aparência ou fingir algo que não são. Há muitos líderes vaidosos. Em geral, fazem de um cargo ou uma posição a oportunidade para exercitarem sua vaidade, ainda que isso tenha um alto custo para seus liderados e até para a organização. Há várias histórias de líderes que arruinaram muita gente porque foram dominados pela vaidade e perderam a noção da realidade, da honestidade e até mesmo da própria dignidade. O problema principal de líderes vaidosos é que raramente admitem seus erros. A vaidade os cega de tal forma que se tornam donos da verdade e começam a criticar tudo e todos sem, no entanto, perceberem suas próprias falhas. Para manterem a vaidade, esses líderes comprometem valores, ética, moral, verdade e outros elementos indispensáveis na liderança.
Líderes vaidosos, à semelhança de Lúcifer, são narcisistas. O desejo de primazia é tão intenso que acabam cometendo vários erros, que determinam seu fracasso e consequente juízo. Qualquer ação movida por vaidade é perigosa. Líderes inteligentes fogem da vaidade e líderes comprometidos com os valores bíblicos simplesmente a abominam. Você é vaidoso e tem exercido sua liderança em meio a narcisismo, obsessão, bajulação e outros sentimentos destrutivos? É hora de abandonar a vaidade, reconhecer os erros e confessálos, bem como corrigi-los com um coração manso e disposto a ouvir aqueles que podem ajudar. Em vez de manter-se em um cargo ou posição apenas para ser reconhecido como “líder”, é mais sábio ser humilde, deixar a liderança, se necessário, e crescer em conhecimento, sabedoria, instrução, para então, mais tarde, com humildade, poder assumir novamente a liderança. (Fonte: O Jornal Batista, 11/09/2011, p. 3) Guilherme Ávilla Gimenez, pastor da Igreja Batista Betel e professor da Faculdade
Naziaseno Cordeiro: está na hora de fugir da nossa própria vaidade!
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or estarem entre os leitores de livros doutrinários e históricos e por frequentarem simpósios e encontros] alguns reformados poderão se julgar superiores aos demais, mostrando, assim, soberba e arrogância. Isso seria estranho, pois quanto mais conhecimento obtemos de Deus, mais conscientes deveríamos ficar de nossa miséria e falência. Existe o risco de haver uma apreensão intelectual da Verdade sem que esta nunca tenha chegado ao coração. Assim sendo, o conhecimento de Cristo e da sua doutrina, se não nos leva à humildade, inevitavelmente nos conduz à soberba e, por que não dizer, ao farisaísmo. Precisamos de um calvinismo prático — uma Reforma que nos leve à experiência diária de real quebrantamento diante de Deus e humildade perante os homens. Com o discurso e a prática presentes na nossa fé reformada seremos realmente relevantes para o mundo. Porém, sem a experiência de vida reformada estaremos falando de nós para nós mesmos — presos no gueto da nossa própria vaidade e futilidade. (Fonte: O Brasil Presbiteriano, 08/2011, p. 4) Naziaseno Cordeiro é pastor presbiteriano em Capela do Alto Alegre, Bahia.
Pedido de socorro Ó Deus, tem misericórdia de mim! Livra-me de qualquer processo consciente ou inconsciente de envaidecimento. Guarda-me da soberba oculta, tão escondida em alguma dobra de minha alma que eu mesmo não consigo enxergar. Protege-me da autoavaliação doentia, equivocada, mentirosa, danosa e desastrosa. Livra-me do assanhamento e da euforia (e também da depressão). Preciso da tua intervenção porque o problema é complicado e eu não sei nem consigo me vigiar sozinho. Concede-me a humildade de Jesus Cristo. Nem mais nem menos. Que a soberba não me domine. Então com a tua graça ficarei livre de grande transgressão. Amém!
