Campus U.Porto #1

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ENTREVISTA

ALUMNI

CULTURA

FORA DA CAIXA

A presidente de Serralves, Ana Pinho (na capa), explica como a Fundação está a ultrapassar os cortes no financiamento e a alargar a sua atividade a vários pontos do país.

Daniel Jonas fala-nos das suas influências literárias, do seu processo de escrita, dos seus conflitos interiores e da natureza inefável da sua poesia.

Chama-se Orquestra Clássica da FEUP mas os músicos, cerca de 70, são estudantes, alumni, docentes e investigadores de todas as faculdades da U.Porto.

Fazemos a radiografia à Facestore, startup mundialmente pioneira no desenvolvimento de uma plataforma de e-commerce para criação de lojas no Facebook e em outras redes sociais.

MEMÓRIA Fomos conhecer as gerações U.Porto – avós, pais e netos da mesma família que foram, ou ainda são, estudantes da nossa Universidade e dela guardam ternas memórias.

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ENTREVISTA

ALUMNI

FORA DA CAIXA

No recém-inaugurado i3S, Alexandre Quintanilha (na capa) conta-nos como se está a sentir (bem) na pele de deputado.

O coreógrafo do momento, Victor Hugo Pontes, explica o seu percurso das belas artes às artes performativas.

Fomos conhecer a Veniam, uma das startups mais inovadoras do mundo e cujo potencial tem despertado o interesse das grandes capitais de risco.

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

CULTURA

Procuramos desvendar um pouco do complexo mundo da genética, a partir das investigações desenvolvidas pelo grupo de José Bessa, do i3S.

Mostramos como se desenha o futuro roteiro científico da U.Porto, desde o novo Museu de História Natural e da Ciência ao Aquário da Foz.

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Campus U.Porto Revista da Universidade do Porto Nº 01

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WHAT’S UP NOTÍCIAS SOBRE A COMUNIDADE ACADÉMICA

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ALUMNI DANIEL JONAS

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CULTURA ORQUESTRA CLÁSSICA DA FEUP

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PORTFÓLIO E-LEARNING CAFÉ – BOTÂNICO

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FORA DA CAIXA FACESTORE

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ENTREVISTA ANA PINHO

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MEMÓRIA GERAÇÕES U.PORTO

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MUNDUS ORFEU BERTOLAMI

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TALENTO DISTINÇÕES A MEMBROS DA COMUNIDADE ACADÉMICA

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CIÊNCIA&TECNOLOGIA PORTO4AGEING

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QUADRO DE HONRA PROJETO “DE VOLTA À FORMA”

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SELFIE.COM QUESTIONÁRIO AOS ESTUDANTES

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MASSA CRÍTICA ARTIGO DE ARTUR SANTOS SILVA

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LIVROS NOVAS PUBLICAÇÕES DA U.PORTO EDIÇÕES

DIRETOR Sebastião Feyo de Azevedo EDIÇÃO E PROPRIEDADE Universidade do Porto Serviço de Comunicação e Imagem Praça Gomes Teixeira • 4099-345 Porto Tel: 220408210 ci@reit.up.pt COORDENAÇÃO EDITORIAL Ricardo Miguel Gomes REDAÇÃO Anabela Santos Marisa Macedo Raul Santos Ricardo Miguel Gomes Tiago Reis APOIO MULTIMÉDIA TVU FOTOGRAFIA Egídio Santos DESIGN Rui Guimarães IMPRESSÃO Penagráfica DEPÓSITO LEGAL 419085/16

Retificação

Na anterior edição da Campus U.Porto noticiámos, por lapso, que a organização do Campeonato de Floorball 2016 coube à Faculdade de Desporto da U.Porto e à Federação Académica do Porto (FAP). Ora, a organização do evento foi, isso sim, da responsabilidade do CDUP-UP e da FAP. Aos visados pedimos as nossas desculpas.


Na presente edição da Campus U.Porto damos relevo à cultura, em várias das suas expressões, como, devo acrescentar, sempre o fazemos, na visão que cultivamos da ligação íntima, indissociável, entre cultura e valores humanistas. Tivemos o gosto de ouvir e temos o gosto de dar a ler as impressões da Dra. Ana Pinho, nossa alumna, presidente da Fundação de Serralves, uma instituição extraordinária, de relevância imensa para o Porto, para a região Norte, para Portugal, para o mundo da cultura. Fala-nos da intervenção da Fundação, com olhos no futuro, com as preocupações do presente. Sabemos bem que, em períodos de contração económica, a cultura é habitualmente um dos setores mais penalizados pela contenção financeira do Estado. Assim tem sido com Serralves. A Dra. Ana Pinho dá-nos conta, de forma positiva, justamente, das dificuldades que a instituição teve de enfrentar, e da forma como as tem ultrapassado, devido a essas restrições sentidas no financiamento público. Mutatis mutandis, as universidades tiveram de ultrapassar idênticas contingências financeiras, que também se refletiram no seu indispensável papel de produtoras, promotoras e divulgadoras culturais. Neste contexto, parece-me pertinente relevar aqui o esforço que a U.Porto está a fazer para reforçar a sua oferta cultural, a partir de um significativo investimento museológico e patrimonial. Refiro-me desde logo à Galeria da Biodiversidade, um equipamento instalado no Jardim Botânico do Porto, que se distingue pela sua notória qualidade científica, cultural, pedagógica e estética. Trata-se, aliás, do primeiro Centro de Ciência Viva dedicado às ciências biológicas, à evolução natural e à biodiversidade. É uma demonstração inédita no nosso país da forma como o património museológico pode adquirir novas valências em função dos objetivos culturais, pedagógicos e científicos das instituições do ensino superior. A Galeria obedece ao propósito de cruzar a

biodiversidade com as restantes áreas do conhecimento lecionadas na Universidade, tendo como mote a vida e a diversidade da vida. Dentro desta lógica de promoção da interdisciplinaridade, a literatura vai naturalmente assumir um lugar de destaque. O facto de Sophia de Mello Breyner Andresen ter vivido na antiga Quinta do Campo Alegre momentos marcantes da sua infância e desses momentos terem influenciado a sua prodigiosa escrita não será esquecido, servindo de pretexto para iniciativas que promovam o conhecimento da vida e obra da poetisa. A Galeria da Biodiversidade é um espaço multifuncional e interativo, que se dirige a um espectro alargado de públicos. Temos consciência de que a função dos museus não é apenas colecionar, conservar e exibir acervos de vária ordem. Atualmente, uma política museológica deve promover a plena interpretação dos sentidos e significados dos espólios a cargo das instituições. Esta premissa também é válida para o novo Museu de História Natural e da Ciência da U.Porto, que está a ser instalado no Edifício Histórico da Reitoria, também ele sujeito a uma intervenção de reabilitação patrimonial. A importância deste edifício extravasa, aliás, a própria Universidade. Trata-se de uma referência de cariz monumental da cidade e parte integrante de um núcleo de monumentos emblemáticos, como a Torre dos Clérigos, a Livraria Lello, a Igreja do Carmo e a Cadeia da Relação. Com a entrada em funcionamento do Museu de História Natural e da Ciência, o Edifício Histórico da Reitoria ganhará um redobrado protagonismo na cidade e fortalecerá, de forma marcante, a sua oferta cultural e turística. Os museus e outros equipamentos pedagógicos da Universidade são fundamentais para a introdução de um discurso científico no discurso cultural do Porto. Promovem a divulgação de uma cultura eminentemente científica, que entronca e complementa a oferta cultural da cidade. Circunstância que é vantajosa para o Porto quer do ponto de vista do enriquecimento humano e da valorização patrimonial, quer ainda do ponto de vista da sua projeção nacional e internacional.

Sebastião Feyo de Azevedo Reitor da Universidade do Porto


Mais de 19 mil pessoas passaram pela 15.ª Mostra da U.Porto, que se realizou no Pavilhão Rosa Mota entre 20 e 23 de abril. Bateu-se assim o recorde de visitantes, facto para o qual também contribuíram cidadãos naturais de 15 países, de Espanha ao Bangladesh, que estiveram presentes nesta edição. Mas o grosso do público da 15.ª Mostra era composto por alunos de mais de 100 grupos escolares do ensino

básico e secundário de vários pontos do país, bem como por famílias e muitos curiosos. Outro dos visitantes foi o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, que se procurou inteirar das diferentes valências da Mostra. À disposição dos visitantes estiveram mais de uma centena de atividades interativas, com as quais se deu a conhecer a oferta de ensino, as metodologias pedagógicas e a capacidade

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científica da U.Porto. Foi, pois, uma excelente oportunidade para alunos pré-universitários experimentarem diferentes áreas pedagógico-científicas e esclarecerem dúvidas sobre a sua vocação profissional. Para o reitor da U.Porto, a Mostra provou ser, novamente, uma das grandes iniciativas da Universidade, revelando ao público “a qualidade da instituição e a disponibilidade das pessoas em projetar o seu trabalho

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what’s up

Fotos Egídio Santos

na sociedade”. Feyo de Azevedo salientou que o evento permite “que os jovens possam moldar os seus gostos e despertar determinados interesses”, já perspetivando a futura entrada no ensino superior.

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Uma Universidade em crescimento: novos equipamentos para estudantes de todo o mundo, celebrações, atividades e eventos — tanta coisa a acontecer!

45 M€ para reabilitação patrimonial

MAIS DE 200 PATENTES ATIVAS

Durante o Dia da Universidade 2017, o reitor da U.Porto anunciou um investimento de 45 milhões de euros para a realização de um inédito programa de reabilitação do património edificado do campus. Na sua primeira fase, o investimento terá como prioridades as faculdades de Economia e de Belas Artes, bem como o Edifício Histórico da Reitoria. Mas a intervenção patrimonial inclui também a instalação da FCNAUP no antigo edifício do IBMC/INEB (FCUP), estando ainda prevista a reabilitação do CDUP-UP e do Palacete Burmester (FLUP). Como explicou Feyo de Azevedo, estas intervenções no património edificado vão traduzir-se em “importantes melhorias funcionais, com consequências positivas na produtividade e qualidade da Universidade”.

A U.Porto ultrapassou, em 2016, as 200 patentes ativas em território nacional e internacional. Trata-se de um resultado acumulado desde 2004, ano em que foi criada a U.Porto Inovação, o gabinete de transferência de conhecimento da Universidade. Refira-se que, em 2016, foram registados 45 pedidos de patente por parte das faculdades (mais cinco do que no ano anterior), 27 dos quais a nível internacional, nomeadamente na Europa, Estados Unidos, Brasil, Coreia do Sul, Singapura e Japão. No continente europeu, a U.Porto foi a universidade portuguesa com mais pedidos de patente (5) e quarta entidade a nível nacional.

NAS 300 MELHORES DO MUNDO EM 24 ÁREAS A U.Porto registou este ano o melhor desempenho de sempre no QS World University Rankings by Subject, ao surgir entre as 300 melhores universidades do mundo em 24 áreas de ensino. Na edição de 2017 daquele que é um dos mais completos e reputados rankings internacionais do ensino superior, há a salientar a inclusão da Universidade no “top 50” mundial (48.º lugar) na área do Desporto. Destaque também para a presença da U.Porto no “top 100” das melhores universidades do mundo nas áreas da Arquitetura e Engenharia Civil e de Estruturas.

what’s up

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ENTRE AS 150 MELHORES DO MUNDO NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA

A U.Porto no Top 50 mundial na área do Desporto!

A U.Porto surge na 143ª posição mundial e na 40.ª europeia na edição 2017 do CWTS Leiden Ranking (quadriénio 2012-2015), um principais barómetros internacionais que medem a produção científica das instituições do ensino superior. Trata-se da melhor classificação de sempre da Universidade, correspondendo a uma subida de seis (mundial) e dois lugares (europeia) face à edição anterior (2011-2014). Por áreas de investigação, a U.Porto ocupa a 3.ª posição na Península Ibérica e a 58.ª na Europa no que respeita à produção científica em saúde. Também no Velho Continente, a Universidade surge na 17.ª posição nas áreas da biologia e das ciências da vida, enquanto na engenharia ocupa a 36.ª posição. Em Portugal, a U.Porto é a instituição do ensino superior com a segunda melhor classificação no ranking, sendo líder nacional nas áreas da saúde e biomédicas.

Sexualidade motiva doutoramento pioneiro A FPCEUP, em colaboração com a FMUP e o ICBAS, lançou um programa doutoral dedicado ao estudo da sexualidade humana. Trata-se do primeiro doutoramento desta natureza na Europa e um dos poucos a nível mundial. Destinado a psicólogos, educadores, médicos, enfermeiros, sexólogos e outros profissionais da saúde e das ciências sociais e humanas, o Programa Doutoral em Sexualidade Humana visa promover o conhecimento avançado e o desenvolvimento da investigação numa área determinante quer para o bem-estar do indivíduo, quer para a sua saúde biopsicossocial. O programa acaba de ser acreditado pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, estando prevista a abertura de candidaturas para o ano letivo de 2018-19.

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Mais do que estrelas, somos feitos de arrependimento DANIEL JONAS

Poeta, tradutor e dramaturgo, Daniel Jonas nasceu no Porto em 1973. Escolheu o “pequeno recreio” do soneto para escrever Nó, que, entre 77 obras e por unanimidade, venceu o Grande Prémio

de Poesia Teixeira de Pascoaes. Em 2017 lançou Canícula, escrito na residência artística Casa-Palavra, e traduziu Macbeth, de Shakespeare, para o espetáculo homónimo de Nuno Carinhas (TNSJ).

Miúdo “observador”, como é costume nos filhos únicos, Daniel Jonas da Silva Coelho (Porto, 1973) tinha um “espaço muito pessoal”, mas “não era monástico”. Atira logo. “Jogar à bola era das melhores coisas que podia fazer! Estar na rua”. Frequentou um curso de Teologia, mas decidiu mudar de rumo. Já tinha concluído a licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, na Faculdade de Letras (FLUP), quando se cruzou com Paraíso Perdido, de John Milton. Uma espécie de “quebra-cabeças”. Sentia uma forte atração pela literatura inglesa, aquele era um livro que lhe apetecia ler e achou que só o podia realmente fazer se o traduzisse. A tradução foi aceite como tese de mestrado, em Teoria da Literatura, na Universidade de Lisboa. “O trabalho foi de tal ordem que até admitiram que poderia ter sido um doutoramento. Foi uma pena porque já estava feito” (risos). A tradução de Paraíso Perdido é publicada em livro em 2006, mas antes disso já tinha lançado O Corpo está com o Rei (AEFLUP/CGD, 1997), prémio de Poesia AEFLUP/CGD; Moça Formosa Lençóis de Veludo (Cadernos do Campo Alegre/FCD, 2002); Os Fantasmas Inquilinos (Cotovia, 2005) e Sonótono (Cotovia, 2007), Prémio PEN de Poesia 2008. Também traduziu Waugh, Huysmans, Pirandello, Auden e Shakespeare. Deste último verteu para português O Mercador de Ve-

neza, tendo sido coautor com Ricardo Pais da versão cénica do espetáculo estreado em 2008 no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto. Já em 2017 traduziu Macbeth, para o espetáculo homónimo de Nuno Carinhas, também no TNSJ. Para a companhia Teatro Bruto escreveu as peças Nenhures (Cotovia, 2008) e Reféns, estreada em junho de 2009. Escreveu ainda a peça Estocolmo, em 2011. Distinguido com o prémio Europa David Mourão-Ferreira, da Universidade de Bari/Aldo Moro, em 2012, foi um dos sete nomeados para o prémio de Poeta Europeu da Liberdade pelo livro Passageiro Frequente (Língua Morta, 2013).

alumni

Texto Anabela Santos

GRANDE PRÉMIO DE POESIA TEIXEIRA DE PASCOAES Atribuído por unanimidade, entre 77 obras, Nó recebeu o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes 2015. O júri destacou o mérito “muito assinalável” do trabalho poético “que evoca a tradição lírica ocidental para uma recomposição textual lúcida e fortemente irónica, cosmopolita, atenta aos lugares e tempos de um presente recolhido e transfigurado”. Não foi “a vaidade de escrever arabescos, vaidade

Fotos Egídio Santos

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“DE ALGUMA FORMA ENCARNEI-ME A MIM PRÓPRIO. ESTOU ASER AUTOBIOGRÁFICO NO SENTIDO EM QUE SOU O CRIADOR”.

