ANDAIRA FELICIANO - Monografia

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INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE GRADUAÇÃO EM MODA

CANGAÇO: E o processo criativo da sua estética

Belo Horizonte 2016 /1


ANDAIRA CASTRO FELICIANO

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CANGAÇO: E o processo criativo da sua estética

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do título de bacharel no curso de Graduação em Moda do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário UNA. Orientador: Aldo Clécius ÁREA DE PESQUISA:

LINHA DE PESQUISA: _________________________________

BELO HORIZONTE 2016 / 1


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AGRADECIMENTOS

A Sofia, luz da minha vida, que piedosamente compartilhou o seu tempo entre cada palavra deste trabalho e as suas brincadeiras.


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*** A epígrafe é opcional ***


5 RESUMO

O cangaço foi um movimento social pertencente à região que compreende o nordeste brasileiro, principalmente de clima sertão e vegetação caatinga, onde as chuvas são escassas em grande parte do ano e passam por longas secas, que podem variar em anos sem chuva. Mas o que o levou a se tornar o assunto desta pesquisa do tipo bibliografia/exploratória não foram os motivos do cangaço existir, mas sim a construção de uma indumentária única que faria parte da estética do cangaço, a qual era repleta elementos representativos. A pesquisa não se estende a um período histórico que seja irrelevante, justo é dado que ela será toda dentro dos anos de 1920 a 1938, o período o qual o cangaço de Lampião nasceu e teve todos os motivos necessários para a criação da estética do cangaço. Neste instante, ela abrangia as roupas utilizadas por todos os membros do bando, e os acessórios, que foram o que realmente os tornaram símbolo de irreverencia. Diante de todos os aspectos que serão desenvolvidos, a pesquisa seguiu uma linha de interesse principal o campo da moda, onde estudar o contexto no qual Lampião estava inserido, investigar a estética do cangaço, pesquisar como as marcas, estilistas e coleções se inspiraram na estética do cangaço para criar moda e extrair elementos inspiracionais de moda a partir do cangaço responde a como estética do cangaço pode influenciar e inspirar as criações de moda? A importância deste estudo está em usufruir da cultura brasileira, e desfrutar de toda a riqueza de detalhes, elementos e simbologias presente em cada ponto deste país. Há também a necessidade de desvendar o que está por trás da criação da indumentária, ou seja, quais são os motivos que os levaram a fazer isso e esclarecer que quando diz estética perfeita, é pela subjetividade que todos os seus elementos a qual ela está ligada fazem sentido perante a meio social, histórico e econômico. Desta forma artigos, livros, fotografias e muitos autores foram estudados para se chegar ao objetivo principal e desvendar a indumentária do cangaço. Palavras-chave: Cangaço. Estética. Indumentária. Lampião. Moda.


6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÂO ........................................................ ......................................... 5

1.1 Tema ………………………………………………………………. 3 1.2 Problema …………………………………………………………... 4 1.2.1 Objetivo Geral ………………………………………….... 4 1.2.2 Objetivo Especifico …………………………………...…. 4 1.3 Justificativa ..................................................................... ................... 5 2 METODOLOGIA ................................................................................. .......... 5 3 CAPITULO 1: O Cangaço .................................................................. ........... 7 1.1 Contextualizando o cangaço ..................................................................7 1.1.2 Conhecendo o cangaço ............................................ ............ 9 1.1.3 O universo sertanejo .................................................. .........11 1.1.4 O homem sertanejo .................................................... ........ 13 1.2 Virgulino Ferreira da Silva: de Alma e Coração ....................... ........14 1.2.1 E surgiu Lampião ......................................................... ........17 1.2.2 De alma cangaceira .................................................... ........ 20 CAPITULO 2: Construindo uma estética ............... ........................................ 22 2.1 Desenvolvendo uma indumentária ...................................... ............. 25 2.2 O imaginário do feminino: As mulheres no cangaço .......... ............. 32 2.2.1 Masculino e feminino: idealização da indumentária ......... 37 2.2.2 Símbolos, Signos e Significados ........................... ............ 43 2.2.3 Do chapéu a alpercata de rabicho ....................................... 48 2.2.4 A mescla de cores: os bornais e a jabiraca ......................... 59 CAPITULO 3: Criando Moda .................................................................................... 63 3.1 A pesquisa em Moda ................................................................................... 65 3.2 O planejamento de coleção e a profissão do designer ................................ 68 3.3 O design de uma coleção ............................................................................ 70 CAPITULO 4: O cangaço como inspiração criativa ................................................ 75 4.1 O cangaço de Zuzu Angel .......................................................................... 75 4.2 O sertanejo cangaceiro de Ronaldo Fraga ................................................... 77


7 4.3 O cangaço dark de Alexandre Herchcovitch ............................................. 80 4.4 O cangaço da Fórum .................................................................................. 83 4.5 A dupla conterrânea do cangaço ................................................................ 84 4.6 Amir Slama para Rosa Chá celebra a união do cangaço ao maracatu....................................................................................... 88 4.7 Nippo-cangaço .......................................................................................... 90 4.8 A feminilidade de Helô Rocha junto ao cangaço ...................................... 93 CAPITULO 5: O Processo Criativo de Moda ........................................................ 94 5.1 Apresentação.............................................................................................. 97 5.2 Discutindo o tema ..................................................................................... 98 5.3 As flores do cangaço ................................................................................ 99 5.4 Desenvolvendo o conceito ........................................................................100 5.4.1 Escolhendo a estação .................................................................101 5.4.2 Escolhendo as Silhuetas ............................................................ 101 5.4.3 Escolhendo as cores .................................................................. 102 5.5 Matérias-primas ........................................................................................ 102 5.5.1 O tecido e seu design ................................................................ 102 5.5.2 A criação das estampas ............................................................. 103 4 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 00 REFERENCIAS ....................................................................................................... 00 ANEXOS .................................................................................................................... 00 APÊNDICE ................................................................................................................. 00


I 1. INTRODUÇÃO

Os chamados de cangaceiros, devido a relação com a canga ou cangalho, isto é, o jugo dos bois, por carregarem em suas costas os seus rifles e em seu corpo tudo o que necessitavam, eram na grande maioria homens que sempre andavam armados e muitas vezes acabavam por espalhar medo a muitos lugares por onde percorriam por suas formas brutas de agir; viviam as custas de atacar comboios, sequestrar personalidades das época em busca de regaste, mas também ajudavam aos pobres e necessitados e dessa forma acabavam por serem foragidos das volantes (policiais da época), pertenciam aos grupos do movimento social denominado de cangaço, que ocorreu entre o final do século XIX ao início do XX no nordeste brasileiro. Se perguntarmos a derivação de tal movimento e desses homens, muitas são as explicações, mas as péssimas condições que o sertão era caracterizado e a, portanto guerra entre principais elementos: seca, política de coronelismo e condição social pode ser a mais concreta para tal fato. (MACIEL, 1985) Dentre todos os grupos de cangaceiros que atuavam pelo sertão nordestino, o que mais ficou conhecido na história foi o de Virgulino Ferreira da Silva, de apelido Lampião e mais conhecido como “Rei do Cangaço”, foi homem forte, viril, corajoso e romântico, que liderou o seu bando no período de 1920 a 1938 e fez a sua história junto ao movimento de maior importância para o nordeste brasileiro, criando, portanto, um legado do qual é lembrado até hoje. Mas o que realmente se tornará relevante para este estudo são as indumentárias utilizadas por Lampião e seu bando e a maneira como interpretavam a sua forma de vesti-las, criando, portanto, um estilo totalmente irreverente que se uniu a criação de uma estética única, a qual estava ligada a perfeição de objetos/acessórios e de estilo admirado por onde quer que percorriam. É de fundamental importância apresentar que para a construção desta estética única ligada ao pertencimento de seu estilo, há a presença incontestável de figuras que não estarão ligadas apenas ao tempo de cangaço de Virgulino, como todos os seus homens, Dadá e sua eximia habilidade com as indumentárias e os bordados magníficos, Maria Bonita, sua eterna paixão, mas também a sua família e a sua avó. Todos estes que junto ao nosso “Rei do Cangaço”


II formaram muito mais do que uma história de coragem, mas uma história ligada às indumentárias e a construção de uma figura lendária. De fato, as indumentárias utilizadas por Lampião, Maria Bonita e todo o seu bando foram tão únicas que acabaram por servir de inspiração para diversos estilistas no decorrer dos anos futuros, como por exemplo Zuzu Angel em seu desfile na cidade de Nova York no ano de 1970, Ronaldo Fraga em sua coleção outono-inverno de 2014, Alexandre Herchcovitch em 2014, a marca FÓRUM em 2001, Amir Slama para Rosa Chá em 2002, a dupla de nordestinos Roberio Sampaio E Roney George em ano, o jornalista Aldo Clécius e mais recente a estilista Helo Rocha no atual ano de 2016. Compôs também a pesquisas e desenvolvimento de figurino para várias obras culturais que retratam esse período na história do Brasil. Mas como estética do cangaço pode influenciar e inspirar as criações de moda? Buscando, portanto, pesquisar, analisar, ilustrar com fotos, para compor uma pesquisa rica na resolução do problema diagnosticado, a contextualização regional de acordo com a delimitação de um período exato, é essencial para que a pesquisa não se estenda a um período histórico irrelevante, ou seja, dos anos de 1920 a 1940 onde se tem a principal época de atuação do grupo de cangaceiros do Rei do Cangaço. A então compreensão da composição de mais do que apenas as indumentárias, mas da estética do grupo e do que influenciou seu processo criativo auxiliará na análise de como estilistas e coleções de moda são influenciadas e inspiradas no universo do cangaço. Esta monografia foi desta forma dividida em 5 capítulos, onde as suas subdivisões abordaram os diversos pontos referentes a composição desta pesquisa. O primeiro capitulo foi apresentado um estudo sobre todo o contexto social no qual o universo do grupo de Lampião estava inserido. Há portanto uma contextualização sócio histórica a partir da delimitação do período histórico brasileiro, dos anos de 1920 a 1940, período que deu origem a formação do grupo de cangaceiros de maior importância para a cultura nordestina-brasileira. Partindo dessa delimitação do período histórico é que foi construída os panoramas que descrevem os fatores que fizeram com que o movimento liderado pelo capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Capitão Lampião e como esse fenômeno vieram a ocorrer; os principais motivos no qual um simples homem se tornasse o cangaceiro de maior prestigio e de maior importância e todo o contexto regional-cultural no qual viviam.


III Ao decorrer do segundo capitulo ocorrerá a relação que o grupo de cangaceiros liderado por Lampião teve com as indumentárias, englobando, portanto, a construção de um estilo irreverente conjugado a uma estética única. Serão analisados os processos de criação e os passos que levaram a criação de tal fato, o porquê da criação de indumentárias únicas, a relação com a arte que o próprio Lampião tinha e principalmente a descrição e exposição de todas as características e também todos os envolvidos que levaram essa estética a se fundar de maneira tão solida que é reconhecida em panorama mundial. Já o terceiro capitulo foi exposto os passos para a criação e o desenvolvimento de uma coleção. Nesse sentido todos os pontos marcantes, tais como as pesquisas de moda realizadas, a busca pelo tema da coleção, o desdobramento de tal em cores, tecidos, texturas e diversos outros frutos que deem origem a croquis e futuramente as peças que serão comercializadas. O quarto capitulo foi o responsável em apreciar, panoramicamente, ou seja, apreciar o visual que compôs as criações para o mercado da moda, seja nas coleções criadas por marcas e estilistas com o tema do cangaço e todos os elementos que se derivaram dele, tais quais bordado, couro, tecidos, cores, entre diversos outros e de que forma foram apresentados. O quinto e último capitulo foi o responsável por apresentar a extração dos elementos inspiracionais para a criação de moda a partir do cangaço e como eles serão utilizados como fonte de ideias criativas a fim de serem transmitidos na criação e apresentação da proposta de coleção inspirada neste universo dos cangaceiros de Lampião.

1.1 Tema O tema proposto para este estudo parte do movimento social nomeado de Cangaço e faz um recorte ligado à história de formação do estilo irreverente e criação de uma estética única ligada às indumentárias. Para contextualizar esse fato, foi selecionado o período de 1920 a 1940, quando temos a eximia atuação de diversos grupos de cangaceiros no território sertanejo nordestino, que atuavam diversos fatores mas que não ficaram tão conhecidos como o principal e mais importante grupo de cangaceiros atuante neste período citado acima, o do conhecido capital Lampião, o rei do cangaço, o qual apresentava além de estratégias eximias ligadas ao


IV banditismo e a sobrevivência em meio ao sertão e a suas condições, uma habilidade estrema com a costura e com a composição de um visual único e extraordinário para a época. A construção de uma indumentária única e repleta de elementos representativos fez com que o bando de Lampião criasse um estilo independente e irreverente a situação social do nordeste brasileiro e consequentemente conjugado a ele, a estética perfeita para o período contextualizado e despertou o interesse de se tornar o tema da composição desta pesquisa e para a análise de tais elementos.

1.2 Problema

Como estética do cangaço pode influenciar e inspirar as criações de moda?

1.2.1 Objetivo geral

Analisar como estilistas e coleções de moda são influenciadas e inspiradas no universo do cangaço

1.2.2 Objetivos específicos

 Estudar o contexto social no qual o grupo de Lampião estava inserido;  Investigar a estética do cangaço;  Pesquisar, panoramicamente, como marcas estilistas e coleções se inspiraram na estética do cangaço para criar moda;  Extrair elementos inspiracionais para criação de moda a partir do cangaço;  Apresentar proposta de coleção inspirada no universo dos cangaceiros.


V 1.3 Justificativa

A importância deste estudo está em desvendar o que há por trás da construção de uma indumentária, da formação de um estilo irreverente e da idealização de uma estética perfeita. Talvez o termo perfeito quando ligada a estética pareça errado, mas quando ligado a subjetividade de elementos sociais, históricos e até na formação de um indivíduo perante a sociedade faz total sentido. É buscando se inserir no universo cultural brasileiro e desfrutar totalmente de toda a riqueza de detalhes, elementos, simbologias, indumentárias e estilos únicos presentes o motivo da escolha deste tema e na formação deste trabalho, que futuramente poderá se transformar em coleções únicas de moda, de objetos, e como fonte de outras demais pesquisas.

2. Metodologia Para a resolução do problema proposto neste projeto será de fundamental importância um estudo bem profundo que abrangerá primeiramente sobre o contexto histórico, regional, e social do período determinado. Fazendo menção primeiramente a contextualização dos fatores que levaram a ocorrer o movimento do cangaço e a entrada de um homem simples em um grupo já formado, para depois se tornar o líder de todos e o cangaceiro mais importante. Mais do que isso é o fato de que um movimento social originou um estilo irreverente que conjugado a uma estética repleta de elementos se tornou perfeita para a época, perdurando tais indumentárias até os dias de hoje como fonte de inspiração para a criação da ‘imagem’ de cangaceiro nordestino-brasileiro em figurinos na sociedade cultural atual e também na criação de produtos de moda, como coleções inteiras. Para chegar as tais resultados a leitura de artigos que falam sobre as indumentárias do cangaço, a procura por reportagens da época, a análise de elementos, a leitura de obras literárias que relatam não apenas a vida de Lampião durante o cangaço, mas portanto antes trazem o motivo da sua entrada no bando como por exemplo dois dos quatro volumes que leva o título de: Lampião, seu tempo e seu reinado, no qual o autor, Frederico Bezerra Maciel fez uma pesquisa de campo intensa e duradoura antes de escreve-lo. Obras que trazem a


VI indumentária e a estética que o bando tinha com uma riqueza de fotografias e descrições, intitulado de Estrelas do Couro: a estética do Cangaço, do autor Frederico Pernambucano de Mello, Lampião, o homem que amava as mulheres, do autor Daniel Lins e outros que trazem a arte dos bordados, tais como o processo de criação, como por exemplo o intitulado Dadá Bordando o Cangaço, da autora Lia Zatz. Com o objetivo de proporcionar maior facilidade em esclarecer o problema e assim seja, torna-lo mais explícito a facilitar a formação de hipóteses sobre o assunto, classifica-se a pesquisa como sendo do tipo exploratória. Segundo o autor Antonio Carlos Gil, “ pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de instituições”, sendo o seu planejamento bastante flexível na consideração de variados aspectos relativos dentro do fato estudado. “Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem; a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e c) analise de exemplos que “estimulem a compreensão”. (GIL apud Selltiz, 2002, p.41) Seguindo, portanto, a metodologia aplicada, quanto ao meio temos a subclassificação que envolve o levantamento bibliográfico, no qual é desenvolvida totalmente com base em material já revisado e elaborado por outros autores, e os quais são constituídos principalmente por livros e artigos científicos. No caso desta pesquisa, ela foi desenvolvida exclusivamente a partir de fontes bibliográficas, com livros de leitura corrente, já que mesmo sendo literários, proporcionaram o conhecimento técnico e cientifico e também de livro de leitura de referência remissiva. (GIL, 2002) “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”, e essa vantagem é extremamente importante quando o problema a ser revelado envolve dados dispersos pelo espaço, como é o caso do cangaço, que consideravelmente abrange um espaço muito grande no território nacional e a sua influência no campo da moda é maior ainda. “A pesquisa bibliografia também é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados se não com base em dados bibliográficos”. (GIL, 2002, p.45) E para reduzir a desvantagem de comprometer a pesquisa com dados que foram coletados e informados de maneira equivocada, a leitura de diversos livros e artigos


VII cuidadosamente, analisando sobre o mesmo assunto é fundamental para a constatação de qual fato é verdadeiro e qual é equivocado. O resultado foi a construção de um texto descritivo/analítico, no qual através das obras lidas e utilizadas, ocorreu a necessidade de descrever todo o processo da construção da indumentária e os aspectos que resultaram na sua criação, além do fato das análises sobre as coleções de moda inspiradas no mesmo tema. Assim possibilitou a obtenção de respostas ao problema da pesquisa, com objetividade e profundidade suficiente na identificação das ideias e objetivos imparciais do autor, o qual mesmo diante da sua opinião própria, não tem autoria e nem dados suficientes para constata-las.


8 CAPITULO 1: O CANGAÇO 1.1. Contextualizando o cangaço Contextualizar tanto historicamente quanto culturalmente é uma das principais bases para que se inicie uma pesquisa e principalmente para compor uma linha de pensamentos a partir de determinados fatos contados ou interpretados. Contextualizar o sertão nordestino, em final do século XIX e começo do século XX, mais precisamente abordando o período de 1920 a 1940 é o que dará total significado para a atuação dos grupos de cangaceiros existentes no território nordestino brasileiro. O Sertão Nordestino é uma região que compreende a parte mais interior de praticamente todos os estados da região nordeste brasileira. Usualmente, a denominação de “sertão nordestino” é dada às regiões interioranas, independentemente do nível de sócio econômico. Porém, a expressão também pode ser usada para designar, mais especificamente, as regiões do interior da Bahia, Pernambuco e Piauí, onde se concentram algumas das cidades com maiores índices de desigualdade social do país, além de baixíssimos indicadores de desenvolvimento sócio-econômico. (FARIA, 2015)

Mas segundo Guimarães Rosa: “ O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinho de metal...” (ROSA, 1963 p. 17-18). A vida no sertão nordestino nunca foi considerada fácil. Viver sob um meio que regionalmente é deserdado de infraestrutura, como os quilômetros de em meio a terras completamente estridentes pelo sol, à uma cor seca e sem vida, e em vegetações da caatinga que mais possuem espinhos, a maioria dos sertanejos vivem sob a considerada realidade de infelizes, que mais vagão pelo sertão em busca da sua sobrevivência. Por isso o “ sertão nordestino, e que irá sediar um modo de viver de sertanejos nordestinos, a uma realidade de infelicidade que na busca pela sua sobrevivência vagam pelo sertão. ” (BARROSO,2008) O grande nível de pobreza torna a grande maioria dos habitantes “marginalizados pela

sociedade

que

os

desdenha

e

se

distancia

de qualquer responsabilidade pela situação de penúria no Brasil. ” (BARROSO,2008) o grande contraste existente entre a discrepância daqueles que possuem condições financeiras, como por exemplo os fazendeiros latifundiários, é muito grande em relação


9 ao resto da população que acaba vivendo em níveis mais extremos de pobreza, de falta de saúde e educação. O sertão sediava constantes secas que duravam por anos e que castigavam seu povo, a fim de não enfrentarem apenas a falta de comida e de água muitas vezes, mas também o grande descaso político que acabava beneficiando a maioria dos ricos por acordos e pela relação de troca de favores com tais, principalmente com os que estavam mais perto como governadores e prefeitos de cada região. O solzão ferrado, castigando... encandeando a vista e ardendo nos olhos marejantes, cheios de betas, a esclerótica infuleimada... esbraseando a pele e estalando os beiços ressequidos e sedentos... lassando o corpo... trancando as vidas... esmolambando as esperanças... A grande seca estruía, devastava... (MACIEL, 1987, p. 126)

É frustrante considerar também a questão de que no período histórico que se foi estabelecido não apenas a seca devastava, mas as guerras e confrontos com armas de fogo existente nesta região era constantes e fazia com que os seus habitantes sertanejos fossem cada vem mais refugiados àqueles que possuíam mais poder, e que as necessidades básicas e os direitos estabelecidos ao ser humano, como de se alimentar, de proteger-se eram afetados e muitas vezes inexistentes. O mais absurdo de se considerar é sobre as atrocidades que eram cometidas com tais sertanejos, muitas vezes por aqueles que recebem a ordem de defende-los, como os integrantes da polícia. “Mesmo porque, a polícia, mais do que os cangaceiros, apavorava os sertanejos com as suas atrocidades...” (MACIEL, 1987, p. 169) A sociedade de sertanejos vivia, portanto entre dois paradigmas, as disputas que traziam mortos ou flagelados e as grandes andanças na fuga de tais condições que os afetava, principalmente a do clima. “Enquanto levas de soldados partiram para o “front”, levas de flagelados atacavam as localidades atrás de matar a fome, ou partiram, miseráveis retirantes, para longe do flagelo climático...” (MACIEL, 1987, p. 135) Foi nesta época e seguido por essas questões culturais que regionalmente dominavam o nordeste brasileiro que surgiu o cangaço brasileiro. “Cangaço é proveniente de canga, uma peça de madeira utilizada em pescoços de boi para transporte. Como os chamados cangaceiros tinham que carregar todos seus pertences junto ao corpo, deu-se o nome a partir da associação. ” Tendo, portanto, formando um grande fenômeno, os


10 bandos eram integrados inicialmente por homens, chamados de cangaceiros - que vagavam sem lugar fixo, podendo ser conhecidos por sua maneira nômade de viver. (JUNIOR, 2015)

Estes, que andavam em bandos armados, espalhavam o medo pelo sertão nordestino. Promoviam saques a fazendas, atacavam comboios e chegavam a sequestrar fazendeiros para obtenção de resgates. Aqueles que respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam, pelo contrário, eram muitas vezes ajudados. Esta atitude fez com que os cangaceiros fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época. (SUAPESQUISA.COM, 2014)

1.1.2. Conhecendo o Cangaço O cangaço não surgiu apenas para impor medo àqueles que não respeitavam e não seguiam as ordens dos líderes dos bandos, ele surgiu basicamente entre meados do século XIX e início do XX e teve as suas origens ligadas em questões sociais e fundiárias do Nordeste Brasileiro. (SANTOS, 2010) Segundo o autor Maciel é o quadro de fundo do sertão que torna os condicionamentos favoráveis para o aparecimento do cangaço. Tais são eles: históricos, fisio-econômicos e sócio-político. E seguindo esses condicionamentos, as causas apresentadas não são muitas, mas apenas duas que deixam mais do claro que não se precisa de muitas causas para se causar impacto, mas de apenas poucas e necessárias. “-O coronelismo: que aliciou cabras, cangaceiros mansos, cachimbos, facínoras para a defesa de suas fazendas e garantia de seu prestigio político; - e principalmente as injustiças: o crime impune e a perseguição irreversível. ” (MACIEL, 1985, p.72).

Por consequência, o cangaço não fez mais do que aproveitar das condições que o sertão nordestino sofria graças a uma história bastante antiga, desde a colonização do Brasil a região fora desconsiderada, quando os estrangeiros optaram em investir e utilizar apenas das terras do litoral. Criando no interior uma região excluída de qualquer tipo de infraestrutura e acarretando na situação de grande crise da sociedade sertaneja, acabou por propiciar o aparecimento de tal movimento social. (CHANDLER, 1981) O mais impressionante então, é pensar que serviam aos dois extremos da sociedade, tanto aos pobres e marginalizados quanto aos senhores latifundiários e aos


11 políticos da época. E o de mais interessante é que ele permaneceu vivo por muitos e muitos anos na história do Brasil pelo simples fato do interesse dos próprios latifundiários que muitas vezes eram massacrados e sofriam com os ataques por alguns bandos e pelo outro utilizavam dos chamados de mansos como a única alternativa de cobrança de quem os devia dinheiro e também na aliança em caso de disputa de terras entre as famílias de mais posse e poder da região, o que era muito comum. (JUNIOR, 2015) Para alguns classificados como bandidos e para outros como heróis, o fato é que em meio a alguns bandos de cangaceiros existentes no sertão nordestino entre as décadas dos anos de 1920 a 1940 o que mais se destacou na história é o do personagem principal do capitão Lampião, conhecido por muitos como o rei do Cangaço e para os próprios sertanejos como “O Homem”, e que a palavra “homem” para um sertanejo daquele tempo era o máximo do elogio. (MACIEL, 1987, p. 13). “Lampião tinha uma personalidade dúbia. Para as autoridades era um criminoso brutal que precisava ser eliminado. Para a população da região era o símbolo de bravura e de honra. ” (JUNIOR, 2015) O grupo de cangaceiros comandado por Lampião era daqueles que impunham medo, mas também defendia causas sociais, em uma sociedade marcada pela estreita mobilidade, que negava direitos aos menos afortunados. Por isso, “a imagem de Lampião foi pouco a pouco exaltada, passando de criminoso para justiceiro”, daí resultando seu caráter ambíguo – de um lado, o justiceiro de causas sociais, o herói; de outro, o ladrão e o bandido. (SANTOS; MENEGUCCI, 2013)

Segundo o autor Mário Hélio, há pelo menos dois lampiões na sociedade em que se vive. “Um, que teve existência real, e vivenciou todas as vicissitudes que um homem que vive à margem da lei (ou que cria as suas próprias leis) experimenta ”. E um outro Lampião, que foi sendo criado devido a cada façanha do primeiro Lampião (o mesmo citado acima), e tais podem ser efetivas ou inventadas, no qual portanto tem-se que o segundo Lampião, mesmo sendo produto do meio de histórias e opiniões, se torna o produto coletivo e vai cada vez mais sobrepujando o primeiro. (Mário Hélio apud AMAURY; FERREIRA) A entrada de Lampião no Cangaço não foi promovida pelas condições que o sertão nordestino acolhia devido a intempéries climáticas, mas sim pela justiça... querer fazer justiça foi o motivo que o levou a entrar no bando no ano de 1922, Seu pai, José Ferreira da Silva, era um homem tranquilo que não que não gostava de confusão, mas foi morto pela polícia na figura do Delegado Amarílio Batista e do tenente José


12 Lucena, quando estes procuravam seus três filhos malfeitores. (SANTOS, 2010).

a carência de justiça que habitava as terras do sertão estava relacionada “seja com questões de terra e no trato dispensado ao trabalhador rural, seja nas desonras de família e nos desvirginamentos de donzelas, seja ainda nas desfeitas e nos homicídios, e em tudo mais”. (MACIEL, 1985, p.72) Para reagir contra todas essas injustiças, o surgimento dos grupos de cangaceiros foi de fundamental importância para resgatar todas as esperanças perdidas. Operar através do medo era, portanto, a única estratégia que os cangaceiros possuíam para, portanto, impor a sua importância e necessidade perante àquela sociedade que dominada por coronéis e fazendeiros junto às cobranças de impostos feitas aos sertanejos que muitas vezes eram seus empregados. Mas Lampião por exemplo era reconhecido não apenas pelo medo reboliço que causava por onde chegava, mas pelas suas demais qualidades, considerando, portanto, as que vem de alma. “ – Lampião era um bandido, mas de sentimentos humanos, de coração bom e compadecido! ”. (Coronel João Nunes, apud MACIEL, 1987, p. 86)

1.1.3. O universo sertanejo “...aquele mundo de catingas caracterizadas por violentos contrastes e seu povo marcado pelo signo da incerteza...” (MACIEL, 1985, p.14). Não há meias palavras para descrever o sertão e muito menos aqueles que chamamos de sertanejos e que não são ninguém mais do que os seus pobres habitantes. Pobres não pela condição social em que vivem, mas pobres pela incerteza que tal povo carrega dentro de si e que os acaba levando a vagar pelos milhares de quilômetros de seca na busca por uma vida mais digna. Caracterizar, portanto, o nosso sertão nordestino no período contextualizado desta pesquisa, que se estende de 1920 a 1940 bem assim como os seus sertanejos não é tarefa fácil, já que são muitas as citações e descrições sobre eles, mas encontrar as palavras que se adequam sem que haja uma repetição de característica é muito mais difícil, já que todas elas acabam por realizar tão fato. Entretanto mais do que afirmar que um período que para muitos se caracteriza apenas por secas... secas e mais secas é entender como era realmente formada a sociedade


13 de tal período contextualizado e estudado, e que tal sociedade era tão única, mas tão única que formava perante um país imenso e de diversas etnias não apenas mais uma sociedade, mas um universo indescritível e único, o universo sertanejo. Enfim, criou-se, dos meados do século XIX até quase 1940, um sertão típico: de coronéis e vaqueiros, beatos e cangaceiros, cantadores e almocreves- o universo sertanejo-, com seus pontos culminantes: no coronelismo, em Padre Cícero e em Lampião. (MACIEL, 1985, p.29).

