O Ritual de Bater Cabeça

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O RITUAL DE BATER CABEÇA

O Ato de se curvar em reverência a alguém ou a alguma coisa está presente desde os primórdios da história da humanidade. Sabemos através das pinturas em paredes de cavernas que os homens da pré-história já se curvavam perante as forças da natureza como trovões e raios. Esse ato de submissão e reverência foi transmitido através dos tempos a várias sociedades e religiões. Podemos citar algumas como o Islamismo, o Cristianismo católico, o Candomblé e a Umbanda. Na Umbanda, esse ritual é realizado em vários Terreiros pelos Filhos de Fé. Há diferentes expressões desse ritual. Uma pluralidade de ritos e formas Essa enorme variedade é produto da experiência vivida e aprendida do(a) Sacerdote(iza) que dirige o Terreiro e também da orientação dos Guias Chefes. Para aqueles que o praticam, conta a experiência vivida, o estudo realizado e a transmissão oral dos mais velhos. Esse artigo é fruto do debate através da troca de e-mails por um grupo de umbandistas que tem como objetivo discutir e refletir sobre a Umbanda. O grupo é composto por Antônio Carlos Bordin, Cláudio El Jabel, Filipe Aguiar, Felipe Nazario, Igor Sousa, Jairton de Souza, José Roberto Souza Junior, Laércio Adriano, Marc-T, Sandra Maria e Tania Jandira. Nosso objetivo é que esse artigo sirva como base à pesquisa e fomente o pensamento, sem o cunho de ser uma opinião final ou fechada ou consolidar um dogma. Assim como a Umbanda, entendemos que o movimento de ideias e concepções é mutável como o tempo.

Foto: Capa do Livro Candomblé, de José Medeiros.


O QUE SIGNIFICA E FUNDAMENTA ESTE RITUAL?

Igor Sousa, pai pequeno do Terreiro Família Pena Azul, situado em São Paulo, considera o ritual de ''bater cabeça'' um ato de reverência, louvor, devoção, amor, fé e humildade. “Quando fazemos tal ritual estamos nos entregando ao campo espiritual: Juremá, Orun ou Aruanda. Estamos recebendo energias, emanações, fluidos, axé ou saravá dos Orixás e Entidades”. “Na Família Pena Azul todos os filhos de santo são orientados a realizar o ritual de bater cabeça. Tal ritual pode ser realizado assim: No Congá - para os Orixás e Entidades; Aos pés do Zelador - para o Orixá e Entidades do Zelador e em forma de respeito à posição do mesmo; Aos pés do Pai Pequeno, com o mesmo objetivo anterior; No meio do Terreiro - para o Orixá do filho apenas. Tal ritual consiste em reverenciar e mostrar-se disponível ao Orixá quando se esta cantando para ele. Por exemplo: os filhos de Ogum deitam no meio do terreiro, diante do Congá, um a um, quando se está cantando para Ogum; Nos atabaques - para mais uma força/segurança da casa e em forma de respeito e louvor e no assentamento. E para o Orixá representado no assentamento. Nesse caso, batemos paó (sequência ritmada de palmas). Também se pode bater cabeça para as firmezas dos caboclos Pena Azul e Arranca Toco (dois caboclos chefes da casa). Tal firmeza está próxima ao Congá. “Usamos uma toalha pelo fato de compor o uniforme da casa, por 'segurança', para não encostar a cabeça diretamente no chão, e por tradição”, comenta Igor Sousa.