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“MAIS DO QUE DE ESTRELAS, SOMOS FEITOS DE CONSTANTE ARREPENDIMENTO. DE OUTRA MANEIRA TERÍAMOS ATINGIDO UM ESTADO DE BEATIFICAÇÃO ETERNA E ESTARÍAMOS COM OS ANJOS”.

barroca, ou formal”, esta aventura prendeu-se com “a precisão que o soneto traz”, diz Daniel Jonas. Embora seja complexo “aceder àquela conta matemática”, a verdade é que, “no final, dá-nos certas garantias e algum conforto”. Já o verso livre é difícil de conter. “Ficas antecipadamente ansioso para acabar. Se isto vai para as sete páginas… estou tramado. E às vezes acontece” (risos). E tem de funcionar também do ponto de vista musical. “Ter uma cadência. Pauta. Explodir de uma determinada forma e recolher ar no final daquele período”. No soneto, “chegas ao fim nos 14 versos. Tens a camisa de forças. Sabes que só podes jogar naquele pequeno recreio”.

A ESCURIDÃO SER TODO O PETRÓLEO Vinte anos depois do primeiro livro publicado, considera que a “arrumação de palavras ou de conceitos deve procurar ser, de alguma forma, insólita”, no sentido em que “nunca a vimos à frente”. Provocar estranheza por ser uma linguagem nova. Embora a leitura de outros autores possa funcionar de inspiração, o clássico poeta fingidor é o principal motor de arranque. “Finge que é dor, a dor que deveras sente. São figuras e invenções poéticas”. Lançado em 2017, Canícula é um bom exemplo disto. Foi escrito em Lisboa, durante a residência artística Casa-Palavra, iniciativa da Casa Fernando Pessoa e da Fundação José Saramago. “Fiz uma espécie de dança da chuva. É preciso ficcionar, criar uma personagem poética que, às vezes, não tem grande ligação comigo, mas também não é um exercício falso. De alguma forma encarnei-me a mim próprio. Estou a ser autobiográfico no sentido em que sou o criador”.

De batismo, o nome resvala, naturalmente, para o universo bíblico e o Velho Testamento, com o livro de Daniel, jovem corajoso e leal a Deus e o livro de Jonas que chega a desobedecer aos seus desígnios. Na verdade, chegou a pensar em arranjar um pseudónimo para que não o associassem aos livros. “Há um tipo de… vergonha social ou religiosa que me fazia achar que a palavra era… escarlate demais. Lado um bocadinho protestante a falar: que o bom era uma moderação puritana e a poesia um excesso tal que a torna perigosa. É a meretriz. Uma espécie de Salomé que dança na nossa cabeça”. Esse conflito ficou para trás, mas um outro, maior, manteve-se. Em 1997, n’ O corpo está com o rei, o poema afirma: “Eu sou a grande prostituta da babiló-

nia,/ Sou eu quem se vende pelas tuas ancas,/ Quem teme os teus olhares./ (…) Preciso de açoitar os meus versos”. O Nó, 2014, desata, logo nos primeiros versos: “Do ventre da Baleia ergui meu grito:/ Senhor! (dizer teu nome só é bom),/ Em fé, em fé o digo, mesmo com/ Um coração pesado e contrito/ Que és de tudo verdade e não mito,/ (…) Perdoa-me, Senhor, por não ser digno/ De mim, de mim sou escasso, o meu fracasso”. No Canícula, 2017: “Eu sou o vosso messias que se distraiu por um par de pernas,/ um messias que se perdeu por um rabo de saia/ e persegue a sua cruz nem convicto nem ausente/ e arfando cai nas pedras como o amante decadente”. A presença constante da fé e da traição a essa fé. “Sou hoje aquele dínamo que já lá estava (1997). E não sei se daqui a vinte anos não andarei a dizer a mesma coisa. É o querer viver outras vidas”. “Passageiro frequente” de um conflito que poderia ter ditado outro percurso de vida, caso não tivesse, por exemplo, desistido do curso de Teologia. “Se eu vivesse no século XIV, provavelmente, a minha profissão de eleição teria sido sacerdote”. Tal como “o ídolo” John Donne (1573-1631), deão da Catedral de São Paulo, a maior igreja de Londres. “Dos primeiros escritores que, realmente, me impressionou. Era sacerdote, religioso, escrevia textos, fazia sonetos e era conhecido pelo “The great visitor of ladies” (risos). Tem uma série de sonetos sagrados com uma brutalidade e uma carnalidade terrível. A certa altura diz, ‘Deus, não consigo ser casto a menos que tu me violes’. Que é uma contradição absolutamente extraordinária. E o tipo de linguagem, naquela altura… Parece-me estranho como é que alguém pôde escrever assim, sem ser logo queimado” (risos). Quanto à Teologia: “Se eu seguisse essa minha vocação, não teria direito ao outro lado. A outras vocações”.

alumni

Fotos Egídio Santos

É à melancolia que atribui a coloração mais eficaz para pano de fundo. “Além, a escuridão/ é todo o meu petróleo” (Bisonte, 2016). “Em momentos perfeitamente alegres e calmos projeto medos, receios e ansiedades sobre as grandes falhas, faço elegias prévias. Preparo uma espécie de enxoval negro para os momentos maus. É o que resulta para mim. Enquanto não vivo esse estado mais lúgubre, forço-me a habitá-lo”. O melhor exemplo de dança da chuva é um soneto que fez a um menisco. “O que é estranho é que na minha vida autobiográfica, dois anos depois de ter escrito o poema, aquilo vai acontecer [o autor teve, de facto, um problema no joelho]. A ideia de uma cronologia perversa”. O poema que era um “charlatão, um fingidor” acaba por ser o “fiel testemunho da realidade”.

A PROFECIA DE UM NOME

Texto Anabela Santos

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NO “CONSOLO DA GAVETA”

NÃO PERCEBO AS ‘SIMONES DE OLIVEIRA’ QUE NÃO SE ARREPENDEM Nomeado para o “Melhor Livro de Poesia” do Prémio SPA Autores 2017, Bisonte trouxe uma intenção telúrica, de produção “com lastro”. Pretendia que fossem poemas “com alguma brutalidade”. “Se eu pudesse escolher a minha morte/ seria atropelado por um bisonte/ pela força bruta da natura/ a justiça poética/ da terra”. O bicho “reflete essa força. Há uma ideia gregária e de solidão, dois polos que julgo serem cumulativos àquele animal”. 11

De resto, nestes 20 anos de produção literária, a volatilidade parece ser uma espécie de tendência mais constante, consubstanciada no Passageiro Frequente (2013). “É uma vontade de ser muitas personagens e viver todas as vidas possíveis, ou não ser importunado por nada de surpreendente. Ser estável dentro de uma constante instabilidade. Ser anjo e demónio ao mesmo tempo”. Sem grandes pistas sobre como resolver o enigma, a escrita talvez seja o ‘concílio’ possível. “Num sítio protegido posso habitar muitos mundos”. Outra tendência é a de cair no mesmo erro. “Estou tão arrependido dos dias que hão-de vir” (Bisonte). “Acho que há um mal constantemente repetível. Somos herdeiros dos nossos próprios falhanços, das más escolhas. Temos gradações de logros. Não percebo as ‘Simones de Oliveira’ que nunca se arrependem de nada. Esta frase sempre me inquietou porque não sei o alcance disto. Está para lá da minha filosofia. Mais do que de estrelas, somos feitos de constante arrependimento. De outra maneira teríamos atingido um estado de beatificação eterna e estaríamos com os anjos”. E os dias que hão de vir, serão dias de frustração que repetem os que já passaram. “Podemos ficar já arrependidos pelo futuro. Com aspetos e idades diferentes, continuamos a esbarrar-nos com o mesmo carro ou, como diz o David Bowie, ‘we are always crashing in the same car’”.

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Se a publicação, hoje, não consubstancia nenhuma espécie de dogma, “acho até que se publica a mais do que a qualidade sugere”, a peneira é cada vez mais fina. Por vezes, “há uma gratificação instantânea mas, dias a seguir, deploro aquilo tudo”. Também por uma questão de cansaço. “Dos gestos, das caras. Convivemos connosco há anos e há dias em que não nos suportamos. É o que se passa com os poemas”. O “arrefecimento ideal” seria nunca publicar até ao leito da morte. “Na extrema-unção, os poemas desfilavam e, mesmo sem voz, através de sinais, dávamos o aval final. Partíamos para todo o sempre e não nos arrependíamos nunca”. E poucos seriam “os sobreviventes dessa depuração ou espécie de censura quase póstuma”. Por fazer está um livro de ensaios que reúna textos dispersos, um doutoramento e mais um livro de sonetos. “Quero ficar por aqui: 150 sonetos! Marca inspirada em Shakespeare (que escreveu 154 sonetos)” (risos). E lá se vai o consolo do soneto? “É essa a intenção. Ainda bem que os escrevi, porque são o que de mais parecido tenho com marca autoral”. O resto é uma espécie de “surtido literário”. Sendo as classificações nomes próprios, “à Herberto Helder, ou à O’Neill”, por serem “etiquetas de pessoas que conseguiram um discurso, é inclassificável enquanto não for ‘isto é Daniel Jonas’”. E isso ser forma de classificar.

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cultura

Texto Anabela Santos

Fotos EgĂ­dio Santos

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Na FEUP, também há engenheiros Não há estudantes de Medicina, Letras e Economia, nem professores de Matemática e de História. Há violinistas, flautistas, trompistas ou contrabaixistas. No palco, são todos músicos. São todos iguais. Do Rivoli à Casa da Música, do Teatro Municipal de Vila Real ao Centro Cultural de Belém, em quatro anos já deram cerca de 30 concertos dentro e fora de portas. Chama-se Orquestra Clássica da FEUP mas os músicos, cerca de 70, amadores, são estudantes, alumni, professores e investigadores de quase todas as faculdades da U.Porto.

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A Orquestra foi criada em 2013 pelo Comissariado Cultural da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) para membros da comunidade académica com formação e prática instrumental. “Queremos formar líderes. E um líder tem de ter cultura geral”, diz-nos Luís Melo, docente e principal responsável pelo Comissariado que nos últimos 15 anos, da música ao teatro, do cinema às artes plásticas e aos debates, tem promovido as mais variadas atividades. Há ainda outras características fundamentais à formação de um líder que a aprendizagem musical estimula, sublinha o maestro da Orquestra Clássica da FEUP, José Eduardo Gomes: lidar com pessoas, ser tolerante e adaptar-se a situações novas. “Num ensaio, temos de estar preparados para substituir, [para] fazer diferente. A obra não sai sempre da mesma forma. A música ensina a adaptação à mudança”. José Eduardo Gomes reconhece que, em quatro anos, a Orquestra cresceu muito. Todas as quartas-feiras, dias de ensaio, tem na mira da sua batuta entre 65 a 70 músicos, número que varia mediante o

cultura

Texto Anabela Santos

programa dos concertos. “Temos caloiros, estudantes mais velhos, alumni, professores e investigadores de diferentes áreas, idades e nacionalidades”. Até costuma dizer que, “na FEUP, também há engenheiros. A Orquestra é um motor de agregação e integração na grande U.Porto”. Pela experiência em projetos sociais não tem dúvidas do papel da música no ensino. “A arte orquestral exige disciplina, concentração, rigor e método”, competências que são “transportadas para outras áreas do conhecimento”. As notas escolares sobem, “e não é milagre – é música!”. Não admiraria, por exemplo, que a Sinfonia n.º 5 de Beethoven ou a Sinfonia n.º 8 de Schubert tivessem servido de banda sonora para as vidas que se seguem. Onde a ordem se cumpre, contra a desordem centrífuga dos dias e a ação emerge como a mais legítima forma da expressão humana. Mas quem são, afinal, os músicos da Orquestra Clássica da FEUP?

Fotos Egídio Santos

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Filipa Monteiro tem 24 anos e começou a estudar música aos nove, na Academia de Música de Castelo de Paiva. Está no 1.º ano da licenciatura em Flauta da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no sexto ano do curso de Medicina do ICBAS e ainda toca flauta-transversal na Orquestra Clássica da FEUP. Diz que tirar dois cursos tem sido muito vantajoso. “Obriga-me a ser metódica, a ter horários, a andar rápido e a ser eficaz porque tem de ser. Até agora, fiz tudo”. Sublinha a aprendizagem de uma metodologia. “Sabe-se a média necessária para entrar em Medicina… e foi a música que me ensinou a separar a festa do estudo. Sempre tive imensas atividades: natação, música, inglês… É preciso focar no que se está a fazer”. Difícil é “ir para além da pauta, para além da técnica. Passar aquela emoção” e dizer, entre a Medicina e a música, qual das duas é, realmente, “a mais importante”.

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Filipa Monteiro


Joaquim Marrero

“ESTAR NUMA ORQUESTRA É A MINHA FELICIDADE!”

“UM MOMENTO DE QUASE MEDITAÇÃO”

“Gosto das duas [engenharia e música]”, diz-nos Joaquim Alberto Pereira Marrero. Tem 22 anos, é venezuelano e toca viola de arco na Orquestra Clássica da FEUP. Sentado há poucos minutos numa das salas da biblioteca da FEUP, procurou no smartphone a fotografia de José António Abreu: “Conhece?” Fez questão de mostrar o economista para quem a música deveria ser a realidade mais profunda e global do seu país. Marrero recorda a influência do “El Sistema” na sua vida: pensado para funcionar como um programa de resgate social e de transformação cultural, o “El Sistema” (criado em 1975) é um projeto de educação musical público, gratuito para crianças e jovens de todas as classes sociais. Foi o “Sistema” que permitiu a Joaquim ter acesso a aulas de música gratuitas. Com dupla nacionalidade, deixou para trás a Orquestra Sinfónica del Estado Anzoategui e os dois anos da licenciatura em Engenharia Química. Fez as disciplinas do 11.º e 12.º anos (Matemática e Físico-Química), entrou na FEUP e passou a todas as disciplinas do primeiro ano do mestrado integrado em Engenharia do Ambiente. “Filho, és de fora e fizeste tudo. Podes estar orgulhoso de ti próprio”, disse-lhe a mãe. Os concertos semanais e os anos de prática permitem-lhe refrear o nervosismo antes de subir ao palco, mas nunca a vontade de tocar. A música traz-lhe “disciplina” e, na Orquestra, sente a responsabilidade acrescida de não poder falhar. “Não sou eu. Somos todos!”. Vive em Argoncilhe, Santa Maria da Feira, mas pretende candidatar-se a uma residência universitária na cidade para dar o próximo salto: inscrever-se no Conservatório de Música do Porto. “Era top!”. À delicadeza e métrica tranquila dos movimentos dos seus quase dois metros de altura, segue-se uma explosão de gestos rasgados de brilho e cornucópias no ar quando a questão é tocar numa orquestra: “Do que mais gosto na vida é tocar numa orquestra!”.

cultura

Christian Lomp

Texto Anabela Santos

Christian Lomp, 47 anos, aprendeu a tocar violino aos seis. Nascido na Alemanha em finais dos anos 60, usufruiu das academias municipais que ofereciam aulas de música a crianças. Começou cedo a sentir a espacialidade e a energia de Tchaikovsky e de Mahler nas orquestras juvenis do Conservatório de Düsseldorf e, depois, viajou de Glasgow (Escócia) a Milwaukee (Estados Unidos). Veio para o Porto por amor. Conheceu a esposa quando fazia o mestrado, em Glasgow. Foram para Milwaukee e, em 1998, conseguiram duas vagas como docentes na U.Porto. É, desde 2002, professor auxiliar de Matemática na Faculdade de Ciências (FCUP). A reaproximação à música começou através dos filhos, matriculados em escolas de música no Porto, e a possibilidade de voltar a tocar chegou em 2013 com a Orquestra Clássica da FEUP. Aprender a tocar um instrumento requer “disciplina e concentração”, mas acima de tudo, sublinha, “quando fazemos música, estamos a viver emoções. Tocar numa orquestra é estar dentro da música. Um momento de quase meditação”. Na Alemanha, sempre houve uma forte ligação à música, o que se traduz não só na oferta musical, acessível, como no ensino. O avô paterno tocava violino numa orquestra das Forças Armadas e o tio paterno era cantor de ópera. Há 19 anos em Portugal, Lomp é dos elementos com mais maturidade da Orquestra. Recorda um momento, antes de entrar no palco, em que uma violoncelista lhe disse: “Acho muito bem que na sua idade ainda pratique música… e eu senti-me muito novo!!!” (risos).

