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ISSN 2238-5800 Online
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FACULDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS E LETRAS DE CAMPO MOURÃO Direção Antonio Carlos Aleixo
Vice-Direção Eder Rogério Stella
Pró-Diretoria da Pró-Deppec Frank Antonio Mezzomo
http://www.fecilcam.br/rpem Expediente Revista Paranaense de Educação Matemática Av. Comendador Norberto Marcondes, 733, Centro CEP 87.303-100 – Campo Mourão – Paraná e-mail: revista.rpem@gmail.com site: http://www.fecilcam.br/rpem Fone: (44) 3518-1820
O conteúdo dos trabalhos cujos autores são identificados representa o ponto de vista dos próprios autores e não a posição oficial da Revista, do Conselho Editorial ou da FECILCAM.
Dados Internacionais de Catalogação para Publicação Revista RPEM Revista Paranaense de Educação Matemática Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM Campo Mourão, v.1, n.1, 2012. Fábio Alexandre Borges e Veridiana Rezende (orgs.), 152p. Semestral ISSN: 2238-5800 Online 1. Educação Matemática. 2. Formação de professores de matemática. 3. Ensino e aprendizagem em sala de aula.
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RPEM, Campo Mourão, v.1, n.1, jul./dez. 2012 Revista Paranaense de Educação Matemática Editor Fábio Alexandre Borges Conselho Editorial Amauri Jersi Ceolim Cristina Satiê de Oliveira Pátaro Fábio Alexandre Borges Frank Antonio Mezzomo Talita Secorun dos Santos Veridiana Rezende Willian Beline
ISSN 2238-5800 Online
Conselho Consultivo Dr. Ademir Donizeti Caldeira – UFSCAR Dra. Ana Cristina Ferreira – UFOP Dra. Angela Marta Pereira das Dores Savioli – UEL Dra. Arlete de Jesus Brito – UNESP/RC Dra. Cláudia Lisete O. Groenwald – ULBRA/Canoas Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira – Cesumar Dr. Dionísio Burak – UNICENTRO Dra. Helena Noronha Cury – UNIFRA Dra. Lourdes Maria Werle de Almeida – UEL Dr. Marcelo Almeida Bairral – UFRRJ Dra. Márcia Cristina da Costa Trindade Cyrino – UEL Dra. Maria do Carmo de Sousa – UFSCAR Dra. Maria Teresa Menezes Freitas – UFU Dra. Marilena Bittar – UFMS Dra. Neuza Bertoni Pinto – PUC/PR Dra. Nielce Meneguelo Lobo da Costa – UNIBAN Dra. Norma Suely Gomes Allevato – Unicsul Dra. Regina Maria Pavanello – UEM Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin– UNESP/RC Dra. Rute Elizabete de Souza Borba – UFPE Dra. Tânia Stella Bassoi – Unioeste Secretária Executiva Liandra do Espírito Santo Organizadores Fábio Alexandre Borges Veridiana Rezende Capa Cleverson de Lima Diagramação Cleverson de Lima Revisão Fábio Alexandre Borges Veridiana Rezende
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 06 ENTREVISTA Ole Skovsmose e sua Educação Matemática Crítica ...................................... 08 Amauri Jersi Ceolim Wellington Hermann
ARTIGOS Provar e Demonstrar: um espinho nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática ......................................................................... 22 Saddo Ag Almouloud Maria José Ferreira da Silva
O software GeoGebra na formação de professores de Matemática – uma visão a partir de dissertações e teses ..................................................... 42 Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino Loreni Aparecida Ferreira Baldini
A dinâmica da comunicação nas disciplinas de prática pedagógica no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Maringá .................................................................. 63 Sandra Regina D’Antonio Regina Maria Pavanello
Considerações sobre as possibilidades da criatividade matemática em face de concepções que futuros professores têm dessa ciência .............. 89 José Messias Eiterer Souza
Políticas públicas educacionais e a formação do cidadão na perspectiva da Educação Matemática ............................................................. 112 Adriana Richit
Uma análise da Transposição Didática Externa com base no que propõem documentos oficiais para o ensino de gráficos estatísticos .............. 132 Terezinha Monica Sinício Beltrão
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APRESENTAÇÃO
As pesquisas em Educação Matemática, em todo o mundo, vêm crescendo exponencialmente, tanto quantitativa, mas, também, qualitativamente. Torna-se cada vez maior o número de pessoas engajadas num processo de reflexão sobre a qualidade do ensino e da aprendizagem em Matemática. No Brasil, tal característica não poderia ser diferente. Seguindo esse movimento crescente em nosso país e gestado na década de 1980, cabe lembrarmos a realização do I Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM) na cidade de São Paulo no ano de 1987 e, ainda, a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), o que ocorreu durante a realização do segundo ENEM, na cidade de Maringá - Paraná, em 1988. De lá para os dias atuais, pudemos assistir a criação de regionais da SBEM para cada Estado do Brasil. Particularmente, no Paraná contamos com a regional SBEM–PR, que enfrenta um dos desafios do sistema educacional em fortalecer a aproximação da produção científica com a Educação Básica. Ademais, assistimos ao crescimento do número de Programas de Pósgraduação voltados especificamente para abrigar as pesquisas incluídas no campo da Educação Matemática. Com isso, a criação de espaços midiáticos nos quais possamos divulgar as pesquisas realizadas em todo o Brasil e também em outros países torna-se fundamental, na medida em que entendemos como uma das maiores preocupações do movimento de Educação Matemática a importância de que tais pesquisas possam ser refletidas em uma melhor qualidade do ensino de Matemática nas salas de aula em todos os níveis de escolarização. É nesse sentido que queremos demonstrar nosso prazer em apresentar um novo espaço de disseminação dessas pesquisas. Em um país de dimensões continentais, uma revista científica online e de acesso gratuito a todos os interessados se justifica, dentre outros fatores, por um maior alcance nas diversas esferas relacionadas à educação, até mesmo em lugares distantes dos principais espaços acadêmicos.
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No ano em que completa 40 anos de existência, a Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM), junto ao seu Curso de Matemática, disponibiliza a todos aqueles interessados no ensino e na aprendizagem em Matemática a Revista Paranaense de Educação Matemática (RPEM). Trata-se de uma tarefa difícil e contínua a responsabilidade de recepcionar, avaliar e divulgar trabalhos de autores de diversas localidades. O sonho da RPEM se concretiza com o recebimento, já em seu primeiro número, de contribuições oriundas de nove Estados Brasileiros (Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo), representando quatro das cinco grandes regiões de nosso país. Com isso, podemos notar no primeiro número da RPEM um reflexo do que representa hoje o movimento das pesquisas em Educação Matemática, que se espalham gradativamente, alcançando as mais diversas localidades. Destacamos para o primeiro número da RPEM os temas: a Educação Matemática Crítica, questões relacionadas às demonstrações matemáticas nas salas de aula, um levantamento de pesquisas voltadas ao uso do software GeoGebra, a dinâmica da comunicação na formação inicial de professores de Matemática, a possibilidade de criatividade em Matemática, as políticas públicas educacionais na perspectiva da Educação Matemática e a ideia de Transposição Didática Externa. Esperamos que este primeiro volume da revista seja inspirador, para que outros autores possam divulgar suas pesquisas e experiências em sala de aula, por meio de artigos científicos e relatos de experiência correlatos à Educação Matemática. Aproveitamos a oportunidade para agradecer a todos aqueles que contribuíram para que pudéssemos estar aqui dando os primeiros passos da RPEM: Pró-Diretoria de Ensino, Pesquisa, Pós-graduação, Extensão e Cultura da FECILCAM, Conselho Editorial e Conselho Consultivo da RPEM, pareceristas ad hoc e autores. Uma boa leitura a todos!
Fábio Alexandre Borges Veridiana Rezende Organizadores v.1, n. 1 RPEM 7
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OLE SKOVSMOSE E SUA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA Amauri Jersi Ceolim* Wellington Hermann**
Em sua trajetória de formação acadêmica, Ole Skovsmose fez mestrado em Filosofia e Matemática, pela Universidade de Copenhague (1975), e doutorado em Educação Matemática pela Royal Danish School of Educational Studies (1982). Foi professor titular na Royal Danish School of Educational Studies, Copenhague, de 1996 a 1999. Foi professor titular da Universidade de Aalborg de 1999 a 2009, aposentando-se ao final desse período, mantendo-se, porém, como professor emérito dessa instituição. Skovsmose ministrou palestras em diversos países, dentre os quais destacamos: Austrália, Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Holanda. Atualmente vive parte do ano na Dinamarca, parte no Brasil, onde atua como professor visitante e contribui com orientações de estudantes no programa de pós-graduação em Educação Matemática da Unesp, Rio Claro (SP). Também desenvolve pesquisas em colaboração com pesquisadores brasileiros, além de ministrar cursos e palestras em diversas instituições de ensino brasileiras. Autor de vários livros, alguns dos quais publicados em português, tais como Educação Matemática Crítica: A questão da democracia (2001), Diálogo e aprendizagem em Educação Matemática (2006), Educação Crítica: incerteza, matemática, responsabilidade (2007) e Desafios da reflexão em Educação Matemática (2008), o professor Skovsmose foi um dos idealizadores da Educação Matemática Crítica e o principal disseminador dessa concepção de Educação Matemática ao redor do mundo. Nas próximas páginas, originadas a partir de uma entrevista concedida à RPEM por email1, ele fala sobre aspectos importantes a respeito da gênese, constituição e fundamentos da Educação Matemática Crítica.
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RPEM: Como surgiu a ideia de Educação Matemática Crítica? OLE SKOVSMOSE: A ideia de Educação Matemática Crítica surgiu no início da década de 1970. Deixe-me apenas salientar algumas características desse processo. Muitos movimentos diferentes se enquadraram na formulação inicial da Educação Crítica - falo agora de Educação Crítica em geral e não sobre a Educação Matemática Crítica. Além disso, apresento coisas a partir de uma perspectiva europeia, ou melhor, dinamarquesa. Os protestos contra a Guerra do Vietnã tinham tomado grandes proporções. Os sentimentos contra os EUA eram fortes, uma vez que os EUA eram vistos como fomentadores da dominação e de regimes militares. Protestos contra o uso da energia atômica foram se tornando mais e mais influentes, evoluindo para o movimento verde. O feminismo estava se desenvolvendo rapidamente. A nova esquerda, não aliada ao marxismo ortodoxo, se proliferou. A Primavera de Praga ocorreu em 1968. Os movimentos antirracistas se tornaram poderosos. O movimento estudantil surgiu em 1968. E muitas outras tendências foram enquadradas na formulação inicial da Educação Crítica. Durante
esse
período,
o
trabalho
de
Paulo
Freire
também
estava
sendo
internacionalmente reconhecido como importante para a formulação de uma Educação Crítica. Assim, em1975, um dos meus colegas traduziu o livro Pedagogia do Oprimido, de Freire, para o dinamarquês. Foi muito empolgante o esforço de formular uma Educação Matemática Crítica, e minhas primeiras tentativas ocorreram em 1975. Trabalhei nisso de forma mais sistemática a partir de 1977, quando comecei meus estudos de doutorado. No entanto, houve um problema particular, que eu sentia ser um grande desafio. Em geral, a Educação Crítica estava longe de expressar qualquer interesse pela matemática. Se não simplesmente ignorada, a Educação Matemática era considerada quase uma antítese à Educação Crítica. Esta posição se encontrava fundamentada nas bases da própria Teoria Crítica. Deixe-me explicar: Em Conhecimento e Interesses Humanos, publicado pela primeira vez
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em alemão em 1968, Habermas destacou que os interesses humanos constituem o conhecimento. E, segundo ele, existem diferentes tipos de interesses que constituem conhecimento: as ciências naturais, incluindo a matemática, são constituídas por um interesse técnico; o interesse que constitui o conhecimento das humanidades é a compreensão; enquanto o interesse que constitui o conhecimento das ciências sociais é a emancipação. Muitas formulações da Educação Crítica foram inspiradas por essa interpretação: a Educação deve ser guiada por um interesse emancipatório. Como consequência, parecia contraditório falar de uma Educação Matemática Crítica. Se a matemática serve a interesses técnicos, como a Educação Matemática poderia servir à emancipação? A implicação era de que a Educação Matemática Crítica teria de estabelecer suas próprias estruturações teóricas. Não é possível estabelecer um quadro conceitual geral para a Educação Matemática Crítica por meio de uma transposição teórica. Seriam necessárias formulações próprias.
RPEM: Por que Educação Matemática Crítica? OLE SKOVSMOSE: Tentarei dizer mais sobre o porquê da Educação Matemática Crítica. Mencionarei motivos relacionados à Matemática, à Educação Matemática e à sociedade. Em primeiro lugar, a Matemática. Ao longo da Era Moderna a Matemática tem sido glorificada como um objeto único, que permite aos seres humanos a compreensão da natureza. Assumiu-se que a Matemática representava as operações mecânicas da natureza. E temos que lembrar que Descartes, Galileu e Newton acreditavam firmemente na existência de Deus. A Matemática poderia, portanto, ser vista como a racionalidade não só da natureza, mas também de Deus, o criador do Universo. Na verdade, por meio da Matemática, os seres humanos compartilhavam a racionalidade com Deus. Então, havia realmente boas razões para glorificar a Matemática. Além disso, durante a Modernidade, a Matemática era celebrada como uma ferramenta indispensável para proporcionar o progresso tecnológico. E a tecnologia era
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considerada a força motriz do progresso social em geral. Finalmente, a Matemática era glorificada como uma racionalidade pura – representando a objetividade e a neutralidade. Todas estas glorificações se integram à perspectiva moderna sobre a Matemática. Pode-se mesmo falar de uma ideologia da Modernidade, em que a Matemática é colocada no papel de um ídolo, no que diz respeito à Ciência, e como super agente no que diz respeito à tecnologia e ao progresso. Para a Educação Matemática Crítica é importante questionar qualquer glorificação geral da Matemática. É importante deixar para trás todas as características de uma ideologia da modernidade. Em vez disso, é importante abordar criticamente qualquer forma de Matemática em Ação. Como qualquer forma de ação, assim também a Matemática em Ação pode ser problemática, questionável, brilhante, benevolente, arriscada, perigosa, cara, sólida, brutal, cínica etc. Não há garantia de "progresso" automático ligado aos empreendimentos tecnológicos que tomam a Matemática por base. Passemos agora à Educação Matemática. De acordo com a Educação Matemática Crítica, é importante estar ciente de que a Educação Matemática pode servir a diferentes funções socioeconômicas. Vamos apenas considerar as muitas sequências de exercícios que dominam a matemática escolar tradicional. Qual é a função desses exercícios? Considerando o conteúdo da maioria dos exercícios, dificilmente se pode afirmar que o trabalho com eles fornece qualquer compreensão mais aprofundada da Matemática. No entanto, pode-se prestar atenção não no conteúdo, mas na forma desses exercícios. Eles funcionam como uma longa sequência de comandos: "Resolva a equação...!", "Encontre as médias de...!", "Calcule a área de...!" etc. Na verdade, pode-se ver a Educação Matemática como uma extensão de exercícios com comandos que devem ser seguidos. Isso é o que tenho em mente quando falo sobre Educação Matemática como a execução de uma "receita prescrita": seguindo uma prescrição de receitas, manuais e procedimentos prédefinidos. A prescrição de receita é crucial para os tipos de trabalhos em que se tem que fazer o que é dito, e não questionar nada. Podemos tomar essa observação como uma indicação da possibilidade de que a Educação Matemática exerce um "adestramento", na interpretação
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foucaultiana do termo. De acordo com a Educação Matemática Crítica, é importante estar consciente das diversas funções possíveis a que a Educação Matemática pode servir, e neutralizar qualquer forma de "adestramento". Certamente não é preciso assumir que a Educação Matemática significa apenas "adestramento". É possível pensar em uma Educação Matemática para a justiça social. Uma Educação Matemática que inclua o empowerment2 dos estudantes. Esta constatação nos leva para problemas da sociedade. Sociedade. Começo me referindo a Nelson Mandela, que enfatizou: "A Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo". Na África do Sul, o regime do apartheid teve um pulso firme sobre a Educação. A Educação era uma instituição extremamente controlada. A separação entre estudantes negros e brancos era total: escolas diferentes, professores diferentes e currículos diferentes. Um axioma geral foi incorporado em todas as instituições educacionais: os brancos eram superiores aos negros, e os negros tinham de ser educados para servir aos brancos. Para deixar o apartheid para trás, era fundamental que a Educação fosse radicalmente modificada. Há uma profunda experiência de luta contra a repressão nas reivindicações de Mandela. A Educação tem um papel sociopolítico a cumprir. E esta também é a ideia que está por trás da Educação Matemática Crítica. Paulo Freire afirmou: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Esta formulação envolve a mesma ideia de Mandela, embora com uma ênfase particular: as mudanças necessitam de ações. Essa ideia também é uma parte integrante de qualquer Educação Matemática Crítica.
RPEM: Como deve ser pensado um currículo de matemática de forma que sejam contempladas questões de democracia, questões sociais, econômicas, culturais e políticas, abordadas pelo senhor na perspectiva da Educação Matemática Crítica?
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OLE SKOVSMOSE: Existem desafios a enfrentar. Farei referência a três grupos de desafios: • Mostrar que a Matemática representa uma racionalidade que poderia servir a muitos interesses diferentes. Isso se aplica a quaisquer formas de Matemática: matemática acadêmica, matemática não acadêmica, matemática aplicada, matemática pura, matemática escolar etc. • Reconhecer que a Educação Matemática pode servir a funções muito diferentes em diferentes contextos socioeconômicos, inclusive a uma disciplina. • Explorar em que medida é possível, por meio da Educação Matemática, fazer a diferença para alguns alunos em algumas situações, e dessa forma tentar realizar uma Educação Matemática para a justiça social. Ao longo de minha carreira acadêmica, tenho apresentado muitos exemplos de práticas de sala de aula que são desenvolvidas com aspirações a enfrentar tais desafios. No entanto, sempre penso em exemplos apenas como exemplos, e não como elementos de algum currículo. Também não penso nos exemplos como exemplos de sucesso, como exemplos de "como fazer". Eles são exemplos de tentativas para enfrentar alguns desafios. E certamente há muitas maneiras diferentes de fazê-lo, dados os contextos particulares. Citarei um exemplo que ilustra o problema de um currículo relacionado à Educação Matemática Crítica (também me refiro a este exemplo no meu livro Um Convite à Educação Matemática Crítica). Uma vez visitei Barcelona, e fui apresentado a diferentes iniciativas educacionais que lá ocorrem. Em Barcelona, existem muitos grupos de imigrantes, e alguns bairros tomam a forma de favelas de imigrantes. Disseram-me que um currículo de Educação Matemática Crítica foi implementado para um determinado grupo de alunos. Fiquei interessado e quis saber mais a respeito. Disseram que o conteúdo desse currículo crítico foi formulado tendo como referência específica situações da vida cotidiana conhecidas pelas crianças. Cada atividade era cuidadosamente contextualizada. Havia tempo suficiente para abordar cada tópico. Aparentemente, pode-se pensar nisso como um exemplo de Educação Matemática Crítica. No entanto, uma implicação direta desse currículo foi que nenhuma das crianças desse bairro teve a oportunidade de ingressar no ensino superior. Assim, o currículo da Educação Matemática Crítica não estava ligado a qualquer dos requisitos formais para o ingresso à
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educação superior. Dessa forma, devido ao programa educacional, as crianças ficaram presas a sua própria situação. Portanto, temos que ter cuidado quando consideramos quais poderiam ser as funções específicas de um currículo de Educação Matemática Crítica. A comunidade de Barcelona a que me referi era uma comunidade cigana, mas podemos pensar em qualquer outra comunidade que tende a ser excluída, e onde um igualmente bem-intencionado currículo do Ensino Fundamental de Matemática pode contribuir para a exclusão. Tomo esse exemplo como uma advertência contra o estabelecimento de um currículo particular para a Educação Matemática Crítica. No entanto, certamente a Educação Matemática Crítica está relacionada ao conteúdo da educação. Porém, meu posicionamento é sempre o de formular uma Educação Matemática Crítica que diga respeito a uma situação particular e a alunos particulares. Para mim, é importante manter uma abertura em relação aos conteúdos possíveis da educação. A fim de proporcionar esta abertura, tenho apresentado a noção de cenários para investigação. E há realmente muitos cenários diferentes de investigação, e muitos ambientes diferentes de ensino e aprendizagem que podem estruturar uma Educação Matemática Crítica.
RPEM: O senhor aborda a questão da democracia na Educação Matemática Crítica e nos alerta que, se esta perspectiva não estiver presente na Educação Matemática, ela pode ser apenas uma domesticadora do ser humano em uma sociedade cada vez mais impregnada de tecnologia. Qual seria o papel do educador nessa perspectiva? OLE SKOVSMOSE: Esta é a perspectiva mais importante. É importante considerar a possibilidade de que qualquer tipo de educação, também uma educação que tenta ser crítica, no final pode vir a ser "domesticadora". Domesticadora no sentido de que, no final, vem a servir, por exemplo, a funções de adestramento, como descrito por Foucault. Estou ciente do argumento alegando que não é realmente possível desafiar a lógica do capitalismo por meio da educação. A educação tem lugar em uma sociedade capitalista, e a
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lógica do capitalismo estruturará o que está acontecendo na escola. O que significa que a função real da educação sempre será ajustada às prioridades capitalistas. Gostaria de enfatizar que, mesmo assim, compartilho o otimismo com relação à educação expressado por Mandela e Freire: a educação pode fazer a diferença. Mas certamente não sou otimista no sentido de que podemos identificar um currículo que poderia garantir a justiça social e quebrar a lógica do capitalismo. Sou otimista, no entanto, no sentido de que a educação poderia fazer algumas mudanças para alguns estudantes em algumas situações.
RPEM: No capítulo 4 de seu livro Educação Matemática Crítica – a questão da Democracia, o senhor aponta uma direção à Educação Matemática Crítica e apresenta o desenvolvimento de um projeto, “Auxílio para família em uma microssociedade”, que se assemelha a algumas perspectivas de Modelagem Matemática abordadas no Brasil. O senhor poderia comentar a respeito? OLE SKOVSMOSE: A discussão sobre a Modelagem Matemática é um enorme tópico na Educação Matemática, tanto no Brasil como em outros países. E há muitas tendências diferentes dentro desta abordagem. Num sentido geral, gostaria de indicar uma tendência inspirada pela interpretação moderna da Matemática, e uma inspirada por uma interpretação crítica da Matemática. A primeira tendência da Modelagem Matemática se concentra em ilustrar as diversas áreas para as quais ela pode contribuir. Esta ilustração, no entanto, faz parte da glorificação geral da Matemática: assim, é destacado como um modelo pode descrever certas partes da realidade, e como problemas reais podem ser resolvidos por meio da Matemática. Além disso, a glorificação da Modelagem Matemática é estendida para a alegação de que a modelagem proporciona apoio à aprendizagem da Matemática e ajuda a estimular a motivação dos alunos. Em outras palavras, a modelagem é apresentada como uma perspectiva mais atraente, tanto em termos de aplicação quanto em termos de aprendizagem.
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Ao contrário da interpretação moderna, pode-se assumir uma perspectiva crítica sobre Modelagem Matemática. Isso também enfatizará a ampla gama de aplicações da Modelagem Matemática. No entanto, a modelagem não é vista, antes de tudo, como um instrumento para fornecer descrições (que poderiam ser mais ou menos precisas). Em vez disso, a modelagem é vista como um instrumento para ações e, como já mencionei, essas ações podem ter muitas qualidades diferentes. A Modelagem Matemática pode formar a base para as ações mais poderosas. Para uma Educação Matemática Crítica, torna-se importante abordar a modelagem também como um exercício, legítimo ou não, do poder. Ilustrar a complexidade dos problemas associados à Modelagem Matemática é uma das metas da Educação Matemática Crítica. E certamente não se pode ficar na suposição de que a Modelagem Matemática tem uma qualidade única de ensino. Certamente, a Modelagem Matemática abre muitas possibilidades de ensino, mas elas têm de ser exploradas de forma crítica. Então, sinto muita afinidade com as abordagens brasileiras de Modelagem Matemática que não incluem qualquer aclamação automática da modelagem, mas sim que exercem uma perspectiva crítica sobre o processo de modelagem.
RPEM: Em seu livro Educação Matemática Crítica – a questão da Democracia, o senhor afirma que “o desenvolvimento tecnológico revela aspectos antidemocráticos, como por exemplo, quando causa situações críticas como catástrofes ecológicas” (p. 134). Dessa forma, como o senhor pensa que deve ser o papel da Educação Matemática numa sociedade altamente tecnológica? OLE SKOVSMOSE: Primeiro, é importante estar ciente de que vivemos em uma sociedade matematizada. Por exemplo: é fácil fazer compras em um supermercado. Coloca-se uma porção de produtos no carrinho, e ele é empurrado até o caixa. Então, um dispositivo eletrônico usado pelo caixa faz uma melodia, pling-pling-pling, e o total a ser pago é mostrado. Pega-se um cartão
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de crédito, e após alguns movimentos com os dedos, a compra é paga. Aparentemente, nenhuma matemática foi posta em ação. No entanto, se olharmos para as tecnologias envolvidas na prática de fazer compras, encontramos uma grande quantidade de matemática avançada presente em tal ação: os itens são codificados e os códigos tornam-se mecanicamente legíveis; os códigos são conectados a um banco de dados contendo os preços de todos os itens; os preços são somados; o cartão de crédito é lido; a quantidade é subtraída da conta bancária associada ao cartão de crédito; questões de segurança são observadas; esquemas de codificação e decodificação estão ocorrendo. Lidamos diariamente com uma prática matematizada, e estamos imersos em tais práticas. Vivemos em uma sociedade matematizada. E vemos exemplos de todos os tipos: processos de produção estão continuamente tomando novas formas, devido às novas possibilidades de automatização. Qualquer forma de produção - seja de automóveis, celulares, utensílios domésticos, sapatos - representa uma determinada composição de processos automáticos e trabalho manual. E qualquer tipo de automatização é constituído por meio da matemática. As tecnologias baseadas em matemática desempenham um papel crucial em diferentes domínios, e podemos pensar na medicina como exemplo. Aqui encontramos tecnologias baseadas em matemática para fazer diagnósticos, para a definição de normalidades, para a realização de um tratamento, para a realização de uma cirurgia. Os instrumentos baseados em matemática estão definindo a medicina hoje. No entanto, não só a medicina, mas também a guerra moderna é um empreendimento matematizado. Por meio da Educação Matemática, é possível desenvolver atitudes diferentes em relação ao
nosso
ambiente
tecnológico
e
a
matematização
da
sociedade.
Para mim, um ponto principal é deixar a celebração moderna da matemática e a respectiva glorificação da tecnologia. Uma Educação Matemática Crítica tenta proporcionar condições para uma leitura crítica do nosso ambiente matematizado. Esse comentário refere-se a todas as formas e todos os níveis da Educação Matemática. Certamente, também à educação matemática que ocorre em universidades e faculdades de engenharia. Hoje, grande parte da educação de especialistas é
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constituída pela ideologia da modernidade, assumindo que a Matemática fornece uma contribuição universal sólida para o desenvolvimento da tecnologia. É importante também educar um especialista sem induzir à glorificação moderna da Matemática. Em outras palavras, a perspectiva da Educação Matemática Crítica também se aplica a todos os níveis de ensino universitário em Matemática. Desenvolver uma atitude crítica em relação à Modelagem Matemática foi de fato a ideia do exemplo: "Auxílio para família em uma microssociedade". A ideia era mostrar como uma racionalidade matemática é implementada; como ela se torna poderosa, e também como ela se torna questionável.
RPEM: Comente a perspectiva de alfabetização matemática em relação aos conceitos de empowerment e disempowerment abordados pelo senhor. OLE SKOVSMOSE: A noção de alfabetização matemática e também as noções de empowerment e disempowerment estão relacionadas à ideia de leitura e escrita do mundo. Paulo Freire faz uma interpretação de alfabetização, que se refere a uma capacidade de leitura e escrita do mundo: leitura, no sentido de que se pode interpretar os fenômenos sociopolíticos; e escrita, no sentido de que a pessoa se torna capaz de promover mudanças. A alfabetização matemática pode ser interpretada de forma semelhante, referindo-se à capacidade de se interpretar um mundo estruturado por números e figuras, e à capacidade de se atuar nesse mundo. Em particular, é uma preocupação da Educação Matemática Crítica desenvolver a matemacia, e penso nessa noção como outra palavra para alfabetização matemática. Uma noção de alfabetização matemática é importante para estabelecer visões de uma Educação Matemática Crítica. Embora eu não acredite que seja possível definir um currículo ou uma metodologia de Educação Matemática Crítica, penso que é importante fornecer visões de qual poderia ser o significado de justiça social, e de como a Educação Matemática poderia contribuir.
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A noção de alfabetização matemática é uma noção para a formulação de visões. Ela faz parte daquilo a que pode se referir como imaginação pedagógica. Estar envolvido em uma Educação Matemática Crítica também significa estar pronto para formular visões. Assim, vejo conexões entre as noções de crítica e imaginação.
Notas *
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos. Professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR/Câmpus de Campo Mourão). Email: ajceolim@gmail.com. **
Mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela UEL - Universidade Estadual de Londrina. Professor do Departamento de Matemática da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR/Campus de Campo Mourão). Email: eitohermann@gmail.com.
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A entrevista não pode ser presencial, pois, na ocasião, o professor Ole Skovsmose estava na Dinamarca. As perguntas foram enviadas por e-mail em português e respondidas por ele em inglês. Procedemos, então, à tradução das respostas, elaboramos o texto e enviamos para que ele desse seu aval. 2
Devido à polissemia dessa palavra, optamos por não traduzi-la. Para saber mais a respeito de alguns significados, veja no livro Educação Matemática Crítica: A questão da Democracia, de Ole Skovsmose, publicado pela editora Papirus em 2001.
Recebido em Setembro de 2012 Aprovado em Outubro de 2012
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PROVAR E DEMONSTRAR: UM ESPINHO NOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Saddo Ag Almouloud* Pontifícia Universidade Católica – SP saddoag@pucsp.br Maria José Ferreira da Silva** Pontifícia Universidade Católica – SP zeze@pucsp.br RESUMO Nesse trabalho, inicialmente, levantamos algumas questões teóricas relacionadas à demonstração a fim de compreender melhor o raciocínio de professores submetidos à formação continuada a respeito de demonstração. Em seguida, apresentamos um estudo de caso, em que observamos dois professores em formação cujo foco era o estudo de provas e demonstrações em geometria. A análise dos dados coletados mostra que os professores, sujeitos da pesquisa, têm dificuldade em levantar as informações dadas no enunciado de uma proposição matemática e o reconhecimento de elementos cruciais, como hipótese e tese, que são fundamentais para o processo de construção de uma demonstração. Palavras-chave: Demonstração. Formação de professores. Hipótese-tese. Teorema recíproco.
PROVE AND DEMONSTRATE: A THORN IN THE PROCESS OF TEACHING AND LEARNING OF MATHEMATICS ABSTRACT In this work, initially, we raise some theoretical questions related to the demonstration in order to better understand the reasoning of teachers submitted for continuing education about demonstration. Next, we present a case study, in which we observe two teachers-in-training whose focus was the study of proofs and demonstrations in geometry. The analysis of the collected data shows that teachers, research subjects have difficulty getting the information on the statement of a mathematical proposition and the recognition of the crucial elements, such as hypothesis and theory, which are fundamental to the process of building a proof. Keywords: Hypothesis.Thesis. Reciprocal theorem. Demonstrations. Teacher education.