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Percepções de si mesmo Taís Machado
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ecessitamos ser amados. O orgulho é uma espécie de disfunção na capacidade de perceber-se amado. Portanto, o orgulho pode ser o estado de uma alma insegura, a manifestação de uma carência que desconfia jamais ser suprida. Vive-se como se a vida fosse um concurso. Só que o orgulhoso procura, além disso, não apenas ser classificado, mas ser o primeiro. Afinal, ele não pode viver sem provar a si mesmo e exibir aos outros que ele é melhor. Geralmente o orgulhoso não tem consciência de que é assim. Entende-se apenas como esforçado, bastante dedicado, que se interessa inteiramente pelas coisas, que não desiste — enfim, um brasileiro superior. A razão pode ser um forte apoio para justificar-se e defender-se inconscientemente. O que predomina naquele que é tomado pelo orgulho é a competição. E quem compete, necessariamente, precisa observar o outro. Vive prestando atenção no desempenho do próximo a fim de superá-lo. Ou seja, a comparação é como o ar que ele respira. Não consegue viver sem isso, está o tempo todo vendo e julgando. O orgulhoso é compelido a insinuar seus feitos todo o tempo. Ofende-se se não é mencionado. Considera-se facilmente injustiçado e que os demais são ingratos, quando se trata, na verdade, de dificuldades suas. 28
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Dominado pelo orgulho, assume um jeito de viver em que a autossuficiência se revela, às vezes, discretamente, em outras ocasiões, explicitamente. Assim seus dias ficam mais cansativos, pois vivem acorrentados ao peso de não poderem pedir ajuda. Sentem como se isso fosse uma vergonha mortal. Tudo isso compromete sua capacidade de gratidão e contentamento. O orgulhoso vive inconformado com a falta de reconhecimento dos que o cercam quanto a tudo que já fez. Chega a julgar o próprio Deus e vê-se no direito de explicar por que percebe que de certa forma Deus está em dívida com ele. Em última análise, pode concluir que Deus não é de fato confiável, pois não é justo. Sendo assim, vive uma solidão cruel, que se esmera por disfarçar. A alma adoecida pelo orgulho acaba por viver seus dias miseravelmente. Vê inimigos o tempo todo, sente uma perseguição implacável em seu cotidiano. Portanto, envelhece com raízes de amargura, com dureza ímpar, com sofrimentos desnecessários. A distorção na maneira de olhar e interpretar a si mesmo, os outros e o seu contexto enruga a alma de tal maneira que poucos vestígios sobram da imagem de Deus, o Criador. Tais Machado, paulistana, é psicóloga clínica e professora em seminários teológicos. É secretária nacional de capacitação da Aliança Bíblica Universitária do Brasil.
O avental da humildade Os pastores precisam alimentar, apascentar e pastorear o rebanho que está sob seus cuidados. Não aos trancos e barrancos. Não para fazer da fé uma fonte de renda e riqueza. Não de má vontade. Não como dominadores, tiranos ou senhores. Não como donos da igreja nem como pequenos deuses. Essas atitudes provocam brigas, invejas, ciúmes, divisões, deserções, rupturas, mudanças de igreja e de denominações, além de aumentar a crescente multidão dos “sem religião” e os escândalos sem fim. Ao tratar dessa triste realidade, o apóstolo Paulo dá um oportuno conselho: “Que todos [os pastores e as ovelhas] prestem serviço uns aos outros com humildade, pois as Escrituras Sagradas dizem [que] ‘Deus é contra os orgulhosos, mas é bondoso com os humildes’” (1Pe 5.5). No original grego seria: “Vistam todos o avental da humildade” (a Bíblia do Peregrino usa essa versão). Só é possível sonhar com uma igreja mais próxima do alto padrão estabelecido por Jesus quando seus pastores vestirem o avental da humildade!
O casamento do sucesso com a humildade
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sucesso faz parte dos planos de Deus para os seus filhos. Sucesso na vida devocional, no casamento, na educação dos filhos, nas relações humanas, no exercício da profissão. Aos pastores e líderes, Deus concede dons especiais, capacidade, orientação, oportunidade, direção e o poder sobrenatural do Espírito Santo, para cumprirem cabalmente o seu ministério. Sob a perspectiva humana, a velocidade da implantação e plenitude do reino de Deus na terra depende desse sucesso global. Uma vez satisfeitas todas as exigências de Deus, o sucesso está garantido: “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem par a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares” (Js 1.7). Na verdade, o sucesso é inevitável para quem está plantando junto às águas: “Tudo quanto ele faz será bem-sucedido” (Sl 1.3). José do Egito era teimosamente bem-sucedido em qualquer lugar (na casa de Potifar, no cárcere e no trono do Egito) e em qualquer circunstância (amado, invejado, caluniado, esquecido e honrado). A razão desse sucesso aparece na repetida frase: “O Senhor era com José” (Gn 39.2-3, 21, 23). Essa promessa não está apenas no Antigo Testamento. Jesus chegou a dizer que o sucesso de seus discípulos é uma das expressões de louvor a Deus: “Nisso é glorificado o meu Pai, em que deis muito fruto” (Jo 15.8).