Fotos Egídio Santos

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Sara Vale

Luís Oliveira

“MUITO MELHOR DO QUE ASSISTIR A UM CONCERTO É FAZÊ-LO”

O NELSON ÉVORA DA MÚSICA

Natural de Barcelos, Sara Beatriz Vale, violoncelista, é um dos elementos mais jovens da Orquestra. Tem 20 anos e está no 2.º ano do curso de História da Faculdade de Letras (FLUP). Começou a estudar música aos cinco. Depois do 8.º grau do Conservatório de Música do Porto, continua a aprofundar conhecimentos. Soube da existência da Orquestra Clássica da FEUP antes de entrar na Universidade e pensou: “Tenho de ir para o Porto para ir para a Orquestra (risos). Lá, sei que vou continuar a tocar”. Confessa ser um pouco distraída e que aqueles são os seus momentos de plena concentração. “Num exame, até posso fazer asneiras. Na Orquestra, é injusto para com os outros”. Estar numa orquestra é também sinónimo de conhecer pessoas das mais variadas áreas e de fazer música com amigos. “A música integra” e “muito melhor do que assistir a um concerto é fazê-lo”. E se um dia puder viver profissionalmente da música, gostaria de tocar numa orquestra. “Interpretar suites de Bach sozinha não tem piada”. Quem já não é estudante, mas nem por isso deixou a Orquestra, é Luís Oliveira. Tem 26 anos e é clarinetista. Estava a terminar o curso de Engenharia Informática quando foi desafiado a integrar uma startup, incubada no UPTEC. A Mercatura, dedicada a sistemas de gestão, já abandonou o ninho. Encontrámos Luís Oliveira no colorido e recém-inaugurado DISTRICT – Offices and life style, um centro de partilha de serviços, no antigo edifício do Governo Civil do Porto. Estudou no Conservatório do Vale do Sousa, em Lousada, e, além da Orquestra Clássica da FEUP, pertence à Banda Filarmónica de Lagares, Penafiel. Fez parte do primeiro “lote” de músicos que criaram a Orquestra. “Somos uma orquestra amadora, fazemos isto por amor”. A música trouxe-lhe a “capacidade de concentração” necessária a quem tem o tempo “muito contado”. Além do emprego e dos ensaios, uma a duas horas por dia, inscreveu-se no Conservatório de Música do Porto e começou a estudar direção musical. Quer ser maestro. “Estou cheio de vontade de continuar na música, agarrando agora uma perspetiva mais criadora. Foi por ver o trabalho do José Eduardo… Além da visão musical e do talento, é bastante inteligente e singular no que faz. Saca uma piada do nada, desconstrói e alivia. É um dos melhores maestros da atualidade”.

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José Eduardo Gomes

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Filho de mãe transmontana e pai minhoto, José Eduardo Gomes nasceu em Famalicão e é o maestro titular da Orquestra Clássica da FEUP. Estudou clarinete na ESMAE e prosseguiu os estudos de Direção de Orquestra na Haute École de Musique de Genebra, na Suíça. Dirigiu orquestras portuguesas e estrangeiras e tem diversos prémios nacionais e internacionais no currículo. Está na génese da Orquestra Clássica da FEUP, um convite que surgiu do seu Comissariado Cultural, sendo que esta era uma ideia que já trazia consigo. “Na Suíça, na Alemanha, na França, há orquestras clássicas nas universidades. O percurso académico avança e a música continua a fazer parte da vida das pessoas”. Destaca a “energia e o empenho” dos músicos da Orquestra Clássica da FEUP. Um profissional vive da música, mas um amador tem apenas “o benefício da alma”, acrescenta. “A música faz parte da vida destas pessoas que, por múltiplas razões, suspenderam a atividade, mas a paixão estava ali”. No palco, “não há estudantes de Medicina, Letras e Economia, ou professores de Matemática e de História. Há violinistas, flautistas, trompistas ou contrabaixistas. Ali, somos todos iguais”. Já a pressão (psicológica) de estar em palco assemelha-se ao que sente um atleta de alta competição. “O Nelson Évora, antes de saltar, sente a pressão de não querer falhar. Temos de saber lidar com essa ansiedade. Tento concentrar toda a tensão em mim para a poder gerir e transformar em boa energia. Acumular e despejar. O Nelson Évora faz isto em segundos, nós fazemos durante a interpretação da obra”. Como se aprende a gerir esta pressão? “Com experiência e autoconfiança. Para também podermos desfrutar e passar essa energia para fora do palco. O maestro funciona como catalisador. Faz passar o que de bom se está a passar ali”. Um colocar-se à mercê da energia disponível, da finitude à transcendência. De ave no rasgo do voo. Associado à eterna rivalidade entre naipes, o humor é arma de abundante recurso, nomeadamente nos bastidores do espetáculo: “Olha, um tambor! É uma conga, pá! Uma conga!”.


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Texto Tiago Reis

Fotos Egídio Santos

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ESTUDO E LAZER NO “PULMÃO VERDE” DA U.PORTO Trabalhar, estudar ou conviver com vista para um dos mais emblemáticos espaços da cidade. Desde outubro de 2015, tudo isto está ao dispor dos nossos estudantes no E-Learning Café – Botânico, instalado na Casa Salabert, em pleno Jardim Botânico do Porto. Resultado de um projeto de requalificação da autoria do arquiteto Nuno Valentim, professor da Faculdade de Arquitetura da U.Porto, este espaço situado no “pulmão verde” da Universidade está pensado para o estudo mas também para

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Texto Tiago Reis

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o lazer dos estudantes, nomeadamente os que frequentam as faculdades que integram o Polo III do campus (Campo Alegre). No E-Learning Café – Botânico é possível usufruir de salas equipadas para o trabalho individual ou em grupo, bem como ter acesso a computadores portáteis e a internet de alta velocidade, através da rede wireless da Universidade (eduRoam). Os momentos de pausa convidam, por sua vez, a explorar as amplas áreas de convívio, a participar nos eventos (exposições, workshops, palestras, etc.) dinamizados pelos SASUP –

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Serviços de Ação Social da U.Porto, ou simplesmente a “respirar” um lugar com uma forte identidade cultural, ou não fosse este um espaço de referências da vida e obra da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen. O E-Learning Café – Botânico está aberto todos os dias da semana (fim de semana incluído), das 10h00 às 22h00. A entrada é livre.

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Texto Tiago Reis

Fotos Egídio Santos

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Texto Ricardo Miguel Gomes

Fotos EgĂ­dio Santos

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IR ÀS COMPRAS NO FACEBOOK A oportunidade de negócio era óbvia: criar lojas on-line no Facebook, garantindo que as compras são realizadas sem que o utilizador abandone a interface da rede social. Mas foi a Facestore, startup sediada no UPTEC, quem primeiro desenvolveu, a nível mundial, uma plataforma de e-commerce para esse efeito. A empresa fundada por Paulo Solinho Barbosa e Bruna Nunes em 2013 soma, hoje, 30 mil lojas instaladas com a sua plataforma e, só em 2016, ajudou a gerar 20 milhões de euros em transações. Depois de abrir um escritório em Manchester, a Facestore prossegue a internacionalização na Europa mas já de olho nos mercados americano e asiático

“Como é que não me lembrei disto antes?” A exasperada frase habitualmente acompanha a reação a ideias de negócio que nos parecem óbvias, como se tivessem estado sempre debaixo dos nossos narizes. Ora, o serviço de e-commerce que a Facestore comercializa é um desses casos, pois trata-se de possibilitar a criação de lojas on-line para venda direta no Facebook e noutras redes sociais. Tão simples quanto isso. Lojas, essas, em que o utilizador realiza as suas compras sem ter de sair da interface das redes sociais, o que garante uma experiência de consumo mais intuitiva, rápida, consequente e segura. Corria o ano de 2010 e o mundo era cada vez mais a “aldeia global” de Marshall McLuhan, graças à meteórica expansão do Facebook, rede social que ultrapassou já os mil milhões de utilizadores. E por entre a vertigem dos likes, a ira dos trolls, o food porn, os vídeos com gatinhos, as selfies das férias, as frases de autoajuda e tutti quanti nasciam boas oportunidades de negócio no Facebook. Mas “as redes sociais não estavam ainda dotadas de ferramentas que permitissem uma ligação umbilical entre as marcas e os utilizadores”, observa o cofundador e CEO da Facestore, Paulo Solinho Barbosa. Essa ausência de ferramentas era gritante ao nível do e-commerce: “Os utilizadores do Facebook podiam interagir com as páginas das marcas: fazer likes, comentar, partilhar… Só não conseguiam comprar os produtos”.

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Conscientes desta pecha, Paulo Solinho Barbosa e Bruna Nunes (CMO da Facestore) decidiram, nesse ano, constituir uma equipa dentro da agência de webdesign que haviam fundado em 1999, a Visualwork, para desenvolver uma plataforma de e-commerce destinada ao Facebook. É assim que, respaldada no know -how e em capitais da Visualwork, nasce no seio desta agência a Facestore, em 2013. O rápido sucesso da solução apresentada ao mercado leva a que, em 2015, a Facestore se autonomize e se torne um spin-off da Visualwork. Para a consolidação da Facestore, foi “muito importante” a participação da empresa, em 2015, no ASA – ANJE Startup Accelerator, programa de aceleração organizado pela Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). A Facestore foi uma das 10 startups selecionadas para a 3.ª fase do programa, que consistia sobretudo em mentoria especializada. “Conhecemos excelentes mentores, que muito nos ajudaram a desenvolver o nosso plano de negócios”. Além disso, “estabelecemos uma excelente relação com a ANJE. Devemos-lhe muito pelo facto de ter sido a instituição que acreditou em nós naquele instante”, sublinha Paulo Solinho Barbosa. De resto, a Facestore mantém um escritório na sede nacional da ANJE, no Porto, dedicado à área comercial e do marketing.

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PLATAFORMA MUNDIALMENTE PIONEIRA O sucesso da Facestore é, em boa medida, tributário do caráter inovador e até pioneiro da sua plataforma. “Não fomos os primeiros a pôr um catálogo de produtos no Facebook, porque isso até era uma feature relativamente fácil de fazer. Mas fomos os primeiros a conseguir que todo o processo de compra, incluindo o pagamento, fosse finalizado sem abandonar o Facebook. Fomos pioneiros e isso permitiu diferenciar-nos de tudo aquilo que estava a acontecer na altura”, garante o CEO da empresa. Importa ressalvar que, apesar do foco inicial no Facebook, a Facestore adaptou a sua plataforma a outras redes sociais. “Estudámos muito bem o Facebook, o Instagram e o Pinterest. Cada uma dessas redes sociais tem o seu próprio ambiente. O que a Facestore faz, em cada uma dessas redes sociais, é proporcionar a melhor experiência a quem quer comprar um produto”. Por isso, Paulo Solinho Barbosa caracteriza a Facestore como uma “plataforma que proporciona uma experiência omnichannel. Isto significa dar a melhor experiência possível ao utilizador no canal em que está a ter o contacto com a empresa”. Estar presente na generalidade das redes sociais com soluções customizadas e adaptadas a todo o tipo de dispositivos (fixos e móveis) é, diz o mesmo respon-

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[A Facestore é uma] “plataforma que proporciona uma experiência omnichannel. Isto significa dar a melhor experiência possível ao utilizador no canal em que está a ter o contacto com a empresa”

sável, a “grande vantagem de utilizar a plataforma Facestore”. Outra vantagem são os reduzidos custos do serviço. Para se ter uma ideia, uma empresa paga em média 30 euros por mês para ter uma loja on-line numa rede social, a partir da plataforma Facestore. Acresce que, com esta solução, diz Paulo Solinho Barbosa, “poupa-se no investimento inicial para desenvolver um e-commerce de raiz e poupa-se nos custos de manutenção de uma loja on-line”. Refira-se, a propósito, que a empresa consegue fazer migrar uma loja on-line tradicional para a plataforma Facestore. É também uma mais-valia da plataforma Facestore a sua permanente atualização tecnológica. Perante “qualquer mudança quer em termos de versões de browser, quer em termos de alterações dos ambientes das redes sociais, a Facestore tem capacidade de atualizar todas as lojas ao mesmo tempo e quase em tempo real”, garante o cofundador da startup. Ao longo destes anos de atividade, a plataforma Facestore foi ficando mais completa em termos de meios de pagamento. Começou com o Multibanco, o Visa e o PayPal e hoje tem parcerias também com a American Express, o Mastercard, a app SEQR e o sistema Stripe. Estes sistemas de pagamento garantem segurança e comodidade nas transações, tanto a nível nacional como internacional.

Paulo Solinho Barbosa, cofundador e CEO da Facestore.

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Texto Ricardo Miguel Gomes

Fotos Egídio Santos

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Equipa da Facestore no UPTEC.

O serviço logístico era uma lacuna da Facestore, que agora será preenchida através de um acordo de parceria com uma importante empresa de distribuição de correio nacional. “Em vez de cada comerciante estar a fazer um contrato com uma empresa de logística, o que nós pretendemos é ter um excelente contrato para oferecer a todas as lojas, em condições muito vantajosas. Queremos que essa empresa de logística faça toda a recolha e entrega das encomendas”, explica Paulo Solinho Barbosa. Com todas estas parcerias, diz o CEO da Facestore, “a plataforma não está apenas a oferecer um software: está a oferecer um serviço global. A nossa diferenciação passa muito por aí. Somos um conjunto de serviços agregados que acrescentam valor ao negócio dos nossos clientes. Procuramos ter todo o ecossistema instalado na Facestore. O comerciante tem assim uma oferta all in one, sem se preocupar se o produto vai ser pago ou se vai ser recolhido e entregue”. Por tudo isto, conclui, “o nosso produto que não é comparável com mais nenhum outro”. Atualmente, cerca de 70% dos clientes da Facestore são PME, enquanto os empresários em nome individual representam uma percentagem pequena de quem procura a plataforma. Mas, quando a empresa foi pensada, os seus fundadores acreditavam que, estando o

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país em crise, seriam os pequenos retalhistas e prestadores de serviços a usarem a plataforma para criarem as suas lojas on-line. Aliás, a plataforma foi desenhada para esse público-alvo. Mas hoje avultam as empresas dos setores da moda, do turismo, da alimentação e bebidas, da comunicação social, do desporto, entre outros. Dos clientes mais sonantes, destacam-se a Aldo, o Rally de Portugal, o estilista Nuno Gama e o grupo Impala, por exemplo. Desde a sua criação em 2013, a Facestore já possibilitou a abertura de perto de 30 mil lojas on-line em redes sociais e, só em 2016, ajudou a gerar 20 milhões de euros em transações comerciais. O objetivo, para o futuro próximo, é adaptar a plataforma a segmentos de negócio específicos, como o mercado de alojamento turístico e a bilhética virtual. “Vamos montar uma estrutura completamente preparada para a venda de bilhetes, através de todos os canais possíveis”, adianta Paulo Solinho Barbosa.