Segundo Jairton de Souza, filho da Tenda Espírita Luz e Paz, situado no Rio de Janeiro, “o ato de encurvar-se é sinal de respeito e devoção. Encurva-se diante de um rei, de uma rainha, de um imperador, diante de locais sagrados. O ato em si, de tocar a cabeça no chão ou somente inclinar-se, mostra que reconhecemos que uma pessoa, um local, ou uma divindade tem um grau de importância superior ao nosso. Desta forma, nos colocamos humildemente em uma posição de menor destaque”. Jairton também acrescenta que no Cristianismo vemos várias passagens na Bíblia onde os homens se prostram diante de um milagre de Deus ou perante a Jesus: “Então entenderam os discípulos que lhes falava a respeito de João, o Batista. Quando chegaram à multidão, aproximou-se de Jesus um homem que, ajoelhando-se diante dele, disse: Senhor tem compaixão de meu filho, porque é epiléptico e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e muitas vezes na água. Eu o trouxe aos teus discípulos, e não o puderam curar. E Jesus, respondendo, disse: ó geração incrédula e perversa! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei? Trazei-o aqui”. Mateus [17, 13:21] “Depois Arão, levantando as mãos para o povo, o abençoou e desceu, tendo acabado de oferecer a oferta pelo pecado, o holocausto e as ofertas pacíficas. E Moisés e Arão entraram na tenda da revelação; depois saíram, e abençoaram o povo; e a glória do Senhor apareceu a todo o povo, pois saiu fogo de diante do Senhor, e consumiu o holocausto e a gordura sobre o altar; o que vendo todo o povo jubilou e prostrou-se sobre os seus rostos”. Levítico [9, 22:24]


''O ato de prostração também pode ser observado no Islamismo'', prossegue Jairton, dizendo que o Muçulmano (como é designado o fiel do Islã) é obrigado a orar cinco vezes por dia, ajoelhado num tapete, voltado para Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos. “No centro no qual me iniciei na Umbanda - Centro de Umbanda Pai José da Laje (Araraquara – SP) esse ritual era executado no início da gira. Cantava-se para a abertura da gira e em seguida saudávamos ao Pai de Santo e batíamos a cabeça. Em seguida, cantávamos-se saudando os Orixás e Linhas de Umbanda. Ao término, antes de se cantar o fechamento da gira, os médiuns enfileiravam-se diante do congá com a Mãe de Santo à frente, onde cada um batia a cabeça ajoelhando-se e tocando a testa no congá. Depois enfileiravam-se novamente, conforme cada um batia cabeça. Em seguida saudava-se o médium que bateu cabeça e que estava na fila, até que todos tivessem batido cabeça e saudado a todos. Aí cantávamos para o encerramento da sessão. A Mãe de Santo ficava diante do Congá e estendia uma toalha de 1,50 m x 1,50m com o ponto riscado de Pai José da Laje bordado, onde deitávamos e batíamos a cabeça aos Orixás e Guias diante do congá e da Mãe de Santo. Essa toalha era compartilhada em sinal da unidade da Casa”, nos relata Jairton de Souza.

Marc-T, filho da Associação Umbandista Iansã e Caboclo Pena Branca, situado em São Paulo, entende que “o ato de 'bater cabeça' serve como forma de se 'despir' das coisas mundanas, mostrar a entrega total do médium em um Trabalho/Gira e também a humildade de 'abaixar a cabeça', se despindo de todo o orgulho e vaidade, tendo assim o respeito total pelos Orixás e Guias da Casa e da Umbanda em geral, como também para dar mais firmeza à Coroa do médium”. “No Terreiro anterior onde eu estava, primeiro saudávamos a Tronqueira assim que chegávamos ao Terreiro, mesmo antes de trocarmos de roupa. Antes de dar início à Gira, cantávamos um ponto de Bater Cabeça e em seguida começávamos o ritual de bater cabeça em duas filas: a da esquerda com os homens e a da direita com as mulheres. Dirigíamo-nos ao pé do Congá com o pano branco nas mãos. De duas em duas pessoas deitávamos ao pé do Congá e tocávamos a testa e os dois lados da cabeça, louvando a Umbanda,a todos os Orixás da Umbanda e a todas as Linhas da Umbanda. Em seguida íamos bater cabeça para o nosso Pai de Santo e Mãe Pequena, e por último saudávamos o atabaque. No Terreiro atual ficamos em duplas. Primeiro batemos cabeça diante do Congá, em seguida no Atabaque, e por último saudamos a Tronqueira, cantando um ponto”, nos diz Marc-T, da Associação Umbandista Iansã e Caboclo Pena Branca.