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Introdução Nos últimos anos vimos sofrendo com uma “síndrome do imediatismo”, isto é, uma ansiedade por resultados imediatos. Tudo que se faz ou se pensa deve gerar um resultado prático e imediato. Essa busca por resultados é sentida nas salas de aula quando o professor de matemática busca desenvolver os conteúdos e depara-se, frequentemente, com questões do tipo: para que serve isso? Quando utilizaremos e de que forma? O aluno sente a necessidade de enxergar, quase que instantaneamente, uma aplicação para o que está aprendendo. Esse sentimento é apoiado pelas teorias que defendem uma aprendizagem contextualizada no sentido de propiciar uma aprendizagem com mais significado para os alunos. É inegável que esse aspecto de contextualizar conteúdos pode tornar a aprendizagem mais atraente, além de dar sentido a diversos conteúdos. No entanto, existem grupos de educadores matemáticos preocupados em resgatar o ensino da matemática em que se utilizam também provas e demonstrações nos ensinos fundamental e médio. A importância atribuída a provas e demonstrações nos últimos anos levou a uma variedade de pesquisas nessa área. Tal fato pode ser observado pelo número de trabalhos apresentados em congressos internacionais, artigos publicados em revistas de renome, pelas teses de doutorado relacionadas a provas e pela quantidade de visitantes do “Newsletter on Proof”, como confirma Balacheff (2008) em seu artigo. As dificuldades relacionadas a provas e demonstrações são inúmeras e vão desde o reconhecimento de uma demonstração em um livro de matemática (ALMOULOUD, 2006), a identificação dos dados que fazem parte da hipótese e da tese em uma proposição, até identificar se a proposição possui condições necessárias e suficientes. No que se refere à construção de uma demonstração, os problemas se intensificam e com o surgimento da questão: como realizar uma argumentação por meio de relações construídas de maneira coerente que, de fato, comprove o que se deseja, utilizando os dados da proposição e recursos matemáticos conhecidos. Nesse trabalho, inicialmente, levantamos algumas questões teóricas relacionadas à demonstração a fim de compreender melhor o raciocínio dos professores submetidos à formação continuada a respeito
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de demonstração. Em seguida, realizamos um estudo de caso observado a partir de atividades realizadas por um grupo de professores participantes dessa formação que tinha como um de seus objetivos incentivá-los a incrementar sua prática docente a partir de atividades que propiciassem a reconstrução de saberes relacionados a conteúdos matemáticos das séries finais do ensino fundamental que são passíveis de demonstração.
Provas e demonstrações: concepções e diferentes pontos de vista Muitos trabalhos buscam uma melhor compreensão do raciocínio lógico e das demonstrações em matemática. Consideramos, usualmente, a demonstração como um procedimento de validação que caracteriza a Matemática e a distingue das ciências experimentais, além de ocupar um lugar de destaque nessa disciplina. Em nossas pesquisas, adotamos a distinção entre explicação, prova e demonstração segundo Balacheff (1982). A explicação situa-se no nível do sujeito locutor com a finalidade de comunicar ao outro o caráter de verdade de um enunciado matemático. A explicação, reconhecida como convincente por uma comunidade, adquire um estatuto social e constitui-se uma prova para esta comunidade, sendo a proposição “verdadeira” ou não. As provas são explicações aceitas em um determinado momento, podendo ter o estatuto de prova para determinado grupo social, mas não para um outro. Quando a prova se refere a um enunciado matemático, Balacheff (1982) denomina, somente neste caso, de demonstração. As demonstrações são provas particulares com as seguintes características: •
são as únicas aceitas pelos matemáticos;
•
respeitam certas regras: alguns enunciados são considerados verdadeiros (axiomas), outros são deduzidos destes ou de outros anteriormente demonstrados a partir de regras de dedução tomadas em um conjunto de regras lógicas;
•
trabalham sobre objetos matemáticos com um estatuto teórico, não pertencentes ao mundo sensível, embora a ele façam referência.
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Balacheff (2004) discute diversas perspectivas de prova matemática no processo de ensino e aprendizagem e confronta as afirmações de De Villiers (i) e Hanna e Janke (ii) (apud BALACHEFF, 2004, p. 13), segundo os quais a prova tem as seguintes funções: (i) verificação, explicação, sistematização, descoberta e comunicação; (ii) construção de uma teoria empírica, exploração do significado de uma definição ou das consequências de uma hipótese, absorvendo um fato novo em uma nova estrutura que permite uma nova percepção. Balacheff (2008), em uma perspectiva epistemológica, argumenta ainda que a racionalidade é a base de qualquer processo de prova. A forma como vemos a racionalidade em geral e sua relação com a matemática em particular é um ponto chave para a compreensão de pesquisas relacionadas a demonstrações, pois podemos aceitar que provar depende do conteúdo e do contexto. O autor afirma, ainda, que a comprovação de uma verdade não pode ser realizada da mesma forma no dia a dia, no direito, na política, na filosofia, na medicina, na física ou na matemática. Não utilizamos as mesmas regras e critérios para tomadas de decisões nos diversos contextos em que estamos envolvidos. Essas regras e critérios podem dar origem a opiniões, crenças e conhecimentos, que em todos esses casos estão organizados numa estrutura que permite o raciocínio e a tomada de decisão. Encontramos trabalhos como o de Hanna (2008), em que se discute a tese de Rav (1999, p.5-41), cujas ideias principais estão relacionadas à crença de que as demonstrações fornecem importantes elementos para a matemática como estratégias e métodos; para o autor, “provas mais do que os teoremas são os alicerces do conhecimento matemático” (nossa tradução). Esses autores consideram que realmente existe um consenso entre matemáticos, filósofos e educadores matemáticos de que as demonstrações são, para a matemática, sua parte mais importante, uma vez que a demonstração é que estabelece a validade de uma afirmação matemática. Eles afirmam que Rav, sem dúvida, concorda com isso, mas afirma que existe um aspecto da demonstração que não se dá a devida atenção, e que a importância da demonstração vai muito além de se estabelecer uma verdade matemática. Nesse sentido, uma demonstração tem valor não só porque comprova um resultado, mas também porque pode apresentar novos métodos, ferramentas,
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estratégias e conceitos que têm uma aplicabilidade mais ampla em matemática e aponta novas direções matemáticas. As demonstrações são indispensáveis para a ampliação do conhecimento matemático; o simples ato de planejar uma prova contribui para o desenvolvimento da matemática. As demonstrações produzem novas visões matemáticas, novas ligações contextualizadas, e novos métodos para resolver problemas, dando a elas um valor muito além de comprovar a veracidade de proposições. São muitas as pesquisas que tratam dos aspectos históricos e epistemológicos relacionados à natureza e às funções da prova e da demonstração em matemática. Esse tipo de pesquisa constitui um foco tradicional de pesquisa que propiciou uma série de contribuições nesse campo. Balacheff (2008) discute outra perspectiva que tem como foco a relação entre os aspectos epistemológicos e cognitivos. Nessa perspectiva, o foco é o aluno como um sujeito que enfrenta o problema da demonstração em sua atividade matemática. A transposição didática da demonstração em matemática para a sala de aula tem dois alvos: enfatizar as dificuldades dos alunos e propor novas estratégias de intervenção de ensino. Ainda, nessa perspectiva histórica e epistemológica das discussões a respeito de demonstração, encontram-se os estudos de Mariotti e Balacheff (2008) que discutem as semelhanças e complementações de questões relacionadas a demonstrações, chamando a atenção para o fato de que a demonstração vai muito além da verdade matemática que se deseja comprovar. Os autores consideram o estudo de Hanna e Barbeau que acreditam que a ideia chave da tese de Rav poderia ser aplicada em sala de aula com sucesso. O argumento principal não diz respeito à generalidade dos processos de demonstração, mas à especificidade de certas demonstrações e suas potencialidades de prover os estudantes com importantes elementos matemáticos como estratégias e métodos para resolução de problemas. Os autores também comentam a noção de transparência que está relacionada à falta de conhecimento a respeito de técnicas de demonstrações ou ideias-chave de demonstrações e estratégias de demonstrações. Citam, ainda, Jahnke, que foi quem elaborou a distinção entre teoremas “abertos e fechados”. Essa distinção descreve a flexibilidade com a qual matemáticos tratam o conjunto de hipóteses na fase inicial do teorema, dentro de novas áreas da matemática. Tal distinção nos possibilita compreender algumas interpretações equivocadas do
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enunciado de teorema como a “confusão” entre as condições necessária e suficiente que só é reconhecida com facilidade quando a expressão “se e somente se” faz parte do enunciado. Assim, buscamos em nossa pesquisa proporcionar ao grupo de professores em formação continuada um ambiente em que a demonstração fosse tratada sob esse ponto de vista, levando-os a desenvolver algumas técnicas de demonstração, métodos e procedimentos para a resolução de problemas.
Provar e demonstrar proporcionam a construção de significado Desenvolvemos um projeto junto a 15 professores da rede pública e particular da cidade de São Paulo intitulado: O raciocínio dedutivo no processo de ensino e aprendizagem da Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental. Trata-se de professores preocupados com a sua prática pedagógica e que gostariam de incrementá-la, porém não sabiam como fazê-lo. Dessa forma, eles se dispuseram a participar como voluntários de uma pesquisa a respeito do raciocínio dedutivo, em que, por meio de uma formação continuada, vivenciaram certas ações e puderam reconstruir suas concepções sobre prova e demonstração. O trabalho realizado direcionou-se em quatro fases: a análise epistemológica da noção de demonstração em matemática; a análise de processos de ensino e de aprendizagem envolvendo provas e demonstrações; a análise de concepções de estudantes e professores a respeito de demonstração (incluindo suas dificuldades e obstáculos relacionados a sua evolução em termos de raciocínio dedutivo) e da análise das condições da realização efetiva da formação de professores do Ensino Básico participantes do projeto. Nosso projeto de pesquisa foi norteado pelas seguintes etapas: 1.
Diagnosticar concepções iniciais dos professores que participaram do processo de formação em situações envolvendo provas e demonstrações, por meio de mapa conceitual e entrevista estruturada.
2.
Com base nos resultados e nos estudos didático-epistemológicos, elaboramos um
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conjunto de situações que foram desenvolvidas com os professores. 3.
Orientamos os professores na elaboração, análise e aplicação de um conjunto de atividades que foi desenvolvido com seus alunos e, nesse sentido, realizamos discussões para esse processo tanto de modo presencial, quanto em um fórum em ambiente virtual.
4.
Diagnosticamos possíveis mudanças de concepções e de prática pedagógica dos professores, por meio de mapa conceitual, entrevistas e de acompanhamentos em sala de aula e no ambiente virtual.
5.
Analisamos as produções escritas e orais dos professores e os testes aplicados aos seus alunos, fazendo uso de software de tratamento de dados estatísticos.
6.
Analisamos o papel do raciocínio dedutivo nas abordagens de alguns livros didáticos de matemática do Ensino Fundamental II.
Essa formação, que ainda perdura com outra temática, é constituída de encontros semanais com duração de três horas. Nesses encontros, um membro do grupo de pesquisa coordena os trabalhos que são realizados individualmente, em duplas ou em trios. Geralmente os professores recebem o material fotocopiado com problemas a serem resolvidos. Também ocorrem momentos em que a formadora interage com o grupo, discutindo e colocando na lousa resultados do que se havia tratado no material entregue. Vale destacar que os professores participantes dessa pesquisa possuem licenciatura em matemática ou uma complementação que os habilita a lecionar. Nesse projeto adotamos os princípios da pesquisa-ação, pois ele foi concebido em estreita associação com uma ação ou com a resolução de problema coletivo em que, tanto os pesquisadores quanto os professores participantes, estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLENT, 1998). Conforme apontado anteriormente, discutimos algumas questões a respeito de provas, ilustrando-as com resultados obtidos a partir da investigação com os professores que participaram dessa formação continuada na etapa relativa ao resgate da prova e da demonstração em sala de aula. No decorrer do projeto, os professores realizaram atividades que tinham por objetivo favorecer a compreensão do significado de demonstração e de seu papel no ensino, com
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o propósito de incentivá-los a integrar provas e demonstrações ao processo de formação de seus alunos, “ajudando-os a restituir a historicidade de prova, de demonstração e de rigor matemático” (GOUVÊA, 1998, p.1). Nessa pesquisa, o estudo de caso propiciou-nos obter os dados para a nossa questão, considerando-se que essa modalidade “[...] é recomendável para a construção de hipóteses, para confirmação ou reformulação do problema e, sobretudo, quando se quer estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo” (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p.109-110). Vale mencionar que o estudo de caso segue uma abordagem qualitativa e busca retratar a realidade de forma profunda e completa. No presente trabalho visamos observar as dificuldades de um professor do Ensino Básico em identificar se uma proposição corresponde ou não a um teorema recíproco e sua habilidade em reconhecer a hipótese e a tese em uma afirmação matemática. Tal estudo, evidentemente, contribuirá na busca de respostas para as discussões relacionadas ao raciocínio dedutivo que envolve professores de Ensino Básico. Durante a sessão em que ocorreu a atividade que será descrita a seguir em detalhes, contamos com a presença de professores observadores, além de audiogravação. Passaremos a descrever um pequeno trecho de uma das sessões em que os professores em formação mostraram não ter clareza das diferenças entre teorema, lema, corolário e teoremas recíprocos, isto é, aqueles que possuem as condições necessárias e suficientes. Além disso, podemos estender a discussão afirmando que muitos alunos somente reconhecem uma afirmação como teorema se ela estiver redigida na forma “se ..., então”. Nessa sessão (que faz parte de um conjunto de sessões que tem como objetivo uma iniciação à demonstração em geometria) estavam presentes dois formadores que indicaremos por F1 e F2 e os professores que se manifestaram serão identificados por P1, P2 e P3. Após uma breve retomada do que foi discutido na sessão anterior, F1 inicia a sessão registrando na lousa: “Todo ponto que pertence à mediatriz de um segmento é equidistante das extremidades desse segmento”. P1 diz que na oficina anterior provou-se que qualquer ponto P que equidista das extremidades de um segmento AB é a reta mediatriz m.
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F1 corrige oralmente o que foi dito pelo professor enquanto F2 registra na lousa: * Qualquer ponto P que equidista das extremidades de um segmento pertence à mediatriz desse segmento. F2 pede para que um dos dois professores ausentes na sessão anterior repita o que havia sido discutido para conferir se o relato foi compreendido por eles. P2 explica com a ajuda de F1, que escreve na lousa: •
Se P pertence à mediatriz m de um segmento AB, então P é equidistante de A e B.
•
Se P é equidistante de A e B, então P pertence à mediatriz m do segmento AB.
F2 pergunta se as duas afirmações podem ser consideradas teoremas recíprocos e, como não obteve resposta, afirma que sim, uma vez que já foram demonstrados. F2 indaga o que significa um teorema ser o recíproco de outro. Como os presentes ficam em
dvida, F2 pergunta qual é a hipótese em cada caso. P3 responde que no primeiro caso, a hipótese é P ∈ m e que a tese é: a distância de P até A é igual à distância de P até B. F2 registra a tese: PA = PB, mas F1 observa que a tese de P3 refere-se a distâncias. F1 complementa o registro da tese: d(P,A) = d(P,B). Sobre o segundo teorema, P1 diz que a hipótese é PA = PB e a tese P ∈ m. P3 pergunta sobre a notação de medida e P1 pergunta qual é a diferença entre PA e PA . F1 realiza as explicações necessárias. F2 pergunta a P2 o que significam teoremas recíprocos. P2 responde que a hipótese de um é a tese do outro e vice-versa. P3 pergunta se teorema é o mesmo que propriedade. F1 responde que sim. P3 pergunta o que são corolários. F2 responde que são consequências de teoremas e, completa ainda, que o lema prepara o teorema. F1 complementa a explicação dizendo que lemas são pequenos teoremas e que, ao demonstrar um teorema, alguns resultados são imediatos. Estes constituem os corolários que também são teoremas e também são demonstráveis. F2 escreve na lousa: RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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•
Se dois ângulos são opostos pelo vértice, então eles são congruentes.
•
F2 pergunta a P2 sobre qual seria a proposição recíproca e ela responde:
•
Se dois ângulos são congruentes, então são opostos pelo vértice.
F2 pergunta quais são as hipóteses e teses nos dois casos e registra na lousa as respostas fornecidas. 1o) Hipótese: Tese:
e
ˆD CO
são opostos pelo vértice (o.p.v)
ˆ B ≡ CO ˆD AO
2o) Hipótese: Tese:
ˆB AO
ˆB AO
e
ˆ B ≡ CO ˆD AO ˆD CO
são o.p.v.
F1 pede uma prova. P1 responde com um contraexemplo no qual apresenta dois ângulos congruentes, mas que não são opostos pelo vértice (figura 1). Figura 1
F1 pergunta se vale a volta do teorema, dizendo que a primeira afirmação é verdadeira, mas a volta não é um teorema. F2 conclui que nem todo teorema tem recíproco. P3 pergunta se é teorema somente quando tem a ida e a volta. F1 responde que não. F2 pergunta como ficaria a redação de um teorema e seu recíproco usando o símbolo ⇔. P1 diz: P pertence à mediatriz m de um segmento AB se, e somente se, P é equidistante de A e B.
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P3 pergunta como se deve chamar este último teorema e se existiria um nome especial. F2 responde que tanto os teoremas independentes como aqueles que têm ida e volta, são teoremas. F1 pergunta como fica o registro na linguagem simbólica e escreve: Seja m a mediatriz de AB , P ∈ m ⇔ PA ≡ PB . F2 apresenta outro registro: P ∈ m ⇒ PA ≡ PB ∧ PA ≡ PB ⇒ P ∈ m F2 comenta que, em sala de aula, como o professor enuncia “se, então”, o aluno entende como recíproco. Nessa descrição ficou evidente a dificuldade que alguns professores têm em identificar, nas informações contidas no enunciado de uma proposição matemática, os dados que se referem às hipóteses e o fato que realmente se deseja comprovar. Dessa forma, também não conseguem perceber de imediato se a proposição possui condições necessárias e suficientes, o que caracteriza um teorema recíproco. Tal fato pode ser observado no diálogo entre os formadores e professores a respeito da proposição “Todo ponto que pertence à mediatriz de um segmento é equidistante das extremidades desse segmento” que foi subdividida em duas outras usando-se a expressão “se, ... então”: “Se P pertence à mediatriz m de um segmento AB, então P é equidistante de A e B.” e “Se P é equidistante de A e B, então P pertence à mediatriz m do segmento AB”. Essa nova forma de redação deu visibilidade às condições necessária e suficiente da proposição em questão. No final dessas discussões, quando um dos formadores indaga o que vem a serem
d remas recíprocos, um dos professores afirma, por meio de uma fala simples, porém com convicção: “a hipótese de um é a tese do outro e vice-versa”. Com relação à outra proposição “se dois ângulos são opostos pelo vértice, então eles são congruentes”, a construção da proposição recíproca possibilitou que um professor elaborasse um contraexemplo. Esse contraexemplo registrado na lousa mostrando dois ângulos retos, isto é, congruentes e que não eram opostos pelo d idce, tornou evidente para o grupo que a proposição não era verdadeira. Sendo assim, a proposição em questão não poderia ser considerada como um teorema recíproco. Retomando ao nosso estudo, ele vem reforçar o conjunto de dificuldades preliminares que RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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esses professores possuem com relação aos elementos essenciais de uma demonstração, como o reconhecimento do conjunto de dados conhecidos (hipótese) e o que se pretende comprovar (tese). Nesse trecho da sessão que relatamos anteriormente, observamos que a proposição relativa à geometria foi enunciada sem a famosa expressão “se e somente se” que caracteriza os teoremas recíprocos: “Qualquer ponto P que equidista das extremidades de um segmento pertence à mediatriz desse segmento”. A fim de que essa propriedade fosse mais bem compreendida e, também, para que os professores pudessem ver que ela poderia ser enunciada de outra forma, um dos formadores pediu para que se registrassem na lousa as seguintes afirmações: “Se P pertence à mediatriz m de um segmento AB, então P é equidistante de A e B. Se P é equidistante de A e B, então P pertence à mediatriz m do segmento AB”. Esse novo registro permitiu que os professores reconhecessem expressões que lhes são mais familiares (“se ...,então”) e os remetessem às ideias de condições necessárias e suficientes. Essa nova redação sugerida pelos formadores viabilizou uma discussão a respeito do que seriam teoremas recíprocos. Notamos que o grupo não se sentia seguro para afirmar que as sentenças anteriores compunham um teorema recíproco, o que levou, então, um dos formadores a questionar qual seria a hipótese em cada caso. Tal procedimento possibilitou uma melhor compreensão do enunciado, levando um dos formadores a questionar o que seria um teorema recíproco e um dos professores, agora já se sentindo mais seguro, responde de forma coloquial: “a hipótese de um é a tese do outro e vice-versa”. A discussão foi adiante, esclarecendo-se o que são lemas e corolários. Dando continuidade à atividade, um dos formadores escreveu na lousa: “Se dois ângulos são opostos pelo vértice, então eles são congruentes”. Em seguida, pergunta ao grupo qual seria a proposição recíproca e um dos professores com segurança afirma: “Se dois ângulos são congruentes, então são opostos pelo vértice”. Depois disso, os professores identificam a hipótese e a tese de cada uma das proposições e um dos formadores as registra na lousa. O passo seguinte foi indagar quais seriam as respectivas provas. Um dos professores sugere a representação de dois ângulos retos, conforme registrado na nossa descrição em que eles são claramente congruentes, porém não são opostos pelo vértice. Com esse contraexemplo, um dos formadores
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esclarece que a primeira proposição é válida, mas que a segunda não é, o que ficou evidente com o desenho dos ângulos retos. Dessa forma, o grupo percebe que nem todo teorema possui recíproco, mas, mesmo assim, ainda surge uma dúvida: “teorema não é só quando tem ida e volta?” Um dos formadores afirma categoricamente que não e mais adiante completa que tanto teoremas independentes quanto aqueles que possuem ida e volta são teoremas. Para complementar essa discussão, um dos formadores indaga como ficaria a redação da proposição inicial (“Qualquer ponto P que equidista das extremidades de um segmento pertence à mediatriz desse segmento”) utilizando o símbolo ⇔ que é uma representação mais familiar para o grupo quando se trata de teoremas “com ida e volta”. Além disso, apresentou mais duas opções de registros dessa mesma proposição utilizando apenas a linguagem simbólica envolvendo os símbolos ∈, ⇔, ≡, ⇒, ∧ e AB para segmento de reta. Assim, discutimos teoremas recíprocos, teoremas independentes e seus possíveis registros a partir de resultados da área de geometria. Julgamos oportuno resgatar outra pesquisa realizada com professores e que também é relacionada a dificuldades preliminares de demonstração, em que o grupo de pesquisadores
d lisando alguns livros didáticos brasileiros, editados até os anos 2000, observou que a demonstração em matemática no Ensino Fundamental é introduzida no conteúdo relativo à geometria, que em geral encontra-se no final do livro. Os professores, por considerarem difícil a questão da demonstração, muitas vezes optam por não tratar desse assunto. Nos registros anteriores observamos, de forma nítida, como as dificuldades começam já na identificação da hipótese e da tese. Antes de se iniciar uma demonstração, é preciso ter clareza do que se possui como dados e o que queremos de fato comprovar, para então desenvolvermos uma demonstração que nos leve a comprovar a afirmação enunciada. Com relação a essas dificuldades iniciais relativas ao processo de realização de demonstrações, Almouloud (2006) discutiu as noções que alguns professores da rede pública do Estado de São Paulo possuem a respeito de teoremas e demonstrações que aparecem nos textos didáticos voltados para os ensinos fundamental e médio em pesquisa realizada junto a professores participantes de um projeto. Nessa pesquisa, os professores receberam alguns livros de matemática utilizados nas séries finais do ensino fundamental e realizaram uma atividade que consistia em identificar em um texto matemático uma demonstração, tarefa RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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essa que exigiu várias discussões e embates sobre o que seria uma atividade envolvendo demonstração. Concluiu-se que os professores envolvidos nesse trabalho já tinham dificuldade para reconhecer uma demonstração em matemática. Essa dificuldade foi observada quando se pediu aos professores que fizessem uma busca aleatória nos livros didáticos por meio de uma visualização de formato de texto matemático. Em geral, eles detinham-se em textos com figuras como potes, balanças, no sentido de que uma explicação exemplificada com situações concretas deveria aproximar-se ou, efetivamente, ser uma demonstração. Para esses professores, a demonstração está ligada a uma contextualização, ou seja, as situações propostas devem ser atreladas ao contexto da criança para que o fato matemático se torne compreensível. Essa pesquisa ainda nos revelou a grande preocupação atual de se dar um sentido prático a tudo que se faz em matemática, transparecendo que só tem valor o que se pode aplicar de imediato numa situação cotidiana. O compreensível passa a ser apenas aquilo que pode ser usado no dia a dia. Esta concepção da matemática, mais especificamente da geometria, vem ao encontro da ideia de Bernard Parsysz(2000) que identificou diferentes tipos de geometrias, como mosre a figura 2. Parsysz (2000), estudando os processos e mecanismos relacionados com o ensino e aprendizagem da geometria no Ensino Fundamental, propôs uma classificação que considera os objetos em jogo, físicos ou teóricos e os modos de validações, perceptivo ou dedutivo. Essa classificação é G0-Geometria Concreta em que os estudos geométricos são realizados a partir de atividades concretas como maquetes, plantas e dobraduras. G1-Geometria Espaço-gráfica em que ainda se confunde Geometria e realidade; em que os alunos podem conjecturar e fazer constatações de propriedades empiricamente. Este autor classifica ainda a Geometria Axiomática como Geometria Proto-Axiomática (G2) e Geometria Axiomática (G3). Em G2, ocorre a concepção de um
dquema da realidade em que as definições fazem sentido e os resultados passam a ser validados com técnicas dedutivas.
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Figura 2: diferentes geometrias
Fonte: adequação feita por Alexsandra Camara Maciel (2004, p.73)
No nível G2, a figura construída em G1 tem status de figura genérica e a dedução é reconhecida como ferramenta de validação no interior de um sistema axiomático. Em G3, não se faz referência à realidade e a Geometria é totalmente explicada (ou abstrata). Trabalhando em G3, o aluno é capaz de situar-se nos diferentes sistemas axiomáticos, bem como compará-los. Ainda segundo o autor, do ponto de vista didático, a distinção entre essas geometrias aparece nas rupturas de contrato didático que se produzem entre uma e outra, mais precisamente, na passagem de G0 a G1, em que a materialidade dos objetos em jogo (madeira, papel, palha, ...) tem um papel importante nos processos de ensino e aprendizagem de conceitos geométricos; na passagem de G1 a G2, em que se d id na largura dos traços e dos pontos, e a justificativa das propriedades d id-se na percepção; finalmente, na passagem de G2 a G3 em que a validação das propriedades apoia-se na axiomática.
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Parsysz (2000) considera que a articulação entre os níveis G1 e G2, isto é, a gestão do salto conceitual entre elas, são elementos essenciais na problemática do ensino da Geometria no Ensino Básico, em que devemos fixar os conceitos em jogo e fazer sua articulação. A análise do desempenho dos professores nas atividades que propusemos mostra que esses docentes parecem estar ainda na Geometria Não-axiomática, o que nos alerta sobre a importância de integrar em uma formação continuada e inicial uma reflexão a respeito da limitação das validações empíricas e de questionar a evidência da figura.
Considerações finais Nessa linha de dificuldades relacionadas às demonstrações estudadas no Ensino, Heinze (2008) realizou pesquisa referindo-se a experiências de ensino realizadas com alunos na faixa de 13 a 15 anos em Taiwan e na Alemanha. Julgamos que as dificuldades apontadas nesse trabalho realizado com jovens estudantes aproximam-se muito das dos professores envolvidos em nosso projeto, uma vez que eles possuem uma formação precária em matemática. Muitos desses professores estudaram ciências ou contabilidade e depois realizaram uma complementação em seus estudos que os habilitou a lecionar; na realidade, eles não cursaram uma licenciatura plena e específica em matemática. Essa complementação é um recurso aprovado pelos órgãos públicos a fim de regularizar a situação de inúmeras pessoas que já se encontravam trabalhando em salas de aula de escolas públicas, uma vez que existe escassez de licenciados em matemática que optam pelo ensino nessas escolas devido a baixa remuneração. Nesse trabalho de Heinze (2008), os autores consideram que um dos motivos que levam os alunos a terem dificuldades com demonstrações é a complexidade da prova descrita como um conjunto de argumentos que o aluno deve combinar. Os autores discutem as diferenças entre demonstrações com um passo (single step) e com vários passos (multi-step) e resumem que construir uma demonstração aceitável em geometria é como um processo de ligação entre condições dadas e uma conclusão desejada com regras que interferem e são controladas por um
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processo de coordenação que inclui: Compreender a informação dada e o status dessa informação; Reconhecer os elementos cruciais (premissa, argumento, conclusão), que se associam com as propriedades necessárias para a dedução; Especialmente nas provas com vários passos, construir condições intermediárias para o próximo passo de dedução por uma ligação hipotética; e coordenar o processo todo e organizar o discurso numa seqüência aceitável (HEINZE, 2008, p.445, tradução nossa).
Em nosso trabalho, ao discutirmos teoremas recíprocos e independentes, evidenciamos a dificuldade que os professores tiveram em identificar as condições necessária e suficiente de uma proposição de geometria. O reconhecimento de elementos considerados cruciais é uma tarefa já selecionada por Heinze (2008) como parte integrante do processo de construção de uma demonstração aceitável. Os processos de coordenação relativos à compreensão do enunciado do teorema, elencados por Heinze, são, sem dúvida alguma, fundamentais no processo de redação de uma demonstração. Podemos inferir que a identificação de um teorema recíproco está mais ligada a expressões como “se e somente se” do que a uma análise crítica dos dados que são apresentados no enunciado da afirmação matemática. Muitas vezes, acreditamos que ocorre um tipo de “preguiça mental” em que se lê o enunciado da afirmação matemática já buscando as expressões “se ..., então” e “se e somente se”. Constatamos que a inexistência dessas expressões provoca um desequilíbrio na compreensão da proposição matemática, gerando dificuldades de identificação da hipótese e tese. A metodologia utilizada pelos formadores para discutir um teorema recíproco em contraposição a um independente parece ter facilitado a compreensão dos professores que tiveram a oportunidade de simular a “volta” da proposição independente e verificar (a partir de um contraexemplo) que ela não era válida. A mudança de registro escrito para linguagem simbólica em que símbolos como “⇔” apareciam também parece ter reforçado o entendimento de teorema recíproco, além da oportunidade de constatarem que é possível transitar de um registro para outro mantendo o mesmo significado. A passagem de um registro de representação semiótica (DUVAL, 2005) deu aos professores meios de praticar e observar a variação de
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registros de representação e os tratamentos relacionados; além disso, o estudo sistemático da passagem de um registro para outro possibilitou a percepção da importância da forma das representações e a identificação das representações que são pertinentes. As atividades realizadas parecem ter proporcionado aos professores em formação não só a análise dos dados contidos no enunciado de uma afirmação matemática, mas também o resgate de conteúdos de geometria como ângulos congruentes, ângulos opostos pelo vértice, mediatriz de um segmento e pontos equidistantes. Concordamos com Rav (1999) que acredita que o simples fato de se planejar uma demonstração já pode contribuir para o desenvolvimento de compreensões matemáticas. No entanto, a nossa realidade de sala de aula do Ensino Básico em escolas públicas ainda está distante desse patamar de estudo de demonstrações. Com certeza, os conteúdos de geometria que fazem parte do programa curricular do Ensino Básico são os indicados para que se inicie o desenvolvimento do raciocínio dedutivo nas séries finais desse ciclo. Acreditamos que esse intercâmbio entre as universidades e professores, principalmente os da rede pública, por meio de uma formação continuada como essa desenvolvida em nosso projeto, é uma das opções para que o professor reveja sua prática docente, sinta-se mais confiante no exercício de sua profissão e, consequentemente, trabalhe com seus alunos em sala de aula inclusive demonstrações.
