A Dama de azul - Claudia Jamesson

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Claudia Jameson

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Leitura — a maneira mais econômica

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de cultura, lazer e diversão.

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Copyright: Claudia Jameson Título original: Immune to Love Publicado originalmente em 1986 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Tradução: Cecília C. Bartalotti Copyright para a língua portuguesa: 1987 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Faria Lima, n.º 2000 - 3.º andar CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 2372

Av. Brigadeiro

Esta obra foi composta na Tipolino Artes Gráficas Ltda. e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A. Foto da capa: Keystone


o CAPÍTULO

1

Charlotte Graham apoiou os cotovelos sobre a mesa e começou a examinar com cuidado as provas para o catálogo da próxima exibição dos trabalhos de Fernando Licer. Quem no mundo da

arte não conhecia o famoso pintor? Vinte e cinco anos após sua morte, atingira uma fama considerável e crescente. Todos que possuíam uma pintura, desenho ou simples esboço do artista tinham nas mãos um objeto de grande valor. Ão virar a última página do catálogo, um largo sorriso iluminava-lhe o rosto. Sacudiu a cabeça, agitando os cabelos lisos e loiros. — É inacreditável! Linda Reed levantou a cabeça da máquina de escrever, surpresa com o tom entusiasmado da exclamação. Estava acostumada a ver a patroa como um símbolo de eficiência: competente, calma e controlada. — O quê? — Isto! Estas provas estão quase perfeitas! Nunca vi um catálogo tão bom. — Às gráficas estão cada vez melhores — comentou Linda, voltando a atenção para a carta que datilografava. Charlie observou a secretária por um instante. Os dedos da moça voavam sobre o teclado. De certa forma, pensou, a sociedade era injusta. Ambas eram igualmente capazes e eficientes, com a diferença de que Charlie possuía diploma universitário. No mundo artístico, era Charlotte Amanda Graham, bacharel em Artes. O curso de três anos em Newcastle lhe dera a oportunidade de uma boa colocação profissional. Trabalhava como coordenadora e assistente pessoal do sr. Edward Grant, diretor da College Gallery. Esta pertencia à escola o


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de artes é não tinha fins lucrativos. A próxima exibição seria a maior e mais importante já realizada pela pequena galeria. Charlie voltou os olhos para as provas, satisfeita por tudo

estar

correndo bem. Fernando Licer morrera há vinte e cinco anos, com a idade de cingiienta. Passara a infância na Espanha, em uma cidade pequena e pobre. Aos treze anos fugira de casa e sumira por algum tempo, para reaparecer seis anos mais tarde na Inglaterra, onde permaneceria pelo resto da vida. Havia passado algum tempo na escola de artes em que Charlie trabalhava, o que tornava a exposição particularmente interessante. Entre as várias pessoas que haviam colaborado com a organização da exposição, a galeria devia agradecimentos especiais a Curtis Maxwell. Ele emprestara sete pinturas de Licer, todas pertencentes a sua coleção particular e, segundo o sr. Grant, de grande valor estimativo. Desta forma, fora um ato de gentileza o empréstimo das obras, uma vez que sempre existiam riscos envolvidos com o transporte e manuseio. Talvez ele não tivesse cedido seus valiosos quadros se não fosse amigo pessoal do sr. Grant. Charlie sabia pouco sobre a vida pessoal daquele homem, nunca o encontrara e falara com ele apenas uma vez, por telefone. Todos os contatos haviam sido realizados pelo sr. Grant. Era claro, porém, que conhecia bem o nome Curtis Maxwell, mesmo antes de começar a trabalhar na College Gallery, há cerca de um ano. Ele possuía várias galerias de arte em Londres, com o escritório central na filial de Mayfair. Charlie frequentava todas, embora não tivesse recursos para comprar qualquer obra exposta. Seu conhecimento de arte era profundo; seus gostos, caros e o salário, pequeno. Ganhava mais dinheiro em trabalhos temporários do que na galeria. Mesmo assim, gostava do que estava fazendo. Havia um quadro de Licer, pertencente a Curtis Maxwell, que encantara Charlie à primeira vista. Chamava-se A Dama de Azul e retratava uma linda mulher loira de cerca de trinta e cinco anos. Ninguém sabia- ao certo quem ela era. A pintura fora entregue com as outras seis logo que os papéis do seguro ficaram prontos, para que pudessem ser fotografadas para o catálogo. Charlie soltara uma exclamação de encantamento assim que a desencaixotara. 6


— É lindo! Quem é ela? Voltara os olhos para o patrão, mas o sr. Grant não dissera nada, como se não tivesse ouvido a pergunta. Charlie retornara à observação da pintura, cada vez mais fascinada. Sem dúvida, linda, mas havia mais alguma coisa, uma atmosfera a mulher especial que a fez ter certeza de que Fernando Licer estivera apaixonado pela modelo. — Você deveria ver o resto da coleção de Curtis, Charlotte — comentara, por fim, o sr. Grant. Ela adoraria! Mas não disse nada, sorrindo intimamente da indisfarçável inveja na voz do patrão. Também o sr. Grant era um amante da arte e, além disso, um homem de poucas palavras. Aliás, havia sido um homem de poucas palavras até algumas semanas atrás... — O que foi, Charlie? Por que essa cara tão séria? Alguma coisa errada? Charlie levantou os olhos e encontrou a expressão preocupada da secretária. — Não é nada, Pelo menos, se há algum erro eu não percebi. Já olhei tanto para estas provas que nem consigo mais reparar em detalhes. — O que foi, então? — Estava pensando no sr. Grant. Uma expressão divertida surgiu no rosto “de Linda, — Na minha opinião, ele está tendo uma espécie de segunda infância. Os olhos cor de avelã de Charlie brilharam enquanto a boca se abria em um sorriso. As pessoas costumavam considerar aqueles olhos fascinantes e expressivos, embora ela não pensasse muito no assunto. Seu rosto chamava atenção, por não ser muito comum: os cabelos dourados realçavam a pele clara e macia. Mas havia aquelas detestáveis sardas espalhadas por toda parte! Ainda assim, sempre lhe diziam que era uma mulher atraente. Charlie tinha suas dúvidas quanto a isso. Aos vinte e três anos, já havia tomado plena consciência de seu corpo e, se pudesse, havia várias coisas que gostaria de alterar. As sardas seriam o primeiro detalhe a ser eliminado. Além disso, preferiria ser um pouco mais baixa, ter seios maiores e ser mais curvilínea em vez de tão magra e angulosa. Mas sabia

era

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que precisava conviver com a aparência que tinha e não lhe faltava autoconfiança apenas por não ser a mulher ideal. Via várias vantagens em seu tipo físico. Por exemplo, as roupas sempre lhe

caíam bem. Charlie suspirou, enquanto Linda voltava ao trabalho. Era hora de encontrar-se com o sr. Grant. Ele havia passado por uma mudança de personalidade algumas semanas atrás. Entrara no escritório uma manhã e pronunciara-se de uma maneira e num tom de voz incomuns para ele. — Garotas, tenho grandes novidades! Vou ser pai! Que acham disso? — Bateu no peito, orgulhoso, e ficou parado, sorrindo e esperando uma resposta, — E então, Charlie? Linda? O que têm a me dizer? As moças ficaram sem fala. Aquele não era o sr. Grant com quem estavam acostumadas, cinqiienta anos, sóbrio e sério em todos os momentos. Habituado a usar um vocabulário formal, nunca havia chamado Charlotte de Charlie. Mas, enfim, aquele era o primeiro filho dele. As duas o cumprimentaram calorosamente, sorrindo da felicidade do diretor. Ele havia se casado pela primeira vez há apenas três anos com uma mulher vinte anos mais nova. A partir daquele dia, Edward Grant não retornou mais a seu estado normal. Costumava ser cuidadoso, meticuloso, preocupado com detalhes, exigente. Agora... bem, podia-se dizer que estava um tanto distraído. Nos últimos tempos, era Charlie quem precisava alertá-lo de certos problemas de trabalho, já que passava grande parte do dia conversando e contando piadas, o que deixava a todos abismados. Finalmente Charlie levantou-se da cadeira e encaminhou-se ao escritório do patrão. Ele a recebeu com um sorriso. — Compramos o carrinho de bebê no sábado. — É, vocês não perdem tempo — comentou ela, colocando as provas na frente do sr. Grant. — É azul, modelo luxo, com uma cobertura branca e franjas brancas e azuis. — Parece bonito. — O que mais ela poderia falar de um carrinho de bebê? — O berço só será entregue no mês que vem. Eu já lhe contei isso, não é? Estaremos prontos com antecedência. Janice 8


já comprou papel de parede para o quarto do bebê e nós vamos colocá-lo no próximo fim de semana. Ou melhor, eu vou. Já disse a ela para tomar cuidado e não fazer muito esforço. Era como se ele estivesse falando consigo mesmo. Virou-se para a janela, observando a chuva que caía insistente. Charlie, olhando os cabelos grisalhos, pensou no que poderia tê-lo levado a casar-se tão tarde. Teria havido algum outro amor, talvez perdido, antes de Janice? De repente, ainda de costas para ela, o sr. Grant disse. — Eu nunca tive a intenção de casar, você sabe. Embora estivesse curiosa, Charlie sentia-se um pouco embaraçada com a súbita mudança do patrão. Era difícil acostumar-se à nova personalidade dele. — Sr. Grant, as provas chegaram hoje. Estudei-as a manhã inteira e... — Mas eu não sou imune. Ninguém é. — Imune? Charlie desistiu. Sentou-se, cruzou os braços e esperou. — Ao amor! Eu me apaixonei! Foi isso! — Compreendo. — Você já se apaixonou alguma vez? — Não. — Então não compreende. Ela não queria contradizê-lo. De qualquer forma, sabia que seria inútil. O chefe estava mais estranho do que nunca. — O senhor vai olhar as provas? Prometemos para o sr. Maxwell que lhe enviaríamos uma cópia assim que as recebês-

semos. O nome de Curtis Maxwell fez com que ele voltasse, pelo menos momentaneamente, a ser o diretor da galeria. — Certo, vamos cuidar disso. Providencie a cópia para ele.

Charlie levantou-se. — É só o senhor me informar logo que as houver verificado. — Você não acabou de me dizer que as estudou a manhã inteira? — Sim. Garanto que podemos enviá-las ao sr. Maxwell sem qualquer problema. Vou providenciar isso assim que o senhor as aprovar. *


Para sua surpresa, a ela.

o sr. Grant empurrou as provas em direção

— Está tudo certo. Eu confio em você. veri— Sinto muito, sr. Grant, mas prefiro que o senhor as senhor fique. Essa exposição é muito importante. Além disso, o quadros me alertou quanto ao fato de que tudo relacionado aos do sr. Maxwell deveria estar perfeito. Eu não quero arcar sozinha com essa responsabilidade. — É, você tem razão. Eu vou verificá-las. Charlie saiu da sala, satisfeita. Dez minutos depois, ele foi procurá-la. — Estão ótimas, Charlotte. A gráfica fez um trabalho excelente. Pode enviar uma cópia para Curtis. Mas mande-a de táxi, ele no ou melhor, leve-a você mesma. Tenho um pacote para de qualquer escritório que não gostaria de deixar nas mãos buscá-lo e você pode levar Vou é conteúdo frágil, O pessoa. agora. Mais tarde, na luxuosa Maxwell Gallery, Charlie identificou-se onde se na recepção e foi encaminhada ao primeiro andar, encontravam os escritórios. Havia ainda um segundo piso, provavelmente um apartamento, já que a porta que levava ao próximo lance de escadas era marcada com a palavra “Particular”. Charlie bateu à porta do escritório e entrou, sem imaginar sala. que uma surpresa a esperava naquela fazendo aqui? está você O Maggie! Margareth! que — A moça levantou a cabeça e riu, igualmente espantada com o encontro inesperado. — Bem, eu posso lhe perguntar a mesma coisa. As duas não se viam há quase dois anos. Haviam trabalhado de empregos, em serviços temporários para a mesma agência Estiveram Londres. juntas desde que Charlotte se mudara para semanas. comercial por quatro em um escritório de uma firma Não — Estou vindo da College Gallery. É em Knightsbridge. Faz Maxwell. do sr. é uma empresa comercial como a galeria parte da escola de artes. — Você está com um emprego permanente? É o — Estou lá há mais de um ano e adoro o que faço. E você? trabalho que eu vinha procurando há tanto tempo. — Sou a secretária do sr. Maxwell. -

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Charlie a fitou, intrigada. Não fora a voz dela que ouvira nas vezes em que precisara contatar o escritório do sr. Maxwell.

.

— Desde quando? — Duas semanas. Mas é por pouco tempo, estou apenas substituindo a secretária do sr. Maxwell, que está doente. Charlie olhou para a porta que comunicava com a outra sala. Talvez o patrão da amiga estivesse lá dentro e não era conveniente que ficassem conversando tanto. — Maggie, eu... — Não se preocupe. Não há ninguém aí. O sr. Maxwell nunca vem às segundas-feiras de manhã. Estará aqui depois do almoço. Se você quiser falar com ele... — Não, não é necessário. Neste envelope estão as provas do catálogo da exposição de Fernando Licer. Não sei se você está sabendo, mas o sr. Maxwell nos emprestou sete pinturas. Margareth assentiu com a cabeça. Tinha um brilho estranho nos olhos. — O que você acha dele? — Do sr. Maxwell? Eu não o conheço. Só falamos uma vez, por telefone. Ele me pareceu um pouco lacônico. — É, ele é meio seco. Na semana antes de eu vir para cá, ele trocou de secretária quatro vezes. É um patrão difícil! — Então por que você continua aqui? — Bem, o trabalho é interessante, variado. Ele é bastante exigente, mas eu não me importo. É uma pessoa que sabe o que faz. Charlie sentou-se em uma cadeira, interessada na expressão de entusiasmo de Maggie. — Como pode saber tanto sobre ele estando aqui há apenas duas semanas? Pelo que me disseram, o sr. Maxwell não fica sempre aqui, já que tem outros escritórios. — É verdade, mas eu tenho que saber dos movimentos dele, não é? Ele sempre me mantém informada. Neste momento, por exemplo, sei que está em Cotswolds com a garota dele... Ou melhor, a esta hora, já deve estar voltando para Londres. — A garota dele? — Ele tem uma amante! Falei com ela no telefone; tem a voz mais sexy que eu já ouvi. Ligou duas vezes desde que comecei a trabalhar aqui. Pede para chamá-lo dizendo que é H


a Chris. Só sei que ele sai do escritório toda sexta-feira na hora do almoço e volta na segunda-feira à tarde. Deu-me um número de telefone em Cotswolds, para que eu possa encontrá-lo em alguma emergência. Charlie não gostava desse tipo de fofoca, mas estava curiosa. — Então ele é um solteirão. .. — Pelo que pude saber, é isso mesmo. Charlie sorriu, pensando nas palavras que o patrão lhe dissera há pouco. O sr. Maxwell também deveria ser um cingiientão que passara grande parte da vida sem prender-se a compromissos, até ser fisgado... — Ninguém é imune. — Como? — Não é nada. Estava pensando em outra coisa. Preciso voltar ao trabalho. — Já é meio-dia e meia. Por que não almoçamos juntas? Charlie simpatizava com Margareth, embora as duas pouco tivessem em comum. Suas vidas eram muito diferentes. Maggie estava sempre fora de casa, em festas e reuniões com amigos, enquanto que o cotidiano de Charlie era trangúilo, exceto por seu envolvimento com o teatro amador. Haviam sido mais colegas do que propriamente amigas. — É pena, mas já tenho um encontro para o almoço — Charlie se desculpou. — Ah, é? Alguém especial? — Não. É Geoffrey Hemmings, meu vizinho. — Ah, eu me lembro do nome. Você ainda está saindo com ele? — Não fique imaginando coisas; não existe nada. Pertencemos ao mesmo grupo de teatro amador, só isso. — Bem, então fica para outra vez. Foi bom ver você. Enquanto conversavam, as duas não notaram que estavam sendo observadas. Nenhuma delas teve a idéia de olhar para a era lá que Curtis Maxwell porta que ligava a sala ao corredor, permanecia, imóvel, recostado ao umbral, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça e a expressão impassível. — Também gostei de encontrá-la, Maggie. Só quando Charlotte levantou, Margareth teve visão da porta. Ela clareou a garganta ruidosamente e seu rosto revelou uma

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súbita tensão. Charlotte seguiu-lhe a direção do olhar e deparou-se com o homem parado na entrada. Num gesto automático, endireitou o corpo e alisou a saia. Nem por um instante lhe ocorreu que fosse Curtis Maxwell. Pensou que seria um cliente ou alguém à procura do dono da galeria. Nos segundos que se passaram antes que algo fosse dito, contudo, ela teve tempo de registrar a aparência atraente do desconhecido que estivera escutando a conversa. Era moreno, alto e não movia um músculo sequer enquanto os olhos azuis fitavam friamente as duas moças. Margareth, nervosa, pigarreou mais uma vez. — Ah, sr. Maxwell. O senhor ainda não conhece a srta. Graham... Charlie Graham, da College Gallery. Charlie não pôde esconder a surpresa. Olhou para Maggie, imaginando que fosse alguma brincadeira, mas a moça estava séria e atrapalhada. — Charlie, este é o sr. Curtis Maxwell. Ela não se moveu. Por que supusera que Curtis Maxwell tivesse a mesma idade que Edward Grant? Apenas por serem amigos? Aquele homem era muito mais jovem! Moveu-se em direção a ele, com a mão estendida, tentando recuperar a compostura. — Sr. Maxwell, como está? Ele ignorou o cumprimento, observando-a com uma expressão ã aborrecida. é esse? Charlie? Que nome —


CAPITULO II

Charlie baixou a mão. — É o diminutivo de Charlotte. — Bem, Charlotte, o que está fazendo aqui? Ela mantinha-se de costas para Margareth, mas com certeza a outra moça também estava embaraçada. Charlie sentia-se como uma criança que é pega quando está fazendo alguma coisa errada. — Eu... eu trouxe um pacote que o sr. Grant lhe mandou e também a cópia das provas do catálogo. — Só isso? — Só. Já estou de saída, se me der licença. Ele estava bloqueando a porta com seu corpo forte. Charlie baixou os olhos, não querendo que ele percebesse a irritação da atitude que começava a sentir. Não gostara nem um pouco autoritária daquele homem. — Posso ficar trangúilo com estas provas? Elas estão em ordem, Charlotte? — É claro! A indignação não pôde mais ser escondida. Era evidente que ela não enviaria as cópias se não estivessem perfeitas! Conferira com cuidado todas as anotações, datas e detalhes concernentes às pinturas. — Ótimo. Até logo, Charlotte — disse ele, afastando-se para deixá-la passar. Charlie dirigiu um aceno breve para Margareth e apressou-se escada abaixo. Quanto ele teria ouvido da conversa? Torcia à para que não houvesse escutado a parte referente amante! 14


Havia sido culpa sua. Por que fora dar atenção aos mexericos de Maggie? Afinal, a vida particular de Curtis Maxwell não a interessava. Que lhe importava a maneira como ele trabalhava, ou se tinha uma, duas ou vinte amantes? Ficara intrigada apenas porque havia dado como certo que Curtis Maxwell fosse parecido com seu patrão. Caminhou apressada para a galeria. Ainda chovia. Abotoou a jaqueta, maldizendo o verão inglês. Estavam no início de junho! Quem iria prever um tempo daqueles com o céu cinzento e o vento frio? Olhou para o relógio, não se atrasaria para o encontro com Geoffrey. Por que havia se perturbado tanto? Devia ter enfrentado a situação de cabeça erguida em vez de ficar com a boca aberta como uma idiota. Afinal, ele havia sido rude. Ou melhor, sarcástico. Fizera questão de usar seu nome em cada sentença, pronunciando-o devagar, como se quisesse deixar claro que achava o apelido Charlie ridículo. Ao entrar no escritório, surpreendeu-se por ver que Geoffrey não estava lá. Ele costumava ser pontual e já passava da uma. Só então encontrou o bilhete que Linda deixara em sua mesa: “Saí para almoçar e o sr. Grant também. Geoffrey telefonou avisando que não poderá vir e lhe explicará à noite. P.S.: Levei seu conjunto azul para a lavanderia, assim você não precisará sair de novo na chuva”. Charlie sentou-se, resmungando. Linda fora gentil, mas é claro que ela precisava sair outra vez! Não podia passar o dia sem comer. De qualquer forma, estivera tão ocupada que até esquecera” do conjunto. Como nunca conseguia chegar em casa a tempo de encontrar uma lavanderia aberta, costumava utilizar uma loja perto da galeria. O conjunto azul seria usado em um casamento em Kendal no fim de semana seguinte. Ainda perturbada pelo encontro com Curtis Maxwell, levantou-se bem na hora que o telefone começou a tocar. — AIô? — Pensei que você tinha um encontro para o almoço. — Sr. Maxwell? — Exato. E então, Charlotte? 15


— O almoço foi cancelado. Se deseja falar com o sr. Grant, lamento informar que ele não está. Mas deve voltar às duas horas. — Pensando bem, talvez Charlie seja mais apropriado. — Como? A observação pegou-a de surpresa. Pareceu-lhe que o sarcasmo agora vinha misturado com irritação. — Você ouviu. Uma perfeita Charlie. É assim que a chamam na região de onde veio? Charlie abriu a boca e fitou o fone, podendo apenas repetir a mesma pergunta. — Como? — Notei um ligeiro sotaque do norte em sua voz. Aquele comentário não a agradou. Charlotte gostava de pensar que não mantinha mais qualquer tipo de sotaque. Como atriz amadora, julgava esse detalhe importante. Com muita polidez, já que precisava ter em mente que ele era amigo do patrão e principal colaborador da exposição, aproximou a boca do fone. — Será que está procurando uma discussão, sr. Maxwell? — Uma reclamação. Estas suas provas... — O que houve? Sr. Maxwell, fiz uma revisão rigorosa, principalmente no que se refere a seus quadros... — Aí está o maior erro. 4 Dama de Azul. Tem aí uma cópia das provas? Charlie já estava procurando a página quarenta e três. Correu os olhos pelas palavras sob a fotografia do quadro: 4 Dama de Azul. Fernando Licer, sem data. Empréstimo das Maxwell Galleries, Londres. — Não há nada errado com as informações, sr. Maxwell. Eu

apenas...

— Está tudo errado! Eu dei instruções específicas por escrito para que não fosse mencionada a origem do empréstimo no caso deste quadro. Eu não quero anunciar que ele é de minha propriedade! Compreendeu? Charlotte ouviu, mas não entendeu. Dúzias de perguntas se atropelavam em sua mente. — Mas...

co


— Nada de mas! Corte a menção às Maxwell Galleries e coloque o que deveria estar aí: Coleção Particular! Nada além

disso! Ela sentiu-se tentada a dizer que não sabia nada sobre as tais “instruções específicas”. Para quem ele as teria dado? A resposta parecia óbvia. Os olhos de Charlotte moveram-se para a porta do escritório de seu patrão. Não podia, porém, desleal com o sr. Grant contando a Curtis Maxwell que ele não lhe passara as instruções. Apertou os lábios com raiva, mas

ser

achou mais conveniente pedir desculpas. — Eu sinto muito, sr. Maxwell. Foi uma distração lamentável. Vou cuidar para que seja corrigida imediatamente. — Faça isso. E no futuro aja como foi combinado. — Eu... eu não estou certa se compreendi bem. — Na verdade, ela não tinha a menor idéia do que havia sido combinado. — Então eu vou explicar só mais uma vez! Não quero meu nome mencionado para a imprensa na noite da inauguração! Espero que não haja mais nenhuma dúvida! Ela fechou os olhos, tentando controlar-se. Afinal, era culpa do sr. Grant e não dela. Decidiu ter cautela para que aquele homem não a achasse mais incompetente do que já considerava. — É claro que sei disso, sr. Maxwell. O senhor quer dizer que essa recomendação se aplica apenas ao que se refere àquela pintura específica, não é? — Oh, pelo amor de Deus! Com essa exclamação, ele desligou o telefone. Atordoada, Charlotte ficou olhando para o fone. Depois, furiosa, desligou e bateu o pé no chão, desejando que Linda estivesse lá, para que pudesse dar vazão às emoções. O que havia de tão especial naquele quadro? E por que o sr. Grant não lhe havia passado as instruções? Perdeu a vontade de almoçar. Sentou-se à mesa e ficou tamborilando os dedos na madeira até o sr. Grant chegar. Seguiu-o ao escritório e não fez rodeios para entrar na história. Estava tão nervosa que não pôde conter as lágrimas. — Oh, Charlotte, desculpe. Eu sinto muito mesmo. Foi tudo culpa minha. Na verdade, desculpas não adiantavam muito depois de ela ter tido que enfrentar o desprezo de Curtis Maxwell.