MANCHESTER: 1.º PASSO PARA A GLOBALIZAÇÃO Paralelamente, a Facestore espera aprofundar o seu processo de internacionalização, que arrancou, no ano passado, no mercado britânico. A empresa abriu um escritório em Manchester, “uma cidade com uma relação com o e-commerce muito forte, que tem uma excelente universidade e é mais barata do que Londres”, justifica Paulo Solinho Barbosa. “Já temos bastantes clientes no Reino Unido, perto de 1000, o que é bastante bom para uma empresa com se instalou há pouco tempo”. A partir do centro de operações de Manchester, a Facestore gere quer o mercado do Reino Unido, quer mercados que considera prioritários na Europa (Alemanha, França, Suíça, Espanha). “Nós ambicionamos ser uma plataforma à escala global e uma referência em termos de e-commerce mundial”, salienta o CEO da Facestore. Para tanto, a estratégia da empresa passa por, depois do Reino Unido e Euro-

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pa, entrar no mercado americano dentro de um ano ou dois. Em estudo está o mercado asiático, sendo que, já este ano, vai ser feita a integração da plataforma numa rede social chinesa comparável ao Facebook: a WeChat. A ideia, diz Paulo Solinho Barbosa, “não é pôr empresas chinesas a vender na China, mas sim empresas europeias a vender na China”. Para entrar nos mercados americano e asiático, a Facestore prevê necessitar de um financiamento de 2 milhões de euros, que espera obter em futuras rondas de investimento. Refira-se que, para montar o escritório em Manchester, a empresa recorreu a uma ronda de investimento mais baixa, angariando cerca de 200 mil euros. A restante atividade da Facestore tem sido financiada com capitais próprios. De 2015 para 2016, a faturação da empresa cresceu 200%. Paulo Solinho Barbosa acredita que, no espaço de dois anos, a Facestore atinja os 10 milhões de euros de faturação. A empresa é, aliás, lucrativa desde o primeiro ano de atividade, assumindo-se como líder de mercado em Portugal. Arrancou com quatro pessoas, mas hoje já emprega 12: seis no UPTEC, cinco na ANJE, uma em Lisboa e quatro em Manchester. A Facestore tem, há cerca de um ano, o seu centro de desenvolvimento sediado no Polo Tecnológico do Parque de Ciência e Tecnologia da U.Porto (UPTEC TECH), depois de uma passagem de alguns meses pelo Polo do Mar. “Desde o início que nós queríamos vir para o UPTEC. Achávamos que seria o sítio certo para uma empresa tecnológica como a nossa. Disseram-nos que tínhamos uma grande lista de espera à nossa frente, mas nós não nos rendemos”, conta Paulo Solinho Barbosa, que justifica assim a preferência: “O UPTEC é um ecossistema fantástico. Toda esta dinâmica que é criada em torno das startups: o acesso a informação, os eventos aqui organizados, as parcerias entre empresas, os contactos com consultoras, advogados, bancos ou até com a Google e a Amazon. Sabemos que, se precisarmos de conhecer alguém em particular, podemos contar com o apoio incansável da equipa do UPTEC”.

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Ana Pinho “SERRALVES PRECISA QUE SEJA RECONHECIDO O TRABALHO QUE FAZ” Está confiante na reversão do corte no financiamento público à Fundação de Serralves, a cujo conselho de administração preside, e acredita que a mudança acionista no BPI não põe em causa o apoio deste importante mecenas. A instituição que lidera “foi sempre muito consciente das suas contas” e soube contornar os recentes constrangimentos financeiros, de tal forma que viveu, em 2016, “um ano excecional”. Registou, então, um recorde de visitantes: mais de 680 mil. Número que deverá subir este ano, considerando o sucesso da exposição “Joan Miró: materialidade e metamorfose”. A coleção do mestre espanhol que pertencia ao BPN “alarga e diversifica o público” de Serralves, pelo que “faz todo o sentido” acolhê-la na antiga casa do conde de Vizela. Ana Pinho rejeita uma quebra de qualidade na programação do Museu de Arte Contemporânea, quer a coleção da Fundação em itinerância pelo país, gostaria de continuar a contar com Suzanne Cotter e garante que a Casa do Cinema Manoel de Oliveira abre no final de 2018. Formada em Economia pela FEP, a ex-CEO da UBS Portugal não se considera uma “exceção” num país pródigo em desigualdades de género.

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entrevista

Texto Ricardo Miguel Gomes

Fotos Egídio Santos

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Está sensivelmente a meio do seu mandato de três anos como presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves. Que balanço faz da sua presidência até agora? 2016 foi um ano excecional para Serralves. Tivemos um recorde de visitantes, com 30% de aumento. Acabámos o ano com mais de 680 mil visitantes. E se somarmos a este número as pessoas que nos visitaram nas muitas exposições que fizemos fora de Serralves, no país e no estrangeiro, chegamos quase a milhão [de visitantes]. É um número verdadeiramente excecional, até a nível internacional. Gostaria de destacar ainda a programação no Museu, na Casa e no Parque em várias áreas, desde as artes plásticas ao ambiente. Foi formidável e atraiu muita gente. Também quero destacar o facto de termos conseguido aumentar a nossa atividade fora de portas. Em 2015, nós tínhamos realizado quatro exposições em municípios portugueses e, em 2016, realizámos 14. Fora de Portugal, em Paris e em Bruxelas, organizámos duas exposições muito importantes de Helena Almeida. Ambas tiveram imenso sucesso. Um dos momentos mais significativos do seu mandato foi o acordo para a permanência da coleção Miró, que pertencia ao BPN, na Casa de Serralves. Como é que decorreram essas negociações? Inicialmente foi proposto a Serralves fazer a exposição [das obras] de Miró. Nós propusemos a Casa [de Serralves], onde, em 1990, foi realizada uma exposição de Juan Miró, em parceria com a Fundação Miró, de Barcelona. Entretanto, houve conversações entre o Ministério da Cultura e a Câmara Municipal do Porto para que a coleção Miró ficasse no Porto. Fomos abordados pela Câmara para que a Casa de Serralves acolhesse a coleção em permanência, depois da exposição. Algo que pareceu ao conselho de administração e à diretora do Museu uma ótima ideia. A exposição tem corrido bastante bem [à data da entrevista ainda não estava encerrada]. Tivemos o cuidado de, para dar assistência à coleção, ir buscar um dos maiores especialistas mundiais de Miró [Robert Lubar Messeri]. Fomos também buscar o arquiteto Álvaro Siza para fazer o projeto expositivo, de forma a tornar o ambiente mais contemporâneo. O que é que a Fundação de Serralves ganha com a exposição permanente da coleção Miró? Há muitas pessoas que não vêm cá pela arte contemporânea mas que, se calhar, já vêm para ver Miró. [A coleção Miró] alarga e diversifica o nosso público, que é sempre o que nós tentamos. Por outro lado, nós damos a esta coleção toda a dinâmica contemporânea. Temos muita experiência neste tipo de coisas e podemos fazê-lo de forma eficiente. Daí o interesse da Câmara nesta parceria. Há quem duvide de que se trate de uma verdadeira coleção e não atribua grande valor a muitas das suas obras. É verdade que, antes de a coleção ser exibida, muita gente dizia que tinha duas ou três obras relevantes e que o resto não tinha qualidade. Penso que essa perceção se alterou significativamente depois da exposição. As pessoas envolvidas na curadoria, e em especial Robert Lubar Messeri, especialista mundial na obra de Miró, contrariaram essa ideia desde o primeiro dia em que viram a coleção. A coleção abrange 60 anos de produção artística de Miró e tem muitos períodos representados. Embora existam obras de qualidade diversa na coleção, as que não são tão excecionais cumprem objetivos importantes, até em termos educativos.

entrevista

“2016 foi um ano excecional para Serralves. Tivemos um recorde de visitantes, com 30% de aumento. Acabámos o ano com mais de 680 mil visitantes. E se somarmos a este número as pessoas que nos visitaram nas muitas exposições que fizemos fora de Serralves, no país e no estrangeiro, chegamos quase a milhão [de visitantes]”.

De que forma é que a coleção Miró se enquadra na missão institucional e nos objetivos estratégicos da Fundação de Serralves? Muitos museus de arte contemporânea do mundo incorporam coleções e obras de períodos anteriores, que permitem explicar os antecedentes da arte contemporânea. E Miró continua a ter imensa influência em artistas contemporâneos. Para além de que produziu até 1983. A coleção de Serralves tem um enfoque a partir da década de 70 e, portanto, ele produziu ainda mais duas décadas depois desse período. Logo, faz todo o sentido [acolher a coleção Miró]. Como é que vai ser suplantada a perda de um importante espaço expositivo como a Casa de Serralves? Não vamos manter sempre a mesma exposição [de Miró] e é suposto algumas obras entrarem em itinerância. A nossa ideia é pegar em núcleos da coleção e dinamizá-los: ou com outras obras de Miró, vindas de outras instituições, ou com obras de outros artistas. E, quem sabe, reservar um espaço da Casa para outras intervenções artísticas. Tudo isto é possível. De facto, nem nós [conselho de administração] nem a direção do Museu sentimos que isto seja um constrangimento. Pelo contrário, é uma oportunidade para fazermos coisas diferentes. A Casa de Serralves terá de sofrer obras de adaptação para acolher, em permanência, a coleção Miró. Quando é que essas obras vão ter início? A nossa intenção é fazer essas obras o mais rapidamente possível, mas não depende só de nós. Depende do acordo entre o Estado e a Câmara do Porto estar fechado. A ideia é a Câmara suportar essas obras, que não são nada de especial. E, a partir daí, fazer-se a programação. Até ao final de setembro, vai estar na Casa uma exposição de Nick Mauss. Depois, era bom para nós que as obras arrancassem, senão temos de arranjar outros usos para a Casa. Gostaria que [o arranque das obras] fosse em outubro. E quanto tempo se prevê que as obras demorem? Entre quatro e seis meses. Portanto, em 2018 o arranjo da Casa estará concluído. Ah sim, espero que sim. O acordo com a Câmara Municipal do Porto em torno da coleção Miró prevê a criação de um polo de Serralves em Campanhã, no antigo Matadouro Municipal. O que é que vai ser esse polo? Nós estamos a conversar com a Câmara sobre este assunto, mas não temos um acordo fechado. A ideia de facto é que haja um polo de Serralves, talvez dedicado a novos artistas, com grande interligação com a Câmara. Há também a ideia de depósito de obras de Serralves no antigo Matadouro, mas está tudo a ser estudado.

Texto Ricardo Miguel Gomes

Fotos Egídio Santos

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Veja o vídeo da entrevista em http://tv.up.pt/premiums/102

ESPERANÇA NA REVERSÃO DO CORTE Tendo em conta a decisão tomada relativamente à coleção Miró, considera que o Estado também deve ficar com a posse do que resta da coleção BPN, da coleção da Fundação Ellipse do BPP e da coleção do Novo Banco? Há constrangimentos de ordem financeira que não permitem que se faça tudo o que se gostaria. Mas todas essas coleções são de qualidade e seria ótimo que ficassem em Portugal e pudessem ser vistas pelo público português. Serralves estaria disposta a acolher algumas dessas coleções? Claro [risos]. Serralves está sempre disposta a receber coleções de qualidade. Como é que a Fundação tem gerido o corte de 30% no financiamento público? A partir de 2011, houve um corte de cerca de 30% [no financiamento] das fundações com apoio do Estado. [Mas], em 2011 e 2012, Serralves foi excecionada desse corte porque na lei havia uma exceção para as instituições que dependiam em menos de 50% do Estado. Isso foi depois retirado da lei e começámos a ser cortados. Nós recebíamos um subsídio anual de 4,1 milhões de euros e passámos a receber 2,8 milhões. Num orçamento de oito milhões, isto significa que todos os anos só ficassem pouco mais de 5 milhões. Isso implicou um grande esforço. Tínhamos quatro ciclos expositivos e passámos a ter três, começámos a negociar com fornecedores quase anualmente, não contratámos pessoas, mantivemos o ar condicionado desligado mais vezes… Esta instituição foi sempre muito consciente das suas contas. No ano passado, o primeiro-ministro prometeu que ia repor metade do corte e fez isso. Pagou mais 600 mil euros do que os dois milhões oitocentos e setenta que era suposto pagar. A nossa esperança é que cumpra a segunda parte da promessa: repor a totalidade do subsídio a Serralves. Não tenho razões para achar que não [será cumprida], já que no ano passado foi cumprida. O Governo é sensível à questão do financiamento de Serralves? O que posso dizer é que houve a consciência de que Serralves faz um enorme trabalho, não só aqui [no Porto] como por todo o país. Este ano vamos fazer 29 exposições em Portugal: Caminha, Faro, Ponta Delgada, Guarda, Torres Vedras, Chaves, Lisboa… Isto para além das cinco exposições que vamos organizar aqui. É um esforço enorme. O Estado e o ministro da Cultura, em especial, foram sensíveis a isto e ainda bem. Serralves precisa que seja reconhecido o trabalho que faz, e que é muito difícil.

COLEÇÃO NÃO SERÁ DESCONTINUADA O corte no financiamento público tem tido repercussões nos investimentos da Fundação, nomeadamente para aquisição de obras? Nós temos tentado cumprir essa obrigação. Mesmo nos anos em que o Estado não comprou, nós continuámos a comprar obras de arte. É muito importante que a coleção não seja descontinuada. Nós, de facto, utilizamos a coleção de forma intensa. As exposições que referi [nos vários municípios] são feitas a partir da nossa



CASA MANOEL DE OLIVEIRA ABRE NO FINAL DE 2018

coleção. Outro dos pontos importantes da nossa estratégia é que, a partir deste ano, vai ficar em permanência no Museu uma grande exposição da coleção. Por isso, nós temos tentado não descontinuar a coleção de Serralves. E quanto à programação de Serralves, a sua qualidade foi afetada pelos cortes no financiamento? Há muito que não vemos exposições históricas como as de Francis Bacon, Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Nan Goldin, Paula Rego… Não me revejo no que está a dizer. Ainda no ano passado, tivemos uma exposição absolutamente extraordinária de Wolfgang Tillmans. Daqui a alguns anos, se calhar, toda a gente reconhecerá o Tillmans como [reconhece] o Rauschenberg ou, mesmo, o Warhol. Tillmans é considerado o maior fotógrafo a trabalhar hoje em dia. Tem neste momento uma exposição extraordinária na Tate Modern [terminou a 11 de junho], mas primeiro esteve cá. A exposição que tivemos cá de Philippe Parreno esteve também na Tate Modern. A Sonnabend Collection, que esteve cá no ano passado, tinha obras absolutamente extraordinárias. Este ano vamos apresentar aqui a Bienal de São Paulo, que é um dos maiores acontecimentos de arte contemporânea a nível mundial. Temos tido também a preocupação de mostrar arte portuguesa em contexto internacional. Este ano vamos ter uma exposição de Jorge Pinheiro, comissariada por Pedro Cabrita Reis e com um projeto de curadoria de Eduardo Souto de Moura. Enfim, não podemos dizer que a qualidade é inferior. As direções artísticas têm é visões diferentes sobre a programação do Museu. Numa entrevista defendeu que Serralves deve “diversificar e potenciar” as suas fontes de financiamento. Isto está a ser feito? Está. Como lhe disse, conseguimos mais apoios do Estado e mais apoios dos privados. No ano passado tivemos a entrada de 24 novos fundadores, dos quais 14 são autarquias. Foi a maior entrada desde que a Fundação foi criada, em 1989. Isto é muito importante para aquilo que queremos fazer: sair de Serralves e mostrarmo-nos por todo o país. Estamos também a tentar aumentar as receitas próprias através de vendas, da realização de eventos… O aluguer da casa e dos jardins de Serralves para eventos privados gerou alguma polémica. Se nós pudéssemos não fazer eventos… Temos tentado limitar o número de eventos, embora eles sejam necessários para a nossa sustentabilidade.