Notas *Doutorado em Matemática e aplicações, especialidade: didática da matemática, pela Universidade de Rennes. Professor do Programa de Estudo Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP. E-mail: saddoag@pucsp.br e saddoag@gmail.com **Dourado em Educação Matemática pela PUC-SP. Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da PUC-SP. E-mail: zeze@pucsp.br
Referências ALMOULOUD, S. A.; FUSCO, C. A. Discutindo algumas dificuldades de professores dos
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RAV, Y. Why Do We Prove Theorems? In: Philosophia Mathematica, Oxford, v.7, n.3, p. 5-41, 1999. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-a巽達o. 8. Ed. S達o Paulo: Cortez, 1998.
Recebido em Julho de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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O SOFTWARE GEOGEBRA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA – UMA VISÃO A PARTIR DE DISSERTAÇÕES E TESES
Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino* Universidade Estadual de Londrina marciacyrino@uel.br Loreni Aparecida Ferreira Baldini** Faculdade de Apucarana – PR e Universidade Estadual de Londrina loreni@ibest.com.br
RESUMO No presente artigo, apresentamos um estudo do(s) objetivo(s) ou da(s) questão(ões) de investigação presentes em dissertações de mestrado (acadêmico e profissional) e teses de doutorado disponíveis no Banco de Dados da CAPES que têm como foco o uso do software GeoGebra na formação de professores de Matemática, na busca de compreender quais discussões têm sido privilegiadas e conhecer as perspectivas presentes em pesquisas brasileiras. Enquanto estudo documental, realizamos uma análise interpretativa a fim de identificar eixos temáticos nessas pesquisas. Identificamos a existência de quatro eixos temáticos que se referem: à aprendizagem de professores e futuros professores quanto a conteúdos matemáticos; à análise de professores e futuros professores quanto as potencialidades didático/pedagógicas do GeoGebra; ao desenvolvimento de formas de pensamento matemático por futuros professores e estudantes de um curso de especialização; à prática pedagógica de potenciais formadores de professores de Matemática. Em decorrência dos resultados dessa análise, sistematizamos algumas propostas que podem fomentar o uso desse software na formação de professores de Matemática. Palavras-chave: Educação Matemática. Formação de Professores de Matemática. GeoGebra.
THE GEOGEBRA SOFTWARE IN MATHEMATICS TEACHER EDUCATION - A VIEW FROM DISSERTATIONS AND THESES ABSTRACT In this paper, we present a study of the goal(s) of the objective(s) or the research question(s) present in dissertations (academic and professional) and doctoral theses available at CAPES database that has the focus on the use of software GeoGebra in Mathematics Teacher Education, in the search of to understand which discussions have been privileged and to know the present RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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perspectives in Brazilian researches. While documentary study, we performed an interpretive analysis to identify thematic axes in these studies. We identified the existence of four thematic axes that relate to: teachers learning and future teachers as the mathematical; content the analysis of teachers and future teachers as didactic/pedagogical potentiality of GeoGebra; the development of forms of mathematical thinking for future teachers and students of a specialization course; the pedagogical practice of a teacher of mathematics teachers. As a result of this analysis we systematized some proposals that may allow effective use of this software in Mathematics Teacher Education. Keywords: Mathematics Education. Mathematics Teacher Education. GeoGebra.
Introdução Recursos tecnológicos como os softwares pedagógicos estão cada vez mais acessíveis nos ambientes de ensino e de aprendizagem, seja por meio de computadores ou pela internet nos celulares, tablets ou outros dispositivos. Discutir o uso pedagógico destes recursos nas aulas de Matemática tem sido foco de muitos estudos, uma vez que por si só eles não garantem um novo modelo educacional. É possível inovar os recursos e ao mesmo tempo reforçar o paradigma tradicional vigente por meio de aulas que não favorecem o compromisso mútuo e o desenvolvimento de empreendimentos articulados que permitam a negociação de significados; e a proposição de tarefas que não exigem esforço cognitivo, que priorizem exercícios de repetição, o uso de fórmulas e algoritmos de modo mecânico. Para superar tal condição, a inserção de recursos das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC1 no processo de formação de professores tem que ser marcada por uma concepção de Educação Matemática que privilegie a aprendizagem e a equidade social. O uso das TIC pode ser um aliado do professor na proposição de espaços fecundos para a aprendizagem. De acordo com Belfort (2002), na Matemática as TIC podem favorecer a compreensão de conceitos, o desempenho na resolução de problemas e no raciocínio lógicodedutivo do estudante. Ricoy e Couto ressaltam que o professor tem que estar preparado para reconhecer a importância de integrar as TIC como recurso didático para a comunicação, a representação gráfica, a obtenção de informação e o desenvolvimento de cálculos. Desse modo,
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[...] a formação inicial deve somar-se atualizações, sob pena de cristalização profissional. Para conseguir adequar os recursos educativos a estratégias metodológicas inovadoras é necessário saber de sua existência, explorá-los e manejá-los com tempo, com disponibilidade e abertura para recorrer às novas formas de ensinar (RICOY; COUTO, 2011, p. 97).
A falta de atualização dos professores já inseridos no processo educativo pode causarlhes constrangimento ao utilizarem-se das TIC em sala de aula, uma vez que grande parte dos estudantes tem facilidade em manusear as ferramentas, assim como com questões técnicas (RYCOY; COUTO, 2011). Portanto, é necessário criar espaços para que o professor possa aprender a lidar com tais recursos e que se sinta a vontade, tenha “confiança” para refletir e discutir a sua utilização (BALDINI; CYRINO, 2012). Muitos pesquisadores indicam que os softwares didático-pedagógicos podem favorecer inovações no âmbito educacional. Borba (2001) destaca que o uso das TIC “permite trazer a visualização para o centro da aprendizagem matemática” (p.34), e, ainda, que a partir do enfoque experimental é possível realizar conjecturas e desenvolver argumentos. Gravina (1998) ressalta que no contexto da Matemática, “a aprendizagem depende de ações que caracterizam o ‘fazer matemática’: experimentar, interpretar, visualizar, induzir, conjecturar, abstrair, generalizar e enfim demonstrar” (p. 01). Por fim, Ponte, Oliveira e Varandas (2003, p.01) salientam que as “TIC permitem perspectivar o ensino da matemática de modo profundamente inovador, reforçando o papel da linguagem gráfica e de novas formas de representação e relativizando a importância do cálculo e da manipulação simbólica”. As TIC podem favorecer ainda o desenvolvimento de importantes competências, bem como de atitudes mais positivas em relação à Matemática e estimular uma visão mais completa sobre a natureza desta ciência. O professor é um dos principais agentes nessa mudança, uma vez que é ele o responsável pela organização pedagógica da sala de aula, pela escolha das tarefas, pelos tipos de comunicação a serem estabelecidos, pelos processos de interação que promovem a negociação de significados em sala de aula. Para que ocorram mudanças, são necessários educadores abertos às transformações didático-pedagógicas, que sejam reflexivos, empreendedores e comprometidos com uma educação
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voltada para o desenvolvimento humano. Um dos softwares em evidência no âmbito da Educação Matemática é o GeoGebra2, pois é um software livre que permite realizar atividades de geometria, álgebra, números e estatística em qualquer nível ou modalidade de ensino, e possui uma interface de fácil acesso que não requer conhecimentos prévios de informática. Atualmente existem vários Institutos GeoGebra no mundo que, por meio de sites, disponibilizam tutoriais, fóruns, vídeos e construções que ajudam na compreensão de suas ferramentas e de conceitos matemáticos, auxiliando a sua inserção nas práticas pedagógicas e também nas pesquisas. Dessa forma, estudamos o(s) objetivo(s) e a(s) questão(ões) de investigação de dissertações de mestrado (profissional e acadêmico) e teses de doutorado brasileiras que trataram do uso do software GeoGebra na formação de professores de Matemática, na busca de compreender quais discussões têm sido privilegiadas e conhecer as perspectivas presentes nessas pesquisas.
Dissertações e teses brasileiras a respeito do uso do GeoGebra na formação de professores de Matemática No início de 2012, recorremos ao Banco de Dados da CAPES para selecionar os trabalhos a serem analisados e utilizamos “GeoGebra” como palavra chave. Encontramos uma tese de Doutorado, 8 dissertações de Mestrado Acadêmico e 27 dissertações de Mestrado Profissional, publicadas no período de 2008 a 2010. A partir da leitura dos resumos desses trabalhos, verificamos que um deles não utilizou o GeoGebra e foi desconsiderado. Em seguida, realizamos uma análise interpretativa do resumo, da introdução, do encaminhamento metodológico e das considerações finais desses trabalhos, a fim de identificar os sujeitos investigados (Quadro 1) e os conteúdos matemáticos abordados (Quadro 2).
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Quadro 1: sujeitos da pesquisa
Sujeitos da Pesquisa
Quadro 2: conteúdos matemáticos contemplados
Quantidade
Conteúdos de Matemática
Quantidade3
Estudantes do Ensino Fundamental (EEF) Estudantes Ensino Médio (EEM) Professores da Educação Básica (PEB) EEF, EEM e PEB EEM e PEB EEM e LM Estudantes de Licenciatura em Matemática (ELM) EEM, ELM e de Especialização em Educação Matemática Estudantes de engenharias, ELM, outros
04 12 04 01 01 01 07
Cálculo Função Polinomial Trigonometria Geometria Analítica Geometria Plana Geometria não euclidiana Números complexos
06 05 07 04 09 01 01
01
01
Professores do Ensino Superior
01
Números inteiros: regras de sinais Probabilidade/distribuição normal Teorema de Tales
04
01 01
Para este estudo, selecionamos para análise, a partir da(s) questão(ões) de investigação e do(s) objetivo(s) de pesquisa, apenas os trabalhos que, de alguma forma, envolveram a formação inicial ou continuada de professores de Matemática. Os 13 trabalhos selecionados estão relacionados a seguir destacando, respectivamente, título, autor, ano de defesa e modalidade. Para cada trabalho, utilizamos um código composto por uma sigla e um número. A sigla indica a modalidade, quais sejam (T) para Tese, (DMA) para Dissertação de Mestrado Acadêmico e (DMP) para Mestrado Profissional, e o número representa a ordem em que o trabalho foi analisado, seguindo ordem alfabética do nome do autor dentro da respectiva modalidade. Por exemplo, DMA2 representa, dentre os trabalhos selecionados, uma “dissertação de mestrado acadêmico” que foi o segundo trabalho analisado. Este código não tem a função de ordenar os trabalhos a partir de um critério específico, ele foi utilizado para associar, posteriormente, cada trabalho com a(s) sua(s) respectiva(s) questão(ões) de investigação e objetivo(s).
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1.
Um Estudo da Demonstração no Contexto da Licenciatura em Matemática: uma articulação entre os tipos de prova e os níveis de raciocínio geométrico. Mônica Souto da Silva Dias. 01/11/2009. (T1).
2.
A Utilização do Computador na Prática Docente: sentidos construídos por um grupo de Professores de Matemática de uma Instituição de Ensino Federal. Andréa Novelino Vianna. 01/08/2009. (DMA2).
3.
Aspectos Conceituais e Instrumentais do Conhecimento da Prática do Professor de Cálculo Diferencial e Integral no Contexto das Tecnologias Digitais. Andriceli Richit. 01/09/2010. (DMA3).
4.
Grupos de Estudo como Possibilidade de Formação de Professores de Matemática no Contexto da Geometria Dinâmica. Guilherme Henrique Gomes da Silva. 01/05/2010. (DMA4).
5.
Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica em um Ambiente de Geometria Dinâmica: o que pensam e o que sabem os professores. Karla Aparecida Lovis. 01/12/2009. (DMA5).
6.
O Uso do Software Matemático GeoGebra na Formação Inicial do Professor: manifestações de constituição de ZDP na aprendizagem das Funções Polinomiais do Terceiro Grau. Kristian Madeira. 01/12/2009. (DMA6).
7.
A Utilização de GeoGebra no Ensino de Matemática: recursos para os registros de representação e interação. Adriana Domingues Freitas. 01/08/2009. (DMP7).
8.
Ensino de Funções, Limites e Continuidade em Ambientes Educacionais Informatizados: uma proposta para cursos de introdução ao cálculo. Davis Oliveira Alves. 01/08/2010. (DMP8).
9.
Discutindo o Papel das Tecnologias Informacionais e Comunicacionais na Formação de Professores de Matemática: uma proposta para um curso de Licenciatura em Matemática na Modalidade EaD. Fausto Rogério Esteves. 01/09/2010. (DMP9).
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10.
Uma Trajetória Hipotética de Aprendizagem sobre Funções Trigonométricas numa Perspectiva Construtivista. Luciane Santos Rosenbaum. 01/10/2010. (DMP10).
11.
Mobilização das Formas de Pensamento Matemático no Estudo de Transformações Geométricas no Plano. Maria Auxiliadora Lage. 01/12/2008. (DMP11).
12.
GeoGebra e Moodle no ensino de geometria analítica. Rodrigo Dantas de Lucas. 01/04/2010. (DMP12).
13.
As Dificuldades e Possibilidades de Professores de Matemática ao Utilizarem o Software GeoGebra em Atividades que Envolvem o Teorema de Tales. Rosana Perleto Dos Santos. 01/10/2010. (DMP13).
A seguir, citamos a(s) questão(ões) de investigação e o(s) objetivo(s) identificados em cada trabalho. T1: Questões: Em que medida um software de geometria dinâmica permitirá ao aluno desenvolver conjecturas e argumentações relativas a uma situação geométrica que se quer demonstrar? (p.19). [...] Qual a influência da utilização de softwares de geometria dinâmica na construção de argumentações por alunos do curso de licenciatura em matemática? Que articulações podemos inferir entre os níveis de raciocínio geométrico proposto por Parzysz (2001, 2006) e os tipos de prova propostos por Balacheff (1987), quando os alunos mobilizam seus conhecimentos para resolver problemas relativos à demonstração em Geometria? (p.73). [...] Objetivos: Fazer com que os alunos evoluam na construção do raciocínio hipotéticodedutivo a partir da interação com atividades de construção geométrica e demonstração. Estudar a suficiência dos níveis de raciocínio geométrico elaborados para compreensão das produções dos alunos (p.73). DMA2: Questão: Quais os sentidos construídos por um grupo de professores de matemática sobre a mediação do computador nas atividades desenvolvidas com seus alunos na Sala de Telemática do Colégio de Aplicação João XXIII? (p.30). [...] Objetivo: Compreender, através de suas práticas discursivas, os sentidos construídos por um grupo de professores de Matemática sobre a mediação do computador nas atividades desenvolvidas com seus alunos na Sala de Telemática do Colégio de Aplicação João XXIII (p.17).
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DMA3: Questão: Quais são os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente do professor de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais? (Resumo e p.18, 20, 118 e 153). [...] Objetivo: Identificar e compreender os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente em um curso à distância de formação de professores de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais (Resumo e p. 118). DMA4: Questão: Quais contribuições pedagógicas a participação em um grupo de estudos traz para futuros professores de Matemática quando inseridos em um ambiente de geometria dinâmica? (p. 14, 120 e 165). [...] Objetivo: Analisar as reflexões feitas por participantes de um grupo de estudos, formado por alunos de Licenciatura em Matemática, no movimento de elaborar e desenvolver atividades de geometria dinâmica com estudantes do Ensino Médio (p.14). DMA5: Questões: Quais os conhecimentos de Geometria Euclidiana e de Geometria Hiperbólica que o grupo de professores observados nesta pesquisa possui? O estudo da Geometria Hiperbólica permite identificar obstáculos epistemológicos na compreensão dessa Geometria? Contribui para que eles aceitem a existência das Geometrias Não-Euclidianas? O software GeoGebra contribui para a aprendizagem dos conteúdos de Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica? (p.17). [...] Objetivos: Averiguar os conhecimentos dos professores sobre Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica, por meio de atividades, com auxílio do software de Geometria Dinâmica GeoGebra. Identificar obstáculos epistemológicos durante a realização das atividades que utilizam o modelo do disco de Poincaré, e verificar se o estudo da Geometria Hiperbólica permite que os professores abandonem a visão de que a Geometria Euclidiana é a única geometria possível. Verificar possíveis contribuições do uso do software GeoGebra para a aprendizagem dos conteúdos de Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica (p.18). DMA6: Questão: Como se caracteriza a Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP que se constitui, entre alunos do curso de licenciatura em Matemática, em situações de interações mediadas pelo software GeoGebra para aquisição do conceito de Função Polinomial? (p.15). [...]
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Objetivo: Analisar as manifestações de constituição de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP entre o grupo de estudantes de ensino superior quando colocados em situação de aprendizagem com outro aluno, mediados pelo software matemático GeoGebra na aquisição do conceito de função polinomial do terceiro grau (p.15). DMP7: Objetivos: Identificar se os professores atribuem potencial ao software educativo no ensino e aprendizagem de Matemática, tanto no que diz respeito às possibilidades do acesso a pelo menos dois tipos de registro de representação para um mesmo objeto matemático, quanto no que tange à interação que o software pode oferecer entre o estudante e objeto de ensino (p.14). [...] Verificar a utilização de um software educativo no ensino e aprendizagem de Matemática e as possibilidades de exploração no que diz respeito aos registros de representação e a interação do estudante no processo de construção do conhecimento (Resumo e p.14). DMP8: Questão: Como a utilização de Tecnologias Informacionais e Comunicacionais pode contribuir / redirecionar o ensino de Funções, Limites e Continuidade em disciplinas de Introdução ao Cálculo? (p. 16, 51 e 92). [...] Objetivo: Apresentar e discutir a utilização de TIC’s no Ensino de Cálculo como uma tendência da Educação Matemática (p. 16 e 52). DMP9: Questão: Como os estudantes do curso de Licenciatura em Matemática da modalidade EaD da UFOP planejam, implementam e avaliam atividades exploratórias realizadas em Ambientes Educacionais Informatizados utilizando softwares educacionais? (p.13, 65 e 91). [...] Objetivos: Verificar o papel das Tecnologias Informacionais e Comunicacionais na formação de professores de Matemática na modalidade de Educação a Distância (Resumo). Implementar e observar o desenvolvimento de uma proposta de trabalho com atividades exploratórias planejadas, num ambiente informatizado, com estudantes de um curso de Licenciatura em Matemática na modalidade EaD (p.13). Identificar o grau de informação e de envolvimento dos estudantes do curso de Licenciatura em Matemática da modalidade EaD da UFOP em relação à utilização das Tecnologias Informacionais e Comunicacionais no ensino de Matemática. Apresentar diversas atividades exploratórias de Matemática planejadas pelo pesquisador, para implementação e avaliação pelos estudantes, em Ambientes Educacionais Informatizados. Investigar os estudantes no planejamento, implementação e avaliação de atividades exploratórias de Matemática utilizando
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softwares educacionais, voltadas para o ensino de Matemática nos níveis fundamental e médio (p. 65). DMP10: Questão: Como as pesquisas na área de Educação Matemática que trazem resultados importantes sobre a aprendizagem podem contribuir para a organização do ensino de Funções trigonométricas que potencialize boas situações de aprendizagem aos alunos? (p.18, 49, 59 e 226). Como a atuação do professor de matemática se revela, no que se refere às atividades de planejamento do ensino de funções trigonométricas, de forma compatível com uma perspectiva construtivistas da aprendizagem? (p.18, 59 e 230). [...] Objetivo: Construir, discutir e avaliar uma Trajetória Hipotética de Aprendizagem (THA) a respeito do tema Funções Trigonométricas (p.16). DMP11: Questão: Quais as possibilidades de mobilização das formas de pensamento matemático no estudo de transformações geométricas? (p.17). [...] Objetivo: Investigar as possibilidades de mobilização das formas de pensamento matemático no estudo das Transformações Geométricas no Plano (p. 76). DMP12: Objetivo: Construir um ambiente virtual de aprendizagem sobre tópicos de geometria analítica plana e sua aplicação (Resumo). O objetivo deste trabalho foi a construção de um AVA para o ensino significativo de Geometria Analítica, com a utilização de visualizadores 3D idealizados no GeoGebra, permitindo ao aluno visualizar e manipular o espaço tridimensional e seus objetivos sob vários “pontos de vista” (p.16, grifo do autor). DMP13: Questões: Quais são as possibilidades e dificuldades de professores de matemática ao utilizarem o software GeoGebra em atividades que envolvem o Teorema de Tales? (p.31). Qual a importância da utilização do software GeoGebra no Ensino do Teorema de Tales, no que se refere ao aspecto pedagógico? De que forma o professor de Matemática utiliza-se do computador para elaborar estratégias na abordagem de atividades que envolvem o Teorema de Tales? (p.32) [...] Objetivo: Verificar quais são as dificuldades e possibilidades de professores de Matemática ao utilizarem o software Geogebra em atividades envolvendo o Teorema de Tales. [...] Investigar qual seria o papel das tecnologias no eventual trabalho didático dos professores em relação ao Teorema de Tales (p.32).
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Embora os trabalhos DMA3, DMP10, DMP11 e DMP12 não façam referência à formação de professores de Matemática na(s) questão(ões) e no objetivo de investigação, eles foram selecionados porque na: •
DMA3 o grupo investigado envolvia professores de Cálculo Diferencial e Integral, disciplina que faz parte dos cursos de formação de professores de Matemática no Brasil;
•
DMP10 a pesquisadora construiu Trajetórias Hipotéticas de Aprendizagem (THA) que foram aplicadas e avaliadas por 2 professores da Educação Básica. Esses professores reuniram-se com a pesquisadora após a aplicação para discuti-la e avaliála;
•
DMP11 a pesquisadora aplicou sua proposta de ensino com alunos de um curso de Licenciatura em Matemática e de Especialização;
•
DMP12 o pesquisador, após construir um ambiente virtual de aprendizagem a respeito de tópicos de geometria analítica plana, utilizou-o com alunos de um curso de Licenciatura em Matemática.
Eixos temáticos Na busca por estudar eixos temáticos nos trabalhos investigados, observamos que as pesquisas buscaram explicitar potencialidades, influências e contribuições do GeoGebra para os processos de ensino e de aprendizagem de futuros professores, bem como impressões e práticas de professores e de futuros professores de Matemática a respeito de seu uso. Esses trabalhos envolvem: a)
professores de Matemática que atuam na Educação Básica (DMA2, DM5, DMP7, DMP10, DMP13);
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b)
cursos de Licenciatura em Matemática (presencial e a distância), investigando prática de potenciais professores formadores (DMA3) e situações de aprendizagem de futuros professores (T1, DMA4, DMA6, DMP8, DMP9, DMP11, DMP12).
Constatamos a existência de quatro eixos temáticos nos trabalhos analisados quanto a propostas de utilização do GeoGebra na formação de professores de Matemática. Esses eixos referem-se: •
à aprendizagem de professores e futuros professores quanto a conteúdos matemáticos;
•
à análise de professores e futuros professores quanto as potencialidades didáticopedagógicas do GeoGebra;
•
ao desenvolvimento de formas de pensamento matemático por futuros professores e estudantes de um curso de especialização;
•
à análise da prática pedagógica de potenciais formadores de professores de Matemática.
Discutimos a seguir cada um desses eixos, relacionando-os com informações presentes na literatura revisada.
Aprendizagem de professores e futuros professores quanto a conteúdos matemáticos O uso das TIC exige do professor e do futuro professor bases epistemológicas e conhecimentos distintos dos que estão presentes no ensino tradicional. De acordo com Valente (2003), não se trata apenas de criar condições para o professor dominar o computador ou o software, mas também se faz necessário auxiliá-lo a desenvolver conhecimentos a respeito do conteúdo e de como o computador pode ser utilizado no desenvolvimento deste conteúdo. Dentre os trabalhos analisados, identificamos quatro que privilegiam a aprendizagem de professores (DMA5) e futuros professores de Matemática (DMA6, DMP8, DMP12) a respeito de conteúdos matemáticos com o uso do GeoGebra.
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Os conteúdos contemplados nesses trabalhos foram: DMA5 - Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica, DMA6 - Função polinomial do terceiro grau, DMP8 – Funções Limites e Continuidade, DMP12 - Tópicos de Geometria Analítica Plana. Além da aprendizagem dos respectivos conteúdos, as propostas discutiam a utilização do software GeoGebra, contemplando aspectos instrumentais relacionados a formas de propor tarefas. O uso do GeoGebra pode criar um ambiente favorável a superação de dificuldades relacionadas à construção de conceitos e ideias matemáticas. Para isso, é necessário que se explore o seu caráter dinâmico e sejam propostas tarefas que favoreçam a investigação matemática. Não basta instrumentalizar o professor e o futuro professor com mais uma ferramenta. É necessário que as discussões, nos cursos de formação (inicial e continuada), promovam reflexões que permitam analisar essa ferramenta em um paradigma no qual o indivíduo possa construir novos conhecimentos matemáticos, tendo em conta seus conhecimentos prévios, aspectos históricos e sociais da evolução desses novos conhecimentos. Essas reflexões podem auxiliar o professor e o futuro professor a sistematizar relações entre diferentes conhecimentos, esclarecer vínculos e avaliar resultados e aplicações desse novo conhecimento.
Análise de professores e futuros professores quanto as potencialidades didáticopedagógicas do GeoGebra Investigar o modo como professores (DMA4, DMO9) e futuros professores (DMA2, DMP7, DMP10, DMP13) analisam as potencialidades didático-pedagógicas do software GeoGebra nos processos de ensino e aprendizagem da matemática foi o eixo da maioria dos trabalhos analisados. As propostas presentes nos trabalhos analisados envolveram a análise de potencialidades didático-pedagógicas do GeoGebra: •
em atividades de geometria dinâmica (DMA4);
•
em atividades exploratórias em ambientes educacionais informatizados (DMP9);
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•
enquanto mediador da aprendizagem (DMA2);
•
nas interações entre estudantes e objeto de ensino (DMP7);
•
no estudo de diferentes tipos de registro de representação de um mesmo objeto matemático (DMP7);
•
em uma Trajetória Hipotética de Aprendizagem (DMP10).
Os conteúdos matemáticos privilegiados foram: geometria plana, estudo de funções polinomiais do 1º grau, funções trigonométricas e Teorema de Tales. Em alguns trabalhos, professores e futuros professores foram desafiados a elaborar, discutir, avaliar e aplicar tarefas matemáticas envolvendo o GeoGebra em sala de aula, a fim de identificar dificuldades, influências, procedimentos e contribuições. Apesar de o GeoGebra viabilizar o estabelecimento de relações entre a geometria e a álgebra, e a percepção de diferentes tipos de registro de representação de um mesmo objeto matemático, esses não foram muito explorados nas propostas analisadas. Kenski (2007, p.44) ressalta que a “presença de uma determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira de organizar o ensino”. No entanto, os cursos de formação de professores dariam a sua contribuição na medida em que, considerando o caráter dinâmico do GeoGebra, fossem exploradas diferentes formas de interação entre o estudante e o objeto matemático, de estabelecer relações internas entre os objetos matemáticos, de dinamizar as aulas propiciando a realização de simulações, a validação de ideias prévias, a experimentação, a criação de soluções e a construção de novas formas de representação mental. No processo de formação é preciso ter em conta a complexidade e singularidade da sala de aula, de modo a desafiar os professores e futuros professores a buscar formas alternativas de organização e gestão dos processos de ensino e de aprendizagem, valorizando as interações entre os alunos, entre o aluno e o professor, bem como a comunicação e o estudo da natureza das tarefas a serem trabalhadas em sala de aula.
Desenvolvimento de formas de pensamento matemático por professores e futuros
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professores A necessidade de criar ambientes de aprendizagens que possibilitem o surgimento de formas alternativas de pensar e de agir, que valorizem o experimental como ponto de partida para abstrações e que tragam significados para o estudo da Matemática, está presente em pesquisas e propostas curriculares. No decorrer da análise, encontramos dois trabalhos que privilegiam o desenvolvimento de formas de pensamento matemático, a partir do uso do GeoGebra na formação inicial (T1, DMP11) e continuada (DMP11) de professores. As demonstrações, as provas e as transformações geométricas no plano utilizando o GeoGebra aparecem como alternativa para o desenvolvimento de conjecturas, argumentações, construção do raciocínio hipotético-dedutivo e articulações entre níveis de raciocínio geométrico. Um modelo presente na literatura que descreve as características do pensamento geométrico é chamado de Modelo ou Teoria de Van Hiele. Esse Modelo concebe cinco níveis de desenvolvimento do pensamento geométrico: a visualização, a análise, a dedução informal, a dedução formal e o rigor. Pesquisas como a de Purificação e Soares (1998) investigaram o uso do software Cabri-Géomètre II para o desenvolvimento desses níveis de pensamento e concluíram que o software favorece a passagem de um nível para o outro. Alves e Sampaio (2010) destacam que a utilização do computador no ensino da geometria exerce uma especial importância na questão da visualização e, na teoria de Van Hiele, o reconhecimento visual é o primeiro nível do pensamento geométrico. De acordo com estes autores, a visualização e identificação do objeto geométrico são caracterizadas como um passo preparatório para o entendimento da formalização do conceito, o desenvolvimento dos demais níveis de pensamento. O software GeoGebra, com suas ferramentas que permitem arrastar, modificar sem alterar propriedades do objeto, favorece a visualização e a formação de diferentes imagens referentes a um mesmo objeto. Os professores e futuros professores precisam desenvolver e reconhecer diferentes formas de pensamento para que possam aceitar, valorizar e utilizar as formas de pensamento de seus alunos nas interações em sala de aula.
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Análise da prática pedagógica de potenciais formadores de professores de Matemática Como já destacamos anteriormente, a introdução do computador no âmbito educacional não garante novas práticas pedagógicas. Professores e futuros professores precisam refletir a respeito de como as tecnologias da informática podem apoiar sua prática. Para Richit (2010), a formação de professores, no contexto das TIC, deve promover reflexões a respeito da prática pedagógica, de como o professor pode aliar estes recursos ao seu fazer docente. Um dos trabalhos (DMA3) analisados investigou a prática pedagógica de professores de Cálculo Diferencial e Integral, na busca de identificar aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento, presentes nessa prática, que envolvia a utilização do GeoGebra. Analisar, discutir e avaliar práticas pedagógicas alternativas considerando resultados de pesquisas pode auxiliar o professor e o futuro professor a refletir acerca da sua própria prática. Nesse sentido, Valente (1999) ressalta que a formação do professor deve promover situações para que o professor construa conhecimentos a respeito de técnicas computacionais, entenda por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica e seja capaz de superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica. Para este autor, essa prática possibilita a transição de um sistema fragmentado de ensino para uma abordagem integradora de conteúdos, voltada para a resolução de problemas específicos do interesse de cada aluno. Para Richit (2010), a mudança da prática pedagógica não tem, até o momento, acompanhado o avanço tecnológico. Desse modo, consideramos “que a questão da formação do professor mostra-se de fundamental importância no processo de introdução da Informática na Educação, exigindo soluções inovadoras e novas abordagens que fundamentem os cursos de formação” (VALENTE, 1999, p. 19). No Quadro 3, associamos cada trabalho aos seus respectivos eixos temáticos e sujeitos envolvidos.