E para a formação desse universo único esclarecido deve-se levar em conta totalmente o aspecto geomórfico da região assim também como as condições climáticas e as práticas adotadas por seus sertanejos que no final das contas por falta de conhecimento ou esclarecimento recente os levam a continuar cultivando métodos herdados por seus antepassados e que no futuro se refletirão na impossibilidade da criação de uma economia comercial de riqueza, mas apenas a economia da simples subsistência. Hábitos e métodos que muitas vezes esterilizavam a mineralização do solo, ateando fogo para a preparação do cultivo agrícola, ou utilizavam do emprego indiscriminado do arado ou da enxada para estragar o solo, um suicídio regional, “É a ação predatória da erosão antrópica”. (MACIEL, 1985, p.30) Considerada para o autor Maciel, como “um vasto e dilatado tabuleiro, de superfície suavemente ondulada, dando à paisagem uma visão tão homogênea que chega a ser monótona, hipnotizante. ” (MACIEL, 1985, p.30). Todo esse cenário estava dentro de um clima tropical semiárido, o que trazia temperaturas elevadas durante o dia inteiro e então “ a canícula arde impiedosamente, o céu incandescente, o sol de rachar”, mas que mais uma vez o contraste se apresentava na de caída da temperatura durante a noite. (MACIEL, 1985, p.31) Não obstante o agente que mais define e faz com que todas as declarações sobre seca, sol estridente e a vasta planura do sertão seja cinzenta são as chuvas. A água é a “bênção divina” que não apenas enche as terras da cor verde das plantações e da fartura que brota dela, mas enche principalmente os corações de quem não vê água por longos períodos de esperança. Sentimento mais bonito do que esperança, que mais uma vez em contraste com as maldiçoes que trazem as prolongadas estiagens, as secas sem fim e a aniquilação de tudo o que significa vida, “ O sertanejo nunca amaldiçoa a água, mesmo quando em cheias destruidoras, embebedando a terra ou carregando as plantações”. (MACIEL, 1985, p.31).


14 A água é tão valiosa em terras sertanejas que deve ser comparada a ouro nos dias de hoje. Comparação indispensável de classificação, mas ocorre devido à escassez de tal mineral devido à grande extração ocorrida no período de colonização das terras brasileiras.

E assim como que para se encontrar ouro atualmente deve-se escavar

bastante, a água brota abundantemente em poços e reservas permanentes no subsolo. E permanente apenas no subsolo, de onde brota e cresce a cada dia mais, porque perante aos rios que cortam os solos cinzentos repletos de quem a necessite “ são temporários, pulsáveis” e assim deixam mais uma vez “aqueles estirões compridos, sem fim, de areia, semelhante aos “oueds” saáricos”. (MACIEL, 1985, p.33). Enfim deve-se ressaltar que a criação deste universo sertanejo único além dos aspetos citados acima que dependem não apenas dos simples sertanejos, mas também da localização física do eu pertencimento, mas principalmente das heranças trazidas por seus antepassados, heranças que se fazem desde o nascer de uma ‘cabra’ até a sua morte, se não por bala, por sede e fome. Enfim, ressaltem-se nesse tipo de sociedade rural-sertaneja, moldada por processos tradicionalmente repetidos, como que mecanizada: a técnica, rudimentar e empírica, empregada em todos os cultivos agrícolas; e a condição infra-humana do trabalhador de campo, transformado em objeto de trabalho como o boi, a enxada, a foice... (MACIEL, 1985, p.33).

1.1.4 O homem sertanejo Definir sertanejo segundo o dicionário equivale a generalizar todo e qualquer ser que se enquadre segundo o que tal diz. “Relativo a ou próprio do sertão; que é rústico, rude, silvestre; que ou o que vive no sertão; que ou quem, por morar no campo, é considerado rústico, simples ou ignorante”. (SERTANEJO,2015) Mas definir o homem sertanejo ultrapassa mais que as barreiras do dicionário. Isto posto temos que o povo sertanejo era assim... gente simples, que envolvida com mais do que a sua sócio condição, mas pela condição fatídica da seca, criou-se um condicionamento próprio, não apenas físico, mas também mental. Andejando por todos os espaços e assombrando os tempos, o envultamento do signo fatídico da seca influenciando a vida, condicionando o homem – um homem também diferente – o sertanejo. De constituição, em geral, lepssomática, grande resistência física e moral – “antes de tudo um forte”! – pigmento caboclo, marcante do sangue indígena nas suas veias. Definindo-se no misticismo dos beatos e penitentes, nos arremetimentos audazes das vaquejadas, na música telúrica do


15 bailão e no ritmo alegre do coco, na resistência teimosa contra as inclemências da região agressiva, e nas aberturas das brigas – pelo sim e pelo não – em cenas sangrentas do cangaço sob à vibração épica da “ Mulher Rendeira” e na pisada guerreira do xaxado. (MACIEL, 1985, p.29/30).

A seca é cruel, devasta, traz morte... fome... sede, cria personagens que estão totalmente a mercê de que fazer para mudar tão situação, mas mesmo assim o povo sertanejo acaba criando maneiras de tentar disfarçar e realçar a alegria que existe neles. “Em dias que é hoje, a população sertanejo-nordestina é percentualmente predominante de raça mestiça, cabocla. O vaqueiro tem sangue e espirito índio. É forte, antes de tudo”. (MACIEL, 1985, p. 28)

1.2. Virgulino Ferreira Da Silva: De alma e coração

Anunciar que tudo se iniciou assim... A 13 de outubro de 1894 começava uma grande história. O enlace matrimonial de José Ferreira da Silva e D. Maria Lopes, de idade respectivamente 22 e 21 anos ocorreu na Matriz do Bom Jesus dos Aflitos, em Floresta, com uma digna festa na casa dos noivos e coproprietários da Fazenda Ingazeira. (MACIEL, 1985, p. 78) Assim como um típico sertanejo, “Ele, estatura pouco acima de meã, um tanto xoxo, bigode curto, conversa mansa, índole pacifica. Ela, alta de 1,70, muito viva, natureza despachada, resoluta e energética. ”, ambos, portanto eram de cor morena-clara, possuíam cabelos bons, e eram os dois naturais daquela ribeira onde foram criados e vividos. Muito trabalhadores, José Ferreira além de todas as suas obrigações domesticas, ainda ajudava a sua esposa ao seu consorte nos cuidados da lavra e cria. (MACIEL, 1985, p. 79) A vida fértil de um casal sertanejo iniciava-se cedo, esperando-se, portanto, encher a casa de crianças logo nos primeiros anos de matrimonio. “ Nesse seu novo lar, no espaço de quinze anos haveria de surgir, sob as largas bênçãos da fecundidade, nove filhos. Três varões nos quatro primeiros anos”. E o resto iria vindo quase que com uma frequência já calculada. “O primeiro, em julho de 1892, que tomou o nome de Antônio, em homenagem ao avô paterno” foi seguido pelo segundo, Livino que em novembro de 1893, no ano


16 seguinte veio ao mundo e prosseguido pelo terceiro e mais importante para este estudo, Virgulino. O resto dos filhos viriam “sucessivamente, quase ano a ano, Virtuosa, João, Angélica, Maria (apelidada Mocinha), Ezequiel e, em 1910, a última, Anália”. (MACIEL, 1985, p. 78-79) “a quatro de junho de mil oitocentos e noventa e oito (7-06-1898), de acordo com a certidão de batismo da Paróquia de Floresta do Navio, Livro 13, fls. 146, n.463, ano 1898” (MACIEL, 1985, p. 79) e tendo como pais José Ferreira da Silva e D. Maria Lopes, de idade respectivamente 26 e 25 anos nascia o menino Virgulino, o terceiro filho do casal, tendo como primeiros irmãos Antônio e Livino. – Sabem o que quer dizer o nome Virgulino? – perguntou ele. – O nome, seu vigário, foi tirado do Lunário Perpétuo – respondeu a madrinha. – Virgulino – explicou o padre – vem de virgula, quer dizer, pausa, parada”. E arregalando os olhos: – Quem sabe, o sertão inteiro e talvez o mundo vão parar de admiração por ele! (MACIEL apud Padre Quincas, 1985, p. 80)

Por ser prematuro, o bebê não era considerado xoxinho, mas sim “grande e pesado” por todos aqueles que o viram nascer e crescer, incluindo, portanto, familiares e testemunhas, já que estava presente o fato consumado a realidade de não se pesar as crianças quando nascidas no sertão. (MACIEL, 1985, p. 79-80) O tanto que em relato a que a sua própria mão dizia “O filho mais robusto e sadio que tivera de todos os mais”. (D. Maria Lopes apud MACIEL, 1985, p. 80) Aos três meses de nascido, Virgulino foi levado a pia de batismo pelas mãos de seus padrinhos, que eram seus próprios avós maternos, que deixando encantado o vigário Padre Quincas pelos espertos olhos do menino, acabou por decifrar, já muito dantes qual o rumo aquele menino tornaria na sua vida, pelo simples significado do seu nome. (MACIEL, 1985, p. 80) Sempre repleto de vida, alegria, Virgulino acabou por atrair as predileções de sua avó e então madrinha, que quando concluiu 5 anos de vida o levou para morar com ela. Porém de sua educação seus pais nunca abriram mão, “ à influência educativa dos pais, que não cessou, acrescentou-se a desta senhora – a “Mulher Rendeira”. Sua casa era a apenas 50 metros de distância de sua casa paterna e o contato entre todos era mais do que frequente, era constante. (MACIEL, 1985, p. 81)


17 Mencionar dados de estudo muito importante sobre o geopsiquismo, no qual qualifica-se que “o meio físico, na repetição constante dos mesmos fenômenos periódicos, atua na formação do espirito humano. Quase que deterministicamente” é o mesmo que dizer em palavras mais claras e determinantes, que o homem é produto do meio, social e físico do qual vive, independente das interações produzidas por ele na qual ele pode reagir e influir. (MACIEL, 1985, p. 81) Para Virgulino, todo o ambiente em que ele cresceu foi considerado de “meu sertão sorridente! ” (MACIEL, 1985, p. 82) e constando um eterno dizer e contradizer, de não apenas tudo o de ruim que assombrava a vida de quem crescia sob as terras secas e cinzentas, mas também daqueles fenômenos que não deixavam com que as esperanças e a alegria do povo morressem, temos auroras douradas e arrebóis afogueados enchendo de luzes e cores o silencio do vale... aquela imensidão de catinga a se perder no mistério das lonjuras que lhe despertavam sonhos de desvendá-las até chegar à pancada do mar... as mutações do luar branquejando os campos e destinturando a Serra Vermelha... o mato em flor com a fragrância dos marmeleiros, muçambês e paus pereiro balsaminando... o riacho São Domingos soprando na força dos invernos... E até a seca o maravilhava com o oferecimento de contrastes: as reverberações do solo por efeito da evaporação da umidade... o cinzento das catingas despeladas e quentes... o cinzento das catingas despeladas e quentes... a garrancharia em esgares espectrais... os candelabros dos facheiros, erguidos como fantasmas apagados e tétricos, velando a morte da natureza...(MACIEL, 1985, p. 82)

que todos esses elementos naturais foram totalmente depositados na alma infantil de Virgulino, que absorvendo se tornou sensivelmente receptiva as sementes do belo, da arte e da perfeição: criando, e apurando com o tempo, sua vocação romântica, manifestada em poesias e composições musicais de sua lavra, na fidelidade de seus amores ardentes e na instituição de um cangaceirismo de menestréis do canto e da alegria. (MACIEL, 1985, p. 82)

“Muita coisa, então, se ia na alma do menino penetrando para, ao depois, se revelar com pujança: o gosto da música e o senso do belo e da perfeição...” A criação de Virgulino, mesmo em meio a um sertão foi vivia intensamente, e recebia toda a energia de sua avó, a sua então símbolo ideal da ‘Mulher Rendeira’, que acabou por lhe introduzir toda essas qualidades. Em suas brincadeiras de menino ele viveu intensamente, “brincava


18 nos cerrados caçando de badoque ou armando quixós1, montando carneiro valente e dador”. Não possuía medo algum, desafiava seus companheiros desde sempre ao perigo, no qual alguns até se atreviam, mas outros saiam correndo. “No terreiro da casa paterna ou da de Tia Jacosa, durante o dia, empinava papagaio e bizarrona 2, soltava pião”. (MACIEL, 1985, p. 83) Se empolgava junto aos seus companheiros com as histórias reais, de homens valentes como Antônio Silvino, um dos primeiros já cangaceiro e sua mente era tão saturada com tais figuras de heróis do rifle e do punhal, que o maior centro de interesse já adquirida por ele era de brincar de cangaceiro 3, ele armava tudo, dividia os grupos que deveriam ser adversos, arrumava-os em posição de combate entrincheirados atrás de pedras “ E, quando dizia: – Fogo! A batalha, cujos projeteis eram os talos de bananeira, se travava. Virgulino do alto de um matacão ficava ordenando avançar, recuar, envolver, aprisionar...” (MACIEL, 1985, p. 84) As brincadeiras de guerra eram muito mais do que comum aos meninos sertanejos, os conflitos bélicos e os soldados impunham na formação dos indivíduos ainda meninos essa dura realidade. Como “semelhavam os sertões da Bahia, com essa espécie de ‘Grande Armée’ baiana, de mais de dois mil soldados e apetrechos bélicos, aos campos de batalhas europeus da Grande Guerra de 1914...” dizia um comentarista baiano. (MACIEL, 1987, p.98) Já para Lampião, desde cedo o que singularizava era o seu dom nato de liderança, donde muitos já diziam que Virgulino teria nascido para comandar. “ Nas brincadeiras de menino, apesar de ser ele o mais pequeno, era ele o que tinha iniciativa. Se tivesse no Exército, botava Caxias para trás! ”. (MACIEL apud Tertuliano Ferreira, 1985, p. 84-85)

1.2.1 E surgiu Lampião... Ainda escuro, entre o primeiro e o segundo canto dos galos, reuniu José Ferreira a família e seus haveres- tão pouco: uma pequena trouxa para cada um! - e partiu, de mudança pela 3ª 1

Quixós: “armadilha formada por uma laje inclinada e sustentada por um “pinguelo” ou pauzinho para pegar preá, mocó...” (MACIEL, 1985, p.83) 2 Bizarrona: “ (variante de “bujarrona”= vela triangular dos navios ou aumentativo feminino de “bizarro”= garboso... grande papagaio de papel de forma poligonal regular com a cabeça enfeitada, por uma granja, em circunflexo, com bandeirinhas que zoam ao sopro do vento. ” (MACIEL, 1985, p.83) 3 “ Alguns simplórios vêem nessas brincadeiras uma “prova” de que Virgulino “nascera” cangaceiro! ” (MACIEL, 1985, p.84)


19 vez- os Proscritos! Conduzia sua esposa enrolada em desgastado cobertor, de algodão e montada no velho e serviçal Condave. Os seis filhos atrás, olhos arregalados de pavor a que já estavam afeitos, pés no chão para não acabar com as apragatas muito gastas e remendadas, tiritando de frio apesar do exercício do caminhar. (MACIEL, 1985, p.189)

Muitas são as passagens que demonstram que a vida do sertanejo não escapava as perseguições e penúrias provenientes do sertão e mais ainda são as perguntas e as curiosidades que englobam o fato da entrada de Lampião no Cangaço. Assim como os demais outros sertanejos que viviam a mercê da vontade proveniente do coronelismo que se fazia valer, como já foi visto, o fato é que as disputas por terras e as desavenças e inimizades entre vizinhos não se fazia distante da realidade familiar dos Ferreira, que por consequência tiveram que sair da Fazenda Ingazeira, onde morava desde a concretização do casamento de Dona Maria Lopes e José Ferreira e onde criaram seus filhos. Às disputas pela terra dos Ferreira, os obrigaram a sair dela, antes que fossem todos mortos por Zé Saturnino, seu inimigo número um. 4 Largar toda uma vida e seguir em frente, apenas com a fé era o essencial para se continuar vivo em meio àquele sertão sorridente. “No arrasto da vida e do destino escuros, quiném aquela noite impenetrável, arrastava José Ferreira a família e a miséria”. (MACIEL, 1985, p.189) O caminhar devagar e o raciocínio sempre estavam ligados ao destino e a fé, ou seja, o destino se fazia valer pelas determinações divinas e de tudo aquilo que o homem sertanejo acreditava que Deus pusera em seu caminho como prova de fé. Era assim o raciocínio sertanejo. E com isso, se consolar era o melhor remédio, até então. “Já perto de chegar, voltou-se, consolador, para sua esposa e disse com resignação e fé: -‘Maria, é preciso aceitar a vontade de Deus! ” (MACIEL, 1985, p.189) Entretanto vagar pelo sertão em busca de sobrevivência, e muito mais, ter de sair fugido da casa onde construirá sua família fez com que Dona Maria Lopes, mãe de Virgulino, deixasse de ser aquela mulher forte, batalhadora, autentica e de decisão tomada a se entregar as aflições. “O certo é que, não fossem as tramas ocultas dos perversos,

4

“12. Zé Saturnino é chamado de “inimigo n.1” porque foi o “primeiro” e não o “maior”, nem o mais importante. Entre os maiores contam-se José Lucena, que assassinou seu pai, levando-o daí ao cangaço, João Nogueira com sua ambição, Manuel Nero, por sua tenacidade e crueldade, José Pereira, de Princesa, que ele chamava de “perverso, falso e desonesto”...” (MACIEL, 1985, p.138) Considera-se que Zé Saturnino era o filho do velho Saturnino que assumiu o posto de coronel com a morte de seu pai, e o que antes se tinha uma estabelecida amizade entre ele e os três filhos mais velhos dos Ferreira, se tornou essa grande inimizada por pequenas desavenças.(LINS, 1997)


20 atiçando perseguições e injustiças, não estaria ela assim desacabando a saúde e a vida”. (MACIEL, 1985, p. 189) Talvez para a sua consolação, nesse instante derradeiro, tenha dela ouvido dos lábios infantis de seus caçulas essa doce palavra traduzia inteiramente tudo o que ela fora na vida- mãe! O semblante sereno, o olhar fugindo para a eternidade, tendo diante de si a imagem do senhor Crucificado apresentado por Angélica, que a custo repetia entre soluços: -‘ Meu Jesus, misericórdia’, entregou sua alma ao Criador. - ‘Sem o mínimo estremeço o modo de um passarim! ’ Mocinha apagou a vela. (MACIEL, 1985, p.189)

A morte de Dona Maria Lopes causou mais do que lágrima entre aqueles que lamentaram ao encontra-la “morta deitada numa cama de vento, amortalhada, como os lábios sorrindo para a morte, de vez que há muito deixara de sorrir para a vida! ...” (MACIEL, 1985, p.191) mas causou sofrimento e desespero por aqueles que a cercavam, sua família. José Ferreira, diante de sucessões de tragédias amargas e sem trégua acontecendo “ficou desatinado, abatido, sem gosto pra nada na vida, curtindo os penares da dor e da saudade e os sobressaltos de uma desgraça ameaçadora e iminente” (MACIEL, 1985, p. 192). Seus três filhos mais velhos, Antônio, Livino e Virgulino os mandou embora, entretanto não se separou da sepultura de sua esposa e fez das suas vidas um eterno luto. Luto que se infelizmente estendeu-se, e que fez surgir Lampião. Posto que coronel José Lucena a mando do então governador encontrou a carta de Zé Saturnino, o homem que fez com que os Ferreira saíssem da fazenda Ingazeira. E caçando, assim mesmo como se procura por bichos que serão abatidos de maneira enérgica e violenta, ele caçou pelos três irmãos até encontrar a casa onde José Ferreira, que se fazia junto a sepultura de sua esposa. Estava José Ferreira desta maneira entretido quando, escornetando a concha da mão na orelha, ouviu um tropel. Com mais, estava sua casa cercada de soldados. A uma distância de três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira: -‘Cadê os seus três filhos bandidos? ’ Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente:


21 -‘ Não, sinhô! Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles são é home! ...’ -‘ É assim que se responde a um oficial, velho malcriado, cachorro da mulesta’- revidou furioso Lucena. E, sem mais, descarregou ele próprio a pistola no peito daquele pobre velho, pacifico e indefeso, que caiu, por estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa. 5(MACIEL, 1985, p.195)

Virgulino despiu seus irmãos da roupa de luto e em meio ao terreiro que também sofrerá com a grande seca do sertão, tocou-as fogo e com grande certeza exclamou bem alto que “ De hoje em diante o luto é o rifle e o punhal! Vingar até morrer! ”. (MACIEL, 1985, p.198) E como que por eventualidade, o sol, se agachou no céu e escondeu-se, deixando uma imensa mancha vermelha de agouro nos céus do sertão, “e, não só como um desesperado oprimido, mas na tentativa de mudar esse estado de coisas, surgiu Lampião! ” (MACIEL,1987 p. 72) 1.2.2. De alma cangaceira Homem de paixões fortes. Que ele super-controlava a modo de parecer um tipo frio. Uma das coisas que mais impressionava Volta era essa “firmeza” de Lampião. Não era de extremos sentimentais: nem superansioso ou superexaltado, nem ficava paralisado ou deprimido pela ansiedade ou tristeza, o que é próprio dos indivíduos neuróticos. Suas decisões estados de depressão, com inteligência e calma. Entretanto, para sair dos estados de grande depressão, necessitava de uma contra-reação correspondente ou mesmo superior. É quando se notava nele mais inteligência e maior capacidade de racionalização e ação.

A folhinha marcava a data 5 de julho de 1920, uma terça-feira, quando Virgulino diante da sepultura de seu pai, rezando debulhado em lágrimas, bateu o punho fechado em seu próprio peito e exclamou - “ Eu sou Lampião! ...”

Deste momento em diante, acenderá um novo luzeiro iluminando todo o sertão do Nordeste! A verdade é Lampião que não nascerá naquele momento, mas sim em 4-071898, quando o destino de Virgulino começava a se traçar, pois assim que nasceu o menino também nasceu um grande herói.