Imagem obtida do site: http//filoparanavai.blogspot.com


Laércio Adriano, sacerdote da Casa de Umbanda da Terra e da Vida Sagrada, em Londrina, Paraná, nos lembra que ''dentro do contexto umbandista não podemos esquecer das diversas influências de formação, inclusive a islâmica, trazida pelos Malês e afros islamizados, principalmente do norte da África. Ajoelhar-se, curvar-se e bater a cabeça no chão nada mais é do que um rito igual ao islâmico''. Para Laércio, “o costume de bater cabeça é antigo e significa submissão e obediência ao sagrado, à divindade”. “Ao nos ajoelharmos, nos colocamos como que numa posição fetal, uterina, tocando nosso Ori na terra. Assim, estabelecemos uma junção, uma simbiose tanto de retorno e respeito à ancestralidade quanto à divindade criadora. Significa respeito à fonte geradora, à Terra. Orum e Ayê, que agora são separados, se tornam um só no ato de bater cabeça. O ritual pode ser individual ou composto. Dependendo de cada casa, o filho de santo bate a cabeça logo ao chegar no terreiro, tanto como é executado pelo grupo todo, com entoação de “pontos” (cantos), que podem ser ritmados por atabaques, pelas palmas da mão ou também sem cantos, como já pude presenciar''. ''As origens são um tanto incertas, até pelo fato de haver poucos relatos registrados graficamente antes de 1900. Levemos em conta que primeiro vieram os portugueses, com o catolicismo popular, que tentaram junto aos índios a primeira conversão, por sinal malsucedida. Porém, 'algo' deste contexto ficou inserido no inconsciente coletivo que, possivelmente na segunda junção entre índios e africanos, deve ter se manifestado e ganhado expansão quando estes cultos afro-indígenas, os primeiros candomblés de caboclo, cabulas e 'macumbas' se amoldaram novamente com os aspectos rituais advindos do Catolicismo. Vale salientar que não somente os portugueses deixaram contribuições 'católicas', mas também franceses e holandeses, principalmente do sudeste ao nordeste do Brasil”.

“Em nosso Terreiro - Casa de Umbanda da Terra e da vida Sagrada”, o ritual é executado em grupo. Defuma-se todo o terreiro, abre-se a gira, e em fila simples todos vão passando pelos pontos de assentamento do terreiro, dentro do espaço designado, saudando-os até chegar ao Congá. Ninguém se ajoelha diante do Congá; somente à frente dos assentos. Normalmente o ato de bater cabeça ajoelhado é executado diante de uma entidade 'incorporada', em especial 'pretos velhos'. Atabaques são saudados com o ato de toque de cabeça neles, e especialmente os locais onde os 'velhos' (pretos velhos) se assentam são saudados, por serem considerados os 'anciões'. Fazendo um adendo, sempre que adentramos na casa tocamos o chão três vezes. Nos primórdios de minha iniciação, meu PDS dizia ser 'pai, filho e espírito santo'. Depois, com o desenrolar de minhas pesquisas e encontros mais aprofundados com pessoas do candomblé, vieram à baila mais fundamentos que não eram exclusivamente advindos do Catolicismo”, cita Laércio Adriano.