as

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A — Ele foi muito desagradável e rude. Se eu tivesse sido incompetente, tudo bem. Mas o senhor sabe que procuro fazer as coisas o melhor possível! Como eu ia saber que ele queria manter em segredo a propriedade daquele quadro? E por que isso, afinal? — Eu não sei. Talvez a modelo seja mãe dele. Desconfio que tenha alguma relação com isso. — Mãe dele? A dama de Azul? — Sim. Oh, eu não sei! Ele nunca conversou comigo sobre o quadro, exceto quando disse que a mulher era sua mãe. Eu não o conheço tão bem, Charlotte, mas posso lhe dizer que, às vezes, é um homem muito estranho. — Pensei que vocês eram amigos. — Somos, mas não tão chegados. Eu conheci Curtis há sete anos, quando assumi a diretoria da galeria. Nossas relações são mais comerciais do que sociais. Há anos ele dá ajuda financeira para a escola de artes. Você não sabia disso? — Não! Não sabia de nada! — Você não foi rude com ele, não é? Eu não gostaria... — Não. É que... eu gostaria de ter sabido mais sobre o sr. Maxwell, só isso. — Desculpe. Agora sente-se e procure se acalmar. Vou telefonar para ele e explicar que a negligência foi minha. — Não há necessidade. Não me importo com o que ele pensa

de mim. — Mas eu me importo. Você representa a galeria e nós pre-

cisamos manter a boa imagem que sempre tivemos. Não quero que nada ponha em perigo... Ele silenciou o resto da sentença, mas Charlotte a completou: — filantropia do sr. Maxwell. — Se foi cinismo o que detectei na sua voz, é injusto. Ele é mesmo um filantropo, eu lhe asseguro isso. Há dois amores na vida de Curtis e um deles é a arte. O outro, sem dúvida, deveriam ser as mulheres, pensou Charlie, não ousando perguntar. Aquilo não era de sua conta. Ao chegar à porta, porém, não pôde evitar mais um comentário. — Eu não me importaria tanto, sr. Grant, se o senhor mesmo não tivesse verificado as provas. Mas eu as deixei aqui! — Eu sei, eu sei! 18


a Charlie retirou-se, sabendo que ele não tinha desculpas para apresentar. Tudo se devia ao fato de ele andar com a cabeça nas nuvens nos últimos tempos. — O que está havendo? — Linda já estava sentada junto à mesa. — Nunca tão agitada, Charlie. Qual é o-problema? — Curtis Maxwell — ela começou, mas não viu porque contar a história à secretária. — Não, é... é com o sr. Grant. A moça deu um sorriso. — Ele é lindo, não é? Charlie demorou alguns segundos para entender de quem a secretária estava falando. É claro que não se referia ao sr. Grant! Mas será que “lindo” não era um adjetivo um pouco exagerado? Achara Curtis Maxwell atraente, marcante. De qualquer forma, tinha ficado muito envolvida para reparar na aparência. Antipatizara com o homem assim que ele abrira a boca. — Não sabia que você o conhecia. — Eu o vi várias vezes; precisei contatá-lo em diversas ocasiões quando era secretária particular do sr. Grant. Agora parece que eles não estão tendo muitos negócios em comum. Linda trabalhava na galeria há bem mais tempo do que ela, É claro que devia conhecer o benfeitor das artes, pensou Charlie, voltando a sua mesa. No fim do dia, embora ansiosa para deixar o escritório, não sentia a menor vontade de ir ao ensaio. No entanto, não podia faltar. O grupo Park Lane pretendia encenar a peça logo e os ensaios estavam ocorrendo três a quatro noites por semana. Montavam a peça Conte seus lamentos à meia noite e Charlotte tinha o papel principal. Representava uma prostituta já madura que detestava o que fazia, mas não sabia de que outra maneira ganhar sua sobrevivência. Geoffrey era o principal ator masculino e dividia com Charlotte catorze falas bastante longas. Aquela noite ensaiariam a cena em que a prostituta abria o coração para um cliente regular, permitindo que ele visse o que se escondia por trás da fachada que lhe apresentara durante mais de dois anos. A peça era um tanto tragicômica, mas Charlie gostava de representar. Descobrira no teatro uma maneira de dar vazão às emoções, de expressar-se. Além disso, sempre lamentara muito não ter nenhum outro talento artístico. Apesar de seu grande

vi

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amor por todas as formas de arte, nunca conseguira pintar, desenhar, escrever ou tocar algum instrumento. Descobrir que podia representar fora uma surpresa agradável. No metrô, a caminho de casa, lembrou-se da primeira vez em que fora a uma reunião do grupo, a convite de Geoffrey. Passara a ajudar nos trabalhos extrapalco e, cerca de dois meses depois, quando o grupo começara a pensar em uma nova peça, havia tomado coragem para fazer um teste. Foi aprovada para o papel de uma empregada e adorou a experiência. Voltando mais atrás ainda no tempo, recordou-se de como tentara evitar Geoffrey, por não querer qualquer envolvimento. Ele morava no apartamento em cima do dela, no terceiro andar de um edifício elegante em uma rua silenciosa de West Kensington. Todas as manhãs ele lhe oferecia carona, já que Charlie, por coincidência, arrumara um emprego temporário na mesma avenida em que Geoffrey trabalhava. Quando ela saiu do emprego e ambos já não deixavam o prédio no mesmo horário, ele encontrou outra maneira de falar com ela: simplesmente tocava a campainha e a convidava para sair. Charlie recusou o convite diversas vezes. Um dia, sentados no jardim do prédio, os dois conversaram de fato pela primeira vez e foi então que Geoffrey lhe contou sobre o grupo de teatro amador. A partir dali tornaram-se amigos e Charlie nunca permitiu que o relacionamento tomasse outros rumos, embora soubesse muito bem que não era só isso que ele desejava. Às vezes almoçavam ou jantavam juntos, quando ambos precisavam de algum tempo extra para ensaiar as falas da peça que estavam montando. Geoffrey era uma pessoa muito doce. Tinha vinte e nove anos, mas aparentava menos. Irradiava simpatia, relacionava-se bem com todo mundo e não parecia sofrer por falta de namoradas. De Charlie, já ouvira muitos “não” sem perder a paciência. Ela às vezes se questionava se não estava sendo injusta com ele; mas não conseguia deixar de ver os homens com um certo ceticismo. Já havia sido rejeitada numa ocasião e isso poderia explicar sua atitude cautelosa. Tinha que reconhecer, porém, que Geoffrey era persistente. Nos últimos dois anos, descobrira nele qualidades que passariam despercebidas à primeira vista. Apesar do jeito tímido, ele era decidido e seguro de

si.

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Ambos eram proprietários dos apartamentos em que viviam.

Com a ajuda dos pais, mas principalmente com o dinheiro que herdara da avó, Charlie pudera comprar o seu logo que havia se mudado de Lake District para Londres. Fora naquela época que começara a trabalhar por uma vida nova e diferente e

então...

Ela suspirou, sacudindo a cabeça para afastar as lembranças enguanto o trem parava na estação. Não gostava muito de remoer o passado, era melhor interessar-se somente pelo presente e pelo futuro. A chuva continuou pelo resto da noite e ainda caía às onze horas, quando Charlie-e Geoffrey voltavam para casa no carro dele, após o ensaio. — Quando isso vai parar? O que aconteceu com nosso verão? — ela protestou. — Tivemos aquele dia bonito em abril... — Geoffrey, estou falando sério. Não agúento mais esse tempo! Ele a fitou de relance. — Percebi que você está meio nervosa hoje e acho que não tem nada a ver com a chuva. — Ora, só porque eu errei umas palavras... O carro entrou na garagem e parou. — Não é isso também. Algo deve ter aborrecido você no

é

trabalho. — É verdade. E, antes que pergunte, não quero conversar sobre isso. Já falei e pensei demais nesse assunto. — Está bem. O cabelo escuro de Geoffrey brilhou sob a lâmpada quando ele desceu do carro. Sempre um cavalheiro, deu a volta e abriu a porta para Charlie. Ela apreciava essas pequenas gentilezas. — Obrigada. Desculpe pelas falhas no ensaio. Sei que já deveria ter decorado todas as falas, mas... — Deveria mesmo. Vai me convidar para tomar um café desta vez? Ela sorriu. Raramente o convidava, porque sabia que certos limites não deveriam ser ultrapassados se pretendia manter o relacionamento como simples amizade.

ae

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— Esta noite, não, Geoffrey. Estou cansada. — Certo. E desculpe mais uma vez pelo almoço. — Eu já entendi. O elevador chegou e deixou Charlie no segundo andar. — Que tal amanhã, no mesmo horário? Prometo que não vou faltar — sugeriu ele. — Por que não? Geoffrey sorriu com uma expressão que transmitia carinho, admiração e quase nenhuma esperança. — Então estamos combinados. Boa noite, Charlie. — Boa noite. Foi com alívio que ela entrou no apartamento e fechou a porta. Talvez um bom banho quente fizesse seu humor voltar ao normal. O banho e a noite de sono funcionaram. A terça-feira começou perfeita. Charlotte acordou e viu o sol entrando através das cortinas bege de seu quarto. Foi até a janela, sorriu para o céu azul, vestiu-se e saiu, contente. O dia anterior parecia estar muito longe e já não a incomodava. Chegou ao escritório dez minutos adiantada. Linda ainda não estava lá. Abriu as cortinas para que o sol iluminasse a sala e pensou que aquele dia estava destinado a ser bom. O almoço com Geoffrey seria agradável e não teria problemas no ensaio, à noite. Quanto ao problema da véspera, tudo o que tinha a fazer era ligar para a gráfica e certificar-se de que agora tudo sairia conforme as instruções. Naquele momento, o sr. Grant abriu a porta de seu escritório. Ele era sempre o primeiro a chegar ao local de trabalho. — Bom dia, Charlotte. Chegou mais cedo hoje?

— Bom dia, sr. Grant. — Janice não está bem. — Oh! — Continua enjoando todas as manhãs. Não estou gostando

disso.

— Mas... mas, sr. Grant! É só isso? É perfeitamente normal! — Ela me disse isso, mas não pode ser bom para o bebê. Charlie passou os cinco minutos seguintes tentando aliviar-lhe as preocupações. Mas, na verdade, ela também não sabia muito

a


sobre gravidez e bebês e foi com alívio que viu Linda chegar e o patrão trancar-se em seu gabinete. Ele reapareceu no meio da manhã, com uma expressão mais trangiúila. Telefonara para a esposa e se certificara de que estava tudo bem. Charlie o fitou com alguma preocupação. Se ele se mostrava tão nervoso no princípio da gravidez de Janice, como enfrentaria as últimas semanas antes do bebê nascer? Ao meio-dia, Charlie deixou o escritório para resolver um pro-

blema na galeria. Voltou quarenta minutos depois e mal havia sentado junto à mesa quando a porta do sr. Grant voltou a abrir-se, mas desta vez ele saiu acompanhado pelo sr. Maxwell. Os olhos de Charlie dirigiram-se para Linda. — Por que não me avisou? — Não deu tempo. A presença de Curtis Maxwell dominava a sala. Charlie levantou-se, tensa, enquanto ele se aproximava de sua escrivaninha. — Bom dia, Charlotte. — Sr. Maxwell... Ela queria ver a expressão do patrão, mas não pôde desviar os olhos dos de Curtis. Ficou imóvel. A secretária parou os dedos sobre o teclado da máquina de escrever, fitando-os fascinada. Linda tinha razão, pensou Charlie. Ele era lindo. Vestia um casaco creme, calça e camisa marrons, numa combinação de cores que lhe ficava muito bem. Observou tudo isso sem tirar os olhos dele. Notou também as sobrancelhas grossas, os cabelos castanhos, o queixo bem marcado, o nariz reto. Mas eram os olhos que mais chamavam a atenção, de um azul escuro, profundo. Sem a frieza e a desaprovação da véspera, causavam uma impressão tão diferente... — Acho que lhe devo desculpas. — Não... não é preciso. — Clare: que é! Edward explicou tudo. Parece que você não estava a par das instruções, não é? — Bem... mas já está tudo corrigido, de qualquer forma. Ela voltou a sentar-se, pegou uma caneta e começou a rabiscar um papel. Precisava fazer alguma coisa para controlar a súbita sensação embaraçosa de não ter onde colocar as mãos. Por que ele não ia embora, agora que já pedira desculpas? 23


— Pensei que poderíamos almoçar juntos.

Dizer que o convite lhe causara um choque seria amenizar a situação. Ela sabia que havia ouvido bem, mas não pôde evitar a pergunta. — Como? Curtis continuava de pé em frente a ela, sorrindo. Charlie sentia-se hipnotizada. — Almoço, Charlotte. O sr. Maxwell a está convidando para almoçar. — A confirmação partiu do sr. Grant, num tom que não admitia uma recusa. A instrução foi tão clara que Charlie não hesitou em responder. — É muita gentileza sua, sr. Maxwell. Eu adoraria! Mas infelizmente já tenho um compromisso. — Você disse isso ontem. Não teria sido difícil enfrentá-lo se não houvesse aquela pequena platéia a observá-los: Linda e o sr. Grant não perdiam uma única palavra do diálogo. Charlie mantinha um sorriso nos lábios, mas seu constrangimento era cada vez maior. — É verdade. E, se o senhor se lembra, foi cancelado. Nós transferimos o almoço para hoje. — Então cancele mais uma vez! — Sinto muito, mas não posso fazer isso. — O sorriso de Charlie começava a tornar-se artificial. Ela nem ousava olhar para o sr. Grant, que obviamente percebia seu mal-estar. — É claro que pode, Charlotte. Basta decidir. — Acho que é muito tarde para cancelar; são dez para a uma. Geoffrey deve estar a caminho. — Charlie sentiu que o constrangimento começava a transformar-se em irritação. — Geoffrey? — É com ele que vou almoçar. Já deve ter saído do trabalho para vir me encontrar. — É uma pena, mas vai perder a viagem. Linda, transmita a Geoffrey as desculpas de Charlotte. Tenho certeza de que ele vai entender. Vamos indo, então? Ela tinha de admitir que Curtis sabia usar da autoridade. Com a atitude de um benfeitor magnânimo, inclinou a cabeça e ofereceu-lhe o braço. O gesto foi tão incisivo que ela não teve outra alternativa. Levantou-se e aceitou o convite. 24


— Não se apresse, Charlotte. Aproveite o almoço — disse o sr. Grant, sorrindo. — Obrigada. — A voz soou serena, mas o olhar que dirigiu a

Curtis soltava faíscas de ódio. Ele esperou até chegarem ao corredor para começar a rir. Charlie puxou o braço tentando livrar-se, mas a manobra não funcionou. Só serviu para que Curtis a segurasse com força, achando mais graça ainda na inútil rebelião. Charlotte não disse uma palavra. Que homem mais arrogante! Colocava-a em uma situação sem saída e achava-se muito esperto por isso! Pelo menos, iria assegurar-se de que aquela fosse a primeira e última vez que Curtis Maxwell a convidava para almoçar. Ele ia ser tratado com o desprezo que merecia. À mensagem seria passada de maneira elegante, mas decisiva!

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CAPÍTULO III

O desastre aconteceu na saída da galeria: depararam-se com Geoffrey, que entrava apressado. Ele parou, olhando para o casal com uma mistura de espanto e suspeita. Curtis ainda mantinha o braço de Charlie seguro, apesar das tentativas que ela fazia para soltar-se. Não era apenas a atitude de posse que a incomodava, mas o próprio contato físico. — Geoffrey, eu sinto muito. Deixei um recado com Linda e... Bem, este é Curtis Maxwell. Geoffrey foi o primeiro a cumprimentar. — Como está? — Muito bem, obrigado. — Curtis desceu o braço até a cintura de Charlotte, conduzindo-a para fora do prédio. — Sinto muito. São questões de negócios. Com um aceno de mão, chamou um táxi e colocou Charlie dentro do carro, antes que ela pudesse dizer qualquer palavra. Da calçada, Geoffrey os fitava com os olhos arregalados de surpresa. Afastando-se o mais possível de Curtis, Charlie cruzou os braços e permaneceu calada. Ele não tentou tocá-la outra vez até saírem do carro. Dois minutos depois, eram recebidos pelo maitre de um pequeno restaurante francês e conduzidos a um canto do salão.

— É esta a mesa que reservou, sr. Maxwell. Charlotte olhou em volta. O restaurante estava cheio, mas as pessoas falavam baixo e o ambiente era trangúilo. A julgar pela decoração e pelo atendimento, parecia um lugar caro. Colocando as duas mãos sobre a mesa, ela encarou o acompanhante e presenteou-o com seu mais brilhante sorriso. 26 <a


— Bem, está tudo ótimo, sr. Maxwell, mas o que está pretendendo? Ele demorou um pouco para responder, repousando os olhos sobre a boca de Charlie e vendo o sorriso se desfazer. — Que pena, Charlotte. Você é mais bonita ainda quando sorri. Já devem ter lhe dito isso um milhão de vezes... — Enquanto ele falava, o garçom aproximou-se e ficou parado junto à mesa com o lápis na mão, mas Curtis nem pareceu notar-lhe a presença. — Só posso descrever seus olhos como fabulosos. Você é uma mulher extremamente atraente e não há motivo melhor do que este para eu convidá-la para almoçar, concorda? Charlie não pôde responder, sabendo que o garçom ouvia cada palavra. Embaraçada, levantou os olhos e sorriu. — Vou querer um Campari com soda. — Traga dois. O rapaz anotou os pedidos e afastou-se. Curtis apoiou o queixo na mão e fitou-a com um sorriso nos lábios. tática do silêncio? Primeiro no táxi, agora — Está aplicando É aqui... esta a recompensa que ganho depois de todo trabalho que tive? — Trabalho? Do que ele estava falando? E o que acontecera com seu plano de tratá-lo com desprezo? A resposta que ele lhe dera a deixara tão confusa que já não conseguia pensar direito. Quase poderia jurar que ele havia sido sincero. — Tive que cancelar dois compromissos e chegar a seu escritório ao meio-dia para ter certeza de que você ainda estava lá. — Mas... por quê? — Não tem nenhuma idéia? Por que tenho que lhe falar tudo duas vezes, Charlotte? Sei muito bem que é uma mulher inteligente; conversei bastante com Edward sobre você. Naquele momento o garçom voltou com o cardápio e as bebidas, dando um tempo para Charlie respirar. As insinuações de Curtis a deixavam desconfiada. — Sr. Maxwell... — Curtis — ele corrigiu. — Sr. Maxwell, eu sei que o senhor é importante para a escola de artes, o que reverte também para a galeria...

a

2


— Esqueça isso. Por que não tenta relaxar e ser você mesma?

— Aí é que está! Como eu posso, nestas circunstâncias? — Que circunstâncias? Não há nenhum mistério no que está acontecendo. Começamos da maneira errada e apenas estou tentando corrigir. Você me atrai, Charlotte. Quero vê-la mais, conhecê-la melhor. Quantas vezes vou ter que lhe dizer isto? Charlie ficou mais nervosa do que já estava. Passou os minutos seguintes comentando a decoração do restaurante, evitando o olhar de Curtis e impressionada por descobri-lo tão cativante. Não conseguia de maneira alguma identificá-lo com o homem seco que conhecera na véspera. Todos seus planos de tratá-lo com desdém naufragaram diante do irresistível charme, da desconcertante sinceridade. Foi com alívio que viu chegar a comida, desobrigando-a de buscar novos assuntos. — Parece gostoso. Bom apetite, sr. Maxwell. Ela insistia em chamá-lo de senhor. Mas Curtis adorava desafios. Sorrindo intimamente, levou o garfo à boca e decidiu mudar de tática. No meio do almoço, estavam imersos em uma discussão sobre Van Gogh e sua loucura. Ao terminarem a sobremesa, falavam de Renoir e sua atitude em relação a mulheres. Quando o café chegou, Curtis olhou, relutante, para o relógio. — Eu tenho que — Que horas são? — Três e dez. — Meu Deus! Vou ser despedida! — Não se preocupe com isso. Ei, fique sentada! Vamos ao menos terminar o café. Não posso imaginar nada mais desagradável do que ter um almoço esplêndido e não terminá-lo com um café forte. Não concorda? Ele falou com tanta seriedade que Charlie começou a rir. — É claro. Seria terrível! — Sabe, tem mais uma coisa que me desagrada muito — disse ele, inclinando-se sobre a mesa. — Continue. — Charlotte percebeu o tom suave e provocante da própria voz. Seria efeito do vinho ou da companhia? Como teria ele conseguido seduzi-la tanto, primeiro envolvendo-a em

ir.

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uma discussão séria, depois fazendo-a rir e agora... agora ela estava quase flertando com ele! — Ter que interromper uma conversa interessante, principalmente com uma mulher bonita. Vamos terminá-la hoje durante o jantar. Às oito horas está bem? Charlie voltou a pôr os pés na terra. Aquilo não era uma brincadeira. Acusá-lo de presunçoso por julgar de antemão que o convite estava aceito não daria certo. Afinal, nas duas horas que passara com ele, percebera que havia tomado por arrogância o que, na verdade, era autoconfiança e esta era uma qualidade e não um defeito. Por outro lado, não podia ceder ao charme daquele homem. Lembrava-se do que Margareth havia lhe contado sobre a maneira como Curtis passava os fins de semana... Não, não estava disposta a tornar-se apenas um passatempo para ele. Felizmente, tinha uma razão perfeita para fazer uma recusa educada. — Não vou poder. Já tenho um compromisso. — Com Geoffrey? — Não. — Percebe que ele está apaixonado por você? — Não é nada disso. — Mas você sabe que ele a quer? Charlie arregalou os olhos. Ele havia visto Geoffrey apenas uma

vez!

— Não é a mesma coisa. — Eu não disse que era. Mas, no caso de Geoffrey, acho que as duas coisas se aplicam. — Isso não é da sua conta, Curtis! Ele sorriu, notando que ela, sem perceber, o chamara pelo primeiro nome. — É verdade. Mas onde estávamos? Ah, sim! Sobre ama-

nhã...

— Também não posso jantar com você amanhã. E nem quinta-feira. — Não pode ou não quer? — Os dois. Na verdade, eu não quero. existe algo que me desinteresse é uma mulher que — Bem, não saiba dizer não a um convite. — O sorriso de Curtis tor-

se

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nou-se incrivelmente sedutor, mas Charlie não correspondeu, Não queria que ele continuasse insistindo. — Sr. Maxwell, eu vou ser sincera... — Agora há pouco eu era Curtis. -— É mesmo? Foi distração minha. Como eu estava dizendo, no momento não estou interessada em sair com nenhum homem. Não preciso disso por enquanto. — Deve ser uma posição invejável, Charlotte. Eu, porém, preciso muito disso. Como Renoir, adoro mulheres. Mas, diferente dele, não costumo idealizá-las. Charlie achou melhor encerrar a conversa. — Para alguém que estava com pressa você está demorando bastante. — É porque você me encanta, Charlotte. Mas diga, o que tem para fazer todas as noites? — Estou ensaiando uma peça. Faço parte... — Ah! Grupo de teatro amador, não é? Ouvi você mencionar isso para minha secretária. — O que mais você ouviu? — Só o final. Sobre Geoffrey e o grupo de teatro. Por quê? Perdi alguma coisa? Aliviada, Charlie ignorou a pergunta. — Não se envergonha de espionar a conversa dos outros? — Faço isso sempre que tenho a oportunidade. Qual é a peça que estão ensaiando? — Chama-se Conte seus lamentos à meia-noite. — Que título estranho! É uma comédia? — É e não é. Tem momentos engraçados, mas na realidade é um drama, que enfoca questões sociais. — E quando vai estrear? — Daqui a duas semanas. É por isso que estamos ensaiando tanto. — Todas as noites? — Normalmente, às terças, quartas e quintas. Neste final de preparação incluímos as segundas-feiras. A sexta-feira ficava livre, mas dizer-lhe isso não preocupou Charlie. Afinal, ele viajava nos fins de semana... Voltaram à galeria no mesmo táxi e, antes de descer, ela agradeceu pelo almoço, que de fato fora bastante agradável. Para 30


ser bem sincera consigo própria, detestava a idéia de ter que separar-se de Curtis. — Você reparou que conseguiu passar esse tempo todo sem me contar nada a seu respeito? — disse ele. falei tanto! — Mas — Está bém. Apenas me satisfaça a curiosidade quanto a esse sotaque. De onde você é? — Lake District. — Que coincidência! Estou indo para lá este fim de semana. O nome Chris voltou à cabeça de Charlie. Com certeza haviam decidido mudar um pouco de ares. — Eu também — respondeu ela, sem pensar. O interesse dele foi evidente. — Quando você vai partir? — Sexta-feira. Vou tirar o dia de folga. Tenho um casamento no sábado de manhã. — E quando pretende voltar? — No domingo, é claro. Tenho que trabalhar na segundafeira. Ele estava sorrindo, enquanto o taxímetro corria. Curtis havia dito que tinha um compromisso e ela estava excessivamente atrasada e, no entanto, não se resolviam a ir embora, — Eu também vou voltar no domingo. É uma viagem de negócios. Vou ficar em Kendal, na casa de um cliente colecionador de arte, que é, antes de tudo, um amigo. Trabalho com ele há muitos anos. Você vai ficar com seus pais? =— Vou. — E em que lugar de Lake District eles moram? Charlotte hesitou um pouco antes de responder. — Kendal. A última coisa que desejava era que ele lhe oferecesse uma carona. No entanto, lembrou-se de que, com certeza, não iria viajar sozinho. De fato, depois de acompanhá-la até a porta, Curtis voltou ao táxi sem fazer-lhe qualquer convite.

eu

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CAPÍTULO

1V

O recado chegou na quinta-feira. Charlie mordia-se de raiva, mas manteve um sorriso no rosto enquanto o sr. Grant lhe passava a mensagem, julgando que eram boas novas. Fora chamada pouco depois das nove à sala do patrão, que lhe anunciara ter acabado de receber um telefonema de Curtis. — Ele disse que vai pegá-la em seu apartamento amanhã cedo, às nove. É muita gentileza dele, não acha? Já que vocês dois vão para Kendal este fim de semana, nada mais natural que lhe ofereça uma carona. — É, muito gentil. E muito audacioso também, pensou Charlotte. Que ousadia fazer o convite por intermédio de seu patrão em vez de falar diretamente com ela! Com certeza, a tal Chris havia desistido de viajar e, então, ele a convidara para substituir a companhia da amante. Se julgava que ela se sujeitaria àquele papel, estava muito enganado! — Ele disse que não há razão para irem com dois carros. É claro que eu contei a ele que você não tem carro e então... — É pena, mas tenho outros planos para a viagem. — Como, Charlotte? Que contratempo! — Por quê? — Porque acho que você não vai conseguir falar com ele agora. Curtis me disse que não estaria na cidade hoje e já estava de saída quando telefonou. Se você tivesse me dito alguma coisa! ÀArrumou carona com outra pessoa? O que ela poderia responder? Sim, com o motorista do ônibus? Com esforço, colocou outro sorriso nos lábios. Parecia que o

Ja


sr. Grant estava encarando aquilo como uma questão pessoal.

Talvez tivesse receio de ofender Curtis. — Não se preocupe. Eu darei um jeito. Se não conseguir falar com'o sr. Maxwell, mudarei meus planos e estarei pronta quando ele chegar amanhã. O sr. Grant suspirou aliviado. Charlie achou melhor não lhe dizer que encontraria Curtis Maxwell a qualquer custo. Se não estivesse no escritório, Maggie lhe informaria para onde ele havia ido. Correu ao telefone e teve outra decepção. Maggie não sabia o destino do patrão. -— Mas... mas você disse que ele sempre avisava onde poderia ser encontrado! — É, mas só quando ele quer ser encontrado; quando há alguma urgência. Não sei onde ele está todos os minutos do dia. Qual é o problema, Charlie? Deve ser sério, porque você parece nervosa. — Não, não é nada. Até logo, Maggie. Ela recostou-se à cadeira. Não havia motivo para tanta preocupação. Se não pudesse encontrá-lo durante o dia, falaria com ele à noite. Bastava procurar o número na lista telefônica. Só não contava com um detalhe: o nome de Curtis Maxwell não constava da lista. Ao chegar em casa à noite, antes de ir para o ensaio, debruçou-se outra vez sobre o catálogo de telefones. Encontrou apenas os endereços e números das galerias de Curtis. Comeu rapidamente um sanduíche e correu para o salão da igreja, onde ocorriam os ensaios do grupo do teatro. As dez e meia, ao voltar para seu apartamento, experimentou discar para o departamento de informações. — Sim, temos um registro de Curtis Maxwell, ass — No endereço da Maxwell Gallery em Mayfair? | — Exato. — Ótimo! É o número que estou procurando. — Sinto muito, mas não vou poder dar-lhe a informação. — O quê? — Eu disse... — Sim, mas por quê? 33


— Está fora da lista telefônica. Nós não temos autorização

de fornecer números nestas condições. Charlie desligou e sentou-se no tapete, olhando para o telefone e sentindo que caíra em uma armadilha. Agora só lhe restava arrumar a mala e esperar pelo dia seguinte.

sexta-feira amanheceu ensolarada. Charlie saiu do banho um pouco depois das sete e começou a secar os cabelos. Às quinze para as nove se encontrava pronta, caminhando de um lado para outro na sala de estar. Sabia que se comportava de maneira drtacional, € tinha que” descobrir a razão. Era inevitável que voltasse a pensar na moça de Cotswolds; afinal, pelo que entendera, a tal Chris mantinha um relacionamento com. Curtis... No entanto, não existia nenhuma evidência de que ele estivesse pretendendo cortejá-la. Eram suas fantasias que já haviam ido longe demais. Talvez o oferecimento da carona não passasse mesmo de um ato de gentileza, como achava o sr. Grant. Mas... o fato é que Curtis não lhe saíra da cabeça desde o almoço na terça-feira e agora a perspectiva de passar horas sozinha com ele dentro de um carro a assustava. Demorariam cinco a seis horas de Londres até Kendal; era muito tempo! Quando a campainha tocou, ela tentou acalmar-se e ter um comportamento normal. Ao menos por boas maneiras, não podia cumprimentá-lo com ar de quem não queria a carona. — Bom dia, sr. Maxwell. O movimento de seus olhos foi incontrolável. Fitou-lhe o rosto, a camisa azul-clara aberta no pescoço, as mangas enroladas até o ' cotovelo, a calça branca... Curtis respondeu da mesma forma, com as sobrancelhas elevando-se enquanto observava Charlie dos pés à cabeça. — Você escolheu a profissão errada. Devia ser modelo. Está fabulosa! Um vestido tão simples, mas que a deixa incrivelmente A

sedutora...