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“32. É absolutamente autêntica, com todos os seus pormenores, a descrição do assassínio do pobre, manso e indefeso velho José Ferreira, assim como das outras circunstancias. [...] Quando João Ferreira, filho da vítima, em entrevista, usou a palavra ‘tiroteio”, entendeu dizer que houve tiros só de um lado, o da volante. ” (MACIEL, 1985, p.195)


22 E toda a ação do geopsiquismo faz-se presente, quando em fato de que aquele menino foi totalmente moldado no grande homem pelo qual se tornou, um homem sertanejo. Um homem de características físicas e mentais de um sertanejo, forte, corajoso, incansável pela sobrevivência e por fazer justiça. Educado através dos longos anos de sua juventude, naturalmente foi-se cristalizando e abrindo para as novas perspectivas que surgiam em sua vida. “Integrando-o intensamente no meio ambiente de ser sertão. Formando-lhe uma personalidade tipicamente sertaneja”. (MACIEL, 1985, p.91) Ser sertanejo, de alma e coração só fez com que Lampião se tonasse um líder preciso e determinado. Daquele ponto em diante, sabia ele tudo o que faria para fazer a sua justiça. Triste realidade o fato de se ter que fazer justiça pelas próprias mãos, mas de fato a única alternativa para livrar seu povo da que por eles era considerada de determinação divina, mas que para os olhos do resto do mundo, apenas abuso de poder. Todas as vivencias de sua vida pré cangaceiro, já estavam a molda-lo, fazendo com que Lampião conhecesse os seus caminhos e desafios do cangaço. Através dessas viagens. Ficava também Virgulino conhecendo, palmo a palmo, as futuras “estradas do cangaço”, com suas veredas e atalhos, os acidentes da região, os esconderijos e coitos, os olhos d’água e as bebidas, os botequins e pousos nos pernoites para o descanso sem risco, ao mesmo tempo que tratava relações de conhecimento e amizade. (MACIEL, 1985, p.96)

Mirando já no campo do movimento do cangaço, tem-se desta forma que existiram dois períodos na vida de Virgulino. A primeira é bem marcada pelo seu início, pela sua entrada, na qual tem-se os diversos aprendizados junto a Sinhô Pereira (O maior cangaceiro antes de Lampião, no qual foi seu mestre e o introduziu ao movimento, deixando logo a seguir o seu bando sob o comando do jovem aprendiz) e na formação e consolidação do seu bando. E a segunda fase onde “ele procurou acompanhar o progresso, utilizando-se de facilidades à medida que iam surgindo. Sempre que possível passou a usar carros, lanternas de pilhas, garrafas térmicas e telefone. ” (AMAURY; FERREIRA,1999, p. 45-46) O Rei do cangaço, portanto construiu uma história, na qual vivenciou todas as emoções e vicissitudes de um homem que vive à margem da lei, entretanto é estranho dizer estas palavras, já que fora as próprias leis e a própria sociedade que o introduziram em tal meio,


23 há, obviamente, um Lampião real, e um outro, muito mais vivo e forte que este, mítico. Quer queiram ou não os seus detratores, com o poder de influir até na imaginação dos que integram as elites econômicas e intelectuais. Este Lampião é produto das desigualdades sociais. (AMAURY;

FERREIRA, 1999, p.11) restando a busca por seus meios próprios de simplesmente sobreviver, de então criar as suas próprias leis, de acordo com o maior sentimento que o homem sertanejo carregava, a esperança. Construiu-se, portanto, junto a todos os fatos vários Lampiões, mas no qual é excluído todos os fatos irrelevantes e destacados aqueles no qual o fizeram construir a lenda do estilo do cangaço. E é buscando basicamente isso que como o próprio Virgulino em: “ – Se não me dão os meios de conseguir, eu tomo. ” (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.28) que temos os roubos, no qual eram consequência da sociedade descrita acima, que não dava chance de as pessoas possuírem bens por meios dignos e que foi um dos pontos que fizeram com que ele fosse caçado, assim como se anseia caçar um animal, por diversos anos. “ Lampião, ao contrário do que muita gente pensa, não foi o primeiro cangaceiro, mas foi, praticamente, o último. [...] Sem dúvida nenhuma foi o mais importante e o mais famoso de todos ”. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.44)

CAPITULO 2: CONSTRUINDO UMA ESTETICA

Buscar referências bibliográficas que demonstrem a complexidade e a habilidade de Lampião e seus demais homens (e quando se refere a homens é apenas uma expressão de generalização a todos aqueles que formavam os bandos cangaceiros do rei do cangaço) é de uma tarefa incrivelmente difícil. Já que a maioria das biografias de Lampião e Maria Bonita pouco relata a forma como os cangaceiros se vestiam, e muito menos aborda a complexidade funcional e a extrema habilidade demonstrada pelos cangaceiros na distribuição das peças de seu vestuário sobre o corpo, que apresenta, de fato, sua razão de ser.(LIMA, 2007, p.2)

Desta forma torna-se primordial para a composição deste estudo definir que as indumentárias e acessórios utilizados por Lampião e os cangaceiros não fizeram parte do que chamamos de moda. Já que moda é um fenômeno social do qual compreende das muitas tendências que são lançadas e tem um momento que data o início e o final, daí a


24 expressão ‘ Está na moda! ’ ou ‘ já saiu da moda! ’, o que não é este caso, já que não houve nenhuma repercussão em torno das roupas dos cangaceiros que as tornassem um grande fenômeno e logo depois fosse embora e fossem esquecidas com o tempo. (MATARAZZO, 2016.) O que ocorre é a simples questão de que o capitão Virgulino conseguiu junto ao seu bando reunir todos os seus gostos, modo de ser, de agir, de viver aos seus desejos, suas fantasias em suas próprias roupas, criadas e confeccionadas muitas vezes por eles mesmos, resultando assim na criação de um estilo, no qual era seguido por todos do bando e que influenciou gerações no decorrer dos anos futuros. Para que melhor se compreenda a definição do estilismo no cangaço necessário se faz conceituar estilo. Kalil, [..] explica que o estilo é o que dá oportunidade de cada pessoa ser absolutamente única, justificando que “o estilo é mais do que uma maneira de se vestir: é um modo de ser, de viver e de agir”. Baseado nas escolhas particulares, nas preferências, desejos, humores, sem esquecer das fantasias de cada um que também colaboram. Diz Kalil que a moda é uma proposta da indústria e o estilo é uma escolha pessoal. E acrescenta que “o estilo não tem muito a ver com a moda” porque ela passa, enquanto o estilo permanece. (LIMA, 2007, p.3) Mais do que uma maneira de se vestir: é um modo de ser, de viver, de agir. São suas escolhas particulares, suas preferências, seus desejos, humores e até mesmo suas preferências, seus desejos, humores e até mesmo suas fantasias(...) O estilo é uma escolha pessoal. Embora possa parecer estranho, na vaidade o estilo permanece. (Kalil apud LIMA, 2007, p.6)

Quando se tem, portanto, a formação de um estilo, a construção de uma indumentária ou a transformação de uma tendência em moda, todos eles são produtos do meio em que se vive, ou seja, são desdobramentos sociais no qual acabam de alguma maneira absorvendo tudo o que ocorre nela, sendo fatores políticos, econômicos, culturais e à vista disso transcritos de alguma forma para as roupas. “ Na visão de um artista ou profissional de moda, estilo é algo que caracteriza o modo particular de realizar uma obra ou idealizar uma tendência”. (LIGER, 2012, p.39) A partir deste ponto temos que a formação do estilo que seria caracterizado de irreverente futuramente e de uma estética totalmente perfeita em tais condições sociais abordadas nos capítulos anteriores desta pesquisa, temos que a sociedade cangaceira, de


25 primordial importância neste estudo, construíram uma lenda não apenas histórica, mas também estética. “ Cangaceiros, coronéis e coiteiros eram personagens de um quadro social que se completava com muitos outros como lavradores, rastejadores de abelha, caçadores, redeiros, almocreves, boiadeiros, tangerinos, etc”. (AMAURY; FEREIRA, 1999, p. 34) Existiam também os chamados “coiteiros, indivíduos que prestavam diversos tipos de serviços, dando informações, fornecendo alimentação e abrigo, fazendo suas compras, etc. Eram assim chamados porque os abrigos eram chamados de “coitos”. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.33)

Os coiteiros não eram personalidades exclusivas, que viviam apenas para cumprir a função de prestar os serviços que os cangaceiros não podiam realizar, eram sertanejos comuns, muita das vezes pobres e poucas das vezes mais afortunados diante de uma sociedade miserável devido tanto a seca, quanto a sua formação colonial. Eles sofriam diversos ataques por parte das forças policiais pelo simples fato de fornecer o que os cangaceiros pediam. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.34) Em campo completamente oposto aos coiteiros, que ajudavam os cangaceiros, existiam as forças perseguidoras, de diferentes origens mas sempre dispostos a encontrar e sumariamente liquidar os perseguidores. Eram forças oficiais que permaneciam em seus quartéis à espera de informações para sair a caça de cangaceiros, ou ajuntamentos policiais que permaneciam em constante movimento, seguindo a pista dos bandoleiros, sendo, por isso, chamados de volantes. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.34)

Muitos homens dos volantes eram aliados ao governo e a coronéis das regiões onde se encontravam, porém tem-se também o fato de que muitos sertanejos miseráveis, frutos da mesma sociedade que os tornou assim, se aliavam a tal e tornavam-se volantes na esperança de fugir de tal situação. A sociedade dos cangaceiros era composta por muitas outras pessoas além do bando de homens armados de Lampião e as poucas mulheres que seguiam os seus companheiros, a partir do ano de 1930. As figuras citadas acima são apenas um pequeno esclarecimento de quem eram e qual a função que tinham visto que não se faz necessário a explicação de coronéis e beatos, por exemplo. Dentro disto, tem-se classificado por ordem de maior prestigio coronéis, cangaceiros, volantes, coiteiros, beatos, vaqueiros e sertanejos, tendo-se claro que mesmo diante de personalidades afortunadas ou abastadas, os cangaceiros viviam de negociações para conquistar tudo o que precisavam, dentre isso


26 roupas, calçados, alimento, dinheiro, remédio, bebidas, entres demais outros e não aceitavam quem os negassem. (AMAURY; FERREIRA, 1999; LINS, 1997) Eis que “esse romantismo, bem característico do brasileiro” (Luís Jardim apud, MELLO, 2015, p.188-189), no qual mistura em um mesmo lugar diversos tipos de personagens, o herói e o bandido, o cangaço nasceu e utilizou de tais elementos para compor todas as histórias de atrocidades, barbáries, doação, e justiça principalmente. De Lampião e seu bando de cangaceiros nasceu também uma grande história de indumentária, estilo, estética e irreverencia ao que se estava acostumado em território tão abatido por seus acontecimentos marcantes. Habitando um meio cinzento e pobre, o cangaceiro vestiu-se de cor e riqueza. Satisfez seu anseio de arte- a um tempo, de conforto místico- dando vazão aos motivos profundos do arcaico brasileiro. E viveu sem lei nem rei em nossos dias, depois de varar cindo séculos de história. Foi o último a fazêlo com tanto orgulho, com tanta cor, com tanta festa. E herança visual tão expressiva. (MELLO, 2015, p.194)

2.1. Desenvolvendo uma indumentária

A indumentária do cangaço e toda a construção do estilo único e irreverente conjugado a estética perfeita em elementos teve de fundamental importância a presença de figuras importantíssimas. Virgulino ou mais conhecido pelo seu nome de guerra Lampião, não a criaram por si só, sem a interferência de outros. Foi necessário a união da habilidade de um com os bordados, junto a habilidade com o couro de outros, a importação de referências em estilo da época, entre outras na qual citaremos na continuidade desta pesquisa. Assim como se tem que a história de Virgulino possuiu algumas fases datadas neste estudo, da qual foram a sua infância, adolescência, a perda de sua mãe e em seguida de seu pai, a sua entrada no cangaço de Sinhô Pereira, a sua ascensão como líder cangaceiro após assumir o bando, e o direito a entrada das mulheres em seu bando, acompanharam a construção do estilo cangaceiro, que também passou por algumas fases.

Lampião era alto, com mais ou menos 1.80m. Na época em que conheci tinha cabelos curtos e escuros. Só deixou de cortálos a partir de janeiro de 1927. Era magro, de cor morena escura. Naquele tempo não usava óculos, pois sua vista não


27 estava muito afetada pelo glaucoma, e nem tinha acontecido o combate em que o espinho de guipá cegaria totalmente seu olho direito. Suas mãos chamavam a atenção, com dedos longos, sem sequelas nem ferimentos. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.76)

Lampião construiu suas indumentárias, assim como qualquer outro sertanejo, com peças simples. Assim como em qualquer outra região do pais, as roupas são adaptadas a múltiplos fatores como clima, condições financeiras, heranças culturais, e assim por diante que, portanto, deve-se considerar que no século XIX e XX, a moda, e as indumentárias utilizadas tinham grande parte origem estrangeira, principalmente dos países da Europa que colonizaram a região, como Holanda e Portugal. (MELLO apud FELICIANO, et al, 2014, p.13) Ao dizer que as roupas vinham de fora, temos a sequela de que “ A indumentária importou características sertanejas e europeias” na construção de um estilo e na indução do raciocínio do fato que as tendências dos anos 20 chegavam ao sertão com quase dez anos de atraso. (MELLO, 2015) Isto posto, vê-se na figura 01 que a primeira fase de Virgulino data a grande influência sofrida por conta dos cangaceiros abastados, sendo ele Sinhô Pereira. É estreita a relação de referências na vestimenta entre a primeira figura onde temos Lampião e seu irmão Antônio e a segunda, onde tem-se Sinhô Pereira (sentado, pelo maior prestigio) e outro cangaceiro ao seu lado. Na segunda figura temos a descrição de uma indumentária impecável para jovens abastados, no qual de origem sertaneja, mas que sofreu a influência forte das roupas masculinas tipicamente sob tendência dos anos 20 e da alfaiataria inglesa. (LIMA, 2007) Nas camisas, um peitilho sobreposto e punhos de tecido nobre: cambraia de linho ou seda inglesa. O colarinho era rígido e suposto como era o costume. As gravatas de seda, muito curtas chegam só até a altura do peito. A calça apresenta um gancho alto, corte reto e perna curta, deixando à mostra o sapato. Os cabelos untados, provavelmente de brilhantina, denotam esmero e requinte dos jovens abastados. (LIMA,2007, p.4)

Já para jovens menos favorecidos, a utilização de apenas algumas peças, conjugadas ao que lhes eram de gosto, de herança ou de condição fazia nascer um estilo totalmente sertanejo estrangeiro, como cita Mello.

Observada na estrutura dos paletós e calças [...] onde posam Lampião e seu irmão Antônio Ferreira. Embora o estilo inglês esteja replicado nestas vestes, aquilo que irá caracterizar o “estilo cangaço” já é perceptível. A dificuldade de acesso a


28 peças refinadas de vestuário faz com que a distinção do estilo seja bem diferente, porém sua silhueta é a mesma. Sendo assim, no paletó percebe-se que as ombreiras permanecem sem ampuletas. A estrutura superior continua acinturada mas, a inferior se soltou e recebeu bolsos laterais, de formato e tamanho diferentes, de acordo com o uso costumeiro da região. A gravata de seda foi substituída pelo lenço, porém, mantendo a mesma altura. A calça imita o mesmo corte e modelo. As vestes são confeccionadas “com risca de giz” mas recebem o cangalho de couro, lençóis de forro e coberta, enrolados junto ao corpo e por baixo da cangalha, e bem como as primeiras alfaias e atavios que iriam dar o tom no estilismo do cangaço: as alianças substituindo o nó da gravata, os rebites nas alças fixadoras dos chapéus, as peças metálicas nas alças dos rifles e o punhal. (LIMA,2007, p.5)

É nessa relação pautada em roupas que vemos a total inspiração entre Virgulino e Sinhô Pereira, mas deixa-se claro que a influência ‘ cavalheiresca’ na maneira de se vestir não foi copiada apenas pelo jovem cangaceiro e seu bando, mas por muitos outros habitantes sertanejos. A principal influência na construção desta indumentária é a alfaiataria, notada nos colarinhos, punhos, blazers, entre outras peças.


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Figura 1: Lampião e seu irmão Antônio Ferreira Fonte: http://cariricangaco.blogspot.com.br/2010/04/prenuncio-de-uma-guerra-anunciadanasce.html


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Figura 2: sinhô Pereira (sentado) e Luiz Padre (em pé) Fonte: http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br/2012/08/surge-sinho-o-maior-dos-pereirasno.html

Entretanto toda essa influência das tendências vindas do estrangeiro, tem-se que o homem sertanejo mais simples não desfrutava destas roupas e de nada que compunha este estilo. Então foi criado por eles mesmos uma maneia única de cobrir o seu corpo,


31 utilizando não de tecidos finos como a cambraia e o linho, mas do algodão puro, pesado e rígido. O couro foi em vista disso a grande alternativa para proteger o corpo das vegetações espinhentas e dos galhos secos e afiados das arvores baixas e secas da caatinga nordestina, já que além de cuidar e semear a terra em busca da fertilidade das plantações ou em busca da maior alegria do sertanejo, a água, ele assume a função de vaqueiro. Desse modo o elemento mais característico da região era o vaqueiro, totalmente vestido com roupas de couro: chapéu, guarda-peito, gibão, calça e ... alpargatas. A vestimenta de couro era essencial para proteção do vaqueiro contra os espinhos e os galhos da vegetação ao procurar e recuperar animais extraviados. (AMAURY, FERREIRA, 1999, p. 34)

Em questão, isso se transcorreu a Lampião, visto que ele também andava pelos sertões, cruzava não apenas com arvores secas, mas era acompanhado pela visita de animais típicos da região. “E ali existiam onças pintadas, suçuaranas, onças pretas, veados e tipos variados de serpentes como jararacas, jiboias, cascavéis, etc. O gavião carcará é um dos mais conhecidos habitantes dos sertões, assim como diversas espécies de lagartos”. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.31)

Assim foi datada a primeira fase da indumentária do bando de Lampião. O início do jovem cangaceiro carregou tais peças de roupas, bastante utilizadas pelos cangaceiros anteriores e pôr os demais habitantes do sertão. Entretanto é claro que os acessórios compunham as suas indumentárias, como os famosos cintos de bala, os chapéus de couro e os lenços extremamente coloridos. A alfaiataria dominava esta fase e até o ano de 1926 e era quase que um ‘uniforme’ fixo e todos os acessórios utilizados na indumentária, tais como alguns exemplos citados acima possuíam uma utilidade, uma função no cotidiano dos cangaceiros, e podiam ser consideradas como estratégias na hora de suas ações. “Se utilizava de um apito que ficava amarrado a uma fina tira de couro e preso na cinta que sustentava o cantil”. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.48) Mas se tais homens viviam em uma vida nômade, entre os caminhos de espinhos e galhos retorcidos como conseguiam estar sempre bem vestidos? A feição de suas roupas podia ser dos próprios homens, que carregavam como bagagem isso, entretanto são várias as passagens e relatos de que quando o bando de Lampião passava por alguma cidade eles roubavam dos mais afortunados ou então encomendavam de alfaiates da região. Como


32 exemplo tem-se o seu passeio na cidade de Custódia, datada em sexta-feira 30 de janeiro de 1925. Durante esse passeio, Lampião e mais dois ou três da cúpula do bando passaram por uma alfaiataria, onde resolveram mandar fazer “uniformes”, desde que as roupas fossem entregues antes do cair da noite. - Claro, claro, capitão! – imaginamos pobre alfaiate prometendo, ao mesmo tempo em que tentava imaginar como iria se virar para cumprir o trato. De qualquer modo, no final da tarde as roupas foram entregues como prometido. Nada como uma boa motivação para se conseguir resultados. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.103)

A partir do ano de 1926, através de um pedido de Padre Cícero, a quem Lampião e praticamente todos os sertanejos eram fieis devotos, a indumentária começou a ganhar mais cores, nas quais não eram vistas apenas em seus lenços. Por esse tempo o traje normalmente mais usado era composto de calça, paletó e camisa, esta do tipo gola de padre. O tecido do terno variava, informam pessoas da época. Um deles, muito usado para o paletó era popularmente conhecido como “farinha com pólvora”. Era uma espécie de brim encaroçado. As calças eram geralmente de tecido riscado, mas variavam de pessoa para pessoa. Esses trajes foram usados até a célebre visita de Lampião e seu bando ao padre Cícero, em Juazeiro, no Ceará, quando em março de 1926, receberam fardas. (AMAYRY; FERREIRA, 1999.p.77)

Logo torna-se bastante intrigante essa relação dos cangaceiros com ‘Padin Ciço’ e uma futura nomeação que mudaria a indumentária deles. Mas como qualquer outro homem de origem sertaneja, a devoção era parte do espirito e a fé era o sentimento mais inabalável. Eram também extremamente religiosos e muito supersticiosos, parte de sua herança cultural e familiar. Respeitavam a figura dos padres, de forma geral, e de padre Cícero em especial. [...] Quase todos os cangaceiros carregavam patuás e rezas fortes, embrulhadas em saquinhos de pano que traziam junto ao corpo, acompanhadas de medalhas de santos de sua devoção. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.45)

Na hora em que o bando de Lampião entrava nas casas ou comércios, a única forma de se salvar, era a simples imagem do famoso padre no local. “Em várias ocasiões deixaram de assaltar casas apenas porque tinham imagens do Padre Cícero. Um pedido de padre Cícero era uma ordem, e a simples invocação de seu nome salvou muitas vidas” (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.45). Toda essa devoção não rendeu a Lampião apenas proteção, mas por parte de uma grande admiração por parte do padre, ele fez com o


33 capitão e seu bando se tornassem oficiais do Batalhão Patriótico, que, portanto, protegeriam diretamente o maior padre do sertão nordestino. Além de tamanha importância para a sociedade, essa nomeação teve uma função maior ao bando, agregou mudança no estilo dos cangaceiros. Estes que a partir de tal nomeação ganharam mais do que uniformes oficiais, as fardas, e o completo armamento bélico, mas ganharam em especial uma cor forte a que levariam até o fim do cangaço. No dia seguinte à sua nomeação, seguindo os demais termos da negociação, Lampião e seu rupo dirigiram-se ao depósito do Batalhão Patriótico, ainda em Juazeiro, para receberem suas fardas, fuzis e munições. A cor do fardamento era o azul acinzentado, que passou a ser, dali por diante, a cor “oficial do bando de Lampião” (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.124)

Foi apresentado que a indumentária de Lampião ganhou características de acordo com o momento em que viviam, o início e o meio. Todavia também será apresentado as características que ela ganhara por seguinte e que tudo isso se faz por uma ação já comentada no início desta pesquisa, a ação do geopsiquismo, no qual engloba a relação de que o homem é produto do meio (social e físico) no qual ele vive, através da repetição quase que constante dos fenômenos. (MACIEL, 1985) São esses fenômenos, portanto que agiram na transformação tanto espiritual quanto na aparência do capitão Virgulo, e que moldaram todo o seu bando.

2.2 O imaginário do feminino- As mulheres no cangaço

Se até este momento do estudo obtemos apenas dados que caracterizem o universo do cangaço como masculino, marcado exclusivamente pela presença de homens, com características peculiares, na qual são rústicos e aparentemente sem nenhuma estrutura sensível ou emocional, intitular esta seção com o adjetivo no qual determina o gênero totalmente contrário ao que temos apresentado seria totalmente errado, entretanto visado na ordem cronológica de acontecimentos, que auxiliaram na mudança tanto do regimento interno do bando de Lampião quanto no desdobramento da estética do cangaço, temos o início da terceira fase, no qual a que segundo os estudos se tornou mais importante e fluente na mudança da indumentária do bando e que gerou peças de designer impressionantes para as condições que tais personagens viviam e os quais temos conhecimento até os dias de hoje e que se tornou, portanto, a inspiração para este trabalho e para demais outros.


34 A criação do estilo se origina da absorção de todo o modo de viver, dos gostos e atitudes de quem o cria, temos assim que essa última fase do cangaço, antes da morte de nossos personagens principais em 28 de julho de 1938, trouxe mudanças que desestruturaram não apenas a sociedade sertaneja, mas necessitou da quebra dos princípios e leis do bando de Lampião. Amar uma mulher então, era para a sociedade sertaneja era o mesmo de condenar o homem a sua própria morte, ele deixava de ser ‘homem viril’ para se tornar um homem de corpo aberto, no qual estava sucessível tanto a derrota em batalhas, quanto a demais outros acontecimentos que o prejudicariam. Amar uma mulher desviriliza simbolicamente o cangaceiro. Uma vez dessacralizado, sua epiderme não mais protegida, ele ficará marcado com uma nódoa, tatuagem abrindo o corpo às balas, numa penetração sem controle nem proteção. Penetrando, o cangaceiro perdia sua virilidade, e seu corpo "ficava como uma melancia", flácido, fertilizado como uma mulher pelo "sumo" das balas, e entregue a uma "moleza" que o deixaria passivo, efeminado: uma alma feminina num corpo fálico, guerreiro! (LINS, 1997, p.25)

A presença da mulher sob o corpo masculino o transformaria em um ser totalmente incoerente para a vida sob tais circunstancias, o eliminaria de ser um guerreiro, um herói, para ser um homem no qual vive em função do corpo, do prazer. O corpo feminino foi apresentado como ponto no qual leva o homem do cangaço a ser dependência, ao fato de que como qualquer homem, ele deveria gozar de todos os prazeres carnais que o satisfariam. Desta forma, livre da presença feminina, estariam livres do desejo permanente que a proximidade do corpo feminino lhe traz, e que tornou a mulher como um objeto apenas de prazer, no qual não se deve amar. (LINS, 1997) [...]No meu tempo não havia mulheres no bando. Mulher só podia trazer más consequências, dividindo o homem, fazendo o grupo brigar por ciúme ou por outro motivo qualquer. Eu fiquei muito admirado quando soube que Lampião havia consentido que mulheres ingressassem no cangaço. Eu nunca permiti, nem permitiria. (LINS apud Amorim apud Sinhô Pereira, 1997, p.26)

Mediante todos os contras sobre a presença da mulher a um homem guerreiro, e as crenças de uma sociedade sertaneja, a entrada das mulheres no cangaço ocorreu de fato com a união de Lampião e Maria Bonita, o maior amor dos sertões nordestinos.


35 “A mulher cangaceira representou, de fato, uma ameaça à ordem simbólica do cangaço; mais ainda, à ordem simbólica sertaneja, sociedade na qual as bases materiais ou imaginarias dessa ordem pertenciam à desordem instituída. ” (LINS, 1997, p.119) E mais, este fato marcou não apenas a mudança de um código inquebrável de leis da sociedade independente dos cangaceiros e de seus diversos homens, mas mudou a maneira como cada homem se portava, como cada um se comportava; mudou a maneira de pensar e agir do bando em conjunto e mudou a concepção que a sociedade sertaneja nordestina e todas as outras que circulavam tinham das mulheres. (LINS, 1997) Mesmo se alguns estudiosos insistem em apresentar o cangaço como uma história masculina e vão redigir seus escritos a partir unicamente da palavra dos homens, não é possível negar uma evidência: com o ingresso das mulheres, e estudo sobre o cangaço impôs uma nova metodologia. O pesquisador vai, a partir desse acontecimento de uma grande originalidade, dividir o estudo do cangaço em duas fases: antes e depois da chegada das mulheres. Ou ainda, antes e depois de Maria Bonita, protótipo da cangaceira emancipada, da mulher bela, pensante e forte. (LINS, 1997, p.65)

“Nesse contexto pode-se ver, efetivamente, a entrada das mulheres no cangaço, em 1930, como uma "revolução feminina”. ” Na qual mesmo obedecendo as ordens e respeitando toda a ordem- autoritária masculina na qual estavam inseridas, elas utilizaram de toda a façanha da mulher para pouco a pouco conquistar o seu lugar, e “mais tarde elas impõem nova pedagogia, inserindo na desordem e na violência um esboço de consciência, sem, contudo, estrangular o coração do desejo. ” “ E assim, num movimento binário que passava, necessariamente, pelo prazer de amar e ser amada, de possuir- fisicamente- e ser possuída, numa mistura de ação e paixão, a cangaceira impôs ao amor higiênico o amor subversivo, o impossível romance! ” (LINS, 1997, p.127) A presença e Maria Gomes de Oliveia no bando de Lampião abriu um precedente, pois até então os grupos de cangaceiros eram formados apenas por homens. Se o “Rei do Cangaço” admitia que sua companheira o seguisse, outros tomaram-no como exemplo. Labareda [...] trouxe Mariquinha. Corisco passou a ter Dadá a seu lado. [...] E assim por diante. Num piscar de olhos podiam-se contar quarenta mulheres entre os cangaceiros, onde antes não havia nenhuma. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.193)

A união entre os gêneros criou a história amorosa do cangaço, que foi “antes de tudo, uma repetição intensa de exclamação e êxtase, forma singular de exorcizar o temor e de cantar a vida "que tem medo da morte”! ” (LINS, 1997, p.46), no qual mesmo sem


36 ser planejado como mais uma artimanha de cangaceiro, se tornou um grande diferencial, desestruturou as fronteiras e causou escândalo entre quem fosse que ouvisse. A fase amorosa do cangaço ameaçou a fronteira entre o privado e o público, desequilibrando a máquina policial, desorientando chefes e soldados das volantes. Esses, como os cangaceiros ou admiradores de Lampião, sentiram-se "traídos" pelo "divino bandido", objeto de ódio - subjetividade pura - e de amor- amor ao outro como reflexo de si mesmo. (LINS, 1997, p.56)

Posto isso, é impressionante questionar o porquê da condenação da mulher como um ser que simbolicamente se assemelha ao diabo, ou seja, desestrutura a vida de um homem, torna-o um verdadeiro inferno, diante da esperança que elas trouxeram aos corações solitários do cangaço, diante da alegria que cada homem sentia ao ter uma companheira nas estradas solitárias ao que percorriam. Sendo assim, diante da presença feminina em ar de romance, o cangaço de Lampião ganhou ares de familiaridade, onde as mulheres não participavam das batalhas, apenas carregavam um revolver de calibre 32 para sua defesa, e onde “uma das consequências da presença da mulher nos grupos [...] foi que os homens passaram a ter mais respeito pelas famílias constituídas, de maneira geral”. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.193). É nesse sentido que se apresenta que o destino do cangaço mudou drasticamente com a chegada das mulheres, mas o que realmente mudou não foram as atitudes tomadas pelo bando, ou a maneira como viviam ou agiam, o que realmente mudou foi o destino do homem, enquanto ser humano, o destino de um homem, Lampião. As mulheres sabiam que assim como os homens, o cangaço não era brincadeira e tampouco passatempo, todavia, acreditavam, porém, na possibilidade de construir a vida a partir da morte.[...] Ao contrário da violência esvaziada de conteúdo, as mulheres pareciam optar pela agressividade, enquanto movimento, ação e reação, alavanca necessária à autonomia dos sujeitos – uma violência positiva, quem sabe? Produtora de novos conceitos, novos saberes, numa nova sociedade. (LINS, 1997, p.66)

No contexto da sociedade sertaneja, onde a mulher que ansiava por uma vida livre e fora dos costumes ao qual foi criada, era condenada a mulher sem destino, mulher da vida, ou em palavras claras, uma prostituta, “o amor em tempo de cangaço, como em tempo de epidemia, motivava homens e mulheres a se abandonarem ao prazer, a uma