“Ainda no ano passado, tivemos uma exposição absolutamente extraordinária de Wolfgang Tillmans. Daqui a alguns anos, toda a gente reconhecerá Wolfgang Tillmans como [reconhece] Rauschenberg. Tillmans é considerado o maior fotógrafo a trabalhar hoje em dia”.

“Temos tido também a preocupação de mostrar arte portuguesa em contexto internacional”.

Qual é o investimento total do projeto? Cerca de 3,7 milhões de euros. Quando é que espera que a Casa esteja aberta ao público? No final de 2018. O mandato de Suzanne Cotter termina este ano. Vai reconduzir a diretora do Museu de Serralves? Este assunto que ainda não foi discutido em conselho de administração. O que posso dizer é que estamos muito contentes com a Suzanne Cotter. É uma pessoa muito dedicada, tem imensos contactos internacionais, é muito fácil trabalhar com ela, cumpre o que combina… Mas, enfim, as pessoas não estão para sempre nas instituições. Portanto, se tiver vontade de sair, será [considerada] uma situação normal.

Em entrevista disse que a sua administração queria “abrir mais a Fundação”. Essa maior abertura passa por parcerias e colaborações com instituições relevantes da cidade, como a U.Porto? Completamente. Nós trabalhamos muito em parceria com diversas instituições e especificamente com a U.Porto, em várias áreas. Organizamos muitas iniciativas conjuntas, para além de termos imensos estudantes que nos visitam. Já fazemos muito mas queremos fazer mais, e estamos a trabalhar para isso. Temos uma ótima relação com o Senhor Reitor e toda a equipa. Num país com gritantes desigualdades de género no mercado de trabalho, a sua carreira é exemplo de que é possível uma mulher chegar ao topo ou é apenas uma exceção que confirma a regra? Espero não ser uma exceção. Não posso ser! Hoje em dia, nas universidades, os melhores alunos são mulheres... Mas isso não está a ter reflexos no mercado de trabalho. Mas acho que vai ter. É uma questão de tempo. Aqui, em Serralves, não se pode dizer que temos um domínio, mas há muitas mulheres [na equipa], mesmo ao nível da direção e do conselho de administração. Mas acho que é normal: as pessoas devem ter sucesso, ou não, de acordo com o seu mérito, quer sejam mulheres, quer sejam homens. Até que ponto a formação na Faculdade de Economia (FEP) foi importante para a sua carreira e em concreto para o cargo que exerce hoje em Serralves? Foi muito importante o rigor exigido e o facto de haver, na altura [anos 80/90], uma componente teórica bastante forte, que me deu uma certa elasticidade para o que vim a fazer depois.

A atual Lei do Mecenato é suficiente para atrair novos mecenas ou poder-se-ia ir mais longe nos incentivos? Acho que se poderia e deveria ir mais longe, tanto a nível das empresas como dos privados. A lei para os privados não é propriamente atrativa.

entrevista

O financiamento do projeto já está integralmente assegurado? Tivemos o apoio de fundos comunitários [programa Norte 2020, no valor de 2,1 milhões de euros], mas há uma parte de contrapartida nacional que temos de encontrar. Estamos ainda a negociar o financiamento, mas o projeto é mesmo para andar.

FEP DEU-LHE “ELASTICIDADE” COMO ECONOMISTA

A OPA do CaixaBank sobre o BPI, mecenas exclusivo do Museu, e consequente mudança acionista do banco são uma preocupação para Serralves? Não, a Fundação La Caixa [grupo que detém a maioria do capital do CaixaBank] tem enorme sensibilidade para a cultura. É um dos maiores mecenas do mundo e dá um contributo extraordinário em Espanha. Antecipo que também o faça em Portugal. Ficaria surpreendida se assim não fosse.

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Outro projeto importante para Serralves é a Casa do Cinema Manoel de Oliveira. Quando é que arrancam as obras? As obras estão programadas para começarem entre julho e setembro. O concurso para a construção [da Casa] vai ser lançado dentro de pouco tempo. Portanto, está tudo a decorrer de forma normal. Cada vez mais, os artistas contemporâneos se exprimem através do filme e do vídeo. Por isso, tem toda a lógica que a Casa Manoel de Oliveira esteja em Serralves. E é com muito gosto que o fazemos. Para além do cineasta Manoel de Oliveira nos ter doado o seu espólio, que é algo que agradecemos, [a Casa] é uma forma de perpetuar o nome dele de uma maneira interessante para todos os públicos, nomeadamente para as crianças. [De resto], a Casa vai ser também dedicada ao cinema e a muitos outros cineastas. Organizaremos um ciclo de cinema e teremos exposições temporárias.

Texto Ricardo Miguel Gomes

Fotos Egídio Santos



Conhecemos trinta mas podiam ser mais. São, na verdade, muitas mais. As famílias que fazem parte da história da Universidade representam gerações que, ao longo destes 106 anos, “vestiram a camisola U.Porto”. São avós, pais, netos. Mas também primos, sobrinhos e irmãos, cuja passagem pela Universidade se tornou numa espécie de “legado familiar” que atravessa duas, três ou até cinco gerações.

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memória

Texto Marisa Macedo

Fotos Egídio Santos


O LEGADO DO ETERNO ESTUDANTE Não serão muitos os estudantes universitários do Porto que nunca ouviram falar de Aureliano da Fonseca. Médico e professor, é o autor dos Amores de Estudante, um tango-canção composto com um colega tuno e orfeonista – Paulo Pombo (que escreveu a letra) – que o Orfeão Universitário do Porto (OUP) e a Universidade adotaram como hino. Aureliano da Fonseca viveu sempre como estudante, talvez por sempre ter sabido “eternizar a ilusão de um instante”. Esteve ativo em tudo o que o ligava à U.Porto até 16 de janeiro de 2016, data do seu falecimento. Depois de se ter licenciado na Faculdade de Medicina (FMUP), começou a dar aulas na instituição em 1954 e aí se doutorou em 1963. Exerceu medicina até perto dos 100 anos, numa carreira que andou sempre de mãos dadas com outra das suas paixões: o OUP. A ligação familiar à U.Porto é de tal modo forte que, quando os netos de Aureliano da Fonseca eram estudantes universitários, ficaram com uma das melhores histórias para contar do cortejo da Queima das Fitas. “Juntaram-se alguns primos e amigos e resolveram entrar no cortejo como uma verdadeira faculdade – o Instituto Alberto Jorge. Tinham um altifalante, um carro, t-shirts pintadas e cursos inventados. E não é que eles chegaram à frente da Faculdade de Medicina, passaram a tribuna e cumprimentaram o reitor? Toda a família se lembra disto!”, conta-nos, com muitas gargalhadas, o filho, António Adão da Fonseca.

António Adão da Fonseca

O legado começa com o filho Luís Adão da Fonseca, o mais velho de seis. É licenciado em História pela Faculdade de Letras (FLUP), onde foi professor catedrático até 2006, no Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais. O filho seguinte, Francisco Adão da Fonseca, decidiu perpetuar o legado do pai. Licencia-se, em 1975, em Medicina na FMUP e especializa-se em Dermatologia, especialidade da qual é médico. Já na 3.ª geração, a sua filha Inês Fonseca licencia-se também pela FMUP, em 2001. Inês recorda-se da sua vida académica com uma forte presença do avô e acredita que não há “uma diferença de gerações”. “Eu tive a sorte de ter vivido uma altura em que o avô adorava ir à FMUP. Levava-me a conhecer os diretores e os professores. Ele ficava com os olhos brilhantes, sempre seduzido pelos eventos dos estudantes. Foram anos muito bons!”. Diferente foi o trajeto do tio António Adão da Fonseca, que se licenciou, em 1971, em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia (FEUP), onde foi professor até 2014. É autor dos projetos de engenharia da Ponte Infante D. Henrique (Porto), da Casa da Música e do Oceanário de Lisboa, por exemplo. Percurso idêntico seguiu o seu irmão gémeo, Fernando Adão da Fonseca, que concluiu o mesmo curso em 1972. António casou-se com Teresa Pimentel Adão da Fonseca, também ela licenciada na U.Porto, neste caso em Filosofia (1980). Dos quatro filhos do casal, três deram continuidade ao legado da família.

Família Adão da Fonseca: Teresa, Miguel, Graça, Inês, Francisco, Francisco de Assis, Teresa, António e António Maria.

memória

Texto Marisa Macedo

Fotos Egídio Santos

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UMA FAMÍLIA DA MEDICINA E ENGENHARIA

António Maria Adão da Fonseca e João Maria Adão da Fonseca são ambos licenciados pela FEUP em Engenharia Civil, o primeiro em 2000 e o segundo em 2006. João Maria foi, inclusive, aluno do pai. Já Francisco Pimentel Adão da Fonseca, porventura influenciado pelo avô Aureliano, concluiu o curso de Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Miguel Mendonça da Fonseca, neto de Aureliano da Fonseca, é mestre e doutorado em Biologia, em 2001, pela Faculdade de Ciências (FCUP). E é na sua esposa que encontramos mais um elemento, Teresa Vasconcelos da Fonseca, licenciada em História pela FLUP. É também com saudade que lembra os tempos passados com Aureliano da Fonseca. “Há uma coisa muito interessante nesta família: o valor que se dá à educação e a tirar um curso. Vim de uma família onde os meus pais não estudaram e foram trabalhar muito cedo. E nesta família dá-se tempo e espaço para estudar”. Fossem quantos fossem os anos de curso, a faculdade ou a época, a verdade é que toda a família lembra a presença assídua de Aureliano da Fonseca. É o neto Francisco que o confirma. “O nosso avô deixou-nos um legado único. Na medicina e em tudo. Era uma pessoa muito completa, sobretudo pela forma como se dedicava às coisas: à arte, à música, aos livros, à poesia e à Universidade”.

Manuel Sobrinho Simões dispensa apresentações. Considerado o patologista mais influente do mundo em 2015, desde cedo assumiu querer ligar-se à docência e à investigação. É professor catedrático na FMUP, onde se licenciou e doutorou, em 1979. Revela, com um sorriso, que “tem sido um casamento muito bom. Tenho medo da reforma, por não poder dar aulas às 8h30, à quinta-feira”. Do pai herdou o nome e uma paixão: a medicina. O seu pai, Manuel Sobrinho Rodrigues Simões, médico, professor e investigador na área de Bioquímica, licenciou-se pela FMUP, em 1940. “Foi na Universidade que fiz os meus grandes amigos”. E foi também pelos mesmos corredores que passou a sua esposa, Maria Augusta Areias Sobrinho Simões. Filha de pai formado na FMUP e mãe formada na Faculdade de Farmácia, Maria Augusta lembra com saudade o dia em que chegou à U.Porto. A entrada na Universidade significou uma transformação na sua vida. “É um tempo, para mim, de muito boas lembranças. Foi a descoberta de um universo completamente diferente daquilo que a minha proteção impedia”, recorda. Desta união nasceram três filhos: Manuel, João e Joana. Os dois rapazes foram os precursores da 3.ª geração das famílias Areias e Sobrinho Simões na U.Porto. Manuel Areias é o filho mais velho do casal, também ele licenciado e doutorado em 2011 pela FMUP, onde é hoje professor auxiliar convidado, carreira que concilia com a de médico no Centro Hospitalar de S. João. Curiosamente, ain-

Família Sobrinho Simões: Manuel, Maria Augusta, Manuel e João.

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Manuel e Maria Augusta Sobrinho Simões.


UMA CASA DE ARQUITETOS da que partilhassem o mesmo espaço, Manuel Areias e Sobrinho Simões pouco se cruzavam. “Em seis anos, cruzei-me com o meu pai uma vez”. Numa família onde impera a Medicina, João Areias Sobrinho Simões é o único que se forma em Engenharia Mecânica pela FEUP. Recorda ter escolhido o curso por saber que “a engenharia era uma área que deixava com muitas opções no futuro”. A entrada na Universidade também o mudou. “Cheguei à primeira aula e vi um anfiteatro cheio e nunca tinha visto nada assim… Nunca mais se repetiu”, conta-nos em tom de brincadeira.

Álvaro Siza é Prémio Pritzker, o galardão mais prestigiado da arquitetura mundial.

Já vai na 3.ª geração a ligação da família Siza Vieira à U.Porto. Tudo começa com Álvaro Siza Vieira quando, em 1949, entra na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, antecessora da atual Faculdade de Arquitetura (FAUP). Siza Vieira recorda-se desses primeiros tempos. “Ainda não era universidade, como é hoje. Na Escola de Belas Artes, inscrevi-me para Arquitetura. Antes tinha a ideia de ir para Escultura. Entrei numa altura em que houve uma renovação do corpo docente e do curso. Foi um momento muito interessante para a Arquitetura”. Licencia-se em 1955, permanecendo como docente entre 1966 e 1969, a convite do mestre Carlos Ramos. Em 2003, dá a sua última aula na FAUP, cujo edifício está entre os seus trabalhos mais notáveis. Mas realça: “Nunca perdi a relação com os estudantes. Muitas vezes visitam o meu atelier. E eu vou lá [à FAUP] fazer apresentações”. “Tentei que ele [o Alvarinho] não seguisse arquitetura. Não fiz qualquer pressão”. E assim foi. Mesmo contra vontade do pai, o filho de Siza Vieira, também ele Álvaro, licencia-se em Arquitetura pela FAUP, em 1994. “Nunca tive a interferência do meu pai no meu percurso como arquiteto”, ressalva Alvarinho, como lhe chamam os amigos. “Havia hábitos de pequenino de fazer modulações, construções, desenhar bastante. Claro que as visitas a obras de arquitetura também influenciaram. Acabei por decidir por aquilo de que gostava e que me era mais natural. Ainda tentei evitar, mas acabei por ir para Arquitetura”, explica. “E apesar de todas as dificuldades desta profissão, também o Henrique pode contar a sua história”. “Quando era pequeno sempre quis ir para Arquitetura. Vi, no entanto, que tinha outras competências. Mas a Engenharia não tinha nada a ver com o meu gosto. Acabei por ir para a área de que gostava”. Henrique é neto de Siza Vieira. O arquiteto nunca poderia prever que também o seu neto iria percorrer diariamente os corredores daquela que é a “sua faculdade”. Depois de um ano no curso de Engenharia Informática, na FEUP, Henrique seguiu a sua verdadeira paixão.

Família Siza Vieira: Henrique, Álvaro e Alvarinho.

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Texto Marisa Macedo

Fotos Egídio Santos

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QUATRO GERAÇÕES NOS CORREDORES DA FMUP “A Universidade era a sua vida. Aluno de 20, foi professor catedrático aos 32 anos e reitor aos 45. Nos 15 anos de reitor, a U.Porto teve um enorme desenvolvimento, desde o restabelecimento da Faculdade de Letras, até à aquisição do atual Jardim Botânico”. É desta forma que Maria da Purificação Tavares nos fala do seu avô, Amândio Tavares, um dos primeiros reitores da U.Porto (o 9.º) e o que mais tempo ocupou o cargo (1945-1961). Tudo começa com Amândio Tavares, licenciado pela FMUP, em 1924. Depois de uma carreira como professor catedrático de Anatomia Patológica, assumiu, entre 1945 e 1961, o cargo de reitor. O mesmo caminho foi seguido pelo seu filho, Amândio Sampaio Tavares, licenciado também pela FMUP em 1952, na qual foi não só diretor como também professor catedrático de Genética Médica. A neta mais velha, Maria da Purificação, cresceu nos corredores da U.Porto e privava muito com o avô. “O meu avô era muito austero, rigoroso e firme em qualquer circunstância. Tinha muita preocupação com os estudantes desfavorecidos, fomentou a criação de lares universitários e de bolsas académicas. Alguns alunos que estavam sós eram convidados em nossa casa, em especial na época de Natal”. É na 3.ª geração que encontramos Maria da Purificação. Licenciase na FMUP e, anos mais tarde, torna-se professora catedrática da Faculdade de Medicina Dentária. Já aposentada da carreira de docente, recorda com saudade esses tempos: “A U.Porto marca

quem por lá passa. Tive excelentes professores, pessoas de enorme envergadura em muitos aspetos. Relembro-os com muita devoção e carinho”. A irmã, Carmo Tavares Palmares, segue o mesmo percurso da família e forma-se em Biologia pela FCUP. Foi também na FMUP que Jorge Breda, marido de Maria da Purificação, e Jorge Palmares, marido de Carmo, se licenciaram. Numa família onde se “respira a U.Porto”, encontramos também os filhos de Carmo e Jorge Palmares, Jorge e Pedro, ambos licenciados pela FEUP, e Ana Albuquerque d’Orey Menezes Lopes, pela Faculdade de Economia. Juntam-se a esta 4.ª geração os filhos de Maria da Purificação, Bruna Sampaio Tavares, que passou pela escola de negócios da U.Porto (Porto Business School), o seu companheiro Jorge Marvão, formado em Medicina pelo ICBAS, e Daniel Sampaio Tavares, finalista de História na FLUP.