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Quadro 3: Eixos Temáticos Sujeitos investigados Eixos Temáticos
Futuros professores de Matemática - Função polinomial (DMA6)
Aprendizagem de conteúdos matemáticos:
- Funções, Limites, Continuidade (DMP8)
Professores de Matemática
Professor formador de professores de Matemática
- Geometria Euclidiana e Geometria Hiperbólica (DMA5)
- Tópicos de geometria plana (DMP12) - em atividades de geometria dinâmica para alunos do Ensino Médio (DMA4)
Análise das potencialidades didático/pedagógicas:
- em atividades exploratórias em Ambientes Educacionais Informatizados (DMP9)
- como mediadora da aprendizagem (DMA2) - nas interações entre estudantes e objeto de ensino; no estudo de diferentes tipos de registros de representação de um mesmo objeto matemático (DMP7) - em uma Trajetória Hipotética de Aprendizagem - THA a respeito de Funções Trigonométricas (DMP10) - no ensino do Teorema de Tales (DMP13)
Desenvolvimento de formas de pensamento matemático:
- no estudo de provas e demonstrações (T1) - no estudo de Transformações Geométricas no Plano (DMP11)
- no estudo de Transformações Geométricas no Plano em um curso de especialização (DMP11)
Análise da prática pedagógica:
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- no ensino de Cálculo Diferencial e
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Integral na busca de identificar aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento dessa prática (DMA3)
Algumas considerações O que moveu este estudo foi a busca de compreender quais discussões têm sido privilegiadas e conhecer as perspectivas presentes em dissertações e teses brasileiras a respeito da utilização do software GeoGebra na formação de professores de Matemática. Embora seja notório que, em muitos casos, o uso das TIC em sala de aula se configura como um obstáculo para alguns professores, devido à insipiência ou ausência completa dessa temática no seu processo de formação, com este estudo foi possível observar que ainda existem poucas pesquisas com propostas de uso das TIC envolvendo a formação de professores. Na maioria dos trabalhos analisados é discutido como professores e futuros professores analisam potencialidades pedagógicas do GeoGebra em sala de aula. De modo geral, os eixos temáticos identificados apontam para contribuições do software nos processos de ensino e de aprendizagem de conteúdos matemáticos. Com relação aos conteúdos matemáticos privilegiados nos trabalhos, destacamos o estudo da Geometria Plana e das Funções. Sem a intenção de sermos prescritivos, consideramos que nos cursos de formação de professores (inicial e continuada), ao trabalhar com o uso das TIC, podem ser oferecidos momentos nos quais eles tenham a oportunidade de: - analisar um software como uma ferramenta que permite ao aluno construir novos conhecimentos matemáticos, tendo em conta seus conhecimentos prévios, aspectos históricos e sociais da evolução desses novos conhecimentos; - refletir a respeito da necessidade de, durante e após o uso do software, sistematizar relações entre diferentes conhecimentos matemáticos, esclarecendo vínculos e avaliando
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resultados e aplicações desse novo conhecimento; - investigar diferentes formas de utilizar o software para dinamizar as aulas, promovendo a interação entre o aluno e o objeto matemático, a realização de simulações, a validação de ideias prévias, a experimentação, a criação de soluções e a construção de novas formas de representação mental; - elaborar propostas alternativas de organização e gestão dos processos de ensino e de aprendizagem, por meio do uso do software, de modo a valorizar as interações entre os alunos, entre o aluno e o professor, bem como a comunicação e o estudo da natureza das tarefas a serem trabalhadas em sala de aula; - analisar e reconhecer diferentes formas de pensamento e de registros, provocadas pelo uso do software, para que se possam aceitar, valorizar e utilizar as formas de pensamento de seus alunos nas interações em sala de aula; - estudar, discutir e avaliar práticas pedagógicas que contemplem o uso de software para que possam criar uma cultura de reflexão a respeito da própria prática. Como já afirmamos anteriormente, com essas propostas não temos a pretensão de esgotar os possíveis modos de se explorar o uso de softwares na formação de professores de Matemática, tampouco torná-las prescritivas. Acreditamos que esta iniciativa fornece aos formadores um conjunto de alternativas que podem contribuir para o desenvolvimento profissional de professores de Matemática que atuarão na Educação Básica.
Notas *Pós-doutorado Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Professora do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina - UEL. E-mail: marciacyrino@uel.br **Doutoranda do Programa Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina. Professora do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública Estadual do Paraná e da Faculdade de Apucarana – PR. E-mail: loreni@ibest.com.br 1
TIC – sempre que mencionarmos TIC referimo-nos às Tecnologias da Informação e Comunicação.
2
Disponível no site http://www.GeoGebra.org/cms/.
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Um dos trabalhos não enfatizou o conteúdo matemático.
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Referências ALVES, G. S. ; SAMPAIO, F. F. O. Modelo de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico de Van Hiele e Possíveis Contribuições da Geometria Dinâmica. Revista de Sistemas de Informação da FSMA, nº 52010, p. 69-76. BALDINI, L. A. F.; CYRINO, M. C. C. T. Função seno - uma experiência com o software GeoGebra na formação de professores de Matemática. Revista 1ª. Conferência Latino Americana de GeoGebra. v.1, nº 1, p.CL - CLXIV, 2012. BELFORT, E. Utilizando o Computador na Capacitação de Professores. In: CARVALHO, L. M.; GUIMARÃES, L.C. (Org.). História e Tecnologia no Ensino da Matemática. Rio de Janeiro: IME-UERJ, cap. 3, 2002. p. 39-50. BORBA, M. C.; PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2001. GRAVINA, M. A.; SANTAROSA, L. A aprendizagem da matemática em ambientes informatizados. IV Congresso Ribie. Brasília: 1998. Disponível na Internet: http://www.mat.ufrgs.br/~edumatec/artigos/artigos.htm, acessado em 25/08/2012. KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. São Paulo: Papirus, 2007. PONTE, J. P.; OLIVEIRA, H.; VARANDAS, J. M. O Contributo das Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento do Conhecimento e da Identidade Profissional. In: FIORENTINI, D. (Ed.). Formação de professores de Matemática: Explorando novos caminhos com outros olhares. Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 159-192. PURIFICAÇÃO, I.; SOARES, M. T. C. Cabri-Géomètre e Teoria de Van Hiele: Possibilidades de Avanços na Construção de Conceito de Quadriláteros. Revista do Departamento de Teoria e Prática da Educação, v.4, nº. 8 – Junho/2001, p. 73-91. RICHIT, A. Aspectos Conceituais e Instrumentais do Conhecimento da Prática do Professor de Cálculo Diferencial e Integral no Contexto das Tecnologias Digitais. Dissertação de Mestrado. Rio Claro, 2010. RICOY, M. C.; COUTO, M. J. V.S. As TIC no Ensino Secundário na Matemática em Portugal: a perspectiva dos professores. Revista Latinoamericana de Investigación em Matemática Educativa- Relime, v. 14, p. 95 – 119, 2011. VALENTE, J. A. Formação de Educadores para o uso da informática na escola. Campinas,
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S達o Paulo: UNICAMP/NIED, 2003. VALENTE, J.A. (Org.). O Computador na Sociedade do Conhecimento. Campinas: Unicamp/Nied, 1999. Recebido em Agosto de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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A DINÂMICA DA COMUNICAÇÃO NAS DISCIPLINAS DE PRÁTICA PEDAGÓGICA DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Sandra Regina D’ Antonio* Universidade Estadual de Maringá sandradantonio@hotmail.com Regina Maria Pavanello** Universidade Estadual de Maringá reginapavanello@hotmail.com RESUMO O presente trabalho apresenta parte de pesquisa que teve por objetivo investigar o discurso e as práticas pedagógicas desenvolvidas nas aulas de Teoria e Prática Pedagógica ofertadas aos alunos do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Maringá – UEM, a fim de verificar: a) qual tem sido a contribuição destas disciplinas no processo de construção dos saberes docentes e no desenvolvimento de práticas mais comunicativas e reflexivas em sala de aula e b) como o discurso dos professores formadores influencia a prática dos futuros professores. Isto porque a construção do conhecimento apóia-se, de maneira primordial, no uso de práticas que possibilitem aos discentes tornar públicos seus pensamentos, suas ideias, bem como comparar, negociar e modificar suas representações, concepções e crenças. Palavras–chave: Comunicação. Formação de Professores em Matemática. Saberes e Competências Docentes.
THE DYNAMICS OF COMMUNICATION SUBJECTS IN PRACTICE TEACHING DEGREE COURSE IN MATHEMATICS OF THE STATE UNIVERSITY OF MARINGÁ ABSTRACT This work makes a diagnosis of the course whose aim is to provide initial teacher training in Mathematics in State University of Maringá. The research, in the form of discourse analysis and teaching practices, was developed by observing the lessons of Educational Theory and Practice courses offered to future teachers in order to verify the contribution of these disciplines; a) in the RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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construction of teacher knowledge and in the development of a more communicative and reflective classroom, and b) the influence of the discourse of the professors responsible for these courses in the practice of future teachers. This is necessary because the construction of knowledge rests, essentially, in the use of practices that enable students’ ideas, thoughts, ideas to be made public, as well as let them to compare, negotiate and modify its representations, conceptions and beliefs. Keywords: Communication. Teacher Training in Mathematics. Teaching Knowledge and Skills.
Introdução A atividade docente realiza-se numa rede de interações com outras pessoas, num contexto em que o elemento humano torna-se determinante. Essas interações, mediadas por diversos canais da comunicação1 (discurso, comportamento, gestos, entonação de voz, abertura de turnos de fala, etc.), não exigem, todavia, dos professores apenas um saber a respeito do objeto de conhecimento, nem tampouco, um saber a respeito da prática destinado principalmente a objetivá-la, mas sim, a capacidade de compartilhar esses saberes a partir de um rico processo de interação com seus alunos. Como aponta Tardif (2002), o processo de interação entre alunos e entre professor e alunos não representa um aspecto secundário ou periférico do trabalho docente, mas constitui o seu núcleo e, por isso, determina a própria natureza dos procedimentos e do ensino. Para Flores (1998), aprender a ensinar é um processo ativo que toma como referência o conhecimento do futuro professor bem como suas crenças prévias a respeito dos saberes matemáticos e do processo de ensino e aprendizagem nessa área, conhecimento e crenças que são partilhados e reestruturados a partir da ação e da comunicação. Contudo, a comunicação em matemática tanto pode visar não apenas à transmissão de informações como pautar-se em um processo de construção de significados a partir da interação social, dependendo das duas possíveis formas, apontadas por Godino e Llinares (2000), de se conceber o ensino de matemática: ou se considera essa ciência como um campo de verdades já existentes e documentadas que devem ser aceitas, independente dos indivíduos; ou como uma ciência cujos conceitos são partilhados e construídos a partir de regras e normas que emergem da RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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própria ação, pautando-se no ato da comunicação. Para Ponte et al. (2007), ao considerarmos a matemática como um conjunto de verdades objetivas corremos o risco de entender o ensino como um simples processo de transmissão entre dois ou mais indivíduos, o que implica em reduzi-la, torná-la linear e exterior aos alunos. O papel do professor sob este enfoque é o de tornar claras as mensagens emitidas para os alunos, utilizando em seu discurso constantes redundâncias como forma de reforçar o conteúdo da mensagem e assegurar seu processo de transferência. Ao considerarmos a matemática como um processo de construção cultural partilhado pelos intervenientes e as aulas centradas no processo de interação entre alunos e entre professoraluno, poderemos vê-la e caracterizá-la, segundo o autor (PONTE, et al., 2007), em seu aspecto mais amplo pautado na negociação de significados e nas formas de compreensão partilhada em que os conceitos podem ser construídos e re-construídos por meio de processos interacionais que dão sentido às mensagens compartilhadas. A aprendizagem, neste sentido, converter-se-á num processo de comunicação e reflexão em que o professor não se limitará à simples transmissão de um conhecimento matemático estabelecido e codificado, mas pautará suas ações num conjunto de tarefas diversificadas e não rotineiras que impulsionarão os alunos a partilharem conceitos prévios, com vistas à negociação de significados e à construção de novos conhecimentos matemáticos. Para D’Ambrósio (1993), a construção de uma visão matemática somente pode ocorrer em “um ambiente em que os alunos propõem, exploram e investigam problemas matemáticos. Esses problemas provêm tanto de situações reais (modelagem), como de situações lúdicas (jogos e curiosidades matemáticas) e de investigações e refutações dentro da própria matemática” (p. 37). Como assinalam Bishop e Goff (1986, apud PONTE, 2007, p.8), novas ideias só se tornarão significativas à medida que os alunos, por meio da troca entre seus pares e com o professor, forem capazes de estabelecer conexões entre o pensar a respeito da matemática e os aspectos de seu conhecimento pessoal, visto que, como ressaltam Soares e Sauer (2004),
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Uma nova experiência é comparada com outras e hipóteses são elaboradas, verificadas, confrontadas, explicadas enquanto outras expectativas são criadas e assim por diante. Neste cenário o professor é um provocador que instiga a mente dos alunos, fazendo-os pensar, ter idéias, refletir, dar explicações, tomar decisões atuando em equipes de forma colaborativa (p.254).
Deste modo, é fundamental em sala de aula a utilização de estratégias que privilegiem a comunicação e a negociação de significados, modificando e adequando a linguagem matemática e buscando esquemas e generalizações de resultados, a construção de exemplos e contraexemplos relevantes com o objetivo de confirmar ou não relações matemáticas, quer na apresentação de conjecturas, na elaboração de estratégias de resolução de problemas ou na exploração de novos caminhos (PONTE et al., 2007). Como afirma Roos (2007), torna-se importante que o futuro docente perceba a matemática como uma forma de linguagem produzida e utilizada socialmente como representação do real e da multiplicidade de fenômenos propostos pela realidade. Somente assim será possível romper com a concepção de um conhecimento pronto e acabado e passar a enxergála como um saber construído e organizado pela humanidade de acordo com suas necessidades. Para que isso ocorra de fato, faz-se necessário, porém, que o docente possua uma formação sólida e seja capaz de assegurar a direção do processo de comunicação em diversas situações, inclusive nas mais complexas e imprevisíveis (PONTE et al., 2007). Para García e Blanco (2003), ao refletir e comunicar suas ideias é que os professores desenvolvem seu conhecimento e constituem-se como profissionais, visto que é por meio da comunicação, isto é, das interações discursivas, que o futuro docente pode não só transformar o outro como ser transformado pelos demais, pois os envolvidos no processo comunicativo “enquanto comunicam suas idéias aprendem a clarificar, refinar e consolidar seu pensamento” (NCTM, 1991, p. 119). Assim, a realização de discussões amplamente participadas é, segundo Ponte et al. (2007), uma atividade com importantes potencialidades para promover negociação de significados e, deste modo, a aprendizagem da matemática. Isto porque o processo de interação gera disparidade de opiniões, podendo ocasionar conflitos e desequilíbrios sociocognitivos que
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desencadearão novas aprendizagens e possibilitarão a construção de novos saberes. Se, conforme Roos (2007), o saber só poderá assumir uma forma de objeto de aprendizagem por meio de ricos processos de comunicação e interação, tal construção não terá sentido algum se não estiver relacionada à prática, pois, neste caso, se reduziria apenas ao simples domínio de uma atividade. Torna-se necessário, pois, oferecer ao docente um ambiente em que atividades investigativas e ideias matemáticas sejam exploradas sob múltiplos sentidos (históricos, sociais, culturais, éticos, políticos etc.) e representações (conceituais, formais, aritméticas, algébricas, geométricas, lógicas etc.). E fazer isso em uma prática em que o conceito não tenha o estatuto de um objeto a ser contemplado ou exposto em um discurso, mas de um instrumento para a resolução de problemas, a construção de novos conceitos, bem como para a produção de novos saberes. Deste modo, o ato de aprender para a docência “não é um mero domínio de técnicas, de habilidades, nem a memorização de algumas explicações e teorias é, por excelência, a capacidade de explicar, de apreender, de compreender e enfrentar criticamente novas situações” (D’ AMBRÓSIO, 1998, p.120). Logo, ao pensarmos na formação docente, especialmente no que tange à área de matemática, devemos ter em mente que tal formação deve perpassar os limites do incomunicável e da racionalidade técnica, indo além da simples transmissão de teoremas, proposições e axiomas. Essa formação deve partir dos conhecimentos trazidos pelo futuro docente, aprofundando-os ou modificando-os quando necessário, a partir de uma prática pautada em estratégias que privilegiem o uso da comunicação, da ação e da interação entre seus pares com vistas à construção de saberes relevantes e condizentes com a realidade que o futuro docente irá enfrentar. Para possibilitar uma aprendizagem matemática significativa para o futuro docente, é necessário que seus formadores estabeleçam, constantemente, a articulação entre os conceitos matemáticos e a prática docente, dando sentido e significado à apresentação de tais conceitos, com vistas a desenvolver em seus alunos capacidades cognitivas de ordem superior, ou seja, capacidades que lhes possibilitem, além de conhecimentos profundos a respeito dos conceitos
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matemáticos que fazem parte do currículo escolar, a oportunidade de conhecer o alcance dos significados e sentidos atribuídos por estes futuros docentes às suas palavras (ROOS, 2007). Para Fiorentini (2003), não se trata apenas de um conhecimento operacional, mas de algo mais complexo, que se pauta em ações que privilegiam uma formação sólida e multidimensional caracterizada, principalmente, pela habilidade do professor em promover a compreensão do aluno, baseando-se em uma renegociação de seu próprio conhecimento matemático. E é somente dando ao aluno a oportunidade de intervir e participar, sempre que achar necessário, em uma relação rica e dialógica, pautada no uso genuíno da comunicação, que os futuros docentes poderão ter acesso às formas culturais de pensamento e ações docentes significativas pautadas na construção de uma profissionalidade interativa. Profissionalidade que [...] consiste no desenvolvimento da capacidade dos profissionais trabalharem colaborativamente num ambiente de diálogo e interação, onde discutem, analisam, refletem e investigam sobre seu trabalho, buscando compreendê-lo e transformá-lo, desenvolvendo-se como pessoas e profissionais (FULLAN; HARGREAVES, 1997 apud FIORENTINI; NACARATO, 2005, p. 142).
Somente assim é que os futuros docentes serão chamados a tornarem-se protagonistas de sua própria formação com vistas à aquisição de conhecimentos e saberes que serão relevantes à sua prática.
A pesquisa Compreendendo a importância de uma formação pautada no bom uso da comunicação como ressaltada em estudos como os de Ponte et al. (2007), Godino e Llinares (2000), Garcia e Blanco (2003), desenvolvemos esta pesquisa com vistas a analisar se e como as disciplinas de Teoria e Prática Pedagógica I, II, III e IV do curso de licenciatura em Matemática da UEM contribuem para a formação do futuro professor de Matemática.
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Para alcançar os objetivos almejados, observamos (gravamos e, posteriormente, transcrevemos) um total de 54 aulas no período de junho de 2010 a novembro de 2011. Neste artigo, apresentamos a análise das aulas de três professores que atuavam na área da Educação Matemática. Dois deles, os professores (A) e (B), são professores efetivos do departamento de Matemática, cuja formação em nível de pós-graduação (mestrado e doutorado) é na área de Matemática, e, o terceiro, o professor (C), é colaborador do departamento de Matemática, com mestrado na área de Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática. Para a análise dos fenômenos identificados, e pautando-nos nas pesquisas realizadas por Ponte et. al. (2007) e Brendefur e Frykholm (2000), distinguimos três classes distintas: a comunicação direcional, na qual o professor formador expõe um conceito ou teoria matemática com o objetivo de transmiti-lo sem, contudo, privilegiar momentos ou atividades em que se contemple significativamente a comunicação com os futuros docentes; a comunicação semiestruturada, na qual os conceitos matemáticos são abordados pelos futuros docentes e as trocas discursivas estabelecidas recaem sobre aspectos da matemática, que são, muitas vezes, abordados de forma pontual pelo professor formador sem ampla discussão com os futuros professores a respeito do assunto, e a comunicação reflexiva, que faz uso de perguntas e dinâmicas para abordar conceitos ou teorias matemáticas com uso frequente de atos comunicativos em que os futuros docentes as têm oportunidade de discutir, entre si e com o professor formador, expor opiniões e refletir a respeito de seus próprios conceitos, podendo desta forma reestruturar seu pensamento a partir dos questionamentos do professor formador. As duas primeiras apontam para a comunicação como organização e transmissão de informações; e a terceira enfatiza a comunicação como um processo de interação social. Não pretendemos, neste trabalho, esgotar todas as possibilidades de interpretação, mas sim, apresentar a que nos pareceu relevante nesta análise inicial.
A comunicação direcional
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Apresentamos, a seguir, excertos de aulas observadas, nos quais fica evidenciado que o ato comunicativo está longe de desempenhar a função descrita por Ponte et al. (2007) como um processo de interação social de contextos múltiplos em que trocas valiosas entre os intervenientes geram comunicação e reflexão. Os excertos descritos abaixo descrevem situações em que o futuro docente torna-se, muitas vezes, apenas ouvinte e expectador, limitando sua participação a responder a alguma questão levantada pelo professor formador cujo discurso ocupa a maior parte do espaço comunicativo em sala de aula. E é ele que, muitas vezes, responde suas próprias questões. O excerto destacado a seguir descreve uma situação em que a fala do professor formador domina a maior parte do tempo de aula. Momentos significativos de discussão e argumentação entre os futuros docentes ou entre estes e o professor formador não são privilegiados, restringindo-se a comunicação a respostas dos alunos a perguntas pontuais feitas pelo professor.
Professor formador (A): Bom, vamos lá! Estamos discutindo de maneira geral as dificuldades com símbolos matemáticos e pra isso escolhi este texto para estudar este tema, pois ele vai falar sobre o conhecimento matemático escolar e o conhecimento matemático acadêmico ou o conhecimento matemático científico. Então ta. Bom a gente falou na aula passada e escreveu cada um destes conhecimentos, aonde eles são produzidos, que difere um conhecimento do outro é em termos de produção, em termos de como lidar com esse conhecimento e falamos também um pouco sobre a transposição didática que é como esse conhecimento acadêmico ele remete para a sala de aula. Ta bom? Que bom! Ai nós começamos a discutir entrando um pouco mais né no como ensinar esse conhecimento científico, como ensinar esse conhecimento científico, porque primeiro vem o conhecimento científico e aí este conhecimento científico ele entra para a escola, certo gente, entra na sala de aula. Algumas delas, alguns destes conhecimentos recebem algumas transformações, né! Não é modificação ela não perde a sua essência, mas ela é adaptada para aquele nível. Ta seja no ensino fundamental, no ensino médio, ta bom? E mesmo no ensino superior e em cursos mais avançados esse conhecimento científico também sofre uma certa transformação, ta. Por isso que existem níveis o nível da graduação, o nível da especialização, o nível do mestrado, o nível do doutorado né. Então se você for olhar o programa de matemática, a matemática pura do mestrado, do doutorado, pós-doutorado você vai ver que tem coisas que se repetem, aliás, tem muita coisa que foi vista na graduação. Se você olhar, por exemplo, funções contínuas. Funções contínuas você vê na graduação, função contínua você vê no mestrado, função contínua você vê no doutorado, função contínua quem continua nessa área da matemática vai ver RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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no pós-doutorado e assim por diante, mas não é... é o mesmo assunto, mas não com a mesma ênfase ta. São acrescentadas novas teorias, novas concepções, são observadas novas facetas desse tema. Então mesmo quando há essa transposição didática ela só ocorre na educação básica. Claro que ela é muito mais visível, é muito mais perceptível e ela tem de ser muito mais cuidadosa quando a gente fala de educação básica, no ensino fundamental, pois isso é que vai dar o alicerce para toda estrutura cognitiva lógica do pensamento matemático que é a que se vai carregar no curso de graduação, no curso de pós- graduação, no mestrado, no doutorado e na sua carreira profissional. E falando em formação do professor a gente já falou em formação do professor, continuada e não continuada. Falando na formação continuada de professores isso ainda é mais importante, pois isso vai refletir na forma como o professor vai agir em sala de aula, ta então tudo isso é transposição didática. Então a gente falou de forma breve, pois não vamos ficar entrando em detalhes da teoria, mas nós vamos entrar agora em algumas particularidades né desse... de como esse conhecimento matemático acadêmico ele vai para a sala de aula. Apesar de o professor formador iniciar a aula fazendo referência à atividade desenvolvida em outro contexto, o uso desse importante recurso didático - o feedback - dispensa a participação dos alunos, pois não abre espaço para a negociação dos conceitos anteriormente trabalhados, nem com vistas à avaliação da assimilação dos conceitos pelos alunos dos aspectos considerados mais relevantes, nem com as possíveis incompreensões que por ventura surgiram. A retomada do assunto serve apenas para estabelecer relação com o que seria estudado na aula. Para Bishop e Goffree (1986) e Tardif (2000), o conhecimento dos alunos, suas concepções, pensamentos, experiências de vida devem ser valorizados, visto que, ao adentrar na instituição, o aluno não chega como um “recipiente vazio” prestes a ser preenchido por definições e teorias. Ao contrário, traz experiências, formas diferentes de pensar e compreender que precisam ser valorizadas para que novos conceitos possam ser por eles apropriados. Deste modo, o papel do professor formador consiste, essencialmente, em conhecer o aluno e ser capaz de explorar esse conhecimento maximamente (BISHOP; GOFFREE, 1986). Isso não parece acontecer nessa situação, visto que nesse excerto há ausência de construção social de saberes decorrente da argumentação, uma vez que o papel dos alunos se restringe à escuta da fala do professor. Outro ponto relevante diz respeito à fala do professor formador, que se mostra um tanto
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confusa. O docente aborda vários tópicos da Educação Matemática como a dificuldade com símbolos matemáticos, a transposição didática, o conhecimento escolar e científico, a formação continuada e não continuada de forma superficial, sem se aprofundar em nenhum desses pontos e sem de fato associá-los. Será que os alunos compreenderam com clareza essa fala? O professor formador, ao abordar aspectos da transposição didática, diz que “o conhecimento científico entra para a escola, entra para a sala de aula”, mas não esclarece a qual corrente de pensamento tal fala está associada, nem se de fato isso ocorre ou como ocorre. Em outro momento, diz que esses conhecimentos não se modificam, não perdem sua essência, são apenas adaptados ao nível de ensino, mas como é feita essa adaptação? Onde estão situados os conhecimentos do senso comum? Eles também não fazem parte do ambiente escolar? Será que os conhecimentos oriundos das ciências não sofrem modificações e, por vezes, não perdem sua essência em sala de aula? Qual a ideia subjacente sobre o que vêm a ser Matemática diante desse conceito? Estaria ela relacionada à ideias ou ferramentas? O que de fato ocorre em sala de aula, a “tradução de conceitos ou de ferramentas”? Por fim, o conceito de transposição didática é algo aceito sem contestação? Tais perguntas, apesar de não formuladas pelos alunos, poderiam indicar algumas das dúvidas ou questionamentos que poderiam ter surgido pelo fato de o professor formador abordar temas tão complexos de forma superficial e sem associação. Ao dar continuidade a sua fala, o professor formador aborda outro tópico, ‘as demonstrações nas aulas de matemática’, como podemos observar no excerto a seguir: Professor formador (A): (...) e ai a gente parou falando sobre demonstração né. Então qual a importância das demonstrações nas aulas de matemática. Então a gente discutiu um pouco disso ai do que a gente falou a aula passada do que vocês refletiram do que gente leu quem pode falar alguma coisa? O que podemos falar da demonstração nas aulas de matemática? Aluna: Há uma diferença entre a demonstração na matemática científica e na matemática escolar. Professor formador (A): Ah, sim claro, na matemática científica e na matemática escolar. Aluna: Tipo sobre o objetivo da demonstração nestes dois ambientes. Professor formador (A): Antes do objetivo, vamos falar da estrutura da demonstração. Eu vou falar um pouquinho da estrutura, da forma como é produzida, é concebida a RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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demonstração na matemática acadêmica, na matemática científica e na matemática escolar. Ta, então vamos falar disso. Na matemática científica como é a estrutura da demonstração? Aluno: Proposição. Professor formador (A): E qual a estrutura de uma demonstração por uma proposição? Aluno: Ah, verifica se existe uma lógica, dedução, trabalha com os dados aprovados... Professor formador (A): Verifica a lógica, dos dados aprovados e ai fala no teorema pede isso. O teorema já está demonstrado e eu não vou justificar, não é exemplificado, ta. A maioria das demonstrações científicas, ou melhor, isso aqui implica nisso, sabe por quê? Porque se você sair daqui e for fazer tal coisa... Não é assim, ta. Muitas delas nem teriam... Se você for procurar ver demonstrações de resistência de condução, por exemplo, de densidade e de solução... Suponha que isso não seja solução do problema tal. Ele não vai achar ali. Então suponha que existe. Se existe então ele vai satisfazer isso. Se satisfizer isso então o resultado tal daria tal coisa. Então ele vai, vai e chega e mostra que aquela proposição... Ou suponha que aquela solução não existe. Se essa solução não existe então ele vai chegar a uma contradição. Como essa contradição não pode acontecer então àquela proposição existe. Bom assim é a prova e isso pros matemáticos teóricos se eu imaginasse assim, entre outros, em diversas situações isso é suficiente ta. Eu preciso dai entender o seguinte: que eu preciso estar embasada em uma teoria que eu sei que não vai cair em contradição, não vai cair em nada que eu sei que será suficiente. (...) Qual a estrutura da demonstração na matemática escolar. Ela se utiliza da lógica, ela também tem hipótese embora muitos alunos não façam idéia do que é hipótese não é. É prove como é que é se o triângulo é isósceles é os ângulos... se você traçar uma paralela a base passando pelo ponto médio né este segmento vale metade do lado. Então o triangulo é isósceles essa é nossa hipótese não é aí ele fala todo triângulo é isósceles então o que você quer provar é que como este triângulo é isósceles como temos este argumento o comprimento deste segmento vale metade do comprimento da base mesmo não sendo simples para o aluno ele utiliza de hipótese, tem a tese e utiliza de toda esta estrutura lógica tá. A diferença é que o resultado apresentados na matemática são resultados já conhecidos ela já virou carne de vaca todo mundo já sabe e matemática pura e aplicada não esses resultados são construídos. Aluno: Professora e a linguagem também é diferente? Professor formador (A): E a linguagem também é diferente e a linguagem ela varia a cada nível, né. Então isso é o que as difere um pouco. E em termos de objetivo. Não tem como discutir objetivo na matemática científica por que a construção do conhecimento na matemática científica ela se dá a partir das demonstrações certo ou errado? Porque você tem uma afirmação lá que você não prova é o mesmo que você guardar. Ou senão você joga aquilo para a comunidade científica para que alguém prove. Isso foi o que Fermat, Hilbert provou fez e o que outros não é fizeram até hoje existem resultados que nunca foram provados e tem gente querendo provar ou que é verdade ou que é falso qualquer uma destas duas situações mais a demonstração na matemática cientifica é a base da construção do conhecimento correto? E o objetivo da demonstração na matemática RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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escolar? Aluno: Verificar de onde veio. Professor formador (A): De onde veio no sentido de verificar como esse resultado foi obtido. Perfeito. Aluno: Porque assim... Professor formador (A): Eu tenho a minha hipótese como é que dessa hipótese, dessa afirmação eu consigo chegar nesse resultado. E porque os alunos, e eu não estou falando dos alunos lá do ensino médio não, eu estou falando dos alunos do curso de matemática, e não é do primeiro ano não, é do terceiro ano, e as vezes até do quarto ano não é nas aulas de análise e de estruturas eles falam pro professor assim: Professor não cobra demonstração na prova. Não cobra demonstração não. Levanta a mão quem nunca perguntou isso ou pelo menos nunca quis perguntar isso. Até eu já perguntei. E a gente pensa assim não tem só exercício ele vai cobrar demonstração. Então qual a diferença do exercício e da demonstração? Aluno: Aí cai um exercício demonstre que... Alunos: (risos) Professor formador (A): É isso é exatamente isso que a gente responde. É exatamente isso! Ué o exercício não é o exercício da demonstração? Pra você fazer aquele exercício você não tem que ter compreendido aquela demonstração? Aquele assunto! Porque é a demonstração daquele assunto, daquele resultado que te dá o enquadramento daquele exercício.
A maior parte do discurso do professor é ocupada por questões que envolvem as demonstrações em nível científico, deixando o aspecto principal ‘a demonstração na matemática escolar’ para o final, como uma espécie de conclusão de seu pensamento. Ao mesmo tempo, enfatiza que a diferença entre elas está no fato de que os resultados apresentados na matemática escolar já são conhecidos, isto é, “viraram carne de vaca, todo mundo já sabe”, enquanto que “no campo da matemática pura e aplicada esses resultados são construídos”. Isso não poderia levar o aluno a subentender que os conceitos matemáticos seriam aqueles construídos apenas pelos matemáticos, com rigor e detalhes, bastando ao futuro docente apenas reproduzi-los no contexto escolar? Para Garnica (2002), a prova rigorosa é, sim, um elemento fundamental para entendermos a prática científica da matemática. Contudo, ao invés de usá-la como mero recurso técnico nos cursos de formação de professores, dever-se-ia enfocá-la por meio de uma
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abordagem crítica, que possibilitasse uma “visada panorâmica aos modos de produção e manutenção da ideologia da certeza” (p.4), para que, a partir disso, fossem produzidas formas alternativas de tratamento às argumentações sobre os objetos matemáticos em salas de aulas reais. Nesse sentido, a prova não pode ser vista como algo pronto e acabado, restrita apenas ao campo dos matemáticos. Assim, ao invés de reproduzi-las em sala de aula, deve-se possibilitar aos discentes momentos para avaliá-las, discuti-las e reconstruí-las, visando não só a descaracterizar a ideia de que “é restrita a gênios”, como também a permitir que os alunos se apropriem dos conceitos matemáticos nelas abordados, encontrando novos caminhos para validálas.