— Estou pronta, sr. Maxwell. Vamos? — Não vai me convidar para entrar? Sem ter como negar, Charlie afastou-se um pouco e fez um gesto em direção à sala. Curtis ficou parado no meio do aposento, olhando em volta com ar de aprovação. E

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a — Muito bonito, Charlotte. Simplicidade com bom gosto. Você combinou muito bem as cores. Charlie sentia o coração apressado e esforçava-se para sorrir de maneira indiferente.

— Minha mala está ali. Curtis olhou para a direção indicada e começou — Tudo isso para um fim de semana? A atitude dele foi tão natural que Charlie riu também. Por que ele a contagiava tanto? — Tenho um casamento, lembra-se? São roupas que fazem volume. — Estou brincando. Não faz diferença para mim. É o carro que vai carregar. — Ele pegou a mala e desceram. Na rua, acomodou a bagagem no porta-malas do Jaguar azul que brilhava ao sol; ajudou Charlie a entrar e acomodou-se ao volante. A sensação que a invadiu já era esperada: a proximidade dele a perturbou de modo incontrolável. Afundou-se no banco e fitou a rua. Era evidente que sentia atração por aquele homem e isso significava que estava em perigo. Nunca se sentira tão envolvida anteriormente. Tinha que fazer força para desviar os olhos do braço musculoso que a manga arregaçada revelava, das coxas firmes ou das mãos que tocavam o volante, descontraídas. Viajaram em silêncio por algum tempo. Charlotte, deliberadamente, mantinha-se atenta à paisagem. — Qual é o problema, Charlotte? Você parece nervosa. — Não é nada. Ele não fez qualquer comentário. Apenas virou a direção e parou no acostamento. — Ouça, Charlotte. É uma longa viagem que faremos juntos. Prefiro que diga logo o que a está incomodando para que possamos prosseguir em um clima mais agradável. — Quer dizer que além de ser presunçoso você também lê pensamentos! Por que não me ofereceu a carona na terça-feira, quando falamos a respeito da viagem a Kendal? — Porque você teria recusado. Eu precisava arrumar um jeito que me desse certeza da sua companhia. Ela o fitou, intrigada. Aquele homem tinha resposta para tudo!

rir.

É

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— Eu tentei telefonar para você ontem à noite para dispensar a carona. — Eu achei que você faria isso. Meu número particular não está na lista. Foi o que descobri! Escute aqui, sr. Maxwell... — Pare, Charlotte! Está lutando por uma batalha perdida. — Não sei o que você quer dizer. Vamos embora. — Só quando eu achar que devo. Escute, só estamos fazendo uma viagem de carro juntos, não há por que se sentir ameaçada. Eu não vou atacá-la. Não vê isso? Charlotte sentiu-se infantil e ridícula. Nunca tivera medo de estar sozinha com um homem. Por que aquele comportamento, então? — Tem razão, sr. Maxwell. Eu sinto muito. — Meu nome é Curtis. — Certo. Curtis. Ele voltou para a estrada e prosseguiram. Charlie ficou algum queria dizer com tempo em silêncio, tentando imaginar o que “batalha perdida”. — Conte-me sobre esse casamento de amanhã. Finalmente ele havia mudado de assunto, pensou Charlie, aliviada. Agora sentia-se mais à vontade para conversar. — É de uma amiga de escola. Na verdade, Janet é a irmã de uma amiga. Estudamos todas no mesmo colégio. Joanne, a irmã da noiva, morreu em um acidente de motocicleta quando tinha vinte e um anos e a partir daí Janet ficou muito apegada a mim. Esse é um dos motivos pelo qual eu não poderia faltar ao casamento. — Fez uma pausa, olhando a paisagem, depois continuou: — Saí de Kendal logo depois que Joanne morreu. Eu tinha vinte e dois anos e estava precisando repensar meu futuro. Além disso, já havia terminado a faculdade e as perspectivas de emprego eram melhores em Londres. — Precisava repensar o futuro? Por quê? Você omitiu alguma coisa: na história? Charlotte sorriu, fitando-o com admiração. Aquele homem não perdia nada! — Eu estava noiva naquela época. Aliás, desde os dezessete anos. — Antes de ir para a faculdade? -——

ele

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— É. Acho que já conseguiu imaginar o resto, não? — Você voltou para casa quando se formou e descobriu que não o amava mais? — Quase isso. Só que foi o contrário. Dennis e eu nos conhecíamos desde crianças. Nosso relacionamento nunca foi excitante, mas era confortável, seguro, coisas que julgávamos bases importantes para o casamento. Até que ele descobriu o que era se apaixonar de verdade... por outra garota. Na verdade, nós nunca nos amamos. — Então você não lamenta por ter perdido o noivo? — Não, nem um pouco. Acho que foi melhor ter acontecido logo, antes que fosse tarde. — A julgar pela sua veemência, devo imaginar que você se tornou contra o casamento? — Não. Se me apaixonar por alguém, vou acabar decidindo pelo casamento. Mas não penso nisso por enquanto; sou feliz da maneira como vivo. — Quantos anos você tem, Charlotte? — Vinte e três. Faço vinte e quatro em agosto, E você? — Trinta e seis. Terei trinta e sete em novembro. — Não foi isso que eu quis perguntar. Queria saber se você é feliz do jeito como vive. — Razoavelmente. Charlotte percebeu a leve mudança no tom de voz dele e resolveu não insistir. — E o que pensa do casamento? Como chegou até essa idade sem que ninguém o levasse para o altar? — Obrigado! Faz-me parecer um velho! — Você não respondeu minha pergunta, Curtis. Ela esperou vários segundos antes que ele resolvesse falar. — Eu nunca vou me casar. Já tenho compromissos suficientes em minha vida. Charlotte percebeu que havia ido longe demais. Mudou de assunto e começou a conversar sobre Kendal e sobre si própria. Contou que era filha única e que seu pai tinha uma loja de antigiúidades. Mas, enquanto falava, sua mente se intrigava com a maneira estranha como ele dissera as palavras “nunca vou me casar”, e com o tempo que levara para responder.

3


Uma hora mais tarde, Curtis sugeriu que parassem para almoçar. Encontraram um restaurantezinho simpático à beira da rodovia, que servia comida caseira. Enquanto faziam a refeição, Charlie decidiu tocar em outro assunto que a intrigava: — Preciso lhe perguntar uma coisa porque estou muito curiosa a respeito. É verdade que 4 Dama de Azul é sua mãe? — Edward contou a você? — Sim. — O que mais ele lhe disse? — Nada. — Nem sobre mim? — Nada mesmo. E então? É sua mãe? — Sim. — Quer dizer que sua família conheceu Fernando Licer? Ele olhou em volta, como se quisesse ter certeza de que ninguém o ouviria. — Todos nós o conhecemos. — Você também? — Tinha onze anos quando ele morreu. Charlie não insistiu nas perguntas. Percebeu que, embora mantivesse um sorriso, Curtis não se sentia à vontade. — Bem, que vamos comer de sobremesa? — Para mim já basta. Acho que você devia tomar cuidado. Quando chegar aos trinta vai ver que não será tão fácil manter esse corpo perfeito. — Perfeito? Bem que eu gostaria de engordar um pouco. — Para quê? — Os olhos dele fitaram-lhe os seios livres sob o vestido. — Eu não mudaria nada em você, Charlotte. Ela levantou-se e caminhou até o balcão de doces, antes de Curtis perceber que seu rosto ficara vermelho. Ao saírem do restaurante, o dia estava ainda mais quente. Entraram no carro e abriram as janelas, dando passagem a uma brisa agradável. Menos de uma hora depois, Charlie tinha adormecido. Acordou devagar, primeiro apertando os olhos contra a claridade do dia, depois espreguiçando-se e provocando uma risada no homem que a observava. Virou-se depressa, a tempo de surpreender uma indisfarçável expressão de desejo. Um pouco assustada, notou que haviam parado. Estavam numa estrada :

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secundária, sem nenhum movimento, estacionados em meio a árvores frondosas. — Linda. Simplesmente linda — disse ele, em voz baixa. Charlie gelou. Ainda mantinha a cabeça apoiada no encosto reclinado do banco e não ousou se mexer, sentindo-se ao mesmo tempo ansiosa e alarmada. Via na expressão dele o que lhe passava pela cabeça. Curtis estava tão perto que podia sentir-lhe a respiração. — Não tenha medo, não vou beijá-la. Se fizesse isso, talvez não conseguisse me conter. — Curtis... — Faz muito tempo que não desejo tanto uma mulher... Gostaria de deitá-la em lençóis de cetim e despi-la devagar, bem devagar, descobrindo... — Chega! — Ela endireitou-se no banco, sem acreditar no que estava acontecendo. As palavras e o olhar de Curtis a haviam deixado loucamente excitada. — Você está fora de si! — Talvez. Isso não é muito difícil, Charlotte. — Por que parou o carro? Charlie levou a mão aos cabelos, tentando arrumá-los, e Curtis observou o movimento com um sorriso. — Cortei caminho por esta estrada e já vamos entrar em Kendal. Preciso que você me oriente a partir daqui. — Certo. Vá em frente. Eu lhe digo para onde ir quando estivermos mais perto da cidade. Enquanto mostrava o caminho para a casa de seus pais, Charlie olhava vez ou outra para Curtis. Ele a fascinava e a atraía mais do que qualquer pessoa que ela conhecera na vida. Demorou para conseguir controlar as batidas apressadas do coração. Ao estacionarem em frente à casa, Charlie viu frustradas suas esperanças de sair do carro antes que alguém a visse. Sorrindo e acenando, Pauline Graham já estava quase na calçada, fazendo sinal para que Curtis descesse também. Ele, claro, não hesitou em aceitar o convite. — Boa tarde! É a sra. Graham, não é? Com esse cabelo fabuloso, só poderia ser mãe de Charlotte. Charlie suspirou. Sabia como sua mãe ia reagir a todo aquele charme. Não o deixaria ir embora sem tomar uma xícara de 39


chá e experimentar um pedaço de bolo. Alguma coisa lhe dizia que aquele fim de semana não iria transcorrer da maneira como esperava. Antes mesmo de entrarem, o pai de Charlotte chegou e foram feitas novas apresentações. — Foi muita gentileza sua tê-la trazido, sr. Maxwell! — disse Eric Graham, indicando-lhe a porta de entrada. — Pode me chamar de Curtis. — Obrigado, Curtis. — Na sala, Eric sentou-se na sua poltrona favorita e fez sinal para que o convidado também se acomodasse. Pauline já havia colocado a chaleira no fogo. — Quanto tempo demorou a viagem? Eu costumo levar cinco ou seis horas. — Bem, nós fizemos uma boa parada para o almoço. — Imagino. Charlotte come por dois e não engorda nem um quilo. Os homens riram, enquanto Charlie lançava um olhar indignado ao pai. — O senhor vai muito para Londres? — Sim, a negócios. Gosto de acompanhar as feiras de antigúidades e me inteirar das novidades: — Talvez o senhor conheça o amigo com quem vou me hospedar. Também é um expert no seu ramo. Vive perto de Windermere. Sir Kevin... — Loxley! Sim, eu o conheço muito bem, é um dos meus melhores fregueses. Tem uma queda por objetos de prata e pinturas. Conhece Charlotte desde que ela era pequena, não é, filha? — Sim, papai. E ele é Curtis Maxwell, das Maxwell Galleries. Eric Graham bateu a mão na testa. — É claro! Devia ter percebido logo. Charlie saiu da sala e foi desfazer as malas. Estava ansiosa para pendurar o casaco branco. Ao voltar para a sala, encontrou tudo da maneira como havia previsto. Eric e Curtis discutiam sobre arte, Pauline servia chá e bolo. Uma hora se passou, com um novo bule de chá. Depois de mais meia hora, Curtis olhou para o relógio. — Nossa! Desculpem-me, mas eu preciso... Sra. Pauline, será que eu poderia usar o telefone? ;

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— Fique à vontade. Há uma extensão na cozinha, se for assunto particular. — Não, eu falo daqui mesmo. Assim, estavam todos presentes quando Curtis telefonou para a amante. Charlie forçou-se a manter um sorriso enquanto ouvia a conversa. — Chris? Oi, querida! Ainda bem que consegui pegá-la em casa. Quero desejar-lhe boa sorte para hoje. Sei que você vai se sair bem. Sim, está tudo bem comigo. Vejo você logo. Tchau! Isso foi tudo, mas era mais do que suficiente para ressuscitar ressentimentos em Charlotte. — Talvez seja melhor você ir, Curtis. Isto é... Sir Kevin não o espera para jantar? — É verdade. Curtis levantou-se, com a mesma atitude que tivera desde a chegada: um homem acostumado ao ambiente, um velho amigo da família. Eric e Pauline levantaram-se também, para as despedidas. Charlie permaneceu sentada, com o coração batendo de raiva. — Nós o veremos outra vez no domingo, quando vier buscar Charlotte — disse Eric. — Filha! Curtis está de saída! Em outras palavras: “levante-se para acompanhá-lo”. Ela obedeceu sem dizer nada. Imaginou que Curtis não havia percebido que havia algo errado com ela, mas logo descobriu que estava enganada. — Você muda de humor depressa — ele comentou, ao saírem da casa. — O que foi agora? Eu me demorei demais? Seus

pais...

— Ficaram encantados. Eu só estou um pouco cansada. — Após dormir três horas no carro? Já que é assim, até logo, Charlotte. — Ele sorriu e deu-lhe um beijo no rosto antes de entrar no carro. Pauline não perguntou nada à filha durante o jantar, embora estivesse curiosa. Charlie, porém, sabia que não poderia fugir do assunto e descreveu brevemente como conhecera Curtis. — Ele é muito agradável — disse, para terminar. — Muito. Para não dizer bonito — completou a mãe, com os olhos brilhando. -

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Após o jantar, Charlie foi à casa de Janet. Voltou às onze horas e seus país já haviam ido se deitar. No dia seguinte, Charlie chegou do almoço de casamento por volta das três horas e, desde a porta, começou a contar à mãe como as coisas haviam ocorrido. A noiva estava linda, tinha tanta gente... Pauline, porém, não conseguindo conter o entusiasmo, interrompeu a filha: — Sir Kevin telefonou! Charlie sentou-se, sabendo que algo estava para acontecer. — E daí? Soube que ele conversara bastante com Pauline. Falara de Curtis, espantado por saber que ele e Charlotte eram amigos. Ia fazer um jantar naquela noite em Loxley Hall e queria que Charlie comparecesse. Seria um prazer para ele e para Curtis. Mandaria um carro com motorista às sete horas. Charlie tentou protestar, mas desistiu logo. Pauline estava encantada, já que sir Kevin era um cliente antigo de Eric. Achava que seria maravilhoso a filha jantar em Loxley Hall e, principalmente, na companhia de Curtis Maxwell. — Está bem, mamãe. Eu vou. Mas há algo que é melhor você compreender. Não estou interessada em Curtis. Sei que ele é atraente e charmoso, mas não há a menor possibilidade de qualquer envolvimento entre nós. Você se lembra do telefonema que ele deu ontem? Para uma pessoa chamada Chris? Bem, para sua informação, é a amante dele. Pelo que pude saber, a moça mora em Cotswolds e eles dormem juntos quase todos os fins de semana. — Charlotte! Que jeito de falar! — Sinto muito, mas fui direta. — Você não costuma ser... — Vulgar. Eu sei. Sinto muito, mas é dessa maneira que vejo as coisas.

— Mas... mas quem lhe disse isso? Charlie contou à mãe o encontro que tivera com Maggie. — Entende agora? — Mas... mas ela pode ter interpretado errado!

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— Tenho certeza de que não. Pauline olhou para a filha e sorriu. — Querida, como você é criança! Como o mundo é simples a seus olhos! As coisas nem sempre são como aparentam ser, Charlotte. Você pode estar enganada. Charlie não queria mais discutir o assunto. Sabia que não era ingênua. — O que eu vou vestir esta noite? — Qual o problema com o conjunto que está usando? Ela olhou para a roupa com a qual fora ao casamento. Era um conjunto bonito, com a blusa bordada. — Está todo amassado, mãe. E a blusa... — Não há problema. Tire a roupa que eu vou passá-la outra vez. Quanto à blusa, tenho uma que combina perfeitamente. — Mamãe, você é bem menor que eu! — A blusa não é minha. É um presente que comprei para de Pam. Posso dar-lhe alguma outra coisa. Agora aniversário o de choramingar, Charlotte. Você não é assim. pare Às sete horas, com os sentimentos divididos entre raiva, medo e ansiedade, Charlotte se encontrava pronta, à espera do carro de sir Kevin.

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CAPÍTULO

V

Charlotte poderia ter gostado do jantar, se não fosse por Patty Loxley.

Sir Kevin, um viúvo de meia-idade, havia apresentado Patty como sua sobrinha que fora passar o fim de semana com ele. A moça tinha trinta e poucos anos, era alta, elegante, bonita e, conforme Charlie descobriu pelas conversas, divorciada havia pouco tempo. Embora continuasse zangada, Charlie estava apreciando a noite. Saiu-se bem durante os aperitivos e mesmo no jantar, apesar de não estar acostumada com tanto requinte. Havia catorze pessoas à mesa. Sir Kevin sentou-se à cabeceira e colocou Charlie à sua esquerda. Em frente dela estava Patty, sentada ao lado de Curtis. Por que não fora ela a ser colocada ao lado dele? Será que Patty havia pedido para ficar naquele lugar? Era provável. Ela já tinha dito que tivera oportunidade de conhecê-lo melhor durante o dia e o achara muito agradável. — Como pequeno este mundo, não é? Eu moro a dez minutos da casa de Curtis e nem sabia! Não é estranho? Tio Kevin sempre me falava dele mas eu nunca o havia encontrado. Faz tempo que você o conhece, Charlotte? A conversa entre os convidados não cessou um só momento, tornando-se mais animada conforme os copos iam sendo esvaziados e completados com vinho. Charlotte trocara apenas umas poucas palavras em particular com Curtis, na hora em que chegara. — Ah, é a dama de azul! Você está linda, Charlotte. Como foi o casamento? — Perfeito.

é

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Dissera apenas uma palavra, quando tinha tantas presas na garganta. O que ele queria dela? Por que a convidara? Ela não queria ir e, ao resolver aceitar o convite, o que encontrou? Patty, linda e sofisticada, flertando abertamente com Curtis. O homem que se sentara à esquerda de Charlie tocou-lhe o braço, sorrindo. -— Parece que Patty encontrou sua próxima vítima — ele murmurou. Com uma expressão impassível no rosto, Charlie olhou para ele e não fez nenhum comentário. O homem tinha uns quarenta anos e havia chegado sozinho logo depois dela. Tudo o que sabia sobre ele era que se chamava Dean e que já bebera bastante. Olhou para a frente e viu que Patty e Curtis conversavam animados. — Ela é mestra em lançar a isca e puxar a presa. Sempre dá certo — continuou Dean. Sentindo-se obrigada a dizer alguma coisa, Charlie sorriu. — Ela é muito bonita. Você com certeza concorda comigo. Não consegue tirar os olhos dela. — Faz quinze anos que eu sou apaixonado por ela. Se soubesse que Patty estaria aqui hoje, não teria aceitado o convite de Kevin. Neste momento, sir Kevin tocou o braço de Charlotte. Estava sendo muito gentil com ela, mas ainda não a fizera compreender porque fora convidada. — Charlotte, minha sobrinha parece estar monopolizando Curtis. Você não vai ficar de lado e deixá-la tão à vontade, não é? Ele estava tão ansioso para que você viesse aqui e, pelo que vi, vocês nem conversaram. O anfitrião mostrava abertamente sua curiosidade a respeito do relacionamento entre ela e Curtis. Charlie precisou pensar depressa, à procura de uma resposta adeguada. — Eu não sei o que Curtis lhe disse, sir Kevin, mas nós mal nos conhecemos. Não posso culpá-lo por estar interessado em sua sobrinha. Ela é linda. Sir Kevin fez um sinal de assentimento com a cabeça, enquanto fitava Charlie, intrigado, como se aquela fosse a última coisa que esperasse ouvir. 45


No entanto era fácil perceber que Curtis não estava interessado em Patty Loxley. Mesmo sem querer, Charlotte não podia deixar de observá-lo, disfarçadamente, de tempos em tempos. Sentia os olhos dele sobre si enquanto conversava com os vizinhos da mesa. De vez em quando, seus olhares se encontravam mas ela desviava o rosto depressa, para evitar que Curtis percebesse o que sentia. Mais tarde, quando os convidados haviam se encaminhado à sala de estar para o café, Curtis interrompeu a conversa com um casal e aproximou-se de Charlie. — Qual é o problema com você? Kevin me disse que está querendo ir embora. — Já é quase meia-noite e eu não vou ser a primeira a sair.

se

retirar. Outras pessoas acabaram falando. Por que pediu que o moé disso estou Não — que torista a levasse para casa? — Ele me trouxe, não é? — Isso não pôde ser evitado. Eu e Kevin estávamos tratando de negócios até o horário dos convidados começarem a chegar. Não querendo discutir na casa do anfitrião que a recebera tão bem, Charlotte sorriu com toda a graça que pôde arrumar. — Eu não vejo motivo para tanta agitação, Curtis. Não tez diferença para mim com quem eu vou voltar para casa. — Mas faz muita diferença para mim. Quero conversar com você e aqui não é o lugar apropriado. Despeça-se das pessoas enquanto eu trago O carro. — Eu não quero ir para casa com... Charlie foi interrompida pela pressão dos dedos dele em seu braço. — Esta foi uma noite muito estranha, Charlotte, e graças a você. Estou cansado desse seu comportamento absurdo. Pode de parar de me olhar com esse ar furioso. Mais uma palavra à protesto e eu a tiro dagui força. Ela o encarou, desafiante, mas em dúvida quanto à atitude que deveria tomar. Será que ele cumpriria a ameaça? Não, era clico de

que não! — Obrigada, mas o motorista já deve estar me esperando — disse Charlie, sorrindo. 46


Virou-se para ir à procura de sir Kevin, mas foi detida por um braço que lhe envolveu a cintura. — Bem, você pediu por isso. — Não! Por favor, todo mundo está olhando! Oh, está bem! Eu vou com você. Solte-me agora. Dez minutos depois, encontraram-se no carro, em silêncio. Era uma noite clara e quente. Charlotte abriu a janela e permaneceu fitando a rua, deixando evidente que não queria conversar. Mas Curtis não se deixava vencer com facilidade. Não foi surpresa para Charlie ver o carro estacionar numa rua deserta. Ele desligou o motor e virou-se para ela. — Charlotte, que tal me contar o que a está aborrecendo tanto? Eu tentei descobrir, mas não consegui. — Curtis, acho que somos ambos adultos e podemos dispensar certos jogos. — Jogos? Se está falando de Patty, posso lhe garantir... — Não precisa me garantir nada. Você não está nem um pouco interessado em Patty, só teve o azar de sentar-se ao lado dela, que aliás deve ter dado um jeito para que isso acontecesse. Vi que você não estava gostando da situação. É em mim que está interessado. — Foi com satisfação que viu a expressão de espanto que suas palavras estavam provocando. — Você é um homem atraente e eu me sinto lisonjeada. Mas está perdendo seu tempo, Curtis, não estou disposta a me envolver com ninguém, muito menos com você. Já lhe disse isso. Se pensar bem em tudo o que aconteceu, vai ver que nunca saí com você espontaneamente. Sempre precisou usar sua influência e autoritarismo para conseguir minha companhia, não foi? O mesmo aconteceu hoje. Só vim ao jantar para agradar meus pais. Enquanto falava, Charlie percebeu que ele sorria, com uma autoconfiança que a perturbou. Era assim tão óbvio que mentia? — Já terminou? Esse é o fim de seu comovente discurso? Charlie apertou os lábios. Curtis continuava rindo dela! — Sim. — E se agora você me contasse o que a está incomodando de verdade? Você mesma disse que devíamos dispensar certos jogos.