Família Tavares: Jorge, Maria da Purificação e Pedro (na frente); Bruna, Daniel, Carmo e Jorge (no meio); Jorge e Jorge (atrás). (foto na Reitoria)

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A família Tavares dá continuidade ao legado de um dos primeiros reitores da U.Porto.


Orfeu Bertolami O FÍSICO PRODIGIOSO

As emoções e fascínios explicam a vida de andarilho do físico Orfeu Bertolami. Nascido no Brasil em 1959, veio para Portugal no final dos anos 80, depois de um promissor início de carreira no Reino Unido e Alemanha. Enamorado por uma colega portuguesa, descobriu no nosso país uma cultura que o deixou

“absolutamente fascinado”. Começou por fazer um pós-doc no Instituto de Física e Matemática, até que, em 2010, ocupa uma vaga de catedrático na FCUP. Ultrapassado o choque inicial com o atavismo científico português, sente-se hoje plenamente realizado entre nós.

“Ó Portugal, se fosses só três sílabas,/ linda vista para o mar,/ Minho verde, Algarve de cal”. No início, foi um pouco deste Portugal visto pelo olhar sardónico de Alexandre O’Neill que Orfeu Bertolami experimentou na sua primeira visita ao nosso país, em 1985. O físico brasileiro era então estudante de doutoramento em Oxford, Reino Unido, e veio cá na companhia de uma colega portuguesa, por quem se havia apaixonado. O idílio leva-o às praias algarvias e a Lisboa, que o arrebataram. Mas o país não era apenas bonito. “Fiquei absolutamente fascinado com a cultura portuguesa. É estranho dizer isto mas até 1983 nunca tinha ouvido falar de Saramago, de Lobo Antunes… Embora o que mais me marcou tenha sido a arquitetura. Percebi que aqueles traços da arquitetura brasileira tinham razão de ser, tinham uma origem bem definida. Talvez os portugueses não se deem conta de que a marca mais notável que deixaram no mundo é a arquitetura. Uma cidade portuguesa é única e nós encontramos os mesmos traços em Salvador da Bahia, em Ouro Preto em Minas Gerais, na zona histórica do Rio de Janeiro”, observa Orfeu Bertolami. Tudo isto pesou na sua decisão de vir viver para Portugal, mas a circunstância de a sua esposa ter uma posição no Instituto Superior Técnico (IST) foi, naturalmente, o fator determinante. Orfeu Bertolami chega a Lisboa em 1989 para fazer um pósdoutoramento no Instituto de Física e Matemática, tornando-se dois anos depois professor auxiliar do Departamento de Física do IST. Diz, com graça, que foi “um dos primeiros [docentes] a entrar por concurso e dos primeiros estrangeiros” a fazê-lo no nosso país. “Em Portugal, de aluno passava-se a monitor, de monitor a assistente e,

depois do doutoramento, de assistente a professor auxiliar, automaticamente. Eu fiz um percurso diferente”. Para trás ficava uma carreira científica em alguns dos melhores centros de Física do mundo e oportunidades de investigação em institutos de grande projeção, recursos e prestígio. Depois da licenciatura em Física pela Universidade de São Paulo, em 1980, e do mestrado no Instituto de Física Teórica, na mesma cidade brasileira, em 1983, Orfeu Bertolami obteve o Grau Avançado em Matemática em 1984 e doutorou-se em Física Teórica em 1987, respetivamente nas universidades de Cambridge e Oxford, no Reino Unido. “O meu fascínio por algumas questões da Física, nomeadamente a Relatividade Geral e a sua ligação com a Física de Partículas, impeliu-me a fazer um doutoramento no estrangeiro. Um dos grupos mais fortes nesta área era o de Stephen Hawking, em Cambridge. Fui por isso para Cambridge, no primeiro ano. Mas depois surgiu a oportunidade de ir para um grupo de Oxford fazer uma Física extremamente específica: Física do Universo Primitivo no contexto das teorias de supergravidade e de cordas. Quando surgiu esta oportunidade, não a desperdicei e a experiência [em Oxford] foi de facto extraordinária”, garante o físico nascido em São Paulo. Depois de Oxford recebeu várias propostas de trabalho científico, vindas de Espanha, Israel, Alemanha e Portugal. Decidiu então ingressar no Institut für Theoretische Physik, em Heidelberg, na Alemanha, onde permaneceu de 1987 a 1989. “Quis continuar a Física que havia desenvolvido em Inglaterra, mas num outro nível”. Na

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Fotos Egídio Santos

Texto Ricardo Miguel Gomes

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Nascido em São Paulo, Orfeu Bertolami é hoje um dos mais reputados investigadores da U.Porto, com mais de 300 artigos científicos.

Alemanha, “o desafio era dar um contributo para essa ciência emergente, a teoria de cordas e a sua ligação com a gravitação, e aprender uma nova língua e um novo modo de pensar”. Mas havia também “um desafio pessoal”: “vindo de uma família judaica, tinha de vencer alguns preconceitos” relativamente à Alemanha. As raízes de Orfeu Bertolami são europeias e judaicas. Os seus avós maternos eram judeus polacos que fugiram da 2.ª Guerra para o Brasil, enquanto o seu bisavô paterno, Bertolami, era de origem italiana. Esta ascendência faz de Orfeu Bertolami um brasileiro europeizado, circunstância reforçada pela leitura, ainda na adolescência, dos grandes autores europeus. “Do ponto de vista intelectual, todas as minhas referências eram europeias. O meu objetivo sempre foi vir para a Europa”. Acrescenta, a propósito, que, apesar de ter “muitas afinidades com o Brasil”, nunca sentiu saudades do país nem pensou em regressar.

CHOQUE CULTURAL NO PORTUGAL DOS ANOS 80 É como brasileiro europeizado que chega ao nosso país, mas nem por isso deixou de sentir um “choque cultural” nessa feira cabisbaixa que era o Portugal dos anos 80. “Em 1989, Portugal ainda era um país extraordinariamente subdesenvolvido. Quando fui trabalhar para o Instituto de Física e Matemática, as condições eram muito precárias e havia alguns costumes sedimentados que não tinham absolutamente nada a ver com a forma de trabalhar em ciência. Pedi uma chave para trabalhar aos fins de semana e isso foi visto como uma coisa exótica. Depois de alguma relutância, lá deixaram o exótico trabalhar ao fim de semana. Em certa medida, ainda havia traços do século XIX na maneira das pessoas estarem nas universidades”. Por isso, Orfeu Bertolami é hoje “um ardente defensor de que Portugal foi dos países que melhor usou os fundos comunitários. De facto, nós nos desenvolvemos de uma forma impensável”. Esta evolução foi bastante notória na ciência e, em particular, na Física. “Acordámos para a necessidade de competir cientificamente – de termos meios, capacidade, autoconfiança. E na Física isso aconteceu muito mais rapidamente do que em qualquer outra área. A Física tem de estar sempre exposta à competição. E Portugal teve de começar a trabalhar em laboratórios internacionais, como o CERN [Centro Europeu de Investigação Nuclear, em Genebra, Suíça], por exemplo. Portanto, teve de adaptar-se a uma realidade internacional”. Para além do atraso do sistema científico nacional, Orfeu Bertolami teve à época de arrostar com os “preconceitos em relação aos brasileiros”. “Era difícil explicar que isso não tinha razão de ser, sobretudo em relação a mim, que era um híbrido por natureza. Havia preconceitos estranhos: como é que uma pessoa podia fazer um doutoramento em três anos, quando em Portugal se fazia em dez? A única conclusão é que o doutoramento que eu tinha feito era uma coisa muito superficial. Ora, eu fiz o

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Texto Ricardo Miguel Gomes

doutoramento em três anos mas intensivamente, em oposição ao método português do ‘vai-se fazendo’”. Na altura, em Portugal, “o doutoramento era o culminar de uma carreira, enquanto nos outros países era o início da carreira. Uma pessoa já estava tão cansada no final do doutoramento que nunca mais fazia investigação na vida” (risos). Orfeu Bertolami foi docente e investigador no IST até 2010. Um ano antes, concorreu a uma vaga para professor catedrático da Faculdade de Ciências (FCUP). A posição era aliciante e, “pessoalmente, seria uma mudança importante”, numa altura em que tentava ultrapassar o desgosto pela morte da sua esposa. “Nesse período difícil, houve uma compreensão muito especial da parte do reitor, Marques dos Santos, e isso também me sensibilizou muito. Dava a impressão de que realmente queriam que eu viesse para o Porto, e isso teve um papel muito positivo”. A vinda para o Porto foi um dos “capítulos mais agradáveis da minha vida. A mudança foi excelente do ponto de vista pessoal: saí de uma problemática que estava a viver e comecei tudo de novo. E o Porto era uma cidade que eu já gostava particularmente. É de facto uma nação: tem uma personalidade fortíssima e uma maneira de fazer as coisas muito marcada. Isso agrada-me muito”. Por outro lado, o Departamento de Física e Astronomia da FCUP, de que é responsável, estava mais próximo dos seus interesses científicos do que o seu congénere do IST. “O Porto sempre se distinguiu por ter uma linha de Física Experimental muito forte. Mas, apesar disso, consegue um bom equilíbrio entre Física Experimental e Física Teórica. Não havia nada disto no IST: era só teoria. Agora, está com muita energia a tentar recuperar. Mas essa marca foi sempre muito distinta da U.Porto e da FCUP. Isso é uma mais-valia”. Fotos Egídio Santos

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UM SATÉLITE PARA A U.PORTO A atividade de investigação de Orfeu Bertolami foi desenvolvida não apenas nos institutos já referidos, mas também no CERN (1993-1995), na secção de Turim do Istituto Nazionale de Fisica Nucleare (1994) e na Universidade de Nova Iorque (1999). O físico da FCUP goza, de resto, de grande prestígio internacional, tendo colaborado em projetos com a Agência Espacial Europeia e com o Jet Propulsion Laboratory da NASA, na Califórnia. É autor de mais de 300 artigos científicos e também de várias obras de divulgação, como “O Livro das Escolhas Cósmicas” (Gradiva, 2006). Apesar deste vasto currículo, Orfeu Bertolami diz ter “imensas ambições” na U.Porto, onde se dedica sobretudo ao estudo da cosmologia, da gravitação e das teorias alternativas da mecânica quântica. Um dos seus grandes objetivos é dotar a U.Porto de um pequeno satélite, à semelhança da Universidade de Vigo, que já tem três e, em 2018, terá oito destes engenhos de observação da Terra. O departamento que Orfeu Bertolami dirige está, aliás, a colaborar com a instituição galega nesta área e a ideia é aprofundar esta parceria científica, no âmbito de um projeto a submeter à Fundação para a Ciência e a Tecnologia tendo em vista a “criação de capital humano” para a construção de um satélite. “Portugal quer alargar a plataforma continental. Ora, para isso, tem de ter meios para monitorizar toda essa área. Podia fazer-se isso de uma forma inteligente através de pequenos satélites. Portugal e Espanha devem ter uma estratégia concertada de satélites de observação oceanográfica”, justifica. Orfeu Bertolami tem, no entanto, consciência das dificuldades por que passam o ensino superior e o sistema científico nacional, depois de “quatro anos de destruição criativa” pelo anterior Governo. “O desafio é muito claro: temos dificuldades em conseguir financiamentos substanciais. Estamos num período de retração do sistema 43

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universitário, em oposição ao que aconteceu na última década, em que o sistema estava francamente em expansão”. Acresce um outro problema: o envelhecimento do quadro docente. “Não temos verbas nem estratégia para, de forma inteligente, planear a renovação do sistema universitário. Temos resolvido o problema casuisticamente, quando, tendo em conta a sua magnitude, precisávamos de uma estratégia. Há que alocar recursos financeiros para, nos próximos anos, no intervalo de uma década, termos um plano inteligente e sustentado para substituir os quadros da universidade”. Nos últimos sete anos, diz, o Departamento de Física da FCUP perdeu 30% do seu quadro docente. “São números estarrecedores”, mas que, ainda assim, não impediram o departamento de publicar, em 2016, quase 10% dos artigos científicos da U.Porto. De resto, garante, “a Física em Portugal é mais competitiva do que na Alemanha”.

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PAULA QUEIRÓS RECEBE PRÉMIO DE EXCELÊNCIA PEDAGÓGICA

INESC TEC ARREBATA PRÉMIOS EDPARTNERS O INESC TEC foi o grande vencedor da 3.ª edição dos Prémios EDPartners, ao arrebatar o primeiro lugar nas categorias “Inovação” e “Excelência para o Fornecedor do Ano”. O Prémio Inovação distinguiu um projeto do INESC TEC de inspeção de ativos elétricos (linhas, subestações e aerogeradores), com recurso a drones de asas rotativas. Já o Prémio de Fornecedor de Excelência reconhece o parceiro da EDP que apresentou o projeto mais bem-sucedido de entre todas as categorias a concurso. A conquista destes prémios ganha uma importância acrescida por se tratar de uma iniciativa de âmbito ibérico, que distingue atores relevantes do mercado da energia português e espanhol.

O projeto “Da formação à profissão: reflexões acerca do ‘como’ se pode ensinar a ser professor”, da autoria de Paula Queirós, professora da FADEUP, foi o grande vencedor da 5.ª edição do Prémio de Excelência Pedagógica da U.Porto. “Que os estudantes façam as atividades, mas pensem sobre elas”. É isto que Paula Queirós pretende dos seus estudantes, sendo sensível à “importância da dimensão reflexiva durante a formação académica”. Passar da teoria à prática é um processo complexo, e uma das metodologias da unidade curricular lecionada pela professora do Departamento de Pedagogia do Desporto da FADEUP passa por “confrontar os estudantes com as suas preconceções e ir desmontando-as ao longo do semestre, pois o objetivo principal é que eles comecem a aprender como é ser-se professor”.

MEDALHA L’ORÉAL PARA INVESTIGADORA DO I3S

Maria Inês Almeida foi uma das quatro jovens investigadoras distinguidas na 13.ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência (doutoradas há menos de cinco anos e com idade até 35), que têm um valor unitário de 15 mil euros. A investigadora do i3S viu assim reconhecida a excelência do seu trabalho científico, que conjuga a biologia molecular e a regeneração de tecidos. Maria Inês Almeida está a desenvolver um projeto denominado “RNA não-codificante: uma nova ferramenta terapêutica na regeneração óssea”, que poderá ajudar a travar doenças como a osteoporose.

talento

Pelo 7.º ano consecutivo, a Porto Business School (PBS) volta a figurar entre as melhores escolas de negócio do mundo e reforça a sua posição em Open Executive Education, de acordo com o último Executive Education Ranking do “Financial Times”. A PBS conquistou mais uma posição em Formação para Executivos (Open), passando da 70.ª posição para a 69.ª. No mesmo ranking também figura como a 5.ª melhor do mundo (e a 1.ª em Portugal) na categoria Partner Schools, que avalia a qualidade dos programas realizados em parceria com outras escolas de negócios. Já na categoria Custom Executive Education, a PBS ocupa agora o 75.º lugar.