A comunicação semiestruturada Os fragmentos apresentados na sequência envolvem situações em que as trocas discursivas estabelecidas entre futuros docentes e professor formador recaem sobre aspectos da matemática, mas, longe de primarem por discussões significativas e pela ampliação dos conceitos abordados, resumem-se, muitas vezes, a correções pontuais do professor formador. Correções que não fomentam discussão mais profunda sobre o assunto, nem tampouco esclarecem as dúvidas que possam ter ocorrido. A situação a seguir descreve a aula dada por uma aluna - aqui designada por aluna regente - na classe do professor (B). Este, por meio de sorteio, havia indicado a cada aluno o conteúdo estruturante a ser abordado na preparação de suas aulas, deixando claro que estes deveriam utilizar como suporte delas as Tendências em Educação Matemática vistas anteriormente na disciplina.
Aluna regente: Bom, agora, aqui eu só vou passar para vocês conhecerem a pirâmide de base triangular certo? Aqui a gente tem a base triangular, porque a pirâmide pode ter base RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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quadrada ta. Aqui vai ser a altura da pirâmide né. E essa vai ser a planificação.
Aluna regente: Como eu não vou entrar em detalhes na pirâmide, então vai ser a área total igual a três a área do triângulo, mais essa da base que vai ser outro triângulo né. Só que aqui o que acontece é que a altura da pirâmide pode ser diferente da altura dessa altura da base aqui, tá aqui... Ta.. Ai aqui a gente também vai ter a pirâmide de base retangular que a base é um retângulo. Ai a gente vai ter quatro triângulos e um retângulo na base.
Aluna regente: E ai a gente pode falar em apótema né, que vai ser a altura da face... Da face lateral. Professor formador (B): O que que é apótema? Aluna regente: Apótema pode ser... Professor formador (B): Pode ser ou é? Aluna regente: É a altura da pirâmide, né? Professor formador (B): Nunca ouvi falar isso! Aluna regente: Não? Como não? Professor formador (B): Não! Eu já ouvi falar apótema, mas apótema não é isso. Aluna regente: Ah! Então é a altura da base. Professor formador (B): Não tem apótema Aluna regente: Esse aqui tem. Aluno regente: Só se for no quadrado. Professor formador (B): No quadrado tem apótema Aluna regente: É ,para o quadrado tem apótema. Professor formador (B): Polígono regular tem.
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Observa-se que dúvidas e inseguranças que foram surgindo durante a apresentação do conceito pela aluna regente não são explicadas ou discutidas amplamente pelo professor formador, o qual apenas corrige erros conceituais e definições mal formuladas, indicando que a aluna não apresenta domínio do conteúdo abordado. Para Ball (2001), os tipos de incertezas que surgem em classe, as maneiras pelas quais o docente responde a essas incertezas, bem como os tipos de mensagens acerca do porque os estudantes devem aprender as especificidades de um conteúdo ou estudar determinados conceitos matemáticos é que vão indicar as ideias que o professor deseja transmitir acerca da matemática a seus alunos. Como apontam Ponte et al. (1997), cabe ao professor propor questões, proposições e tarefas que facilitem, promovam e desafiem o pensamento e a reflexão dos alunos, bem como ouvir com atenção as ideias dos estudantes e intervir de forma significativa, não se esquivando de seu papel de formador para jogar ao aluno a inteira responsabilidade do domínio dos conceitos abordados em sala, como podemos observar no excerto a seguir.
Professor formador (B): Fala o problema Aluna regente: Assim, por exemplo, vocês estão lá na casa de vocês e vão cozinhar em uma panela de pressão bem grande, ai vocês querem saber a quantidade de água que você vai por nessa panela para não queimar ou até mesmo estragar etc. Ai você tem que calcular o volume do cilindro, certo? O volume do cilindro, a gente quer achar a capacidade ai você não vai ficar testando. Por exemplo, se você tem uma lata de dezoito litros uma lata bem grande, então o que eu quero saber é como fazer para preencher todo esse volume. Porque você acha o volume lá e pra você encher? Entendeu? Eu vou pegar um copinho, por exemplo. Então eu quero saber quantos desses copinhos eu vou precisar para encher a minha lata para que ela atinja todo o seu volume. Entendeu? Então isso é mais ou menos medindo eu iria mostrar, mas é meio compridinho. Professor formador (B): Não! É o problema que eu queria saber. Aluna regente: Era essa situação é. Ai o vídeo é meio comprido, mas iria mostrar toda essa questão que eu falei para vocês, vai falar do prisma, vai mostrar que todos os prismas têm a mesma... o mesmo volume, ou seja, embora o cilindro não seja um prisma ele tem o mesmo volume de um prisma. Então eu posso notar que todos os sólidos geométricos com bases paralelas... Professor formador (B): Como que é, embora não seja prisma tem a mesma forma de um prisma? RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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Aluna regente: É a mesma forma que a gente utiliza é área da base vezes a altura, o cilindro também tem a mesma forma, que um tetraedro, por exemplo, de um hexaedro de um cubo a área da base vezes a altura. Professor formador (B): O tetraedro também? Aluna regente: De um tetraedro não, o tetraedro não é prisma, pois não tem as bases paralelas certo? Como as pirâmides também não só que esses são casos a gente vai estudar mais pra frente. É mais ou menos isso que a gente tinha certo. Professor formador (B): Você não usou nenhuma das tendências esse tipo de questão que você passou ai não são problemas, isso são exercícios. Aluna regente: E os slides? Professor formador (B): Oi? Os slides não é uma mídia né. É a mesma coisa que um quadro, talvez o file e depois discutir. Se você tivesse começado do filme e discutido. Aluna regente: Mas eu ia falar de volume sem falar nada de área. Professor formador (B): Mas a área eles já tinham falado Aluna regente: Mas como o assunto era área e volume eu achei que teria de falar dos dois, eu pensei no filme, o filme era realmente interessante, ele dá uma motivação. Professor formador (B): Então com um filme você estaria usando a mídia, não em projetar o filme, mas fazer a discutição a partir do filme, pra discutir certo! Os problemas, isso não é problema nunca! Isso é exercício, tem um enunciado, mas é um exercício. Isso não é problema, problema não é isso. Problema a gente tem que pensar para resolver. Isso ai é aplicar tudo fórmula, isso é exercício. Vocês têm que sair desse curso sabendo diferenciar o que é um problema e o que é um exercício. O exercício você pode até dar, não que você não possa usar certo, mas não era objetivo nosso aqui, pois aqui é um dia só que vocês têm que apresentar e vocês têm que apresentar usando algumas das tendências então. Ao observarmos o trecho destacado, não podemos deixar de questionar se a aluna regente, diante dos conceitos anteriormente abordados em sala pelo professor formador, havia realmente compreendido com clareza o que caracterizaria o trabalho com a resolução de problemas, qual a diferença entre um problema e um exercício, o que seria ou não uma mídia, como desenvolver um bom trabalho utilizando as mídias. Da mesma forma, também questionamos se o professor formador, ao abordar esses conceitos, identificou possíveis incompreensões dos alunos, se o trabalho por ele desenvolvido em sala de aula foi realmente suficiente para clarear e elucidar todas as dúvidas que podem ter surgido durante o processo de comunicação de tais ideias em sala de aula. De acordo com Kenski (2001),
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O professor quando ensina cria um clima favorável ou não a partir da maneira como apresenta e desenvolve o tema com seus alunos. Através das mais diversas práticas e linguagens comunicativas, o professor reinterpreta os dados da informação e os transforma em mensagem, que vai ser recebida e recodificada pelos alunos. Não apenas puro saber e nem somente sensações, mas um conjunto complexo em que se misturam raciocínios lógicos, sentimentos, emoções e, sobretudo, valores que permanecem agregados às informações apresentadas (KENSKI, 2001, p. 102).
Como apontam Bishop e Goffree (1986), no contexto da sala de aula, as interações discursivas realizadas sob a forma de perguntas e respostas deveriam servir para tornar públicos, conhecidos, os significados que as partes envolvidas têm sobre um objeto de conhecimento, para revelar o pensamento dos interlocutores, explicando-os melhor e clarificando-os nessa interação, o que não ocorre na situação descrita. A comunicação reflexiva Apesar de ocorrer com menor ênfase, a situação descrita a seguir evidencia momentos em que o uso de boas perguntas, dinâmicas e atos comunicativos mais abertos possibilitam não só a reflexão a respeito dos conceitos tratados na aula, como também permitem que, a partir da exposição de crenças e opiniões, alunos e professor possam refletir a respeito de seus próprios conceitos, podendo, desta forma, reestruturá-los e, assim, ampliar e/ou modificar suas concepções. Tal situação se desdobra nas aulas do professor formador (C) que, pela escolha de estratégias diferenciadas, privilegia o uso da comunicação não como mera transmissão de conceitos, mas como momento de interação social entre os intervenientes. Na situação ilustrada a seguir, o professor formador (C), tendo percebido que na aula anterior nem todos os alunos haviam se envolvido na discussão fomentada, propôs aos alunos uma dinâmica diferente a ser utilizada durante a discussão de todos os capítulos do livro ainda não abordados. Os alunos seriam separados em três grupos, cada qual ficando responsável por elaborar duas questões a respeito do trecho do capítulo que o professor sortearia para cada
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equipe. Cada equipe teria vinte minutos para elaborar as questões e discutir a respeito das perguntas formuladas. Em seguida, o debate seguiria a seguinte dinâmica: O grupo (1) iniciaria a atividade fazendo a primeira pergunta
G1 fG1
ao grupo (2) que responderia a questão e, em seguida, abriria espaço para que grupo (3) comentasse também a pergunta
G3
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formulada, num ciclo que só terminaria após todos os grupos exporem e responderem a todas as perguntas propostas.
Aluno Grupo1: Pode ler? A educação tem passado por grandes problemas. Quais os problemas que afetam a educação matemática de hoje? Para você qual é o problema mais grave? Professor formador (C): O que vocês responderam? Aluno Grupo 2: Para o autor o problema mais grave é a má formação dos professores e também, a estrutura das escolas, o desinteresse dos alunos e a influência familiar. Professor formador (C): A formação dos professores... Aluno Grupo2: A gente acha a forma como o professor aborda a matéria, como o colégio recebe os alunos, o trabalho desenvolvido, o desinteresse do aluno. Professor formador (C): Em relação ao que? Aluno Grupo2: Em relação à matemática Professor formador (C): Ta. O grupo de vocês respondeu o que? Em relação a essa pergunta. Repete a questão. Aluna Grupo1: Vários problemas afetam a educação matemática de hoje, para o autor qual o problema mais grave? Aluno Grupo 3: A formação do professor. Professor formador (C): Gente a sala toda tem que escutar Aluno Grupo 3: Nossa resposta se baseia na questão da formação do professor, porém não é só a formação dos professores que vai afetar no desenvolvimento do professor. Professor formador (C): Ele (o autor) diz isso? Aluno Grupo 3: É ele dá maior enfoque. Professor formador (C): Ta. E porque que ele fala que é a formação, ou porque que ele fala que é uma má formação? Vocês concordam? Aluno Grupo 1: De fato tem professor que nem estuda né. O cara vai dar aula e chega lá e deixa tudo para os alunos. O aluno chega na sala abre o caderno e começa a copiar os exercícios. Aluno Grupo 2: E prova disso é os professores antigos né que não sabem a matemática, RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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muitos tem formação em ciências e segue sempre aquele jeito mesmo desde que começou a dar aula, ele segue sempre o mesmo padrão, não inova, não se atualiza, isso também é outro problema. Aluno Grupo 3: É também há outro problema né, do professor que não sabe lidar com a tecnologia, em termos de mídia e dar uma aula diferente. Professor formador (C): Então, quando o autor fala má formação, às vezes ele não está se referindo depois que o professor já é professor. A má formação é referente ao período em que ele estudou para ser professor. Então ele ta lá no curso de Biologia. Ele está lá em formação, não depois que ele já é profissional. Por isso quando ele fala qual é o problema, talvez para ele o problema não é esse de o professor buscar novas mídias ou do professor não preparar a aula. Ele não está falando nisso, ele está falando que o problema está lá na formação. Aluno Grupo 1: Então ai tem uma parte que ele fala que na formação tem que ter as visões né. A visão de como se portar em sala, para uma boa educação; a visão do que vem a ser a matemática; a visão de construir a identidade matemática e de se constituir a realidade matemática e isso tem que ser durante a formação do professor. Professor formador (C): Vocês concordam com isso? Vocês tem essa formação? Só um momentinho. Você! Aluna Grupo 2: A eu acho que o maior problema está na má formação ou no fato do professor aplicar o que ele aprendeu. Porque eu acho que uma necessidade muito grande é que eu tenho que pensar na teoria. Teoria que já esta estabelecida e ele tem de tentar dar o jeitinho dele e eu acho que o professor tem que construir seu próprio jeito de dar aula, de ficar mais perto dos alunos, não ele sentar aqui e o aluno ali, num padrão como tudo começou eu acho que o padrão do bom professor serve para ele tomar como exemplo e tentar aplicar do seu próprio jeito. Professor formador (C): Aluno Grupo 3 Aluno Grupo 3: Não é que pela fala dela é eu fiquei em dúvida, se você segue, por exemplo, a aula do professor (A), você observa esse professor e o toma como exemplo, mas se a forma como ele esta conduzindo a aula é exatamente essa crítica que você acabou de fazer. Como é que fica essa idéia de seguir esse modelo é só uma interpretação. Professor formador (C): Ah! Sim. Não ela falou justamente assim, não se deve... Aluno Grupo 3: Ela falou que você tem... Você vai... Você toma... Esse professor como uma referência, como um modelo e depois tenta fazer a adaptação né... Aluna Grupo 2: A seu modo Professor formador (C): A seu modo Aluno Grupo 3: ...A seu modo. Então, mas se esse modelo é ruim. E só isso que eu queria refletir sobre a fala dela. Você me entende, você fez. É só uma dúvida do que acontece em relação a fala dela (...)
Podemos observar que, a princípio, os alunos dos três grupos haviam compreendido de
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forma equivocada a primeira questão abordada. Contudo, ao perceber a incompreensão dos alunos, o professor formador tenta resgatar aspectos do texto para clarear o pensamento dos alunos a respeito do tema ‘a formação dos professores’, elaborando questões como: “o autor fala isso?” ou “e porque que ele fala que é a formação, ou porque que ele fala que é uma má formação?”. Ao perceber que mesmo desta forma os alunos ainda vinculam a formação do professor à prática em sala de aula, o professor reelabora seu pensamento e reconstrói sua fala utilizando um exemplo para tornar mais clara para o aluno a ideia subjacente ao tema: “quando o autor fala má formação, às vezes ele não está se referindo depois que o professor já é professor. A má formação é referente ao período em que ele estudou para ser professor. Então ele ta lá no curso de Biologia. Ele está lá em formação, não depois que ele já é profissional”. A fala do professor formador não só permite que os alunos modifiquem a ênfase que, até então, davam ao assunto, como possibilita que uma ampla discussão a respeito do assunto tome forma, permitindo, a partir disso, que os alunos possam refletir sobre sua própria formação. Como bem apontam Mortimer e Machado (2001), “o reconhecimento e a superação de contradições passam, necessariamente, por um processo de interações discursivas, no qual o professor tem o papel fundamental, como representante da cultura científica” (p. 109). Ao abrir espaço para a participação dos alunos e criar estratégias diferenciadas, o professor tem a possibilidade de, nos confrontos, debates e discussões, reelaborar não só o pensamento dos alunos como o seu próprio, de modo a tornar a mensagem mais clara e a compartilhar com os alunos a construção dos saberes docentes, construção esta realizada a partir da exposição das crenças e pensamentos dos alunos e orientada pela ação docente. Uma dinâmica na qual, como ressalta Fiorentini (2003), “o papel do formador não é outro que o de incitador e motivador dessa viagem do formando para o exterior de si” (p. 95). Deste modo, é fundamental a exteriorização e a partilha do pensamento de alunos e do professor, a clarificação das ideias por meio da utilização de questões e analogias que ressaltem um diálogo simétrico entre ambos e a modificação e adequação da linguagem e pensamento dos alunos, bem como o encorajamento na procura de esquematizações e generalizações mais adequadas aos conceitos propostos. Mas isto só pode ocorrer a partir da existência de estratégias
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diferenciadas que busquem promover a negociação de significados entre os intervenientes.
Considerações finais Levando-se em conta a complexidade dos saberes que deverão ser mobilizados pelo professor em sala de aula, as universidades e centros universitários responsáveis pela formação dos professores de matemática não podem mais reduzir a profissão docente ao simples domínio dos conteúdos das disciplinas e as técnicas em transmiti-los, pois, como afirmam Mizukami et al.(2002), hoje se exige do professor que lide com um conhecimento em construção e não mais imutável, que analise a educação como um compromisso político, carregado de valores éticos e morais, que considere o desenvolvimento da pessoa e o processo de colaboração e interação entre seus pares e que seja capaz de lidar com as mudanças e incertezas que envolvem o campo da educação. Por isso, Aprender a ser professor, neste contexto, não é, portanto, tarefa que se conclua após estudos de um aparato de conteúdos e técnicas de transmissão deles. É uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas e, que exijam o desenvolvimento de práticas reflexivas competentes. Exijam ainda, que além dos conhecimentos, sejam trabalhadas atitudes, as quais são consideradas tão importantes quanto os conhecimentos (MIZUKAMI, 2002, p. 12).
Deste modo, o modelo de racionalidade técnica não mais dá conta da formação dos professores, visto que, antes de se pensar em conteúdos e técnicas de ensino, há que se considerar a forma como tais conteúdos são compreendidos pelos futuros professores, bem como a relação que há entre tais conceitos e a prática docente. Somente assim o futuro professor poderá não só fazer a transposição destes conceitos para os alunos, como também privilegiar verdadeiramente as práticas interativas, dando voz e vez aos alunos com vistas a que eles consigam compreender a matemática e sua importância para a solução de problemas ligados ao cotidiano. RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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No entanto, essa preparação e emancipação profissional na formação inicial do professor só poderão ocorrer se imergirmos os contextos teóricos e conceituais em ações práticas, estimulando hábitos de comunicação, investigação, questionamento e reflexão, relacionando teoria e prática num contexto interativo e genuíno (CYRINO, 2006). A formação do professor de matemática não pode mais ter como objetivo principal o acúmulo de informações. É fundamental que ela se paute em meios que tornem o futuro professor um construtor de seu próprio conhecimento, numa perspectiva crítica, analítica e reflexiva, condição indispensável para sua profissionalização. Assim, ao longo da formação, é necessário o desenvolvimento de estratégias que permitam: - O intercâmbio dos saberes profissionais mediante a implantação de formas de interação entre os colegas. - A criação de instâncias que permitam a interação com outros professores (reuniões, grupos de estudo e investigação, encontros promovidos por sociedades científicas etc.). - A avaliação e revisão das formas de compreender e de proceder, a partir de processos de autocrítica, de reflexão e de metacognição dos processos desenvolvidos durante o exercício da ação docente (SBEM, 2005, p.12). Desse modo, devemos ressaltar três pontos fundamentais para garantir uma boa formação docente elencados a seguir. Primeiro, a construção de um projeto de formação inicial de professores que: - Contemple uma visão histórica e social da matemática e da Educação Matemática numa perspectiva problematizadora das ideias matemáticas e educacionais. - Promova mudanças de crenças, valores, atitudes prévias visando a uma Educação Matemática crítica. - Propicie a experimentação e a modelagem de situações semelhantes àquelas que os futuros professores terão de gerir (SBEM, 2005, p. 13). Segundo, uma boa seleção de conteúdos organizados de forma não compartimentada, possibilitando o estabelecimento de diferentes conexões dos conhecimentos matemáticos entre si, destes com os de outras áreas de conhecimento, dos conhecimentos matemáticos com os
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conhecimentos pedagógicos e dos conhecimentos de natureza teórica com os de natureza prática (SBEM, 2005). Um terceiro e não menos importante aspecto que deve também ser enfatizado é: [...] o de que os professores formadores de professores de Matemática precisam ter um perfil mais adequado para o atendimento das novas exigências da legislação em vigor e desse novo projeto de formação de professores almejada por nossa comunidade. Isso implica que o formador deve ter conhecimentos dos documentos oficiais que discutem e norteiam a educação Matemática no ensino básico. Tal profissional deve ainda estar aberto para discutir questões como avaliação, metodologia, práticas pedagógicas. É necessário que tenha o compromisso de romper com a compartimentalização das disciplinas e que se disponha a discutir com os colegas e buscar formas de conexões entre elas. Necessita também de conhecer os problemas relativos à formação de professores e que, de alguma forma, tenha vivenciado, como professor ou pesquisador, o ambiente da educação básica. Deve ter uma postura de diálogo com os alunos, valorizando seus conhecimentos prévios e reconhecendo o que eles esperam do curso. Deve ouvi-los e priorizar as perguntas ao invés das respostas. Deve ser um investigador, gostar de formular e resolver problemas e levar os alunos a aprender a aprender (SBEM, 2005, P. 26).
Assim, o desafio está em pensar em uma formação integral não limitada à mera transferência de conteúdos, métodos e técnicas, mas, sim, orientada fundamentalmente àquilo que se espera que os docentes alcancem com seus alunos: “aprender a pensar, a refletir criticamente, a identificar e resolver problemas, a investigar, a aprender, a ensinar” (MIZUKAMI, 2002, p. 42). Uma formação que lhes possibilite não apenas ensinar, mas refletir sobre os resultados de suas práticas pedagógicas, ou seja, sobre as produções dos alunos em retorno às atividades desenvolvidas em sala de aula, sobre as dificuldades que apresentam em relação aos temas estudados, aos obstáculos de diferentes ordens que enfrentam em sua aprendizagem. Uma formação que faça o professor refletir sobre o seu próprio processo de ensino, modificando-o quando este não possibilita os resultados esperados. E, finalmente, mas não menos importante, uma formação que os prepare para dar voz aos alunos - sem enlouquecer ou se escandalizar com as perguntas que estes fazem, sem ignorar as que consideram inoportunas – por compreender que todo conhecimento, como diz Bachelard (1996), é resposta a uma
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pergunta.
Notas *Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de Maringá. Email: sandradantonio@hotmail.com **Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual de Maringá. Email: reginapavanello@hotmail.com 1
Vista não apenas como um processo em que um emissor e um receptor trocam informações (processo que somente é possível quando existe um código comum a língua na comunicação verbal, que permite ao emissor codificá-la e, ao receptor, decodificá-la), mas que requer compartilhamento e negociação de significados e, portanto, situa-se no campo da argumentação (JACOBSON, 1973; apud ALMIRO, 1997).
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Recebido em Agosto de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DA CRIATIVIDADE MATEMÁTICA EM FACE DE CONCEPÇÕES QUE FUTUROS PROFESSORES TÊM DESSA CIÊNCIA
José Messias Eiterer Souza* Instituto Federal de Brasília jose.messias@ifb.edu.br.
RESUMO O modelo sistêmico de criatividade de Csikszentmihalyi atribui ao ambiente parcela relativa ao desenvolvimento de soluções criativas. Nesse sentido, a forma como cada professor de Matemática organiza suas aulas e as atividades que encaminhará a seus alunos contribui de forma mais intensa ou menos intensa para o desenvolvimento de habilidades relativas à criatividade matemática dos estudantes. Investigamos aqui as concepções que um grupo de potenciais professores de Matemática tem da forma como deva se desenvolver estudos dessa ciência. Além disso, buscamos verificar, nesse grupo, o potencial de reconhecimento de resoluções criativas apresentadas para problemas comuns de Matemática que podem vir a ser encontrados por eles em suas atividades docentes. Palavras-chave: Criatividade. Habilidades matemáticas. Organização do trabalho pedagógico em Matemática.
CONSIDERATIONS ON THE POSSIBILITIES OF MATHEMATICS CREATIVITY IN THE FACE OF CONCEPTIONS THAT FUTURE TEACHERS HAVE THIS SCIENCE ABSTRACT The Csikszentmihalyi’s model of creativity attaches the environment on the development of creative solutions. In this sense, the way of each teacher organizes math lessons and activities that will bring to students contribute more intense or less intense to the development of skills related to student’s mathematical creativity. This research looks to the concepts that a group of potential mathematics teachers should have of how to be the study of mathematics. Furthermore,
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we sought to verify this group potential of recognition of creative resolutions to common problems presented in mathematics that may be found by them in their classes. Keywords: Creativity. Math skills. Organization of educational work in mathematics.
Introdução As concepções que futuros professores têm da Matemática constituem fatores determinantes de escolhas que esses professores farão em sua prática docente. Nesse âmbito, temos especial interesse nas formas como estudantes de cursos de licenciatura em Matemática organizam seu próprio aprendizado e suas resoluções de questões de Matemática. Entendemos que o estudo de Matemática deve ser conduzido no sentido de desenvolver habilidades de raciocínio lógico e de atenção voluntária nas atividades que o estudante desejar desempenhar. Por isso, consideramos que a formação de professores de Matemática deve orientar os futuros docentes nesse sentido. Neste trabalho, investigamos o entendimento que um grupo de estudantes de graduação em Matemática tem do que venha a ser essa ciência. Indagamo-nos quais seriam suas concepções relativas ao fazer matemático e ao trabalho com Matemática em salas de aula, cientes de que tais concepções são oriundas das experiências que cada um teve em sua vida escolar até chegar à graduação e, inclusive, durante o transcurso desta. A Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica [...] expressa uma ideia semelhante, ao criar o conceito de “simetria invertida”, para ressaltar o fato de que a experiência do professor como aluno, não apenas nos cursos de formação docente, mas ao longo de toda a trajetória escolar, define o papel que futuramente exercerá como docente (SCOZ, 2009, p. 113).
Partimos, então, dessas concepções para avaliar o que é entendido como necessário ao estudo de Matemática, pelo menos até o ensino médio; o que estudantes de licenciatura em Matemática conseguem identificar como necessário ao aprendizado dessa ciência e, a partir
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disso, o quanto essas concepções construídas em suas vivências escolares poderiam interferir em aspectos do ambiente escolar que seriam potencialmente inibidores ou motivadores de criatividade, para os jovens estudantes dos ensinos fundamental e médio.
O conceito de criatividade e o fazer matemático no ambiente escolar
As ideias do que sejam criatividade e inteligência frequentemente se misturam no senso comum. É comum observarmos comentários alusivos à inteligência das pessoas quando essas fazem algo potencialmente criativo, assim como demonstrações de inteligência são comumente brindadas com elogios à criatividade. Não nos interessa aqui discorrer acerca dos conceitos e das concepções do que seja a inteligência. Nosso foco é a criatividade. Segundo Alencar e Fleith (2003a, p.13), Stein advoga que uma produção criativa é aquela que apresenta algo novo e aceito como satisfatório por um grupo social, em algum momento. Amabile (1996) argumenta que a ideia de criatividade é ainda motivo de discussão para vários teóricos e apresenta inicialmente um conceito consensual de criatividade que remete aos especialistas de determinado campo a decisão sobre alguma produção ser ou não criativa. Segundo a autora, um produto ou resposta é criativo se observadores apropriados o consideram criativo (AMABILE, 1996). Observadores apropriados seriam os especialistas da área de conhecimento à qual o produto ou a resposta estariam associados. Haylock (1987), por exemplo, apresenta uma série de definições de criatividade em Matemática. Entre outras, informa que Krutetskii1 menciona a habilidade de se alternar operações mentais com facilidade, Laycock2 refere-se à habilidade de analisar um problema de diferentes maneiras, Romey3 define a criatividade matemática como uma combinação entre ideias, técnicas e formas inovadoras de se atacar os problemas, enquanto Cornish e Wines4 referem-se à criatividade matemática como uma habilidade especial em rearranjar modelos, formas ou quantidades, transformar convenções em conceitos práticos e prever efeitos.
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Ao largo dessa discussão, a ideia de criatividade à qual desejamos nos referir é aquela que se pode observar no cotidiano da sala de aula, ao resolver questões que envolvam raciocínio matemático. Nesse sentido, o conceito de criatividade aqui descrito recai sobre o de Amabile (1996), cujo sentido é o de que produtos ou respostas serão julgados como criativos à medida que: (1) são novos e apropriados, além de corretos e aplicáveis à atividade que se deseja desenvolver; e (2) a atividade à qual se aplicam é heurística e não algorítmica (ALENCAR; FLEITH, 2003b, p. 4). Outro conceito referenciado aqui é o de Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo húngaro, radicado nos Estados Unidos, o qual defende que a criatividade não é fruto apenas das habilidades dos indivíduos, mas também das interações sociais entre eles, bem como de suas culturas. Csikszentmihalyi (1994) propõe um modelo sistêmico para a criatividade baseado em três fatores: o indivíduo, o domínio e o campo. Segundo esse modelo, os processos criativos são fruto das interseções entre as experiências de vida dos indivíduos, seu domínio cultural e suas relações e necessidades no campo social. Dessa forma, não nos caberia perguntar o que é criatividade, mas sim onde e quando se pode ser mais criativo (CSIKSZENTMIHALYI; FELDMAN; GARDNER, 1994, p.19-25; ALENCAR; FLEITH, 2003b, p.6). Esses conceitos associados à criatividade nos remetem a situações que podem ocorrer em aulas de Matemática, nas quais seria possível estimular a criatividade dos alunos. Referimo-nos a situações nas quais os indivíduos podem ser estimulados pelo ambiente (organizado pelo professor) a buscarem ideias próprias para a resolução dos problemas, não de forma algorítmica, mas sim com alternativas distintas de resolução. Compreendida dessa forma a ideia de criatividade, imaginamos que o entendimento que professores de Matemática têm do que deva ser o fazer matemático nas escolas será um dos fatores a determinar o desenvolvimento ou não de habilidades matemáticas criativas nos estudantes. Em consonância com o modelo de Csikszentmihalyi (1994), imaginamos que salas de aula potencialmente criativas seriam aquelas nas quais os professores entendem que o trabalho com a Matemática deve ser preferencialmente heurístico e menos algorítmico, de modo que se estabeleça um clima de curiosidade científica que estimule a busca de processos de
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resolução de problemas ao invés de se aceitar apenas a memorização de algoritmos desenvolvidos a priori. Deste modo, a organização do trabalho desenvolvido em sala de aula será resultado, entre outros fatores, da forma como o professor compreende a Matemática e a necessidade de seu estudo. Se a concepção do professor é a de que se poderia reduzir o estudo de Matemática ao aprendizado de algoritmos já desenvolvidos, é pouco provável que ele organize seu trabalho de forma a estimular as interações, a criatividade, o estabelecimento de conjecturas e a busca por soluções diversas para os problemas discutidos nas aulas. Além disso, muito provavelmente, esse professor teria dificuldade em reconhecer eventuais produções de seus alunos que sejam dotadas de potencial criativo. Mitjánz Martínez (1997, p. 154) defende que “[...] o desenvolvimento da personalidade é longo e complexo. Quanto mais a criança e o jovem dispuserem de recursos personológicos associados ao comportamento criativo, mais possibilidades terão de adquirir um comportamento criativo”. Com isso, entendemos que quanto maior for a quantidade de oportunidades de resolução de problemas matemáticos de forma não algorítmica nas salas de aula, maiores serão as possibilidades de desenvolvimento das habilidades matemáticas dos estudantes. Infelizmente somos obrigados a reconhecer que “[...] o ensino tem se orientado muito mais à transmissão de conhecimentos, hábitos e habilidades do que a desenvolver um importante conjunto de elementos personológicos não só associados à criatividade, mas que permitam um crescimento pessoal e um desempenho eficientes” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 164). Em nossa atuação docente, temos observado inúmeros estudantes que se dedicam apenas à memorização de procedimentos operatórios nas questões que envolvem conhecimento matemático. Parece não haver, por parte desses estudantes, interesse em desenvolver habilidades de pensamento divergente que talvez possam ajudar na resolução dos problemas. Nesse quadro elaboramos nossa pesquisa. Desejamos verificar como estudantes que, em princípio, não teriam dificuldades com Matemática elementar se comportam em face à resolução de problemas abertos, ou aparentemente abertos, para os quais o uso de algoritmos já conhecidos se mostra insuficiente. O quanto esses estudantes estariam comprometidos com a ideia de que o
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estudo de Matemática compreende apenas a memorização de algoritmos? Ou, por outro lado, o quanto esses estudantes seriam permeáveis a soluções distintas das que são normalmente vistas nas escolas?