Para Antônio Carlos Bordin, pai pequeno do Núcleo Umbandista Cristão do Japão, situado na cidade de Toki, “o ritual de bater cabeça'' é um ato de entrega. ''Entregamos nossa cabeça no ato de bater cabeça. Como nela está nossa coroa, entregamos nossa coroa para que seja preparada pelas entidades. O ato de nos curvarmos para bater cabeça representa uma reverência, a nossa entrega às entidades, aos Orixás, ao Pai Maior”. “Antes de chegar ao Congá, os médiuns devem passar pelos pontos de firmeza, como Tronqueira e outros. Ao saudar cada ponto a pessoa que chega da rua vai se separando de coisas que trouxe (possíveis ligações com entidades, larvas astrais etc), para ir também entrando no ambiente mediúnico do terreiro. Ao chegar diante do Congá, ela já está mais preparada para iniciar o trabalho. Então, nos ajoelhamos e batemos cabeça. Ajoelhados, temos um pouco acima de nós, dentro do congá, imagens das entidades, como pretos velhos, caboclos, além das firmezas da esquerda e da direita. E logo acima destes, as imagens que representam os orixás, sendo que do lado esquerdo os pais Ogum Xangô e Oxóssi, e do lado direito as mães Iemanjá, Oxum e Iansã, formando os lados de um triângulo imaginário, tendo Oxalá no topo da junção destes dois lados do triângulo. Quando batemos cabeça encostamos a testa e o lado direito e esquerdo no congá. Então fazemos nossas preces pedindo forças para o dirigente, os chefes pequenos, o chefe da curimba e dos ogãs e todos os médiuns. A ordem de bater cabeça em nossa casa é assim: primeiro é o dirigente junto dos chefes pequenos. Depois, forma-se uma fila de três, sendo que primeiro são as mulheres e depois os homens. Como não temos muito espaço, para fluir mais, Pai Benedito permitiu que fizéssemos três por vez”, relata Antônio Carlos Bordin, do Núcleo Umbandista Cristão do Japão.

Filipe Aguiar, sacerdote do Templo de Umbanda Olhos de Lince, comenta: “Lá em casa, no Templo de Umbanda Olhos de Lince, situado em Magé, Rio de Janeiro, batia-se cabeça em um momento específico. Primeiro era o dirigente, depois os Ogãs, seguidos pelos demais pela ordem de iniciação/consagração. Batia-se cabeça da seguinte forma: o médium estendia a toalha (chamamos de espada, que é consagrada ao médium no momento que entra para a corrente mediúnica após o amaci) em frente ao Gongá. Dava uma girada ao redor de si mesmo (como se estivesse atraindo as energias do Gongá para todo seu corpo) e depois deitava e batia cabeça no chão. Nesse momento, o médium se concentrava para agradecer, fazer seus pedidos etc. Isso era feito com todos cantando um ponto. Mas por determinação do nosso Guia Espiritual, esse ritual foi abolido da gira. Agora, conforme os médiuns vão chegando ao Terreiro, vão batendo sua cabeça, sem uma ordem hierárquica, antes da gira começar. O Guia Chefe disse apenas: "O ato de bater cabeça é muito importante e sagrado, um momento que todos precisam vibrar juntos na mesma energia. Não posso ter filhos sentindo-se mal com o ato do outro irmão".


Segundo Sandra Maria dirigente da Tenda Espírita Luz e Paz, “os rituais são firmados por si, resultados das conquistas espirituais testemunhadas por todos que os praticam, sem que seja necessário impor ou simplesmente aderir por considerar bonito, sem que haja fundamento na história vivida por aqueles que os praticam. Para ela, o ritual de “bater a cabeça” é uma entrega de confiança e fé não só aos Orixás como também um sinal de respeito aos Guias que regem a casa e a cabeça do dirigente. Sandra Maria considera que “é um ritual forte, bonito e cheio de significados de amor e respeito àqueles que primam pela saúde espiritual dos filhos da casa com estudos e dedicação”. Mas considera que o "fato é que o dirigente tem e deve ser merecedor desse ritual". Para ela, "todo ritual só alcança a magia se é feito com amor, sinceridade e merecimento, pois não adianta querer ser; é preciso ser reconhecido como, para fazer sentido”. Citando o que aprendeu sobre o ritual de bater a cabeça, a sacerdotisa Sandra Maria, da Tenda Espírita Luz e Paz, diz: “O filho da casa entra no Terreiro, se posiciona ao diante do Gongá, estica a toalha no chão e se deita batendo três vezes com a testa e três vezes com as têmporas direita e esquerda. Dirige-se até o dirigente, estica a toalha à sua frente e deita-se encostando a testa nela. É cruzado pelo dirigente e, após isso, ajoelha-se e pede a benção. Logo depois pede a benção aos Pais Pequenos (ou Mães) e saúda os atabaques. Canta-se um ponto e dirige-se ao seu lugar que foi determinado pelo dirigente, passando a cantar e dançar. Esse ritual acontece no início da sessão. No final, o ritual também é realizado. Canta-se um ponto e os filhos saem em direção ao Gongá, de dois em dois, e batem a cabeça na direção de seu Orixá. Depois abraça o irmão que foi junto até o Gongá e dá axé ao outros da roda. Pede a benção do dirigente e voltam aos seus lugares para a oração final”.