Charlie suspirou. Não havia meios de escapar daquele teimoso! 47


— Então, que tal você me contar quem é Chris? — Chris? — A expressão dele mudou e uma testa franzida substituiu o sorriso. Por um momento, pareceu confuso, tentando imaginar como Charlotte sabia de Chris. Lembrou-se, então, do telefonema. — Chris é minha irmã. Por quê? O rosto de Charlotte disse tudo, mesmo sem que ela se expressasse por palavras. Ele voltou a sorrir. — Já entendi. Você pensou que Christine fosse uma namorada, não é? Charlie sumiria se pudesse. Nunca se sentira tão estúpida! Não poderia ter se deixado levar pelas fofocas de Margareth, ainda mais sabendo como a amiga era maliciosa! As palavras da mãe voltaram à mente, claras e precisas. Estava interpretando tudo errado! Curtis esperou alguns momentos, mas O silêncio continuou. — Talvez eu devesse ter dito isso quando telefonei para ela ontem, mas nem me passou pela cabeça. Agora compreendo porsaí de sua que você estava agindo de modo estranho quando eu casa. — Vamos embora? Estou muito cansada. — Na verdade, estava morta de vergonha! — Daqui a pouco. Você me julgou mal e agora quero que me ouça. Houve muitas mulheres na minha vida, Charlotte. Já lhe disse que gosto disso. Mas nunca tive duas ao mesmo tempo, por uma questão de princípio. Respeito as pessoas com quem saio. Seus olhares se encontraram por alguns segundos, antes que ele se voltasse para a direção e ligasse o motor. Nos poucos minutos que levaram para chegar à casa dos pais de Charlie, ela viu passar por sua cabeça uma confusão de pensamentos e emoções contraditórias. Não tinha dúvidas de que Curtis dissera a verdade. Chris era irmã dele. Por que isso a fazia sentir-se tão aliviada e feliz? Não desejava mais que a noite se acabasse tão depressa. No entanto, não revelou o que estava pensando. Ficou em silêncio o resto do caminho, ouvindo os curtos comentários que ele fazia a respeito de sir Kevin e do jantar. Curtis não desligou o motor quando parou para deixar Charlie. Saiu do carro e acompanhou-a até a porta. As luzes da casa já estavam apagadas. Era quase uma hora da madrugada e os pais

lhe

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edi

À

dela haviam se deitado há muito. Se estivesse em seu apartamento, Charlie o teria convidado para entrar e tomar um café, mas ali seria impossível. — Boa noite, Curtis. — Ela sorriu, esperando transmitir uma impressão amistosa. Ele respondeu da mesma forma. Não havia nada intencionalmente sedutor na atitude, mas Charlie instintivamente mirou-lhe a boca sensual. Balançou a cabeça e procurou a chave na bolsa, estremecendo ao sentir que a mão de Curtis envolvia a sua. Não havia sentido a aproximação, mas desejou que ele a beijasse. Deixou-o pegar a chave e abrir a porta. — Pronto. Está entregue. Charlotte, acho que deveríamos passar por cima desses incidentes e tentar iniciar tudo de novo. Muitas coisas já estão esclarecidas agora. Que tal começarmos amanhã? — Concordo. — Pego você às dez. Tudo bem? — Desde quando você pergunta? Você manda e eu obedeço. Ele caminhou em direção ao carro, rindo. — É assim que tem de ser! Boa noite, Charlotte. — Boa noite. Em seu quarto, Charlie ficou um longo tempo fitando-se no espelho. Sentia-se feliz e, ao mesmo tempo, insatisfeita. Ele não havia lhe dado nem um beijo no rosto. No dia anterior, porém, quando ela acordara no carro, bastaria um pequeno encorajamento para que Curtis... Só de pensar o coração batia mais depressa. Quase podia imaginar como seria bom ser envolvida pelos braços dele, como seria delicioso trocarem carícias apaixonadas... De manhã, contaria a Pauline sobre Chris. Não se importava de ouvir o famoso “Eu não disse?”. A única coisa que desejava era que seus pais não pensassem mal de Curtis. A viagem de volta a Londres foi trangúila, num clima de muita camaradagem. Conversaram bastante e puderam se conhecer melhor. As horas passaram tão rápidas que eles mal perceberam. Chegaram ao apartamento de Charlie por volta das sete horas e ela não hesitou em convidá-lo para entrar. Uma hora depois,

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Curtis estava preparando uma omelete na cozinha pequena mas bem equipada. — Ei, eu estou impressionada! — ela comentou, observando-o com o rosto apoiado nas mãos. — Minha cara Charlotte, eu não apenas sou muito do que você imaginava, como bem mais talentoso! Na cozinha, pelo menos! Bem, para fazer omeletes, eu diria. — Será que aprendeu em Chaterhouse? — disse ela rindo. Chaterhouse era o colégio onde Curtis havia estudado, antes de ingressar na Universidade de Cambridge. Durante a viagem, ele tinha lhe contado algumas coisas sobre a infância e a família. Seu pai fora um colecionador famoso de obras de arte e incentivara no filho o gosto pelas grandes manifestações artísticas da humanidade. Durante os anos que passara na universidade, Curtis decidira fazer da arte a sua profissão. — E seu pai o ajudou no negócio? — perguntara Charlie. — Meus pais morreram enquanto eu estava em Cambridge, mas, de certa forma, ele me ajudou na primeira galeria, já que ela foi aberta com o dinheiro da herança. Minha família era rica. — E você ganhou mais dinheiro ainda. Sete galerias! Fez bastante em pouco tempo. — Pouco tempo? Você sabe quantos anos eu tenho. Estou nisso desde que deixei a faculdade. Observando Curtis continuar seu trabalho de cozinheiro, Charlie pensou que realmente ele era um homem excepcional. — Chris é casada? — perguntou de repente. — Não. Ela gostaria que Curtis não estivesse de costas, para que pudesse ver-lhe o rosto. Havia algo estranho na voz dele. — Onde ela mora? — Em Cotswolds, perto de Cheltenham. — E ela... — Ei, deixe de ser preguiçosa e vá arrumar a mesa! O jantar estará pronto em um minuto. — Sim, senhor! Eram dez horas quando, de repente, Curtis anunciou que ia embora. Charlie levantou os olhos, surpresa. Considerando que 50


ouviam um disco que ele mesmo tinha pedido para colocar na vitrola, a atitude era um tanto abrupta... — Oh! Eu... Há algo errado? — Ela não queria demonstrar o desapontamento, mas estava escrito em seu rosto. Curtis se pôs em pé e olhou para ela, pensando antes de responder. — Não. Não há nada errado. Pode ficar sentada, eu não preciso de cerimônias. Charlie não estava apenas intrigada, mas insegura. Ficou onde estava, no chão, com as costas apoiadas no sofá em frente à poltrona onde ele estivera sentado. Por que Curtis estava saindo tão de repente? Será que havia se enjoado da companhia? — Já se cansou de mim, não é? Com disco ou sem disco, já ficamos tempo demais juntos, certo? Ele sorriu e sacudiu a cabeça. — Não acredite nisso nem por um minuto. Foi um dia maravilhoso, Charlotte. Boa noite. Depois que a porta se fechou, Charlie foi até a janela, de onde escutou o ruído do motor do Jaguar. Ficou tentada a puxar a cortina e olhar para baixo mas, em vez disso, fechou os olhos e encostou-se na parede. Quando nada mais se ouvia na rua, desligou o aparelho de som e sentiu o silêncio opressivo da sala. Nunca reparara em como o apartamento às vezes parecia vazio

demais...

Foi para o quarto e, distraída, abriu a mala separando as roupas que precisavam ser lavadas. Ele nem ao menos tentara beijá-la, depois de passarem o dia todo juntos. E não dissera nem uma palavra sobre encontrarem-se outra vez. Charlie sentou-se na cama e mordeu o lábio. Será que já o estava perdendo? Do carro, Curtis olhava para a janela do apartamento de Charlie, com um sorriso de satisfação nos lábios. As coisas estavam indo bem. Ah, mas não fora fácil ter que deixá-la! O sorriso desapareceu e ele manteve os olhos na vidraça, pensando. Havia algo errado. Não costumava ficar tão fascinado com uma mulher. Estava longe de Charlotte há apenas cinco minutos e já planejava uma maneira de falar com ela no dia seguinte...


CAPÍTULO VI

Charlie recebeu o telefonema às nove horas da manhã, logo que chegou ao escritório. Não havia nem tirado o casaco quando a campainha soou. Pegou o fone, fazendo uma careta para Linda. — Alguém está com pressa hoje. — Quem está com pressa? — soou a voz do outro lado. — Curtis! — A palavra saiu com evidente prazer e Linda olhou para a patroa, admirada. — Eu disse que alguém estava com pressa, porque acabei de chegar. já estou no escritório há mais de uma hora. Esti— Bem, ve olhando a agenda. Não posso planejar nada sem verificar meus compromissos. Acho que não adianta eu convidá-la para jantar após o ensaio, não é? Charlie sentiu-se nas nuvens. Passara longas horas preocupando-se na noite anterior, acreditando que ele não voltaria a procurá-la. — É, não adianta. É que... eu tenho que ser prática, Curtis. Os ensaios são cansativos, principalmente quando estamos chegando perto da estréia, e tenho que levantar cedo amanhã para trabalhar. — Eu compreendo. Você sabe que eu não sou do tipo insistente. Ela riu, embora soubesse que Linda prestava atenção na conversa. Estava muito contente para pensar em disfarçar. — Imagine! Nem um pouco. — Bem, pelo menos podemos almoçar juntos. Tenho compromissos hoje e sexta-feira. Assim, posso vê-la amanhã, quarta e

eu

-

-

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quinta. Você diz o horário. Não quero dar a impressão dé estar resolvendo tudo por você, Charlotte. — Longe de você fazer isso... Aquela semana foi tão envolvente que Charlie não teve tempo de refletir sobre o que estava acontecendo. Assim mesmo, esforçou-se para não demonstrar o quanto estava interessada em Curtis nas vezes em que se encontraram. Ele, por sua vez, não

mostrava qualquer restrição. Enquanto caminhavam pela rua, estavam sempre de mãos dadas. Era sempre ele que lhe estendia a mão ao encontrá-la nas escadas da galeria ou ao saírem do restaurante. Almoçaram em três lugares diferentes, todos com atmosfera agradável e boa comida, e nos quais Curtis era cumprimentado pelo nome e encaminhado à melhor mesa. No entanto, intrigava-a o fato de ele não ter tentado mais do que segurar-lhe a mão. Talvez não fosse seu estilo abraçar ou beijar uma mulher em público. De qualquer forma, aquilo a incomodava muito, a ponto de pensar que estivera interpretando mal as intenções de Curtis. Mas a atração entre ambos era inegável e crescia cada vez que se encontravam. Então por que ele não se aproximava? Charlie precisou também agiientar as brincadeiras de Linda e as perguntas de Geoffrey. Tentou esquivar-se da curiosidade do rapaz, mas, quando ele quis saber o que acontecera no fim de semana, ela decidiu ser franca. Era melhor que o amigo ficasse logo a par da verdade. Com Linda foi mais vaga, dando apenas uma ligeira explicação sobre a carona do fim de semana. No entanto a garota teve muitas oportunidades de observar o que se passava € tirou suas próprias conclusões. Cessou com as brincadeiras, mas de vez em quando ainda dirigia a Charlie um sorrisinho malicioso. Na quinta-feira após o almoço, Curtis levou-a de táxi, de volta à galeria. Charlie sentia-se insegura, mesmo sabendo da atração que os unia e apesar de sua mão repousar entre as dele. — Você não falou muito desde que saímos do restaurante. Algum problema? — ela perguntou, quando o táxi parou em frente à College Gallery. — É claro que não. Eu... só estava pensando no fim de semana. 53


— O que tem o fim de semana? Ela o fitou sorrindo, esperando por um convite para que jantassem juntos no sábado. — O que você pretende fazer? — Vou para Cotswolds amanhã à noite, para ver Chris. — Ah! — Charlie não pôde evitar o desapontamento. — Eu sempre faço isso. Gosto de passar algum tempo com ela quando posso, quando estou livre. — É claro. É bom manter contato assim. Se eu tivesse um”

irmão...

f

— Charlotte, eu... Ela parou de falar na mesma hora, esperando que Curtis concluísse o pensamento. Mas ele ficou em silêncio. — Continue. O que ia me dizer? — Nada. Eu telefono para você Eno começo da semana, está bem? — Sim. Ela saiu do carro esforçando-se para manter um sorriso nos lábios é esconder a frustração. Acenou da calçada quando o táxi se afastou. Charlie passou o sábado fazendo compras. Precisava comprar as roupas que Glória Ackroyd, a personagem da peça, usaria na apresentação. Já planejara a indumentária; seria uma saia preta justa até o joelho e um top lilás. Ah, tinha que comprar um perfume também. Algo barato e doce. “Precisava inventar alguma coisa para a noite de sábado. Não havia nada na televisão. Seria fácil subir um lance de escadas e chamar Geoffrey para ensaiar um pouco os diálogos, mas era quase certo que ele não estivesse em casa. Além disso, não seria justo usá-lo daquela forma. Ela não queria ensaiar, queria companhia: a companhia de Curtis. Colocou um disco na vitrola e foi até o quarto experimentar a maquilagem de Glória. Ainda não conseguira a tonalidade exata de cor. Às vezes colocava pouco é outras vezes exagerava, obtendo uma caricatúra sem qualquer autenticidade. No domingo, pegou a saia que comprara na véspera e sentou-se à máquina de costura para apertar o cós. Depois vestiu-a e correu ao quarto para colocar o top. Ficou perfeito! Satisfeita 54


resultado, sentou-se junto ao espelho para tentar a maquilagem mais uma vez. Talvez usando as roupas de Glória a tarefa ficasse mais fácil. A tática funcionou. Tentava colocar-se no papel de Glória enquanto contornava os olhos, aplicava pó e coloria os lábios. Um pouco do perfume completaria o quadro com exatidão, pensou ela, procurando o vidro. Eram quase duas horas da tarde quando a campainha tocou. Satisfeita, Charlotte apressou-se para atender. Devia ser Geoffrey e ela estava ansiosa para saber a opinião dele sobre a composição da personagem. Mas não era Geoffrey. Era Curtis. Ele estava sorrindo quando Charlie abriu a porta. — Eu estava passando... Meu Deus! Charlotte! O que é isso? Está fantasiada ou tem uma vida secreta? Passado o susto por vê-lo ali, Charlie começou a rir. Era muito engraçada a expressão de espanto no rosto dele. — Responda, Charlotte! O que é isso nos seus olhos? E que droga de perfume você está usando? — O primeiro choque se desfizera e ele já estava rindo junto com ela. — O que está acontecendo? Charlotte, você parece uma... prostituta! Charlie não conseguia parar de rir. Com uma das mãos fez sinal para que ele entrasse. — Já não estou certo se quero entrar. — Ele caminhou para dentro da sala e fechou a porta, para que pudessem rir com mais liberdade. — Não me diga nada, eu já sei! A pessoa que eu conheci era apenas uma fachada. Mas, na verdade, você é Charlotte, a dama das ruas, certo? — Certo! — Ela mal conseguia falar. — É a peça! É a roupa da peça, seu bobo! Curtis sentou-se em uma poltrona, observando-a. — Se você rir tanto assim quando estiver com seus clientes, nunca vai ficar rica. A coisa que um homem mais detesta é que riam dele quando... — Chega, por favor! — Charlie respirou fundo, controlando-se. — O que você está fazendo aqui, Curtis? Eu pensei... Ele levantou uma das mãos, sacudindo a cabeça. Não dá para agiientar. Essa coisa preta em volta de seus olhos... Você está horrível. Tire isso! com

O

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Rindo outra vez, Charlotte retirou-se para o quarto. Passou uma boa camada de creme no rosto e tirou o máximo que pôde da maquilagem com chumaços de algodão. Depois, achando que seria a coisa mais rápida a fazer, despiu-se e entrou debaixo do chuveiro. De volta ao quarto, vestiu um jeans e uma camiseta larga. Encontrou Curtis na cozinha, fazendo café. Ele virou-se para observá-la, com o rosto limpo agora e cheirando apenas a sabonete. Ficaram parados a dois passos de distância, olhando um para o outro. — Oi. — Oi, Curtis. — É bom ver você. — É bom ver você também. Moveram-se exatamente ao mesmo tempo, com os braços de Charlotte deslizando em torno do pescoço de Curtis e os dele envolvendo-lhe a cintura. Ele a segurou sorrindo, mas sem fazer qualquer tentativa de beijá-la. Impaciente, ela levantou o rosto. — Curtis Maxwell, se você não me beijar agora, eu vou ter um ataque! — Ora, srta. Graham, eu pensei que não ia pedir nunca! Beijaram-se com toda a ânsia de pessoas que se reprimiram por muito tempo, experimentando, provando, explorando-se mutuamente. — Oh, Charlotte! — murmurou ele, apertando-a mais contra o corpo. Ela abandonou-se por um' momento, com o rosto aconchegado ao pescoço dele, até perceber que a onda de excitação crescia de maneira incontrolável. Afastou-se alguns centímetros, mantendo os olhos fixos nos dele. Seus seios pequenos e perfeitos subiam e desciam com a respiração ofegante. — Você... você já almoçou? — Não. E você? — Também não. Estava ocupada com Glória. — Quando vão apresentar a peça? — A estréia é nesta quarta-feira e fica em exibição até sábado. — Eu estarei lá na primeira noite. Adoro ir ao teatro. Charlie riu, voltando-se para o fogão. ;

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— Não acho que é o tipo de teatro que você frequenta. A audiência será constituída principalmente de pessoas que não teriam dinheiro para assistir a uma peça com um elenco profissional. O salão da igreja fica abafado nesta época e as cadeiras são do tipo usado em salas de aula. — Devo pensar que você não quer que eu vá? — Eu... eu acho que vou ficar embaraçada. — Isso é ridículo, Charlotte. — Talvez. Eu estou faminta. Que tal tomarmos este café e depois sairmos para almoçar? — Está bem. Sei de um bom lugar perto do rio onde pódemos comer ao ar livre. Foi uma tarde maravilhosa. De mãos dadas, caminharam ao longo do Tâmisa depois do almoço, em silêncio, apenas apreciando a companhia um do outro. — Você voltou mais cedo de Cotswolds. Curtis colheu uma flor, colocou-a nos cabelos de Charlotte e fitou-a com seus olhos de um azul profundo. — Senti saudades de você. Separaram-se às sete horas, com a promessa de que Curtis passaria novamente para apanhá-la às oito. la para casa trocar de roupa, já que pretendia levá-la para jantar em um lugar esplêndido. Beijaram-se antes de Curtis ir embora, mas não foi como na primeira vez. Já não havia pressa ou ansiedade. Foi um beijo longo e calmo, que deixou em ambos um desejo de muito mais.

Charlie remexeu o guarda-roupa, decidindo que roupa usar. Escolheu um vestido vermelho. Colocou-o em frente ao corpo e mirou-se no espelho. Não era isso que queria. Estava muito quente para uma cor tão vibrante. Preferia algo que lhe desse uma aparência mais suave. Um conjunto de linho verde bem claro, de saia justa e blazer solto surgiu como a solução ideal. Era transpassado na frente, formando um profundo decote em V. Muito insinuante. Usaria o cabelo solto, como Curtis gostava. O perfume seria suave e seco. Enguanto se vestia, Charlotte pensava nas horas que passaria lhe perguntasse o que gostaria de fazer com Curtis. Quando

ele

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depois do jantar, ela diria: “Vamos a seu apartamento. Quero ver os quadros”. Ela riu alto, parando um instante de escovar os cabelos. Que método de sedução mais sem originalidade! Só que era isso mesmo que desejava. Na verdade, desde o início sonhava em fazer amor com ele. Era necessário tomar uma decisão, e seria naquela noite! Foram a um restaurante aconchegante, com uma pequena pista de dança e uma plataforma onde os músicos se colocavam. Charlie observou o ambiente, satisfeita. Seria bom se pudessem dançar, após um jantar soberbo e um dia tão maravilhoso. . Só que domingo à noite a orquestra não tocava. Jantaram mais ao som de música de fita, conversando em voz baixa. Bem e tomou esticou braço Curtis o de licor, de cálices diante tarde, ondas de a mão de Charlie, acariciando-a de leve. Ela sentia excitação brotarem em cada parte do corpo. Quase sem querer, seus olhos encontraram os dele e o mundo pareceu desaparecer à sua volta. — Está pronta para ir para casa, Charlotte? atitude — Sim. — A voz era quase um sussurro. Apesar da incerta. decidida com que saíra do apartamento, ainda estava Abraçaram-se no estacionamento, antes de entrar no carro. — Charlotte... Eu quero você! O caminho até o prédio de Charlie foi feito em silêncio. No entanto, Curtis sabia com exatidão em que ela pensava, percebia-lhe o nervosismo. Aprendera a conhecer a ambivalência de Charlie. Ele a acompanhou até a porta do apartamento. Girou a chave entrar. na fechadura, mas não fez qualquer movimento para Com delicadeza, acariciou-lhe o rosto. — Bem, Charlotte. Vai me convidar? Ela fechou os olhos, sem coragem de encará-lo. — Não, eu... acho que não, Curtis. Por um momento, ele não se moveu e não disse nada. Com o coração disparado, Charlie esperou, sabendo que um beijo poderia fazê-la mudar de idéia. Mas Curtis não insistiu. Apenas passou a mão pelos cabelos dela.

.

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— Está bem. — Quando eu vou ver você outra vez? — Na quarta-feira. Já lhe disse isso. Ela ficou parada junto à porta, observando Curtis afastar-se pelo corredor. Foi só quando entrou debaixo dos lençóis que se lembrou: a noite de estréia da peça já estava com lotação esgotada. Não havia mais ingressos disponíveis para a quarta-feira.

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CAPÍTULO VII

Os aplausos continuavam, incessantes. Ainda um pouco nervosa, Charlotte inclinou-se mais uma vez para agradecer, recompensada por um novo aumento nas palmas. Seus olhos percorreram a audiência, mas não conseguia ver além das primeiras filas, porque estava muito escuro. Era quase certo ele não estava falando que Curtis não estivesse lá. Era lógico que sério ao afirmar que viria. Três longos dias haviam passado desde o último encontro. As únicas vezes em que conseguira tirá-lo da cabeça fora durante os ensaios. Mesmo nos intervalos, não parava de imaginar o que ele estaria fazendo. Não houve telefonema, mas naquela manhã recebera um cartão, que dizia: “Estou pensando em você. Boa sorte esta noite. Curtis”. A cortina desceu e o grupo reuniu-se em animadas congratulações. O burburinho era intenso atrás do palco e nos camarins. Charlie estava tirando a maquilagem e conversando com as outras moças do elenco, quando Sandra Evans, a garota que fizera o papel de ponto, entrou com um ramalhete de flores. — Para você, Charlie. Meninas, um homem alto, moreno e bonito mandou essas flores para ela! Quem será o admirador? Charlotte não respondeu, Ficou olhando para as doze rosas vermelhas, encantada. Não havia cartão, mas não restava dúvida de que tinham sido mandadas por Curtis. Então ele conseguira um ingresso. — Não fique aí parada! Termine o que estava fazendo e trogue de roupa logo. Ele está esperando você. — Ele ainda está aí? :

so


— É clato, Charlie! Encontra-se lá fora com algumas outras pessoas que querem cumprimentá-la. Charlotte removeu o resto da maquilagem e mudou de roupa depressa. Quando chegou ao salão, Geoffrey já estava lá, recebendo congratulações. Ao aproximar-se do grupo, Curtis logo foi ao seu encontro e segurou-lhe o braço, sorrindo para os cumprimentos que ela ouvia de todos os lados. Alguns minutos depois, as pessoas começaram a se retirar. Ela olhou para Geoffrey e percebeu que ele estava aborrecido. Podia compreender-lhe os sentimentos. Afinal, era um hábito do elenco reunir-se no bar em frente para um drinque após a estréia. Sempre faziam isso. Charlie queria sair com Curtis para jantar, mas, ao mesmo tempo, sentia como uma espécie de deslealdade o fato de não acompanhar os colegas. — Você se importaria, Curtis? Nós poderíamos dar uma passada no bar e tomar só um drinque com eles. Na primeira noite nós

sempre...

— Eu compreendo. Não me importo. — Sério? — Não. Mas eu faço o que você está pedindo. Vamos lá. — Talvez seja bom para você ver como vive a grande maioria da população. — Ela estava pensando no Jolly Roger, o bar do outro lado da rua, que não era nada parecido com o tipo de | lugar que Curtis costumava frequentar. Em contraste, o restaurante onde jantaram era elegante, embora sem luxos exagerados. Charlie estava com a roupa que usara para trabalhar o dia todo e sem qualquer maquilagem. Portanto, pedira a Curtis para escolher um lugar mais discreto e por isso foram a uma taberna grega perto da casa dela. — Esta não era bem a comemoração que eu tinha em mente. Queria levar você a um lugar mais fino. — Não tem importância. Você notou a confusão que eu fiz na peça? Dei a Geoffrey a frase errada no começo do segundo ato. — Não percebi nada. Ele deve ter dado um jeito. — É. E no terceiro ato foi ele quem pulou uma fala. Eu inventei uns movimentos, atravessei o palco para pegar um -.

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maço de cigarros. Lembra-se disso? Não era para ser naquela hora. Mas acho que deu certo. É assim que funciona o teatro amador. Embora eu ache que essas coisas devem acontecer em teatro profissional também. — É claro que acontecem. — Ele sorria, apreciando o entusiasmo de Charlie. Gostava do rosto dela assim, recém-lavado, sem maquilagem, com aquelas sardas tão graciosas que ela odiava. — Curtis, desculpe. Eu me entusiasmo e não paro de falar. — Adoro ouvi-la, Charlotte. Nunca se desculpe por ser você mesma. A propósito, você está linda! Charlie ficou em silêncio, um pouco sem graça. Ainda não se acostumara aos elogios de Curtis. Cada vez que ele a olhava daquele jeito, sentia o coração bater mais depressa. Esforçou-se para continuar conversando e logo estavam de novo comentando os acontecimentos da noite, a excitação se revelando no brilho dos olhos dela. No caminho de volta, porém, Charlie quase adormeceu. Haviam tomado duas garrafas de vinho, o que se acrescentou ao cansaço do dia. — Charlotte? Estamos em casa. Vamos lá, dorminhoca. Vou levá-la até a porta. Ela o observou através dos olhos semicerrados. Como soavam bem aquelas palavras: “estamos em casa”! Seria uma idéia maravilhosa viverem juntos... Não havia lua, mas o poste de luz iluminava bem o perfil de Curtis. — Só um minuto — pediu ela com a voz rouca, aproximando-se dele.