37 sexualidade sem limites, a um gozo perene” (LINS, 1997, p.76). Muitas mulheres sertanejas, sonhavam com a vida apaixonante do cangaço e com as muitas noites de paixão entre o homem e a mulher. A fase amorosa do cangaço trouxe senão a morada, a reconciliação à sua maneira com a relação entre o sexo e figura feminina, ou a violência instituída. Desafios não apenas para àquelas que largavam tudo para seguir esta vida, mas desafios senão para o rei do cagaço. Lampião por ser um produto macho, sofreu condenações por parte de sertanejos amigos e inimigos também. Apresentado que a mulher trazia riscos e perigos para um homem que vivia de luta, a paixão o condenava mais do que qualquer outra consequência que poderia vir com a entrada das mulheres no bando”. Paixão enquanto sofrimento, paixão enquanto fenômeno vivido, iluminado pelos deuses e que consume sem esperanças aquele que a vive” (LINS apud Enriquez, 1997, p.42) De mulher misteriosa à mulher canibal, todas as palavras sentenciavam a cabeça de Lampião contra sua amada, contra sua paixão. Assim, ele não se sentia um amante, mas sim um homem mais fora da lei pelos seus sentimentos do que por atitudes de sua vida enquanto cangaceiro, um homem no qual não poderia nem sequer ter o perdão de Deus. Entretanto, mediantes todas as acusações, como uma personalidade forte e decidida, ele não se importava, não podia “mais lutar contra a epiderme, contra o coração amarrotado, porém em chamas. A carne gritava, a cabeça explodia. O exilio interior o deixava cada vez mais infeliz, acabrunhado. Era preciso tomar uma decisão. Agir ou morrer de paixão... longe do ser amado”. (LINS, 1997, p.42) Entregando-se completamente, foi com 19 anos que Maria Gomes de Oliveira, Maria Déia ou Maria Bonita deixou tudo para seguir o cangaço. “Ela deixou tudo, marido, casa, família, para acompanhar Lampião”, Lampião ao bater à porta e procurar erguendo timidamente os seus olhos, completamente envolvidos pelo nervosismo à procura do olhar de Maria, ele teve a maior surpresa de todas, “ela estava pronta, tinha tudo o que uma cangaceira precisava para enfrentar a vida dura do cangaço”. Sem hesitar a timidez de seu amado a qual tinha receios sobre o fato de Maria ainda ser casada, ela como muitas outras vezes seria, forte, rápida e destemida, encurtou completamente a história e disse: “Estou pronta! Vamos! Se você não quiser, eu quero! ”. (LINS, 1997, p.43)


38 A sua entrada foi marcada pelo batismo e por seu nome de guerra, “Santinha”, o mesmo ao qual teria sido da primeira paixão de Lampião, quando tinha apenas 16 anos e era adolescente. A partir deste momento, a caatinga conhecera aquela que uma vez instituída como cangaceira, jamais, em vida ou morte, deixaria de lutar nos sertões nordestinos. “Estrela só tinha uma, essa chamava-se Maria Bonita, a rainha do sertão” (LINS apud Eusébio, 1997, p.49)

2.2.1 Masculino e Feminino: a idealização da indumentária Influenciado pela cultura feminina, proveniente da entrada das mulheres no cangaço, o movimento dos sertões nordestinos começa a viver a partir deste ponto a grande experiência na qual o marcará com extrema originalidade. Nesse sentido, temos que saber que o fim da divisão dos sexos é o que aproxima esse fato a nova fase da criação de uma indumentária repleta de uma estética perfeita em elementos. (LINS, 1997, p.119) Mas como todo pesquisador do imaginário, é necessário findar-se em experiências práticas, fatos históricos relevantes e resíduos colados aos personagens. Apenas o sonho, as hipóteses, a mística ou fatos contados não são suficientes para que se obtenha a realidade do imaginário. Imaginário este por ser em síntese algo como o subjetivo, o que não é certo por simplesmente não ter vivido no mesmo período e ter comtemplado da mesma realidade de ambos os personagens relatados. É nesse caso que a subjetividade que consiste entre o masculino e o feminino ganha forma e conectividade junto a pesquisas concretas. “Apesar do silêncio dos biógrafos, pode-se afirmar que o cangaço produziu uma moda acoplada a uma estética guerreira” (LINS, 1997, p.58), e que evidentemente, como foi apresentado anteriormente neste capítulo, antes da chegada de Maria Bonita, de Dadá e das outras mulheres a moda existia no cangaço, mas o orgulho e a beleza de Maria Bonita é que fizeram dela não apenas a figura central da estética cangaceira, junto a Lampião, claro, mas também a fizeram uma deusa-viva e amorosa. “Orgulhosa como um pavão a ombrear com o macho temível. Sorrindo sempre, mesmo na prática do amor”. (LINS apud Macedo, 1197, p.61)


39 “As cangaceiras modificaram o movimento do cangaço, inaugurando, nesse universo, uma ordem moldada pela cultura feminina numa idealização igualitária e numa reciprocidade de gêneros”. (LINS, 1997, p.69) Há quem pense nesse caso que as mulheres, limitavam-se as funções domesticas como lavar, passar, cozinhar, e cuidar dos coitos. Entretanto é um grande equívoco pensar nisso, visto que em diversas referencias bibliografias, e em relatos da ex-cangaceira Dadá, há a afirmação concreta de que não era assim, “as refeições, por exemplo, eram preparadas pelos homens, alternadamente, e consta que assavam carne muito bem” (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.194), apenas nas lutas armadas, contra inimigos e volantes é que eram dominadas por homens. Mas o que traz a profundidade necessária é mostrar o fim da divisão dos sexos no cangaço, em todo o bando de Lampião, a regra geral é que não existia afazeres ou simplesmente femininos ou roupas e acessórios que fossem de mulher e de homem, é como se a relação proposta nos dias atuais da não divisão de gênero ao se vestir, já existisse há muito tempo atrás, no cangaço, e que essa lei era imposta por um homem completamente viril, e que não se importava hora nenhuma de preparar uma comida ou mesmo de “dar o primeiro exemplo da desenvoltura na agulha e na linha”. (MELLO, 2015, p.74; LINS, 1997) Contudo, é um grande equívoco pensar que as funções das mulheres no cangaço, limitavam-se às prendas domésticas, tipo lavar, cozinhar, cuidar de casa, no caso, do coito. Não era assim, de maneira alguma. As refeições, por exemplo eram preparadas pelos homens, alternadamente, e consta que assavam carne muito bem. (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.194)

Os heróis do cangaço, apresentavam traços de feminilidade, o que era fundamental, visto que isso realçavam os valores viris que eles deveriam ter. Mas o verbo imitar não deve ser hora nenhuma interpretado de maneira equivocada, Lampião assim como outros demais companheiros de vida utilizavam da imitação feminina como uma forma de significa-la. Anunciar através da “vaidade”, da escolha das cores ditas “femininas”, ou abraçar a estética da mulher, segundo as categorias sociais do feminino, era para o herói universal, não a ferida da virilidade, mas a “fraqueza heroica da força”.


40 Quando a tentação “feminina” emerge... “o herói a nomeia para melhor afastá-la”. (LINS apud Loraux, 1997, p.169)

Homens e mulheres do cangaço tinham a partir da significação do feminino, o habito da vaidade e de cuidar da sua aparência incessantemente. Era como se esse feminino que habitava no corpo masculino, sustentasse a virilidade. Virilidade na qual não impõe de que o ser do sexo masculino que se aproprie do feminino sem que deixe de ser homem, acredita-se porem que isso o torna mais homem diante de tal fato. Essa, de certa forma, foi a maior contribuição da entrada das mulheres no cangaço. A indumentária e o modo de viver logo ganharam modificações. O recebimento de elementos do universo feminino mediante acompanhados das necessidades provenientes da vida nômade e fora da sociedade, fez com que o rei do cangaço criasse “mais do que uma moda cangaceira”, mas impôs ao imaginário social ao qual estavam inseridos o “modelo de nobreza guerreira”. Ele fez emergir uma cascata de signos palpáveis e invejáveis, transformando a efemeridade do gesto numa fonte de sonhos e desejos embriagados. A moda tornou-se pois, aqui também, uma expressão simbólica de prestigio e de status . Lampião se servia, implicitamente, da moda como um meio de assegurar um equilíbrio entre o desejo de conformidade e a vontade de distinção, segundo a tradição estética e sociológica, proposta pelo autor Barthes. (LINS apud Barthes, 1997, p.59)

Nesse sentido a moda cangaceira proposta, fez emergir no bando um significado muito maior do que eles possuíam anteriormente a isso, inaugurou uma micro sociedade na qual foi marcada pelo “conjunto de usos, de comportamento ou de opiniões marcadas num determinado meio cultural; é a expressão de uma admiração temporária relativa às práticas expressivas da vida social – como roupa, corte de cabelo[..]” (LINS apud Barthes, 1997, p.59). É a palavra que faltava para falar não apenas da categoria, nesse caso, o fenômeno da moda, mas de seus sujeitos, o cangaceiro que é o autor e criador e por casualidade o mero ator. Bem como é interessantíssimo a inter-relação adquirida nesta etapa de identificar o sujeito enquanto criador de moda, já que mesmo diante de tantos significados na vestimenta que serão vistos a seguir, e de toda a personalidade inserida na maneira de criar a sua moda, ele jamais se desfez do imaginário real ao qual pertence a moda, o desejo de mobilidade social e a imagem do corpo ao qual todos anseiam por existir. A moda do cangaço vai então encaixar o cangaceiro de acordo com o que o povo gosta, o que o povo


41 imagina e deseja ver na figura do cangaço, um homem/mulher “rico, fidalgo, belo, de uma beleza requintada, “exótica”, porém, real, porque estruturada na ordem dos signos e dos sentidos, no simbólico e no imaginário. E vendo toda essa relação e a composição da indumentária, é claro de ser ver que os cangaceiros “imitavam”, desta forma, com o real significado do verbo, aristocratas e figuras importantes da época, mas também ousaram e desafiaram a profusão da busca pela estética perfeita. “O ideal estético do “rei dos cangaceiros” e seu amor pela beleza e coisas finas contribuíram certamente à construção de uma estética especifica do cangaço”. Em meio a confusão dos signos e significados (a qual será visto a seguir), dos sentimentos aflorados pela paixão incessante das mulheres e pelo sentido de sua entrada no cangaço, o sentimento e vingança, emergiu em Lampião um ideal estético-ético, ao qual foi capaz de criar uma indumentária rica em detalhes, um estilo único e a estética perfeita em elementos. Lampião, por sua elegância, beleza rude, em tecidos e outros elementos fez a moda no cangaço aparecer como “uma expressão da diferença na grande diversidade formada pela cultura sertaneja, afastando-se dos heróis oficiais e dos bandidos de alta classe. Pela moda, Lampião marcou não apenas uma singularidade, mas se mostrou, instituiu-se e legitimou-se [...]. É como se o charme do cangaço e o toque de classe tivessem facilitado o olhar do outro na tela invisível do universo fantástico do cangaço, no que ele tinha de extraordinário e de sonhador. (LINS, 1997, p.60)

Diante de todas as características adquiridas há quem diga que Maria Bonita era de certa forma excomungada , de seios caídos, pernas fortes, quadris batidos, sem nenhum aspecto de beleza, de traços vulgares como qualquer outra mulher de cada rua do sertaozão de meu Deus, mas mesmo perante de poucos escritos sobre ela e de autores que evidenciam sua falta de vaidade, deselegância, as fotografias, tiradas pelo fotografo Beijamin Botto do bando no ano de ____ mostram “elegância tanto na moda utilitária – moda militar, guerreira- quanto na moda de lazer” (LINS, 1997, p.58) Nas lutas ou nos combates, assaltos ou emboscadas, os homens utilizavam de uniformes “de alvorada grossa, e as mulheres saias e blusas de mescla azul clara, de mangas compridas, meia perneira de lona e alpargatas”. (LINS, 1997, p.60)Tanto o modelo apresentado acima, em cor azul, derivado da influência de Padre Cícero sobre os


42 cangaceiros anteriormente a entrada das mulheres, quanto em tempo de paz, guardam-se pela elegância. “Nos tempos de paz, cangaceiros e cangaceiras – sobretudo Maria Bonita – se vestiam bem, exibindo uma moda “aristocrática” e moderna”. Mas de que forma emerge essa “moda aristocrática” do cangaço estava presente na maneira como se vestiam? Bem, a relação de acessórios e peças que as compõem será totalmente descrita e apresentada abaixo, contudo, mesmo diante disso, demonstrar como se vestiam é uma boa forma de identificar essa estética fundada. Para as mulheres, a era decote alto, os chapéus de feltro e os vestidos eram finamente acabados. Nos cabelos, penteados se limitavam à tranças e aos cocós. Fivelas e grampos ornavam os cabelos, como a marrafa. As unhas eram sempre curtas e as maquiagens sem exageros, utilizando-se apenas de pó-de-arroz e de rouge (o blush atual), não pintando em hipótese nenhuma os seus lábios com o carmim da época. As luvas eram utilizadas pelas mulheres assim como também pelos homens, e sempre em festividades e momentos de trégua. (LINS, 1997) “O vestido de mescla ou gabardina, de cor cinza claro, comprido até abaixo dos joelhos, mangas até a altura do punho, terminando com o enfeite de dois galões coloridos”, na altura dos seios também existiam dois galões 6, com intervalo entre eles de dois dedos. Mais para a altura da cintura, outros galões estavam presentes, geralmente em cores como vermelho e branco. Bolsos na altura do seio e pouco abaixo da linha da cintura auxiliavam na hora de carregar algo e também dando um charme as roupas (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.195). As mulheres do cangaço eram lotadas de joias, em suas mãos anéis com pedras preciosas de maior e menos valor, sempre muito ouro e vestidos de seda, que eram usados nos coitos, quando estavam seguros ou em ocasiões. Quanto mais rico era um cangaceiro, mais joias possuíam sua mulher, como Maria Bonita e Dadá. E achar seda em meio ao sertão era fácil? “Os homens traziam quando voltavam de expedição ou encomendavam com os coiteiros, eles disputavam para fazer de sua mulher a mais bonita, a mais bem vestida, a mais cheia de joias”. AMAURY; FERREIRA, 1999; ZATZ, 2004, p.10)

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Galão são faixas ou tiras de tecido bordadas com fio e utilizadas na ornamentação das roupas.


43 Sob o vestido de pano grosso, usavam um outro, de seda ou de qualquer tecido fino, e calçolas da época. Não usavam porta-seios de nenhuma espécie. As cangaceiras eram quase sempre jovens, com idade variando entre quatorze e vinte e dois anos, e tinham, portanto, seios firmes, dispensando qualquer sustentação artificial. (AMAYRY; FERREIRA, 1999, p.196) Especiais também eram as meias femininas utilizadas por baixo da perneira. O mais incrível é que elas eram feitas do mesmo tecido que o vestido, e iam apenas até o meio da coxa, seguras por um elástico. As meias finas de seda não se saiam muito bem em meio a espinhos e galhos do sertão, não é mesmo? A finalidade principal era proteger as pernas que ficavam a mostra com os vestidos. (AMAYRY; FERREIRA, 1999, p.195) Os lenços, na maioria das vezes de seda, eram igualmente utilizados por homens e mulheres no pescoço, geralmente em cores berrantes e fortes, mas as cangaceiras ainda utilizavam das correntes de ouro, e diversos “tracelins valiosos, além de correntinhas com pingentes de ouro, medalhas e medalhões com incrustações de pedras preciosas como brilhantes, rubis ou esmeraldas”. (AMAYRY; FERREIRA, 1999, p.195) O fato mais curioso, todavia, é que das vezes em que as mulheres engravidavam, era de costume amarrar fortemente uma faixa de pano bem comprido nos seios/busto, entretanto não há referências do porque isso era feito. Para os homens, a elegância era compartilhada. Além do uniforme impecável e da exuberância de suas peças, eles faziam o uso de óculos escuros, chapéu completamente enfeitado, lenços, anéis e “para alguns, os dentes de ouro emergiam em meio ao alucinante desfile de signos”. (LINS, 1997, p.61) “O amor de Lampião pelo ouro e joia é visto por alguns, [...] não apenas como objetos de adornos guerreiros, mas como um traço marcante da “vaidade feminina”, sendo ouro e o perfume os maiores modelos de fascinação do capital. “De fato, Lampião estava coberto de ouro e convivia com o metal precioso com profunda familiaridade”. (LINS, 1197, p.167) Lampião perfumava-se,


44 Apreciava o bom perfume “frances”, dando preferência ao Fleur d’amour 7 [...], conhecido no meio grã-fino, na década de 20. A relação [...] como perfume merecia, em si, um estudo à parte; não apenas pelo fato de ele adorar e se afogar nos perfumes, pondo, às vezes, em perigo a própria segurança do bando, mas pelo que foi dito e escrito a respeito. Não se trata, por enquanto, de analisar as fantasias de uns, nem os medos infantis, em forma de preconceitos, de outros, porém de situar a relação de Lampião com o perfume, como instrumento de sublimação, de purificação através de um veículo objeto de vaidade, prazer e gozo, mas sobretudo de “condensação do invisível”. (LINS, 1997, p.169) Infelizmente não é real e presente relatar como outros cangaceiros se vestiam, mas é claro que se se eles criaram uma estética, todos seguiam nesse sentido da mesma maneira de se vestir, como se nota nas fotografias existentes. O interessante nesse sentido está em demonstrar como o criador da moda cangaceira cultuava a sua vaidade, gostava de se enfeitar; como ele amava as coisas belas, cultuava o ouro e os brilhantes, se ornamentava com peças adquiridas em assaltos aos abastados da sociedade e como a estética do feminino e o fim da divisão dos sexos interferiu na forma de se vestirem. De todos os modelos utilizados, criados e interpretados pelo bando de Lampião as suas indumentárias, como as influências de Sinhô Pereira e os uniformes oficiais de Padre Cícero, as mulheres foram as que incorporaram os elementos mais significativos a ponto de serem contemplados como a estética o cangaço. 2.2.2 Símbolos, signos e significados De símbolos, signos, significados a rituais, não apenas a vida do cangaceiro era composta de superstições e crenças, mas o processo de se vestir consistia-se também na união de tais elementos aos do princípio básico de cobrir seu corpo para protege-lo dos espinhos, do mato, das ações climáticas e também da exuberância ao qual tinham o prazer de compor e de estar. “Rito e rituais são hoje suscetíveis de designar qualquer ação tendo uma dimensão significante possível” (LINS apud Weinberg e Journet, 1997) É digno que o ritual de passagem de Virgulino para o cangaço foi o primeiro dos outros rituais a qual o cangaço iria conhecer. A sua transformação foi narrada no

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Imagem do perfume apresentada em anexos- Pesquisa Imagética


45 imaginário do sertão como algo sagrado. É estranho pensar neste sagrado, ao qual envolve a questão de que o ritual da mudança de nome de um homem o transformaria, que Virgulino ao se tornar Lampião apenas não mudou a forma como o chamariam, mas mudou seu interior. “A mudança de nome aconteceu num ambiente de transe, de encontro com a natureza, numa simbologia na qual Virgulino vai misturar os códigos da interpretação e driblar a ordem da razão”. (LINS, 1997, p.20) A Legitimação da visão do sertanejo, principalmente a de Antônio Ferreira, irmão de Lampião fez emergir o instante mítico a partir do ritual ao qual marcou o novo nome de Lampião. Ele era heroico, extasiado, engendrado pela luz. É exatamente a ideia de que o “nome” Lampião, o qual veio desse ritual inicial no cangaço trouxe junto a ele um ser, uma carga poderosa na qual poderia fazer valer toda a personalidade e desejos de um homem que estava escondida e pode despertar-se do esconderijo. Desta forma, a mudança de nome, não apenas a vinculada a Lampião, mas a vinculada à todos os demais cangaceiros que ao entrar, ganhavam um nome de guerra, ao qual seria a partir daquele momento reconhecido no bando. Assim foi com Maria Bonita, Corisco, Dadá, e os demais. “A prática de mudança de nome empregada por Lampião ultrapassou, certamente, o aspecto puramente estratégico ou real, inerente à organização e à sobrevivência do cangaço”. Acreditava-se que ao nomear o homem novo com o mesmo nome de algum elemento da natureza, tais como árvore, galho, pássaro e etc, ele estivesse tirando a vida antiga daquele homem e dando-o outra, totalmente ligada ao simbolismo do seu novo nome. “Lampião engendrava o real a partir do simbólico; era como se o conceito de real, isento do simbólico, representasse o “aniquilamento” ou a morte do sujeito”. (LINS, 19997, p.44) Mudar de nome significava morrer para muitas coisas: esquecer sua história, integrar um novo corpo, uma alma nova, assumir uma profunda metamorfose, construir uma outra identidade. Mais que a morte do passado, a mudança de nome, como na China, significa igualmente um instrumento de cura. Muda-se de nome não só para escapar ao passado, mas para curar e cicatrizar as feridas de amor ou as doenças instaladas no corpo e na alma pelo estigma da vingança e pela impossibilidade de dizer o ódio sem assassinar a vida e com ela a poesia. (LINS, 1997, p.44)

É de fato, que todas as crenças, simbolismos e rituais que os cangaceiros tinham provinham da cultura sertaneja, a qual eles não apenas foram criados, mais eram frutos. Obedecer a todo um código de interpretação e de fé é o que o alicerça mediante a uma


46 vida de incertezas. “Assim, quando alguém sonhava com cobras, gado preto, gatos, mocós ou onças, o alerta era dado, pois significava perigo, insegurança, traição”, já sonhar com galinhas depenadas, carne fresca, uma criança ou um animal recém-nascido, dentes, sangue, pornografias, vestido colorido o sinal era de luto, de uma imensa tristeza e agonia. “Todos deviam, pois, rezar “rezas fortes” para aliviar a força do destino” (LINS, 1997, p.137) Meio-dia em ponto. Chamou todos os cabras para a reza do terço de Nossa senhora. Todos ajoelhados sob o imbuzeiro. Lampião, cabeça baixa e bem recolhido, era quem puxava. Os outros respondiam em coro e devotamente como sempre, e agora, diante do perigo iminente, mais do que nunca com fervor. Terminado, refestelaram-se do almoço temperado com alegres piadas, tomando logo depois restaurador deforete ali mesmo, cada qual espichado no solo, perto de sua trincheira e abordoado às suas armas. (MACIEL, ano, p. 117)

Acostumados a rezar muito, a fé também fazia parte desta circunstancia de rituais a qual os símbolos, signos, significados estão presentes. É mais do que claro, é explicito essa relação de religiosidade na vida dos cangaceiros, como o momento citado acima, mas o que é relevante para este estudo, porém é como esse fato influencia na forma de se vestir, na construção dessa indumentária fantástica, e é na religiosidade que vemos o porquê de várias imagens agrupadas a roupas ou santinhos espalhados pelo corpo, ou mesmo joias que tinham as mesmas imagens santas. Já sobre os símbolos utilizados: Se neles viermos a crer, que nos governem, como tem sido a solução de vida do homem desde tempos imemoriais, escoado no significado de uma representação, ainda que difusa, para suportar o peso do mistério da vida. Chegamos ao ponto. O símbolo opõe mistério concebido, por criação ou decifração – o que dá aqui na mesma coisa – a mistério natural. Espécie de similia similibus curantur do espirito, a permitir a existência humana com o mínimo de sossego (MELLO, 2015, p.49)

Tem-se nos quatro símbolos que serão apresentados, a linguagem sertaneja, mesmo que a linguagem que tenha vindo com a colonização europeia, e tenha sido tomada de empréstimo, ela se fundiu com o universo, com a adaptação e a vivencia dos habitantes sertanejos. No estudo possível de símbolos, dentro da cultura ocidental na qual é fundada nas tradições antigas, ou seja, naquela de quando iniciou-se uma colonização, deve se alertar muito e cuidadosamente sobre o conceito básico de cada um. O símbolo “transitase em meio a estímulos, mais que a conhecimentos”. (MELLO, 2015, p.49)


47 Na influência do cangaço, “tem-se no signo-de-salomão, com sua meia dúzia de pontas, [...] a noção remotamente difusa, e nem por isso pouco robusta, de poder, de proteção, de devolução das ofensas ao pretenso ofensor”.

SIGNO DE SALOMÂO Esquadrinhá-lo no hexagrama, pela mão dos iniciados, nos colocará diante do fogo, no triângulo superior; da água, no inferior; do ar, na cavidade entre as duas pontas da esquerda, que nos dão, por sua vez, o quente e o úmido; e da terra, entre as pontas da direita, a indicarem, estas, o seco e frio. (MELLO, 2015, p.50)

É a representação do universo, toda a grandeza do mundo. A humildade de colocar em um símbolo único os opostos do mundo, as contradições. “Os quatro elementos fundamentais da matéria desafiados pelas propriedades que os negam”. Há quem diga também que há na superposição dos triângulos opostos sempre, a presença dos princípios femininos e masculinos ao qual são tão diferentes e tão iguais ao mesmo tempo. O cangaço de Lampião modificou também o signo-de-Salomão8, ao hexágono das estrelas de couro dos chapéus, não raro arredondadas nas derivações igualmente pares das quatro ou das oito pontas – nesta última, em que se poderá ver a presença complementar da ressureição, de apelo octogonal conhecido – correspondia o floral dos bordados das bolsas em hexâmetro. (MELLO, 2015, p.50)

E eis que a cultura do povo se apropriou de maneira tão intensa, que o nomeando da forma mais fácil a ser reproduzida no social e na linguagem popular, ele significa a presença de alguma ordem real em meio a desordem. Ele é como um raio de sol em meio ao céu nublado de chuva. A flor-de-lis é o lírio. É a flor do amor, a representação do feminino. Mas ela “ encerra a brancura, que lhe é natural, e as inferências de pureza, inocência, virgindade. [...] Pode referir-se fecundidade”. Ganha também o nome de palma para o homem sertanejo e nesse caso, acaba não ganhando apenas um nome, mas também o acréscimo de duas evocações, a de vitória e a de imortalidade.

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Imagem do hexagrama do cangaço em Pesquisa Imagética


48 “Coincidência interessante é ter sido o perfume da preferência de Lampião, nos anos 30”, mas diante de todos os estudos sobre o cangaço, não é de se estranhar tanta relação entre o feminino e o cangaço, não é verdade? Eis em mais um símbolo a essência da feminilidade, a essência da doçura e do poder da mulher perante a uma sociedade marcada por homens.

Imagem X: Flor de Lis Fonte: http://pt.dreamstime.com/foto-de-stock-flor-de-lis-image9074450

O terceiro símbolo é a cruz de malta. “Por ser cruz, põe-nos diante do terceiro dos quatro símbolos fundamentais do conhecimento hermético, expressos pelo centro, o círculo e o quadrado”.