Segundo Tania Jandira, filha do Terreiro Aldeia de Arari, situado no Rio de Janeiro, “todo terreiro tem pontos de concentração, de axés - forças do Terreiro - Gongá, Casa do Guia Chefe, etc, e quando batemos cabeça neles estamos nos unindo a estas forças, naquele momento especial de trabalho”. Para Tania Jandira, “bater cabeça ao zelador(a) é bater cabeça ao seu Ori, mais do que à pessoa em si. Mesmo os filhos que ainda não tiverem feito todos os rituais de iniciação, também devem ter com o zelador o respeito ao Ori deste, porque vamos aprendendo pouco a pouco, vamos nos tornando filhos e fazendo rituais de iniciação, que não é apenas um. Cada Umbanda faz da sua forma, batizados, amacis, bori, coroação etc”. “Para nós, lá do Terreiro Aldeia do Caboclo Arari, o bater a cabeça é um ritual que fazemos no início e no final dos trabalhos, junto com outros rituais. Esse em específico fazemos com um ponto cantado. A zeladora começa e depois vamos de dois em dois. Batemos a cabeça na parte esquerda, na parte direita, no centro do Gongá e depois no chão, também do mesmo jeito. Nesse momento, fazemos uma pequena oração pedindo a força dos Orixás e Guias para nosso camutué, pedindo para nos ajudar no trabalho, oferecendo nosso Ori e corpo. Depois batemos a cabeça na Cabana do Guia Chefe com os mesmos pedidos E, finalmente, batemos cabeça para as Mães também, ao Ori delas e logo depois de nos cruzarem, nos ajoelhamos e pedimos as suas bençãos. Ao final fazemos o mesmo ritual, agradecendo o trabalho realizado. Também batemos cabeça quando o Orixá que rege nossa coroa está em Terra, aos pés do médium em que ele está manifestado. Isso tudo sempre com uma toalha pessoal, que faz parte de nosso traje do ritual”, nos relata Tania Jandira.