Observações de uma pesquisa
A pesquisa aqui descrita foi desenvolvida com um grupo de vinte e seis estudantes de graduação em Matemática, regularmente matriculados em três diferentes turmas de uma instituição privada de ensino superior, localizada no Distrito Federal, cujo curso de licenciatura em Matemática estava autorizado pelo Ministério da Educação há nove anos e apresentava conceito B. O curso é noturno e tem duração mínima de seis semestres e máxima de doze. Os estudantes que participaram da pesquisa o fizeram a partir de adesão espontânea, após convite feito a sua turma. O grupo da pesquisa foi constituído por 14 homens e 12 mulheres, com idades variando de 18 a 40 anos. A maior parte dos estudantes desse grupo (76,9%) tinha idades entre 20 e 28 anos, inclusive um deles já possuía outra graduação. Quase todos (84,6%) haviam cursado o ensino médio regular de três anos, sendo que 88,5% não tiveram reprovações no ensino médio. Apenas três dos integrantes do grupo de pesquisa haviam ingressado no curso superior imediatamente após encerrarem seu curso de nível médio e 73,1% dos participantes da pesquisa tiveram um intervalo de dois anos ou mais entre o final do ensino médio e o início do curso superior. Verificou-se que o grupo pesquisado apresenta grande interesse no estudo de Matemática. Isso se evidencia por que 65,4% deles optaram pelo curso de Matemática como primeira alternativa e apenas quatro declararam opções de curso em áreas não afins com a Matemática. Além disso, as demonstrações de satisfação do grupo com seus estudos de Matemática nos níveis fundamental e médio foram significativas. Apenas um dos participantes alegou não fazer uma
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avaliação boa ou ótima do que representou para ele estudar Matemática no nível médio. Concluímos, a partir desses dados, que as pessoas que compuseram nosso grupo de pesquisa são indivíduos que tiveram, em sua maioria, satisfações em seus estudos pretéritos de Matemática. Pessoas para as quais o estudo de Matemática pode ser árduo, mas é, em geral, gratificante. Algo que consideramos ser necessário, ao menos, para estudantes de um curso de licenciatura em Matemática. Foi utilizado um instrumento de pesquisa constituído por 48 questões, das quais nove se destinavam a uma breve descrição da formação pessoal, 32 tratavam do entendimento que cada um teria do que é a Matemática e as demais mostravam situações problematizadas com questões de aplicações de Matemática Básica (Anexo). Dos indivíduos que responderam as questões da pesquisa, 80,8% concordam em maior ou menor grau com a afirmativa de que a Matemática é uma ciência que nos permite abstrair coisas do mundo, formular axiomas sobre algumas, além de gerar propriedades e teoremas. Além disso, 57,7% do grupo concordam que a Matemática é um conjunto de modelos desenvolvidos ao longo dos anos para explicar as coisas do mundo. Com isso, percebemos que para esses estudantes a Matemática tem ou pelo menos deveria ter conexão com o mundo físico. Ao que parece eles não concordam com a ideia de que a Matemática se constitua como um objeto de estudos por si mesma, independente de sua aplicabilidade. Afinal, 69,2% dos participantes discordam que se classifique a Matemática apenas como um conjunto de fórmulas e equações. Muito embora 65,4% do grupo considere que se possa dizer que a Matemática é a ciência que lida com números, figuras e fórmulas para resolver problemas, poderíamos afirmar que para esse grupo a Matemática deve ter aplicações, deve ser usada na vida prática para resolver problemas. Isso se confirma com a concordância de 92,3% do grupo com a afirmativa de que estudar e aprender Matemática é saber aplicar conhecimentos matemáticos em situações cotidianas e não apenas uma exigência escolar, também porque, 65,4% dos participantes discordaram radicalmente da afirmativa de que estudar e aprender Matemática é uma necessidade apenas escolar. Nas demais questões relativas ao estudo sistematizado de Matemática, identificamos não haver nesse grupo uma supervalorização da memorização, pois 73,1% deles discordam em
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algum grau da afirmativa de que estudar e aprender Matemática é memorizar o que foi aprendido, assim como 73,1% dizem não concordar com a ideia de que estudam apenas pela leitura da teoria seguida da memorização de alguns exemplos. Isso se confirma com a concordância de 80,8% do grupo com a ideia de que seus estudos de Matemática envolvem a resolução de muitos exercícios na busca da aprendizagem, ainda que 96,2% deles digam que, ao estudarem, leem a teoria e fazem alguns exercícios para verificar se compreenderam o que estudaram. A resolução de exercícios aparece como fator fundamental na aprendizagem e nos parece que os exercícios não teriam o caráter de ajudar na memorização de soluções, afinal 96,2% do grupo concordam que o aprendizado de Matemática exige que não apenas se façam exercícios, mas também que se busque pensar sobre o que se fez para aprimorar resoluções. Desejávamos verificar o comportamento do grupo de pesquisa frente a situações novas ou inusitadas. Para isso incluímos em nosso questionário de pesquisa algumas questões diferentes das usualmente tratadas nos livros didáticos e nas salas de aula. Pedimos que cada participante informasse, em primeiro lugar, se tinha conhecimento da questão ou se conhecia alguma questão semelhante. Em seguida, pedíamos que apontasse algum possível caminho de resolução, o que lhe viesse à mente, não necessariamente que resolvesse a questão, mas que dissesse como considerava possível resolvê-la. Para praticamente todas as questões, a maioria dos participantes respondeu que conhecia um problema parecido, embora desconhecesse o problema apresentado. Isso só não se verificou para uma das questões (questão 46 − anexo), a qual teve a maioria de respostas a indicar desconhecimento total do problema. Compreendemos esse fato como uma interpretação de que as questões apresentadas eram sim parecidas com questões que normalmente aparecem em livros didáticos, embora seus processos de resolução não sejam aqueles que se trabalhe normalmente nas escolas. Notamos isso, principalmente, com as questões 43 e 45 do questionário (anexo) que apresentam problemas para os quais é possível montar equações. Para essas questões vários participantes indicaram que o caminho de resolução seria a aplicação de sistemas lineares. Certamente identificaram esses problemas com os problemas escolares de aplicação de sistemas. Cabe-nos registrar, também, que, apesar do desconhecimento das questões, pelo menos
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8,5% dos participantes, em média, apontaram processos de resolução que poderiam facilmente levar à solução dos problemas. E alguns deles chegaram a resolver algumas das questões. A avaliação que fazemos desses resultados de nossa pesquisa nos remete a um dos problemas apontados por Haylock (1985, p. 549) como limitadores da criatividade em Matemática. Trata-se da dificuldade em se superar modelos já conhecidos. Tal dificuldade exige uma habilidade matemática de superação das fixações. This was the notion of the ability to break from mental sets, by overcoming fixations in mathematics. Krutetskii, in assessing the component of mathematical ability referred to as flexibility of mental process, made use of problems with changing content, problems on reconstructing an operation and problems suggesting self-restriction, all which involve the ability to overcoming fixations in mathematics5 (HAYLOCK, 1985, p. 549).
Os problemas que apresentamos em nosso instrumento de pesquisa são problemas com essas características, embora se possa associá-los, em uma primeira leitura, a problemas padronizados. Infelizmente o tempo do qual dispúnhamos para a pesquisa não nos permitiu um retorno ao grupo a fim de verificar se após uma tentativa inicial de aplicar o procedimento tradicional, que se mostraria infrutífero, os participantes teriam buscado formas alternativas de resolução. Mas nossa pesquisa não se destinava a verificar as habilidades criativas do grupo. Por outro lado, buscamos verificar, nesse grupo, o potencial de reconhecimento de resoluções criativas apresentadas para problemas comuns de Matemática, que podem vir a ser encontradas por eles em suas atividades docentes. Pretendíamos verificar qual poderia vir a ser o comportamento do grupo, em sua condição futura de professores de Matemática, ao se confrontarem com resoluções de questões que se apresentassem de forma diversa dos algoritmos tradicionais. Para isso, formulamos duas questões de Matemática básica e apresentamos resoluções possíveis e corretas para elas, uma delas segundo o algoritmo tradicional e duas outras mais inusitadas. Pedimos então que os participantes avaliassem as questões como professores e justificassem suas avaliações. Cada uma das questões valeria um ponto e o participante deveria dizer o quanto atribuiria a cada resolução.
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Apenas cinco dos participantes se furtaram a responder essa parte do questionário e treze dos demais (exatamente 50% do grupo) disseram que dariam nota máxima para os estudantes em todas as resoluções apresentadas. Algumas justificativas para essa nota, nas questões cujas resoluções não eram as tradicionais, representaram sentimentos de satisfação, tais como: “Além de correto, desenvolvimento interessante.”, “Nossa! Sinceramente, demorei entender o que foi feito. Fiquei surpresa. Muito interessante.”, “Mostrou conhecimento, ainda que o método não seja convencional”, “Utilizou um método diferente, mas ótimo para trabalhar com números grandes.”
Consideramos, então, que a metade do grupo de pesquisa tende a valorizar a criatividade ao avaliar as resoluções de questões, embora nem todos tenham sido tão positivos em seus comentários. Restar-nos-ia saber se tal fato se verificaria também com questões ou resoluções mais difíceis, para as quais o entendimento do que fora feito pelo aluno hipotético não fosse tão simples. Alguns poucos participantes (quatro deles), apesar de darem a nota total para as resoluções, emitiram juízos de valor para elas que apontam alguma insatisfação com os procedimentos apresentados. Os comentários de sentido negativo encontrados foram: “Utilizou um método mais difícil, mas conseguiu”, “Uma forma diferente e trabalhosa, pois é um número grande, mas está correto.”, “Forma trabalhosa de obter o resultado, não apropriada para números grandes, mas a resposta está correta.”, “Mesmo de forma mais demorada a forma também funciona.”
Observamos, nesses representantes do grupo, certa tolerância com as variações de resolução que, por terem sido pontuadas por comentários desabonadores, poderiam, em outros momentos, talvez conduzirem a processos de desestímulo das resoluções criativas. Por fim, contamos oito pessoas que desabonaram de alguma forma as resoluções
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supostamente criativas apresentadas para as questões. Para esses casos, observamos quem deu nota máxima para quase todas as questões e se absteve apenas em uma ou outra com a justificativa simples de não ter entendido o que foi feito. Destacamos apenas cinco dos participantes que apresentaram justificativas que, a nosso ver, poderiam ser consideradas preocupantes em relação à docência de Matemática, no que se refere ao estímulo à criatividade matemática nas salas de aula. As pessoas que desabonaram de modo mais contundente o que foi apresentado na forma não tradicional, ou seja, fora do algoritmo padrão, apresentaram justificativas do tipo: “Pode confundir o aluno ao invés de ajudá-lo.” (nota 0,5), “Complicado.” (nota 0,6), “Confuso.” (nota 0,4), “Muito longa, cansativa.” (nota 0,7), “Alcançou o resultado, mas sem justificativa em nada para a Matemática aplicada.” (nota 0,3), “Raciocínio sem coerência.” (nota 0,2), “O raciocínio mais ou menos, porém, existe uma maneira mais simples de somar.” (nota 0,9).
Cabe-nos ressaltar que todas as resoluções apresentadas são corretas do ponto de vista matemático. Apenas há o fato de que são resoluções que fogem do algoritmo tradicional. Por isso, seria preocupante, por exemplo, uma nota 0,2, seguida do argumento de que se trata de um raciocínio sem coerência. Infelizmente sabemos por experiência de convívio escolar que essa é a realidade de muitas salas de aula. Nas escolas, mestres, muitas vezes assoberbados, podem não ter tempo de verificar com calma o que os alunos fazem. Se uma resolução foge do algoritmo determinado pelo professor, há uma chance considerável de que seja considerada incorreta, sem melhores análises. Assim como não nos é difícil imaginar que muitos dos que trabalham com Matemática nas séries iniciais talvez não tenham condições de entender procedimentos como os que foram apresentados, embora esta qualidade de conhecedor seja uma que está posta no
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professor, daí consideramos serem muito prováveis avaliações negativas como as que destacamos acima.
Considerações finais
A questão da criatividade Matemática é complexa e envolve não apenas o ensino de Matemática, mas também o desenvolvimento de habilidades que podem contribuir para a formação de uma personalidade criativa também em outras áreas de conhecimento. Consideramos que os problemas atuais, e por extensão os futuros, exigem soluções criativas. Afinal, soluções antigas serão, geralmente, válidas para problemas antigos. Parece-nos que sempre foi e será assim, mas tendemos a pensar que em nosso tempo as coisas são mais complexas. A busca de soluções criativas para os problemas é algo que se deve estimular desde a primeira infância (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997), por isso há uma responsabilidade nisso à qual a escola não pode se furtar, visto que no ambiente escolar há possibilidades ótimas de desenvolvimento de habilidades matemáticas, entre elas as que Haylock (1987) enuncia como indicativas de uma produção divergente: fluência, flexibilidade e originalidade. Sendo assim, aos profissionais nas salas de aula caberia também incentivar e valorizar tais fatores. Infelizmente, essa parece não ser a realidade de nosso sistema educacional. As muitas variantes que se relacionam no processo de formação, inclusive escolar, costumam contribuir para o embotamento de habilidades que favorecem a criatividade. Nos exemplos encontrados em nossa pesquisa, verificamos que uma pequena parte de nosso grupo se mostrou intolerante com o novo, o diferente, com aquilo que nos dá trabalho para entender. Sabemos que isso se verifica muitas vezes na formação das pessoas. Talvez até por isso pessoas criativas sejam tão valorizadas. Ser criativo costuma exigir conhecimento, flexibilidade, enfrentamento, persistência e determinação, entre outras características. Além disso,
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Existem sujeitos com bom nível de desenvolvimento intelectual que em sua atividade profissional não são criativos. Sua falta de flexibilidade na proposição de alternativas de solução, sua atitude adaptativa no enfrentamento de questões que lhe são suscitadas, sua falta de persistência e um escasso desenvolvimento dos interesses profissionais condicionam sua falta de criatividade (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 71).
Essa é uma situação também descrita nos ambientes escolares e que não foge das questões enunciadas acima. Se os professores de Matemática das séries iniciais tiverem comportamentos desabonadores de características criativas como os que percebemos em parte de nosso grupo de pesquisa, o desenvolvimento de habilidades que ampliam as possibilidades de a pessoa vir a se mostrar criativa talvez esteja severamente comprometido. No entanto, há esperança. Os resultados de nossa pesquisa mostram que a realidade pode ser bem diferente. Apesar das dificuldades, há pessoas que valorizam o novo. Pessoas que sabem analisar outras possibilidades e têm abertura para compreender o que lhes é estranho. Essas são pessoas que, ao atuarem em escolas, poderão contribuir no sentido de fomentar condições favoráveis à criatividade na comunicação docente-discente, tais como: Estabelecer uma relação criativa professor−aluno, caracterizada por um clima emocionalmente positivo e motivador, respeitando a individualidade. Garantir um ambiente de estimulação e valorização do esforço e das realizações próprias e originais, alentando o processo de tentativa e erro sem estigmatizar esse último. Valorar e estimular adequadamente os sucessos que o aluno alcançar no desenvolvimento de interesses e motivações, assim como nos elementos personológicos vinculados à criatividade, aos quais já fizemos referência. Não estimular só os resultados obtidos no processo de apropriação de conhecimentos (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 160).
Essas são algumas das atitudes que imaginamos necessárias na comunicação entre professores, escolas e estudantes, no sentido de esclarecer objetivos educacionais alinhados com as necessidades humanas deste século, segundo orientam os Quatro Pilares da Educação para o século XXI enunciados no Relatório Delors da UNESCO (DELORS, 1998). Pessoas como as que identificamos em metade de nosso grupo de pesquisa, que pensam positivamente em relação a inovações no fazer matemático, tendem a serem pessoas que
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compreendem de forma mais clara o eventual “caráter produtivo (e não reprodutivo) das atividades propostas ao aluno” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 159), assim como poderão trabalhar no sentido de buscarem uma “estruturação do ensino em forma de problemas de descobrimento e solução criativa de problemas” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 159). Concluímos, assim, que os resultados de nossa pesquisa são bastante animadores. Caso nossa amostra seja representativa do universo daqueles que estão atualmente a estudar Matemática com vistas à atuação docente na educação básica, podemos imaginar um futuro promissor. Se os novos professores conseguirem arejar os corredores escolares e as salas de aula com trabalhos que permitam o desenvolvimento de habilidades matemáticas motivadoras da criatividade, haverá esperança de que as pessoas possam resolver os problemas futuros das formas como eles deverão ser resolvidos: formas inovadoras, éticas e perfeitamente aplicáveis ao que as situações vierem a exigir (AMABILE, 1996).
Notas *EITERER, J. M S. Mestre em Educação pela Universidade de Brasília − FE/UnB, especialista em educação matemática pela FAJESU e licenciado em Matemática pela UNIPAC. Professor do Instituto Federal de Brasília/IFB, do curso de licenciatura em Matemática da Faculdade Jesus Maria José/FAJESU, em Taguatinga (DF), e tutor on-line do programa de pós-graduação REDEFOR da Universidade Estadual de Campinas/Unicamp. Correio eletrônico: jose.messias@ifb.edu.br. 1
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2
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3
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4
CORNISH, G. & WINES, R. ACER Mathematics Profile Series: Number Test, Australian Council for Educational Research, Hawthorn: 1980. 5
Esta foi a noção da capacidade de mudança a partir de conjuntos mentais, pela superação de fixações em Matemática. Krutetskii, na avaliação da componente da habilidade Matemática conhecido como flexibilidade de processo mental, fez uso de problemas com conteúdo em mudança, problemas na reconstrução de uma operação e problemas sugerindo auto-restrição, todos os que envolvem a capacidade de superação de fixações em Matemática (tradução nossa).
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Anexo Questionário da pesquisa 1) Inicialmente devemos saber um pouco de você. Se não houver constrangimento de sua parte, por favor, informe sua idade: _____ anos, naturalidade: _______________, sexo: ___ M ou ___ F e se você já tem algum curso superior completo: ___ S ___ N. Em caso afirmativo, para essa última informação, diga qual: ____________________. Agora, para que nos seja possível dar mais consistência aos resultados de nossa pesquisa, informe-nos alguns detalhes de sua formação: 2) Você cursou todo o ensino fundamental em: ___ menos de 8 anos
___ 8 anos
___ 9 anos
___ 10 anos
___ Mais de 10 anos.
3) Seu curso de ensino médio foi de: ___ 3 anos (Pule a pergunta 5) ___ 4 anos (Pule a pergunta 4) 4) Você cursou todo o ensino médio em: ___ 3 anos
___ 4 anos
___ 5 anos
___ 6 anos ou mais
5) Você cursou todo o ensino médio em: ___ 4 anos
___ 5 anos
___ 6 anos
___ 7 anos ou mais
6) Quanto tempo se passou desde o momento que você concluiu o ensino médio até ingressar em uma faculdade? ___ semanas ___ meses
___ 1 semestre
___ 1 ano
___ 3 semestres
___ 2 anos ou mais 7) O curso de Matemática foi sua primeira opção de curso superior? ___ S ___ N. Para o caso de você dar uma resposta negativa a essa questão, diga-nos qual(ais) seria(m) sua(s) primeira(s) opção(ões). ____________________________________________. 8) Para você, no ensino fundamental, estudar Matemática era: ___ Ótimo
___ Bom
___ Uma obrigação ___ Chato
___ Insuportável
9) Para você, no ensino médio, estudar Matemática era: ___ Ótimo
___ Bom
___ Uma obrigação ___ Chato
___ Insuportável
Nas questões seguintes desejamos observar como você entende a Matemática. Não o quanto você sabe ou o que você conhece de Matemática, mas sim a sua concepção dessa ciência. Para cada uma das afirmativas apresentadas a seguir assinale a quadrícula que corresponde à sua
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opinião em relação ao que foi dito sobre a Matemática, no sentido de Discordar Radicalmente (DR), Discordar (D), ser Indiferente (I), Concordar (C) ou ainda Concordar Fortemente (CF). A Matemática é 10)
um conjunto de fórmulas e equações.
11)
Uma ciência que nos permite abstrair coisas do mundo, axiomatizar algumas, gerar propriedades e teoremas.
12)
o estudo das soluções de problemas numéricos.
13)
um conjunto de modelos desenvolvidos ao longo dos anos para explicar as coisas do mundo.
14)
um corpo de conhecimento desenvolvido pela humanida-de a partir de teoremas, conjecturas e refutações.
15)
a ciência que lida com números, figuras e fórmulas para resolver problemas.
16)
um conjunto estruturado de regras e operações que nos permite resolver problemas numéricos.
17)
apenas uma forma de se tratar de grandezas.
18)
não só números... mas não sei explicar direito o que é.
Estudar e aprender Matemática é 19)
memorizar o que foi aprendido.
20)
saber usar a fórmula certa no momento certo.
21)
ser capaz de usar o que se aprendeu em situações novas.
22)
dar conta de fazer qualquer exercício que já se tenha visto antes, pelo menos parecido.
23)
saber aplicar conhecimentos matemáticos em situações cotidianas.
24)
ler, assistir aulas, ouvir explicações e depois exercitar muito.
25)
entender lógica que está por trás dos exercícios.
26)
uma necessidade apenas por que a escola nos impõe.
27)
não só fazer exercícios, mas também pensar sobre o que se fez e aprimorar resoluções.
Em seus momentos de estudo de Matemática você
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DR
D
I
C
C F
DR
D
I
C
CF
DR
D
I
C
CF 106
28)
apenas lê a teoria e procura memorizar os exemplos.
29)
resolve muitos exercícios para realmente aprender.
30)
lê a teoria e faz alguns exercícios para verificar se compreendeu o que estudou.
31)
procura apenas entender o que foi dito.
32)
questiona o que lhe é apresentado.
33)
pelo menos tenta demonstrar propriedades e teoremas.
34)
busca um procedimento para resolver as questões e o memoriza quando ele se mostra satisfatório.
35)
se sente satisfeito(a) em conhecer um único caminho para resolver um problema de pouca complexidade.
36)
acha ótimo quando os procedimentos para resolver problemas de determinado assunto não são muito diferentes uns dos outros.
Um bom, e bem formulado, problema de Matemática 37)
tem apenas uma resposta possível.
38)
permite diversos caminhos para resolução.
39)
exige que se escolham entre os dados disponíveis quais são relevantes e ainda pode não ter solução.
40)
apresenta exatamente o número de dados necessários à sua resolução.
41)
exige que se use um determinado processo de resolução.
DR
D
I
C
CF
Muito bem, agora que você nos deu a possibilidade de conhecer um pouco do que você pensa sobre a Matemática e como você se organiza para estudar essa ciência, gostaríamos de saber suas ideias em relação a alguns problemas difíceis. Na página seguinte você encontrará algumas questões difíceis que envolvem conhecimentos matemáticos. Em cada uma delas assinale, por favor, o espaço que indica se você já conhecia o problema, julga que conhecia um problema parecido ou jamais viu esse problema ou algum
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semelhante. Em seguida, não desejamos que você resolva os problemas, mas sim que nos diga qual seria sua ideia de como iniciar algum processo de tentativa de resolução. Mesmo que você saiba resolver a questão, por favor, não o faça. Apenas diga qual ideia, princípio, fórmula ou conceito matemático você usaria em sua resolução e porque isso lhe ocorreu. 42) Na figura ao lado, determine o seno do maior dos ângulos do triângulo. ___ já conhecia o problema. ___ conhecia um problema parecido. ___ jamais havia visto esse problema ou algum semelhante. Imagino que se possa resolvê-lo ... 43) As quatro afirmativas seguintes são verdadeiras. I) m, n e p são números naturais, maiores do que zero e menores do que 100. II) m ⋅ n ⋅ p = 2.450. III) m + n + p = 2k, k é um número inteiro. IV) Apenas com as informações anteriores não é possível dizer qual é o número k. Determine o valor de k. ___ já conhecia o problema. ___ conhecia um problema parecido. ___ jamais havia visto esse problema ou algum semelhante. Imagino que se possa resolvê-lo ... 44) Luana tem 11 bolsos e 54 moedas. Ela quer colocar as moedas nos bolsos, de tal maneira que em cada bolso fique um número diferente de moedas. Será possível consegui-lo? Como fazê-lo? ___ já conhecia o problema. ___ conhecia um problema parecido. ___ jamais havia visto esse problema ou algum semelhante. Imagino que se possa resolvê-lo ... 45) O professor Eugênio disse a um aluno que o produto das idades de sua mulher e das suas duas
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filhas era 2.450, enquanto que sua soma era igual a duas vezes a idade do aluno. Em seguida perguntou quais as idades delas. Depois de refletir por um momento, o aluno disse que não era possível determiná-las. O professor Eugênio revelou então ser mais velho que qualquer uma delas. Como sabia a idade do professor, o aluno pôde deduzir imediatamente as outras. Quais as idades do professor, da mulher, das filhas e do aluno? ___ já conhecia o problema. ___ conhecia um problema parecido. ___ jamais havia visto esse problema ou algum semelhante. Imagino que se possa resolvê-lo ... 46) Augustus Morgan foi um matemático do século XIX. Um dia, ao ser perguntado sobre sua idade, respondeu: “– Eu tinha x anos no ano x².” Descubra em que ano nasceu o matemático. ___ já conhecia o problema. ___ conhecia um problema parecido. ___ jamais havia visto esse problema ou algum semelhante. Imagino que se possa resolvê-lo ... Na página seguinte você encontrará duas questões já resolvidas. Cada uma das questões vale 1,0 ponto. São apresentadas três resoluções distintas para cada uma das questões. Avalie as soluções apresentadas e diga que nota você daria para cada uma delas. Além disso, diga o motivo pelo qual você optou pela nota dada 47) Num turma de sexto ano do ensino fundamental, antiga 5ª série, foi proposto o problema seguinte: 212 garrafas devem ser dispostas em 4 caixas iguais. Se os números de garrafas em cada caixa precisam ser iguais, quantas garrafas serão colocadas em cada caixa? Avalie as resoluções apresentadas para esse problema.
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Resolução 1: 212 200 012 00
Nota:
Justificativa
400 53
53 garrafas
Resolução 2:
Nota:
Justificativa
212 = 200 + 12. 12 = 3 ⋅ 4 e 200 = 4 ⋅ 50. Então 212 : 4 = 53. Logo serão 53 garrafas em cada caixa. Resolução 3:
Nota:
20 + 20 + 10 + 1 + 1+1
20 + 20 + 10 + 1 + 1+1
Justificativa 20 + 20 + 10 + 1 + 1+1
20 + 20 + 10 + 1 + 1+1
São 53 garrafas em cada caixa. 48) Efetue a adição: 1.234 + 5.876 Resolução 1:
Nota:
Justificativa
Nota:
Justificativa
1 2 3 4 + 5 8 7 6 7 1 1 0
Resolução 2: 1
2
3
4
+ 5
8
7
6 → 6 10 11 0 → 6 11 1 0 → 7.110
6 10 10 10
Resolução 3:
Nota:
Justificativa
1.234 + 5.876 = 1.000 + 5.000 + 200 + 800 + 30 + 70 + 4 + 6 = 1.000+5.000 + 200 + 800 + 30 + 70 + 10 =
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110
= 1.000 + 5.000 + 200 + 800 + 30 + 80 = 1.000 + 5.000 + 200 + 800 + 110 = = 1.000 + 5.000 + 200 + 910 = 1.000 + 5.000 + 1.110 = 7.1110
Recebido em Junho de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E A FORMAÇÃO DO CIDADÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Adriana Richit* Universidade Federal da Fronteira Sul adrianarichit@gmail.com
RESUMO Pensar e promover o ensino da Matemática com vistas à formação do cidadão, seja na educação básica ou superior, pressupõe explicitar, primeiramente, a intencionalidade desse ensinar, aspecto esse que remete a discussão para a questão da formação profissional docente. Em seu processo de formação inicial, o futuro professor apropria-se de conhecimentos e práticas relativas à Matemática e seu ensino que o constituem professor, isto é, constituem suas concepções, ideologias, intencionalidades e modos de promover a prática pedagógica em sala de aula. Nesse processo de formação, o sujeito torna-se professor de Matemática no contexto das experiências formativas vivenciadas, quer sejam atividades focalizadas na promoção da cidadania ou práticas excludentes e opressoras. Com vistas a superar práticas excludentes em Matemática, surge na década de setenta a Educação Matemática, cuja dimensão profissional propicia uma educação emancipadora, crítica, reflexiva, ou seja, favorece a formação do cidadão. Para tanto, formação docente e formação cidadã precisam articular-se, ao tempo que requerem fomento e regulação das políticas públicas, temática essa central nesse debate. Isso posto, busco, a partir do presente texto, deflagrar reflexões sobre os limites e possibilidades das políticas educacionais no que diz respeito à formação do cidadão na perspectiva da Educação Matemática. Palavras-chave: Cidadania. Educação Matemática. Políticas Públicas.
EDUCATIONAL PUBLIC POLICIES AND THE CITIZEN EDUCATION IN PERSPECTIVE OF MATHEMATICS EDUCATION ABSTRACT To think and promote the teaching of mathematics aimed at the formation of the citizen, whether in basic education or higher, requires to explicit, firstly, the intentionality of teaching, aspect that who remit the discussion to the issue of teacher training. In his initial training, the future teacher it appropriates to knowledge and practices relating to mathematics and its teaching that to RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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constitutes the teacher, that is, his conceptions, ideologies, intentions and ways of promoting the teaching practice in the classroom. In the process of forming, the subject becomes math teacher in the context of the formative experiences lived, whether activities focused on promoting citizenship or oppressive and exclusionary practices. In order to overcome exclusionary practices in Mathematics, appears in the decade of seventy the Mathematics Education, which provides professional dimension emancipatory education, critical, reflective, ie, to side the formation of the citizen. Therefore, teacher training and civic education must be articulated at the time that require promotion and regulation of public policies, the central issue in this debate. That said, I seek, from this text, to deflagrate reflections on the limits and possibilities of educational policies with regard to the formation of the citizen in the perspective of Mathematics Education. Keywords: Citizenship. Mathematics Education. Public Policies.