Imagem X: Cruz de Malta Fonte: http://www.tocadosbordados.com/futebol/time-mania/cruz-de-malta-7x7-cm-tma11.html

Representando a terra, nela pode-se perceber a flor de lis e também o signo de Salomão. Mas como isso é possível, diante de um signo tão simples? Eis que de todos os anteriores, e de todos os que servem para algum tipo de orientação, a cruz de mata possui os quatro pontos cardeais. A orientação, entretanto, não busca apenas demonstrar para qual sentido físico e real as pessoas deveram seguir, como norte, sul, leste, oeste, mas a


49 orientação vem fundada na espiritualidade, “decidia entre o chefe hábil e o desastrado, no universo em estudo”, aquele que deveria utilizar da sua força interior para tomar os cuidados não apenas consigo mesmo, mas com todos a qual andavam acompanhando-o. Condicionado pelo arcaísmo da sociedade rural a qual os pertencem e os mantem vivos, o cangaceiro dava muita importância a tudo o que pudesse ser valido em sua vida. “Sinais, avisos, cismas, sonhos e outras tantas expressões supostamente elucidativas de passados ou premonitórias”, tinham sempre de serem adequadamente interpretados. Na tradição corrente, não havia a necessidade de compulsa-las, lê-las para si ou recitá-las a terceiros, o contato com o corpo dando conta de todo o efeito protetor. O afastamento, mesmo que por minutos – salvo para o banho infrequente – eclipsava a cobertura por dias. (MELLO, 2015, p.52)

Lampião sempre carregava consigo, em saquinhos ao menos oito orações protetoras diferentes, todas para santos como: Nosso Senhor Jesus Cristo, a da Virgem das Virgens, a da Beata Catarina, a de Santo Agostinho, a do Salvador do Mundo, a da Pedra Cristalina, a do Santo Lenho e a das Treze Palavras Ditas e Retornadas. É difícil imaginar o cangaço como um movimento de superstição, mas era realmente na projeção de todos esses signos, símbolos e seus significados que os rituais e as vivencias dos cangaceiros se esboçavam. É de se compreender, visto que em meio a uma vida nômade, sempre fugindo de perseguidores, os quais na maioria das vezes eram os verdadeiros bandidos da situação, eles tinham que se apegar a algo para cultivar a sua fé. 2.2.3 Do chapéu a alpercata de rabicho Bem como uma expressão de arte, “o chapéu tem vida própria, podendo ser lido, em seus aspectos estético e místico, com ou sem o general da vestimenta”(MELLO, 2015, p.73) É assim, que portanto apresentar a figura de um chapéu, não se torna fácil, entretanto a função neste caso não é discutir o porquê da sua figura ter sido comparada a arte. Mas deve-se ter mesmo assim a concepção de que em diversas sociedades do mundo quando se tem o chapéu como forma da representação de sua cultura, é porque ele adquiriu simbolicamente uma força e uma expressão capaz de resumir história e até arte de um povo e sua maneira de vestir ou de viver. O acessório muitas vezes representa e fala mais do que toda a indumentária, na qual pode ser complexa, altamente elaborada, ou de qualquer outra qualificação, mas


50 desta forma, temos que o chapéu do cangaço era o ponto quase máximo da excelência de sua vestimenta, quase máximo, devido ao que a vestimenta necessitava de outros acessórios para compô-la. De origem vaqueira, ele representou muito na formação da figura cangaceira que se conhece na sociedade contemporânea, a sua figura sintetiza elementos que não valem artisticamente por si, tomados isoladamente, de couro, tecido, metais nobres ou apenas vistosos, ilhoses e circunstancialmente fitas, há de ser apreciado no conjunto que encerra em harmonia com a cabeça, não resistindo à decomposição. Os elementos, por si, ou são, no máximo, discrepâncias de padrões conhecidos milenarmente ou, pior, séries industriais, o que de mais fundo podendo arrancar-se de cada um destes não indo muito além do que vimos, salvo quanto a algumas sugestões adicionais ligadas à flora sertaneja. (MELLO, 2015, p.73)

Tornando-se o ponto de concentração dos simbolismos que representavam o traje do cangaceiro, a sua forma, e composição não julgava como discreto ou apenas um elemento de proteção do sol. A sua fachada conseguia atingir um ponto de ostensividade na qual ultrapassava a da indumentária por inteiro. Em andanças pelo sertão ou missões silenciosas em caminhos extintos de cactos e dominados por campo aberto, o sujeito que portava um chapéu era avistado de longe. O fato de retirar o chapéu de um cangaceiro era a mesma forma de destitui-lo de sua função, de quebrar o laço existente entre o homem e o cangaço. (MELLO, 2015, p.73) Mas a composição da criação do chapéu do cangaceiro é algo na qual não foi criada por eles mesmos, assim como fizeram com demais outras peças de sua indumentária. Seguindo a linha de criação, acompanhado da derivação pastoril, ou seja, dos sertanejos que lidavam com o gado, conhecidos de vaqueiros, o chapéu de couro já fazia parte da cultura nordestina, e foi apenas adaptado aos costumes cangaceiros, e que “em qualquer caso, é símbolo os sertões do Nordeste”. Vindo de uma copa totalmente rasa e de feitio levemente afunilado, com costura apenas na vertical, mais precisamente no estilo pernambucano, ou de forma arredondada, mais profunda e circular, absorvendo assim de tal conexão, o cangaceiro utilizou do viés da derivação pastoril, com o toque do exagero em todas as dimensões e no completo luxo das partes componentes. (MELLO, 2015, p.68) a exemplo a aba – pespontada na face com linha grossa ou fio de couro, e frisada em vaqueta branca pelo lado de dentro que podia chegar aos 20 cm de raio anular, embora não


51 excedesse os 13 cm, em regra; ou da testeira, no que toca à largura de 4 cm; ou do barbicacho, quanto ao comprimento, a ponteira caindo ao umbigo; ou ainda do barbicacho traseiro , a ter a mesma sorte da correia da testa. (MELLO, 2015, p.68)

Imagem X: modelo de chapéu do nordestino, herdado da época colonial e adaptado as condições de vida do sertanejo ou do vaqueiro. Fonte: http://moda.culturamix.com/acessorios/chapeu-cangaceiro

E se compondo por “vaqueta branca também, com janelas devassando verniz ou pano de cor forte, costurava-se as quatro flores-de-lis da copa, abertas na oposição cruciforme”, a estética do poder colonial, a tradição, é completamente difícil de ceder aos modismos. (MELLO, 2015, p.68) E a qual tradição eis que vos fala? A tradição colonial, a qual também teve a arte de desenvolver chapéus no qual se adaptassem completamente aos seus modos de vida. Vemos nesse caso, mais um típico resultado da ação do geopsiquismo, da ação do qual Lampião e nenhum outro homem de seu bando, jamais esqueceu a sua formação como sertanejo, ou como vaqueiro ao virar cangaceiro, e jamais abandonou as tradições ao qual foram criados, apenas se aproveitaram delas. “Além da estética do poder colonial, é resultado da barragem natural do vento na carreira do vaqueiro e também do imperativo de ver acima dos olhos, ponto, este último, vital para o cangaceiro que não desejasse cair em tocaia de serrote”. (MELLO, 2015, p.68)


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Imagem X: Chapéu original de Luís Pedro, cangaceiro de confiança de Lampião Fonte: MELLO, 2015

a)

A aba traseira, quando grande, requer por si mesma o rebatimento para cima, para não ficar roçando a espádua. Mas o ângulo aqui é menos. Os cabelos de couro, pendentes nas bicas laterais dos chapéus de abas grandes, empregam-se em reparos rápidos, feitos em viagem. Cortados ao pé, junto à copa, iam acudindo a uma alpercata que se rompeu em meio a viagem, ou atando correia de cantil em mau estado. Arriscamos, da nossa vivencia, que as grandes abas levantadas tenham alguma coisa que ver com a circulação do ar em torno da copa, importante, por menos que seja, no abafado da caatinga. (MELLO, 2015, p.68)

“Quando eu desci para o riacho, avistei logo aquele homem alto, moreno, chapelão com umas estrelas graúdas, faiscando de ouro. Era Lampião”. (MELLO, 2015, p.67) E portava Lampião assim,


53 na cabeça, grande, alto, vistoso chapéu de couro, ainda novo, bem talhado, a imitar os antigos chapéus de dois bicos, com as pontas para os lados, tendo as largas abas da frente e de trás erguidas e enfeitadas. Uma estreita tira de couro, ornada, o prende à testa; uma outra, à nuca, e uma terceira, o barbicacho, aos queixos. Este chapéu fica, assim, bem seguro e, apesar da altura, não deve cair com facilidade. (MELLO apud Padre Artur Passos, 2015, p.67)

E valendo-se de todo o cuidado, possuía, pela consideração em ser o capitão, o líder, o pai do bando, o maior chapéu de todos, o qual poderia ser avistado de longe. Chapéu no qual era de couro de veado, o couro de maior excelência nessa produção, mas que alternava-o, deixando a sua convicta realiza de lado para aproveitar-se do chapéu de feltro, que por ser mais leve, podia se molhar de chuva sem trazer incômodos como mofo preto renitente, que brotava em couro encharcado, deteriorando-o. (MELLO, 2015, p.69) Isto posto, tem-se que a estética do chapéu de Lampião foi totalmente desvendada quando este morreu, e valendo-se de todo o cuidado com ele, pode-se descrever de acordo com a obra do autor Frederico Pernambucano. b) Em 1938 pode-se tomar em mãos o chapéu de Lampião, este que feito inteiramente em couro de veado, possuía abas e correias grandes, caprichosamente ornamentadas. Contava com aspectos que iam das estrelas de oito pontas completamente costuradas nas abas (as quais dentro do simbolismo e da superstição de devolver, pela parte da frente e das costas todos os malefícios que lhes eram enviados pelos inimigos ou de simples paisanos, como uma projeção da superstição ‘bate e volta’) as 70 (setenta) peças de ouro incrustadas em todo o corpo do objeto ao modo de não sair com quedas ou movimentos. A testeira trazia no centro a efigie de Pedro II de barba pontuda, em moeda do ano de 1885, com medida de 4 cm de diâmetro, mas que era acompanhada por outras duas similares. Além de medalhas pequenas com a inscrição Deus te guie no barbicacho traseiro em meio a outras lâminas com inscrições piedosas como “Saudade, Amor, Recordação, Lembrança, Amizade, ou com as iniciais CL [Capitão Lampião] ou P”. Tinha ainda três anéis costurados, os quais não apenas de ouro, possuíam pedras preciosas, como uma esmeralda (pedra verde), uma aliança, e o terceiro com a inscrição Santinha fixados na barbela, mas que também era chamado de barbicacho e que tinha a função de prender-se sob o queixo e que descia até a altura do umbigo, com seus 46 cm de comprimento. Por fim, tem-se que este barbicacho enorme era arrematado por uma ponteira pespontada, e ouro em uma argola miudinha. “ Tanto peso ornamental não teria que ver com a funcionalidade militar, mas com valores bem mais sutis”. (MELLO, 2015, p.69)


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Diante de um bando, não houve senão dois chapéus que fossem iguais, A foto, muito nítida, das cabeças de Lampião e seus homens, colhida na escadaria da Prefeitura de Piranhas, Alagoas, no dia mesmo do combate em Angico, apresenta treze chapéus arrebatados aos cangaceiros pela volante. Não há dois iguais. Tão ricos em tema e valor material quanto o do chefe, sim. [...] Estando longe de ser pobres, rivalizam mais propriamente no que toca à estética. (MELLO, 2015, p.74)9

Mas houve duas figuras nas quais a peça similarmente merecia destaque, e quão deixou patente que o gosto pelo “sombreiro caprichado não se restringia ao Rei do cangaço, a modo de extravagancia isolada de janota”. Zé Baiano e Corisco, até sacrificavam sua vaidade, a ponto de não desapontar e contradizer o capitão. Mas diante de toda essa vaidade repelida, onde é que se encontrava o da cangaceira? (MELLO, 2015, p.74) “Com alguns traços de valquíria e quase nenhum de amazona, a matuta que se engajou no cangaço jamais adotou o chapéu de couro, de cuja origem pastoril já lhe viria o impedimento natural ao emprego”. Não havia exceção, nem mesmo a Maria Bonita, a Rainha do Cangaço, “quanto ao ponto: chapéu de couro era coisa de homem. De vaqueiro ou de cangaceiro, assunto de homem”. Para as mulheres ficava reservado chapéu de feltro, com aba média, medida entre 6 a 8 cm, testeira e barbela que imitavam a tradução masculina. “ O atufamento da copa para cima, sim, eliminando as dobraduras, [...] permitia a formação de uma espécie de colchão de ar sobre a cabeça, o que vimos ser útil para o isolamento da soalheira” (MELLO, 2015, p.72) A colocação de tais eram sob lenços de cabelo e de comum com os homens, finalmente se tinha apenas o gosto em adornar completamente a peça por inteira, de forma mais rica possível, sem perda da discrição com que constataria. (MELLO, 2015, p.72) “Toda a consistência artística vem, assim, da combinação dos elementos no conjunto do objeto”, conjunto em que apresenta o ponto de concentração dos acrescentamentos simbólicos que caracterizam o traje do cangaceiro. “A fachada ainda mais ostensiva de uma indumentária ostensiva por inteiro” abrigava assim momentaneamente a condição de cangaceiro a quem o portava. (MELLO, 2015, p.74)

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Imagem da cabeça dos cangaceiros expostas após o massacre em Pesquisa Imagética


55 Por excelência, assim como nos chapéus, é fácil de se encontrar em várias outras partes da criação da indumentária cangaceira, as mesmas técnicas e materiais aplicados. Na grande maioria o traje em couro, não há de se conseguir por menores as possibilidades que sejam, a formação de conjuntos idênticos artisticamente, o que se torna o mais natural diante da presença de que em peças de artesanato, nunca há dois iguais. (MELLO, 2015, p.92) Na configuração do traje de cangaceiro, há vários outros pontos que marcam a sua indumentária, e na grande maioria, composta por mais acessórios. As moedas, presença marcante em suas peças vinham no costume de serem furadas ao centrou e então cravejadas no couro ou na segunda forma, costuradas em dois furos minúsculos nas duas laterais opostas. As armas também não se opunham a tal aspecto, aliadas à bandoleira, uma “correia forte de couro destinada a suster a espingarda no ombro” de forma a que tais ficavam na vertical, “para alguns cangaceiros, nada era mais inadmissível que pendurar a espingarda nas costas em diagonal com tórax, a correia indo do ombro esquerdo para ilharga direita, ou vice-versa”, já que era como chamar a morte, visto que a parte dura da arma era feita de madeira. (MELLO, 2015, p.92) As armas eram outra forma de demonstração da hierarquia existente entre os bandos, principalmente os que estudais, o bando de Lampião. Nenhum ‘cabra’ entrava no bando já recebendo uma espingarda ou um fuzil, o iniciante sempre recebia um rifle Winchester, que era isento da bandoleira, o que faziam neste instante era a improvisação de tal. Para os rapazes ou cabras já avançadas no bando, eis que tinham direito ao fuzil e traziam junto na bandoleira moedas de prata, visto que adereços em puro ouro, como medalhas ou moedas valiam-se apenas para ornamentar os dos chefes ou dos capitães do bando, neste caso temos o de Lampião e seus homens de confiança, Corisco e Luís Pedro. (MELLO, 2015, p.92)

Nos cintos, guaiacas e cartucheiras de cintura é possível flagrar um pouco da técnica sublimada no chapéu. A guaiaca, do nome ao objeto que designa, sendo coisa do Sul do Brasil. Cinto largo de couro, de tipos e cores distintos nos mais requintados, com bolsilhos que se fecham por colchete – trazendo acoplada, por vezes, também a bainha da arma curta, revolver ou pistola – não recusando miudeza necessária à vida no campo. (MELLO, 2015, p.93)


56 Cantis, dividiam com a borracha, ou mais frequente com a cabaça, a tarefa de conduzir a água por os longos sertões onde passavam. Água fresca, onde em hipótese nenhuma poderia deixar de abalar-se fisicamente, daí ocorreu a necessidade intuitiva de forra-lo por fora com uma capa de tecido que fosse resistente, usando-se nesse caso de tecidos como brim ou a mescla empregada nos bornais (o qual se conhecerá a seguir) e adornados com os mesmos pontos de bordado em policromia. Outras vezes, também poderiam ser recobertos por couro, mas com a mesma derivação da policromia de cores, as cores do Cangaço. De coreias em xis, vinham-se a maneira de se sustentar os cantis no corpo humano, repletas de ilhoses vazados e salpicados em pontos brancos, agiam como dissipadores do calor nas caminhadas e salientavam mais uma vez o traje do cangaceiro. (MELLO, 2015, p.93-94) E é dos ilhoses que se vê a arte de ornamentar muito. Coldres, bainha ou cartucheira, eles podiam deixar a arma totalmente coberta ou à mostra e sempre presos também possuíam muitos ilhoses; “Na carteira, pequena bolsa de couro pendente a tiracolo sobre o bornal, ia a colher de sopa e um prato de ágate [...] a tralha destinada a alimentação”. A funcionalidade era totalmente compatível em alguns momentos com a ornamentação e o exagero de elementos do traje, entretanto não se negavam que sem eles não seria possível a criação desta estética. (MELLO, 2015, p.94) Dos vaqueiros também surgiu mais uma parte, “ na luva, chegou-se a ter requinte”. De uma estrutura que seguia a mesma utilizada pelos vaqueiros e pelas noivas, a única discrepância era no suporte e na ornamentação. Compostas por várias camadas de brim grosso e costura, tinham a intenção de cobrir apenas o dorso das mãos e deixar os dedos livres e a mostra. “ Enquanto que o vaqueiro faz uso do couro. E enfeita nulamente. Um debrum ali, um picotado acolá. O cangaceiro, no fausto dos anos 30, juntou-lhe o bordado”. (MELLO, 2015, p.94) As luvas de Lampião não carregavam porem os magníficos bordados do cangaço, mas também a figura de Santo Expedito em suas mãos, fato constatado no seu momento final, enquanto que as de Maria Bonita, no mesmo momento portavam-se “de fui de algodão” e “objetos bordados a capricho pelas mesmas hábeis mãos que confeccionam as cartucheiras e os bornais dos bandoleiros. Trazem no pulso as iniciais M.O.S[ Maria Oliveira da Silva? ], bordadas, um tanto misteriosamente, de modo a não permitir leitura direta, e se


57 conservaram, como as do marido. (MELLO apud Melquiades da Rocha 2015, p.94-95)

As mulheres usavam luvas feitas do mesmo tecido de suas roupas, e estas também eram completamente enfeitadas com bordados e cores vistosas. Caracterizadas também pela ausência de dedos, um botão era colocado na altura do punho e uma casa do lado oposto na intenção de não sair do lugar. Entre tais elementos, assim como as de Maria Bonita e de Lampião elas bordavam as iniciais de seu nome, mas utilizavam-nas apenas em poucos momentos. (AMAURY; FERREIRA, 1999) “Digna de nota é a cartucheira de ombro, disposta a modo de faixa ou banda em diagonal sobre o tórax”. O que a torna mais interessante é a relação de que elas só foram fazer parte do figurino cangaceiro a partir do momento em que Lampião saiu dos territórios de Pernambuco e fora então conquistar o sertão nordestino, no então ano de 1928. A necessidade neste instante, mais uma veio a criar uma peça na qual levaria o adicional de balas, ou munição de briga, como mesmo cita o autor Frederico. (MELLO, 2015, p.95)

Imagem X: Cartucheira para arma longa: fuzil de calibre 7mm Fonte: MELLO, 2015

A cartucheira vem nesse sentido, ligada não ao significado, mas a função de: Permitir o transporte, em condições anatomicamente ideias de distribuição de peso, de um acréscimo para a guerra que podia chegar aos 150 cartuchos de fuzil Mauser, obra de 3,6 kg, aproximadamente. Com os enfeites do couro[...], nada econômicos aqui, a munição dispunha-se em estojos de cinco cartuchos, presos previamente entre si por lâmina metálica – o carregador ou pente – e abotoados à faixa por sistema de pressão, após introduzidos em casulos costurados, de tudo ressumando um toque final de imponência para conjunto do traje. (MELLO, 2015, p.95)


58 Apesar de todo o engenho presente nas cartucheiras de couro, e de todo o esplendor que elas possuíam, a substituição sempre se vem presente as necessidades ocorridas. No afã natural de conduzir maior quantidade de munição de briga, a cartucheira de ombro, apesar das limitações [...] impusera-se sobre [...] a cartucheira de cinta dobrada, ou de duas camadas, em que cada um dos casulos levava não um, mas dois pentes superpostos. (MELLO, 2015, p.96)

Os meados dos anos 20 acompanhados da presença desta grande tendência, notada no bando de Lampião e encontrada em localidades de maneira popular, como em Juazeiro do Padre Cícero, no ano de 1926 e também em Mossoró, RN, no ano de 1927. É deste modo bastante interessante a percepção de que mesmo diante da dualidade entre o bandido e o herói, bastante presente quando se considera os cangaceiros, principalmente quanto a Lampião, o reflexo que a sua imagem trazia perante a sociedade nordestina, principalmente quanto temos exemplos da utilização e da reprodução de seus costumes. Assim, mesmo diante da grande tendência lançada junto as cartucheiras de couro, não havia alfaiate de couro no qual poderia reverter as consequências que o seu uso trazia, e por isso, elas não vieram a conhecer os anos 30. É bem visto que praticamente todos os pontos que compõem a indumentária, ou como regionalmente se nomeia, o traje do cangaceiro são derivados dos acessórios e não das roupas em si. Há entretanto momentos em que elas apresentaram alguma modificação da habitual utilizado, mas mesmo assim, as roupas conseguem carregar mais as ‘tendências’ do modismo da época do que estes acessórios, os quais conseguiram carregar a alma e a essência do cangaceiro. No universo do bando de Lampião, “ a virilidade consciente e sossegada não parece repelir, antes licitar, o emprego de utensílios próprios do gênero oposto, desde que úteis”. (MELLO, 2015, p.97). Eis nesse sentido, que diante de objetos que socialmente pertenceriam apenas ou universo e ao uso feminino, no cangaço, poderia também pertencer ao uso habitual do gênero masculino, desde que tivessem uma função útil, assim também ocorriam ao inverso. O preconceito ou a diferença entre os gêneros não se fazia real em meio a um período onde mais se faltava do que sobrava e tudo era aproveitado. Um antigo acessório ou um pedaço qualquer de roupa e tecido, com umas adaptações


59 necessárias poderiam virar outro com a presença da facilidade em criar do cangaceiro nordestino. Originado mais uma vez das heranças, a “reciclagem recorrente no cangaço, ao que aprendeu- e nos disse- o velho cabra de Lampião. Um saber comum a tropeiros, ciganos, tangerinos, vaqueiros, cangaceiros, a quantos dormissem sob as estrelas” (MELLO, 2015, p.96) Para a finalização, antes de se apresentar o matiz da indumentária cangaceira, , tem-se original deste processo de reciclagem, a marrafa e as rodelas de seda, as quais se qualificavam em ser presilhas de prender/ amarrar o cabelo, onde as rodelas de seda eram misteriosamente fruto do “fatiamento a tesoura de meia longa de seda, das usadas pelas senhoras nas ocasiões ditas toalete”, e as marrafas não obstante, “era dessa que se compra em venda mesmo e tem umas pedrinhas de enfeite”, assim, o cangaceiro, normalmente digno de cabelos compridos a longos, “enrola os cabelos pra cima, de trás para a frente, prende no alto da cabeça com a marrafa e cobre tudo com o chapéu”. (MELLO apud Candeeiro, 2015, p.96-97) E o calçado, que “não podia ser nada desprezível neste estudo em que consideramos uma sociedade nômade, que fazia da caminhada a pé sua regra de vida” (FELICIANO, 2014) era regra praticamente absoluta, se tivermos em mente que 90% dos deslocamentos dos bandos de cangaceiros se passava dessa maneira, contra episódicos 8% da marcha a cavalo. Do automóvel e do caminhão, novidades do século XX, dando conta o resíduo, que vinha em um crescendo surpreendente no tempo de Lampião. (MELLO, 2015,p 97-98)

O sertão sorridente de Lampião, foi nesta sequência conhecendo dois tipos básicos da alpercata de couro e sola, a apragata do dito local, com sua origem a um tempo árabe[albargat] e indígena [Albert Eckhout eternizou uma delas no pé do seu tapuia de 1641]: a de correia ou arrasto, ou ainda currulepe, popular no meio urbano atual, na versão em borracha – que lhe roubaria o onomatopaico da terceira variante – e a de rabicho. De ambas há notícias de ter-se valido o cangaceiro. (MELLO, 2015, p.98)

Mas foi a alpercata de rabicho, a última na linha cronológica de conhecimento do sertanejo nordestino, a qual o cangaceiro se fez magnitude junto a seu traje. “O calçado


60 por excelência do cangaceiro, em diferentes períodos documentados, foi a alpercata de rabicho”. De construção complexa, ao qual abriga o couro, a sola, o prego, linha, ilhós, fivela e por final a cola, os enfeites de tal corriam por conta da simples costura, ao qual os pespontos eram os responsáveis por criar desenhos ou por conta “do emprego do couro em verniz, do pontilhado de furos minúsculos- falsos furos que não vazam a peça- e do acabamento das extremidades em picote ou debrum”. (MELLO, 2015, p.98) Não que se tratando de peça singela, aliás, completamente ao contrário, sua confecção era laboriosa, e naturalmente dispendiosa, e em seu design, os cangaceiros mais vaidosos valiam-se de vários métodos para ornamentar seus calçados. O contraste das cores, ou aberturas afeitadas em forma de pingo eram exemplos junto ao feito de que muitas das aberturas eram forradas por outra camada de couro, sendo, portanto, falsas, não dando a chance dos espinhos da caatinga adentrarem nos pés de quem as portava. (MELLO, 2015,P.98) A estrutura protegia inteiramente o pé, no dorso e nas laterais, expondo apenas o calcanhar, e parcialmente, porque circulado por uma correia horizontal, 2 ou 3 cm de largura, o chamado rabicho. Na ponta, o segredo de seu prestigio no sertão sobre outras concepções de calçado: pequena abertura frontal, a janela, responsável pela refrigeração do pé no chão quente da caatinga.10 (MELLO, 2015, p.98)

Imagem X: Alpercata de Lampião, em couro cru, para romper a caatinga. Fonte: MELLO, 2015.

Do mesmo modo de que qualquer outra peça do cangaceiro, o ciclo o cangaço também foi capaz de adaptar e especializar o calçado, através das lições aprendidas durante os combates. “ A sola tresdobrada e saliente quase um dedo nas laterais, a janela, 10

Mais imagens apresentadas em Anexo


61 reduzida a fresta, o reforço de ilhoses em profusão e a passagem de um segundo rabicho, mais fino, sobre o dorso do pé, dão-nos a alpercata ferrada11 ”. (MELLO, 2015, p.98) A alpercata ferrada, era completamente diferente não apenas no nome, mas o seu designer parecia uma raquete, totalmente espalhada, quadrada, feia, mas que se sobressaiam por quando andassem pelas caatingas, elas formavam um “vasto branco”, todos sabiam que eram ali que tinham passado os cangaceiros, entretanto não sabiam por onde eles teriam ido, visto que sem identificação da direção do passo, aqueles que os perseguiam eram obrigados a andar centenas de metros atrás de um rastro. (MELLO, 2015, p.99) Na década de 30, a alpercata ganha o acompanhamento da perneira, a qual era acoplável a alpercata por uma correia delgada que passava sob a cava do pé e se juntava a sola do calçado, formando um conjunto no qual passava a imagem de uma botina de cano alto, que ia até os joelhos. Realidade a qual jamais poderia deixar de se elucidar é que desde o primeiro acessório apresentado nesta pesquisa, os gloriosos chapéus, as cartucheiras, ou as simples tiras de couro utilizadas para prender apitos a roupa, tudo o que se tratar de couro, refere-se ao couro de bode, o qual se prestava a maravilha do preparo e a maciez necessária a utilização na indumentária. (MELLO, 2015, p.99) É preciso não esquecer, por fim, que a alpercata comparecia com o básico da sonoridade do xaxado, marcando o compasso resfolegante ao som do qual tinha lugar a dança da pisada, que podia armar-se sem outro recurso além do canto em coro e do arrastar desses borzeguins tão caros ao homem da caatinga. (MELLO, 2015, p.99)

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Porque a denominação de ferrada ao calçado de excelência do cangaceiro? Eis que a estrutura superior fixava-se à sola por meio de pregos pequenos de ferro ordinário, as também conhecidas por tachas. (MACIEL, 2015, p.98)


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Imagem X: Cangaceira Inacinha, com vestido de batalha e a perneira em couro a qual se unia a alpercata formando uma bota de proteção. Fonte: MELLO, 2015.