Desceu os lábios até o pescoço de Curtis e levou-os, devagar, em direção à boca. Beijaram-se com avidez repetidas vezes, ende quanto seus corpos exigiam um contato mais íntimo, difícil inclinou-se Charlotte atingir no banco da frente de um carro. sobre ele, arfando ao sentir as mãos que lhe exploravam os seios por baixo do tecido leve da blusa. A aproximação de um outro automóvel, com os faróis acesos iluminando a rua, fez com que os dois se separassem. O carro ouviparou, as luzes se apagaram e a porta bateu. Em seguida, ram passos caminhando em direção ao prédio. 62


Curtis soou com uma pitada de humor. Pensei — que minha fase de namorar dentro do carro já houvesse passado há muito tempo. Já estou velho para isso! — Levou a mão à nuca de Charlie, acariciando-a de leve. — Vamos entrar, querida. Charlotte enfiou a blusa dentro da saia, consciente de que provocara uma situação que não pretendia levar em frente. Ao contrário de Curtis, não achara engraçado ser pega em flagrante “elos faróis de um carro. Tinha ficado embaraçada e a atmosfera arótica se desfizera. &— Eu vou entrar — disse, procurando a maçaneta da porta »5 Jaguar. inspiração profunda de Curtis a fez tremer. Com certeza ele estava zangado, e com razão. A insegurança que sempre acabava demonstrando ainda ia pôr um fim no romance. Ele segurou-lhe o queixo, fazendo com que ela o encarasse. — Charlotte, por quê? — Eu... eu sinto muito, Curtis. Estou tão cansada! Já são duas horas da manhã e... — Está bem. Não vou forçar você. Mas pense bem, Charlotte. Não me faça isso com muita fregiiência. Ela mordeu o lábio, percebendo a advertência contida na última frase. Vendo que ela não dizia nada, Curtis continuou: — Pensei que tínhamos concordado em não transformar este relacionamento em um jogo. De qualquer forma, você está brigando por uma batalha perdida. Já lhe disse isso e você sabe muito bem que é verdade. É só uma questão de tempo, Charlotte. Nós vamos fazer amor, é inevitável. Agora saia. Vou acompanhá-la até a porta. Já dentro do apartamento Charlotte repetiu a palavra várias vezes. Inevitável. Como poderia negar? Sabia que ele tinha razão. A voz de

A

Curtis viajou para Brighton na quinta-feira, a negócios, e ficou de procurá-la outra vez no sábado. Nesse dia, Charlotte permaneceu desde cedo ao lado do telefone. Passou-se a manhã e ele não ligou. Que teria acontecido? Seria melhor ela telefonar? Curtis havia lhe dado o número particular há algum tempo, mas 63


ela ainda não tivera oportunidade de usá-lo. Resolveu esperar mais um pouco, porém. Talvez ele tivesse mudado de idéia e viajado até Cotswolds para ver a irmã. Ao meio-dia, com muita relutância, resolveu sair. Precisava fazer algumas compras, já que não tinha comida em casa e estava com fome. Não demorou mais que vinte minutos. Preparou um almoço rápido e comeu em frente ao telefone, sentindo-se cada vez mais ansiosa. Por que não poderia telefonar para ele em vez de ficar esperando? Afinal, já estavam saindo juntos há um bom tempo. Tentou ligar para o número dele, mas ninguém atendeyg” Ocorreu-lhe, então, que a galeria ficava aberta aos sábados *” talvez ele estivesse lá. Discou para o escritório e foi a secretária quem atendeu. Charlie desligou. Que desculpa teria para estar telefonando em um fim de semana? Quase na hora de sair para a última apresentação da peça, tentou novamente o número do apartamento. Já eram quase seis horas e logo Geoffrey passaria para pegá-la. Deixou o telefone tocar umas vinte vezes e não obteve resposta. Em pânico, recolocou o fone no aparelho. E se tivesse ocorrido algum acidente? Sentou-se no sofá e tentou raciocinar. Curtis podia ter ligado enquanto ela estava fora, mas com certeza telefonaria outra vez se não a encontrasse. Ou, talvez, ela apenas estivesse interpretando mal as palavras dele. Curtis havia dito “Vejo você no sábado” e não “Eu te telefono no sábado”. Tinha que ser isso. Com certeza ele queria dizer que a pegaria no salão da igreja após a apresentação da peça. Satisfeita com a explicação que havia encontrado, Charlie correu para o quarto e pegou um vestido, no mesmo momento em que Geoffrey tocava a campainha. Decidiu levar também alguns apetrechos de maquilagem, além do vestido, para o caso de Curtis querer sair para jantar. Ele estava lá quando a peça terminou. Desta vez, anunciou sua presença com uma única rosa vermelha. Sandra foi, novamente, a portadora. — Charlie, eu invejo você. Charlotte pegou a flor e levou-a ao nariz, aliviada. — Sandra, faça um favor para mim. Vá até lá fora e diga ele a que estarei pronta em cinco minutos, está bem? 64


A moça sorriu. — Com prazer. Vou distraí-lo enquanto ele espera. Era exatamente isso que Sandra estava fazendo quando Charlotte apareceu com a rosa na mão. Ao vê-la, pediu licença e

afastou-se. — Curtis, obrigada pela flor. Eu fiquei inquieta hoje. Você não disse direito o que ia fazer... — Eu sei, desculpe. — Ele parecia preocupado e não fez nenhum gesto para beijá-la ou tomar-lhe a mão. — Eu não sabia bem quais seriam meus planos. A propósito, achei que a apresentação de hoje foi melhor que a de quarta-feira. — Você assistiu tudo outra vez? Pensei que tinha acabado e chegar. Tentei ligar para você por volta das seis horas, mas... — Eu já tinha saído. Parei para beber um drinque antes de vir para cá. Eu não estou sozinho, Charlotte. Trouxe minha irmã. Ela está esperando por nós no salão e pensei que poderíamos jantar juntos. — Estou ansiosa pada conhecê-la! — Espere um pouco, Charlotte. Há algo que você precisa saber antes de encontrá-la. Christine é cega.

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CAPÍTULO VIII

nao

Charlotte não pôde evitar uma expressão de espanto, notasse a angústia no rosto de Curtis. —Cega? Por que você não me disse nada? — Vamos. Chris insiste que eu sempre conte às pessoas antes de apresentá-las a ela. Acha que poderiam ficar embaraçadas se não soubessem. “E com toda a razão”, pensou Charlie. Nunca convivera com nenhuma pessoa cega, mas estava certa de que o mais importante para alguém com esse problema seria que os outros se comportassem de maneira natural, sem inibição ou embaraço. Porém, Charlie não sabia que havia mais um choque à sua espera. Curtis não lhe dissera que Chris era sua irmã gêmea e, assim, logo que Charlie a viu, espantou-se com a semelhança. — Nossa, como são parecidos! Você é muito bonita, Christine!

Chris era alta, tinha uma postura elegante

e

vestia um blazer

de veludo azul-marinho com uma saia combinando. O cabelo era da mesma tonalidade do de Curtis. Os olhos também eram de um azul intenso, sem qualquer evidência do problema. Ela riu, exatamente do mesmo jeito que o irmão. — Bonita? E muito parecida? Acho que isso. lhe diz alguma coisa, não é, Curtis? — Ela virou o rosto como se pudesse vê-lo. Apenas o fato de o olhar não se deter em um ponto definido dava uma pista da deficiência. — E diz algo sobre você

também, Charlotte, não é nem um pouco imparcial. Como vai? Estou contente por conhecê-la. Gostei muito da peça! Curtis me 66


contou como você é boa atriz. Ele a viu encenar... na quartafeira, não é? Então eu pedi que me trouxesse aqui hoje. A espontaneidade de Chris foi suficiente para colocar Charlie à vontade. Curtis, porém, estava diferente, parecia tenso. Não disse uma palavra, apenas permaneceu de braços cruzados, com um sorriso forçado nos lábios. Charlie o observou intrigada, enquanto apertava a mão que Chris lhe estendia. — Obrigada pelo elogio. Mas, como eu já disse para Curtis, não é bem um teatro. O salão da igreja é muito... bem, Sum lugar simples. — Eu estava tão entretida que só notei que a cadeira era quando a apresentação terminou. Achei a peça muito triste, Charlotte. Sei que ri em todas as horas erradas, mas as pessoas têm mesmo essa tendência de rir das coisas que as incomodam, não é? — É, eu acho... — Desculpe, moças, mas poderíamos terminar esta conversa no carro — interrompeu Curtis. As duas aceitaram a sugestão e discutiram as idéias centrais da peça no caminho. Charlie sentou-se no banco da frente e virou-se para trás para conversar com Chris. Aliviada, notou que Curtis ia aos poucos melhorando dê humor, interrompendo a “discussão com comentários sobre o espetáculo. — Vocês já escolheram a próxima peça? — perguntou Chris. — Não. Só pensaremos nisso em setembro. Mas é certo que eu não vou ter o papel principal outra vez. Nós fazemos um revezamento. — Você me avisa se for participar? Faço questão de assistir. Depois vou lhe dar meu número de telefone. E na próxima vez que Curtis for para Cotswolds, vá com ele! Eu tenho um apartamento pequeno, apenas dois quartos, mas nós daremos um jeito. — Você mora sozinha? — Mais ou menos. Curtis não lhe contou? Eu vivo num lar para cegos, mas em um apartamento particular. Curtis construiu uma ala anexa ao prédio principal, que já foi uma casa particular, com vários apartamentos totalmente equipados.

Sisto

>

eíra

67


Charlotte olhava para Curtis, enquanto Chris continuava falando. Agora ela contava dos vizinhos, alguns dos quais tinham visão parcial, e explicava como certas pessoas preferiam ficar no prédio principal e outras, mais aptas a se virar sozinhas, moravam nos apartamentos. Curtis estava em silêncio outra vez, com os olhos fixos na rua, Chegaram a Mayfair e estacionaram nos fundos do prédio da Maxwell Gallery, onde havia uma entrada que levava diretamente ao apartamento de Curtis. Acomodaram-se sala de estar e ele serviu os aperitivos de pedir licença e retirar-se para a cozinha, deixando as na

ad BO a

moças a sós. — Acho que você está em vantagem em questão de informações, Chris. Eu não sei nada sobre você. O que faz em Cotswolds? Como passa o tempo? — Eu fico bastante ocupada. Trabalho na mesa de telefones da casa para cegos três ou quatro vezes por semana. Faço também serviço de aconselhamento com pessoas que não são cegas há muito tempo, tentando ajudá-las a se adaptar, encorajando-as, fazendo-as acreditar que a gente não se torna inútil apenas porque não consegue ver. Às vezes somos convidados para ir a escolas dar palestras para crianças. É muito interessante. Você devia ouvir as perguntas que elas fazem! — O quê, por exemplo? — Se pessoas cegas sonham, se os sonhos são coloridos, coisas assim. Ah, eu também já dei duas palestras na estação de rádio local. E, é claro, leio braile e às vezes passo algum tempo fazendo gravações de histórias em cassete, para as pessoas que ainda não aprenderam a ler. — É, você tem mesmo uma vida agitada! Christine sorriu, satisfeita. — Você não sabia nada disso? Curtis não lhe falou sobre mim? Charlotte hesitou e resolveu responder de maneira cuidadosa. — Muito pouco. — Ora, Charlotte! Você nem sabia que nós éramos gêmeos. Diga a verdade. Ao menos ele lhe disse que tinha uma irmã? o8

MA


a — É claro! Embora ele só tivesse lhe contado porque ela perguntara quem era Chris. Um pouco mais tarde, estavam todos sentados em torno de uma mesa circular, comendo salada e tomando vinho branco. O apartamento tinha evidente aparência masculina. A sala de estar era sóbria, com predominância de couro marrom. Mas era um lugar agradável, mobiliado com luxo e bom gosto, embora não correspondesse muito às expectativas de Charlotte. “Onde estava a coleção de pinturas? sala de estar, falta de visão de Christine : “ Ao voltarem para a Sem Curtis a seu lado para guiá-la, mais aparente. tornou-se precisava tatear o caminho. — Ainda não me acostumei muito com este apartamento. Curtis sempre me diz se mudou algo de lugar, mas ele faz isso com tanta fregiiência que às vezes eu me esqueço. — Isso é porque você não vem muito para cá. Nada mudou desde a última vez. Depois de sentarem, Chris dirigiu-se a Charlotte: — Meu irmão é muito 'mandão. Você já deve ter percebido isso.

Distraída, Charlie fez um sinal afirmativo com a cabeça e sorriu. Ao perceber o gesto que fizera, imaginou que Chris preferiria que fosse sincera. — Desculpe, Chris. Eu respondi a seu comentário, mas esqueci que você não podia ver. Eu estava concordando com a cabeça. — E sorrindo — completou Curtis. — Você vai se acostumar comigo, Charlotte — respondeu a moça, rindo. — Mas o que eu estava dizendo mesmo? Ah, sim, sobre ele! Curtis, você podia encher meu copo, por favor? Ele é bem autoritário mesmo. Ou aparece na minha casa todo fim de semana, ou não me deixa em paz enquanto eu não concordo em vir para cá. E vai me buscar, é claro, como se eu não fosse capaz de vir sozinha de trem. Tenho um cachorro-guia, chama-se Della, que me leva facilmente a qualquer lugar. Mas Curtis insiste em ir me buscar e...

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E

então a arrasto para uma peça ou apresentação musical

e você adora!

:

Charlie estava fascinada pelo amor que irradiava entre os dois. Quando resolveu ir embora por estar morta de sono, despediu-se com certo pesar. — Espero vê-la outra vez, Chris. Foi realmente um prazer. — Para mim também, Charlotte. Espere um pouco, vamos trocar os telefones. Diga o seu e eu não vou esquecer. Tenho uma ótima memória para números. Charlie disse-lhe o telefone e anotou o de Christine em sua agenda. — Você prefere ser chamada de Chris ou Christine? — Prefiro Chris. E você? Charlie ou Charlotte? Eu gostaria de chamá-la de Charlie, mas Curtis acha o apelido horrível. — Para mim tanto faz. — Posso tocá-la, Charlie? As mãos de Chris subiram pelos braços de Charlotte em direção ao rosto. Ela sorriu e esperou que a moça lhe conhecesse as feições. — Tenho certeza de que você é bonita. Curtis me contou sobre seus lindos cabelos e os olhos de uma cor diferente e muito expressivos... — Chris! Você está falando demais. Agora vou levar Charlotte para casa — interrompeu Curtis, acariciando os cabelos da irmã. Ao entrarem no Jaguar, a pergunta de Charlie foi imediata: — Por que não me contou nada sobre ela? — Pensei que não havia necessidade. — Mas... mas e O resto? — Que resto? — A ala que você construiu na casa de cegos. Foi uma atitude bonita e... — Bobagem! Eu fiz aquilo por Chris. — E as outras pessoas que vivem lá? — Esqueça, Charlotte. Não gosto de falar sobre isso, assim como prefiro não ficar espalhando para todo mundo que minha irmã é cega.

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— É claro!

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Embora só tivesse lhe contado porque ela perguntara quem era Chris. Um pouco mais tarde, estavam todos sentados em torno de uma mesa circular, comendo salada e tomando vinho branco. O apartamento tinha evidente aparência masculina. A sala de estar era sóbria, com predominância de couro marrom. Mas era um lugar agradável, mobiliado com luxo e bom gosto, em'bora não correspondesse muito às expectativas de Charlotte. Onde estava a coleção de pinturas? ; Ao voltarem para a sala de estar, a falta de visão de Christine Aornou-se mais aparente. Sem Curtis a seu lado para guiá-la, precisava tatear o caminho. — Ainda não me acostumei muito com este apartamento. Curtis sempre me diz se mudou algo de lugar, mas ele faz isso com tanta fregiiência que às vezes eu me esqueço. — Isso é porque você não vem muito para cá. Nada mudou desde a última vez. Depois de sentarem, Chris dirigiu-se a Charlotte: — Meu irmão é muito 'mandão. Você já deve ter percebido

isso.

Distraída, Charlie fez um sinal afirmativo com a cabeça e sorriu. Ao perceber o gesto que fizera, imaginou que Chris preferiria que fosse sincera. — Desculpe, Chris. Eu respondi a seu comentário, mas esqueci que você não podia ver. Eu estava concordando com a cabeça. — E sorrindo — completou Curtis. — Você vai se acostumar comigo, Charlotte — respondeu a moça, rindo. — Mas o que eu estava dizendo mesmo? Ah, sim, sobre ele! Curtis, você podia encher meu copo, por favor? Ele é bem autoritário mesmo. Ou aparece na minha casa todo fim de semana, ou não me deixa em paz enquanto eu não concordo em vir para cá. E vai me buscar, é claro, como se eu não fosse capaz de vir sozinha de trem. Tenho um cachorro-guia, chama-se Della, que me leva facilmente a qualquer lugar. Mas Curtis insiste em ir me buscar e... 69


então a arrasto para uma peça ou apresentação musical e você adora! Charlie estava fascinada pelo amor que irradiava entre os dois. Quando resolveu ir embora por estar morta de sono, despediu-se com certo pesar. — Espero vê-la outra vez, Chris. Foi realmente um prazer. — Para mim também, Charlotte. Espere um pouco, vamos trocar os telefones. Diga o seu e eu não vou esquecer. Tenho uma ótima memória para números. A Charlie disse-lhe o telefone e anotou o de Christine em sua agenda. Lu pa — Você prefere ser chamada de Chris ou Christine? — Prefiro Chris. E você? Charlie ou Charlotte? Eu gostaria de chamá-la de Charlie, mas Curtis acha o apelido horrível. — Para mim tanto faz. — Posso tocá-la, Charlie? As mãos de Chris subiram pelos braços de Charlotte em direção ao rosto. Ela sorriu e esperou que a moça lhe conhecesse —

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— Tenho certeza de que você é bonita. Curtis me contou sobre seus lindos cabelos e os olhos de uma cor diferente e muito expressivos... — Chris! Você está falando demais. Agora vou levar Charlotte para casa — interrompeu Curtis, acariciando os cabelos da irmã. Ao entrarem no Jaguar, a pergunta de Charlie foi imediata: — Por que não me contou nada sobre ela? — Pensei que não havia necessidade. — Mas... mase o resto? — Que resto? — A ala que você construiu na casa de cegos. Foi uma atitude bonita e... — Bobagem! Eu fiz aquilo por Chris. — E as outras pessoas que vivem lá? — Esqueça, Charlotte. Não gosto de falar sobre isso, assim como prefiro não ficar espalhando para todo mundo que minha irmã é cega. :

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Charlie baixou os olhos, fitando a rosa vermelha que havia deixado sobre o console. Todo mundo? Era apenas isso que ela significava, uma pessoa a mais entre as tantas que Curtis conhecia? — Você gostou dela? — Sabe que sim. — Sei. E ela adorou você. Nós somos muito ligados. Ela ficou em silêncio por alguns momentos, esperando a hora mudar de assunto. » adequada para — Curtis, onde está sua coleção de pinturas? O sr. Grant Salou dela com grande admiração. — Está em casa. No meu lar. Não, é só casa mesmo. »* Charlie fechou os olhos. Quantas coisas ele havia omitido! — Eu tenho que perguntar ou você vai me contar? — Eu ainda não lhe falei sobre a casa? — Não. — Estou falando sobre o lugar onde passei a infância, uma grande propriedade em Buckinghamshire. — E quem mora lá? Charlie tentava juntar as peças: Chris morava em Cotswolds, Curtis em Mayfair e os pais haviam morrido. — Só um caseiro e dois empregados. E os quadros. — Só isso? — Só isso. Exceto quando eu e Chris vamos para lá. Às vezes passamos um fim de semana. Ela adora a casa e conhece cada canto. Lembra-se de todos os detalhes... — Então... então ela não é cega de nascença? Ele demorou para responder, deixando claro que não queria continuar o assunto. — Não. Foi aos dez anos, em um acidente. Mais nenhuma palavra foi dita até estacionarem em frente ao prédio de Charlie. Curtis desligou o motor e virou-se para ela. — Vou levá-la para conhecer a casa assim que puder. Você quer ver minha coleção, não é? — Quero! — Ela pertence a mim e a Chris. Se você havia pensado em perguntar sobre as pinturas no meu apartamento e não o fez *

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por causa de Chris, não havia necessidade de se preocupar. Ela conhece quase todos os trabalhos, que estão na família há anos. Chris lembra bem deles. Os novos eu descrevi para ela em detalhes. Ela sabe até em que lugar cada quadro está pendurado. Mas, quanto a você querer ver a coleção, isso vai lhe custar alguma coisa — acrescentou ele, apagando os faróis. — Ah, é? Este não é seu estilo, Curtis! — Claro que é! E quero pagamento adiantado. — Curtis puxou Charlie delicadamente para perto de si. Ela pagou o preço pedido, com todo o prazer. Beijaram-se longamente e em seguida afastaram-se. À atração crescia muito depressa a cada contato, mas aquele não era momento apropriado para darem vazão aos sentimentos contidos. — Preciso ir embora. Não gosto de deixar Chris sozinha por muito tempo no apartamento. Ela ainda não está bem acostumada com a disposição dos móveis. Ele beijou-a outra vez, relutante em separar-se dela. Charlie sentia a mesma dificuldade. Desejava-o tanto! — Vejo você amanhã, Curtis? Curtis passou a mão pela testa. — Preciso fazer as malas. E primeiro tenho que levar Chris para casa. — Malas? Para onde você vai? — Para Nova York, amanhã à tarde. — Nova York? Oh, Curtis! Por que não me disse antes? Quantas vezes esta noite vou me ouvir repetindo isso? Ele a abraçou, aborrecido por tê-la deixado nervosa. — Querida! Acalme-se! Eu sinto muito. Eu também só soube desta viagem hoje de manhã. Acontece que é uma compra importante e não há ninguém de confiança para eu mandar em meu lugar. Dos dois empregados que costumam tratar disso, um está de férias e o outro ficou doente ontem. Charlotte, eu não queria aborrecê-la. Eu também vou sentir saudades e estarei de volta o mais rápido que puder. Charlie aninhou-se nos braços dele, sentindo o calor de seu corpo. — A abertura da exposição de Fernando Licer é na sextafeira. Você vai perdê-la.

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— Não, cu estarei aqui. — Ah, é? — Charlie olhou para ele, sentindo-se mais feliz. — Pode ter certeza disso. — Curtis sorriu, antes de lhe dar um beijo de boa-noite.

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CAPÍTULO IX

Na quarta-feira as pétalas da rosa vermelha estavam começando a perder o viço. Charlie colocara a flor em um pequeno vaso de cristal sobre o parapeito da janela da cozinha e olhava para ela todas as manhãs. Na quinta-feira, estava murchando. O fato de saber que Curtis se encontrava em outro continente tornava sua vida vazia, como se aquele período de tempo não existisse por outra razão que não fosse a espera. Seis dias de controle do calendário e contagem das horas. Como o relógio andava devagar! Não tinha nem os ensaios para distraí-la e não conseguia fixar a atenção em livros. A rosa estava murcha na sexta-feira. Antes de sair para o trabalho, Charlotte parou na cozinha para observá-la. Ele não havia telefonado nem uma vez. Relutante, tirou a flor do vaso e jogou-a no cesto de lixo. Será tinha sentido tanta falta quanto ela? Estaria ansioso por que vê-la? Será que a distância também lhe doía como um vazio dentro do peito? Voltou ao quarto é conferiu sua aparência no espelho. Ficava bem no conjunto de casaco e saia bege. A exposição abriria às seis horas e fecharia às oito. A imprensa estaria lá, para cobrir o evento. Ela havia organizado tudo; os funcionários haviam sido avisados para não mencionar a fonte do empréstimo de A Dama de Azul, embora ela ainda não soubesse o motivo da proibição. Compreender Curtis Maxwell não era a coisa mais fácil do mundo. Saiu do apartamento, pensando que teria de tomar cuidado com a roupa. Queria estar impecável quando Curtis chegasse.

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Às sete horas, Charlie sentia-se à beira do desespero, embora tivesse o cuidado de não demonstrar. As salas da galeria estavam cheias de gente. As pessoas moviam-se de um quadro para outro e serviam-se de queijo e vinho. Mas Curtis não se encontrava entre os visitantes. — Onde está o ilustre sr. Maxwell? — indagou Linda. — Eu não sei! Ele estava fazendo uma compra em Nova York e deveria voltar hoje. — Calma, Charlie. Você sabe como são as companhias aéreas. Deve ter havido algum atraso. Até que, de repente, Charlotte o descobriu no meio da multidão. Foi apenas naquele momento, quando seu coração começou a bater num ritmo frenético, que Charlie compreendeu que o amava. Atravessou a sala rindo, porque deveria ter descoberto isso antes. Riu mais ainda quando ele a viu e demonstrou com toda clareza que sentia a mesma coisa. Ele também a amava! Encontraram-se no meio do salão e ele a tomou nos braços, alheio ao que estava acontecendo ao redor. — Senti tanto a sua falta, Charlotte! Foram os piores dias de minha vida. — Para mim também. — Vim direto do aeroporto. Fiquei com medo que não desse tempo. Não houve chance para mais nenhuma palavra. Curtis foi logo cercado por jornalistas querendo saber detalhes das seis pinturas que havia emprestado e se ele conhecia o proprietário de A Dama de Azul. — Conheço, mas não tenho autorização para dizer quem é. Sinto muito. Charlotte afastou-se e deixou-o respondendo às perguntas. Eram quase oito e meia quando saíram da galeria, em direção ao apartamento dela, Logo que chegaram, Charlie foi até a cozinha e colocou um bule no fogo. — Você está com fome? Eu tenho... — Parou no meio da sentença, ao sentir os braços fortes que lhe envolviam a cintura, — Estou, só que não é comida que eu quero. — Ele a virou para que pudesse fitá-la nos olhos e beijou-a com paixão. 75


— Chega, Curtis. Eu preciso ver o bule — protestou Charlie, rindo. — Não chega nunca! — Vou fazer uma xícara de café. Meu amor, estou com vontadé. — Eu também. — De tomar café, Curtis. Trabalhei muito hoje. Dê-me só uma chance, está bem? Faça alguma coisa de útil enquanto isso. Acenda os abajures e feche as cortinas. — Boa idéia. Vou colocar um disco também. Pouco depois, sentaram-se no sofá, bebendo café e conversando. Ele falou sobre a viagem; ela, sobre a exposição. Logo, porém, tornou-se inevitável que se abraçassem outra vez. Curtis apertou-a contra o peito, enquanto os lábios procuravam os dela. As mãos entraram por baixo do casaco, explorando-lhe as costas sobre a seda da camisa. Ele tirou o paletó, deitou-a nas almofadas do sofá e cobriu-lhe o rosto de beijos, antes de descer os lábios para a delicada curva do pescoço. Ela sentia o coração disparado, querendo-o mais do que nunca. Sentiu o peso do corpo de Curtis sobre o seu, excitando-se ainda mais com o desejo dele. Não esboçou qualquer protesto quando ele começou a abrir-lhe os botões da blusa. Aquela era a hora certa. Ela o amava € era correspondida. — Eu te amo, Curtis. Eu quero você! Ele a tomou nos braços e levou-a para o quarto, sabendo que teria que tratá-la com muito carinho. Não era preciso que Charlotte dissesse que aquela seria a sua primeira vez. Amou-a sem pressa, fazendo-a desfrutar todas as sensações de prazer, esperando que ela alcançasse o clímax para, então, acompanhá-la com um gemido de paixão satisfeita. Charlotte aninhou-se nos braços dele, deslumbrada com o que acabara de experimentar. Levantou a cabeça e viu que Curtis tinha um sorriso nos lábios. Alcançou-lhe a boca e beijou-o de leve. Era bom estar apaixonada! Neste momento, a campainha da porta tocou. Charlie dirigiu a Curtis um olhar desconsolado. — Deixe tocar. Irão embora — ele sugeriu. Mas a campainha voltou a soar e Charlie sentou-se na cama. 76

,


— Não adianta. Deve ser Geoffrey. Ele está ouvindo a vitrola e, portanto, sabe que eu estou aqui. — Vestiu-se rapidamente e correu para a sala. — Oi, Charlie! Eu queria saber se você pode me emprestar uns saquinhos de chá. — Chá? — É, meus pais estão em casa e... — Geoffrey foi interrompido pela entrada de Curtis que, sem intenção de disfarçar o que estava ocorrendo, saiu do quarto com a camisa fora da calça. — Oh, desculpe, Charlie. Eu não queria interromper. Acho que vou indo embora. Falo com você outra hora. Ela ficou tão desconcertada quanto Geoffrey e, o que era pior, sentia que seu rosto estava vermelho. — Não tem problema. Você queria saquinho de chá, não é? Eu lhe empresto. — Pois é, como eu dizia, meus pais estão aqui e mamãe não toma café. Eles chegaram de surpresa e agora não tenho onde comprar chá. — Está bem. Espere aí que vou na cozinha pegá-los — interrompeu Charlie, impaciente para que ele fosse embora logo. Antes que pudesse se mover, porém, viu Curtis pegar o paletó, jogá-lo sobre o ombro e caminhar depressa em direção à porta.