Introdução Ao aventar-me sobre a temática Políticas públicas e a formação do cidadão em Educação Matemática, diversas questões emergiram. Dentre elas: a Matemática, enquanto disciplina do currículo escolar, culturalmente opressora e excludente, pode promover a cidadania? Esse questionamento remeteu-me a buscar compreensões sobre os dois temas centrais desse texto, a saber, políticas públicas e formação para cidadania, visando evidenciar interfaces e possibilidades entre Matemática e Cidadania. Política pública1, no âmbito desse texto, refere-se ao “conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem coletivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e, como se verifica mais recentemente, com a iniciativa privada”. Na perspectiva desse entendimento, uma política pública educacional caracteriza o conjunto de diretrizes que se destinam a estruturar, gerir e melhorar a educação brasileira em todos os níveis e modalidades de ensino. Inclui estrutura física, pedagógica, corpo docente e discente, programas educativos diversos etc. Assim concebida, uma política pública interfere diretamente na organização e funcionamento escolar, ao passo que as necessidades do contexto escolar influenciam na formulação de novas políticas ou apontam a necessidade de reformulação das diretrizes estabelecidas (RICHIT, 2010). RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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Por formação docente refiro-me ao processo de desenvolvimento profissional do professor, que perpassa as vivências do sujeito em sua prática social cotidiana, iniciando-se no âmbito das experiências escolares e estendendo-se ao longo da licenciatura, mobilizado pelas condições que lhe são oferecidas, pelo interesse e motivação em constituir-se professor. Sob esse enfoque, entendo que as experiências vivenciadas na formação inicial docente propiciam o delineamento da identidade profissional do futuro professor, ao passo que as mudanças sociais suscitam novos modos de pensar e promover a prática docente e, sobretudo, a formação do professor. De maneira análoga, compreendo que a formação de professores para a educação básica requer ações e práticas diversas que propiciem ao futuro professor uma formação qualificada e comprometida com a superação da marginalização dos estudantes da escola pública e dos problemas de aprendizagem, pois a dinamicidade das mudanças sociais, políticas e culturais complexificam os processos educacionais e o trabalho docente em tais contextos educativos. Nesse cenário novas dimensões do processo de formação docente emergem, redefinindo o próprio conceito de formação. Além da formação específica (da área de conhecimento) e pedagógica da prática docente, o professor precisa apropriar-se de conhecimentos que lhe permitam novas compreensões sobre o mundo, o trabalho, a cultura, a sociedade, a educação e a própria prática docente. Segundo Pires (2001), a formação do professor pressupõe o desenvolvimento de competências básicas relativas ao comprometimento com os valores da sociedade democrática, à compreensão do papel social da escola, ao domínio dos conteúdos a serem socializados em sala de aula e de seus significados em diferentes contextos, ao domínio do conhecimento pedagógico, ao conhecimento do processo de investigação que possibilite novas práticas pedagógicas, competência específica, dentre outras. Visando complementar as dimensões pontuadas por Pires (2001), recorro à Saviani (1996). Para esse autor, a formação profissional docente abarca diferentes saberes, tais como, saber atitudinal, saber crítico-contextual, saber específicos, saber pedagógico e o saber didáticocurricular.
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De acordo com os entendimentos apresentados em Pires (2001) e Saviani (1996), nota-se que o saber específico é condição necessária para a formação docente, mas não suficiente. Sublinho, portanto, a necessidade da formação inicial docente possibilitar outros saberes que constituem o profissional professor e delineiam o modo de promover a prática pedagógica em sala de aula. Tais saberes dizem respeito à apropriação de formas distintas de abordar conteúdos curriculares e, prioritariamente, o desenvolvimento de uma postura crítica frente a esses conteúdos e a forma como se apresentam nos programas curriculares, livros didáticos e nas práticas pedagógicas escolares. No que diz respeito à formação do professor de Matemática, há diversos estudos que propõem diferentes dimensões desse processo. Moreira e Davi (2005) criticam o modelo 3 + 1 (três anos de formação matemática e um ano de formação pedagógica) e preconizam que a formação para a docência (dimensão pedagógica) deve perpassar a formação específica, estendendo-se ao longo de toda a licenciatura. Silver (2006) aponta três dimensões cruciais que devem ser privilegiadas no processo de formação docente em Matemática, ou seja, para atuação como um professor proficiente no ensino nessa área do conhecimento. Primeiro, ele [o professor] precisa ter um profundo conhecimento da Matemática do currículo escolar, bem como extracurricular. Tal competência se refere ao conhecimento conceitual para ensinar. Em segundo lugar, este autor avalia que a proficiência em Matemática inclui um repertório fluente de procedimentos pedagógicos e a habilidade de planejar aulas e materiais didáticos. Igualmente, o professor necessita avaliar de que forma as ações pedagógicas específicas influenciam a aprendizagem dos alunos. Quanto à terceira dimensão, Silver (2006) pondera que o docente precisa mobilizar-se para um aperfeiçoamento contínuo do conhecimento e do desempenho do indivíduo enquanto professor. Para esse autor esta competência é denominada disposição produtiva para ensinar (RICHIT, 2010). Além dessas, há outras dimensões implícitas no processo de desenvolvimento profissional docente em Matemática que considero necessárias. Primeiro, o modo como as atividades formativas são planejadas e realizadas ao longo da licenciatura, conectadas ou
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desconectadas da intencionalidade do curso, interfere na formação inicial, assim como o respaldo legal, advindo das políticas públicas, pode favorecer a formação docente, à medida que os programas curriculares das licenciaturas são reformulados, visando qualificar essa formação e priorizar a valorização social da profissão professor. Além disso, compreendo que as experiências vividas na prática cotidiana na escola e na vida social-acadêmica tomam lugar na constituição das concepções do futuro professor sobre o que é ser professor, sobre o papel social da educação e sobre o que é ensinar e aprender. E por fim, considero que os contextos de formação inicial que oprimem, excluem e marginalizam o licenciando, contribuem para formar professores com postura docente imatura, insegura e, às vezes, também opressora, pois, de acordo com Gadotti (2001), para que a educação seja transformadora, comprometida com a modificação das condições de opressão, ela deve enraizarse na cultura dos povos. Ou seja, para ser libertadora, “a educação precisa construir entre educadores e educandos uma verdadeira consciência histórica” (GADOTTI, 2001, p.33). Sumarizando, a concepção de formação docente por mim assumida pressupõe que a formação do professor que ensina Matemática precisa acontecer de maneira contextualizada e específica, isto é, o futuro professor torna-se professor no contexto das suas práticas sociais e das atividades desenvolvidas ao longo da licenciatura, quer seja nas aulas de álgebra, cálculo, geometrias ou disciplinas pedagógicas, de modo que as experiências e dificuldades enfrentadas constituam-se em contextos de reflexão sobre a prática docente em Matemática e o processo de apropriação de conhecimentos nessa. É essa a perspectiva de formação cidadã que considero necessária para uma prática docente diferenciada e, também, comprometida com a formação para a cidadania. Entretanto, entendo que para compreendermos a sinergia entre a Educação Matemática e a promoção da Cidadania é preciso identificar interfaces entre ambas. Para tanto, proponho que explicitemos o entendimento de Cidadania, Matemática e Educação Matemática subjacente às reflexões levantadas nesse texto.
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Educação Matemática e formação cidadã: explicitando alguns conceitos Por cidadania entende-se, segundo o dicionário Houaiss, (1) qualidade ou condição de cidadão, (2) condição ou dignidade de quem recebe o título honorífico de cidadão, (3) condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política (HOUAISS, 2001). No senso comum, ser cidadão é participar das decisões coletivas, respeitar o direito e a liberdade do outro, preservar o bem público e a natureza, olhar pelos marginalizados, lutar pelos direitos individuais e coletivos, ter acesso à educação de boa qualidade, ter os direitos básicos respeitados, entre muitos outros. Mas, de fato, o que é cidadania? De que modo a Educação Matemática pode promover a cidadania? O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia em cidades e participava ativamente dos negócios, dos eventos sociais, das decisões políticas etc. Cidadania pressupunha todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Ao longo da história, o conceito de cidadania foi modificando-se, abarcando um conjunto de valores sociais que determinam deveres e direitos do cidadão em diferentes momentos históricos (PINSKY; PINSKY, 2003). No Brasil, as manifestações pioneiras em favor dos direitos humanos e da cidadania confundem-se com os movimentos e lutas por liberdade, a exemplo da Conjuração Baiana (Inconfidência Baiana ou Revolta dos Alfaiates), Inconfidência Mineira, Canudos, Revolução Farroupilha e outros. Em seguida, as lutas pela independência, abolição e, na república, as lutas pela democracia, tais como o fim do regime ditatorial, a conquista do voto direto, direito da mulher, entre tantos outros. Além disso, a institucionalização da cidadania no Brasil está associada à evolução constitucional (PINSKY; PINSKY, 2003). O conceito de cidadania já figurava na constituição imperial de 1824 e na primeira constituição republicana de 1891. Porém, segundo Bernardes (1995), a partir de 1930 estabeleceu-se clara distinção entre os conceitos de cidadania, nacionalidade e naturalidade. No âmbito dessa distinção, nacionalidade refere-se à qualidade de quem é membro do Estado
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brasileiro, e o termo cidadania tem sido empregado para definir a condição daqueles que, como nacionais, exercem direitos políticos (BERNARDES, 1995). Por fim, a formulação de políticas públicas para fins sociais aconteceu somente na segunda República, mais precisamente no período do governo de Getúlio Vargas, abarcando setores tais como “previdência, legislação trabalhista, saúde, educação, saneamento básico, habitação e transporte” (MEKSENAS, 2002, p.110). Entretanto, o compromisso com a cidadania e seu entendimento foram revisitados a partir de meados do século XX, período esse marcado por avanços sociopolíticos importantes, tais como, o processo de transição democrática, a volta de eleições diretas e a promulgação da Constituição de 1988, denominada “Constituição Cidadã”, entre outros. A Matemática, por sua vez, é entendida, consonante Freudenthal (1973), como uma atividade inerentemente humana. Para esse autor, em tal atividade deve-se enfatizar como essencial, primeiramente, o processo de pensamento que conduziu a conceitos matemáticos, e em segundo lugar, que essa atividade é uma atividade humana geral, uma vez que não se constitui em atividade exclusiva apenas para pessoas com talento especial. Contudo, há distintas compreensões, sobretudo entre matemáticos, acerca de qual o seu papel e da forma como a matemática deve ser abordada em cursos de bacharelado e licenciatura. No âmago desses entendimentos predomina a prática de uma Matemática opressora, excludente, que pouco contribui para a emancipação dos sujeitos e a equalização social. Diante desse cenário, um questionamento torna-se latente: pode essa Matemática e essa prática excludente contribuir para a formação cidadã? Esse questionamento, somado aos inúmeros problemas que perpassavam o ensino da Matemática na década de 70, mobilizaram professores e pesquisadores preocupados com essas questões, inaugurando um movimento que deu origem a Educação Matemática. Esse movimento fortaleceu-se na década de 80 com a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). Atualmente, a Educação Matemática é considerada como um campo científico e profissional, pois é tanto uma área de pesquisa como de atuação prática (FIORENTINI; LORENZATO, 2006), constituída como uma interface na intersecção de diversos campos
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científicos (GODINO; BATANERO, 1998). Em outras palavras, a Educação Matemática situa-se na convergência entre diferentes áreas do conhecimento, como Educação, Matemática, Psicologia, Epistemologia etc., e é entendida, simultaneamente, como campo profissional e científico. Enquanto campo profissional, a Educação Matemática diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem da Matemática na educação básica e educação superior, abarcando pressupostos epistemológicos, pedagógicos, históricos e políticos que esses processos subentendem. Enquanto campo científico, a Educação Matemática constitui-se em região de inquérito que tem a Matemática como objeto de estudo, olhando-a em suas múltiplas dimensões, ao tempo que investiga os processos de ensino e aprendizagem nessa área do conhecimento (RICHIT; CAVALCANTI; DINIZ, 2011). Sob esse viés, entendo que a Educação Matemática exerce papel fundamental na superação da tradição opressora que permeia os processos de ensino e aprendizagem da Matemática na educação básica e educação superior, contribuindo, destarte, para a formação do cidadão. Para tanto, a formação para a cidadania precisa ser priorizada nas diretrizes das políticas públicas educacionais, as quais devem priorizar a democratização e a qualificação da educação, a formação de professores e a valorização social da profissão professor.
As recentes políticas públicas educacionais e a formação para a cidadania Haja vista o propósito desse texto e as temáticas nele focadas, explicito agora alguns direcionamentos das recentes políticas públicas educacionais no que se refere à formação para a cidadania. Vale lembrar, entretanto, que o termo cidadania, conforme mencionado anteriormente, havia sido introduzido no texto da constituição imperial de 1824 e na primeira constituição republicana de 1891.
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i)
Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal (CF), aprovada em 05 de outubro de 1988, preconiza, em seu Art. 1º, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania (grifo meu), a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Vê-se que a cidadania figura entre os fundamentos principais do Estado democrático a partir dessa lei (BRASIL, 1988). Considera-se, ainda, que a regulamentação dos direitos e deveres individuais e coletivos, estabelecidos no Título II, Capítulo I da CF, bem como dos direitos e deveres sociais definidos no Capítulo II e direitos políticos definidos no Capítulo IV, contribuiu para institucionalizar a cidadania. Contudo, em relação aos direitos sociais definidos no Capítulo II, constatou-se que nada foi definido em relação à educação. Assim, a Seção I do Capítulo III (da Educação, da Cultura e do Desporto), é integralmente dedicada à educação. Em seu Art. 205º, a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, do Art. 206º ao 214º, a CF normatiza e regula a educação em nível nacional, da educação infantil a educação superior, definindo os princípios fundamentais, tais como qualidade da educação, igualdade e garantia de acesso, valorização profissional do professor, descentralização dos sistemas de ensino, definição de programa curricular mínimo e adequação a especificidade social e cultural de cada região, bem como a organização e distribuição dos recursos alocados para esse fim. Foram criados, também, programas suplementares de alimentação e assistência à saúde (BRASIL, 1988). Destaco, também, o disposto no Art. 214º. Consta nesse que a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade do
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ensino, formação para o trabalho e a promoção humanística, científica e tecnológica do País (BRASIL, 1988). Embora a seção I, em sua totalidade, priorize os direitos fundamentais do cidadão em relação à educação, com ênfase para a questão da qualidade do ensino ofertado destacada no Art. 214º, verifica-se que não há qualquer preocupação com a formação do professor na CF. Vale ressaltar que a qualificação da educação não pode dissociar-se da formação do professor. Diante do cenário apresentado, nota-se que, embora o termo cidadania fez-se presente na CF de 88, por meio da qual os direitos e deveres (sociais, políticos, legais) dos cidadãos brasileiros foram estabelecidos, não foi explicitado o entendimento de cidadania subjacente a essas políticas. Além disso, verifica-se que não há qualquer menção à formação para a cidadania nesse documento ou educação comprometida com a formação cidadã. Em outras palavras, formar para cidadania no cenário político brasileiro da época representaria conscientizar as pessoas dos seus direitos, mobilizando-os na luta pela equalização social e a resistência à opressão, aspectos esses que não são evidenciados nas diretrizes da Constituição Federal.
ii)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/96
A mais recente iniciativa político-educacional implementada no Brasil é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 20 de dezembro 1996 sob o número 9.394, que normatiza e disciplina o ensino em nível nacional, da pré-escola à educação superior, com base nos princípios contidos na Constituição Federal (BRASIL, 1996). A referida Lei preconiza no Art. 87º das disposições transitórias que fica instituída a Década da Educação, constituindo-se em uma reconfiguração da educação nacional. A LDB estabelece diversas ações que visam mudanças em todos os níveis da educação, pautada no objetivo de promover a descentralização e a autonomia às escolas de educação básica e às universidades (BRASIL, 1996).
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A LDB, similarmente a CF, coloca a cidadania como um dos princípios da educação. De acordo com o Art. 2º, título II, a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do sujeito, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Já o Art. 3º prioriza a democratização e a qualidade da educação, o pluralismo de ideias e práticas, a valorização do profissional professor etc. (BRASIL, 1996). Consta ainda no título VI, Art. 61º, parágrafo único, que a formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: i) a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; ii) a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; iii) o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades formativas (BRASIL, 1996) Além disso, o Art.62º preconiza que a formação de docentes para atuar na educação básica dar-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modalidade Normal, comumente denominada Magistério (BRASIL, 1996). No texto integral da LDB, diversos outros aspectos relacionados à garantia dos direitos mínimos dos cidadãos brasileiros, no que diz respeito à educação, são priorizados. Contudo, efetivamente, sabe-se que esses aspectos pouco mudaram a situação de exclusão e marginalidade de muitas crianças e jovens, ao tempo que pouco contribuíram para a qualificação da educação ofertada na maioria das escolas pública do país. Afora esses aspectos, constata-se que a LDB não é clara em relação aos desdobramentos pedagógicos e os fundamentos teóricos das diretrizes da formação inicial de professores, bem como acerca de como esse processo pode contribuir para promover a formação para a cidadania.
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Por outro lado, a LDB possibilitou a criação de diversos programas de formação inicial docente, bem como desencadeou um movimento de reformas das políticas existentes, que vieram estruturar e regulamentar a formação profissional em nível de licenciatura. Dentre essas reformas, destacam-se as diretrizes curriculares para os cursos de licenciatura e as diretrizes para o Estágio Supervisionado, que é um componente curricular obrigatório no âmbito das licenciaturas. O Estágio Supervisionado, assim como a Prática de Ensino, que é outra componente curricular das licenciaturas, constitui-se como processo didático-pedagógico preponderante para o desenvolvimento de atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, pois é no âmbito dessas práticas que o futuro professor vivencia situações da prática docente escolar, apropriando-se de conhecimentos necessários à docência e desenvolvendo atitude reflexiva sobre essa prática. O Estágio Supervisionado e a Prática de Ensino enquanto componentes curriculares da formação de professor, evidenciados na LDB, figuram na legislação desde a Lei nº 6.494, de 7 dezembro de 1977, regulamentada pelo Decreto Lei nº 87.497 de 18 de agosto de 1982 e alterada pela Lei nº8.859, de 23 de março de 1994. Além disso, as diretrizes desses componentes foram alteradas diversas vezes por meio da aprovação de documentos complementares, tais como o Parecer CNE/CES nº 503/98, de 3 de agosto de 1998; Parecer CNE/CP nº 09/2001; Parecer CNE/CP nº 27/2001, que dá nova redação ao Parecer CNE/CP nº09/2001; Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002; Parecer CNE/CES nº 197, de 7 de julho de 2004; Parecer CNE/CES nº 15, de 2 de fevereiro de 2005; Resolução CNE/CEB nº 2, de 4 de abril de 2005, que modifica a redação do inciso 3º do artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº 1/2004. Inclui-se ainda no âmbito da LDB as políticas de educação inclusiva, cuja ênfase é a promoção da cidadania. No capítulo relativo à educação especial, há importantes diretrizes que visam assegurar o acesso à educação às pessoas portadoras de necessidades especiais, quer seja no que se refere a limitações cognitivas ou supercapacidade. Há, ademais, as diversas políticas de acesso à educação a pessoas de grupos culturais e étnicos historicamente marginalizados, como é o caso do sistema de cotas das universidades, que privilegia estudantes negros e indígenas, bem como o fator escola pública, que é um critério usado por universidade públicas,
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atrelado ao Exame Nacional do Ensino Médio, na seleção de estudantes. Destacam-se, também, as políticas de inclusão digital, recentemente fortalecidas com o Programa Um Computador por Aluno (ProUCA), criado em 2007. O marco inicial das políticas de inclusão digital deu-se em 1997 com a criação do Programa Nacional de Informática Educativa (ProInfo), centrado no objetivo de promover o uso das tecnologias informáticas na educação básica, priorizando a implementação de laboratórios de informática em escolas e a formação de professores multiplicadores. Porém, devido à especificidade das realidades educacionais, o ProInfo mostrou-se inadequado e insuficiente para que as metas fossem alcançadas, o que demandou mudanças nos seus objetivos e diretrizes. Com isso, criou-se o ProUCA, planejado como uma forma de revitalizar o ProInfo, assegurando que metas previstas inicialmente fossem alcançadas e novas demandas fossem contempladas, bem como favorecer a inclusão digital na escola pública. Sem adentrar no mérito ou nas incoerências das diretrizes estabelecidas, como o sistema de cotas, considero que essas diretrizes contribuíram para inaugurar um movimento favorável à promoção da cidadania no âmbito da educação brasileira, movimento esse que se reconfigura mediante novas mudanças sociais e políticas.
iii)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais e as tendências pedagógicas no ensino
da Matemática Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), instituídos em 1998, constituem-se em uma relevante iniciativa voltada à qualificação do ensino a partir da criação de parâmetros curriculares mínimos para todo o sistema de ensino público brasileiro, respeitando-se as especificidades culturais e sociais regionais. Inicialmente foram implantados os PCN do terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, recomendando-se a adequação do trabalho escolar às demandas da contemporaneidade. Posteriormente, em 1999, foram implantados os PCN nos demais níveis da educação básica. Esses documentos preconizam que a Matemática se
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presentifica em diversos contextos da sociedade, cabendo à escola fazer essa articulação com vistas a formar cidadãos participativos, críticos e autônomos. Neste contexto, a educação precisa viabilizar condições para o sujeito compreender e transformar o mundo. A esse respeito, Danelon (1996) ressalta que historicamente os antigos povos latinos manifestavam preocupação com relação às dimensões da educação, preconizando que o sujeito em seu percurso educativo precisa aprender para a vida. Skovsmose (2001), por sua vez, ao discutir a Educação Matemática na perspectiva crítica, propõe que esta educação contribui na formação de um cidadão crítico e sua falta pode excluí-lo da sociedade, uma vez que está presente em toda parte. Portanto, somente por meio de uma boa Educação Matemática a escola formará cidadãos conscientes, reflexivos, críticos e capazes de modificar sua realidade. Na perspectiva da Educação Matemática crítica, destacada por Skovsmose (2001), considero que contextos de aprendizagem que contemplam atividades envolvendo resolução de problemas, história da matemática, utilização de tecnologias, modelagem matemática, pedagogia de projetos, interdisciplinaridade, bem como o resgate da Matemática praticada por diferentes grupos culturais (etnomatemática), constituem-se em espaços favoráveis ao desenvolvimento dos estudantes, sejam eles da educação básica ou futuros professores, assim como possibilitam uma formação cidadã, uma vez que favorecem a participação social crítica e consciente dos sujeitos. As situações de aprendizagem ora apresentadas caracterizam, no âmbito desses documentos, tendências no ensino da matemática, cuja finalidade primordial é a formação para a cidadania.
iv) As políticas para formação inicial docente As primeiras diretrizes políticas da formação inicial de professores foram estabelecidas no âmbito da LDB. Em seu texto inicial, a LDB propunha, entre outras coisas, que a formação inicial docente dar-se-ia em nível superior. Esse texto teve a pretensão de definir os fundamentos e os níveis da formação e fazer uma relação com a necessidade de valorização do magistério, valorização essa que foi exigida no âmbito do movimento dos trabalhadores da educação.
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As diretrizes de formação docente estabelecidas na LDB sustentam-se no pressuposto de que a qualificação da educação não se dissocia da formação docente. Na esteira dessas diretrizes foram criados vários programas e ações voltadas para a formação docente. Para garantir uma formação inicial, foram instituídos os Cursos Normais Superiores, Cursos de Pedagogia e Licenciaturas (RICHIT, 2010). Destaca-se, primeiramente, a ampliação dos cursos de licenciatura em todo o Brasil, principalmente em decorrência das políticas de interiorização da educação superior pública. Além disso, ocorreram diversas mudanças deflagradas no âmbito da estrutura curricular dos cursos de licenciatura, tais como a superação do modelo 3 + 1, a incorporação de disciplinas com ênfase às tendências no ensino da matemática e a ampliação da carga horária das componentes curriculares Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. Dentre os programas criados, destaca-se o Pró-Licenciatura, que é um programa de formação inicial desenvolvido em parceria com Instituições de Ensino Superior (IES), públicas ou comunitárias, com vistas a atender os professores dos anos/séries finais do ensino fundamental e médio em sistemas públicos de ensino, que não têm habilitação legalmente exigida para a função. O Pró-Licenciatura prioriza a oferta de cursos de licenciatura, na modalidade de Educação a Distância (EAD). Os cursos são criados por instituições de ensino superior públicas ou comunitárias, isoladas ou associadas entre si, com condições de oferta devidamente comprovadas, em estreita cooperação com a coordenação do Pró-Licenciatura. O objetivo é melhorar a qualidade de ensino na educação básica por meio de formação inicial consistente e contextualizada do professor em sua área de atuação. O programa toma como ponto de partida a ação do professor na escola em que desenvolve seu trabalho, de forma que sua experiência do dia a dia sirva de instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica. Nessa perspectiva, citamos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID), que é um programa que visa qualificar a formação para a docência, inserindo o licenciando no contexto da escola, possibilitando-lhe vivenciar as práticas cotidianas em sala de aula e a cultura escolar.
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Cabe ressaltar, também, o Plano Nacional de Formação de Professores – PARFOR, que visa formar professores em exercício na educação básica das redes públicas estaduais e municipais, que não tem formação em nível de licenciatura. São ofertados cursos de 1ª Licenciatura, 2ª Licenciatura e Formação Pedagógica para os professores que possuem algum tipo de graduação que não a de licenciatura.
A prática docente em educação matemática e a formação cidadã De acordo com Kilpatrick (1996), a Educação Matemática é uma área de estudos e pesquisas que possui sólidas bases e que também está contextualizada em ambientes interdisciplinares. Por esse motivo, caracteriza-se como um campo de pesquisa amplo, que busca a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem da Matemática. Nesse espectro se apresentam e se firmam as tendências em Educação Matemática, que, às vezes, se corporificam nos PCN como tendências no ensino da Matemática. No âmbito da Educação Matemática, as tendências podem propiciar novas vivências para professores e alunos, contribuindo significativamente para os processos de ensino e de aprendizagem, formação crítica e reflexiva, participação social diferenciada etc. Dessa forma, as aulas de Matemática podem fomentar novos modos de pensar, agir, ensinar e aprender na escola contemporânea, caracterizada pela diversidade e dinamicidade das interlocuções que aí se estabelecem. É nessa perspectiva que vislumbro o papel da Educação Matemática na formação para a cidadania. Estudantes e professores precisam vivenciar novas práticas em Matemática, práticas essas que promovam a emancipação e a inclusão e repudiem e combatam a opressão, a exclusão e posturas arrogantes. A Matemática deve servir para promover a PAZ, conforme preconiza Ubiratan D’Ambrosio (1996), e, também, a inclusão e a politização dos estudantes em seu percurso formativo. Nessa perspectiva, segundo Lorenzato e Fiorentini (2001), educador matemático é aquele
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que concebe a Matemática como um meio para promover a educação, pois ele educa através da Matemática. Tem por objetivo a formação do cidadão e, devido a isso, questiona qual Matemática e qual ensino são adequados e relevantes para essa formação. Sob esse viés, compreendo que um importante passo foi dado por Ole Skovsmose (2001), em seu livro Educação Matemática Crítica. O autor preconiza que a democracia precisa estar presente na Educação Matemática, para que a formação do sujeito propicie-lhe o exercício da cidadania e a emancipação enquanto sujeito social. Analogamente, o trabalho de Jussara Loiola de Araújo, intitulado Educação Matemática Crítica: reflexões e diálogos coloca a Educação Matemática Crítica como uma preocupação educacional geral. Para a autora, a Educação Matemática Crítica é caracterizada por meio de suas incertezas, porém, ao mesmo tempo, inclui uma preocupação em proporcionar sugestões sobre o que uma Educação Matemática voltada à justiça social poderia significar. Tais sugestões devem ser desenvolvidas por meio de reflexões e diálogos (ARAÚJO, 2007). Do mesmo modo, a Educação Matemática precisa priorizar a formação do professor, formação essa que lhe propicie vivenciar e promover a cidadania. Não há como esperar que a prática do professor na educação básica promova a cidadania se a sua formação não permitiu a apropriação desse conceito e a sua formação cidadã. Portanto, promover a educação voltada para a cidadania pressupõe, entre outras coisas, a promoção de uma formação docente cidadã.
Considerações finais As reflexões aqui deflagradas visam, num enfoque mais amplo, repensar o conceito e o papel das políticas públicas na formação para a cidadania na perspectiva da Educação Matemática. Nesse sentido, entendo que para a formação do cidadão crítico, consciente dos seus direitos e deveres e engajado no movimento de reinvindicação desses direitos, faz-se necessária uma educação diferenciada: uma educação qualificada e voltada à formação da consciência e atitude crítica.
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Assim, a escola e a universidade constituem-se em espaços de socialização de conhecimentos, de formação intelectual, crítica e política, onde os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam respeitados em sua individualidade, em suas igualdades, diferenças, crenças, opiniões e ideologias. Nessa perspectiva, pensar em políticas públicas com ênfase na formação para a cidadania em Educação Matemática é, inicialmente, pensar na participação do sujeito numa dimensão pontual, quer seja favorecendo a sua libertação de um ensino de Matemática opressor, mobilizando-o a materializar, por meio de ações, sua participação social numa dimensão maior, visando o bem coletivo e a transformação da sua realidade. Ou seja, é promover a formação do futuro professor numa perspectiva cidadã, com vistas e encorajá-lo a uma prática docente voltada à formação para a cidadania. Além disso, para que haja justiça social e que os cidadãos tenham direito a educação de boa qualidade, torna-se urgente e necessário investir em políticas públicas educacionais, abarcando estrutura física, condições de trabalho docente, valorização social da profissão, valorização salarial, formação de professores, entre outros aspectos. Nessa perspectiva, considero que, enquanto não temos esse cenário ideal, que políticas compensatórias e reparatórias, como por exemplo, a reserva de cotas para estudantes negros, indígenas ou sem-terras, e o fator escola pública, sejam mantidas para amenizar a situação de marginalização desses grupos sociais em relação à educação superior pública, contribuindo, destarte, para a concretização da cidadania.
Notas *
Doutora em Educação Matemática, Universidade Estadual de São Paulo (Rio Claro). Professora Adjunta na Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus de Erechim, RS. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática e Tecnologias. E-mail: adrianarichit@gmail.com 1 2
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica_p%C3%BAblica>. Acesso em 03 mai.2011. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADtica_p%C3%BAblica>. Acesso em 03 mai.2011.
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Recebido em Julho de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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UMA ANÁLISE DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA EXTERNA COM BASE NO QUE PROPÕEM DOCUMENTOS OFICIAIS PARA O ENSINO DE GRÁFICOS ESTATÍSTICOS
Terezinha Monica Sinício Beltrão* Universidade Federal Rural de Pernambuco terezinhamonicabeltrao@yahoo.com.br
RESUMO Este estudo teve como objetivo analisar a Transposição Didática Externa, a partir dos saberes apresentados nos documentos oficiais e como estes aparecem em dois livros didáticos, apoiando-se na Teoria da Transposição Didática (TD) de Chevallard (1991). A TD é um fenômeno que foi inicialmente investigado por Yves Chevallard e propõe a análise do caminho que percorre o saber, desde a sua produção científica, até a sua entrada no contexto escolar, chegando também à sala de aula. Os dados para esta pesquisa foram coletados a partir da análise das atividades de dois livros didáticos em comparação ao que propunha os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife: Construindo Competências. Os dados permitem afirmar que os Livros avaliados atendem as orientações dos PCN para o trabalho com o Tratamento da Informação e não ferem o que reza na Proposta Pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências. Os resultados apontam que as atividades dos livros didáticos referentes ao tratamento da informação, utilizados pelas turmas pesquisadas, abordam principalmente propostas de interpretação de gráficos. Palavras-chave: Gráficos Estatísticos. Livro Didático. Transposição Didática Externa. Tratamento da Informação.
AN ANALYSIS OF EXTERNAL DIDACTIC TRANSPOSITION BASED AT THE PROPOSITION OF OFFICIAL DOCUMENTS TO TEACHING OF STATISTICAL GRAPHS
ABSTRACT This study aimed to analyze the external Didactic Transposition, from the knowledge presented in official
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documents and how these appear in textbooks. Relying on the Theory of Didactic Transposition (TD) of Chevallard (1991). TD is a phenomenon that was initially investigated by Yves Chevallard and proposes the analysis of the path that runs through the knowledge from the scientific production until its entry into the school context, also coming to the classroom. Data for this study were collected from the analysis of the activities of two textbooks in comparison to what the proposed National Curriculum Parameters (PCN) and the Pedagogical Plan of the Municipal School of Recife: Construindo Competências. The data confirm that those books evaluated meet the guidelines of the (PCN) to work with the Information Processing and not hurt the Pedagogical Plan which states in the municipal schools of Recife: Building skills. The results indicate that the activities of the textbooks for the treatment of information used by the groups surveyed mainly deal proposed interpretation of graphs. Keywords: Statistical Graphs. Textbook. External Didactic Transposition. Information Processing.