2.2.4 A mescla de cores: os bornais e a jabiraca A indumentária do bando de Lampião foi promovida a um patamar ao qual não se fazia realidade não apenas pela localização, mas também pelo período cronológico ao qual o cangaço viveu e tampouco por todas as origens no qual ele sofria interferências. Os cangaceiros segundo relato sobre impressões ao qual se tinham de tais, era sempre de que “ostentando trajes originais bizarramente adornados, entram cantando suas canções de guerra, como se estivessem em plena e diabólica folia carnavalesca”. (MELLO, 2015, p.142) Neste sentido, a “indumentária espetaculosa” (MELLO apud Correio de Aracaju, 2015, p.142) ganhava não apenas mais uma composição ao seu traje de cangaceiro, mas ganhava aquela que seria a mais reconhecida e que visível em todos os ângulos, provocava


63 admiração por onde quer que passavam. Digno de um total reconhecimento, não apenas por parte de diversos pesquisadores, mas também por parte desta pesquisa, vê-se que: Das bolsas laterais, o embornal -ou bornal, da variante preferida pelo cangaceiro – vinha o matiz do conjunto do traje em estudo, predominando na secura pernambucana o desenho geométrico, puxado a galão de cor contrastante sobre a lonita ou brim grosso”. (MELLO, 2015, p.142)

Bornais, neste sentido , compreendia-se por um conjunto bordado à máquina, com linha de várias cores e perfeito acabamento, tendo, no fecho de um dos dois, botões de ouro e prata, e, no outro, apenas botão de prata, encontrando-se nos respectivos suspensórios, nove botões de prata, e ainda, apenso a um dos bornais, uma caixa de flande, coberta do mesmo pano dos bornais, também bordado à máquina. (MELLO, 2015, p.141 apud Inventário dos objetos apreendidos pertencentes ao famigerado Lampião, quartel do Regimento Policial-Militar de Alagoas, Maceió, 26 de novembro de 1938)

O matiz principal da indumentária, ou seja, a peça que trazia maior destaque era composta de cores que nunca variavam entre tons de nude, como se denomina contemporaneamente o bege e suas variações e derivações. Os bornais eram completamente marcados por traços como: “Vermelho ou azul pontilhado no barrento do cáqui [...] Amarelo sobre a mescla de azul [...] Azul da cor do céu sobre o azulão carregado, mas raro”. E era como se naquele final dos anos 20 da era lampiônica, os mais esquivos habitantes do cinzento se levantassem contra o despotismo da ausência de cor na caatinga estival e proclamassem o delírio, a vertigem, a folia de tons e de contrastes.(MELLO, 2015,p.142)

De derivação baiana vem se compondo a linha da formação de tais elementos, quando se tem o seu processo de criação. Mesclados por motivos florais, dos mais vivos que se pode imaginar, eles causavam mais do que delírios, mas possuíam um completo “deslumbramento de cores, diga-se aqui sem exagero algum”. (MELLO, 2015,p.142) Na busca de referências da criação dos bornais do cangaço, leva-se a acreditar em dois pontos. Fato é que os bornais já eram utilizados pelos cangaceiros antes de aparecerem bordados e repletos de cores. Bornais também eram utilizados pelos macacos, mas também conhecidos por volantes e policiais. Mas no processo criativo do cangaço, a explosão de cores e de personalidade ajustado ao elemento nomeado de armário do nômade pelo autor Frederico Pernambucano de Mello ocorreu pelas mãos da habilidosa Dadá. Eis, portanto que Dadá foi considerada a estilista do bando, além de ser junto a seu


64 companheiro, os membros mais fieis do capitão Virgulino. Entretanto diante de muitas pesquisas, foi possível notar que os motivos florais ao qual compunham a arte dos bornais foram realizados de duas maneiras, tanto bordados à máquina, quanto bordados a mão, por Dadá. (MELLO, 2015, p.142) Foi quando comecei a imaginar e criar esses bordados e enfeites coloridos para embelezar os bornais e os chapéus. Eu bordava tudo com fitas, com pedras, ficava uma beleza. Era flor, estrela, círculo, árvore, medalha e moeda em ouro e prata. Tudo bordado, recortado em couro branco ou pregado. Quando o capitão Lampião viu aquilo, nossa! Ficou encantado e foi logo encomendando: “Comadre Dadá, pode fazer um bordado desses pra mim? ” Bordei um bornal, iche!, ficou lindo, e dei de presente pra ele. Ele reclamou, imagine, que eu só tinha feito um e encomendou logo outro. Não demorou e todos os cangaceiros usavam igual. Virou Moda. (ZATZ, 2004, p.13)

O conjunto “bordados à máquina, em ponto corrido, também descrito como ponto de matriz, até fazer sumir, quase que por inteiro, o tecido de suporte”, repousava-se sobre as cobertas dos cangaceiros, tanto a de deitar, quanto a de cobrir, as quais eram dobradas na primeira tarefa do dia, e colocadas aos ombros com a eximia ajuda de uns aos outros e que desta forma serviam de proteção ao grande peso a qual se portavam. Dispunhamse desta forma engenhosamente sobre tais, e eram totalmente confeccionados em tecido resistente, alças escapulares, a qual receberam o nome de chincha grande, divisões internas e quatro botões na tampa. Eram propositalmente enfeitados apenas na parte externa, a qual estariam aos olhos de quem pudesse ver; mas os bornais portavam também, da completa e logica funcionalidade, com local destinado ao o suplemento de balas, a uma pequena farmácia, e alimentos e mudas de roupas, os cangaceiros as portavam como armários de uma vida nômade. (MELLO, 2015, p.143)


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Imagem X: Jogo de bornais do cangaceiro Zé Baiano, com a presença das suas iniciais JB bordadas. Fonte: MELLO, 2015

Saindo da chincha grande frontal do bornal da esquerda, uma outra cinta de mesma largura e aparência, um pouco mais estreita, chamada de chincha pequena , rodeava horizontalmente o tórax e vinha abotoar-se na mesma peça de que partira, prendendo o bornal da direita e todo o conjunto num abraço confortável e seguro da região peitoral. (MELLO, 2015, p.144)

Esta chincha grande a qual traspassava ao corpo do cangaceiro na hora de acomodar os bornais em seu corpo, neste caso tanto o homem quanto a mulher, surpreendiam-se ao fato de não franzir, dobrar ou se retorcer ao peso da mochila a qual ela sustentava. Com consistência de cartilagem, e abusando da entretela e do ponto, pesponto e ainda por cima todo o bordado, ela se fazia desnecessária a presença da prega indesejável. Daí vê-se no cangaceiro habilidoso, a capacidade de além de desenvolver um traje/ indumentária altamente rica em detalhes e cores, do alto conhecimento na anatomia do corpo e da modelagem de todos os elementos e peças ao qual ele criara, para que tudo pudesse ter o maior conforto possível. (MELLO, 2015, p. 144) A astucia do cangaceiro, principalmente a de Lampião, viu nos perigos e ameaças no ato de carregar os bornais em suas andanças nômades a necessidade do


66 desenvolvimento de dispositivos de segurança ligados aos bornais. Assim, compondo ainda mais a linha de segurança e principalmente de designer do acessório é preciso falar da peia, “confeccionada no mesmo padrão do bornal, cerca de 65 cm de comprimento, 9 cm de largura, trazia casa de botão em cada uma das ponteiras”. (MELLO, 2015, p.144) Importa dizer que o peso do jogo - conjunto de dois ou quatro bornais, que podia culminar-se, nos mais exigentes, por caixa de folha de metal pendente sobre a tampa de um destes, coberta pelo mesmo tecido e padronagem do conjunto, a chamada caixa de farmácia – não ficava abaixo dos 20 kg, em regra. E que os botões de tampa, com frequência, eram de ouro ou prata, o afã, como em tudo o mais o traje, de carregar o patrimônio nas navegações de uma vida que, além de nômade, mostrava-se errática por definição. (MELLO, 2015, p.144)

Ajustados perfeitamente ao corpo, através dos dispositivos criados por Lampião na adaptação do jogo de acessórios as curvas morfológicas do corpo, traz que uma vez abotoadas as correias, os guerreiros do cangaço poderiam rolar no chão para fugir das emboscadas ou correr em velocidade vertiginosa durante os combates sem que nada daquilo se desprendesse. “Tudo isso liga-se ao corpo de tal modo, que forma uma couraça fixa, sem lhes prejudicar os movimentos rápidos [...] Ao voltar-se para qualquer parte, e em qualquer posição, nada desse arsenal se desloca” (MELLO, 2015, p.146). Os bornais possuíam assim um valor próprio, e nada mais do que merecido, ao qual além da união da utilidade ao conforto, estava a arte. Nas viagens mais longas do que o normal, quatro bornais compunham e impunham o traje, e carregados pela funcionalidade descrita acima de carregar todos os objetos de necessidade junto ao corpo, os quilos aumentavam e o volume consequentemente. “Lampião chega à fazenda “de tal modo munido de apetrechos, que teve dificuldade em cruzar os umbrais da porta, fazendo-o de bando”. Nessas ocasiões, o carrego podia chegar aos 40 kg”. (MELLO, 2015 p.146) Visto que os bornais eram o acessório de maior prestigio junto ao cangaceiro, eles assim como a cartucheira, as luvas, correia, capa de cantil eram confeccionados na intimidade do próprio bando. Diferentemente do que ocorria aos trajes, os quais normalmente poderiam ser feitos por alfaiates de algum lugarejo, como já foi visto anteriormente na composição deste capitulo, os bornais ficavam com a exclusividade e a regra de serem produzidos apenas por membros do bando. Fato que pode vir junto a hipóteses de que criados e confeccionados por eles mesmos, alguns esconderijos em seu interior para então se guardar objetos de valor e dinheiro ficavam em segredo do dono, e também a de seguir a linha de estilo da estética do cangaço.


67 Assunto de que se ocupavam cangaceiros mais hábeis, a partir do exemplo dado por Lampião em pessoa, “um sucesso na máquina Singer”, segundo a cangaceira Dadá, a quem não faltava autoridade para opinar sobre o assunto, sendo ela a provedora de costura e bordado no grupo de Corisco, com o auxílio de Pancada e da mulher deste, Maria Juvina. (MELLO, 2015, p.147)

A característica da excelência do bordado feito a máquina, para aqueles que não dotavam da arte manual estava em não desperdiçar a linha de cor, ao qual era mais cara. Deste modo, Lampião bordava despreocupado, colocando as linhas coloridas na parte de cima da máquina e a branca na bobina de baixo, criando a identidade do acabamento e a economia das linhas. Assim bordava Lampião despreocupado. Assim encomendava a terceiros o Lampião de olho no relógio. Ao fechar a tampa, os quatro botões desaparecem sob casa embutidas. Outro detalhe: sem que se perceba senão ao exame da face inteira da chincha grande, nota-se que esta foi cortada e novamente costurada com reforço, e refeito o bordado da face externa. (MELLO, 2015, p.147)

Quando dotados de tempo, o tempo no qual era presente quando não fugiam de nenhuma volante ou de outras perseguições e quando não viajavam, faziam de seu tempo livre a arte da confecção e criação, fato constatado pela cangaceira Dadá em entrevista. - Mas dona Dadá, como é que a senhora conseguia fazer bordado bonito, tão delicado, se vivia embrenhada no meio da caatinga, fugindo da polícia? -Ah, minha filha, é que a gente não vivia assim, só fugindo e atacando. Tinha tempo de calmaria, tempo de amar e dançar, de parir e chorar, de cozer e bordar... (ZATZ, 2004, p.10)

Em seu momento final, conta-se que Lampião, o rei do cangaço ao cair portava um conjunto de bornais da cor verde-oliva em tom claro, inteiramente recoberto pelas flores em cores que variavam entre o amarelo-ouro, o rosa claro, o azul real e o vinho. Quanto a Maria Bonita, não menos do que o seu companheiro e a apoteose do cangaço, portava de um pequeno bornal de brim cáqui caprichosamente ornamentado na variedade inédita de nove cores, verde, vermelho, amarelo, salmão, azul, rosa, laranja, lilás e roxo, o bordado traindo o modo complexo – e exclusivo – da exigência de Lampião: a máquina com duas linhas, a colorida no carretel superior, a branca na bobina de aço, de maneira que o contrabordado interno, embora reproduzido em tudo o desenho externo, não conservava as cores deste, vazando-se todo em linha branca. (MELLO, 2015, p.147)


68 Antes de finalizar é legal deixar claro que as mulheres, assim como Maria Bonita, também costumavam carregar dois bornais, que também eram passados a tira colo e enfeitados com bordados em cores vistosas como o amarelo, verde, azul e vermelho. “Num dos bornais levavam roupas adicionais, e no outro alguma munição e o ouro presenteado por amigos ricos ou comprado de mascates. [...] Carregavam também dois cantis, sustentados por alças enfeitadas e recobertos com o mesmo tecido dos bornais” (AMAURY; FERREIRA, 1999, p.196) E que assim então, seja totalmente dito que o bornal encerra completamente a “evolução inteligente do bisaco do caçador, do surrão do andarilho e do aió do índio, este último tratado no sertão por caboclo brabo”. (MELLO, 2015, p.147)

CAPITULO 3: CRIANDO MODA “Moda é o fenômeno social ou cultural, de caráter mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter uma determinada posição social” (TREPTOW apud Joffily, 2013, p.21). Criar moda neste sentido, é fazer com que a necessidade de se vestir, de ter a roupa como uma fonte de proteção do corpo às intemperes da natureza torne-se secundária àquela que agrega ao produto todo um simbolismo no qual o consumidor é atraído ao único e desejável prazer de comprar para se tornar parte de uma história e estar ligado à uma estética. Assim sendo, as coleções de moda, nada mais são do que “um conjunto, ou série, de produtos elaborados em forma de modelos, que têm uma relação entre si. A coleção pode ser de roupas, calçados, acessórios como joias, óculos e cintos, entre outros. ” (LIGER,2012, p.101) Dado isso, o que faz uma coleção se tornar incrivelmente perfeita aos olhos do consumidor? O que está por trás de modelos perfeitos apresentados nas passarelas ou nas propagandas que fazem o consumidor delirar? Normalmente os desfiles apesar de curto período dão aos seus telespectadores uma ideia do que é a coleção, entretanto de onde se derivou todas aquelas roupas? Como o estilista ou o designer teve inspiração para produzir tantas peças? O tema e a passagem é descrita apenas em forma de release e entregue aos jornalistas e demais outros profissionais responsáveis pela divulgação da marca, cabendo a quem assiste a verdadeira


69 incógnita sobre de onde se origina tais peças, será que tudo aquilo ocorreu como um passe de mágica? Mas, “o design não surge em um passe de mágica; é preciso haver investigação, estímulo visual, diálogo criativo, questionamento, entendimento e análise. Isso confere profundidade e relevância contemporânea à obra” (MATHARU, 2011, p.97). Nada surge do nada, o que ninguém acredita é que as coleções por mais lindas e fantásticas que sejam exigiram um grande trabalho e uma grande pesquisa por parte de vários profissionais, de demais áreas por um longo período de tempo. Diante de várias pesquisas e de várias informações sobre a futura coleção, o criador (designer) encontra-se no centro do processo criativo, em que todas as informações são absorvidas e processadas, objetivando a inovação do produto e do processo com novas alternativas e tecnologias. Ele absorve diversas informações oriundas de variadas fontes de pesquisa, como revistas, storyboards, cinemas, arquivos históricos, etc. (LIGER, 2012, p.115)

E ganha a função de transformar em roupa, acessório, ou qualquer outro produto de moda todas as pesquisas, todas as informações. Ele deve fazer com que suas criações tenham origem e futuro, ou seja, elas devem começar de um ponto e se desdobrarem até o ponto máximo, no qual é a comercialização. (MATHARU, 2011) A questão discutida é que a ideia que se tem da criação de moda uni-as a facilidade, ou seja, que tudo é incrivelmente simples, é realmente como em um passe de mágica, onde o designer senta em sua cadeira confortável e com a mesa repleta de lápis de cor e canetinhas de cores que nem são vendidas em papelarias e cria todos os modelos sem necessitar de nenhuma pesquisa profunda.

3.1 A Pesquisa em moda Assim como em um desfile de moda, onde toda a apresentação segue uma ordem que começa com os looks de alfaiataria que possuem silhuetas verticais, seguido por peças direcionadas ao seguimento de sportwear, com uma maior complexidade de relações, cores, texturas e silhuetas, e termina com as opções mais finas para a noite. (FAERM, 2012, p. 75)


70 as coleções são concebidas durante um longo processo de criação. Como já foi apresentado, por detrás de todos os looks desfilados na passarela ou expostos nas campanhas publicitarias envolveram demais profissionais além do designer. Entretanto é a figura do designer a responsável por conseguir reunir todas as pesquisas de tendências, cores, texturas, público-alvo ou mercado consumidor, entre outras nas peças desenvolvidas. Logo, “ O que você, como estilista, precisa considerar antes de começar qualquer projeto ou coleção? ” (SEIVEWRIGHT, 2009, p.11) O primeiro passo do designer é conhecer e compreender o briefing, isto é, ter claramente resolvido diversos pontos para que possa desenvolver o seu produto. Dentre esses pontos conta-se por exemplo o público-alvo e todos os seus gostos e comportamentos. “ Desenhar cegamente para um mercado sem conhecimento prévio do cliente, dos preços ou qualidade esperados é um erro que custa caro em todas as frentes” (MATHARU, 2011, p.97). O briefing é o início de qualquer projeto criativo, e o projeto é um conjunto de atividades que possui um cronograma. O objetivo de um briefing é, essencialmente, inspirar e delinear as metas e as premissas requeridas. Ele irá identificar qualquer restrição, condição ou problema que precise de resolução, assim como fornecerá informações sobre quais tarefas ou resultados finais devem ser alcançados. O briefing existe para ajudar o estilista e, sobretudo, para guiar todo o processo de pesquisa e design. (SEIVEWRIGHT, 2009, p.12)

Mas para a construção de um briefing e para que as coleções sejam desenvolvidas de acordo com um cronograma de mercado, a primeira parte é destinada as pesquisas em moda. O processo de pesquisa em moda além de envolver vários fatores ou categorias como a pesquisa de comportamento, a comparativa de mercado, a tecnológica, a de vocações regionais, a de tendências e a do tema da coleção, deve ser um processo constante na vida de um designer de moda, já que as mudanças ocorrem em uma velocidade grande e é essa busca pelo novo que move o designer. (TREPTOW, 2013) Por causa dessa constante pressão pelo novo, é necessário aprofundar cada vez mais suas pesquisas e ir além, em busca de uma nova inspiração e meios de interpretá-la em suas coleções. Designers de moda se parecem, portanto, com colecionadores obsessivos, e estão sempre à caça de coisas novas e emocionantes para inspirá-los. A necessidade de coletar e pesquisar materiais para usar no processo criativo é essencial para alimentar sua imaginação. (SEIVEWRIGHT, 2009, p.12)


71 A realização de tais pesquisas é necessária a partir de algumas técnicas, pois o profissional deve ter a capacidade de descobrir e então registrar o que está ocorrendo no mundo para mais tarde utilizar. O acompanhamento constante do seu público-alvo, junto a todo seu comportamento traz a marca uma forma de relação estrita com ele, chegando ao ponto de poder prever os seus desejos. A comparação de mercado não serve apenas para comparar os produtos, mas auxilia na formação do preço e até na comparação da necessidade de projeção social a que a roupa esta atribuída. As pesquisas são, portanto, a melhor maneira de se começar uma coleção, pois quando bem realizadas, a chance de não fazer uma coleção errada se reduz, aumentando o percentual de acertos e de maior venda dos produtos. Sendo assim, é consequentemente nisso que a moda se baseia para se fortalecer a cada dia mais no mercado onde surgem marcas diferentes a cada dia, o seu fortalecimento com o cliente. (TREPTOW, 2013) As pesquisas caracterizam-se pela intensa investigação e aprendizagem sempre de algo novo, podendo ser do universo contemporâneo ou do passado. Elas são “ a forma de estimular a mente e abrir novos caminhos a seguir [...] de explorar várias possibilidades criativas, antes de canalizar e concentrar sua imaginação em um conceito, tema ou direcionamento para uma coleção”. As pesquisas envolvem desta maneira a leitura, visitação ou observação, guiadas sempre pelo registro de informações que possam ser relevantes em algum momento. Ela “é a curiosidade formalizada. É procurar e garimpar com uma finalidade específica. ” (SEIVEWRIGHT apud Zora Neale Hurston, 2009, p.15) Nesse caso, as finalidades especificas para as pesquisas de moda já foram citadas acima, entretanto não distingue o fato de que elas precisam ser acima de tudo objetiva, inspiradora e útil. Não há como gastar tempo e dinheiro realizando pesquisas que de comportamento e gostos do público-alvo, ou seja, do consumidor final das roupas, para produzir roupas que não irão agradá-lo; não há o porquê fazer pesquisa de tendências, para criar peças que não sejam ambientadas ao que está ocorrendo na sociedade atual, e assim se repetirá com as demais outras pesquisas realizadas antes de se começar a criar um croqui. “A pesquisa deve ser, principalmente, inspiradora e útil” (SEIVEWRIGHT, 2009, p.17) Inicia-se assim a realização das pesquisas para a concepção do tema da coleção. A partir da decisão do tema é que se dará início não apenas aos frutos de se vestir, mas também aos frutos que envolvem tudo o que faz girar a moda, como a compra de tecidos


72 e aviamentos, como o marketing necessário para a divulgação e comercialização da marca naquele período, entre outros fatores. A cada período ou temporada, sendo em passarelas internacionais ou nacionais duas temporadas fixas: primavera-verão e outono-inverno, será necessário sempre que sejam realizadas novas e novas pesquisas, já que moda é a dinâmica da mudança, da constante renovação. O surgimento de novas modas é, em última análise, o que mantém viva a indústria, uma vez que, se dependesse da durabilidade das roupas, não seria” necessário” efetuarmos novas compras a cada estação (TREPTOW, 2013, p.72) A pesquisa parte nesse sentido de duas vertentes, sendo uma opção a reunião de objetos reais, táteis, que auxiliaram nas ideias de texturas, caimento, etc. Logo, reunir desde botões e conchas do mar à um porta joias da avó do melhor amigo é uma das maneiras de se chegar a um ponto de inspiração. É nessa opção de pesquisa que também se deve observar os tecidos (seu caimento, preço, textura). Já a segunda opção carrega a pesquisa e coleta de dados realizada por meio da internet, de livros e revistas, onde não se tem uma representação real/ física do que se deseja, mas sim um quadro de um poderá surgir alguma ideia. A essência da pesquisa está em buscar direções que sejam educativas e inspiradoras para você, e que levem-no a uma investigação mais profunda do desconhecido, com o objetivo de criar novas ideias. Como aspirante a designer, é importante que você tenha um entendimento contextual e histórico da moda. Isso pode tornar-se uma fonte contínua de inspiração, fazendo com que você questione o passado e o presente para avaliar o futuro. (MATHARU, 2011, p.98)

No mundo da moda, assim como na arquitetura, comunicação, artes são dos movimentos artísticos, da arte clássica, da arte contemporânea, de esculturas, da cultura tanto da sociedade em que se vive quanto das outras civilizações que se tiram motivos para se obter um tema de coleção e também os diversos elementos de designer que irão compô-la.

3.2 O planejamento de coleção e a profissão do designer O processo de desenvolvimento de uma coleção é extremamente dinâmico e exige uma intensa comunicação entre todos os membros da equipe, principalmente entre o


73 designer/ estilista e a equipe do marketing. O planejamento analisa não apenas a questão da viabilidade de uma coleção dar certo, mas calcula e analisa toda a produção que virá a seguir. “ Planejamento não se resume à concepção ou ao processo criativo do design. Planejamento vai além e inclui a análise da viabilidade produtiva e comercial e sua coerência como coleção” (TREPTOW, 2013, p.90). É nesse momento onde são realizadas as diversas reuniões de planejamento, onde se define por exemplo o caminho que a marca irá seguir, desde o mix de produtos a serem produzidos até a necessidade de um reposicionamento. Todas essas ações são analisadas e constatadas a partir das coleções anteriores e de como elas se saíram no comercio e todos os integrantes da equipe devem estar presentes, desde o modelista responsável até o presidente da empresa, desta forma toda estarão cientes das decisões tomadas e assim os relatórios poderão ser feitos. Uma coleção não nasce da noite para o dia. Ela segue etapas de desenvolvimento que não desde a pesquisa de tendências de moda até a produção de material de apoio (etiquetas, folders, catálogos, releases de imprensa, etc.). Para a elaboração de um cronograma, devem-se listar todas as etapas previstas, delimitando prazos de execução para cada uma. (TREPTOW, 2013, p.93)

O cronograma previsto deve ser em formato de tabela, onde irá constar os prazos (datas) e as atividades, para que tudo siga o tempo correto e esteja pronto segundo ele. A falha na ordem e no tempo do previsto pelo cronograma pode resultar em atraso na produção e consequentemente atraso na entrega do produto final. A figura do estilista junto com o marketing da marca repensara na variedade de peças que a marca irá produzir dentro de toda a coleção, e isso é avaliado de acordo com a abrangência, no qual se refere ao número de linhas oferecidas, a extensão, ou seja, número de produtos ofertados em cada linha e a profundidade, que é o número de versões de cada produto. A partir desta análise é que serão calculados o mix de moda, o qual conhecemos pelas três categorias que separam os looks ou peças em básicas, fashion ou comerciais e conceito. Essas categorias das peças ou dos looks dentro de uma marca é definido primeiramente pelo segmento no qual ela foi conceituada e logo seguinte pelas linhas. O segmento de mercado é o qual classifica a sua produção em Alta-Costura, Prêtà-porter ou mercado de massa e as linhas são subdivisões do segmento, ou seja, se a marca X deseja abordar um público diferente do qual ela se consolidou no mercado, ou seu público-alvo principal, ela cria uma linha destinada a outro público, através desta linha ela irá continuar a utilizar o mesmo segmento de mercado e o mesmo estilo aliado a um


74 novo consumidor final, que possui outros gostos e comportamentos. Essa divisão de linhas serve basicamente para que o responsável pela marca X não precise de abrir outra marca e pagar outros impostos. Ao final ainda se tem ainda a classificação por targets, ou seja, se a roupa entra como streetwear, sportwear, jeanswear, etc. (LIGER, 2012; TREPTOW, 2013) Na moda, nada é realmente casual; quem cria uma coleção deve ter consciência de ser um tradutor da linguagem do seu tempo. Isso é extremamente importante, pois pensar que, para criar uma coleção, basta uma inspiração ou ideia intuitiva é tão supérfluo quanto ingênuo. (LIGER, 2012, p.106)

As criações devem sempre ser modelos e nunca projeções do ideal e frutos da preferência pessoal de quem a criou, já que o mercado no qual esses produtos serão expostos não se concentram nas preferências de quem criou. “O designer deve se desdobrar, colocar-se como sujeito que consome o produto, absorvendo características do target e não de si mesmo. [...]” (LIGER, 2012, p. 106-107) “A necessidade secundária do vestir-se, aquela que está ligada à estética, é a que agrega ao produto a capacidade de se tornar parte de uma história, revestindo-o de simbolismo, tornando-o atraente, desejável e único aos olhos do consumidor”. (LIGER, 2012, p.113). Tem-se em totais circunstancias que o designer deve ser um profissional que será capaz de unir todos os pontos projetados nas pesquisas afim de criar uma coleção única e que irá deslumbrar os olhos de seus consumidores. Pontos e questões como a sua opinião pessoal, ou gosto enquanto pessoal devem ser de alguma forma deixados de lado, para que o profissional do designer possa entrar na realidade e assim estar “preparado para trabalhar com qualquer tipo de linha e não somente com a que prefere” (LIGER, 2012, p.107) O tamanho da coleção não é também uma das decisões que o designer não possui dentro da marca, ela também varia de acordo com a saída que a coleção anterior teve no mercado, ou de acordo com o tamanho da marca (pequeno, médio, grande porte) e “ a demanda por tamanhos também costuma variar conforme o tipo de artigo ou públicoalvo. É bem provável que os tamanhos M ou G tenham maior demanda, pois grande parte da população se enquadra nessas medidas. ” (TREPTOW, 2013, p.99) O briefing citado acima por ser o ponto de referência do estilista ou designer é o resultado da reunião de planejamento e norteará o trabalho do designer. ” (TREPTOW, 2013, p.100)


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3.3 O design de uma coleção “Criar, em moda, significa gerar novos arranjos para cores, texturas e formas através de tecidos ou outros materiais e aviamentos. O talento do designer reside em utilizar essas ferramentas para combinações originais” (TREPTOW, 2013, p.124) O design de uma coleção pode parecer algo simples para quem apenas consome ou olha, entretanto há vários princípios no qual um profissional de moda deve se basear na hora de criar uma coleção. Quando o designer ou estilista consegue absorver todos os elementos presentes nas pesquisas de moda e uni-los aos princípios do design, o conduz a classificação de sensibilidade estética. “ Chamamos de sensibilidade estética o talento em dispor os elementos do design respeitando ou contrariando seus princípios. ” (TREPTOW, 2013, p.129) Processo criativo é, portanto, o nome que se dá aos momentos dedicados a conceber uma coleção atribuindo a todos o completo casamento entre todos os elementos do design e as pesquisas de tendência, comportamento de seu público-alvo, imagem passada por sua musa inspiradora, quantidade de peças que se deve ou não criar, entre outros. “A pesquisa criativa é o segredo ou truque que embasa todo design original” (SEIVEWRIGHT apud John Galliano, 2009, p.7) pois ele conduz a todos os passos que fazem a moda não existir “simplesmente nas roupas. A moda está no céu, na rua; a moda tem a ver com ideias, com a forma como vivemos, com o que está acontecendo” (MATHARU apud Coco Chanel, 2011, p.99) O primeiro passo do design de uma coleção é a inspiração da figura central no processo criativo, ou seja, do estilista ou designer. Mas a inspiração é algo como acertar os números da mega sena, ela não aparece na hora em que se deseja, ela aparece de acordo com um momento que seja propicio para que a desperte, é algo que pode aparecer em qualquer momento, sendo o mais certo durante as pesquisas criativas. É essa inspiração que irá se desencadear no tema central e “ a escolha de um tema para a coleção depende da sensibilidade do designer ou da sua equipe de criação” (TREPTOW, 2013, p.105) Os mood boards ou storyboards são uma forma rápida e útil de reunir informações e apresentar uma ideia focada a um cliente ou montar um painel. Em essência, essas são traduções editadas da pesquisa que foi decodificada nos sketchbooks. Elas demonstram uma jornada lógica que claramente enfatiza o look, cores, tecidos e o tema geral de uma coleção.