Curtis!

— Sr. Maxwell... — Sinto muito, Charlotte. Eu lhe explico quando puder. Sem dizer mais nada, abriu a porta e saiu. Charlie ficou olhando para o corredor, aturdida. Por que ele havia feito aquilo? Geoffrey foi o primeiro a recobrar-se do chogue. — O que aconteceu com ele? Charlie, eu não sei o que falar. Não queria causar isso. — Tudo bem. Vou pegar o chá. As mãos lhe tremiam ao abrir a caixa. Entregou os saquinhos a Geoffrey e ele foi embora, deixando-a sozinha com seus pensamentos. A reação inesperada com certeza não fora causada pela presença do outro rapaz. Curtis sabia que ela faria tudo para despachá-lo depressa. O motivo devia ser outro, talvez alguma coisa que ela fizera. Mas o quê? E

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Sentou-se no sofá e começou a chorar. Já sabia o que havia feito errado. Interpretara mal a alegria dele ao vê-la e, depois, dissera que estava apaixonada. Mas ele não havia dito nada sobre amor! Como fora tola! Ele avisara desde o início que nunca iria se casar. Com certeza tinha ficado com medo de que ela esperasse mais do que ele estava preparado para dar. Claro! Ficara com receio de se ver obrigado a assumir um compromisso sério! Soluçando, pensou nas palavras do sr. Grant: “Ninguém é estava errado! Curtis Maxwell pareimune ao amor”. Como cia inatingível. Era meia-noite quando Charlie foi para a cama. Ainda havia marcas nos lençóis, deixadas há tão pouco tempo... O amor parecia seguro e de repente... Como as coisas podiam mudar assim depressa? Meia-hora depois voltou a levantar-se. Era impossível dormir. Sentou-se na cama, chorando e tentando compreender. O desespero transformou-se em raiva. Pegou o telefone e discou o número dele. Queria ouvir uma explicação! Foi inútil, porém. Ninguém atendeu. À uma hora, a campainha da porta ressoou no silêncio do apartamento. Charlie levantou os olhos, sabendo de antemão quem era. Abriu a porta e sentou-se no sofá, sem dizer nada. Ao vê-lo, mudou de súbito para medo. Pareceu-lhe ler nos olhos raiva a dele a razão daquela visita. — Charlotte, eu... Sinto muito. Devo-lhe uma explicação. — Sim. — Posso sentar? — É claro. A formalidade a aterrorizava. Sabia o que estava por vir. — Estive andando com o carro por aí. Precisava pensar. Voltei e vi a luz acesa, por isso resolvi subir. Charlotte, eu vim para dizer adeus.

ele

.

78


CAPÍTULO

X

Charlotte baixou a cabeça. Embora já soubesse o que ele ia dizer, ouvir aquilo a abalou. Estava muito chocada para pensar direito no significado da palavra “adeus”. — Por quê, Curtis? O que foi que aconteceu? — Charlotte, eu não consigo levar adiante esse relacionamento. Não é justo para você. — Não tenho a menor idéia do que você está falando. — Quero dizer que isso é inútil. Estamos em um caminho que não levará a nada. — Mas eu nunca pedi coisa alguma, Curtis! Estamos nos sentindo bem juntos, você não pode negar. Por que então é inútil? — Eu não posso me casar com você, Charlotte. — Eú não me lembro de ter pedido isso. — Nem com você, nem com ninguém. Não seria justo. Eu sei que você me ama, tive certeza disso hoje, quando cheguei na galeria. Foi então que comecei a perceber que devíamos terminar. Você se envolveu mais do que eu esperava. Mas não agiientei, vim até aqui e fiz amor com você. Agora sei que precisava ter me controlado melhor e peço-lhe desculpas pelo que aconteceu. Pode ser difícil de acreditar, mas achei bom Geoffrey ter aparecido. Enquanto você falava com ele, tive tempo de pôr os pés no chão. — Mas, Curtis, eu pensei que era importante para você! — Nunca senti por nenhuma mulher o que sinto por você, Charlotte, acredite em mim. Não quero ter apenas um caso com você. No começo. .. No começo achei que isso seria o suficiente, mas hoje descobri que você significa muito mais para mim. 79


Nosso relacionamento teria que ser diferente, no entanto, Charlotte, não sou totalmente dono de minha vida.

— Por quê? — Porque convivo com uma sensação de culpa que nunca vai me deixar. É... é Chris. — Chris? O que tem ela com isso? Curtis respondeu com uma expressão inconfundível de agonia: — Eu fui a causa do acidente quando ela era pequena. Fui eu quem a fez ficar cega. — Como? Não posso acreditar nisso! — Vou explicar. Mas preciso de um drinque. Você quer também? — Não. Ele caminhou até o bar e serviu-se. Ficou de costas para Charlie enquanto falava. — Nós tínhamos dez anos e estávamos de férias da escola... Andávamos a cavalo perto de casa, nós dois éramos muito bons em equitação. Chegamos a uma sebe e eu pulei, mas o cavalo de Chris se recusou. Eu ri dela, disse que não era de nada e coisas semelhantes. Você a conheceu e viu como Chris tem personalidade. Já era assim quando criança. Aceitou o desafio e conduziu o cavalo para o obstáculo. No último segundo, porém, o animal desistiu e... e jogou-a ao chão. — Curtis fez uma longa pausa antes de prosseguir. — Chris bateu a cabeça é ficou inconsciente por três dias. Quando voltou a si, estava Meus pais cega. Não tinha nenhuma esperança de recuperação. foi inútil. mas melhores especialistas, levaram aos eram ricos e a Charlotte de cabeça a seguiu, silêncio se Durante o longo que de conpalavra encontrar alguma arduamente trabalhou para forto. — Foi um acidente. — Não precisava ter acontecido! — Curtis, acidentes não são previsíveis! E o que você está me dizendo? Que nunca vai se casar por causa disso? — Pare, Charlotte! Acho que você não entende mesmo. Eu estou comprometido com Chris e quero cuidar dela da melhor forma que puder. Quero passar todo o tempo possível junto dela. Minha irmã precisa de mim mais do que qualquer outra pessoa. 80


Charlie sabia que ele estava errado. Conhecera Chris e pudera ver como ela era independente. Mas não podia dizer-lhe isso. Seria inútil. Se tentasse mostrar-lhe o engano em que incorria ao tentar punir-se por algo que fora simplesmente um acidente, Curtis acharia que ela estava apenas querendo defender seus próprios interesses. Afinal, ela havia dito que o amava e, embora procurasse dar a entender que não se preocupava em ter uma ligação séria, tinha certeza de que ele sabia o que se passava no fundo de seu coração. Nunca conseguira enganá-lo antes. Mas não podia ficar ali parada. Tinha que tentar. — Curtis, você está errado! Chris sabe o que você pensa em relação a ela? Sabe que você está querendo negar si próprio? — Não seja ridícula! Não acha que a situação dela já é suficientemente difícil? Acha que eu ia querer que ela se sentisse como um estorvo em minha vida? De qualquer forma, não estou me negando. É desse jeito que quero que as coisas aconteçam. — É mesmo? Você sempre falou com clareza de seus sentimentos por mim. O que isso significa? Você está disposto a ser sincero comigo agora? Está apaixonado por mim? Ele não desviou o olhar para responder, — Não, Charlotte, as coisas não chegam a este ponto. Não estou apaixonado por você. Charlie recebeu a resposta com bravura, fazendo um lento sinal de assentimento com a cabeça, tentando disfarçar o choque. — Mas eu amo você, então deixe-me tentar ajudá-lo. Se não for por mim, que seja pela mulher pela qual você pode se apaixonar um dia. Ninguém é imune ao amor, Curtis... Tente pensar no que eu vou dizer: se Chris tivesse uma pequena idéia do que você está me falando, ficaria horrorizada. Ela é uma mulher capaz e independente. É claro que precisa de você, mas como irmão e não como guarda-costas. Eu mesma a ouvi dizer que você a visita demais. Não acha que está sendo muito subjetivo? — Parece que você conhece minha irmã melhor do que eu mesmo! — ele retrucou, sarcástico. — Talvez porque não estou tão envolvida e posso analisar tudo com objetividade. — Você só vê o que deseja!

a

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— Não! Você não está ajudando Chris, acredite em mim. Tudo o que está fazendo é tentar aliviar seu sentimento de culpa, que não tem nem razão de ser! Não pode trocar de lugar com ela, por mais que queira. Não acha que Chris ficaria contente em ver você vivendo normalmente, com uma família, filhos... — Enquanto falava, percebeu que Curtis levantava as sobrancelhas numa expressão de cinismo e, por fim, sacudia a cabeça, como se sentisse pena dela. — Não olhe assim para mim! Eu sei o que está pensando. Acha que agora estou sendo parcial! — E você nega? — Sim! Bem, talvez um pouco. Eu amo você, Curtis, mas isso não destrói a lógica do que estou tentando dizer. Ele pareceu não estar mais ouvindo. Bebeu o que restava do drinque e olhou para ela, decidido e inflexível. — Eu vim dizer adeus. Sinto muito, Charlotte. Em seguida, virou-se para ir embora. Charlie correu atrás dele tentando segurá-lo, mas foi inútil. A porta fechou-se e deixou-a sozinha no apartamento. Ela ficou parada, imóvel no centro da sala, aturdida com o Há que estava acontecendo. Aquela noite lhe parecia irreal. do feliz mais que nunca. De apenas algumas horas, sentia-se repente, tudo desmoronava. Curtis Maxwell saíra de sua vida do mesmo modo abrupto como entrara. Conquistara-lhe o coração em poucas semanas e, de súbito, deixara-a com esse mesmo coração em pedaços.

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CAPÍTULO XI

Na manhã de segunda-feira, Charlie chegou ao escritório às dez horas. Nunca se atrasara tanto desde que começara a trabalhar na galeria, mas também nunca havia passado um fim de

semana tão terrível. Não voltara a chorar. Curtis fora tão decisivo na despedida de sexta-feira à noite que a deixara atordoada, com uma sensação estranha. Era como se estivesse anestesiada. Amava-o muito, mas precisava encarar o fato de que ele apenas a queria fisicamente. Passara o fim de semana tentando ajustar-se à nova situação. Dizia a si própria que seria apenas questão de tempo, já que Curtis Maxwell havia estado em sua vida por apenas algumas semanas. Com certeza conseguiria esquecê-lo. Mas quanta diferença haviam feito para ela aquelas semanas! Já não era mais a mesma garota desinteressada em homens, contente com sua vida solitária, decidida a dedicar-se à carreira e vendo o casamento como algo distante e nebuloso.

Não seria fácil esquecê-lo, afinal. Não era possível levantar

a mão e, num passe de mágica, voltar a ser a moça despreocupada de antes. Curtis a transformara de maneira irreversível, a fizera sonhar com uma vida a dois... Se ao menos tivesse

alguém para conversar! — Charlie, o que houve? Está doente? — perguntou Linda, estranhando o atraso, Charlotte olhou para a secretária, desejando poder lhe contar o que estava sentindo. Mas era impossível. Não podia falar da vida particular do benfeitor da escola de artes com uma funcionária da instituição. É

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Nem poderia discutir o problema com Chris, embora seu primeiro impulso tivesse sido telefonar para ela. Mas como lhe repetiria as palavras de Curtis sem magoá-la? Além disso, seria uma atitude que não levaria a nada. Afinal, não faria com que ele a amasse. Estava tudo terminado e nenhuma conversa alte-

raria aquele fato. — Não, estou bem. Dormi pouco a noite passada, só isso — respondeu, tirando o casaco e pendurando-o no cabide. — Está com uma aparência péssima. O que aconteceu? Tem algo a ver com Curtis Maxwell, não é? Charlie confirmou, evitando olhar para a outra moça. — Acabou, Linda. Ele terminou tudo comigo na sexta-feira à noite. — Acabou? Na sexta-feira? Mas eu pensei... — O quê? O que você pensou? Linda estremeceu, surpresa com o tom ríspido. — Bem, eu... pelo jeito como vocês se cumprimentaram na inauguração da exposição, na frente de todo mundo, pela maneira como se olhavam... Charlie, eu sei que você está apaixonada por ele e poderia jurar que era correspondida. Quem olhasse para Curtis na sexta-feira teria certeza de que estava louco por você. Charlie começou a mexer na gaveta da mesa, falando com voz seca.

— Isso só demonstra que as aparências enganam. Linda voltou à máquina de escrever, achando mais conveniente não insistir no assunto. — A propósito, o sr. Grant está na escola, numa reunião. Charlotte recebeu a notícia com alívio. Talvez conseguisse mostrar-se mais descontraída na hora em que ele chegasse. Trabalharia até mais tarde naquele dia. Não tinha nada mesmo para fazer em casa. Chegou ao apartamento às oito horas, mas mesmo assim a noite pareceu arrastar-se. Não havia nada com que se distrair, nada que a fizesse parar de pensar em Curtis. E de que adiantava martirizar-se? Por mais que analisasse as idéias absurdas 84


de Curtis, havia um fato que permanecia inalterado: ele não a amava. Na quarta-feira, encontrou-se com Geoffrey no saguão do prédio e ele começou a desculpar-se pela interrupção na sexta-feira anterior. — Por favor, Geoffrey, pare de falar nisso! Você já pediu desculpas. Subiram pelas escadas, ignorando o elevador lotado. Ao chegarem ao segundo andar, Geoffrey caminhou até o apartamento dela e fitou-a com ar inquieto. — Posso entrar por um momento? — Não. — Olhe, Charlie, eu não sei por que seu namorado saiu daquele jeito, mas percebi o que eu interrompi. Não vou negar que estou com ciúme. Antipatizei com Curtis Maxwell desde a primeira vez que o vi. Ele tem tudo o que eu não tenho: sofisticação, dinheiro, charme e... e você. É fácil perceber que está apaixonada por ele. Mas ele a magoou, não foi? Tive um trabalho externo na segunda-feira e vi você caminhando para o metrô, bem mais tarde que sua hora habitual. Estava com uma aparência horrível e ainda está. Charlie baixou a cabeça, sentindo as lágrimas escorrendo dos olhos. Sabia que Geoffrey se preocupava com ela e a sinceridade do rapaz a comoveu. — Está bem. Entre e venha tomar um café. Entraram no apartamento e Charlie foi direto para a cozinha. Logo depois, voltou com duas xícaras de café. — Está tudo terminado entre mim e Curtis, mas não quero falar sobre isso. — Talvez eu pudesse ajudar. — Vou lhe dizer como pode me ajudar, Geoffrey, mas tenho que ser sincera e dizer que estarei usando você. — É para isso que servem os amigos. É bom saber que às vezes somos necessários. O que posso fazer por você? — Pode me levar para sair. — Feito! Dê-me uma hora e... — Não, Geoffrey, não esta noite. Você é um amor, sabia? — disse ela, sorrindo. — É, eu sei. Quando você quer sair, então? 85


— No fim de semana. — Bem, eu tenho compromisso no domingo. Pode ser no sábado? — Claro. — E onde você quer ir? — Qualquer lugar. Faça uma surpresa. Assim, Geoffrey telefonou-lhe na sexta-feira, avisando que passariam o dia fora no sábado e que ela deveria levar alguma coisa para comerem. — Está certo. Farei compras esta noite. — E depois iremos ao balé. Consegui os melhores lugares do teatro. isso tão em cima da hora? — Como Foi sorte. Comprei os ingressos de um amigo que não — por vai poder ir. São bem na frente. Charlotte desligou, acreditando que poderia ser um dia agradável. — Era Geoffrey — ela disse, satisfazendo a curiosidade de Linda. — Vamos sair amanhã.

fez

O sábado começou bem, cheio de sol. Foram para o campo ne carro de Geoffrey e escolheram um belo local para-o piquenique. Logo descobriram, porém, que sem o interesse mútuo dos ensaios, sem uma peça nova para comentarem, o assunto entre ambos esgotava-se depressa. Charlie estava aliviada por o programa da noite ser uma ida ao teatro, onde não precisariam conversar. De fato, não tinha nada em comum com Geoffrey Hemmings.

Chegaram em casa por volta das quatro horas e foram cada qual para seu apartamento trocar de roupa. Concordaram em sair às seis e meia, para terem tempo de tomar um drinque antes vestiu-se com esmero, do espetáculo. Charlotte tomou um banho achando que aquilo lhe faria bem. Estava cansada de olhar no espelho e ver-se pálida e abatida. Teria férias nas duas primeiras semanas de agosto, dali a quinze dias, e estava pensando em ir para Kendal. Lake District era muito bonito no verão e, com certeza, poderia bronzear-se € adquirir uma aparência melhor.

e

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Charlotte entrou no teatro cheia de entusiasmo. Sentiu um afinar os arrepio de satisfação quando a orquestra começou à a deobservando interesse, volta com instrumentos. Olhou em coração e as pessoas na platéia. Foi então que viu Curtis. direita do palco. A seu lado, Ele estava em um dos camarotes, muito bem: Patty uma mulher de quem Charlie lembrava-se

à

Loxley.

Ele, Sentiu-se deprimida e tola por ainda importar-se tanto. se porém, fora rápido para encontrar outra pessoa com quem noite. da final divertir. Com certeza, já tinham planos para o Patty Loxley deixara bem claro seu interesse. Charlie baixou os olhos para o programa em seu colo, sem Tinha vontade enxergar nada além de algumas letras embaçadas. Geoffrey. de levantar e ir embora, mas não podia fazer isso com distentar e camarote o olhar mais o para Resolveu não dirigir trair-se. de Porém, mal conseguiu ver o balé. Tinha a mente povoada fazendo beijando-se, imagens de Curtis e Patty abraçando-se,

amor...

— Quer um drinque? Olhou apressada para Geoffrey. Nem havia reparado que a música parara e as cortinas estavam abaixadas. Era intervalo. — Eu... não, obrigada. O rapaz pareceu surpreso. gostaria de um. — Bem,

eu

Involuntariamente, os olhos de Charlie dirigiram-se ao camair até rote. Estava vazio. De maneira alguma ela se arriscaria a de idiota, já que, Ficaria com cara o bar e encontrar-se com ele. Ou pior rosto. no estampado com certeza, o ciúme lhe estaria ainda, poderia não conter as lágrimas. sozinha. — Ótimo, então vá. Eu não me importo de ficar Quando o espetáculo terminou, ela e Geoffrey deixaram o teacom tro por uma das saídas laterais. Por sorte, não cruzaram visto, havia ele saber a se tinha como Curtis e Patty. Charlie não que Patty parecia estar lhe tomando mas era provável que. não, toda a atenção.

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Charlie dormiu bem aquela noite, mas só porque esvaziara uma garrafa de vinho e soluçara por dúas horas. Adormeceu de exaustão, quase que anestesiada. sentiu-se desalenNa manhã seguinte, olhou-se no espelho tada. Tinha os olhos inchados e uma tremenda enxaqueca. — Está na hora de pôr a cabeça no lugar, menina. Devia ter percebido antes que ele era muito diferente de você. Apenas agora começava a perceber que Curtis gostava de ser um solteirão. Fazia o que considerava sua obrigação em relação a Chris e, ao mesmo tempo, levava uma vida muito agradável. Era claro que estava feliz com a existência que escolhera! Havia lhe dito que adorava mulheres e que tivera muitas na vida. Se alguma tola se apaixonasse por ele e começasse a fazer exigêne ela cias, Curtis tinha o álibi perfeito para fugir. Era demorara tanto para perceber! Aborrecida com sua falta de autocontrole, Charlotte vestiu-se e saiu para comprar jornal. Não costumava ler com atenção, mas, naquela manhã, mergulhou em cada artigo e comentário. Ao meio-dia sua mãe telefonou. Charlie tentou parecer alegre e despreocupada. Mas, quando Pauline perguntou de Curtis, resolveu torcer um pouco a verdade, para não ter que entrar em detalhes. — Ele está bem, mamãe. Há mais de uma semana não o vejo, mas na última vez ele estava ótimo. — Está viajando? — Não, ele está em Londres. Na verdade, eu o vi ontem no teatro com Patty Loxley. — Patty Loxley? Mas... e quem estava com você? — Geoffrey. — Mas... — Mas o quê? — Eu tive a impressão de que as coisas eram sérias entre você e Curtis. Você me disse que estavam saindo juntos com fregiiência. — É verdade, mas isso não quer dizer que não possamos sair com outras pessoas, não é? — Bem, depende... Mas estou surpresa. Tinha a sensação de que as coisas iam se encaminhar... Eu não quero me meter,

e

sema

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sentir neCharlotte, mas lembre-se de que pode falar comigo se disso. sabe cessidade de conversar com alguém. Você Mas não Charlotte mordeu o lábio. A proposta era tentadora! Além telefone. pelo daria certo contar uma história tão comprida sofrenfilha estava a soubesse que disso, Pauline seria parcial se do e Charlie não se encontrava disposta a ouvir demonstrações de compaixão. O que — E você, mamãe? Está tudo bem? Como vai o papai? fizeram esta semana? Desta vez era Logo que desligou, o telefone voltou a tocar. de forças para não perder Chris. Charlie juntou o que lhe restava o controle. você ligasse. — Chris! Que surpresa! Não esperava que O que aconteceu entre o problema, Charlotte? — Qual você e Curtis? falando. — Houve um — Como? Não sei do que você está lutando para não lábios, Os grande silêncio e Charlotte apertou sem dizer esperando continuou revelar nada. No entanto, Chris Você Chris? manifestar-se. — nenhuma palavra, forçando-a a está ouvindo? O que aconteceu en— Estou. Vou perguntar mais uma vez. telefonar de para ele. Achei que algutre você e Curtis? Acabei nem uma vez durante ele não ligou me ma coisa estava errada; não falava com ele verdade, Na é estranho. a semana, o que havia desde que viajou para Nova York. No início achei que sinal, sumido por estar muito entretido com você, o que, por silêncio Mas o foi uma idéia que me deixou bastante satisfeita. Então ficando preocupada. acabei demais e dele durou tempo como se fosse liguei para Curtis e ele mencionou de passagem, terminado. uma coisa muito banal, que vocês haviam dura para sempre, Chris. — É verdade. Nada Eu sa— Charlotte, você está insultando minha inteligência! você de achei que bia que não adiantava perguntar a ele, mas duas há Estivemos juntas apenas obteria uma resposta sincera. surda e nem semanas, lembra-se? Posso ser cega, mas não sou vocês dois estúpida. Não precisei enxergar para perceber que errado? está estavam apaixonados. Então, o que de que Charlotte poderia responder? Que era por causa Chris?

foi

o

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— Acabei de falar com minha mãe e ela também está querendo procurar problema onde não existe. Curtis e bem, eu... não deu certo, só isso. Nenhum de nós queria assumir um compromisso sério, entende? Aliás, eu o vi ontem com uma mulher muito bonita. E eu estava na companhia de um homem com quem saio de vez em quando. — Bem, em outras palavras, você acha que eu deveria me preocupar com minha vida, não é? Charlie suspirou. Não conseguira convencê-la. Como poderia fazer para encerrar o assunto sem magoá-la? — Não, Chris. Não quis dizer isso. — Não acredito em você. Eu ia convidá-la para vir me ver. Mas você não virá, certo? — É claro que irei. Qualquer dia desses... — Quero dizer hoje. — Hoje? Oh, eu... eu não posso. Tenho tantas coisas para fazer! — Charlie fechou os olhos, detestando que mentir para Chris, mas a idéia de visitá-la estava fora'de questão. Não conseguiria guardar segredo do motivo que levara Curtis a se afastar. — Olhe, Chris, eu preciso desligar. Estou com uma panela no fogo e... — Charlotte, vou lhe dizer uma coisa. Você é uma grande mentirosa. Prometa-me ao menos que virá me procurar se sentir vontade de falar. Eu posso ajudar você. Quando Charlotte desligou, estava chorando outra vez. Agradecera a oferta de Chris, usando toda sua força de vontade para manter a voz trangiila. — Chris, querida — murmurou para si própria. — Você é a única pessoa que não pode me ajudar.

ter

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CAPÍTULO XII

Charlotte pegou o vaso de cristal na cozinha e atirou-o com violência no cesto de lixo, quebrando-o em mil pedaços. Deveria ter feito isso antes. Mais uma semana havia se passado, era uma noite de sexta-feira. Fazia catorze dias que Curtis se despedira. Desde então, todas as manhãs olhava para o pequeno vaso que contivera a rosa vermelha. Sentou-se à mesa, com a cabeça apoiada nas mãos. Desta vez, as lágrimas escorreram silenciosas. A passagem do tempo não havia ajudado em nada, nunca voltaria a ser a pessoa que era antes. Tinha muitas emoções novas trancadas dentro de si. O silêncio do apartamento tornou-se opressivo. Uma hora se passou e ela continuava sentada, chorando. Por fim, sacudiu a cabeça, levantou-se e fez uma xícara de chá. Mais uma semana de trabalho e, depois, estaria de férias por quinze dias. Precisava programar seu período de descanso. Ir para Kendal já não lhe parecia uma idéia interessante. O dia seguinte era sábado. Iria a uma agência de viagens e escolheria um local com muito sol. Qualquer lugar serviria. O que precisava era sair de Londres e distrair-se. Estava passando por um redemoinho emocional. Naquelas duas semans, já pensara em Curtis com raiva, ressentimento, amargura, mas tudo era inútil. Ainda o amava. Nunca sentira tanta falta de alguém como dele. Todas as vezes que olhava para a sala de estar, parecia vê-lo. Não conseguia exorcizá-lo de seu coração e isso era muito doloroso. Aquele dia havia sido difícil. Tivera que falar com Helen Smith, a secretária de Curtis, para tratar da devolução dos quadros. A bem-sucedida exposição de Licer terminaria na semana 91


seguinte, as pinturas seriam devolvidas na sexta-feira à tarde e, segundo as instruções, deveriam ser entregues na galeria em Mayfair. “Por que não na casa em Buckinghamshire, onde ele mantinha sua coleção?”, pensou Charlie, intrigada. Helen Smith trabalhava com Curtis há muitos anos e, portanto, Charlie achou que não haveria problema em tentar satisfazer a curiosidade. Com certeza Helen sabia onde o patrão guardava a coleção particular. — Não seria mais sensato mandar os quadros diretamente para a casa dele? — Oh, o sr. Maxwell não guarda estas pinturas com o resto da coleção. Elas ficam aqui, embrulhadas e fechadas em uma sala.