PBS ENTRE AS MELHORES DO MUNDO

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O Presidente da República condecorou, em abril, o arquiteto Álvaro Siza com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, distinção que reconhece as excepcionais qualidades de pedagogo do professor catedrático jubilado da FAUP. Em cerimónia realizada no Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa disse estar a “agraciar um génio multifacetado: de criação mas também de pedagogia, de inventiva mas de serviço de comunidade, de afirmação pessoal mas também militância cívica”. Na mesma ocasião, o Presidente agradeceu a Álvaro Siza por todos os dias fazer as pessoas acreditarem “um pouco mais em Portugal”.

Foto Egídio Santos


COMO O PORTO SE TORNOU UMA REFERÊNCIA EM

ENVELHECIMENTO ATIVO E SAUDÁVEL

A U.Porto reuniu mais de 90 instituições da região para dar resposta a um dos principais desafios do país: garantir maior qualidade de vida à população idosa, que deverá triplicar nos próximos 30 anos. Assim nasceu o Porto4Ageing – Centro de Excelência em Envelhecimento Ativo e Saudável que, sob a coordenação da Universidade e da autarquia portuense, agrega centros de investigação, decisores políticos, prestadores de cuidados, empresas, indústria e a sociedade civil numa área claramente interdisciplinar e de grande potencial científico, socioeconómico e humano.

ciência&tecnologia

Texto Raul Santos

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Foi nos claustros dos Paços do Concelho que o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, e o reitor da U.Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, anunciaram publicamente, em abril de 2016, o lançamento da candidatura da região a Sítio de Referência em Envelhecimento Ativo e Saudável da União Europeia (UE). O local e os protagonistas sublinharam a importância do momento: as duas mais relevantes instituições da cidade lideravam um consórcio, na altura, com mais de 70 entidades locais, regionais e nacionais que pretendia colocar a Área Metropolitana do Porto (AMP) na linha da frente da Europa na resposta ao desafio do envelhecimento com qualidade de vida. Coordenado pela Universidade e pela autarquia, o Porto4Ageing – Centro de Excelência em Envelhecimento Ativo e Saudável agrega centros de investigação, decisores políticos, prestadores de cuidados, empresas, indústria e a sociedade civil em torno deste objetivo fulcral para o futuro de uma região que, só entre 2011 e 2015, viu aumentar em 44% o número de residentes com mais de 65 anos de idade. Na apresentação do consórcio, Feyo de Azevedo sublinhou “a abrangência da cooperação institucional em torno do Porto4Ageing. Infelizmente, não é muito comum este espírito de cooperação institucional na sociedade portuguesa, onde ainda impera uma visão centralizadora e individualista do funcionamento das instituições. Neste pressuposto, o consócio é um exemplo para o país, para outras instituições e para os cidadãos em geral”. A candidatura do consórcio Porto4Ageing viria a dar frutos pouco mais de seis meses depois. A 7 de dezembro de 2016, a vicereitora da U.Porto para a Investigação, Maria João Ramos, e o então vereador da autarquia com o pelouro da Ação Social, Manuel

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Pizarro, recebiam em Bruxelas o troféu que consagrava a AMP como Sítio de Referência em Envelhecimento Ativo e Saudável da UE. Desta forma, o Porto passou a ser a segunda região portuguesa a fazer parte do restrito lote de 74 territórios europeus distinguidos pela Comissão Europeia nesta área. Um lote ao qual será dedicado, só nos próximos dois anos, um investimento global de mais de 4 biliões de euros para financiar atividades de desenvolvimento, implantação e ampliação da inovação digital na área do envelhecimento ativo e saudável, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida de mais de 5 milhões de seniores em toda a Europa.

CENÁRIOS PESSIMISTAS O nível de investimento que a UE pretende canalizar para a procura de novas soluções para o envelhecimento ativo e saudável é a maior evidência de que as instituições europeias encaram esta questão como um dos mais importantes desafios societais para o futuro da Europa. De facto, as projeções apontam para que a população europeia com mais de 65 anos de idade duplique no próximo meio século, período em que deverá triplicar o número de cidadãos com mais de 80 anos de idade. Um cenário que tem uma justificação simples: a esperança média de vida na Europa aumentará exponencialmente ao mesmo tempo que o número de novos nascimentos irá diminuir progressivamente, criando as condições necessárias a um acentuado envelhecimento da população. Portugal não foge a esta tendência – é, aliás, o quinto país mais

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envelhecido da Europa dos 28. Os dados são claros: em 2015, apenas 6% da população portuguesa tinha mais de 80 anos de idade; em 2050, essa percentagem deverá atingir os 14%, subindo até aos 18% no final do século, de acordo com as mais recentes projeções das Nações Unidas para a população mundial. Nos cenários mais pessimistas traçados pelo INE, em 2060, o índice de envelhecimento do país mais do que triplicará do atual valor de 143,9 para uns impressionantes 464,4. Quer isto dizer que, daqui a pouco mais de quatro décadas, Portugal poderá ter 4,6 cidadãos com mais de 65 anos por cada jovem com menos de 15 anos de idade. Até os cenários mais otimistas apontam para que, no mínimo, o índice de envelhecimento do país irá duplicar até 2060. Cenários que se repetem na AMP e, muito particularmente, no concelho do Porto, cidade onde em 2015 os cidadãos com mais de 65 anos de idade constituíam já 27% da população total, quando a média nacional se ficava pelos 21%. As projeções do INE para a região Norte indicam que a proporção da população sénior aumentará dos atuais 19% para um valor entre os 38% e os 46% até 2060.

ESFORÇO CONJUNTO DA REGIÃO

NO PORTO, EM 2015, OS CIDADÃOS COM MAIS DE 65 ANOS DE IDADE CONSTITUÍAM JÁ 27% DA POPULAÇÃO TOTAL, QUANDO A MÉDIA NACIONAL SE FICAVA PELOS 21%. AS PROJEÇÕES DO INE PARA A REGIÃO NORTE INDICAM QUE A PROPORÇÃO DA POPULAÇÃO SÉNIOR AUMENTARÁ DOS ATUAIS 19% PARA UM VALOR ENTRE OS 38% E OS 46% ATÉ 2060.

Perante estes cenários e aproveitando a oportunidade criada pelo financiamento comunitário disponível, a U.Porto decidiu reunir esforços na região para lidar com esta nova realidade. O consórcio Porto4Ageing nasceu, pois, com o propósito de ser um centro agregador e um espaço de discussão de questões relacionadas com o envelhecimento ativo e saudável na AMP, agrupando os diversos atores regionais que trabalham e têm interesses nesta área. Depois de ter encabeçado a candidatura da AMP a Sítio de Referência em Envelhecimento Ativo e Saudável da UE com 70 instituições parceiras, o Porto4Ageing congrega já mais de 90 entidades da região, entre as quais a CCDR-N, a AMP, o Centro Hospitalar São João, o Centro Hospitalar do Porto, o IPO, a Santa Casa de Misericórdia, a Escola Superior de Enfermagem Santa Maria e as diversas ordens profissionais (Médicos, Enfermeiros, Psicólogos, Farmacêuticos e Nutricionistas). Como explica Elísio Costa, coordenador do consórcio e professor da Faculdade de Farmácia da U.Porto, o objetivo declarado do Porto4Ageing é “criar na região um ecossistema de centros de investigação, instituições e empresas que, em conjunto, pensem em soluções inovadoras para promover o envelhecimento ativo e saudável”. Para isso, o consórcio aposta numa abordagem de quadrupla hélice, envolvendo as diferentes partes interessadas que se encontram em posição para conduzir mudanças estruturais para inovar e testar novos serviços e produtos para seniores em contextos do mundo real. “Foi muito importante termos conseguido colocar em diálogo todos estes atores locais e regionais que, na prática, trabalhavam de forma independente para o mesmo propósito: aumentar a qualidade de vida da população idosa”, sublinhou Elísio Costa, dando como exemplo tangível a realização do primeiro Open Day do Porto4Ageing, a 9 de maio último.

ciência&tecnologia

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Perto de 150 pessoas, representantes das mais de 90 instituições, empresas e entidades públicas da AMP que integram o consórcio, reuniram-se na U.Porto para um dia de workshops e apresentações institucionais pensados para permitir a troca de experiências e contactos entre todos os parceiros. “Na prática, conseguimos que os membros do Porto4Ageing dessem a conhecer as competências que necessitam do consórcio e as competências que têm para oferecer ao consórcio”, explicou Elísio Costa.

PRIMEIRA APLICAÇÃO O dia aberto do Porto4Ageing ficou marcado pela apresentação da primeira inovação desenvolvida no âmbito do consórcio: a FrailSurvey, uma app para smartphone que permitirá a cada idoso realizar uma autoavaliação de fragilidade. A aplicação – disponível para download gratuito em sistemas operativos IOS e Android – avalia diversos aspetos da vida da população mais idosa, nomeadamente a sua mobilidade, forma física, visão, audição, alimentação, assim como aspetos cognitivos e psicossociais. Os resultados obtidos vão permitir determinar as estratégias de intervenção necessárias junto do idoso, diminuindo assim o risco de fragilidade e proporcionando um envelhecimento com maior qualidade de vida. Desenvolvida em colaboração com o Sítio de Referência Lazio Regional Health Service de Roma (Itália), a aplicação é apenas o primeiro exemplo prático das possibilidades abertas pela integração da AMP nesta rede de Sítios de Referência em Envelhecimento Ativo e Saudável da UE. Ainda em março deste ano, o Porto4Ageing viu aprovado o financiamento comunitário de outros dois projetos a serem desenvolvidos em parceria com outros sítios de referência. O primeiro destes projetos designa-se por Academia do Bem Envelhecer, uma iniciativa desenvolvida em parceria com o Sítio de Referência Gérontopôle Autonomie Longévité des Pays de la Loire (Nantes, França), que prevê a criação em Portugal de uma plataforma online semelhante à plataforma existente em França (www.academie-bienvieillir.fr) e à plataforma europeia (www. aloha-academy.eu), ambas dedicadas a informar e formar idosos e prestadores de cuidados nas áreas da vacinação, hábitos de vida saudáveis e uso adequado dos antibióticos e outras questões de saúde na terceira idade. O segundo projeto já financiado versa uma aplicação informática para rastreio rápido de alterações cognitivas no idoso pela comunidade, cabendo o seu desenvolvimento aos sítios da República da Irlanda, Campânia (Itália) e Catalunha (Espanha).

PASSOS PARA O FUTURO Mas estes são ainda os primeiros passos de um projeto mais vasto que pode vir a ser determinante na transformação da qualidade de vida de milhares de cidadãos da região Norte e do país. Uma iniciativa que assenta num inovador modelo cooperativo entre todos os 49

Texto Raul Santos

Uma app inovadora A aplicação FrailSurvey (Inquérito de Fragilidade, em português) permite ao idoso, ou aos seus prestadores de cuidados, realizar uma autoavaliação da mobilidade, forma física, visão, audição, alimentação e aspetos cognitivos e psicossociais.

atores sociais, como forma de dar resposta a desafios concretos da sociedade contemporânea. Um modelo de atuação que pode vir a ser replicado noutras áreas, como fez questão de frisar a vice-reitora Maria João Ramos no lançamento da candidatura do Porto4Ageing a sítio de referência: “A U.Porto está muito empenhada na investigação científica e isso significa também responder às prioridades estabelecidas pela Comissão Europeia, através do programa Horizonte 2020. No caso do envelhecimento ativo e saudável, a Universidade tem um vasto conjunto de competências que nos permite dar resposta ao número crescente de população sénior da região”. Uma resposta para um problema societal para o qual a Universidade pode dar uma contribuição significativa, colocando os seus recursos e competências ao serviço da sociedade, num esforço conjunto com as instituições da região para melhorar a qualidade de vida da população idosa – presente e futura – do Porto. Para Feyo de Azevedo, “a U.Porto é um dos principais motores de desenvolvimento da cidade, da região Norte e de Portugal, fornecendo, neste caso particular, muito do capital intelectual e da massa crítica que enformam o Porto4Ageing”. O reitor da U.Porto vê também “o Porto4Ageing como uma iniciativa charneira no cluster de saúde do Norte, capaz de promover a transferência de conhecimento entre o meio científico e as unidades hospitalares da região, as instituições de solidariedade social, a indústria farmacêutica, as empresas de biotecnologia e os laboratórios públicos e privados. Estou convicto de que, com o contributo do Porto4Ageing, este mesmo cluster pode tornar-se mais competitivo na investigação, desenvolvimento, fabrico e comercialização de produtos e serviços associados ao envelhecimento ativo e saudável”.

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DE VOLTA À FORMA DEPOIS DO CANCRO

quadro de honra

Desde o início do ano letivo que um grupo de estudantes da Faculdade de Desporto (FADEUP) ajuda sobreviventes de cancro a recuperar a forma física. Fomos a uma aula e percebemos que, entre flexões e agachamentos, há muito mais a ganhar do que músculos. O programa “De volta à forma” também ajuda a tirar “minhocas” da cabeça e dá para conversar, desopilar, galhofar, rir, desabafar… Enfim, todo um convívio que se gera entre quem resgatou a esperança.

Texto Tiago Reis

As “minhocas” abandonam o cérebro de Cármen assim que a música dispara em direção ao jogo de espelhos que preenchem as paredes da ampla sala, com vista para o jardim. Na hora seguinte, o efeito repetir-se-á em Isabel, Maria Emília e Cristina. Há risos. Há balões. Há suor. Há palmas. E há muita vontade, ou não fosse essa a razão de existir do programa “De volta à forma”. Não é por acaso que “cancro” é palavra (quase) proibida à entrada da sala do Complexo Desportivo do Monte Aventino, que, todas as quartas e sextas-feiras, acolhe as sessões do inovador programa iniciado em 2015, pela Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL), tendo como propósito a reabilitação física e psicológica de doentes oncológicos da cidade do Porto. Perdão. Aqui falamos de “sobreviventes”… “O grupo é composto por pessoas que sobreviveram ao cancro, ou com pelo menos parte do tratamento concluído, e com autorização médica para praticarem exercício”, apresenta Maria Paula Santos, professora e resFotos Egídio Santos

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As aulas são orientadas por Beatriz Noronha e Orlando Nuno, ambos estudantes da FADEUP.

Exercícios ajudam a recuperar massa muscular perdida durante os tratamentos.