76 Dependendo da coleção, palavras-chave como “ sombrio”, “ masculino” ou “temperamental” podem ser usadas para destacar a sua essência. (MATHARU, 2011, p.100)

Com o tema definido a primeira opção seria desenhar os modelos, certo? É importante nesse momento citar que os desenhos ou croquis como são chamados no mundo da moda só serão feitos após que todas as decisões sobre os princípios do designer sejam feitas. Como elementos do design temos as cores, formas, silhuetas, tecidos, texturas. Silhuetas e formas são importantes para definir a imagem que uma peça ou roupa conduz. As formas e estruturas são as primeiras coisas percebidas em uma roupa, para logo após notar os detalhes, tecidos e acabamentos. Segundo o autor Seivewright, “ “forma” é uma área ou formato com um contorno definido, uma aparência e uma estrutura visíveis. É também a base em que algo é construído ou estruturado [...] Sem a forma, não haveria silhuetas no design de moda” (SEIVEWRIGHT,2009, p.19) A silhueta bem realizada é essencial para o sucesso de qualquer modelo ou coleção, ela ajuda a apresentar um contexto, como por exemplo a inspiração histórica em alguma década do passado, ou estabelecer uma atitude e um visual geral para toda a coleção. É comum que vários estilistas do mercado se assemelhem a uma silhueta por gosto pessoal e torne-a sua marca registrada. (MATHARU,2011) Dentro da construção da silhueta devem conter dados da pesquisa inicial, como os objetivos que ajudam a compor sua essência, estes como por exemplo suave, volumoso, rígido, etc e as proporções e linhas, nas quais tem papel fundamental “na criação de um modelo equilibrado e harmonioso que agrade aos olhos e favoreça o corpo”. A proporção refere-se neste sentido “ao tamanho dos diferentes componentes de uma roupa em relação ao todo”, e eis que este que é chamado de todo é referente ao corpo humano e seus componentes são nesta lógica as partes do corpo, sendo assim tórax, perna, pescoço, braço, punho, cintura, quadril, etc. E as linhas são obtidas com fundamento em estratégias de criação de tais, como “ blocos de cores, tecidos, texturas ou estampas também podem dividir o corpo em linhas verticais, horizontais, diagonais ou curvas”. (MATHARU, 2011, p.103-109). Elas são intimamente ligadas e realçam o corte de uma peça, assim como também podem ajudar a criar um olhar diferente para o corpo através de sua modificação pela modelagem. As pences, costuras ou padrões têxteis são formas de criar a ilusão necessária sem precisar de criar peças loucas. “ Proporção, linha e equilíbrio oferecem muitas possibilidades de criação que podem melhorar drasticamente um design, ou arruína-lo” (MATHARU, 2011, p.105)


77 O equilíbrio é o fator necessário para conciliar os diferentes aspectos de uma peça. Um equilíbrio harmonioso pode ser obtido garantindo força ou importância equivalente aos elementos do design, incluindo proporção, linha e cor. (MATHARU, 2011, p.104)

“Cor e tecido são elementos centrais para a pesquisa e processo de design. Tratase de dois ingredientes essenciais sem os quais a moda não pode existir. ” (MATHARU, 2011, p.106) “As cores nos transmitem sensações e causam impactos visuais chamados cientificamente de sensações fisiológicas e mexem positiva ou negativamente com o nosso equilíbrio emocional” (LIGER, 2012, p.67). As cores são códigos não verbais que são fornecidos através de vários elementos presentes em toda a pesquisa que gera o tema. Algumas cores ganharam tanto destaque que serão consideradas por carregar a essência da coleção, a junção de todas elas formará a cartela de cores e seja qual for o método adotado para a escolha delas, o importante é que a sal distribuição seja sempre proporcional. Elas assim como todos os elementos que serão descritos devem estar de total acordo com o público-alvo, para quem se deve agradar. As cores ganham tanta importância na moda que existem feiras, pesquisas e agencias destinadas apenas a identificar as cores que irão se destacar em próximas temporadas. “ A cor é parte integrante de nossas vidas; tudo aquilo que vemos e com que interagimos tem cor. A cor não só oferece uma visão objetiva sobre o mundo, mas também afeta nossos sentimentos”. (MATHARU, 2011, p.106) Às vezes, os designers tornam-se conhecidos pelo uso de uma cartela e de cores como marca registrada. [...] Como designer, você pode preferir certas cores, ou usar as cores para estimular uma resposta emocional por parte de seus clientes. (MATHARU, 2011, p.107)

A previa ideia do tecido que se irá utilizar é um passo importantíssimo para compor o design da coleção. “ O peso e a textura do tecido podem determinar não apenas o caimento da peça, mas, principalmente, a forma como ela trabalha com silhueta”. Para alguns designers o primeiro passo antes de qualquer pesquisa é a escolha dos tecidos, pois assim ele irá se tornar quem ditará o tema e criará por consequência a essência da coleção, “outros designers decodificam primeiro a pesquisa e, ao longo de suas jornadas, interpretam as informações em narrativas de tecidos e cores”, Não obstante, isso varia de acordo com a habilidade ou a preferência do estilista e da marca para qual ele cria, de qualquer maneira o fato é que o conhecimento de diferentes tecidos e suas qualidades e a compreensão de como aplica-los em suas criações é uma


78 habilidade fundamental. Cada tecido tem uma estética própria, que pode servir de inspiração por seu visual, sensação e manuseio. (MATHARU, 2011, p.109-110) Christian Dior disse que “ Os tecidos não apenas expressam o sonho de um designer, mas também estimulam suas ideias. Eles podem ser uma fonte de inspiração. Muitos de meus vestidos nasceram a partir (da inspiração) do tecido” (TREPTOW apud Stone, 2013, p.111)

Detalhes e as tão conhecidas texturas são todas produzidas a partir dos tecidos escolhidos. Elas são as meninas dos olhos da coleção, por normalmente serem uma forma de inovar dos designers, que criam algum tipo de textura para compor suas coleções, assim elas não criam uma imagem de monotonia devido ao fato e parecem todas do mesmo jeito. Acontece que quando se cria uma coleção ela tende a seguir uma linha entre as peças ou looks criados, onde várias peças iram possuir uma mesma forma e silhueta para se completarem, essa é, portanto, a função dos detalhes e das texturas, é conseguir diferenciar as produções que podem acabar tendo até a mesma modelagem em diversas famílias. “ Os detalhes de uma peça são tão importantes para o design quanto a silhueta, já que muitas vezes serão o argumento de venda mais importante depois de serem cuidadosamente inspecionados pelos compradores”. (SEIVEWRIGHT, 2009, p.20) “Desenhar permite ao designer comunicar ideias e informações; o processo treina o olhar para enxergar detalhes de forma, textura e proporção das peças e em relação à figura” (MATHARU, 2011, p.101) O croqui de moda é praticamente o ultimo na escala a ser seguida para se criar uma coleção. Há porem o fato de que o designer nunca para de desenhar, mas então como isso pode ser possível? É que todo designer/ estilista carrega consigo um caderninho, chamado de scketchbook, e é nele que todas as ideias, modelos, entre outros irão surgindo e são anotadas ou desenhadas, para que ele possa utilizar na coleção em que está empenhado no futuro ou em outras que viram pela frente. O desenho para a moda é uma parte mais do que essencial, é ele que ajudará a transmitir todas as ideias e todos os pensamentos sobre a roupa, calçado, bolsa ou acessório produzidos pelo mundo da moda. É bastante legal observar que o croqui ajuda muito na resolução de problemas durante a fase de criação, já que se fosse necessário criar a peça em 3D e toda vez que precisasse fazer algum ajuste ou modificação começar tudo do zero, o desperdício de tecido e materiais seria enorme aliado ao gasto da produção para a empresa. O croqui nesse sentido traz uma economia de tempo e dinheiro para as marcas. “ Desenhar é uma habilidade essencial; uma ferramenta que ajuda você a registrar dados,


79 comunicar e desenvolver suas ideias” (MATHARU, 2011, p.101) É dever nesse sentido de qualquer designer aprofundar e desenvolver suas habilidades com desenho, para que ao exercer sua profissão, ele possa desfrutar ao máximo de um produto de excelência. A partir da criação dos croquis e da aprovação de tais por parte do resto da equipe de criação e dos proprietários da marca, começa-se o estágio do desenvolvimento de cada peça. Nesta hora é como se o bastão saísse da mão do designer e fosse para às habilidosas mãos do (a) modelista. Ele (a) serão os responsáveis em passar todas as ideias do papel para o real e de fazer, portanto todos os ajustes necessários para que aquela peça esteja 100% igual ao seu projeto inicial. A modelagem das peças é feita com o supervisiona mento do designer, assim ele junto ao modelista é capaz de fazer alterações, observar o caimento da peça, entre outros fatores. “ A modelagem está para o designer de moda assim como a engenharia está para a arquitetura”. (TREPTOW, 2013, p.151) esta etapa é desta maneira finalidade a partir do momento em que surge o protótipo da peça e está é completamente aceita pela equipe de criação e estilo da marca. A criação da coleção acaba neste exato momento, agora entra em jogo toda a equipe do marketing que desde o momento em que o tema foi decidido trabalha para contar uma historinha sobre o tema da coleção que faça completamente sentido para a sua comercialização. Do ponto em que as peças estão prontas, o marketing irá fazer os lookbooks, campanhas e demais outras ferramentas de comunicação daquela coleção com o seu público-alvo, nesse sentido, tudo é feito para que atraia cada vez mais os olhares de seu público, instigando-os cada dia mais a querer possuir aquele produto. Uma coleção nunca é feita baseada em muito tempo, as marcas começam a pensar em uma coleção com 1(um) ano de antecedência, sendo que as coleções lançadas só irão ser comercializadas 1 ano a frente. Sendo assim uma coleção outono-inverno do ano X só irá aparecer nas lojas no ano seguinte em que foi lançada. É basicamente assim que acontece no mercado da moda, e é por isso que os designers tem de estar sempre um pé a frente do seu tempo, pois é como se eles tivessem de adivinhar o que o seu público-alvo irá querer consumir no próximo ano. Mesmo assim, para quem ama o que faz, não se torna um tormento todas as dificuldades e lutas, mas sim um verdadeiro amor. “ A moda é muito importante. É enriquecedora e, com tudo que dá prazer, vale a pena ser bem-feita” (SEIVEWRIGHT apud Vivienne Westwood, 2009, p.3)


80 CAPITULO 4: O CANGAÇO COMO INSPIRAÇÃO CRIATIVA Nesta sequência sobre o processo criativo e sobre o cangaço brasileiro, tema desta pesquisa é que será analisado como que o devido tema se tornou a origem de inspiração para demais outros estilistas e marcas não apenas nacionais, mas também internacionais e quais foram os pontos ou aspectos relevantes que os levaram a criação de tais coleções. Mais do que simples cangaceiros, estiveram juntos com a moda. Lampião teve grande influência na moda do Nordeste durante um período, causando espanto à sociedade, quando até os soldados viviam contra os bandos do sertão passaram a utilizar elementos marcantes da moda cangaceira. (FELICIANO apud MELLO, 2014, p.12-13)

4.1 O cangaço de Zuzu Angel A famosa coleção lançada por essa designer em Nova York, em fins de 1970, de nome Internacional Datelinecolection (a primeira de uma série de sete com esse mesmo nome) evidenciou melhor os temas, materiais e “características brasileiras”. A coleção foi dividida em três partes; um grupo foi inspirado nas baianas, outro em lampião e Maria Bonita e o terceiro nas rendeiras do nordeste. (LACERDA apud BRAGA; PRADO, 2011)

Zuleika Angel Jones ou mais conhecida como Zuzu Angel foi uma estilista extremamente brasileira, que nasceu na cidade de Curvelo, Minas Gerais, mas fez história no mundo inteiro. Pertencente a uma família de classe média, bem intelectualizada, começou a trabalhar como costureira e “suas primeiras freguesas vieram das boas relações que tinha com as mineiras do governo de Juscelino Kubitschek”. Zuzu era muito criativa, “ Com tecidos que ela mesma julgava feios, panos de colchão e algumas fitas de gordorão, produziu suas primeiras criações, as saias Ballonées” (FELICIANO apud Angel, 2014, p.2) Mas quando se diz que a estilista era extremamente brasileira, não se situa apenas no fato de sua nacionalidade, mas no fato de durante toda a sua carreira junto a moda ela criou peças, looks e mais tarde coleções com uma criatividade enorme, e priorizava sempre trabalhar com temas ligados ao regionalismo, utilizando tons, tecidos, estamparia e aviamentos típicos do Brasil. A moda brasileira se relacionava diretamente com Zuzu Angel. A estilista fazia uso de matéria-prima tipicamente brasileira- como as renas do nordeste, chita, estampas de borboletas e pássaros – e buscava


81 inspiração no tropicalismo. (FELICIANO apud SEHUMAHER; BRASIL, 2014, p.3)

Toda essa originalidade brasileira trazida por Zuzu acabou fazendo com que ela oferecesse ao seu público uma coleção inspirada nas figuras de Maria Bonita e Lampião, o rei e a rainha do cangaço, onde ela fez uso de diversas matérias-primas diretamente extraidas do nordeste brasileiro para compor a sua coleção. (FELICIANO apud PIMENTEL, 2014, p.5) Em consequência desse fruto de inspiração para o segundo grupo da coleção lançada em Nova York, a estilista usufruiu dos elementos que compunham o vestuário do cangaço em sua terceira fase, como foi apresentado no capítulo anterior que compõe esta pesquisa. Entre todos os elementos, nota-se a presença da estamparia em tecidos de motivos xadrezes ou pequenos florais, assim com eram as jabiracas dos cangaceiros, ou recebendo um nome mais conhecido, os lenços de seda que eram utilizados em seus pescoços. Da releitura das peças dos anos 20 um tanto quanto masculinas e que foram introduzidas no vestuário feminino. 12

4.2 O sertanejo cangaceiro de Ronaldo Fraga O inpirit criativo do estilista mineiro Ronaldo Fraga veio da união de um longo trabalho com sua matéria prima, os tecidos e da cultura nordestina brasileira. Desta maneira ele traz todo o desenvolvimento de sua coleção outono – inverno 2014 nomeada de Carne Seca, onde as peças de roupas possuem os aspectos retirados não apenas da indumentária do cangaço brasileiro, mas carregam consigo também o ambiente ao qual o cangaço viveu e morreu. O desfile apresentou as roupas em “em tons da seca, da terra, da pobreza da região. Pareciam saídas do bando de Lampião e Maria Bonita, que chegaram na frente da tropa para checar o local ” (ESPINOSSI, 2013) Com uma marca já consolidada no mercado onde todas as suas coleções são compostas por peças que por mais exóticas e criativas que sejam são extremamente comerciais, usável e confortável, ele conseguiu fazer com que 90% das peças fossem de couro, mas sem perder os elementos físicos e espirituais de sua marca. A história do couro vem bem além da sua utilização no cangaço, como uma indumentária de proteção aos

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Ver imagem em anexos


82 espinhos e ganhos secos e retorcidos da região da caatinga, por onde o bando dos cangaceiros se escondiam. Para o estilista mineiro que anda sempre movido em criar coleções que geram algum impacto social, a utilização veio de um longo e forte trabalho com o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil.

Figura 4: looks da coleção Fonte: https://br.pinterest.com/pin/509258670340800437/ http://www.revistacatarina.com.br/2013/11/spfw-veja-os-destaques-do-quarto-dia-de-desfiles/ http://blogs.diariodonordeste.com.br/desenroladas/spfw/a-fabula-sertaneja-de-ronaldofraga/comment-page-1/

Ronaldo também explica que esses sete curtumes com os quais trabalhou tem uma preocupação forte com a sustentabilidade: um problema corriqueiro na produção é a poluição dos rios com química,


83 mas ele garante que nesses a água volta mais limpa ainda! (ESPINOSSI, 2013)

Todos os couros utilizados na coleção compostos não apenas em seu aspecto normal, mas também em várias texturas e cores, como por exemplo o tricô com fios de couro, foram apresentados seguindo os tons do sertão, como variações dos tons terrosos, amarelo sol, verde-cacto e azuil. Os looks de Ronaldo são sempre integrados por peças amplas e que desvalorizam o corpo feminino, entretanto essa coleção foi controvérsia aos seus elementos físicos e trouxe a passarela cintura marcada. “A silhueta é uma das mais femininas que Ronaldo já propôs, com cintura marcada com cintos de design anatômico de Érika Marent mais recortes que valorizam as formas na modelagem”. (WAKABARA, 2013) A coleção, feita com 90% de couro, veio mais seca, reta, com saias coluna, camisas, blusas de cortes quadrados e calças mais curtas. Uma silhueta, como o próprio Ronaldo explica, sem muitas exclamações e reticências, e bem diferente de seu estilo. Mais ajustadas ao corpo feminino. (ESPINOSSI, 2013)

O couro foi trabalhado de espessura dura ou molenga, e entraram em praticamente todas as peças, de vestidos, à calças, blusas e top, e, claro, sem esquecer dos lencinhos típicos dos cangaceiros. Ele também veio completamente aliado a tecidos nobres, como a seda, o linho, o algodão em bouclê, tressês de organza de cetim, e jacquards, no qual a seda, o linho e o algodão podem ter sido retirados da inspiração da indumentária do cangaço, pois os tecidos são os mesmos utilizados por estes em seu bando. “Crochês pesados também dialogam com os demais materiais. Destaque para as folhas de crochê verde, em formato de folhas, que juntas se transformavam em vestidos ou saias, com vazados ”. (ESPINOSSI, 2013)


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Figura 5: Look de Ronaldo Fraga com lencinho no pescoço feito em couro Fonte: http://chic.uol.com.br/moda/noticia/ronaldo-fraga-inverno-2014

Para então compor o styling do tema sertanejo cangaceiro ele abusou dos acessórios como bolsas, cumbucas e bolsas-marmita com o símbolos que eles utilizavam como uma forma de se proteger, tais quais percebe-se claramente as estrelas e os círculos com flor (tipo mandalas nordestinas) e nos pés, não poderia deixar de faltar os calçados de bico e sola quadrada, que de altura baixa se assemelharam as alpercatas de rabicho, utilizadas pelos cangaceiros para despistar as volantes. (WAKABARA; ESPINOSSI, 2013) 4.3 O cangaço dark de Alexandre Herchcovitch Outro estilista que tomou o cangaço brasileiro como fonte de suas pesquisas de moda e então tema de desenvolvimento de suas coleções, é apresentado na coleção outono- inverno do ano de 2014 do estilista brasileiro Alexandre Herchcovitch. Ele é o responsável por assinar a direção criativa da marca que carrega o seu nome, mas que,


85 entretanto, não pertence mais a sua propriedade. Esta coleção foi do gênero masculino, ao contrário das outras coleções apresentadas.

Imagem 6: Detalhes da peça da coleção de Herchcovitch em tricô Fonte: https://fastfoode.wordpress.com/2013/11/page/13/ Contextualizada em um momento em que o Brasil passava por diversas manifestações por questões políticas e sociais, no qual abrangeram grande parte do território brasileiro, ele resolveu unir tais acontecimentos social ao movimento do cangaço brasileiro e à Lampião e seu bando. Essa dubiedade não parece nesse sentido ser uma mera coincidência, (WAKABARA, 2013) os cangaceiros não se importavam com o desconforto ou com a morte; estavam sempre prontos e por isso sua roupa era utilitária e com lugar para acessórios como cantil e o suporte de couro para carregar o fuzil. Nômades, precisavam levar tudo próximo do corpo. (FFW, 2013)

É basicamente comparando esta coleção a apresentada anteriormente por Ronaldo Fraga que temos claramente o ponto de discrepância entre elas. Enquanto Ronaldo utilizou muitas cores, mesmo que em tons terrosos simulando o sertão nordestino enquanto região territorial, Alexandre resolveu pegar a alma transmitida em suas pesquisas para compor a sua cartela de cores. Tem-se nessa decorrência que a cartela foi


86 composta claramente pela abundancia do preto, havendo cores apenas nas composições de estamparia. “A coleção inteira preta é forte e traz alguns códigos da vestimenta de Lampião” (FFW, 2013). Dessa maneira ele deu totalmente um tom Dark e ainda compôs a sua passarela ao som de heavy Metal. A pesquisa do estilista para compor o seu processo criativo foi imensa e totalmente profunda e ele conseguiu utilizar de quase todos os pontos marcantes da indumentária do rei do cangaço para compor os seus looks.

Imagem7: O tom dark trazido pelo preto em quase toda a coleção Fonte: http://gq.globo.com/Estilo/Desfiles/noticia/2013/11/os-cangaceiros-metaleirosde-alexandre-herchcovitch.html Dos símbolos que os cangaceiros incluíam em suas roupas e chapéus (estrelas, flores estilizadas, octógonos – belos em bordados no barrado do vestido e no crochê), a calça mais volumosa no quadril e bem justa na canela, o sapatosandália com fenda nos dedos que forma uma língua, a cartucheira e os bornais (algibeiras específicas deles com alças grossas no ombro que cruzam o corpo em diagonal – eles usavam um de cada lado, formando um X, e Alexandre chega a mostrar uma versão estilizada mas “cita” as alças em recortes de tecido na própria roupa em alguns casos). (WAKABARA, 2013)


87 A utilização desses elementos no entanto não deixaram de lado a presença do militarismo em uma alfaiataria muito bem pensada. A coleção uniu tecidos como Linho com seda, Tyvek, nylon, lã cashmere, astracã falso, tricôs manuais e como não poderia deixar de faltar, o couro. (WAKABARA, 2013) As meias por cima das leggings representam as perneiras que eles usavam para proteger as canelas durante as andanças pelo mato. Muito boa a série da estampa de onça, ótimas opções de calças, paletós, trenchs, coletes e jaquetas. É delicioso ver Lampião através dos olhos de Alexandre, as conexões que ele faz, como ele desconstrói e transforma o personagem sem perder sua essência. (FFW, 2013)

Imagem 7: detalhes da estamparia, como a de onça Fonte: http://gq.globo.com/Estilo/Desfiles/noticia/2013/11/os-cangaceiros-metaleiros-de-alexandreherchcovitch.html

O cangaceiro fashion, futurista...se é que isso existe de Alexandre rendeu aos olhos de quem entende de moda apenas uma classificação, sendo neste sentido: “ uma coleção belíssima, rica em detalhes, bem pensada”. (ASTUTO, 2013) 4.4 O cangaço da FORUM


88 Na Forum, a inspiração do cangaço brotou em uma linda coleção na qual a marca fez uma releitura do tema para a sua coleção outono –inverno 2001. “Uma coleção alegadamente inspirada no sertão, até que se viu muito do cowboy americano que também é tendência de moda”. Entretanto, a marca tem um grande nível de acerto quando é mais evidente o Brasil, sendo desta forma mais autoral e não quando ele vem de maneira subjetiva. Foi constatado neste sentido que no decorrer da evolução da coleção na passarela, o cangaço demorou a aparecer, dando as caras a partir de um bloco, ainda que no final da coleção com o contorno de peças em couro com o gibão. “Destacam-se aqui os looks em marrom, sobretudo o com as aplicações tipo descanso de mesa de palha na musseline bege e, nesse segmento, as bolsas de couro trabalhado, tipo algibeira”. (PALOMINO, 2016) A coleção apresentada gerou dois discursos, por parecer ser dèja vu. Com o segmento de moda prêt-à-porter e como público alvo o mix entre mulheres e homens, a marca não conseguiu atingir de maneira marcante o masculino, devido ao fato de não conseguir apresentar inovação. Ela repetiu peças de couro, e a cartela de cores foi pequena. (TEXTILIA.NET, 2001) A imagem masculina, por exemplo, é fraca. Repete calças e casacos de couro- inclusive o arriscadíssimo branco. Mesmo a cartela de cores é pequena, quase limitada. O melhor momento para o homem está num trend coat de lã, de clara inspiração militar, usado sobre calça de couro. (TEXTILIA.NET,

2001) Já a parte feminina da coleção foi altamente comentada e considerada de “forte e feminina” (FIGUEIREDO,2001) trazendo uma imagem sexy para a mulher Forum. A cartela de cores da coleção foi toda pensada na análise de cores que podem caracterizam o sertão e o movimento do cangaço, principalmente, com uma longa variação do marrom. Nesse sentido temos o preto, branco, marrom, uísque, caramelo, areia, laranja. As formas ficaram por conta das justas e volumosas, assimétricas, drapeados e franzidos, todas interpretados na escolha dos tecidos: couro, jérsei, lã e malhas. (TEXTILIA.NET, 2001) Para então traduzir todas as pesquisas e escolhas ao tema da coleção como os apresentados acima, a Forum criou um mix de moda no qual apresentou produtos como vestidos evasês assimétricos repletos de transparência, na rendição as leggings que repletas de detalhes, como o de paetês na cor “carne” cria um efeito imitando a pele humana, calças de couro branco, botas e saias. (TEXTILIA.NET, 2001)


89 As rendas, embora inaquedas para o inverno, surtem efeito na coleção. Assim como as peças com “fuxico” chique, que acrescentam um ar sofisticado às camisas femininas. Renda e fuxico resultam naquele toque de ousadia e sensualidade. Mas os vestidos fluidos e os estampados, bicolores, não são a melhor tradução da Maria Bonita brasileira. (TEXTILIA.NET, 2001) 13

4.5 A dupla conterrânea do Cangaço A dupla de estilistas Otávio Sampaio e Roney George dois baianos, conterrâneos do movimento do cangaço, descobertos durante o Concurso Novos Talentos em Estilismo, realizado pelo Shopping Barra, tiveram a grande oportunidade de demonstrar a sua criatividade em uma coleção apresentada no 7º Barra Fashion Bahia. A coleção nomeada de "As Flores dos Espinhos, uma Viagem ao Cangaço" fez menção ao seu tema de inspiração e contou com uma esplendida criatividade por parte de seus criadores. Mais uma vez vê-se que os estilistas fizeram uma longa pesquisa para chegar ao ponto em que começar a criar, e no caso da dupla baiana, a pesquisa também foi bem profunda e a proposta foi quebrar a imagem que alguns tem de que os cangaceiros se vestiam com indumentárias escuras. Para eles, a ideia é de que os homens do sertão se vestiam com indumentárias altamente coloridas e sempre enfeitadas com acessórios, tais ele moedas, anéis, pingentes, medalhas, correntes entre diversos outros. “Otávio e Roney colocaram na passarela elementos visuais marcantes da época, como flores e imagens de cangaceiros, fazendo uma contextualização contemporânea”. (UOL, 2016) Após essa coleção, a dupla ganhou reconhecimento e despertou o convite para participar do evento de moda INNOVAMODA, na sua 3ª edição realizada pelo site WEBFASHION no ano de 2003. Eles desenvolveram outra coleção sobre o cangaço, e está na qual foi parar até em Paris/ França, quando um produtor cultural que trabalha na França levou o material publicitário da dupla por aqueles lados e estes foram parar na mão de fashionistas, que os convidaram a comercializar suas roupas lá. Nesta coleção sobre o cangaço, eles fizeram o encerramento da festa com um desfile que “trazendo um

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Infelizmente não há referências fotográficas da coleção citada devido a sua exclusão de todos os sites.