— Mas... mas isso é uma pena. São tão bonitas! — É verdade. De qualquer forma, é assim que ele quer e deve ter suas razões. Charlotte, preciso desligar. O outro telefone está tocando e espero uma ligação do sr. Maxwell. Ele está em Amsterdam esta semana, mas continua me mantendo ocupada! Tchau! Não tivera oportunidade de saber mais, porém o que importava ter conhecimento de onde ele estava? Charlie sentou-se outra vez junto à mesa da cozinha, apoiando o queixo nas mãos. Claro que importava! Tola como era, continuava pulando cada vez que a campainha ou o telefone tocavam, na esperança de que Curtis voltasse para ela. Suspirou e levantou-se para preparar o jantar. Não podia se dar ao luxo de perder peso. Depois de comer, iria sair. Qualquer lugar serviria, contanto que se afastasse um pouco daquele apartamento silencioso. :

primeira coisa que fez no sábado de manhã foi ir a uma agência de viagens. No entanto ficou desapontada ao saber que teria problemas em arrumar uma vaga tão em cima da hora. — As duas primeiras semanas de agosto são o pico da temporada de férias, senhorita — informou a moça que a atendeu. — Mas sou apenas eu! Quero duas semanas para uma única pessoa! Será que não me arrumaria nada? Não me importo onde seja, contanto que haja sol. Às vezes as pessoas cancelam no último minuto, não é? A

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— Farei o possível. Telefono para a senhorita se conseguir alguma coisa. Charlie passou o resto do dia comprando roupas adequadas para clima quente. Chegou em casa às seis horas da tarde. Aquela hora a agência de viagens já estava fechada, mas ligaria para lá na segunda-feira de manhã. Passar o dia fora lhe fizera bem. Levou as compras para o quarto e experimentou-as todas, satisfeita. Uma hora mais tarde saiu outra vez, decidida a não ficar no apartamento divagando sobre coisas inúteis. Ocorreu-lhe a idéia de visitar Geoffrey, mas logo desistiu. Era melhor ficar sozinha e ir ao cinema. O telefone tocou às oito horas na manhã seguinte. Charlotte estava dormindo. Acordou assustada e olhou para o despertador, telefonar àquela hora num domingo. imaginando quem Era Christine. Em pânico, Charlotte afastou os cabelos do rosto, subitamente acordada e alerta. — Chris! O que aconteceu? — Nada. Ou melhor, tudo. Estou preocupada, Charlotte. Preciso falar com você. Desculpe por ligar tão cedo, mas tenho tentado encontrá-la desde sexta-feira à noite. — Eu tenho saído bastante esses dias. Qual é o problema com você? — É Curtis. Ele... — Curtis! — O coração de Charlie começou a bater com força, alarmado. — Ele está em Amsterdam, fazendo compras. Telefonou de lá na sexta-feira à tarde. — Então ele está bem. — Charlie soltou um suspiro de alívio. — Não, não está. É este o problema. Charlotte, eu tenho que falar com você, mas não por telefone. Por favor, poderia vir até aqui hoje? Vai levar duas horas de trem. Se for incômodo, eu vou até aí. Como preferir. — Mas... mas sobre o que você quer falar? O que a está incomodando, Chris? O que Curtis lhe disse pelo telefone? — Charlotte, por favor! Não posso discutir isso por telefone. Por favor, deixe que eu vá até aí.

iria


— Não, eu vou encontrá-la. Dê-me o endereço. Pegarei o primeiro trem. — O que mais poderia fazer? Chris parecia muito nervosa. — Oh, obrigada. Pegue o trem em Paddington. Ao chegar ir aqui, chame um táxi na estação e diga ao motorista que quer encontrar. terá em Não problemas ao Lar Forest Hill para cegos. Charlotte desceu do trem na estação de Cheltenham Spa e pegou um táxi. — O Lar Forest Hill para cegos — pediu ao motorista. Nunca estivera em Cheltenham antes. Parecia um lugar bonito. Quando o táxi deixou a cidade: para trás, a beleza da paisagem chamou-lhe a atenção. O distrito de Cotswolds era tão atrativo quanto seu querido Lake District. No íntimo, porém, beirava o pânico. O encontro que estava muito cuidadosa papara acontecer não seria fácil. Teria que ser sentisse como um não Chris se ra não dizer nada, de modo que fardo que Curtis precisava carregar. — Quer parar na entrada principal, moça? — Creio que sim. Nunca estive aqui antes. Vou visitar uma amiga que está na ala nova. — Ah! Essa ala foi construída há uns catorze ou quinze anos, não é? A entrada é pelos fundos. — Parece um lugar trangúilo. O carro deixou Charlie em frente a uma porta onde havia um painel indicando o nome dos moradores. — Você aperta a campainha que quiser e vai ouvir sua amiga falando com você — instruiu o motorista antes de ir embora. Charlie apertou o botão sobre o nome Christine e esperou. — Charlotte? — Sim, sou eu, Chris. Ouviu um ruído e a porta da frente abriu-se. — Entre e feche a porta. Estou no primeiro andar. Logo que subir as escadas, olhe para a direita e vai me ver no corredor. Charlie seguiu as instruções e, logo depois, estavam face a face. à vontade. — Oi, Charlotte. Senti seu perfume. Entre e fique medo. ter Oh, essa é Della, meu cachorro-guia. Não precisa — Alô, Della. Você é linda! 94


— Agora vá, Della! O cachorro saiu, obediente. Charlie caminhou para dentro da sala e olhou em volta, encantada. O carpete e as cortinas verde-claros davam ao ambiente um ar agradável de trangúilidade. A mobília era moderna e toda estofada. Em uma das paredes brancas havia uma estante, na qual se alojava um bonito aparelho de som. A parede maior, porém, que dava de frente para a ampla janela, estava vazia, exceto por uma marca mais escura na pintura, indicando que um quadro grande estivera pendurado ali. Charlie franziu a testa, suspeitando do que se tratava. Não fez qualquer comentário, porém. Em vez disso, falou das plantas que havia no apartamento. — Elas estão lindas! Eu não consigo cuidar de plantas. Acho que as mato de tanto cuidado. — Quer dizer que você as afoga, não é? Pode parecer estranho para você eu ter tantos vasos. Adoro plantas, mesmo que não as possa ver, — Não acho estranho. Você pode tocá-las, sentir o per-

Mune.

— Sente-se, Charlotte. Fique à vontade. Vou fazer um chá preparar alguns sanduíches. Era hora do almoço, mas Charlie não sentia fome. Observava Chris, impressionada. Nunca imaginara quantas coisas uma pessoa cega era capaz de fazer sozinha. — Não quero comer nada, obrigada. Você quer ajuda? — Não. Eu só lhe pediria para não deixar a bolsa no chão ou em qualquer parte onde eu possa tropeçar. E não mude nada de lugar sem me avisar, está bem? Desculpe por isso. Você vai se acostumar comigo. — Chris, você pareceu preocupada no telefone. O que está havendo? — Espere um minuto. — Ela recusou-se a dizer qualquer coisa antes de trazer o chá. Colocou a bandeja em uma mesa baixa em frente ao sofá e sentou-se ao lado de Charlotte. — Pode se servir. Bem, o assunto é Curtis, aquele idiota do meu irmão. Primeiro eu preciso me desculpar com você. De certo modo, a enganei para fazê-la vir aqui. Não estou preocupada com Curtis, estou furiosa com ele. e

eu

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Charlie virava a xícara na mão, procurando algo para dizer. — O que aconteceu, Chris? de se— Eu só falei com ele duas vezes desde aquele fim tarde. à foi sexta-feira A última mana em que estivemos juntos. é Diz uma Amsterdam. está que ele em lhe contei, Como eu de negócios. viagem — Mas... por que você poria isso em dúvida? Aposto que ele sempre viaja para fazer compras. — Sim, só que ele tem funcionários experientes para fazer esse trabalho. Curtis não tem viajado muito para o exterior, a não ser que esteja atrás de algo muito importante. Além disso, ele me disse que depois de resolver os negócios vai para a França ele acha e pretende ficar lá por várias semanas. De repente, Charlotte, férias. Acontece, que meu de umas longas que precisa de duas mais semanas. trabalho do afastou por irmão nunca se As galerias são muito importantes para Curtis, ele não costuma deixá-las nas mãos de funcionários. E tem mais: ele me contou sul da França e que eu que vai ficar na casa de um amigo no ele não ligasse por algum tempo, se não deveria me preocupar de não ter teleé fato o coisa lugar daquele melhor já que a fone!

Por um momento, Charlotte imaginou que estivera enganada sentindo insegura a respeito de Chris. Será que ela estava se teve tempo de se A nem idéia, porém, do irmão? ausência pela assentar. Foi descartada de imediato. — Parecia que eu falava com uma parede, Charlotte! Não consegui que ele me desse nem uma resposta direta. Perguntei do mundo. Sabe o que por que ele estava querendo se isolar disse? Que precisava de um descanso! Já ouviu uma resposta tão sem propósito, partindo de um homem como Curtis? Charlie continuou em silêncio. Não ousava abrir a boca. — Você também não diz nada... — continuou Christine. — Será que é uma conspiração? Você me desaponta, Charlotte. Derrubou a colher duas vezes e se não parar de mexer esse chá vai acabar fazendo um buraco no fundo da xícara. Posso sentir como está nervosa. Charlie interrompeu o movimento. Como iria sair daquela situação? Como Curtis, Christine era muito esperta e não perdia nada, :

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— Ele está apaixonado por você, Charlotte. — Não. Com uma exclamação de desgosto, Chris levantou-se, caminhou de um lado para outro, impaciente, e, por fim, recostou-se à estante. — Não vamos chegar a lugar algum se você continuar assim, Charlotte. Não vou deixá-la sair daqui até saber o que Curtis lhe disse. Quem resolveu terminar: ele ou você? Era inútil continuar fingindo. Não conseguiria enganar uma mulher tão inteligente como Chris. == Foi ele.

Ah, estamos começando a esclarecer as coisas. Agora você admitir que está apaixonada por ele? Eu sou louca por ele, Chris. E foi tola o bastante para deixá-lo ir? Tola? Você acha que eu tinha escolha? Curtis não me ama. A situação é muito simples. — Bobagem! Charlie não esperava tanta objetividade. Estava tão tensa que perdeu de vez o controle e começou a chorar. Chris sentou-se ao lado dela e abraçou-a, encorajando-lhe as lágrimas. — Isso, querida. Desabafe. Deixe essa tensão sair. Que semanas horríveis você deve ter passado, não é? Eu tenho vontade de enforcar Curtis por causa disso! Por um lado, Charlotte estava aliviada. Pelo menos podia falar um pouco, desfazer a opressão dentro do peito. Porém, precisava ter cuidado com o que ia dizer e ficou um tempo em silêncio, procurando se acalmar e pensar com mais clareza. E, então, veio a pergunta inevitável: — Que razão ele deu para terminar tudo? — Eu... eu acho que Curtis pensou que eu ia querer que ele se casasse comigo. Fui estúpida e disse a elé que o amava. — E o que falou? Como reagiu? — Bem, é meio embaraçoso contar, porque... Chris, nós estávamos em meu apartamento e... — Desculpe, Charlotte, eu não quero me meter em sua vida particular, mas isso é muito importante. Eu preciso saber como a cabeça dele está funcionando. — pode — — —

ele

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Charlie respirou fundo. Não existia vergonha nenhuma no que havia feito. Estava: apaixonada. — Está bem. Nós fizemos amor. Foi a primeira vez para mim. — Ela continuou, com menos hesitação, narrando a chegada de Geoffrey e a partida súbita de Curtis. — E então? — Então ele voltou à uma hora da madrugada e me disse que tinha voltado para dizer adeus. Quando ele entrou, eu já sabia que era aquilo que ia acontecer. Para ser franca, Curtis já tinha me avisado desde o início que nunca iria se casar. — Ele o quê? Charlotte fechou os olhos. Não existia mais saída. — Bem, — Ele lhe disse que era por minha causa, não é? Não foi isso? — Foi. — Ele contou sobre o acidente e falou que se sente culpado. — Sim. — Droga! — Chris levantou-se outra vez, agitada. Charlie ficou sentada, pensando que Curtis a odiaria por aquela conversa. dele — Mas não foi só isso. Há mais do que a preocupação da Eu mim. perguntei acreditar em Tem Chris. que com você, fosse Se a ele resposta amava. me direta se mais possível forma não. positiva, poderíamos resolver a situação. Mas ele disse que não chegavam sentimentos disse seus de frente e Olhou-me que irrelea tanto. Desta forma, a parte referente a você torna-se vante. — Ele estava mentindo. E agora fugiu! Com certeza acha Que idiota! que se passar bastante tempo fora vai esquecê-la. Será que não percebe que desta vez é diferente? Se eu sei disso, como ele pode se enganar? Não entendo. E muito diferente. A voz de Charlie saiu como um murmário. — Desta vez?

ele...

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CAPÍTULO XIII

Chris sorriu e voltou a sentar-se. — Curtis já foi noivo e ia se casar. Tinha apenas dezenove anos, era muito jovem ainda... Pensava estar apaixonado, mas na realidade tudo não passou de uma ilusão. No entanto, nenhum de nós sabia disso naquela época. Ele nunca lhe falou nada a esse respeito? — Não. — Bem, era o primeiro ano dele em Cambridge... Foi lá que conheceu a moça, Julie Stevenson. Naquela época vivíamos em Buckinghamshire. Já que você sabe sobre o acidente, deve saber sobre a casa, não é? — Sim. O acidente aconteceu próximo a ela. — É, nas redondezas. Bem, para resumir, Curtis anunciou O noivado logo que veio para casa, para o Natal. Não cheguei a conhecer Julie, mas fiquei satisfeita, porque ela estava muito feliz! Sabe, ele nunca teve um dia de alegria desde que eu perdi a visão. Os anos se passavam e ele não parava de se culpar. Ainda não parou, como você viu. Mas naquela ocasião eu pensei que, graças a Julie Stevenson, meu irmão havia conseguido superar o problema. Mas, então, os Maxwell tiveram sua segunda tragédia. Minha mãe morreu de repente, na noite de vinte e três de dezembro. Foi um tumor Ninguém desconfiava que ela tivesse isso. — Oh, Chris! Que coisa horrível! — Ficou ainda pior. Meus pais eram jovens, ambos tinham quarenta e um anos. Meu pai adorava mamãe e a morte dela o deixou transtornado. Ele teve um ataque no dia de Natal e morreu na hora. Até agradeço por ter sido fulminante. Se tivesse

ni

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sobrevivido, ficaria paralisado e isso lhe seria insuportável. Papai era um homem muito inteligente e ativo, um advogado que amava seu trabalho. Charlie permaneceu em silêncio, sem saber o que dizer. Chris continuou falando: — Você pode imaginar como isso nos arrasou. De repente, nós nos vimos sozinhos no mundo e vivendo em uma casa enorme. Para ser breve, quando o choque emocional passou, eu entrei na história. Curtis se recusou a voltar para a universidade e disse que ia desmanchar o noivado com Julie. Eu soube no mesmo momento o que se passava na cabeça dele. Curtis pensava em mim, preocupado em saber como eu me arranjaria sem meus pais. Estava se sacrificando por mim. Resolveu que continuaríamos na casa, juntos. Você quer mais chá, Charlotte? Deixei uma chaleira com água no fogão. — Agora não, obrigada. — Bem, eu fiquei desesperada com a teimosia de Curtis. Brigamos como cão e gato, mas meu irmão se mostrou irredutível. Dizia que algo havia mudado dentro dele e que percebera verdade, mas, que não amava Julie. No fim, isso acabou sendo não poderia Eu como eu lhe disse, nós não sabíamos na ocasião. deixá-lo arruinar sua vida por minha causa: Então, sem ele saber, arrumei minhas coisas para vir para cá. Só contei a ele quando estava tudo acertado. Curtis ficou furioso, mas eu já tinha tomado minha decisão. Charlotte não precisava de mais explicações para compreender. Após a morte dos pais, Curtis resolvera que não iria mais Chris. se casar, por ser o único parente próximo que restara a é? — Ele voltou para Cambridge, não de idéia, re— Ah, sim! Quando viu que eu não ia mudar boa aqui. vida tenho uma solveu continuar os estudos. Eu ter feito. poderia coisa que eu Encontrar este lugar foi a melhor de de culpa sentimento do resultado — E a ala nova? Foi Curtis? institui— Na verdade, não. Ele dá dinheiro para todas as Mas desde criança. ções que precisam. Sempre foi generoso, café? Prefere tome mais alguma coisa, Charlotte. — Sim, mas deixe que eu preparo. Preciso me movimentar um pouco. 100


— Fique à vontade. Charlie foi até a cozinha, onde teve o cuidado de recolocar as coisas que usava nos lugares precisos onde as encontrara. Voltou para a sala com duas xícaras de café e colocou a de Chris na mesinha, em frente a ela. — Obrigada. Sabe, acho que é bobagem mantermos aquela casa enorme em Buckinghamshire. Mas foi um compromisso que Curtis assumiu comigo. Recusou-se a vendê-la, para o caso de um dia eu querer voltar. Eu raramente vou lá, mas ele é muito teimoso. Isso sem falar na despesa. Sabe quantos jardineiros ele paga para manter a grama em bom estado? Quatro! — Chris fez uma pausa, suspirando. — Isso nos traz de volta a nosso problema. O que vamos fazer? — Não podemos fazer nada. — Por que não? — Chris, ouça. Ele não me ama, embora você diga o contrário. — Ah, Charlotte, eu sei do que estou falando. Conheço Curtis como a palma de minha mão. Ele está lutando contra si próprio neste momento, dividido entre a culpa em relação a mim e o amor por você. Sei que estou certa. A primeira vez que ele falou de você foi no dia em que se conheceram. Meu irmão sempre me conta tudo e isso às vezes me incomoda, mas é a maneira que encontra de compartilhar sua vida comigo. Bem, nê primeira vez que mencionou você, disse que tinha conhecido uma “gata”. Foram as palavras dele. Disse que a pegou fofocando no escritório quando Helen estava doente. — Oh, eu... não foi bem assim. Eu só estava... — Deixe isso para lá. Depois recebi a notícia de que ele a levara para almoçar. Nessa ocasião você havia se tornado uma pessoa muito interessante e encantadora. Nunca ouvi Curtis falar de uma mulher com tanto entusiasmo. Bem, conforme o tempo transcorria, você passou de “gata” para “linda”... — Chris sorriu e tomou um gole de café. — E então houve o último dia da peça, quando eu a conheci. Curtis me pegou aqui de manhã para irmos a Londres. Nem sei quantas vezes falou que ficaria contente quando a peça terminasse, pois assim poderia vê-la mais vezes à noite. Logo que chegamos, ele tentou telefonar e você não estava. Não voltou a ligar porque eu estava com fome 101


e fomos a um restaurante. Mas estava louco para ver você, mal

podia esperar até a noite. Preciso continuar? Charlotte sentiu as lágrimas rolarem pelo rosto. Aquele fora o dia em que Curtis lhe dera a rosa. Então ele a amava! Não havia se enganado no dia da exposição, quando ele a fitara com os olhos cheios de paixão — Só que há um problema — disse com a voz embargada. — Não levante, Chris, eu estou bem. — Pretendo ter uma longa conversa com meu irmão. — Não, por favor, Chris, não faça isso. Pense bem, talvez Curtis me ame, mas ainda não se decidiu, ainda é incapaz. de assumir uma vida a dois. E para mim, nas condições atuais... bem, nada mais vai servir. Agora tudo depende dele. Deixe-o travar sua batalha íntima. Se me escolher, tem que ser por livre e espontânea vontade. Eu não aceitaria de outra maneira. Acho Entenda o que que você não deve tentar convencê-lo de nada. maior por mim ser tem O que o sentidizer. que amor quero influenciá-lo, Não tentar você. pode de a culpa em relação mento Chris. — Sim, você está certa. Eu só estava querendo... — Ajudar. Eu sei. E você conseguiu, acredite em mim. Sabe, Chris, eu adoraria tê-la como cunhada. Você é uma pessoa maravilhosa. Mas tem que me prometer que não vai dizer nada a Curtis. Deixe-o pensar sozinho. — Eu prometo. — Chris fechou os olhos. Manteriaa protudo o que messa. Felizmente, porém, já havia dito a Curtis dezoito mulher, outra a uma relação dizer em queria agora, lembrasse. ele se anos atrás. Esperava apenas que — Chris? — Desculpe. Por um momento eu voltei ao passado. — E é sobre o passado que eu queria perguntar. O quadro é? Sua mãe. que estava em sua parede é A Dama de Azul, não foi vi mamãe na pintura. últimas vezes que — É. Uma Licer Fernando estava Foi a última obra de arte que pude ver. seis Ele os acidente. quado pintou em nossa casa por ocasião de mamãe, do além retrato dros que Curtis colocou na exposição, durante esta estada. A Dama de Azul foi feita em segredo. Quer dizer, sabíamos que ele estava pintando, mas ele não permitia manhã do dia em que que ninguém visse. Só revelou a obra na

das

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sofri o acidente. Foi a coisa mais bonita que eu já vi. Mas minha mãe era mesmo linda, Charlotte. A pintura representa muito para mim. Por fim, Charlie compreendeu! Mas havia ainda uma certa atmosfera intrigante na pintura, um clima romântico que ela percebera desde que a vira. — Há mais coisas, não é? Algo que você não me contou? — Sim, mas é um pouco de especulação e... bem, isso é outra história. Charlie não insistiu. Era provável que nunca chegasse a ouvir o restante da história. — É melhor eu ir agora, está ficando tarde. O telefone tocou e Chris atendeu depressa. — Chris Maxwell. Oh, alô, James. É claro que eu estava esperando. Bem, combinamos lá pelas oito horas. Sim, eu posso me aprontar às sete, se você prefere... Ótimo. Não, eu não estou tentando me livrar de você. Tenho uma visita e ela está de saída. Até mais tarde. — Chris desligou o telefone, sorrindo. — Era o meu mais recente... — Mais recente? — Namorado. Não que eu tenha tido muitos. Não faça uma idéia errada de mim. — Ah! E ele é... bem... — Se ele é cego? Não. É o radialista que transmite os noticiários na estação de rádio local. Eu o conheci há algumas semanas, quando apresentei uma palestra. Dizem que ele é uma graça. — Você também é. — Espero que sim! — E Curtis sabe sobre isso? — Ainda não. Talvez eu fale de James, ou talvez não diga nada. Eu cuido de minha própria vida, Charlotte. Curtis precisa aprender isso. -

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CAPÍTULO XIV

Só na terça-feira Charlotte conseguiu resolver suas férias. Ofereceram-lhe três opções, entre as quais Charlie escolheu um hotel no sul da Espanha. Depois de conversar com a garota da

virou-se agência de viagens pelo telefone, confirmando a reserva, para a secretária. — Bem, Linda, há notícias boas e ruins. A ruim é que vou ter de pagar um preço adicional, porque só me conseguiram um quarto para três pessoas. — E as boas? de — O hotel é ótimo e o avião sai de Heathrow em vez mim. Gatwick, o que é mais conveniente para — E qual é a cidade? — Fuen... Fuengi... — Fuengirola. É perto de Marbella, bem no meio da costa sul. Vai pegar bastante sol por lá. Você fala alguma coisa em espanhol? — Si, si! — Só isso? — Si! As duas riram às gargalhadas. mais uma palavra: — Bem, acho que é melhor você aprender de sangue quente, dos espanhóis no! Sabe o que dizem a respeito conhecer alguém. bem poderia você que não? Mas, falando sério, Sabia Charlotte. de que seria difícil do rosto O sorriso sumiu Curtis. substituir alguma pessoa — Esqueça isso, Linda. Eu estou bem assim. Aquela afirmação não era de todo mentirosa. Charlotte continuava trabalhando em ritmo normal e até ria de vez em quan104


do. Mas, por dentro, sentia-se esmagada por tanta emoção, desejo,

esperança...

— Vou falar com o sr. Grant. O agente de viagens quer meu cheque ainda hoje e, assim, terei que sair mais cedo. A loja fecha às cinco e meia. Edward Grant cumprimentou-a como se não a visse há dias. — Bom dia, Charlotte! Entre! O bebê deu o primeiro pontapé ontem! Eu disse a Janice que deveria ter telefonado para me contar. Só soube quando cheguei em casa à noite. Charlie sorriu: A felicidade do patrão era contagiante e invejável. — Isso é maravilhoso, sr. Grant. Janice está bem? — Está ótima! Ela vem almoçar comigo hoje. Você vai poder vê-la.

