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O Verdadeiro Desafio da Conferência de Durban

Mary Robinson, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos

No final de um período de negociações intensas para a preparação da Conferência de Durban, é oportuno reflectir sobre o que torna estas questões tão importantes. Até hoje, muita da atenção centrou-se nas negociações do conflito do Médio Oriente, mas isso não deveria afastar-nos das questões fulcrais. Por que razão é vital que seja conseguida, em Durban, uma atitude inovadora contra o racismo? E em que consistiria uma atitude inovadora? As respostas podem parecer óbvias: o racismo, a discriminação, os conflitos étnicos, a xenofobia, a marginalização, o estigma e a intolerância são problemas prementes neste nosso mundo, no norte e no sul, desenvolvido e em desenvolvimento. São necessárias estratégias para combater esse flagelo. Mas existe uma razão mais profunda – algo mais recôndito que Durban pode trazer à superfície. E este é o momento certo para isso – o início de um novo século. Esta Conferência terá uma ordem de trabalhos prática e vastas consequências. Mas, se pretendemos aproveitar a oportunidade única que proporciona, temos de ir mais além dessa ordem de trabalhos. Temos de olhar para as realidades subtis e, muitas vezes, dolorosas, que podem esconder-se nos títulos, nas comunicações e nas propostas. Dito de outra forma, temos de encontrar o modo de iniciar uma conversa que nos permita falar sobre o enorme sofrimento que infligimos uns aos outros, neste planeta. Dor infligida por palavras. Dor infligida sem palavras. No seu romance pioneiro “Invisible Man”, o escritor afro-americano Ralph Ellison afirmou: “Sou invisível, compreende, pura e simplesmente porque as pessoas se recusam a ver-me”. A sua forte sugestão de exclusão premeditada – da decisão que todos podemos tomar de rebaixar a humanidade de outros seres humanos – deve estar na nossa mente, em Durban. Se não encontrarmos uma forma de falarmos da aspereza do ódio humano, se não encontrarmos um diálogo em que a dor profunda dos indivíduos, povos e culturas, provocada pela sua invisibilidade e exclusão possa encontrar expressão, regressaremos a um silêncio que é, em si mesmo, danoso. Uma das razões pelas quais a Conferência de Beijing teve tanto êxito foi porque as mulheres podiam sentir que os seus direitos não eram parciais ou fragmentários, mas sim que eram direitos humanos no sentido mais amplo. Do mesmo modo, se esta conferência puder garantir aos que foram feridos, tornados invisíveis, tornados menos humanos pela linguagem, que os seus direitos estão no cerne de todos os direitos humanos, estou ciente de que teremos iniciado essa conversa que todos precisamos de ter. As relações humanas estão no centro de tudo. Durante os últimos meses, tive uma oportunidade única de ouvir indivíduos vítimas de racismo e discriminação, de me reunir com ONG que representam os que têm ascendência africana nas Américas, povos indígenas, minorias da Europa, como os ciganos e nómadas. Para eles, esta Conferência pode “quebrar o silêncio”, “tornar-nos visíveis”, “pôr finalmente a nossa questão sobre a mesa”. Há alguns dias, ao sair de uma das reuniões do comité preparatório, fui rodeada por um grupo de jovens que ansiavam expressar os seus pontos de vista. As opiniões apaixonadas de uma rapariga indígena foram traduzidas pelo seu jovem colega que, em seguida, falou da exclusão de que sofre como afro-latino. “O mundo tem de ouvir os nossos pontos de vista, na Cimeira da Juventude. Um número maior de jovens tem que poder ir a Durban para participar”. Para mim, isto resume um dos aspectos mais positivos do processo preparatório: que está a ajudar a criar e dar forma a uma aliança mundial contra o racismo e a discriminação e em defesa da inclusão e dos direitos humanos. Não podemos deixar de começar pelo passado. Tenho vindo a aperceber-me cada vez mais da extensão da profunda dor, sentida em muitas partes do mundo, perante a falta de reconhecimento do impacte da escravatura em massa e também da exploração do colo nialismo. Há um sentimento de que as

Centro de Informação das Nações Unidas em Portugal www.onuportugal.pt

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