O grande problema é que, quanto maior o sucesso, maior é o risco de envaidecimento, por causa da fraqueza humana. Caso haja envaidecimento consciente ou inconsciente, o sucesso vai embora misteriosamente. E o bemsucedido pastor e líder desaparece do cenário e, muito provavelmente, cai em pecado e comete escândalos, porque “a desgraça está a um passo do orgulho [e] logo depois da vaidade vem a queda” (Pv 16.18). Esta é uma regra sem exceção. Não se escapa desse risco fugindo-se do sucesso, mas fugindo-se da soberba. Deus preferiu colocar um espinho na carne de Paulo — e não encostálo — para continuar a servir-se dele, para que o apóstolo não se ensoberbecesse (2Co 12.7). Ambos, o sucesso e o espinho, continuaram juntos durante a vida de Paulo, em favor do reino de Deus. À custa do doloroso espinho, o ministério e a humildade do apóstolo foram preservados e abençoados. Essa história se repete. Deus reserva a si a natureza, a ocasião, a intensidade e a duração do espinho. Victor Hugo (1802–1885), depois de ouvir os elogios dos amigos, lia os jornais que o enxovalhavam. E os monges do célebre mosteiro de Cluny, fundado na França em 910, eram obrigados a se curvar diante dos que os tinham transgredido. Deve-se fugir da soberba como o diabo foge da cruz! Novembro-Dezembro, 2011
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Estamos todos embriagados!
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o momento estamos todos embriagados. Quem dera fosse pelo Espírito, mas certamente não o é. Estamos perigosamente embriagados pela carne. Embriagados pela competição que nem mais consegue ser velada. Estamos embriagados pela busca por nome, fama, poder, primeiro lugar, glória. Só pensamos em conquistas grandiosas: um país protestante (não necessariamente cristão), um presidente protestante (não necessariamente ficha limpa), uma igreja cada vez maior do que a outra (não necessariamente santa), um templo cada vez mais amplo e suntuoso (não necessariamente livre dos célebres vendilhões do tempo de Jesus). Não falamos em pecado. Não falamos em arrependimento. Não falamos em conversão. Não falamos em caminho apertado. Não falamos do “negue-se a si mesmo” de Jesus. Não falamos em santidade. Não falamos da glória por vir. Só falamos de gente, de multidões, de números. Só falamos de autoajuda, de dinheiro, de cura, de sucesso financeiro, de bens móveis e imóveis, de milagres. Só falamos do presente. Só falamos dos cantores gospel e de eventos retumbantes. Apresentamo-nos como bispos, apóstolos, patriarcas e papas. Fazemos questão de dizer que somos ao mesmo tempo doutor em teologia, em ciências da religião, em divindade e em filosofia. Esbanjamos títulos e nomes. Estamos todos, de fato, embriagados! Só nos preocupamos com o crescimento de igrejas. É o assunto do momento. Criamos métodos, estratégias, alvos. Muitos deles importados do mundo secular, das empresas bem-sucedidas, dos especialistas em 30
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marketing. Usamos roupas de grife, somos artificiais nos gestos e na entonação da voz. Impressionamos os auditórios, chamamos a atenção para nós e embriagamos também o público. Aceitamos as palmas e pedimos bis. Essa embriaguez nos tornou secularizados. Outrora saímos das trevas e viemos para a luz. Agora estamos saindo da luz e voltando para as trevas. Essa embriaguez de líderes e de liderados está provocando o que hoje se vê claramente: comparações, competições, rivalidades, divisões, mudanças litúrgicas, descontentamento, escândalos, descrença e apostasia. Em nenhum outro tempo houve uma multiplicação tão grande e tão rápida de denominações. Em nenhum outro tempo aconteceu um entra-e-sai de uma igreja para outra tão acentuado como agora. Em nenhum outro tempo o rol dos sem-religião aumentou tanto. Essas são algumas consequências a médio e longo prazo da nossa embriaguez, da qual muitos ainda não têm consciência. Usamos a palavra todos neste texto de forma retórica. Ainda há muitas pessoas cuidadosas, tanto entre pastores e líderes como entre cristãos comuns. O trigo nunca desaparece. Mesmo naquelas ocasiões em que o joio é maior do que ele. Se houver uma corajosa reviravolta da soberba mundana para a humildade cristã, a história atual da igreja poderá ser revertida. Afinal, há cura para a embriaguez! O primeiro passo dos alcoólicos anônimos é admitir que são impotentes para reverter sozinhos qualquer problema de conduta. Daí a necessidade de pedir socorro ao poderoso e amoroso Deus!