Para José Roberto de Souza Junior, bàbáláwò da Casa Sagrada de Oxóssi, situada em Suzano, São Paulo, “a Umbanda é uma religião que zela por sua ancestralidade. Mas a ancestralidade não se restringe apenas às bases doutrinárias formadoras da religião e tão pouco ao plano espiritual representado por nossos amados trabalhadores espirituais. Esta ancestralidade abrange as citadas, agregando a elas a ancestralidade do indivíduo, a ancestralidade do Zelador e a ancestralidade da Casa”. José Roberto prossegue dizendo que não podemos nos esquecer que somos do gênero humano, mamíferos, bípedes, organismos pertencentes ao ecossistema deste planeta. Estudando o comportamento de várias espécies que compõem este sistema, verificamos na comunicação corporal destas mesmas espécies gestos instintivos sinalizadores de submissão. “Um gorila, ao se submeter a uma liderança, curva seu corpo, abaixa a cabeça, desvia o olhar e estende uma mão à frente de seu corpo, deixando-a rente ao solo, aguardando por gesto de aprovação um toque em sua mão por parte daquele que exerce a liderança. O cão abaixa a cabeça, desvia o olhar, abaixa a cauda e as orelhas; a leoa se curva, o elefante se curva, citando apenas alguns exemplos”. Segundo José Roberto, podemos compreender “que é um gesto instintivo, uma expressão corporal que substitui as palavras, e que ao longo dos tempos foi sendo explicado segundo a relevância cultural que cada grupo destinava ao gesto. E assim surgiram as fundamentações islâmicas, egípcias, judaicas, cristãs e outras”. José Roberto também entende que “podemos nos apropriar das justificativas acadêmicas de qualquer um destes grupos, mas a expressão corporal é inerente a um instinto ancestral, é parte de um legado de interação anterior ao esquecimento humano de que é integrante deste ecossistema. Prostrar-se é um sinal de submissão; quanto mais nos abaixamos, maior é a submissão. Esta submissão pode sinalizar uma demonstração de humildade e/ou confiança, nunca desapego, pois oferecer a outro a confiança daquilo em que não se tem apego é desrespeito. Ofereço o que me tem valor. Tocar com a testa o solo é uma pratica de significância ritual mais específica. Portanto, há liberdade de interpretações variadas, inerentes a cada segmento religioso. A ligação do chacra frontal com a energia cultuada, a apresentação ou disponibilização daquela cabeça, coroa (ori), a abertura de um canal com o solo sagrado e etc”. Para ele, “a significância do ato de Bater a Cabeça na prática ritualística da Umbanda é a entrega absoluta do religioso, que se submete aos desígnios do Criador pela ação dos Orixás. É também de seu entendimento que, quando se Bate Cabeça ao Zelador, se faz visando a regência espiritual que, por intermédio da mediunidade do mesmo, acolhe e ampara seus filhos”.

Imagem obtida do site: http://tendaluaze.blogspot.com


Felipe Nazario, filho do Centro de Umbanda Caboclo Oxóssi da Pedra Branca, situado no Rio de Janeiro, considera o ritual de bater cabeça “um sinal de reverência e humildade. É um sinal de respeito a tudo e todos que nos ensinam algo bom e útil ao bem-estar comum. É um ato de reconhecimento que aquela pessoa (de dentro ou fora do Terreiro) é igual ou melhor do que você, no que tange à sabedoria e cargo na casa. Quando é com relação ao Orixá, é um misto de saudação e reconhecimento de que aquela entidade é superior a você no que diz respeito à sabedoria. É um sinal de que me reconheço como parte dela como espírito''. Para Felipe Nazario, “quando batemos cabeça no Gongá estamos num ato simbólico batendo cabeça para todas as entidades de Umbanda que são cultuadas na casa e para todos do corpo mediúnico, desde um médium recém-chegado à corrente ao Zelador”. Para Nazário, “individualmente podemos até mentalizar os Guias dos consulentes e bater cabeça para os deles também! Batemos cabeça para todas as entidades sem exceção”. “O ritual de bater cabeça no Centro de Umbanda Caboclo Oxóssi da Pedra Branca tem vários momentos: No início da Gira batemos cabeça no Gongá, sem a nossa toalha branca. Também batemos cabeça quando acendemos uma vela no Gongá ou no chão mesmo, seja para fazer um pedido ou para agradecer. Para isto não precisa de um ponto cantado. A regra configura-se assim: Bater cabeça para o Zelador, Mãe pequena, Madrinha e Padrinho, Pai Ogã, Atabaques e, claro, Gongá. Mas podemos bater caber cabeça para os outros irmãos que possuem cargos mais baixos ou até para os que não têm cargo”, nos diz Felipe Nazario.