Introdução Este estudo foi realizado com o objetivo de analisar a Transposição Didática dos saberes apresentados nos documentos oficiais e como estes aparecem nos livros didáticos. Os saberes até serem ensinados na sala de aula passam por transformações que os faz tomar ‘outra forma’. Essas transformações pelas quais passam o saber desde a sua concepção na comunidade científica até àquele que adentra a sala de aula, Chevallard (1991) chamou de Transposição Didática (TD). A Transposição Didática na perspectiva da Didática da Matemática francesa é entendida como transposição de saberes. Abrange o saber matemático em sua origem, qualquer que seja esse saber, até o saber ensinado pelo professor e analisa as transformações pelas quais o saber passa a fim de tornar-se passível de ser ensinado. A noção da TD traz importantes contribuições à Teoria das Situações Didáticas, desenvolvida por Brousseau (1986), que propõe que a relação didática é formada pelos pólos: Professor, aluno e saber, podendo, essa relação triangular, ser assim representada:
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Triângulo das Situações Didáticas
Nessa relação triangular, na qual há uma intencionalidade de ensino, ou seja, o desejo de se ensinar um saber a ser aprendido pelo grupo de alunos, a reflexão sobre o ‘saber’ contribui sobremaneira para a compreensão dos fenômenos que se instituem na relação didática. Chevallard (1991) propõe de partida que todo saber é o saber de uma instituição e existe de forma a atender as necessidades da instituição à qual ele está vinculado. Antes de ‘chegar’ à escola, os conteúdos de ensino que serão objetos de estudo na relação didática são definidos por especialistas e técnicos que compõem uma instituição ‘não visível’, que Chevallard (1991) denominou de Noosfera. Nessa ‘instituição’ ocorre a Transposição Didática Externa (TDe). Há ainda, segundo esse autor, uma transformação no saber, realizada pelo professor na medida em que ele apresenta situações de ensino. A essa transformação, realizada agora na instituição escola, mais precisamente na sala de aula, no contexto da relação didática, Chevallard (1991) denominou Transposição Didática Interna (TDi). No nosso estudo analisamos o saber gráficos estatísticos, apresentado em dois livros didáticos. Para essa análise tomamos por base o que apresentam os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN e a Proposta Pedagógica: Construindo Competências da rede municipal de Ensino do Recife, que são documentos oficiais nos quais estão expressos os saberes que serão objetos de ensino na sala de aula. Discutiremos, portanto, a Transposição Didática Externa (TDe) estabelecendo comparações com atividades propostas no Livro Didático (LD). Uma vez que analisamos as atividades propostas nos LD, discutimos questões relativas a essa importante ferramenta do contexto escolar, pois o Livro Didático é mais um recurso disponível para o professor. Segundo Lajolo (1996, p. 4), “o Livro Didático é instrumento específico e importantíssimo de ensino e de aprendizagem formal”. Apesar de não ser o único material que os
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professores e alunos utilizam, se configura como mais um interlocutor que dialoga com o professor e também com o aluno. Escolhemos desenvolver a pesquisa sobre o conteúdo ‘gráficos estatísticos’ pelo fato de que alguns estudos, como o de Guimarães, Gitirana e Roazzi, (2001), apontarem que esse é um campo nos quais há certa dificuldade, tanto da ordem do ensino, quanto da aprendizagem. Campos e Lima (2008) afirmam ainda que o tratamento da informação na escola básica é uma temática de considerável extensão e complexidade. Também se trata de um campo que está bastante ligado ao cotidiano e à construção da cidadania. Diariamente uma grande quantidade de informações é expressa por meio de gráficos e tabelas. Observa-se isso, por exemplo, em jornais, revistas e nas reportagens veiculadas na mídia televisiva. Esses e outros meios de comunicação apresentam informações nesse formato para descrever situações das mais variadas. A escolha por essa forma de representação deve-se à suposta facilidade de transmissão de informações de maneira rápida, organizada e resumida. Porém, a interpretação nem sempre é tão simples como aparenta. A correta leitura dessas representações é essencial para a compreensão dos dados expressos, possibilitando inclusive perceber distorções propositais que porventura estejam ocorrendo, sendo, portanto, fundamental para a formação do estudante para que ele possa, entre outras coisas, selecionar, organizar e produzir informações relevantes, para interpretá-las e avaliá-las criticamente (BRASIL, 1997). Considerando a importância da leitura de gráficos e tabelas na formação dos estudantes, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1997) sugerem que o trabalho com essas representações estejam presentes a partir dos anos iniciais do Ensino Fundamental, colocando os gráficos estatísticos no bloco de conteúdos Tratamento da Informação. Optamos por investigar especificamente a Transposição Didática externa (TDe) analisando as orientações dos documentos oficiais para o ensino de gráficos estatísticos e como essas orientações influenciam o que propõem os livros didáticos.
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Transposição Didática A Transposição Didática diz respeito às transformações pelas quais passa um saber científico até se tornar um saber ensinado. Chevallard (1991, p. 39) assim a apresenta: Um conteúdo do conhecimento tendo sido designado como saber a ensinar sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos de ensino. O “trabalho” que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino é chamado de transposição didática.
A noção de Transposição Didática foi estudada a partir da compreensão de que há diferenças entre as diversas formas de configuração de um determinado saber, dependendo dos fins e contexto a que este serve. Brito Menezes (2006), resumindo o que propôs Chevallard (1991), destaca a existência de uma instituição produtora do saber (a comunidade científica); de uma instituição transpositiva do saber (a qual Chevallard chamou de Noosfera) e de uma instituição socializadora do saber, responsável pelo seu ensino (que seria a sala de aula). A respeito da Noosfera, Brito Menezes (2006) acrescenta: O longo processo de transformação dos saberes científicos em saberes a ensinar é realizado numa instituição ‘escondida’, ‘não-visível’, segundo Chevallard (1991), intitulada de NOOSFERA, que envolve a comunidade responsável por estabelecer o que deve ser ensinado na escola (BRITO MENEZES, 2006, p.75).
Ao considerarmos que o saber produzido na comunidade científica precisa de algumas modificações para tornar-se passível de ser ensinado, há alguns espaços e instituições, além da escola, desempenhando importante papel nesse caminho do saber. Esse caminho que percorre o saber rende-lhe transformações. O saber passa por uma ‘didatização’ para que transite de um saber científico a um saber a ser ensinado e finalmente ao saber ensinado. Tais transformações são denominadas de Transposição Didática. Embora possamos defini-la desse modo, a noção de Transposição Didática é complexa e envolve
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inúmeros elementos que precisam ser analisados, desde elementos de natureza epistemológica, até os de natureza didática. Quando os saberes matemáticos chegam à escola, constituindo-se como objetos de ensino, todo o caminho de construção, desconstrução e reconstrução desse saber é, de certa forma, desconsiderado. Essa maneira de tratar os saberes é necessária, porém, de certa forma lamentável. A esse respeito, Brousseau (apud BRUN, 1996, p.36) acrescenta ainda: Mascara o <<verdadeiro>> funcionamento da ciência, impossível de comunicar e de descrever fielmente a partir de fora, para colocar no seu lugar uma gênese fictícia. Para tornar mais fácil o seu ensino, isola determinadas noções e propriedades do tecido de atividades em que elas tiveram a sua origem, o seu sentido, a sua motivação e a sua utilização transpondo-as para o contexto escolar [...].
Nesse contexto, podemos afirmar que a gênese fictícia do saber é algo, até certo ponto, necessário para que seja possível o ensino, configurando-se na Transposição Didática, porém pode descaracterizar o saber de maneira a dificultar a apropriação do conhecimento num processo de ensino e de aprendizagem. Salientamos, por outro lado, conforme reflete Brito Menezes (2006), que Chevallard não se preocupa em refletir se a Transposição Didática é “boa” ou “ruim”. Para ele, ela simplesmente existe, e pelo fato de existir é relevante que a Ciência se interesse em saber que fenômenos emergem nesse processo de transposição dos saberes. Nessa perspectiva, a depender dos espaços, instituições em que ocorre a Transposição Didática, ela é entendida como Transposição Didática externa ou interna. Esta última acontece na sala de aula, no contexto da relação didática. A primeira à qual nos referimos tem lugar numa instituição ‘invisível’, fora da escola, representada por profissionais que atuam em instituições responsáveis pela institucionalização dos saberes passíveis de serem ensinados pela escola. Refletiremos agora sobre essas especificidades.
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Transposição Didática Externa
O processo de transformação dos saberes científicos em saberes a ensinar é realizado na Noosfera que é, segundo Chevallard (1991), uma instituição ‘não-visível’ que envolve aqueles que são responsáveis por definir o que será ensinado nas escolas. A TDe refere-se às transformações pelas quais passam o saber nas instituições que regulamentam e orientam o(s) sistema(s) de ensino. Tais instituições propõem os textos dos parâmetros, orientações e currículos que irão nortear a organização e sistematização desses saberes que chegarão às escolas. Segundo Brito Menezes (2006, p. 76) “um aspecto que podemos considerar é que, de acordo com Chevallard, existem certas exigências que sofre o saber, para que ele possa se tornar ensinável”. Essas exigências delineiam o que Chevallard (1991, p.58 apud Brito Menezes, 2006, p.76) chama de la mise en texte du savoir e podem ser resumidas como: - a dessincretização do saber; - a despersonalização do saber; - a programabilidade da aquisição do saber; - a publicidade do saber; - o controle social das aprendizagens. Para Chevallard é necessário que aconteça uma dessincretização, ou seja, a separação, do saber, em saberes ‘pontuais’; a despersonalização do saber, por sua vez, refere-se à descontextualização, ou seja, não personalização do saber, com o intuito “de dar um caráter mais geral, descontextualizado e não personalizado, ao saber” (ibid, p.77). A programabilidade da aquisição do saber pressupõe uma programação, uma forma de organização do saber. Segundo Brito Menezes (2006, p. 78):
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As etapas de publicidade do saber e de controle social das aprendizagens, por fim, estão ligadas à definição explícita de quais os saberes que deverão ser ensinados, em que tempo, e como poder ‘controlar’ que a aprendizagem se deu, ou seja, que o saber a ensinar efetivamente se transformou em saber ensinado.
No caso específico do Brasil e de Pernambuco, temos como exemplo, respectivamente, o Ministério da Educação (MEC), a Secretaria Estadual de Educação (SEE) e as Secretarias Municipais de Educação, que por meio dos seus técnicos, pedagogos e especialistas compõem a ‘Noosfera’. Salientamos que não é nossa intenção fazer juízo de valor sobre as orientações contidas nos documentos que analisamos, pois o nosso propósito com relação aos documentos oficiais é analisar o teor desses documentos com o intuito de visualizar a Transposição Didática neles expressa e/ou a partir deles orientada, bem como aquelas explicitadas nas atividades do Livro Didático. Temos aqui no Brasil, diferentemente da França, onde foram realizados os primeiros estudos e desenvolvida a Didática da Matemática, os autores dos livros didáticos, que consideramos também fazer, em certa medida, parte dessa instituição denominada Noosfera, pois pela importância desse instrumento (o Livro Didático) no sistema educacional brasileiro, há uma influência significativa no que se refere aos saberes que são ensinados na escola. O destaque que demos ao Livro Didático, de alguma forma já havia sido percebido por Henry (1991), que propôs que entre os documentos norteadores do ensino e os manuais de ensino, na França (o que corresponderia aos nossos livros didáticos) haveria uma nova etapa de Transposição Didática: do saber a ser ensinado para o saber escolar. Entendemos que, dos documentos produzidos pela Noosfera, os que melhor expressam os saberes que serão objetos de ensino são aqueles que constam dos conteúdos a serem trabalhados nos componentes curriculares, a saber, o programa de conteúdos dos sistemas de ensino, bem como, os livros didáticos. Os autores dos livros didáticos, tomando como base os programas, trazem no texto de suas obras, explicitamente, o saber que a escola deve privilegiar daqueles constituídos historicamente. Dentre os saberes descritos nos PCN e na Proposta a que nos referimos, encontra-se RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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‘gráficos estatísticos’ que compõe o eixo Tratamento da Informação. Seguiremos apresentando aspectos relacionados ao Tratamento da Informação e ao ensino de gráficos estatísticos.
Tratamento da Informação Nos Estados Unidos da América, a inserção do campo do Tratamento da Informação nos currículos ocorreu, desde a publicação dos Standards, do National Council of Teachers of Mathematics – NCTM, em 1989 e depois o NCTM divulgou ainda os Principles and Standards, nos quais está incluído, com destaque, o bloco de conteúdos denominado Data Analysis and Probability (CAMPOS; LIMA, 2008). No Brasil, o Tratamento da Informação foi introduzido como bloco temático a partir de 1997 por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais, configurando-se um campo de estudo para ser trabalhado desde os anos iniciais, para permitir ao cidadão “tratar as informações que recebe cotidianamente, aprendendo a lidar com dados estatísticos, tabelas e gráficos” (BRASIL, 1997, p.53). No que diz respeito ao ensino de gráficos estatísticos, as propostas curriculares de Matemática, em todo mundo, têm dedicado especial atenção ao Tratamento da Informação, destacando que o estudo desse tema é imprescindível para que as pessoas possam analisar, por exemplo, índices de custo de vida, realizar sondagens, escolher e tomar decisões em situações do cotidiano (LOPES, 2004). Na análise dos dados do presente artigo, apresentaremos o que reza a Proposta pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências e os PCN para o ensino de gráficos estatísticos, estabelecendo comparação com as atividades dos livros didáticos que avaliamos.
Análise dos dados
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Os PCN orientam que para o 1º ciclo de aprendizagem o professor deve propiciar situações em que o aluno aguce sua curiosidade de maneira que possa, estabelecendo relações e construindo justificativas, desenvolver o espírito investigativo. Tais situações podem ser embasadas por interpretações gráficas. Destacamos, porém, que “a finalidade não é a de que os alunos aprendam apenas a ler e a interpretar representações gráficas, mas que se tornem capazes de descrever e interpretar sua realidade, usando conhecimentos matemáticos” (BRASIL, 1997, p. 69). Para o 2º ciclo de aprendizagem, etapa em que se concentra nossa pesquisa, no que concerne ao Tratamento da Informação, deve-se desenvolver o trabalho a partir da coleta, organização e descrição de dados, possibilitando a compreensão do aluno a respeito do papel dos gráficos e das tabelas na comunicação desses dados, “a apresentação global da informação, a leitura rápida e os destaques dos aspectos relevantes” (BRASIL, 1997 p.85). A Proposta pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências (RECIFE, 2002), apresenta-se como versão preliminar desde a sua criação no ano de 2002. No momento, segundo informações da Secretaria Municipal de Educação do Recife, o referido documento encontra-se em estudo para atualização, mas ainda é o documento que, até então, orienta as escolas no que concerne aos conteúdos a serem ministrados na Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA, nos seguintes componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte, Inglês, Educação Física, Ciências, Matemática, História, Introdução às Leis Trabalhistas, Geografia e Ensino Religioso. Quando da apresentação do referido componente curricular, a proposta aponta que, como componente curricular, a matemática assume um papel relevante no processo de formação do cidadão, auxiliando-o a estruturar o pensamento e o raciocínio dedutivo e funcional, tendo em vista a aplicabilidade dos conceitos matemáticos no cotidiano. Ao fazer referência ao que chama de ‘competências’, o documento alia as competências que elenca aos eixos: Número e Operações, Espaço e Forma, Medidas e Grandezas, Tratamento de Informações e Funções e Álgebra, sem, contudo, destacar quais competências estariam
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relacionadas à que/quais eixo(s). Destaca as competências a serem desenvolvidas pelos estudantes da Educação Infantil, Ensino fundamental e EJA.
Dentre tais competências,
destacamos três que estão diretamente relacionadas ao objeto do saber que é foco de nossa investigação. São elas:
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Apropriar-se de diferentes linguagens, utilizando palavras, números, símbolos e imagens, para se estabelecer uma efetiva comunicação em Matemática, articulando, de forma sintética, as informações para resolver problemas em diversas situações; Compreender e identificar número considerando todos os aspectos que o compõem: sequência; inclusão, agrupamento, conservação, ordenação, indicador de quantidade e código, aplicando-o no contexto social, na resolução de situações cotidianas, que favoreçam o exercício da cidadania; Ler, interpretar e transpor informações em diversas situações e diferentes configurações (do tipo: charges, anúncios, gráficos, tabelas, propagandas), utilizando-as na compreensão de fenômenos sociais e na comunicação, agindo de forma efetiva na realidade em que vive (RECIFE, 2002, p. 67).
Entendemos que o estudo de gráficos estatísticos nos anos iniciais oportuniza a compreensão de questões apresentadas em diferentes formatos que fazem uso de símbolos, imagens, palavras e números, ou seja, pretende favorecer a compreensão de aspectos da realidade apresentados por meio de diferentes instrumentos e perspectivas, o que, de certa forma, exige que o ensino propicie essas oportunidades e não se configure como mais um momento de realizar cálculos, exercícios e aplicação de fórmulas. Sugere ainda que a abordagem dos conteúdos seja feita também por meio de situações cotidianas trazidas em forma de problemas, uma vez que isso propicia o desenvolvimento de habilidades relacionadas à tomada de decisões, favorece a compreensão e a valorização da matemática como instrumento para compreender o mundo, aspecto importante para a construção de conhecimento com vistas ao exercício da cidadania. Para o segundo ciclo de aprendizagem, de acordo com a Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife – Construindo Competências, no que diz respeito ao eixo Tratamento da Informação, espera-se que os estudantes desse ciclo de aprendizagem: classifiquem, organizem e interpretem dados. RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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Os livros didáticos que utilizamos na nossa pesquisa foram: Porta Aberta (CENTURIÓN; RODRIGUES; NETO, 2008) da editora FTD e Projeto Pitanguá Matemática (BARROSO, 2008) da editora Moderna, que chamaremos Livro Didático A e Livro Didático B, respectivamente, ambos do 1º Ano do 2º Ciclo, 4º ano do Ensino Fundamental.
Os PCN e o Livro Didático A O Livro Didático A está organizado em 11 (onze) unidades, nominadas da seguinte forma: Unidade 1 – Contar, medir, ordenar e codificar; Unidade 2 – Espaço e forma; Unidade 3 – Medidas de comprimento, tempo, massa e capacidade; Unidade 4 – Ilusão de ótica e vistas de objetos; Unidade 5 – Adição e subtração com números naturais Unidade 6 – Espaço e forma; Unidade 7 – Multiplicação, números primos e números compostos; Unidade 8 – Divisão exata e divisão não exata; Unidade 9 – Números fracionários; Unidade 10 – Números decimais; Unidade 11 – Perímetro e área.
Apresenta ainda um pequeno glossário ilustrado, bibliografia e materiais com modelos para reprodução. Em oito das onze unidades aparecem atividades que envolvem gráficos. Essas atividades, que são em número de 16 (dezesseis), aparecem sempre na transversalidade dos conteúdos, não havendo uma unidade dedicada a esse conteúdo. Nos critérios para avaliação para o segundo ciclo, apresentam a expectativa “que o aluno saiba coletar, organizar e registrar informações por meio de tabelas e gráficos, interpretando essas formas de registro para fazer previsões” (BRASIL, 1997, p. 95).
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Os autores do Livro Didático A afirmam, no guia de orientações para o professor, que foram inseridas em diversas unidades o tratamento da informação, a fim de que “o aluno aprenda a lidar com as informações que recebe cotidianamente, familiarizando-se com dados estatísticos, tabelas e gráficos” (CENTURIÓN; RODRIGUES; NETO, 2008, p. 3). Dizem ainda que as atividades referentes aos gráficos têm como objetivo tornar os alunos capazes de ler representações gráficas e ainda interpretar e descrever situações cotidianas. No que concerne à abordagem do conteúdo, de acordo com o guia dos livros didáticos (BRASIL, 2009), as atividades do Livro Didático A referentes a gráficos contemplam a representação de dados, leitura, interpretação e construção. Existem ainda algumas atividades que trazem elementos que não foram descritos nos objetivos apresentados por seus autores, como por exemplo, atividades de organização de dados e construção de gráficos. Com respeito à organização dos dados, esta se refere a uma etapa anterior à construção do gráfico. Os dados que não foram organizados são chamados dados brutos; tais dados, se estiverem dispostos numa tabela, esta é chamada tabela primitiva (CRESPO, 2002). Os dados coletados precisam ser organizados para serem comunicados, podendo ser por meio de tabelas, estabelecendo relações ou descrevendo características, por exemplo. Verifica-se então qual a melhor forma de representação, podendo ser uma representação gráfica, para comunicar os dados de maneira que possa tornar melhor a compreensão destes. Nesse sentido, consideramos na nossa análise a organização dos dados como sendo a maneira como os dados ‘brutos’ foram selecionados, compilados, enfim, ‘organizados’, para então serem comunicados por meio dos gráficos estatísticos. Verificamos que as atividades do Livro Didático A referentes a gráficos estatísticos seguem as orientações dos PCN. No entanto, boa parte das atividades enfoca apenas propostas de leitura e de interpretação de dados. Prosseguiremos apresentando a análise do Livro Didático B em comparação com os documentos oficiais.
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Os PCN e o Livro Didático B O Livro Didático B, está organizado em 09 (nove) unidades assim descritas: Unidade 1 – Números ontem e hoje; Unidade 2 – Animais ontem e hoje; Unidade 3 – Alimentos ontem e hoje; Unidade 4 – Formas da natureza; Unidade 5 – Olha a feira! Unidade 6 – Crescimento dos seres vivos; Unidade 7 – Histórias em quadrinhos; Unidade 8 – Zoológico; Unidade 9 – Teatro.
Segundo o guia dos livros didáticos, este é um destaque da obra, pois “fornece orientações essenciais e detalhadas que podem auxiliar o docente a adequar o trabalho com as atividades aos conteúdos visados no planejamento anual” (BRASIL, 2009, p. 241). Em todas as unidades do livro há as seções: Um mundo de informações, Em busca de soluções e Conhecendo um pouco mais. A autora esclarece, no livro do professor, no guia e recursos didáticos, que a seção Um mundo de informações prioriza os temas que sejam interessantes para as crianças e que conduzam ao conhecimento de questões da atualidade. Verificamos que, das 09 (nove) unidades que há no Livro Didático, em 07 (sete) delas há atividades relacionadas a gráficos estatísticos, sendo propostas, ao todo, 19 (dezenove) atividades. Destas, 17 (dezessete) estão nas seções Um mundo de informações ou Em busca de soluções. Constatamos que as atividades aparecem, em sua maioria, de maneira transversal, uma vez que se apoiam nos conteúdos e informações diversas para apresentar uma opção de tratamento e comunicação de dados que pode favorecer a apropriação de conceitos, procedimentos e atitudes. RPEM, Campo Mourão, Pr, v.1, n.1, jul-dez. 2012
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Nessa perspectiva, a autora entende que “os alunos desenvolvem conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas ligados ao tratamento da informação, ampliando a compreensão dos temas tratados” (BARROSO, 2008, p.8). Diz ainda que, no que se refere ao tratamento da informação, as atividades do livro buscam conduzir os alunos a coletar informações, organizar dados, ler, interpretar e completar tabelas e gráficos. Verificamos que a proposta apresentada pelo Livro Didático B relativa ao trabalho com o tratamento da informação, coaduna-se com as orientações dos PCN, quando sugerem que o trabalho seja desenvolvido a partir da coleta, organização e descrição de dados, para favorecer a compreensão da função comunicativa das tabelas e dos gráficos. Apontam ainda que, por meio da leitura e interpretação de dados, os alunos podem estabelecer relações entre acontecimentos e ainda fazerem previsões (BRASIL, 1997). Há propostas de produção textual que também são apresentadas nos PCN, que apontam que a produção de textos escritos a partir da interpretação de gráficos é uma importante ferramenta que o professor deve utilizar. Apresentam ainda a produção textual como um dos conteúdos conceituais e procedimentais do eixo Tratamento da Informação: “Produção de textos escritos, a partir da interpretação de gráficos” (BRASIL, 1997, p. 91). Encontramos algumas atividades que consideramos permitir ao aluno(a) fazer inferências importantes que vão além da interpretação ou mesmo construção de gráficos. Tais atividades conduzem os(as) alunos(as) a uma reflexão mais ampla, de natureza social. Entendemos que esse tipo de tarefa também busca contemplar o que propõem os documentos oficiais em relação ao ensino de matemática, como uma disciplina relacionada ao desenvolvimento da cidadania e da realização de uma leitura de mundo mais ampla. Verificamos que tanto no Livro Didático A, quanto no Livro Didático B, as atividades referentes a gráficos estatísticos aparecem na transversalidade dos conteúdos, não havendo, portanto uma unidade ou seção específica para esse fim. Vimos ainda que, no Livro Didático A, 63% das atividades apresentam propostas de interpretação de dados nos gráficos estatísticos, enquanto que, no Livro Didático B, 53% das atividades dessa natureza, apresentam tais proposições.
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Notamos ainda que as propostas de atividades estão relacionadas a temas de interesse ou necessidade dos alunos, o que pode indicar que os autores dos livros didáticos que analisamos na nossa pesquisa estejam influenciados pelas orientações dos PCN, por compreenderem que são importantes documentos que precisam ser considerados quando da produção dos livros didáticos, uma vez que serão norteadores para a avaliação desses livros. Passaremos a realizar uma análise comparativa entre a Proposta Pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências com os livros didáticos.
A Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife: Construindo Competências e os Livros Didáticos A Proposta Pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências, apresenta como conteúdo no eixo temático Tratamento da Informação para o segundo ciclo de aprendizagem: “Classificação; organização; interpretação de dados” (RECIFE, 2002, p. 71). Na descrição dos conteúdos, o trabalho com gráficos é recomendado na Educação Infantil, Ensino Fundamental e EJA. No que se refere à classificação dos gráficos, Monteiro e Selva (2001, p.1) afirmam que “convencionalmente os gráficos podem ser classificados de acordo com o método empregado para estabelecer a relação entre os valores quantitativos: segmentos de linha; colunas ou barras; círculos com setores”. Nesse sentido consideraremos na nossa análise, a definição apresentada por esses autores quanto à classificação dos gráficos. Com respeito à interpretação de dados de um gráfico, esta se refere à habilidade de ler o gráfico, extraindo sentido dos dados apresentados. Segundo Padilla, McKenzie e Shaw (1986, apud GUIMARÃES; GITIRANA; ROAZZI, 2001, p.2), nessa perspectiva, tanto construir quanto interpretar gráficos são habilidades que não são facilmente adquiridas pela maioria dos alunos.
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A Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife e o Livro Didático A No Livro Didático A, identificamos atividades que contemplam a classificação, a organização e a interpretação de dados. Salientamos que algumas dessas atividades apresentam mais de uma proposição de trabalho com gráfico, estando distribuídas conforme o quadro abaixo:
Atividades
Quantidade
De Classificação
02
De Organização
05
De Interpretação
12
Quadro 1: Tipos de atividades referentes a gráficos estatísticos no Livro Didático A
Salientamos que algumas atividades apresentam mais de uma das características acima descritas. As atividades relativas à classificação apresentam-se propondo a construção de determinado tipo de gráfico, pressupondo que se conheça ou se apresente diferentes tipos de gráficos e se discuta os seus elementos, ainda que seja apenas na perspectiva de diferenciá-los para a realização da atividade proposta. Há propostas de atividades que permitem passar de uma representação gráfica para uma tabela e de uma tabela para uma representação gráfica. A esse respeito, Vergnaud (1985, apud GUIMARÃES; GITIRANA; ROAZZI, 2001 p. 2) argumenta que os exercícios que permitem passar de uma representação através de gráficos para uma tabela, e vice-versa, são importantes pedagogicamente, tanto para a atividade classificatória como para outras atividades lógicomatemáticas.
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A Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife e o Livro Didático B No Livro Didático B, também identificamos atividades que apresentam as características de classificação, de organização e de interpretação de dados, assim distribuídas:
Atividades
Quantidade
De Classificação
07
De Organização
02
De Interpretação
10
Quadro 2: Tipos de atividades referentes a gráficos estatísticos no Livro Didático B
Nas atividades de classificação que aparecem no Livro Didático B, não há a referência ao tipo de gráfico solicitando que seja classificado pelo aluno, por exemplo. Apresentam-se como alternativa de julgamento da forma de representação mais ‘prática’ ou ainda como proposição de construção de determinado tipo de gráfico. Avaliamos que o Livro Didático B apresenta atividades que atendem ao que preceitua a Proposta Pedagógica da rede municipal de ensino do Recife: Construindo Competências. Verificamos ainda que quanto às atividades relacionadas a gráfico que o Livro Didático B apresenta, essas podem favorecer o estabelecimento de conexões e permitir a compreensão de questões relacionadas aos aspectos sociais, por exemplo, uma vez que algumas atividades não se limitam a solicitar a classificação, organização e interpretação pura e simples dos dados do gráfico.
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Considerações finais Nosso olhar sobre o Livro Didático, na presente pesquisa, teve como foco a análise das proposições das atividades dos livros para o ensino de gráficos estatísticos, comparando com o que propunha os documentos oficiais: PCN e Proposta Pedagógica da rede municipal de ensino do Recife. O Livro Didático ainda é um importante recurso utilizado pelo professor, norteando, por vezes, a ordem dos conteúdos apresentados em sala de aula, como também, podendo interferir nas escolhas didáticas do professor. Ao analisarmos as atividades dos livros didáticos referentes a gráficos estatísticos, estabelecendo comparação com o que propunha os documentos oficiais que utilizamos (PCN e Proposta Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife) para o 1º ano do 2º ciclo, verificamos que essas atividades seguem as orientações dos referidos documentos, apesar de a maior parte delas, ou seja, 63% daquelas apresentadas no LD A e 53% daquelas do LD B, apresentarem propostas de interpretação de dados. Verificamos ainda que existem algumas atividades, cerca de 26% daquelas apresentadas no LD A e 10% no LD B, que trazem propostas que não foram descritas nos objetivos apresentados por seus autores, como por exemplo: Atividades de organização de dados e construção de gráficos. Constatamos que as atividades nos livros didáticos aparecem, em sua maioria, de maneira transversal, ocorrendo em 8 (oito) das 11 (onze) unidades do LD A e em 7 (sete) das nove unidades do LD B, apoiando-se nos conteúdos e informações diversas para propor uma opção de tratamento e comunicação de dados. Avaliamos que isso pode favorecer a apropriação de conceitos, procedimentos e atitudes, na medida em que oportuniza a discussão e feitura de atividades relativas a gráficos estatísticos, sob diferentes temáticas e contextos. Encontramos ainda, nos Livros Didáticos que analisamos, algumas propostas de atividades com gráficos estatísticos, que, na nossa avaliação, podem favorecer o desenvolvimento da capacidade de fazer inferências; nessas atividades são levantadas questões
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que demandam ‘leituras’ e articulações que estão para além do que está posto nos dados apresentados nas representações gráficas e estão relacionadas a temas de interesse ou necessidade dos alunos. Isso sugere que os autores dos Livros Didáticos que analisamos na nossa pesquisa estejam influenciados pelas orientações dos PCN quando da produção das suas obras. Ao considerarmos que o ensino produz diferentes construções por parte dos estudantes, há contribuições salutares no entendimento do que permeia a relação didática, entendida como sendo uma relação em que estão envolvidos professor e aluno em função de um saber. Entendemos que ainda há muito que refletir e pesquisar acerca da Transposição Didática para a compreensão de aspectos importantes acerca da transposição de saberes. Esperamos, com o estudo que ora apresentamos, contribuir para a ampliação do debate.
Notas *Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: terezinhamonicabeltrao@yahoo.com.br
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Recebido em Julho de 2012 Aprovado em Setembro de 2012
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