“Pôr a mexer” quem mais precisa O “De volta à forma” não é o único programa que, todas as semanas, leva os estudantes da FADEUP ao encontro da comunidade. Que o digam os 200 idosos da Área Metropolitana do Porto que, duas a cinco vezes por semana, passam pela Faculdade no âmbito do “Mais ativos, mais vividos”, um programa de exercício físico criado há 20 anos e que tem por objetivo ajudar os participantes a manter um estilo de vida saudável. Já na área da saúde mental, a faculdade trabalha regularmente com doentes com esquizofrenia e, já este ano, iniciou um programa inovador direcionado para doentes de Alzheimer e respetivos cuidadores. Fora das fronteiras da Faculdade, o GRTL colabora ainda com a Câmara Municipal do Porto num programa que, semanalmente, coloca idosos e crianças de quatro bairros sociais da cidade (Regado, São Tomé, Pasteleira e Fonte da Moura) a praticarem exercício físico em conjunto. I

Mais informações sobre estes programas através dos endereços de e-mail jcarvalho@fade.up.pt e gabrtl@fade.up.pt, ou do telefone 225 074 785. ponsável do Gabinete de Recreação e Tempos Livres (GRTL) da Faculdade de Desporto (FADEUP). Foi ali que o convite chegou no final do ano letivo passado, em jeito de desafio: ajudar os participantes do programa a combater a perda de massa muscular que decorre do tratamento a que foram submetidos. “Dentro dos programas que desenvolvemos junto da comunidade, não tínhamos nenhuma área voltada para este público tão especial, pelo que aceitamos logo”, recorda a docente. De volta à sala dos espelhos, a fórmula é aplicada, desde outubro de 2016, por Beatriz Noronha e Orlando Nuno, a dupla de estudantes do 3.º ano da licenciatura de Ciências do Desporto (opção de Exercício e Saúde) da FADEUP a quem cabe a missão de orientar as aulas. Ela impõe-se pela voz de comando e pelo jogo de corpo contagiante. Ele faz valer o jeito calmeirão numa sala onde são elas quem mais ordena. Juntos, encontraram no “De volta à forma” um desafio que os obrigou a ir para além do que aprendem na sala de aula. “O que 51

fizemos foi conhecer as pessoas, perceber o processo que tiveram e, a partir daí, tentar estudar caso a caso para prepararmos as aulas de acordo com a especificidade e limitações de cada um. A ideia é fazer um acompanhamento mais ou menos personalizado”, explica Beatriz. Entre agachamentos, sprints, flexões e levantamento de pesos, os aspetos trabalhados nas aulas visam sobretudo a recuperação e o aumento da mobilidade/flexibilidade e da aptidão física dos participantes. Os resultados, esses, vão muito para além disso. “Muitas vezes as pessoas chegam aqui sem vontade, mas chegam ao fim da aula e agradecem porque esqueceram a noite mal passada, ou as dores que têm. Isso dános imenso prazer”, nota Orlando.

FAZ BEM À MENTE E AO FÍSICO Para Cármen, a ‘receita’ funciona há já dois anos. No “De volta à forma” encontrou a solução para “carregar as ener-

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gias” que os tratamentos a um cancro da mama, detetado há cinco anos, lhe vão tirando. “Hoje em dia manobro melhor os braços e as pernas, apesar dos problemas que tenho nos ossos”, diz. Mas não só. “A gente anda sempre com a cabeça cheia de minhocas e isto alivia-nos um bocadinho. O meu marido até diz que desde que vim para aqui, pareço outra…”. Não é a única. A frequentar as aulas desde janeiro de 2016, Isabel Fonseca cruzou-se com o programa no Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO – Porto), onde faz voluntariado. Há sete anos, entrava ali com um diagnóstico de cancro da mama. “Fisicamente, eu pouco ou nada podia fazer com um braço e hoje já posso fazer quase tudo. E depois há o convívio, o rir, o conversar com as colegas e com os professores... Faz-nos bem à mente e ao físico”, confessa. À entrada para a última ronda de exercícios, Beatriz e Orlando aumentam o ritmo. De tal forma que nem todas as ‘atletas’ conseguem acompanhar à primeira. Nada que preocupe quem procura agar-

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As aulas decorrem duas vezes por semana no Complexo Monte Aventino.

Como participar? Destinado a doentes oncológicos do Porto ou a fazer tratamentos em centros hospitalares do Grande Porto, o “De volta à forma” coloca ao dispor dos participantes um plano de recuperação física gratuito, complementado com uma avaliação psicológica regular. As aulas são gratuitas e realizamse às quartas e sextas-feiras, das 16h00 às 17h00, no Complexo Desportivo Monte Aventino: http://www.portolazer.pt/equipamentos/ cat/complexo-desportivo-monte-aventino Informações e inscrições junto da APLL, através dos telefones 225 488 000 e/ou 914 349 313.

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rar uma segunda oportunidade na vida. Que o diga Maria Emília, cuja presença na sala desafia por si só a sentença que recebeu há 15 anos, quando lhe foi diagnosticado um cancro no útero em fase terminal. “Era um processo quase final. Não havia hipótese e afinal estou cá”. ‘Fundadora’ do programa, hoje não abdica das ‘tareias’ de Beatriz e Orlando. “Eu tive um processo bastante longo e, portanto, estar aqui já é algo fantástico. Os professores são ótimos e nós somos umas vencedoras”. De Maria Paula Santos chega também uma nota positiva. “A perceção que temos é que as pessoas gostam do trabalho dos nossos estudantes. Eles são extremamente dedicados, além de que foram muito autónomos na procura de informação para trabalhar com este público tão especial”. A música latina que vibra no sistema de som anuncia que a aula está a chegar ao fim, mas, para o quarteto de sobreviventes, a dança está longe de acabar. “Independentemente do que passam e passaram, elas pedem sempre mais. É esta força que elas têm que nós também tentamos passar”, nota Beatriz. Hoje. E no futuro. “Gostávamos que o

Texto Tiago Reis

programa continuasse nos próximos anos, e, se for com estes professores, melhor ainda”, reclamam as participantes em coro. A ideia agrada a Orlando que, no balanço de “uma experiência enriquecedora”, lamenta apenas “a pouca divulgação” de um projeto que “tem pernas para andar e faria todo o sentido em ginásios, centros hospitalares, centros de dia e centros de saúde”. Porquê? “Porque toda a gente foca o trabalho no fitness, no jovem, no adulto, e esquecese destas populações”. O repto é aceite por Maria Paula Santos, até porque, se “a ideia é que o programa continue e que possamos preparar cada vez melhor os alunos”, no ar fica a vontade de levar a iniciativa para os espaços da FADEUP. “Temos as instalações, temos os alunos, temos material e, para além de tudo isto, temos a proximidade ao IPO, ao Hospital de São João e a outras faculdades da U.Porto com quem podemos facilmente trabalhar. Se conseguimos estabelecer ligações mais fortes, todos ficariam a ganhar”. A começar por Cármen, Isabel, Maria Emília e Cristina. Para elas, a batalha de hoje acabou. Amanhã é um novo dia…

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Selfie.com A U.PORTO FEZ 106 ANOS. ESTÁ VELHA E ACABADA, OU TEM UM GRANDE FUTURO À SUA FRENTE? Ana Geraldes 5.º ano de Engenharia Química André Cardoso 5.º ano de Engenharia Química Tem um grande futuro. A internacionalização e os programas Erasmus fazem com que as pessoas tenham mais contacto com o exterior e acabam por fazer com que a Universidade se esteja sempre a desenvolver (Ana). Sim, tem um grande futuro. A Universidade está a par das novas tendências da ciência (André).

Ana Paula de Carvalho 2.º ano de Ciências de Informação (estudante Erasmus) Beatriz Ribeiro 4.º ano de Engenharia Química (estudante Erasmus) Tem muito futuro. Para quem vem de fora, a U.Porto tem muito nome e é muito conceituada (Ana Paula). [Ter] 106 anos só mostra que a Universidade cresceu e está ganhando muito nome. Está entre as melhores do mundo. Estes 106 anos fazem com que ela evolua e traga cada vez mais coisas novas para os alunos (Beatriz).

Beatriz Serpa Pinto 1.º ano de Medicina (FMUP) Raquel Falcão de Freitas 1.º ano de Medicina (FMUP) Sim, tem futuro porque estão sempre a surgir coisas novas e interessantes na ciência (Beatriz). Todos os anos procuram melhorar as coisas, fazer grandes inovações e criar oportunidades novas. Por isso, está no bom caminho (Raquel).

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Textos MM/RMG


Portugal: o desafio do crescimento, do emprego e da inovação

* Excerto do discurso que o Dr. Artur Santos Silva, então presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, proferiu no Dia da U.Porto 2017, em 22 de março último.

A nossa evolução em investigação e inovação, sobretudo na primeira década do século XXI, foi notável. Só entre 2005 e 2009, Portugal foi o país da UE com a mais elevada taxa de crescimento da intensidade de I&D em percentagem do PIB. Em cinco anos tivemos um aumento superior a 110%, ao passo que a UE apenas cresceu 10%, o que permitiu que o nosso esforço de I&D passasse a estar mais próximo da média da europeia. Mas, desde 2010, e em consequência dos efeitos da política de austeridade que tivemos que adotar, o investimento em I&D em percentagem do PIB desceu de 1,6% para menos de 1,3%. Importa, pois, corrigir este trajeto mais recente e adotar políticas que nos reaproximem dos valores médios da UE, no que respeita à nossa capacidade de investigação, bem como quanto ao aumento da nossa capacidade de translação do conhecimento, em que ainda temos um inegável défice. No conjunto dos seus 28 países membros, surgimos em 18.º lugar no European Scoreboard 2016 (quando, em 2011, ocupávamos a 15.ª posição), destacando-nos no conjunto dos indicadores que avaliam inovação nas PME, em que nos situamos acima da média europeia, em particular no que respeita à inovação na introdução de novos produtos e processos, bem como na inovação ao nível do marketing organizacional. Deve ainda destacar-se que nos situamos em 4.º lugar no ranking New Doctorate Graduates. E fomos também considerados o 30.º país mais inovador pelo Global Innovation Index 2016, organizado pelo INSEAD (num total de 128 países, de todo o mundo); se só considerarmos os países da UE, somos o 17.º. Chegou a hora de Portugal entrar num novo ciclo de progresso que todos tanto ambicionamos. Temos de retomar o caminho do crescimento, aproximando-nos dos outros países europeus, para o que é essencial o aumento do investimento privado, também uma variável fundamental para a criação de emprego. De igual modo, temos de saber continuar a controlar o desequilíbrio externo que, na década passada, foi responsável por um alarmante

aumento da dívida, em resultado do consumo e não por força do crescimento do investimento produtivo. Esta é a altura de mobilizar muitos dos nossos melhores para discutir realistas mas ambiciosas propostas para o futuro de Portugal. A capacidade de formação e geração de conhecimento das nossas universidades tem de ser o primeiro e principal recurso a mobilizar para conceber todas as reformas e mudanças de que o país precisa. Por outro lado, deve ser dada prioridade absoluta à valorização do nosso capital humano, o que recomenda que sejam asseguradas adequadas condições de financiamento ao nosso ensino superior, sem esquecer a obrigação de cumprir o desafio lançado pela Estratégia Europa 2020 (crescimento inteligente, sustentável e inclusivo), que fixa em 40% o objetivo da população entre os 30 e 34 anos que deve ter concluído licenciatura (atualmente estamos em 31,9% mas, em 2002, apenas atingíamos 12,9%). Não obstante os progressos registados no combate ao desemprego, continua a ser prioritário criar empregos e dotar os jovens de qualificações e competências que lhes permitam posicionar-se melhor face a esta situação. Se Portugal quer continuar a ambição de reforçar a sua competitividade, tem de estimular e apoiar o aumento do esforço em I&D. As políticas públicas têm de valorizar o trabalho dos investigadores em e para as empresas, refletindo tal valorização nas suas carreiras. Todos temos de ser mobilizados coletivamente, numa estratégia de longo prazo que transforme o nosso país numa sociedade mais moderna, mais livre e mais justa. Nunca tivemos, na nossa história, uma geração tão próxima dos países europeus mais avançados. Nenhum de nós perdoará um fracasso. É na capacidade de gerar conhecimento das nossas universidades e centros de investigação, tal como na vitalidade, determinação e atitude inovadora das nossas empresas, que reside o meu fundado otimismo quanto ao sucesso futuro de Portugal. Artur Santos Silva Presidente Honorário do BPI

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O ESTADO NOVO E A CONSTRUÇÃO DA SEAPORTS IN THE FIRST GLOBAL AGE SUA POLÍTICA SOCIAL – PREVIDÊNCIA – PORTUGUESE AGENTS, NETWORKS E ASSISTÊNCIA 1933-1945 AND INTERACTIONS (1500-1800) Pedro Teixeira Pereira U.Porto Edições, Série Para Saber, 45, 1.ª edição, Porto, dezembro 2015 (182 p.)

Editado por Amélia Polónia e Cátia Antunes

Esta obra nasceu da constatação, em 2004, de que a historiografia portuguesa patenteava um campo aberto de investigação que se debruçaria sobre a construção das políticas sociais em Portugal, seus vetores, suas condicionantes, seus atores e resultados. Neste contexto, aquando da realização da dissertação de mestrado em História Contemporânea do autor, foi eleita esta temática como objeto de estudo, focalizando-se a análise nos primórdios do Estado Novo. O desafio e a pertinência deste estudo adquirem maior dimensão quando se experiencia uma fase da evolução histórica, portuguesa e ocidental no seu todo, em que os modelos de proteção social e de enquadramento das populações vivenciam um período de redefinição. Os papéis do Estado e do cidadão estão a alterar-se com o propósito de acomodar uma nova realidade social, demográfica e económica, que é evidente nestas primeiras décadas do século XXI. O aprofundamento e continuidade deste estudo, numa perspetiva comparada com a Espanha franquista, foram desenvolvidos pelo autor na sua tese de doutoramento.

O advento da Primeira Era Global é tradicionalmente entendido como parte de um processo contínuo que começou durante o século XV com o início da expansão ultramarina portuguesa, seguida pela espanhola, holandesa, inglesa, francesa e, mais tarde, sueca e dinamarquesa. Neste sentido, o maior contributo de Portugal para a história da globalização não foi tanto a descoberta do caminho marítimo para a Ásia ou a chegada ao Brasil, mas sim a transformação de contactos bilaterais em relações multilaterais e multifacetadas com diferentes partes do mundo (Russel-Wood). Estas relações entre europeus, africanos, americanos e asiáticos cresceram exponencialmente no século XVI e deram origem a redes globais que serviram de ligação entre um número cada vez maior de portos marítimos. As rotas marítimas e as cidades portuárias tornaram-se, então, a interface perfeita entre diferentes redes, sistemas económicos e acordos institucionais e foram palco de jogos de poder. Em todo o mundo, as cidades portuárias deixaram de ser atores regionais para se tornarem plataformas giratórias multiculturais a nível mundial. Este livro pretende sublinhar a importância das profundas mudanças verificadas em alguns portos, durante a presença portuguesa, devido às ligações promovidas pelo comércio a nível mundial. Com este propósito, a obra faz uma abordagem multifocal para caracterizar este fenómeno resultante de alterações morfológicas e aspetos ambientais, da dinâmica económica, das transformações sociais e das práticas culturais e religiosas.

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U.Porto Edições, Estudos / Ciências Sociais e Humanas, 2, 1.ª edição, Porto, dezembro 2016 (432 p.)

A GUERRA FRIA EM MANUAIS DE HISTÓRIA EUROPEUS Cristina Maia U.Porto Edições, Série Para Saber, 50, 1.ª edição, Porto, novembro 2016 (269 p.)

A representação de nós e dos outros encontra-se muitas vezes associada à História que nos foi ensinada, em que o Manual Escolar tem um papel fulcral enquanto recurso de ensino-aprendizagem. Esta obra desenvolve um estudo comparativo do ensino da Guerra Fria em várias áreas da Europa - Europa Ocidental, Europa do Norte e Europa de Leste -, entre o período final da Guerra Fria, década de 1980, e o pós-Guerra Fria, década de 1990. Os objetos centrais deste estudo foram os Manuais Escolares de História de 17 países europeus e, sempre que foi possível, também os seus Programas Escolares. Trata-se de uma investigação pioneira em Portugal, sobretudo pela sua abrangência geográfica, diversidade política e linguística, e tratamento de um acervo documental inédito ou pouco conhecido em Portugal, sediado no Georg Eckert Institut (Alemanha). O estudo encontra os seus interesses no cruzamento entre a História da Educação e a Educação Histórica, elegendo a formação das competências históricas como a sua preocupação e averiguando o contributo do Manual Escolar na formação dos futuros cidadãos. No ponto de chegada desta viagem trazemos à luz o uso da História de forma bem diferenciada entre três regiões da Europa, geograficamente e politicamente diferentes. Podemos afirmar que a História, para além da sua vocação científica, também pode ter uma função terapêutica e até militante, este último aspeto constatado nas manipulações da história da Guerra Fria.

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