Segundo Cláudio El Jabel, sacerdote de dijina Kambami, filho de Vodunon Aganga Otulu do Kwe Ceja Hansi, o ritual de bater cabeça “é o reconhecimento da autoridade divina. Se ela de fato interfere ou não, vai depender de outros fatos chamados de fé e doutrinação”. Para El Jabel, “ofertar nossa cabeça ao altar, gongá, congá1, significa uma entrega. Aqui está minha cabeça, minha importância, minha personalidade, meu eu como o conheço. Entrego em vossas mãos para que dela surta efeitos positivos e que possa ajudar, intervir e reestruturar as aflições de outros iguais que estão necessitados”. Para ele, o ritual “é um ato de submeter a nossa cabeça para que a força divina faça o proveito do conhecimento humano existente nela em benefício de um semelhante. Com isso, separamos o conhecedor do executor. Ficamos como os conhecedores e as divindades como as executoras do que possa ser professado em benefício de alguém. Somos as mãos pelas quais Deus manifesta o trabalho e nada mais justo que deixar que Ele seja o juiz da sentença, já que nada na vida se manifesta sem Sua presença constante. Essa presença constante é saber que para mexer os braços podemos e temos o controle, mas há em nós outros movimentos que são supostamente dispensáveis de nosso querer. Entre eles o pensamento, a respiração e o pulsar do coração. O ritual de bater cabeça é uma condição não só de entendimento social (hierárquico) como também de manifestação do entendimento da força e do poder divino”. El Jabel nos lembra que “as prática litúrgicas desse ato vão se manifestar diferenciadas em cada espaço, cada casa, pois irá depender do entendimento que se dá 1

Utiliza-se os termos Gongá ou Congá igualmente, que é de origem Bantu.


ao ato. Acredito que muitos que estejam nas casas entendem esse ato não pelo lado divino e bem mais pelo lado do respeito, mesmo porque muitas casas não passam a informação litúrgica. Há de se entender que os atos litúrgicos fazem parte de uma concepção que, mesmo sendo antiga, é a semente de toda religião, ou seja, ao batermos cabeça estamos contemplando a vida, ou o surgimento dessa, por uma força telúrica, já que somos provenientes dela - a Terra, e para elas iremos retornar. É um ato simples, porém não compreendido por muitos. Tornou-se algo mecânico e sem entendimento. Creio que o ato de bater cabeça é algo moldado, visto e praticado mecanicamente por muitos, mas sem um aprofundamento do entendimento do por que se faz ou sua origem". Cláudio El Jabel também diz que “algumas religiões como o Candomblé manifestam o ato de bater cabeça ao sacerdote pelo entendimento de que é através desse que nos é ensinado todo o elo que temos com a Natureza. Daí foi um passo para desenvolverem a ideia de que quando batemos para o Orixá do sacerdote, batemos pela sua condição de mais velho. Na realidade, na África não se bate cabeça para o sacerdote e sim se cumprimenta o mesmo tocando as pontas dos dedos indicador e mediano no chão, a terra. Já quando se inicia a tradição é que entram outras formas como a conhecemos, o Dòbálè/dùbálè e kúnlè além do já famoso Paô (ìpatewó), que tem a função principal de alertar, acordar, chamar a atenção do Òrìsà. Daí partimos para outras formas como o ato de batermos ombro a ombro, que tem o significado de igualdade entre os seres; algo copiado dos índios e não da África”. Segundo El Jabel, “no Candomblé nem sempre se coloca a cabeça ao chão e sim por cima das mãos fechadas ou abertas. Quando se bate cabeça geralmente sendo iniciado, se usa a esteira ou um pano da costa, pois mais do que a cabeça, para a Terra ou Onilè, são os pés que têm importância maior. É por esse motivo que no ritual do Isafá2 ele é apresentado e molhado para que a pessoa tenha uma caminhada fresca. Essa caminhada fresca significa que ela poderá germinar boas novas em sua vida".