Quem avisa amigo é É mais seguro ouvir a verdade do que pregá-la. Quando ouvida, preserva-se a humildade. Quando pregada, raramente o ser humano deixa de ser tomado pela vaidade, por mínima que seja. Agostinho de Hipona [A soberba é o mais prolífico dos pecados capitais] por estar na origem de todos os outros. Antes de os seres humanos existirem sobre a Terra, o demônio se insubordinou contra Deus, por arrogância, porque queria se equiparar a ele. Tomás Eloy Martinez, escritor argentino, autor de O Voo da Rainha, romance sobre a soberba
Soberba e secularização
James Stewart
Q
uando alguém perde o controle sobre a soberba, entra mar a dentro no processo de secularização. Isso acontece porque a pessoa olha mais para ela do que para Deus. Esse desligamento de fundo religioso deságua naturalmente na secularização. Daí a crescente e escandalosa mistura de religião com empresa. A situação parece irreversível e é objeto de estudo da parte de cientistas religiosos, sociólogos, economistas e antropólogos. Estamos envergonhados por causa dessa situação. Há uma busca por pastores habilidosos (antes se preferia pastores de grande comunhão com Deus, de conduta exemplar, cheios de paixão pelas almas etc.) para abrir novas igrejas no sistema de franquias. Assim como um executivo muda de uma empresa para outra que pague um salário maior, “está se tornando cada vez mais comum um pastor mudar de igreja para ganhar mais”, explica Paula Idoeta, da BBC Brasil. Em certa denominação, diz-se que o pastor tem de cumprir meta de arrecadação de dízimo, como qualquer vendedor de apólice de seguro ou de comércio atacadista. Os que obtêm os melhores resultados podem ganhar prêmios, como uma viagem a Israel.
Além de prima-irmã da intolerância, a soberba também é frequentadora assídua da antessala do fracasso. Dora Kramer, jornalista Todo aquele que anda somente quatro passos de forma arrogante, afasta-se [da] presença divina. Halachá, código judaico do comportamento humano A verdadeira religião ensina nossos deveres e nossas incapacidades (orgulho e concupiscência) e [fornece] os remédios (humilhação e mortificação). Blaise Pascal Deus se esconde dos arrogantes intelectuais e se mostra apenas a “bebês”, isto é, àqueles que são sinceros e humildes na sua relação com ele. John Stott
O sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS e autor de Neopentecostais — sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, lembra que em algumas igrejas “existe quase um plano de carreira que permite que [os seus pastores] passem para congregações maiores, vão para outros países e participem de programas de TV”. Salários que variam de 3 mil reais (para iniciantes) a 20 mil reais (para os mais capazes) mais benefícios (casa mobiliada, escola para os filhos, plano de saúde e, em alguns casos, o carro do ano) substituem a velha receita de homens verdadeiramente vocacionados por Deus para o ministério. Em defesa do mercado religioso, conhecido pastor acaba de declarar que “só uma pessoa ignorante acha que fé e lucro não podem caminhar do mesmo lado”. Dias atrás, o celebrante de um casamento nos Estados Unidos foi “o pastor Bit”, uma espécie de robô! A orientação bíblica de mais de dois milênios atrás foi deixada de lado: “[Pastores e bispos] não usem o seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com o verdadeiro desejo de servir” (1Pe 5.2).
Trocamos a humildade de ser ovelhas para o matadouro por títulos que nos conferem status abomináveis a Deus. Trocamos a humildade do cordeiro pela glória do lobo. Ariovaldo Ramos
O ser humano está cada vez mais apaixonado e encantado consigo mesmo, buscando sempre seu espelho, sua projeção e seus aplausos. Cada vez mais distante da proposta cristã de amar o outro como a si mesmo. Arlene Denise Bacarji, teóloga católica
Prefiro um malogro suportado com humildade a uma vitória com orgulho [e] Deus prefere um pecador arrependido a uma virgem orgulhosa. Revista Beneditina
Títulos honrosos promovem o marketing. Atribuir um título aumenta o prestígio que os “leigos” devem dar ao pastor ou líder eclesiástico. […] Um desejo de autopromoção ou a busca por mais autoridade pode levar um pastor a autodenominar-se apóstolo, enquanto a Bíblia usa esse termo, na maioria dos casos, para falar de alguém autorizado por Cristo para falar em seu nome e com sua autoridade. Russell Shedd
Quem anda à procura de holofotes dos homens com certeza ficará longe da iluminação do Espírito Santo. Glênio Fonseca Paranaguá, pastor da Primeira Igreja Batista de Londrina, PR
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