90 cangaço colorido e amimado, e uma homenagem a Lampião feita por suas bisnetas que desfilaram” (UOL, 2016)

Imagem X: estampas coloridas e alegres compuseram os looks da coleção com a proposta da dupla de estilista. Fonte:http://www2.uol.com.br/modabrasil/acontece2/lampiao_maria_baiana/index2.htm

Imagem x: Os estilistas Otávio Sampaio e Roney George no final de seu desfile Fonte: http://www2.uol.com.br/modabrasil/bahia_link/dupla_estilistas/index2.htm


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Imagem x: look da coleção Fonte: arquivo pessoal Aldo Clécius A segunda linha é de roupas menos conceituais, mas, com muitos bordados e aplicações nas criações femininas. A masculina é composta por camisas estampadas a mão e outras em silk com imagens do universo popular brasileiro, estampas de xilo sobrepostas com aplicações de cristais e bordados, numa linguagem mais pop. (UOL, 2016)

Imagem 7: look da coleção Fonte: arquivo pessoal Aldo Clécius

Com o mix de moda contando desde looks conceituais até os comerciais e básicos, foram desenvolvidos peças como t-shirts e saias básicas, e materiais que contavam com jeans e técnicas de designer têxtil como a serigrafia, tintura manual e tingimento artesanal com tecido 100% brasileiro.14 (CLÉCIUS, 2016) 14

Mais imagens da coleção estão disponibilizadas no Anexos- Pesquisa Imagética


92 4.6 Amir Slama para Rosa Chá celebra a união do cangaço ao maracatu O estilista Amir Slama na coleção Primavera- Verão 2006 levou a passarela do São Paulo Fashion Week a marca na qual usufrui de suas criações, Rosa Chá. Atualmente a marca foi vendida no ano de 2010 e conta com um mix de produtos bem modernos para o público feminino, mas anteriormente a este fato a Rosa Chá trabalhava exclusivamente com o target beachwear, ou seja, biquínis, maiôs, sungas e vestidos ou saídas de praia, ou de maneira resumida, todo o universo da praia. Para a coleção Primavera-verão 2006, o então estilista utilizou de duas subculturas brasileiras para cria-la, apresentado a união do cangaço com o maracatu. A Pernambuco de Mauricio de Nassau e toda a sua contribuição renascentista que deu ao lugar se uniu a sua homenagem a Lampião e Maria bonita. (INFONET.COM.BR, 2005) “Sobre uma passarela que imitava terra, e em volta de um imenso lustre de vidro, as modelos usaram inicialmente peças em bege e cru. Tecidos planos, sem elasticidade, como palha, seda e georgete apareceram em biquínis, sungas e maiôs”. (MARQUES, 2005)

Imagem X: Peças inspiradas no cangaço, como por exemplo o detalhe do primeiro biquíni simulando os lenços dos cangaceiros. Fonte: http://www.infonet.com.br/noticias/ler.asp?id=39095

Além dos biquínis e maiôs, a coleção também compôs camisas com gola, batas e tops em tons cru, marrom, azul e verde, sempre aliadas aos babados, detalhes, franzidos, brilhos, bordados, amarrações, tranças, recortes e os clássicos detalhes simulando as cartucheiras utilizadas no cangaço. O beachwear ganhou peças com volume e corte


93 comportado. “O tomara-que-caia é curto, coloridíssimo e assimétrico. Slama usou tons de turquesa, de rosa forte”. (INFONET.COM.BR, 2005; TAVARES, 2005)

Imagem X: Mais peças da coleção, essas apresentando mais volume Fonte: http://www.infonet.com.br/noticias/ler.asp?id=39095

As estampas aparecem de maneira muito discreta, apenas com um pouco de xadrez e flores. A cor do maracatu só começou a aparecer em biquínis que misturavam o marrom ao lilás, onde em sequência o cangaço saiu de cena e entrou o floral do maracatu, com muita

cor,

como

o

vestido

tomara-que-caia

feitos

de

(INFONET.COM.BR, 2005)

Imagem X: As peças inspiradas no maracatu Fonte: http://www.infonet.com.br/noticias/ler.asp?id=39095

lenços

coloridos.


94 4.7 Nippo- cangaço Há um momento para todo criador de moda em que se desperta o inpirit criativo, ou seja, o instante em que surge a ideia para um tema de desenvolvimento da coleção. No caso da coleção Nippo-cangaço, criada pelo estilista e jornalista Aldo Clécius o inpirit criativo se despertou primeiramente sob uma fotografia das cabeças dos cangaceiros expostas, depois da morte de 90% do bando em que intitulada com a palavra “estética” estava ilustrando uma matéria sobre o cangaço. Naquele instante o cangaço e aquela imagem das cabeças ficaram vagando pela cabeça do criador, entretanto não havia até então se desdobrado em nenhuma coleção. O mais interessante desta história vem da proximidade estabelecida entre cangaço e o Japão. Já convidado para participar e falar no evento comemorativo sobre os 100 anos de nipônica no Brasil, as diversas pesquisas realizadas sobre este assunto se misturaram ao cangaço de alguma forma. Tudo isso parece certamente ser confuso e discordante, entretanto aos olhos de quem cria, principalmente aos olhos de um criador de moda tudo que parece controverso irá fazer sentido de alguma forma. E essa foi a maneira em que a coleção foi criada. Aquela fotografia das cabeças do bando de cangaceiros acabou se fundindo com diversas imagens de filmes com temáticas nipônicas e abordagem pop, que faziam parte do meu acervo de pesquisa para o seminário onde falaria sobre cinema e moda contemporânea a partir de imagens orientais. (Artigo Aldo, ano)

Aquele multiculturalismo presente na relação inter-paises é um dos sinônimos de um produto de moda atual, já que segundo o estilista a moda é forma por um “caldo” com diferentes elementos, mas que juntos se unem a maravilhas. A cabeça de Lampião exposta no jornal só acendeu a fagulha de um mito que me fascina desde a infância. Esse nosso herói/bandido, real/imaginário que criou em torno de si um mundo quase que mítico e paralelo. Palavra chave desses tempos onde cada um procura construir sua não-linearidade. Lampião representou um sopro de desordem na ordem, uma promessa de terror/ fantasia, uma imagem tão múltipla que só cabe a compreensão agora, quando nos livramos da velha e arcaica dualidade de bem e mal. Se Lampião representava o “vizinho exótico” no meu imaginário, o Japão e seus guerreiros que morriam pela honra representavam o “exótico” do outro lado do mundo. A partir da não-linearidade foi possível estabelecer pontes: tradições, regras, cores, morte, mito, códigos estéticos próprios. De fato, uma possível aproximação entre cangaço e Japão que parecia tão distante passou a apresentar aproximações.


95 Em consequência a todos os elementos importantes retirados dessa união entre o cangaço, Lampião e seus guerreiros ao Japão e os samurais como também guerreiros do outro lado do mundo, ele buscou elementos que pudessem se tornam os pontos de referência para a criação da identidade da marca Aldo Clécius. A primeira delas foi a guerra dos sexos, entre o feminino e o masculino, a questão de peças que são consideradas femininas ou masculinas, separadas pelo gênero de se vestir. É completamente sem sentido pensar que existe roupa para homens e roupa para mulheres, entretanto nos atuais dias, a união de todas a uma nova cultura de sem gênero as atribuiria a uma roupa feita para gay, o que não é a proposta. “Mas na marca Aldo Clécius, este sentido vem da apropriação, sem medo de estereótipos machistas ou sexistas, do repertório visual que compõe o feminino na vestimenta para criar transposições para o look masculino”. O outro foi totalmente composto pela ressignificação da camiseta, aquela que nasceu sendo a peça usada por debaixo da roupa masculina e nos tempos contemporâneos ela se tornou uma das peças principais do guarda-roupa masculino. A proposta foi traze-la a um novo significado, ou seja, a servir de suporte para diferentes criações de moda, diferentes da sua proposta original. Após a definição da identidade da marca, ou seja, da sua essência, é como se o estilista e proprietário da marca já tivesse o seu briefing posto para iniciar as criações. Assim ele pode pensar em quais tipos de peças utilizaria, as cores, tecidos, estampas a serem criadas, entre diversos elementos e detalhes que incorporariam na roupa a sua identidade e a identidade do tema. A coleção assim, iria tratar “da vitalidade e coragem de guerreiros que foram transportados, miticamente, para andarilhos urbanos cheios de identidade, conhecimento, munidos com a mesma coragem de samurais e cangaceiros”. Fundamental foi a questão abordada pelo estilista, onde “Coragem de ser o que são, independente do que pensa a maioria” , na qual ao pensar desta maneira, o que se torna a mais correta e pensar em criar peças que de alguma maneira iram desconstruir a camiseta e conciliar a guerra entre os sexos, feminino e masculino, o leva a produzir roupas que não atingiram um público-alvo comum, terão assim com os seus guerreiros, serem pessoas de alto-estilo elevada e com coragem para ser o que realmente são. Assim como ele que no mundo da moda atual, onde a maioria cria para vender, deve de existir universos particulares criativos no qual deva haver um ponto de fuga do real do cotidiano,


96 “cotidiano que insiste em grudar na nossa alma e nos arranca a possibilidade de experimental o novo” (CLECIUS apud PRECIOSA, ano) Rematando a todas as ideias fundadas e as que vagam em sua mente desde o momento em que ocorreu o inpirit criativo, ele criou a coleção Nippo-cangaço, no qual foi dividida em 4(quatro) famílias e foi constituída por peças que traziam a camiseta masculina derivada desde quando não se tem nem registro da data descontruída, e remodelada de maneiras que nunca se foi vista. A guerra entre os sexos, o feminino e o masculino que traz a roupa separada por uma simples questão de gênero, foi proposta ao sem gênero, e agregou-se ao vestuário masculino com a criação de mini shorts, saias, batas, vestidos, peito a mostra, alça de um ombro apenas, decotes em ‘V’ enormes. Já a referência do cangaço foi trazida através do volume em calças, materiais como tachas, projetos para estamparia, completamente aliados as cinturas marcadas dos samurais, e as suas indumentárias, como quimonos e hobby. Os tecidos utilizados remeteram de alguma forma os dois movimentos. Aliado ao peso dos couros, ele trouxe o jeans, tão presente na modernidade, a malha como um tecido universal, que ultrapassa os limites culturais e o cetim de seda como leveza da composição nipônica. As cores e elementos que geraram a estamparia vieram da longa pesquisa realizada, na qual foi apresentado 6(seis) projetos de estampa, uma com a cara de Lampião, redesenhada para compor o autoral, os elementos que caracterizaram o cangaço, como o chapéu e a estrela, o nome de todos os cangaceiros mortos que tiveram suas cabeças expostas na fotografia que deu o inpirit criativo a esta coleção, o nome da coleção e o apelido em que o maior aliado de Lampião, Corisco tinha mediante onde passavam. Este foi o guerreiro do Nippo-cangaço.


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Imagem X: Família Sol Nascente15 Fonte: Arquivo Pessoal Aldo Clécius

4.8 A feminilidade de Helo Rocha junto ao cangaço

CAPITULO 5: O processo criativo de moda 5.1 Apresentação Apresentar uma coleção de moda, é como mostrar ao mundo uma nova possibilidade, uma renovação. Caracterizada por ser um fenômeno ao qual é passageiro, ou seja, baseia-se em tendências, cores, comportamentos pessoais e sociais, ela é inconstante. É isso, a moda se torna fascinante por seu sentido de renovação, a qual busca sempre o novo e com esperteza, já que o tempo não espera. “ A cada estação a moda se renova. Mudam as cores, formas, silhuetas, padrões, tecidos e estampas. Mas o que altera junto com a moda são as inspirações, os desejos, a cultura, o mundo”. (SCARABELO, 201, p.8) O processo de vestir-se portanto ganha uma conotação completamente diferente na moda, como foi visto no capitulo ‘Criando Moda’. Considerando os tempos primórdios da sociedade, vestir era basicamente cobrir o corpo para protege-lo do frio, da chuva, do sol e de diversos outras intemperes da natureza. Os séculos foram passando e o mundo

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Os outros croquis da coleção estão apresentados em Anexos junto com a descrição da composição de cada look.


98 foi formando vilas, cidades e divisões de classe, na qual o vestir começou a ganhar mais do que a conotação de cobrir e proteger o corpo, mas era uma questão de divisão entre os mais ricos e os mais pobres. Contemporaneamente, a sociedades evoluíram tanto que a primeira função de vestir-se ainda existe, portanto a segunda foi abolida devido a vários fatores, mas o que mais interessa é que atualmente qualquer pessoa tem acesso a moda e assim todos podem usufrui-la de alguma maneira, de acordo com o seu estilo e gosto pessoal. Assim, a moda não impõe as pessoas uma única maneira de vestir-se, ela possibilita várias maneiras, mas também anseia o desejo de que as pessoas estejam sempre de acordo com o que ela dita. Seja assim, nesse caráter passageiro, mas que culmina nas pessoas sempre um desejo pelo novo, por cores, formas, silhuetas, texturas, estampas e temas sempre novos, a seguir será exposto a maneira como pensei a criação de mais uma coleção inspirada no tema proposto. Digo mais uma, pois assim como visto, diversos outros estilistas já fizeram suas releituras anteriormente. Então vamos lá?16

5.2 Discutindo o tema Desenvolver uma coleção sem um tema é como girar ao redor do mundo e continuar no mesmo lugar. É completamente difícil pensar em desenvolver diversos looks sem mesmo achar um ponto que os tornem interligados e faça a coleção apresenta um proposito. O tema é “ o embasamento, é o fator que proporciona a coerência das escolhas e o rumo das decisões”, e ele precisa ser completamente envolvente e amplo, ao ponto de conseguir se desdobrar e sugerir a quem utiliza-o, ou seja, para o estilista de moda todos os princípios do design, ou seja, os princípios que estarão contidos em cada peça da coleção, como as cores, texturas, tingimentos, personagens, estampas, recortes, e até modelos de peças. Mas como escolher o tema? O inpirit criativo, ou seja, o momento em que se desperta um tema ideal ou simplesmente uma ideia na qual poderá resultar no desenvolvimento de uma coleção nunca aparece quando se deseja. Esse momento é como uma estrela cadente,

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A escrita dos textos deste capitulo apresentam-se na primeira pessoa do singular, pois referem-se a um relato pessoal de como a autora desta pesquisa criou a sua coleção derivada do tema proposto.


99 que aparece e passa rápido, por isso cabe ao designer capta-lo e deixar anotado em algum lugar para utiliza-lo em algum momento. Outra forma de se despertar o aparecimento de um tema é através de pesquisas, leituras, viagens, audições de músicas, entre diversos outras maneiras vividas no cotidiano do designer, e assim em um ponto que o chame a atenção estará lá o tema. No caso da coleção a qual vos relato, o meu inpirit criativo despertou-se há exatamente dois anos e meio atrás, quando fazia um trabalho para a faculdade, e motivada atrás das pesquisas sobre a estilista Zuzu Angel, me deparei com a sua coleção sobre o cangaço brasileiro e daí, daquele mundo cinza, cheio de uma terra seca e estridente pelo sol, que incansavelmente estava lá no alto do céu, haveria Maria Bonita e Lampião, que a princípio me fascinaram. As pesquisas assim foram tomando recortes e veja bem, de Zuzu Angel eu já estava totalmente em campo sertanejo nordestino e apaixonada pelo cangaço brasileiro. É nesse sentido que a minha vida foi tomando um sentido. Confesso que há em mim uma paixão enorme sobre toda a cultura brasileira. É fantástico como mesmo sendo um país enorme, o qual foi colonizado por diversas etnias, contando desde os índios, a portugueses, alemães, holandeses, italianos, entre outros, ainda assim o país conseguiu e consegue até hoje, diante da colonização da globalização virtual, manter a sua cultura viva e cheia de riquezas. Sim, riquezas! Cores, texturas, comidas, formas, etnias, belezas naturais, danças, músicas, folclore... não há nada mais lindo do que isso, na minha opinião. Não há de se negar, todavia, que não apenas o Brasil, mas todas as culturas mundiais apresentam uma riqueza, uma história. Mas é a cultura brasileira, a cultura que eu nasci e cresci com ela que me fascina, que me faz querer pesquisar, fazer pesquisas de campo, tocar em peças e conversas com pessoas mais velhas sobre estas historias, e foi isso que o cangaço despertou em mim, uma vontade incessante de querer conversar com algum cangaceiro real, de querer virar do avesso cada peça a qual se derivou de seus usos pessoais, e de querer tornar esse projeto vivo.

5.3 As flores do cangaço Em resumo, esta coleção foi assim, derivada de muitas e muitas pesquisas, leituras cansativas e prazerosas, pesquisas de imagens e admirações a cada dia em cada fato descoberto ganhando motivos para acontecer.


100 Eis então que surgiu a coleção Flores do cangaço, na qual tem como tema principal o movimento do cangaço que ocorreu no nordeste brasileiro e faz o recorte necessário a maneira de vestir-se do cangaceiro pertencente ao bando de Lampião e Maria Bonita. O cangaço foi um movimento social brasileiro, que em meio as terras sertanejas da região nordestina, ou seja, dentre a região semiárida dos estados da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Rio Grande do Norte se desenvolveu e perdurou alguns longos anos. Eles existiram pela principal reinvindicação a coronéis da época, e eram perseguidos por tais e também pela polícia local de cada local por onde passavam. Mas o que levou o Virgulino a se tornar Lampião, o rei do cangaço, foi a morte de sua família por perseguições sem fundamento de um antigo vizinho da Fazenda Ingazeira, onde viviam em paz. Demais outros cangaceiros entraram no cangaço por motivos parecidos, vingança e talvez um pouco de paixão e busca por uma vida melhor. Mas vida melhor no cangaço? Há nesse sentido diversos relatos de ex cangaceiros, como Dadá, que o cangaço era o paraíso e que mesmo diante a guerras e perseguições, em tempos de paz havia festa, fartura em alimentos e muita alegria. No recorte do período de 1920 a 1938 o trabalho acima foi desenvolvido com o único intuito de não se estender a um período histórico irrelevante ao período do cangaço de Lampião, que em um massacre, teve fim em julho de 1938. Contudo, durante esse período, Lampião junto a todos os outros membros de seu bando, conseguiram criar uma indumentária repleta de elementos e de significados em três etapas apresentadas, e foi na última, com a entrada das mulheres ao bando que o cangaço floriu e as cores dominara-o através de bornais altamente bordados com linha, lenços no pescoço estampados em cores alegres e chamativas, e demais outras explosões de cores. É baseado não apenas nesta última fase do cangaço, mas em um pouquinho de todas que se desenvolverá uma coleção de vestuário feminino nomeada de Flores do cangaço.

5.4 Desenvolvendo o conceito A coleção não é formada com base apenas no tema ao qual foi escolhido. Nunca, um designer ou estilista deve concentrar-se apenas no tema e esquecer tudo o que ocorre no mundo para criar a sua coleção. Se em alguma hipóteses isso ocorrer o resultado será uma


101 coleção maluca, conceitual de mais e que não agradará a ninguém na hora de ser comercializada. Neste instante as pesquisas de moda são necessariamente juntadas ao tema da coleção para que se possa cria-la. Não deve se esquecer jamais de unir os princípios do designer, os quais serão responsáveis em dar a vida a coleção. De acordo com vários autores, como os citados no capitulo Criando Moda desta pesquisa e também com a autora Scarabelot (2010), a qual tenho como referência neste momento de descrição de minha coleção, a composição de todas as ideias em um scketchbook é muito importante na hora de começar a colocar as ideias em pratica. Entretanto, para criar a minha coleção eu não optei por essa pratica, como já fiz em outras e sei que é de grande valor. O que acontece é que o tema apresentado é o mesmo desta pesquisa que seguiu anteriormente, e com a grande quantidade de informações já adquiridas, não consegui seguir essa linha.

5.4.1 Escolhendo a Estação A estação Outono Inverno foi uma escolha da minha faculdade, pela relação entre o período em que a coleção está sendo desenvolvida e o cronograma da moda no Brasil. Sendo assim, como o calendário brasileiro lança a coleção com 1 ano de antecedência e na ordem inversa aos lançamentos internacionais, esse é o período para lançamento da estação Outono-Inverno 2017. Mas considera-se que devido a linha de criação e as ideias ao qual deram origem junto ao tema essa coleção, não ficaria muito legal se ela fosse em outra estação do ano.

5.4.2 Escolhendo as Silhuetas Já seria suficiente criar uma coleção de moda com o tema apresentado acima, entretanto a minha segunda paixão, mesmo que discreta está na composição dos looks e na silhueta apresentada nos anos 20, os anos loucos. É maravilhoso como que as mulheres, depois de viverem anos e mais anos ajustadas por espartilhos e armadas com ancas e armações de metal se libertaram ao ponto de descer a cintura, subir as saias e andarem livres, com grandes possibilidades de movimento.


102 Os anos 20 também compuseram uma mudança na música, na dança, na atitude das mulheres e foi o responsável pela maior parte da influência da indumentária do cangaço, visto que em um pais colonizado por países europeus, a moda própria ainda era escassa e o sertão nordestino conheceu o estilo melindrosa com oito a dez anos de atraso. Aparecendo assim, através da interpretação das pesquisas e da observação de fotografias do bando, com uma paixão secreta, o ponto da silhueta em H, ou retângulo, a qual haveria de unir um tema maravilhoso e cheio de perspectiva para se criar uma coleção rica, com a forma, a silhueta derivada dos anos 20. A proposta principal não é trazer looks ao qual sejam compostos pela silhueta e pela forma exclusiva deste período e consequentemente da peça mais famosa, o vestido melindrosa, mas sim unir toda a atitude que a mulher moderna contemporânea tem a peças que como esse período, buscavam um novo, com peças amplas, mas que mostrem de forma delicada o corpo da mulher. Além dessa inspiração, a qual deu origem a silhueta H, tem-se como objetivo mesclala com a silhueta A ou triangulo, na qual apresenta o ombro mais estreito que os quadris e na busca pelo equilíbrio perfeito a intenção é criar peças com decotes em V, calças com a boca larga, estampas nos tops e casacos pesados que levem sempre o olhar para a região superior. Em contrapartida, também busca-se trabalhar com a silhueta do Triangulo invertido, na qual sendo o oposto da A, apresenta o ombro mais largo que o quadril, e o olhar deve, neste sentido ser totalmente direcionado para a parte de baixo do corpo. Assim serão criadas peças como calças largas, tais como de modelagem pantalona, túnicas fluidas e de tecidos finos, looks em modelagem trapézio e os detalhes dos bolsos laterais, que darão um charme a modernidade. 5.4.3 Escolhendo a Cores As cores são a alma de cada coleção, não é verdade? Sem cores uma coleção fica sem graça, sem perspectiva, e pode não ser bem vista pelo seu público alvo. Neste sentido, todas as cores foram retiradas da composição deste trabalho e de cada período que o cangaço viveu, além de sua origem. 5.4.4 Cores Primarias 5.4.5 Cores intermediarias 5.4.6 Cores Tonalizantes


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5.5 Matérias primas “ É importante conhecer os tipos de tecido e suas propriedades. Nesta etapa do projeto isso é de extrema importância, pois nos permitirá fazer escolhas certas para os modelos” (SCARABELO, 201, p.34). Acredito que o conhecimento sobre os tecidos não deve existir apenas nesta hora da criação. Há autores que indicam que a pesquisa sobre os tecidos e a decisão de quais utilizar devem ser tomadas antes mesmo de se colocar o lápis no papel para criar a coleção. Talvez escolher os tecidos primeiramente não seja o ideal para muita gente, entretanto se o estilista conhece o tecido e pode fazer alguns testes com ele antes de começar a criar a sua coleção é fantástico, possibilita acima de tudo a exclusão das chances de errar, de o produto não sair conforme havia pensado, por falta de conhecimento da sua matéria prima principal.

5.5.1 O tecido e seu design Para a criação desta coleção a intenção foi usar tecidos que tivessem sua base principal a fibra natural, tais como o algodão, o linho, a seda. A escolha destes tecidos não foi apenas baseada na inspiração do tema, mas também foi pensada no conforto e na modernidade em utilizar as fibras naturais. Sendo assim, pretendo utilizar tecidos como o jeans de algodão, o linho, a musseline de seda, entre alguns outros. Aliado a eles, a utilização de tecidos de fibra sintética é necessária para as práticas de design têxtil, como a estamparia e o tricô. O design têxtil de uma coleção é muitas vezes o que fará com que ela se destaque muito perante o seu lançamento. Muitos estilistas atualmente desenvolvem a toda coleção lançada algumas superfícies, beneficiamentos e até remodelagem de tecidos na intenção de estar sempre com o ar de novo. Pregas, tingimento natural, tricô com material alternativo, como a malha, estamparia por sublimação, aplicações em couro e bordados e mais bordados é um pouco do que irá compor o design da coleção Flores do cangaço.

5.5.2 A criação das estampas


104 Assim como criar uma coleção não é tarefa fácil, o desenvolvimento de uma estampa é algo mais difícil ainda. Pense só, a estampa deve conter aspectos de sua coleção, não deve, de maneira nenhuma deixar explícito o que é a coleção. Está aí a essência da estampa, o jogo do é mais não é, que deve ser fantástico e agradável aos olhos consumidores. As estampas devem apresentar novidades, pois serão a parte divertida da coleção, a parte que trará alegria devido aos seus motivos em repetição. Para isso, acredito que as estampas criadas para esta coleção, de certo modo se encaixam nesta perspectiva, sendo transportadas desde o universo sertanejo até o artesanato cangaceiro. Criar uma estampa sob um padrão anteriormente bordado a mão, foi um diferencial nas minhas estampas.


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ANEXOS


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