— Que bom. Sr. Grant, será que eu poderia sair mais cedo? Tenho que acertar os últimos detalhes de minhas férias até as cinco e meia. — É claro. Saia na hora que quiser, Charlotte. Conversaram por alguns minutos, a respeito da viagem para a Espanha, mas não se tocou no nome de Curtis Maxwell. Na sexta à noite, Charlie telefonou para a mãe. Viajaria no dia seguinte e ainda tinha tantas coisas para fazer! Precisava passar roupa, pregar botões e encontrar as chaves da mala. — Anotou, mamãe? — Anotei, mas não sei por que precisaria entrar em contato com você. Não há ninguém doente. De qualquer forma, fico mais trangúila sabendo onde você está. — É claro. Eu preciso desligar agora. Ainda não acabei de arrumar as coisas. — Ah, Charlotte, fico chateada por ver você viajar sozinha. — Não se preocupe. Eu vou aproveitar bastante. Já lhe expliquei por que não convidei ninguém para ir comigo. Estou precisando descansar. — Não acreditei nisso. Charlotte sentiu-se envergonhada. Não esclarecera a situação com sua mãe, evadindo-se cada vez que ela perguntava de Curtis. Agira errado. Seu relacionamento com a mãe sempre fora sincero e aberto. Deu um suspiro e tentou corrigir-se: 105


— Desculpe, mamãe. Preciso mesmo de descanso, pois trabalhei muito este ano. Mas não quero companhia e isso é tudo. A verdade, como você já deve saber, é que ainda não esqueci Curtis. Eu não queria terminar, foi ele quem quis. — Mas por quê? — Porque... porque ele não é do tipo de homem que quer se casar. Para uma conversa ao telefone, aquilo bastava. Além disso, já não importava entrar em detalhes. Curtis a havia deixado e não voltaria mais. Muito tempo se passara para que continuasse alimentando esperanças. As dez da noite, ainda passava roupa. Tudo o mais estava em ordem. Quando a campainha tocou, soltou um suspiro de impaciência. Geoffrey já havia se despedido e dissera que ia jantar fora, mas, com certeza, tinha desmarcado o compromisso. — Oi! Vim ver se precisa de ajuda. Quer que eu sente em cima de alguma mala? — Entre, seu bobo! Não estou levando tanta coisa. — Ah, não? Então por que está passando tudo isso? — Só estou levando... — ela interrompeu-se, de repente, lembrando-se de como Curtis brincara com ela a respeito da bagagem no dia em que viajaram juntos para Kendal. Aquela era uma das maiores dificuldades com que se via obrigada conviver. As recordações voltavam o tempo todo... Beijos, conversas, passeios de mãos dadas, a maneira como ele brincara no dia em que a vira com a roupa da peça... — Por que você não saiu com o pessoal? Geoffrey sentou-se em uma poltrona, parecendo aborrecido. — Era para sair com uma garota. — E o que aconteceu? — Ela não apareceu. É uma tola! Não sabe o que está perdendo. — Bem, já que está aqui, faça alguma coisa útil. Que tal preparar um café? :

Eram sete horas da manhã quando Charlotte saiu de casa, com o passaporte na bolsa. Chegou a Heathrow com tempo de folga, para o caso de haver algum problema com a passagem. 106


Não houve qualquer contratempo. O vôo para Málaga foi tranqúilo, mas não inteiramente sem novidades. O homem que sentou-se a seu lado falava sem parar, mesmo quando ela fechava os olhos, fingindo que tentava dormir. Charlie deu-lhe uma nota bem baixa pela irritante técnica de sedução e colocou-o no time dos chatos, apesar da boa aparência. Tinha cerca de trinta anos, viajava sozinho e, felizmente, não ia para nenhum lugar perto de Fuengirola. Enquanto esperava pela bagagem no aeroporto de Málaga, porém, chegou à conclusão de que devia sentir-se lisonjeada. O homem estava parado a alguns metros dela, sem mais qualquer intenção de conquistá-la. E era de fato bastante atraente. Sem dúvida, ele sabia que havia muito mais peixes no mar. Por que ela não conseguia pensar do mesmo modo? Ao sair da alfândega à procura de um táxi, deparou-se com uma multidão de motoristas, competindo, com entusiasmo, pelos passageiros. Escolheu um rapaz com rosto confiável e pediu que a levasse ao Hotel Villa Rosa, em Fuengirola. Sentou-se no banco de trás do carro e relaxou. Sentia-se mais animada. O sol brilhava com força em um céu azul sem nuvens. O silêncio também a agradava, diferente da tagarelice que tivera de ouvir no avião. O motorista parecia não ser do tipo conversador, mas também, mesmo que quisesse falar, não chegaria a lugar nenhum. As únicas palavras que Charlie sabia em espanhol eram si e no. Falava francês com fluência, mas isso não lhe seria muito útil ali. Concentrou-se no cenário, recusando-se a deixar os pensamentos vagarem, porque acabara de pensar na França. Sul da França. À sua direita estavam as montanhas da Sierra Blanca e, à esquerda, o azul magnífico do Mediterrâneo. Passaram por várias cidadezinhas, separadas por longas extensões de campos e praias. Muito espaço ocupado por hotéis, pensou Charlie com tristeza, pensando em como seria aquele lugar vinte ou trinta anos atrás. Com certeza, pequenas vilas de pescadores, livres da invasão de turistas em busca de sol. O Hotel Villa Rosa surgiu cerca de uma hora após deixarem o aeroporto. Charlie ficou ainda mais entusiasmada. Os apartamentos eram dispostos em três blocos, em forma de “U”. No E

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centro havia uma piscina, de um azul faiscante sob o sol, cercada por árvores, espreguiçadeiras e mesas. Plantas cresciam por toda a parte, em tons brilhantes de violeta, azul e amarelo. Havia um bar coberto por um toldo vermelho e branco e uma placa apontando para o restaurante, no andar térreo do bloco central, Charlotte pagou o motorista e deixou que o rapaz da recepção carregasse suas malas para dentro. Foi encaminhada a um apartamento no primeiro andar. As janelas abriam para o sol e as paredes eram brancas para dar uma sensação de frescor. A mobília era típica espanhola. Charlie desfez as malas e debruçou-se no parapeito da janela, apreciando a paisagem. No terceiro dia escreveu postais, esperando que chegassem à ficar chateada Inglaterra antes dela. No quinto dia, começava sair convidada sozinho. Fora pessoas com por estar para por de racasais e um alguns grupo piscina: na conversara quem satispazes. Gostara da companhia, embora aquilo ainda não a

a

fizesse. Foi no oitavo dia que recebeu um telefonema.

— Sefiorita? Teléfono! Charlotte estava estendida ao sol. Fora apenas uma vez à praia, porque preferia nadar na piscina. Olhou através dos óculos escuros para o rapaz que viera chamá-la. — Para mim? Tem certeza? — Si, si. Para sefiorita Charlotte Graham. Não havia engano. Charlie levantou depressa, enrolando-se teleem uma toalha. Devia ter acontecido algo sério! Só dera o fone para sua mãe! Seguiu o mensageiro e correu para a cabine telefônica que lhe foi indicada. O telefone estava mudo. Charlie pôs a cabeça para fora da cabine e chamou a telefonista. — Não há ninguém na linha. — Era uma mulher. Pediu para falar com você. Cinco minutos mais tarde, Charlotte voltou para a piscina. A linha continuava muda. Tentara ligar para casa, mas não tinha conseguido. A telefonista explicara que, durante as féias, às vezes as linhas telefônicas internacionais ficavam sobrecarregadas. Precisava esperar um pouco e tentar outra vez. 108


Deitou-se na espreguiçadeira, sem conseguir relaxar. Pegou o relógio na bolsa e protegeu os olhos do sol. Eram onze e meia de um domingo. Recostou-se e fechou os olhos, preocupada. Por que sua mãe teria ligado? Alguma coisa ruim devia ter acontecido. Mais dez minutos se passaram e ela resolveu que voltaria à cabine para tentar de novo. Estava guardando o relógio na bolsa quando o viu. Seu coração disparou. Paralisada, com os lábios entreabertos e a expressão incrédula, observou Curtis caminhar em direção a ela. Apenas quando a sombra dele lhe cobriu o corpo, Charlie teve certeza de que a presença era real e não um produto da imaginação. — Oi, Charlotte. Tenho sido um completo idiota. Podemos conversar?

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CAPÍTULO

XV

Caminharam em silêncio até a sombra do prédio. Charlotte ainda não conseguira pronunciar nenhuma palavra, tão surpresa havia ficado. Sentia as pernas bambas e, em sua mente, havia uma confusão de perguntas e dúvidas. — Sehiorita! A senhora inglesa está na linha outra vez — chamou a telefonista. Charlie deixou Curtis e correu para as cabines telefônicas. Já imaginava o que poderia ter acontecido. — Alô. É você, mamãe? — Charlotte? Oh, graças a Deus! Tentei falar com você ontem à noite, mas não a encontrei no hotel. Você está bem? — Estou. O que aconteceu? — Liguei para avisar que talvez você receba um telefonema de Curtis. Ele me ligou da França a noite passada e perguntou onde você estava. Não tive como me esquivar, querida. Será que fiz mal? — Ele está aqui, mamãe. Chegou há uns cinco minutos. — Está aí? Em pessoa? — É, em pessoa. — Ah! Como ele conseguiu tão depressa? Bem, vou desligar então. Boa sorte, meu bem, digo isso do fundo do coração. Charlie desligou o telefone pensando como Pauline havia acertado ao lhe dizer que o mundo não era tão simples como ela imaginava. Fora tão ingênua! Mas agora não era mais. Aprendera muitas coisas em pouco tempo. Curtis a esperava fora da cabine. — Era minha mãe. Telefonou para avisar que você poderia me procurar hoje. :

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— Passei o dia de ontem tentando ligar para seu apartamento. Não sabia que você estava de férias. Por fim resolvi ligar para seus pais, achando que você tinha ido passar o fim de semana com eles.

Charlie evitava encará-lo. Esperança e medo misturavam-se dentro dela. Apenas ao entrarem no quarto do hotel ela teve coragem de olhá-lo de frente. Curtis estava bronzeado e a camisa, manchada de suor, Era espantoso vê-lo vestido de jeans e com os sapatos sujos de areia. -— Como você chegou aqui, Curtis? Parece ter caminhado muito. Charlotte estava parada no meio do quarto, sem saber onde pôr as mãos. Curtis ficou a alguns metros dela, com uma aparência tensa. — Estava na casa de um amigo, na França, e ele tem um helicóptero. Pedi que me trouxesse, pois nesta época é impossível arrumar vaga em um vôo comercial. Pousamos na praia e vim andando até aqui. A tensão diminuiu. Mesmo sem querer, Charlie começou a rir. Curtis aproximou-se e tomou-a nos braços. — Oh, Charlotte, Charlotte... Ela fechou os olhos, ainda sem acreditar no que acontecia. Encostou a cabeça no peito dele, entregando-se à segurança daquele abraço. — Vou pegar algo para beber. Você deve estar com sede. Tenho cerveja na geladeira. — Ótimo. Onde posso me lavar? Charlotte apontou o banheiro. Encheu dois copos com cerveja e colocou-os na bandeja, juntamente com mais duas latas fechadas. Estava calma agora. Então, pensou em Chris e apoiou-se contra o guarda-roupa. Rezou para que ela não fosse responsável por Curtis estar ali. Se ele tivesse ligado para Chris na véspera, se ela tivesse lhe contado... — Querida? Deixe que eu pego isso. — Ele tirou-lhe a bandeja das mãos, colocou-a sobre a mesinha e puxou uma cadeira para sentar-se. Bebeu a cerveja de uma vez e tórnou a encher o copo. — Obrigado, eu precisava disso. Charlotte, você pode me perdoar? Eu sei o que a fiz passar. — Por que você veio me procurar? O que quer me dizer?

4


— Que eu te amo. Que não posso viver sem você. Ou melhor, eu não quero viver sem você. Quero que você seja minha esposa, a mãe de meus filhos, minha companheira, amiga, amante. Quero que você me faça completo. Preciso de você. Charlotte percebeu a emoção na voz dele. Fechou os olhos e moveu a cabeça para cima e para baixo, lentamente, num gesto de compreensão. Quando levantou o rosto, as lágrimas lhe escorriam pelas faces. — E Chris? — É, eu mereço isso. — Não foi o que eu quis dizer. Você não pode pensar que eu o estou acusando! Por quê? Por você amar sua irmã e preocupar-se com ela? Não acha que eu o admiro por isso? Não sabe que é uma das muitas razões pelas quais eu te amo? — Mas... — Nada de mas. Não há necessidade de explicações. Eu compreendo. Nunca concordei com você, mas entendo seus motivos. Ele a fitava com uma expressão inconfundível de amor. — Meu Deus, como eu fui estúpido quando fugi de você! Charlie o interrompeu, colocando a mão sobre seus lábios. Precisava saber se Curtis estava ali por vontade própria ou porque Chris o havia persuadido a vir. Se ela houvesse tido qualquer influência, preferia que fosse embora novamente. — O que Chris diz disso tudo? — Disso o quê? — De nós. Sobre seu desejo de casar-se comigo. Ela gostou da idéia? — Ela não sabe. Chris nem sabe que estou apaixonado por você. Faz muito tempo que não falo com ela. Charlie começou a rir, enquanto as lágrimas continuavam a escorrer-lhe dos olhos. — Oh, Curtis! Venha, me abrace. Ele obedeceu de boa vontade, abraçando-a como se estivesse afastar. Charlie envolveu-lhe o pesdeterminado a nunca mais coço com os braços, molhando a camisa dele enquanto chorava de felicidade. — Charlotte, não estou entendendo bem...

se

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Ela decidiu que era muito importante responder com sinceridade. Não deveria mais haver mentiras ou segredos entre os dois. — Estou aliviada, meu amor. Eu... eu não tinha certeza se você estava aqui pelo motivo certo, isto é, por me amar o suficiente. O que quero dizer... — Acho que sei o que você quer dizer. Você pensou que eu poderia ter discutido isso com minha irmã. Sabe muito bem o teria dito, não é? Você estava certa sobre Chris, quando que disse que ela ficaria horrorizada se pudesse ouvir o que eu lhe dizia. Tinha toda razão, Charlotte, e eu já sabia disso. Mesmo quando rejeitei seus argumentos, eu sabia que estava certa. Tudo o que você me disse eu já tinha ouvido da própria Chris, muitos anos atrás. Você deve achar que minha atitude em relação a ela é doentia,

ela

— É, eu penso, sim. — Concordo, mas coloque isso no passado. Eu mudei, Charlotte, Vou lhe explicar o que me aconteceu desde aquela noite em que a deixei. Mas, primeiro, tenho que lhe dizer uma outra coisa. Nunca precisei de ninguém em minha vida e a descoberta de que precisava de você foi um choque. É uma experiência nova para mim. Talvez até tenha transferido isso para Chris. É claro que ela precisa de mim, mas não da forma como eu imaginava, É como você me disse: ela precisa de mim como um irmão e é assim que vai ser daqui para a frente. Ela não é nem um pouco indefesa. Eu sempre a vi como minha irmãzinha que precisava de cuidados porque era cega e também porque isso era conveniente para mim, na medida em que não me forçava a pensar em minha própria vida. Não é fácil olhar para dentro de si mesmo. Foi sempre assim, embora Chris não parasse de lútar contra esse meu comportamento. Isso acabou agora. Por fim, consegui me perdoar. Aceitei emocionalmente o que minha razão já sabia: o que aconteceu com Chris foi uma fatalidade, um acidente. — Oh, Curtis! Estou contente por você! — Mas tem mais, Charlotte. Eu a fiz sofrer muito e você tem que saber que havia mais coisas envolvidas em meu rompimento com você do que a preocupação com Chris.

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Ela mordeu o lábio. Por intuição, sentira que Curtis tinha

outras razões além das que apresentara. Chris também devia ter suspeitado, pois mostrara certa dificuldade em compreender o comportamento do irmão. Curtis contou-lhe a história do noivado com Julie Stevenson € da súbita morte dos pais. — Foi uma experiência estranha a que tive com Julie. Depois voltei para que Chris saiu de casa e foi para Forest Hill, eu última vez que vira Julie Cambridge. Tinha na memória que a mais. Quando não estava estava louco por ela. De repente, já lembrava do me ela, olhei já nem voltei à universidade e para eu lhe peço Agora fascinado tanto naquela garota. havia que me aconteceria de mesmo o certeza tinha que quase desculpas, mas dezessete ou dezoito você você. Entre Julie e passaram-se com de uma afetou mulher me nenhuma todo Em esse tempo, anos. maneira digna de nota. — Apenas porque você não deixou que isso acontecesse. Como — Ah, é? Então como foi que eu caí no seu anzol? estou Por acontecerem? coisas que deixei as que desta vez eu casamento? aqui pedindo-a em Charlie sorria. Quem poderia responder àquelas perguntas? Quem saberia dizer por que as pessoas se apaixonavam? você ter a — Hum... Talvez por eu ser muito especial e brincou. encontrado — grande sorte de ter-me senti por — Exato! Eu estava apavorado, Charlotte. O que estive Quando em você. Julie nem se compara ao que sinto por senti tanta Nunca direito. Nova York, nem conseguia pensar falta de uma pessoa. Fiquei furioso por me descontrolar daquela você e maneira. Muitas vezes peguei o telefone para falar com acosnão estava e forcei-me a desligar. Eu me sentia dependente Para você. sentimentos por tumado com isso. Lutei contra meus esquecê-la conseguiria achava que ser franco, naquela ocasião eu minha fascinação depois que a levasse para a cama. Pensava que física. por você envolvia muito a parte — E envolve. — É claro, bruxinha! Mas eu amo sua cabeça tanto quanto de maneira seu corpo. A prova disso é que fizemos amor e coisas aconteMas as O interesse. alguma isso me fez perder

foi

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ca. ceram muito rápido, entende? Eu não acreditava que todo aquele amor pudesse ser real, que pudesse durar. Casar com você ainda não tinha entrado em meus pensamentos. — Eu sei. Eu fui muito precipitada. Charlie baixou a cabeça. Compreendia-o muito bem. Curtis era um homem complexo, que vivera tanto tempo com uma determinada atitude mental que esta se tornara um hábito. — Eu sempre fui muito rígido em minhas idéias. Acho que tinha que me adaptar à nova situação. Ou melhor, tinha que aprender a aceitar o que havia me acontecido. Em outras palavras, srta. Charlotte Amanda Graham, estou sob seu poder. Sou louco por você. Preciso de você e adoro esta sensação. Agora, venha aqui... — Não. — O que você disse, mocinha? — Eu disse não! — Rindo, Charlotte foi até a geladeira pegar mais cerveja. — Acha que vou deixar você me beijar sem que me explique por que saiu com Patty Loxley, estando apáixonado por mim? Eu acho que não vou acreditar em nenhuma

rolavra...

— Sua boba! Curtis abraçou-a pela cintura. Charlie resistiu só um pouco antes de virar-se para ser beijada, um longo e desejado beijo. — Mas O que eu estava dizendo? Ah, a outra mulher! — E quanto a você, sentada na platéia com Geoffrey Hemmings? Então ele a tinha visto! — Mas isso é diferente! Era apenas Geoffrey. — E era apenas Patty, que eu acho tão interessante quanto uma folha de papel em branco. — Então por que saiu com ela? — Porque ela me telefonou e fez o convite, embora eu ache que depois se arrependeu. Eu não fui uma boa companhia, saí apenas porque precisava de distração. Naquela noite em que a vi no balé, decidi que era melhor afastar-me de Londres. Fui para Amsterdam na semana seguinte, fingindo que era uma viagem de negócios. 115


Ele a abraçou outra vez, buscando-lhe a boca. — Espere, Curtis. Agora não. Que tal sairmos para comer? Estou com fome. — Se você prefere assim...

— Você trouxe roupa para trocar? lá — É claro. Minha mala está na recepção do hotel. Deixei antes de procurá-la na piscina. — Bem, Curtis, o que vamos fazer agora? de — Como assim? Não estou acompanhando sua linha pensamento. — Sobre nós. de — Ah! Ora, é muito simples! Primeiro, vamos trocar você liga para roupa e sair para almoçar. Quando voltarmos, possível. mais depressa o nos casar avisa vamos e que seus pais Diga a eles para irem providenciando os papéis. — Certo. E depois telefonaremos para Chris e lhe daremos a boa notícia. E aí? não conseguirmos — Vamos tentar as companhias aéreas. Se um Ou dois contato com em entrar vagas para amanhã, vou disso der certo, nada Se carona. uma amigos e ver se arrumamos avião. fretar um eu posso — Fretar um avião? Ficará muito caro! Talvez — Isso não é problema, mas acho que você tem razão. luaté arrumarmos dias, possamos ficar aqui mesmo por uns sol, tudo precisamos: o Temos que gares em um vôo comercial. mar, uma bela piscina e... três camas. Charlie riu de felicidade, antecipando o prazer que desfrutaria com aquele homem. Seria delicioso tê-lo só para si, por tempo castanhos. integral. Beijou-o de leve, acariciando-lhe os cabelos sair. — Agora vamos trocar de roupa e Não comeram no hotel. Passearam ao longo da praia, até livre. encontrarem um restaurante simpático com mesas ao ar satisfeita ao Charlotte comeu com o apetite usual, suspirando fim da refeição. pousar os talheres no prato vazio, ao dois! Você come razão. Seu tem por pai — comida. fortuna em lhe custar uma — Vou — Imagine quando estiver grávida... 116


A

— Engraçadinho. Curtis, eu estive com Chris no fim de semana antes de viajar. Ela me telefonou e disse que queria falar comigo.

Curtis não pareceu surpreso. — Ela deve ter estranhado meu comportamento nos últimos tempos. — Sua irmã sabia exatamente o que estava acontecendo com você.

— Chris sabe que eu estou apaixonado por você? — Claro que sabe. Ela é uma mulher impressionante. Deram-se as mãos sobre a mesa e ela lhe contou a conversa que tivera com Chris. — Bem, então você já sabe de tudo. — Só falta uma coisa. Você me contaria sobre Fernando Licer? Estou muito curiosa! — Ah, é? E o que você quer saber? — Chris me contou sobre A Dama de Azul. Entendi por que o quadro significa tanto para ela. É pelo fato de ser sua mãe que você não queria qualquer publicidade a respeito da pintura? — Em parte. Foi idéia de Chris. Ela não queria ser perturbada com perguntas sobre o quadro e nem com propostas de prováveis compradores. Você sabe que o trabalho de Licer está muito valorizado e, daqui a alguns anos, vai valer uma fortuna. Mas eu e Chris nunca nos desfaremos dessa pintura. — E o que mais? — Está curiosa mesmo, não é? — Estou. O que mais há por trás deste quadro? — O resto é especulação. — Chris disse exatamente as mesmas palavras. E claro. Nós dois passamos horas especulando juntos. — Sobre... sobre Licer e sua mãe? Ele estava apaixonado por ela? — Como percebeu? Estudou o retrato, não é? — Bastante. Mas percebi logo que olhei para ele. Cada pincelada era uma carícia. — Você tem uma boa intuição. É verdade. Acho que não há dúvidas de que ele gostava de minha mãe. Quanto a ela... é aí que começa a especulação. Eu e Chris só tínhamos dez anos na ocasião. Não sabemos se aconteceu algo entre eles enquanto -——

"7


se

Licer ficou em nossa casa. Papai o conheceu em alguma questão profissional e pagou-lhe para que pintasse o retrato de mamãe. Só que ele ficou conosco muito mais do que o planejado... — As outras seis pinturas da exposição foram feitas antes, não é? Agora eu sei que representam a casa e os arredores. É por isso que elas são mantidas separadas do resto da coleção? — Exato, mas já superei mais esta ligação com o passado. O empréstimo para a exposição foi o primeiro passo. Acho que está na hora do mundo das artes poder apreciá-las melhor. É uma justiça que faço com os admiradores da pintura e com o próprio artista. Licer adorava a casa, por isso fez os quadros. Ou talvez porque quisesse ficar mais tempo perto de mamãe. Coitado, morreu no ano seguinte, de ataque cardíaco. Porém, de uma coisa estou certo: se mamãe teve um caso com ele, foi muito discreta. Ninguém soube de nada. — Chris disse que seu pai a adorava. — É verdade. E eu acredito que ela sentia o mesmo. Agora vou lhe falar sobre a casa. — Sua casa? Ele tomou-lhe ambas as mãos e levou-as aos lábios. — Nossa casa, se preferir. Sei que você ainda não a conhece, a não ser pelo quadro, mas o que acha de morarmos lá? É um lugar lindo. — De que tamanho ela é? Quantos aposentos tem? Curtis respirou fundo antes de começar. — Tem onze quartos, uma sala de jogos, seis banheiros e no andar térreo há... — Chega! Ainda não saí dos onze quartos! Sua primeira reação foi dizer não. Era grande demais! Mas o que isso significava para ele? Vinha mantendo a casa há tantos anos... E, era claro, pensava em Chris também. Ela conhecia muito bem a residência e, com certeza, seria uma visita regular depois que se casassem. — Charlotte? — Eu... eu não sei o que dizer. — Isso não é verdade. Você está pesando todos os prós e contras. — Oh, Curtis! Como pode me conhecer tão bem?

tI8


fica

-

io

A — Intuição. Agora me diga o que seus instintos estão lhe dizendo. — Que poderíamos encontrar uma casa nova. — Eu concordo. Curtis parecia aliviado e ela também estava. Tinham que começar por um caminho diferente, livre das sombras do passado. Charlie inclinou-se em direção a ele e acariciou-lhe a coxa. — Eu te amo, Curtis. — Eu também, mas lembre-se de que estamos em um lugar público. — Eu só estava pensando no número de quartos... Curtis segurou a mão dela e colocou-a sobre a mesa. — prefiro pensar na cama do-seu quarto do hotel. — Quantos filhos será que vamos ter? — Bem, parece que estamos pensando mais ou menos a mesma coisa. Que tal começarmos logo? — sugeriu Curtis, fazendo um sinal para que o garçom trouxesse a conta. Eu

Dois dias depois,

estavam em um avião a caminho de Manchester, a cidade mais perto de Kendal com um aeroporto internacional. Haviam conseguido dois lugares na primeira classe pela British Airways. Os pais de Charlotte já estavam avisados e encaminhavam-se ao aeroporto para recebê-los, sem dúvida satisfeitíssimos. A filha ia casar-se e, além disso, completava vinte e quatro anos no dia seguinte. Tinham muita coisa para comemorar. Chris não demonstrara surpresa ao ser avisada. O telefone passara da mão de um para o outro enquanto ela falava, para que ambos pudessem ouvi-la. — Já era hora, não acham? Parabéns e tudo o mais, mas eu vou precisar desligar. Desculpem-me, mas James vai chegar daqui a vinte minutos e eu ainda nem me vesti. Vocês me pegaram saindo do chuveiro. Muitos beijos para os dois. Depois que desligaram, Curtis voltara-se para Charlie, intrigado. — Quem é James? — Por que não esperamos para ver? A aeromoça aproximou-se deles com um balde de gelo, no qual havia uma garrafa de champanhe. Maravilhada, Charlie 119


a

viu Curtis pegar a garrafa e encher duas taças, entregando-lhe uma delas. — Em comemoração aos nossos últimos dias de solteiros! se arrependeu! — Não vá me dizer que — Meu amor, pode parecer incrível, mas eu nunca estive tão ansioso para ir a um casamento. Beijaram-se com a calma de um amor sem receios, certos de que nada mais poderia separá-los.

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Uma história de paixão e amor! Edição 361

“as Sara Craven

“Deixe de evasivas, Nick. Eu sei... Sei que você tem visto Melanie em segredo...””, disse Alison com voz

trêmula, quase chorando. A idéia de Nick se encontrar com outras mulheres magoava Alison profundamente. A idéia de Melanie, sua própria irmã, estar envolvida com ele era duzentas vezes pior! Como resolver aquela situação? Fugir, isolar-se, morrer?... Mas Alison agora trazia um filho de Nick no ventre...


Uma história

“Quero que sejamos mais do que amigos, srta. Winfield!” As palavras de Alexander Keith soavam insistentes aos ouvidos de Mallory. Ela ainda tinha na memória o gosto do beijo que trocaram sob o luar. Sentia-se tentada a sucumbir ao fascínio daquele homem que repentinamente entrara em sua vida e lhe agitara o coração. Mas tinha que resistir! Um simples toque de Alex, e pronto: já seria o suficiente para fazê-la esquecer seus princípios e perder-se num mar de desilusões.

a


Er

Uma inesquecível

história de amor!

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E |

Uma promessa no olhar an Peake como Madoc era umrisco. Linsey decidiu enfrentar tudo por ele!

Ao conhecer Madoc Morgan, Linsey teve a certeza de que encontrara o grande amor de sua vida. Alto, forte, atraente, ele era a própria materialização do sonho de uma mulher apaixonada. Só que Linsey percebeu que não seria fácil conquistá-lo. Havia outra em seu caminho, o que fazia de Madoc um homem distante... Mas ela estava decidida: teria seu amor de qualquer jeito!

Toda semana

nas bancas!


Que segredo obrigava Curtis a condenar-se à solidão?

Claudia Jameson Charlotte permaneceu imóvel,

olhando pela janela a rua deserta. “Eu vim para dizer adeus”, Curtis falara, antes de sair batendo a porta.

era

Como possível perdê-lo, depois dos momentos de avassaladora paixão que haviam acabado de viver? Quase como uma resposta, a imagem do quadro tornou-se nítida em sua memória. 4 Dama de Azul... Por que ele se recusara a dizer-lhe quem era aquela linda mulher retratada na pintura? Estaria ali a chave do mistério que cercava a vida de Curtis Maxwell?


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