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- Isafá/Isefá/Itefá – Uso aqui o termo Yorubá que significa iniciação ao Ifá. Pórem há que se lembrar, que tal termo também é descrito na cultura Banta. Para os Bantos, Isafá é um local mágico construído pelo Nganga, onde o iniciado é colocado evitando com isso ser agredido ou possuído por maus espíritos. Isto é um ritual de terapia Mongo em Mbandaka – Zaire. Tal Ritual é exclusivo dos Nganga e recebe o nome de JEBOLA.


PONTOS/ CURIMBAS CANTADAS DURANTE O RITUAL DE BATER CABEÇA

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Terreiro Família Pena Azul Na abertura cantamos: “Vai, vai, vai aos pés de Nosso Senhor. Vai bater cabeça yaô que Oxalá mandou"

Ou cantamos: "Pra você que é filho de pemba, pra você que é filho de fé, bate a cabeça e peça a Zambi o que quiser"

E para o Zelador e Pai pequeno canta-se: "Na mata virgem tamburim tocou, Oxalá mandou saudar Babalawo. Babalawo meu pai, babalawo ele é regido pelas forças de Oxóssi"


Centro de Umbanda Caboclo Oxóssi da Pedra Branca Na abertura, quando batemos cabeça, cantamos um ponto de saudação ao chefe da casa: “Seu Pedra Branca ele veio de longe ele vem lá do seu Juremá, Seu Pedra Branca vem nos abençoar e Ele vem na Fé de Oxalá.”

Contudo, quando a Gira é de Pretos Velhos, há outro ponto: “Preta velha que vem lá de Minas amarra a saia com folha de cana, se esta folha seca arrebenta ô Preta Velha você não me engana, Oi que querequequê Oi Preta Velha de bom Parecer”

Terreiro Aldeia do Caboclo Arari Quanto aos pontos que cantamos na Hora do ritual, depende do que nosso Ogã canta. “Se meu Pai é caboclo, é chefe de Gongá (bis). Vamos saravar o Estado, meus irmãos, vamos saravar Babá (bis)" “Você que é filho de pemba, você que é filho de fé (bis). Bata com a cabeça e peça a Zambi o que quiser (bis)" “Foi Deus quem lhe deu coroa, foi Deus quem lhe deu Gongá (bis). Segura a Gira babá (bis), pois esta força quem lhe deu foi Oxalá (bis)". “Bendito louvado seja, Umbanda; saravá Endá. Salve a coroa de Oxalá na Umbanda; saravá Endá (bis)" “Saravá Caboclo, saravá Ogum no Humaitá, Saravá Iansã, Salve a coroa de Iemanjá (bis). Foi no arerê, foi no arerá, saravá babá, que ele é chefe de Gongá (bis)".

Associação Umbandista Iansã e Caboclo Pena Branca "Bate Cabeça, filhos de Umbanda. Salve Oxalá. Salve a nossa Banda"

Terreiro Casa de Umbanda da Terra e da Vida Sagrada “Bate cabeça filhos de Umbanda, ô salve Oxalá e salve a nossa banda” ”Para aquele que é filho de pemba, para aquele que é filho de fé, oi bate a cabeça e pede a Zambi o que quiser”...


Como podemos ver existem vários aprendizados sobre o ato de Bater Cabeça e formas de realizá-lo. Porém, duas características são marcantes em todos os terreiros: a fé e a reverência. Esse artigo demonstra a pluralidade e diversidade existentes dentro da Umbanda. É possível convivermos com a diversidade de cultos e rituais dentro de uma mesma matriz religiosa e convivermos em paz, haja visto esse primeiro trabalho do grupo, composto por diferentes filhos de santo, de Terreiros diferentes e bases culturais diferentes, que participam do site: http://umbandalivre.forumeiros.com/. Nossa proposta a todos os leitores desse artigo é que, simbolicamente, batam a cabeça, agradecendo a grande força criadora e que emanem ao mundo o amor ao próximo... Bate cabeça filho de fé!

Saravá! Axé! Kolofé! Motumbá! Mukuiú! Benoi! Ogbo Oto!


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